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Sumário
(não revisto)
Observa-se que estes apontamentos não pretendem e nem podem substituir os manuais
GARANTIAS
ADMINISTRATIVAS
2017
Hélder Amílcar de Livramento Pires
pireshelder1@gmail.com
GARANTIAS ADMINISTRATIVAS
SUMÁRIO
1. Garantias políticas, administrativas e contenciosas
2. Noção da garantia administrativa
3. Tipologia e alguns conceitos básicos
4. Garantias petitórias
5. Garantias impugnatórias
5.1. Reclamação
5.2. Recurso hierárquico
5.3. Recursos hierárquicos impróprios
5.4. Recurso tutelar
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Mestre HÉLDER AMÍLCAR DE LIVRAMENTO PIRES
GARANTIAS ADMINISTRATIVAS
As garantias políticas são as que têm conteúdo político e se dirigem aos órgãos
políticos, como é o caso do direito de petição, quando exercido perante qualquer órgão de
soberania, e direito de resistência1 (como as previstas nos artigos 52º e 21º da CRP,
respetivamente)2. Estas garantias não estão previstas na CRGB.
As garantias políticas não constituem uma forma eficaz de proteção dos direitos dos
particulares, porque sendo confiadas aos órgãos políticos, são apreciadas segundo critérios de
conveniência política e o que se pretende é que sejam é que sejam apreciadas com justiça e
imparcialidade, na base de critérios de natureza jurídica. Por isso são bem mais importantes
as garantias administrativas e, sobretudo, as garantias contenciosas. Estas últimas representam a
forma mais elevada e mais eficaz de defesa dos direitos subjetivos e dos interesses legítimos
dos particulares. Porque, nas garantias administrativas, os órgãos da Administração Pública
muitas vezes se movem por preocupações políticas e por critérios de eficiência na prossecução
do interesse público do que pelo desejo rigoroso e escrupuloso de respeitar a legalidade e os
direitos subjetivos ou interesses legítimos dos particulares.
1
Artigo 21.º (Direito de resistência). “Todos têm o direito de resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos,
liberdades e garantias e de repelir pela força qualquer agressão, quando não seja possível recorrer à autoridade
pública.”
2
Sublinhe-se que são igualmente garantias políticas a sujeição dos decretos-leis a ratificação parlamentar, a regra
de aprovação anual de Orçamento Geral do Estado e das contas públicas e as demais formas de controlo
parlamentar sobre a atuação do Governo. No entanto, estes não são verdadeiramente dos particulares, no
sentido de garantias que protejam os particulares em casos individuais e concretos.
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2. NOÇÃO DA GARANTIA ADMINISTRATIVA
Estas garantias são meios jurídicos de defesa dos particulares contra a administração
pública, que se efetivam através de atuação e decisão de órgãos da Administração Pública.
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Quanto à base podemos distinguir as garantias petitórias das garantias impugnatórias:
4. GARANTIAS PETITÓRIAS
(i). Direito de petição: “faculdade de dirigir pedidos à Administração Pública para que tome
determinadas decisões, preste informações ou permita o acesso aos arquivos seus ou a processos
pendentes”;
Não está em causa atacar ou impugnar qualquer decisão, tem como pressuposto a falta
de uma determinada decisão, a necessidade de consultar ou saber algo.
Podemos apontar como exemplos de direito de petição: o direito à informação dos
interessados sobre os procedimentos que diretamente lhes digam respeito (artigo 53.º
CPA) ou que provem ter interesse legítimo na matéria; o direito de consulta do
processo e de obter a passagem de certidões (artigo 54.º e 55.º CPA)…;
(ii). Direito de representação: “a faculdade de pedir ao órgão administrativo que tomou uma
decisão que a reconsidere ou confirme, em vista de previsíveis consequências negativas da sua
execução”. Pressupõe a existência de uma decisão anterior, mas o particular não
impugna a decisão (ao contrário do que acontece nas reclamações e nos recursos), o
3
FREITAS DO AMARAL, Curso do Direito Administrativo, Vol. II, 2.ª edição – reimpressão, Coimbra, 2013, p. 753.
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interessado exerce o direito de representação não para revogar ou substituir a decisão,
mas para chamar atenção sobre as consequências desta e para obter do seu autor uma
reponderação ou confirmação escrita da sua decisão, com o fito de excluir a
responsabilidade de quem vai ter de cumprir ou executar a decisão.
Exemplo, artigo 10.º do Estatuto disciplinar dos funcionários e agentes da
Administração Central, Regional ou Local (Lei n.º 9/97, de 2 de Dezembro), se
a ordem não implica a prática de um crime, a responsabilidade do funcionário pode ser
excluída se, antes da execução, o funcionário reclamar ou exigir a confirmação da ordem
por escrito, fazendo menção de que considera a ordem ilegal (artigo 10.º/1 e 2)4.
(iv). Direito de denúncia: “é o ato pelo qual o particular leva ao conhecimento de certa autoridade
a ocorrência de um determinado facto ou a existência de uma certa situação sobre os quais aquela
autoridade tenha, por dever de ofício, a obrigação de investigar”. É o direito de chamar a
atenção para situações que devem ser investigadas. Exemplo, quando se tem
conhecimento de um crime a se faz a respetiva denúncia à Polícia Judiciaria ou ao
Ministério Público.
(v). Direito de queixa – uma das modalidades do direito de denúncia – “consiste na faculdade
de promover a abertura de um processo que culminará na aplicação de uma sanção a qualquer
entidade sujeita ao poder sancionatório da Administração”. Por exemplo, queixa contra um
funcionário público que faz desencadear um processo disciplinar, podendo terminar
com a aplicação de uma pena disciplinar. Aqui, não estamos perante impugnação
porque a queixa é em relação ao comportamento. Não há queixa de atos jurídicos.
Relação entre queixa e denúncia – toda a queixa é uma denúncia, mas nem toda a denúncia
é uma queixa. De facto, há denúncias que têm por objeto outras realidades que não o
comportamento de uma pessoa singular ou coletiva.
4
Três situações são possíveis: 1 - A execução da ordem pode ser demorada sem prejuízo para o interesse público
– o funcionário ou agente pode legitimamente retardar a execução da ordem até receber resposta do seu
superior (artigo 10.º/3 a contrario); 2 - A demora na ordem pode causar prejuízo ao interesse público – neste
caso, o funcionário deve comunicar por escrito ao seu imediato superior hierárquico: i) os termos exatos da
ordem recebida, ii) o pedido formulado, iii) a não satisfação deste pedido. Deve, depois, executar a ordem, mas
não será responsabilizado pela sua prática (artigo 10.º/3); 3 – A ordem faz menção ao seu cumprimento imediato
– o funcionário deve reclamar ou exigir a confirmação da ordem por escrito, logo depois deve executar a ordem
e seguidamente deve comunicar por escrito ao seu imediato superior hierárquico: i) os termos exatos da ordem
recebida, ii) o pedido formulado, iii) a não satisfação deste pedido (artigo 10.º/4).
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(vi). Queixa à figura como “Provedor de Justiça”, “Ombudsman” (figura que teve origem na
Constituição sueca de 1809) poderia ser chamado de “defensor do povo” ou “defensor do
cidadão”, “Mediador” (em França), “Comissário Parlamentar para a Administração” (na
Inglaterra), “Defensor del Pueblo” (em Espanha).
Normalmente, é uma alta autoridade administrativa, eleita pelo parlamento,
independente do Governo, da Administração e também dos Tribunais. Recebe e
aprecia queixas dos particulares contra a Administração Pública, com poderes de
inspecionar e emitir recomendações aos órgãos da Administração Pública.
Provedor de Justiça [Portugal (artigo 23.º)5, Angola (artigo 192.º), Moçambique (artigos
256.º a 261.º) e 30.º da CRGB aprovada em 2001e engavetada].
O Provedor de Justiça não tem poder decisório, não possui competência para revogar
ou modificar atos administrativos. A sua grande “arma” é a “persuasão” – ele procura
convencer a administração a proceder de acordo com aquilo que entende ser imposto
pela lei ou regras de boa administração, emitindo recomendações. Se as recomendações
não forem seguidas, tem o direito de dar conta desses casos através de notas oficiosas,
de conferências de imprensa ou no relatório anual.
5. GARANTIAS IMPUGNATÓRIAS
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Direito de queixa para o provedor de justiça:
1. Os cidadãos podem apresentar queixas por ações ou omissões dos poderes públicos ao Provedor de Justiça,
que as apreciará sem poder decisório, dirigindo aos órgãos competentes as recomendações necessárias para
prevenir e reparar injustiças.
2. A atividade do Provedor de Justiça é independente dos meios graciosos e contenciosos previstos na Constituição
e nas leis.
3. O Provedor de Justiça é um órgão independente, sendo o seu titular designado pela Assembleia da República
pelo tempo que a lei determinar.
4. Os órgãos e agentes da Administração Pública cooperam com o Provedor de Justiça na realização da sua
missão.
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No entanto, salienta-se que uma impugnação administrativa suspende o prazo da
correspondente impugnação judicial – artigos 155.º CPA e 58.º do Código de Processo do
Contencioso Administrativo6 (CPCA).
5.1. A Reclamação
Está em causa a situação em que o órgão com competência para decidir o recurso é
diferente do órgão que tinha praticado o ato ou omitido ou recusado ilicitamente a prática do
ato. Consequentemente tem uma estrutura tripartida: o requerente (o particular que interpõe
o recurso, com a finalidade de obter a revogação, a modificação ou a substituição do ato
6
Aprovado pela Lei n.º 10/2011, de 14 de Junho e publicado no Boletim Oficia n.º 24 de 14 de Junho de 2011.
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FREITAS DO AMARAL, Curso do Direito Administrativo, Vol. II, 2.ª edição – reimpressão, Coimbra, 2013, p. 766
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impugnado); o recorrido (órgão subalterno – a quo – de cuja decisão se recorre); e a autoridade de
recurso (órgão superior – ad quem – para quem se recorre e que pode decidir o recurso).
Quanto aos fundamentos com que se pode apelar para o superior, temos que
distinguir, em primeiro lugar, os recursos hierárquicos relativos aos atos e recursos
hierárquicos relativos às omissões ou recusa de prática do ato.
No que diz respeito aos recursos hierárquicos relativos às omissões ou recusa de prática
do ato, temos uma única modalidade: o recurso hierárquico com fundamento na legitimidade
jurídica, onde o particular alega como fundamento a legitimidade jurídica do órgão recorrido
em praticar o ato ilegalmente omitido ou recusado.
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Neste particular, importa sublinhar que o legislador guineense seguiu a jurisprudência portuguesa que, na falta
de uma previsão legal, já defendia que os atos administrativos lesivos também são verticalmente definitivos e,
consequentemente, diretamente impugnáveis. Cfr. Ac. STA-P de 4 de junho de 2009 (P.º n.º 377/08). No mesmo
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Nos termos do artigo 65.º/1 do CPCA9, as autoridades cujos atos são diretamente
impugnáveis perante um tribunal com jurisdição administrativa são os órgãos administrativos
de nível II do pessoal dirigente, governadores de regiões, presidente da câmara e da
assembleia municipal ou quaisquer órgãos hierarquicamente superiores destas.
Assim, os atos praticados por estas autoridades e os atos lesivos são considerados de
atos definitivamente verticais e são diretamente impugnáveis. Em relação a estes atos cabe um
mero recurso hierárquico facultativo. Pois, os particulares interessados podem sempre recorrer
contenciosamente, se assim entenderem.
sentido os Acs. TCAN de 2 de julho de 2009 (P.º n.º 708/07.OBCBR) e TCAS de 8 de outubro de 2009 (P.º n.º
1166/06).
9
Artigo 65.º do CPCA (Definitividade vertical do ato administrativo)
1. São impugnáveis os atos praticados:
a) Ao nível da Administração central, pelos órgãos administrativos de nível II do pessoal dirigente,
nomeadamente diretores-gerais e equiparados e presidentes dos institutos públicos;
b) Ao nível da Administração periférica, pelos governadores da região;
c) Ao nível da Administração autárquica, pelo presidente da câmara e da assembleia municipal; ou
d) Por quaisquer órgãos hierarquicamente superiores aos referidos nas alíneas anteriores.
2. Dos atos praticados por órgãos hierarquicamente inferiores aos referidos no número um cabe
recurso hierárquico necessário com efeito suspensivo para estes órgãos ou para o máximo superior
hierárquico.
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FREITAS DO AMARAL, Curso do Direito Administrativo, Vol. II, 2.ª edição – reimpressão, Coimbra, 2013, p. 770
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dirigir recurso diretamente para o mais elevado superior hierárquico é designado de
recurso “per saltum”.
No que diz respeito aos prazos para impugnação do ato, o artigo 160.º do CPA
estabelece que deve ser dentro do prazo estabelecido para a impugnação contenciosa do ato
em causa ou do prazo para a interposição de ação de condenação à prática de ato
administrativo devido11. O artigo 53.º de CPCA estabelece vários prazos tendo em conta as
características do ato em causa:
Atos nulos ou inexistentes - não estão sujeita a prazo;
Atos anuláveis promovidos pelo Ministério Público (MP) - um ano;
Atos anuláveis promovidos por outras pessoas que não seja o MP – três meses;
Atos ilegalmente omitidos - um ano.
O prazo para a decisão é de 30 dias, salvo se norma especial estatuir um prazo diferente
(artigo 162.º do CPA).
11
Nos termos do artigo 53.º de CPCA (Prazos relativos à impugnação de normas e atos): “1. A impugnação de
normas e de atos nulos ou inexistentes não está sujeita a prazo. 2. Salvo disposição em contrário, a impugnação
de atos anuláveis tem lugar no prazo de: a) Um ano, se promovida pelo Ministério Público; b) Três meses, nos
restantes casos” (…) “6. Em situações de inércia da Administração, o direito de ação caduca no prazo de um ano
contado desde o termo do prazo legal estabelecido para a emissão do ato ilegalmente omitido”.
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Existência de dois órgãos da mesma pessoa coletiva – o órgão recorrido e a
autoridade de recurso;
Inexistência de relação de hierarquia entre estes órgãos;
Atribuição legal de poder de supervisão a autoridade de recurso (órgão ad quem).
Natureza excecional, isto é, só existe quando a lei expressamente o previr (parte final
do número 1 do artigo 165.º CPA). A existência de uma relação jurídica de tutela ou
de superintendência não é suficiente para concluirmos que existe possibilidade de
recurso tutelar;
Existência de dois órgãos de pessoas coletivas distintas – o órgão recorrido e a
autoridade de recurso;
Atribuição legal de poderes de tutela ou superintendência a autoridade de recurso
(órgão ad quem);
Só pode ter por fundamento o mérito do ato recorrido nos casos em que a lei
estabeleça uma tutela desta natureza (artigo 165.º/2 CPA);
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Tanto a modificação do ato recorrido, como a prática do ato legalmente omitido ou
recusado carecem de uma previsão legal expressa (artigo 165.º/3 e 4 CPA),
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