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Faculdade de Direito de Bissau

Ano letivo de 2016/2017


DIREITO ADMINISTRATIVO II

Sumário
(não revisto)
Observa-se que estes apontamentos não pretendem e nem podem substituir os manuais

GARANTIAS
ADMINISTRATIVAS

2017
Hélder Amílcar de Livramento Pires
pireshelder1@gmail.com
GARANTIAS ADMINISTRATIVAS

SUMÁRIO
1. Garantias políticas, administrativas e contenciosas
2. Noção da garantia administrativa
3. Tipologia e alguns conceitos básicos
4. Garantias petitórias
5. Garantias impugnatórias
5.1. Reclamação
5.2. Recurso hierárquico
5.3. Recursos hierárquicos impróprios
5.4. Recurso tutelar
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Garantias Administrativas
Mestre HÉLDER AMÍLCAR DE LIVRAMENTO PIRES
GARANTIAS ADMINISTRATIVAS

1. GARANTIAS POLÍTICAS, ADMINISTRATIVAS E CONTENCIOSAS

A ideia de garantia dos administrados está ligada à atribuição de determinados


poderes jurídicos aos particulares que funcionem como proteção contra os abusos e
ilegalidades da Administração Pública.

Dependendo da natureza do órgão através do qual o administrado efetiva os seus


direitos ou interesses, as garantias podem ser políticas, administrativas (graciosas) ou
contenciosas (jurisdicionais).

As garantias políticas são as que têm conteúdo político e se dirigem aos órgãos
políticos, como é o caso do direito de petição, quando exercido perante qualquer órgão de
soberania, e direito de resistência1 (como as previstas nos artigos 52º e 21º da CRP,
respetivamente)2. Estas garantias não estão previstas na CRGB.

As garantias administrativas ou graciosas são aquelas que se efetivam através da


atuação e decisão de órgãos de Administração Pública.

As garantias jurisdicionais ou contenciosas são as garantias que se efetivam através


dos tribunais.

As garantias políticas não constituem uma forma eficaz de proteção dos direitos dos
particulares, porque sendo confiadas aos órgãos políticos, são apreciadas segundo critérios de
conveniência política e o que se pretende é que sejam é que sejam apreciadas com justiça e
imparcialidade, na base de critérios de natureza jurídica. Por isso são bem mais importantes
as garantias administrativas e, sobretudo, as garantias contenciosas. Estas últimas representam a
forma mais elevada e mais eficaz de defesa dos direitos subjetivos e dos interesses legítimos
dos particulares. Porque, nas garantias administrativas, os órgãos da Administração Pública
muitas vezes se movem por preocupações políticas e por critérios de eficiência na prossecução
do interesse público do que pelo desejo rigoroso e escrupuloso de respeitar a legalidade e os
direitos subjetivos ou interesses legítimos dos particulares.

Vamos falar mais pormenorizadamente desta garantia na próxima parte do programa


do curso. Nesta parte da matéria, o que mais nos interessa são as garantias administrativas.

1
Artigo 21.º (Direito de resistência). “Todos têm o direito de resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos,
liberdades e garantias e de repelir pela força qualquer agressão, quando não seja possível recorrer à autoridade
pública.”
2
Sublinhe-se que são igualmente garantias políticas a sujeição dos decretos-leis a ratificação parlamentar, a regra
de aprovação anual de Orçamento Geral do Estado e das contas públicas e as demais formas de controlo
parlamentar sobre a atuação do Governo. No entanto, estes não são verdadeiramente dos particulares, no
sentido de garantias que protejam os particulares em casos individuais e concretos.
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2. NOÇÃO DA GARANTIA ADMINISTRATIVA

Estas garantias são meios jurídicos de defesa dos particulares contra a administração
pública, que se efetivam através de atuação e decisão de órgãos da Administração Pública.

Esta garantia aproveita as próprias estruturas administrativas e os controlos de mérito


e de legalidade nelas utilizados. Por exemplo, a lei atribui aos particulares a faculdade de
solicitar e obter a revogação ou modificação dos atos ilegais ou inconvenientes que ponham
em causa os respetivos direitos e interesses, através do próprio órgão que pratica o ato, dos
superiores hierárquicos ou das entidades tutelares.

Para o efeito, existem os designados procedimentos administrativos de controlo, que visam


a produção de decisões de apreciação de condutas administrativas anteriores positivas ou
omissivas. De facto, nos termos do artigo 152.º do CPA, os procedimentos de controlo podem
visar tanto a apreciação da legalidade ou do mérito de uma decisão (ação), como a omissão ou
recusa ilegal da prática de um ato administrativo.

As garantias administrativas podem ser petitórias ou impugnatórias. Estes últimos


pressupõem um ato administrativo prévio, que se impugna, diferentemente das garantias
petitórias.

3. TIPOLOGIA E ALGUNS CONCEITOS BÁSICOS

Uma garantia pode ser de iniciativa oficiosa ou particular.

A iniciativa é oficiosa quando o procedimento de impugnação é iniciado pela


administração. De facto, por iniciativa da administração, os atos administrativos podem ser
revogados (artigo 131.º CPA), retificados (artigo 137.º CPA), etc.

O procedimento de controlo é de iniciativa particular quando é iniciado por particular,


individual ou coletivamente (artigo 131.º e 150.º CPA), mediante a apresentação de petições,
reclamações, recursos, etc.

Os órgãos administrativos envolvidos podem ser:

 Órgão ad quem (para quem) – órgão competente para decidir;


 Órgão a quo (de quem) – órgão autor do ato ou da omissão.

Quanto ao fundamento ou modalidade de apreciação podemos distinguir as garantias


de mérito e de legalidade:

 As garantias de mérito são aquelas que visam apreciar o mérito, ou seja, a


conveniência, adequação e oportunidade…;
 As garantias de legalidade são aquelas que visam apreciar a legalidade de um ato.

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Quanto à base podemos distinguir as garantias petitórias das garantias impugnatórias:

 As petitórias têm por base um pedido, não pressupõe a existência de um ato


administrativo prévio (Ex.: direito de petição, direito de representação, direito de queixa,
queixa ao “provedor de justiça” e direito a oposição administrativa);
 As impugnatórias têm por base uma impugnação, pressupõem um ato
administrativo prévio, que se impugna ou a omissão ou recusa ilegal de prática de
um ato. As impugnações administrativas podem ser reclamações ou recursos:
 Na reclamação, o órgão ad quem do procedimento de controlo é o mesmo
órgão que praticou (omitiu) o ato – artigo 156.º do CPA;
 No recurso, o órgão ad quem do procedimento de controlo é um órgão
diverso do autor do ato ou da omissão cuja apreciação se pretende.
Dependendo da relação entre o órgão a quo e ad quem, os recursos podem
ser qualificados de:
 Recurso hierárquico, quando o órgão ad quem do procedimento de
controlo é o superior hierárquico do órgão a quo – artigo 159.º CPA;
 Recurso hierárquico impróprio, quando o órgão ad quem do
procedimento de controlo é um órgão da mesma pessoa coletiva do
órgão a quo e que sobre este exerce poder de supervisão sem ser seu
superior hierárquico – artigo 164.º CPA;
 Recurso tutelar, quando o órgão ad quem é um órgão de uma pessoa
coletiva distinta da pessoa coletiva do órgão a quo e que sobre este
exerce poderes de tutela ou de superintendência – artigo 165.º CPA.

4. GARANTIAS PETITÓRIAS

As garantias petitórias são aquelas que não pressupõem a prática de um ato


administrativo a impugnar e incluem cinco espécies3:

(i). Direito de petição: “faculdade de dirigir pedidos à Administração Pública para que tome
determinadas decisões, preste informações ou permita o acesso aos arquivos seus ou a processos
pendentes”;
Não está em causa atacar ou impugnar qualquer decisão, tem como pressuposto a falta
de uma determinada decisão, a necessidade de consultar ou saber algo.
Podemos apontar como exemplos de direito de petição: o direito à informação dos
interessados sobre os procedimentos que diretamente lhes digam respeito (artigo 53.º
CPA) ou que provem ter interesse legítimo na matéria; o direito de consulta do
processo e de obter a passagem de certidões (artigo 54.º e 55.º CPA)…;

(ii). Direito de representação: “a faculdade de pedir ao órgão administrativo que tomou uma
decisão que a reconsidere ou confirme, em vista de previsíveis consequências negativas da sua
execução”. Pressupõe a existência de uma decisão anterior, mas o particular não
impugna a decisão (ao contrário do que acontece nas reclamações e nos recursos), o

3
FREITAS DO AMARAL, Curso do Direito Administrativo, Vol. II, 2.ª edição – reimpressão, Coimbra, 2013, p. 753.
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interessado exerce o direito de representação não para revogar ou substituir a decisão,
mas para chamar atenção sobre as consequências desta e para obter do seu autor uma
reponderação ou confirmação escrita da sua decisão, com o fito de excluir a
responsabilidade de quem vai ter de cumprir ou executar a decisão.
 Exemplo, artigo 10.º do Estatuto disciplinar dos funcionários e agentes da
Administração Central, Regional ou Local (Lei n.º 9/97, de 2 de Dezembro), se
a ordem não implica a prática de um crime, a responsabilidade do funcionário pode ser
excluída se, antes da execução, o funcionário reclamar ou exigir a confirmação da ordem
por escrito, fazendo menção de que considera a ordem ilegal (artigo 10.º/1 e 2)4.

(iii). Direito de oposição administrativa: é uma “contestação que em certos procedimentos


administrativos os contrainteressados têm o direito de apresentar para combater quer os pedidos
formulados por outrem à Administração, quer as iniciativas da Administração que esta tenha
resolvido divulgar ao público”. Assenta na existência de um pedido dirigido à
Administração Pública para que considere as razões ou pontos de vista do particular.
Podemos tomar como exemplo a situação em que a Administração Pública toma a
iniciativa de divulgar um determinado projeto de interesse público (construção de
estrada, barragem, escola…), sendo que a lei concede a certas pessoas ou entidades o
direito de deduzirem oposição a esse projeto da Administração.

(iv). Direito de denúncia: “é o ato pelo qual o particular leva ao conhecimento de certa autoridade
a ocorrência de um determinado facto ou a existência de uma certa situação sobre os quais aquela
autoridade tenha, por dever de ofício, a obrigação de investigar”. É o direito de chamar a
atenção para situações que devem ser investigadas. Exemplo, quando se tem
conhecimento de um crime a se faz a respetiva denúncia à Polícia Judiciaria ou ao
Ministério Público.

(v). Direito de queixa – uma das modalidades do direito de denúncia – “consiste na faculdade
de promover a abertura de um processo que culminará na aplicação de uma sanção a qualquer
entidade sujeita ao poder sancionatório da Administração”. Por exemplo, queixa contra um
funcionário público que faz desencadear um processo disciplinar, podendo terminar
com a aplicação de uma pena disciplinar. Aqui, não estamos perante impugnação
porque a queixa é em relação ao comportamento. Não há queixa de atos jurídicos.

Relação entre queixa e denúncia – toda a queixa é uma denúncia, mas nem toda a denúncia
é uma queixa. De facto, há denúncias que têm por objeto outras realidades que não o
comportamento de uma pessoa singular ou coletiva.

4
Três situações são possíveis: 1 - A execução da ordem pode ser demorada sem prejuízo para o interesse público
– o funcionário ou agente pode legitimamente retardar a execução da ordem até receber resposta do seu
superior (artigo 10.º/3 a contrario); 2 - A demora na ordem pode causar prejuízo ao interesse público – neste
caso, o funcionário deve comunicar por escrito ao seu imediato superior hierárquico: i) os termos exatos da
ordem recebida, ii) o pedido formulado, iii) a não satisfação deste pedido. Deve, depois, executar a ordem, mas
não será responsabilizado pela sua prática (artigo 10.º/3); 3 – A ordem faz menção ao seu cumprimento imediato
– o funcionário deve reclamar ou exigir a confirmação da ordem por escrito, logo depois deve executar a ordem
e seguidamente deve comunicar por escrito ao seu imediato superior hierárquico: i) os termos exatos da ordem
recebida, ii) o pedido formulado, iii) a não satisfação deste pedido (artigo 10.º/4).
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(vi). Queixa à figura como “Provedor de Justiça”, “Ombudsman” (figura que teve origem na
Constituição sueca de 1809) poderia ser chamado de “defensor do povo” ou “defensor do
cidadão”, “Mediador” (em França), “Comissário Parlamentar para a Administração” (na
Inglaterra), “Defensor del Pueblo” (em Espanha).
Normalmente, é uma alta autoridade administrativa, eleita pelo parlamento,
independente do Governo, da Administração e também dos Tribunais. Recebe e
aprecia queixas dos particulares contra a Administração Pública, com poderes de
inspecionar e emitir recomendações aos órgãos da Administração Pública.
Provedor de Justiça [Portugal (artigo 23.º)5, Angola (artigo 192.º), Moçambique (artigos
256.º a 261.º) e 30.º da CRGB aprovada em 2001e engavetada].
O Provedor de Justiça não tem poder decisório, não possui competência para revogar
ou modificar atos administrativos. A sua grande “arma” é a “persuasão” – ele procura
convencer a administração a proceder de acordo com aquilo que entende ser imposto
pela lei ou regras de boa administração, emitindo recomendações. Se as recomendações
não forem seguidas, tem o direito de dar conta desses casos através de notas oficiosas,
de conferências de imprensa ou no relatório anual.

5. GARANTIAS IMPUGNATÓRIAS

As garantias impugnatórias são os meios de impugnação de atos administrativos


perante órgãos da administração. Estas garantias consubstanciam-se em admitir os
particulares impugnar um comportamento da administração, podendo este comportamento
consistir na prática de um ato ou na omissão ou recusa ilegítima da sua prática (artigo 150.º
CPA).

Tem legitimidade para impugnar administrativamente os particulares que têm


legitimidade para iniciar e intervir no procedimento administrativo primário (artigo 151.º/1),
ou seja, os que se considerem lesados nos seus direitos subjetivos ou interesses legítimos pelo
ato em causa e todos aqueles que podem intervir procedimentalmente na defesa dos interesses
difusos (artigo 151.º/2).

Em princípio, as impugnações administrativas não têm efeito suspensivo (do


procedimento) da impugnação, salvo quando consideram que a execução imediata do ato
pode causar prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação para os particulares – artigo 153.º/1.

5
Direito de queixa para o provedor de justiça:
1. Os cidadãos podem apresentar queixas por ações ou omissões dos poderes públicos ao Provedor de Justiça,
que as apreciará sem poder decisório, dirigindo aos órgãos competentes as recomendações necessárias para
prevenir e reparar injustiças.
2. A atividade do Provedor de Justiça é independente dos meios graciosos e contenciosos previstos na Constituição
e nas leis.
3. O Provedor de Justiça é um órgão independente, sendo o seu titular designado pela Assembleia da República
pelo tempo que a lei determinar.
4. Os órgãos e agentes da Administração Pública cooperam com o Provedor de Justiça na realização da sua
missão.
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No entanto, salienta-se que uma impugnação administrativa suspende o prazo da
correspondente impugnação judicial – artigos 155.º CPA e 58.º do Código de Processo do
Contencioso Administrativo6 (CPCA).

5.1. A Reclamação

A reclamação é o meio de impugnação de um ato administrativo perante o seu próprio


autor, consiste no pedido de reapreciação do ato administrativo, dirigido ao seu autor (artigo
156.º CPA).

Esta modalidade de impugnação fundamenta-se no facto de os atos administrativos


poderem, em geral, ser revogados pelo órgão que os tiver praticado (132.º/1 CPA) e parte-se
do princípio de que quem praticou um ato administrativo não recusará obstinadamente a
rever e, eventualmente, a revogar, substituir ou modificar um ato por si anteriormente
praticado. Confia-se que o autor do ato impugnado pode rever a sua posição quando
confrontado, por exemplo, com novos dados ou provas, com outros pontos de vista, com
considerações não previstas no momento da decisão, etc. No fundo, funciona como aquilo que
o direito canónico designa de “apelar de Roma mal informada para Roma melhor informada”.

Em princípio, é possível reclamar de qualquer ato administrativo, exceto do ato que


decida anterior reclamação ou recurso administrativo. Para além dos atos é possível ainda
reclamar de uma omissão ou recusa ilegal da prática de ato administrativo (artigo 156.º).

O prazo para a apresentação da reclamação é de 15 dias (artigo 157.º do CPA). Como


já referimos, em princípio, a reclamação não suspende a eficácia do ato reclamado (artigo
153.º/1 do CPA), mas suspende a contagem do prazo da correspondente impugnação
jurisdicional (artigo 155.º do CPA) e o autor do ato (sendo que, neste caso, há uma coincidência
entre o órgão a quo e o órgão ad quem) terá que decidir dentro de 30 dias, salvo se norma
especial determinar outro prazo (artigo 158.º do CPA).

5.2. O recurso hierárquico

O recurso hierárquico é “o meio de impugnação de um ato administrativo, que tenha sido


praticado por um órgão subalterno, perante o respetivo superior hierárquico, a fim de obter deste a
revogação, modificação ou substituição do ato recorrido”7. Nos termos do artigo 159.º do CPA, os
recursos hierárquicos podem ter também por objeto a omissão ou recusa ilegal da prática do
ato.

Está em causa a situação em que o órgão com competência para decidir o recurso é
diferente do órgão que tinha praticado o ato ou omitido ou recusado ilicitamente a prática do
ato. Consequentemente tem uma estrutura tripartida: o requerente (o particular que interpõe
o recurso, com a finalidade de obter a revogação, a modificação ou a substituição do ato

6
Aprovado pela Lei n.º 10/2011, de 14 de Junho e publicado no Boletim Oficia n.º 24 de 14 de Junho de 2011.
7
FREITAS DO AMARAL, Curso do Direito Administrativo, Vol. II, 2.ª edição – reimpressão, Coimbra, 2013, p. 766
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impugnado); o recorrido (órgão subalterno – a quo – de cuja decisão se recorre); e a autoridade de
recurso (órgão superior – ad quem – para quem se recorre e que pode decidir o recurso).

Assim, o recurso hierárquico tem os seguintes pressupostos:

 Existência de relação de hierarquia entre os órgão a quo (recorrido) e ad quem


(autoridade de recurso). Só há recurso hierárquico quando há hierarquia. A
hierarquia funciona simultaneamente como condição, como critério, como
fundamento e como limite deste recurso;
 A prática ou a omissão ou recusa ilegal da prática de um ato administrativo, por parte
do órgão subalterno (órgão a quo ou recorrido);
 Inexistência de competência exclusiva do órgão subalterno sobre a matéria em
causa.

Espécies de recursos hierárquicos

Quanto aos fundamentos com que se pode apelar para o superior, temos que
distinguir, em primeiro lugar, os recursos hierárquicos relativos aos atos e recursos
hierárquicos relativos às omissões ou recusa de prática do ato.

Entre os primeiros, temos o recurso hierárquico pode ser de legalidade, de mérito ou


misto:
 no recurso hierárquico de legalidade, o particular alega como fundamento a
ilegalidade do ato impugnado;
 no recurso hierárquico de mérito, o particular alega como fundamento a
inconveniência;
 no recurso hierárquico misto o particular tem possibilidade de alegar,
simultaneamente, a ilegalidade e a inconveniência do ato ou optar por apenas um
dos fundamentos (esta é a modalidade regra, prevista no artigo 152.º/1 do CPA).

No que diz respeito aos recursos hierárquicos relativos às omissões ou recusa de prática
do ato, temos uma única modalidade: o recurso hierárquico com fundamento na legitimidade
jurídica, onde o particular alega como fundamento a legitimidade jurídica do órgão recorrido
em praticar o ato ilegalmente omitido ou recusado.

Tendo em conta a possibilidade ou não de recorrer imediatamente para os órgãos


jurisdicionais, os recursos hierárquicos podem ser ainda classificados em necessários e
facultativos.

Esta classificação assenta na noção de definitividade vertical do ato administrativo. Os


atos são verticalmente definitivos quando praticados por autoridades cujos atos são
diretamente impugnáveis perante um tribunal com jurisdição administrativa (artigo 65.º/1 do
CPCA) ou quando o respetivo “conteúdo seja suscetível de lesar direitos ou interesses legalmente
protegidos” – atos lesivos – (artigo 63.º do CPCA)8.

8
Neste particular, importa sublinhar que o legislador guineense seguiu a jurisprudência portuguesa que, na falta
de uma previsão legal, já defendia que os atos administrativos lesivos também são verticalmente definitivos e,
consequentemente, diretamente impugnáveis. Cfr. Ac. STA-P de 4 de junho de 2009 (P.º n.º 377/08). No mesmo
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Nos termos do artigo 65.º/1 do CPCA9, as autoridades cujos atos são diretamente
impugnáveis perante um tribunal com jurisdição administrativa são os órgãos administrativos
de nível II do pessoal dirigente, governadores de regiões, presidente da câmara e da
assembleia municipal ou quaisquer órgãos hierarquicamente superiores destas.

Assim, os atos praticados por estas autoridades e os atos lesivos são considerados de
atos definitivamente verticais e são diretamente impugnáveis. Em relação a estes atos cabe um
mero recurso hierárquico facultativo. Pois, os particulares interessados podem sempre recorrer
contenciosamente, se assim entenderem.

Diferentemente, quando o ato é praticado por um órgão hierarquicamente inferior a


estas e não possuir um conteúdo suscetível de lesar direitos ou interesses legalmente
protegidos, não é considerado de definitivamente vertical. Consequentemente, em relação a
este ato, cabe um recurso hierárquico necessário, ou seja, é necessário que interponha primeiro
um recurso hierárquico do ato do subalterno, para, depois de o superior se pronunciar, o
interessado poder então impugnar no tribunal a decisão do superior hierárquico.

Em termos sintéticos, o recurso hierárquico necessário é aquele que é indispensável


para se atingir um ato verticalmente definitivo que possa ser impugnado contenciosamente,
enquanto o recurso hierárquico facultativo é o que respeita a um ato verticalmente definitivo
do qual já cabe impugnação contenciosa10.

Regime jurídico do recurso hierárquico

Quanto à interposição do recurso, importa referir que o recurso hierárquico é sempre


dirigido à autoridade de recurso, que é superior hierárquico do órgão recorrido. No entanto,
pode existir casos em que entre o órgão a quo e órgão ad quem exista um ou mais graus
hierárquicos intermédios (ex., chefe de repartição, chefe de divisão, diretor de serviços…). Põe-
se a questão de saber se será necessário interpor, igualmente, vários recursos hierárquicos,
“subindo degrau por degrau”? Parte final do artigo 159.º do CPA responde a questão: deve
ser “dirigido ao seu mais elevado superior hierárquico, salvo se a competência para a decisão de encontrar
delegada ou subdelegada”. Esta possibilidade de “saltar” os níveis hierárquicos intermédios e

sentido os Acs. TCAN de 2 de julho de 2009 (P.º n.º 708/07.OBCBR) e TCAS de 8 de outubro de 2009 (P.º n.º
1166/06).
9
Artigo 65.º do CPCA (Definitividade vertical do ato administrativo)
1. São impugnáveis os atos praticados:
a) Ao nível da Administração central, pelos órgãos administrativos de nível II do pessoal dirigente,
nomeadamente diretores-gerais e equiparados e presidentes dos institutos públicos;
b) Ao nível da Administração periférica, pelos governadores da região;
c) Ao nível da Administração autárquica, pelo presidente da câmara e da assembleia municipal; ou
d) Por quaisquer órgãos hierarquicamente superiores aos referidos nas alíneas anteriores.
2. Dos atos praticados por órgãos hierarquicamente inferiores aos referidos no número um cabe
recurso hierárquico necessário com efeito suspensivo para estes órgãos ou para o máximo superior
hierárquico.

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FREITAS DO AMARAL, Curso do Direito Administrativo, Vol. II, 2.ª edição – reimpressão, Coimbra, 2013, p. 770
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dirigir recurso diretamente para o mais elevado superior hierárquico é designado de
recurso “per saltum”.

No que diz respeito aos prazos para impugnação do ato, o artigo 160.º do CPA
estabelece que deve ser dentro do prazo estabelecido para a impugnação contenciosa do ato
em causa ou do prazo para a interposição de ação de condenação à prática de ato
administrativo devido11. O artigo 53.º de CPCA estabelece vários prazos tendo em conta as
características do ato em causa:
 Atos nulos ou inexistentes - não estão sujeita a prazo;
 Atos anuláveis promovidos pelo Ministério Público (MP) - um ano;
 Atos anuláveis promovidos por outras pessoas que não seja o MP – três meses;
 Atos ilegalmente omitidos - um ano.

O órgão competente para conhecer do recurso pode:

 Rejeitar/recusar a receber o recurso, com fundamento nas questões referidas no artigo


161.º do CPA (competência, legitimidade, extemporaneidade, etc.);
 Negar o provimento/indeferir o recurso, confirmando o ato recorrido (artigo
163.º/1 do CPA);
 Conceder o provimento/deferir o recurso, julgando a questão de fundo favoravelmente
ao pedido do recorrente, podendo esta decisão consubstanciar em revogação,
modificação, substituição do ato recorrido ou em anular no todo ou em parte (artigo
163.º/1 e 3 do CPA);
 Tratando-se de omissão ou de recusa ilegal de ato administrativo, pode praticar o
ato devido ou ordenar ao subalterno que pratique, indicando-o o conteúdo (artigo
163.º/2 do CPA);

O prazo para a decisão é de 30 dias, salvo se norma especial estatuir um prazo diferente
(artigo 162.º do CPA).

5.3. Recursos hierárquicos impróprios

Os recursos hierárquicos impróprios são um conjunto heterogéneo de recursos que não


são propriamente recursos hierárquicos. São recursos administrativos mediante os quais se
impugna um ato praticado por um órgão de certa pessoa coletiva pública perante outro órgão
da mesma pessoa coletiva, que, não sendo superior do primeiro, exerça sobre ele poderes de
supervisão (artigo 164.º CPA).

Características essenciais dos recursos hierárquicos impróprios:

11
Nos termos do artigo 53.º de CPCA (Prazos relativos à impugnação de normas e atos): “1. A impugnação de
normas e de atos nulos ou inexistentes não está sujeita a prazo. 2. Salvo disposição em contrário, a impugnação
de atos anuláveis tem lugar no prazo de: a) Um ano, se promovida pelo Ministério Público; b) Três meses, nos
restantes casos” (…) “6. Em situações de inércia da Administração, o direito de ação caduca no prazo de um ano
contado desde o termo do prazo legal estabelecido para a emissão do ato ilegalmente omitido”.
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 Existência de dois órgãos da mesma pessoa coletiva – o órgão recorrido e a
autoridade de recurso;
 Inexistência de relação de hierarquia entre estes órgãos;
 Atribuição legal de poder de supervisão a autoridade de recurso (órgão ad quem).

Exemplos dos recursos hierárquicos impróprios:

 Quando um membro de um órgão colegial pratica um ato e o particular, baseando


numa previsão legal, impugna o ato, dirigindo o seu recurso para o órgão colegial,
sendo que, não há hierarquia entre órgãos colegiais e os seus membros (artigo
164.º/2 do CPA);
 Recurso para o delegante ou subdelegante, dos atos praticados pelos órgãos
delegados ou subdelegados. Na verdade, nas delegações não hierárquicas entre
órgãos da mesma pessoa coletiva, o órgão delegante pode ainda dar diretivas ou
instruções ao órgão delegado (artigo 36.º/1 CPA, conjugado com o artigo 150.º/b,
parte final);
 Recursos dos atos de um órgão colegial para outro órgão administrativo, desde que
se tratam de órgãos da mesma pessoa coletiva. Uma vez que, os órgãos colegiais
nunca fazem parte de uma hierarquia, não há poderes hierárquicos sobre órgãos
colegiais.

São aplicáveis aos recursos hierárquicos impróprios, com as necessárias adaptações,


as disposições relativas ao recurso hierárquico (artigo 164.º/3 CPA).

5.4. Recurso tutelar

O recurso tutelar é o recurso administrativo mediante o qual se impugna o ato de uma


pessoa coletiva autónoma, perante um órgão de uma pessoa coletiva pública que sobre ela
exerça poderes de tutela ou de superintendência (artigo 165.º CPA).

Características essenciais dos recursos hierárquicos impróprios:

 Natureza excecional, isto é, só existe quando a lei expressamente o previr (parte final
do número 1 do artigo 165.º CPA). A existência de uma relação jurídica de tutela ou
de superintendência não é suficiente para concluirmos que existe possibilidade de
recurso tutelar;
 Existência de dois órgãos de pessoas coletivas distintas – o órgão recorrido e a
autoridade de recurso;
 Atribuição legal de poderes de tutela ou superintendência a autoridade de recurso
(órgão ad quem);
 Só pode ter por fundamento o mérito do ato recorrido nos casos em que a lei
estabeleça uma tutela desta natureza (artigo 165.º/2 CPA);

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 Tanto a modificação do ato recorrido, como a prática do ato legalmente omitido ou
recusado carecem de uma previsão legal expressa (artigo 165.º/3 e 4 CPA),

São aplicáveis ao recurso tutelar, com as necessárias adaptações, as disposições


relativas ao recurso hierárquico (artigo 165.º/5 CPA).

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