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A garantia da constitucionalidade em geral

Norma jurídica e garantia

Uma coisa é norma jurídica, a qual continua a ser norma jurídica independentemente de
haver garantia da sua observância, o que significa que não é a garantia que torna a norma,
norma jurídica. A garantia é um mecanismo acessório para assegurar a efectividade da
norma, para assegurar que a norma exerça a sua função. Deste modo, a garantia está fora
da norma garantida, e constitui um reforço à norma garantida.

Entretanto, é preciso notar que a garantia necessita obrigatoriamente de uma norma, pois
ela não pode existir fora de qualquer norma: a garantia é exprimida por uma norma
jurídica, “a norma de garantia”, pois, “o conteúdo e o sentido de uma norma não se
garantem de per si, garantem se através do conteúdo e do sentido de outra ou outras
normas. Donde normas jurídicas garantidas e normas jurídicas de garantia”.

As normas jurídicas garantidas são as que são reforçadas por outras, pelas normas
jurídicas de garantia. Já as normas jurídicas de garantia são as que visam assegurar ou
reforçar a efectividade das normas jurídicas (garantidas). As normas jurídicas de garantia
ainda podem ser garantidas por outras normas jurídicas.

Assim, porque as normas constitucionais substantivas podem ser violadas, por acção ou
por omissão, são acompanhadas por normas constitucionais adjectivas. “A
inconstitucionalidade corresponde garantia da constitucionalidade”153.

Garantia da constitucionalidade e garantia da constituição

Garantia da constitucionalidade significa que, relativamente a comportamento de órgãos


políticos subordinados directamente à constituição, prevalece a norma constitucional
directamente relacionada com aquele comportamento.

A garantia da constitucionalidade reverte-se em garantia da constituição, quando esta é


considerada como um todo, pois a violação de uma norma constitucional significa a
violação da constituição, porquanto, “do cumprimento ou incumprimento das normas
constitucionais – em qualquer caso, avulso – depende a integridade ou não da Lei
Fundamental (…) não há garantia da constitucionalidade desprendida da respectiva
Constituição –formal e material – oi incongruente com os seus princípios”.
Assim, a garantia da constitucionalidade é a garanti da efectividade de normas
constitucionais (de todas e de cada uma delas). Da garantia da constitucionalidade podem-
se distinguir: (i) as formas de defesa da constituição (que são as garantias da
constituição no seu conjunto, ou dum ou outro instituto da constituição), e (ii) as sanções
constitucionais.

Entre as formas de defesa ou garantias preventivas da constituição podem se apontar:


o juramento dos titulares de cargos públicos (artigo 150 da CRM), a proibição de
partidos políticos contrários à constituição (artigo 74 e 75 da CRM), o estado de
excepção ou de necessidades e regras de organização adequadas durante o período do
estado de necessidade (artigo 72 da CRM), a proibição de revisão constitucional (artigo
294 da CRM) e de dissolução da Assembleia durante o estado de necessidade (artigo
189 da CRM), as incompatibilidades de cargos públicos (artigos 219, 172, 149 da
CRM).

As sanções constitucionais ou garantias repressivas são dirigidas aos titulares de


órgãos do poder pela prática de actos ilícitos ou, inconstitucionais ou ilegais, no exercício
das suas funções. São medidas sancionatórias aplicáveis aos titulares de cargos públicos
ou aos órgãos de soberania em casos de violação da constituição. Exemplo: a
responsabilidade criminal e civil desses titulares (artigos 153, 154, 174, 175 da CRM),
a perda de mandato de deputados (artigo 178 da CRM), a dissolução da Assembleia da
República (artigo 188 da CRM), etc.

Garantia e fiscalização

A garantia da constituição pode ser feita através de meios individuais (exemplo, o cidadão
pode exercer o direito de resistência, previsto no artigo 80 da CRM), por meios
orgânicos (sendo órgãos de soberania a controlar o comportamento doutros órgãos de
soberania, por formas a permitir que a conduta desses seja consentânea com a
Constituição) e garantia institucional (quando é feita em forma de fiscalização).

É óbvio que, a garantia individual é menos relevante quando se trata de assegurar que os
órgãos do poder se comportem conforme a constituição, pois “contra o poder só o poder,
em último temo, consegue prevalecer”.

Contudo, o conceito de fiscalização não é de todo coincidente com o da garantia,


porquanto,
(i) A garantia da constituição pode ocorrer de diversas formas que não sejam apenas a
fiscalização, desde que tais formas assegurem a efectividade das normas constitucionais;
a aliás, a fiscalização pode conceber-se exclusivamente ao serviço da garantia, casos em
estaremos perante a fiscalização da constitucionalidade (tal como prevista nos artigos
241 e ss da CRM). A garantia é um fim visado pela fiscalização.

(ii) entretanto, a fiscalização é um sistema, um aparelho orgânico, um meio


institucionalizado ou um processo criado para assegurar a garantia da constituição. A
fiscalização é um meio para atingir a garantia, é uma actividade destinada a obter o
resultado que é a garantia da constituição. A fiscalização pode operar fora do contexto
exclusivo de garantia, como ensina Jorge Miranda, “a garantia é mais que a fiscalização,
assim como a fiscalização existe para mais do que para a garantia. Pode haver uma
fiscalização ao serviço da garantia – é a fiscalização da constitucionalidade (…) pode
haver uma fiscalização independente da garantia – assim como a fiscalização de um
órgão sobre outro, em especial quando os seus titulares são perante ele responsáveis
(como é o do Presidente da República perante a Assembleia da República) ”156.
Contudo, a fiscalização da constitucionalidade pode classificar-se ao objecto da
fiscalização, aos órgãos, ao tempo, às circunstâncias, aos interesses relevantes no
processo e `a forma processual. Com efeito, cabem no direito constitucional a
classificação quanto ao objecto, aos órgãos e ao tempo, ao passo que as restantes
classificações cabem no direito constitucional adjectivo.

Critérios substantivos de fiscalização

Os critérios substantivos da fiscalização atendem ao objecto, aos órgãos e ao tempo.

a) quanto ao objecto: a fiscalização da constitucionalidade define se pelo objecto sobre


que incide, ou seja, pelo tipo de comportamento a ser fiscalizado (que pode ser uma
omissão ou uma acção positiva), pelos elementos ou vícios de que o acto fiscalizado
padece. Assim, quanto ao objecto, a fiscalização pode incidir sobre actos ou apenas
normas de um diploma legal, pode incidir sobre totó o diploma legal, pode ser uma
fiscalização de inconstitucionalidade material, formal ou apenas orgânica.
Trata-se no fundo de saber “o que está sendo fiscalizado: um acto positivo? Uma
omissão? Um diploma legal na sua globalidade ou apenas alguns artigos desse
diploma, etc”.

2. quanto aos órgãos ou sujeitos da fiscalização: trata-se de definir que tipos de órgãos
realizam a fiscalização. Assim, pode se falar de (+) fiscalização de órgãos comuns ou por
órgãos especiais (+) fiscalização por órgãos por órgãos políticos e por órgãos
jurisdicionais ou até por órgãos políticos, jurisdicionais e administrativos, (+) fiscalização
difusa e concentrada.

* Fiscalização por órgãos comuns: é a fiscalização que é feita por órgãos que não foram
especialmente criados para fiscalizar a constitucionalidade, pois têm outras funções,
entretanto, dessas funções não se exclui a da garantia da constituição. É a fiscalização
feita pela Assembleia da República, pelo Presidente da República, pelos tribunais
comuns.

* Fiscalização por órgãos especiais: é a que é feita por órgãos que têm competências
especiais para o efeito; exemplo o Conselho Constitucional moçambicano.

* Fiscalização política: a que é feita por órgãos políticos (que têm função política). Esta
normalmente é concentrada.

* Fiscalização administrativa: feita por órgãos com função administrativa. Em regra, é


uma fiscalização difusa.

* Fiscalização jurisdicional: a que é feita pelos tribunais, e pode ser difusa ou


concentrada.

* Fiscalização difusa: a que é feita por uma pluralidade de órgãos. Nos casos em que a
Constituição prevê que mais de um órgão fiscalizem a constitucionalidade. Exemplo, o
artigo 214 da CRM estabelece que os tribunais não devem aplicar normas
inconstitucionais.

* Fiscalização concentrada: é feita por um só órgão com competência específica para o


efeito. É o caso do Conselho Constitucional.

3. Quanto ao tempo: a fiscalização pode ser preventiva ou sucessiva.

* Fiscalização preventiva: é feita antes da conclusão do processo de produção do acto


fiscalizado. Por exemplo, nos termos do artigo 246 da CRM, o Presidente da República,
antes de promulgar uma lei pode submete-la ao Conselho Constitucional para efeitos de
fiscalização preventiva.

* Fiscalização sucessiva: a que é feita depois do acto fiscalizado ter sido integralmente
produzido, designadamente depois da publicação do texto da norma no Boletim da
República. Exemplo, o Conselho Constitucional pronunciou-se recentemente sobre a
inconstitucionalidade de alguns preceitos do CPP.

4. Quanto às circunstâncias ou modo como se manifesta a fiscalização: a fiscalização


pode ser abstracta ou concreta.

Fiscalização abstracta ou em tese: é uma fiscalização normal, não incidental, pois é “a


que se dirige aos comportamentos dos órgãos do poder público ou às normas, em si, por
aquilo que significam na ordem jurídica, independentemente da sua incidência em
quaisquer relações ou situações da vida”.

Verifica-se naqueles casos que, sem que esteja em curso qualquer processo judicial ou
administrativo distinto, o Conselho constitucional é solicitado a declarar a
inconstitucionalidade de uma norma (cf. Artigos 244 e 245 da CRM). A fiscalização
abstracta tem força obrigatória geral.

Fiscalização concreta: é aquela que decorre da invocação da inconstitucionalidade num


caso concreto. Exemplo, se um tribunal se recusa a aplicar uma norma alegando que a
mesma é inconstitucional (nos termos do artigo 247 da CRM, cabe recurso ao Conselho
Constitucional para efeitos de apreciação dessa inconstitucionalidade). É uma
fiscalização incidental, pois aparece como uma situação que surge num processo em que
o objecto principal não é a apreciação da inconstitucionalidade. E essa fiscalização só tem
efeitos jurídicos para o caso concreto no qual foi suscitada.

Critérios processuais de fiscalização

Os critérios processuais ou adjectivos permitem classificar a fiscalização quanto aos


interesses subjacentes à fiscalização, quanto ao objecto do processo e quanto à forma
processual.

a) quanto aos interesses subjacentes à fiscalização: a fiscalização pode ser subjectiva


ou objectiva
> Fiscalização subjectiva: verifica-se nos casos em, com a fiscalização poderão surtir
benefícios a determinadas pessoas. Normalmente ocorre em situações em que a violação
de certas normas constitucionais represente uma lesão aos direitos e interesses de certas
pessoas, por isso, uma vez declarada a inconstitucionalidade esta aproveita àquelas
pessoas. Contudo, feita a fiscalização subjectiva, consegue-se consequentemente a
fiscalização objectiva.

> Fiscalização objectiva: quando não visa a satisfação de nenhum interesse de pessoas,
mas sim, para assegurar a normalidade objectiva da constitucionalidade.

Segundo Jorge Miranda, uma constituição apresenta sempre uma fiscalização


subjectivista e objectivista, “cada sistema propende para certo sentido, realça mais
uma face sem realçar a outra, estrutura-se com o centro ou nos direitos ou posições
constitucionais dos sujeitos ou na constitucionalidade como valor em si”.

b) quanto ao objecto do processo (jurisdicional): a fiscalização pode ser incidental


ou principal.

> Fiscalização incidental: é que se verifica num processo cujo objecto principal é
distinto do da garantia da constituição, entretanto, a inconstitucionalidade aparece como
uma questão prejudicial (uma questão de índole substantiva cuja decisão prévia
condiciona o conhecimento e decisão da causa principal). A inconstitucionalidade é uma
questão prejudicial que é suscitada incidentalmente num processo.

> Fiscalização principal: a inconstitucionalidade é a questão principal, é o objecto do


processo, pois o fim em causa é a garantia da constituição.

c) quanto à forma processual: fiscalização por via de excepção e fiscalização por via
de acção.

> Fiscalização por via de excepção: verifica-se quando, estando em curso determinado
processo jurisdicional, se suscita no mesmo processo, a inconstitucionalidade. E esta pode
ser suscitada por uma das partes intervenientes com vista a lograr a procedência ou não
da acção principal. A fiscalização por via de excepção corresponde à fiscalização
incidental.

> Fiscalização por acção: “é a tradução processual do direito ou do poder de


desencadear um processo com vista a determinado fim1”. Essa fiscalização corresponde
a fiscalização principal.
> há ainda a fiscalização oficiosa da inconstitucionalidade: nos casos em que, o tribunal
conhece por sua própria iniciativa a inconstitucionalidade, sem que esta tenha sido
suscitada por outras entidades.

Fiscalização difusa e concentrada

Fiscalização difusa: é concreta, predominantemente subjectiva e incidental e


normalmente faz-se por de excepção, excepto nos casos em que um cidadão se dirija ao
tribunal exigir um direito invocando, para o efeito, a inconstitucionalidade de umas
normas, com a convicção de que uma vez declarada a inconstitucionalidade, o seu direito
será imediatamente atendido (neste caso, a fiscalização difusa e concreta deixa de ser por
via de excepção).

A decisão na fiscalização difusa se esgota no caso concreto, e não tem efeitos externos,
pois é inter partes, ou seja, apenas se declara a inconstitucionalidade de uma certa norma
para aquele caso concreto que está em tribunal, o que significa que a decisão da
inconstitucionalidade não vincula outros casos ou processos.

Fiscalização concentrada: é uma fiscalização abstracta, principal e objectiva e realiza-


se por via de acção ou de recurso. Em regra, tem efeitos erga omnes, isto é, efeitos gerais,
pois uma vez declarada a inconstitucionalidade, o preceito assim declarado é tido como
inconstitucionalidade para todos os restantes casos presentes e futuros: a decisão tem
força obrigatória geral.

É verdade que alguns autores entendem que a natureza “erga omnes” (força obrigatória
geral) das decisões sobre a inconstitucionalidade em sede de fiscalização concentrada,
transforma essas decisões jurisdicionais em decisões legislativas, pois “anular uma lei
seria ainda editar uma norma geral, editá-la com sentido negativo”.

Quer o órgão jurisdicional que anula a lei (o fiscalizador) quer o órgão legislativo
ordinário (fiscalizado), seriam ambos legislativos, entretanto, o fiscalizador apareceria
ainda com estatuto jurisdicional.

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