Você está na página 1de 55

.

A~ves de Araujo

o autismo é uma patologia


que vem oferecendo muitas in-
vestigações, pesquisas e estu-
dos nas "Últimas décadas .
O propósito deste livro é
abordar a estruturação de uma
forma de mente muito diferente
do padrão básico encontrado no
desenvolvimento humano, ou
seja, a estruturação da mente
no autismo.
Entre outras considerações o
livro busca formular uma
hipótese a respeito do processo
de individuação no autismo,
baseada na Psicologia Analítica
de Jung.
Trata-se de um livro desti-
nado a psicólogos, médicos, pro-
fessores, fonoaudiólogos entre
outros profissionais de ajuda
interessados no estudo do
autismo.
© Ceres Alves de Araujo. 2000.

ISBN 85.85462-38-8

Supervisão editorial:
Silvana Santos

Editoração:
Leandro Ribeiro Dias

Capa:
Catarina Ricci

Reservados todos os direitos de publicação por


memnon
edicões científicas
Praça Carvallio Franco 67
04019-060 - São Paulo - SP
Telefax (lI) 5575.8444
E-mail: memnon@memnon.com.br

Catalogação na Fonte do
Departamento Nacional do Livro
A663p
Araujo, Ceres Alves de.
O processo de individuação no autismo / Ceres
Alves de Araujo. - São Paulo: Memnon, 2000.

ISBN 85-85462-38-8

Inclui bibliografia.

1. Autismo. 2. Autismo - Pacientes - Psicologia. 3.


Ct;ianças autistas - Psicologia. I. Titulo

CDD-616.8982

Impresso no Brasil / Prlnted Ú1 Brazil Ao Sérgio, com carinho.


SUlTIário

1. Introdução 1
2. Conceito e Epidemiologia 4
3. Histórico 8
3.1 O autismo como P8 tcose 8
3.2 O autismo não mai~ como psicose 17
3.2.1 As teorias cOgrutivas 20
3.2.2 As teorias afeUvas 26
4. Etiologia: hipóteses atuais 32
5. A consciência e a estruturação do ego 45
5.1 As bases do desenVOlvimento humano 48
5.2 O desenvolvimento humano sob a 50
égide do princípio lllatriarcal
5.3 Uma atipia do desellvolvimento 56
6. Uma agenesia da estruturação matriarcal da 61
consciência
7. Uma estruturação patriarCal 67
7.1 Os bebês 69
-7.2 A primeira infãncia 71
7.3A segunda infãncia 73
7.4 A pré-adolescência ~ a adolescência 79
7.5 A vida adulta 83
8. Considerações finais 89
Referências bibliográficas 95
Este texto foi originalmente apresentado
como monograJia para a conclusão do
Curso ,de Fonnação de Analistas da
Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica,
a quem sou muito grata pelos anos de estudo
que ela me propiciou.
1. Introducão J

Na praia dos mares


de TI1I1TldDs semfim
crianças brincam ...

Tagore

Eu conheci crianças que não brlncavam. Crianças que


não falavam ou não respondiam às minhas perguntas. Crt-
anças que pouco ou não me olhavam. que não soniam e
que não se davam conta da minha existência. bem junto a
elas.
Eram crianças estranhas. para as quais nada sJgnifica-
vam minha sala de ludoterapia e meus brlnquedos.
Erarp crianças cujos movimentos eram diferentes das
demais. Pareciam não "vestir" o próprio corpo. não estar
dentro da própria pele. Repetiam. repetiam gestos. dos quais
aparentemente não tinham consciência. Nada construíam.
nada destruíam. Carregavam. com freqüência. objetos de
específico interesse - um pau. um molho de chaves. um livro
que não era aberto. um estojo vazio etc.- e pennaneciam
isoladas.
Eram crianças com múltiplas deficiências que compro-
metiam a adaptação na família. na escola. mas eram crian-
ças tidas como inteligentes.
ra delas, e pude ajudá-las a descobrir como o ser humano
Eram crianças sem diagnóstico, na época, mas que pre-
cisavam de toda a ajuda. cresce.
Eram crianças que posterionnente receberam a hipótese
~ram ~rianças que eu me propunha a ajudar, mas cujas
diagnóstica de autismo de bom rendimento ou de portado-
reaçoes nao conseguia compreender, interpretar. Elas me
ras de SÚldrome de Asperger.

~ FOrdham~
faziam viver insegurança, confusão, impotência e vazio. Elas
me paralisavam. Na literatura da psicologia analítica, desde
1976), que ainda aceitava o fator psicogênico na etiologia do
Aprendi de fato com elas o que é contra-transferência.
Sei que, justamente pela vivência do vazio e pela sensação autismo, creio, nada foi publicado.
da paralisia, pude começar a compreendê-las. Conhecer, orientar, tratar crianças e adolescentes com c,
autismo, com certeza, me fez melhor psicoterapeuta para os \'1)J
Silenciosamente, limitei-me a olhá-las; depois percebi
que usava todos os meus órgãos dos sentidos para comuni- pacientes não autistas. Foi uma preciosa escola, talvez uma ~ r\ r
car-me com elas. Sabendo que, ao nível da consciência, tal preciosa troca.
comunicação era unilateral, desejava acreditar que ao nível Estou focando o livro nas relações afetivas no autismo.
do inconsciente fosse diferente. Antes, tecerei algumas considerações sobre o histórico do
autismo e a respeito de conceitos atuais do que hoje é no-
Emprestei-llies minhas mãos, primeiro para repetir os
meado por 'Transtorno Invasivo do Desenvolvimento".
mesmos gestos, depois para tentar dar funcionalidade à es-
tereotipia.
Junto a elas. sempre me vinha a evocação do que Jung
(1938) relatara nos Seminários de Interpretação de Sonhos
de Crianças, a respeito de um povo afrtcano que, quando ti-
nha uma plantação de arroz que não se desenvolvia, junto à
raiz da plantinha, contava a ela como o arroz crescia, desde
tempos imemoriais.
Percebi que minhas mãos, junto às delas, começaram a
brincar como os bebés brincam, como as crianças sempre
fizeram.
Dentro dos estranhos interesses específicos destas cri-
anças, uma série de estímulos puderam ser encontrados, e
eu me vi vivendo com elas em estranhos mundos - dos di-
nossauros. dos peixes, dos números, das histórias em qua-
dtinhos, das histórias dos vídeos, das histórias da mitologia
etc. E nesses mundos, pude brincar junto a elas, da manei-

2
unaginação e com uma tendéncia ao engajamento em vários
comportamentos repetitivos.
Dada a grande escala e severtdade das incapacidades
2. Conceito e expertmentadas pelos indMduos com autismo, não é sur-
preendente que eles sejam vulneráveis a muitos tipos de
distúrbios de comportamento como hiperatividade, distúrbio
epideIniologia de atenção, fenômenos obsesstvo-compulsivos, auto-injúria,
estereotipias, tiques e sintomas afetivos. Incluem-se entre os
sintomas afetivos: a labilidade afetiva, respostas afettvas
descontextualizadas, ansiedade e depressão. Os autistas
considerados de bom rendimento ou alto funcionamento, os
Há os aryos sem asas e as madonas sem mlos. que têm inteligéncia preseIVada e os portadores da Síndro-
e a sandália sem dança me de Asperger, pela consciência de suas dificuldades, têm
e há o alaúde sem os dedos. o nome sem a pessoa. maior possibilidade de desenvolver depressão. Têm elevada
o canto sem ooz
taxa de suicídio.
e muito mais lágrimas que olhos.
A condição pode estar associada com muitas anormali-
CeciIla Meireles
·'As escadas medievais ... "
dades biológicas, tais como epilepsia, retardo mental e uma
variedade de patologias do sistema neIVOSO. Existe também
uma base genética. uma vez que o risco de autismo ou de
pt;Dl;>lemas relacionados é maior em gêmeos e innãos.
o autismo é um distúrbio do ·desenvolvimento, que se Segundo Volkmar e colaboradores (1997), um consenso
manifesta mediante uma síndrome comportamental, repre- ~bre a validade do autismo como uma categoria diagnósti-
sentante de disfunções da maturação neurobiológica e do ::3., para clínicos e pesquisadores, foi possível pela conver-
funcionamento do sistema neIVOSO central, de etiologia ge- ~ência de dois sistemas de classificação diagnóstica: a
rahnente indetenninada. quarta edição da Associação Psiquiátrica Americana (APA)
Os critérios atuais para a definição do autismo se basei- 10 Manual de Diagnóstico e Estatística de Doenças Mentais
am na coexistência de prejuízos no desenvolvimento social, DSM-N; 1995) e a décima edição da Organização Mundial
no desenvolvimento da comunicação e da capacidade para de Saúde (WHO) da Classificação Internacional de Doenças
imaginação, manifestos de vários, mas relacionados modos. (CID-lO; 1993). Tratam-se de sistemas de base mosóftca dife-
rentes. O DSM-N é um sistema focado nos sintomas, os
Tais critérios estão baseados nas pesquisas de Wmg e quais posteriOImente definem categorias. O CID-lO é um
Gould (1979) que argumentaram a favor da primazia dos se- sistema que busca definir um único nível diagnóstico capaz
veros prejuízos sociais, notadamente a falta de reciprocidade 1e explicar os problemas do paciente.
social, e mostraram que tais prejuízos invariavehnente coe- \
xistem com prejuízos na comunicação e na capacidade para As condições classificadas como Peroasive Development.a.l
Disorders foram traduzidas como Distúrbios Globais do
Desenvolvimento pelo DSM-N e como Transtornos Invasivos Bryson (1997). Não se trata de um aumento na prevalência
do au tismo, mas reflete fatores como mellior identificação e
I do Desenvolvimento pela CID-lO.
modificação nos critérios para diagnóstico.
Os indMduos com autismo são vítimas de uma vulnera-
bilidade genética e/ou biológica que interlere com a matura- A proporção entre . meninos e meninas afetados varia
ção normal do cérebro e têm um impedimento para o desen- também em função dos critérios pelos quais o autismo é de-
volvimento da comunicação social. Existem crianças que finido. Antes se aceitava a proporção de quatro meninos
não preenchem todos os critérios para a classificação do para uma menina; hoje se aceita a proporção três meninos
autismo infantil. mas que exibem distúrbios precoces, múl- para uma menina, ao se considerar a categoria mais ampla
tiplos e severos do desenvolvimento. São crianças com des- de Distúrbios Globais do Desenvolvimento.
envolvimento atípico. · Estas condições provavelmente refle- Estudos anteriores indicavam uma pior evolução para os
tem um conjunto de padrões patogênicos que determinam quadros de autismo. Apenas 100!o a 15% dos casos conse-
desru:moniase interlerem na sintonia das capacidades ma- guiam adquirlr algum nível de possibilidade de traballio.
turacionais, biologicamente programadas. São classificadas Hoje os estudos nesse sentido são mais promissores. Medi-
como sendo portadorás de Distúrbio Global do DesenvoM- das de permanência na escola, de status profissional e de
mento, não especificado pelo DSM-N, e de Transtorno Inva- adaptação social sugerem uma evolução mellior. Isto prova-
sivo do Desenvolvimento, não especificado pela CID-lO. velmente se deve a diagnósticos mais precoces e a atendi-
Pertencem ainda à categoria mais ampla: a Síndrome de mentos psicoeducacionais mais adequados.
Rett, o Distúrbio Desintegrativo da Infãncia e a Síndrome de IndMduos com autismo, mas com nível intelectual mais
Asperger. alto e com aquisição de linguagem funcional antes dos cinco
Os Transtornos Invasivos do Desenvolvimento, quais- anos, tém prognóstico mellior. A presença de distúrbios psi-
quer que sejam, são considerados as mais severas de todas quiátricos adicionais pode prejudicar a evolução.
as condições psicopatológicas da infância. No presente, o autismo é uma patologia que acompanha
a vida toda. Parece se atenuar um pouco com a idade e com
o nível do desenvolvimento, se a criança receber os beneficios
EPIDEMIOLOGIA de uma série de intelVenções educacionais e terapêuticas e
aprender estratégias para se adaptar ao mundo social.
O autismo é uma patologia que ocorre em todo lugar do É possível que a melliora com a idade reflita mudanças
mundo e é independente de raça, etnia, classe social e clas- na patologia subjacente. Tal fato pode ocorrer se os meca-
se cultural. nismos neuronais, ao invés de permanecerem danificados
permanentemente, começarem a funcionar após um atraso
As pesquisas iniciais apontavam a prevalência de quatro
substancial.
a cinco indMduos autistas para 10.000 nascimentos. Estu-
dos recentes mostram que o autismo ocorre de quatro a 15
crianças lá cada 10.000, segundo Baron-Cohen e Swetten-
ham (1997), e em uma a cada 1.000 crlanças, segundo

7
6
A descrição do di.stúrbio autístico do contam qfetivo
por Kanner (1943). denominação que preferiu substituir
posterionnente para autismo úifantil precoce. trouxe mo-
dificações nos critérios até então utilizados para diagnosticar
3. Histórico as severas desordens mentais da criança. caracterizadas por
uma distorção marcante nos processos de desenvolvimento.
Ao invés de referenciais baseados na psicose do adulto. os
critérios de diagnóstico foram refonnulados em tennos das
alterações comportamentais específicas da criança.
3.1 o AUTISMO COMO PSICOSE Kanner (1943) descreveu um grupo de onze crianças que
apresentavam um quadro clínico único. por ele considerado
raro. no qual a desordem fundamental era a incapacidade
para relacionamento com pessoas e situações desde o início
•... wna criança tinha sido roubada de seu berçn. Os duendes tinham posto. da vida (são crianças que não se comunicam pelo olhar). Es-
em seu lugar, tun bebê substituto, mm wna cabeça enorme e tun olharjixD e que
sas crianças demonstravam ausência de movimento anteci-
só queria comer e beber, mais nada. Em sua desolação, a mãe aJ/Tetl pam a vizi·
nha. em bUSOJ. de mnselho. A vizinha disse-lhe pam levar o 'Changeling' à oozi- patórto. falta de aconchego ao colo e alterações importantes
nha. colocá-lo pertJJ do fogão. acender o fogo e pôr água pamferoer dentro de duas na linguagem como: repetição automática. descontextuali-
cascas de ovo. A TTUJlher fez o que a vizinha lhe havia dito. Quando ela pôs as cas- zação no uso das palavras. ecolalia imediata e tardia. litera-
cas dos ovos sobre ofogo, o pequeno exdamou: 'Eu. que tenho a idade da Floresta lidade e inversão pronominal. Acusavam ainda distúrbios na
de Wester, T1WlC(1 havia VÍStO alguém cozinhar casca de ovo!', e ele se pôs a rir. alimentação. atividades e movimentos repetitivos. resistén-
Uma 1TlI11tidão de duendes chegou t:ra2end.o de volta a verdadeim criança que eles
a:JltxarampertDdoji:ifID. Eles. então letx:uwno 'O!angeüng' emluu".
cia à mudança (mesmice). limitação da atividade espontânea
e. apesar de tudo. tinham boa relação com os objetos. Este
Irmãos GI1mm grupo ainda mostrava indícios de bom potencial intelectual.
"O terceiro conto dos duendes" e os pais dessas crianças foram descritos como extrema-
mente intelectualizados. revelando-se "rru..dto poucos os pais
e mães realmente aferuosos". O autor ainda inferiu nessas
crtanças "uma incapacidade inata para fazer contata afetivo
(Rosenberg (1991), num artigo sobre o histórtco do autiSmo, relatou que as pes-
soas no lnícto do século, na França, notavam que as Clianças que hoje COITeS-
nonnal com pessoas - wn dado biológico - asSÚTI como outras
ponde:rJam à descrtção do autiSmo eram chamadas de criançasfada. A criança- crianças chegam ao TTU.UU1o com deflciêndas fisicas ou intelec-
fada seda aquela que foi trocada por uma 1à.da. Nos contos de 1à.da da Irlanda há tuais inatas". E considerou duas alterações básicas como
um personagem chamado "Changeling" - o transmutado humano. O termo apli-
crttértos para diagnóstico do autismo infantil: 1. o isola-
ca-se a Clianças que teriam sido raptadas pelas 1à.das e gnomos que delxartam.
em lugar da Cliança, um substituto fisicamente idêntico, porém com personali- mento extremo e 2. a insistência ansiosamente obsessiva na
dade muito diferente. Tal rapto ororrerta muito precocemente, mas a mãe vai re- preselVação da mesmice.
conhecer a troca, porque a cr1ança deiXOU de ser afet:lva. passou a ser agressiva e
a Ignorar). , Nos anos que se seguiram a essas descrições de Kanner.
diferentes publicações sobre o autismo infantil mostraram
que seus autores. baseados em distintos pressupostos teóri-
cos, estudaram crianças com manifestações patológicas se- niciStas indicavam tratamento medicamentoso e comporta-
melhantes, fixando-se em aspectos que cada um julgou mental enquanto os psicodinamicistas, por responsabiliza-
mais significativos, daí resultando fonnulações teóricas es-
rem o ambiente, recomendavam psicoterapia ou comunida-
pecíficas, indicações terapêuticas diversas e até maneiras des terapêuticas.
peculiares de nomear e classificar os quadros do autismo. Desde Kanner (1943), os distúrbios autísticos vêm sendo
Ainda que relacionasse a natureza básica do autismo à relacionados a um déficit cronico nas interações sociais. A
esquizofrenia infantil, considerando até a possibilidade do descrição de Kanner, qualificando os pais das crianças es-
autismo infantil ser uma manifestação precoce da esquizo- tudadas em sua primeira pesquisa como frlos e intelectuali-
frenia infantil, Kanner (1971) postulava que os dois quadros zados, provocou o aparecimento de teorias ambientalistas
deveriam ser vistos como distintos, mas consideram o au- que aventaram hipóteses sobre mães esquizofrenogênicas e
tismo "wna verdadeiro. psicose". Quase trinta anos depois de que expwraram causas psicogênicas simplistas. Isto ocorreu
sua primeira publicação ele manteve o quadro do autismo particulannente entre os pensadores psicodinamiciStas
infantil dentro do grupo das psicoses infantis, e propunha norte-americanos.
investigações bioquímicas que pudessem trazer novas pers- Entretanto, o mesmo não ocorreu entre os autores psi-
pectivas ao estudo do autismo infantil. codinamicistas ingleses, que não se prenderam a uma visão
Tal posição de Kanner reflete as controvérsias surgidas estritamente ambientalista.
desde os anos 50 relativas à posição nosológica que o au- A seguir, serão descritos a1guns pontos essenciais da
tismo infantil deveria ocupar nas classificações da psicopa- perspectiva teórica de alguns autores ditos psicodinamiciS-
tow~. . tas, mantendo-se a tenninolo~ que lhes é própria. Mais do
Segundo Alvarez (1994), tanto a teoria etiológica organi- que uma revisão histórica, como objetivo se pretende alinhar
cista sobre o autismo quanto a teoria ambientalista deriva- conceitos que são significativos e relevantes para o pensa-
ram suas consistências de duas conclusões ·contrastantes mento contemporãneo sob~ o desenvolvimento da mente no
do notável artigo oIiginal de Kanner. autismo.

Kanner teria inferido uma etiolo~ ambiental ao se refe- . ventre os autores psicanalistas, Melanie Klein foi a pio-
Iir à grande obsessMdade e preocupação com abstrações no .' neira no reconhecimento e tratamento da psicose em crian-
ambiente familiar e também aos pais frlos e intelectualiza- I ças. Ela não distinguia os quadros de autismo infantil e da
dos. Isto culpabilizou por décadas os pais das crianças au- esquizofrenia infantil. Em 1930, descreveu o caso de uma
tistas e pronioveu o desenvolvhnento das teorias a respeito Criança de quatro anos de idade, chamada Dick, que apre-
de causas psicodinâmicas. Ao falar sobre a incapacidade sentava um quadro altamente sugestivo de diagnóstico de
inata para o contato afetivo, Kanner pendeu para o lado or- autisI~.o. Isto ocorreu catorze anos antes das primeiras pu-

ganici9ja. blica.çoes de Kanner, mas Klein percebeu que Dick era dJfe-
rente das outras crianças psicóticas com as quais lidava e o

~
im, organicistas e psicodinamicistas dMdiram-se ori- diagnosticou como sofrendo de demeniia praecox. '
, . ente em relação às questões de etiolo~ e tratamento:
, r defenderem causas neurológicas e bioquímicas, os orga-

10 I i
) São importantes as seguintes considerações dei Klein\ distúrbios no estágio autístico nonnal da primeira infància,
(19~ 1) na descrição dessa criança em 1930: e com aparecimento muito precoce;
) As condições patológicas da criança seliam devidas 2. a psicose simbiótica infantil ou síndrome da psicose
nirais.it uma inibição no desenvolvimento do que a uma re- simbiótica, resultante de distúrbios no estágio simbiótico
gressão, e esta constatação a conduzia à suposição de serem nonnal e com manifestação mais tardia, ao redor do terceiro
constitucionais na sua origem. para o quarto ano de vida

• Um déficit na capacidade de simbolizar poderia ser Na psicose autística infantil, a mãe parece jamais ter
pressuposto como central à desordem. sido percebida emocionalmente, enquanto, na psicose sim-
biótica infantil a relação com a mãe é obselVada, mas não
• O desenvoMIilento do processo simbólico estaria im- evolui até o estágio do seu reconhecimento como objeto se-
pedido pelo excesso de ansiedade, possivelmente ligado ao
exercício muito intenso do instinto de morte, designado na ~
época como sadismo máximo. Por ser adepta da dualidade Quanto à etiologia, é suposto um aparelho regulador de
pulsional, Klein considerava a angústia primitiva da criança tensão inerentemente defeituoso, que levaria a uma "predis-
psicótica como expressão da luta entre o instinto de vida e o posição deficitária" para utilizar a mãe como agente catali-
instinto de morte. zador para a homeostase. Talvez algo inato, constitucional e
provavelmente hereditário, ou ainda adquirido muito preco-
• As defesas do ego prematuras e excessivas contra o cemente, nos primeiros dias da vida extra-uterina. São pala-
sadismo bloqueavam a relação com a realidade e o desen- vras de Mahler (1983): "Parece existir wnafalta inata., primá-
volvimento da vida de fantasia, determinando uma estrutura ria, ou wna perda da primordial diferenciação entre a matéria
mental alterada desde o início da vida. voo e a não voo".
, ,.A retirada defensiva do ego e as incapacidades de- A incapacidade da criança autista para se relacionar
)étmMadas constitucionalmente seliam os dois fatores pre- com outros poderia estar associada à inabilidade para ver o
dominantes a serem considerados para o surgimento da objeto humano no mundo externo, isto é, à falha para per-
patologia. ceber as expressões corporais de outra pessoa como expres-
• A patogénese deste quadro incluía também a relação sões vivas e pessoais.
entre..os..f.atores sócio-afetivos, cognitivos e motivacionais. A fortíssima resistência da criança autista às demandas '
~.tahie.c,) outra
autora, teve seus trabalhos publicados a externas para contato humano e social não é considerada
~écada de 50 e provavelmente entrou em contato causa do autismo, mas uma manobra defensiva que ainda
com Kanner e suas descobertas. É dela a hipótese de que o aumenta a incompreensão e a insensibilidade quanto às
estágio mais primitivo da infància é um estado autístico pessoas.
nonnal. Segundo Mahler (1983) ocorrem dois tipos de psico- Na revisão dos pontos de vista sobre a psicose autística e
se y;mmt;iL clínica e psicologicamente distintos: sobre a psicose simbiótica, Mahler preferiu vê-las nas suas
. 1. 0/ psicose autística infantil ou síndrome autística, últimas formulações como ocupando extremos de um mes-
eqUlva.Iénte ao autismo de Kanner, que seria resultado de mo spectrum.

'..
.i2 ':"-'
Em síntese, pode-se inferir das elaborações da autora ção e de projeção e inviabilizam o desenvolvimento da sim-
que à crlança autista parece faltar as bases biológicas para bolização.
reagir às aparências e comportamentos dos outros através
Desta forma, Meltzer e seus colaboradores não assumi-
de padrões coerentes de emoções e ações, o que determina-
ram nem inferiram uma origem psicogênica para o autismo,
ria falência nas trocas afetivas e cognitivas com o mundo.
ao afumarem que os estados de angústia não são derivados
A psicose simbiótica de Mahler foi considerada por mui- de mecanismos de defesa contra a angústia, mas que ten-
tos autores, dentre eles Tustin (1990), como uma possível dem a ser determinados pelo bombardeamento das sensa-
condição prê-esqillzofrênica. ções diante de um equipamento inerentemente inadequado
e do fracasso da relação de dependência.
Meltzer e colaboradores (1975), seguindo o pensamento
kleiniano, descreveram o funcionamento psíquico do autis- Tustin destaca-se como uma das mais influentes psica-
mo, levantando hipóteses concernentes à sua patologia, nalistas no estudo do autismo. Seguidora da escola kleinia-
notadamente quanto às dificuldades de identificação intro- na. tudo indica ser a autora que mais se preocupou em re-
jetiva de um objeto continente. São os seguintes os conceitos ver continuamente seus pontos de vista sobre a compreen-
mais significativos no que diz respeito à aquisição da mente: são da criança autista. Inicialmente Tustin (1975) classificou
o autismo em quatro tipos:
• Os processos autisticos criam um estado psíquicO de
não-integração, sem vida mental, de desmantelamento e 1. Autismo primário normal, como fase neonatal nor-
são, por isso, mutilantes. mal de sollpsismo;
• É suposto um erro primário na função continente do 2. Autismo primário anormal, como permanência
objeto externo, mas os fatores que dão surgimento ao estado anormal do autismo primário;
autístico são considerados intrinsecos à crlança.
3. Autismo secundário encapsulado, no qual a forma de
• O desmantelamento da mente, clivagem muito espe- defesa é a inibição;
cífica e passiva, destrói o processo de introjeção dos objetos.
4. Autismo secundário regressivo, no qual a forma de
• A ausência de um objeto interno confiável determina defesa é a regressão.
a ausência de um espaço interno ao eu e ao objeto.
A autora acreditara que, ao nascer, a criança seria inse-
• O desmantelamento, a dissociação da consensuali- lida em uma matriz social que criarta condições para que
dade causa uma dispersão dos diversos modos de sensoria- ela vivesse a ilusão de continuidade com a mãe, embora fisi-
!idade e impede os registros dos eventos aos quais a criança camente separada Se, por algum motivo, a criança tivesse a
está exposta. Não há mente ou memória ou cadeias de asso- percepção precoce desta situação, aconteceria o que Tustin
ciação. chamou de catástrofe, por não ter um aparellio egóico sufi-
cientemente desenvoMdo, ou suficientemente íntegro, a cri-
• Os processos autísticos e o desmantelamento da
ança poderia sofrer a depressão psicótlca.
mente, ap impedirem a evolução do conceito de espaço inte-
rior ao eu e ao objeto, desordenam os processos de introje- Fordham (1976) conceituou o autismo infantil no quadro
de referência da psicologia analítica. Foi influenciado pela

14

j
escola kleiniana e buscou comparar suas conceituações Na literaturn junguiana pouc.o se escreveu s.obre o au-
frente aos pressupostos junguianos, demonstrando sua tiSm.o depois de F.ordham. Sid.oli (1989), discípula de For-
aplicabilidade no estudo da criança. Considerou que: dbam, estud.ou as desordens d.o Self nos estad.os autístic.os,
explicando a incapacidade para desenv.olver vida simbólica e
• O autismo é um desordenado estado de integração, as alterações no lidar c.om as emoções, características d.o
, que aparece antes do nascimento ou por ocasião deste autism.o como dec.orrentes de um desordenad.o estado de
evento. integração. cuja etiol.ogia seria constitucional d.o ponto de
• O autismo é deterntinado por ~ ~ no processo vista psíquico.
de de-integraçáD do Self. O Self é conce'ltuadó como a uni-
. dade primordial, constitucional, responsável pela diferencia-
ção das estruturas psíquicas. O_al~+isn~o é uma desordemjã 3.2 O AUTISMO NÃO MAIS COMO PSICOSE
na constituicão psíouica.
• NO autislllv IltJ.llluma das funções do Self operam Nos an.os 70 iniciou-se um questionamento a respeito do
com suficiente harmonia; a de-inteqmçáD não oc.orre, ou autismo c.omo psicoce. Desde Rutter (1979), .o autismo pas-
apenas ocontece parcialmente. sou a ser definido c.om.o uma síndrome c.omportamental de
• Na nutrição. o aparato neurofisiológico pode operar um quadro orgânic.o. Em conseqüência, inici.ou-se uma mu-
sem a sua contra-parte psíquica e a integração neste nível dança na abordagem do autism.o até entã.o classificad.o c.omo
se torna rígida e também negativa. uma psic.ose infantil. A prevalência c.omeç.ou a ser dada aos
déficits c.ognitiv.os. em relação a.o déficit social, considerad.o
• A criança autista não recebe nem organiza o fluxo de como primário, ainda que se destacassem os prejuízos da
estímulos provenientes do Self e do mundo externo para or- linguagem e do c.omportamento social.
ganizar a percepçã.o.
O estud.o de Wing e Gould (1979) c.om 35 mil crianças
• Hã a faléncia n.o desenvolver da capacidade de rela- torn.ou claro que as características anteri.ormente tidas c.omo
ci.onar-se c.om.o uma unidade a.os estímul.os externos e in- típicas do autismo na verdade f.onnavam uma tríade, impli-
tern.os, o que obstrui o desenv.olvimento mental. cando noçã.o de prejuízo:
• O mund.o interno, quando se desenv.olve, .o faz de • severo prejuízo social;
mod.o incipiente; ficam impedidas a possibilidade para fan-
tasia e a capacidade para simbolizar. • severas dificuldades nas c.omunicações, tanto verbais
quanto nã.o-verbais;
• A imagem c.orporal, base para a estruturnçã.o do eu,
permanece nã.o diferenciada, não .organizada. • ausência de atividades imaginativas, incluindo .o
brincar de faz-de-c.onta, substituídas pel.os comportamentos
• Fragmentos d.o eu podem se desenvolver, send.o que repetitiv.os .
.os estági.os do desenv.olvimento talvez se sucedam, mas
como não-integrados, .o que impede .o desenv.olvimento da Desde então, tem-se tentad.o explicar que características
capacidade de resoluçã.o de conflitos a nível indMdual subjacentes a estes três aspectos poderiam ter uma relaçã.o
comum, e qual seria o fator que os uniria. Distintos estudos, até déficits sociais mais sutis, como os vistos nas crianças
baseados em abordagens teóricas diferentes, buscaram des- com o chamado DAMP (déficit na atenção, no controle motor
cobrir o déficit primário. e na percepção). A sobreposição do autismo com estes défi-
cits justificariam tal con.timu.nn
Alvarez (1994) mostrou que muitos autores, tanto orga-
nicistas como psicodinamicistas, tendem agora a aceitar a No início dos anos 90, o nome penx1Sive developmental
causação múltipla de natureza complexa e interativa. disorder (PDD) passou .a ser questionado. Frith e Happé
(1991), entre outros autores, criticaram a classificação do
Com o passar do tempo, em função das diferentes etiolo- autismo como PDD, mostrando que as desordens do conti-
gias supostas, do grau de gravidade e das características es- nuum autistico não afetavam todas as funções em todos os
pecíficas ou não usuais, o autismo deixou de ser considera- níveis. No nível biológico, tem sido dificil encontrar peculia-
do um quadro específico e único, e cada vez mais ficou evi- ridades consistentes nos cérebros das pessoas autisticas,
dente que se tratava de uma síndrome, comportando quanto mais sinais de anormalidades abrangentes. No nível
subtipos. cognitivo, os autistas podem mostrar memória remota es-
Wing (1988) sugeriu a hipótese de ser a síndrome de pantosa, dentre outras capacidades. No nível comporta-
Kanner parte de um contiru.uml ou spectnnn de desordens mental, atividades de vida diária não estão necessariamente
'I autisticas. Por definição, é necessário e suficiente, para dia- prejudicadas. No nível da adaptação social, o autismo é uma
gnosticar uma desordem neste contiru..uun, um prejuízo in- desordem global, abrangente apenas na medida em que
trínseco no desenvolvimento para o engajamento na intera- nosso mundo é um mundo abrangentemente social Estas
ção social recíproca, o qual é fundamentalmente diferente autoras sugeriram que se abandonasse a classificação PDD
dos prejuízos descritos nas neuroses ou nos distúrbios de e se aprovasse a mais apropriada: ASD - autistic spectrum
conduta. Tal prejuízo para interação social recíproca pode disorder. (distúrbio do spectrum autiStico).
ocorrer isolado, mas freqüentemente vem acompanhado por Entretanto, Flith (1992) ao classificar a Síndrome de As-
prejuízos de outras funções psicológicas, algumas mais co- perger como um tipo de autismo salientou que, embora as
muns que outras. As alterações comportamentais variam manifestações comportamentais do autismo possam variar
muito em tipo e em severidade, e todos os tipos de combina- com a idade e com as habilidades específicas, suas caracte-
ções de prejuízos podem ser vistos na prática clínica. Muitas rísticas bãsicas - alterações na soc:lalização, comunicação e
destas combinações têm sido nomeadas como síndromes, imaginação - se mantêm presentes em todos os estágios do
mas são poucas ainda as que receberam uma identidade em desenvolvimento e nos vários níveis de habilidades.
separado. Desta forma, o tenno con.tiJu.u.nn representa um
conceito de complexidade considerável, mais do que uma O início da década de 90 trouxe novos questionamentos.
simples escala do mais severo ao mais leve. Controvérsias pontuaram os estudos sobre o autismo e, en-
quanto no decorrer dos últimos anos se tentou demonstrar
Segundo Gillberg (1992), as desordens variariam de se- que o déficit cognitivo corresponderia ao déficit primário no
veros prejuízos sociais específicos, em conjunção com severa autismo, mais recentemente se começou a questionar se
deficiênc4t mental- Síndrome de Kanner, a prejuízos sociais este não seria o déficit afetivo-soclal.
específicos associados a retardo mental moderado, a inteli-
gência quase normal ou normal - Síndrome de Asperger, a
3.2.1 As teorias cognitivas ram avaliar a capacidade destas crianças para atribuir esta-
dos intencionais ao outro e chegaram a conclusões perti-
nentes às conseqüências de atribuir-se uma falsa crença a
Ritvo (1976) foi um dos pIimeiros autores a considerar a outrem. Participando do teste, a criança tinha que predizer o
síndrome autistica como uma desordem do desenvolvimen- comportamento de uma protagonista boneca (onde Sally vai
to, causada por uma patologia do sistema nelVOSO central. o1hm'?), baseando-se na crença que a boneca pudesse ter (a
Também, um dos pIimeiIos a &dteíltar a :tm~ dos bolinha está na cesta), dadas as oportunidades de testemu-
déficits cognitivos no autismo. nhar uma série de eventos. Um evento crucial não é visto
Rutter (1983) aventou a hipótese das anormalidades so- pela boneca (a bolinha é retiroda da cesta e rolocada em uma
roixa), o que explica a crença falsa da boneca. As crianças
ciais das crianças autistas terem sua oligem em algum tipo
de déficit cognitivo. Segundo ele, não existiria um déficit no normais de quatro anos da pesquisa predisseram o com-
portamento da boneca (Sally vai oU1ar na cesta) na base da
proceSSãírienfõ aos estimulos de qualquer das modalidades
sensoriais, mas uma dificuldade na compreensão do signifi- crença da boneca e não na base de suas próprias crenças (a
II' bolinha está na caixa). As crianças com Síndrome de Down
i
cado emocional ou social dos estimuloso As crianças autis-
tas teriam um déficit no manejo de pistas sociais e emocio- com um Q.I. médio de 64 apresentaram uma execução
nais. muito próxima à das crianças normais de quatro anos de
idade (86% e 85% acertaram, respectivamente). Mas entre
Porém, a Teoria Cognitiva para o autismo foi proposta a os autistas com um Q.l. médio de 82, apenas quatro passa-
partir das pesquisas de FIith (1984) e Baron-Cohen e cola- ram na tarefa. A grande maioria, 80%, fracassou, apesar da
boradores (1985). Estas pesquisas demonstraram que as execução correta em questões de controle que avaliaram sua
crianças autistas, mesmo as classificadas como de alto fun- compreensão geral do que estava sendo solicitado no teste.
cionamento, são incapazes de atribuir estados intencionais
aos outros. Estados intencionais são todos os estados men- A falha das crianças autistas, consideradas de alto fun-
tais com conteúdo, e não apenas o estado particular de ter cionamento, ocorreu p:>rque elas não têm capacidade para
uma intenção de agir. Correspondem a estados intencionais atribuir um estado mental, neste caso uma crença errônea,
com conteúdo, como por exemplo: acreditar em algo, esperar à protagonista. Elas precisaram, então, confiar, na falta
algo, desejar algo. E são diferentes de outros estados men- desta capacidade, na sua própria compreensão da situação.
tais que não se relacionam a algo, tais como: estar com dor, Isto levou a uma resp:>sta consistentemente errada no pre-
estar depIimido ou estar em alerta. cUzer o comp:>rtamento da boneca (Sally irá oU1ar na caixal.

Subjacente a estas pesquisas estava a hipótese de o au- u fracasso das crianças com autismo foi contrastant6
tismo constituir-se em um prejuízo específico no mecanismo '.com o sucesso das crianças com Síndrome de Down, II1élli.
cognitivo necessário para representar estados mentais, ou ,severamente atrasadas do ponto de vista intelectual, mas
mentalizar. Na sua mais conhecida pesquisa, estes autores mais competentes do ponto de vista social. Os autores suge-
testaram 20 cru:nças autisticas, 14 crianças com Síndrome .iram que uma parte iInportante dos prejuízos sociais en-
de Dowri e 27 pré-escolares normais utili2'ando um experi- contrados nos autistas poderia estar relacionada a um défi-
mento projetado por Wimmer e Perner. Com este teste pude- cit específico na sua teoria da mente. Crianças normais
atribuem estados mentais aos outros, isto é, utilizam uma
teoria da mente desde os quatro anos pelo menos. ainda pacidade para atribuir ·estados mentais a outrem pennane-
que indícios desta capacidade já possam ser percebidos cena sujeita a um déficit especí:flco, mas em um grau mais
muito antes no curso do desenvolvimento. A utilidade desta alto de complexidade. Concluíram que uma pequena mino-
habilidade para a compreensão das situações de internção ria de crianças com autismo poderia chegar a uma segunda
social é óbvia. Usando a tarefa descrita acima como exem- ordem de estados mentais - crenças sobre crenças. Mas.
plo: Por que a boneca olhou na cesta? - Porque ela acreditou não poderia manejar uma terceira ordem de estados men-
que seu brinquedo estava lá e ela queria brincar mm ele. Um tais - crenças sobre crenças sobre crenças, habilidade que é
déficit cognitivo nesta área teria um impacto importante na adquirida entre seis e sete anos no desenvolvimento normal .
capacidade da criança para predizer o comportamento dos Frith (1989) explicou a falta de uma teoria da mente na
outros e tornar o mundo mais compreensível criança autista, por um déficit de funções cerebrais mais
Baron-Cohen e colaOOrndores (1986) realizaram novos elevadas ligadas a meta-representações. A alteração na ca-
experimentos com o objetivo de confumar e estender sua hi- pacidade para meta-representações no autismo, por sua vez.
pótese sobre um específico déficit cognitivo que impediria o detennina mudança nos padrões básicos da interação soci-
desenvolvimento da teoria da mente na criança com autis- al Os autistas seriam capazes de chegar às representações
mo. Dentre eles. destaca-se o estudo sobre a compreensão primárias. ou sCja, aos conceitos re1ativos ao mundo fisico.
mecânica. comportamental e intencional de estórias em mas não a1:.ingtriam as representações secundárias ou meta-
quadrinhos. Crianças com autismo diagnosticadas como de representações que são os conceitos e as crenças sobre os
alto funcionamento foram comparadas com crianças com estados mentais alheios. que incluem percepção de desejos,
Síndrome de Down e com pré-escolares nonnais em tarefas necessidades, sentimentos e emoções dos outros. Isto toma
que envoMam figuras em seqüência. Quando as seqüências impossível prever o comportamento do outro numa situação
podiam ser compreendidas em tennos de critérios causais- de re1acionamento interpessoal .
mecânicos ou simplesmente descritivos quanto ao compor- Ainda segundo esta autora, os espantosos desempenhos
tamento, os autistas foram pelo menos tão bons quanto as de muitas crianças autistas em específicas áreas, como as
crianças dos grupos de controle e freqüentemente mostra- habilidades mecânicas de memória. as chamadas ilhas de
ram execução superior. Entretanto. nas seqüências que evo- capacidade, são sinais da incapacidade destas crianças de
cavam compreensão em tennos de critérios de intenção psi- levar em conta o contexto, pois elas carecem do que e1a no-
cológica, as crianças com autismo tiveram uma execução meiaforça organizadora coesiva central. Para esta auto-
muito pior que as outras. Este padrão também foi verificado ra. a teoria da mente é um mecanismo de maturação tar-
na linguagem usada pelas crianças para narrar as estórias. dia, que ocorre ao redor do segundo ano de vida, e e1a com-
I Contrastando com as crianças dos grupos de controle. os para estaforça organizadora coesiva central com um rio
!
I
autistas usaram linguagem causal e comportamental. e
uma minoria deles pôde usar alguma linguagem que impli-
caudaloso que centra1.i7a grandes quantidades de água.
(captação de infonnações), através de seus muitos afluentes.
cava na compreensão de estados mentais.
Boucher (1989) sugeriu que o autismo é p:rima.rJamente
Nova/ questão foi levantada por estes mesmos autores devido a uma falência no uso de capacidades adquiridas ou
sobre estas crianças com autismo que mostravam evidência falência no uso espontâneo de sistemas de representações
de empregar uma teoria da mente. Nestas crianças. a ca-

12
de ordens mais altas. Ele deduziu que as pessoas com Sín- traJCllll que prejuízos cognitivos deixam de ser universal-
drome de Asperger podem descobrir soluções corretas para mente encontrados em todas as pessoas com as condições
problemas que requerem uma teoria da mente, mas o fazem do spectnun autistico, questionando a primazia da falta de
tJI)la teoria da mente como déficit primário no autismo.
por meios mais lentos e desajeitados, alterando o tempo de
suas respostas, o que os torna estranhos nas interações so- Ozonoff e colaboradores (1991) tentaram explorar a con-
ciais. São hábeis para contornar sua falta de conhecimento .figuração primária dos déficits no autismo, testando crian-
intuitivo do comportamento social num grau suficiente para ças com autismo e Q.I. normal em tarefas para medir a
passar nas situações de teste, mas não conseguem fazer o aquisição da teoria da mente, a função executiva e a per-
mesmo na vida real. cepção emocional. Comparados com os grupos de controle,
Baron-COhen (1991) ressaltou que o autismo altera a os autistas mostraram prejuízos nas três áreas; porém, os
meta-representação requerlda nos padrões sociais; a qual déficits quanto à função executiva e quanto à teoria da
implica atribuir estados mentais aos outros, o que é neces- mente foram sJgnificatlvamente maiores do que outros défi-
sário para o desenvolvimento dos padrões da representação cits.
simbólica. Isto altera a capacidade para desenvolver o faz- Estes autores argumentaram que os déficits da função
de-conta, o jogo simbólico e a capacidade para crlatividade e executiva seriam os déficits primários no autismo, mais do
I oIiginalidade, alterando também a adaptação pragmática ao que os déficits quanto à competência para mentalização,
mundo. Para ele, os déficits sociais e os déficits pragmáticos porém não descartaram estes últlmos na justificação da m-
estão associados, uma vez que o pragmatismo é parte da ade autistica. Baseados nos achados de que algumas crlan-
competência social. ças com autismo possuem prejuízos na função executiva,
Reed (1994) explicou a persistente inabilidade social dos mas têm sucesso nos testes de falsa crença, estes autores
indivíduos com autismo em tennos da natureza do estimulo sugeriram a hipótese de um terceiro déficit responsável pe-
social ser transitória, complexa e dificil de predição. Desta los dois mensuráveis déficits na maioria dos autistas, o qual
maneira, os autistas teliam dificuldades na tarefa de predi- seria .!!9 nível biológico, um dano no córtex pré-frontal.
zer o comportamento da boneca Sally, nos experimentos O fato de, nas pesquisas sobre a habilidade para intuir
propostos por Baron-COhen e colaboradores (1985), porque estados mentais, uma proporção de crianças com autismo
esta tarefa requererla a combinação de infonnação complexa passar nas tarefas tem trazido novas questões e suscitado
e o uso desta informação combinada como base para infe- ' novos estudos. BowIer (1992), em pesquisas com indivíduos
rência. com diagnóstico de Síndrome de Asperger, sugeriu que o
Os próprios defensores da teorla cognitiva concordam sucesso nas tarefas de falsa crença ao lado da presença de
I prejuízos contínuos na vida real argumentada a favor de um
com a existência de lacunas na sua teorla que precisam ser
conigidas. Ozonoff e colaboradores (1991), em um estudo , déficit psicológico prJmárto não na capacidade para menta-
comparativo . . entre perfis neuropsicológicos de indivíduos lizar, mas na capacidade para aplicar o conhecimento ad-
com autismo de alto funcionamento e de indivíduos com quirido.
SíndroIl}~ de Asperger - patologias distintas para.esses auto-
res, mas cuja distinção não é universalmente aceita -, mos-

24
3.2.2 As teorias afetivas Considera eITÔnea a idéia de que todas as Clianças
I autiStas não foram amadas quando bebés, mostrando que
cal idéia levou a uma énfase maior nas causas ambientais
A ênfase na importância da obseIVação de bebés, a partir assim como a super-indu1gentes tentativas terapêuticas de
dos anos 70, e os estudos e novos pontos de vista sobre o remediar a condição autistica.
desenvolvimento em fases muito pregressas, entre os quais - • Não aceita a explicação psicogênica como única eti-
os de :8r"arelton (1988), trouxeram dúvidas quanto à valida- ologia do autismo.
-'ile de se considerar um estágio autistlco normal Muitos
,. -Iestes estudos mostraram -que, no desenvolvimento normal, Os pontos de vista mais atuais de Tustin (1994) no que
, o recém-nascido já tem a SeDsaçãO de separação da mãe e se refere à compreensão do autismo podem ser assim resu-
está alerta para receber as experiências do mundo externo. midos:
Outros estudos, dentre eles o de Hobson (1990), sugeriram • A caracteristica descritiva externa mais importante
pontos de vista menos radicais, ponderando que não existe da Cliança autista é a sua falta de relações sociais normais.
completa falta de sensação da separação no início da vida, Estas Clianças não coDforlâm SéüS paIS, aproXfrriam-se de
nem completa percepção dessa separação. Propuseram um estranhos como se fossem conhecidos, não são cooperativas
tipo de relação dual entre a mãe e o bebê. e não percebem sentimentos e interesses dos outros. O iso-
Por outro lado, nos estudos mais recentes sobre o au- lamento da criança autista foi explicado pela autora em ter-
tismo, a comprovação da sua incidência e prevalência no mos dafalta de empatia de Hobson (1990) e dafalta de
mundo todo foi mais um argumento para confumar a hipó- imaginação de FIith (1984).
tese da existência de fatores biológicos na sua origem. • Quanto à etiologia~ Tustin propôs que uma variedade
Atenta a estas descobertas, Tustin (1990) providenciou de interações entre constituJção e crl~o poderia ocasionar
correç~os seus conceitos: o autismo. Considerotíque,' êID a1gm~ ~, fatores genéti-
cos têm mais peso que fatores ambientais. Entendeu a aver-
• (Nã9' postula mais um estado autistico indiferenciado são ao contato humano demonstrado pela Cliança autista
como n~ na primeira infància. não como conseqüência da rejeição materna, mas como um
• (Não.,.exp~ mais a sintomatologia autista em termos comportamento completamente irracional, sendo reativo à
de resÍStêticia~ ~tação e defesa contra ansiedade, mas faz alteração nas predisposições biológicas que são comuns a
uso .de uma pSicologia mais complexa, referindo-se a fun- toda a humanidade. Acreditou que o equilíbrio entre as in-
ç~..áeêàptpensação e de proteção. fluências ambientais e constitucionais seria diferente em
cada caso, mas as predisposicões psicohio1ó!!icas inerentes
I ~e a ansiedade de aniquilamento encontrada exe~riam sempre o papel vital. -- - - . - .
na ~ autista como uma forma de ansiedade mais rri-
mitiva que: a do recém-nascido normal, considerando que o • Considerou o autismo como uma reação psicoquími-
autista é: desprovido de defesas observadas no recém- ca, neuroinental exageritdamente desviada daquilo que é
nascido ,normal Refere-se a uma ausência de estrutura uma proteção inata para o trauma de ser corporahnente fe-
pIÓpiia,de psiquismo na Cliança autistica. rido, real ou ilusoriamente.

26 27
• Manteve o conceito de que quando a criança autísti- • O desenvolvimento perceptivo e cognitivo é obstruído
ca tem a sensação de ser abruptamente arrebatada da mãe. porque uma preocupação indevida.. atípica com a sensação
que era experimentada como parte.do seu corpo. tenta pro- táctil distrni a atenção dos modos de ver e ouvir. A atenção
teger sua conseqüente vulnerabilidade. através da manipu- é desviada de sinais e sons. para ficar retida nas sensações
lação de sensações subjetlvas corporais. para desv1ar sua tácteis. Esta concretização inevitavelmente interfere com o
atenção do ferimento COIpo.YJl. Assim, ao invés de se pr0- grau de abstração necessárto para a percepção e para a
teger de um modo mais flexíveL dentro dos padrões huma- fonnação de conceito. pois a função objetiva dos objetos não
nos esperados. ela se encapsula de um modo rígido e estáti- é descoberta.
co. • Para que o desenvolvimento simbólico aconteça. a
• O modo pelo'qual a criança autista se protege da sua crlança tem que ter a1guma noção da separação de seu cor-
maior vulnerabilidade é gerando a delusão de ter uma outra po do resto do mundo. tendo vivido conseqüentemente per-
.coberttira sobre seu corpo. como uma concha dura. desen- da e falta. Os objetos sensoriais autísticos impedem a
voMda pelo uso idiossincrático e perVertido de suas. sensa- percepção desses eventos humanos inevitáveis. o que inibe o
ções corporais. desenvolvimento simbólico. As práticas autístlcas parecem
bloquear a percepção do vazio que é o modo protomental
• A concha autística protege dos terrores externos e destas crianças experimentarem perda e falta. Assim. não é
tampona os sentimentos provocados pela experiência do ser possível ter saudades e se entrlstecer por objetos perdidos.
separado; mas. esta distorção da vida de sensações significa Não há estímulo para desenvolver símbolos para re-
que o desenvolvimento psicológico será inevitavelmente dis- apresentar o objeto perdido.
torcido.
Sabe-se que os autores ps~tas e analistas. impli-
• Um encapsulamento duro. tipo concha, é a caracte- cados no estudo do autismo. inferiram seus conceitos a
rística psicodinâmica específica do autismo. As crianças au- partir das inteIVenções terapêuticas que realizaram com cri-
tistas não distinguem entre pessoas vivas e objetos inani- anças autistas. utilizando ·inicia1mente sua costumeira me-
mados; tendem a carregar objetos com os quais não estão todologia psicoterapêutica. Entretanto. as condições peculia-
1dentiflcadas. mas equacionadas. A concentração excessiva res da vida psíquica destas crianças tomaram inoperante a
nas sensações autogeradas por seus corpos. as toma não abordagem psicoterapêutica tradicional exigindo modiflca-
passíveis de conscienti2arem as sensações com a releVância ções nos métodos e nas técnicas - com resultados ainda não
objetiva nonnàl. Assim os objetos sensoriais autísticos convenientemente comprovados como mostra a literatura.
não são·d1ferenciados do propliD corpo e são usados não em
termos de suas funções objetlvas. mas em termos das sen- , Embora considerados tnsu:ftc1entemente científicos. os
sações duras que eles engendram.: pontos de vista defendidos por estes autores mereceram
destaque. ainda mais que nas teorias sobre o autismo. tidas
• O uso protetor. idiossincrático de ob.Ietos sensoriais como científicas. pennanecem sem explicação pontos subs-
autísticoSlmpede 'a Util1UlçãO dos objetos segundo um tanciais.
/ modo de/brincar nonnaJ.. Sem brincar e sem a vida nonnaJ.
de sensáções. o desenvolvimento mental não é estimulado. Esta é a posição de Hobson (1990) frente a a1gumas teo-
lias psicanalíticas a respeito do autismo. Suas conceitua-

28
ções o aproximam muito de uma perspectiva psicanalítica na teqria das relaçõesobjetais, com vistas a repensar mais
das relações objetais. as bases inatamente detenninadas, como tambêm as fases
iniciais da experiência de relacionar-se com o1:>jeto. Seriam
Hobson (1989) apresentou os resultados da pesquisa ba- necessários noVos estudos sobre os modos de desenvoM-
seada numa sérte de experimentos com fotografias de rostos mento da conduta e do pensamento dos autistas, sobre a
mostrando diversos graus de emoção revelada. Verificou que evolução anormal, mas padronizada da percepção de si
os autistas possuem uma anormalidade específica na ma- mesmo e da percepção das outras pessoas.
neira como percebem a emoção no rosto das pessoas. Con-
sidera que:
• As crianças autistas apresentam falhas constitucio-
nais nos componentes de ação e reação necessártos para o
desenvolvimento das relações ~ com outras pessoas,
as quais envolvem afetos.
• Falta às crlanças autistas a coordenação da expert-
ência e do comportamento sensório-motor e afetivo, caracte-
ristico da vida mental normal intrapessoal, assim como da
interpessoal.
• Os déficits das crlanças autistas na participação na
expertência social intersubjetiva são:
1. déficit relativo ao reconhecimento de outras pessoas
como portadoras de sentimentos proprtos, pensamentos,
desejos, intenções;
2. déficit severo na capacidade para abstrair, sentir e
pensar simbolicamente.
• As inabilidades na cognição e na linguagem das crt-
anças autistas parecem refletir déficits que têm relação in-
trínsecacom o :desenvoMmento afetivo e social e/ou déficits
sociais dependentes da possibilidade de simbolmLção.
Em um ·artlgo subseqüente Hobson (1990), preocupan-
do-se em fazer a ressalva de que ele não estarta recomen-
dando o ttatámentd psJcanalítlco para Os autistas, propôs
que uma:abordagem psicanalítica de relações objetais, cr1te-
rtosa, ocnparta
um lugar importante no estudo do autismo.
RessaltOu que o estudo do autismo eJdgiria uma modificação

30 31
Happê (1994) obseIvou que, nos estudos das crianças
autistas, nem sempre se levou em conta a importância do
processo do deseIWolvimento quando se consideraram os
-4 Etiologia: dêficits primários. Assim, se existisse naquele momento
para a criança' autista a evidência da capacidade para men-
talizar, não significou que esta estivesse presente mais pre-
as hipóteses atuais cocemente, em pontos críticos do deseIWolvimento. Conside-
rou ainda a possibilidade de que a competência para men-
taUzação, a função executiva e a função da coerêncJa
cen~ que nos estudos recentes se mostraram sem relação

"Ela se move. todo dia. entre nós, rms não cmosro,


caiformoda quando nos ClpnlXiTrnrms, indiferente quando nos
qfa.st.arros. Serena. tsolada. ••. &tstindo entre nós, ela tem sua
alma em aIgwn outro lugar".
·e
causaI. poderlam ter exercido um papel causal durante o
proces...<:!O do desenvolvimento.
Segundo Happê (1994), a teorJa de que as pessoas com
tlsmo possuem um déftr*~íftco na habilidade para
tem sido pe1çímenos Ilnarticu1annente eftctente
PaIX(l982) abrangência da 1riau~ de Frtth (1989). Mas
I tambêm permite específicas previsões relativas ao padrão
dos prejuízos e das competências prb;ervaclas. De acordo
com esta teoria, os comportamentos e as habilidades que
Nos cUas de hoje~:ceita mais a etiologia psicogêni- \ não requerem representação de atitudes intencionais podem
ca no autismo e, nas - d~, a literatura especiali- não estar prejudicados nas pessoas com autismo - penni-
zada tem demonstrado a relação do autismo com diferentes tindo a ocorrência de flhas. de habilidades na memórJa re-

=
al~ções neurológicas. mota, nas capac1dades espac1a1Sêt.c. Mesmo nas áreas de
soctaHnlÇão e de linguagem, ..,..."...:Ios os ~
O autismo ê hoje definido como um distúrbio do desen- estão lm.possibilitados. Apen.cu; os comportamen socúm..
{ voMmento, presente desde o início da vida. Os sintomas
autís1icos expressam o funcionamento atípico de um siste- que requerem estarJam lm.ped1dos, en
que aqueles que podem r baseados em condutas obsetvá-
ma l1eIVosoafetado. Por sua vez, a organização e o funcio- veis ou em aprendizado r memórJa escaparlam de com-
namento atípico do cêrebro refletem a interação entre pro-
gramas genéticos e cJreunstânclas ambientais, a qual es-
trutura na sua maturação um complexo cêrebro-mente.
Muitos debates, entretanto, ainda ocorrem no que se re-
'1::3: ~ ~
I víduo
é que pmntte ao_
a atenção com flexibilidade, iIúbJr res-
postas lmpulstvas, manter-se concentrado frente a objetlvos
fere à causa prJmárJa assim como à alteração psicológica e resolver problemas de um modo estratéglco e eficiente.
básica. Discute-se, ainda, a conjugação das condições mór- Banis (1994) fala da falha da função executiva, ao estudar a
bidas aoAongo do processo do. desenvoMmento. intenção e a habilidade de planejamento nos autistas com
inteUgêncta presexvada.. VerJficou que existe d1ficu1dade no

32
articular das intenções, dificuldade na resolução de proble-
Baron-Cohen (1997) escreveu sobre os mecanismos pre-
mas que exijam planejamento prévio e dificuldade na com-
exiStentes próprios da mente, inVentados pela seleção natu-
preensão de estados mentais que se dirigem a situações hi- ral durante a história da evolução das espécies, com a fina-
potéticas. Nos testes de construção de toires, por exemplo, lidade de produzir daptação mais ajustada ao ambi-
observa-se uma incapacidade para imaginar as seqüências ente. Nomeo autismo co uma alteração cognitiva es-
..pecífica de " m e n Para explicar como se
de I!loviment.?s antes da execução.
estrutura a inters e, explorou a linguagem dos
- ia central,' o usado por Ftith (1983), ê a ca- olhos, a qual é universal e' reciproCamente inteligível para
pa . informações em uma totaUdade, com todos os membros da nossa espécie e pode levar duas men-
contexto e significado. O prejuízo na coerência central expli- tes separadas à interpretação de sua interação.
~ o estilo não holístico, parcial, carateríst:ico da percep-
çao dos autistas, assim como o perfil perceptivo atípico e as O autor descreveu quatro mecanismos:
ilhas de capacidades, como relata Happê (1994) ao estudar detetor de intencionalidade, o qual interpreta os es-
autistas de alto funcionamento que passam em testes de se- afIlulos em termos de estados mentais volitivos, como desejo
gunda ordem da teoria da mente, mas fracassam nas tarefas ,e4lnalidade.
)le-coerência central.
~ detetor de ,direção elo olhar, o qual interpreta o estí-
Leslie e Roth (1994), ao estudarem as meta- ululo em termos do que o agente está vendo. O funciona-
repre5eP t ações nos autistas. mostraram que o desenvoM- mento destes dois primeiros mecanismos cria a possibilida-
, 'mento cognitivo é atrasado e anormal. Um perfil de tDabili- de das representações diádicas, permitindo a aquisição da
dades somado a ilhas de capacidade vão caracterlzar uma intersubjetividade pI1má:ria - presente na criança nonnal ao
arquitetura cognitiva anormal construída a partir de cen- (redpr do nono mês. . .
tros danificados. Entretanto, a1guns autistas poden:Í mostrar
um nível de execução aparentemente normal. Isto pode ser
. - mecanismo de partilhar a atençio que, fazendo a li-
explicado pelo uso de estratégias anormais ou pelo circun- gação entre os dois primeiros, estabelece a possibilidade do
partilhar a atenção sobre o mesmo objeto. A atualização de
dar~ da~a, usando pontos da estrutura
tal mecanismo detennina a construção das representações
neuroló não cada. No autismo, supõe-se um dano
trládicas, as quais criam a intersubjetividade ' secundária -
no m ubjacente à capacidade para conceber o
aquisição observada até os 18 meses de idade. Com a aqui-
"'próprio estadofental e do outro e para raciocinar a partir
siçãO destes três mecanismos, a criança consegue ler o
de ·tais dados. , dano estaria no 'ToMM" (mecanismo para a
teoria da men ,o qual é formado por dois componentes: comportamento em termos de estados mentais volitivos e ler
um dispositivo inferencial e um sistema representacional). a direção do olhar em tennos de estados mentais peicepti-
Pam resohrer tarefas de falAA crença é :secessário este meca- vos. Consegue, ainda, verlftcar que diferentes pessoas po-
nismo e ~ ter adquirido um processador de ~o, dem experimentar estes estados mentais sobre o mesmo
que amadurece ao redor dos quatro anos. Os autistas inteli- objeto.
gentes, Dá pré-adolescência tendem a usar o processador de
_ seleção .Com eficiência e acertar nos testes de falsa crença,
embora não possuam o mecanismo para a teoria da mente.

34
- mecanismo da teoria da mente, um sistema que
penntte o infeIir um conjunto de estados mentais a partir do
COIlllY'rtamento. Tal mecanismo tem duas funções:
independentes. Sugerem que, . dada esta .
existe a possibilidade de que, no autismo, um m
ind=.
específtco da teolia da mente es~a danificado, o ToMM
. Ô

descrito por Leslie e Roth (1994), composto por um disposi-


: a) J~ar à representação de estados mentais epistêmicos tiVo--,
inferencial e por um sistema representactonal.
(que-uicluem: pretender, pensar, conhecer, acreditar, imagi-
nar,_~nhar, adMnhar, decepcionar) e
. t<eCOmendaram. também, que futuras pesquisas tentem
~ quais são os déficits cognitivos específtcos, nos três
\. b' 'evar à interpretação dos estados mentais volitivos, )omíniOS descritos, teoria da mente, função executiva. coe-
pereeptivos e epistêmicos, a fim de compreender como esta- rência central. que seIiam necessários e suficientes para ex-
----
dos mentais e açôes estão relacionados, integrando todos plicar o autismo. Indagam se, no diagrama abaixo, o au~­
estes conhecimentos sobre os estados mentais em uma teo- mo ocorrelia apenas nas regiões A. D, F, G, e estas regioes
, Tal capacidade é esperada aos 48 meses.
lia. detenninariam subtlpos.
o autor acreditou que, nos quadros do autismo, existem
prejuízos no mecanismo de partilhar a aten~o e no meca- \
~o da teoria da mente dHerentêiDente aos' casos de ce-
J

gueira congénita. que não possuem o detetor da dJreção do


olhar, mas que têm o mecanismo de partilhar atenção e o
.-mecanismo da teolia da mente intactos.
No autismo o déficit no mecanismo de partilhar a aten-
ção impede a construção das representações trládicas em
qualquer das modalkla.des sensorlais, além de não fornecer
\) estímulo para que o mecanismo da teolia da mente seja fni-
ctado. Este último mecanismo, disfuncional no autismo,
detennina cUftculdade na compreensão dos estados epistê-
micos. Como decorrência, a teolia da mente está ausente ou
...mJ,lito alterada.

Atualmente .existe considerável evidência. de um déficit


na teoria da mente no autismo, mas também há evidência
de que este Dão é o único déficit cognitivo no autismo. Nos
últimos cinco anos, pesquisadores vem apontando que a
função executiva e a função da coerência central estão tam- No autismo, observam-se disfunções importantes nos
'-bém alteradas. processos cognitivos no que se refere à dedução de informa-
Baron,LCohen e Swettenhan (1997) acreditaram que os ções abstratas necessárfas para seqüenciar material e
déficits pa teolia da mente, na função executiva e na coe- transformá-lo em representação simbólica. SJgman e co1abo-
rência. central existem no autismo, mas são re1ativamente radores (1997) aftnnaram que os déficits no desenvoM-

3J
36
mento sttnl::>ólic podem estar relàCJ! dos ao fracasso no dade fisica e o apazJgUamento junto ao outro. As crianças
aprender a partii' interaçõe8 sociais uma vez que o uso ._çom autismo podem dispor de mecanismos adaptativos que
do símbolo se adqmre p ente como uma função da envolvem reconhecimento de quem toma conta como fonte
/ relação com o outro. As limitações para pensamento abs- ~ Te" proteção, mas não disPõem de CõiIlpuI tamentos qa~
trato nos autistas podem atestar a importância das trocas primaI1amente. ãfetivos ou relacionais. Nestã Jinha, .
afetivas para o desenvoMmento dos conceitos simbólicos. Grossman e colaboradores (1997) ver:tficaràm que as pesso-
Alternativamente, o conhecimento tanto social como simbó- as autistas dispõem de com rtamentos sociais esfuitégiêoe
lico pode depender da habilidade meta-representacional e com rtamentos sociais de filiação. Como ex:iS m
para perceber a ação a partir de referenciais diferentes. módulos cerebrais diferentes para os n aspectos das
trocas de1:enninados módulos podem ser funcionais
As crian autistas mostram-se muito prejudicadas na 'outros - que podem ser responsá-
~ ~ilidade para aprender com ou pessoas e so re ou rmtnariam a variabilidade
~. Cohen (1980) já mostrara que a fãltã de compreen-' Socia:is-i'la"1~)Íre$Sãb fenotipica do autismo.
são dos sentimentos das outras pessoas é o espelho da ina-
bilidade da criança autista de formar uma representação Roser (1996) se propôs a fazer llI1i.arevisão da teorta psi-
interna, estável das conexões entre seus próprtos estados canalítica e da psicoterapia no autismo infantil. Colocou o
internos. Ela não estrutura uma noção de si mesma como foco na perspectiva intersubjetlva. ObseIvou que no desen-
local de organização da iniciativa, sentimentos e pensa- volvimento normal existe a aquisição de um sistema de re-
mentos. gulação mútuo entre o bebê e quem tOma cOnta dele, siste-
, ma esse que é o fundamento para o estabelecimento da sen-
Como mostraram Robson (1990), KIin e colaboradores sação de existir do eu, baseada na experiência da relação
(1992),_KIin e Volkmar (1993), dentre outros pesquisadores,
, eu-ou1ro. Tal experiência tem um poder transfonnador para
os bebês autistas mostram prejuízos nos processos afetivos o ego, o qual se estrutura, Jntegrando informações diversas e
e sociais desde o nascimento. Vo1kmar e colaboradores progressivamente mais complexas do ambiente e das outras
(1997) relataram que a ausência de muitos comportamentos
pessoas, de uma fonna flexível e sintonizada.
,
sociais, que nonnalmente são esperados no prtmeJro ano de
vida, diferenciam o bebê autista dos demais e afumaram Esta autora postulou que, no· autismo, a noção do eu é
que tais prejuízos são obseIVados em idade antertor à espe- organizada ao redor de experiências reguladoras que não "
,rada para a aquisição da teorta da mente. Desta fonna, a puderam ser experimentadas como consistentemente sinto-
\ falha no relacionar-se serta a fundamentaI no autism~ nizadas com os estados afetlvos da crtança. A crtança au- ..
autores cJescreveram como se dá a fonna atípica do desen"7 tista não desenvolve a noção do eu-em-re1ação. ~1-
volvImento social no autismo, referindo-se às caracterísiiCãs sintonia tem por conseqüência a ~ncia de ~-re~o,
alteradas do olhar, dã atenção conjunta, da imitação, do a qüã1 coriduz a~ento e àdfffc1]jdade ~
. brincar, do apego e do desenvolvimento do afeto. se tiãriSlormar. preendendo que as crtanças autistas .
nasceram comprejuízos na dotação biológica, Roser salienta
Bowby (1969) havia demonstrado o modelo de apego o quanto elas se tomam d1ficeis de serem entendidas e nu-
como u:rp mecanismo adaptativo evolucionárto, e o compor- tridas emocionalmente. Assim, para ela, no tratamento, o
tamento de apego mais fundamentaI serta buscar prox1mi-

38 39
foco deve ser colocado na matriz intersubjetiva que se forma Hosbino (1997) constataram alterações em quadros de au-
~ a CIiança e o terapeuta.
tismo, no que diz respeito à função da dopamina central._ à
secreção peptídica e hormonal -para a neurotransmissão
Cohen (1998) estudou as biografias de adultos autistas central e os ritmos diurnos além dos efeitos de estresse so-
de 30 a 40 anos, considerados de alto funcionamento, que bre a epinefiina.
vêm sendo publicadas recentemente. Mostrou a aparente
contradição, uma vez que são indivíduos com prejuízos se- Minshew e colaboradores (1997) mostraram que as teo-
veros na comunicação e na sociabilidade, impedimento para lias neuroblológicas mais recentes postulam déficits primá-
compreender o ponto de vista dos outros, que não possuem , rtos clínicos simples ou múltiplos nas capacidades cogniti-
capacidade para simbolismo, mas que falam de sentlmen- )., \ vas de ordem mais alta. anormal1dades ao nível de sistemas
tos, de dor e muitas veies se expressam em pães~ t:; •• • '
neuronais ou em múltiplas estruturas em diversos níveis do
ne~ixo, e o envoMmento do córtex cerebral no padrão
_ Admite-se que, quando a linguagem é usada como códi- final comum da sintomatologia clínica. Segundo os autores,
go, Ilão se observam impedimentos gerais, e o vocabulárto e estas teorias refletem novas descobertas; porém, ainda são
a sintaxe podem ser preseIVados; mas, quando a linguagem discutíveis quanto a seus dados e suas interpretações. Des-
é usada como expressão dos pensamentos do faJante, ou é ct8s.re:r:am como atuaiS, quatro teorias:
para ser compreendida como expressão de signiftcados in-
tencionais, o indivíduo com autismo pode mostrar prejuízos dos sistemas jrantDis -funçiío executiva;
específicos. Entretanto, Dowker e colaboradores (1996), teoria dos mecwtismos de controle da atenção - córtex
num estudo conjunto entre os depart.$nentos de psicologia ~1ta1- córtex parietal- cerebe1D;
da Universidade de Yale e da Universidade de Londres, reali-
zaram uma comparação entre a poesJa de 1lI1ui mulher de teoria da memória representadonal- sistema límbico
45 anos com Síndrome de Asperger e a poesia de uma mu- teoria do processamento oomp1exo da informação - siste-
lher de 30 anos, poetisa profissional. Obsetvaram que o uso ~
de recursos de estrutura e o uso de analogias e metáforas
foram semelhantes ·para as duas mulheres~ Quanto ao con- Às d\1aS...pI1DJe1raS trazem a lúpótese de um déficit básico
de uma subWüâade do processamento cognitivo, subjacente
teúdo, a poetisa com Síndrome de Asperger praticamente se
a todos 0$ déficits no autismo, unffi~do as anormalidades
referia apenas a aspectos em relação a si mesma, enquanto
que a outra se referia também a aspectos em relação aos da ~em, cognitivas, sociais e comportamentais no m-
vel clínico. Os testes usados para demonstrar a função exe-
outros e ao ambiente. Sabe-se que, na linguagem da pessoa
\ cutiva e os prejuízos complexos da atenção são considerados
com autismo, a competência gramatical pode estar desen-
voMda em alto grau, enquanto falham as funções semânti- como abordagens ao lobo frontal. A terceira teoria propõe
um papel essencial ao sistema límbico na associação com o
cas. Os aut.ores falam em módulos cerebrais diferentes para
~ diferentes funções.
signiftcado no procesSamento da informação. Alterações
neuropsicológicas seriam justificadas por déficits da memó-
Ó início muito precoce, a natureza difusa e a cronicidade. .. ria representac1onal. A quarta teoria propõe múltiplos défi-
, dos sintJmas do autismo, apontam para as anomalias do cits primártos nas habilidades cognitivas de alta ordem
.; sistema/ neIVOSO. Em estudos neuroquímicos:-Anderson---e-- como resultado de um déficit generaUzado no processa-

40 41
, mento de infonnações complexas. Propõe, assim. que a sÍIl- A hipótese de Courchesne (1995) é a de que existe uma
drome seda unificada no nível biológico mais pela depen~ correspondéncia entre os sistemas que têm conexões fisio-
~encia com um tipo especializado de arquitetura dendritica anatômicas com o cerebelo e os sistemas fisio-anatômicos
".. que estão anonnais no autismo infantil. No autismo, o pa-
.,) do que por um déficit primário único de uma função COgniJ- drão de achados anatômicos no córtex cerebral, sistema
I ~ \límbico e tronco cerebral~ pod.' co reendidos no con-
Schwartzman (1999) adotou a hipótese de que as altera- texto de atividades cerebe onnais e alteram o des-
ções comportamentais obseIVadas nos quadros do autismo envolvimento do cérebro. Assim. . o infantil é o re-
poderlam ser decorrentes de uma disfunção cerebelar, pre- sultado de um processo do deSenv;lvimento neurológico, ng
sente desde o primeiro trimestre da gravidez. O~. qüãI a atlVtda:de anonnai do cerebêlo determina fãItã de ~
tradicionalmente, vem sendo considerado como estru- -pêêifiêilliim:= e falta cle 6lgêurtzaÇãõ na eslIatUfu e furição
tum envoMda com a coordenação da movimentação vo - , neuronal em diversos sistemas que recebem infonnação
tária; entretanto, evidências atuais apontam para uma ' ~uronal aberrante. As pesquisas tãIííbêrií dêIfiunsttarníii'
abrangência muito maior das funções cerebelares. O cere- f que as anormalidades anatômicas cerebelares em pacientes
belo estabelece conexões com váIias estruturas e áreas ce- autistas estão relacionadas a distúrbios em três específicas
rebrnis que não têm função motora, mas que exercem al- operações de atenção: orientação, mudança e distribuição
gum tipo de atividade Ugada às funções cognitivas. Desor- da atenção. Tais operações são importantes para a apreen-
dens neuropsiquiátricas variadas têm sido observadas em são e engajamento em situações sociais e não sociais de ro-
pacientes que apresentam lesões ou malfonnações cerebela- tina. Tal evidência representa a possibilidade de que tama-
res. nho e locais específicos de anonnalidades anatômicas cere- , .

Citando as pesquisas de Courchesne e colaboradores belat--es estejam correlacionados com .o grau de alteração em
(1995), o autor relatou que é obseIVada hipoplasia cerebelar o~ específicas de atenção.
/

em pacientes com autismo, e, em número menor de autis- , Hoje, de fonna a1guma é postulada uma etiologia linear
tas. observou-se. ao =:~eI=Curvas de re- , tmplista para o autismo. Nas pesquisas a respeito da alte··
gressão apontam para _ ~llêSê;re-~~ostrandO _',ação psicológica primáI1a, a diferença importante entre as
que este tipo de alteraçao o muito ce[lo teorias cognitivas e as teorias sociais-afetivas parece derivar
no desenvolvimento. Não há evidência de que se trate de le- do modelo de mente que as duas postulam, modelos herda- /
sões adquiridas, mas sim de defeitos na fonnação desta es- dos de pressupostos teóricos muito diferentes sobre~a es-
trutura. Um cerebelo comprometido, com uma redução trutura da psique e sobre a deten:nJnação do comporta-
substancial na quantidade de células que o constituem, po- mento humano. Entretanto, considera-se que fenomenologi-
deda levar a uma alteração na função precípua desta es- Eente existem muitos vestígios de correspondência entre
trutura, que seda a de converter sinais aferentes sensitivos ~ duas teorias e inclusive sobreposições.
em pulsos altamente organimelos de padrões eferentes, para
garantir acoordeilação de várJàs estruturas do sistema ner- Assumpção Jr. (1997), considerando que as relações do
voso ceQtraJ.. Um cerebelo anonnal, do ponto de vista ana- indivíduo com o ambiente são impulsionadas por novos
tômico./podeI1a determinar padrões desorganizados de vári- afetos em suas mais diversas formas e são instrumentadas
as funÇões cognitivas. . por mecanismos cognitivos, ressaltou que o autismo se ins-

43
42
taura a partir das diftcu1dades no relacionamento com o
ambiente, quer a partir de déficits de tipo afetivo, quer a
partir de uma instrument.a1i7a.ção cognitiva deficitária.
Alvarez (1994) propôs que, na compreensão da etiologia
do autismo, não se deva pensar em uma cadeia causal úni-
5 A consciência e a
ca. Mesmo a aceitação de uma causação múltipla deve im-
plicar em intercorrelaçães não lineares. Esta autora trouxe,
estruturação do ego
na compreensão do autismo, um modelo interacional, que
usou, como referencia para estudar a etiologia, uma teoria
da matemática, a teoria das catástrofes de René Thom, a
qual utiliza equações não lineares, usando a probabilidade Uma 0ÍL.lTlÇQ. chorando na noite•
.,na substituição da causalidade determinista. Segundo esta Uma 0ÍL.lTlÇQ. chorando por luz.
teoria. minúsculas diferenças no Ú1pUi podem transformar- E sem linguagem. apenas wn choro.
se rapidamente em diferenças esmagadoras no output, um
I fenômeno que foi denorrrlnado de sensível dependência de Tennyson
"ln Memoriam", IJII
condições iniciais.

Estudos de bebês, CIia.nças, adolescentes e adultos por-


tadores do Transtorno Invasivo do Desenvolvimento, mas
com a inteligência preseIVada, permitem a compreensão de
uma outra forma de mente, que se estrutura sob padrões
muito diferentes dos padrões típicos, caracteristicos, arque-
típicos da espécie humana.
Crianças com autismo apresentam déficits nos processos
afetivo-sociais básicos desde idade muito precoce. Estas cri-
anças carecem das habilidades cognitivas sociais necessári-
as a uma teoria da mente, e é possível que a impossibilidade
para adquirir uma teorla da mente possa ser resultante de
um déficit na capacitação básica para interação.
Os estudiosos da ·'teOIia da mente", no autismo, inter-
pretam os déficits da capacidade para atenção co~unta
/ como evidência da mabilidade para ler outras men1;es. Po-
rém, ao se aceitar o problema afetivo-social como prJmário.
poder-se-ia interpretar a falha da criança autista no dMdir
Compreender uma ' crença significa também ter consci-
suas expertências com o outro significativo como um déficit ência de que algo pode ser verdadeiro ou falso. Significa,
motivacionaI. como propuseram Volkmar e colaboradores portanto, também a compreensão de que existem crenças
H997). falsas; isto é, compreender que alguém possa sustentar
Se o dêfictt motivacional para a interação está presente como verdade algo que não seja verdade, que alguém possa
desde o início da vida. vai existir prejuízo importante para a estar errado, acreditando que esteja certo. Significa perceber
aquisição da intersubjetividade. o que vai detenninar uma lfile a realidade, às vezes, contrasta com as aparências.
série de alterações ao longo do processo do desenvolvimento. Com o crescimento, as crtanças intuem que as pessoas
incluindo prejuízos na interação afetiva. na sociabilidade. na '.se diferenciam das coisas por possuírem uma mente.
cognição. Aprendem também que as ortentações subjetiVaS com res-
Com a expansão da consciência e com a diferenciação de ' \ peito às coisas e os fatos são diferentes das próprias coisas e
ego. o ser humano se toma capaz de wfletir e de saber que \ dos fatos como tais-
reflete. toma-se capaz de atribuir estados mentais a si Isto está rofundamente terado no indivíduo com au' fi,/. >
mesmo e aos outros. A possibilidade da bi-reflexibilidade foi tismo. Ele tem: -o anonnal e por conseqüência
considerada por Solié (1980) como a grande aventura da uma reação anonnal aos "s~dos" das ~s emo-'
consciência humana. Apenas o 'ser humano é capaz de ad- ~onais das--pessõãS. Hã alteração na comunicação nào ver- 1
quirir uma teoria da mente. isto é. ser capaz de inferir esta- ~o 'interpessoal corporal e mental. Exis-
dos mentais alheios e de si mesmo. tem, em decorrência, prejuízos na noçao de crença. no esta-
A compreensão da mente é uma teoria. Uma teoria é um belecimento da distinção entre aparência e realidade e na
conjunto de inferências sobre estados não diretamente ob- compreensão da orientação subjetiva.em relação às pessoas,
seIVáve1s que pérmite estabelecer predições. Assim, as pre- 09Jefos e situações, como mostrou Hobson (1990).
dições se'ftmdamentam em crenças. Como compreender a estruturação desta forma tão dife-
Crer é conceituar uma atitude não manifesta. É a capa- rente de mente?
cidade de perceber atitudes manifestas corporalmente no Como compreender como se dá esta fonna atipica, mas
outro que conduz a crenças relativas ao outro. No ato de padronizada de int:erll(Xlo no autismD?
perceber, estados cognitivos se somam a estados afetlvos e
possibilitam o conceituar, isto é, o nomear estados mentais. Qual o sign!ficadD do défldt motJvacJonal suposto no au-
tismo?
Compreender crenças é ser capaz de compreender a
natureza ~ pessoas que as têm. É saber que as crenças Para que tais questões possam ser discutidas, necessita-
residem nas pessoas e que a mente é proprtedade de uma se a descrição, a mais completa possível, das diferenças en-
pessoa dotada de um corpo. Compreender a mente capaz de contradas, nos primeiros anos de vida. entre o desenvoM-
representações equivale a compreender que existem diversas mentO típico e o atípico, obseIvado nos casos de autismo.
maneiras de saber como... , de ver como... , de sentir como...
e ~ de saber que ... , de ver que ... , de sentir que...

4/
46
Seguidores de Jung estudaram os arquétipos que estão
5.1 AS BASEs 00 DESENVOLVIMENTO HUMANO
presentes desde o inicio da vida para coordenar a estrutura-
"Ção do ego e a ampliação da consciência. A criança é um ser
.\ altamente simbólico. no sentido junguiano do tenno. A ati-
'A vida é um processo que se inicia na hora da concepção
vidade chamada "pré-simbólica" pelas teorias de desenvol-
e tennina na hora da morte. No desenvolvimento normal. o
vimento de orientaçãopstcanalítica é atividade simbólica
processo de vida transcorre mediante etapas ordenadas. As
-pàra a psicologia analítica. O ser humano é sempre simbóli-
primeiras etapas do desenvolvimento são mais fixas e inva-
co. tome ele consciência disto ou não. As formas pelas quais
riáveis. São detenninadas pelos processos vitais. biológicos e
a elaboração simbólica pode ·se fazer é que se diferenciam
pelas condições da dinâmica psíquica de base. Garantem o
mesmo obrigatório. típico. caracteristico da espécie humana. çem-avida.
Porém. mesmo por sua caracterização mais genérica. nas Dentre os seguidores de Jung. Fordham (1969). ao for-
primeiras etapas. o ser humano já começa a ter sua história , mular o conceito do Self na psicologia da infància. mostrou
pessoal inscrita. que o Self orlginal ou primário da criança sofre uma ruptura
radical ao nascimento. quando a unidade psique-soma é
As etapas posteriores do desenvolvimento são progressi-
') mundada por estímulos que dão origem a uma ansiedade
vamente mais complexas. São detenninadas pela interação e
prototípica. A seguir. um estado de estabillmção se re-
implicação recíproca da predisposição biológica. tisico:'"
I' estabelece. Durante a maturação. seqüências de rupturas e
psíquica. com a circunstancialidade envolvente. Garantem o
,. re-equilibrios ocorrem. As forças motiVadoras que garantem
'que é a história existencial única do ser humano.
-tais seqiiências :;ao cbamadas de-mtegratIVãS e lriregratiVãS:
As etapas. fases ou estágios do desenvolvimento humano Fordham postulou que um verdadeiro síDíbõl1smo é encon-
\ necessitam ser pensadas a partir de um princípio de ordem. !rru!o na seqüência de-tntegração-mtegração.
',No desenvolvimento. a detenninação causalista se soma à
Neumann (1976) deu o nome de centroversão à fimção
probabilidade sincronística. A noção do tempo é relatMzada.
da totalidade. que na primeira metade da vida leva à forma-
O caso indMdual necessita ser pensado por referência aos
padrões ditos de nonnalidade. mas também sempre em sua . ,~
ção de um centro de consciência. Assim. com a formação
singularldade. I }
deste centro. o Self estabelece um derivado de si mesmo, o ,
ego. cuja fimção é representar os mteresses da totalidade.
A psicologia analítica buscou estudar as leis que dirigem defendendo-os das exigências do mundo mterior e do mun-
o desenvolvimento da psique. Jung (1981) publicou em do exterior. Na segunda metade da vida, ocorre um deslo-
195~ seus estudos sobre a fimção transcendente. que é a }camento de foco do ego para o Self. A centroversão dirige os
fimçao que ljga o ego e a consciência aos arquétipos. É esta processos de ampliação da consciência e a mtegração da
fimção que·pennite ao ser humano a vivência simbólica. que personaUdade. O autor deu o nome de automorfismo à ten-
f0InUl e modJftca a consciência. propiciando o processo da dência que apresenta o ser humano para formar seu próprio
mdMduação.processo único de cada ser. No processo do ser a partir dos elementos particulares que o constituem, no
d~Iyimento humano. Jung mostrou a importância do mterior da coletividade e, se necessário •.mdependente dela
arquetiJ?<> da Grande Mãe. do arquétipo do Pai, dos arquéti- ou em oposição a ela. O conceito de automorfismo abrange
pos da Anima e do Animus. do arquétipo do Velho Sábio.
bebê vive uma· fase de simbiose do ponto.. de vista fisico e
as relações dos sistemas psíquicos. consciente e inconsci-
psicológico. Não há registros de privações. As necessidades
ente.
da criança são satisfeitas a priori. As trocas com o organis-
Byington · (1996) descreveu o arquétipo Central como o mo matemo garantem o suprimento. A regulação é interna.
principal arquétipo do Self que tende a integrar todos os
demais arquétipos entre si, propiciando o processo de indi- Porém. até o final da gravidez. o bebê passa a viver sen-
viduação. Os arquétipos se tornam símbolos funcionais do sação de falta de espaço. na medida em que cresce e começa
Self. O autor descreveu um quartérnio arquetípico regente a se movimentar muito.
da elaboração simbólica. Os quatro arquétipos regentes. bi~ _ -:> Com o parto. inicia-se a segunda gestação. A passagem

tuados à volta do ar<lllétipo Central. abrangem quatro ma- para o meio externo traz um estímulo poderoso para todos
neiras típicas de coordenar. de expressar e de elaborar os os processos de maturação. e a partir de então o bebê deixa
símbolos e as funções estruturantes. de ter suas necessidades atendidas a priori. Ele experimenta
"O arquétipo Mabiarcal. com seu dinnmismo matriarcaL fome. desconforto e vive a privação. o desprazer corporal-
tende a expressar de fonna íntima e natural. a elalJoração de
mente. através de contrações. espasmos e choro. Cuidado e
ÜlCOTItáVeis símbolos da sensualidade. dafertilidade e da 50-
nutrtdo. o bebê vive também corporahnente a saciação e o
brevú.Jênda. O arquétipo Patriarcal, com seu dinnmismo patri-
prazer. pelo relaxamento e pelo sono. Tono e emoção en-
arcal, é o arquétipo que tende a reger a e~ das vivên-
contram-se relacionados desde estes primórdios de vida,
cias a;>m caracteristicas dominantes de ordem. de obediência.
como mostrou Wallon (1948). e os registros são feitos no ní-
vel da memória corporal. a qual começa a construir -a lin-
de organização. de tnrefa, de Planldamento e de execução. O
arquétipo da Alteriàade. que inclui os arquétipos da Anima e guagem interna do indivíduo.
do Animus. descritDs por Jtmg. com seu dinnmismo de alteTt- Alvarenga (1999) mostrou que a criança é muito "consci-
dade. é o arquétipo que tende a ela1xJror os símbolos com CQ.- ente" de si mesma. porque brlga pelo nascer. pelo respirar.
raderisticas da busca, do encontro e do reladon.amentD dialé- pelo comer. Segundo a autora. a criança atuallza-se .como
tico e criativo, em.fimção da totalidade. O arquétipo da Totali- "emergência elementar da consciência" de si mesma porque
dade. com seu dinamismo de · totalidade. é o arquétipo sabe que precisa de alimento para sobreviver e sabe escolher
. elaborado, matizado pela síntese do processo como wn todo a quais os alimentos de que precisa. Sabe que precisa e de-
cada momento da uida" (p.126). pende dos quatro e1ementos fundamentais da vida: ar. para
respuar; água. para alimentar; fogo. para aquecer e ten:a;
colo. para sustentar.
6.20 DESENVOLVIMENTO HUMANO SOB A
A dependência do bebê humano é única. Diferente dos
-tomE DO PRINciPIo MATRlARCAL demais filhotes de mamíferos. ele não tem possibilidade para
sobreviver por si SÓ. precisa ser nutrido. cuidado. Desta
forma se justtftca falar de uma gestação extra-uterina. que
Neuinlpm (1976) descreveu. para o desenvolvimento ocorre até o sétimo. nono mês de v1da. Ainda que o bebê seja
fi~o~lauas gestações:, uma gestação intra-utm1na e uma um organismo altamente reativo. apenas possui fragmentos
gestaçad extra-uterina. Na primeira. no útero da mãe. o

51
50
dispersos de consciência, e ele vive ainda muito imerso na Na fase inicial do desenvolvimento do ego, a mãe; o calor,
a1mosfera psíquica da mãe. a saciedade, o prazer, a sensação de ser uno consigo mesmo
estão coligados à experiência da luz, do despertar e do apre-
No primeiro ano de vida, ainda não se pode fa1ar de uma ender o mundo. '
reJação mãe-bebê no sentido preciso das paJavras, porque
mãe e bebê fonnam uma unidade, em teImOS da realidade A fase nomeada matriarcal na relação primaI. começa
psíquica, uma unidade sem oposição. É um "estar junto", num estágio em que a Consciência do ego ainda não é des-
~mo descreveu Neumann (1976), em que não se tem a re- envoMda, está ainda inserida na mãe enquanto natureza e
lação sujeito-objeto, intemo-extemo ou corpo-psique; em mundo. Conseqüentemente, o princípio urobórico é também
que a mãe pode responder de modo quase que ~tico às associado com a predominância de simbolismos da terra e
solicitações do filho. De fato, ela é um poderoso deccXIllft:a- da vegetação. Uma metáfora é a imagem da Deusa Mãe com
dor dos sinais emitidos pelo filho, o que ihe permite compre- a Criança Divina.
I, ender e atender às suas necessidades. A Mãe da "relação primaI" representa tanto o coletlvo
';
I! É a fase da unidade psico-fisica do ~r atado à mãe. Ela quanto o indMdual. Sua posição é numinosa por sua supe-
é para o bebê todo o mundo. A imagem corporal do bebê não rioridade e ambivalência, na sua capacidade de integrar as
está delimitada; corresponde ao cosmo incorporado. ' oposições. É considerada por Neumann (1976) como o Self
!
I relacional da criança, e sob esta imagem se desenvolve a ca-
O instinto de autoprese:rVa.ção se expressa na pulsão
~de de integração do ego infantil.
para buscar alimento, e é uma experiéncia do corpo, na qual
a fome do bebê coincide com a "descida" do leite da mãe. Os As necessidades adaptativas da espécie, somadas às ca-
tampos iniciais de experiência do ser no mundo são corpo- pacidades auto-reguladoras levam aos padrões do apego, tí-
rais: o trato respiratório e o trato· alimentar que possibilitam picos de cada espécie. O ser humalio instintivamente agar-
a experiência interna e a pele que possibilita a experiência ra-se à sua mãe, ou a quem cumpre a matemagem. O inS-
externa. Nas suas experiências corporais ativas - respirar, tinto gregário é padrão .da espécie humana. Apego é o
olhar, gritar, deglutir, urinar, defecar - e nas suas experiên- comportamento caracteristico dos relacionamentos especiais
cias passivas - ser olhado, aquecido, manipulado, tocado e e diferenciados entre indivíduos. Inclui capacidades percep-
acariciado -, o bebê deve viver experiências plenas de prazer tivas e neuro-reguladoras próprias da espécie e variáveis in-
co:rporal, pois elas serão a base do prazer de viver, da inten- dividualmente. O ato de amar eIlVoJve o esÚ'ldo interno afeti-
~ção do viver. . '/ vo subjacente ào apego.
.:) O bebê precisa ter a vivência do "não-estar-só", a sensa- r ;:;er afastada dos pais, especiahnente da mãe, faz a cri-
ção da fusão total, de ser contido na mãe, para ter a sensa- 'inça viver a falta, a perda. a faz sentir tris1:e2a. A reaproxi-
ção de estar vivo. O estado de estar contido na totalidade 'hnação traz satisfação, preenchimento, alegria.
toda abrangente, é comparado por Neumann (1973) com a
A vivência do espaço da falta, a frustração da~dà
uroboros - a serpente que come a próprla cauda. A uroboros de de ter a mãe sempre junto traz a emergência o desejo,
do munqo maternal é vida e psique, dá nutrição e prazer, do desejo peja mãe. Como mostram Mayes, Co
protege ,é aquece, conforta e absolve, é figurada pela imagem
(1994), paradoxalmente o desejo pelo outro não é baseado
da Grande e Boa Mãe.

52
apenas em experiências gratificadoras. Ao contrário, o apa- A presença de um Eu postula a existência de mna di-
recimento do desejo reflete mna expertência de desaj:X>nta- mensão de não-Eu, isto é, o mundo externo, dos obJetos,
mento, de desconforto, de dor. Raiva e frustração se colocam dos outros e o mundo interno, dos impulsos, das necessida-
CO)110 prê-condicijo paro º dSSº da ~ des, dos desejos. E, posteriormente, a função d~ Eu, por
toda a vida será a de integrar símbolos ora provementes das
~P§I~.ão f" desejo estão junto" A emergência da an-
gústia- peiá&paíaÇàõ e a ãiiSlemíÜe pela estranheza da si-
pressões externas e ora provenientes das exigências inter-
tuação representam os meios atravês dos quais a criança nas.
aprende sobre a importância do outro para sua própria se- A relação de dependência, própria da idade, dete~ a
~urança e conforto. relação de pertença, que traz para a crJança a sensaçao de
= Dentro de limites, a experiência de perda, da falta,
pertencer a a1guéni base psicológica para a seguran~ de
ser amada, protegida e contida A vivência da sensaçao de
aprofundani os sentimentos de amor pelo outro e fortalecem
jr seIlsação de gye o piQõíio eu continua a existir riieSnmná pertença é fundamental para a consciência posterior de ter
ausencia tisica do outro, is o outro começa a existir, a ser raízes, para a aquisição do sentido de humanidade dentro
de si, que vai permitir o aprender e o compartl1har com o
'representado no mundo interno psíquico. es ,a
dã mae tIãZ a emergência do destjo pela mãe e leva ao apai- ~melhante. .
xonar-se pela mãe. Ga1iás (1988) descreveu os papéis a serem desenvoM-
O rosto dos pais, a qualidade de seu toque, de sua voz,
dos no desenvolviniento nonnal. pelo filho ou filha, pela
seu cheiro, prendem a atenção da criança e motivam a mai- mã~ e pelo pai. A psicanálise demonstrou que o trJângulo
oria de suas ações ·até ao redor dos dezoito meses de vida. edípico é uma problemática da infància e tem uma resolu-
Mesmo as atividades da criança consideradas puramente ção diferente para o menino e para a menina. A autora
cognitivas ou proCessadoras de informação se situam no' mostrou que o trJângulo constituído pelo pai, mãe, filho ou
âmbito de suas relações com seus pais pois, sem a influên- filha passará a ser um quadrângulo, pela ~o no filho
cia de mna relação nutrtdora, a criança não se desenvolve ou fllha de dois papéis: FM - filho ou filha da Mãe e FP - filho
nem aprende nos modos esperados. Neumann (1976) nome- ou fllha do Pai. Desta forma, o filho ou filha terá uma filiação
ou de zonas gnoseógenas as áreas de experiência corporal. A dupla: filho ou filha de uma mulher-Mãe e filho ou filha de
criança aprende no seu corpo, na relação com outros cor-
um homem-Pai, papéis que precisarão ser adequadamente
pos, e tal aprendizado é altamente investido de libido. vividos.
Ga1iás (1998), ao relacionar as funções da consciência
Assim, até ao redor dO8\.anco ~os de idade, há o pre-
domínio do dinamismo matI:nrrtâi No início desta fase, a com os dinamismos matrJarca1. e patrJarca1., também descre-
consciénciaé fragmentária, o Eu incipiente, mas a criança veu um pensamento matrJarca1.. E é esta forma de pensa-
tem, pela prim~ira vez, a sensação de si mesma como um
mento que vai predominar na primeira· infãncia. O pensa-
foco de pennanênda, rodeado por mna imensidão. de exis- mento é máglco, uma -vez que C)S opostos ainda não se sepa-
raram. A criança é ronda incapaz de diferenciar o objeto da
tência, w,.' qual ela é inteiramente dependente e está insufi-
cientemente separada. hnagem do objeto. Possui um modo de funcionamento não

54 55
reflexivo e emocionahnente colorido. As dimensões de tempo são descrições freqüentes dos pais. O bebê pode parecer
e espaço ainda não se defirnram, a lógica é a emocional. mais contente quando deixado sozinho.
No início da sua vida a criança brinca pelo prazer de A ausêncm relativa ou ct dificuldade do apego, obsetvada
brincar. O brincar não tem regras e o prazer é encontrado nestes bebés, parece indicar uma falência no estruturar vrn-
no Jogo funcional Inicia-se depois o faz-de-conta, atividade culos afetivos com as figuras importantes da sua vida Ainda
lúdica fundamental para o desenvolvimento mental. Pela que aJguns 1;>ebés autistas possam mostrar alguns compor-
função da fantasia. a cIiança cria um mundo interno cheio tamentos de apego, na partida ou na chegada de seus pais,
de representações mentais dos outros. A criança não apenas a qualidade e a manifestação destes comportamentos não
:im.agina cenas diferentes da realidade, mas começa a usar são usuais. Apresentam-se apenas como comportamentos
sua fantasia para orgarnzar o sentido do próprio Eu e as re- estratégicos e não implicam em filiação.
ações aos outros. A fantasia peIlIlite a elaboração simbólic.. . /'" Quando aJgumas crlanças autistas apresentam apego a
penníte compensatoriamente a satisfação de desejos frus- ,J1guns obJetos, esses ·apegos são na sua maioria estranhos .
trados e tem. além disso, uma função antecipatória da reali- .~ 'Os objetos de apego são duros, pontudos, ou a classe dos
dade. r objetos é mais importante que a escolha específtca. Os clás-
I

sicos objetos transicionais parecem ser trocados pelos obje-


I"
tos autisticos.
S.SjuMAATIPIA DO DESENVOLVIMENTO
Do mesmo modo que a face hUIIllfua pode ser de pouco
interesse para o bebê com autismo, ele também pode de-
O diagnóstico fonnal de autismo é muito dificil antes dos monstrar pouco interesse pelos sons da voz humana, o que
.lois anos de idade: entretanto, um padrão de prejuízos dis- faz com que se acredite, com freqüência, na possibilidade de
tintos pode ser obsetvado quanto à motrJcidade: à comuni- surdez/A falta da motivação para a interação, a falta de
cação, à interação afetiva e social, desde as plimeiras sema- -atratí\1dade ao estúnulo social, presentes desde o nasci-
nas. ,nento, podem resultar em uma falha para iniciar e integrar
os padrões básicos interpessoais, que se acredita serem as
/ No desenvolvimento do bebê autista, observa-se uma al-
fundações para o desenvolvimento da comunicação.
~o do padí'ão básico humano. Cõm a reatlvidade ãIfê:-
rada desde o início da vida, diferentes dos demais recém- ~- A grande maioria das crianças autistas não tem troca
nascidos, o bebê autista não possui a inata tendêncm para pelo olhar, não fixa, não mantém o olhar no outro. Stone
reagir a outros seres humanos, proposta pelas teorias de (1997) mostra que análises de vídeos destas crianças em
Bowlby (1989). suas fammas reveJam o contato de olhos muito limitado por
parte da criança e, compensatoriamente, um elevado nível
_9 bebê autista e não buscar o conforto tisico de seus
de energia da mãe para sustentar a interação.
pais ejou pode apresentar reações tônicas de e s o -
ser colocado no colo ou ao ser acaridãdo. Uma postili'ã ~=
I

Diferente das crianças ditas nonnais ou mesmo das cri-


da. alteqíções no tono, neutrãHdãde <lãS expressões facjajs anças que nascem com outras deficiénc1as, a criança autista
vive num mundo diferente. Mãe e criança estão em mundos
separados, sem possibilidade de comunicação, pois por mais ça etc. As estereotipias·comportamentais mantêm a cIiança
que tente, por mais capaz de continência que seja, a mãe isolada do mundo dos outros: . são momentos autisticos,
não consegue entender e atender às necessidades do filho. . momentos de "desmantelamento da mente", para usar a ex-
Não há condição de estabelecer um códJgo para a comunica- \ pressão de Meltzer e colaboradores (1975).
ção. A relação de matemagem não se constela nos padrões Bebés e crianças com autismo consistentemente apre-
própdos da es~ie humana. - - sentam problemas quanto à imitação de movimentos corpo-
Os comportamentos de ausênCia ou desvio do olliar, as- rais simples e à imitação de movimentos que envolvam oh-
sociados a outras alteraçõeS das trocas não verbais preco- jetos. Alteração na aquisição da noção de esquema corporal,
. ces, prejudicam a emergência da intersubjetividade, isto é, a não introjeção da imagem de si mesmo, somadas às difi-
da construção de uma experiência emocional compartilhada culdades de atenção ao outro, pnjudicam a imitação. Con-
entre a cIiança e quem cumpre matemagem. Tal construção seqüentemente mostram pouca habilidade para jogos que
integram imitação e diálogo social, como esconde-esconde.
é ~:: :::::n::;:::::::;,::n~ A falta do jogo imaginário no autismo pode ser conse-
~ ~ta da aquisição da atenção conjunta, que é uma habi- quência das dificuldades do desenvolvimento afetivo, mas
lidade pré-verbal da comunicação, a qual permite que a cri- podem fazer parte de problema mais abrangente no adquJIir
ança dMda com outra pessoa a experiência de um terceiro linguagem e peilsamento abstrato. Muito diferente da rique-
objeto ou de um evento. A falha no adquJIir da atenção m do brincar da criança, que se desenvolve normalmente, a
e
conjunta pode ser considerada um dos maiores mais per- cIiança com autismo mostra uma manipulação de objetos
repetitiva, estereotipada. não funcional. Pode interessar-se
sistentes problemas no desenvolvimento da cIiança com
autismo. As representações trládicas não se fonnam. os mais em cheim.r, lamber, sentir o materlal do brinquedo, do
gestos da criança permanecem como protoimperattVos, não que utilizá-lo. O brincar com jogos intencionais, freqüente
surgem os gestos protodeclarattvos, os que pedem a atenção no período pré-operacional normal, está prejudicado.
da outra pessoa para compartllhar as coisas do mundo. Aproximadamente WIÚ das crlanças com autismo nunca
Os distúrbios da comunicação incluem ecolalla e o uso desenvolvem linguagem expressiva. Atraso na aquisição da
Jas mãos dos outros para adquJrir objetos. É comum o igno- linguagem, distúrbios no desenvolvimento da Ungtlagem,
tal" brinquedos e o engajamento em atividades repetitivas, principabnente nos seus aspectos sociais, são sempre ob-
não funcionais. . servados. Entre os Transtornos Invasivos do DesenvoM-
mento, apenas os portadores de SÚldrome de Asperger pare-
AD.onnalfdades sensorla.is determJnam reações atípicas à cem não apresentar atraso na aquisição da linguagem; en-
lUZ.· alIilagens. a sons, a cheIrOs. a texturas, a sabores e tretanto, desenvolvem uma linguagem atípica. Além das
justiftcam. interesses em detalhes de objetos e atração por alterações na prosódia, o déficit pragmático da linguagem.
objetos que giram. Podem mostrar insensibilidade ao frio, ao isto é, a dfficuldade de usar a linguagem em um contexto
calor e à dor. · ,
social, é o maior prejuízo observado.
Dis~ios motores incluem sacudir as mãos, girar ao No ser humano. emoções e estados fisiológicos levam a
~or de si, correr· sem objetivo, balançar o corpo ou a cabe- desejos. Crenças e desejos estão intrinsecamente relaciona-
dos no padrão da ação humana. A percepção e a integração
dos estímulos levam a crenças sobre o outro, sobre as situa-
ções. Crenças e deSt'jos se combinam e detenninam a ação
que leva à reação de certeza ou surpresa, caso a crença se
confinne ou não e leva ao prazer e à alegria ou ao _desprazer
'6. Ull1a agenesia da
e-à tris1:e7a pela satisfação ou não do desejo. Isso está alte-
radD.t.no autismo.
estruturacão ;)

' ObseIva-se a falta do deSt'jo pelo outro, a falta do desejo


. Ido deSt'jo do outro, acarretando o impedimento para a aqui- ll1atriarcal da
sição da percepção de si e do outro. O deSt'jo pelo outro não
ocorre pela ausência do espaço da falta. Não se cria o espaço
entre um eu e um outro, para que se sinta a falta do outro, consciência
para que se entristeça pela falta do outro e em função da
fiilia se deseje o outro.
~

A ausência do espaço da falta, a ausência do deSt'jo pelo


>

butro impossibilita a emergência da fantasia, da fantasia em Eu me sinto romo wn alJenigena de outro es[X1I,'D.-Eu não
relação a este outro, que conduziria à capacidade cognitiva tenho mais fdéiade romofazer para me romunicar mm
para atrlbuir sentimentos, intenções ao outro, para atrlbuir as pessoas. do que wna aiatum de wnoutro planeta.
s~do às in~ humanas. Banun (l::m)
/' I'~.
.. Os autistas(nãojeguem o padrão típico das fases do Autista. 15 anos
desenvolvimen~o. Parecem seres fora da possibili-
dade de seguir o padrão humano na sua totalidade. Poder-
se-ia falar de uma sobrevivência psicológica em condições
atípicas. O ego se estrutura em tennos de outras codJfica- Eu sou o Data. o horremandrófde de . W Gueml nas Estrelns. apráximagera{rlD"...
ções, isolado, -prtvado das vivências relacionais primordiais. A rredida que ele QCI.UJ1I./Ja mais injorrnDçiíD. ele tem wna maior rompreensão das
A não introjeção das experiências eu-outro, das experiências relações sociais.
mat:rJarcais, impede a vivência de separação e de falta. Há, Eu sou wna cientiStll que tem que aprender os CXI1TIÚ111DS estranhos de wna ruItura
nesta fase, pràtlcamente a agenesia da possibilidade de de- alienígena. .•. Quando eu ror!fronto wna TlOIX1 situLJç'io social. e tenho que eoocar
wna imagem em minha mem)rla e buscar regtstros de experIênciaS prévias que
St'jar. Não ~, neste momento, espaço para a intersubjetM- jorwn serre/hanteS. A rredida que acwnulo mais rnerrúias. eu me tomo mais há-
dade. Além disso, a subjetividade que vai se desenvolver no bil no predizer romo a outra pessoa agirá ru.ana situLJç'io particular.
bebê autista parece ser alterada, diferente em demasia do
padrão comum; o qpe dificulta o entendimento e o atendi- Grandin (1995)
Autista, 49 anos, PhD em Biologia
mento dCf suas necessidades.
/

6.i
60
No autismo, o desenvolvimento psicológico se ~ em portamentos de apego, mas o apego parece ser apenas por
condições atipicas. As fases e as aquisições não ocorrem na segurança e não por filiação. Diferente dos demais bebés,
seqüência esperada. /- . para o autista. o apego não con( .~ às Vivências afetivas, não
-
As pessoas com autismp não passam pelas ~fases típicas .} leva ao fortalecimento da capacidade de amàr. Porém, como
da estruturação da consci~umana. Parecem estar prt- todo bebê, tem que ser nutrido e cuidado.
vados da individuação, em termos junguJanos a possibilida- Não foi ~ível a continênCia, a proteção, o apaz1gua-
de do desenvolvimento pleno do ser humano. mento matriarca1 Provavehnente possa ser assim justlficado
.-' Parece ocorrer uma agenesia no plano psicológico, pois I o não apego a objetos transacionais, macios, fofos e St.'a
não se. observa a vivência psicológica da humanJzação do substituição pelos objetos autísticos, duros, pontudos.
arquétipo da Grande Mãe. ( Neste trabalho, estou usando A impossibilidade da constelação do arquétipo matriarcal
arquétipo da Grande Mãe e arquétipo do Pai, nomeações coloca em rtsco a própria sobrevivência da criança autista.
dadas em 1938 por Jung (1959), e as respectivas nomeações Ela não consegue ser atendida por não poder ser compreen-
arquétipo matrJarcal e arquétipo patr1arcal de Byington cUda nas suas necessidades. A Vivência de uma angústia,

e7-
(1996), como sJnônimos). que não pode ser nomeada, gera desespero, dificU de ser
uma hipoatrofia, senão mesmo uma atrofia do papel aplacado por uma mãe que se vê sem meios e que também
_ descrtto por GaUás (1988), na estruturação da consci- se desespera. A busca do isolamento, muitas vezes acompa-
, o que impede a filiação plena à matemagem humana. nhada da movimentação estereotipada, não funcional, pare-
As expertências emocionais de estar em ligação com o outro ce ser o meio que a criança autista encontra, sozinha, para
não Q!in representadas. lidar com sua crtse de angústia. Mas, diferente das demais
crianças, a autista não Vive ansiedade pela separação, !X!la
-- Não há a vivência de fusão, de simbiose, assim como não ~do abandono.

==
existe a Vivência da separação. Parece não se criar o espaço
da falta, o espaço da separação, o espaço da fantasia. O
.be~ a
m#ô.~~aruan~a===
:;tismo pode aprender a necessitar~
Nao se Clia, segundo as maneiras us ,are,'
g E a mãe pessoal muitas vezes se sente abandonada e
freqüência tende a projetar sua ferida matriarcal sobre
filho autista. A maioria das pessoas, aliás, repete esta atu-
-o e, em função da projeção do dinamismo matrtarcal fe-
lido, fonna-se unla sombra que, colocada sobre o autista. {
outro, para que conseqüentemente possa se cIiar a relação
etl,:=J1}.undo. faz ser visto com pena, como "o anormal", como "o coitadi-
,J nho" ou como "o repulsivo", nominações que sempre o des-
,: . Isolado, sem pares, a crJança autista parece Viver com prestigiam como JndMduo. Isto pode dJficultàr a compreen-

~
esfa
. do desejo, do desejo do outro, do desejo do desejo lã<> desta forma tão diferente de ser e inviabilizar a possibili-
do troo Não se estrutura uma consciência matriarcal, e lacte da sua Jndividuação peculiar.
" ~. . r ~ falhada mãe pessoal de portar o arquétipo,
por ~ falha constituCional. Na própria história dos estudos sobre o autismo se vê a
O bebê autista Vive o processo de maturação biológica,
relativo a suas necessidades de sobrevivência. Mostra com-
tulo das psicoses infantis. Tal projeção contaminou i-
projeção da psicose, por anos. A autismo pertencia ao capí-

i
62
63'
adaptação tanto ao mundo externo -quanto ao mundo inter-
ria do autismo e continua contaminando a reh\ção dos não-
no. As estratégias utilizadas serão todas de ordem patrtarcal
~ll.tistas cOIl}. os autistas, provocando a defesa ahtista.
Mais cedo que para as demais crianças, o pensamento e
'-O&-::funstas nasceram diferentes e vão desenvolver uma o conhecimento lógico podem ser adquiridos e, quando o
identidade diferente, talvez a identidade daquele a quem são, auxiliam signiftcativamente a adaptação. O pensamento
falta alg~, .possivehn~nte uma estruturação sob a constelação mágico, de ordem matrlarcal. não pôde ser desenvoMdo,
do arquetipo do Inválido, no sentido que Guggenbulh-Craig nem mesmo adquirido: mas o pensamento de ordem patrl-
(1~~siderou ao discorrer sobre os limites da cura.
areal surge e tem primordialmente a função de compensar a
L\.. ego ye estrutura, mas em bases muito diferentes do falência da função sensação, a qual determinou defasagem
padra'Õ-artJ.Uetípico humano. à ego parcialmente se diferen- - importante no aprendizado perceptivo-motor, impedindo a
cia do ~1f e se estrutura em função do arquétipo patna.rcal. aquisição da noção do esquema corporal e distorcendo a
O arqu~tipo do Pai é c~cável Pela sua humanização, há a imagem de si mesmo.
possibilidade do apaziguamento, da continéncia da prote- Como se monta um quebra~, pela lógica da rela-
ção, dosuporte. '
ção de suas partes, a criança na segunda infância e o ado-
- .~ eg~
que se estrutura em função da ativação deste ar- lescente podem adquirir uma noção de seu corpo, parte por
que~po e um ego parcial e atípico. O dinamismo patriarcal, parte e, desta fonna. representar internamente a imagem de
que e o da ordem, da lógica, do planejamento, da previsfuili- ~esmos. base para a sua identidade.
d~d~, da inteligibilidade confere "suporte ao ego", caso con-
A função afetiva parece ficar subordinada à informação.
trário ele, provavehnente, voltaJia ao abandono primordial à coerência e à lógica. Ser compreendido. ser aceito. ser re- .
da inviabili~ade de ser, às trevas iniciais, sem a possibilida- cebido é ser gostado. A conftabilidade no outro surge pela
de do exel"Clcio da função transcendente e sem a possibili- experiência no tempo e leva à percepção da reciprocidade.
dade do processo da indMduação.
Cultiva-se a tradição. a previsibilidade.
turantes para a expansão da consciên- Desta forma, pode nascer uma intersubjetiVidade basea-
fiffimeeTire~n~Jrã-fHilÔ
o vão entrar em funcionamento via da na correspondência. na comunicabilidade inteligente. na
do~cia patriarcal im, é provável que a elaboração honra. na história do relacionamento. na confiança. No des-
_ 1i~ pos~ ocorre arquétipo patriarca1~A e envolvimento padrão. as trocas afetivas é que favorecem as
çao sinl , eros com caracteristicas ma não trocas cognitivas: mas. de forma oposta. os autistas desen-
acontece: mas; de modo parcial, pode-se verificar a ela: ra-
volvem as trocas afetivas a partir da possibilidade das trocas
ção simbólica. Esta acontece via logos e pode ser também
matizada pc)r um eros patriarcal Diferente do eros que ope- cognitivas com os outros .
.--?
_ ra sob o funcionamento matriarcal, o eros patíiãí"êãl é o eros - Se, para os indMduos não autistas. durante toda a vida.
. do o~o da organizacão, da peIfeição, da pureza. - mas e s ' na cia. a aflição e a ansiedade sur-
quanto V';is prese~da íor a intelig.encia da cri-
AssIIji'
gem da vivê de sensaç _~ de abandono. para os autistas
a aflição e a ansiedade o surgem frente a sensações de
ança c?m autismo\ maiores aq Jchances para uma melhor abandono, nte à constatação da desordem,

4
j 65
f;·;~ 0
r , \
do imPrevisíveL do não computáveL detenninando crises
que podem ser nomeadas como cIises de desorganização.
dificeis de serem controladas.

Existe a possibilidade do Self, detenninando a organiza-


ção arquetípica do desenvolvimento. suprir a função trans- 7. Ull1a estruturação
cendente e suprir mesmo a altertdade para estes seres que
precisam buscar seu processo de indMduação sem o funci- patriarcal da
onamento matriarcal. na extrema limitação dele. que pode-
na fazer pensar mesmo em agenesia..
consciência

" Construa-me wna ponte


Eu sei que oocê e eu
Nuncafaros Iguais.
E eu rosIJ..um:va olhar para as estrelas à noite
E queria saber de qual delas eu VÚ'TL
R1rque eu ~ ser parte de wn outro mundo
E eu nunca saberei do que ele éjeito.
A nãO ser que oocê me construa wm. ponte. construa-me wna ponte.
construa-me wna ponte de arror. . ••
Eu espero pelo dia no qual uxe sarirá para mim
Apenas parque perceberrí que existe wna pessoa c:I.ecente e inteligente
Entermda proji.lndc.zmmte em meus olhos ca1etloscópios.
Ibis eu tenho visto oorro as pessoas me olhwn
Embora eu nada tenhafeito de errado.
Construa-me wna ponte. construa-me wna ponte.
E. porfavor. não demJre multo.
Vivendo na beira do medo.
Vozes ecoam oorro trovão em meus ouvidos.
Vendo oomo eu me escondo tDdo dia.
EslDu apenas esperando que o medo vá embora.
Eu quero muito ser wna parte do seu mundo.
Eu quero muito ser bem sucedido.
E tudo o que precisO é ter wna paU:e.
l.hi1a ponte oonstnúda de mim até você.
E eu estareíjwlto a oocê para sempre.
Nadn. podeni nos separar.
Se oocê me oonstruIr wna ponte. wna pequena. minúscula ~
De minha al1m. para ojimào do seu<XJm(XlO.
McKean (1994)
Autista, 28 anos. escrttor
66
57
Na impossibilidade da estruturação matriarcal da cons- com autismo, os quais têm tanta dificuldade de ~omunica­
ciência, acredito que, de modo substitutivo, possa ocorrer ção, tão pouca habilidade para compreender o ponto de
uma estruturação da consciência via dinamismo patriarcal vista do outro, serem capazes de descrever, nas ~uas auto-
O papel Filho do Pai. descrito por Galiás (1988), pode vir a biografias, no que se diferem das demais ~. Estes in-
ficar hipertrófico para vicariar a hipotrofia do papel Filho da divíduos autistas, dotados de boa capacl<:lade tntelectuaI.
Mãe. O funcionamento do portador do Transtorno Invasivo pertencem a um grupo' pequeno, não represen~1ivo de um
do Desenvolvimento, que tem a inteligência preservada, é o segmento amplo da população de pessoas autistas: mas a
). uma outra fonna e e se des- perspectiva deles pode contribuir para a comPteensão da
envolve sob um padrão diferente, o que faz com que in- fonna de funcionar no mundo de outros indivíduOs autistas.
::lMduo necessite, desde -o início da vida. de uma estlmulã Tomando como referência as observações fettas com o
ção também diferente. ./ trabalho com meus pacientes autistas e os de eOlegas e as
-~leprectsaserentendido na sua pecullartdade, para que inferências que pude fazer mediante as lei~ biográficas,
poSsa ser atendido no que necessita. Não é isto que ocorre posso descrever uma seqüência na evoluçao, destes casos.
Esta seqüência é determinada pelas ~c~ns~ da pes-
aos nossos dias, Ilá nossa cUlfuiã. Além das limitações crt-
adas por suas próprtas condições, os autistas tendem a ser
sobrecarregados com o estigma da anonnalidade, da invia-
soa com
modo pelo .
DCnamento au~ta e também . _ influellciada pelo
ta pessoa e tratada ~la ~uca~o e cultu-
bilidade de ser. São discriminados e/ou lamentados e preci- ,ra atuais. muita desorgamzaçaO sao sU.~edidas por
sam estruturar de fato defesas autlsticas para se protegerem ~~ bllkiade: .
da felida e da infelicidade que são projetadas neles.
I;
Acompanhando em psicoterapia meus pacientes pol. l-
dores deste Transtorno, mas com a inteligência preservada,
7.1 as. BEBES

atendendo seus pais e professores, venho observando possi-


bilidades de adaptação melhores ou piores. Sei que, além de aparecimento dos sintomas tende a oco~r até o ter-
U
considerar as diferenças individuais, a evolução, mais posi- ceiro ano de vida; porém. alterações ,funclamen 1:ais no padrão
tiva ou não, parece ocorrer em função de um diagnóstico / do desenvolvimento já estão presentes desde o ~o da vida.
. precoce ou atrasado, em função de uma família mais ou
menos favorecedora do desenvolvimento em condições tão Uma fase inicial caótica ocorre com a manifestação dos
atípicas e em função da aceitação irrestrtta ou discrhninató- sintomas, que conduz à suspeita diagnÓS~. Pata os pais, o
lia por parte dos ambientes nos quais a crtança vive. .' choque,.o desespero, a negação, a depressao se ~ucedem na
tentativa de elaborar o luto do filho peneito. O Sistema fami-
Nos últirilos cinco anos vêm sendo publicadas autobio- liar é afetado~ pois o papel xnatemo dos adul~s não encon-
grafias de indMduos autistas, e livros vêm sendo escritos tra ponto de aplicação na criança. Os pais se veto. impedidos
por familiares de autistas. A dor, o empenho constante, a de realizar a xnatemagem, pois o filho parece ~r em outro
luta ~, os fracassos, os êxitos são relatados a partir "de
mundo.
uma visã'o de dentro do autismo". Pode parecer uma contra-
dição na óptica das pessoas 'típicas" o fato de indivíduos

68 ----------------------------~~----~
ela terá chance de abrir o dinamismo matriarea1'para abar-
Naturalmente, o instinto matemo é realizado na ação de
car os moldes do funcionamento patrIarcal .
nutrir fisica e psicologicamente o filho. Quando a função da
matemagem é impedida. desencadeia-se o inconfonnismo e É necessária a elaboração do luto do filho perfêito, pare:..
. ça ..r:#"erente possa ser vista. entendida e atendi-
a depressão. As fantasias de morte da criança e de suicídio que a cnan "'"tI' d - trl
sao freqüentes nas mães de crianças autistas. da nas suas peculiareS necessidades. Ela evera ser nu -
da, cuidada de modo diferente. Dar beijo, colo, abraço, talvez
O impedimento de cumprir matemagem na mulher que possa ser trocado por dar informações, e isto seria uma pro-
tem seu filho nos braços, mas ao mesmo tempo em outro
mundo, parece levar a uma ferida profunda, muito dificil de vadeamor.
cicat:rJ1ar. Da fusão total com o filho, como parte não sepa- ObselVO que, aos poucos. muitas mães conseguem in:~­
rada de si, da fantasia dese.;osa do filho cheio de dons, com- ir encontrar a expressão de um amor em uma manifestaçao
pletamente apaixonada pelo filho, esta mãe é confrontada ~e é tão pouco humana Podem iniCialmente projetar ~
pela concretude da separatiD mais absoluta: uma criança ~l\..,OS e a uir reconhecer o amor como deles,
s' e g
amor nos lllU -
que não é dela, que não pertence a este mundo. teriormente, podem passar a compreende-los do
mas, pos - c;;, - e passam a
jeito que são e a amá-los como sao. QaO maes qu
O choque pode deixá-la paralisada, entorpecida. Flca
impotente frente ao sorriso jamais correspondido, aos braci- viver o amor possivel.
nhos que não se estendem, ao 01har que atravessa o vazio. Quando isto é conseguido, o empenho, o esforço, a luta
Pode sair da paralisia por meio da negação. A não aceitação destas mães é inigualável no sentido da ajuda aos filhos. Es-
leva a buscas obsessivas por indícios de nonnalidade. Pelo c]arec1das e orientadas, conseguem ensiná-los a viver no
~o fantasioso. o filho doente pgde ser Jl""'l'Pbido cÕiiiõ mundo dos outros, passam a ser capazes de decodificar o que
perleito. O confronto inevitável com a realidade traz a revolta, DCOITe e podem fazer uma ponte entre o filho e os outros.
a desorganização e a 1amentação. Swge a culpa onipotente,
culpa esta reforçada, por anos, pe1as'teorias psicológicas.
, É dificll para qualquer ps1coterapeuta compreender a fe-
7 .2 A. PamutmA INFÂNCIA
rida da mãe da criança autista. Esta é uma ferida narcísica
muito primitiva. A tentativa de analisar na psicoterapia o A falha na constelação do princípio de eros impede a in-
luto do filho id~ljzado procede; porém, tem que ser realiza- tegração entre a criança. como ego, e o tu, como corpo, Seif,
da sob uma óptica muito diferente das demais patologias. outro e mundo. A alteração do padrão do desenvolvJmento
A dor que a mãe experimenta na relação prJmal tão atí- sensório-motor se transforma num impedimento para. o
pica com seu filho autista é muito dificil de ser compartllhá- ~prendizado afetivo e cognitivo.
veL a não ser, e mesmo assim em parte, com outras mães A criança vive quase um continuo de crises de angústia.
de crianças autistas. ,~ demorei muito tempo para compre- Diferenças de luminosidade, som, temperatura, odor podem
ender isto e para descobrir como ajudá-la. No funciona- levar a condutas descontroladas. Qualquer mudança, qual-
T!:to ~trtarcal, a separatiD de fato é a mais absoluta: quer diferença no ambiente é vivida sempre como aterrori-
, se :esta mãe, que é negada no campo matrtarcal, con- zadora. e tal terror é dificll de ser entendido e apaztguado. As
.:;egue perceber que o filho funciona sob outro dinamismo,
I 1
70
pessoas autistas lembram que o medo foi a primeira sensa- Grande parte do medo que a criança autista experimen~
ção que elas conseguiram evocar. d instabilidade· que caracteri7a o mundo. Rituais sao
vem a . ibilidade
"Meufllho, que estava meUwmndo, piorou de repente, não desenvoMdos para assegurar estabilidade e prevlS . .
come, está se balançando o tempo todo,fica isolado, não acei- Para ela. os eventosp:fecisam ocorrer numa de~nnmada
ta que cheguem perto dele", Este foi o relato da mãe de um ordem. os objetos devem estar em lugares detennmados, as
menino de três anos, desolada com o que ela acreditava ser pessoas devem agir de modos específicos.
uma regressão do filho. InquiIida sobre o que havia de dife- Tal necessidade vai perdurar ao longo da vida, ain~ ~e
rente na casa. contou que mudara o tecido dos estofados da ser diminuida postertormente. Entender os ntuais,
sala e que realmente o filho se recusava a entrar na sala. =-lOS e até mesmo propiciá-los faz parte do pa~l ~e
em está em contato com uma pessoa autista. Os rituais
"Ele piorou de repente e não quer sair de tnis do sofá.
FTca se ~ e olhando as mãos". Foi o relato sobre ~em ser compreendidos não como defeitos, mas ~m~ ~e­
uma c:dançade três anos e seis meses, que já estava evolu- correntes clã fililçao Clã orgãlliZaçao patiiãrêãi ~rrn. e nn- .
indo e conseguindo alguma comunicação. Era época de - port@.te aar s@'lttícado aOS rttualS, compartilhá-los se po~
Natal e, na casa, foi colocada uma árvore enorme de Natal, sível. para depois favorecer sua flexibllizãçao. .
bem iluminada e bem colorida. Quanto à conduta social, nas brin~deiras, j~to ao
Na época do Natal, as cidades são enchidas de luzes, a grupo etáIio de referência, o isolam~to e caracteristico. A
árvore de Natal é montada nas casas, muitas vezes como criança se entretém· SÓ, com seus o1;>Jetos particulares, de
surpresa. Isto tende a trazer pânico para crianças autistas interesse específico, e progressivamente passa a ser debmda
mais jovens e dias de piora nos sintolJlas. Como a cada ano isolada, após as tentativas de inserção mal sucedidas p?r
acontece o Natal e as mesmas práticas são realizadas, o que parte das demais. Como todas as de~, ela é solic~da as
foi assustador um dia passa a ser rotin.cl e passível de ser brincadeiras, mas ela não brlnca. Por nao responder as soli-
integrado, principahnente pela alta capacidade de memória citações no padrão esperado, debm de ~r ~hamada. Os prt-
destas c:danças. A tl@.vjbj1jdade adaptativa. a atividade explo- mórdios da interação social recíproca nao sao adquiridos.
ratória e o interesse pelo novo, caracteristicos da ciiãÍiÇa
- normal, não existem.
7.3 A SEGUNDA INFÂNCIA
Nesta fase, ~ adaptação à escola é quase sempre compli-
cada. Com as férias e também com a volta às aulas, crlses
ou aumento dos sintomas podem ocorrer. Qualquer quebra A aquisição das operações lógicas do pe~~nto, o
de rotina põe em Iisco a precária estabilidade, levando à cn- crescente domínio sobre a noção de causalidade dá a crian-
se de angústia. Isto muitas vezes é confundido com~ ça autista, nesta fase, a percepção de um mm:do mais pre-
são, o que tt:az grande desolação aos pais. Na realida ,nã visível. EJa busca claramente rotinas, situaç~ que ela
se tr-ata de ~o.. Passada esta cIise, cuja duraçã .' pode decodiftcar. A possibilidade de antecipar o que vai
previsível!, obse:rva-se a volta do padrão antelior de con uta ocorrer dá a1gum controle sobre a angústia. A literalidade
cr1an
com o gánho da possibilidade da integração da nova situa- domina seu pensamento e determina sua a~o. Muitas -
ção. ças autistas mostram diferentes tipos de evidência de prodigi-
72
osa memória remota. Parece que os eventos são engramados personagem, .desmhâ:·lo e inventar uma história.~ ?uadri-
de modo diferente do padrão nonnal. desprovidos da qua1ida- nhos que, na realidade, era uma colagem das hlSt?~ que
de emocional do momento, o que facilita a evocação. conhecia, muito semelhante a trechos de uma hlStona do
Por ter a inteligência preservada, a criança se alfabetiza video game "Mária Bros ":
com relativa facilidade. Há casos de hiperlexia descrttos com
freqüênc:ia. Algumas CIianças autistas aprendem a ler sozi-
nhas aos dois, três anos, sem qualquer ensinamento formal, "Eta .wna vez uma bolinha
apesar do atraso e/ou alteração do desenvolvimento da lin- com um chifre na cabeça. O
nome dele é Kum.
guagem. Na primeira infància, tal aprendizado não significa
necessarlamente m~lhorpossibilidade de comunicação; p0-
rém, a alfabetização traz alívio considerável para os pais e
Un dia o KuTÚ. estava pas-
tende a abrir uma possibilidade nova e importante para a cri-
seando quando apareceu
ança, que prOgressivamente, via leitura, adquire interesses
um numstro. Mas o KuTÚ.
novos, ainda que, em geral, com caracteIisticas obsessivas. fugiu para um buraco. O
Um paciente, atendido desde os dois anos, aos sete,
quando freqüentava uma escola bilíngüe, e foi solicitado a
KuTÚ. esperou 7 roras para
sair do buraco e quando ~-
escrever uma história para um livro a ser feito para os pais, saiu já era noite. O KuTÚ.
escreveu: "Em Londres, havia um velho solitário que ele não acabou dormindo em baixo
em tão solitário porque ele morava numa casa alta e ele tinha de uma árvore. No dia se-
um gato preto e toda a vez que o Big-Ben tocava ele ficava guinte ele foi para a cidade
louco. Punhafogo TW corpo, comia escorpião, jnfiavafaca TW e comprou várias coisas.
coração,.ficava chornndo, gritando, dwmfa na 11la, pedia CD- No meio de suas.coisas ti-
caina. pedia droga, rasgava dinheiro que valia mil reais e o nha um bilhete dizendo: ~I
gato queficava assustado com as loucuras que o velho solitá- - Vá até a praça!
rlofazia".
A escola, assustada com o tema, chamou os pais, que se
lembraram de uma história em quadrinhos, da qual ele ha- Ele foi até a-praça e
via tirado as idéias, bem como do interesse específico e atual encontrou um menino. O
desta criança por adquirir conhecimento sobre drogas, o que KuTÚ. perguntou para o
justificava o tema escolhido para a história. menino:

Um paciente, menJno de seis anos, cujo interesse especí-


fico na época eram oS dinossauros, aprendeu a ler soletran- - O que aconteceu?
do os noqíes dos dinossauros e identificando-os. Leitura e
video game se tornaram suas attvidades preferidas, e, aos
~ Eu perdi a minhelimãe.
nove anos, após uma boa evolução, foi capaz de criar um
75
74
Depois de ver tantas coisas
- Já sei garoto, faJe com a novas ele v@ou para ..
polícia, ela te ajudará. casa O Kunidepois de
tantos anOs encontrou uma
fa.milha e ele. viveu feliz
-Boa idéia. para sempre".
f
E o menino foi falar com a .
po~ú:ia e o Kuni voytou Este menino contou que sua história era muito parecida
para ajWresta. Chegando com a de seu colega, p ais inventaram juntos o Kuni, mas
na jWresta o Kuni resolveu que, na do amigo, Kuni tinha família dej!;de o começo, e na
nadar um pouco de tão dele o Kuni só encontrava afamaip. no fim ..· ..
quente que ew.va Quando
esfriou o Kuni foi almoçar. Um paciente, atendido desdé os cinco anos, começou a
Logo depois de comer, ele falar de]XJis dos oito anos, quCmdo se· alfabetizou. Apren-
encontrou um cano e En- dendo a ler, pasrou a se :interesror por todas as mitologias.
trou. O Kuni acabou caindo Também leitor voraz de histórias em quadrinhos, pasrou a
em um labiTinto e de tinha estrutu rar histórias nas quais pe rsonagens e temas d as
que encontrar a chave. mitologias e d as histórias em quCuiri.nhos se misturavam.
Gostava de represEntar com bonecos a história·
"O Super-Homem foi enfeitiçado pela Maga Patológica com
Mas ele não conseguia en- uma bolinha de kriptonita.; A í, ele teve que procurar o Super
contrar a chave e apareceu Asa, entrar na máquina do te mpo e ir até. 5000 mil anos
um monstro de fogo. O kuni atrás, buscar a planta da imortalidade do Gilgamesh".
estava com tanto medo que
fugiu até a chave. Ele abriu Um menino de sete anos, com um quadro de autismo
a porta ao lado, ·e v@ou residual, desmha e do mesmo tempo conta·
para ajWresta. ·Chegando "Há muito tempo atrás, nas épocas antigas, existia dois
lá ele foi d077J1ir. No proçiirw sóis. Um era vermelho e o rutro era laranja Todos as homens
dia o Kuni foi Viajar para o faziam uma fogueira, todo dia e dela saia um fantasma e
Saturno. E ele VÍQ varas quase todas as coisas como casas e prédios .eram de xadrez.
coisas novas, comoaci.dos, Entre as duas casas havia um lago bem claro, com várúJs
etês eETC. peixes. O rabo dos peixes pareciam de baleia e todos jcavam
/
para ·cima, ]XJrque eram niuito grandes.

76
77
Um dia a fogueira ficou muito alta e ficou a dois centíme- aos interesses específtcos da edança autista. Nesta fase,
tros perto do soL Também havia um sol bem pequenino e era
arn.arelo, um amarelo bem claro. Só que não existia noite, por-
a
chama atenção a atipja da conduta socJal. InSerido no
. . grupo da escola, podendo participar de outros. grupos de
que a lua ficava junto com estes três séis e havia dois tipos de crlanças, o autista pennanece sempre numa posição margi-
estrelas entre o sol e a lua A casa dos homens era azul e a nal ao grupo de referência. Nas histórias que daboraIll;
das mulheres vinho. E havia uma impressão digital de um prat:ic3mente nada da função de relacionamento humano é
homem gigante lá no céu e fim". namido. .
O controle sobre a igualdade do ambiente continua. .ain-
_da que menos rígido, pois a CI1ança já consegue introduzir
no seu pensamento a antecipação da· situação que vai ocor-
rer, se isto é contado a eJa.
Ir a festas de an1versárlo, jantar em restaurantes, wyar,
participar de excursões da escola, do:nn1r com os colegas em
acampamentos, tais sittlações podem passar a fazer parte
da vida da edança autista, desde que previamente condicio-
nadas. Uma vez que passam a Ser possibilidades inseridas
na rotina de vida, podem passar·a ser antecipadas não com
angústia, mas até com tranqlitUdade e, :ftnahnente, mesino
com. prazer.
o faz-de-conta, a função da imaginação, a criatividade Os troiJers sobre as situações novas a serem experimen-
são aspectos dos quais os autistas são carentes, como expli- tadas ajudam significativamente a· possibilidade ·de Udar
ca toda a literatuia na área. Os intelectualmente bem dota- com a angústia do novo. Talvez seja uni meio de se substi-
dos c onseguem elaborar histórias, porém estas são muito tuir a função antecipatórla da imaginação.
diferentes do padrão usual das demais crianças. São "histó-
rias" apenas descritivas ou então colagens bem feitas ie · I

conteúdos conhecidos, aifida que criativamente ligados. Ob- \ 7.4 A/PRÉ-ADOLESCÊNCIA E A ADOLESCÊNCIA
serva-se um padrão repetitivo, mas criativo.
Chama a a tenção o quanto estas histórias vêm repletas A saída da Jnfàncfa e o advento da puberdade trazem
de símbolos e o .quanto estes símbolos podem ser metáforas uma época de confusão e de novas dificuldades para os in-
. para uma estruturação patriarcal da consciência. divíduos com autismo. A desorganização observada· neles
Esta é uma fase de um pouco mais ·de estabilidade. O nesta fàse tende a exceder muito a observada nos não au-
desenvol~ento das representações mentais auxilia muito a tistas.
adapta~o. Porém, é uma· adaptação parcial. O outro no re- Na escola, por exlstlr com freqüênda nesta fase uma
lacionamento só é considerado na medida em que atende · maior turbu1énc1a da classe,· a maior intransJgênda dos co-

78 79
legas antigos e a não aceitação por parte de eventuais novos toI11á dÍficil. ·Porém. o · questionamento não é colocado no
colegas perturbam muito o autista. Tornam-se com freqüên- conteúdo a ser aprendido. nem no método educacional. nem
cia os bodes expiatórtos das dificuldades que todós expert- nos professores, mas sempre no aluno autista. O erro. a
1nentam em função daldade e são, de fato~. . dos. anonnalidade são projetados nele:

As pessoas com funcionamento autis não entendem "Eu sou esquisitão", diSse um paciente meu de 13 anos.
piadas e ironias. Não percebem o que está s ndido nas Pela prtmeira vez eles têm consciência de que são dife-
expressões verbais. Absolutamente literais. acreditam que, rentes e expertmentam ·sentimentos depressivos. os quais
por exemplo, "chove canúJetes". Os diversos aspectos da lin- são reativos à percepção de que alguma coisa errada existe
guagem precisam ser aprendidos separadamente, mediante neles. O isolamento pode ser buscado como um meio de
estudo deliberado. proteção. Pode-se formar. assim, uma defesa emociorial au-
Aos 14 anos. um paciente autista estava se balançando tista. Um paciente de 15 anos, com Síndrome de AspeIger,
na cadeira, como ele acreditava que todos os adolescentes <lizla:
fazem. Ao vê-lo inclinar-se demais. eu lhe disse: "QLidado "Eu não preciso de amigos".
você lX1i cairl". Ele levantou-se imediatamente e me disse:
"Eu preferiria que você tivesse me dii:O: Cuidado paro. . não Seis meses depois, após o prtmeiro semestre do primeiro
cair. Porque se você me diz: aliciado você lX1i cair e aaedito
coleg1al, prectsaildo fazer trabalhos em grupo, <lizla: "As
que eu vou cair a seguir. " T31 preciosismo da expressão ver- grandes obrigações do colegial me fizeram rever meu anterior
bal é com freqüência encontrado nos portadores da Síndro- ponto de vista sobre não precisar de amigos".
me de Asperger. Este paciente me ensinou a prestar mu1ta Mu1tos autistas, ao perceberem que eles são os diferen-
atenção no que eu digo. Com o passar do tempo, ele tam- tes. fazem um esforço considerável para serem "típicos".
bém foi capaz .de compreender a linguagem metafórtca, es- Travam uma luta titânica, uma luta Pela sobrevivência em
tabeleCendo códigos de códigos. . um mundo que não os entende. mas que eles precisam se
Por serem mais lentos nas suas respostas e nas suas re- empenhar em entender.
ações, pela alteração da função executiva do sistema nervo- Um paciente de 13 anos, em uma aula de educação se-
so, os autistas, mesmo mu1to inteligentes. dão às pessoas xual, ao ser ironizado pelos colegas por não saber o que era
com as quais entram em contato uma impressão de estra- menstruação, passou a . ler todos os livros publicados em
nheza e, dessintonizados na comunicação, ficam por fora da português sobre educação sexttal e a buscar livros de ana-
sJtuação grupal. tomia para saber sobre a fonnação e a estrutura dos apare-
É uma fase de deSorganizaÇão, de desequilíbrio e de so- lhos genitais. Durante a1gumas semanas. este foi o seu terua
fi1mento. EleS não entendem o que acontece com aqueles a nas sessões de psicoterapia comJgo. Dono de uma capacida-
quem chamam de amigos, vivem a confusão e ·começam a se de alta de memóIia, evocava toda a infonnação aprendida.
percebermu1to .diferentes dos demais. São cobrados pelos mas dizia não conseguir entender como seria o orgasmo,
pais. PI?fessores, colegas e ps1coterapeutas a mostrarem estava além de sua possibilidade de compreensão.
condutas adequadas. Não sendo capazes do comportamento
tipico, 'padrão esperado, são penalizados. A escolalidade se
Outro paciente, na adolescência, ao se perceber fora do 7.5 A VIDA ADULTA
grupo social e querendo continuar a ir a festas e conversar
com os amigos, percebeu que se falasse sobre his~ria do ci-
nema, seu interesse específico na época, ninguém ftcaIia Sentir-se diferente é a experténcia comum relatada por
perto dele. Passou a se interessar por futeboL assunto que todos os adultos autistas que falam sobre seus sentimentos.
descobliu que poderia conversar. Quis ser corinthiano, por Muitos dos indivíduos com autismo. ao tentarem expli-
ser o time que estatisticamente tem mais torcedores em São car no que eles se sentem diferentes. se referem ao modo
Paulo, e rapidamente decorou a escalação do time em todas pelo qual eles experimentam os estimulos sensoriais, se re-
as épocas. Assim, além de ler noS jornais tudo o que era es- ferem à sensibilidade exagerada. Sons podem parecer altos
crlto sobre cinema, lia também tudo o que era eScrito sobre demais e às vezes assustadores, odores podem ser insupor-
futebol. Na Copa do Mundo de 1998, quando soube que a táveis, toques podem ser dolorosos. a luz pode ser desagra-
televisão na sua casa não estava funcionando, me contou: dável e a combinação de tais estimulos pode ser tão sobre-
"Vou vestir a camisa do BrosU e procurar wn bar para assistir pujante a ponto de distorcer o próprio estimulo inicial.
ojago. para torcer pelo meu Brasa".
Donna WiJliams. uma mufuer autista, autora de três li-
A percepção das suas limitações sociais determina au- vros e inúmeros artigos sobre autismo, conta que mesmo na
mento de tensão no adolescente autista. principalmente vida adulta tem sua percepção freqüentemente sobrepujada
quando surge a vontade de ter amigos como os demais têm. pela estimulação sensoIial: "... acabei de sair de uma sala,
A diflculdade na comunicação e a falta de conhedmento das onde eu me senti torturada pela claridade branca demais da
convenções e códigos sOciais implícitos tomam o processo luz fosforescente, agos rrdfexos f~ a sala estar em wn
de estabelecer . e manter contato com outras pessoas uni constante estado de nrudança. Luzes e sombras dançavam
processo altamente desgastante em tempo e energia pata a nos rostDs das pessoas que jala.vam. tori1.ando a cena wn de-
pessoa com autismo. senho C111Í111atilJ".
Aos 15 anos, um adolescente autista aproxlm01:l-se bas- Vale a pena citar o seu livro mais recente, "Autism and
tante de uma auxiliar de professora, a qual file ajudava com sensing: the w1lost instinct", publicado em 1998, o qual pro-
freqüéncia nas diftcuIdades com a classe. A1guém, bIincan- cura mostrar a implicação da alteração da sensorlalidade na
do, lhe disse que ele estava apaixonado por ela, o que de- adaptação ao mundo para a pessoa com autismo.
tenninou um comportamento que ele acreditava típico de al-
guém apaixoruido: telefonava pará a professora muitas ve- Darren White começa sua autobiografia dizendo que ela
zes, queria sempre estar perto dela, planejava lhe dar consiste em infonnações sobre como sua audição e visão
presentes. Só que tal comportamento tinha características pregam peças nele: "Eu raramente sou capaz de ouvir uma
tão obsessivas que assustou a professora, que o rejeitou pe-. sentença toda porque minha audição a distorce. Sou capaz de
remptorlamente. Decepcionado, confuso, ele não conseguia ouvir uma ou duas palavras iniciais. depois as outras pala-
compreender o qUe havia acontecido. Meses mais tarde, dis- vras se misturam-e eu não consigo entendê-las. Nwn dia claro
se: "Eu p;taVa apaixonado pela idéia de estar ·apc:itxooado e quente, minha visão se tunxl. e eu não posso ver senão até
pela. ... ~!Talvez seja a possibilidade de lidar com a Aritma, do algWlS metros. "
ponto de vista patriarcal.

82
o toque, o passar a mão na cabeça, são descritos com do para formular um 'código para poder compreender as
freqüência como algo que machuca. emoções das pessoas ..
Alguns autistas, como Jim Sinclair, relatam que uma Porém, as dificuldades com abstração e generalização
grande diferença entre eles e as outras pessoas ê que elas impedem que conexões sejam estabelecidas com facilidade
sabem sem que lhes tenha sido ensinado. Não têm a possi- pelos autistas como são para as ' outras pessoas. Cada
bilidade do aprendizado instintivo e imitativo matriarcais: evento é percebido como distinto dos demais. A categoriza-
"As pessoos típicas sabem sem que lhes tenha sido ensina- ção, que é um 'dado imediato para a mente dos outros, e a
do" ... "Produzir qualquer comparta.merrto em resposta a qual- conexão automática dos eventos com as pessoas que fazem
quer percepção requer monitorar todos os estírru.Jlos ao mes- parte dos eventos não ocorrem ou ocorrem de modo alterado
mo tempo e Jazer isto Slfficientement rápido para coordenar para a mente das pessoas com autismo.
os estímulos que mudam" ... "Você tem que lembmr de conec- Temple Grandim, autista PhD em Biologia, possivel-
tar seus olhos para dar sentido ao que vê?" ... "Há em rrúm mente a mais notória adulta autista. sobre quem Sacks
wnaJalha entre o que é esperado que sida aprendido e o que (1993 ) escreveu em "Antropóloga em Marte", relatou que ela
é asswnido ser sempre compreendido". tem que construir sua própria biblioteca pessoal das cone-
Nas suas autobiografias, as pessoas com autismo con- xões entre as pessoas e as situações, evento por evento,
tam a sua dificuldade de perceber as emoções, por mais que para poder se posicionar nas situações afetivamente.
se esforcem. Williams (1994): "Eu posso aprender a lidar com wna
Wimams (1994): "Eu quero compreender as eJ11DÇÚeS. Eu dada situação em um contexto, mas JaJJw quando confronto a
tenho definições de diciDnário para a maioria delas e dese- ~ siblaçiío em ouiro contexto".
/
nhos de caricaturns de 1TU1itas••• Mas tenho d!fimldade no No autismo a dificuldade de estabelecer conexões, de
compreender o que as pessoos sentem Eu posso Jazer algu- usar associações e general1zações são importantes e acar-
mas decod!ficações. Se a voz da pessoa se toma alta. rápida, retam outra dificuldade que é a da interação social recípro-
ela pode estar zangada. Se lágrimas rolam de seus olhos ou ca. A interação social recíproca pressupõe um cenário co-
se os lados de sua boca caem, ela está triste. Se ela está tre- mum de percepções e compreensões, o que freqüentemente
mendo, talvez es~a doente, assustada ou romjiiD... O mais falta quando adultos autistas e não autistas tentam se co-
importante é perceber se a pessoa está zangada, porque a municar.
raiva tem conseqüências piores e mais ÍJWQSÚXlS".
Sinclair (1992): "À medida que a COTT1W1ÍCaÇáO OCOTTe, TTÚ.-
Um paciente autista de 18 anos me perguntou: "Você nha interação parece depender do quanto eu sou capaz de
está triste?" Quando lhe perguntei por que tinha achado que identi.ficar a discrepância na compreensão e de troduzirtanto
eu estava triste, ele me relatou: "Porque você estava com os meus próprios tennos como os' da outra pessoa, para ter cer-
ombros para frente, os olhos menos abertos". Expliquei-lhe teza de que ambos estamos JocandD a mesma coisa, no
que eu estava niais cansada naquele dia. Durante muito mesmo tempo".
tempo nq decorrer das sessões ele passou a analisar minha
postura e expressão corporal e tirar conclusões: "Rqje você Williams (1992), ao descrever sua própria dificuldade de
está alegre"; " ... cansada"; " ... triste" etc. Estava me utilizan- comunicação: "Eufreqüentemente queroJalar sobre o que me

84
interessa. Eu reabnente não estou interessada em discutir eu não poderia ser normal? Mais do que qualquer coisa eu
na.da. nem espero qualquer resposta ou opiniãD da outm pes- queria TTU1dar todo o meu comportamento... Eu comecei tendo
soa. Caso ela me interrompa. rrn.útas vezes eu me ~o igrur corwersas corretas comigo mesmo".
rando-a e continuo falando".
Porém, dentre a minoria dos autistas bem dotada inte-
Thomas McKean é autista, autor de livro sobre a visão de lectualmente que está escrevendo sua autobiografia, alguns
dentro do autismo e autor de inúmeros poemas. É interes- deles, na idade da metanóia, estão refletindo a respeito de
sante o que relata sobre sexualidade: McKean (1996): "Eu suas vidas e chegando a elaboraç[)es que mostram a busca
não tenho libido. Nenhrona. Isto rornfreqüênda toma d!ficil. a de um caminho próprio no processo da individuação. Possi-
coTTlllIlicação rorn os ouiros, quando eles falam sobre estas velmente, ao perceberem sua irreversÍVel atipia, tenham a
coisas. Os rnpazes estãO constantemente olhando rorn brOho vontade de buscar sua própria fonna de ser.
nos oUws para as meninas que andam pelas ruas. Eu não
Grandim (1994): "todo ser hwnano tem necessidm:1e de
entendo isso. Eu aprecio a beleza, tanto quanto eles e, se a
intimida.de. As crianças autistas predsam de wn canto secre-
menina é bonit.a, eu vou pensar que ela é bonit.a. mas é tudo o
to também. paro.. se esconder e para se dirigir para seu num-
que vou pensar. Não existe nada que homem. T11l1111er, criança
do interior. As crianças autistas têm necessidade da segu-
ou animal possa ser oufazer paro.. me interessar. Meu impul-
mnça de seus próprios esconderjjos. Eu tenho o meu e é wn
so, desl#o não está af'.
lugar onde posso refletir e me asseguror".
Ao se referir à religião, ele diz: "Eu aaedíto em wn ser
McKean (1996): "Eu estou cansado de negar quem eu
superior. Eu não estou certo se aaedíto ou não que este ser
sou. Eu não quero mais fazer isto, nem paro.. mim. nem para
Sl#a "Deus" em qualquer dos sentidos que é considerado.
as pessoas a quem amo. Mas, primeiro eu preciso conhecer,
Mas eu acredito que nós fomos criados, e que, portanto, nós
amar e aceitar quem eu sou. Devo encontrar a pessoo que
devemos ter wn criador... Eu tnmbém acredito no poder da
cresce deniro de mim".
omção. Eu não sei se é wn poder psicológico ou wn poder es-
piritual ou ambos, mas eu estou convencido que existe wn WIlliams (1992): "Minha sobrevivência estava em re.fina.r
poder na arte de orar". oato de agir normalmente, mas eu sabia que, de qualquer
modo que eu agisse, eu seria naturalmente indigna de aceita-
Dotados de uma fonna de estruturação mental diferente,
ção, indigna de pertencer a alguém. indigna mesmo de vida".
os autistas mostram desde a adolescência até anos de vida
São seus os versos:
adulta um esforço titânico para aprender a sobreviver e a se
adaptar no mundo. Os sentimentos depressivos, vividos na "Então escut.a.
adolescência, podem detenninar uma reação de muita luta e
Não questione os especialistas,
empenho para tentarem se comportar como as demais pes-
soas, para serem típicos. Não pense duas vezes, apenas ouça.
Bovee (1995): "SernormalnãoéfácU". Corrn. e se esconda nos cantos da sua mente,

Ban:Qn (1992): "Eu gastei uma enorme parte do tempo Sozinho, como ninguém em lugar nenluon".
querendo ser uma pessoa diferente de quem eu sou. Por que

86
Williams (1994): "Minha intenção é viver no TTI1111do nor-
mal de tal modo que eu possa encorztror meu próprio eu. NáD
quero mais manter wnafachada de normalidade".
8. Considerações
Sinclair (1992) fez um poema: Finais
Eu oonstrui wna ponte
Além de nenhum lugar, atrovés do nada
E queria que existisse algo no outro lado.
Eu oonstrui wna ponte
Além da neblina. através da escuridão
E desljei que existisse luz no outro lado.

Eu oonstrui wna ponte Aprender a aprender. tflreJa que dum a vida. inteira.
Além do desespero. atrnvés da desoonsideração
E sabia que poderia ter esperança no outro lado. ,/

Eu construi wna ponte


Além dafalta de qjuda. atrovés do caos , As pessoas portadoras do Transtorno Invasivo do Desen-
volvimento ~ consciência e estruturam o ego de
E acreditei que poderia existirforça do outro lado I uma maneiraVrJjferente\lo padrão mais comum da espécie
Eu construi wna ponte humana.
Além do inferno, atrovés do terror " Em função de suas condições tão peculiares e por vive-
E em wna boa, forte e boTúta ponte rem sob os detenninantes de uma cultura, na qual não são
compreendidas, estas pessoas têm um processo de desen-
E em wna ponte que eu construi volvimento psicológico bastante dificil e penoso. Acredito que
Com apenas minhas mãos porferramentas uma minom dos portadores deste Transtorno. que possui a
Minha obstinação oomo suporte inteligência preselVada, chega a um processo de indMdua-
Minhafé oomo medida e meu sangue oomo pregos. ção, com a possibilidade de descobrir a própm fonna de ser
e talvez o sentido de sua existência.
Eu construi wna ponte
E a atravessei, mas não havia ninguém
Após uma primeira infância caótica, quando a desorien-
Para me eTlCQntror do outro lado.
tação penneia oscontatos da criança com seu ambiente e
vice-versa; após uma segunda i.nf'ancia, quando a aquisição
das operações lógicas do pensamento auxiliam a adaptação,
o indMduo com funcionamento autista e inteligente chega à
A literatura tem demonstrado que a1guns tndMduos com
adolescência, quando de fato ele se percebe muito diferente
o funcionamento autista, depois que se empenharam ardu-
dos demais e se deprime.
amente durante anos para se tomarem iguais aos julgados
Em outra versão, após a fase em que predomina o dina- nonnais, chegaram à percepção de que, por mais ~ue te-
mismo matriarcal, cuja linguagem é inacessível para a cri- nham tentado, não são dignos das mesmas possibilidades
ança autista, pois não existe a vivéncia psicológica do ar- devida.
quétipo matrlarcal, no qual predomina a sensorialidade
Repetindo as palavras de W]]liams (1~2):. "de qualquer
emocional; após a fase em que o dinamismo patriarcal per-
mite a aquisição de um código para a comunicação, pois é
modo que eu agisse, eu seria naturoJ.mente indigna de aceita-
possível a vivência psicológica do arquétipo patriarcal. no ção, ...indigna mesmo de vida".
qual predomina a organização racional, o indMduo com esta Na metanóia. pode surgir a percepção de que eles não
forma tão atípica de estrutura de consciência, com um ego podem passar pelas fases típicas do ?esenvoMmento .~
que não se de-integrou adequadamente do Self, se vê priva- consciência humana. O espaço construído para a subjetivi-
do das vivências do que é humano e pela primeira vez tem dade é pequeno. A intersubjetividade poss~el é baseada na
a1guma percepção do quanto ele ê o diferente. lógica, na correspondência, na comunicaça~ inteligente, na
confiança, na fé, na reciprocidade, na estabilidade das rela-
A adolescência e o início da vida adulta caracterizam-se
ções. A função do relacionamento fica subordinada ao di-
por uma luta titânica, uma luta pelo direito à existência.
SelVe muito bem a imagem dos titãs, segundo Hesíodo, a namismo patrtarcaL
segunda geração dMna, seres primordiais, tão intensos na É possível que se possa obsetvar uma fase de automati-
sua expressoodade, mas desprovidos ainda de caracteres zação das conquistas na segunda metade da vida. O que
humanos. Alvarenga (1999) mostrou que as figuras tltânicas poderá continuar a humanizar o Arquétipo do Pai até o fim
podem ser COnsideradas como representantes de todas as da vida? Poderá a função transcendente operar para conse-
estruturas da consciência, porque é deste mundo primordial guir iniciar e garantir um processo de indMduação em mol-
que nasce um sistema organJzado, no qual as coisas têm des tão peculiares?
corpo e forma. A especificidade, porém, só é possível na ter- .
Repetindo as palavras de Sinclair (~99~): "~construí
ceira geração dMna, quando Pai e Mãe estruturam corpo, e
wna ponte, e a atravessei, mas não havia nt:nguem para me
o Herói estrutura psiquismo. A luta dos titãs é uma luta
pela sobrevivência, muito diferente e anterior à luta do herói, encontrar do outro lado".
que é a luta dir:Igida pelo direito de ser ímpar. Ainda repetindo Williams (1994): "Minha intenção é ~
rw 7TIl.Ull1o de tal modo que eu possa encontrar meu propno
Os relatos descritos no capítulo anterior mostram a luta
eu" ... "não quero mais manter wnafachada de normalidade".
empreendida por estas pessoas para se tomarem 19uais aos
seres considerados típicos. É uma luta ajudada e reforçada É provável que aí haja a necessidade de uma luta herói-
pela sociedade e cultura. Quanto mais semelhantes eles se ca, a luta dirigida pelo direito de ser ímpar.
tomareII1. quanto mais aprenderem os moldes padrões de _ Em tennos da psicologia j1:&ng1 dana JXlSSQ....pensar que
conduta', mais poderão ser aceitos. Aceitos ou tolerados? - ocorre no autismo uma alteração no processo de de-
este pode ser um questionamento.
.~
91
90
integração do Self. Tem-se possivelmente um distúrbio des- soa decente e inteligente... pois eu tenho visto como as pesso-
'" de a faSe mtrã-uterina, quando as vivências matnarcaiS nao as olham para rrúm, embora eu nada tenhaJeito de errado".
. se constel@i. Porem, como a organização do desenvolVi- A cultura tende a projetar nos autistas sua infelicidade
I men~ é arquetípica, a função estruturante da organização ao vê-los, e eles passam a ser lamentados e discriminados.
patriarcal se torna dominante. Com um funcionamento au- Não compreendendo a função de estruturação da organiza-
tista, o _individUO tem os papéis, referentes à filiação dupla, ção patriarcal, a cultura projeta o matrtarcal ferido nas pes-
consequentemente alterados, são filhos ou filhas do Pai, são soas com autismo, projeta a ferida matrtarcal em quem não
filhos ou filhos de uma mulher-Pai e de um homem-Pai. tem imagens matriarCais e, por isso, não tem a possibilidade
Mas, sob a ordenação do Self, como princípio de totalidade, de ter fixações matriarCais.
~e se te:r a integração de todos os demais arquétipos entre
SI, propicIalldo o processo de individuação, provavelmente
Desde o início de sua vida, o autista deve ser entendido e
mesmo na falha da humanização do arquétipo da Grande atendido na necessidade da ativação precoce do arquétipo
Mãe. do Pai e deve ter o respaldo de que ele é diferente. Não se
trata de negar a anormalidade do autista, pois isto seria
Os princípios de centroversão e do automorfismo, atu- uma defesa que impossibilitaria a ajuda a ele. Trata-se, sim,
antes sob a organização patriarcal, dirigem os processos de de reconhecer esta anormalidade como agenesia da estrutu-
ampliação da consciência e a integração da personalidade, ração matriarcal e não como o matrtarcal ferido.
abrangendo .as relações entre os sistemas consciente e in-
consciente. E uma personalidade que, se estruturando em A anormalidade precisa ser elaborada onde ela realmente
outras bases, tem a possibilidade de um processo de indivi- ocorre. Caso ela seja elaborada, querendo melhorar o dina-
?uação peculiar. mismo matriarcal, a pessoa com autismo adquire outra
~dade, além~ com a q.lal-naseeu;------- _____ _
O papel adequado da cultura seria o de ajudar estas
pessoas a descobrir que são diferentes, mas que são viáveis .' As pessoas normais, ao sentirem que o autista é des ro"'
que possuem a viabilidade de ser. Isto precisaria ser feito . vido do dinamismo ma sforçam-se por cuidá- o e '
desde as identificações primárias. Métodos de educação elhorá-Io. Este pode ser o erro damental no tra ento
apropriados somados a uma sociedade esclarecida seriam a do au is cria e refo ilidade.
ajuda essencial para que o processo de desenvolvimento do O autista não quer e não precisa do dinamismo matrtarcal
ser autista não precisasse ser tão doloroso para ele e para __-, __. porque ele simplesmente não tem o que fazer com ele. Pem;-
suas famílias. , colo, aconchego, carinho, lágrlmas, mimos, superproteção
emocional e dedicação afetiva esmerada, tão necessárias à
Hoje, o individuo autista tem uma sobrecarga. Ele carre- enfermagem do arquétipo matrtarcal ferido, aqui são dispen-
ga ~ ~culd.ades e limitações trazidas por suas próprias sáveis. Além de inúteis, fazem o indivíduo com autismo ex-
condiçoes e amda carrega o estigma de uma anormalidade perimentar fracasso e culpa, pois ele é incapaz de, nestes
que não possui. . Os autistas descobrem pelo olhar dos ou- termos, corresponder à ajuda recebida. É como se dar um
tros que são anormais, que são não viáveis como humanos. curso de engenharia em chinês a um aluno que só se co-
munica, naquele momento, em português. É ~omo fazer fisi-
I

~pe~do McKean (1992): "Eu espero pelo dia no qual


voce somra para rrúm, porque perceberá que existe uma pes- oterapia em um membro do corpo inexistente. Como mos-
trou Guggenbuhl-Craig (1983), há complicação quando se
confunde ferida com cicatriz. Ao se resolver tratar uma ci-
catriz como ferida, COITe-se o risco de, idiopaticamente, ferir
a cicatriz.
O bebê, a criança. o adolescente e o adulto com autismo
Referências
podem e devem receber carinho, aconchego, desde que se
tenha consciência de que não é isto que eles de fato mais
necessitam. O que eles necessitam, e muito, é de compreen-
bibliográficas
são e ~uda para organizar seu mundo e aprender a viver.
Não possuindo a capacidade de estruturar consciência pelo
arquétipo matIiarcaL se apoiam totalmente na capacidade
estruturante e organizadora do arquétipo patriarcal. Alvarez, A - Companhia viva. Psicoterapia psicanalítica mm crian-
ças autistas, borderline, carentes e maltratadas. Porto Alegre,
Artes Médicas,1994.
Amerlcan Psychiatric Associatlon - Manual diagnóstico e estatístico
de transtornos mentais (DSM -IV) . Porto Alegre, Artes Médicas,
1995.
Andersen, G.M. & Hishiro, Y. - Neurochemical studies in autismo
ln: Cohen, D.J. &Volkmar, F.R - Handbookofau1ismandper-
vasive developmentaldisorders. 2 ed. NewYork. John Wiley &
8

Sons, Inc., 1997.


AIvarenga. M.Z. - Psirologia analitica e mitologia grega. São Paulo,
Junguiana, 1999. (No prelo).
Asperger, H. - Die autistischen Psychopathen 1m Kindersalten.
Arch. Psychiair. Nervenkranker.• v.U7. p.76-136, 1944.
Assumpção Jr., F.B. - Distúrbios globais do desenvolvimento. ln:
Assumpção Jr., F.B. - TI-anstomos tnvasivos do deserwolvtmen-
to. São Paulo, Lemos Editorial., 1997.
Baron-Cohen, S.; Leslie, AM.; Frtth, U. - Does the autistlc child
have a "tbeory ofmind'? Cognition, v.21, p.37-46, 1985.
- Mechanical, behavioral and intentlonal understanding of
picture stories in autlstlc children. Brlt. J. Develop. PsychoL,
v.4, p.125-33, 1986.

94
_ _ - Social and pragmatic deficits in autism: cognitive or affecti- Cohen, D.J. - The pathology of the self in prima:ry chilhood autism
and Gilles de IA Tourette syndrome. Psychiatr. Clin. NorthAm.
ve? J. Autism Develop. Dis., v.18, n.3, p.379-402, 1988.
v.3, n.3, 1980
_ _ - The development of a theo:ry of mind in autism: deviance or
delay? Psychiatr. Clin. oJNorthAm, v.14, n.l. p.33-52, 1991. Cohen, S. - Targeting au1ism Los Angeles, University of California
Pregs,1998.
_ _ - Mindb1indness: an essay on autismo theory oJ mind. Lon-
don, Bradford Book. 1997. Courschene, E. -lnfantile autism .part 1: M.R imaging abnormali-
ties and their neurobehavioral correlates. lntemat Pediatr.,
Baron-Cohen, S. & Swettenham, J. - Theo:ry of mind in autism: its
v.10, n.2, p.141-54, 1995.
relationship to executive function and central coherence. ln:
_ lnfantile autismo Part 2: A new developmental modeI. ln-
Cohen, D.J. & Vo1kmar, F.R - Handbook oJ autism and perua- - -temat.
- Pediatr., v.lO, n.2, p.155-65, 1999.
sive developmentaI disorders. 2". ed. New York. John Wiley &
Sons, Inc., 1997. Dowker, A:, Hermelin. B; Pring, L.- A savant poet. Psychol. Med..,
Barron, J. & Barrou, S. - 7here's aboy Úl here. NewYork. Avon. v.26. p.913-24, 1996.
1992. Fordham, M. - Individuation in childhood: the reality of the psyche.
Boucher. J. - The theo:ry of mind hypothesis of autism: explanati- NewYork, Putman. 1968.
ou, evidence and assessment. Brist J. Dis. Communic., v.24, Fordham. M. - The self and autism London. Willian Heinemann
p.181-98, 1989. Medical Books. 1976.
Bovee. J.P.- Jean Paul.. Ad.vocate, v.27, p.6-7, 1995. Frith. U. - A new perspective in research on autismo ln: ARAPI (ed.)
_ eontributions à la recherche scien.tifique sur autisme: aspects
Bowby, J. - Uma base segura: aplicações clínicas da teoria do ape-
go. Porto Alegre, Artes Médicas, 1989.
cognitifs. Paris. Association pour la Recherche sur l'Autisme et
les Psychoses Infantiles, 1984.
Bowler, D.M. - The theo:ry of mind" in Asperger's syndrome. J.
_Autism: explarúng the enJgmn. Oxford. Blackwell. 1989.
Child.Psychol. Psychi.atry, v.33, p.877-93, 1992.
Brazelton, T. B. - O desenvolvimento do apego. Porto Alegre, Artes
_ Autism and Asperger syndrome. Cambridge. Cambridge
Médicas, 1988. University Press, 1992.
B:ryson, S.E. - Epidemiology in autism: overview and issues Frith. U. & Happé, F .- Is autism a pervasive developmental disor-
outstanding. ln: Cohen, D.J. & Volkmar, F.R - Handbook oJ au- der? J. Child.Psychol. PsychJatry, v.32, n.7. p.1l67-8, 1991.
tismandpervasivedevelopmentaldisorders.2". ed. NewYork. Galiás. L - Reflexões sobre o triângulo edípico. Jungttia.ru1. v.6.
John Wiley & Sons, Inc., 1997. p.149-65, 1988.
Byington. CAB. - Pedagogia simbólica: a construção amorosa do Galiás, I - Comunicação oral. 1998.
conhecimento do ser. Rio de Janeiro, Rosa dos Ventos, 1996. Ghaziuddin. M. - Is c1umsiness a marker for Asperger syndrome?
Cesaroni, L. & Garber, M.- Exploring the experience of autism J. InteUect Disabü. Res., v.38, n.5, p.519-27, 1994.
. through firsthand accounts. J. AutismDevelop. Dis., v.21, Gillberg, C. - Clinical and neurobiologtcal aspects os Asperger"s
p.303-13.1991. . syndrome in six family studies. ln: Frith. U (ed.) - Autism and

96
Asperger's syndrome. Cambridge, Cambridge University Press, _ _ - Psychological. aspects of the mother archetype. ln: BoUingen
1992. Series xx. Prtnceton, Prtnceton University Press, 1959.
Gil1berg, C.; Steffenberg, S.; Schaumann, H. - Is autism more _ _ - The transcedent function. ln: BoUingen Series xx. Prtnce-
common now than ten years ago? Brit. J. Psychintry, v.l58, ton, Prtnceton University Press, 1981.
p.403-9, 1991.
Kanner, L. - Autistie distmbances of affetive contact. Nervous Chü.d.
Grandin, T.- Ma vie d'auJiste. Paris, Editions Odile Jacob, 1994. v.2, p.217-50, 1943.
- - - - How people with autism think. ln: Shopler, R & Mesibov, _ _ - Psiquiatria útfantil.. Buenos Aires, Paidós, 1971.
G.B. - I.eaming and cognition út autism New York, Plenum Klein, M. - Contribuições à pstcanálise. São Paulo, Mestre Jou,
Press, 1995. p.105-26..
198!.
- - - - A personal perspective on autism. ln: Cohen, D.J. & Vo- Klin, A - Asperger's syndrome. ChildAdolesc.. Psychiatr. Clin. North
1kmar, F.R - Handbook of a:uiism and peroasúJe developmental Am., v.3, n.l, 1994.
disorders. 2. ed. NewYork, John Wiley& Sons, Ine., 1997.
Klin, A & Volkmar, F.R - Asperger syndrome. ln: Cohen, D.J. &
Grossman, J.B.; Carter, A; Vo1kmar, F.R - Social behavior in au- Volkmar, F.R - Hand.book of autism and peroasfve developmen-
tism. Ann. New YorlcAcad. SeL, v.807, 1997. tal disorders. 2a • ed. New York, John Wiley & Sons, Ine., 1997.
Guggenbuhl-Craig, A - O arquétipo do inválido e os limites da cura. Klin, A & Volkmar, F.R - The development of indMduals with au-
Jwtguiana, n.l, p.97-106, 1983. tism: implications for the theoty of mind hypothesis. ln: Cohen,
Happé, F. - Annotation: current psyehological theories of autism: D.J. & Volkmar, F.R - Handbook oj autism and pervasive de-
the íheoty of Mind" account and rival theories. J. Child velopmental disorders. 2a • ed. New York, John Wiley & Sons,
Psychol.. Psychintry, v.35, n.2, p.215-29, 1994. Ine.,1997.
- _ - Autism: an fnt:rodution. to psychological theory. Cambridge, Leslie, A & Roth, D. - What autism teaehes us about metarepre-
HaIvard University Press, 1996. sentation. ln: Baron-Cohen, S.; Tager-Flusberg, H.; Cohen, D.-
Hanis, P. - Pretending and planning. ln: Baron-Cohen, S.; Tager- Understanding other minds. Oxford, Oxford University Press,
Flusberg, H.; Cohen, D. - Understanding other minds. Oxford, 1994.
Oxford University Press, 1994. Mahler, M. - As psicoses úifanJis e outros estudos. Porto Alegre, Ar-
Hobson, P. - Beyond cognition: a theoty of autism. ln: Dawson, G. tes Médicas, 1983.
(ed.) - Autism: nature, diagnosts and treatement, New York, Mayes, L.; Cohen, D.; Klin, A - Desire and fantasy: a psychoanalytie
Guilford, 1989. perspective on theoty of mind and autism ln: Baron-Cohen, S.;
- - - On psyehoanalytie approaches to autismo Am J. Orthop- Tager-Flusberg, H.; Cohen, D. - Understanding other minds.
sychiatry, v.60, n.3, p.324-36, 1990. Oxford, Oxford University Press, 1994.

- - - El autismO y el desarrol1o de la mente. Madrid, Alianza, Meltzer, D.; Bremmer, J.; Hoxter, S.; Weddell, D.; Wittenberg, J. -
1995. : Explorations Ú1 autism. Aberdeen, Chunie Press, 1975.

Jung, C.G. - Psycho1ogische lnierpretation oonK.inderTh:lewnen. MeKean, TA - Soon wfll come the 1ight.: a view Jrom inside the au-
Zurteh, Eidgenossische Technische Hochschule, 1938. tism puzzle. Arlington, Future Hortzonts, Ine., 1996.

98
Minshew, N.J.; Sweeney, J.A; Bauman, M.- Neurological aspects of Shopler, E.; Mesibov, G.B. - Highjimctioning individ11als with QU-
autism. ln: Cohen, D.J. & Volkmar, F.R - Handbook qfautism tism NewYork, Plenum Press, 1992.
and pervasÜJe developmentaI disorders. 2 a • ed. New York, John
Schwartzman, J.S. - Autismo infantil e cerebelo. Temas sobre Des-
Wiley & Sons, Jnc., 1997.
envolvimento, v.?, n.?, p. - , 1999.
Neumann, E. - The origins and history qfoonsciousness. Princeton,
Schwartzman, J.S. & Assumpção Jr., F.B. - Autismo infantil.. São
Bollinguen Sertes, 1973.
Paulo, Memnon, 1995.
- - - - The chiki London, Harper Colophon Books, 1976.
Sinclair, J. - Brtdging the gaps: an inside out view of autismo ln:
OMS - Organização Mundial de Saúde - ClassfftcQÇÕD de transtor- Shopler, E. & Mesibov, G.B. - Highjunctionb1g individuals with
nos mentais e de ool71[X)rtamento da CDl O. Porto Alegre, Artes autism NewYork, PlenumPress. 1992. p.2944-302.
Médicas, 1993.
Solié, P. - Du biologique a l'imaginal in science et con.science. PaI1s,
Ozonoff, S.; Rogers. S.; Pennington, B. - Asperger's syndrome: evi- Ed. Stock, 1980.
. dence of an empírical distinction from high-functioning autism.
Szatmari, P. & Tuff, L. - Asperger syndrome and autism: neurocog-
J. ClúldPsychol. Psychiatry, v.32, n.7, p.l107-22. 1991.
nitive aspects. J. Am. Acad. ClúldAdolesc. Psychiatry, v.29, n.1,
Reed. T. - PeIfonnance in autistic and control subjects on three p.130-36, 1990.
cognitive perspective-talking tasks. J. Auiísm Develop. Dis.•
Sidoli, M. - The wifolding seU: separation and individuation. Boston,
v.24. n.l. p.53-65, 1994.
Sigo Press. 1989.
Ritvo. E.R - Autism: diagnosis. current research and management.
Sigman, M.; Dissanayake, C.; Arbelle, S.; Ruskin, E. - Cognition
NewYork, Spectrum Publications, Jne., 1976.
and emotion in children and adolescents with autism. ln: C0-
Rosenberg, R - Autismo: histórtco e conceito atual. Temas sobre hen, D.J. & Volkmar, F.R - HW1dbook ofautlsm and peroasive
Desenvolvimento. v.1, n.1, p.I-5, 1991. developmental.disorders. 2 a • ed. NewYork, John Wiley & Sons,
Roser. K - A review of psyehoanalytic theory and treatment of chil- Jnc., 1997.
dhood autism. PsychoanaL Rev.• v.83, n.3, 1996. Stone, W.L.- Autism in infancy and early childhood. ln: Cohen, D.J.
Roser. K & Mishne, J. - Beginning treatment of an autistic child & Volkmar, F.R - Handbook Df autlsm and pervasúJe deve~
from an intersubjective perspective. PsychoanaL Rev.• v.83. n.3, pmental.disorders. 2 a • ed. NewYork, John Wiley & Sons, Jnc.,
1996. 1997.
Rutter, M. - Diagnosis and definition. ln: - Rutter. M. & Schopler. E Tustin, F. - Autismo e psicose lrifantiL Rio de Janeiro, Imago, 1975.
- (ed.) - Au1ism: a reappraisal qfconcepts and trea1men.t New _ _ - The protective sheU in chíldren and adults. London, Karnac
York, PleIium Press. 1979. Books.l990.
Rutter, M. - Cognitive deficits in the pathogenesis of autism. J. _ _ - Autistic children who are assessed as not brain-damaged.
ClúldPsychol.Psychiatry. v.24. n.4, p.513-31, 1983. J. ClúldPsychotherapy., v.20, n.1, 1994.
Sacks. O. ,:" A neurologtst's notebook: an anthropologtst on mars. Van Krevelen, DA - Early infantile autism and autistic psychopa-
New Yorker, Dec., 21". 1993; Jan.• 3 rd, 1994. thology. J.Au1ismClúldSchizophr.• v.1, p.82. 1971.
Volkmar., F.R; Carter, A:, Grossman, J.; Klin, A - Social develo-
pment fi autismo ln: Cohen, D.J. & Volkmar, F.R - Handbook
of autism anel. peruasive developmental disorders. 2a • ed. New
York, John Wiley & Sons, Ine., 1997.
Volkmar, F.R; Klin, A:, Cohen, D. J. - Diagnosis and elassjfication
of autism and related conditions: Consensus and issues. ln:
Cohen, D.J. & Volkmar, F.R - Handbook of autism anel. perva-
síve developmental disorders. Z'. ed. New York, John Wiley &
Sons, Ine., 1997.
Wallon, H. - Les origines du caractere chez l'enfant Paris. PUF,
1948.
Williams, D. - Nobody nowhere. NewYork, Avon Books, 1992.
_ _ - Somebody somewhere: breakingfreeftom the word of00-
tism. NewYork, TImes Books, 1994.
_ _ - Autism anel. sensing: the W1lost instinct New York, Jessica
Kingsley. 1998.
Wing. L. - Asperger's syndrome: a elinical account PsychoL Med.,
v.lI, p.lI5, 1981.
_ _ - The continuum of autistie eharacteristics. ln: Schopler, E.
& Mestbov, G.B. (ed ..) - DfagnÓsis anel. assesSment Ú1 au1ism
NewYork, PlenumPress, 1988.
Wing. L. & Gould, J. - Severe impairments of social fiteration and
associated abnonnalities fi children: epidem1ology and classjfi-
cation, J. Autism Develop. Dis., v.9, p.11-30, 1979.

102

Você também pode gostar