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COM OS PAIS
D. W. Winnicott
INTRODUÇÃO DE
T. Berry BRAZELTON
TRADUÇÃO:
ÁLVARO CABRAL
REVISÃO TÉCNICA:
CLAUDIA BERLINER
Martins Fontes
São Paulo 1999
Título original: TALKINGTO PARENTS.
Copyright & 1993 by The WinnicomTrustatravés de acordo com Mark Paterson.
Copyright O Livraria Martins Fontes Editora Lida.
São Paulo, 1993, para apresente edição.
Nedição
setembrode 1993
2 edição
Junhode 1999
Tradução
ÁLVARO CABRAL
Revisão técnica e da tradução
Claudia Berliner
Revisão gráfica
Vadim Valentinovitch Nikicin
Maurício Balihazar Leal
Produção gráfica
Geraldo Alves.
Introdução . IX
Prefácio dos organizadores . «XI
1. Editado nos Estados Unidos por Basic Books, Inc., sob o título
Mother and Baby: a Primer in First Relationships.
* São Paulo, Zahar Editores, 1966, A criança e o seu mundo. (N.R.)
PREFÁCIO DOS ORGANIZADORES Xv
Christopher Bollas
Madeleine Davis
Ray Shepherd
Londres, 1992
CAPÍTULO |
EDUCAÇÃO PARA A SAÚDE
ATRAVÉS DO RÁDIO
Os Organizadores
10 CONVERSANDO COM OS PAIS
ae
MÃES
“E muito difícil encontrar um meio-termo entre
28 CONVERSANDO COM OS PAIS
“Distração?”
“Distração, sim.”
“Acho que tudo depende de você não ter um nú-
mero excessivo de coisas a cujo respeito tenha de dizer
“não”. Quer dizer, quando o nosso primeiro bebê era
muito pequeno, havia duascoisas a que dizíamos “não”.
Umaera algumasplantas que tínhamosno /iving e não
queríamos que fossem arrancadas, e a segunda eram
fios elétricos, pois havia uma porção deles pela casa.
Dizíamos “não” a respeito dessas coisas; quanto ao res-
to... se havia qualquer coisa que ele pudesse estragar,
tudo o que fazíamosera colocá-la fora do seu alcance.”
“É a coisa mais sensata a fazer.”
(Falando ao mesmo tempo) “Essas eram sempre
“não”. O resto não era. De modo que, quando você di-
zia um novo “não” para algo que você sabia que, por
alguma razão, a criança não entendia, ela não se im-
portava.”
“Eu também comecei assim com o meu, com o
mesmo êxito.””
**Há ocasiões em que você não pode deixar de di-
zer “não”. Aos 21 meses, você pode pôr as coisas fora
do alcancedeles... provavelmente ainda não conseguem
trepar. Parece que tomadassão coisas que não podem
ser postas fora do alcance.”
“Você deve instalar tomadas apropriadas... exis-
tem tomadas apropriadas para eletrodomésticos.”
“Acho que você deve decidir simplesmente quan-
do dizer “não” e manter-se firme. É muitíssimo melhor
que você lhe dê umas chineladas do que deixá-lo levar um
choque elétrico, ou qualquer outro gênero de choque.”
“Afinal de contas, você nem sempreestá em con-
DIZER “NÃO” 31
sete
34 CONVERSANDO COM OS PAIS
DWW
Espero que esse grupo de mães tenha continuado
a discutir e a trocar opiniões em torno de uma xícara
de chá. Temos de deixá-las aí.
Esta semana, comodisse antes, farei apenas um
breve comentário geral, e nas duas próximas semanas
espero abordare desenvolver alguns dos pontos susci-
tados. Sempre gostei muito de ouvir esse tipo de coi-
sa, quando as pessoas falam de sua especialidade. É
a mesmacoisa quandoagricultores falam sobre trigo,
e centeio, e batatas, ou quando qualquer artesão fala
do seu ofício. Por exemplo, essas mulheres falam da
diferença entre bebês de 24 meses e 3 anos, ou qual-
quer outra idade. Elas sabem que imensas mudanças
ocorrem de mês para mês. Aos 12 meses, apenas algu-
mas palavras têm sentido para um bebê como palavras,
ao passo que aos 24 meses as explicações verbais co-
meçam a ser um bom modo de comunicação e um mé-
todo eficiente de cooperação quando “'não” é o que
você realmente quer dizer. Vemos pela discussão que
existem muitas etapas. Eu destacaria três. Em primei-
ro lugar, você é absolutamente responsável o tempo
todo. Em segundo lugar, começa a transmitir “não”
ao bebê porque está certa em discernir o alvorecer da
inteligência e os primórdios da capacidade do bebê para
separar o que você consente do que não consente. Vo-
cê não está tentandolidar com o certo e o errado do
ponto devista moral, está simplesmente levando ao co-
nhecimento do bebê os perigos dos quais o está prote-
gendo. Acho que os “nãos” maternos se baseiam na
idéia de perigos concretos. Lembram-se de como duas
mães falaram respeito do calor? No momentoapro-
priado, elas proferiram a palavra “quente” e assim vin-
DIZER “NÃO” 35
MÃES
“Acho que tudo depende de você não ter um nú-
mero excessivo de coisas a cujo respeito tenha de di-
zer 'não”. Quer dizer, quando o nosso primeiro bebê
era muito pequeno, havia duas coisas a que dizíamos
“não”. Uma era algumas plantas que tínhamos no li-
ving e não queríamos que fossem arrancadas, e a se-
gunda eram fios elétricos, pois havia uma porção de-
les pela casa. Dizíamos 'não” a respeito dessas coisas;
quanto ao resto... se havia qualquer coisa que ele pu-
desse estragar, tudo o que fazíamosera colocá-la fora
do seu alcance.”
“É a coisa mais sensata a fazer.”
(Falando ao mesmo tempo) “Essas eram sempre
“não”. O resto não era. De modo que, quando você
DIZER “NÃO” 39
DWW
Somos aqui informados sobre a capacidade de
uma mãe de adaptação à necessidade do bebê de uma
iniciação sem complicações a algo que deve necessa-
riamente ir ficando cada vez mais complexo. O bebê
tinha dois “'nãos”” no começo, e depois outros foram
adicionados, sem dúvida, e não ocorreu uma desne-
cessária barafunda.
Recordemos, agora, o modo como uma palavra
foi usada antes que a explicação pudesse ser dada em
palavras. Neste fragmento, a palavra “quente” coloca-
nos exatamente entre as etapas dois e três, como as
chamei.
MÃES
“Mesmoao ponto de queimarem literalmente os
dedos?”
“Não sei... suponho que é um pouco duro, mas
se puderem chegar bem perto para se darem conta de
que está quente e poderia ser uma coisa muito doloro-
sa, tanto mais que podem aprender de outras coisas
o que é o calor...”
“Sim, eu tive sorte: o meu filho tocou certa vez
no secador de toalhas, que estava quente, ele se quei-
mou e eu disse: “Quente.” ”
“O meu segundo filho faz alguma coisa, se ma-
chuca e percebe, ou eu presumo que percebe, por que
40 CONVERSANDO COM OSPAIS
DWW
«.. Bem, talvez fosse. Pelo modo como essas mães
falam, pode-se perceber queé na vivência de momen-
to a momento que todo o trabalho importanteé feito.
Não há lições nem prazo estabelecido para aprender.
A lição chega com o modo como as pessoas envolvi-
das se descobrem reagindo.
Quero repetir, porém, que nada absolve a mãe
de bebês e crianças pequenas de sua tarefa de eterna
vigilância.
DIZER “NÃO” 41
MÃES
“Está certo, quando você volta para casa das com-
pras, a criança apanha o saco de arroz — se você im-
prudentemente tiver deixado ao seu alcance — e der-
rama-o pelo chão todo.” (Risos) “A criança não foi
levada, você é que foi estúpida. Quer dizer, quando
a minhafilha faz isso, eu percebo que quanto mais de-
pressa voltarmos para a caixa de areia, onde ela pode
— vocês sabem — derramar tudo o que quiser, me-
lhor será para nós.”
DWW
Sim, foi culpa dela se o arroz foi todo derramado,
sem dúvida! Mas conjeturo que, mesmo assim, ela fi-
cou muito irritada! Às vezes, é apenas uma questão de
arquitetura, o modo como os vários cômodos da casa
estão dispostos ou a colocação de um painel de vidro na
porta entre a cozinha e o quarto debrincar das crianças.
MÃES
“Nós somosunsfelizardos. A nossa sala de jan-
tar tem uma porta de comunicação com a cozinhae as
crianças têm a sala de jantar como uma espécie de lo-
cal para brincar, e tento mantê-las aí. Mas não fecho
a porta. Desde que saibam que eu estou na peça ao la-
do e que podem mever se assim quiserem, elas perma-
necem quase sempre na sala de jantar.”
“Com que idade?”
“Oh, desde muito cedo, logo que saíram do cer-
cado, a partir de um ano, mais ou menos. Vêm até a
porta para me espiar e depois voltam para a sala com
seus brinquedos.”
42 CONVERSANDO COM OS PAIS
DWW
Sim, ela teve sorte, não é verdade, com o modo
como sua casa estava dividida?
E depois ouvimos falar da tensão quea eterna vi-
gilância causa nas mães. Isso é especialmente verda-
deiro, penso eu, quando a mulher, antes de casar, ti-
nha um emprego regular, de modo que ela conhecia
a satisfação que a maioria dos homens sentem em seu
trabalho, a de poderem concentrar-se no que fazem e
depois voltar para casa e relaxar. Não é o mundo um
pouco injusto com as mulheresa esse respeito? Ouça-
mos o que o grupo tem a dizer sobre isso.
MÃES
“Vocês não acham que estar constantemente de
sobreaviso, ter de inventar distrações, e lembrar-lhes
que não podem fazer isto ou aquilo, não é uma coisa
sumamente cansativa?”
“Sim.” (Falando a um tempo).
““Somado ao que é uma questão de oportunida-
de. E de falta de tempo. Você está tentando fazer mui-
tas coisas ao mesmo tempo, está cozinhando, talvez
esteja fervendo fraldas, alguém bate na porta da fren-
te e você se volta de repente e surpreende o seu garoto
brincando com a torneira do gás, ou tentando enfiar
na tomada um fioelétrico que esquecemos de guardar
na noite anterior. Esse é o gênero de coisas que ocor-
rem... não dá para pensar de antemão em tudo.”
DWW
Não, certamente que não dá. Felizmente, a eter-
na vigilância não é eterna, ainda que o pareça. Dura
apenas por um tempo limitado para cada criança. Lo-
go começaa dar os primeiros passos, já está indo para
DIZER “NÃO” 43
HI
MÃES
“Sra. S., sei que teve oito filhos. Algum deles te-
ve ciúmes de outro?”
“Dois ou três deles tiveram. O primeiro bebêti-
nha quinze meses quando nasceu o segundo. Eu esta-
va amamentando o bebê quandotinha por volta de três
semanase o irmão veio afagar-lhe o cabelo e disse “ba-
ba” num tom tão carinhoso que eu comentei, “Sim, não
é uma doçura?” e no instante seguinte a voz mudara,
a expressão mudara, deu-lhe um tapa na cabeça dis-
CIÚME 51
DWW
Essas parecem-meser questões familiares cotidia-
nas. Lembro-lhesas idades das crianças, porque a idade
faz muita diferença. O menino que afagou o cabelo
do bebê enquanto este era amamentado e depois ten-
tou jogá-lo pela janela para o caminhotinha 15 meses
quando o bebê nasceu. E depois havia o de dois anos
que pareceu inicialmente indiferente. Tinham dito o
que esperar mas talvez não pudesse entender. Foi três
semanas após o nascimento do irmão, quando o viu
no carrinho que já fora dele, que chorou amargamen-
te. Superou a crise de pranto com a ajuda compassiva
da mãe mas, quando o irmão começou a sentar-se e
CIÚME 53
MÃES
“Sra. T., o que nos conta a respeito de ciúmes en-
tre os seus sete?”
“Bem, a única ciumeira que descobri foi entre as
meninas.”
“Quantas filhas tem?”
“Só duas... o mais velho é um rapaz, depois vem
uma menina, depois quatro rapazes e finalmente a ou-
tra menina. Jean costumava perguntar repetidamente
“Podemos ter um bebê que seja menina?” Toda a vez
que o bebê era homem, ela ficava amuada por um dia
ou dois, mas logo desanuviava. Bem, aí aconteceu que
ela voltou da escola um dia e descobriu que tinha em
casa mais um bebê... uma menina. No começo, pare-
ceu profundamente excitada. O problema é que eu ti-
ve o bebê no dia 10. O sétimo aniversário de Jean era
no dia 16... e não houvefesta, eu não estava em con-
dições. Assim, durante cerca de um mês, Jean voltava
à tardinha da escola, tomava seu chá e corria direto
para a cama, lavada em lágrimas. Não conseguíamos
ajudá-la, ela não escutava, mas pensei que ela tivesse
superadoisso, entendem — pensei tê-la convencido a
mudar deatitude. Mas o bebê amanheceu ontem doen-
te, meti-a na camae disse a Jean, no tom mais inocen-
te possível, “Jean, importa-se de ir buscar uma cami-
54 CONVERSANDO COM OSPAIS
DWW
Foi uma semana antes do sétimo aniversário de
Jean que nasceu sua irmãzinha, e quando teve de re-
nunciar à sua festa de aniversário tornou-se violenta-
mente ciumenta. A primeira crise de ciúme durou seis
semanas, e tudo recomeçou quandoela tinha nove anos
e sua irmã dois. Jean não se importara com a chegada
de quatro irmãos homens nessa família de sete e, de
fato, sempre pedira uma irmã. Suponho que a irmã
que realmente teve não é necessariamente a mesma por
que tanto ansiava.
Ouçamos agora mais uma história:
MÃES
“Sra. G., O que nos conta dos seus? Tiveram de
haver-se com ciúmes?”
“Sim, tivemos. A minha menina, que está com
quatro anos e meio, estava completando os três anos
quando nasceu o menino, e ela ficou muito excitada
por ter um irmãozinho ou, de qualquer modo, por ter
um bebê. Mas verificamos quase desde o primeiro dia
CIÚME 55
DWW
Essa menina estava perto dos três anos quando seu
irmão nasceu. Ficou excitada com o evento massentiu-
se deslocada pelo bebê quando este estava realmente
no colo da mãe e ela tinha então de procurar o do pai.
Quando o bebê tinha um ano de idade e ela quatro,
a menina começou a irritar-se com a pretensão do ir-
mão a apossar-se dos brinquedos dela. Mesmo daque-
les brinquedos pelos quais ela parecia já estar desinte-
ressada há muito tempo. Notaram queela colocava seus
brinquedos onde o bebê pudesse alcançá-los? A mãe
diz que ela é muito paciente com o irmão a maior par-
te do tempo, e fiquei com a impressão de queela real-
mente gosta que o menino lhe tomeos brinquedos, em-
bora proteste; talvez sinta tanto do ponto de vista dele
como do seu.
Agora que ouviram todas essas histórias, sentem
como eu que esses ciúmes fazem parte da vida fami-
liar saudável?
MÃES
“Há umadiferença de vinte e dois mesesentreeles
e quando nasceu o segundo — tive o segundo em casa
— e o meu filho pequeno viu o bebê apenas com al-
guns minutos de vida tudo correu mais ou menos bem
58 CONVERSANDO COM OS PAIS
DWW
Podem ver de tudo isso que muita coisa está re-
lacionada com as mamadas. Posso usar o último frag-
mento de conversa para ilustrar o que quero dizer.
Estou pensando na menina que, com frequência, é cla-
ramente ciumenta do segundo bebê, que era um meni-
no, e isso acabou por desaparecer. E depois ela e o me-
nino, que está agora com dezessete meses, têm aque-
las terríveis guerras em torno dos brinquedos. Mas é
diferente o modo como ela é ciumenta e o modo como
ele se defende e grita. Uma das mães disse: “Isso não
é ciúme. É apenas uma briga pela posse de coisas.”
E eu concordo, masé exatamente aí que podemos ob-
servar o modo como o ciúme se desenvolve. Digo que
existe uma idade certa para o ciúme. E quero afirmar
agora que após uma certa idade a criança é ciumenta
e antes dessa idade a criança está apenas agarrando-se
a algo que considera possessão sua. Primeiro, trata-se
de possuir, o ciúme vem depois.
Nãoposso deixar de me lembrar de uma agência
de teatros que faz sua publicidade com o seguinte sio-
gan: “Você quer os melhores lugares; nós os temos.”
Isso sempre me deixa terrivelmente ciumento e com
uma vontadeirresistível de sair correndo para obter os
lugares que quero e que eles têm. A única dificuldade
é que tenho de pagá-los. Usando isso como umailus-
tração, posso dizer que até umacerta idade umacriança
está proclamando o tempo todo: “Tenho a melhor das
mães” — não com estas palavras, claro. Finalmente,
chega o momento em que a criança pode proclamar:
“Tenho a melhor das mães... você a quer.” Esse é um
novo e doloroso desenvolvimento.
Para obter uma clara sequência de eventos, deve-
mos retroceder um pouco mais, porém. Há um perío-
CIÚME 61
HI
MÃES
“Sra. G., O que nos diz sobre o novo bebê em sua
família?”
“Bem, nenhum deles — nenhum dos mais velhos
— deu mostras de ciúme em relação ao bebê, mas am-
bos se mostraram ciumentos um do outro a respeito
de acariciar ou ter nos braços o bebê.”
“Uma espécie de rivalidade?”
“Sim, rivalidade entre eles. Por exemplo, estou
sentada com o bebê nocolo e a menina acerca-se para
falar com ele. Imediatamente o menino, que está com
dezoito meses, vem correndoe tenta afastá-la com co-
toveladas, antes que a irmã tenha conseguido sequer
dar umaolhada no bebê. E partir desse ponto come-
ça uma espécie de duelo para decidir quem tem direito
a ficar com o bebê.”
“E você o que faz?”
“Bem, nessas ocasiões ponho um braço protetor
em torno do bebêe cuido de que os seus irmãosse afas-
tem o bastante para dar ao bebêsuficiente espaço pa-
ra respirar.”
“Isso é uma ocorrência comum?”
“Sim... creio que sim... Cada um puxa o bebê pa-
ra o seu lado. “É a minha vez de pegar no bebê” ou
“Agora é a vez dela”. O bebê é pequenino demais para
que eu possa confiá-lo aos irmãos, essa coisinha frágil
aconchegada no meu colo. Chegamos a um acordo em
que ambosse sentam perto de mim, um de cada lado,
CIÚME 67
DWW
Eis outro exemplo em que uma menina parece
identificar-se com seu irmãozinho.
MÃES
“A fase ciumenta dissipou-se e tudo ficou tran-
quilo até que o seu irmãozinhoestava... deixa ver, sim,
creio que estava mais ou menos com um ano, quando
já se punha de pé no cercado, e tivemos então um pro-
blema e tanto por causa dos brinquedos. Levei os brin-
quedos de bebê que tinham sido dela para o cercado
do irmão e, é claro, ela os reconheceu e “Este é meu,
este é meu, este é meu”. E foi todo aquele negócio de
voltar a brincar com os seus antigos brinquedosde be-
bê, e concluí que teria de adquirir mais alguns brin-
quedos que fossem exclusivamente dele, caso contrá-
rio não teríamos mais sossego.”
“E ela não quis brincar com esses?”
“Não, não, não tocava nos do irmão, mas se o
via brincar com os dela, mesmo que não ostivesse to-
cado por mais de dois anos, queria-os de volta. De-
pois, isso também se dissipou sem que acontecesse qual-
quer coisa muito violenta. Agoraele está com dezoito
mesese a coisa está recomeçando, uma vez mais, des-
ta vez porque ele não pára um minuto e vai apanhar
as coisas da irmã.”
“*,. Jutas pela supremacia em torno dos brinque-
dos?”
“Sim, de fato. Ela arruma todas as suas coisas —
estou sempre dizendo-lhe, “Ponha-as em cima da me-
68 CONVERSANDO COM OS PAIS
DWW
Quando usamosisso em nosso primeiro progra-
ma sobre o ciúme, eu disse: “Fiquei com a impressão
de que essa menina gosta realmente que o irmão lhe
tome os brinquedos, embora proteste.”” E acrescentei:
“Talvez ela sinta tanto do ponto de vista dele como
do seu.”” Grande enriquecimento provém da capaci-
dade de viver imaginativamente através da experiên-
cia de outrosse isso puder ser feito sem perda do sen-
so do que é estritamente a vivência do eu. Este é um
dos modos comoseinicia a atividade lúdica, e no jo-
go imaginativo não há limite para esse processo de se
identificar com pessoase coisas. A criança pode ser
um aspirador de pó ou um cavalo; pode ser umarai-
nha ou um princípe; ou pode ser o novo bebê; ou a
mãe que amamenta o bebê; ou o pai. Só poderemos
tornar uma criança capazde brincar se a protegermos,
tolerarmos e esperarmos, e por centenas de coisas que
fazemos sem pensar que assim estamos facilitando o
desenvolvimento da criança. Muito mais poderia ser
dito mas talvez isto seja suficiente para mostrar que
quando o ciúme desaparece é por causa do desenvol-
vimento que ocorreu na criança, possibilitado por uma
boa e sistemática atenção às suas necessidades.
CIÚME 69
Iv
MÃES
“Eu estava muito ansiosa quando tive Roger. Eu
tinha duas filhas, de quatorze e treze anos, e queria
mais uma criança enquanto estava ainda em idade de
tê-la. Fiquei muito perplexa sobre o que fazer a tal res-
peito, de modo que resolvi falar com as meninase per-
guntei-lhes: “Como receberiam vocêsa idéia de eu ter
outro bebê?” E — o que é umacoisa meio estranha a
fazer, não é?, antes mesmo de conceber umacriança,
discutir o assunto com outros, mas achei que não era
má idéia. Elas ficaram excitadíssimas, acharam que era
uma coisa maravilhosa, e adoraram a perspectiva de
ter um bebê em casa. E assim decidimos todos que se-
ria um rapaz. E Susan, a minha filha mais nova, en-
tão de treze anos — Roger foi prematuro e eu disse
CIÚME Sp
DWW
Essa menina tinha treze anose, é claro, a mãefa-
lou com ela, mas penso que o que realmente contou
foi a atitude materna. E nocaso de filhos mais novos?
Crianças de um ou dois anos estão muito longe de en-
tender por que é que há 29 dias em fevereiro este ano,
e no entanto é muito possível para elas, não é verda-
de?, sentirem-se um pouco na posição de ser mãe de
um bebê. Estou falando a respeito de sentimentos e não
sobre a mente de uma criança. A maioria das crian-
ças, por volta de um ano de idade, têm algum objeto
que é muito especial para elas, que às vezes afagam
e embalam de um modo um tanto inábil, e é óbvio que
não vai tardar muito para que comecem a brincar de
mamãe e filhinho.
Eudisse que você ajudao seu filho pequeno pre-
dizer. Também faz outras coisas; por exemplo, pro-
cura ser justa, e isso é muito difícil; você pode apenas
72 CONVERSANDO COM OS PAIS
MÃE
“Bem, eu era filha única... aos três anos minha
mãe presenteou-me com um irmãozinho. Não achei
graça nenhumanisso. Já na escola, eu continuava ciu-
menta e costumava mordê-lo. Sim, eu o mordia... Ele
nunca chegou a saber que eu lhe fazia isso, e eu nunca
admiti tê-lo feito... mas mesmo agora, quando estou
com 29 anos e o meu irmão com 26, e mamãe diz,
“Bem, é assim mesmo, acabo de compraristo e aquilo
para William” e eu lhe digo, “Ah, sim?” assim como
quem diz “E a mim que me importa?” Aí ela continua:
“Está bem, está bem, o que comprarei para você?” E
conta-me então exatamente o que pagou para William
e quer que eu fique absolutamente certa de que obte-
CIÚME 75
DWW
Em pessoas com temperamentos realmente ciu-
mentos, podemosestar certos de que houve outrora,
em seus primeiros temposde vida, uma boa causa para
ciúme. Um dado lamentável em pessoas realmente ciu-
mentasé que não tiveram a oportunidade de ficar furio-
sas, ciumentas e agressivas na época em que isso teria
sido razoável e controlável. Se tivessem tido essa chan-
ce, o mais provável é que passassem pela fase ciumenta
e saíssem dela como a maioria das crianças. Em vez
disso, o ciúmeinteriorizou-se e a sua verdadeira razão
se perdeu, de modo que todo um repertório de falsas
razões para o ciúme são constantemente apresentadas
agora e pretende-se que as aceitemos como justificá-
veis. O modo de evitar semelhantes distorções é vocês
darem aos seus filhos pequenos a espécie de cuidados
e atenções que os habilitem a ser ciumentos no momen-
to apropriado. Suponho que o ciúme, em crianças sau-
dáveis, converte-se em rivalidade e ambição.
CAPÍTULO 6
O QUE IRRITA?
MÃES
“Bem, pedi-lhes que viessem aqui esta tarde para
contar-me o que asirrita a respeito de ser mãe. Em pri-
meiro lugar, Sra. W., quantos filhos tem?”
“Tenhosete, o mais velho com 20 e o caçula com
3 anos.”
“A senhora acha mesmo uma tarefa incômodaser
mãe?”
78 CONVERSANDO COM OS PAIS
DWW
Aí está um bom começo. Com muitas crianças,
o seu lar não pode ter um aspecto muito arrumado,
é impossível conservar uma mente ordenada. É sem-
pre uma afobação, porque vocês têm de ficar de olho
no relógio e, ao mesmo tempo, numa porção de tare-
fas. E as crianças — as mais pequenas, de qualquer
modo — ainda não chegaram à idade em que pode ser
divertido imitar e copiar os adultos. O mundo foifei-
to para elas e conduzem-se de acordo comessa supo-
sição. Depois, temos a questão do cansaço, que é sem-
pre importante. Quando vocês estão cansadas, há coi-
sas usualmente interessantes que podem tornar-se in-
cômodas, e se não dormiram o suficiente lutam con-
tra a necessidade imperiosa de um bom sono, o que
diminui o prazer com que veriam todasas coisas mui-
to interessantes que as crianças estão fazendo, coisas
que são outros tantos indícios do seu desenvolvimen-
to cotidiano.
Terão certamente notado que desta vez estou fa-
lando a respeito de mães e seus sentimentos, em vez
de falar das crianças de que cuidam. É demasiado fá-
cil idealizar o trabalho de uma mãe. Sabemos muito
bem que todo trabalho tem suas frustrações; suas en-
fadonhas rotinas, e seus momentos em queseria a úl-
tima coisa que qualquer pessoa escolheria fazer. Ora,
8o CONVERSANDO COM OS PAIS
MÃES
“.. tudo tem de ser feito numa hora.”
“Instala-se o mais completo caos todasas tardes
entre as cinco e meia e as sete e meia... quandoreal-
mente não sabemos para onde nos virarmos. Em teo-
ria, as coisas devem acontecer em horas certas, mas
isso nunca acontece porque sempre tem de acontecer
algumaoutra coisa desagradável... alguém derramou
o copodeleite... ou o gato enfiou-se na cama de uma
das crianças e ela não pode deitar-se porque o gato es-
tá lá ou não está lá, ou descem uma porção de vezes
para espreitar o que estou fazendo na sala, enfim, o
completo caos.” (Risos)
DWW
Gostei desse trecho a respeito do gato que está lá
ou não está lá! Nãose trata de uma questão de fazer
as coisas certas ou erradas. O que está erradoé sim-
plesmente a maneira comoas coisas são, o que as faz
parecer como se a maneira inversa fosse a certa mas,
é claro, não seria. Ou talvez não se dêem conta das
muitas coisas que estão correndo bem, mas tudo o que
corre mal, nem que seja em proporções insignifican-
tes, vira um problema terrível que resulta em gritos e
prantos.
No próximo fragmento, uma mãe refere-se a al-
O QUE IRRITA? 81
MÃES
“Você acha que existem coisas que gostaria de es-
tar fazendo, como escrever um romance ou preparar
um bolo especial, ou qualquer coisa muito pessoal, que
seus filhos a impedem de fazer?”
“Bem, eu me interesso muito pela assistência so-
cial e todo esse tipo de coisas. Gostaria de fazer coisas
que todos dizem que eu poderia fazer ou em que me
ofereceriam até participação se dispusesse de tempo,
e tem sido realmente umafrustração para mim não po-
der fazer qualquer dessas coisas porque tenho deficar
em casa.”
“Sim, eu fiz um curso de costura o ano passado
de que gostei muito mas quando nasceu o meu segun-
do filho simplesmente percebi que não conseguia es-
tar pronta a tempo de continuar frequentando o cur-
so. E aí, quando batiam as oito horas, eu pensava:
“Você não pode ficar realmente chateada por não po-
der ir.”
“Há coisas que você gostaria muito de fazer?”
“Sim. Gosto muito de costura e é um negócio mui-
to irritante quando as crianças... (Risos) Realmente
gosto muito e fico tremendamente absorta ao ponto
de esquecer que o tempo vai correndo, e isso acaba dan-
do problemas, porque na verdade eu não sou boa quan-
do se trata de pontualidade. Gosto muito de esquecer
as horas.”
82 CONVERSANDO COM OS PAIS
DWW
Aqui temos os maridos chegando com os filhos,
esperando coisas e destruindo completamente qualquer
esforço que a esposa... a mãe... possa estar fazendo
para preservar um interesse pessoal próprio, algo que
exige concentração. É justamente nesse ponto que a
esposa pode com a maior facilidade desejar ser como
um homem, com um trabalho regular e metódico, um
horário de trabalho e regulamentações sindicais que o
protegem daquelas mesmas coisas que ela considera in-
cômodase irritantes. Penso quenesta altura dos acon-
tecimentos ela tem poucas possibilidades de entender
comoé que alguns homens podem invejar mulheres —
invejá-las porque ficam em casa, atravancadasde afa-
zeres domésticos e metidas na mais maravilhosa e des-
lumbrante bagunça com bebês e crianças pequenas. De
modo que estamos aqui de volta à confusão e à desar-
rumação.
MÃES
**Acho quea desarrumação e a sujeira são um pro-
blema terrível porque não tenho empregada para me
ajudar e menos de meia hora depois de arrumare lim-
par a casa toda quem entrasse diria que não mexi uma
palha nos últimos dois ou três anos, porque há brin-
quedos espalhados pela casa toda e pedaços de papel
O QUE IRRITA? 83
DWW
E que tal se a bagunça for restringida a um só
lugar?
MÃES
**Acha mais fácil deixá-los correr à vontade pela
casa toda ou tentar confiná-los nos seus próprios quar-
tos?”
“Não, eu tenho umasala e rezo para que não fa-
çam uma terrível bagunça nela, mas eles invariavelmen-
te fazem uma bagunça horrível em todos os cantos da
casa... eles andam por toda a parte.”
“Acha possível confiná-los?'”
“Bem, nãosei se tive sorte, mas Christopher pa-
rece entender que o lugar apropriado para brincar é
no quarto das crianças.”
“Que idade ele tem?”
“Fez dois anos há pouco.”
84 CONVERSANDO COM OSPAIS
DWW
Nada se pode fazer quantoa isso; tem de ser acei-
to que as mães com muitas crianças pequenas tendem
a viver em permanente sobressalto. Por enquanto, não
sabem o que fazer. Talvez quandoas crianças ficarem
um pouco mais velhas a paz volte ao rebanho, mas tal-
vez não.
MÃES
“Todas as noites travamos uma batalha extraor-
dinária em tornoda questão do jantar dos cães... Quem
é que vai dar de jantar aos nossos cães? Há um rodi-
zio para dar aos cães seu jantar mas há sempre algu-
marazão para que a pessoa a quem cabia a vez de le-
var a comida não deva fazê-lo. (Risos) E passam-se uns
bons 25 minutos até conseguir ter os animais alinha-
dos e antes que eles tenham a oportunidade de come-
çar a comer, tudo isso por causa dessa tremenda dis-
cussão, que eu subitamente acho muito irritante... as
discussões que acontecem nas famílias numerosas. Não
só a respeito do jantar dos cães, mas quando você se
O QUEIRRITA? 85
DWW
Todosestes exemplos ilustram de quantas manei-
ras cuidar de crianças pequenas pode ser uma tarefa
irritante e incômoda,e isso é verdadeiro por muito que
os filhos sejam desejados e amados. O problemaafeta
aquelas mães cuja privacidade está sendo invadida.
Existe certamente, em algum recanto, um pouco dela
própria que é sacrossanto, que não pode ser alcança-
do nem penetrado nem mesmo por seus próprios fi-
lhos. Ela deve defender-se ou render-se? A coisa terri-
vel é que se a mãe tem algo escondido num lugar re-
côndito de seu íntimo é exatamente aí que a criança
quer chegar. Se não existe mais do que um segredo,
então é esse segredo que deve ser descoberto e virado
do avesso. A bolsa de mão de qualquer mãe conhece
tudoa esse respeito. Na próxima semana, gostaria de
desenvolver esse tema da tensão a que a mãeestá sub-
metida pelo muito que se exige dela.
nr
MÃES
“Acho que eles brigam demais. Realmente, gos-
taria de saber por quê. Quem osvisse, pensaria que são
acérrimos inimigos, em vez de irmãosafetuosos — bri-
game gritam. Penso que, no fundo, gostam muito uns
dos outros. Se vem alguém de fora, eles prontamente
se unem e se defendem contra o intruso, ou se um deles
adoece os outros desfazem-se em solicitude para ofe-
recer ao doente algumacoisa de queele gosta, mas fo-
ra disso brigam e discutem de manhã à noite, e acho
que isso me abala os nervos quando chego em casa e
os ouço. “Foi você!” “Não, não fui eu” “Sim, foi você
quem fez!” “Eu fiz, sim, e daí?” “Eu detesto você!” E
é um bater de portas, e uma pancadaria, que me obri-
ga a acudir para separá-los. É horrível.”
“Suponho que é um modo de consumirem um ex-
cesso de energia... nervosa ou outra.”
“Espero que sim, mas é deveras irritante.”
“É terrível para os nervos da mãe. Sim, lembro-
me de que isso também aconteceu. A minha irmã ca-
gula e eu costumávamosbrigar... e eu costumava dei-
xar minha mãe deprimida.”
“É apenas um desgaste passageiro. Nada realmen-
te sério. Bem, as coisas sérias, penso eu, você pode sem-
pre enfrentá-las, porque são um tanto incomuns... É
uma crise que alguém pode provocar para... (Falam
ao mesmo tempo) Refiro-me às pequenas coisas coti-
dianas, como uma gota de água na pedra... ping,ping,
ping...”
94 CONVERSANDO COM OS PAIS
DWW
Sim, ping, ping, ping, e com que intenção? Há
uma intenção, vocês sabem. Na semana passada, eu
disse que na minha opinião cada criança “invade” a
mãe e reclama tudo o que aí houver, e quero acrescen-
tar agora que, se aí encontrar qualquer coisa, a crian-
ça usa-a, e usa-a até esgotá-la. Não é dado quartel, não
há misericórdia nem meias medidas. A mãe é tratada
com rudeza. Sua fonte de energia é alcançada e aber-
ta, e com enfadonha repetição exaurida. Seu principal
trabalho é a sobrevivência. A enfadonha repetição é
uma coisa que se apresenta no seguinte fragmento.
MÃES
“Temos histórias para adormecer que considero
irritantes porque as contei noites a fio, sem falhar uma
só vez — e se alguma vez queremossair é claro que
eles pressentem — crianças...
“Oh, isso é mais do que certo.”
“Você também não pode encurtar umalinha, não
pode sequer dizer de forma diferente... O que normal-
mente acontece... tem de ser contado noite após noite
sem alterar um ponto, não importa se você está doen-
te ou bem ou morta ou agonizante, duas histórias ter-
rivelmente enfadonhas têm de ser contadas e acho que,
por vezes, é...” (Falam ao mesmo tempo)
“Sim, seria muito capaz de apanhar esse livro e
rasgá-lo em pedaços.”
DWW
“... e rasgá-lo em pedaços.” Talvez muitas de nos-
sas ouvintes fiquem satisfeitas com essas palavras que
acabaram de ser proferidas. Contudo, ashistórias con-
O QUE IRRITA? 95
MÃES
“A minhafilha já era capaz de vestir-se sozinha
há... uns nove meses... e decidiu de súbito que não vai
continuar a vestir-se sozinha. É perfeitamente capaz
de fazê-lo. Não consegue fechar um zíper ou botões:
nas costas, mas pode fazer tudo isso na frente, mas
declara obstinadamente, “Não. Também quero ser be-
be”, e escarrancha-se no meu colo como o seu irmão-
zinho... e aí estamos nós agora, tendo eu de vestir os
dois pela manhã e despi-los à noite.”
“Bem, eu já posso antever esse negócio de deixá-
los vestirem-se sozinhos. Ainda não tenho de pensar
nisso porque o meu pequeno ainda é incapaz de fazê-
lo, mas já estou vendo que vai ser um ponto irritante
para mim observá-lo vestindo lentamente as coisas do
modo errado, enfiando-as do avesso... (Falam ao mes-
mo tempo) porque não sou capaz... gosto de fazer as
coisas depressa e bem.”
96 CONVERSANDO COM OS PAIS
DWW
Isso é uma outra coisa que pode serirritante, a
adaptação ao ritmo de cadacriança. Por temperamen-
to, algumascrianças são maislentas do que suas mães
e algumas são mais rápidas. É um grande problema
para a mãe adaptar-se às necessidades de cada criança
nessa questão de rapidez e morosidade. Especialmen-
te irritante é a tarefa de adaptação de uma mãerápida
a umacriança algo atrasada em seu desenvolvimento.
Contudo, se a criança e a mãe perdem o contato entre
elas nessa questão de timing, a criança perde a capaci-
dade para agir, torna-se estúpida, deixa tudo, cada vez
mais, aos cuidados da mãe ou da babá. Para a crian-
ça, é igualmente ruim quandoela é rápida e a mãe é
lenta, como é fácil imaginar. A mãe pode ser morosa,
talvez, porque está com o ânimo deprimido, mas a
criança nada sabe sobre as razões disso e não pode,
portanto, dar o devido desconto. Sem dúvida, alguma
coisa pode ser feita mediante um planejamento, mas
as crianças pequenas são propensas a subverter os me-
lhores planos, simplesmente porque não vislumbram
qualquer necessidade de pensar no futuro. Elas vivem
no presente. No próximo fragmento ouvirão alguma
coisa a respeito de planejamento.
MÃES
“Bem, parte dessa falta de tempo tem a ver com
o problemade organizar-se para sair — planejara tarde
de modo que se coadune com uma refeição às duas da
tarde e o regresso a casa a tempo para a refeição das
seis. Acho que sair para as comprasé a coisa principal
porque tenho de ir a um mercado a mais de seis quilô-
metros, que é muito econômico, e é uma façanha dar
O QUEIRRITA? 97
DWW
Vislumbra-se um lampejo de esperança. Mas uma
mãe planeja, organiza as coisas o máximo possível e,
no entanto, não consegue harmonizar as necessidades
de cada criança com a ditadura do relógio, a distância
relativa entre o lar e a loja, e o fato de seu limitado
vigor pessoal. No final, voltamos à imagem da mãe lu-
tando para dar conta ao mesmo tempo das necessida-
des individuais dos filhos pequenos e do mundo tal co-
mo ela o conhece.
MÃES
“*... Mas umaoutra grande irritação é ter de in-
terromper as minhas tarefas domésticas — o aspira-
dor de pó ou alguma outra coisa. Sinto que poderia
ter o quarto limpo e arrumado em dez minutos se ao
menos me dessem esses dez minutos, mas aparece al-
guém atrás de mim avisando, “Quero fazer cocô”... ele
se senta no peniquinho e você tem deficar ali... você
tem de ficar ali e...”
“Concordo, sim, você não pode deixá-lo e ir fa-
zer outra coisa.”
“E ele transforma aquilo num jogo.” (Risos)
“E então alguma coisa está fervendo no fogão,
e você deixou o aspirador de pó ligado porque pensou
queseria questão de um minuto, e assim pordiante...”
“Oh, eu acho muito irritantes as interrupções cons-
tantes... Escuto subitamente um grito em algum lado
e tenho de largar tudo mesmo queesteja cozinhando
O QUE IRRITA? 99
DWW
Existe um limite, e o tempo todo, à medida que
cadacriança cresce, o limite vai ficando cada vez mais
claramente definido para as exigências que um filho
pequeno tem direito de fazer à mãe. E quem fixará
esse limite? Em certa medida, a mãe acha que pode
gradualmente defender-se.
MÃES
“As coisas também dependem muito de como foi
a noite que você teve.” (Risos)
“Eu tive uma noite horrível e estava realmente
mal-humoradanesse dia e com pouca vontade de o atu-
rar, e se ele mostrasse o menor sinal de querer ser irri-
tante eu acho que explodiria.”
“E isso faz com queele fique pior?”
100 CONVERSANDO COM OS PAIS
DWW
Mas eu espero que, emúltimainstância, seja o pai
quem intervenha e defenda a esposa. Ele também tem
seus direitos. Não só quer ver sua esposa recuperar uma
existência independente mas também quer estar apto
a ter sua esposa para si, mesmo que em certos momen-
tos isso signifique a exclusão das crianças. Desorte que,
com o tempo, o pai acaba por fazer finca-pé, o que me
traz de volta à minha palestra de várias semanas atrás
a respeito de “Dizer 'não” ””. Num desses programas,
sugeri que especialmente quando o pai bate o pé com
firmeza é quandoele se tornasignificativo para a crian-
ça pequena, desde que ele tenha conquistado antes o
direito de assumir umaatitude firme ao ter uma pre-
sença assídua e amistosa em casa.
De fato, cuidar de crianças pequenas podeser in-
cômodo e irritante, mas a alternativa, a organização
autoritária e sistemática imposta ao filho pequeno é
a idéia mais horrorosa que pode passar pela cabeça de
uma mãe. Assim, suponho que as crianças continua-
rão sendo “*pestes”” e as mães continuarão contentes
por terem tido a oportunidade de serem vítimas.
CAPÍTULO 7
SEGURANÇA
Palestra transmitida pela BBC
em 18 de abril de 1960
Nenhum idealismo
Tenhodeser cuidadoso. Ao descrever com tanta
desenvoltura o que as crianças muito pequenas neces-
A CONSTRUÇÃO DA CONFIANÇA 141
Perigo do ensino
O meu problema consiste em encontrar um modo
de dar instrução sem instruir. Há um limite para o va-
lor de ser ensinado. Com efeito, é importante para os
pais que começam a procurar conselhos nos livros que
saibam nãoter a obrigação de saber tudo. A maior par-
te das coisas que ocorrem no bebê ou criança pequena
emdesenvolvimento acontecem quer os pais entendam
ou não, simplesmente porquea criança possui uma ten-
dência herdada para o desenvolvimento. Ninguém tem
de fazer uma criança faminta, irada,feliz, triste, afe-
tuosa, boa ou travessa. Essas coisas simplesmente acon-
tecem. Você já concluiu essa parte da sua responsabi-
lidade e estabeleceu os detalhes das tendências herda-
142 CONVERSANDO COM OS PAIS
O que saber
O que é, pois, que os pais podem proveitosamen-
te saber? Eu sugeriria que há duas coisas principais a
saber, uma relacionada com o processo de crescimen-
to e que pertence à criança; e a outra que se relaciona
com o suprimento ambiental e é predominantemente
de responsabilidade dos pais.
O processo de crescimento
Umavez que tenhaficado perfeitamente óbvio pa-
ra os pais que o seu bebê tem uma tendência inegável
para viver, respirar, comer, beber e crescer, será uma
questão de sensatez partirem, desde o princípio, do
pressuposto de que essas coisas são verdadeiras.
Ajuda muito saber que os pais nada têm a fazer
para transformar seu bebê numacriança pequena, pa-
ra que a criança cresça boa ou asseada, para tornar
generosa a criança boa, para tornar sagaz a criança ge-
A CONSTRUÇÃO DA CONFIANÇA 143
O meio ambiente
O segundo princípio útil relaciona-se com o lugar
especial que você ocupa como meio ambiente e como
provedor ambiental. Ninguém tem de provar para vo-
cê que um bebê necessita de afeto, calor e tratamento
suave depois de nascer. Você sabe queisso é verdade.
Se alguém duvidar, compete a ele ou ela provar que
você está errada.
No fim de contas, você também foi bebê e possui
lembranças para guiá-la, além de tudo o que podeter
aprendido quando observa e participa nos cuidados dis-
pensados a bebês.
O ambiente que a mãe fornece é primordialmente
ela mesma, a sua pessoa, a sua natureza, as suas ca-
racterísticas distintas que a ajudam a saber que é ela
144 CONVERSANDO COM OS PAIS
Interação
Temos, pois, duas coisas distintas: as tendências
inatas do bebê e o lar que você lhe proporciona. A vi-
da consiste na interação dessas duas coisas. No início,
a interação desenrola-se sob o seu próprio nariz, e de-
pois prossegue fora da área das suas cercanias imedia-
tas — na escola, ou nas amizades, ou numa colônia
de férias e, é claro, dentro do espírito ou na existência
pessoal do seu menino ou menina.
Se assim desejasse, você poderia consumir seu tem-
po comparando o comportamento de seu filho peque-
no com algum modelo queestabeleceu, baseado no mo-
delo de sua própria família, ou no modelo transmitido
por alguém que você admira. Mas pode ter uma expe-
riência muito mais rica e mais proveitosa se comparar
a luta pessoal da criança pela independência com a de-
pendência que você possibilitou porqueseu filho tinha
plena confiança em você e na estrutura geral do seu lar.
O processo interno
A primeira relaciona-se com o fato de que o pro-
cesso de desenvolvimento no indivíduo humano é ex-
tremamente complicado, e as coisas podem desarran-
jar-se de dentro para fora. É disso que se ocupa a psi-
canálise. Não há a menor necessidade de que os pais
ou aqueles que cuidam de crianças pequenas saibam
em que consistem as tensões e estresses que são ine-
rentes ao estabelecimento da personalidade e do cará-
ter individuais e à capacidade gradualda criança para
relacionar-se com a família e a comunidade, para tor-
nar-se parte da sociedade sem uma perda excessiva de
impulso e criatividade pessoais.
Os pais e outras pessoas que lidam com crianças
podem considerar essas questões de extremo interes-
se; mas o importante é serem capazes de captara coi-
sa imaginativamente em vez de a entender.
O seu filho está brincando debaixo da mesa, le-
vanta-se e bate com a cabeça no tampo da mesa. Ele
corre para você e prepara-se para soltar um belo ber-
reiro. Você faz os ruídos apropriados, coloca a sua mão
onde a cabeça está doendo talvez remate com um bei-
jo. Minutos depois, tudo está bem e a brincadeira sob
a mesa é reatada. Qual teria sido a vantagem se você
tivesse podido escrever uma tese sobre os vários aspec-
tos desse evento?
(1) Esse é o modo comoas crianças aprendem en-
quanto estão brincando. Elas devem olhar antes de
pular...
146 CONVERSANDO COM OS PAIS
O suprimento ambiental
O suprimento ambiental contrasta com o funcio-
namento do processo interno na criança. Trata-se de
você, de mim, da escola e da sociedade, e isto nosin-
teressa de outra forma porque somos responsáveis.
Para bebês e crianças pequenas, o suprimento am-
biental ou fornece uma oportunidade para que ocorra
o processo interno de crescimento, ou então impede
que tal aconteça.
A palavra-chave poderia ser “previsibilidade”. Os
pais, sobretudo a mãe no começo, têm um trabalho
enorme para proteger a criança do que é imprevisível.
Ver-se-á que, num ritmo rápido ou lento, esta ou
aquela criança está apta a fazer suas deduções, a tirar
suas conclusões e a derrotar a imprevisibilidade. Há
aí uma surpreendente variação, de acordo com a ca-
pacidade da criança pequena para derrotar a imprevi-
sibilidade. Mas subsiste a necessidade da presença da
mãe. Uma avião voa sobre as nossas cabeças. Isso po-
de ser lesivo até para um adulto. Nenhuma explicação
é valiosa para a criança. O que é valioso é que você
mantenha a criança estreitamente abraçada, e que ela
use o fato de você não estar apavorada; logo ela se des-
prenderá de você para ir brincar de novo. Se você não
estivesse presente, a criança poderia ter sofrido um da-
no irreparável.
Este é um exemplo rudimentar, mas estou mos-
trando que, por esse modo de encarar os cuidados com
A CONSTRUÇÃO DA CONFIANÇA 149
Resumo
O estresse pode ser encarado, portanto, de duas
maneiras. Uma das maneiras leva-nos ao estudo dos
estresses e tensõesinerentes ao crescimento emocional.
A outra maneira tem umasignificação mais prática (a
menos que sejamos psicanalistas), na medida em que
o estresse resulta de um fracasso relativo ou total do
suprimento ambiental. Essas deficiências podem ser
descritas em termos de inconfiabilidade, destruição da
confiança, interferência da imprevisibilidade, e um pa-
drão definitivo ou repetitivo de quebra da continuida-
de da linha de vida da criança individual.
De um modo geral, aquelas pessoas que cuidam
de crianças são encontradas porseleção meticulosa, não
ensinadas em aulas. Os bebês são excelentes na sele-
152 CONVERSANDO COM OS PAIS