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DOI:10.34119/bjhrv3n5-302
RESUMO
O SARS-CoV-2 é um vírus altamente transmissível, que se propaga através do contato entre os
indivíduos, através de gotículas respiratórias ou quando há contato com superfícies contaminadas
previamente. Até o momento, as evidências disponíveis sobre outras vias de transmissão do vírus
são limitadas, entretanto, é importante ressaltar que os olhos podem ser uma via alternativa de
contágio através de suas secreções. Este artigo visa demonstrar as manifestações oculares descritas
até o momento em pacientes com diagnóstico da COVID-19.
ABSTRACT
SARS-CoV-2 is a highly transmissible virus, which spreads through contact between applicants,
through respiratory droplets or when there is contact with previously contaminated surfaces. So
far, as the available evidence on other routes of transmission of the virus is limited, however, it is
important to note that the eyes can be an alternative route of contagion through their secretions.
This article aims to demonstrate the ocular manifestations described so far in patients diagnosed
with COVID-19.
1 INTRODUÇÃO
Em Dezembro de 2019, a China noticiou ao mundo o surgimento de uma doença ainda
desconhecida, porém, de alto contágio, que se manifestava através de uma pneumonia (1).
Posteriormente, descobriu-se que a nova doença era causada por um vírus, que foi denominado
SARS-COV-2. A Organização Mundial da Saúde nomeou a nova patologia como COVID-19 e
em março de 2020, declarou a existência de uma pandemia (1,2).
Desde então, o mundo se depara com novos cenários; como o uso obrigatório de máscaras,
higienização das mãos com álcool em gel, medidas de isolamento social, entre outros; em uma
tentativa de paralisar o avanço do contágio (1,2).
2 METODOLOGIA
O presente trabalho foi realizado após pesquisa nas principais bases de dados – Medline,
Pubmed, Lilacs. Foram selecionados os trabalhos mais relevantes sobre o tema, publicados no ano
de 2020, em língua portuguesa e inglesa; que versam sobre a COVID-19 e as possíveis
manifestações oculares decorrentes da doença.
Recentemente, foi demonstrado que pode haver um tropismo ocular pelo novo SARS-
COV-2, devido a presença de receptores para o novo coronavírus no olho humano. O receptor
relacionado foi o da enzima conversora de angiotensina 2 (ACE 2) que parece estar em maior
quantidade na conjuntiva do que a córnea. Além disso, foi descrita a presença de receptores
também na retina e na coroide (6, 9).
As principais vias de transmissão descritas para a infecção por COVID-19 são:
disseminação aérea (mais precisamente através da via orofaríngea, através de aerossóis/gotículas),
contato direto ou indireto com secreções de pessoas contaminadas, e a via fecal-oral (1,2,3,4).
A principal manifestação oftalmológica descrita até o momento tem sido a conjuntivite
com reação folicular leve; apresentação muito semelhante a outros quadros de conjuntivite viral
(3, 4, 5). Outros quadros oftalmológicos também já foram descritos, como: hiperemia conjuntival,
quemose, secreção aquosa, epífora, e edema palpebral leve (3,5,6,7). Ainda não foram encontrados
relatos de pacientes com baixa de acuidade visual em decorrência da infecção por COVID-19 (6,7).
Apesar de a conjuntivite ser citada em vários estudos, a sua prevalência ainda é bastante
controversa, variando a porcentagem de pacientes acometidos conforme os estudos (3,4,5,6,7).
Há uma tendência em correlacionar a ocorrência da conjuntivite a quadros mais graves de
COVID-19 (3,4,7,8). Em um estudo publicado por Wu et al, foi demonstrado que de 38 pacientes
hospitalizados, uma porcentagem equivalente a 32% dos casos apresentaram sinais oculares
compatíveis com o diagnóstico de conjuntivite, sendo que estes pacientes também apresentavam
quadro respiratório mais grave (3). Em outro estudo, foi demonstrado que apenas 5% dos pacientes
com resultado positivo para COVID-19 na reação em cadeia de polimerase (RT-PCR teste),
mostraram swab conjuntival também positivos (4).
Em outro estudo recentemente publicado por Belfort Jr et al., foram descritas possíveis
alterações causadas pelo SARS-COV-2 na retina (11). Na referida publicação, foram avaliados 12
pacientes hospitalizados, com testes positivos para COVID-19. Todos os casos apresentaram
lesões hiper-reflexivas ao nível das camadas de células ganglionares e plexiforme interna, mais
proeminentes na região do feixe papilo-macular ao exame de OCT (tomografia de coerência
óptica). Em quatro pacientes, foram encontradas manchas algodonosas discretas e micro-
hemorragias ao longo da arcada retiniana. Apesar dos achados, nenhum dos pacientes apresentou
alteração na acuidade visual durante o seguimento (11).
4 DISCUSSÃO
Ainda não está claro se realmente existe uma via de transmissão ocular da COVID-19.
Entretanto, vários artigos demonstram que a doença pode cursar com sintomas oftalmológicos
inespecíficos (2).
A conjuntivite segue sendo a manifestação mais comumente relatada entre os estudos que
avaliam o acometimento ocular pela COVID-19 e, apresenta-se de maneira autolimitada, que
melhora sem tratamento específico. Até o momento, não foram descritos casos com presença de
infiltrados corneanos, membranas ou pseudomembranas (4). A prevalência de conjuntivite varia
amplamente entre os estudos publicados sobre o tema, sendo que em artigo publicado por Guan et
al. foi de 0.8% e no estudo de Wu et al foi de 32%. Outro fator relevante para a variação da
prevalência entre os estudos pode ser a quantidade de pacientes sendo avaliados, sendo que no
estudo de Guan et al, foram avaliados 1099 pacientes e no estudo publicado por Wu et al foram
avaliados 38 pessoas hospitalizadas (4).
O exame para detecção do SARS-COV-2 feito através de PCR (reação de cadeira em
polimerase) demonstrou ser eficaz para diagnóstico da doença, quando o material coletado é da
nasofaringe (6). Amostras coletadas na região conjuntival demonstraram um baixo potencial de
detecção do vírus, com a maioria dos trabalhos publicados até o momento, demonstrando uma
baixa porcentagem de testes positivos, mesmo em pacientes com diagnóstico comprovado da
doença (4, 5, 6, 7, 8). Aventa-se que o momento da coleta tenha implicações nos resultados dos
exames, já que a lágrima drenaria rapidamente o vírus para a via lacrimal, levando o mesmo a
permanecer pouco tempo em contato com a conjuntiva e suas secreções (6). Um estudo publicado
por Villahoz et al. referiu que o SARS-COV-2 pode ser detectado em esfregaços de paciente com
conjuntivite e também em pacientes sem nenhum sintoma ocular, sugerindo que a presença do
vírus nos fluídos oculares não deve ser condicionada a presença da conjuntivite (6).
Apesar de não haver evidências concretas de uma rota ocular para a disseminação do novo
coronavírus, os estudos atuais apontam que tal via deve ser levada em consideração e, as devidas
precauções no atendimento dos pacientes devem ser realizadas. Dentro deste contexto, deve-se
enfatizar a ação do médico oftalmologista, pois a mesma envolve um contato muito próximo com
o paciente, visto que tal profissional utiliza a lâmpada de fenda para realizar o exame ocular, o que
acarreta uma proximidade com a face do paciente, facilitando uma provável contaminação (12, 13,
14). Por isso, alguns cuidados extras devem ser tomados por estes profissionais. Recomenda-se o
uso de máscaras, higienização das mãos com álcool em gel 70% antes e após examinar os
pacientes, uso de luvas e instalação de uma barreira de proteção contra aerossóis na lâmpada de
fenda (12, 13). Tal barreira pode ser realizada com folha de acetato ou folhas utilizadas para
impressão de exames de Raio-x que foram descartados (12, 13, 14).
Todos os aparelhos utilizados para os exames oftalmológicos devem ser adequadamente
higienizados a cada uso (12, 13, 14)
5 CONCLUSÃO
As evidências científicas disponíveis até o atual momento sugerem que o SARS-COV-2
pode ser transmitido através da lágrima, embora o risco pareça ser reduzido (5, 6, 7, 8). A principal
via de contágio é o trato respiratório, entretanto, conhecer as outras potenciais vias de transmissão
do vírus é essencial para conter a disseminação. A detecção da presença do SARS-CoV-2 em
secreções oculares ainda permanece controversa entre os estudos, visto que o nível de amostras
positivas ainda é reduzido. Isso pode ser justificado pelo período no qual o exame foi coletado,
visto que a carga viral pode permanecer abaixo do limiar necessário para identificação do vírus
após poucos dias de início dos sintomas (5, 6, 7, 8). São necessários mais estudos para que se possa
compreender qual a real participação da via ocular no contexto de disseminação no novo
coronavírus.
A conjuntivite ainda é a manifestação ocular mais frequentemente descrita em associação
com a COVID-19, por isso, os médicos oftalmologistas devem redobrar os seus cuidados no
manejo com os pacientes, seja em consultas ambulatoriais ou nos serviços de urgência e
emergência.
REFERÊNCIAS
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