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A imagem conceitual
Após a Primeira Guerra Mundial, os designers perce-
beram que a ilustração narrativa tradicional já não
atendia às necessidades da época e reinventaram a
comunicação gráfica para expressar a era da máquina
e ideias visuais mais complexas. Numa busca similar
por novas formas de expressão, as décadas após a
Segunda Guerra Mundial assistiram ao desenvolvi-
mento da imagem conceitual no design gráfico. Essas
imagens transmitiam não a mera informação narra-
tiva, mas ideias e conceitos. As ideias associaram-se
ao conteúdo percebido, que passou a ser tematizado.
O ilustrador que simplesmente interpretava o texto
de um escritor deu lugar a um profissional preocu-
pado com o projeto total do espaço, que trata palavra
e imagem de forma integrada e, sobretudo, cria suas
próprias afirmações.
Na explosiva cultura da informação da segunda
metade do século xx, toda a história das artes visuais
passou a estar disponível ao artista gráfico como uma
biblioteca de formas e imagens potenciais. Uma das
principais fontes de inspiração eram os movimentos

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artísticos do século xx: as configurações espaciais estúdio de design gráfico em sua cidade natal, Turim.
do cubismo; as justaposições, deslocamentos e mu- Suas campanhas publicitárias dos anos 1950 para os
danças de escala do surrealismo; a cor pura, livre pneus Pirelli produziram impacto no pensamento in-
da referência natural graças ao expressionismo e ao ternacional do design gráfico [21.1] . Testa tomou em-
fauvismo; e a reciclagem das imagens dos meios de prestado o vocabulário do surrealismo, combinando
comunicação de massa da arte pop. Os designers ti- a imagem de um pneu com símbolos de identificação
nham maior oportunidade de autoexpressão, criavam imediata. Em seus cartazes e anúncios, a imagem
imagens mais pessoais e exploravam novos estilos e é o meio primordial de comunicação, e ele reduz o
técnicas. Não era mais possível identificar as tradicio- conteú­do verbal a umas poucas palavras ou apenas
nais fronteiras entre as artes plásticas e a comunica- ao nome do produto. Testa usou de modo eficaz des-
ção visual. locamentos mais sutis, como imagens feitas de mate-
A criação de imagens conceituais passou a ser um riais sintéticos [21.2] , causando efeitos inesperados.
enfoque importante do design na Polônia, Estados
21.1 Armando Testa, cartaz Unidos, Alemanha e Cuba. Elas também apareceram
para a Pirelli, 1954. A força de pelo mundo na obra de indivíduos cuja busca por ima- O cartaz polonês
um elefante é conferida ao gens relevantes e eficazes os levava nessa direção. Nos
pneu pela técnica surrealista
trabalhos mais originais do designer gráfico italiano A violência da Segunda Guerra Mundial varreu a Eu-
da combinação de imagens.
Armando Testa (1912-1992), por exemplo, combina- ropa no dia 1.o de setembro de 1939 com a invasão re-
ções metafísicas eram usadas para transmitir verda- lâmpago, sem declarar guerra, da Polônia por Hitler,
des elementares sobre um tema. Testa fora um pintor de norte, sul e oeste. Dezessete dias depois, do leste,
abstrato até depois da guerra, quando montou um tropas soviéticas invadiam o país e seguiu-se um pe-
ríodo de seis anos de devastação. A Polônia saiu da
21.2 Armando Testa, cartaz guerra com enormes perdas humanas, sua indústria
para exposição de borracha e arrasada e a agricultura em ruínas. A capital, Varsó-
plásticos, 1972. A mão feita de via, foi quase inteiramente destruída. A impressão e
material sintético segura uma
o design gráfico, como tantos aspectos da sociedade
bola de plástico numa imagem
e cultura polonesas, praticamente deixaram de exis-
inconfundível e apropriada.
tir. Tributo monumental à resistência do espírito hu-
mano foi o surgimento, em meio a essa devastação,
de uma escola polonesa de renome internacional na
arte do cartaz.
Na sociedade comunista estabelecida na Polônia
após a guerra, os clientes eram instituições e indús-
trias controladas pelo Estado. Designers se associa-
ram a cineastas, escritores e artistas plásticos no
Sindicato Polonês dos Artistas, que definia normas
e fixava honorários. O ingresso no sindicato ocorria
após a conclusão do programa educacional na Acade-
mia de Arte de Varsóvia ou Cracóvia. As normas para
admissão a essas escolas eram rigorosas e o número
de formandos cuidadosamente controlado para cor-
responder à demanda.
O primeiro artista do cartaz polonês a surgir após
a guerra foi Tadeusz Trepkowski (1914-1956). Logo na
primeira década, Trepkowski expressava as lembran-

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importantes meios de comunicação. Em 1964, teve


início a Bienal Internacional do Cartaz de Varsóvia,
e o Muzeum Plakatu (Museu do Cartaz) foi instalado
em Wilanow, próximo da capital.
O cartaz polonês passou a receber atenção inter-
nacional durante os anos 1950. Tomaszewski lide-
rou um redirecionamento para um enfoque mais
agradável esteticamente, distanciando-se do som-
brio mundo da tragédia e das duras recordações para
um mundo claro e decorativo de cores e formas [21.4,
21.5] . Por meio de colagens quase casuais, criavam-se
projetos a partir de pedaços de papel colorido rasgado
e cortado, depois impressos em serigrafia. Caracterís-
tico desse estilo é o cartaz para o filme Rzeczpospolita
Babska (República de mulheres) [21.6] de Jerzy Flisak
(n. 1930). A figura feminina simbólica tem a cabeça
rosada de uma boneca com bochechas redondas,
maquiadas com rouge e a boca em forma de coração.
O cartaz de circo floresceu como expressão da magia
e do encanto desse entretenimento tradicional a par-
tir de 1962, quando a preocupação com a publicidade 21.3 Tadeusz Trepkowski,
até então medíocre dos circos inspirou um programa cartaz contra a guerra, 1953.
em que um júri selecionava uma dúzia de cartazes por Uma expressão apaixonada é
reduzida a apenas uma
ano para publicação pelos Editores de Artes Gráficas
palavra: Nie! (Não!).
de Varsóvia. Nesses cartazes, a palavra cyrk (circo) é a
ças trágicas e aspirações para o futuro que estavam única informação verbal [21.7] ; tiras impressas com
profundamente impressas na psique nacional. Seu as informações completas da programação eram co-
enfoque envolvia a redução de imagens e palavras até ladas abaixo deles em quiosques e muros.
que o conteúdo fosse destilado em sua formulação A próxima corrente importante nos cartazes po-
mais simples. Em seu famoso cartaz contra a guerra, loneses surgiu durante os anos 1960 e se consolidou
de 1953 [21.3] , Trepkowski usou formas sintéticas nos anos 1970. Foi uma tendência rumo à metafísica
para simbolizar uma cidade devastada, sobrepostas e ao surrealismo, à medida que era abordado um lado
à silhueta de uma bomba caindo. mais escuro e sombrio do caráter nacional. Especu-
Henryk Tomaszewski (1914-2005) tornou-se o lí- lou-se que isso representava uma reação sutil às res-
der espiritual do design gráfico polonês após a morte trições sociais do regime ditatorial ou um desespero
precoce de Trepkoswski e converteu-se num estimu- e anseio pela autonomia que tão frequentemente fora
lador importante do movimento em função de sua negada aos poloneses ao longo de sua história. Um
posição como professor na Academia de Belas-Artes dos primeiros designers gráficos a incorporar essa
de Varsóvia. O cartaz passou a ser fonte de grande or- nova sensibilidade metafísica a seu trabalho foi Fran-
gulho nacional na Polônia; seu papel na vida cultural ciszek Starowiejski (n. 1930). Em seu cartaz de 1962
do país é único. Os meios de rádio e teledifusão care- para o Teatr Dramatyczny (Teatro Dramático), de Var-
ciam de frequência e diversidade, se comparados aos sóvia, uma serpente paira no espaço, enrolando-se
ocidentais, e a competição econômica era menos pro- em volta de dois círculos que se tornam apertos de
nunciada num país comunista. Assim, cartazes para mãos [21.8] . Essa imagem enigmática era um prenún-
eventos culturais, circo, filmes e política serviam de cio de seu trabalho subsequente, que ocasionalmente

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21.4 Henryk Tomaszewski,


cartaz de futebol para os Jogos
Olímpicos em Londres, 1948.

21.6 Jerzy Flisak, cartaz de


cinema para Rzeczpopolita
Babska, sem data. Cores
vivas e silhuetas informais
transmitem a encantadora
ressonância do cartaz
polonês dos anos 1950. 21.5 Henryk Tomaszewski,
cartaz para a peça Marysia i
Napoleon (Maria e Napoleão),
1964. Tomaszewski levou o
design gráfico polonês à
expressão alegre e artística.

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21.7 Roman Cieslewicz, cartaz


de circo, 1962. Elementos de
colagem sobrepõem a palavra
cyrk e um palhaço à foto
contrastada de um elefante.

21.8 Franciszek Starowiejski,


cartaz do Teatr Dramatyczny,
de Varsóvia, 1962. O cubo
desenhado em perspectiva
transforma a página chapada
num espaço com profundi-
dade, forçando o estranho
arranjo acima dele a flutuar.

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21.10 Jan Lenica, cartaz para


Wozzeck, de Alban Berg, 1964.
Como em muitos cartazes de
Lenica, é evidente o espírito do
art nouveau.

21.9 Jan Lenica, cartaz da


Bienal do Cartaz de Varsóvia,
1976. Arabescos sinuosos se
metamorfoseiam num ser
alado.

21.11 Waldemar Swierzy,


cartaz de Ulica Hanby, versão
polonesa do filme Akasen Shitai,
de Kenji Mizoguchi, 1959. O
lettering pintado se torna uma
extensão do batom.

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tende à escola “lama e sangue” das artes gráficas, e designers como Waldemar Swierzy (n. 1931) chega-
do trabalho de uma série de outros designers gráficos ram a visões pessoais únicas. Abordando o design
poloneses. Jan Lenica (n. 1928-2001) levou a colagem gráfico de um ponto de vista pictórico, Swierzy bus-
a uma comunicação mais ameaçadora e surreal nos cou inspiração na arte popular e nas artes plásticas
cartazes e filmes experimentais de animação. Depois,
em meados dos anos 1960, começou a usar linhas
de contorno fluidas e estilizadas, que ondulam pelo
espaço e o dividem em zonas coloridas que formam
uma imagem [21.9, 21.10] .
Em sua ruptura com a corrente dominante, Lenica
e Starowiejski foram seguidos por vários outros da
nova geração, que percebia que o cartaz polonês es-
tava em risco de fossilizar-se num estilo nacional aca-
dêmico. Essa potencial armadilha foi evitada quando

21.12 Waldemar Swierzy,


cartaz de Jimi Hendrix, 1974. A
vitalidade elétrica das
pinceladas gestuais sobre o
retrato em azul cobalto sugere
a energia vigorosa do rock.

do século xx [21.11] . Esse pródigo artista criou mais


de mil cartazes numa multiplicidade de meios. Com
frequência, incorpora acrílico, crayon, lápis e aqua-
rela em seus trabalhos. Em seu famoso cartaz para o
músico de rock norte-americano Jimi Hendrix [21.12] ,
Swierzy animou o grande retrato com vigorosos tra-
ços retorcidos. A qualidade espontânea de grande
parte de seu trabalho é enganosa, pois Swierzy às
vezes passava três semanas fazendo um cartaz e che-
gava a executá-lo cinco vezes ou mais até ficar satis-
feito com o resultado.
Um polonês no exílio, o artista do cartaz Roman
Cieslewicz (1930-1996) viveu em Paris dos anos 1960
em diante. Estreitamente vinculado ao teatro polonês
de vanguarda, Cieslewicz tomou o cartaz como forma

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21.13 Roman Cieslewicz,


cartaz para Zawrót Glowy,
versão polonesa do filme
Vertigo (Um corpo que cai),
1963. Um alvo na fronte de uma
caveira, também aludindo ao
título do filme, combina-se
com uma impressão digital
nessa interpretação
enigmática do filme de
Hitchcock.

pública de arte e o transformou num meio metafísico


para expressar ideias inescrutáveis, que seriam difíceis
de articular verbalmente [21.13] . As técnicas de Cies-
lewicz abrangem colagem, montagem e imagens reti-
culadas numa escala que converte os pontos em tex-
tura, configurando uma interação entre dois níveis de
informação: a imagem e os pontos que a criam [21.14] .
Em 1980, a escassez de alimentos, energia elétrica
e habitação levou a greves e à formação do sindicato

21.14 Roman Cieslewicz,


cartaz do Teatr Wspólczesny
we Wroclawiu (Teatro
Temporário da Cracóvia), 1974.
Com esta imagem surreal, o
observador pode tentar
completar o retrato procu-
rando uma imagem nas
nuvens, mas o esforço se
mostra infrutífero.

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trabalhista ilegal Solidariedade, cujo logotipo [21.15] , 21.16 Marian Nowinski, cartaz
concebido por Jerzy Janiszewski, se tornou símbolo político, 1979. Um livro
trazendo o nome do poeta
internacional da luta contra a opressão. Em conse-
chileno Pablo Neruda, cujas
quência da censura do governo durante a agitação
obras foram proibidas e
social na Polônia, os cartazes do país costumavam queimadas pelo regime de
abordar questões que estavam além de suas frontei- Pinochet, é fechado por
ras, em vez das lutas políticas internas, como a pros- grandes pregos de metal.
crição do Solidariedade. Uma questão internacional
é o tema de um cartaz de Marian Nowinski (n. 1944),
lamentando eloquentemente [21.16] a censura ao po-
eta chileno Pablo Neruda. Para muitos espectadores
expressa também a solidariedade com a luta chilena
pela democracia e independência. Imagens vigorosas
21.15 Jerzy Janiszewski,
como essa transcendem seu tema imediato para se
logotipo do Solidariedade, c.
tornarem expressões universais sobre a censura e a
1980. Letras grosseiras evocam
repressão em geral. o grafite e seu caráter
A legalização do Solidariedade e sua vitória es- tumultuado é uma referência
magadora nas eleições de maio de 1989 encerraram ao povo agrupando-se na rua.
o governo comunista de partido único e marcaram o
início de uma nova era na história polonesa. Durante agora, melhorias nos materiais e processos possibili-
meio século, o cartaz polonês se desenvolvera em tavam à fotografia expandir sua gama de recursos de
consequência de uma decisão consciente do governo luz e fidelidade da imagem. A morte da ilustração era
de sancionar e apoiar essa arte como forma maior sombriamente vaticinada à medida que a fotografia
de expressão e comunicação. Os cartazes eram afir- invadia rapidamente os nichos tradicionais da profis-
mações criativas, fazendo circular antes ideias que são, mas, conforme ela roubava a função tradicional
mercadorias. Apesar das mudanças políticas, uma da ilustração, esta ressurgia com um novo enfoque.
tradição de excelência, reforçada pela sólida educa- A abordagem mais conceitual da ilustração come-
ção em design, pôde garantir a continuidade dessa çou com um grupo de jovens artistas gráficos de Nova
forma artística na Polônia. O espírito inventivo con- York. Os estudantes de arte Seymour Chwast (n. 1931),
tinua sendo demonstrado por designers mais jovens Milton Glaser (n. 1929), Reynolds Ruffins (n. 1930) e
que ingressam na profissão. Edward Sorel (n. 1929) se juntaram e passaram a di-
vidir um estúdio. Ao formar-se pela Cooper Union em
1951, Glaser conseguiu uma bolsa de estudos Fulbri-
Imagens conceituais norte-americanas ght para estudar água-forte com Giorgio Morandi na
Itália, e os outros três amigos encontraram emprego
Durante os anos 1950, a era de ouro da ilustração em publicidade e no ramo editorial em Nova York.
norte-americana chegou ao fim. Durante mais de cin- Trabalhos como freelancer eram divulgados por meio
quenta anos, a ilustração narrativa havia comandado de uma publicação conjunta chamada Push Pin Alma-
o design gráfico nos Estados Unidos, mas os avanços nack. Publicada bimestralmente, apresentava material
tecnológicos no papel, na impressão e na fotografia editorial interessante de antigos almanaques ilustra-
rapidamente abreviaram as vantagens do ilustrador dos pelo grupo. Quando Glaser voltou da Europa em
sobre o fotógrafo. Os ilustradores haviam exagerado agosto de 1954, formou-se o Push Pin Studios. Após al-
os contrastes de brilho, intensificado as cores e tor- gum tempo, Ruffins deixou o estúdio e tornou-se um
nado os contornos e detalhes mais nítidos que o real renomado decorador e ilustrador de livros infantis
para criar imagens mais convincentes que a foto. Mas, [21.17] . Em 1958, Sorel começou a trabalhar como au-

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transformando essas fontes ecléticas em formas no-


vas e inesperadas.
O gênio singular de Glaser é difícil de ser classi-
ficado, pois no curso de várias décadas ele “reinven-
tou-se como uma força criadora” pela exploração de
novas técnicas e motivos gráficos. Durante os anos
1960 criou imagens utilizando figuras planas con-
tornadas por linhas finas de nanquim, adicionando
cores pela aplicação de películas adesivas coloridas
[21.18] . Esse estilo quase esquemático de desenho
ecoava a iconografia sintética dos quadrinhos, o si-
nuoso desenho curvilíneo dos arabescos persas e
art nouveau, a cor chapada das gravuras japonesas

21.17 Reynolds Ruffins,


ilustração para a revista Amtrak
Express, 1983. Cores
decorativas e formas abstratas
caracterizam mais de meio
século de trabalho de Ruffins.

tônomo e mais tarde despontou como um dos maio-


res autores de sátiras políticas de sua geração. Glaser
e Chwast continuaram sua parceria por duas décadas;
depois, Glaser saiu para se dedicar a uma ampla gama
de interesses, como design de revistas, design corpo-
rativo e ambiental. Chwast continuou como diretor do
grupo, rebatizado de Pushpin Group. O Push Pin Alma-
nak tornou-se Push Pin Graphic, e essa revista experi-
mental era um veículo para a apresentação de novas
ideias, imagens e técnicas.
A filosofia e a visão pessoal dos artistas do Push Pin
Studios alcançaram influência mundial. O design e dos recortes de Matisse, além da dinâmica da arte
grá­fico vinha sendo em geral fragmentado em tarefas pop. Como outros designers gráficos cujo trabalho
distintas, a produção de imagens e o leiaute ou pro- captava e expressava as sensibilidades de seu tempo,
jeto. Mas assim como fizeram os designers gráficos Glaser foi amplamente imitado. Somente sua capa-
Mucha e Bradley na virada do século, Glaser e Chwast cidade de manter um fluxo constante de soluções
uniram esses componentes num único personagem, inovadoras, unida à incansável exploração de dife-
21.18 Milton Glaser, capa de que estava simultaneamente envolvido na concep- rentes técnicas, impediu que fosse consumido por
disco para The Sound of Harlem ção geral e no desenho da página impressa. Usando seus seguidores.
(O som do Harlem), 1964.
a história da arte e do design gráfico, das pinturas Enquanto as imagens descritas anteriormente são
Neste exemplo do uso inicial
do Renascimento às histórias em quadrinhos, como formadas pelos contornos, outro enfoque desenvol-
feito por Glaser da linha de
contorno e da cor chapada, as repertório formal e conceitual, os artistas do Push vido por Glaser evoluiu da massa. Inspirado no final
figuras são formas sem peso Pin parafraseavam livremente e incorporavam uma dos anos 1950 pela caligrafia oriental e pelas águas-
que fluem em ritmo musical. multiplicidade de ideias a seu trabalho, muitas vezes tintas de Picasso, Glaser começou a fazer aguadas de

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a morte [21.20] . “Dada” atravessa o tampo da mesa 21.19 Milton Glaser, cartaz de
e paira acima de sua cria rebelde, o “surrealismo”. Bob Dylan, 1967.
Como os movimentos artísticos que representa, esse Transcendendo objeto e
função, esta imagem se tornou
desenho desafia a interpretação racional. Glaser
uma cristalização simbólica de
muitas vezes incorpora recursos espaciais e imagens sua época.
do surrealismo para expressar conceitos complexos
[21.21] .
Durante os anos 1980 e 1990, Glaser passou a se
interessar cada vez mais por ilusionismo e tridimen-
sionalidade. Seus desenhos dessa época são apresen-
tados como objetos volumétricos [21.22] . Para Glaser,
formas geométricas, palavras e números não são me-
ros signos abstratos, mas entidades tangíveis com
21.20 Milton Glaser, cartaz de
uma existência própria que permite que sejam inter-
exposição Dada and
pretados como temas, tal como figuras e objetos ina- Surrealism, 1968. A mesa
nimados são interpretados por um artista. Em alguns menor isola a palavra real na
trabalhos, é explorado o diálogo entre a iconografia palavra maior surrealism.
perceptual e a conceitual [21.23] .
Com uma linguagem ao mesmo tempo pessoal e 21.21 Milton Glaser, cartaz da
de comunicação universal, Chwast emprega muitas Poppy Records, 1968. Uma
papoula florescendo de um
vezes a técnica dos desenhos a traço revestidos com
cubo de granito simboliza uma
películas adesivas coloridas, além de uma multiplici-
empresa nova, independente,
dade de meios e substratos com os quais experimenta. rompendo as convenções
Traços de arte infantil, arte primitiva, arte popular, monolíticas da indústria
gravuras expressionistas e histórias em quadrinhos fonográfica.

silhuetas gestuais que incitam o observador pela sim-


ples sugestão do objeto, exigindo que ele preencha os
detalhes com a própria imaginação.
Os cartazes de shows e projetos de capas de dis-
cos de Glaser manifestam uma capacidade singular
para combinar sua visão pessoal com a essência do
tema. A imagem que ele fez de Bob Dylan em 1967
[21.19] – uma silhueta preta com cabelos em cores
claras, inspirados no art nouveau – foi encartada no
disco e teve uma tiragem de quase 6 milhões de có-
pias. Como aconteceu com o cartaz do Tio Sam de
Flagg, tornou-se um ícone gráfico norte-americano.
Um fotógrafo contou a Glaser que, quando esteve tra-
balhando no rio Amazonas, viu o cartaz de Dylan na
cabana de uma distante aldeia indígena.
Num projeto de cartaz rejeitado para a exposi-
ção de dadaísmo e surrealismo do Museu de Arte
Moderna (moma), as próprias palavras assumem,
transformadas em objetos, uma metafísica vida após

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21.22 Milton Glaser, cartaz de


“Bach Variations” (Variações de
Bach), 1985. Diversas
modalidades de desenho
traduzem a diversidade da
obra musical de Bach.

21.23 Milton Glaser, cartaz


“Art Is” (Arte é), 1996.
Significados visuais e verbais
são explorados exibindo um
chapéu como uma foto, uma
sombra, uma palavra, um
pictograma e uma definição
escrita.

se manifestam em suas imaginativas reinvenções tra o logotipo que Chwast desenvolveu para a Artone
do mundo. Sua cor é frontal e intensa. Em contraste Ink; a versão dégradé do Blimp, baseada em antigos
com a profundidade espacial de Glaser, no trabalho tipos de madeira; um tipo geométrico inspirado no
de Chwast normalmente se mantém uma planari- logotipo que Glaser projetou para um estúdio cine-
dade absoluta. A visão inocente de Chwast, o amor
pelas letras vitorianas e figurativas e a capacidade de
integrar informações figurativas e textuais o capaci-
taram a produzir soluções inesperadas. Sua capa de
disco para The Threepenny Opera (A ópera dos três
vinténs) [21.24] demonstra capacidade de sintetizar
diversos recursos – a gravura expressionista alemã,
deslocamentos espaciais surreais e cores dinâmicas
encontradas na arte primitiva – numa expressão ade-
quada do objeto. No anúncio para a Elektra Produc-
tions [21.25] , cada letra da palavra atravessa o espaço,
dotada de forma de transporte própria. Do protesto
21.26 Seymour Chwast, cartaz contra a guerra [21.26] à embalagem de alimentos e
de protesto contra o capas de revistas, Chwast reformulou a arte e a grá-
bombardeio de Hanói, 1968. fica anteriores para expressar novos conceitos em
Um slogan publicitário comum
novos contextos.
ganha vida nova quando
Tanto Chwast como Glaser desenvolveram uma
combinado com uma
xilogravura azul e impressão série de tipos display. Geralmente esses tipos come-
offset de áreas verdes e çaram como letras para trabalhos, depois foram de-
vermelhas. senvolvidos em alfabetos inteiros. A figura 21.27 mos-

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21.25 Seymour Chwast,


anúncio móvel para Elektra
Productions, c. 1965. A pé,
sobre rodas ou levado pela
força de uma locomotiva, o
nome do cliente viaja para sua
nova localização.

matográfico; um tipo baseado em letras inicialmente 21.27 Seymour Chwast,


desenvolvidas para um cartaz para a revista Mademoi- projetos de tipos display.
selle; e o tipo Buffalo, originalmente concebido para Chwast repete alegremente
formas vitorianas, art nouveau,
um produto francês chamado Buffalo Gum, que não
arte op e art déco.
chegou a ser produzido.
O termo “estilo Push Pin” começou a ser ampla-
mente empregado em referência ao trabalho e à in- 21.24 Seymour Chwast, capa
fluência do estúdio, que se espalhou pelo mundo. de disco para The Threepenny
Opera, 1975. Inspirações
Outros designers e ilustradores foram contratados
diversas se combinam para
além de Glaser e Chwast, e vários desses jovens, que
captar a ressonância da
depois passaram a trabalhar como autônomos ou as- renomada peça alemã.
sumiram outros empregos, ampliaram os limites da
estética Push Pin. O enfoque Push Pin é menos um
conjunto de convenções visuais, ou uma unidade de
técnicas ou imagens, que uma atitude em relação à
comunicação visual, uma abertura quanto a experi-
mentar novas formas e técnicas, bem como reinter-
pretar trabalhos de períodos anteriores e uma capaci-
dade para integrar palavra e imagem.
No final dos anos 1960 e início dos anos 1970, o
então jovem e influente designer gráfico Barry Zaid
(n. 1939) integrou o Push Pin durante alguns anos.
Canadense que na faculdade se especializou inicial-
mente em arquitetura e depois em inglês antes de

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na profundidade e na escala. Entrando nos anos 1970,


a técnica de aquarela de McMullan tornou-se cada vez
mais magistral, e ele desenvolveu um enfoque foto-
documental que enfatizava os detalhes e o realismo.
Ao mesmo tempo, porém, afirmava-se uma preocupa-
ção com o projeto total, e McMullan começou a fazer
da tipografia fluida um componente importante de
suas imagens. Em seu cartaz de 1977 para a peça
de Eugene O’Neill Anna Christie [21.30] , o retrato so-
litário de uma figura sentada em um interior é com-
binado a uma cena marítima. A imagem dual se com-
bina para comunicar o contexto da peça e ao mesmo
tempo criar uma interação espacial envolvente.
Outro egresso do Push Pin que evoluiu rumo a um
enfoque do projeto total é Paul Davis (n. 1938), que
21.28 Barry Zaid, sobrecapa figurou inicialmente na Push Pin Graphic com uma
para o livro Art Deco de Bevis
série de figuras primitivas pintadas em painéis áspe-
Hillier, 1970. A geometria
ros de madeira com alvos sobrepostos. A partir daí,
decorativa dos anos 1920 é
reinventada no contexto das Davis avançou para um estilo de pintura detalhado
sensibilidades de meio século que extraía inspiração da arte colonial norte-ameri-
depois. cana. Tornou-se mestre do naturalismo meticuloso;

tornar-se designer gráfico e ilustrador autodidata,


Zaid trabalhou em Toronto e depois em Londres an-
tes de ingressar no estúdio Push Pin. Como arqueó-
logo que baseava seu trabalho num estudo meticu-
loso da linguagem gráfica de épocas anteriores, Zaid
se tornou uma força importante no revivalismo e
no historicismo desse período. Foi particularmente
importante na retomada das formas geométricas
decorativas do art déco dos anos 1920 [21.28, 21.29] ,
como a sobrecapa do livro de 1970, Art Deco, do his-
toriador da arte inglês Bevis Hillier. O historicismo
de Zaid não se reduzia à imitação de formas nostál-
gicas, uma vez que sua organização espacial, escala
e cores eram atuais.
Entre os outros ilustradores e designers que pas-
saram pelo Push Pin Studios, James McMullan (n.
1934) revitalizou a aquarela, técnica que nas artes
plásticas e na ilustração perdia apenas para a pintura
a óleo, mas que vinha passando por um declínio, e a
21.29 Barry Zaid, capa para a
restaurou como meio de expressão gráfica. McMullan
Vogue australiana, 1971. São
evocadas as formas geométri- alcançou destaque durante os anos 1960 com vigoro-
cas arredondadas de Léger e a sas ilustrações a traço e aquarela que em geral combi-
arte figurativa modernista. navam imagens múltiplas com mudanças marcantes

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as silhuetas sólidas de suas formas projetam peso e


volume convincentes. Como McMullan, Davis muitas
vezes se envolveu numa integração entre imagem e
palavras. Seu trabalho demonstra grande inventivi-
dade em relacionar retratos delicados com fundos
cenográficos e tipografia expressiva [21.31] .
A escola Push Pin de ilustração e design gráfico
apresentava uma alternativa à ilustração narrativa
do passado, à orientação matemática e objetiva, com
ênfase na tipografia e na fotografia, do Estilo Tipo-
gráfico Internacional, e às preocupações formais da
escola de Nova York. Cálidos, amistosos e acessíveis,
os trabalhos do Push Pin projetam vitalidade com co-
res luxuriantes e referências explícitas. Embora não
formalmente associado ao estúdio Push Pin, o desig-
ner gráfico Richard Hess (1934-1991) voltou-se para a 21.30 James McMullan, cartaz
ilustração e desenvolveu uma técnica de pintura estrei- Anna Christie, 1977. McMullan
tamente ligada ao trabalho de Paul Davis. Hess tinha frequentemente chama a
uma inclinação mais forte que Davis para o surrea- atenção para as propriedades
lismo e era inspirado pelas ilusões espaciais de René físicas do meio; o fundo
Magritte. Um conhecimento do folclore e da iconogra- vermelho se transforma em
pinceladas e depois em letras.
fia norte-americana do século xix permitiu a Hess pro-
duzir uma série de imagens que captavam minuciosa-
21.31 Paul Davis, cartaz para
mente a essência desse período anterior [21.32] . For Colored Girls (Para moças
O grupo Push Pin não mantinha monopólio so- negras), 1976. O ambiente
bre a imagem conceitual nos Estados Unidos, pois urbano é evocado por um
vários designers autônomos tinham outros enfoques título semelhante ao grafite e
pessoais para solucionar problemas de comunicação pelo mosaico de sinalização de
teatro presente nas estações
ao mesmo tempo que combinavam o tradicional pa-
de metrô.

21.32 Henrietta Condak


(diretora de arte) e Richard
Hess (ilustrador), capa de
disco para Charles Ives: The
100th Anniversary (Charles Ives:
centenário), 1974. A formata-
ção de cartaz vitoriano
emoldura imagens da época
do compositor.

561
tititi

contexto de uma refeição doméstica com ferramen-


tas de artistas numa única imagem, uma metáfora
visual para comunicar com inteligência e reforçar o
conteú­do do título. Lou Danziger combina a bandeira
dos Estados Unidos e o pincel de um artista [21.35]
para criar uma imagem memorável para a pintura
norte-americana no Metropolitan Museum of Art.
Tubos de tinta se convertem em arranha-céus [21.36] ,
tornando-se uma capa para The New York School: The
First Generation (Escola de Nova York: a primeira
geração). O anúncio do cartaz de Herbert Leupin
21.33 Arnold Varga, anúncio para a Tribune de Lausanne [21.37] combina o jornal
de jornal para Joseph P. Horne, com o bule de café para sugerir notícias oportunas a
c. 1966. Evocam-se as alegrias
cada manhã. O cartazista francês Raymond Savignac
da comida e da cozinha.
(1907-2002) cria um cartaz publicitário bem-humo-
(Reproduzido de uma prova,
não aparecem a marca da rado para Gitanes usando cigarros como confete e
Horne e o texto impressos na alternando as cores da figura e do fundo [23.38] para
parte inferior da página.) comunicar a ideia de noite e dia.
Designers e diretores de arte convocam a gama
pel de conceitualização e leiaute, do designer gráfico, inteira de possibilidades de produção de imagens
com o de produção de imagens, do ilustrador. Um para transmitir conceitos e ideias. Isso se aplica par-
desses designers, Arnold Varga (1926-1994), prati-
camente reinventou o anúncio em jornal. Varga co-
meçou a atuar em 1946. A partir de meados dos anos
1950, seus anúncios para duas lojas de departamen-
tos de Pittsburgh, a Joseph P. Horne & Co. e a Cox’s,
transformaram essa forma normalmente prosaica de
design visual em peças de comunicação memoráveis.
Muitos de seus anúncios usavam espaço em branco
e títulos cuidadosamente integrados com ilustrações
grandes e simples para quebrar o cinza monótono
da página de jornal. Imagens seriadas com figura e
21.34 Paul Rand, projeto de legenda, como o anúncio da mercearia gourmet para
capa de Modern Art in Your Life, Joseph P. Horne [21.33] , obtiveram notável resposta
1949. Com essa publicação do
do público – as pessoas chegaram a comprar o anún-
moma, Rand faz a arte moderna
parecer tão acessível quanto cio e pendurá-lo na parede!
uma refeição diária. Como Designers como Paul Rand, Lou Danziger, Herbert
acertadamente afirmou Steven Leupin e Raymond Savignac também incorporaram a
Heller em sua magnífica técnica de criar uma imagem central para comunicar
biografia de Rand, publicada ideias visuais por meio da união de dois símbolos ge-
em 1999: “As sobrecapas e
rando uma “imagem fundida”. Era um meio de com-
capas de Rand eram minitelas
binar forma e conteúdo e assim criar imagens preg-
e minicartazes. Ele compunha
a área limitada da imagem de nantes para capas de livros, cartazes e anúncios.
modo a obter impacto O projeto de capa de Paul Rand para Modern Art in
máximo”. Your Life (Arte moderna na sua vida) [21.34] funde o

562
tititi

21.35 Lou Danziger, cartaz


“American Paintings from the
Metropolitan Museum of Art”
(Pinturas norte-americanas
do Metropolitan Museum of
Art), 1966.

21.36 Lou Danziger, cartaz


“New York School, The First
Generation” (Escola de Nova
York, a primeira geração), 1966.

21.38 Raymond Savignac,


cartaz para Gitanes, 1954.

21.37 Herbert Leupin, cartaz


para Tribune de Lausanne, 1955.

563
tititi

musical. O fantástico, o real e o surreal se juntaram


ao clássico e ao ousado no repertório gráfico da Co-
lumbia Records [21.40] .
Imagens figurativas, conceituais e a influência do
Push Pin Studios muitas vezes se mesclaram com mo-
tivos e cores do Velho Oeste, do México e dos nativos
norte-americanos numa escola regional de design
gráfico que surgiu no Texas durante os anos 1970 e
ganhou força nos anos 1980. Alto nível de percepção
estética, cordialidade franca e forte senso de humor
caracterizam o design gráfico do estado texano. Abor-
dagens intuitivas na solução de problemas são com-
binadas com uma ênfase pragmática no conteúdo.
21.39 John Berg, capa de ticularmente a designers gráficos que trabalham na Os designers do Texas reconhecem a importância de
disco para William Tell Overture, indústria fonográfica. Arte e música compartilham Stan Richards (n. 1932), chefe do Richards Group em
1963. Na “nova publicidade”, a um idioma comum de expressão e experiência. As Dallas, como figura catalisadora na ascensão de seu
complexa organização visual
mesmas palavras (ritmo, textura, tom, cor e resso- estado como centro importante de design. O traba-
era substituída pela simples
apresentação de um conceito. nância) são usadas para transmitir as dimensões per-
ceptuais e espirituais tanto das experiências visuais
21.40 John Bert (diretor de como das auditivas.
arte) e Virginia Team A equipe de design da cbs Records operava na
(designer), capa de disco para linha de frente da interpretação gráfica da música.
Byrdmaniax dos Byrds, 1971. A imagem conceitual surgiu como uma tendência im-
Uma imagem enigmática
portante no design de capas de discos durante o iní-
transcende o retrato habitual,
e rostos parecidos com
cio dos anos 1960, depois que Bob Cato (1923-1999) se
máscaras emergem de um tornou chefe do departamento de criação e contratou
fluido oleoso. John Berg (n. 1932), diretor de arte na cbs’s Columbia
Records até 1984. Fotos de músicos se apresentando
e retratos de compositores deram lugar a imagens
mais simbólicas e conceituais, como na capa de Berg
para o disco da Orquestra Filarmônica de Nova York
William Tell Overture (Guilherme Tell Abertura) [21.39] .
Durante duas décadas, Berg e sua equipe extraíram o
21.41 Woody Pirtle, logotipo
máximo do grande formato de 961 centímetros qua-
para o Mr. e Mrs. Aubrey Hair,
drados dos discos long-play de vinil que precederam a
1975. Nesse trocadilho gráfico, o
pente e a palavra “hair” (cabelo) tecnologia dos cds. O diretor de arte passou a conce-
grafada em seus dentes ber conceitos visuais e a colaborar com ilustradores e
remetem ao nome do cliente. fotógrafos para expressar graficamente a experiência

21.42 Woody Pirtle, cartaz para


os móveis Knoll, 1982. Uma
pimenta se torna uma poltrona
vermelha e verde, simbolizando
a disponibilidade de mobília
“quente” da Knoll no Texas.

564
tititi

21.43 Wes Wilson, cartaz de


concerto para The Association,
1966. O lettering se torna uma
imagem, simbolizando uma
mudança nos valores culturais
e geracionais.

21.44 Wes Wilson, cartaz de


concerto para o Grateful Dead,
Junior Wells Chicago Blues
Band e The Doors, 1966. O
desenho feito à mão livre é
impresso em cores intensa-
mente vibrantes.

lho de Woody Pirtle (n. 1943), um dos muitos desig- A mania dos cartazes
ners importantes do Texas que nos anos de formação
trabalharam para Richards, sintetiza a originalidade Em contraste com os cartazes poloneses do pós-
das artes gráficas texanas. Seu logotipo para o Mr. guerra, que eram patrocinados pelas agências do
and Mrs. Aubrey Hair [21.41] evidencia uma espiritu- governo como forma cultural do país, a moda dos
osidade inesperada, enquanto seu cartaz da “hot seat” cartazes nos Estados Unidos durante os anos 1960
(cadeira quente) da Knoll [21.42] combina ironica- foi uma atividade de raízes populares fomentada
mente o sóbrio tipo Helvetica e o generoso espaço em por um clima de militância social. O movimento dos
branco do modernismo com a iconografia regional. direitos civis, o protesto público contra a Guerra no
Em 1988, Pirtle ingressou no escritório em Manhat- Vietnã, os primeiros avanços do movimento de libe-
tan do estúdio britânico de design Pentagram. ração das mulheres e uma busca por estilos de vida
Os anos 1980 viram o design gráfico se tornar alternativos figuraram entre as agitações sociais da
uma verdadeira profissão nacional nos Estados Uni- década. Cartazes do período eram pendurados nas
dos. Excelentes profissionais surgiram em todo o paredes dos apartamentos com mais frequência do
país, muitas vezes distantes dos centros tradicionais. que eram afixados nas ruas, e estavam mais voltados
A revista Print, o periódico do design gráfico norte- às declarações de pontos de vista sociais do que à di-
americano fundado em 1940, instituiu um anuário fusão de mensagens comerciais. A primeira onda de
regional em 1981 para acompanhar a emergente dis- cartazes surgiu da subcultura hippie do final dos anos
seminação da disciplina. 1960 centrada no bairro Haight-Ashbury, de San Fran-

565
tititi

cisco. Como a mídia e o público em geral associavam traduzida nos cartazes pela utilização de formas em
esses cartazes a valores antiestablishment, ao rock e às redemoinho e letras arqueadas e distorcidas até a
drogas psicodélicas, eles eram chamados de cartazes quase ilegibilidade, frequentemente impressas em
psicodélicos [21.43] . cores complementares de valor próximo. Um cartaz
O movimento gráfico que expressava esse clima para o Grateful Dead [21.44] de Robert Wesley “Wes”
cultural se valia de uma série de recursos: as curvas Wilson (n. 1937) contém linhas e letras sinuosas, que
fluidas e sinuosas do art nouveau, a intensa vibração são variantes do art nouveau de Alfred Roller. Wilson
ótica de cores associada ao breve movimento op, po- foi o inovador do estilo cartaz psicodélico e criou mui-
pularizado por uma exposição no Museu de Arte Mo- tas das imagens mais fortes desse estilo. Segundo
derna, e a reciclagem de imagens oriundas da cultura os jornais, empresários respeitáveis e inteligentes
popular mediante a manipulação (como a redução eram incapazes de compreender os letterings desses
de imagens ao alto contraste de preto e branco) que cartazes, embora se comunicassem com desenvol-
vigorava na arte pop. tura suficiente para lotar auditórios de uma geração
Muitos dos artistas iniciais desse movimento eram mais jovem que decifrava, e não apenas lia, a mensa-
autodidatas e seus principais clientes eram os promo- gem. Entre outros membros destacados desse breve
tores de concertos de rock e festas. As festas nos anos movimento estavam o Kelly/Mouse Studios e Victor
1960 eram experiências perceptuais intensas de mú- Moscoso (n. 1936), o único artista importante do mo-
sica barulhenta e espetáculos de luz que dissolviam vimento com educação artística formal [21.45, 21.46] .
o ambiente em campos pulsantes de cores e raios Alguns aspectos do movimento do cartaz psico-
estroboscópicos. Essa experiência era graficamente délico foram usados pelo designer nova-iorquino

21.45 Victor Moscoso, cartaz


para os Chambers Brothers,
1967. Os contrates das cores
vibrantes e a tipografia da
Secessão Vienense nos óculos
sugerem a cultura das drogas
do período.

21.46 Victor Moscoso, cartaz


de concerto da Miller Blues
Band, 1967. A figura feminina
nua e pulsante no centro do
cartaz expressa a desinibição
dos anos 1960.

566
tititi

uma direção pessoal e operar como forças criativas 21.47 Peter Max, cartaz “Love”,
independentes, com controle total sobre o trabalho. 1970. A técnica de serigrafia em
Natural do Oregon, Goines teve interesse precoce por íris [várias cores aplicadas em
uma única tela] de Max
caligrafia, que floresceu em um estudo sério e formal
resultou em cores que
na Universidade da Califórnia, em Berkeley. Aos 19 liricamente se fundem.
anos foi expulso da universidade por sua participa-
ção no movimento pela liberdade de expressão* e foi * O Free speech movement

aprendiz de tipógrafo na radical Berkeley Free Press, começou na Universidade


onde escreveu, imprimiu e encadernou um livro so- da Califórnia em 1964,
quando centenas de estu-
bre caligrafia. Quando a Berkeley Free Press faliu, em
dantes protestaram contra
1971, Goines a comprou, rebatizou-a de Saint Hie- a prisão de um colega que
ronymous Press e continuou a imprimir e publicar militava pelos direitos civis.
livros enquanto desenvolvia seu estilo de cartaz. A [n.e.]
impressão em offset e o design gráfico se integram em
seu trabalho, tornando-se um meio de expressão pes-
soal e comunicação pública. Ele concebia, ilustrava
e fazia manualmente as letras dos cartazes, confec-
cionava os negativos e as chapas e depois operava a
prensa para imprimir a edição. Esse designer zeloso
e culto desenvolveu um estilo singular, que integra

Peter Max (n. 1937) cujos trabalhos ficaram extre-


mamente populares. Em sua série de cartazes do
final dos anos 1960, os aspectos art nouveau da
arte psicodélica foram combinados com imagens
mais acessíveis e cores mais suaves. Uma de suas
imagens mais famosas, o desenho “Love” (Amor)
de 1970 [21.47] , combinava a linha orgânica fluida
do art nouveau com o contorno espesso e duro dos
quadrinhos e da arte pop. Em seu melhor trabalho,
Max fez experiências com imagens e técnicas de
impressão. Seus cartazes e produtos, de canecas a
camisetas e relógios, ofereciam uma versão mais
palatável da arte psicodélica e encontravam grande
público entre os jovens de todo o país. Depois que
a mania dos cartazes chegou ao seu pico no início
dos anos 1970, exemplos criativos dessa arte reti-
raram-se para o campus das universidades, um dos
poucos ambientes ainda para pedestres nos Esta-
dos Unidos. Como as universidades patrocinam diversas fontes de inspiração. Composição simétrica, 21.48 David Lance Goines,
cartaz de projeção de um
grande número de eventos, o campus é o local ideal traçado sintético, planos estáticos de cores chapadas
clássico do cinema, 1973.
para a comunicação por cartazes. e faixas sutis margeando os contornos das formas ca-
O caráter direto de imagem e
David Lance Goines (n. 1945) demonstra que, racterizam seus projetos de cartaz [21.48] . composição ganha distinção
mesmo na era de superespecialização do final do sé- Durante a conservadora década de 1980, marcada gráfica a partir de um senso
culo xx, é possível a artistas e artesãos isolados definir pela disparidade econômica entre ricos e pobres, in- poético de cor e traçado.

567
tititi

diferença com o meio ambiente e limitada militância


21.49 Gunther Kieser, cartaz
social, muitos cartazes nos Estados Unidos foram
do concerto Alabama Blues,
produzidos como objetos de decoração. Fotos ou
1966. Este anúncio se torna
um símbolo poderoso do pinturas tornaram-se cartazes pois, em vez de repro-
anseio por liberdade e justiça duções diretas da obra, era acrescentado o nome do
contido na música. artista, e frequentemente um título – em geral com
letras espacejadas em tipos versais elegantes. Eles
eram vendidos em lojas especializadas e de departa-
mentos. Entre os temas típicos havia flores, carros es-
portivos e frutas, apresentadas contra fundos simples
com bela composição e iluminação.

Poetas visuais na Europa

A poesia já foi definida como a reunião de elementos


díspares para criar uma experiência nova ou evocar
21.51 Willy Fleckhouse (diretor
uma reação emocional inesperada. Na Europa, a
de arte), capa para Twen, 1970.
Comunicações gráficas
partir dos anos 1960 e continuando até a década de
frequentemente se tornam 1990, surgiu uma abordagem poética do design grá-
símbolos políticos no conflito fico baseada na colagem, na montagem e nas técni-
entre gerações e sistemas de cas fotográficas e fotomecânicas. Os poetas gráficos
valores alternativos. esticavam o tempo e a tipografia, fundiam e faziam
flutuar objetos e fraturavam e fragmentavam ima-
21.52 Willy Fleckhouse
gens de um modo às vezes perturbador, mas sempre
(diretor de arte), páginas de
envolvente. O conservador, o tradicional e o previsível
Twen, 1970. Corte inteligente,
fotografia sangrada e espaço eram rejeitados por esses designers, que definiam o
em branco criam um leiaute processo da criação não como arranjos ou construção
dinâmico e expansivo. de formas, mas como a invenção de imagens inespe-

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tititi

radas para transmitir ideias ou sentimentos. Público Lançado em Munique em 1959, o periódico ale- 21.50 Gunther Kieser
e clientes receptivos a essa postura aderiram a suas mão Twen, cujo nome – derivado da palavra inglesa (designer) e Hartmann
capas de livros e discos, projetos de revistas e cartazes twenty (vinte) – indicava a faixa etária de jovens sofis- (fotógrafo), cartaz do Festival
de Jazz de Frankfurt, 1978.
para concertos, televisão e rádio. ticados a quem a revista era dirigida, apresentava ex-
Criações simbólicas são
Um mestre alemão desse movimento é Gunther celente fotografia usada em leiautes dinâmicos pelo disseminadas por meio de
Kieser (n. 1930), que iniciou sua carreira como free­ diretor de arte Willy Fleckhouse (1925-1983). Com um fotos de objetos esculpidos.
lancer em 1952. Kieser junta imagens ou ideias e esta- dom para cortar imagens e usar tipografia e espaço em
belece uma nova vitalidade, outro arranjo ou síntese branco de maneiras inesperadas, ele fez das páginas 21.53 Gunter Rambow
de objetos díspares. Seu cartaz do concerto Alabama corajosas e desinibidas de Twen um marco no design (designer/fotógrafo) e Michael
Blues combina duas fotos, uma pomba e uma manifes- editorial. Enquanto a tradição de Brodovitch era sem van de Sand (fotógrafo), cartaz
da S. Fischer Verlag, 1976. A
tação pelos direitos civis, com lettering inspirado pelos dúvida um recurso para Fleckhouse, a dinâmica de es-
portabilidade do livro é
tipos de madeira do século xix [21.49] ; esses elemen- cala, espaço e imagens poéticas em Twen compunha traduzida de maneira notável.
tos diversos atuam em harmonia para compor uma uma expressão provocadora e original [21.51, 21.52] .*
poderosa expressão. As afirmações poético-visuais Um dos mais inovadores produtores de imagem 21.54 Gunter Rambow
de Kieser sempre têm uma base racional, que vincula do design do final do século xx é Gunter Rambow (n. (designer/fotógrafo) e Michael
formas expressivas a conteúdo comunicativo. É essa 1938), de Frankfurt, que frequentemente colaborou van de Sand (fotógrafo), cartaz
capacidade que o separa dos profissionais de design com Gerhard Lienemeyer (n. 1936) e Michael van de da S. Fischer-Verlag, 1980. O
livro e o conceito de leitura
que usam a fantasia ou o surrealismo mais como fim Sand (n. 1945). Nos projetos de Rambow, a fotografia
como janela para o mundo
do que como meio. passa por manipulação, maquiagem, montagem e ganham intensidade com a luz
No final dos anos 1970 e início dos 1980, Kieser aerógrafo para converter o comum em extraordinário. solar que se irradia deste
começou a elaborar imagens fantásticas que são con- Imagens cotidianas são combinadas ou deslocadas e volume.
vincentemente reais. Os transeuntes interrompiam o depois impressas como imagens documentais objeti-
trajeto diante dos enormes cartazes com fotos colori- vas, em preto e branco, gerando uma expressão meta-
* A revista Twen é uma das
das, para verificar se não estavam tendo alucinações. física original de poesia e profundidade. Numa série
principais referências da
Num cartaz para o Festival de Jazz de Frankfurt de de cartazes encomendados pela editora de livros de revista brasileira Realidade
1978 [21.50] , Kieser e seu fotógrafo fazem o tronco de Frankfurt S. Fischer-Verlag, para distribuição anual (1966 a 1976), um marco do
uma árvore assumir a forma de um trompete. a partir de 1976 [21.53] , o livro é usado como objeto design editorial no país.

569
tititi

21.55 Gunter Rambow


(designer/fotógrafo), Gunter
Rambow e Gerhard
Lienemeyer (tipógrafos), cartaz
para a peça Antigone
(Antígona), 1978. Emoção e
isolamento são transmitidos
pela cadeira em chamas
fotografada no crepúsculo de
um ângulo de visão baixo.

21.56 Gunter Rambow,


cartaz para a peça Die
Hamletmaschine, 1980.
Uma sensação arrepiante de
anonimato é produzida por
esse ato de autovandalismo.

21.58 Gunter Rambow


21.57 Gunter Rambow, cartaz (designer/fotógrafo) e Michael
para Othello, 1978. O van de Sand (fotógrafo), cartaz
emocional da peça é expresso de teatro para Südafrikanisches
por uma imagem dentro de Roulette, 1988. Uma mão
uma imagem: um cartaz enfaixada com uma mancha de
esfarrapado pendurado numa sangue na forma da África
cerca de arame defronte a um transmite o páthos do
lúgubre conjunto habitacional. sofrimento e da revolução.

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simbólico, alterado e transformado para compor afir- tora careca) é representado pelas fotos em alto-con-
mações sobre si mesmo: um livro gigante que emerge traste de Henry Cohen [21.59] . Cada personagem tem
da multidão, evocando seu potencial comunicativo; um tipo atribuído a sua fala [21.60] e é identificado
ou a capa de um livro como porta ou janela que se não pelo nome, mas por um pequeno retrato. Mas-
abrem para um mundo de conhecimentos novos sin criou uma tipografia figurativa sem precedentes
[21.54] . Esses anúncios metafísicos e simbólicos não [21.61] , como o arranjo explosivo que retrata uma
carregam informações textuais além da marca e do grande discussão da peça [21.62] , por meio da impres-
nome do cliente, entregando ao público de redatores são tipográfica em lâminas de borracha que eram tor-
e editores antes um fenômeno visual, marcante e pro- cidas e esticadas e finalmente reproduzidas fotografi-
vocativo, que uma mensagem de vendas. camente em alto-contraste. Vitalidade visual, tensão
Rambow muitas vezes impregna fotos conven- e confusão adequadas ao texto são traduzidas grafi-
cionais de um sentido de magia ou mistério [21.55] camente. Em seu projeto para Délire à deux (Delírio
e usa colagem e montagem como meio de criar uma a dois) de Ionesco, as palavras se tornam imagem ex-
realidade gráfica. As imagens são alteradas ou com- pressionista [21.63] . Suas manipulações de tipografia
binadas e então refotografadas. No cartaz de 1980 anteciparam as possibilidades espaciais inerentes à
para a peça Die Hamletmaschine (A máquina de Ham­ computação gráfica dos anos 1980. Seus muitos anos
let) [21.56] , a foto de uma parede foi colocada sob a de pesquisa sobre as letras e sua história resultaram
foto de um homem em frente dela, depois parte da no importante livro de 1970, La Lettre et l’image (Letra
foto de cima foi rasgada. A imagem final refotogra- e imagem), que explora as propriedades figurativas e
fada apresenta ao espectador uma impossibilidade gráficas do design de alfabetos ao longo dos séculos.
desconcertante. Em outro cartaz, para a peça Othello, Durante os movimentos estudantis de maio de
a imagem parece ser capaz de autodestruição – pa- 1968 em Paris, as ruas foram tomadas por cartazes,
rece possuir a capacidade existencial de negar a si a maioria feita à mão por amadores. Três jovens de-
mesma [21.57] . A força icônica de suas imagens pode signers gráficos, Pierre Bernard (n. 1942), François
ser vista no cartaz de teatro Südafrikanisches Roulette Miehe (n. 1942) e Gerard Paris-Clavel (n. 1943), esta-
(Roleta sul-africana) [21.58] , concebido por Rambow vam profundamente envolvidos na política radical da
e fotografado por ele e Van de Sand. época. Bernard e Paris-Clavel tinham passado um ano
Durante os anos 1960, os escritores e designers na Polônia estudando com Henryk Tomaszewski, que
gráficos do mundo inteiro se assombraram e encan- incentivava a atitude de unir a arte à cidadania. Seu
taram com a tipografia experimental do designer ensino advogava rigor intelectual e lúcida convicção
francês Robert Massin (n. 1925), que projetou edições pessoal sobre o mundo. Esses três jovens designers
de poesia e peças para a editora francesa Gallimard. acreditavam que a publicidade e o design estavam
Quando jovem, Massin foi aprendiz de escultor, gra- voltados para a criação de demandas artificiais a fim
vador e abridor de letras com seu pai. Não buscou ins- de maximizar lucros e, por isso, uniram forças para
trução formal em design gráfico, mas foi aprendiz do dirigir sua atividade mais para fins políticos, sociais
designer tipográfico Pierre Faucheux. Em suas con- e culturais que comerciais. Procurando abordar as
figurações dinâmicas e uso de letras como forma vi- necessidades humanas reais, formaram o estúdio
sual concreta, o trabalho de Massin possui afinidades Grapus em 1970 para realizar essa missão. O Grapus
com a tipografia futurista e dadaísta, mas sua intensi- era um coletivo; um intenso diálogo ocorria sobre
ficação tanto do conteúdo literário narrativo como da o sentido e os meios de cada projeto. Seu ponto de
forma visual numa unidade coesa é única. partida para a solução de problemas era uma análise
Os projetos de Massin para as peças de Ionesco meticulosa e discussão prolongada sobre conteúdo
combinam as convenções figurativas da história em e mensagem. Os aspectos mais significativos do pro-
quadrinhos com o sequenciamento e o fluxo visual blema e o cerne da mensagem eram determinados
do cinema. O drama de La Cantatrice chauve (A can- e em seguida se buscava sua expressão gráfica. (Na-

571
tititi

21.63 Robert Massin, páginas


de Délire à deux, de Eugène
Ionesco, 1966. As palavras
saltam, correm, se sobrepõem
e borram em manchas de tinta
em uma homenagem
caligráfica às ideias surreais,
sem caráter representativo,
de Ionesco, mestre do teatro
do absurdo.
21.59 a 21.62 Robert Massin
(designer) e Henry Cohen
(fotógrafo), capa e páginas
duplas de La Cantatrice chauve,
de Eugène Ionesco, 1964. A
franqueza figurativa dos
quadrinhos é combinada com
a tipografia expressiva da
poesia futurista.

572
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573
tititi

quele tempo, os radicais franceses de esquerda eram de ícones culturais: o onipresente rosto amarelo sor-
chamados crapules staliniennes [crápulas stalinistas]. ridente, as orelhas do camundongo Mickey, o cabelo
Essa expressão foi fundida com a palavra gráfico para e o bigode de Hitler. Um olho traz a foice e o martelo,
produzir o nome do grupo.) símbolos que remetem ao comunismo; o outro tem
O Grapus preferia os símbolos universais com sen- as três cores da França, e uma pequena antena de te-
tidos facilmente compreensíveis: mãos, asas, sol, lua, levisão brota do topo de sua cabeça. O Grapus gerou
terra, fogos de artifício, sangue e bandeiras. O refina- muitos imitadores. A verve chocante de suas formula-
mento tipográfico e o acabamento técnico cediam ções, especialmente a informalidade dinâmica de sua
lugar a títulos escritos à mão e rabiscos, criando uma organização espacial e lettering casual, semelhante ao
vitalidade e energia cruas. Muitas vezes, uma paleta das pixações, foi copiada pela publicidade da época.
de cores primárias era escolhida por seu intenso po-
der gráfico.
O cartaz nos países do Terceiro Mundo

Do fim da Segunda Guerra Mundial até o desman-


telamento da Cortina de Ferro em 1989, as nações
industrializadas formavam dois grupos: as demo-
cracias capitalistas da Europa Ocidental, América
do Norte e Japão, e o bloco comunista liderado pela
União Soviética. As nações emergentes da América
Latina, Ásia e a África foram chamadas de Terceiro
Mundo. Nas lutas sociais e políticas, ideias em geral
são armas, e o cartaz é um veículo importante para
disseminá-las. Nesses países, num período em que o
acesso a jornais, rádio e televisão era limitado, o car-
taz foi muitas vezes usado com a intensidade e a fre-
21.64 Grapus, cartaz de
quência dos cartazes europeus à época da Primeira
exposição, 1982. Camadas
Guerra Mundial.
sobrepostas de símbolos
gráficos emocionalmente Nesse contexto, os cartazes se tornam veículos
carregados se contradizem e para desafiar a autoridade e expressar discordância e
desconcertam os espectadores. escapar à censura tradicional do governo, das empre-
sas e dos jornais. Alguns são expressões espontâneas,
arte popular crua, produzida por mãos inexperientes,
enquanto outros são criados por artistas consumados.
Em ambos os casos, os artistas/preconizadores que
criam tais cartazes possuem uma intenção e buscam
alterar as perspectivas dos espectadores.
O Grapus era motivado pela dupla meta de rea- Os cartazes nos países do Terceiro Mundo se di-
lizar mudança social e política e ao mesmo tempo rigem a dois públicos: em sua terra natal, atacam
empenhar-se em concretizar os impulsos artísticos. questões políticas e sociais, motivando as pessoas
Um cartaz de 1982 [21.64] para uma exposição de seus para a luta; há também um público secundário, nas
próprios trabalhos gráficos apresenta uma figura cen- democracias industrializadas, onde distribuidores
tral segurando uma seta com letras recortadas. Sal- como a Liberation Graphics em Alexandria, Virgínia,
tando para o espaço numa mola como a das caixas distribuem os cartazes entre pessoas engajadas nas
de surpresas, desdobra um surpreendente conjunto questões internacionais.

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Cuba se tornou um centro importante para o de-


sign de cartazes depois que a força revolucionária lide-
rada por Fidel Castro derrotou o regime de Fulgêncio
Batista no Dia do Ano-Novo em 1959. Nos dois anos
seguintes, o curso marxista do país levou a uma rup-
tura completa das relações diplomáticas com os Esta-
dos Unidos e a uma estreita associação com o bloco
soviético. As artes criativas haviam sido praticamente
ignoradas no regime de Batista, mas três reuniões em
junho de 1961 possibilitaram que artistas e escritores
se encontrassem com o regime de Fidel Castro para
estimular um mútuo entendimento. Na reunião final,
no dia 30 de junho, Fidel Castro proferiu seu longo
discurso “Palavras aos Intelectuais”, definindo sua
política em relação às artes. Ele assegurou aos artis-
tas e escritores “que a liberdade da forma deve ser res-
peitada”, mas a liberdade de conteúdo era vista como
uma questão mais sutil e complexa. Ele disse que os
artistas e intelectuais “podem encontrar na Revolu-
ção um lugar para trabalhar e criar, um lugar onde
seu espírito criativo, mesmo que não sejam escritores
e artistas revolucionários, tem a oportunidade e liber-
dade para se expressar. Ou seja: no âmbito da Revo-
lução, tudo; contra a Revolução, nada”. Cada pessoa
poderia “expressar livremente as ideias que quiser
expressar”, mas “sempre avaliaremos sua criação do
ponto de vista revolucionário”. Fidel Castro definia “o
bem, o útil e o belo” como tudo o que é “nobre, útil e
belo” para “a grande maioria das pessoas – isto é, as
21.65 Raul Martinez, cartaz de
homenagem ao povo cubano, classes oprimidas e exploradas”. As formas de arte po-
c. 1970. Os líderes e pular – cinema e teatro, cartazes e folhetos, canções e
trabalhadores são retratados poesia – e a mídia de propaganda eram incentivadas.
com animação em um desenho A pintura e a escultura tradicionais eram vistas como
no estilo dos quadrinhos e em relativamente ineficientes para alcançar grandes pú-
cores vivas, intensas.
blicos com a mensagem revolucionária.
Os artistas e escritores admitidos no sindicato
dos trabalhadores criativos recebem salários, espaço
de trabalho e materiais. Os designers gráficos traba-
lham para diversas agências do governo com missões
específicas. Entre os principais designers gráficos
cubanos se encontram Raul Martinez, pintor que faz
ilustrações [21.65] , e Felix Beltran (n. 1938), com for-
mação em Nova York. Beltran trabalhou como diretor
de arte para o Comitê de Orientação Revolucionária
(cor), que cria propaganda ideológica interna e man-

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tém a consciência pública da revolução por meio da pop, o cartaz psicodélico e o Push Pin Studios – e o
promoção de efemérides [21.66] e líderes do passado. cartaz polonês são inspirações importantes. Evita-se
As agências e os institutos são responsáveis pelo a escola do “trabalhador heroico” do realismo roman-
cinema, eventos musicais e teatrais, publicações e tizado, dominante na antiga União Soviética e China.
programas de exposições, e usam as artes gráficas Ícone, ideograma e mensagem telegráfica são muito
para promover esses eventos culturais. A ênfase está mais eficazes nas nações em desenvolvimento. Mito
na extensão do serviço social – ao contrário do que e realidade foram unificados em um símbolo gráfico
ocorre em muitos países, onde os programas cultu- poderoso baseado na imagem de Ernesto (“Che”)
rais são disponíveis apenas para a população urbana, Guevara. Um dos líderes da Revolução Cubana, Gue-
em Cuba há uma tentativa séria de alcançar as áreas vara deixou Cuba em meados dos anos 1960 para li-
rurais. Os cartazes de filmes são temas animados e derar guerrilhas na Bolívia, e no dia 9 de outubro de
alegres, impressos por serigrafia numa paleta desini- 1967 foi morto em um tiroteio na aldeia de Higuera,
bida de cores vivas. em plena selva. Os designers gráficos converteram a
Os cartazes e folhetos para exportação por todo imagem de Che, uma das mais reproduzidas do final
o Terceiro Mundo são produzidos pela Organização do século xx, em ícone [21.67] , simbolizando a luta
de Solidariedade com a Ásia, África e América Latina contra a opressão em todo o Terceiro Mundo. Dese-
(ospaaal) com o objetivo de apoiar a atividade revolu- nhado em planos de luz e sombra como fotografia em
cionária e formar consciência política. Os cartazes da alto-contraste, o guerrilheiro usa uma barba e uma
ospaaal são impressos em offset e utilizam imagens boina com uma estrela; sua cabeça se inclina ligeira-
simbólicas elementares, prontamente entendidas mente para cima. Ernesto Guevara foi, assim, conver-
por pessoas de diversas nacionalidades, línguas e for- tido no herói ou salvador mítico, que sacrificou sua
mações culturais. O governo de Fidel Castro se consi- vida pelos oprimidos.
dera envolvido numa guerra ideológica contra o “im- A importância de imagens conceituais na segunda
perialismo ianque” pelos corações e pelas mentes das metade do século xx desenvolveu-se em resposta a
pessoas nos países emergentes do Terceiro Mundo. O muitos fatores, e as ideias e formas de arte moderna se
olho do observador é atormentado enquanto a cons- mesclaram às culturas populares. Ao usurparem das
ciência revolucionária é formada pela reiterada expo- artes gráficas sua função documental , a fotografia e o
sição. A distribuição internacional de material gráfico vídeo reposicionaram a ilustração gráfica rumo a um
da ospaaal é evidenciada pela presença de textos ára- papel mais expressivo e simbólico. A complexidade das
bes, ingleses, franceses e espanhóis em cada cartaz. ideias políticas, sociais e culturais e as emoções que os
Carentes de tradições artísticas, os designers grá- artistas gráficos precisam comunicar podem, muitas
ficos cubanos assimilaram uma multiplicidade de re- vezes, ser apresentadas com mais eficácia por imagens
cursos. Referências norte-americanas – como a arte icônicas e simbólicas do que por imagens narrativas.

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21.67 Elena Serrano, cartaz


“Dia del Guerrillero Heroico”
(Dia do Guerrilheiro Heroico),
1968. A emblemática imagem
de Che Guevara se transforma
num mapa da América do Sul
numa radiante elegia à vitória
revolucionária.

21.66 Artista não identificado,


cartaz para o Comitê de
Orientação Revolucionária,
1967. Nuvens se separam para
revelar um sol alaranjado,
simbolizando o fatídico ataque
de 26 de julho de 1953 ao
quartel do exército em
Santiago, que desencadeou a
Revolução Cubana.

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