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Sutra Mahayana do
Mahaparinirvana
TOMO IV – O Rugido do Leão
Sutra Mahayana do
Mahaparinirvana
TOMO IV – O Rugido do Leão
O Rugido do Leão
Primeira, ele deseja esmagar uma pessoa que, não sendo [verdadeira-
mente] um leão, tem a pretensão de apresentar-se como um leão.
Os Passos do Leão
Oh bom homem! Agora você possui esses dois adornos. Esse é o por-
quê você coloca essas questões profundamente enraizadas. Eu, tam-
bém, possuo esses adornos e responderei suas questões.”
Por que é que ‘um’ é nada mais que Nirvana? Porque ele é Eterno. Por
que é que ‘dois’ é nascimento e morte? Em razão do desejo [‘trisna’] e
da ignorância. O Nirvana Eterno não é uma fase do mortal comum; o
‘dois’ do nascimento e da morte também não é uma fase do mortal
comum. Em razão disto, tendo (o Bodhisattva) adquirido os dois ador-
nos, pergunta-se bem e responde-se bem.
Natureza de Buda
Os Três Caminhos
Por que é que essas coisas são profundamente enraizadas? O que to-
dos os seres fazem é não-eterno e não-rompente (não-disrupção). No
entanto, os resultados surgem das ações cometidas. Eles se desinte-
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 12
gram momento após momento e, no entanto, não há nada que seja
perdido (enquanto resultado do que fazem). Ninguém pode viver (e-
ternamente) e, no entanto, resta o carma. Pode não haver ninguém
para receber e, no entanto, existe o resultado cármico. Aquele que
colhe pode ter partido, mas o resultado não morre. Embora não seja
pensado ou conhecido, existe harmonização [isto é, interconexão de
causa e resultado]. Todos os seres viajam juntos com os 12 elos da
interdependência, que eles não vêem ou conhecem. Não vendo ou
conhecendo, não há fim e nem começo. Os Bodhisattvas da graduação
dos dez bhumis vêem somente o fim, mas não vêem o começo. O Bu-
da-Todo-Honrado-pelo-Mundo vê o começo e o fim. Isto faz com que
todos os Budas vejam claramente a Natureza-de-Buda.
O Buda disse: “Oh bom homem! Sua questão é mal colocada. ‘O Buda e
a Natureza de Buda não são diferentes’. Mas os seres ainda não estão
dotados (munidos) com isso.
Oh bom homem! Há três tipos daquilo que existe. Um é o que virá nos
dias futuros, o segundo é o que existe atualmente, o terceiro é o que
existiu no passado. ‘Todos os seres alcançarão a Iluminação Insuperável
nos dias futuros’. [Isto é a Natureza de Buda]. Todos os seres agora
possuem todos os laços das impurezas. Assim, eles não possuem no
presente as 32 marcas da perfeição e as 80 características menores de
excelência. Desse modo, os seres que cortaram os laços das impurezas
no passado vêem, no presente, a Natureza de Buda. Assim, Eu sempre
digo que todos os seres possuem a Natureza de Buda. Eu digo que
mesmo o icchantika possui a Natureza de Buda. O icchantika não tem o
bom dharma. A Natureza de Buda também é um bom Dharma. Como
há dias a vir, existe a possibilidade de o icchantika possuir a Natureza
de Buda. Por quê? Porque todos os icchantikas podem finalmente atin-
gir a Iluminação Insuperável.
O Samadhi Surangama
Eu
O Buda disse: “Oh bom homem! Por exemplo, a ‘matéria’ [‘rupa’] tem
qualidades representacionais como (cor) azul, amarelo, vermelho e
branco, e (tamanho) longo ou curto, mas uma pessoa cega não pode
vê-las como tal. Embora não sejam vistas, não podemos dizer que não
existam tais qualidades como azul, amarelo, vermelho branco, longo
ou curto. Por que não? Muito embora a pessoa cega não possa vê-las,
alguém que tem olhos pode vê-las. É o mesmo com a Natureza de Bu-
da. Muito embora todos os seres não possam vê-la, o Bodhisattva dos
dez estágios (abodes) pode vê-la em parte; o Tathagata a vê comple-
tamente. A Natureza de Buda vista pelo Bodhisattva dos dez estágios é
como cores vistas à noite. O que o Tathagata vê é como cores vistas à
luz do dia.
Todos os seres têm as três destruições das impurezas, e mais tarde, por
meio disto, eles podem ver.
Por que é que ela tem não-fase de aparência? Porque não apresenta
nenhuma fase de demonstração da aparência de todos os seres.
Por que é não-eterna? Porque as coisas são vistas através das relações
causais.
Por que é ‘não-é’? Porque alguém (somente) pode vê-la [isto é, a Natu-
reza de Buda] por força dos melhores expedientes.
Por que é uma não-letra? Porque não há um nome que ela possa ter.
“Oh bom homem! Se o Bodhisattva cumpre dez coisas, ele será capaz
de ver a Natureza de Buda, ainda que em menor grau. Quais são as
dez? Elas são: 1) desejar pouco, 2) sentir-se satisfeito, 3) quietude, 4)
esforço, 5) pensamento correto, 6) samadhi correto (meditação corre-
ta), 7) Sabedoria correta, 8) emancipação, 9) enaltecer a emancipação,
e 10) socorrer os seres com o Grande Nirvana.”
“Oh bom homem! Desejar pouco é não buscar e não tomar (para si);
sentir-se satisfeito é não sentir pesar quando se ganha pouco. Desejar
pouco é ter pouco; sentir-se satisfeito significa que a mente não se
preocupa com coisas oferecidas.
Se uma pessoa não for espoliada por esses três (tipos de) maus dese-
jos, essa pessoa é alguém com pouco desejo de posse. Por desejo se
entende os 25 desejos. Se uma pessoa não tem esses 25 desejos, essa
pessoa é chamada alguém que tem pouco desejo de posse. Quando
uma pessoa não procura possuir o que ela bem pode esperar ter nos
dias a vir, chamamos isto de pequena busca pela posse. A pessoa ga-
nha, mas não se apega. Isto é sentir-se satisfeito. Não procurar ser
respeitado é pequena busca pela posse. Uma pessoa pode obter coi-
sas, mas se ela não procura acumulá-las, isto é sentir-se satisfeito.
Quietude
Pode haver um Monge cujo corpo pode encontrar a quietude, mas cuja
mente não a encontra. Ou a mente pode estar em quietude, mas o
corpo não. Ou há casos onde o corpo e a mente estão em quietude; ou
onde o corpo e a mente não estão em quietude.
Pode-se dizer que o corpo está em quietude, mas a mente não está.
Por exemplo, um Monge senta em dhyana [meditação], afastando-se
das quatro classes da Sangha. Mas a mente ainda pode sempre dar
origem à cobiça, à ira e à ignorância. Isto é o que chamamos de o corpo
estar em quietude, mas a mente não.
Pode-se dizer que a mente está em quietude, mas o corpo não. Isto
alude à situação onde um Monge pode aproximar-se das quatro classes
da Sangha, reis e ministros, e afastar-se da cobiça, ira e ignorância. Este
Nirvana é nada mais que a extinção do fogo de todos os laços das im-
purezas.
Também, Nirvana é um refúgio. Por quê? Porque ele está muito além
de todos os temores do mundo.
A sombra sob uma árvore cura bem o mau desejo por aposentos (rou-
pas de cama).
Através desses quatro bons remédios, uma pessoa pode acabar de fato
com as quatro doenças. Essas são as ações sagradas. Essas ações são
procurar possuir pouco e sentir-se satisfeito.
Oh bom homem! Você indaga: ‘Com que olho o Bodhisattva dos dez
estágios vê a Natureza de Buda, mas não muito claramente, e com que
olho o Honrado pelo Mundo vê a Natureza de Buda claramente?’ Oh
bom homem! Com o Olho da Sabedoria alguém a vê não muito clara-
mente; com o Olho do Buda se a vê claramente. Quando alguém está
na prática do Bodhi, não há clareza; sem nada a praticar, vê-se tudo
claramente. Quando alguém nada mais tem a praticar, a vê claramen-
te. Quando alguém reside nos dez estágios, não vê muito claramente.
Quando alguém não necessita ficar ou mover-se, a clareza surge. Em
razão das relações causais da Sabedoria, o Bodhisattva Mahasattva não
pode ver claramente. O Buda-Todo-Honrado-pelo-Mundo está fora do
domínio das relações causais. É devido a isto que ele vê claramente. O
que é desperto para todas as coisas é a Natureza de Buda. O Bodhisatt-
va dos dez estágios não pode ser chamado desperto para todas as coi-
sas. Em razão disto, embora ele veja, não vê claramente.
A Visão do Tathagata
Alguém pode deparar com um rosto (fisionomia) que está para além
daquela dos humanos – saiba que isto é o Tathagata. Isto é ver com os
olhos.
Alguém pode ouvir uma voz que é tão maravilhosa e soberba, e que
não é da espécie humana – saiba que isto é o Tathagata. Isto é vê-lo
através da audição.
Como o Tathagata adquire o corpo carnal? Por que ele o adquire? Para
quem ele o adquire? Isto é ver com os olhos.
Como o Tahagata fala sobre o Dharma? Por que ele fala sobre o Dhar-
ma? Para quem ele fala sobre o Dharma? Assim devemos meditar. Isto
é vê-lo através da audição.
(Se) más ações corporais (agressões) [lhe] são dirigidas, e a ira não
surge. Saiba que isto é o Tathagata. Isto é ver com os olhos.
(Se) más ações orais (ofensas) [lhe] são dirigidas, mas a ira não surge.
Saiba que isto é o Tathagata. Isto é ver através da audição.
Os Preceitos do Bodhisattva
Novamente, existem dois tipos. Uma pessoa observa [shila] para o seu
próprio benefício, e a outra para o benefício dos outros seres. Se ob-
servado pelos outros seres, essa pessoa verá a Natureza de Buda e o
Tathagata.
O Buda disse: “Oh bom homem! Se for assim a mente não se arrepen-
de. Por que não se arrepende? Porque se obtém bênçãos (felicidade).
Como se obtém bênçãos? Isto vem da segregação. Por que necessita-
mos buscar a segregação? Para obter a paz. Como obtemos a paz?
Através da meditação. Por que meditamos? Para obter o verdadeiro
conhecimento e visão. De que maneira temos verdadeiro conhecimen-
to e visão? Através da visão dos muitos males e aflições do nascimento
e da morte. Isto é para a nossa mente não se apegar avidamente. Por
que necessitamos ter a mente não apegada avidamente? Porque ob-
temos Emancipação. Como obtemos Emancipação? Ao obter o insupe-
rável Grande Nirvana. Como obtermos o insuperável Grande Nirvana?
Ao obter o Eterno, Êxtase, o Eu, e o Puro. Por que dizemos que obte-
mos o Eterno, Êxtase, o Eu, e o Puro? Em razão da consecução do não-
nascimento e não-mortalidade. Como obtemos o não-nascimento e
não-mortalidade? Ao ver a Natureza de Buda. Assim, o Bodhisattva,
por natureza, defende os shila [preceitos de moralidade] de absoluta
pureza.
Oh bom homem! O Monge que defende shila pode não fazer um voto
para obter a mente do não-arrependimento, mas a mente do não-
O Buda disse: “Bem falado, bem falado, oh bom homem! Você já plan-
tou boas sementes no passado no lugar (função) de inumeráveis Budas
e agora é capaz de colocar questões de profundo significado para o
Tathagata. Oh bom homem! Você não acabou com o pensamento
original que tinha, e pergunta assim. Relembro que em tempos passa-
dos, há inumeráveis kalpas atrás, surgiu um Buda em Varanasi chama-
do ‘Bem-Atingido’. Naquela ocasião, esse Buda proferiu um sermão
sobre o Sutra do Grande Nirvana ao longo de 3(três) bilhões de anos.
Eu, juntamente com você, juntamo-nos àqueles lá congregados. Eu,
então, indaguei o Buda sobre essa questão. Então, o Tathagata, para o
benefício dos seres, estava no samadhi correto e não respondeu. Oh
grande! Você retém bem essa velha história dos dias passados em sua
mente. Ouça atentamente, ouça atentamente! Agora direi a você.
Oh bom homem! O Nirvana não tem causa. Ele é o resultado. Por que é
assim? Porque não há nascimento-e-morte. Porque não há ação reali-
zada e porque é não-criado. É um Não-Criado. É Eterno e Imutável. Não
há lugar onde ele exista [isto é, não está confinado num lugar particu-
lar, não pode ser fixado a um lugar específico]. Não há início e nem fim.
Oh bom homem! Se o Nirvana tem alguma causa que possa ser nome-
ada, isto não é Nirvana. ‘Van’ [‘Vana’ de ‘Nir-Vana’] significa causa; o
Nirvana das relações causais significa ‘não’. Como não há causa que
possa ser nomeada, dizemos Nirvana.”
O Buda disse: “Oh bom homem! Agora você fala dos seis significados.
Você não pega o caso do nada definitivo e o compara com o Nirvana.
Mas, você pega o caso do nada em relação à realidade.
Oh bom homem! Todas as coisas não possuem um ‘Eu’. Mas esse Nir-
vana realmente possui o ‘Eu’. Por essa razão, dizemos que o Nirvana
não tem causa e, no entanto, o corpo é o resultado. Isto é a causa, e
não o resultado. Chamamos isto de Natureza de Buda. Como não é
resultado que surge de uma causa, ele é a causa, mas não resultado.
Não é resultado de um Shramana. Assim, dizemos ‘não-resultado’.
O Buda disse: “Oh bom homem! Eu também não disse que a manteiga
existe no leite. O que eu disse é que a manteiga surge do leite. E assim
dizemos que existe a manteiga.”
“Oh bom homem! Na fase do leite, não existe manteiga. Assim, não há
manteiga fresca, nem manteiga refinada, e nem sarpirmanda. Todos os
seres também chamam isto de leite. Portanto, Eu digo que não há
manteiga no leite. Se houvesse, por que teríamos dois nomes e falarí-
amos, por exemplo, como o fazemos com os ‘dois artífices do ouro
(ourives) e do ferro (ferreiro)’? Na fase da manteiga, não há leite e nem
é manteiga fresca, nem manteiga refinada, e nem sarpirmanda. Os
seres também dizem que é manteiga e não leite, nem manteiga fresca,
nem manteiga refinada, e nem sarpirmanda. O mesmo (ocorre) com (a
fase de) sarpirmanda também.
“Oh bom homem! Mesmo aqui, o leite evoca a amra. Se alguém borrifa
leite na amra, ela cresce cinco pés numa noite. Este é o porquê eu digo
que existem duas causas [isto é, a causa e ‘por causa’, ou condição]. Oh
bom homem! Se todas as coisas surgem de uma causa, como você
pode criticar e questionar por que a amra não surge no leite? Oh bom
homem! Os quatro grandes elementos e todas as coisas concretas
podem ser os elementos das relações causais. No entanto, cada coisa é
diferente da outra e não podem ser as mesmas. Por essa razão, a amra
não surge lá no leite.”
“Oh Honrado pelo Mundo! Você, o Buda, diz que existem dois tipos de
causa, os quais são: 1) causa direta, e 2) condição. A que causa a Natu-
reza de Buda dos seres responde (serve)?”
“Oh bom homem! A Natureza de Buda dos seres também tem duas
causas. Uma é a causa direta e a outra a condição. A causa direta cor-
responde a todos os seres; a condição é os seis paramitas.”
“Oh bom homem! O que você diz não está correto. Por que não? Todos
os seres que procuram ver sua face e feições pegam apenas a espada.”
“Oh Honrado pelo Mundo! A luz dos olhos abrange (a face), de tal ma-
neira que vemos que a face é alongada.”
“Oh bom homem! Entretanto, essa luz dos olhos não abrange (a face).
Por que não? Porque alguém vê o próximo e o distante ao mesmo
tempo. O que fica no intermédio não é visto. Oh bom homem! Se a luz
abrange (a face) e pode-se ver, por que é que todos os seres não se
queimam ao ver o fogo? Não se tem dúvida quando se vê uma coisa
branca distante e pergunta-se se é uma grua, uma bandeira, um ho-
mem, ou uma árvore? Como pode ser que se veja uma coisa num cris-
tal, e o peixe e as pedras em águas profundas somente se a luz entrar
(penetrar o meio)? Se alguém vê sem que a luz penetre, por que é que
se vê uma coisa num cristal e não se pode ver aquilo que está atrás da
parede? Em razão disto, não podemos dizer que a luz dos olhos abran-
ge o objeto e que podemos ver. Oh bom homem! Você diz que há
manteiga no leite. Mas, por que é que um vendedor cobra somente o
preço do leite e não o da manteiga? Por que é que quem vende um
cavalo do pasto o vende ao preço do cavalo do pasto, mas não ao pre-
ço do cavalo em si? Oh bom homem! Há um homem sem filhos. Assim,
ele recebe uma mulher. A mulher engravida. Não podemos dizer que
isto é uma mulher porque ela engravidou. Alguém pode dizer: ‘Pegue
essa mulher porque ela tem a qualidade de gerar uma criança’. Mas
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isto não funciona bem. Por que não? Se existe a qualidade de ter uma
criança, deve surgir um neto. Se houver de ser uma qualidade (da mu-
lher), isto significará que todos são irmãos. Por quê? Porque todos
seriam nascidos de uma mesma pessoa. Este é o porquê Eu digo que
uma mulher não tem qualquer qualidade de (ter por si) uma criança. Se
existe a qualidade da manteiga no leite, por que é que (ele) não possui
os cinco sabores? Se a semente de uma árvore tem a qualidade dos 50
pés de altura da nyagrodha, porque é que (ela) não tem de uma só vez
todas as diferentes formas e cores do broto, do tronco, dos galhos, da
folha, das flores e frutos? Oh bom homem! A cor do leite varia de acor-
do com o tempo. Assim é com o sabor e os produtos (dele derivados). É
o mesmo com a sarpirmanda. Como podemos dizer que o leite tem a
qualidade da manteiga nele? Oh bom homem! Por exemplo, um ho-
mem que deve obter a manteiga amanhã pode ter sentido o seu cheiro
hoje. O caso onde dizemos que o leite definitivamente possui a quali-
dade da manteiga também é a mesma coisa.
Oh bom homem! Não existe o ‘eu’ próprio em todas as coisas. Por essa
razão, Eu falei assim num gatha:
Capítulo 34: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 2 Página 55
‘O que originalmente foi, agora não é mais;
o que originalmente não foi, agora é;
Nada pode existir como ‘é’
sucedendo-se nos Três Tempos’.
O Buda disse: “Oh bom homem! Se a causa revelada deve ser esta (ou
seja, está determinada), não é uma causa revelada. Por que não? Al-
guém que conta seu próprio ‘eu’ também pode contar o ‘eu’ dos ou-
tros. Este é o porquê podemos dizer oito. E nesta natureza da matéria,
não há fase de revelação. Como não há fase de revelação, somente
com a ajuda da Sabedoria pode-se contar o próprio ‘eu’ e aquele dos
outros. Em razão disto, a causa revelada não pode revelar-se, e não
revela outros.
Rugido do Leão disse: “O que o Buda diz não funciona bem. O passado
já foi e o futuro ainda está por vir. Como podemos dizer que eles exis-
tem? Se isto significa o que está para acontecer, não está de acordo
com a razão. Isto é como quando as pessoas do mundo dizem ‘sem
filhos’, quando vêem uma pessoa sem um filho. Como podemos dizer
que todos os seres possuem a Natureza de Buda quando não a possu-
em?”
O Buda disse: “Oh bom homem! Se você diz que existe a (árvore) nya-
grodha na semente, tenho que dizer que isto não é assim. Se fosse, por
que não a vemos? Oh bom homem! É como com as coisas do mundo
que não podem ser vistas em razão das relações causais. O que são
[essas] relações causais? Elas são, por exemplo, como o caso onde a
distância é tão grande que não se pode ver. Ou como o traço do vôo de
um pássaro através do céu. Ou como quando a distância é tão curta
como num piscar de olhos. Ou como no caso de uma fragmentação,
em conseqüência da qual não se pode ver. Ou por causa do apodreci-
mento da raiz. Ou é como a dispersão do pensamento, como quando a
mente de alguém não está concentrada exclusivamente num foco. Ou
é como quando algo é tão minúsculo quanto uma partícula de pó. Ou é
como quando um obstáculo existe, como quando as nuvens obscure-
cem a visão das estrelas interpondo-se a elas. Ou quando há muitos, de
tal maneira que não se pode ver, como no caso do cânhamo em meio
às plantas de arroz. Ou em razão da similaridade, em conseqüência da
qual não se pode ver, como no caso de um (grão de) feijão em meio a
feijões. Mas, (o caso da) nyaghodha não é nada parecido com essas
oito relações causais. Se tal, por que é que não a podemos ver? Você
pode dizer que não vemos em razão dos pequenos obstáculos. Mas,
isto não é assim. Por que não? Porque as características externas (da
árvore da nyagrodha) são rudes e grosseiras. Se você diz que a nature-
za é diminuta, como ela pode realmente crescer? Se alguém diz que
não pode (ver) em razão de um obstáculo, nunca seríamos capazes de
ver. Se for dito que originalmente não havia essa rudeza, mas agora
alguém vê essa rudeza, saiba que essa rudeza não possui a natureza de
si própria. Originalmente, não havia natureza (da rudeza), e agora al-
guém a vê. Saiba que a natureza do que foi visto originalmente não
possui a natureza de si própria. É o mesmo com a semente. A árvore
em si não existia. Agora, nós a vemos. Que mal há?”
Capítulo 34: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 2 Página 61
Rugido do Leão disse: “Há duas causas das quais o Buda fala. Uma é a
causa direta e a outra é a causa revelada. Em razão da semente de
nyagrodha estar baseada na causa revelada da terra, água e adubo, isto
permite ao que é diminuto ganhar a forma (grosseira).”
O Buda disse: “Oh bom homem! Se existe o chão como ponto de parti-
da, por que necessitamos buscar a causa revelada? Se não existe natu-
reza sobre a qual falar, o que há para revelar? Se originalmente não
havia qualquer elemento de rudeza, e em razão da causa revelada
surgiu a rudeza, por que é que a khadira não surgiu? O fato é que am-
bos não existem originalmente. Oh bom homem! Se a minuciosidade
não pode ser vista, pode-se ver bem o que é grosseiro. Por exemplo,
alguém pode não ser capaz de ver uma simples partícula e, no entanto,
quando muitas partículas se juntam, pode-se ver. Dessas sementes,
pode-se ver o que é grosseiro. Por quê? Porque nesta já existe o broto,
o caule, a flor e o fruto. Em cada fruto já existem incontáveis sementes.
Cada semente contém em si inumeráveis árvores. Portanto, dizemos
grosseiro. Como existe essa rudeza, pode-se de fato vê-la. Oh bom
homem! Se essa semente de nyagrodha possui a natureza da nyagro-
dha e se ela evoca uma árvore, vemos que a semente está sendo
queimada no fogo. Assim, a natureza de ser queimada também será
um ‘é’. Se ela é um ‘é’, não pode haver qualquer surgimento de uma
árvore. Se todas as coisas são originalmente da natureza do nascimen-
to e da morte, por que é que o nascimento precede e a morte segue, e
todas as coisas não acontecem ao mesmo tempo? Por essa razão, saiba
que não existe natureza.”
Sangha é Harmonia
Também, além disso, existe uma Sangha que é a harmonia da lei [har-
monia do Dharma]. A harmonia da lei se refere aos 12 tipos de sutras.
Os 12 tipos de sutras são Eternos. Esse é o porquê a Sangha é Eterna.
Oh bom homem! Se qualquer pessoa faz tais votos, isto é onde dize-
mos que o Bodhisattva definitivamente não retroagirá da Mente do
Bodhi. Ele é também chamado um ‘danapati’ [alguém que doa]. Ele
certamente verá o Tathagata, é alguém que é claro (límpido) como a
Natureza de Buda, e alguém que conduz bem os seres e possibilita-lhes
atravessar o mar do nascimento e da morte. Ele protege bem o Insupe-
rável Dharma Maravilhoso e é perfeito nos seis paramitas. Oh bom
homem! Por essa razão, a mente não-retroativa é chamada de Nature-
za de Buda.
Oh bom homem! Não diga que os seres não têm a Natureza de Buda
apenas em razão da mente retroativa. Por exemplo, duas pessoas ou-
vem: ‘Numa outra terra, existe uma montanha feita dos sete tesouros.
O Avaivartika
Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Por que existem Bo-
dhisattvas retroativos e não-retroativos?”
A Estampa e o Barro
Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! O olho não vê por si
mesmo, o dedo não toca por si mesmo, a espada não corta por si
mesma, e o sentimento não sente por si mesmo. Mas, por que o Ta-
thagata diz: ‘O corpo-e-mente aprisionam corpo-e-mente’? Por quê? O
corpo-e-mente nada mais são que o ser; o ser é corpo-e-mente. Se
dizemos que corpo-e-mente aprisionam o ser, isto significa que corpo-
e-mente aprisionam corpo-e-mente.”
A Analogia Progressiva
A Analogia Reversa
A Analogia Real
O que é uma analogia real? É como quando Eu digo nos sutras que a
mente de um ser é como a de um macaco. A natureza de um macaco é
jogar [as coisas] longe e pegá-las. A natureza de um ser é a mesma. Ele
A Não-Analogia
A Analogia Precedente
A Analogia Retro-Precedente
A Analogia Inter-Penetrante
A Analogia da Luz
Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Todas elas morrem
momento após momento. Todas essas extinções que ocorrem momen-
to após momento também se assemelham [uma a outra] e continuam.
Como alguém é capaz de praticar a Via?”
A Prática da Via
Oh bom homem! Você diz: ‘Uma pessoa morre momento após mo-
mento. Como pode haver qualquer crescimento’? Mas, como a mente
não é cortada, existe crescimento. Oh bom homem! Um homem recita.
As letras [palavras] lidas não podem ocorrer ao mesmo tempo. A que
veio primeiro não pode se estender até o meio, e a que foi lida no meio
não pode ir até o fim. O homem, as letras e a imagem mental morrem
momento após momento, e praticando muito chegamos ao conheci-
mento.
Oh bom homem! Por exemplo, com um ourives, desde o dia que ele
começa a aprender sua arte até os dias da sua longevidade, um mo-
mento é seguido por outro, e o que é precedido é o que segue após.
Mas, através da prática repetida, o que surge é maravilhoso. Devido a
isto, a pessoa é elogiada e é chamada de grande ourives. É o mesmo
com a leitura dos sutras.
Rugido do Leão disse: ‘Exatamente como o Buda diz que quando uma
pessoa do estágio do Srotapanna [isto é, uma pessoa que entrou para o
fluxo do Dharma e renascerá no máximo 7 vezes] ganha a fruição da
prática da Via, muito embora nasça em más terras, ela defende os pre-
ceitos, não mata, não rouba, não busca a luxúria, não pratica a língua-
dupla ou toma álcool; os skandhas (dessa pessoa) do Srotapanna mor-
rem aqui e não ganham os maus destinos – o mesmo se aplica à prática
da Via. Ela não conduz às más terras. Por que a pessoa não pode nascer
na Terra Pura, se for o mesmo caso? Se os skandhas da má terra não
são aqueles do Srotapanna, como pode ser que as más ações não a-
conteçam?”
Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Se, como o Buda diz,
não-nascimento e não-extinção são Nirvana, a vida também é não-
nascimento e não-extinção. Por que não podemos dizer que é Nirva-
na?”
“Oh bom homem! É assim, é assim. É como você diz. Embora essa vida
seja não-nascimento e não-extinção, há início e fim.”
“Oh Honrado pelo Mundo! Também não existe início e nem fim nessa
lei do nascimento e da morte. Se não existe início e fim, isso é eterno.
O Eterno é Nirvana. Por que não chamamos nascimento e morte de
Nirvana?”
Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Nirvana tem causa e
efeito, como você, o Buda, diz:
Você, o Buda, disse aos Monges: ‘Agora falarei aos Shramanas sobre a
fruição da Via. ‘Shramana’ significa nenhum outro senão o bom prati-
cante dos shila [preceitos de moralidade], Samadhi e Sabedoria. A Via é
o Nobre Caminho Óctuplo. A fruição da prática do Shramana é Nirva-
na’. Oh Honrado pelo Mundo! Nirvana é assim. Isso não é fruição [isto
é, resultado]? Como você pode dizer que Nirvana não tem causa e
fruição?”
O Buda disse: “Oh bom homem! A Natureza de Buda dos seres não é
uma e nem duas. A igualdade falada com respeito a todos os Budas é
Capítulo 36: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 4 Página 99
como o Vazio. Todos os seres o possuem. Alguém que realmente prati-
que o Nobre Caminho Óctuplo obtém – deve-se saber – uma visão
clara (brilhante). Oh bom homem! Nos Himalayas existe uma grama
chamada ninniku [‘ksanti’ em Sânscrito, que significa paciência]. De
uma vaca alimentada com ela se obterá sarpirmanda [o mais saboroso
e saudável dos produtos do leite]. É o mesmo com a Natureza de Buda
dos seres.”
A Árvore Bodhi
O Buda disse: “Oh bom homem! [Suponha que] exista uma estrada
plana. Os seres caminham [ao longo dela], e não há nada que obstacu-
lize o seu avanço. No meio da estrada existe uma árvore, cuja sombra é
fresca. Os viajantes fazem uma parada nesse lugar com o seu palan-
quim e descansam. Mas, existe sempre a sombra da árvore nesse lugar,
e não há diferença. A sombra não se acaba, e ninguém a leva embora.
A estrada é a Via Sagrada, e a sombra a Natureza de Buda.
Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Você profere todas
[essas] parábolas, as quais, todavia, não se aplicam. Por que não? Se
existe alguma pessoa antes no caminho [ou seja, à frente, mais adian-
te], aquela pessoa deve estar obstruindo o caminho. Como alguém
pode dizer que não há obstrução? O mesmo se aplica às outras (pará-
bolas). Se a Via Sagrada e a Natureza de Buda são assim, quando se
pratica a Via, deveríamos causar obstáculos aos outros.”
O Buda disse: “Oh bom homem! O que você diz não faz sentido. O que
é explicado nas parábolas com relação à Via refere-se somente a uma
parte, e não ao todo. Oh bom homem! Os caminhos do mundo têm
obstáculos. Uns diferem dos outros; nunca são iguais. A Via Imaculada
não é assim. Ela é de tal maneira que permite aos seres não terem
nenhum obstáculo em seu caminho. Tudo é o mesmo e tudo é igual;
não há diferença quanto ao local, ou este e aquele. Assim, a Via Correta
apresenta-se como a causa revelada para a Natureza de Buda dos se-
res, e não se torna a causa do nascimento. Isto é como no caso de uma
lâmpada brilhante que realmente resplandece sobre tudo.
O Buda disse: “Oh bom homem! Por exemplo, há um homem que adi-
ciona veneno ao leite. Em razão disto, todos [os produtos do leite] até
o sarpirmanda conterão veneno. Não podemos chamar leite de man-
teiga, e nem manteiga de leite. O mesmo se aplica ao sarpirmanda. O
nome pode mudar, mas a natureza do veneno não é perdida. Ele per-
meará os cinco sabores do leite tudo-igualmente. Mesmo a sarpirman-
da, se tomada, matará uma pessoa. Exatamente como o veneno não é
colocado na sarpirmanda (mas, no leite), assim é o caso com a Nature-
za de Buda dos seres. Encontra-se a Natureza de Buda dos seres em
diferentes corpos dos cinco domínios. Mas, a Natureza de Buda é sem-
pre a mesma, e não há mudança.”
Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Há seis grandes cas-
telos nos dezesseis grandes estados [isto é, os estados do Ganges ou
cidades-castelo nos tempos do Buda], a saber: Sravasti, Saketa, Campa,
Vaisali, Varanasi e Rajagriha. Esses grandes castelos são os maiores no
mundo. Por que é que o Tathagata deixa esses lugares com a intenção
de entrar no Nirvana neste distante, ruim, muito feio e pequeno Caste-
lo de Kushinagar?”
Oh bom homem! Se você deseja saber quem foi aquele rei sagrado,
Zenken, então saiba que ele foi nenhum outro senão Eu. Esse é o por-
quê eu agora resido nas quatro leis, que são nada mais que Samadhis.
Por essa razão, ‘o Corpo do Tathagata é Eterno, Êxtase, o Eu, e o Puro’.
Oh bom homem! Em razão disto, agora estou em Kushinagar, nessa
floresta de árvores sala, e resido no Samadhi.
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 104
A História do Castelo de Kapilavastu
Sudatta, ao ouvir isto, virou os seus passos e veio para o lugar onde eu
estava. Ao chegar, ele prostrou-se no chão e tocou os meus pés. Eu
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 108
então, como era apropriado, falei do Dharma. Tendo ouvido o meu
sermão, o homem rico atingiu o [estágio do] Srotapanna. Ao obter essa
fruição, ele convidou-me, dizendo: ‘Oh Grande Mestre, Tathagata!
Rogo para que você condescenda em vir a Sravasti e aceitar os meus
insignificantes oferecimentos’. Eu então lhe respondi: ‘Você pode, na
sua Sravasti, acomodar a todos’? Sudatta disse: ‘Se o Buda é compassi-
vo e condescende em aceitar o meu pedido, farei o melhor’. Oh bom
homem! Eu então aceitei o seu convite. Esse homem rico, Sudatta, ao
ser respondida a sua suplica, me disse: ‘Até agora não tive experiência
de organizar [uma grande refeição]. Oh Tathagata! Por favor, envie
Shariputra para meu palácio, tal que ele possa assumir o comando e
tomar as medidas necessárias para atender aos requisitos’.
Então, ao ouvir isto, Sudatta foi ao grande homem rico, Jeta, e lhe dis-
se: ‘Eu agora desejo construir um Vihara Budista e dedicá-lo a alguém
insuperável no Dharma, em um lugar que lhe pertence. Agora desejo
comprá-lo de você. Você o venderia para mim’? Jeta disse: ‘Não o ven-
derei, mesmo que você cubra o chão com ouro’. Sudatta disse: ‘Bem
falado! A floresta pertence a mim. Tome meu ouro’. Jeta disse: ‘Não
O rei disse: ‘Oh grandes! Vocês não percebem quão superior é o poder
da Via do Tathagata. Assim, vocês procuram competir [com ele]. Estou
certo de que falharão’.
‘Oh grande Rei! Você já foi enfeitiçado pelo Gautama? Reze, oh Rei,
pense bem e não nos menospreze. De fato, a melhor coisa é colocar o
assunto a prova’.
O Rei disse: ‘Bem falado, bem falado’! Os seis mestres ficaram satisfei-
tos e seguiram seu caminho.
Eu disse: ‘Está bem, está bem! Apenas, erija muitos Monastérios (Viha-
ra) no país. Por quê? Se eu competir com eles, haverá tantos deles que
terão que vir para o nosso lado, que não haverá lugar para acomodá-
los, já que esse lugar é muito pequeno e limitado para abrigar a todos’.
O Filho do Fogo
Então, o homem rico veio a mim com esse homem (sábio). Ele pros-
trou-se diante de mim, circundou-me três vezes pelo lado direito, jun-
tou suas mãos, e disse: ‘Oh Honrado pelo Mundo! Para todos os seres
você é igualitário e não é dois. Inimigos e amigos são um aos seus o-
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 118
lhos. Estou aprisionado pelo desejo, e inimigo e amigo não podem ser
um para mim. Eu agora desejo indagar o Tathagata sobre um assunto
mundano. A vergonha toma conta de mim, e não consigo falar. Oh
Honrado pelo Mundo! Minha esposa terá uma criança. Os seis mestres
disseram: ‘A criança é uma mulher’. O que será’?
Eu, o Buda, disse: ‘Oh homem rico! Sua esposa terá uma criança. Será
um filho. Não há dúvida sobre isso. Quando ele nascer, será totalmente
abençoado com virtudes’. O homem rico, ao ouvir isto, ficou muito feliz
e retornou para casa. Então, os seis mestres, ao ouvirem a profecia de
que a criança seria homem e seria cheia de virtudes, ficaram com ciú-
mes. Eles fizeram um veneno misturado com manga e levaram ao ho-
mem rico, dizendo: ‘É muito bom que Gautama tenha visto as coisas
assim. Dê isto para sua esposa no mês do seu parto. Se ela tomar isto,
sua criança será perfeita e bem formada, e sua esposa não terá pro-
blemas’. O homem rico recebeu o remédio envenenado, ficou grato e
deu-o para sua esposa. Ao tomá-lo, sua esposa morreu.
O Buda disse aos seis mestres: ‘Se visão é o Eu, então vocês estão erra-
dos. Por quê? Vocês pegam a analogia de um objeto e dizem que ve-
mos através dele. Ora, os humanos usam juntos os seis sentidos orgâ-
nicos para um objeto. Se o Eu existe com certeza e nós vemos infali-
velmente através dos olhos, por que é que não reconhecemos (perce-
bemos) todos os objetos com aquele único sentido orgânico? Se al-
guém não se encontrar com os seis campos dos sentidos, saiba que não
há Eu sobre o qual falar. Se as coisas fossem assim com o sentido orgâ-
nico da visão, não haveria mudança mesmo se os anos passassem e os
sentidos orgânicos se tornassem amadurecidos. Como ‘homem’ e ‘ob-
jeto’ são diferentes, uma pessoa vê o seu próprio eu e os outros. Se
fosse assim com o sentido orgânico da visão, deveria haver a visão do
próprio eu e do outro ao mesmo tempo. Se não vê (o eu e o outro ao
mesmo tempo), como podemos dizer que existe o Eu?’
Os seis mestres disseram: ‘Oh Gautama! Se não existe o Eu, quem vê’?
O Buda disse: ‘Se ele preenche todo o espaço, não podemos dizer que
não o vemos desde o princípio. Se não é visto desde o princípio, deve-
mos saber que essa visão é o que originalmente foi, mas agora não é.
Se for o que originalmente foi, mas agora não é, isto é o não-eterno. Se
for não-eterno, como podemos dizer que ele preenche todos os luga-
res? Se preenche [todos os lugares] e existe, deve haver um só corpo
nos cinco domínios. Se há um corpo que possa ser representado, deve
haver aquele que surge como um resultado. Se um resultado surge,
Capítulo 37: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 5 Página 123
como podemos dizer que as pessoas obtêm vida como humanos ou
como seres celestiais?
‘Oh Gautama! Por exemplo, temos numa sala 100 mil lâmpadas, e cada
lâmpada está acesa, não obstruindo as outras. É o mesmo com todos
os seres. As práticas do bem e do mal não se misturam’.
‘Vocês dizem que o Eu é como uma lâmpada. Mas isto não é assim. Por
que não? O brilho de uma lâmpada surge das relações causais. Se a
lâmpada é grande, o brilho, também, torna-se grande. O eu dos seres
não é como isto. O brilho de uma lâmpada emerge da lâmpada e se
propaga em outros lugares. O eu dos seres emerge do corpo, mas não
se propaga em outros lugares. A luz da lâmpada convive com a escuri-
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 124
dão. Por quê? Quando alguém coloca uma lâmpada (vela) numa sala
escura, o brilho não é considerável. Quando há muitas lâmpadas (ve-
las), temos a claridade. Se a primeira lâmpada dissipasse a escuridão,
não necessitaríamos das demais lâmpadas para dissipá-la. Assim, se
(muitas) lâmpadas são usadas para dissipar a escuridão, isto significa
que o brilho da primeira (lâmpada) convive com a escuridão’.
‘Oh Gautama! Se não existe o Eu, quem é que comete o bem e o mal’?
O Buda disse: ‘Se o Eu age, como podemos dizer [que ele é] Eterno? Se
for Eterno, como uma pessoa pode cometer o bem numa ocasião e o
mal em outra? Se uma pessoa faz o bem ou o mal em diferentes ocasi-
ões, como podemos dizer que o Eu é ilimitado? Se o Eu faz (o bem), por
que alguém praticaria maus atos? Se o Eu é o executor (das ações) e se
ele é sábio, como se pode duvidar do altruísmo do ser? Portanto, po-
demos dizer que definitivamente não pode haver Eu na doutrina dos
tirthikas. O Eu não é outro senão o Tathagata. Por quê? Porque seu
corpo é ilimitado e não existe dúvida. Por conta do não-cometimento e
não-recebimento [de conseqüências cármicas], dizemos Eterno. Por
conta do não-nascimento e não-extinção (imortalidade), dizemos Êxta-
se. Como não existe a impureza da ilusão, dizemos Puro. Como ele não
possui os dez aspectos da existência, dizemos Vazio. Portanto, o Tatha-
gata é nenhum outro senão o Eterno, Êxtase, o Eu, o Puro, e o Vazio, e
não há outro aspecto sobre o qual falar’.
“Oh bom homem! Um Monge que tem pouco desejo, e que se sente
satisfeito com o que tem, que zela pelo silêncio e quietude, e que em-
preende esforços, e cuja mente é determinada, e cuja Sabedoria vê;
adornará bem as árvores sala gêmeas.”
Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Essa pessoa é o Mon-
ge Kashyapa. Por quê? Kashyapa tem pouco desejo de posse, sente-se
satisfeito com o que tem e pratica o Dharma.”
Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Esse é o Monge Su-
bhuti. Por quê? Subbhuti não briga, é sagrado em suas ações, e pratica
a Via do Vazio.”
Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Essa pessoa é o pró-
prio Tathagata. Por que é assim? O corpo do Tathagata é invencível,
ilimitado, Eterno, Êxtase, o Eu, e o Puro; seu corpo e mente são desim-
pedidos e possuem [de fato] as oito imperturbabilidades (desimpedi-
mentos). Oh Honrado pelo Mundo! Somente o Tathagata pode ador-
nar bem as árvores sala gêmeas. Alguém que não possua quaisquer
dessas coisas não possui o brilho sereno. Eu somente rogo que, pelo
grande Amor-Benevolente e em prol do adorno, permaneça aqui nessa
floresta de árvores sala.”
O Buda disse: “Oh bom homem! Todas as coisas são por natureza im-
permanentes. Como você pode dizer que o Tathagata deve permane-
cer? Oh bom homem! Permanência cai na categoria da ‘matéria’. Rela-
ções causais evocam o nascimento. Portanto, permanecer [há vários
significados aqui: cessar, parar, fazer parar, permanecer, residir; várias
nuances do significado, envolvendo um sentido de permanência, con-
tinuidade, ou estabilidade – nota pelo Ver. Yamamoto]. Onde houver
relações causais, teremos ‘não-permanente permanente’. O Tathagata
já se apartou de todas as amarras da ‘matéria’. Como você pode dizer:
‘Rogo que fique, oh Tathagata!’? O mesmo se aplica ao sentimento,
percepção, volição, e consciência. Oh bom homem! Ficar (permanecer)
é arrogância. Em razão da arrogância, não poderá haver Emancipação.
Quando não há Emancipação, falamos de permanência. Quem é arro-
gante e de onde ele vem? Disto, ‘não-permanente permanente’. O
Tathagata está eternamente apartado de toda a arrogância. Como se
pode dizer: ‘Rogo que fique, oh Tathagata!’? ‘Ficar’ cai sob a categoria
do que é criado. O Tathagata já está apartado do mundo do que é cria-
do. Em razão disto, ele é não-permanente.
Ficar é nada mais que todos os seres. Todos os sagrados são não-ir e
não-vir. O Tathagata já está apartado das fases do ir, vir, e ficar. Como
você pode dizer: ‘Fique!’?
Não-impuro é o bom.
O bom é o não-criado.
O Eu é o Puro.
O Puro é Êxtase.
“Oh bom homem! Isto é para permitir aos seres atingir a Emancipação.
Isto é fazê-los plantar as sementes da benevolência, uma vez que ainda
não as plantaram; (isto é para) permitir que as sementes da benevo-
lência plantadas agora cresçam; permitir que as sementes da benevo-
lência que estão verdes amadureçam; permitir que as sementes madu-
ras alcancem o Insuperável Bodhi; permitir que aqueles que depreciam
o Dharma Maravilhoso alcancem a nobreza; permitir a todos os indo-
lentes abandonar a indolência; permitir às pessoas trocar palavras com
grandes Gandhahastins (elefantes fragrantes) como Manjushri; ensinar
àqueles que se comprazem na leitura e recitação desfrutarem profun-
damente do Dhyana; ensinar os seres através das ações sagradas, pu-
ras e celestiais; permitir às pessoas meditar sobre o incomparável re-
positório do profundo Dharma; reprovar os discípulos indolentes. O
Tathagata é quietude em si. Assim, ele zela pelo Dhyana. Como é que
você que ainda não acabou com as impurezas e aqueles que são indo-
lentes ganhariam terreno (avançariam)? Eu desejo reprovar todos os
Monges maldosos que guardam (armazenam) os oitos tipos de coisas
impuras, aqueles que não estão satisfeitos com pouco desejo, aqueles
que não estão satisfeitos com o que têm, e fazer com que os seres
respeitem o Dharma do Dhyana. Por causa dessas relações causais, Eu
agora entro na caverna do Dhyana.”
“Oh bom homem! Isto deriva do fato de que não há as dez fases repre-
sentacionais. Quais são elas? Elas são as fases de: 1) cor, 2) som, 3)
odor, 4) sabor, 5) toque, 6) nascer, 7) existir (samsaricamente), 8) de-
sintegrar, 9) nascer macho, e 10) nascer fêmea. O Nirvana não possui
as formas representacionais. Por isso, amorfo.
Oh bom homem! O que quer que represente uma forma está sujeito à
ignorância. A ignorância evoca o desejo; o desejo evoca a dependência
(servidão); da dependência surge o nascimento; do nascimento vem a
morte. Quando há morte, não há eternidade. Se não se vincula à for-
ma, não existe ignorância. Quando não há ignorância, não há desejo.
Quando não há desejo, não há dependência. Quando não há depen-
dência, não surge o nascimento. Quando não há nascimento, não há
morte. Quando não há morte, há o Eterno. Devido a isto, dizemos que
Nirvana é Eterno.”
Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Que Monge realmen-
te liberta-se das dez fases?”
O Buda disse: “Oh bom homem! Você diz que se a mente reside num
único campo-do-sentido, isto é Samadhi, e que quaisquer outras rela-
ções causais não são Samadhi. Mas, isto não é assim. Por que não?
Porque todos os outros campos-do-sentido, também, são um único
campo-do-sentido. É o mesmo com a ação. Também, você diz que se
os seres já possuem Samadhi, não pode haver qualquer necessidade de
praticar mais. Isto, também, não é assim. Por que não? Samadhi é
chamado ‘Bom Samadhi’. Todos os seres, para dizer a verdade, não
existem. Como podemos dizer que não necessitamos praticar? Quando
alguém pratica Samadhi sobre todas as coisas residindo num Bom Sa-
madhi, existe a forma da Boa Sabedoria. Não se vê distinção entre Sa-
madhi e Sabedoria. Isto é Equanimidade. Também, além disso, oh bom
homem! Se alguém assume uma forma de matéria, não pode meditar
sobre o Eterno e o não-Eterno. Isto é Samadhi. Se alguém vê bem o
Eterno e o não-Eterno da matéria, isto é Sabedoria. Samadhi e Sabedo-
ria vêem igualmente todas as coisas. Isto é Equanimidade.
Também, ainda há três tipos, a saber: baixo, médio, alto. O baixo diz
respeito aos mortais comuns; o médio aos Sravakas e Pratyekabudas; e
o alto a todos os Budas e Bodhisattvas. Também há quatro tipos, a
saber: 1) retroativo, 2) estável, 3) progressivo, e 4) altamente benéfico.
Também, há cinco tipos, que são os assim chamados Cinco Samadhis
do Conhecimento. Estes são: 1) Samadhi do não-alimentar, 2) Samadhi
irrepreensível (sem falhas), 3) Samadhi no qual o corpo e a mente são
puros e a mente é única, 4) Samadhi no qual se sente satisfeito com
ambos, causa e efeito, e 5) Samadhi no qual sempre se roga de cora-
ção.
Também, há oito tipos, que nada mais são que os Oito Samadhis da
Emancipação. Estes são: 1) Samadhi no qual se torna Emancipado da
noção de matéria através da meditação sobre matéria, 2) Samadhi no
Capítulo 37: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 5 Página 139
qual se busca a Emancipação ao meditar muito sobre a fase externa da
matéria, embora internamente já se tenha acabado com a noção de
matéria, 3) Samadhi no qual se busca a Emancipação e a sua realização
no próprio corpo através da meditação sobre pureza, 4) Samadhi da
Emancipação da Infinitude-do-Espaço, 5) Samadhi da Emancipação da
Infinitude-da-Consciência, 6) Samadhi da Emancipação da Inexistência,
7) Samadhi da Emancipação da irreflexão-não-irreflexão (‘Thoughtless-
ness-non-Thoughtlessness’ - Thoughtlessness é consciência sem obs-
truções, sem distinções e sem apegos, que permeia todas as coisas), e
8) Samadhi da Emancipação da Cessação.
O Buda disse: “Oh bom homem! Você pode dizer que Vipasyana erra-
dica completamente as impurezas. Mas, isto não é assim. Por que não?
Quando uma pessoa tem Sabedoria, não há impureza; quando uma
pessoa tem impureza, não há Sabedoria. Como podemos dizer que
Vipasyana erradica as impurezas? Oh bom homem! Por exemplo,
quando há luz, não há escuridão; quando há escuridão, não há luz. Não
se pode dizer que a luz destrói a escuridão. Oh bom homem! Como
podemos dizer que uma pessoa tem Sabedoria e impureza (ao mesmo
tempo), e que a Sabedoria destrói a ilusão? Se não há [qualquer impu-
reza], não pode haver destruição. Oh bom homem! Se é dito que a
Sabedoria destrói a impureza, essa destruição é devida a ter chegado
ou a não ter chegado à Sabedoria? Se essa destruição surge através da
chegada [à Sabedoria], no primeiro momento deve haver destruição.
Se não há destruição no primeiro momento, não pode haver destruição
a posteriori. Se a destruição acontece na primeira chegada, isto é nada
mais que não-chegada. Como alguém pode dizer que a Sabedoria des-
trói? Se alguém diz que ambos, chegada e não-chegada destroem, isto
não faz sentido.
Tempo Correto
O Buda disse: “Oh bom homem! Como não há relações causais, dize-
mos ‘não-nascimento’. Como não é nada criado, dizemos ‘não-
emergente’. Como não há qualquer ação do fazer [algo], dizemos ‘não-
esforço’. Como não se permite a entrada de nenhuma das cinco visões
distorcidas, dizemos ‘casa’. Como ele está apartado das quatro inunda-
ções frenéticas, dizemos ‘duna de areia’. Como ele harmoniza (abriga)
todos os seres, dizemos ‘refúgio’. Como ele aniquila o bando de ladrões
das impurezas, dizemos ‘paz’. Como ele queima os laços da servidão,
dizemos ‘extinção’. Como se torna apartado da atenção-plena (estado
todo-desperto) da percepção, dizemos ‘Nirvana’. Como se está distante
de lugares barulhentos (ruidosos), dizemos ‘quietude’. Como se está
distante da certeza de mortalidade, dizemos ‘livre de doenças’. Como
tudo é vazio, dizemos ‘não-posse’.
Fé
Preceitos
Quietude
Esforço
Memória
Proteção do Dharma
Doação
Sabedoria
Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! O Buda disse previa-
mente a Cunda: ‘Você, Cunda, já vê a Natureza de Buda, alcança o Nir-
vana e o Insuperável Bodhi’. O que isto significa? Oh Honrado pelo
Mundo! Você declarou num sutra que doações para animais trazem
100 recompensas; que doações para um icchantika trazem 1.000 re-
compensas; que doações para uma pessoa que defende os preceitos
evocam 100.000 recompensas; que doações a um tirthika que tenha
cortado as impurezas evocam um incontável número de recompensas;
que doações àqueles dos estágios das quatro vias e das quatro fruições
até o Pratyekabuda resultam num incontável número de recompensas;
que doações aos Bodhisattvas do estágio de não-regressão, aos gran-
des Bodhisattvas do estágio final, a ao Tathagata-Honrado-elo-Mundo
evocam infinitos e ilimitados benefícios e recompensas, ultrapassando
o mais alto grau de concepção. Se Cunda obtém essa recompensa, o
resultado poderá ser infinito. Quando ele chegará ao Insuperável Bo-
dhi? Você também declarou no sutra: ‘Se alguém, com a mente séria,
faz o bem ou o mal, infalivelmente obterá os resultados nesta vida, ou
na vida que virá, ou nas vidas posteriores’. Cunda fez o bem com uma
mente séria. Assim, deve-se saber que ele infalivelmente obterá re-
compensa. Se ele infalivelmente obterá recompensa, como ele pode
esperar chegar ao Insuperável Bodhi e como ele pode ver a Natureza
de Buda?
Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Se as coisas são as-
sim, não se deveria procurar a pureza das ações e Emancipação.”
O Buda disse: “Oh bom homem! Se for verdade que todas as ações
definitivamente acarretam resultados, não busque pureza na ação e
Emancipação. Como é indeterminado, praticamos ações puras e bus-
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 156
camos a fruição na Emancipação. Oh bom homem! Se uma pessoa
puder afastar-se completamente das más ações, obterá bons resulta-
dos; se ela estiver afastada das boas ações, chegara à fruição do mal.
Se toda ação infalivelmente acarretasse fruição, não se procuraria pra-
ticar a Via Sagrada. Se não se pratica a Via, não pode haver Emancipa-
ção. A razão pela qual todas as pessoas sagradas praticam a Via é me-
ramente para extirpar o carma determinado e obter resultados leves.
Para o carma indeterminado não há resultados a se esperar. Se toda
ação acarretasse um resultado, não se procuraria praticar a Via Sagra-
da. Não é possível se deixar de praticar a Via Sagrada e, no entanto,
alcançar a Emancipação. Não pode haver algo como chegar ao Nirvana,
sem que se atinja a Emancipação.
Oh bom homem! Quando se faz o bem ou o mal com uma mente de-
terminada, ganha-se uma mente de fé e alegria. E se faz um voto ou
oferecimentos aos Três Tesouros. Isto é uma ação determinada.
Alguém que seja sábio é persistente em boas ações e não pode ser
demovido. Em razão disto, as ações graves se tornam leves. Alguém
que seja ignorante é persistente no mal. Em razão disto, qualquer ação
leve se torna grave [nas conseqüências] e acarreta um retorno grave.
Este é o porquê nem todas as ações são chamadas determinadas.
Palavra Verdadeira
Oh bom homem! Há duas pessoas que tomam algum suco. Uma tem o
fogo da vida e a outra tem menos. Aquela com mais fogo digere-o bem,
enquanto com a pessoa cuja força da vida é fraca, ele provoca danos.
Oh bom homem! Por exemplo, duas pessoas bebem. Uma come mui-
to, enquanto a outra come menos. Com aquela que come muito, a
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 166
bebida causa um dano menor, enquanto para aquela que come pouco,
a bebida causa-lhe problemas. O caso é semelhante a isto.
Também, há duas pessoas que sujam o robe Budista. Uma, ao ver isto,
lava-o; enquanto a outra sabe, mas não o lava. O robe daquela que o
lavou imediatamente está limpo, enquanto a sujeira do robe de quem
não o lavou aumenta dia a dia.
Também, há duas pessoas que passeiam num carro. O carro com rodas
vai conforme a pessoa deseja, enquanto aquele sem [rodas] não se
move.
Também, duas pessoas são atacadas por ladrões. Uma tem um depósi-
to (seguro) de tesouros, enquanto a outra não. Aquela com o depósito
seguro não tem apreensão, enquanto aquela que não o possui tem
preocupações. É o mesmo com o ignorante. Aquele que acumulou
boas ações pode arcar com os pecados graves de maneira suave, en-
quanto o outro, não tendo acúmulo de boas ações, tem que sofrer
pesadamente.”
Também, além disso, dizemos que não se pratica o corpo porque não
se pode meditar sobre o corpo, a matéria, e as representações da ma-
téria. Além de não se meditar sobre as representações; não se sabe (a
respeito) dos elementos do corpo e o fato que este corpo move-se
(propaga-se) para aquele corpo. Vê-se corpo no não-corpo e matéria
na não-matéria. Por essa razão, apega-se avidamente ao corpo e aos
elementos do corpo. Isto é não-praticar o corpo.
Também, além disso, por não prática do corpo se entende que a pes-
soa não vê que este corpo carnal é não-eterno, que ele não é lugar
para se viver, que ele colapsa, que ele morre momento após momento,
e que ele é o mundo de Mara.
O Corpo e o Fogo
Oh bom homem! Quando uma mula gera uma cria, isto destrói o seu
próprio corpo. É o mesmo caso com o corpo de todos os seres. Se o
interior está frio, o corpo sofre.
A Prática do Corpo
Oh bom homem! Se uma pessoa não pode ver as coisas sob esta luz
(ótica), não chamamos isto (ou seja, o que ela faz) de prática do corpo.
A Prática da Mente
Dizemos que há a não-prática da mente. Isto nada mais é que ser inca-
paz de meditar sobre a mente. Ela [a mente] se conduz leviana e ruido-
samente, e é difícil se agarrar e destruir. Ela corre (vagueia) desimpedi-
da como um elefante entorpecido. Seus movimentos são rápidos a
cada momento, tão rápidos quanto um relâmpago. É tão ruidosa e
inquieta quanto um macaco. É como um fantasma ou uma chama. É a
raiz da maldade, e é difícil satisfazer os apelos dos cinco desejos. Isto é
como o fogo que se alimenta de combustível, ou o grande oceano que
traga as águas de todos os rios, ou como as gramas e plantas que cres-
cem tão exuberantemente no (Monte) Mandara. Se uma pessoa não
medita sobre a falsidade do nascimento e da morte, ela sempre será
seduzida, como com o peixe que engole o anzol. Sempre uma palavra
A Prática da Sabedoria
O Buda disse: “Oh bom homem! Se qualquer pessoa tem cinco coisas
pelas quais tem que responder, qualquer pecado leve que ela tenha
cometido terá que ser respondido no inferno. Quais são as cinco? Elas
são: 1) ignorância, 2) insignificância de bons feitos, 3) gravidade de
maus feitos, 4) não arrependimento, 5) nenhum bem jamais feito an-
tes. Também, há outras cinco coisas, as quais são: 1) prática de malda-
de, 2) não observância dos preceitos, 3) abstenção de fazer o bem, 4)
não praticar o corpo, o shila, a Sabedoria e a mente, e 5) associação
com más pessoas. Oh bom homem! Em razão dessas coisas, uma pe-
quena maldade na vida presente evoca graves retribuições no inferno.
Oh bom homem! Em razão dessas coisas, a retribuição cármica leve
que alguém [teria] que sofrer nesta vida torna-se pesada para sofrer no
inferno.”
Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Quem sofre pouco na
presente vida aquilo que teria que sofrer no inferno?”
Como eles temem os ladrões das impurezas, eles compõem seus pen-
samentos e desejam atravessar o grande rio do nascimento e da mor-
te. Eles abandonam seus lares, raspam suas cabeças, e vestem robes
sacerdotais. Tendo renunciado seus lares, associam-se com maus ami-
gos, seguem seus ensinamentos, e dão ouvido às suas doutrinas, as
quais estabelecem: ‘O corpo humano constitui os cinco skandhas. Os
cinco skandhas nada mais são que os cinco grandes elementos. Quan-
do uma pessoa morre, ela acaba com os cinco grandes elementos.
Quando ela rompe com os cinco elementos, por que ela ainda necessi-
ta praticar o bem ou o mal? Em razão disto, deve-se saber que não
pode haver retribuição cármica do bem ou do mal’. Essa pessoa é um
icchantika. Ela está desenraizada do bem e do mal. Desenraizada do
bem, ela afunda nas águas do nascimento e da morte e é incapaz de
sair. Por quê? Em razão do grande peso das más ações, e por ela não
possuir o poder da fé. Ela é como a primeira daquelas pessoas às mar-
gens do Rio Ganges.
Oh bom homem! O icchantika tem seis relações causais. Ele cai nos três
reinos do infortúnio e não pode escapar deles. Quais são as seis? Elas
são: 1) sua mente maligna queima, 2) ele não vê o após-vida, 3) ele tem
prazer em buscar as impurezas, 4) ele se afasta do bem, 5) as más a-
ções obstaculizam o seu caminho, e 6) ele associa-se com um mau
mestre da Via.
E ainda há cinco coisas pelas quais a pessoa cai nos três reinos do infor-
túnio. Quais são as cinco? Elas são: 1) ela sempre diz que não pode
haver retribuições cármicas advindas das ações boas ou más, 2) ela
mata uma pessoa que aspira ao Bodhi, 3) ela sente prazer em falar
sobre os males cometidos pelos sacerdotes, 4) ela diz que aquilo que é
correto é incorreto e o que transgride o Dharma é legítimo, e 5) ela dá
Também, há três coisas pelas quais a pessoa cai nos três reinos do in-
fortúnio. Quais são as três? Estas são dizer que: 1) o (tesouro do) Ta-
thagata é não-eterno, e se vai eternamente, 2) o (Tesouro do) Dharma
Maravilhoso é não-eterno e muda, e 3) o Tesouro da Sangha é destruí-
do. Por essa razão, ela sempre afunda nos três reinos do infortúnio.
Oh bom homem! Você diz que é como um imã. Mas, isto não é assim.
Por que não? Uma pedra não atrai o ferro. Por que não? Porque não há
Capítulo 39: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 7 Página 187
uma ação mental que opere. Oh bom homem! Existem coisas de natu-
rezas diferentes, e assim uma (outra) coisa de natureza diferente apa-
rece. E quando não há diferentes coisas, uma (outra) coisa diferente
desaparece [se dissolve]. Não há ninguém que faça e ninguém que
desfaça. Oh bom homem! É como no caso de um grande fogo que não
pode queimar o combustível. Quando o fogo surge, o combustível de-
saparece [é extinto, destruído]. A isso chamamos de combustível ar-
dente. Oh bom homem! Isto é como o girassol, que gira por si só, se-
guindo o sol. E esse girassol não tem espírito reverente, nem consciên-
cia, e nenhuma ação a perpetrar. É pela natureza de uma coisa diferen-
te que ele gira por si só.
Oh bom homem! Isto é como no caso do ‘citrus nobilis’, que não frutifi-
ca mais quando recebe um cadáver. No entanto, essa planta não tem
uma mente e nem sentido de tato. Através de uma coisa diferente,
surge uma coisa diferente; quando não há uma coisa diferente, a coisa
diferente morre. Oh bom homem! Por exemplo, a fruta da romã cresce
quando adubada com ossos-da-perna em decomposição. Mas, a árvore
da romã também não possui uma mente ou sentido de tato. Quando
há uma coisa diferente, uma coisa diferente surge, e quando não há
uma coisa diferente, uma coisa diferente desaparece.
Oh bom homem! Você pode dizer que a Natureza de Buda vive nos
seres. Oh bom homem! Você deveria saber que o que é Eterno não
tem morada [isto é, não está confinado num lugar limitado no espaço e
no tempo]. Se existisse um lugar onde ela (a Natureza de Buda) residis-
se, isto nos diria que o que há é algo impermanente. Oh bom homem!
Você deveria saber que os 12 elos do surgimento interdependente não
têm um lugar para ficar. Se tivessem, não diríamos que os 12 elos do
surgimento interdependente são eternos. É o mesmo com o Dharma-
kaya [Corpo do Dharma] do Tathagata. Ele não tem um lugar para mo-
rar. Tudo como os 18 reinos, as 12 esferas, os skandhas e o espaço não
têm qualquer lugar para ficar. É o mesmo com a Natureza de Buda,
também. Tudo isto não tem qualquer lugar para ficar.
Oh bom homem! Por exemplo, existe um rei que diz ao seu ministro:
‘Busque um elefante e mostre-o a alguma pessoa cega’. Então, seguin-
do a ordem real, o ministro chamou muitas pessoas cegas, às quais ele
mostrou o elefante. Todas as pessoas cegas tocaram o elefante com
suas mãos. O ministro disse ao rei: ‘Já tenho as pessoas cegas para
reconhecer o elefante’.
Há vários tirthikas que dizem: ‘Ir e vir, ver e ouvir, tristeza e alegria,
palavras e fala são o Eu. Todas essas noções do Eu são não-eternas.
Mas, o Eu do Tathagata é verdadeiramente Eterno’.
Oh bom homem! Cada uma das pessoas cegas falou sobre o elefante e
o que eles disseram não está de acordo com a verdade. Entretanto,
não é que eles não falaram sobre o elefante. É mesmo com as pessoas
que falam sobre a Natureza de Buda, também. (A Natureza de Buda)
não é exatamente as seis coisas e, no entanto, não é o caso que ela
esteja longe delas. Oh bom homem! Este é o porquê Eu digo que a
Natureza de Buda é não-forma e, no entanto, ela não está apartada da
forma. Não é o Eu e, no entanto, não está apartada do Eu. Oh bom
homem! Muitos tirthikas dizem que existe o Eu. Mas, para dizer a ver-
dade, não há Eu. O Eu dos seres [em oposição ao do Buda] é os cinco
skandhas. Fora os skandhas, não existe Eu. Oh bom homem! Por e-
xemplo, o caule, a folha e o cálice se combinam e temos a floração do
lótus. Fora isto, não pode haver nenhuma flor. É o mesmo com o Eu
dos seres.
“Oh bom homem! Todas essas pessoas poderão, nas vidas futuras,
decididamente acreditar neste sutra. Elas verão a Natureza de Buda e
atingirão a Iluminação Insuperável.”
Oitavo, temos o que não aumenta e o que não decresce. Dizemos isso
porque não há linha fronteiriça, nem começo ou fim, sendo não-forma,
não-ação, sendo Eterno, não sendo nascido, e imortal. Como os seres
são todos iguais, como todos os seres são da mesma natureza, dizemos
que não há aumento e nem decréscimo. Assim, como o grande ocea-
no, este Sutra possui oito inconcebilidades.”
O Buda disse: “Oh bom homem! Todos os seres aparecem através dos
quatro tipos de nascimentos. Quando o Dharma Sagrado é obtido, um
ser pode não mais nascer como antes, a partir do ovo ou da umidade.
Capítulo 39: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 7 Página 207
Oh bom homem! Todos os seres nos primórdios do mundo aparece-
ram em estados transformados. Naquela ocasião, o Buda não apareceu
no mundo. Oh bom homem! Quando alguém adoece e tem dores,
procura um médico e remédios. Os seres, por ocasião do início do
mundo, ganharam nascimento em estados transformados [isto é, es-
pontaneamente]. Embora possuíssem impurezas, [suas] doenças ainda
não eram manifestas. Por essa razão, o Tathagata não apareceu no
mundo. Por ocasião do inicio do mundo, os seres não tinham receptá-
culos como corpo e mente. Por conta disto, o Tathagata não apareceu
no mundo.
O Buda disse: “Oh bom homem! Como uma ilustração: um casal de pai
e mãe têm três filhos. Um é obediente, respeita seus pais, é arguto e
inteligente, e é bom conhecedor do mundo. O segundo filho não res-
peita seus pais, não tem um pensamento de fé, é arguto e inteligente,
e um bom conhecedor do mundo. O terceiro filho não respeita seus
pais, e não tem fé. Ele é obtuso e não tem inteligência. Quando os pais
desejam transmitir um ensinamento, quem deve ser o primeiro a ser
ensinado, quem deve ser amado, a quem os pais necessitam ensinar as
coisas do mundo?”
“Oh bom homem! O mesmo se passa com o Tathagata. Dos três filhos,
o primeiro deve ser comparado ao Bodhisattva, o segundo ao Sravaka,
e o terceiro ao icchantika. Eu já falei aos Bodhisattvas tudo sobre os
detalhes dos 12 tipos de sutras, e do que é superficial e familiar para os
Sravakas, e do que se obtém no mundo para os icchantikas e àqueles
dos cinco pecados mortais. O que se obtém no presente não beneficia
a pessoa. Não obstante, Eu ensinaria em razão do amor-benevolente e
pelo que pode resultar nos dias futuros. Oh bom homem! É como os
três tipos de campos. Um é fácil de irrigar. Não há areia lá, nem sal,
nem cascalhos, nem pedras, e nem espinhos. Planta-se um, e colhe-se
100. O segundo também não tem areia, nem sal, nem cascalhos, nem
pedras, e nem espinhos. Mas, a irrigação é difícil, e a colheita é menos
que a metade. O terceiro oferece dificuldades para a irrigação, e é
cheio de areia, cascalhos, pedras, e espinhos. Planta-se um, e colhe-se
um, devido à palha e grama. Oh bom homem! Nos meses da primave-
ra, onde o agricultor plantará primeiro?”
“Oh Honrado pelo Mundo! Primeiro ele curará aquela que é fácil de
curar; em seguida, a segunda pessoa, e então a terceira pessoa. Por
quê? Devido ao fato de que elas estão relacionadas.”
“Oh Honrado pelo Mundo! Primeiro aquele treinado, que está com
saúde perfeita e que possui grande força; e então, o segundo e o ter-
ceiro.”
“Oh bom homem! Aquele treinado, que está no auge da vida e possui
grande força, pode ser comparado ao Sacerdote-Bodhisattva, o segun-
do ao Sacerdote-Sravaka, e o terceiro ao icchantika. Embora nenhum
bem surja [para o icchantika] na presente vida, ele está ensinado quan-
to ao amor-benevolente e também a plantar a semente para os dias a
vir. Oh bom homem! É como quando uma grande dana [doação] é
realizada quando três pessoas vêm. Uma delas é de origem nobre, tem
boas intenções e defende os preceitos. A segunda é da casta interme-
diária, é obtusa, mas defende os preceitos. A terceira é da baixa casta,
Capítulo 40: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 1 Página 215
é obtusa, e viola os preceitos. Oh bom homem! A quem esse grande
danapati [doador] dará primeiro?”
O Bodhisattva Kashyapa disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Por que você
profetizou que ele iria para o Inferno Avichi?”
“Oh Honrado pelo Mundo! O icchantika nada possui que seja bom. É
por essa razão que essas pessoas são chamadas ‘icchantika’?”
Capítulo 40: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 1 Página 221
O Buda disse: “É assim, é assim!”
“Oh Honrado pelo Mundo! Todos os seres possuem três tipos de bon-
dade, nomeadamente as do: 1) passado, 2) futuro, e 3) presente.
Mesmo o icchantika não pode cortar a bondade do futuro. Como se
pode dizer que alguém que corta toda a bondade é um icchantika?”
O Buda disse: “Bem falado, bem falado, oh bom homem! Você faz bem
de colocar essa questão. A Natureza de Buda é como o espaço. Não é
passado, nem futuro, e nem presente. Os seres podem aperfeiçoar o
corpo de pureza nos dias futuros, realizar-se e alcançar (revelar) a Na-
tureza de Buda. Este é o porquê eu digo que a Natureza de Buda é uma
coisa dos dias futuros. Oh bom homem! Para o benefício dos seres, às
vezes, Eu falo da causa e digo que é o efeito; às vezes, Eu falo do efeito
e digo que é a causa. Por essa razão, Eu digo nos sutras que vida é ali-
mento e que a forma material [‘rupa’] é tato [‘sparsa’]. O corpo dos
dias futuros será puro. Consequentemente, Natureza de Buda.”
“Oh Honrado pelo Mundo! Se as coisas são como o Buda diz, porque
você diz: ‘Todos os seres possuem a Natureza de Buda’?”
O Buda disse: “Oh bom homem! No passado, quando deixei o lar, meu
irmão mais jovem, Nanda, meus primos Ananda e Devadatta, e meu
filho Rahula, todos seguiram meus passos e renunciaram ao mundo e à
vida [secular], e praticaram a Via. Se eu não tivesse permitido-lhe jun-
tar-se à Sangha, ele teria chegado ao trono. Conquistando poder irres-
trito, ele teria destruído os ensinamentos Budistas. Por essa razão, eu
lhe permiti entrar para a Sangha. Oh bom homem! Se ele não tivesse
entrado para a Sangha, ele teria se afastado das raízes do bem, e por
inumeráveis eras futuras ele destruiria os ensinamentos Budistas. Por
essa razão, ele está agora na Sangha. Embora nada possua de bom, ele
defende os preceitos e respeita os anciãos, os velhos e os virtuosos, faz
oferecimentos, e pode praticar os dhyanas do primeiro ao quarto. Estas
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 224
são causas do bem. Tais boas causas evocarão o que é bom. Quando o
bem surgir, ele praticará bem a Via, e através disto, atingirá a Ilumina-
ção Insuperável. Por essa razão, eu permiti a Sunaksatra entrar para a
Sangha. Oh bom homem! Se eu não tivesse permitido a Sunaksatra ser
ordenado e receber os shila (preceitos), Eu não poderia ter dito possuir
os dez poderes do Tathagata.
Oh bom homem! Por exemplo, há uma fonte que não está longe de um
vilarejo. A água é doce e bela, e possui oito virtudes. Há um homem lá
que está muito sedento e deseja ir até a fonte. Há uma pessoa sábia, a
qual pensa que o homem sedento infalivelmente acorrerá para a fonte,
porque ele vê que o caminho até lá não é difícil. O caso é assim. Dessa
maneira o Tathagata-Honrado-pelo-Mundo vê os seres. Por conta dis-
to, dizemos que o Tathagata é perfeito no poder de conhecimento de
todas as coisas relativas a todos os seres.”
O Buda disse a Kashyapa: “Oh bom homem! Tais coisas não são o que a
consciência dos olhos pode conhecer; nem são o que a consciência da
mente pode conhecer. São o que a Sabedoria pode conhecer. Para
uma pessoa que tenha Sabedoria, Eu não digo nada de uma forma
dúbia; e este é o porquê Eu digo que não falo de duas maneiras. Para
aqueles que são ignorantes, Eu falo de maneira indefinida, e eles dizem
que Eu falo de maneira indefinida. Oh bom homem! Qualquer que seja
a boa ação que o Tathagata realize, é tudo para ajustar e subjugar to-
dos os seres. Por exemplo, qualquer que seja o conhecimento médico
que um bom doutor possua, é tudo para curar as doenças dos seres. O
mesmo é o caso aqui. Oh bom homem! O Tathagata, por conta da terra
(lugar), por conta da estação, por conta das outras linguagens, por
conta dos seres, das qualidades das raízes dos seres, com relação a
uma coisa, fala de duas maneiras. No caso de um nome, ele usa inume-
ráveis nomes; para um significado, ele apresenta inumeráveis nomes;
com respeito a inumeráveis significados, ele fala de inumeráveis no-
mes.
Oh bom homem! Alguém com Sabedoria sabe que aquilo que um gan-
dhahastin (elefante almiscarado) carrega não pode ser suportado por
um burro. Todos os seres fazem inumeráveis coisas. Assim, o Tathagata
fala inumeráveis coisas diferentemente. Por quê? Porque os seres pos-
suem várias impurezas. Se o Tathagata falasse somente de uma ação,
não poderíamos dizer que o Tathagata fosse perfeito e realizado no
poder de ver através das qualidades das raízes de todas as coisas. As-
sim, Eu digo num sutra: ‘Não falo para os cinco tipos de pessoas os
cinco tipos de coisas. Para alguém que não tenha fé, (falo) alguém que
não professa a fé correta; para alguém que viole as proibições, (falo)
alguém que não enaltece a observância dos preceitos; para o mesqui-
nho, (falo) alguém que não enaltece dana [doação]; para o indolente,
(falo) do aprendizado; e para o ignorante, (falo) da Sabedoria’.
Eu também disse a todos os seres: ‘Eu é natureza. Isso quer dizer que
todas as relações causais, os 12 elos do surgimento interdependente,
os cinco skandhas dos seres, o mundo da mente, todas as ações virtuo-
sas, e o mundo de Isvara (Deus) caem dentro da categoria do ‘eu’.’
Ouvindo isto, todos os meus discípulos não compreenderam minha
intenção e disseram: ‘O Tathagata disse que definitivamente existe o
‘eu’.’
Oh bom homem! Eu digo num sutra que o Tathagata tem dois tipos de
corpos. Um é o corpo carnal [‘shoshin’ em japonês: ‘sho’ significa ‘natu-
reza essencial’ e ‘shin’ significa mente, consciência. Portanto, essa tra-
dução de ‘corpo carnal’ não é muito clara aqui – Ed.], e o outro é o
‘Dharmakaya’ [‘hosshin’ em japonês: Corpo do Dharma, Mente do
Dharma]. O corpo carnal é nada mais que um expediente e acomoda-
ção. Assim, esse corpo se sujeita ao nascimento, velhice, doença e mor-
te. É longo, curto, preto e branco; isto é correto, aquilo [não] é correto;
isto é aprendizado ou não-aprendizado. Todos os meus discípulos ou-
vem isto, não compreendem a minha intenção, e dizem: ‘O Tathagata
diz que o corpo do Buda é meramente o que é criado’. O Dharmakaya é
o Eterno, Êxtase, o Eu, e o Puro; está eternamente apartado do nasci-
mento, velhice, doença e morte. Não é branco, nem preto, nem é lon-
go ou curto; não é aprendizado e nem não-aprendizado. O Buda é al-
guém que apareceu ou alguém que não apareceu. Ele é Eterno. Ele não
se move. Não há mudança. Oh bom homem! Todos os meus discípulos
ouvem isto, não compreendem a minha intenção, e dizem: ‘O Tathaga-
ta diz que o corpo do Buda é definitivamente um corpo não criado’.
Dizemos que há um caso onde eles surgem das relações causais dos 12
elos da interdependência. Isto é dito com relação aos 12 elos da inter-
dependência do futuro.
Dizemos que há um caso onde eles surgem a partir das relações causais
e, no entanto, não são os 12 elos da interdependência. Isto se refere
aos cinco skandhas de um Arhat.
Dizemos que há um caso onde eles surgem das relações causais e são
os 12 elos da interdependência. Isto se refere aos 12 elos da interde-
pendência dos cinco skandhas do mortal comum.
Oh bom homem! Eu, certa vez, disse a Bimbisara: ‘Saiba, oh grande Rei,
que a forma [‘rupa’] é não-eterna. Por quê? Porque ela surge de uma
causa do não-eterno. Se essa forma surge de uma causa do não-eterno,
como pode o sábio dizer que isto é eterno? Se a forma fosse eterna,
não haveria qualquer desintegração [dela] e nem o surgimento de to-
das as aflições. Ora, vemos que essa forma desintegra e torna-se dis-
persa. Portanto, deve-se saber que a forma é não-eterna. O mesmo se
aplica até a consciência, também’. Oh bom homem! Todos os meus
discípulos ouvem isto, não alcançam a minha intenção, e dizem: ‘O
Tathagata diz que a mente definitivamente pode ser cortada’.
Oh bom homem! Eu digo num sutra: ‘Os skandhas, desde a forma até a
consciência, de uma pessoa sagrada surgiram das relações causais da
ignorância. É o mesmo que se verifica com relação às coisas de todos
os mortais comuns, também. Da ignorância surge o desejo. Saiba que
esse desejo é ignorância. Do desejo surge o apego. Saiba que esse ape-
go é ignorância e desejo. Do apego surge a existência. Saiba que essa
existência é ignorância, desejo e apego. Da existência surge o senti-
mento. Saiba que esse sentimento é ação e existência. Das relações
causais do sentimento surgem coisas como mente-e-corpo, ignorância,
desejo, apego, existência, ação, sentimento, toque, consciência, e as
seis esferas [dos sentidos]. Por essa razão, o sentimento é nada mais
que os 12 elos do surgimento interdependente’. Oh bom homem! To-
Oh bom homem! Eu digo num sutra: Das quatro coisas, isto é, dos o-
lhos, forma, luz e maus desejos surge a cognição visual. O mau desejo é
ignorância. Como a natureza do desejo é buscar possuir, chamamos
isso de desejo. Das relações causais do desejo surge o apego, e esse
apego é chamado ação. Das relações causais da ação surge a consciên-
cia, e consciência está relacionada à mente-e-corpo. Mente-e-corpo
está relacionada às seis esferas; as seis esferas estão relacionadas ao
toque, o toque à concepção, a concepção ao sentimento, desejo, fé,
esforço, dhyana, e Sabedoria. Todas essas coisas surgem pelo toque e,
no entanto, elas não são o toque em si’. Oh bom homem! Todos os
meus discípulos ouvem isto, não compreendem a minha intenção, e
dizem: ‘O Tathagata diz que o caitta existe’.
Oh bom homem! Eu, certa vez, disse: ‘Existe apenas uma existência.
Isso se estende a duas, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove e até
vinte e cinco’. Todos os meus discípulos ouvem isto, não compreendem
a minha intenção, e dizem: ‘O Tathagata diz que há cinco ou seis exis-
tências’.
Oh bom homem! Certa vez Eu disse: ‘Pessoas como aquelas que têm
cometido as quatro graves ofensas, os icchantikas, caluniadores dos
Capítulo 40: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 1 Página 251
Sutras Vaipulya, e aqueles que têm cometido os cinco pecados mortais,
todos possuem a Natureza de Buda. Essas pessoas não possuem boas
ações a depender. A Natureza de Buda é o Bom em si’. Todos os meus
discípulos ouvem isto, não compreendem a minha intenção, e dizem:
‘O Buda diz que a Natureza de Buda dos seres existe fora dos seres’.
Por essa razão, Eu às vezes digo: ‘Pessoas tais como aquelas que come-
tem as quatro graves ofensas, caluniadoras dos Sutras Vaipulya, aque-
las que cometem os cinco pecados mortais, e os icchantikas, possuem
a Natureza de Buda’. Ou digo: ‘Não’.
A Virtude da Dúvida
“Oh bom homem! Esses assuntos de controvérsias são coisas que per-
tencem ao mundo do Buda. Eles não são aquilo que Sravakas e Pratye-
kabudas possam sondar. Se uma pessoa pode realmente adquirir um
pensamento dúbio, essa pessoa pode extirpar inumeráveis impurezas,
tão imensas quanto o Monte Sumeru. Quando um humano adquire um
pensamento fixo, isto é o que chamamos apego.”
O Buda disse: “Oh bom homem! Essa pessoa pode muito bem seguir o
que os outros dizem, ou ela mesma olhar para os sutras. Ou pode par-
ticularmente ensinar aos outros, mas ser incapaz de abandonar o que a
sua mente adere. Isto é apego.”
Kashyapa disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Tal apego é uma ação do
bem ou algo que não é bom?”
“Oh bom homem! Esse apego não é uma ação que possa ser chamada
de boa. Por que não? Porque esse não pode quebrar todas as teias da
dúvida.”
Kashyapa disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Essa pessoa não tinha dú-
vida desde o início. Como podemos dizer que ela não pode quebrar as
teias da dúvida?”
“Oh bom homem! Alguém que não tenha dúvida é alguém que tem
dúvida.”
“Oh bom homem! Isso pode muito bem ser chamado de idéia fixa; não
podemos chamá-lo de dúvida. Por que não? Oh bom homem! Por e-
xemplo, há um homem que primeiro vê um homem e uma árvore, e
mais tarde, enquanto passeando à noite, pode ver um toco [tronco de
árvore] e adquirir a dúvida, e se perguntar se isto é um homem ou uma
árvore. Oh bom homem! Uma pessoa primeiro vê um Monge e um
Brahmacarin, e então mais tarde pode ver, de longe, um Monge e ad-
quirir a dúvida, e se perguntar se isto é um Shramana ou um Brahma-
carin. Oh bom homem! Uma pessoa pode ver primeiro uma vaca e um
búfalo, e mais tarde pode ver, à distância, uma vaca e adquirir um pen-
samento dúbio, e se perguntar se isto é uma vaca ou um búfalo.
Kashyapa disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Você, o Buda, diz que al-
guém necessariamente vê uma coisa antes, e que então uma dúvida
surge. Há alguém que, não vendo duas coisas, adquire dúvida. O que é
isto? É Nirvana. Oh Honrado pelo Mundo! Por exemplo, uma pessoa
corre em águas lamacentas ao longo do caminho. Não tendo visto nada
desse tipo antes, uma dúvida surge. O caso é assim. Essa água é pro-
funda ou rasa? Por que é que essa pessoa, não tendo visto nada antes,
adquire essa dúvida?”
“Oh Honrado pelo Mundo! Essa pessoa viu águas profundas e rasas
antes, e então ela não tinha dúvidas. Por que agora ela adquiriu a dúvi-
da?”
Kashyapa disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Quem é a pessoa que cor-
tou as raízes do bem?”
“Oh bom homem! Qualquer pessoa que seja inteligente, astuta, agu-
çada, e que compreenda bem, mas abandone um bom amigo. Todas as
pessoas tais como aquelas que não dão ouvido ao Dharma Maravilho-
so, que não tenham bons pensamentos, e que não vivam seguindo o
Dharma, são aquelas que cortaram as raízes do bem. A mente se afasta
das quatro coisas e a pessoa pensa para si: ‘Não pode haver dana. Por
Capítulo 41: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 2 Página 257
que não? Dana é abandono da riqueza. Se há qualquer retorno para
dana (doação), o danapati [doador] será sempre pobre. Por quê? A
semente e o fruto são iguais. Esse é o porquê dizemos que não há cau-
sa e nem efeito’. Se uma pessoa fala assim e diz que não há causa e
efeito, isto é cortar as raízes do bem. Além disso, uma pessoa pensa:
‘Os três elementos do doador, receptor, e a coisa dada não permane-
cem eternamente. Se não há permanência, como pode alguém dizer
que este é o doador, este o receptor, e esta é a coisa dada? Se não há
ninguém que receba, como pode haver qualquer fruição [resultado]?
Por essa razão, dizemos que não há causa e nem efeito’. Caso uma
pessoa diga que não há causa e nem efeito, podemos saber que essa
pessoa cortou as raízes do bem.
Também, uma pessoa pensa: ‘Quando uma pessoa dá, há cinco coisas
nessa doação. Quando ela recebeu, como destinatária (ela) pode às
vezes fazer o bem ou mal. E o doador dessa doação também não aufe-
re qualquer resultado do bem ou mal. Isto é como as coisas caminham
no mundo, onde a semente evoca o fruto e o fruto a semente. A causa
é o doador e o resultado é o receptor. E o receptor não pode fazer o
bem ou o mal chegar às mãos do doador. Por isso, não há causa e nem
efeito’. Caso uma pessoa diga que não há causa e efeito, saiba que essa
pessoa realmente cortou as raízes do bem.
Também, uma pessoa pensa: ‘Não há nada que possa realmente ser
chamado de dana. Por que não? Dana é uma coisa indefinível. Se for
indefinível, como pode evocar qualquer bom resultado? Não há resul-
tado que seja bom ou mau. Isto é o que se chama indefinível. Se uma
coisa é indefinível, deve-se saber que não pode haver qualquer resul-
tado bom ou mau. Por essa razão, dizemos que não há dana, nem cau-
sa, e nem resultado’. Qualquer um que professe que não há causa e
nem resultado, essa pessoa corta as raizes do bem.
Também, uma pessoa pode pensar: ‘Se o doador doa para uma ima-
gem do Buda, para a imagem de um deva, ou para o bem dos seus pais
que já se foram, não pode haver ninguém que possa ser chamado de
receptor. Se ninguém recebe, não pode haver qualquer resultado a ser
considerado. Se não há resultado a ser considerado, isto significa que
não há causa. Se não há causa, isto significa que não há efeito’. Se uma
pessoa fala assim e diz que não há causa e efeito, essa pessoa corta as
raizes do bem.
Também, uma pessoa pensa: ‘Não há pai e nem mãe. Caso uma pessoa
diga que os pais são a causa de um ser, aqueles que dão origem a um
ser, a lógica o levará a dizer que o nascimento deve estar acontecendo
continuamente, e que não há interrupção. Por quê? Porque a causa
existe sempre. Mas o nascimento não ocorre o tempo todo. Por isso,
saiba que não há pais’.
Também, uma pessoa pensa: ‘Não há pai e nem mãe. Por que não? Se
um ser surge através dos pais, o ser deve possuir os dois órgãos sexu-
ais, do macho e da fêmea. Mas, tal coisa não acontece. Saiba-se então
que um humano não surge dos pais’.
Também, uma pessoa pensa: ‘Um ser não surge do pai e da mãe. Por
que não? Vê-se com os próprios olhos que uma pessoa não é como os
próprios pais em todos os aspectos como corpo e mente, comporta-
mento, e suas idas e vindas. Por essa razão, os pais não são a causa do
ser’.
Também, uma pessoa pensa: ‘Há quatro nadas. Estes são: 1) o que não
apareceu, 2) o que não é, 3) os chifres de uma lebre, e 4) o cabelo de
uma tartaruga. É o mesmo com os pais de um ser. Esses quatro são
iguais ao que não é. Alguém pode dizer que os pais são a causa de um
Capítulo 41: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 2 Página 259
ser. Mas quando os pais morrem, o filho não morre necessariamente.
Por essa razão, os pais não são a causa do ser’.
Também, uma pessoa pensa: ‘Se dissermos que os pais são a causa do
ser, os seres deveriam sempre surgir dos pais. Mas, existem nascimen-
tos como o nascimento por transformação e o nascimento da umidade.
Disto podemos saber que o ser não surge dos pais’.
Também, uma pessoa pensa: ‘Em todo o mundo, não há efeitos cármi-
cos das boas ou más ações perpetradas. Por que não? Há seres que são
perfeitos nas dez boas ações e se comprazem em dar e acumular virtu-
des. Mesmo para essas pessoas também surgem doenças do corpo;
elas podem morrer na meia-idade, perder sua fortuna, e ter muitas
apreensões e sofrimentos. Há uma pessoa que comete as dez más
ações, é parcimoniosa, gananciosa, invejosa, preguiçosa e indolente.
Jamais acumulando o bem, no entanto está em paz, não tem doenças,
desfruta de longa vida, está cheia de riquezas, e não sofre de apreen-
são ou aflições. Disto podemos saber que não há qualquer conseqüên-
cia cármica das boas e más ações’.
Também, uma pessoa pensa: ‘Eu também certa vez ouvi um homem
sagrado falar, o qual disse que há casos onde uma pessoa que acumu-
lou o bem cai nos três reinos do infortúnio quando sua vida acaba, e
casos onde o malfeitor ganha vida nos céus quando sua vida chega ao
fim. Disto podemos saber que não pode haver qualquer conversa de
resultados das boas ou más ações’.
Também, uma pessoa pensa: ‘Uma pessoa que sente muita piedade é
uma pessoa sagrada. Por que a chamamos de pessoa sagrada? Por
causa da Via. Se a Via é piedade, ela deve sentir piedade por todos os
seres. Não é algo que alguém adquira por ter praticado. Se não há pie-
dade (na Via), como pode uma pessoa adquiri-la ao ter realizado a Via?
Disto, podemos saber que não há tal coisa no mundo como a Via Sa-
grada’.
Também, uma pessoa pensa: ‘A Via que deve ser alcançada por qual-
quer pessoa sagrada não é aquela que pode ser alcançada através de
relações causais. Se ela não pode ser alcançada através de relações
causais, por que todos não nos tornamos pessoas sagradas? Se todas
as pessoas não são pessoas sagradas, podemos saber que não pode
haver qualquer pessoa ou Via sagrada’.
Também, uma pessoa pensa: ‘A pessoa sagrada diz que há duas rela-
ções causais concernentes à visão correta, a saber: 1) seguir os outros e
dar ouvido ao Dharma, e 2) pensar por si mesmo. Se essas duas (coisas)
surgem através de relações causais, o que resulta também deve surgir
de relações causais. Assim, deve suceder-se uma interminável série de
erros. Se essas duas (coisas) não surgem através de relações causais,
por que é que todos os seres não a obtêm (isto é, uma visão correta)?’
Pensando assim, a pessoa realmente corta as raizes do bem.
Outra pessoa ainda indaga: ‘Por que o Tathagata Honrado pelo Mundo
diz que tudo queimará?’ A resposta para isto será: ‘O Tathagata diz que
tudo queima devido à cobiça, a má-vontade e a ignorância’.
Capítulo 41: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 2 Página 265
Oh bom homem! ‘Os dez poderes do Tathagata, os quatro destemores,
o Grande Amor-Benevolente e a Grande Compaixão, as três recorda-
ções, todos os tipos de Samadhis tais como o Samadhi Suramgama,
etc., que chegam a um total de 8 milhões de bilhões, as 32 marcas da
perfeição, as 80 características menores de excelência, todos os Sama-
dhis tais como o mudra dos cinco-conhecimentos, etc., cujo número
chega a 4.200, e os Samadhis dos expedientes, que são inumeráveis,
são a Natureza de Buda deste Buda. Nesta Natureza de Buda, há sete
coisas, a saber: 1) o Eterno, 2) o Eu, 3) Êxtase, 4) o Puro, 5) o Verdadei-
ro, 6) o Real, e 7) o Bom’. Essas são respostas discriminativas.
Pode haver aqueles que dirão: ‘Aqueles que cortaram as raizes do bem
decididamente possuem a Natureza de Buda ou decididamente eles
não possuem a Natureza de Buda’. Isto é uma resposta por exclusão’.”
“Oh bom homem! Eu não digo que exclusão e não responder é uma
resposta por exclusão. Oh bom homem! Há dois tipos de resposta por
exclusão, a saber: 1) uma que impede e restringe, e 2) não-aderente.
Por conta disto, dizemos resposta por exclusão.”
Kashyapa ainda disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Como alguém pode
ganhar as raizes do bem no futuro?”
“Oh bom homem! Isto é análogo à luz do dia que pode realmente dis-
persar a escuridão, muito embora o sol ainda não tenha nascido. Isto é
exatamente como o futuro pode de fato evocar os seres. É o mesmo
com a Natureza de Buda do futuro. Isto é o que chamamos de resposta
discriminativa.”
O Buda disse: “Oh bom homem! Como você pode perder o significado?
Eu não disse antes que a Natureza de Buda dos seres é nenhuma outra
senão o Caminho Médio?”
Também, além disso, oh bom homem! Por que dizemos nem dentro e
nem fora? Oh bom homem! Alguns dizem que a Natureza de Buda é
ninguém menos que o tirthika. Por quê? No curso de inumeráveis kal-
pas, o Bodhisattva-Mahasattva, vivendo em meio aos tirthikas, cortou
todas as impurezas, treinou a sua mente, ensinou as pessoas, e então
alcançou a Iluminação Insuperável. Por conta disto, a Natureza de Buda
é ninguém menos que o tirthika.
Oh bom homem! A Natureza de Buda dos seres não é ‘é’ e nem ‘não-
é’. Por que é assim? A Natureza de Buda é ‘é’, mas não é como no caso
da vacuidade. Porque mesmo quando se utilizando de inumeráveis
expedientes, a vacuidade sobre a qual falamos no mundo não pode ser
vista. Mas, a Natureza de Buda pode ser vista. Por essa razão, embora
ela seja um ‘é’, não é como a vacuidade. A Natureza de Buda é ‘não-é’,
mas não é como os chifres de uma lebre [isto é, algo que não existe].
Por quê? Mesmo através de inumeráveis expedientes, o pêlo de uma
tartaruga e os chifres de uma lebre não podem surgir. A Natureza de
Buda pode surgir. Assim, embora ‘não-é’, não é como os chifres de
uma lebre. Assim, a Natureza de Buda não é nem ‘é’ e nem ‘não-é’; é
‘é’ e ‘não-é’.
Por que dizemos ‘é’? Tudo é ‘é’. Os seres não a cortam e não a extin-
guem. Isto é como a chama de uma vela, até que se atinja o Insuperá-
vel Bodhi. Assim, dizemos ‘é’.
Por que dizemos que ‘não-é’? No presente, todos os seres não são o
Eterno, Êxtase, o Eu, e o Puro, e não possuem o ensinamento Budista.
Portanto, ‘não-é’. Como ‘é’ e ‘não-é’ tornam-se unos, dizemos Cami-
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 272
nho Médio. Este é o porquê o Buda diz que a Natureza de Buda dos
seres não é ‘é’ e nem ‘não-é’.
Oh bom homem! Uma pessoa pode dizer que existe no leite a natureza
do creme. Se assim for, leite é creme e creme é leite. A natureza é úni-
ca.
Por que é que o leite surge primeiro e não o creme? Se há uma relação
causal sobre a qual falar, por que é que todos os seres não falam a
respeito disso? Se não há relação causal, por que é que o creme não
surge primeiro? Se o creme não surge primeiro, quem é que estabele-
ceu a ordem do: leite, creme, manteiga fresca, manteiga refinada, e o
desnatar da manteiga derretida? Disto, sabemos que o creme não era
antes, mas agora é. Se ele não era antes, mas agora é, isto é algo não
eterno.
Oh bom homem! Uma pessoa pode dizer que como existe a natureza
do creme no leite, o creme realmente surge; como existe a natureza do
creme (no leite), o creme não surge da água. Mas, o caso não é assim.
Por que não? Mesmo a grama aquosa, também, tem a natureza do
leite e do creme. Como assim? Da grama aquosa obtemos leite e cre-
me. Se uma pessoa diz que decididamente existe no leite a natureza do
creme, e que esta não existe na grama aquosa, isto é algo que é falso.
Por quê? Porque a idéia é desigual [a pessoa está sendo parcial]. Por-
tanto, falso.
Se uma pessoa dissesse: ‘A água não evoca o leite, uma vez que ela não
possui a natureza do creme. Portanto, decididamente existe a natureza
do creme no leite’. Isto não é assim. Por que não? Todas as coisas pos-
suem diferentes causas e diferentes resultados. Também, não é que
uma simples causa evoca todos os resultados; não é que todos os re-
sultados surgem de uma simples causa.
Oh bom homem! Não diga que essas quatro coisas evocam a consciên-
cia visual e dessas quatro coisas surge a consciência auditiva.
Oh bom homem! A pessoa sábia vê que o creme vem do leite, mas não
dirá que a manteiga fresca também surgirá assim, a não ser através de
meios expedientes. Oh bom homem! Este é o porquê eu digo neste
sutra: ‘Quando a causa surge, uma coisa surge; quando a causa está
ausente, não existe a coisa’.
O que significa dizer que Eu falo da minha própria e livre vontade? 500
Monges colocaram uma questão a Shariputra: ‘Oh grande! O Buda fala
sobre a causa do corpo. O que isto pode ser’?
O Buda disse a Shariputra: ‘Bem falado, bem falado! Cada Monge diz
nada mais do que é correto’.
Shariputra disse: ‘Oh Honrado pelo Mundo! O que está em vosso pen-
samento’?
O Buda disse: ‘Oh Shariputra! Eu disse para o benefício dos seres que
os pais são a causa do corpo’.
O caso é assim. Todos esses sutras são o que Eu falei da minha própria
vontade.
O que são aqueles (sutras) que Eu falei seguindo a vontade dos outros?
O homem rico, Patala, veio a mim e disse: ‘Oh Gautama! Você conhece
um fantasma ou não? Alguém que conheça fantasmas é um grande
fantasma. Se não, essa pessoa não é Pleno-Conhecedor’.
Eu disse: ‘Oh homem rico! Como você pode chamar alguém que co-
nheça um fantasma de fantasma’?
O homem rico disse: ‘Bem falado, bem falado! Alguém que conheça
um fantasma é um fantasma’.
O homem rico disse: ‘Eu já o conheço há longo tempo, mas este meu
corpo não pode ser aquele de um candala’.
‘Oh homem rico! Você agora sabe que embora você conheça um can-
dala, você não é um candala. Como pode ser que Eu seja um fantasma
porque conheço um fantasma? Oh homem rico! Eu realmente conheço
um fantasma, alguém que age como um fantasma, as retribuições de
um fantasma, e as habilidades de um fantasma. Eu conheço a matança,
o matador, as retribuições cármicas da matança, e a emancipação da
matança. Eu também conheço as visões distorcidas da vida, as pessoas
de visões distorcidas, as retribuições cármicas das visões distorcidas, e
a emancipação das visões distorcidas. Oh homem rico! Caso você cha-
me alguém que não é um fantasma de fantasma, e alguém que não
mantenha visões distorcidas da vida de alguém que é dotado das vi-
sões distorcidas da vida, você ganhará inumeráveis pecados’.
O homem rico disse: ‘Oh Gautama! Se as coisas são como você diz,
ganharei um grande pecado. Agora doarei a você tudo o que possuo.
Por favor, seja bom o bastante para que o Rei Prasenajit não seja in-
formado disto’.
O Buda disse: ‘Pode não ser que as relações causais desse pecado ne-
cessariamente impeçam você de perder a sua riqueza. Todavia, em
conseqüência disto, você cairá nos três reinos do infortúnio’.
O que são palavras que vêm segundo a própria vontade? Isto é como
quando Eu reprovo aqueles que violam as proibições e faço-lhes prote-
ger contra isso. Eu elogio aqueles do Srotapanna e permito aos mortais
comuns adquirirem um bom pensamento. Eu elogio Bodhisattvas e
permito aos mortais comuns aspirarem à Iluminação. Eu falo dos so-
frimentos dos três reinos do infortúnio e faço com que as pessoas fa-
çam o bem. Eu digo que todos queimarão, referindo-me àqueles que
são viciados na noção de que todas as coisas são coisas criadas. Assim
se passa com o não-Eu. Dizemos que todos os seres possuem a Nature-
za de Buda. Tudo isto é para fazer com que todos os seres não sejam
indolentes. Essas são as palavras que vêm segundo a própria e livre
vontade.
Por que é afundar? Quando uma pessoa não tem uma boa mente,
quando ela sempre comete o mal, quando ela não pratica a Via, cha-
mamos isso de ‘afundamento’.
Oh bom homem! Há três tipos de coisas más através das quais se sofre
as más retribuições, a saber: 1) o mal das impurezas, 2) o mal do car-
ma, 3) o mal das retribuições cármicas. Oh bom homem! Como essa
pessoa possui as seis coisas mencionadas acima, ela se corta das raízes
do bem, comete os cinco pecados mortais, comete as quatro ofensas
graves, calunia os Três Tesouros, usa as coisas que pertencem à San-
gha, e faz todos os tipos de (coisas) não-boas. Em virtude dessa relação
causal, a pessoa afunda no Inferno Avichi, e recebe um corpo tão gran-
de quanto 84.000 yojanas. Os pecados de suas ações do corpo, boca e
mente sendo graves, a pessoa não consegue livrar-se do sofrimento.
Por que não? Porque sua mente não consegue suscitar qualquer coisa
boa. Inumeráveis Budas podem vir ao mundo, mas essa pessoa não
dará ouvido a eles ou os verá. Por isso, dizemos que ela afunda para
sempre. Isto é como com o grande peixe no Rio Ganges.
Por que dizemos que a pessoa afunda? Porque ela cresce em más vi-
sões e adquire arrogância.
Também, há outros dois tipos, que são: 1) a pessoa leva uma vida cor-
reta no corpo e na mente, e 2) a pessoa não leva uma vida correta no
corpo e na mente. Essa pessoa não tem uma vida correta no corpo e na
mente. Assim, não é perfeita nos shila.
Como a pessoa não possui essas duas (coisas), fé e preceito, ela não é
perfeita no seu aprendizado.
E também, ao receber os seis sutras, ela recita-os e fala sobre eles para
discutir, para suplantar os outros, por lucro, para todas as existências.
Assim, a pessoa é não perfeita na audição.
Oh bom homem! Eu falo nos meus sutras sobre audição perfeita. Como
uma pessoa é perfeita? Há um Monge que é bom no corpo, na boca e
na mente. Antes de tudo, ele faz oferecimentos para todos os mestres,
para si próprio ou de outra forma, e também para os virtuosos. Estes
adquirem um pensamento amável para com esse Monge, e através
dessa relação causal, ele ensina-lhes o que está estabelecido nos su-
tras. A pessoa, com um sentimento sincero, observa o que lhe é ensi-
nado e recita-os. Ao manter em observância e recitá-los, aquela pessoa
adquire Sabedoria. Ao adquirir Sabedoria, ela pensa bem e vive de
acordo com o Dharma. Ao pensar bem, ela alcança o significado corre-
to. Ao alcançar o significado correto, seu corpo e mente ganham a
quietude. Ao obter a quietude no corpo e na mente, a alegria surge. Da
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 292
mente satisfeita surge o dhyana [meditação]. Do dhyana vem o conhe-
cimento correto. Por causa do conhecimento correto, ela abomina a
existência. Essa abominação da existência evoca a Emancipação. Uma
pessoa não tem nada deste tipo. Assim, é não perfeita na audição.
Como essa pessoa é não perfeita nessas três coisas (fé, preceito e audi-
ção), ela não doa.
Também, além disso, essa pessoa recebe os seis tipos de sutras. Ela dá
às pessoas que recebem o Dharma, mas não para aqueles que não o
recebem. Assim, não é perfeita na doação.
Como essa pessoa não possui as quatro coisas estabelecidas acima (fé,
preceito, audição e doação), qualquer que seja a Sabedoria que ela
pratique, esta é imperfeita. A Sabedoria discrimina bem a natureza.
Essa pessoa não pode ver o Eterno e o não-Eterno do Tathagata. Quan-
to ao Tathagata, esse Sutra do Nirvana diz: ‘O Tathagata é Emancipa-
ção, e Emancipação é o Tathagata. O Tathagata é Nirvana, e Nirvana é
Emancipação’. Ela não pode discernir entre aquilo que é dito. Ação
Pura é o Tathagata. O Tathagata é Amor-Benevolente, Compaixão,
Alegria Simpática, e Equanimidade. Amor-Benevolente, Compaixão,
Capítulo 41: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 2 Página 293
Alegria Simpática, e Equanimidade são Emancipação. Emancipação é
Nirvana, e Nirvana é Amor-Benevolente, Compaixão, Alegria Simpática,
e Equanimidade. Ela não pode obter qualquer discernimento naquilo
que é dito. Assim, é não perfeita na Sabedoria.
Também, além disso, ela não pode obter qualquer discernimento entre
as Quatro Verdades do Sofrimento, Causa do Sofrimento, Extinção (do
Sofrimento), e a Via para Extinção (do Sofrimento). Como ela não co-
nhece as Quatro Verdades, ela é incapaz de conhecer a Ação Sagrada.
Como ela não conhece a Ação Sagrada, ela não pode conhecer o Ta-
thagata. Como ela não conhece o Tathagata, ela não pode conhecer a
Emancipação. Como ela não conhece a Emancipação, ela não pode
conhecer o Nirvana. Assim, é não perfeita na Sabedoria.
Dessa forma, essa pessoa é não perfeita nas cinco coisas (fé, preceito,
audição, doação e Sabedoria). Dessas (cinco coisas), há dois tipos, os
quais são: 1) que aumenta o bem, e 2) que aumenta o mal. Como ela
aumenta o mal? Essa pessoa não vê o que é mal em si mesma. Ela diz
que é perfeita e adquire uma idéia de apego. Para os caminhantes que
são seus companheiros, ele diz que é o vencedor. Assim, ele associa-se
com más pessoas, que tomam o seu lado. Aproximando-se dessas pes-
soas, ele ainda ouve sobre o que é imperfeito. Ao ouvir [isto], sente-se
feliz, adquire apego, arrogância, e indolência. Sendo indolente, ele se
associa com os leigos.
A Imperfeição no Conhecimento
Oh bom homem! Ele pode estar no mundo da forma, mas não é o caso
que todos o possuam. Por que não? Meus discípulos o têm, mas não os
tirthikas. Portanto, não é o caso que todos os seres devam possuí-lo.
Oh bom homem! Todos os tirthikas meditam sobre as seis ações [isto
é, as seis meditações dos dois grupos, constituídas de: 1) negativo, isto
é, de horror, e 2) positivo, isto é, de procura. Um dos sistemas da práti-
ca da Via], e todos os meus discípulos são perfeitos nas 16 ações [isto é,
as 16 categorias observadas na meditação sobre as Quatro Verdades].
E todas essas 16 não são possuídas por todos os seres.”
O Buda disse: “Oh bom homem! É assim, é assim! É como você diz. Oh
bom homem! Embora esse aquecimento pertença à categoria do ‘é’,
ele realmente quebra [destrói] o criado e o ‘é’. Portanto, ele representa
a Via Imaculada.
Oh bom homem! Você indaga por que o Srotapanna deve ser compa-
rado ao peixe ‘timi’. Oh bom homem! Há quatro coisas que caracteri-
zam o (peixe) ‘timi’, as quais são: 1) como seus ossos são pequenos, ele
é leve, 2) como ele possui nadadeiras, ele é leve, 3) ele procura buscar
a luz, 4) ele morde e agarra firmemente. Com o Srotapanna, há quatro
coisas. Dizer que os ossos são pequenos é comparável à pequenez da
quantidade de impurezas. Possuir nadadeiras pode ser comparado ao
samatha e o vipasyana. Dizer que ele procura e aprecia a luz é compa-
rável ao darsanamarga. Dizer que ele morde e agarra firmemente pode
ser comparado ao fato de que a pessoa ouve o que o Tathagata diz
Capítulo 42: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 3 Página 303
com respeito ao não-eterno, ao sofrimento, ao não-Eu, e ao não-puro;
e que ela agarra firmemente àquilo que ouviu, momento em que Mara
se transforma e se disfarça como um Buda, ou quando o homem rico
Sura vê e fica maravilhado, e Mara, vendo o homem rico comovido em
seu coração, diz: ‘O que eu disse antes sobre as Quatro Verdades não é
verdadeiro. Agora, para o vosso benefício, falarei sobre as cinco verda-
des, os seis skandhas, as 13 esferas, e 19 reinos’. Ao ouvir isto, o ho-
mem rico examina o que foi falado e vê que não há nada naquilo que
seja verdadeiro. Por isso, uma analogia é buscada aqui para explicar a
imobilidade da mente.”
Dizemos que a pessoa olha tudo ao redor e então se vai. Esse é o Sakr-
dagamin. Sua mente é totalmente orientada para a Via, ele pratica a
Via, e no sentido de cortar a cobiça, a ira, a ignorância e a arrogância,
ele, como o peixe ‘timi’, olha ao redor, e então se vai à busca de comi-
da.
Dizemos que uma pessoa se vai e então permanece lá. Isto pode ser
comparado ao Anagamin que, tendo compartilhado da comida, per-
manece lá. Há dois tipos desse Anagamin. Um é aquele que agora atin-
giu a fruição do Arhatship e, praticando ainda mais a Via, ganha mais a
fruição do [estagio do] Arhat. O outro é aquele que adere avidamente
ao Samadhi do Silêncio do mundo da forma e não-forma. Essa pessoa é
chamada Anagamin. Ela não ganha um corpo do mundo do desejo. Há
O Parinirvana da Ação possui dois tipos, os quais podem ter dois corpos
carnais ou quatro corpos carnais. Se alguém possui dois corpos, cha-
mamos esse ser de alguém nascido-aguçado; se possui quatro corpos,
chamamos isto de nascido-obtuso. Novamente, há dois tipos. Uma
pessoa empreende esforços, e não tem o Samadhi desimpedido, en-
quanto a segunda é indolente e tem desimpedimento. Novamente, há
dois tipos. Uma pessoa persevera no Samadhi do Esforço, enquanto a
segunda não.
Por que dizemos ‘permanece’? Isto é dito porque a pessoa ganha vida
no mundo da forma e da não-forma, e lá ela ganha um corpo. Por isso,
dizemos ‘permanência’. Humanos e devas do mundo do desejo não
ganham vida nos reinos do inferno, da animalidade, e dos espíritos
famintos. Assim, dizemos ‘permanência’. Tendo já cortado inumeráveis
amarras das impurezas, há pouco que resta. Por isso, ‘permanência’. E
também, dizemos ‘permanece’ porque aquela pessoa nunca mais faz
as coisas do mundo dos mortais comuns. Por isso, ‘permanece’. Ela não
tem medo e não faz com que outros tenham medo. Por isso, ‘perma-
Dizemos ‘fruição daquele que perdura’. Por não matar, uma pessoa
prolonga em um terço o tempo de vida do corpo. Isto é o que se ob-
tém. Esta é a fruição daquele que perdura. Essa fruição tem duas cau-
sas. Uma é próxima, e a outra distante. Por próxima se entende a pure-
za do corpo, boca e mente; por distante se entende a extensão do
tempo de vida e o desfrutar da (alegria na) velhice. Esta é a fruição
daquele que perdura.
Fruição Equânime
Fruição da Segregação
Também, como ele realmente acabou com o corpo dos cinco skandhas
dos três mundos, ele diz: ‘Minha vida já está completa’.
E como ele agora deixa o estágio de aprendizado, ele diz que agora está
de pé. E como ele agora ganhou o que outrora desejou alcançar, ele diz
que atingiu tudo. Tendo praticado a Via e obtido a fruição, ele diz: ‘Já
me realizei’. Como ele ganhou o conhecimento da plena-extinção e o
conhecimento do não-nascimento, ele diz que acabou com todas as
amarras. Assim dizemos que o Arhat agora atinge a outra margem. É o
mesmo com o Pratyekabuda, também. Como os Bodhisattvas e o Buda
são perfeitos e realizados nos seis paramitas, eles são chamados aque-
les que ‘chegaram à outra margem’. Quando o Buda e os Bodhisattvas
atingem a Iluminação Insuperável, dizemos que eles são perfeitos nos
seis paramitas. Por quê? Porque eles agora estão colhendo o fruto dos
seis paramitas. Como há chegada à fruição, dizemos ‘perfeitos’.
Oh bom homem! Se qualquer dos sete (tipos de) seres associa-se com
um Bom Mestre da Via, e com uma mente sincera dá ouvido ao Dhar-
ma Maravilhoso do Tathagata, cai bem dentro de si, vive de acordo
com o Dharma e, com seu melhor esforço, pratica o corpo, os precei-
tos, a mente, e a Sabedoria; essa pessoa pode realmente atravessar o
rio do nascimento e da morte, e alcançar a outra margem.
Oh bom homem! Desses sete seres, pode haver um que possua as sete
qualidades em sua própria pessoa, ou cada um dos sete pode possuir
uma (qualidade) cada.
Oh bom homem! Esse é o porquê Eu digo num sutra: ‘Há dois tipos de
pessoas que caluniam o Buda, o Dharma e a Sangha’. Estas são: 1) a-
quela que não acredita e fala com uma mente irada, e 2) aquela que,
embora acredite, não alcança o significado.
Oh bom homem! Uma pessoa que não tem fé diz, com uma mente
irada: ‘Não pode haver qualquer Buda, Dharma e Sangha’.
Oh bom homem! Não há Vazio. Por conta disto, não há os Três Tem-
pos. Não é que como há os Três Tempos, não há Três Tempos. Para a
flor o Vazio não existe. Isto é como no caso em que não há Três Tem-
Oh bom homem! Como o Vazio não é nada que possa ser representa-
do, não está nem ‘dentro’ e nem ‘fora’. Como a Natureza de Buda é
Eterna, não há ‘dentro’ ou ‘fora’. Este é o porquê Eu digo que a Nature-
za de Buda é como o Vazio.
O Buda disse: “Oh bom homem! Você pode dizer que Nirvana não cai
na categoria dos Três Tempos e desse modo é Vazio. Mas isto não é
assim. Por que não? ‘Nirvana é uma existência, algo visível, aquilo que
é verdadeiro, matéria, a pegada (impressão do pé), a sentença e a pa-
lavra, aquilo que é, características, o por causa, o refúgio que se toma,
quietude, luz, paz, e a outra margem’. Esse é o porquê podemos dizer
que ele não cai dentro da categoria dos Três Tempos. Com a natureza
do Vazio, não há nada assim. Esse é o porquê dizemos ‘não-é’. Caso
houvesse qualquer outra coisa senão isto (um ‘não-é’), poderíamos
perfeitamente dizer que ele cai na categoria dos Três Tempos. Se a
Vacuidade fosse uma coisa do ‘é’, ela não poderia ser outra coisa senão
Capítulo 42: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 3 Página 321
algo da categoria dos Três Tempos. Oh bom homem! As pessoas do
mundo falam da vacuidade como não-matéria, como algo que não tem
oposto, e é invisível. O caso é assim. Se ela não é matéria, algo sem
oposto, e invisível, ela deve ser caitasika [ou cetasika = fatores mentais:
São os fatores mentais que estão associados e que surgem em conco-
mitância com a consciência (citta=viññana) e que são condicionados
pela presença desta. Enquanto que nos sutras todos os fenômenos da
existência são agrupados em 5 agregados: forma (rupa), sensa-
ção (vedana), percepção (sañña), formações mentais(sankhara), cons-
ciência (viññana), o Abhidhamma, como regra, trata os fenômenos sob
um aspecto mais filosófico em três aspectos: consciência (citta), fatores
mentais (cetasika) e forma (rupa). Dessa forma, os fatores mentais
compreendem a sensação, percepção e 50 outros fatores, o que no
todo resulta em 52 fatores mentais. Ver em
http://www.acessoaoinsight.net/glossario.php#C]. Se a Vacuidade é da
categoria dos caitasika, ela não pode ser diversa da categoria dos caita-
sika. Se for da categoria dos Três Tempos, não pode ser diversa dos
quatro agregados [skandhas]. Portanto, com exceção dos quatro agre-
gados, não pode haver Vacuidade.
Oh bom homem! Uma pessoa pode dizer: ‘O Vazio co-existe com o ‘é’
desobstruído’. Ou alguém pode dizer: ‘O Vazio existe dentro de uma
coisa. É como o fruto dentro de um recipiente’. Nenhum deles é o caso.
Há três tipos de co-existência, a saber: 1) coisas feitas diferentemente
tornam-se unas, como no caso dos pássaros voando que se juntam
numa árvore; 2) duas coisas comuns entre si tornam-se unas, como no
caso de duas ovelhas que entram em contato; 3) co-existência de pares
daqueles que se reúnem para existir no mesmo lugar. Dizemos ‘dife-
rentes coisas se juntam’. Há dois tipos de diferenças. Um é uma ‘coisa’
(objeto), e o outro é o Vazio (como no caso do par lacuna-intersticial).
Se a Vacuidade se junta com a coisa, essa Vacuidade deve ser não-
eterna. Se uma coisa se junta com o Vazio, a coisa deixa de ser unilate-
ral (individual, desigual, assimétrica). Se já não há nada que seja unila-
teral, novamente é não-eterno.
O Buda disse: “Oh bom homem! Isso é como quando o mundo diz: ‘A
matéria é não-eterna, sofrimento, vazio, e não-Eu’, e as coisas se pas-
sam assim até a consciência. Oh bom homem! Isto é o que o conheci-
mento mundano diz que é um ‘é’, e Eu, também, digo que é um ‘é’. Oh
bom homem! O conhecimento mundano diz que a matéria nada tem
do Eterno, Êxtase, do Eu e do Puro. Assim se diz do sentimento, per-
cepção, volição, e consciência. Oh bom homem! Isto é onde o conhe-
cimento mundano diz ‘não-é’. Eu, também, digo ‘não-é’.”
O Buda disse: “Oh bom homem! A matéria [isto é, a forma física, ‘ru-
pa’] dos mortais comuns surge das impurezas. Por isso, Eu digo que no
conhecimento mundano a matéria é não-eterna, sofrimento, vazio, e
Oh bom homem! Isto é como no caso de um médico. Uma vez que ele
remova a causa, a doença não mais levantará a sua cabeça. É o mesmo
com a pessoa sábia que extirpa a causa das impurezas. Alguém que
seja sábio deve primeiro meditar sobre a causa e, depois, sobre o efei-
to. Ele vê que bons resultados surgem de uma boa causa, e os maus
(resultados) vêm do que é mau. Ao meditar sobre o resultado que sur-
ge, ele acaba com a causa. Tendo meditado sobre o resultado que sur-
girá, ele deve ainda meditar sobre a leveza e o peso das impurezas.
Tendo meditado sobre leveza e o peso, primeiro ele acaba com o que é
pesado. Quando se acabou com o que é pesado, o que é leve irá embo-
ra por si.
Os Skandhas do Sábio
Oh bom homem! Quando uma pessoa adoecida sabe que sua doença é
leve e que poderá ser facilmente curada, ela não se sentirá infeliz
quando um remédio amargo lhe for prescrito, e o tomará. É o mesmo
caso com a pessoa sábia, também. Ela faz esforços, pratica a Via Sagra-
da, é feliz, não cessa (os esforços), e não sente pesar.
“Oh bom homem! Alguém que seja sábio meditará e tentará saber por
que essa ilusão surge, quando essa ilusão surge, quando se vive com
ela, em que lugar se adquire isto, vendo o que, na casa de quem, ao
receber que roupas de cama, comida e bebida, roupas, e remédios.
Através de que relações causais o baixo vem a ser o médio, o médio
vem a ser o alto, as ações rebaixadas vêm a ser as médias, e as médias
vêm a ser aquelas elevadas? Quando o Bodhisattva-Mahasattva pensa
dessa maneira, ele corta as ilusões que tinha desde o nascimento. Co-
mo ele pensa dessa maneira , isto bloqueia as ilusões que ainda não
surgiram impedindo-lhes de surgir, e as ilusões que já surgiram são
aniquiladas. Esse é o porquê Eu digo no meu sutra: ‘Uma pessoa que
tem Sabedoria deve meditar sobre a causa da ilusão’.”
“Oh bom homem! Uma pessoa que é sábia deveria pensar: ‘As relações
causais de todas as impurezas realmente evocam [renascimento nos
reinos do] inferno, espíritos famintos, e animais. As relações causais
dessas impurezas concedem a uma pessoa o corpo de um humano ou
de um ser celestial. Estes são não-eternos, sofrimento, Vazio, e não-Eu.
Nesse receptáculo do corpo carnal, adquirimos três sofrimentos e três
não-eternos. As relações causais dessas impurezas realmente levam os
seres a cometerem os cinco pecados mortais [isto é, matar o pai, matar
a mãe, matar um Arhat, causar dissensão na Sangha, e ferir (fazer fluir
sangue do corpo de) um Buda], em conseqüência de que os humanos
recebem más retribuições, e em conseqüência de que os humanos
eliminam as sementes do bem, cometem as quatro graves ofensas [isto
é, matar, roubar, a luxúria ilegal, e a mentira], e caluniam os Três Te-
souros’. Uma pessoa sábia deveria meditar e pensar: ‘Não devo adqui-
rir esse corpo e evocar essas impurezas, e sofrer essas más conseqüên-
cias’.”
“Oh bom homem! No mundo, vemos que uma semente evoca o fruto.
Agora, há casos onde essa semente, às vezes, torna-se a causa do fruto.
Ou há casos onde não se torna. Ela somente pode ser chamada ‘se-
mente’ e ‘fruto’ quando as coisas se procedem assim (isto é, ela é a
causa do fruto). Quando as coisas não se procedem assim, dizemos
somente ‘fruto’, e não ‘semente’. É o mesmo com os seres. Todos têm
dois tipos [de ações]. Com um, é o efeito (fruto) da impureza, e tam-
bém a causa (semente) da impureza. Com o outro, é o fruto da impure-
za, mas não a causa (semente) da impureza. Quando é o fruto da impu-
reza, mas não a causa da impureza, chamamos isto de ‘ação pura’. Oh
bom homem! Os seres meditam sobre o sentimento e vêm à saber que
este é a causa próxima de todas as impurezas. Em razão do sentimen-
to, uma pessoa não pode cortar todas as impurezas que estão dentro e
fora. Todas as impurezas, também, são incapazes de sair da prisão dos
três mundos. Os seres, devido aos sentimentos, aderem ao ‘eu’ e ao
que pertence ao ‘eu’, e adquirem inversões do pensamento, imagem e
visões da vida. Por isso, os seres devem primeiro meditar sobre o sen-
timento. Esse sentimento se torna a causa próxima de todas as fases
do desejo. Por essa razão, os sábios, quando desejam extirpar o desejo,
devem primeiro meditar sobre o sentimento.
Oh bom homem! Todo o bem e mal dos seres que emergem dos 12
elos da interdependência têm sua origem no sentimento. Esse é o por-
quê eu disse a Ananda: ‘Todas as boas e más ações de todos os seres se
originam por ocasião do sentimento’. Esse é o porquê uma pessoa que
possua Sabedoria deve meditar primeiro sobre sentimento. Quando
essa meditação é feita, a pessoa então pensa: ‘Através de quais rela-
ções causais esse sentimento surge? Se (surge) das relações causais, do
que surgem essas relações causais? Se (surge) por uma não-causa, por
que é que essa não-causa não evoca um não-sentimento’. Ela também
pensa: ‘Esse sentimento não surge por obra de Mahesvara, nem atra-
vés dos humanos, nem pelas partículas, nem pela estação, imagem,
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 338
natureza, nem pelo ‘eu’ ou pelo poder externo; nem surge através das
ações combinadas do próprio ‘eu’ e dos outros; nem é através de não-
causa. Esse sentimento surge através de relações causais combinadas.
As relações causais são ao mesmo tempo o desejo. Não é que exista
desejo nessa combinação, nem é que não exista desejo. Não é que não
exista sentimento. Por essa razão, eu realmente corto essa harmoniza-
ção [combinação de relações causais]. Ao cortar essa harmonização,
nenhum sentimento surge’.
O que quero dizer ao falar que quando Eu falo do ser a pessoa que
ouve compreende que se refere a uma coisa? Isto é como quando cer-
ta vez eu disse a Mahakashyapa: ‘Oh Kashyapa! Quando o ser morre, o
Dharma Maravilhoso morre também’. Isto é o que quero dizer ao falar
que quando Eu falo sobre o ser, o ouvinte compreende que se refere a
uma coisa. O que quero dizer ao falar que quando Eu falo baseado no
dharma sobre o ser, o ouvinte compreende ter sido dito sobre o ser?
Isto é como certa vez Eu disse a Ananda: ‘Eu não digo que me achego a
todas as coisas ou que não me achego. Se Eu me achegar à lei [dharma
mundano, todas as coisas], a Boa Lei [Dharma Maravilhoso] enfraque-
cerá e o que é não-bom tornar-se-á exuberante. Não se deve achegar
de tal lei. Caso achegue-se à Lei (Dharma Maravilhoso), o não-bom
enfraquecerá e a Boa Lei aumentará. Deve-se achegar de tal Lei’. Isto é
o que eu digo com base numa coisa sobre o ser, e aquele que ouve
compreende como minha fala sobre o ser.
O Buda disse: “Oh bom homem! De que maneira uma pessoa sagrada
possui uma imagem invertida?”
Tendo meditado sobre a causa da imagem, uma pessoa que seja sábia
medita em seguida sobre os resultados cármicos. Sofre-se esses resul-
tados cármicos das más imagens nos reinos do inferno, dos espíritos
famintos, dos animais, e dos humanos e celestiais. Como Eu acabei
com a imagem do despertar do mal, Eu cortei a ignorância e o contato.
Assim a imagem se foi. Quando se acaba com a imagem, a pessoa tam-
bém remove as conseqüências cármicas. Para cortar a causa da ima-
gem, a pessoa sábia pratica o Nobre Caminho Óctuplo. Oh bom ho-
mem! Qualquer pessoa que medita assim é chamada de alguém que
pratica ações puras.
Também, além disso, oh bom homem! Alguém que seja sábio medita
sobre o desejo. Desejo é cor, som, fragrância, sabor e toque. Oh bom
homem! Assim o Tathagata fala do resultado (efeito) no estágio de
causa. A partir dessas cinco coisas, o desejo sobe à cabeça. E (essas
coisas) não são desejo, (são a sua causa).
O Carma Imaculado
Oh bom homem! Uma pessoa que tem Sabedoria medita sobre o so-
frimento do inferno. De um inferno, (há) 136 lugares, e cada inferno
tem vários tipos de sofrimento. Tudo surge das relações causais do
carma das impurezas. Assim se deve meditar. Quando a meditação
sobre o inferno tiver sido completada, isto leva à meditação sobre o
sofrimento dos espíritos famintos e dos animais. Tendo feito essa me-
ditação, uma pessoa novamente pensa sobre todos os sofrimentos dos
humanos e celestiais. Todos esses sofrimentos surgem dos carmas das
impurezas.
Oh bom homem! Na vida dos céus, não temos quaisquer desses tipos
de grande sofrimento. O corpo é leve, delicado e suave. [Mas,] quando
alguém vê os cinco presságios do declínio, um grande sofrimento sobe
à sua cabeça. Isto é como o sofrimento do inferno, que se procede da
mesma maneira, tudo igualmente.
Oh bom homem! Se uma pessoa sábia pode meditar bem sobre os oito
sofrimentos como nas ações sagradas, saiba que essa pessoa de fato se
aparta de todos os sofrimentos.
A Casa do Tesouro
O Buda disse: “Todas as coisas são nada mais que ações puras.”
Oh bom homem! É como com o Vazio, onde repousa tudo o que existe.
Assim é com esse Sutra, que é a morada do Bom Dharma.
Oh bom homem! É como (os grãos de) as areias do Rio Ganges, que
ninguém pode contar. Assim é com os significados desse Sutra. Nin-
guém pode realmente contá-los completamente.
Oh bom homem! Esse Sutra serve como o melhor [remédio] para todos
os seres que estão sofrendo de doenças. É como o Todo-Maravilhoso
Rei dos Remédios do (Monte) Gandhamadana, que cura completamen-
te todas as doenças.
Oh bom homem! Esse Sutra realmente serve como uma ponte para
todas as pessoas más, assim como uma ponte permite que mesmo
todas as pessoas más do mundo passem sobre ela.
Oh bom homem! Esse Sutra realmente serve como uma sombra fresca
para todos aqueles que carregam suas vidas nos cinco reinos, onde
sentem calor devido às impurezas, servindo-lhes como um pára-sol que
protege bem a pessoa do calor.
Oh bom homem! Esse Sutra guarda todas as boas leis, assim como a
terra, que serve como um suporte para todas as coisas.
Oh bom homem! Esse Sutra serve como roupa para aqueles que não
sentem vergonha do que fizeram, assim como a roupa que pode cobrir
bem e esconder a forma carnal.
Oh bom homem! Esse Sutra serve como uma grande Casa do Tesouro
para aqueles que estão carentes de boas coisas, assim como Gunadevi
concede benefícios aos pobres.
Oh bom homem! Esse Sutra serve como uma cama do Dharma para
aqueles que têm as preocupações das impurezas, assim como a cama
da paz que serve às pessoas do mundo.
[O Buda disse:] “Como Eu já disse, este Sutra abarca todas as leis. Mas,
Eu declarei que as ações puras sobre as quais Eu falo nada mais são
que os 37 elementos concernentes ao Bodhi [Iluminação]. Oh bom
homem! Separado dos 37 elementos da Iluminação, não se pode atin-
gir a fruição da prática do Sravaka e a Iluminação Insuperável, não se
pode ver a Natureza de Buda, nem a fruição que surge da Natureza de
Buda. Assim sendo, ações puras são os 37 elementos do Bodhi [‘bodhi-
pakshikadharma’ – os 37 pré-requisitos para atingir a Iluminação. In-
cluem atenção plena, e o Nobre Caminho Óctuplo]. Como podemos
dizer isto? Porque os 37 elementos concernentes à Iluminação são
aqueles fatores que, por natureza, não estão invertidos e que realmen-
te suplantam as inversões. Eles são, por natureza, visões não errôneas,
e podem verdadeiramente aniquilar as visões errôneas. Eles são, por
natureza, destemidos, e debelam o medo. Eles são, por natureza, ações
puras, tal que os seres finalmente vêm a praticar ações puras.”
O Buda disse: “Oh bom homem! Bem falado, bem falado! O que você
fala, Bodhisattva, concerne a duas coisas. Uma é para o seu próprio
bem, e a outra é para o conhecimento dos outros. Agora você sabe,
mas uma vez que inumeráveis outros seres ainda não compreendem,
então você indaga. Assim, Eu agora o elogio novamente. Muito bem,
muito bem! Oh bom homem! A raiz dos 37 elementos concernentes à
Iluminação é o desejo. A causa é o toque do brilho; o que abarca é
‘sentimento’; o que acrescenta é ‘pensamento’; o ‘mestre’ é ‘recorda-
ção’ (‘mentalização’); o que leva (conduz) é ‘dhyana’ [meditação]; o
que é superior é ‘Sabedoria’; o que é verdadeiro é ‘Emancipação’; e o
ultimado é Grande Nirvana.
“Oh bom homem! O Tathagata disse antes que os seres primeiro vêm a
saber dos 37 fatores da Iluminação. O Buda é a raiz. O despertar de-
pende do desejo.”
O Toque do Brilho
“Oh Honrado pelo Mundo! O que você quer dizer quando fala que ‘o
toque do brilho’ é a causa?”
“Oh bom homem! O Tathagata às vezes fala sobre brilho e diz que é
Sabedoria; e às vezes (ele quer dizer) ‘Fé’. Oh bom homem! Através das
relações causais da fé, uma pessoa se aproxima de um Bom Mestre da
Via. Isto é toque [contato]. A relação causal dessa aproximação leva a
pessoa a dar ouvido ao Dharma Maravilhoso. Isto é ‘toque’. Quando
alguém ouve o Dharma Maravilhoso, o corpo, a boca e a mente dessa
pessoa tornam-se puros. Isto é ‘toque’. Através da pureza das três a-
ções, ganha-se uma vida correta. Isto é ‘toque’. Através de uma vida
correta, ganha-se os shila (preceitos) que purificam os sentidos orgâni-
cos. Por conta dos preceitos que purificam os sentidos orgânicos, pro-
cura-se um lugar silencioso. Na quietude, pensa-se sobre o bem. Atra-
Do Sentimento à Consecução
“Oh bom homem! A raiz se refere ao que está a ter lugar (surgir); a
causa é o que se assemelha; aumento é cortar a semelhança e, no en-
tanto, é evocar a semelhança. Também, além disso, oh bom homem! A
raiz é fazer, a causa é fruição (posse/usufruto), e aumento é o uso. Oh
bom homem! O mundo que está por vir (futuro) contempla os resulta-
dos cármicos. Mas, ainda não [os] recebe. Chamamos isto de ‘causa’.
Quando recebidos, aquilo é ‘aumento’. Também, além disso, oh bom
homem! A raiz é buscar; ganhar é a causa, e usar é aumento.
A Meditação Grosseira
‘Também, ouvi que nos primórdios do kalpa [aeon, era], havia muitos
seres. Cada um era trajado nas melhores virtudes. A luz que emanava
dos seus corpos era tão intensa que não se dependia em nada das lu-
zes do sol e da lua. [Mas,] devido ao poder do não-eterno, a luz desva-
neceu e as virtudes diminuíram. Também, ouvi que viveu, em tempos
passados, um Chakravartin [imperador do mundo] que governou sobre
Capítulo 44: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 5 Página 363
os quatro continentes. As sete gemas [que ele possuía] eram perfeitas,
e seu poder era altamente irrestrito. E ainda assim, ele não podia der-
rotar o não-eterno’.
Também, ele medita que sobre a grande terra, num tempo passado,
inumeráveis seres estavam totalmente estabilizados na vida e desfru-
tavam de paz, tal que nenhum sulco de roda se sobrepunha a outro.
Remédios maravilhosos estavam à mão, e as pessoas cresciam e pros-
peravam. Arbustos, árvores e frutos eram abundantes. Os seres foram
[gradualmente] menos abençoados e essa grande terra tinha pouca
força. Tudo o que crescia se desperdiçava. Por isso, deve-se saber que
todas as coisas são não-eternas.
A Meditação Minuciosa
[O Buda disse:] “Como com todas as coisas que existem dentro e fora,
assim se dá com o que se obtém na mente. Por quê? Porque a ação (da
mente) se obtém nas seis esferas (dos sentidos). Quando se obtém isto
nas seis esferas, surgem a mente feliz, a mente irada, a mente do dese-
jo, ou a mente da cobiça. A vida continua de maneira diversa, uma
após a outra, e não pode ser una. Por essa razão, se tem que saber que
tudo o que é físico e não-físico é não-eterno.
Também, além disso, ele medita sobre todas as coisas [assim]: ‘Há uma
conjunção daquilo que é diferente. Todas as coisas não surgem de uma
única conjunção. Também, uma coisa não é o resultado da conjunção
de todas as coisas. A conjunção de todas as coisas não possui um Eu de
si própria. Também, não há uma natureza única e nem diferentes natu-
rezas. Também, não há natureza da forma material, e nem desimpe-
dimento [liberdade irrestrita, desobstrução]. Se todas as coisas possu-
em esse aspecto da existência, como pode um sábio dizer que existe o
Eu?’
Também, ele pensa: ‘De todas as coisas, não há uma sequer que seja
criada por si mesma. Se não houvesse uma coisa que a tivesse criado, a
conjunção de todas as coisas não poderia acontecer. Todas as coisas
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 366
não podem surgir sozinhas (por si mesmas) e morrer sozinhas. Através
[do ato da] da conjunção, elas morrem, e através da conjunção, elas
surgem.
Oh bom homem! Os sábios que são perfeitos nas quatro imagens pra-
ticarão uma imagem e pensarão que não há nada para agradá-los, e
pensarão para si: ‘Em todo o mundo, não há lugar onde o nascimento,
velhice, doença e morte não existam. E não há lugar onde eu não tenha
nascido. Se não há lugar onde não se encontre nascimento, velhice,
doença e morte; como posso me sentir feliz com o mundo? Em todo o
mundo, se segue em frente e não há lugar onde não se possa voltar.
Por isso, o mundo é definitivamente não-eterno. Se ele é não-eterno,
como uma pessoa sábia pode sentir felicidade? Cada ser dá a volta ao
mundo e, minuto a minuto, sofre e sente alegria. Pode-se ser abençoa-
do com o corpo do Brahma e atingir uma vida como a do céu da irrefle-
xão-não-irreflexão. Mas, quando a vida termina, ganha-se a vida no-
vamente nos três reinos do infortúnio. Uma pessoa pode adquirir o
Capítulo 44: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 5 Página 369
corpo dos quatro guardiões da terra, ou aquele do Paranirmitavasavar-
tin, mas quando a sua vida termina, ela cai novamente nos três reinos
do infortúnio. Ou pode nascer como um leão, um tigre, um búfalo chi-
nês, um chacal, um lobo, um elefante, um cavalo, uma vaca, ou um
burro’.
O Brilho da Sabedoria
Extinção Momentânea
“Oh bom homem! Por exemplo, há quatro pessoas, todas exímias ati-
radoras. Elas se reúnem num lugar, e cada uma atira uma flecha numa
direção [particular]. Todas elas pensam: ‘Nós todos atiramos flechas
juntos, todas as quais cairão’. E uma pessoa pensa: ‘Antes que as qua-
tro flechas caiam ao chão, eu as capturarei com minhas mãos’. Assim
ele pensa. Oh bom homem! Essa pessoa age rapidamente ou não?”
O Buda disse: “Oh bom homem! O demônio que vive sobre a terra
move-se mais rapidamente do que essa pessoa. Há um demônio voa-
dor que se move mais rápido que aquele sobre a terra. Os quatro guar-
diões da terra movem-se ainda mais rápido que o demônio voador. O
sol e a lua, e os seres celestiais movem-se mais rápido que os quatro
guardiões da terra. O garuda se move mais rápido que o sol e a lua. A
duração de vida de um humano se vai mais rapidamente que um garu-
da. Oh bom homem! Em uma respiração e num piscar de olhos, a vida
de um ser surge e morre 400 vezes. Se uma pessoa sábia medita sobre
a vida humana assim, isto é meditar sobre a extinção momentânea.
Quando a pessoa sábia está realizada nas seis imagens, isto se torna a
causa das sete imagens. Quais são as sete? Elas são: 1) sempre praticar
as imagens, 2) sentir alegria na prática das imagens, 3) a imagem da
não-ira, 4) a imagem de não ser invejoso, 5) a imagem de buscar o
bem, 6) a imagem de não ser orgulhoso, e 7) ser desimpedido no sa-
madhi.
Também, isto é ser versado nos sete tipos de palavras de todos os Bu-
das, e também (isto é) cortar a malha de dúvidas com respeito ao que
existe lá nos sete tipos de palavras da visão correta.
Oh, Kaudinya! A forma física é a causa das inumeráveis coisas más. Ela
é o corpo carnal do macho, etc. É o alimento do amor da luxúria. É a
cobiça, a ira, e a inveja. É uma mente má e rancorosa. É o alimento
vulgar [isto é, o alimento que tem aroma, sabor e textura; e que pode
ser cortado e comido], o alimento da consciência [isto é, a consciência
servindo como alimento. Por exemplo, o poder mental que às vezes
suprime o sentido da fome de alguém], o alimento do pensamento
[isto é, o poder do pensamento, ou o poder da volição], e o alimento
do tato [isto é, o sentido emocional que às vezes serve para suprimir o
sentido da fome de alguém]. Há o nascimento-do-ovo, o nascimento-
do-embrião, e o nascimento-da-transformação. Há os cinco desejos e
os cinco obscurecimentos (ofuscamentos). Todas essas coisas estão
baseadas na forma material.
Então, havia um Nirgrantha que disse: “Oh irmãos! Minha mente está
magoada. Isso não é devido aos oferecimentos dos meus discípulos. O
problema é que o mundo é ignorante e cego, e não conhece o que é
um campo de prosperidade (bênçãos) e o que não é. Por fazerem ofe-
recimentos a um jovem, abandonando os velhos e sábios Brâmanes.
Isto é o que me preocupa. O Shramana Gautama sabe muito de feitiça-
Capítulo 45: Sobre Kaundinya 1 Página 381
ria. Por este meio, ele apresenta um corpo em numerosas formas, e
numerosas formas em um corpo; ou ele apresenta-se como um ho-
mem, mulher, vaca, carneiro, elefante, ou cavalo. Eu destruirei essa
feitiçaria. Quando Shramana Gautama se for, vocês voltarão a desfru-
tar de muitos oferecimentos e serão abençoados com a paz.”
O Rei disse: “Oh todos vocês, grandes! O que os incita, a tal ponto de
tornarem-se exasperados e inquietos como grandes ondas de água, ou
como círculos de fogo, ou como macacos que se lançam por entre as
árvores? Isto é uma vergonha. Se os sábios ouvirem sobre isto, sentirão
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 384
piedade de vocês. Se os ignorantes ouvirem sobre isto, rirão de vocês.
O que vocês dizem não é apropriado para qualquer pessoa retirante-
do-mundo. Se vocês estão sofrendo da doença do ar (respiratória) ou
da varíola da água amarela, eu tenho o remédio para tudo isto. Eu os
curarei. Se trata-se de alguma doença de um demônio, meu médico da
família, Jivaka [um famoso médico da residência real de Ajatasatru],
acabará completamente com ela. Todos vocês pretendem agora arran-
car o Monte Sumeru com suas mãos e unhas, ou tentar mastigar e roer
um diamante.
O rei disse: “Todos vocês! Se vocês não acreditam no que lhes digo, o
Tathagata, o Corretamente-Iluminado, está agora na floresta das árvo-
res sala. Vocês podem ir e questionar ou reprovar-lhe como queiram. O
Tathagata também verá vocês e para o seu benefício explicará as coisas
em detalhes e responderá suas questões.”
O Brâmane disse: “Você diz que Nirvana é eterno. Mas este não é o
caso. Por que não? O que se obtém no mundo é que de uma semente
surge o fruto. Isso continua, e não há interrupção. Isto é como com um
vaso, que vem do barro e do tecido. Você, Gautama, sempre diz:
‘Quando se pratica a imagem do não-eterno, chega-se ao Nirvana’.
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 386
Você, Gautama, também diz: ‘Quando se acaba com o desejo e a cobi-
ça, isto é Nirvana. Quando se acaba com a cobiça do corpo [‘rupa’] e do
não-corpo, isto é Nirvana. Quando se acaba com as impurezas da igno-
rância, isto é Nirvana’. Tudo, desde o desejo até a impureza da igno-
rância, é não-eterno. Se a causa é não-eterna, o Nirvana que surge
[dela] também deve ser não-eterno. Você, Gautama, também diz: ‘A-
través da causa vem o nascimento no céu; através da causa ganha-se o
inferno; e através da causa (vem) a emancipação. Assim, todas as coi-
sas surgem das causas’. Se a Emancipação resulta de uma causa, como
se pode chamá-la de eterna?
Você, Gautama, também diz: ‘A forma [‘rupa’] vem das relações cau-
sais. Por isso, é não-eterna. Assim também é com o sentimento, per-
cepção, volição, e consciência’. Se Emancipação é forma, saiba que o
que há [aqui] é não-eterno. Assim também se estabelece com o senti-
mento, percepção, volição, e consciência. Se existe qualquer Emanci-
pação fora dos cinco skandhas, tal Emancipação é Vazio. Se é Vazio,
não podemos dizer que as coisas vêm das relações causais. Por que
não? Porque a eternidade é única e permeia todos os lugares. Você,
Gautama, também diz que o que surge da causação é sofrimento. Se é
sofrimento, como podemos dizer que Emancipação é Êxtase?
O Buda disse: “Oh Brâmane! Agora lhe indagarei sobre o que você diz.
Responda exatamente como você pensa!”
Capítulo 45: Sobre Kaundinya 1 Página 387
O Brâmane disse: “Bem falado, Gautama!”
“Oh Brâmane! Essa natureza se torna a causa das coisas dentro e fo-
ra?”
“É assim, Gautama.”
“Oh Brâmane! Essas coisas desde ‘grande’, etc. (até a ignorância), são
eternas ou não-eternas?”
“Oh Brâmane! Com base no que você diz, parece que de acordo com
você a causa é eterna e o fruto é não-eterno. Ora, que erro poderia
“Não, Oh Gautama!”
Como eles (os Budas) não diferem (em suas palavras)? O que é ‘é’ é
declarado como ‘é’; e tudo que é ‘não-é’ é estabelecido como sendo
‘não-é’. Por isso, significado único. Oh Brâmane! O Tathagata-Honrado-
pelo-Mundo diz duas coisas. Isto é apenas para revelar uma palavra.
Como duas palavras podem revelar uma? É como no caso das duas
palavras do ‘olho’ e ‘forma’, as quais evocam uma palavra: ‘consciência
viva’. Assim se obtém com a mente um dharma.”
Então o Honrado pelo Mundo falou das Quatro (Nobres) Verdades. “Oh
Brâmane! Falemos da ‘Verdade do Sofrimento’, a qual é duas e tam-
bém uma. Isto se aplica por extensão até a ‘Verdade da Via’, que no-
vamente é duas e também uma.
“É assim, Oh Brahmacarin!”
“É assim, Oh Brahmacarin!”
Vasistha disse: “Há quatro instâncias onde eu digo ‘não-é’. Estas são: 1)
uma coisa que ainda não surgiu. Isto é um ‘não-é’. Isto é como no caso
de um vaso quando ele ainda não surgiu do barro. E dizemos que não
existe o vaso; 2) o que se foi é chamado ‘não-é’. Isto é como no caso de
um vaso quebrado. Naquela ocasião, dizemos que não existe o vaso; 3)
o que não existe nas coisas que são diferentes na natureza, onde dize-
mos ‘não-é’, como no caso de uma vaca, em que não há nada de um
cavalo, e no caso do cavalo, em que não existe uma vaca; 4) quando
nada existe em qualquer que seja a circunstância, como no caso do
cabelo de uma tartaruga ou dos chifres de uma lebre. Oh bom homem!
Se Nirvana é aquilo que ‘é’ quando as impurezas se acabam, Nirvana é
um ‘não-é’. Se for assim, como podemos dizer que há o Eterno, Êxtase,
o Eu, e o Puro?”
O Buda disse: “Oh bom homem! Nirvana não é como um vaso que não
existia quando ainda no barro. Também, não é como o ‘não-é’ da ex-
tinção, ou o ‘não-é’ de um vaso que quebrou. Também, não é o ‘não-é’
do absoluto ‘não-é’, como no caso do cabelo de uma tartaruga ou dos
Oh bom homem! Você pode dizer que não existe cavalo em uma vaca.
Mas, você não pode dizer: ‘Não existe cavalo’. Não existe vaca em um
cavalo, mas você não pode dizer: ‘Não existe vaca’. Assim acontece
também com o Nirvana. Não há Nirvana na impureza, e nem impureza
no Nirvana. Assim, dizemos que diferentes coisas não se possuem mu-
tuamente.”
Vasistha disse: “Oh Gautama! Se você disser que Nirvana é o que não
existe em outra coisa, isto implicará em dizer que o Eterno, Êxtase, o
Eu, e o Puro não existem na singularidade (indivisível = 相無相 = One-
ness ou none-ness; unidade ultimada, ou a unidade do absoluto, não
há diversidade) de uma coisa diferente. Oh Gautama! Como você pode
dizer que existe o Eterno, Êxtase, o Eu, e o Puro?”
O Buda disse: “Há três singularidades naquilo que você diz. O caso da
vaca e do cavalo é o que não foi antes, mas agora é. Isto é o que não foi
antes. O que foi, mas agora não é [mais], é o que vem quando uma
coisa quebra. O ‘não-é’ pela via da diferença (na natureza) é como você
diz. Oh bom homem! Não encontramos esses três tipos de ‘não-é’ no
Nirvana. Portanto, Nirvana é o Eterno, Êxtase, o Eu, e o Puro.
Isto é como com quem está doente, [onde ou há]: 1) febre, 2) doença
do ar (respiratória), ou 3) frio. Essas podem ser bem curadas pelos três
tipos de remédio. Uma pessoa sofrendo de febre pode ser bem curada
pela manteiga; alguém sofrendo do ar pode ser curado pelo óleo; e
uma pessoa que está sofrendo de frio pode ser curada de fato pelo
mel. Esses três tipos de remédio podem realmente curar os três tipos
de enfermidades. Oh bom homem! No ar, não há óleo, e no óleo não
O Buda disse: “Oh bom homem! Como você conhece o Eterno e o não-
eterno?”
Vasistha disse: “Eu agora sei que o eu e a forma são não-eternos e que
a Emancipação é Eterna. Assim é com [os cinco skandhas], até a cons-
ciência.”
“Oh bom homem! Agora você retribua bem a esse corpo carnal aquilo
que você deve.”
Kaundinya, assim instruído pelo Buda, foi para onde a pessoa vivia e fez
oferecimentos. Então, Vasistha, por ocasião da sua cremação, realizou
muitos milagres divinos. Todos os tirthikas viram isto e clamaram alto:
“Esse Vasistha adquiriu feitiçaria no lugar do Shramana Gautama.”
O Buda disse: “Oh Senika! Você diz que esse eu permeia todos os luga-
res?”
O Buda disse: “Oh bom homem! Você diz que o eu permeia todos os
lugares. Se ele está no eu criado, saiba que tal eu é não-eterno. Se não
está no criado, como você pode dizer que ele permeia todos os luga-
res?”
O Buda disse: “Oh bom homem! Você diz: ‘O eu sobre o qual falo é
onipresente e eterno’. Mas, isto não é assim. Por que não? Há dois
tipos daquilo que interpenetra. Eles são: 1) eterno, e 2) não-eterno.
Novamente, há dois tipos, a saber: 1) forma, e 2) não-forma. Por isso,
quando se diz que tudo existe, isto significa que é eterno e não-eterno;
é forma e não-forma. Você pode dizer que o dono da casa está fora de
casa, e que não há não-eterno a surgir. Mas, isto não é assim. Por quê?
A casa não é o dono e o dono não é a casa. Aquilo que é diferente (dis-
tinto) é queimado, e o que é diferente está fora. Assim segue a lógica.
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 396
O eu não é nada assim. Por que não? O eu é forma, e a forma é o eu.
Não-forma é o eu, e o eu é não-forma. Como você pode dizer que
quando a forma sofre mudança, o eu está fora dela?
Oh bom homem! Você pode dizer que todos os seres possuem o mes-
mo eu. Mas isto é contrário ao que se constata no mundo secular ou
no mundo supramundano. Por quê? O que se obtém no mundo secular
fala de pai e mãe, menino e menina. Se dissermos: ‘O eu é único; o pai
é o filho, e o filho é o pai; a mãe é a filha, e a filha é a mãe; o inimigo é o
amigo, e o amigo é o inimigo; isto é aquilo, e aquilo é isto. Consequen-
temente, todos os seres possuem o mesmo eu’ – isto é contrário ao
que se constata no mundo secular ou no mundo supramundano.”
Senika disse: “Eu, também, não digo que todos os seres possuem um
eu. Eu digo que cada pessoa possui um eu.”
O Buda disse: “Oh bom homem! Se for dito que cada pessoa possui um
eu, isto significa nada mais que há muitos ‘eus’. Isto não é assim. Por
que não? Você disse antes que o eu interpenetra (todas as coisas e
lugares). Se o eu vai a todos os lugares, a raiz cármica de todos os seres
deve ser a mesma. Quando o céu vê, o Buda vê; quando o céu age, o
Buda age, quando o céu ouve, o Buda ouve. Todas as coisas deveriam
ser assim. Se o céu pode ver e o Buda não pode, não podemos dizer
que o eu se estenda a todos os lugares. Se ele é não-interpenetrante,
isto é nada mais que o não-eterno.”
O Buda disse: “Oh bom homem! Não é o caso que lei e não-lei são o
que se faz?”
Capítulo 45: Sobre Kaundinya 1 Página 397
Senika disse: “Essas são as obras das próprias ações.”
O Buda disse: “Se lei [dharma, aquilo que existe] e não-lei são o que se
faz, isto significa a mesma coisa. Como elas poderiam ser diferentes?
Por quê? Quando o Buda adquire a ação na mão, o céu adquire o eu;
quando o céu adquire a ação na mão, o Buda adquire o eu. Por isso,
quando o Buda pode fazer (isto é, adquire a ação), o céu pode fazer.
Deve-se obter lei e não-lei assim. Oh bom homem! Portanto, se a lei e
não-lei dos seres é assim, não pode haver qualquer outro resultado
cármico diferente.
O Buda disse: “Oh bom homem! Você pega o caso da luz de uma lâm-
pada e pretende explicar o eu. Isto não se aplica bem. Por que não? A
sala é diferente e a lâmpada é diferente. A luz da lâmpada envolve a
mecha e também permeia a sala. Se o eu sobre o qual você fala é as-
sim, esse eu deve situar-se em torno da lei e da não-lei. Deve haver lei
e não-lei no eu. Se lei e não-lei não existem no eu, não se pode dizer:
‘ele permeia todos os lugares’. Se (lei, não-lei, e eu) vão juntos, como
podemos empregar a analogia da luz da mecha? Oh bom homem! Se
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 398
você realmente pretende dizer que a mecha e a luz são diferentes, por
que é que quando o número de mechas aumenta, a luz torna-se mais
brilhante, e quando a mecha é gasta, a luz também desvanece? Por
isso, podemos comparar lei e não-lei à mecha e a luz, e a não-diferença
da luz ao eu. Por quê? Porque os três – lei, não-lei, e eu – são unos.”
“Oh bom homem! Eu emprego analogias. Mas essas nada têm a ver
com o que é feliz ou infeliz. Eu concordo com a sua vontade, e na ana-
logia Eu digo que há luz longe da mecha e que há luz junto à mecha.
Sua mente não é equânime. Você deliberadamente pega o caso da
mecha e da lâmpada, compara estes com lei e não-lei, e compara a luz
ao eu. Este é o porquê pretendo reprová-lo [neste ponto]. A mecha é a
luz. Há alguma luz distante (apartada) da mecha? Dharma é ao mesmo
tempo o eu; o eu é ao mesmo tempo Dharma. Não-Dharma é ao mes-
mo tempo o eu, e o eu é ao mesmo tempo não-Dhama. Agora, você
diz: ‘Porque se pega um aspecto e não o outro?’ Mas tal analogia é
infeliz para você. Esse é o porquê o subjugo. Oh bom homem! Essa
analogia não funciona bem como uma analogia. Devido ao fato de que
ela não constitui uma analogia, ela funciona favoravelmente ao meu
lado, e não do seu. Oh bom homem! Você pode pensar: ‘Se é infeliz
para mim, também não é assim para você?’ Mas isto não é assim. Por
que não? No mundo vemos uma pessoa que se mata com sua própria
espada; o que é feito pelas próprias mãos é feito uso por outros. A
analogia que você emprega funciona do mesmo jeito. A sorte está do
meu lado e a má sorte do seu.”
“Oh bom homem! Você também diz que se ganha nascimento no in-
ferno, ganha-se nascimento no reino dos espíritos famintos, ganha-se
nascimento no reino animal, e ganha-se nascimento nos mundos dos
humanos e seres celestiais. Se o eu já permeia os cinco reinos, pode-se
dizer que se ganha vida nos vários reinos? Você diz que através da
harmonia dos pais, uma criança surge. Se existe uma criança de ante-
mão, como se pode dizer que através da harmonização uma criança
surge? Por essa razão (da harmonização dos pais), se possui o corpo
dos cinco reinos. Se for o caso que esses cinco reinos já precedam a
existência do corpo carnal, como se pode dizer que promulga-se o
carma? Por isso, (esse eu) é desigual.
Oh bom homem! Você pode pretender dizer que o eu é aquele que faz.
Mas isto não é assim. Por que não? Se o eu é aquele que faz [isto é,
perpetra as ações], porque se faria o que é doloroso para si? Mas nós
realmente vemos seres que sofrem de dor. Disto, pode-se saber que o
eu não é aquele que faz. Se estamos a dizer que essa dor não é o que é
feito pelo eu, e que ela não surge de uma causa, isto deve significar que
todas as coisas, também, não surgem de uma causa. Baseado em que
você diz que é obra do eu?
“Oh bom homem! A foice e o homem são coisas diferentes. Por essa
razão, uma pessoa pode de fato pegar uma foice e fazer coisas. À parte
dos sentidos orgânicos, não pode haver eu. Como se pode dizer: ‘O eu
pode [agir] com todos os sentidos orgânicos?’ Oh bom homem! Se
você pretende dizer que uma pessoa pode de fato ceifar quando ela
pega uma foice, e o mesmo é o caso com o eu – esse eu possui uma
mão ou não? Se ele (o eu) é que faz, por que não pega (a foice) [isto é,
por que o eu não pega diretamente a foice, sem o uso das mãos]? Se o
eu não tem mãos, como podemos dizer que o eu é alguém que faz? Oh
bom homem! O que corta a grama é a foice. Não é o eu, nem é o ho-
mem. Se o eu e o homem pudessem de fato cortar, por que depende-
riam de alguma foice?
Senika disse: “Oh Gautama! Há dois ‘eus’. Um sabe e o outro não sabe.
O eu que não sabe realmente ganha o corpo físico, e o eu que sabe
abandona seu próprio eu. Isso é como com um vaso de barro que,
quando tratado num forno, muda sua cor e nada mais há que possa
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 402
advir. É assim também com as impurezas de uma pessoa sábia. Não há
mais o surgimento [delas].”
Senika disse: “Oh Gautama! Se for altruísta, quem pode lembrar bem?”
O Buda disse a Senika: “Se existe o eu, por que esquecemos? Oh bom
homem! Se lembrança é o eu, por que lembramos coisas infelizes,
Capítulo 45: Sobre Kaundinya 1 Página 403
lembramos o que não desejamos lembrar, e não lembramos o que
pretendemos lembrar?”
Eu Fantasma
Senika disse: “Oh Gautama! Se não existe o eu, quem vê e quem ou-
ve?”
Oh bom homem! Essa consciência dos olhos não existe no olho, nem
no desejo, etc. As quatro coisas se associam e adquirimos essa consci-
ência. É o mesmo com a consciência da mente. Se as coisas vêm a ser
assim, não podemos dizer que conhecimento e visão são o eu, e que o
tato é o eu.
Senika disse: “Oh Gautama! Se altruísta, por que dizemos ‘eu vejo’, ‘eu
tenho tristeza’, ‘eu sinto felicidade’, ‘eu tenho apreensão’, ou ‘eu sou
feliz’?
O Buda disse: “Oh bom homem! Se dizemos ‘eu vejo’, ‘eu ouço’, etc.,
isto implica que existe um eu. Por que o mundo diz: ‘Os pecados das
nossas ações não são o que eu vejo e ouço a respeito?’ Oh bom ho-
mem! A conjunção das quatro armas [isto é, as quatro forças constitu-
intes de um exército] é designada como um ‘exército’. Essas quatro
(armas) não são uma, mas nós dizemos: ‘Nosso exército é valente,
nosso exército é superior ao seu’. É o mesmo com o que surge através
da conjunção das esferas interna e externa (dos sentidos), também.
Embora elas não sejam uma, dizemos: ‘eu faço’, ‘eu sinto’, ‘eu vejo’, ‘eu
ouço’, ‘eu tenho tristeza’, ‘eu sinto felicidade’.
Senika disse: Oh Gautama! Você diz que não há eu, e nada que perten-
ça ao eu. Então, por que você fala do Eterno, Êxtase, o Eu, e o Puro?”
O Buda disse: “Nobre filho, eu nunca disse que as seis esferas internas
e externas dos sentidos (ayatanas) e as seis consciências são o Eterno,
Êxtase, o Eu, e o Puro. Mas, eu declaro que a cessação das seis (esferas)
internas e externas, e das seis consciências que surgem delas, é deno-
minado o Eterno. Por ser Eterno, é o Eu. Porque há Eternidade e o Eu, é
denominado Êxtase. Porque é o Eterno, o Eu, e Êxtase, é denominado
Puro. Nobre filho, as pessoas comuns abominam o sofrimento e, atra-
vés da eliminação da causa do sofrimento, elas podem livremente dis-
tanciar-se dele. Isto é denominado Eu. Portanto, Eu tenho falado do
Eterno, do Eu, do Êxtase, e do Puro.”
Senika indagou: “De acordo com a opinião de Gautama que não existe
o ‘eu’, então permita-me indagar sobre qual pode ser o significado
daquela descrição que ele deu do Nirvana, que é permanente, repleto
de alegria, individual, e puro?”
O Buda disse: “Oh jovem ilustre, Eu não digo que os seis órgãos (senso-
riais) internos e externos, ou as várias espécies de conhecimento, são
permanentes, etc. Mas, o que Eu digo é sobre ‘o que’ é permanente,
repleto de alegria, individual, e puro, que resta após os seis órgãos e os
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 406
seis objetos dos sentidos, e os vários tipos de conhecimento, terem sido
todos destruídos. Jovem ilustre, quando o mundo, cansado de tristeza,
afasta-se e separa-se da causa de toda essa tristeza, então, através
dessa rejeição voluntária dela, lá resta aquilo que eu chamo de Verda-
deiro Eu; e é deste (Eu) que Eu declaro claramente a fórmula, que é
permanente, repleto de alegria, individual, e puro.” ].
Orgulho
Senika disse: “Oh Honrado pelo Mundo! É assim, é assim! Tudo é como
o vosso ensino sagrado diz. Eu tenho, desde o início, arrogância; estou
baseado nas relações causais dessa arrogância. Esse é o porquê dirijo-
“Oh Honrado pelo Mundo! A forma física [‘rupa’] da qual falamos não é
nossa própria, nem a dos outros, e nem aquela dos seres. Assim se
passa com todos [os skandhas] até a consciência. Ao ver as coisas as-
sim, cheguei ao Olho do Dharma Correto. Oh Honrado pelo Mundo!
Agora estou muito ansioso para renunciar ao mundo e ser admitido na
Ordem. Seja bondoso o bastante para admitir-me na Ordem!”
O Tathagata nada disse. Assim, ele indagou uma segunda e uma tercei-
ra vez.
“Oh bom homem! Ambos, corpo e vida, surgem das relações causais.
Eu digo que nada surge sem as relações causais. Como com o corpo e a
vida, assim se procede com todas as coisas.”
O Buda disse: “Oh bom homem! Eu digo que esse fogo, também, surge
das relações causais. Não é o caso que ele não esteja de acordo com
qualquer causa.”
O Buda disse: “Oh bom homem! Embora não haja combustível nas
centelhas, o vento as carrega. Através do fator causal do vento, o fogo
não se extingue.”
“Oh Gautama! Uma pessoa morre, mas ainda não adquire seu próximo
corpo. Como podemos chamar a vida que existe no intermédio de pro-
duto de relações causais?”
Capítulo 45: Sobre Kaundinya 1 Página 409
O Buda disse: “Oh Brahmacarin! A ignorância e o desejo são as relações
causais. Através das relações causais da ignorância e do desejo, a vida é
capaz de ser sustentada. Oh bom homem! Através das relações cau-
sais, o corpo pode ser vida, e a vida o corpo. Através das relações cau-
sais, o corpo é distinto, e a vida distinta. Uma pessoa sábia não diria
que o corpo e a vida são completamente distintos.”
“Oh bom homem! De que maneira você veio a saber e de que maneira
você compreendeu?”
O Buda disse: “Oh Purana! Eu nunca digo que o mundo onde vivemos é
eterno, falsamente constituído, ou real; que ele é não-eterno, eterno e
não-eterno, ou não-eterno e não não-eterno; que ele tem ou não tem
uma linha limítrofe, que é algo que tem uma linha limítrofe e algo que
não tem uma linha limítrofe; que isto é o corpo, isto é vida, que o corpo
e a vida são distintos, que após a morte do Tathagata, ele é alguém que
se foi, alguém que não se foi, alguém que se foi e não se foi, ou que ele
não é alguém que se foi, nem alguém que não se foi.”
Purana ainda questionou: “Oh Gautama! Que erro você vê nisto, que
você não diz?”
“Oh Gautama! Se você vê esse lapso, não se apega a ele e não fala
sobre ele, oh Gautama, o que você vê agora, a que se apega, e sobre o
que fala?”
Purana disse: “Oh Gautama! Por que o Corpo Eterno não tem leste,
nem oeste, nem sul, e nem norte?”
O Buda disse: “Oh bom homem! Agora colocarei uma questão para
você. Responda como desejar. Por quê? É como fazer um grande fogo
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 412
diante de você. Quando ele queima, você sabe se está queimando ou
não?”
“Oh Honrado pelo Mundo! Por exemplo, fora de uma grande aldeia, há
uma floresta de árvores sala. Há uma árvore nela. Antes que a floresta
viesse a existir, essa (árvore) nasceu, e 100 anos se passaram. O dono
da floresta deu-lhe água e gastou muito tempo em cuidados com ela. A
árvore está velha e podre, e a casca, galhos e folhas todas caem. O que
existe é quietude e verdade. É o mesmo com o Tathagata. Tudo o que é
velho se vai; o que existe é o que é verdadeiro. Oh Honrado pelo Mun-
do! Agora desejo muito mais renunciar ao mundo e praticar a Via.”
O Brahmacarin disse: “Oh Gautama! O que os seres sabem, tal que eles
não vêem desde o eterno até o não-ir e não não-ir do mundo?”
O Buda disse: “Oh bom homem! Eles conhecem desde a forma materi-
al até a consciência, tal que não vêem desde o eterno até o não-ir e
não não-ir.”
“Há o ‘não-bom’?”
O Buda disse: “Oh bom homem! Não há somente um, dois, três, ou
quinhentos, mas inumeráveis Monges que acabaram com todas essas
impurezas e coisas do ‘é’, tais como desejo, ira, ignorância e todas es-
sas impurezas.”
O Buda disse: “Oh bom homem! Não há apenas um, dois, três, ou qui-
nhentos, mas incontáveis Leigos que foram fiéis aos preceitos, empre-
enderam esforços, cujas ações foram puras, e que, tendo despedaçado
a malha de dúvidas, destruíram os cinco laços das impurezas [isto é, a
cobiça (ou desejo), má vontade, ignorância, inveja, e mesquinhez, que
levam alguém ao renascimento nos três reinos do infortúnio do infer-
no, espíritos famintos, e animais], atingindo assim a fruição do Anaga-
min, e que ao alcançarem a outra margem para além das dúvidas, aca-
baram com o malha de dúvidas.”
“Oh bom homem! Desses, não há somente um, dois, três, ou quinhen-
tos. Há incontáveis pessoas que destruíram os três grilhões, atingindo
assim a fruição do Srotapanna e, crescendo menos no desejo, má-
vontade e ignorância, alcançaram assim a fruição do Sakrdagamin. É o
mesmo com Leigos e Leigas.”
O Buda disse: “Bem falado, bem falado! Fale o que você deseja falar.”
“Oh Honrado pelo Mundo! Se não é de um único tipo, por favor, admi-
ta-me na Ordem.”
Então, o Honrado pelo Mundo disse a Kaundinya: “Cuide para que esse
Vatsiputriya seja admitido na Ordem e que receba os preceitos.”
O Buda disse: “Oh bom homem! Faça esforços e pratique duas coisas, a
saber: 1) samatha [meditação calma], e 2) vipasyana [meditação de
insight]. Oh bom homem! Se qualquer Monge deseja atingir a fruição
do Srotapanna, essa pessoa deve praticar essas duas coisas. Se alguém
deseja atingir as fruições do Sakrdagamin, Anagamin, e Arhatship, essa
pessoa também deve praticar o mesmo.
Também, além disso, oh Gautama! Cada ser tem uma natureza dife-
rente daquela dos outros. Esse é o porquê dizermos que todas as coi-
sas têm as suas próprias naturezas. A tartaruga é nascida sobre a terra,
mas facilmente vai para dentro da água; o bezerro, tão logo após o
nascimento, facilmente bebe o leite; o peixe vê a isca no anzol e espon-
tânea e avidamente a morde; a víbora, tão logo nasce, apoia-se (raste-
ja) sobre a terra. Quem ensina tais coisas? Quando um espinho apare-
ce, sua ponta é sempre aguda; as cores dos pássaros voando diferem
de uns para outros. Assim é com os seres do mundo. Há aqueles de
inteligência aguçada e aqueles que são deficientes, aqueles que são
ricos e aqueles que são pobres; há aqueles que são bem-afeiçoados e
aqueles que são feios; há aqueles que atingem a emancipação e aque-
les que ganham nascimento nos baixos estados. Disto, podemos saber
que há uma natureza para cada existência.
Também, uma pessoa, através dos cinco campos dos sentidos, adquire
não-desejo, não-ira, e não-ignorância. Por isso, todas as coisas não
necessariamente surgem devido às relações causais, mas devido à
natureza de cada coisa.
O Buda disse: “Oh bom homem! Você diz que é com todas as coisas
conforme é com as naturezas dos cinco grandes elementos. Mas isto
não é assim. Por que não? Você diz que os cinco grandes elementos
são eternos. Por quê? Todas as coisas são não-eternas. Se o que existe
no mundo é não-eterno, como podem esses cinco grandes elementos
não ser não-eternos? Se os cinco grandes elementos são eternos, tudo
o que existe no mundo também deve ser eterno. Portanto, quando
você diz que os cinco grandes elementos têm as suas próprias nature-
zas, que eles não dependem das relações causais, e que o caso de to-
das as coisas é como aquele dos cinco grandes elementos, isto não tem
base [verdadeira] para se sustentar. Oh bom homem! Você diz que
como há lugares onde (cada uma das) coisas se aplicam, (então) as
coisas devem ter naturezas de si próprias. Mas isto não é assim. Por
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 424
que não? Porque elas (as coisas) adquirem suas denominações através
das relações causais. Se um nome vem de uma causa, o significado
deve vir de uma causa. Por que dizemos que o nome vem através da
causa? O que é usado sobre a testa é chamado ornamento para a ca-
beça, o que é usado no pescoço é um colar, o quer é usado no braço é
um bracelete, e o que é usado numa carroça são rodas. Se o fogo
queima grama e plantas, falamos de fogo de grama e plantas. Oh bom
homem! Uma árvore, quando nasce, não possui a natureza da flecha
ou alabarda. Através das relações causais, o artesão a pega e faz fle-
chas; através das relações causais ele faz uma alabarda dela. Assim,
não podemos dizer que as coisas possuem naturezas de si próprias.
Oh bom homem! Você diz que a tartaruga nasce sobre a terra e que
por sua própria natureza ela vai para dentro da água; que o bezerro,
quando nasce, bebe o leite por sua própria natureza, e que as coisas se
procedem assim. Mas isto não é assim. Por que não? Se não for através
das relações causais que ela (a tartaruga) vai para dentro da água, não
há nada no mundo que seja baseado nas relações causais. Sendo as-
sim, por que é que ela não vai para dentro do fogo? O bezerro bebe
leite tão logo nasce. Se isto não for através das relações causais, não
pode haver nenhuma relação causal para falar a respeito. Por que ele
não mama no chifre?
Oh bom homem! Você diz que todas as coisas têm a sua própria natu-
reza-inata, que não há necessidade de aprender, e que não há desen-
volvimento. Mas isto não é assim. Por que não? Ora, há ensinamento e,
através desse ensinamento, há crescimento [desenvolvimento]. Por
isso, saiba que não existe natureza de si mesmo.
Oh bom homem! Se você diz que todas as coisas têm a sua própria
natureza, saiba que todas as coisas devem ter uma natureza determi-
nada. Se há uma natureza determinada, como é que uma simples coi-
sa, a cana de açúcar, pode tornar-se suco, melaço, caramelo, licor, e
vinagre? Se há uma natureza única, como poderiam surgir essas coi-
sas? Se essas coisas surgem de uma única coisa, saiba que isto indica
que todas as coisas não podem ser determinadamente uma, e de natu-
reza única.
Oh bom homem! Você pode dizer que o corpo existe antes; e que,
portanto, não existe causa sobre a qual falar. Mas isto não é assim. Por
que não? Se você pretende dizer que não há causa sobre a qual falar
em razão do fato de que o corpo surge primeiro e não há relações cau-
sais, então você não pode dizer que todas as coisas dependem da cau-
salidade. Você pode dizer que como você não vê, não há causa sobre a
qual falar. Mas agora vemos um vaso que surgiu das relações causais.
Por que não podemos dizer que o corpo surge como no caso do vaso
de barro?
Oh bom homem! Se você diz que todas as coisas têm a sua própria
natureza, e que não há relações causais, como você pode explicar os
cinco grandes elementos? Esses cinco grandes elementos são nada
mais que o resultado (produto) de relações causais.
Oh bom homem! Você diz que você adquire a cobiça das cinco poeiras
[isto é, os cinco campos sensoriais] e que uma pessoa não se torna
emancipada. Isto não é assim. Por que não? Oh bom homem! Uma
pessoa adquire desejo e se torna emancipada. Embora isto possa não
surgir das relações causais das cinco poeiras, a pessoa adquire desejo
devido aos maus sentidos do mundo, e ela ganha a emancipação atra-
vés dos bons sentidos do mundo. Oh bom homem! Através das rela-
ções causais internas, a pessoa adquire desejo e emancipação; através
das relações causais externas vem o crescimento. Assim, contraria a
razão dizer que as coisas têm as naturezas de si próprias, que uma
pessoa não adquire desejo dos das cinco poeiras, e que a pessoa alcan-
ça a emancipação.
O Buda disse: “As relações causais desse corpo carnal estão baseadas
nas impurezas e no carma.”
O Brahmacarin ainda disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Por favor, seja
gentil o bastante para analisar e expor a mim, tal que eu possa real-
mente ouvir e imediatamente cortar as amarras.”
“Oh Honrado pelo Mundo! Os dois lados são ‘forma material’ e ‘eman-
cipação da forma material’, e o intermédio é o ‘Nobre Caminho Óctu-
plo’. Assim também se dá com o sentimento, percepção, volição, e
consciência.”
O Buda disse: “Bem falado, bem falado, oh bom homem! Agora você
veio a saber dos dois lados e cortar as impurezas e o carma.”
O Brâmane disse: “Oh Gautama! Você vê bem a minha mente. Por que
você permanece em silêncio e não me responde?”
Kaundinya disse: “Bem falado, bem falado! Você agora aspira à Grande
Mente (do Bodhi).”
O Buda disse: “Não diga assim, não diga assim, oh Kaundinya! Não é o
caso que esse Brâmane agora aspira pela primeira vez à esta (Grande)
Mente. Há um longo, longo tempo atrás, no distante passado de incon-
táveis Budas, havia um Buda chamado ‘Tathagata Todo-Brilhante’,
Merecedor de Ofertas, Plenamente-Iluminado, Todo-Realizado, Bem-
Aventurado, Pleno-Conhecedor (de Conhecimento Correto e Univer-
sal), de Sabedoria Insuperável, Melhor Treinador, Mestre de Seres
Celestiais e Humanos, Buda, Honrado pelo Mundo. Essa pessoa [isto é,
esse Brâmane] já aspirou ao Insuperável Bodhichitta no lugar daquele
Buda. Ele agora atingirá o Estado de Buda nesse Bhadrakalpa. De há
muito, ele é versado no Dharma. Para o benefício dos seres, ele vive
como um tirthika, e apresenta-se como alguém não versado no Dhar-
ma. Por essa razão, Kaundinya, você não deve dizer: ‘Bem falado, bem
falado! Você agora aspira à Grande Mente’.”
Oh Honrado pelo Mundo! Ananda, vendo isto, pensa para si: ‘Não te-
nho visto tais milagres. Quem está fazendo tudo isto? Ou todos estes
(milagres) são do Buda Shakyamuni’? Ele deseja levantar-se, falar, mas
a ação não obedece a sua vontade. Isto é devido ao fato de que Anan-
da foi capturado nas armadilhas de Mara. Ele também pensa: ‘Tudo o
que esses Budas dizem não é o mesmo. A quais palavras eu deveria dar
ouvido agora’? Oh Honrado pelo Mundo! Ananda está sofrendo gran-
demente neste momento. Embora ele pense no Tathagata, ninguém
vem salvá-lo. Esse é o porquê ele não está aqui em meio aos congrega-
dos.”
Eu então disse: ‘Oh Shariputra! Você já está bastante velho. Use al-
guém mais. Como você pode desejar me servir’?
Ananda disse: ‘Oh todos vocês virtuosos! Não posso servir bem o Ta-
thagata. Por que não? O Tathagata é austero, como o Rei dos Leões;
ele é como o dragão e o fogo. Eu sou ainda impuro e fraco. Como pos-
so realmente servi-lo’?
Quais são as oito? Elas são: 1) sua fé é forte, 2) sua mente é correta, 3)
seu corpo é sem doença ou dor, 4) ele faz esforços irremitentes, 5) [ele
é] perfeito na mente em oração, 6) sua mente não tem arrogância, 7)
[ele é] perfeito na mente determinada, e 8) através da audição [do
Dharma] o conhecimento surge.