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2010

Sutra Mahayana do
Mahaparinirvana
TOMO IV – O Rugido do Leão

Tradução original para o Inglês de Kosho Yamamoto.


Editado e revisado por Dr. Tony Page
Tradução para português do Brasil por
Marcos Ubirajara de Carvalho e Camargo

Marcos Ubirajara de Carvalho e Camargo


Cristal Perfeito
08/10/2010
Copyright © 2009 por Marcos Ubirajara de Carvalho e Camargo

Sutra Mahayana do
Mahaparinirvana
TOMO IV – O Rugido do Leão

Tradução original para o Inglês de Kosho Yamamoto.


Editado e revisado por Dr. Tony Page
Tradução para português do Brasil por
Marcos Ubirajara de Carvalho e Camargo

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 2


Capítulo Trinta e Três: Sobre o Bodhisattva
Rugido do Leão 1
Então o Buda disse a todos aqueles lá congregados: “Todos vocês bons
homens! Caso tenham alguma dúvida quanto a saber se o Buda existe
ou não, se o Dharma existe ou não, se a Sangha existe ou não, se o
sofrimento existe ou não, se a causa do sofrimento existe ou não, se a
extinção (do sofrimento) existe ou não, se a Via (para extinção do so-
frimento) existe ou não, se a Realidade Última (Paramartha-satya) exis-
te ou não, se o Eu existe ou não, se o Êxtase existe ou não, se a Pureza
existe ou não, se a Eternidade existe ou não, se um Veículo existe ou
não, se a Natureza (de Buda) existe ou não, se o ser existe ou não, se o
‘é’ existe ou não, se a Verdade existe ou não, se a causação existe ou
não, se o resultado existe ou não, se a ação existe ou não, se o carma
existe ou não, se o resultado cármico existe ou não; agora lhes permiti-
rei indagar livremente. Agora explicarei em detalhes para vocês. Oh
bons homens! Todos os devas, humanos, Maras, Brahmas, Shramanas
e Brâhmanes têm indagado, e eu nunca fui incapaz de responder.”

O Rugido do Leão

Então, havia em meio aos congregados um Bodhisattva chamado ‘Ru-


gido do Leão’. Ele levantou-se, arrumou seu robe, tocou os pés do Bu-
da, prostrou-se, juntou suas mãos, e disse ao Buda: “Oh Honrado pelo
Mundo! Eu desejo indagar. Por favor, permita-me indagar, oh Grande
Compassivo!”

Então, o Buda disse a toda a congregação: “Oh bons homens! Agora


vocês deveriam honrar muito, respeitar e elogiar este Bodhisattva.
Façam oferecimentos de incenso e flores, de música, de colares, estan-
dartes, dosséis, roupas, comidas, bebidas, roupas de cama, remédios,
casas e palácios, e acompanhem as suas idas e vindas. Por quê? Porque
no passado esse Bodhisattva realizou com nobreza todas as boas ações

Capítulo 33: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 1 Página 3


nos lugares (nas funções) dos Budas, e ele está repleto de virtudes. Em
razão disto, ele agora deseja emitir um rugido do leão diante de mim.
Oh bons homens! Ele é como um Rei-Leão. Ele conhece seu próprio
poder, possui dentes afiados, e suas quatro patas firmam-se sobre o
chão. Ele vive em uma gruta rochosa; ele abana sua cauda e dá um
rugido. Quando ele se apresenta assim, ele sabe que de fato emite um
rugido de leão. O verdadeiro Rei-Leão emerge da sua caverna logo ao
amanhecer. Ele alonga o seu corpo e boceja. Olha ao redor, rosna e
ruge para onze coisas. Quais são aquelas onze?

Primeira, ele deseja esmagar uma pessoa que, não sendo [verdadeira-
mente] um leão, tem a pretensão de apresentar-se como um leão.

Segunda, ele agora deseja testar a sua própria força física.

Terceira, ele deseja purificar o lugar onde ele vive.

Quarta, ele deseja conhecer os lugares onde todos os outros estão


vivendo.

Quinta, ele não teme qualquer outro.

Sexta, ele deseja despertar aqueles que estão dormindo.

Sétima, ele deseja tornar todos os animais indolentes em não-


indolentes.

Oitava, ele deseja que todos os animais venham e rendam-se [para


ele].

Nona, ele deseja subjugar o grande gandhahastin (elefante almiscara-


do).

Décima, ele deseja testar todos os filhos.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 4


Décima primeira, ele deseja adornar todos aqueles com os quais ele
está relacionado.

Todos os pássaros e animais ouvem o rugido do leão. Aqueles da água


escondem-se nas profundezas, aqueles sobre a terra em grutas e ca-
vernas, aqueles que voam caem ao chão, e todos aqueles grandes gan-
dhahastins tornam-se assustados e expelem impurezas (se purificam).
Oh todos vocês bons homens! Uma raposa pode seguir um leão por
cem anos, no entanto, ela não pode rugir. A situação é como aquela. O
filho de um leão, na idade de três anos completos, pode verdadeira-
mente rugir, como um Rei-Leão.

Os Passos do Leão

Oh bons homens! O Tathagata, com as presas e garras da Sabedoria da


Correta Iluminação, com as patas das quatro desobstruções (sabedori-
as sem obstruções / mentes ilimitadas), com o corpo repleto dos seis
paramitas, com a briosa coragem dos dez poderes, com a cauda do
Grande Amor-Benevolente, e vivendo nas grutas puras dos quatro
dhyanas, emite o rugido do leão e esmaga os exércitos de Mara, reve-
lando a todos os seres os dez poderes e abrindo o lugar para onde vai o
Buda. Ele se torna um refúgio para todos aqueles que abandonam as
visões distorcidas, ele consola os seres que temem o nascimento e a
morte, ele desperta os seres que dormem na ignorância, ele proclama
para aqueles de visões distorcidas que o que os seis mestres [isto é,
mestres de seis escolas de crenças não-Budistas] dizem não é o rugido
do leão, ele esmaga as mentes arrogantes de Puranakashyapa [isto é,
um dos seis mestres] e outros, ele faz com que os dois veículos (srava-
ka e pratyekabuda) se tornem arrependidos, ele ensina todos os Bodhi-
sattvas do quinto estágio (abode, bhumi) e possibilita-lhes adquirir uma
mente de grande poder, ele faz com que as quatro classes da Sangha
que perseveram em visões corretas não temam as quatro classes da
Sangha que persistem em visões distorcidas. Ele emerge das grutas das

Capítulo 33: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 1 Página 5


ações sagradas, ações puras e ações divinas de modo a esmagar a arro-
gância de todos os seres. Ele boceja de modo a evocar o Dharma Ma-
ravilhoso. Ele olha nas quatro direções de modo a fazer com que os
seres obtenham as quatro (sabedorias) sem obstruções. Suas quatro
patas firmam-se no chão, tal que os seres possam residir (se estabele-
cer) pacificamente no shilaparamita. Assim, ele emite o rugido do leão.
Emitir um rugido de leão significa fazer saber que todos os seres pos-
suem a Natureza-de-Buda e que o Tathagata é Eterno e Imutável.

Oh bons homens! Os Sravakas e Pratyekabudas seguem o Tathagata-


Honrado-pelo-Mundo por um período de inumeráveis centenas de
milhares de asamkhyas de kalpas e, no entanto, são incapazes de emi-
tir o rugido do leão. Se os Bodhisattvas dos dez estágios (bhumis) pude-
rem praticar essas três ações (ações sagradas, ações puras e ações
divinas), saibam que eles estarão aptos a emitir o rugido do leão. Oh
todos vocês bons homens! Agora, esse Bodhisattva Rugido do Leão
deseja emitir o grande rugido do leão. Assim sendo, façam oferecimen-
tos a ele com o mais profundo pensamento, respeito, honra e louvem-
no.”

Então, o Honrado pelo Mundo falou ao Bodhisattva-Mahasattva Rugi-


do do Leão: “Oh bom homem! Se você deseja indagar qualquer coisa,
coloque agora as suas questões.”

O Bodhisattvva-Mahasattva Rugido do Leão disse ao Buda: “Oh Honra-


do pelo Mundo! O que é a Natureza-de-Buda? Por que falamos da
Natureza-de-Buda? Por que dizemos Eterno, Êxtase, Eu, e Puro? Se
todos os seres possuem a Natureza-de-Buda, por que é que eles não
vêem a sua própria Natureza-de-Buda? Em qual dos estágios dos dez
‘bhumis’ os Bodhisattvas vivem, e por que eles não podem vê-la clara-
mente [isto é, a Natureza-de-Buda]? Residindo em qual dharma o Buda
pode vê-la claramente? Com quais olhos os Bodhisattvas dos estágios
dos dez ‘bhumis’ não podem vê-la claramente? Com quais olhos o Bu-
da pode vê-la claramente?”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 6


O Buda disse: “Bem falado, bem falado, oh bom homem! Se qualquer
pessoa presta homenagem ao Dharma, ela receberá dois adornos. Um
é a Sabedoria, o outro é o bem-estar. Se qualquer Bodhisattva é perfei-
to nesses dois adornos, ele será capaz de conhecer a Natureza-de-Buda
e saberá por que falamos ‘Natureza-de-Buda’. Também, ele poderá ver
com quais olhos os Bodhisattvas dos dez ‘bhumis’ vêem e com quais
olhos os Budas vêem.”

O Bodhisattva Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! O que


é o adorno da Sabedoria?”

“Oh bom homem! O adorno da Sabedoria refere-se ao que pertence


desde o primeiro ‘bhumi’ até o décimo. O adorno do bem-estar refere-
se desde danaparamita [doação transcendente] até prajna [Sabedoria].
Isto não é prajnaparamita [Sabedoria transcendente].

Também, além disso, oh bom homem! O adorno da sabedoria é ne-


nhum outro senão todos os Budas e Bodhisattvas. O adorno do bem-
estar refere-se aos Sravakas, Pratyekabudas, e os Bodhisattvas dos
nove ‘bhumis’.

Também, além disso, oh bom homem! O adorno do bem-estar é a lei


[dharma] dos mortais comuns, sendo o criado, o ‘asvárico’ [impuro], o
existente, aquele que engendra resultados cármicos, aquele que tem
obstruções, e é não-eterno.

Oh bom homem! Agora você possui esses dois adornos. Esse é o por-
quê você coloca essas questões profundamente enraizadas. Eu, tam-
bém, possuo esses adornos e responderei suas questões.”

O Bodhisattva-Mahasattva Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo


Mundo! Se o Bodhisattva possui esses dois adornos, não pode haver
indagação de uma ou duas questões. Por que você, o Honrado pelo
Mundo, diz que responderá a uma ou duas? Por quê? Todas as coisas

Capítulo 33: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 1 Página 7


não possuem um ou dois tipos. Declarar um ou dois é responder às
necessidades dos mortais comuns.”

O Buda disse: “Oh bom homem! Se o Bodhisattva não tivesse um ou


dois adornos, não poderíamos saber que existem um ou dois adornos.
Se o Bodhisattva tem dois adornos, podemos também nos certificar de
um ou dois tipos. Você diz que todas as coisas não são de um ou dois
(tipos). Mas, você está errado. Por quê? Se não há um ou dois, como
podemos dizer que todas as coisas não possuem um ou dois? Oh bom
homem! Se você diz que falar de um ou dois se refere à fase do mortal
comum, isto se refere ao Bodhisattva da graduação dos dez ‘bhumis’.
Essa pessoa não é um mortal comum. Por que não? ‘Um’ se refere ao
Nirvana; ‘dois’ se refere ao nascimento e a morte.

Por que é que ‘um’ é nada mais que Nirvana? Porque ele é Eterno. Por
que é que ‘dois’ é nascimento e morte? Em razão do desejo [‘trisna’] e
da ignorância. O Nirvana Eterno não é uma fase do mortal comum; o
‘dois’ do nascimento e da morte também não é uma fase do mortal
comum. Em razão disto, tendo (o Bodhisattva) adquirido os dois ador-
nos, pergunta-se bem e responde-se bem.

Natureza de Buda

Oh bom homem! Se você deseja saber o que é a Natureza-de-Buda,


ouça atentamente, ouça atentamente. Agora analisarei e a explanarei
para você.

Oh bom homem! A Natureza-de-Buda é nenhuma outra senão o Todo-


Vazio do ‘Paramartha-satya’ [Realidade última]. O Todo-Vazio do ‘Pa-
ramartha-satya’ é Sabedoria. Dizemos ‘Todo-Vazio’. Isto não se refere a
nenhum Vazio [Vacuidade], e nem não-Vazio. A Sabedoria [‘jnana’] vê o
Vazio e o não-Vazio, o Eterno e o não-Eterno, Sofrimento e Êxtase, o Eu
e o não-Eu. O Vazio refere-se a todos os nascimentos e mortes. O Não-

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Vazio refere-se ao Grande Nirvana. E o não-Eu é nada mais que nasci-
mento e morte. O Eu refere-se ao Grande Nirvana.

Se alguém vê o Todo-Vazio, mas não vê o não-Vazio, não falamos disto


como Caminho Médio. Ou se alguém vê o não-Eu de todas as coisas,
mas não vê o Eu, não chamamos isto de Caminho Médio.

O Caminho Médio é a Natureza-de-Buda. Por essa razão, a Natureza-


de-Buda é Eterna e imutável. Como a ignorância a encobre, todos os
seres são incapazes de vê-la. O Sravaka e o Pratyekabuda vêem o Todo-
Vazio de todas as coisas. Mas eles não vêem o não-Vazio. Ou eles vêem
o não-Eu de todas as coisas, mas eles não vêem o Eu. Em razão disto,
eles são incapazes de alcançar o Todo-Vazio do ‘Paramartha-satya’.
Uma vez que eles falham em alcançar o Todo-Vazio do ‘Paramartha-
satya’, eles falham em promulgar o Caminho Médio. Desde que não
haja Caminho Médio, não há visão da Natureza-de-Buda.

Oh bom homem! Há três visões do Caminho Médio [isto é, constituin-


tes do Caminho Médio]. A primeira é a ação definitivamente feliz (ale-
gre); a segunda é a ação definitivamente triste; a terceira é a ação tris-
te-feliz.

Dizemos ‘ação definitivamente feliz’. Isto é como no caso do assim


chamado Bodhisattva-Mahasattva que, sentindo piedade de todos os
seres, vive no Inferno Avichi e, no entanto, sente as coisas com a felici-
dade do Céu do terceiro dhyana.

Dizemos ‘ação definitivamente triste’, referindo-se a todos os mortais


comuns.

Dizemos ‘ação definitivamente triste-feliz’. Isto faz alusão aos Sravakas


e Pratyekabudas. Os Sravakas e Pratyekabudas sentem tristeza e felici-
dade, e ganham a idéia de Caminho Médio. Por essa razão, embora
uma pessoa possua a Natureza-de-Buda, ela não pode vê-la bem.

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Oh bom homem! Você diz que falamos da ‘Natureza-de-Buda’. Oh bom
homem! A Natureza-de-Buda é a semente do Caminho Médio da Ilu-
minação Insuperável de todos os Budas.

Os Três Caminhos

Também, além disso, oh bom homem! Há três tipos de caminhos, quais


sejam: o inferior, o superior, e o médio. O inferior refere-se ao não-
eterno do Brahma, no qual se interpreta erroneamente o não-eterno
como Eterno. O superior refere-se ao não-eterno do nascimento e da
morte, que as pessoas erroneamente concebem como Eterno. Os Três
Tesouros que são Eternos são erroneamente concebidos como não-
eternos. Por que o chamamos de superior? Porque através dele alcan-
ça-se a Iluminação Insuperável.

O Caminho Médio é o Todo-Vazio do ‘Paramartha-satya’. Este vê o não-


eterno como não-eterno e o Eterno como Eterno. O Todo-Vazio do
‘Paramartha-satya’ não é ‘inferior’. Por que não? Porque é o que todos
os mortais comuns não possuem (ou seja, interpretam o não-eterno
como Eterno). Não o chamamos de ‘superior’. Por que não? Porque
não é o que todos os mortais comuns possuem (ou seja, o não-eterno
do nascimento e da morte). O Caminho de todos os Budas e Bodhisatt-
vas nem é superior e nem inferior. O chamamos de Caminho Médio.

Também, além disso, oh bom homem! Há dois tipos de morada original


do nascimento e morte. Uma é a ignorância, e a outra é o apego àquilo
que existe. Entre [essas] duas estão os sofrimentos do nascimento,
velhice, doença e morte. Chamamos isto de Caminho Médio. Este Ca-
minho Médio destrói completamente o nascimento e a morte. Este é o
porquê dizemos ‘Médio’. Este é o porquê chamamos o ensinamento do
Caminho Médio de Natureza-de-Buda. Portanto, a Natureza-de-Buda é
o Eterno, o Êxtase, o Eu, e o Puro. Todos os seres não vêem isto. Assim,
[para eles] não há Eternidade, nem Êxtase, nem Eu, e nem Pureza. A

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Natureza-de-Buda não é não-Eterna, nem não-Êxtase, nem não-Eu, e
nem não-Pureza.

Oh bom homem! Existe um homem pobre, em cuja casa há um depósi-


to de tesouros. Mas o homem não pode vê-lo. Assim, não há Eternida-
de, nem Êxtase, nem Eu, e nem Pureza. Lá existe um Bom Mestre da
Via que diz para ele: ‘Você tem um tesouro em sua casa, no qual existe
ouro. Por que você é pobre, tem preocupações, e não tem a Eternida-
de, nem Êxtase, nem Eu, e nem Pureza?’ Utilizando meios, ele capacita
o homem a ver isto. Ao ver isto, a pessoa obtém o Eterno, o Êxtase, o
Eu, e o Puro. É assim. O caso é o mesmo com a Natureza-de-Buda. Os
seres não podem vê-la. Ao não vê-la, nenhuma Eternidade, nem Êxta-
se, nem Eu, e nem Pureza existe [para eles]. O Bom Mestre da Via,
todos os Budas e Bodhisattvas, promulgando os meios e contando-lhes
várias histórias esclarecedoras, capacita-os a ver. Através dessa visão,
esses seres encontram o Eterno, o Êxtase, o Eu, e o Puro.

Também, além disso, oh bom homem! Há duas formas através das


quais os seres vêem. Uma é o ‘é’, e a outra é ‘não-é’. Essas duas não
são o Caminho Médio. Quando não há ‘é’ e nem ‘não-é’, temos o Ca-
minho Médio. O que vê como não ‘é’ e não ‘não-é’ é o Saber [‘jnana’]
que medita e percebe os 12 elos da interdependência. Esse tipo de
Saber que vê é a Natureza-de-Buda. Os dois veículos podem meditar
sobre relações causais, mas isso não pode ser chamado de Natureza-
de-Buda.

A Natureza-de-Buda é Eterna. Mas, todos os seres não podem vê-la em


razão do (seu) encobrimento pela ignorância. Eles ainda não podem
atravessar as águas dos 12 elos da interdependência – é como se fos-
sem como lebres e cavalos. Por quê? Porque não podem ver a Nature-
za-de-Buda.

Oh bom homem! A Sabedoria que pode meditar sobre os 12 elos da


interdependência é a semente que alcança a Iluminação Insuperável.

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Por esta razão, chamamos os 12 elos da interdependência de Natureza-
de-Buda.

Oh bom homem! Por exemplo, chamamos o pepino de ‘febre’. Por


quê? Porque ele contém a febre. O mesmo é o caso com os 12 elos da
interdependência.

Oh bom homem! A Natureza-de-Buda tem uma causa e a causa da


causa; ela tem um resultado e um resultado do resultado. A ‘causa’ são
os 12 elos da interdependência. A causa da causa é a Sabedoria. O
‘resultado’ é a Iluminação Insuperável. O resultado do resultado é Ma-
haparinirvana.

Oh bom homem! Por exemplo, a ignorância é a causa, e todas as ações


o resultado. ‘Ação’ é a causa, e a consciência é o resultado. Em razão
disto, o corpo da ignorância é a causa (da ação) e também a causa da
causa (a consciência). Consciência é o resultado e, também, o resultado
do resultado. O mesmo é o caso com a Natureza-de-Buda.

Oh bom homem! Em razão disto, os 12 elos da interdependência são


nem extinguir e nem extinção, nem eternidade e nem rompimento,
nem um e nem dois, nem vir e nem ir, nem causa e nem resultado. Oh
bom homem! É a causa e não o resultado, como no caso da Natureza-
de-Buda. É o resultado e não a causa, como no caso do Grande Nirva-
na. É a causa e é o resultado, como no caso dos 12 elos da interdepen-
dência. Sem-causa e sem-resultado é a Natureza-de-Buda. Como ela
não surge da causalidade, é eterna e imutável. Este é o porquê dizemos
no sutra: ‘O significado dos 12 elos da interdependência é profunda-
mente enraizado e ninguém pode apreendê-lo, ver ou concebê-lo.
Todas [essas] coisas são do mundo de todos os Budas e Bodhisattvas.
Não está ao alcance de Sravakas e Pratyekabudas.

Por que é que essas coisas são profundamente enraizadas? O que to-
dos os seres fazem é não-eterno e não-rompente (não-disrupção). No
entanto, os resultados surgem das ações cometidas. Eles se desinte-
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 12
gram momento após momento e, no entanto, não há nada que seja
perdido (enquanto resultado do que fazem). Ninguém pode viver (e-
ternamente) e, no entanto, resta o carma. Pode não haver ninguém
para receber e, no entanto, existe o resultado cármico. Aquele que
colhe pode ter partido, mas o resultado não morre. Embora não seja
pensado ou conhecido, existe harmonização [isto é, interconexão de
causa e resultado]. Todos os seres viajam juntos com os 12 elos da
interdependência, que eles não vêem ou conhecem. Não vendo ou
conhecendo, não há fim e nem começo. Os Bodhisattvas da graduação
dos dez bhumis vêem somente o fim, mas não vêem o começo. O Bu-
da-Todo-Honrado-pelo-Mundo vê o começo e o fim. Isto faz com que
todos os Budas vejam claramente a Natureza-de-Buda.

A Visão dos 12 Elos da Interdependência

Oh bom homem! Todos os seres são incapazes de ver os 12 elos da


interdependência. Portanto, eles montam sobre a roda da transmigra-
ção. Oh bom homem! Exatamente como o bicho-da-seda faz um casu-
lo, nasce e morre por si mesmo, assim se procedem as coisas com to-
dos os seres. Como eles não vêem a Natureza-de-Buda, eles geram um
carma de impurezas e repetem nascimentos e mortes, exatamente
como uma pessoa impele uma bola (com os pés). Oh bom homem!
Este é o porquê eu digo no sutra: ‘Alguém que veja os 12 elos da inter-
dependência vê o Dharma; alguém que veja o Dharma vê o Buda’. ‘O
Buda é nenhum outro senão a Natureza de Buda’. Por que é assim?
Porque todos os Budas fazem disto a sua própria natureza.

Oh bom homem! Há quatro níveis de Conhecimento que vêem os 12


elos da interdependência. Estes são: 1) baixo, 2) médio, 3) alto, e 4)
superior. Uma pessoa da baixa posição não vê a Natureza de Buda. Não
a alcançando, ela obtém a forma (via) de um Sravaka. Aqueles da posi-
ção mediana também não vêem a Natureza de Buda. Percebendo a
Natureza de Buda, eles ganham a forma de um Pratyekabuda. Aqueles

Capítulo 33: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 1 Página 13


da posição alta vêem, mas não claramente. Não sendo claro, eles vi-
vem no plano dos 10 ‘bhumis’ (são Bodhisattvas). As pessoas da posi-
ção superior vêem claramente. Assim, eles atingem a Iluminação Insu-
perável. Em razão disto, chamamos os 12 elos da interdependência de
Natureza de Buda. A Natureza de Buda é o Todo-Vazio da ‘Paramartha-
satya’. O Todo-Vazio da ‘Paramartha-satya’ é o Caminho Médio. O
Caminho Médio é o Buda. O Buda é Nirvana.”

O Bodhisattva-Mahasattva Rugido do Leão disse ao Buda: “Oh Honrado


pelo Mundo! Se não existe diferença entre o Buda e a Natureza-de-
Buda, por que todos os seres deveriam praticar particularmente a Via?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Sua questão é mal colocada. ‘O Buda e
a Natureza de Buda não são diferentes’. Mas os seres ainda não estão
dotados (munidos) com isso.

Oh bom homem! Por exemplo, há um homem que persevera no mal e


mata a sua mãe. Ao matá-la, ele se arrepende. Ela é alguém das três
boas ações. Mas, esse alguém cai no inferno. Por quê? Porque essa
pessoa seguramente ganhará o inferno. Muito embora essa pessoa não
tenha nenhum dos cinco skandhas, os 18 reinos e as 12 esferas, ainda a
chamamos de uma pessoa do inferno.

Oh bom homem! Este é o porquê Eu digo em todos os sutras: ‘Qual-


quer pessoa que veja um outro fazendo o bem, isto equivale a ver um
deva [divindade]; qualquer um que veja uma pessoa fazendo o mal vê
o inferno. Por quê? Porque os resultados cármicos seguramente a-
guardam aquela pessoa’.

A Iluminação Insuperável Final de Todos os Seres

Oh bom homem! Como todos os seres finalmente ganharão a Ilumina-


ção Insuperável, Eu digo que todos os seres possuem a Natureza de

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 14


Buda. Os seres realmente não possuem os 32 sinais da perfeição e as
80 características menores de excelência. Assim, neste sutra, Eu digo
num gatha:

‘O que originalmente foi, agora não é mais;


o que originalmente não foi, agora é;
Nada pode existir como ‘é’
sucedendo-se nos Três Tempos’.

Oh bom homem! Há três tipos daquilo que existe. Um é o que virá nos
dias futuros, o segundo é o que existe atualmente, o terceiro é o que
existiu no passado. ‘Todos os seres alcançarão a Iluminação Insuperável
nos dias futuros’. [Isto é a Natureza de Buda]. Todos os seres agora
possuem todos os laços das impurezas. Assim, eles não possuem no
presente as 32 marcas da perfeição e as 80 características menores de
excelência. Desse modo, os seres que cortaram os laços das impurezas
no passado vêem, no presente, a Natureza de Buda. Assim, Eu sempre
digo que todos os seres possuem a Natureza de Buda. Eu digo que
mesmo o icchantika possui a Natureza de Buda. O icchantika não tem o
bom dharma. A Natureza de Buda também é um bom Dharma. Como
há dias a vir, existe a possibilidade de o icchantika possuir a Natureza
de Buda. Por quê? Porque todos os icchantikas podem finalmente atin-
gir a Iluminação Insuperável.

Oh bom homem! Como um exemplo: há um homem que tem certa


quantidade de nata. As pessoas indagam: ‘Você tem alguma mantei-
ga’? Ele responde: ‘Eu tenho’. Mas, para dizer a verdade, nata não é
manteiga. Habilidosamente trabalhada [isto é, usando meios habilido-
sos], ele está certo de obtê-la. Assim, ele diz que tem a manteiga. É o
mesmo com os seres. Eles possuem a mente. ‘Qualquer um com uma
mente asseguradamente encontrará a Iluminação Insuperável’. Este é
o porquê Eu sempre digo que todos os seres possuem a Natureza de
Buda.

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O Absoluto

Oh bom homem! Sobre o absoluto, existem dois tipos. Um é o absoluto


no adorno, e o outro é o absoluto ultimado (final). Um é o absoluto no
sentido secular, e o outro é o absoluto no sentido supramundano. Por
absoluto no adorno se entende os seis paramitas; o absoluto ultimado
é o Veículo Único que os seres obtêm. O Veículo Único é a Natureza de
Buda. Este é o porquê eu digo que todos os seres possuem a Natureza
de Buda. Todos os seres possuem o Veículo Único. Como a ignorância
encobre-lhes, eles não podem ver. Oh bom homem! No Uttarakuru, a
fruição do Céu Trayastrimsa não pode ser vista pelos seres porque há o
encobrimento [da ignorância]. É o mesmo com relação à Natureza de
Buda. Os seres não podem vê-la em razão do encobrimento pelas im-
purezas.

O Samadhi Surangama

Também, além disso, oh bom homem! ‘A Natureza de Buda é o Sama-


dhi Surangama’ [o mais profundo estado de absorção meditativa]. A
sua natureza é como o sarpirmanda [o mais delicioso e eficaz de todos
os remédios derivados do leite]. É a mãe para todos os Budas. Através
da força do poder do Samadhi Surangama, todos os Budas alcançam o
Eterno, o Êxtase, o Eu e o Puro. Todos os seres possuem o Samadhi
Surangama. Ao não praticar, eles não podem vê-lo. Consequentemen-
te, não há a consecução da Iluminação Insuperável.

Oh bom homem! O Samadhi Surangama possui cinco nomes, os quais


são: 1) samadhi surangama, 2) prajnaparamita [Sabedoria Transcen-
dente], 3) Samadhi Diamante, 4) Samadhi do Rugido do Leão, e 5) Na-
tureza de Buda. Dependendo da abordagem, ele possui vários nomes.
Oh bom homem! Exatamente como um simples samadhi adquire vá-
rios nomes, no caso do dhyana dizemos ‘quatro dhyanas’ [‘catvari-
dhyanani’], no caso do elemento ‘samadhi do elemento’, no caso do

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 16


poder ‘samadhi do poder’, no caso da retidão ‘meditação correta’, e no
caso dos oito pensamentos despertos de um grande homem ‘medita-
ção correta’. Assim se dá com o Samadhi Surangama.

Oh bom homem! Todos os seres são perfeitos nos três samadhis, a


saber: o alto, o médio e o baixo. O alto se refere à Natureza de Buda.
Portanto, dizemos que todos os seres possuem a Natureza de Buda.
Por médio se entende que todos os seres possuem o primeiro dhyana.
Quando as relações causais favorecem, eles podem de fato praticar;
caso contrário, não podem. Existem dois tipos de relações causais. Um
é fogo (sofrimento?), e o outro é o laço que destrói as coisas do mundo
dos desejos. Assim, dizemos que todos os seres são perfeitos no sama-
dhi de grau-médio. O samadhi de baixo-grau nada mais é que o sama-
dhi caitta dos dez mahabhumikas. Embora possuam a Natureza de
Buda, todos os seres são incapazes de vê-la, uma vez encoberta pelas
impurezas. O Bodhisattva dos dez abodes (bhumis) vê o Veículo Único,
mas ele não sabe que o Tathagata é Eterno. Dessa forma, embora o
Bodhisattva dos dez abodes veja a Natureza de Buda, ele não pode vê-
la claramente.

Oh bom homem! ‘Shuryä’ significa ‘o ultimado de todas as coisas’;


‘gon’ significa ‘forte’. Como o ultimado de todas as coisas é forte, dize-
mos ‘surangama’. Assim, o Samadhi Surangama é feito para represen-
tar a Natureza de Buda.

A Natureza de Buda de Todos os Seres

Oh bom homem! Certa vez, vivi no Rio Nairanjana e disse a Ananda:


‘Agora pretendo banhar-me no rio. Dê-me meu robe e o sabão em pó’.
Então, entrei na água. Todos os pássaros no ar, e aqueles (seres) na
água e na terra vieram e assistiram. Então, havia também 500 Brahma-
carins que viviam próximos ao rio. Eles vieram a mim e disseram: ‘Co-
mo você espera obter o Corpo Adamantino? Se Gautama não falar a

Capítulo 33: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 1 Página 17


respeito do ‘não-é’, o seguiremos e acataremos as regras (preceitos)
dos alimentos’.

Oh bom homem! Eu, naquela ocasião, com a Sabedoria da leitura-de-


pensamentos, sondei a mente dos Brahmacarins e disse-lhes: ‘O que
significa dizerem que eu falo do ‘não-é’? Todos os Brahmacarins disse-
ram: ‘Você, Gautama, estabeleceu previamente, aqui e lá nos sutras,
que todos os seres não possuem o ‘Eu’. Agora você diz que não existe o
‘Eu’. Como você pode dizer que isto não é a teoria do ‘não-é’? Se não
[existe] o ‘Eu’, quem defende os preceitos e quem os viola’? Eu, o Bu-
da, disse: ‘Eu nunca disse que todos os seres não possuem o ‘Eu’; Eu
sempre tenho dito que todos os seres possuem a Natureza de Buda. A
Natureza de Buda não é o ‘Eu’? Assim, eu nunca falei do ‘não-é’. Todos
os seres não vêem a Natureza de Buda. Portanto, [para eles existem] o
não-Eterno, o não-Eu, o não-Êxtase e a não-Pureza. Essas são as visões
do ‘não-é’’. Então, todos os Brahmacarins, ao ouvir que a Natureza de
Buda é o ‘Eu’, aspiraram a Insuperável mente do Bodhi, e então, re-
nunciando ao mundo, praticaram a via do Bodhi. Todos os pássaros no
ar, e aqueles na água e na terra aspiraram ao Insuperável Bodhi e, ten-
do aspirado, abandonaram seus corpos.

Oh bom homem! Essa Natureza de Buda, para dizer a verdade, não é o


‘Eu’. Para o benefício dos seres, Eu digo ‘Eu’.

Eu

Oh bom homem! O Tathagata, quando há razão para [assim] falar, diz


que o não-Eu é o Eu. Mas, para dizer a verdade, não há um Eu [ali].
Embora eu fale assim, não há nada [aqui] que seja falso.

Oh bom homem! Por conta das relações causais, estabeleço o Eu como


(sendo) o não-Eu e, no entanto, para dizer a verdade, existe o Eu. Ele
constitui o mundo. Eu estabeleço [isto] como não-Eu. Mas, nada está

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 18


errado. A Natureza de Buda é não-Eu. O Tathagata diz ‘Eu’. Porque
existe a qualidade do Eterno. O Tathagata é o Eu. No entanto, ele esta-
belece [isto] como não-Eu. Porque ele tem desimpedimento [isto é,
completa e irrestrita liberdade].”

Cores à Luz do Dia

Então, o Bodhisattva Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo!


Se é o caso que todos os seres possuem a Natureza de Buda como
qualquer vajra-guardsman [isto é, uma pessoa que segura em suas
mãos um vajra – diamante – e que assim protege o ensinamento Budis-
ta], por que é que todos os seres não podem vê-la?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Por exemplo, a ‘matéria’ [‘rupa’] tem
qualidades representacionais como (cor) azul, amarelo, vermelho e
branco, e (tamanho) longo ou curto, mas uma pessoa cega não pode
vê-las como tal. Embora não sejam vistas, não podemos dizer que não
existam tais qualidades como azul, amarelo, vermelho branco, longo
ou curto. Por que não? Muito embora a pessoa cega não possa vê-las,
alguém que tem olhos pode vê-las. É o mesmo com a Natureza de Bu-
da. Muito embora todos os seres não possam vê-la, o Bodhisattva dos
dez estágios (abodes) pode vê-la em parte; o Tathagata a vê comple-
tamente. A Natureza de Buda vista pelo Bodhisattva dos dez estágios é
como cores vistas à noite. O que o Tathagata vê é como cores vistas à
luz do dia.

Oh bom homem! Quando o olho está ofuscado, não se podem ver as


cores claramente. Um bom médico pode curar isto. Através da medici-
na, se vem a ver as coisas claramente. É o mesmo com o Bodhisattva
dos dez estágios. Ele pode de fato ver a Natureza de Buda, mas não
muito claramente. Através do poder do Samadhi Surangama, uma
pessoa pode vê-la claramente.

Capítulo 33: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 1 Página 19


Oh bom homem! Se uma pessoa vê o não-Eterno, o não-Eu, o não-
Êxtase, e o não-Puro de ‘tudo’ [‘issai’em japonês, que aqui significa
tudo o que pode ser visto, tocado e sentido – mundo material], e vê
também o não-Eterno, não-Êxtase, não-Eu, e o não-Puro do ‘não-tudo’
[‘hiissai’em japonês, que aqui significa o oposto do concreto, isto é, o
abstrato], essa pessoa não vê a Natureza de Buda. ‘Tudo’ alude ao
nascimento e a morte; ‘não-tudo’ alude aos Três Tesouros. O Sravaka e
o Pratyekabuda vêem o não-Eterno, o não-Eu, o não-Êxtase, e o não-
Puro do ‘não-tudo’. Devido a isto, eles não podem ver a Natureza de
Buda. O Bodhisattva dos dez estágios vê o não-Eterno, o não-Eu, o não-
Êxtase, e o não-Puro de todas as coisas, e vê, parcialmente, o Eterno,
Êxtase, o Eu, e o Puro do ‘não-tudo’. Em razão disto, ele pode ver so-
mente um décimo. O Buda-Todo-Honrado-pelo-Mundo vê o não-
Eterno, o não-Eu, o não-Êxtase, e o não-Puro de todas as coisas e, tam-
bém, o Eterno, Êxtase, o Eu, e o Puro do ‘não-tudo’. Em razão disto, ele
vê a Natureza de Buda exatamente como alguém vê uma manga que
está na palma de sua própria mão.

Oh bom homem! É como quando não se pode ver a primeira lua. No


entanto, não se pode dizer que não existe lua. O mesmo é o caso com a
Natureza de Buda. Todos os seres podem não [ser capazes de] vê-la, no
entanto, não podemos dizer que não existe a Natureza de Buda.

Oh bom homem! A Natureza de Buda é nada mais que os dez poderes,


os quatro destemores, a Grande Compaixão, e os três pensamentos.

Todos os seres têm as três destruições das impurezas, e mais tarde, por
meio disto, eles podem ver.

O icchantika primeiro aniquila o icchantika [dentro de si] e então ob-


tém os dez poderes, os quatro destemores, a Grande Compaixão, e os
três pensamentos. Este é o porquê eu sempre digo que todos os seres
possuem a Natureza de Buda.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 20


Os Doze Elos do Surgimento Interdependente

Oh bom homem! Todos os seres possuem, igualmente, os doze elos da


interdependência. Estes são os casos do interior e do exterior.

Quais são os doze?

1. A impureza do passado é chamada ignorância [‘avidya’].

2. O carma do passado é chamado formação mental [‘samskara’,


isto é, volições e impulsos mentais].

3. Nesta presente vida, primeiro se ganha vida no útero. Isto é


consciência [‘vijnana’].

4. Após entrar no útero, as cinco partes [isto é, os cinco membros


ou cinco partes de um corpo humano, compostos das duas
mãos (braços), dois pés (pernas) e uma cabeça (coluna)] e as
quatro raízes [isto é, os quatro sentidos orgânicos do olho, ou-
vido, nariz e boca] ainda não estão perfeitamente formados.
Esse estado é chamado corpo-e-mente [‘nama-rupa’].

5. Quando se tem as quatro raízes, e quando ainda não se está


no estágio do toque [‘sparsa’], esse estágio é chamado de seis
esferas [‘sadayatana’].

6. Quando nenhum sentimento de sofrimento ou alegria ainda


surgiu, esse estágio é chamado do ‘toque’.

7. Quando alguém se apega a um único amor, esse estágio é


chamado sentimento [‘vedana’].

8. Quando se aprende e se achega aos cinco desejos, isto é dese-


jo [‘trshna’].

Capítulo 33: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 1 Página 21


9. Quando se olha dentro e fora, e se tem afeto, isto é apego [‘u-
padana’].

10. Quando se envida ações dentro e fora, nas três categorias do


corpo, da boca e da mente, isto é existência [‘bhava’].

11. A consciência que alguém possui nesta vida é o nascimento [de


alguém] nos dias futuros [isto é, a consciência mundana de al-
guém provê a base para o renascimento futuro de alguém], e

12. O corpo-e-mente, as seis esferas, o toque e o sentimento são a


velhice, a doença e a morte do futuro.

Estes são os doze elos da interdependência.

Oh bom homem! Embora existam esses doze elos do surgimento in-


terdependente, há casos onde as coisas não acontecem assim. Quando
alguém morre no estágio de kalala (fetal), não pode haver os doze.
Pode haver os doze quando alguém entra nos estágios iniciais (da vida)
com o nascimento e termina com a velhice e a morte.

Os seres do mundo da forma não possuem os três tipos de sentimento,


os três (tipos) de toque, os três (tipos) de desejo, e não há velhice e
nem doença. E podemos realmente dizer que existem os doze.

Os seres do mundo da não-forma não possuem qualquer ‘matéria’, e


não há envelhecimento e nem morte. E também podemos dizer que
existem os doze. Porque isto é alcançado através da meditação. E po-
demos realmente dizer que todos os seres possuem igualmente os
doze elos da interdependência.

Oh bom homem! O caso é o mesmo com a Natureza de Buda. Como


todos os seres podem definitivamente alcançar a Iluminação Insuperá-
vel, Eu ensino e digo que os seres têm a Natureza de Buda.
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 22
A Grama dos Himalayas

Oh bom homem! Existe uma grama chamada ‘ninniku’ nos Himalayas.


Se uma vaca comê-la, aquela vaca produzirá sarpirmanda. Existe um
tipo diferente de grama que, quando comida, não produz sarpirmanda.
Embora nenhum sarpirmanda surja [em tais circunstâncias], não po-
demos dizer que não existe nenhuma ‘ninniku’ nos Himalayas. É o
mesmo com a Natureza de Buda.

Os Himalayas são o Tathagata, a ‘ninniku’ é o Grande Nirvana, a grama


forasteira é os 12 tipos de sutras. Se os seres dão ouvido à, respeitam e
enaltecem o Mahaparinirvana, eles verão a Natureza de Buda. Ainda
que não seja encontrada nos 12 tipos de sutras, não podemos dizer
que não exista Natureza de Buda.

Oh bom homem! A Natureza de Buda é matéria, não-matéria, não-


matéria-e-não-não-matéria.

Também, é uma fase da aparência, não-fase da aparência, não-fase-da-


aparência-e-não-não-fase-da-aparência.

Também, é um, não-um, não-um-e-não-não-um.

Também, é não-eterno e não-rompimento, não-não-eterno-e-não-não-


rompimento.

É ‘é’, ‘não-é’, ‘não é’-e-‘não-não-é’.

Também, é um fim, não-fim, não-fim-e-não-não-fim.

Também, é causa, é resultado, e é não-causa-e-não-resultado.

Capítulo 33: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 1 Página 23


Também, é significação, não-significação, não-significação-e-não-não-
significação.

Também, é uma letra, não-letra, não-letra-e-não-não-letra.

Por que ela é matéria? Porque é o Corpo Adamantino.

Por que é não-matéria? Porque representa as 18 características inde-


pendentes do Buda e pertence à categoria da não-matéria.

Por que é não-matéria-e-não-não-matéria? Porque não tem nada a ver


com matéria, não-matéria, e porque não possui uma forma permanen-
te.

Por que é uma fase da aparência? Porque tem as 32 marcas da perfei-


ção.

Por que é que ela tem não-fase de aparência? Porque não apresenta
nenhuma fase de demonstração da aparência de todos os seres.

Por que é que ela tem não-fase-da-aparência-e-não-não-fase-da-


aparência? Porque não existe não-fase de aparência permanente ou
não-não-fase de aparência permanente.

Por que é um? Porque todos os seres montam no Veículo Único.

Por que não é um? Porque se fala de três veículos.

Por que é não-um-e-não-não-um? Porque não há maneira de contar.

Por que é não-eterna? Porque as coisas são vistas através das relações
causais.

Por que é não-rompimento? Porque é diversa da visão do mundo de


rompimento.
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 24
Por que não-não-eterna-e-não-não-rompimento [o conceito do ‘rom-
pimento’ é usado aqui para o termo ‘dan’ do japonês, que representa a
noção de rompimento da continuidade. Ele se estabelece em oposição
aos termo ‘eterno’, que é a continuidade de uma existência ou mesmo
a infinitude de uma existência]. Porque não há fim e nem começo.

Por que dizemos ‘é’? Porque de fato existem todos os seres.

Por que é ‘não-é’? Porque alguém (somente) pode vê-la [isto é, a Natu-
reza de Buda] por força dos melhores expedientes.

Por que é ‘não-é’ e ‘não-não-é’? Isto é em razão da natureza do Todo-


Vazio.

Por que é [isto é, em qual sentido] um fim? Porque se obtém o Sama-


dhi Surangama.

Por que é não-fim? Por causa do Eterno.

Por que é não-fim-e-não-não-fim? Porque se acaba com todos os fins.

Por que é a causa? Porque a causa é conhecida.

Por que é o resultado? Porque o resultado é permanente.

Por que é não-causa-e-não-resultado? Porque é o Eterno.

Por que é significação? Porque tudo é obtido na desobstrução da signi-


ficação.

Por que é não-significação? Por que não é possível explicá-la.

Por que é não-significação-e-não-não-signifcação? Por que é o Todo-


Vazio Final (ultimado).
Capítulo 33: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 1 Página 25
Por que é uma letra? Porque há um nome para representá-la.

Por que é uma não-letra? Porque não há um nome que ela possa ter.

Por que é não-letra-e-não-não-letra? Porque é diversa da categoria das


letras.

Por que é não-Sofrimento-e-não-Felicidade? Porque está longe dos


sentimentos.

Por que é não-Eu? Porque não há chegada aos oito desimpedimentos


[‘hachidaijizaigi’ em Japonês: os oito aspectos do desimpedimento ou
não-restrição possuídos pelo Eu – um dos quatro atributos do Nirvana].

Por que é não-não-Eu? Em razão da qualidade do Eterno.

Por que é não-Eu-e-não-não-Eu? Em razão do não-fazer e não-receber.

Por que é Vacuidade? Em razão do ‘Paramartha-satya’.

Por que é não-Vacuidade? Em razão do Eterno.

Por que é não-Vacuidade-e-não-não-Vacuidade? Porque de fato ela


serve como semente do Dharma Maravilhoso.

Oh bom homem! Se qualquer pessoa puder meditar e compreender a


significação do Sutra do Grande Nirvana, saiba que essa pessoa vê a
Natureza de Buda.

A Natureza de Buda é inconcebível. É o mundo de todos os Budas-


Tathagatas. Não está ao alcance da concepção de Sravakas e Pratyeka-
budas.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 26


Oh bom homem! A Natureza de Buda não está dentro da categoria dos
cinco skandhas, dos 18 reinos, ou das 12 esferas. Não é o que original-
mente não foi, mas é agora; nem é o que originalmente foi, mas agora
não é mais. É o que os seres podem ver somente através das relações
causais.

Por exemplo, é como o ferro que, quando no fogo, é vermelho, mas


quando não está no fogo e é resfriado, torna-se negro como antes. E
essa cor negra não existe dentro ou fora. Ele (o ferro) se torna assim
em virtude das relações causais. O mesmo é o caso com a Natureza de
Buda. Quando o fogo das impurezas se vai, todos os seres podem vê-la.

Oh bom homem! É como no caso de uma semente. O broto surge e a


semente morre. E a natureza do broto não existe dentro ou fora. É o
mesmo com a flor e com o fruto. Isto revela-se assim, uma vez que as
coisas estão baseadas em relações causais.

Oh bom homem! Este Todo-Maravilhoso Sutra do Grande Nirvana é


perfeito em inumeráveis virtudes. É o mesmo com a Natureza de Buda.
Ela é completa e perfeita nas inumeráveis virtudes.

Então, o Bodhisattva Mahasattva Rugido do Leão disse: “Oh Honrado


pelo Mundo! Quantas leis [dharmas] o Bodhisattva necessita cumprir
para que ele possa ver a Natureza de Buda, embora ainda não muito
claramente? Quantas leis o Buda-Todo-Honrado-pelo-Mundo necessita
cumprir para que ele possa vê-la claramente?”

“Oh bom homem! Se o Bodhisattva cumpre dez coisas, ele será capaz
de ver a Natureza de Buda, ainda que em menor grau. Quais são as
dez? Elas são: 1) desejar pouco, 2) sentir-se satisfeito, 3) quietude, 4)
esforço, 5) pensamento correto, 6) samadhi correto (meditação corre-
ta), 7) Sabedoria correta, 8) emancipação, 9) enaltecer a emancipação,
e 10) socorrer os seres com o Grande Nirvana.”

Capítulo 33: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 1 Página 27


Desejar Pouco e Sentir-se Satisfeito

O Bodhisattva Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Que


diferença há entre desejar pouco e sentir-se satisfeito?”

“Oh bom homem! Desejar pouco é não buscar e não tomar (para si);
sentir-se satisfeito é não sentir pesar quando se ganha pouco. Desejar
pouco é ter pouco; sentir-se satisfeito significa que a mente não se
preocupa com coisas oferecidas.

Os Três Tipos de Desejo

Oh bom homem! Existem três tipos de desejo, a saber: 1) mau desejo,


2) grande desejo, e 3) desejo em prol do desejo. Dizemos ‘mau desejo’.
Um Monge pode adquirir cobiça em sua mente, tornar-se o líder de
uma grande massa [de pessoas], fazer com que todos os sacerdotes o
sigam, levar todas as quatro classes da Sangha Budista a fazerem ofe-
recimentos para ele, respeitarem-no, louvarem-no e promoverem-no;
pregar primeiro para todos os outros, antes que para as quatro classes
da Sangha; fazer com que todos creiam em suas palavras; fazer com
que reis, ministros e pessoas ricas prestem respeito a ele, tal que lhes
dêem em abundância roupas, comidas, bebidas, roupas de cama, re-
médios e os melhores tipos de acomodações. Esses são os desejos
relativos à vida temporal do nascimento e da morte. Esses são os ‘maus
desejos’.

O que é ‘grande desejo’? Por exemplo, existe um Monge que adquire


cobiça em sua mente, de modo que ele se faz conhecido entre as qua-
tro classes da Sangha Budista como alguém que atingiu os estágios
desde o primeiro até o décimo (abode), o Insuperável Bodhi, o Arhat-
ship, ou esses outros estágios como o Srotapanna, os quatro dhyanas,
ou a Quádrupla Sabedoria sem Obstruções – tudo isto meramente em
prol de ganhos (lucros). Isto é ‘grande desejo’.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 28


Um Monge pode desejar nascer como Brahma, como Marapapiyas,
como um Isvara, um Chakravartin, um Kshatriya, ou um Brâmane, tal
que ele possa ter irrestringibilidade. Como isto é apenas pelo ganho
(lucros), isso pode ser bem chamado de ‘desejo em prol do desejo’.

Se uma pessoa não for espoliada por esses três (tipos de) maus dese-
jos, essa pessoa é alguém com pouco desejo de posse. Por desejo se
entende os 25 desejos. Se uma pessoa não tem esses 25 desejos, essa
pessoa é chamada alguém que tem pouco desejo de posse. Quando
uma pessoa não procura possuir o que ela bem pode esperar ter nos
dias a vir, chamamos isto de pequena busca pela posse. A pessoa ga-
nha, mas não se apega. Isto é sentir-se satisfeito. Não procurar ser
respeitado é pequena busca pela posse. Uma pessoa pode obter coi-
sas, mas se ela não procura acumulá-las, isto é sentir-se satisfeito.

Oh bom homem! Há uma situação onde alguém tem pequena busca


pela posse, mas que não pode ser chamado de um estado onde esse
alguém se encontra satisfeito; e também há uma situação onde alguém
está satisfeito e, no entanto, isto não é o que poderíamos chamar de
um estado onde alguém esteja satisfeito. Também, existe uma situação
onde alguém tem pequena busca pela posse e, no entanto, está satis-
feito; também, existe uma situação onde alguém não tem pequena
busca pela posse e não está satisfeito. Pequena busca pela posse se
refere ao Srotapanna, e o sentir-se satisfeito se refere ao Pratyekabu-
da. Pequena busca pela posse e não sentir-se satisfeito se refere ao
assim chamado Bodhisattva.

Oh bom homem! Existem duas formas de pequena busca pela posse e


de sentir-se satisfeito. Uma é boa, e a outra não-boa. Não-boa se refere
ao assim chamado mortal comum, e boa às pessoas sagradas e Bodhi-
sattvas. Todas as pessoas sagradas podem obter a fruição da forma
que eles praticaram, mas não louvarão o que obtiveram. Como eles
não louvam, suas mentes não têm quaisquer preocupações. Isto é
sentir-se satisfeito.
Capítulo 33: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 1 Página 29
Oh bom homem! O Bodhisattva Mahasattva estuda e pratica o Sutra
Mahayana do Grande Nirvana e vê a Natureza de Buda. Em razão disto,
ele pratica a via da pequena busca pela posse e de sentir-se satisfeito.

Quietude

O que é quietude? Existem dois tipos dela. Um é quietude da mente, e


o outro é quietude do corpo.

Por quietude do corpo se entende não praticar as três maldades com o


corpo; por quietude da mente entende-se não cometer as três malda-
des com a mente. Isto é ter quietude no corpo e na mente.

Quietude do corpo significa não se aproximar das quatro classes da


Sangha, e não tomar parte no trabalho feito pelas quatro classes da
Sangha. Por quietude da mente se entende não dar origem à cobiça, à
ira e à ignorância. Isto é quietude do corpo e da mente.

Pode haver um Monge cujo corpo pode encontrar a quietude, mas cuja
mente não a encontra. Ou a mente pode estar em quietude, mas o
corpo não. Ou há casos onde o corpo e a mente estão em quietude; ou
onde o corpo e a mente não estão em quietude.

Pode-se dizer que o corpo está em quietude, mas a mente não está.
Por exemplo, um Monge senta em dhyana [meditação], afastando-se
das quatro classes da Sangha. Mas a mente ainda pode sempre dar
origem à cobiça, à ira e à ignorância. Isto é o que chamamos de o corpo
estar em quietude, mas a mente não.

Pode-se dizer que a mente está em quietude, mas o corpo não. Isto
alude à situação onde um Monge pode aproximar-se das quatro classes
da Sangha, reis e ministros, e afastar-se da cobiça, ira e ignorância. Este

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 30


é o caso em que falamos de a mente estar em quietude, mas o corpo
não.

Diz-se que o corpo e a mente estão em quietude. Isto se refere ao Buda


e aos Bodhisattvas.

Diz-se que o corpo e a mente, ambos não estão em quietude. Isto se


refere aos mortais comuns.

Por quê? Porque os mortais comuns também podem desfrutar da quie-


tude no corpo e na mente. No entanto, eles não podem meditar pro-
fundamente sobre o não-Eterno, não-Êxtase, não-Eu e o não-Puro. Por
essa razão, os mortais comuns não podem ter quietude em suas ações
do corpo, da boca e da mente.

Essas classes de pessoas como o icchantika, aqueles que cometeram as


quatro ofensas graves, e aqueles dos cinco pecados mortais também
não podem ser chamados aqueles cujos corpos e mentes estão em
quietude.

O Esforço para o Mahaparinirvana

O que é esforço? Há um Monge que deseja purificar as ações do seu


corpo, boca e mente, e afastar-se de todas as más ações, acumulando
todas as boas ações. Isto é esforço. Tal pessoa foca a sua mente em
seis esferas, a saber: 1) Buda, 2) Dharma, 3) Sangha, 4) Shila [preceitos
morais], 5) oferecimentos (doações), e 6) céu. Isto é pensamento cor-
reto. O Samadhi resultante do pensamento correto é meditação corre-
ta. Alguém que resida na meditação correta vê todas as coisas como
Vazio. Isto é Sabedoria correta. Alguém perfeito na Sabedoria correta
afasta-se de todos os laços das impurezas. Isto é Emancipação.

Capítulo 33: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 1 Página 31


A pessoa que obteve a Emancipação a enaltece para todos os seres e
diz que essa Emancipação é Eterna e Imutável. Este é o enaltecer corre-
to da Emancipação. Isto é o Insuperável Mahaparinirvana.

Nirvana é nada mais que a extinção do fogo de todos os laços das im-
purezas.

Também, Nirvana é chamado de casa. Por quê? Porque protege bem


alguém dos maus ventos e tempestades das impurezas.

Também, Nirvana é um refúgio. Por quê? Porque ele está muito além
de todos os temores do mundo.

Também, Nirvana é uma duna de areia. Por quê? Porque as quatro


inundações da água não podem lavá-lo. Quais são essas quatro? Elas
são: 1) a tormenta do desejo, 2) a tormenta da existência, 3) a tormen-
ta das visões [incorretas] da vida, e 4) a tormenta da ignorância. Por
essa razão, Nirvana é chamado de duna de areia.

Também, Nirvana é o refúgio final. Por quê? Porque se chega ao Êxtase


absoluto. Se um Bodhisattva Mahasattva cumpre e se aperfeiçoa nes-
sas dez coisas, ele verá a Natureza de Buda, mas não tão claramente.

Também, além disso, oh bom homem! Aqueles que fugiram da vida


mundana sofrem de quatro doenças. Por causa disto, eles são incapa-
zes de chegar às quatro fruições de um Monge. Quais são as quatro
doenças? Elas são os quatro maus desejos por: 1) roupas, 2) alimentos,
3) roupas de cama, e 4) existência. Esses são os quatro maus desejos.
Essas são as doenças daqueles que abandonaram a vida mundana.

Há quatro bons remédios que as curarão bem.

O ‘pamsukula’ [isto é, o robe Budista feitos de roupas abandonadas]


cura bem o mau desejo do Monge por roupas.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 32


Mendigar por esmolas cura bem o mau desejo pela comida.

A sombra sob uma árvore cura bem o mau desejo por aposentos (rou-
pas de cama).

A quietude do corpo e da mente cura bem o mau desejo do Monge


pela existência.

Através desses quatro bons remédios, uma pessoa pode acabar de fato
com as quatro doenças. Essas são as ações sagradas. Essas ações são
procurar possuir pouco e sentir-se satisfeito.

A quietude compreende quatro bênçãos. Quais são as quatro? Elas são:


1) a bênção de escapar da vida mundana, 2) a bênção da quietude, 3) a
bênção da extinção eterna [das impurezas], e 4) o Êxtase final. Essas
quatro são quietude. Essas evocam quatro esforços. Assim, dizemos
‘esforço’. Esses são acompanhados (coexistem com) por quatro pen-
samentos. Assim, falamos de ‘pensamento correto’. Como são acom-
panhados por quatro dhyanas, dizemos ‘meditação correta’. Vemos
quatro Verdades Sagradas. Assim, dizemos ‘Sabedoria correta’. Isso
acaba completamente com todos os laços das impurezas. Assim, fala-
mos de Emancipação. Oh bom homem! O Bodhisattva Mahasattva
reside pacificamente em todas essas dez coisas, e ele pode ver a Natu-
reza de Buda, mas não muito claramente.

Num Lugar Solitário e Quieto

Também, além disso, oh bom homem! O Bodhisattva Mahasattva ao


ouvir bem este sutra, achega-se a ele, pratica a Via, e afasta-se da vida
mundana. Isto é pequena busca pela posse. Ao renunciar o mundo, ele
não sente remorso. Isto é sentir-se satisfeito. Ao sentir-se satisfeito, ele
busca lugares solitários e afasta-se de todos os barulhos. Isto é quietu-
de toda-silenciosa. Aqueles que não se sentem satisfeitos não desejam

Capítulo 33: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 1 Página 33


estar num lugar solitário e quieto; aqueles que estão satisfeitos procu-
ram um lugar solitário e quieto. Num lugar tranquilo, ele [isto é, o Bo-
dhisattva] sempre pensa: ‘Todas as pessoas dizem que eu atingi o final
da busca do Caminho do Shramana. Mas, eu ainda não o encontrei.
Como eu poderia enganar os outros agora?’ Pensando assim, ele envi-
da esforços, aprende e realiza o final da consecução do Caminho do
Shramana. Isto é esforço.

Alguém que se achega e pratica a Via do Grande Nirvana é alguém que


reside em pensamentos corretos. Ele segue o caminho do céu. Isto é
meditação correta. Ele reside neste samadhi e vê as coisas corretamen-
te. Isto é Sabedoria correta. Alguém que vê as coisas corretamente
corta completamente os laços das impurezas. Isto é Emancipação. O
Bodhisattva dos dez estágios enaltece verdadeiramente o Nirvana. Isto
é o enaltecer da Emancipação. Oh bom homem! O Bodhisattva Maha-
sattva reside nestes dez quesitos e vê a Natureza de Buda, ainda não
claramente.

Também, além disso, oh bom homem! Falamos da procura pela posse,


mas pouco. Um Monge senta-se num lugar solitário e quieto. Ele senta-
se rigidamente e não reclina. Ou ele vive sob uma árvore, ou em meio
aos túmulos, ou a céu aberto (ao relento), ou senta-se sobre a grama.
Ele vai mendigar por esmolas, mendiga por comida, e tendo comparti-
lhado dela, fica satisfeito. Ou pode ser uma refeição para uma reunião.
Ele só mantém três robes, que são aqueles feitos de trapos abandona-
dos ou tecidos de lã. Isto é procurar a posse, mas pouco. Vivendo as-
sim, ele não sente remorso. Isto é sentir-se satisfeito. Ele pratica o sa-
madhi do Vazio. Isto é quietude. Realizado nas quatro fruições, ele não
tem um momento de descanso na busca pelo Insuperável Bodhi. Isto é
esforço.

Em sua mente, ele medita sobre o fato que o Tathagata é Eterno e


Imutável. Isto é pensamento correto. Ele pratica as oito emancipações.
Isto é dhyana correto. Ele ganha os quatro desimpedimentos. Isto é
Sabedoria correta. Ele afasta-se das sete impurezas. Isto é Emancipa-
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 34
ção. Ele enaltece o Nirvana e diz que o Nirvana não possui os dez as-
pectos da vida. Isto é enaltecer a Emancipação. Os dez aspectos da vida
são: nascimento, envelhecimento, doença, morte, cor, som, odor, sa-
bor, toque (tato) e impermanência. Quando alguém está afastado des-
ses dez, dizemos que se atingiu o Nirvana. Oh bom homem! Este é o
porquê dizemos que quando o Bodhisattva Mahasattva reside nos, e
realiza os dez quesitos, ele vê a Natureza de Buda, mas não claramen-
te.

Também, além disso, oh bom homem! Devido a muito desejo, uma


pessoa se associa a reis, ministros, pessoas ricas, Kshatriyas, Brâmanes,
Vaishyas, Sudras, e diz: ‘Eu atingi as fruições desde o Srotapanna até o
Arhatship’. Por ganhos, ela anda, para, senta, reclina e responde aos
chamados da natureza. Ao ver um danapati (doadores de oferecimen-
tos), ela demonstra respeito, aproxima-se e fala. Alguém que se liberta
dos maus desejos tem poucos desejos. Embora ele não tenha acabado
com as amarras e preocupações, ele de fato vai aonde o Tathagata vai.
Isto é sentir-se satisfeito.

Oh bom homem! Os dois acima (desejar pouco e sentir-se satisfeito)


são as relações causais mais próximas para o pensamento da medita-
ção. Professores e estudantes (do Budismo) sempre os enaltecem. Eu,
também, nos sutras, tenho enaltecido esses dois quesitos. Qualquer
pessoa que possa ser perfeita nesses dois quesitos aproxima-se dos
portais do Nirvana. Isto se estende às cinco bênçãos. Isto é quietude.
Alguém que observe rigidamente os shila [preceitos morais] é chamado
de alguém que empreende esforços. Alguém que se arrependa é al-
guém de pensamento correto. Alguém que não vê o aspecto da mente
é alguém em meditação correta. Alguém que não procura as caracte-
rísticas e as relações causais de todas as coisas é alguém de Sabedoria
correta. Como não existe aspecto exterior, as impurezas se vão. Isto é
Emancipação. Enaltecer assim o Sutra do Grande Nirvana é chamado
enaltecer da Emancipação. Oh bom homem! Isto é o que [significa
quando] dizemos que o Bodhisattva Mahasattva reside pacificamente

Capítulo 33: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 1 Página 35


nos dez quesitos e vê a Natureza de Buda, embora não muito clara-
mente.

Visão e Audição Sobre a Natureza de Buda

Oh bom homem! Você indaga: ‘Com que olho o Bodhisattva dos dez
estágios vê a Natureza de Buda, mas não muito claramente, e com que
olho o Honrado pelo Mundo vê a Natureza de Buda claramente?’ Oh
bom homem! Com o Olho da Sabedoria alguém a vê não muito clara-
mente; com o Olho do Buda se a vê claramente. Quando alguém está
na prática do Bodhi, não há clareza; sem nada a praticar, vê-se tudo
claramente. Quando alguém nada mais tem a praticar, a vê claramen-
te. Quando alguém reside nos dez estágios, não vê muito claramente.
Quando alguém não necessita ficar ou mover-se, a clareza surge. Em
razão das relações causais da Sabedoria, o Bodhisattva Mahasattva não
pode ver claramente. O Buda-Todo-Honrado-pelo-Mundo está fora do
domínio das relações causais. É devido a isto que ele vê claramente. O
que é desperto para todas as coisas é a Natureza de Buda. O Bodhisatt-
va dos dez estágios não pode ser chamado desperto para todas as coi-
sas. Em razão disto, embora ele veja, não vê claramente.

Oh bom homem! Existem dois tipos de visão. Um é a visão com o olho;


o outro, é audição e visão. O Buda-Todo-Honrado-pelo-Mundo vê a
Natureza de Buda com o olho, da [mesma] forma que se vê uma man-
ga que está na própria mão. O Bodhisattva dos dez estágios vê a Natu-
reza de Buda através da audição (ou seja, através da fé). Portanto, não
muito claramente. O Bodhisattva dos dez estágios sabe bem que ele
definitivamente atingirá a Iluminação Insuperável. E, no entanto, ele
não sabe que todos os seres possuem a Natureza de Buda.

Oh bom homem! Mais ainda, existe a visão através do olho. O Buda-


Todo-Tathagata e o Bodhisattva do décimo estágio vêem a Natureza de
Buda com o olho. Também, existe audição e visão. Todos os seres e

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 36


aqueles até o nono estágio [‘bhumi’] (não) ouvem e vêem a Natureza
de Buda. O Bodhisattva pode ouvir que todos os seres possuem a Na-
tureza de Buda. Mas, se ele não acredita nisto, isto é não audição e
visão.”

Capítulo 33: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 1 Página 37


Capítulo Trinta e Quatro: Sobre o Bodhisattva
Rugido do Leão 2

A Visão do Tathagata

“Oh bom homem! Se qualquer bom homem ou mulher deseja ver o


Tathagata, ele ou ela devem estudar os 12 tipos de sutras, ostentar,
recitar, copiar e expô-los.”

O Bodhisattva Mahasattva Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo


Mundo! Todos os seres não conhecem o estado mental do Tathagata.
Como meditamos e vimos a conhecer [isto]?”

“Oh bom homem! Todos os seres, realmente, não conhecem o estado


mental do Tathagata. Se eles desejam meditar e conhecer, há duas
formas. Uma é ver com os olhos, e a outra através da audição. Se al-
guém vê as ações corporais do Tathagata, saiba que isto é o Tathagata.
Isto é ver com os olhos. Se alguém depara com as ações orais do Ta-
thagata, saiba que isto é o Tathagata. Isto é ouvi-lo e vê-lo.

Alguém pode deparar com um rosto (fisionomia) que está para além
daquela dos humanos – saiba que isto é o Tathagata. Isto é ver com os
olhos.

Alguém pode ouvir uma voz que é tão maravilhosa e soberba, e que
não é da espécie humana – saiba que isto é o Tathagata. Isto é vê-lo
através da audição.

Pode acontecer de alguém ver o poder miraculoso do Tathagata mani-


festo diante dele. Como diferenciá-lo se é para o benefício dos seres ou
pelo lucro? Se for para o benefício dos seres e não pelo lucro, saiba que
isto é o Tathagata. Isto é ver com os olhos.

Capítulo 34: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 2 Página 39


Alguém medita sobre o Tathagata, que vê os humanos com a sabedoria
da leitura de pensamentos. Ele fala do Dharma por lucro e não para o
benefício dos seres? Se for para o benefício dos seres e não pelo lucro,
saiba que isto é o Tathagata. Isto é ver através da audição.

Como o Tathagata adquire o corpo carnal? Por que ele o adquire? Para
quem ele o adquire? Isto é ver com os olhos.

Como o Tahagata fala sobre o Dharma? Por que ele fala sobre o Dhar-
ma? Para quem ele fala sobre o Dharma? Assim devemos meditar. Isto
é vê-lo através da audição.

(Se) más ações corporais (agressões) [lhe] são dirigidas, e a ira não
surge. Saiba que isto é o Tathagata. Isto é ver com os olhos.

(Se) más ações orais (ofensas) [lhe] são dirigidas, mas a ira não surge.
Saiba que isto é o Tathagata. Isto é ver através da audição.

Quando o Bodhisattva é recém nascido no mundo, ele dá sete passos


nas dez direções, os generais-demônio, Manibhadra e Purnabhadra,
carregam bandeiras, momento em que inumeráveis e ilimitados mun-
dos se agitam e uma resplandecente luz dourada preenche o céu. Os
reis nagas, Nanda e Upananda, com seus poderes divinos, banham o
corpo do Bodhisattva. Todos os deuses mostram seus corpos. Eles vêm
e prestam homenagem. O Rishi Asita junta (as palmas das) suas mãos e
presta homenagem. No auge da maturidade, ele [o Bodhisattva] aban-
dona os desejos como se fossem lágrimas e saliva. Ele não é incomoda-
do pelos prazeres mundanos. Ele abandona o seu lar, pratica a Via, e
busca a quietude. No sentido de extirpar as visões distorcidas, ele se
sujeita às austeridades por seis anos. Ele vê todos os seres com olhos
igualitários, não com a mente dúbia. Sua mente está sempre em sama-
dhi e não há um momento sequer em que ela adormeça. Ele parece
sereno e esplêndido; assim seu corpo é adornado. Onde quer que vá, a
terra é plana. As peças da sua indumentária não passam de quatro
polegadas e não caem ao chão. Quando caminhando, ele olha para
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 40
frente, não olha à direita e nem à esquerda. O que faz é com (extrema)
aptidão e nada [do que é feito] vai além do que é necessário. Onde ele
senta e permanece, a grama não se move. Para ensinar os seres, ele se
move e baseia-se no Dharma. Não demonstra arrogância. Isto é ver
com os olhos. O Bodhisattva, conforme dá seus sete passos, diz: ‘O
corpo que agora possuo é o último de todos aqueles que terei’. Asita
junta as suas mãos e diz: ‘Saiba, oh Grande Rei! O Príncipe Siddharta
certamente alcançará a Iluminação Insuperável. Ele não permanecerá
no lar e não se tornará um Chakravartin. Por que não? Porque sua fisi-
onomia é clara e brilhante. O Chakravartin não parece claro e brilhante.
A forma corpórea do Príncipe Siddharta é brilhante e notável. Por essa
razão, infalivelmente ele atingirá a Iluminação Insuperável’. Ele conhe-
cerá a velhice, a doença, a morte, e dirá: ‘Sinto piedade ao ver todos os
seres vivendo assim. Nascimento, velhice, doença e morte seguem-se
um ao outro. E eles não podem ver; sempre sofrem. Eu agora cortarei
as amarras’. Sob (orientação do Rishi) Aradakalama, que é perfeito nos
cinco poderes divinos, ele pratica o samadhi da asamjna (‘irreflexão’ -
ausência de qualquer percepção). Ao atingi-lo, ele diz que esta não é a
Via para o Nirvana, mas aquela do nascimento e da morte. Por seis
anos ele pratica essa austeridade e nada obtém. (E diz) ‘Se for verda-
deiro, devo ser capaz de alcançá-lo. Se for falso, nada alcançarei. Esta é
uma maneira distorcida e não a correta’. Ao atingir a Iluminação,
Brahma vem e indaga. ‘Oh Tathagata! Por favor, abra os portais da
amrta [imortalidade] e ensine o Dharma insuperável’. O Buda diz: ‘Oh
Brahma! Todos os seres estão sempre na escuridão das impurezas. São
incapazes de dar ouvido ao meu Dharma Maravilhoso’. Brahma ainda
diz: ‘Oh Honrado pelo Mundo! Há três tipos de seres, a saber: 1) de
inteligência aguçada, 2) de inteligência mediana, 3) de pouca inteligên-
cia. Os de inteligência aguçada serão receptivos. Por favor, condescen-
da em pregar’. O Buda diz: ‘Oh Brahma! Ouça atentamente, ouça aten-
tamente! Para o benefício dos seres, agora abrirei os portais da imorta-
lidade’. Então, em Varanasi, ele gira a Roda da Lei e proclama o Cami-
nho Médio. Todos os seres não destroem o laço das impurezas. Não é
que eles não possam destruí-lo. Não é que ele seja destruído, nem que
não seja destruído. Portanto, Caminho Médio. Ele não leva os seres à
Capítulo 34: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 2 Página 41
outra margem, nem é que não possa levar os seres à outra margem.
Portanto, Caminho Médio. Em tudo o que é ensinado, não há como
dizer que um é mestre, nem que outro é discípulo. Portanto, Caminho
Médio. Tudo o que é ensinado não é pelo lucro, nem é que a fruição
surgisse lá. Isto é o Caminho Médio. Trata-se de linguagem correta,
palavras reais, palavras oportunas e verdadeiras. Nenhuma palavra é
dita de maneira falsa. É Todo-Maravilhoso e supremo. Ouvir tais pala-
vras é ver através da audição.

Oh bom homem! O estado da mente do Tathagata pode realmente ser


visto. Caso algum bom homem ou boa mulher desejem vê-lo, ele ou ela
dependerão desses dois tipos de relações causais.

Então o Bodhisattva Rugido do Leão disse ao Buda: ‘Oh Honrado pelo


Mundo! Você empregou apenas agora a analogia da fruta ‘amra’ e
comparou-a aos quatro (tipos de) seres, os quais são: 1) as ações são
mínimas (quietude do corpo), mas sua mente não é correta, 2) sua
mente é mínima (quietude da mente), mas sua ação não é correta, 3)
sua mente é mínima e sua ação também é mínima, 4) sua mente não é
mínima e sua ação também não é correta. Como podemos saber dos
dois primeiros? Você, o Buda, diz que você está baseado nestes dois.
Isto é difícil saber.”

O Buda disse: “Bem falado, bem falado! Eu comparo os dois tipos de


homens à amra (fruta). Isto é, de fato, difícil de compreender. Como é
difícil saber, eu digo no sutra: ‘Conviver. Caso uma pessoa não seja
capaz de vir a conhecer através da convivência, dê-lhe tempo e vida
longa. Se não alcançado através da vida longa, a Sabedoria resolverá.
Se a Sabedoria não pode abrir um caminho para o conhecimento, me-
dita-se profundamente. Através da meditação uma pessoa pode ver
bem o que é puro nos shila [preceitos de moralidade] e o que os viola’.

Oh bom homem! Através desses quatro itens: convivência, vida longa,


Sabedoria e meditação, uma pessoa pode vir saber dos shila verdadei-
ros e não-verdadeiros. Oh bom homem! Existem dois tipos de shila e
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 42
dois tipos de pessoas que defendem os shila. Um é absoluto e o outro
não-absoluto. Se uma pessoa somente defende os shila através das
relações causais, o sábio se perguntaria se a defesa dos shila dessa
pessoa é para o benefício, ou por lucro, ou é a absoluta defesa dos
shila. Oh bom homem! Os shila do Tathagata não têm nada a ver com
relações causais. Este é o porquê Eu digo ‘shila absoluto’. Por conta
disto, mesmo quando atacado por qualquer maldade, o Bodhisattva
não se sente molestado pela ira. Por essa razão, podemos dizer que o
shila imutável do Tathagata é shila absoluto.

Oh bom homem! Certa vez vivi em Magadha, no grande castelo de


Campa, junto com Shariputra e seus discípulos. Havia então um caça-
dor que estava atrás de uma pomba. Assustada, essa pomba veio a se
esconder sob o robe de Shariputra e tremia como uma bananeira. Em
seguida, ela veio para a sombra do meu corpo, seu corpo e mente en-
contraram a paz, e o medo se foi. Saiba, portanto, que o Tathagata é
alguém que defende os shila eternamente, tal que a sua sombra possui
esse poder.

Oh bom homem! Shila não-absoluto não pode levar alguém nem


mesmo ao estágio de um Sravaka ou Pratyekabuda. Como se poderia
esperar atingir a Iluminação Insuperável?

Novamente, há dois tipos. Um é pelo lucro e o outro pelo Dharma Ma-


ravilhoso. Alguém defende shila pelo lucro. Saiba que com esse shila
não se pode ver o Tathagata e a Natureza de Buda. Pode-se ouvir os
nomes da Natureza de Buda e do Tathagata, mas esta não pode ser
chamada visão através da audição. Se alguém defende shila pelo
Dharma Maravilhoso, saiba que esse alguém, através disto, verá a Na-
tureza de Buda e o Tathagata. Isto é ver com os olhos e também atra-
vés da audição.

Novamente, há dois tipos. Um é profundamente enraizado, que é difícil


arrancar; e o outro superficialmente enraizado, que é fácil arrancar. Se
alguém pratica os samadhis do não-nascimento, não-mortalidade e
Capítulo 34: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 2 Página 43
não-desejo, é difícil arrancar. Uma pessoa pode praticar esses três sa-
madhis, mas se for em prol das 25 existências, isto é o que se diz super-
ficialmente enraizado e fácil arrancar.

Os Preceitos do Bodhisattva

Novamente, existem dois tipos. Uma pessoa observa [shila] para o seu
próprio benefício, e a outra para o benefício dos outros seres. Se ob-
servado pelos outros seres, essa pessoa verá a Natureza de Buda e o
Tathagata.

Há dois tipos (de pessoas) entre aqueles que defendem shila. Um é a


pessoa que, por natureza, defende completamente os shila, e o outro é
a pessoa que age sob injunções estabelecidas pelos outros. Quando
alguém recebe shila, através das inumeráveis eras, esse alguém não os
perde. Uma pessoa pode nascer num mau país, ou pode encontrar um
mau amigo, uma má época, ou um mau ensinamento, ou pode sentar-
se junto com aqueles que persistem em más visões da vida. Naquela
ocasião, pode não haver lei [dharma] de recebimento dos shila. No
entanto, a pessoa pratica a Via exatamente como outrora e não trans-
gride (os shila). Este é o caso de como alguém defende [os shila] com-
pletamente por natureza. No outro caso, os preceitos podem ser dados
a alguém por um mestre-sacerdote ou pelo jnati-caturtha [ritual de
recebimento dos preceitos]. Mesmo quando recebeu esse (tipo de)
shila, aquele alguém sempre decide consultar as palavras do mestre,
bons companheiros e amigos, ou outrem que seja perfeito na maneira
de ouvir e proferir sermões. Esse é o caso chamado de ação sob injun-
ções dos outros.

Oh bom homem! Alguém que, por natureza, defende completamente


os shila vê, com os seus próprios olhos, a Natureza de Buda e o Tatha-
gata. Também, isso é visão através da audição. Entretanto, há dois
tipos (de preceitos). Um é o shila dos Sravakas e o outro é aquele do

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 44


Bodhisattva. Esse último atinge desde a primeira aspiração até a Ilumi-
nação Insuperável. Esse é o shila do Bodhisattva. Se alguém medita
sobre ossos brancos, atinge-se o Arhatship. Este é o caso do shila do
Sravaka. Deve-se saber que alguém que defende o shila do Sravaka não
vê a Natureza de Buda e o Tathagata. Qualquer pessoa que defenda o
shila dos Bodhisattvas, saiba-se, atinge a Iluminação Insuperável e vê
bem a Natureza de Buda, o Tathagata e o Nirvana.”

Por Que Defender Preceitos

O Bodhisattva Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Por


que defendemos os preceitos proibitivos?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Se for assim a mente não se arrepen-
de. Por que não se arrepende? Porque se obtém bênçãos (felicidade).
Como se obtém bênçãos? Isto vem da segregação. Por que necessita-
mos buscar a segregação? Para obter a paz. Como obtemos a paz?
Através da meditação. Por que meditamos? Para obter o verdadeiro
conhecimento e visão. De que maneira temos verdadeiro conhecimen-
to e visão? Através da visão dos muitos males e aflições do nascimento
e da morte. Isto é para a nossa mente não se apegar avidamente. Por
que necessitamos ter a mente não apegada avidamente? Porque ob-
temos Emancipação. Como obtemos Emancipação? Ao obter o insupe-
rável Grande Nirvana. Como obtermos o insuperável Grande Nirvana?
Ao obter o Eterno, Êxtase, o Eu, e o Puro. Por que dizemos que obte-
mos o Eterno, Êxtase, o Eu, e o Puro? Em razão da consecução do não-
nascimento e não-mortalidade. Como obtemos o não-nascimento e
não-mortalidade? Ao ver a Natureza de Buda. Assim, o Bodhisattva,
por natureza, defende os shila [preceitos de moralidade] de absoluta
pureza.

Oh bom homem! O Monge que defende shila pode não fazer um voto
para obter a mente do não-arrependimento, mas a mente do não-

Capítulo 34: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 2 Página 45


arrependimento surgirá por si. Por quê? Porque a natureza da lei [natu-
reza do Dharma] faz com que as coisas sejam assim, espontaneamente.
Embora particularmente ele possa não procurar chegar à segregação,
paz, samadhi, conhecimento e visão, visão dos males do nascimento e
da morte, à mente que não se apega avidamente [às coisas], à emanci-
pação, ao Nirvana, ao Eterno, Êxtase, o Eu, e o Puro, ao não-
nascimento e não-mortalidade, e à Natureza de Buda; no entanto,
todas essas coisas surgirão espontaneamente. Por quê? Em razão da
plena-naturalidade da natureza da lei.”

O Bodhisattva Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Se


alguém obtém (espontaneamente) a fruição do não-arrependimento a
partir da observância dos preceitos e a fruição do Nirvana através da
Emancipação, não há causa relacionada aos preceitos e nenhuma frui-
ção relacionada ao Nirvana. Se os preceitos não têm causa relacionada,
isto é o Eterno; e se o Nirvana tem alguma causa relacionada (no caso,
a emancipação), ele deve ser não-eterno. Isto é como a luz de uma
lâmpada. Se o Nirvana fosse algo semelhante, como poderíamos dizer
que ele é o Eu, Êxtase, e o Puro?”

O Buda disse: “Bem falado, bem falado, oh bom homem! Você já plan-
tou boas sementes no passado no lugar (função) de inumeráveis Budas
e agora é capaz de colocar questões de profundo significado para o
Tathagata. Oh bom homem! Você não acabou com o pensamento
original que tinha, e pergunta assim. Relembro que em tempos passa-
dos, há inumeráveis kalpas atrás, surgiu um Buda em Varanasi chama-
do ‘Bem-Atingido’. Naquela ocasião, esse Buda proferiu um sermão
sobre o Sutra do Grande Nirvana ao longo de 3(três) bilhões de anos.
Eu, juntamente com você, juntamo-nos àqueles lá congregados. Eu,
então, indaguei o Buda sobre essa questão. Então, o Tathagata, para o
benefício dos seres, estava no samadhi correto e não respondeu. Oh
grande! Você retém bem essa velha história dos dias passados em sua
mente. Ouça atentamente, ouça atentamente! Agora direi a você.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 46


Esses preceitos também têm uma causa. Porque eles surgem da audi-
ção do Dharma Maravilhoso. O fato de alguém ouvir o Dharma Maravi-
lhoso é também uma causa. Isto surge ao fazer amizade com um bom
amigo. A associação de alguém com um bom amigo é a causa. Isto
surge da fé. Ter fé também é uma causa.

Há dois tipos de causa. Um é ouvir um sermão, e o outro é pensar so-


bre o seu significado.

Oh bom homem! A fé surge da audição do Dharma, e essa audição está


baseada na fé. Essas duas são causa e causa da causa. Também, elas
são resultado e resultado do resultado. Oh bom homem! Os Nirgran-
thas protestam e apresentam o caso de um vaso, e dizem que cada um
serve como causa e efeito, e um não pode se separar do outro. O caso
se estabelece assim.

‘Ignorância’ [‘avidya’] tem relações causais com [isto é, a ignorância


causa] ‘impulsos volitivos’ [‘samskara’], e os impulsos volitivos (tem
relações causais) com a ignorância. Ora, este caso da ignorância e dos
impulsos volitivos é causa, e causa da causa; e também efeito, e efeito
do efeito. O nascimento é a causalidade relacionada ao envelhecimen-
to-e-morte, e o envelhecimento-e-morte ao nascimento. E o nascimen-
to e envelhecimento-e-morte são causa e causa da causa; e são efeito e
efeito do efeito. O caso é assim.

Oh bom homem! O nascimento realmente evoca as coisas. Não pode


haver nascimento por si só. Ele não pode surgir por ele mesmo. O nas-
cimento surge dependente de outro nascimento. Nascimento-
nascimento não pode surgir assim por si. Ele é dependente de um nas-
cimento. Assim, os dois nascimentos também são causa, e causa da
causa; e são efeito e efeito do efeito.

Oh bom homem! O caso da fé e audição do Dharma é assim.

Capítulo 34: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 2 Página 47


Oh bom homem! Isto (agora) é efeito e não é causa; é o Grande Nirva-
na.

Por que dizemos efeito? Porque este é o fruto supremo, a fruição de


um Shramana, de um Brâmane, porque erradica o nascimento-e-
morte. Porque a pessoa extirpa as impurezas. Em razão disto, dizemos
efeito. Chamamos as impurezas de errado do errado.

Oh bom homem! O Nirvana não tem causa. Ele é o resultado. Por que é
assim? Porque não há nascimento-e-morte. Porque não há ação reali-
zada e porque é não-criado. É um Não-Criado. É Eterno e Imutável. Não
há lugar onde ele exista [isto é, não está confinado num lugar particu-
lar, não pode ser fixado a um lugar específico]. Não há início e nem fim.

Oh bom homem! Se o Nirvana tem alguma causa que possa ser nome-
ada, isto não é Nirvana. ‘Van’ [‘Vana’ de ‘Nir-Vana’] significa causa; o
Nirvana das relações causais significa ‘não’. Como não há causa que
possa ser nomeada, dizemos Nirvana.”

O Bodhisattva Rugido do Leão disse: “O Buda diz que o Nirvana não


tem causa que possa ser nomeada. Mas isto não é assim. Se é dito que
não há nada, essa resposta [corresponde] a seis significados. Primeiro,
temos o ‘não-é definitivo’. Isto é como no caso no qual todas as coisas
não têm uma entidade chamada ‘eu’ definitiva e nenhuma coisa defini-
tiva pertencente a elas. Segundo, é não-existente quando pode existir.
Portanto, ‘nada’. Isto é como quando as pessoas dizem: ‘Não há água
no rio ou lago; ou não há sol e lua’. Terceiro, como a quantidade é pe-
quena, portanto, ‘nada’. As pessoas do mundo dizem quando há pouco
sal, ‘sem-sal’; quando a doçura é insignificante, dizemos ‘sem-açúcar’.
Quarto, quando alguém nada recebe, diz-se ‘nada’. O candala não po-
de defender os ensinamentos do Brâmane. Assim dizemos: ‘Não há
Brâmane’. Quinto, quando alguém aceita uma coisa má, dizemos ‘na-
da’. As pessoas dizem: ‘Uma pessoa que aceita uma coisa má não é
Shramana ou Brâmane, porque as pessoas não podem chamá-la de
Shramana ou Brâmane’. Sexto, porque ele não pode ser comparado.
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 48
Por exemplo, se não existe branco, dizemos preto; quando não há es-
clarecimento, dizemos ignorante.

Oh Honrado pelo Mundo! O caso com o Nirvana é assim. Se disse que


não há causa quando há. É por isso que dizemos Nirvana.”

O Buda disse: “Oh bom homem! Agora você fala dos seis significados.
Você não pega o caso do nada definitivo e o compara com o Nirvana.
Mas, você pega o caso do nada em relação à realidade.

Oh bom homem! O corpo do Nirvana não tem absolutamente uma


causa que possa ser nomeada. É como no caso onde não há ‘eu’ e nada
que pudesse ser nomeado como pertencente a alguém.

Oh bom homem! Aquilo que se obtém no mundo e o que se obtém no


Nirvana não pode ser comparado absolutamente. Assim, os seis itens
não servem como comparação.

Oh bom homem! Todas as coisas não possuem um ‘Eu’. Mas esse Nir-
vana realmente possui o ‘Eu’. Por essa razão, dizemos que o Nirvana
não tem causa e, no entanto, o corpo é o resultado. Isto é a causa, e
não o resultado. Chamamos isto de Natureza de Buda. Como não é
resultado que surge de uma causa, ele é a causa, mas não resultado.
Não é resultado de um Shramana. Assim, dizemos ‘não-resultado’.

Por que dizemos ‘causa’? Porque é a causa revelada.

Oh bom homem! Existem dois tipos de causa. Um é a causa do nasci-


mento e o segundo a causa revelada.

Também, existem as causas do nascimento, que são os seis paramitas e


a Iluminação Insuperável.

Também, existem as causas reveladas, que são os seis paramitas e a


Natureza de Buda.
Capítulo 34: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 2 Página 49
Também, existem as causas do nascimento, que são o Samadhi Suran-
gama e a Iluminação Insuperável.

Também, existem as causas reveladas, que são o Nobre Caminho Óc-


tuplo e a Iluminação Insuperável.

Também, existem as causas do nascimento, que são a fé e os seis pa-


ramitas.”

Sobre Ver o Tathagata e a Natureza de Buda

(O Bodhisattva) Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! O


que significa quando falamos que vemos o Tathagata e a Natureza de
Buda sobre a qual você, o Buda, fala? Oh Honrado pelo Mundo! O Ta-
thagata não tem fisionomia carnal. Ele não é alto, nem baixo, nem
branco, nem preto. Não há sentido em falar dele. Ele não está nos três
mundos. Ele não é uma existência criada. Ele não é alguém que possa
ser visto através dos olhos. Como podemos vê-lo? A situação é a mes-
ma com a Natureza de Buda.”

O Buda disse: “Oh bom homem! Existem dois tipos de Corpo-Búdico.


Um é Eterno, e o outro é impermanente. Este último é manifestado
através de (meios) expedientes para salvar os seres. Isto é ver através
dos olhos. O Eterno refere-se ao corpo emancipado do Tathagata-
Honrado-pelo-Mundo! Considera-se algo visto pelos olhos. É também
algo visto pela audição. A Natureza de Buda, também, tem dois tipos, a
saber: 1) visível, e 2) invisível. A visível é o caso dos Bodhisattvas do
décimo estágio (‘bhumi’) e de todos os Budas-Honrados-pelo-Mundo; a
impossível de ser vista (invisível) refere-se ao caso dos seres. Visão com
os olhos refere-se à Natureza de Buda dos seres vista pelos Bodhisatt-
vas do décimo estágio e por todos os Budas-Tathagatas. Visão através

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 50


da audição refere-se a todos os seres que ouvem que o Bodhisattva do
nono estágio possui a Natureza de Buda.

O corpo do Tathagata também tem dois tipos. Um é o carnal e ou ou-


tro o não-carnal. O carnal é assim chamado quando o Tathagata torna-
se emancipado. O não-carnal concerne ao Tathagata que está apartado
eternamente de todos os tipos de existência carnal.

A Natureza de Buda também tem dois tipos. 1) rupa [forma], 2) não-


rupa. Rupa concerne à Iluminação Insuperável, e não-rupa se refere a
todos os seres e aos Bodhisattvas dos dez estágios. Os Bodhisattvas dos
dez estágios não podem ver a Natureza de Buda muito claramente. É
por essa razão que a classificamos como não-rupa.

Oh bom homem! A Natureza de Buda ainda tem mais dois tipos, os


quais são: 1) rupa, e 2) não-rupa. Rupa concerne ao Buda e aos Bodhi-
sattvas, e não-rupa a todos os seres. Rupa se refere à visão com os
olhos, e não-rupa a ver através da audição. A Natureza de Buda não
existe dentro e fora (inclusiva); nem dentro ou fora (exclusiva). E ainda
assim ela não é perdida ou destruída. Este é o porquê dizemos que
todos os seres possuem a Natureza de Buda.”

O Bodhisattva Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! O Bu-


da diz que todos os seres possuem a Natureza de Buda. Existe mantei-
ga no leite. É como no caso do vajra-guardsman [um dos deuses que
segura um diamante em suas mãos e protege o ensinamento Budista].
A Natureza de Buda de todos os Budas é pura sarpirmanda [ghee, ou o
mais delicioso e eficaz remédio]. Por que o Tathagata diz que a Nature-
za de Buda existe nem dentro e nem fora?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Eu também não disse que a manteiga
existe no leite. O que eu disse é que a manteiga surge do leite. E assim
dizemos que existe a manteiga.”

Capítulo 34: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 2 Página 51


“Oh Honrado pelo Mundo! Em todos os nascimentos, existe uma oca-
sião.”

“Oh bom homem! Na fase do leite, não existe manteiga. Assim, não há
manteiga fresca, nem manteiga refinada, e nem sarpirmanda. Todos os
seres também chamam isto de leite. Portanto, Eu digo que não há
manteiga no leite. Se houvesse, por que teríamos dois nomes e falarí-
amos, por exemplo, como o fazemos com os ‘dois artífices do ouro
(ourives) e do ferro (ferreiro)’? Na fase da manteiga, não há leite e nem
é manteiga fresca, nem manteiga refinada, e nem sarpirmanda. Os
seres também dizem que é manteiga e não leite, nem manteiga fresca,
nem manteiga refinada, e nem sarpirmanda. O mesmo (ocorre) com (a
fase de) sarpirmanda também.

Oh bom homem! Existem dois tipos de causas. Um é a causa direta, e o


outro a condição. Dizemos causa direta. Podemos comparar isto ao
leite que evoca a manteiga; e através da condição, podemos evocar a
qualidade da acidez e calor. Como ela vem do leite, dizemos que existe
a qualidade da manteiga no leite.”

Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Se não há natureza


da manteiga no leite, isto nos levará a dizer que ela não pode estar no
chifre. Por que é que ela não surge do chifre?”

Oh bom homem! O chifre também evoca a manteiga. Por quê? Eu


também disse que há dois tipos de condição. Um é ter o conteúdo de
‘ro’ [acidez, ou que pode levar à evocação de algo como a coalhada], e
o outro é ter ‘nan’ [calor]. Como a natureza do chifre é calor, Eu digo:
‘ele realmente evoca a manteiga’.”

Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Se o chifre pode de


fato evocar [a manteiga], por que é que alguém que busca a manteiga
pega o leite e não o chifre?”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 52


O Buda disse: “Oh bom homem! Esse é o porquê eu falo de causa dire-
ta e condição.”

Rugido do Leão disse: “Se originalmente não existe natureza da man-


teiga no leite, e agora existe, e se não existe originalmente amra no
leite, por que é que ela (a amra) não eclode (brota)? Isto é porque am-
bos (leite e manteiga) não a contém desde o início.”

“Oh bom homem! Mesmo aqui, o leite evoca a amra. Se alguém borrifa
leite na amra, ela cresce cinco pés numa noite. Este é o porquê eu digo
que existem duas causas [isto é, a causa e ‘por causa’, ou condição]. Oh
bom homem! Se todas as coisas surgem de uma causa, como você
pode criticar e questionar por que a amra não surge no leite? Oh bom
homem! Os quatro grandes elementos e todas as coisas concretas
podem ser os elementos das relações causais. No entanto, cada coisa é
diferente da outra e não podem ser as mesmas. Por essa razão, a amra
não surge lá no leite.”

“Oh Honrado pelo Mundo! Você, o Buda, diz que existem dois tipos de
causa, os quais são: 1) causa direta, e 2) condição. A que causa a Natu-
reza de Buda dos seres responde (serve)?”

“Oh bom homem! A Natureza de Buda dos seres também tem duas
causas. Uma é a causa direta e a outra a condição. A causa direta cor-
responde a todos os seres; a condição é os seis paramitas.”

Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Eu agora definitiva-


mente sei que o leite contém em si a natureza da manteiga. Por quê?
Eu vejo que as pessoas do mundo que buscam a manteiga pegam so-
mente o leite e nunca a água. A partir disto, sabemos que a natureza
da manteiga existe no leite.”

“Oh bom homem! O que você diz não está correto. Por que não? Todos
os seres que procuram ver sua face e feições pegam apenas a espada.”

Capítulo 34: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 2 Página 53


Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Por essa razão, existe
a natureza da manteiga no leite. Se não houvesse a face e nenhuma de
nossas feições na espada, por que pegaríamos uma espada [para o-
lhar]?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Se a face e a forma corpórea definiti-


vamente existem, por que é que existe a [imagem] de cabeça-para-
baixo? Verticalmente se vê a altura, e transversalmente se vê a largura.
Se isto é a nossa própria face, como poderia ser tão longa? Se essa face
é de outra pessoa, como alguém pode dizer que esta é a sua própria
face? Se é o caso que alguém vê, através da sua própria face, a face de
outro alguém, por que não se vê a face e forma de um burro?”

“Oh Honrado pelo Mundo! A luz dos olhos abrange (a face), de tal ma-
neira que vemos que a face é alongada.”

“Oh bom homem! Entretanto, essa luz dos olhos não abrange (a face).
Por que não? Porque alguém vê o próximo e o distante ao mesmo
tempo. O que fica no intermédio não é visto. Oh bom homem! Se a luz
abrange (a face) e pode-se ver, por que é que todos os seres não se
queimam ao ver o fogo? Não se tem dúvida quando se vê uma coisa
branca distante e pergunta-se se é uma grua, uma bandeira, um ho-
mem, ou uma árvore? Como pode ser que se veja uma coisa num cris-
tal, e o peixe e as pedras em águas profundas somente se a luz entrar
(penetrar o meio)? Se alguém vê sem que a luz penetre, por que é que
se vê uma coisa num cristal e não se pode ver aquilo que está atrás da
parede? Em razão disto, não podemos dizer que a luz dos olhos abran-
ge o objeto e que podemos ver. Oh bom homem! Você diz que há
manteiga no leite. Mas, por que é que um vendedor cobra somente o
preço do leite e não o da manteiga? Por que é que quem vende um
cavalo do pasto o vende ao preço do cavalo do pasto, mas não ao pre-
ço do cavalo em si? Oh bom homem! Há um homem sem filhos. Assim,
ele recebe uma mulher. A mulher engravida. Não podemos dizer que
isto é uma mulher porque ela engravidou. Alguém pode dizer: ‘Pegue
essa mulher porque ela tem a qualidade de gerar uma criança’. Mas
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 54
isto não funciona bem. Por que não? Se existe a qualidade de ter uma
criança, deve surgir um neto. Se houver de ser uma qualidade (da mu-
lher), isto significará que todos são irmãos. Por quê? Porque todos
seriam nascidos de uma mesma pessoa. Este é o porquê Eu digo que
uma mulher não tem qualquer qualidade de (ter por si) uma criança. Se
existe a qualidade da manteiga no leite, por que é que (ele) não possui
os cinco sabores? Se a semente de uma árvore tem a qualidade dos 50
pés de altura da nyagrodha, porque é que (ela) não tem de uma só vez
todas as diferentes formas e cores do broto, do tronco, dos galhos, da
folha, das flores e frutos? Oh bom homem! A cor do leite varia de acor-
do com o tempo. Assim é com o sabor e os produtos (dele derivados). É
o mesmo com a sarpirmanda. Como podemos dizer que o leite tem a
qualidade da manteiga nele? Oh bom homem! Por exemplo, um ho-
mem que deve obter a manteiga amanhã pode ter sentido o seu cheiro
hoje. O caso onde dizemos que o leite definitivamente possui a quali-
dade da manteiga também é a mesma coisa.

Oh bom homem! Por exemplo, é como quando concluímos uma carta,


o conjunto resultante de caneta, papel e tinta. No entanto, nesse papel
não havia nada que representasse a carta em si. Originalmente, nada
havia da carta [lá]. Através das relações causais, a carta surgiu. Se hou-
vesse alguma coisa de uma carta, por que dependeríamos de tantas
relações causais? Por exemplo, é como a cor verde, que é uma mistura
do azul com o amarelo. Sabe-se que essas duas não possuíam origi-
nalmente a qualidade do verde. Se houvesse originalmente aquela
qualidade, por que necessitaríamos misturar as duas e assim obter a
cor (verde)?

Oh bom homem! É exatamente como os seres obtém a vida da comi-


da. Mas, nessa comida, não há nada de vida, para dizer a verdade. Se
houvesse vida originalmente (lá), teria que haver uma coisa chamada
vida quando ainda não comida (ingerida).

Oh bom homem! Não existe o ‘eu’ próprio em todas as coisas. Por essa
razão, Eu falei assim num gatha:
Capítulo 34: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 2 Página 55
‘O que originalmente foi, agora não é mais;
o que originalmente não foi, agora é;
Nada pode existir como ‘é’
sucedendo-se nos Três Tempos’.

Ver o Que Temos em Comum

Oh bom homem! Todas as existências surgem através das relações


causais e extinguem-se através das relações causais. Oh bom homem!
Se for verdade que todos os seres possuem a Natureza de Buda dentro
de si, será como no meu próprio caso, onde tenho o Corpo de Buda
agora. A Natureza de Buda de todos os seres é inquebrantável, indes-
trutível, não pode ser tirada, não pode ser agarrada, não pode ser pre-
sa ou atada. É como o espaço, que também está em todos os seres.
Todos os seres o possuem. Como nada há que o obstaculize, não ve-
mos esse vazio. Se os seres não tivessem esse vazio, não poderia haver
qualquer ir, vir, caminhar, parar, sentar ou reclinar; e não poderia ha-
ver nascer e crescer. Este é o porquê Eu digo neste Sutra que os seres
têm o vazio. O mundo do vazio corresponde à vacuidade. É o mesmo
com a Natureza de Buda dos seres, também. O Bodhisattva do décimo
estágio (abode) pode ver isto em parte. É como no caso do vajra-aksa.

Oh bom homem! A Natureza de Buda dos seres é o que todos os Budas


podem ver; não é o que Sravakas e Pratyekabudas possam conhecer.
Todos os seres não vêem a Natureza de Buda. Este é o porquê eles
estão todos atados pelas impurezas e reciclam nascimentos e mortes.
Quando alguém vê a Natureza de Buda, nenhum laço das impurezas
pode prendê-lo (mais). A Emancipação vem, e essa pessoa atinge o
Grande Nirvana.”

O Bodhisattva Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Todos


os seres possuem a Natureza de Buda como no caso da natureza da

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 56


manteiga que está no leite. Se não, como o Buda poderia dizer que
existem duas causas, isto é: 1) a causa direta, e 2) a condição? A condi-
ção tem qualidades: 1) a acidez, e 2) o calor. O espaço não possui uma
natureza. Portanto, nem causa e nem condição.”

O Buda disse: “Oh bom homem! Se existe qualquer natureza da man-


teiga no leite, que condição e causa pode haver?”

O Bodhisattva Rugido do Leão disse: “Porque existe uma natureza. Em


razão disto, pode haver uma condição e causa. Por quê? Porque se
quer ver claramente. A condição ou causa (externa) nada mais são que
a causa (inerente) revelada. Oh Honrado pelo Mundo! Na escuridão já
existem muitas coisas. Quando se deseja ver, faz-se o uso de uma lâm-
pada. Se nada existia desde o princípio, o que a luz poderia iluminar?
No barro [isto é, na argila] existe o vaso. Em razão disto, uma pessoa
com uma roda d’água e uma espátula torna essa causa revelada. Ou a
semente da nyagrodha faz da terra, a água e o adubo a causa revelada.
É o mesmo com a acidez e o calor do leite. Eles podem tornar-se causa
revelada. Assim, pode haver uma qualidade que precede. Com a ajuda
da causa revelada, pode-se vê-la mais tarde. Em razão disto, sabe-se
definitivamente da manteiga que existe de antemão no leite.”

“Oh bom homem! Se o leite definitivamente contém a natureza da


manteiga, isto é uma causa revelada. Se isto é uma causa revelada, por
que se necessita ter uma coisa revelada? Oh bom homem! Se a nature-
za da causa é revelada, deve-se sempre ter [essa] revelação. Se não
houver revelação de si próprio, como se poderia esperar revelar ou-
tros? Existem dois tipos de causas reveladas, os quais são: 1) revelar
para si mesmo, e 2) revelar para outros. Se isto é o que está dito, não é
bem assim. Por que não? A causa revelada só pode ser uma. Como
pode haver duas? Se forem duas, deve-se saber que o leite também
deve ter duas. Se não pode haver duas (causas) no leite, como pode
haver duas causas reveladas?”

Capítulo 34: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 2 Página 57


Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! As pessoas do mundo
podem dizer: ‘Eu estava junto com oito pessoas’. É o mesmo caso com
a causa revelada. Ela se revela e revela outros.”

O Buda disse: “Oh bom homem! Se a causa revelada deve ser esta (ou
seja, está determinada), não é uma causa revelada. Por que não? Al-
guém que conta seu próprio ‘eu’ também pode contar o ‘eu’ dos ou-
tros. Este é o porquê podemos dizer oito. E nesta natureza da matéria,
não há fase de revelação. Como não há fase de revelação, somente
com a ajuda da Sabedoria pode-se contar o próprio ‘eu’ e aquele dos
outros. Em razão disto, a causa revelada não pode revelar-se, e não
revela outros.

Oh bom homem! Se todos os seres possuem a Natureza de Buda, por


que se necessita praticar inumeráveis virtudes? Se alguém diz que pra-
ticar a Via é a causa revelada, isto nega a alegação de que é como no
caso da manteiga. Se alguém diz que na causa existe definitivamente o
fruto, não pode haver avanço nos preceitos, samadhi [absorção medi-
tativa] e Sabedoria. Eu vejo que as pessoas mundanas originalmente
não possuem shila, samadhi e Sabedoria. Estes aumentam (avançam)
conforme uma pessoa segue as palavras do mestre e os recebe, e gra-
dativamente eles aumentam. Diz-se que aquilo que o mestre ensina é a
causa revelada, mas ao mesmo tempo o mestre está aprendendo,
aquele que recebe ainda não possui shila, samadhi e Sabedoria. Se isso
fosse revelação, isto indica que não houve revelação. Como alguém
pode praticar shila, samadhi e Sabedoria e fazê-los crescer?”

O Bodhisattva Rugido do Leão disse: “Se não há causa revelada, como


alguém pode dizer que existe leite ou manteiga?”

“Oh bom homem! Há três maneiras de responder às críticas do mundo,


as quais são: 1) resposta reverberante, como no seguinte caso: ‘Por
que defendemos shila? Pelo fato de que não se arrepende ou se impor-
ta com o Grande Nirvana’; 2) resposta silenciosa é como quando um
Brahmacarin vem a mim e indaga: ‘O ‘eu’ é eterno?’, e eu mantenho
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 58
meu silêncio; 3) resposta duvidosa, como no caso: ‘Se existem duas
causas reveladas, por que não pode haver dois leites?

Oh bom homem! Eu agora recorro à resposta reverberante: ‘Porque as


pessoas do mundo dizem que existem leite e manteiga, e que alguém
decididamente os obtém. Em razão disto, podemos dizer que existem
leite e manteiga. É o mesmo com a Natureza de Buda, que alguém
pode realmente ver.”

Rugido do Leão disse: “O que o Buda diz não funciona bem. O passado
já foi e o futuro ainda está por vir. Como podemos dizer que eles exis-
tem? Se isto significa o que está para acontecer, não está de acordo
com a razão. Isto é como quando as pessoas do mundo dizem ‘sem
filhos’, quando vêem uma pessoa sem um filho. Como podemos dizer
que todos os seres possuem a Natureza de Buda quando não a possu-
em?”

O Buda disse: “Oh bom homem! O passado é uma existência. Por e-


xemplo, plantamos uma laranja mandarim. Ela solta um broto e a se-
mente morre. O broto é doce; a fruta, também, é doce. Quando madu-
ra, ela torna-se azeda. Oh bom homem! Esse sabor de acidez não existe
na semente ou no broto; nem na fruta verde. Quando amadurece de
acordo com a qualidade que ela possui originalmente, surgem a forma,
a cor, a aparência externa e o sabor azedo. E essa acidez é o que origi-
nalmente não era, mas agora é. Muito embora não existisse, mas exis-
tindo agora, isto não quer dizer que essa qualidade não estava lá origi-
nalmente. Assim, embora a fruta origine-se do passado, não obstante,
podemos dizer que é o que existe. Em razão disto, dizemos que o pas-
sado é o que ‘é’.

Como podemos chamar o futuro de ‘é’? Por exemplo, uma pessoa


planta sésamo (gergelim). As pessoas perguntam: ‘Por que você está
plantando isto?’ A pessoa responde: ‘Nós [desejamos ter] óleo’. Embo-
ra o óleo não exista, o obtemos quando o sésamo amadurece, quando
colhemos as sementes, torramos ou as passamos através de um vapor,
Capítulo 34: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 2 Página 59
e as esprememos para obter óleo. Saiba que não estamos falando ne-
nhuma mentira. Por essa razão, podemos dizer que existe um futuro
‘é’.

Como, novamente, podemos dizer que o passado tem um ‘é’? Oh bom


homem! Uma pessoa falou mal do Rei em tempos anteriores. Anos
mais tarde, o Rei vem a ouvir isto. Ao ouvir, ele indaga: ‘Por que você
falou mal de mim?’ ‘Oh grande Rei! Eu não falei mal de você. A pessoa
que falou mal de você agora está morta’. O Rei diz: ‘Ambos, a pessoa
que falou mal de mim e o meu próprio corpo existem. Como você pode
dizer que ele está morto?’ Por conta disto, o homem perdeu sua vida.

Oh bom homem! Esses dois (passado e futuro) realmente não existem


e, no entanto, o resultado cármico permanece e não está morto. Este é
o passado ‘é’. Como falamos sobre o futuro ‘é’? Por exemplo, uma
pessoa vai a um oleiro e pergunta: ‘Você tem um vaso?’. A resposta
vem: ‘Temos um vaso’. E ainda não existe um vaso. Como o oleiro tem
o barro, ele diz que o tem. O caso é análogo a este. Saiba que a pessoa
não está dizendo mentiras. Existe manteiga no leite. É o mesmo com a
Natureza de Buda dos seres. Se alguém deseja ver a Natureza de Buda,
deve-se pensar em tempo, forma e cor. Por essa razão, digo que todos
os seres possuem a Natureza de Buda. Não há nada nisto que seja fal-
so.”

Rugido do Leão disse: “Se os seres não possuíssem a Natureza de Buda,


como eles poderiam atingir a Iluminação Insuperável? Em razão da
causa direta (inerente). Através disto, os seres atingem a Iluminação
Insuperável. O que é causa direta. É nada mais que a Natureza de Buda,
oh Honrado pelo Mundo! Muito embora a semente da nyagrodha con-
tenha em si a árvore da nyagrodha, chamamo-la de semente de nya-
grodha. E por que é que não a chamamos de semente de khadira? Oh
Honrado pelo Mundo! O nome de família Gautama não pode ser re-
presentado por Atreya, e Atreya não pode ser representado por Gau-
tama. Assim se dão as coisas com a semente de nyagrodha. Ela não
pode ser representada por uma semente de khadira ou a khadira ser
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 60
representada pela semente da nyagrodha. E como você não pode aca-
bar com o nome da família Gautama, não se pode acabar com a Natu-
reza de Buda dos seres. Saiba-se que os seres, em razão disto, possuem
a Natureza de Buda.”

O Buda disse: “Oh bom homem! Se você diz que existe a (árvore) nya-
grodha na semente, tenho que dizer que isto não é assim. Se fosse, por
que não a vemos? Oh bom homem! É como com as coisas do mundo
que não podem ser vistas em razão das relações causais. O que são
[essas] relações causais? Elas são, por exemplo, como o caso onde a
distância é tão grande que não se pode ver. Ou como o traço do vôo de
um pássaro através do céu. Ou como quando a distância é tão curta
como num piscar de olhos. Ou como no caso de uma fragmentação,
em conseqüência da qual não se pode ver. Ou por causa do apodreci-
mento da raiz. Ou é como a dispersão do pensamento, como quando a
mente de alguém não está concentrada exclusivamente num foco. Ou
é como quando algo é tão minúsculo quanto uma partícula de pó. Ou é
como quando um obstáculo existe, como quando as nuvens obscure-
cem a visão das estrelas interpondo-se a elas. Ou quando há muitos, de
tal maneira que não se pode ver, como no caso do cânhamo em meio
às plantas de arroz. Ou em razão da similaridade, em conseqüência da
qual não se pode ver, como no caso de um (grão de) feijão em meio a
feijões. Mas, (o caso da) nyaghodha não é nada parecido com essas
oito relações causais. Se tal, por que é que não a podemos ver? Você
pode dizer que não vemos em razão dos pequenos obstáculos. Mas,
isto não é assim. Por que não? Porque as características externas (da
árvore da nyagrodha) são rudes e grosseiras. Se você diz que a nature-
za é diminuta, como ela pode realmente crescer? Se alguém diz que
não pode (ver) em razão de um obstáculo, nunca seríamos capazes de
ver. Se for dito que originalmente não havia essa rudeza, mas agora
alguém vê essa rudeza, saiba que essa rudeza não possui a natureza de
si própria. Originalmente, não havia natureza (da rudeza), e agora al-
guém a vê. Saiba que a natureza do que foi visto originalmente não
possui a natureza de si própria. É o mesmo com a semente. A árvore
em si não existia. Agora, nós a vemos. Que mal há?”
Capítulo 34: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 2 Página 61
Rugido do Leão disse: “Há duas causas das quais o Buda fala. Uma é a
causa direta e a outra é a causa revelada. Em razão da semente de
nyagrodha estar baseada na causa revelada da terra, água e adubo, isto
permite ao que é diminuto ganhar a forma (grosseira).”

O Buda disse: “Oh bom homem! Se existe o chão como ponto de parti-
da, por que necessitamos buscar a causa revelada? Se não existe natu-
reza sobre a qual falar, o que há para revelar? Se originalmente não
havia qualquer elemento de rudeza, e em razão da causa revelada
surgiu a rudeza, por que é que a khadira não surgiu? O fato é que am-
bos não existem originalmente. Oh bom homem! Se a minuciosidade
não pode ser vista, pode-se ver bem o que é grosseiro. Por exemplo,
alguém pode não ser capaz de ver uma simples partícula e, no entanto,
quando muitas partículas se juntam, pode-se ver. Dessas sementes,
pode-se ver o que é grosseiro. Por quê? Porque nesta já existe o broto,
o caule, a flor e o fruto. Em cada fruto já existem incontáveis sementes.
Cada semente contém em si inumeráveis árvores. Portanto, dizemos
grosseiro. Como existe essa rudeza, pode-se de fato vê-la. Oh bom
homem! Se essa semente de nyagrodha possui a natureza da nyagro-
dha e se ela evoca uma árvore, vemos que a semente está sendo
queimada no fogo. Assim, a natureza de ser queimada também será
um ‘é’. Se ela é um ‘é’, não pode haver qualquer surgimento de uma
árvore. Se todas as coisas são originalmente da natureza do nascimen-
to e da morte, por que é que o nascimento precede e a morte segue, e
todas as coisas não acontecem ao mesmo tempo? Por essa razão, saiba
que não existe natureza.”

O Bodhisattva Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Se a


semente da nyagrodha não possui originalmente a natureza da árvore,
e ainda assim evoca a árvore, por que é que essa semente não produz
óleo? Isto advém do fato de que nenhuma delas (semente ou árvore)
possui tal natureza.”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 62


“Oh bom homem! Mesmo essa semente, de fato, produz óleo. Embora
não exista a natureza, é ‘é’ em razão das relações causais.”

Rugido do Leão disse: “Por que não a chamamos de óleo de gergelim?”

“Oh bom homem! Porque não é óleo de gergelim. Oh bom homem! A


relação causal do fogo evoca fogo; a da água evoca a água. Ambos
seguem as relações causais, mas existir ambos [a um único e mesmo
tempo] não é possível. É o mesmo com as sementes da nyagrodha e do
gergelim. Ambas seguem as relações causais, mas não existem ao
mesmo tempo. A natureza da semente da nyagrodha facilmente cura
um frio, e a do gergelim cura uma febre. Oh bom homem! Através da
diferença nas relações causais, a cana de açúcar evoca a rapadura e o
kokumitsu [certo produto do açúcar – possivelmente melaço]. Ambos
dependem das relações causais, mas sua cor e aparência externa dife-
rem. Rapadura cura febre e kokumitsu cura o frio.”

O Bodhisattva Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Se não


existe qualquer natureza da manteiga no leite, nem a natureza do óleo
no cânhamo, nem a natureza da árvore na (semente de) nyagrodha,
nem a natureza do pote no barro, nem a Natureza de Buda em todos
os seres, tudo isto contradiz o que o Buda disse acima que todos os
seres possuem a Natureza de Buda e, portanto, atingirão o Insuperável
Bodhi. Por quê? Porque não existe a natureza de um humano ou deva
(seres celestiais). Isto significa dizer que sem qualquer natureza, um
humano torna-se um deva e um deva torna-se um humano. É porque o
carma assim engendra que as coisas surgem, mas não através da natu-
reza. O Bodhisattva-Mahasattva atinge o Insuperável Bodhi somente
através das relações causais do carma. Se está dito que todos os seres
possuem a Natureza de Buda, por que o icchantika aparta-se da raiz da
benevolência e cai no inferno? Se a mente do Bodhi é a Natureza de
Buda, o icchantika não pode cortá-la. Se ela é cortada, como podemos
dizer que a Natureza de Buda é eterna? Se não é eterna, não podemos
chamá-la de Natureza de Buda. Se todos os seres possuem a Natureza
de Buda, por que falamos de coisas como a ‘primeira aspiração ao Bo-
Capítulo 34: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 2 Página 63
dhi’? E por que falamos de ‘vaivarti’ [‘retroação’] e ‘avaivarti’ [‘não-
retroage’]. Se for um ‘vaivarti’, a pessoa não poderia ter a Natureza de
Buda. Oh Honrado pelo Mundo! O Bodhisattva-Mahasattva olha exclu-
sivamente (em pensamento único) para o Insuperável Bodhi, vê o
Grande Amor-Benevolente e a Grande Compaixão, e os males do nas-
cimento, da velhice, da morte e das impurezas, e o Grande Nirvana; e
ele medita sobre a não-existência do nascimento, velhice, morte e
impurezas, e acredita nos Três Tesouros, nos resultados do carma, e
defende os preceitos. Essa é a Natureza de Buda. Se houvesse qualquer
Natureza de Buda, como poderíamos usar essa lei e torná-la uma rela-
ção causal? Oh Honrado pelo Mundo! O leite pode seguramente se
tornar manteiga sem a ajuda das relações causais. Mas com a manteiga
fresca [‘navanita’] não pode ser assim. Ela depende das relações cau-
sais, tais como a habilidade humana, um pode de água e a agitação. A
situação é a mesma com os seres. Se eles têm a Natureza de Buda, eles
podem agir sem as relações causais e atingir o Insuperável Bodhi. Se é
definitivamente um ‘é’, por que aquele que busca a Via vê o sofrimento
dos três reinos do infortúnio, o nascimento, velhice, doença e morte, e
adquire uma mente retroativa [isto é, que retrocede, não faz progres-
sos]? Também, sem praticar os seis paramitas, pode-se atingir o Insu-
perável Bodhi. Isto é como quando alguém deseja obter manteiga sem
depender das relações causais do leite. Mas, não é o caso que alguém
atinja o Insuperável Bodhi sem depender dos seis paramitas. Por essa
razão, devemos saber que todos os seres não possuem a Natureza de
Buda. Isto é como acima, onde o Buda disse que o Tesouro da Sangha é
eterno. Se é eterno, isto significa que não é não-eterno. Se não é não-
eterno, como alguém pode atingir o Insuperável Bodhi? Se a Sangha é
eterna, como se pode dizer que todos os seres possuem a Natureza de
Buda? Oh Honrado pelo Mundo! Se todos os seres não possuem origi-
nalmente o Bodhichitta [Mente da Iluminação], não têm a aspiração ao
Insuperável Bodhi e mais tarde adquirem-na, então a Natureza de Buda
e os seres são o que originalmente não era, mas agora é. Em razão
disto, deve ser o caso que todos os seres não possuem a Natureza de
Buda.”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 64


O Buda disse: “Bem falado, bem falado, oh bom homem! Você de há
muito conhece o significado da Natureza de Buda. Para o benefício dos
seres, você coloca essas questões e diz: ‘Todos os seres verdadeira-
mente (não) possuem a Natureza de Buda’. Você diz que se todos os
seres possuíssem a Natureza de Buda, não poderia haver qualquer
primeira aspiração. Oh bom homem! A mente não é a Natureza de
Buda. Por que não? A mente é não-eterna, e a Natureza de Buda é
Eterna. Por que você diz que existe retroação? Para dizer a verdade,
não há retroação. Se houvesse qualquer retroação, não poderia haver
qualquer consecução do Bodhi Insuperável. Como ele vem mais tarde,
chamamos isso de retroativo. Essa Mente do Bodhi não é a Natureza
de Buda. Por que não? Porque o icchantika não possui a raiz do bem e
cai no inferno. Se a Mente do Bodhi fosse a Natureza de Buda, o ic-
chantika não poderia ser chamado de icchantika. Também, a Mente do
Bodhi não pode ser chamada eterna. Por essa razão, podemos saber
definitivamente que a Mente do Bodhi não é a Natureza de Buda.

A Causa e a Condição do Insuperável Bodhi

Oh bom homem! Você diz que se os seres possuíssem a Natureza de


Buda, não haveria necessidade das relações causais, uma vez que o
caso é análogo àquele do leite e a manteiga. Mas, isto não é assim. Por
que não? Isto é como dizer que cinco relações causais evocam a man-
teiga fresca. Saiba que o caso com a Natureza de Buda é o mesmo. Por
exemplo, em várias pedras encontramos ouro, prata, cobre e ferro.
Todas são (compostas) dos quatro grandes elementos. Cada uma tem
um nome e uma qualidade. E o lugar de onde elas vêm não é o mesmo.
O surgimento [isto é, o aparecimento desses metais] sempre depende
da soma total das várias relações causais e virtudes dos seres, (conhe-
cimento de) metalurgia, e das habilidades dos humanos. O assunto se
estabelece assim. Em razão disto, temos de saber que originalmente
não existe a natureza do ouro. A Natureza de Buda dos seres não é
Buda. Através do trabalho conjunto de todas as virtudes e relações

Capítulo 34: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 2 Página 65


causais, alguém vê a Natureza de Buda e torna-se o Buda. Não é corre-
to dizer: ‘Se todos os seres possuem a Natureza de Buda, por que você
não a vê’? Por que não? Porque todas as relações causais ainda não
estão em conjunção. Oh bom homem! Por essa razão, Eu disse que das
duas causas, a causa direta e a condição, a causa direta é a Natureza de
Buda, e a condição é a mente que aspira ao Bodhi. Através dessas duas
causas, atinge-se o Insuperável Bodhi, como no caso de uma pedra da
qual surge o ouro.

Sangha é Harmonia

Oh bom homem! Vocês Sacerdotes sempre dizem que todos os seres


não possuem a Natureza de Buda. Oh bom homem! ‘Sangha’ significa
‘harmonia’. Existem dois tipos de harmonia. Uma é aquela do tipo
mundana e a outra é do tipo ‘Paramartha-satya’ [Realidade Última].
Harmonia mundana é a Sangha de Sravakas, e harmonia da ‘Paramar-
tha-satya’ é a Sangha de Bodhisattvas. A Sangha mundana é não-
eterna, mas a Natureza de Buda é Eterna. Como a Natureza de Buda é
Eterna, assim é a Sangha da ‘Paramartha-satya’.

Também, além disso, existe uma Sangha que é a harmonia da lei [har-
monia do Dharma]. A harmonia da lei se refere aos 12 tipos de sutras.
Os 12 tipos de sutras são Eternos. Esse é o porquê a Sangha é Eterna.

Oh bom homem! Sangha significa harmonia. A harmonia está nos 12


tipos de sutras. Nos 12 elos do surgimento interdependente, existe a
Natureza de Buda. Se os 12 elos do surgimento interdependente são
Eternos, a Natureza de Buda também é Eterna. Esse é o porquê Eu digo
que existe a Natureza de Buda na Sangha.

Também, além disso, a Sangha é a harmonia de todos os Budas. Esse é


o porquê Eu digo que existe a Natureza de Buda na Sangha.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 66


Treze Fatores Conducentes à Retroação do Bodhisattva

Oh bom homem! Você diz que se todos os seres possuíssem a Nature-


za de Buda, como poderia haver qualquer retroação e não-retroação?
Ouça atenciosamente, ouça atenciosamente! Agora explicarei para
você em minuciosos detalhes.

Oh bom homem! Se um Bodhisattva-Mahasattva tem 13 coisas, existe


retroação. Quais são essas 13? Elas são: 1) a mente não acredita, 2) a
mente não irá fazer, 3) a mente é duvidosa, 4) é mesquinho com as
ações corporais e com a riqueza, 5) entretém grande temor em relação
ao Nirvana, duvidando se alguém poderia partir eternamente da exis-
tência mundana, 6) não tem perseverança mental [paciência, resistên-
cia], 7) a mente não irá se ajustar e suavizar-se, 8) apreensão e preocu-
pação, 9) falta de felicidade, 10) indolência, 11) menosprezo de si pró-
prio, 12) considera que não há meios de extirpar as impurezas, e 13)
não deseja a Iluminação. Oh bom homem! Esses são os 13 fatores que
levam o Bodhisattva a retroagir da Iluminação.

Seis Fatores que Destroem a Mente do Bodhi

Ademais, há seis coisas que destroem a Mente do Bodhi. Quais são


elas? Elas são: 1) parcimônia (mesquinhez), 2) entreter um mau pen-
samento com relação a todos os seres, 3) fazer amizades com más
pessoas, 4) não-esforço, 5) arrogância, e 6) empreendimento de negó-
cios mundanos. Essas seis coisas destroem a Mente do Bodhi.

Oh bom homem! Uma pessoa ouve que o Buda-Todo-Honrado-pelo-


Mundo é o mestre de humanos e celestiais, que ele é o melhor, incom-
parável e superior aos Sravakas e Pratyekabudas, que seu Olho do
Dharma é límpido, que ele é sem impedimentos, que ele conduz todos
os seres na travessia do grande mar do sofrimento. Ao ouvir isto, a
pessoa faz um grande voto: ‘Se existe tal pessoa, também serei como

Capítulo 34: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 2 Página 67


ele’. Através dessa relação causal, ela aspira à Iluminação Insuperável.
Ou ensinada por alguns outros, uma pessoa pode aspirar à Iluminação
Insuperável. Ou uma pessoa pode ouvir que o Bodhisattva submeteu-
se a rigorosas penitências durante asamkhyas de kalpas e mais tarde
atingiu a Iluminação Insuperável. Ao ouvir isto, ele pensa: ‘Não posso
suportar essa penitência, portanto, como serei capaz de atingi-la’?
Assim, ele retroage.

Oh bom homem! Há também cinco coisas que afastam alguém da


Mente do Bodhi. Quais são as cinco? Elas são: 1) desejo de tornar-se
ordenado pelos tirthikas [fé não-Budista], 2) não praticar a Mente do
Grande Amor-Benevolente, 3) procurar especialmente encontrar falhas
num sacerdote, 4) sempre buscar viver entre nascimentos e mortes, e
5) não manter um bom sentimento com relação à defesa, recitação,
cópia e exposição dos 12 tipos de sutras. Essas são as cinco coisas que
afastam alguém da Mente do Bodhi.

Também, há duas coisas que afastam alguém da Mente do Bodhi.


Quais são as duas? Elas são: 1) ser ávido pelos cinco desejos, 2) não
respeitar e honrar os Três Tesouros.

Todas essas várias relações causais afastam uma pessoa da Mente do


Bodhi [isto é, são causas de retroação].

A Mente Que Não Retroage

O que é mente que não retroage? Novamente, um homem ouve que o


Buda realmente conduz os seres através do oceano do nascimento,
velhice, doença e morte. Ele não indaga um mestre para ser ensinado e
obtém o Insuperável Bodhi praticando espontaneamente a Via. (E pen-
sa:) ‘Se o Bodhi é algo que podemos de fato alcançar, certamente pra-
ticarei a Via e infalivelmente o atingirei’. Pensando assim, ele aspira ao
Bodhi e transfere todos [os méritos] que acumulou, sejam grandes ou

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 68


pequenos, para o Bodhi Insuperável. Ele faz esse voto: ‘Rogo para que
me aproxime de todos os Budas e discípulos Budistas, ouça os sermões,
tal que os cinco sentidos orgânicos se aperfeiçoem, e essa intenção não
se perderá mesmo que eu encontre dificuldades. Também rogo, oh
todos os Budas e discípulos, que sempre tenha uma mente satisfeita e
seja perfeito nas cinco boas ações. Se todos os seres cortarem meu
corpo, mãos e pés, cabeça e olhos, e outras partes, adquirirei um sen-
timento de Grande Amor-Benevolente com relação a todos e me senti-
rei feliz. Todas essas pessoas contribuirão para o crescimento do meu
próprio Bodhi. Se não, como eu poderia alcançar o Insuperável Bodhi’?

Também, faço o seguinte voto: ‘Que eu não tenha um corpo sem os


órgãos genitais, que não tenha órgãos genitais duplos (duais), ou a
forma de uma fêmea; [Rogo para] que não seja preso pelas autorida-
des, que não encontre um mau rei (governante), que eu não seja su-
bordinado a um mau governante, e que não obtenha nascimento num
mau estado. Se eu obtiver um belo corpo, minha casta será perfeita.
Posso ser abençoado com riqueza, mas não terei uma mente arrogan-
te. Sempre ouvirei os 12 tipos de sutras, os protegerei, recitarei, copia-
rei e os exporei. Se for capaz de me dirigir aos seres, [rogo que] aqueles
que me ouçam respeitem-me e não alimentem dúvidas, que não nu-
tram qualquer má-vontade com relação a mim; que ouçam pouco, mas
ganhem mais compreensão; que não desejem ouvir muito, mas não
sejam esclarecidos quanto ao significado. Rogo para que me torne o
mestre da mente, mas não faça da mente o mestre, que todas as mi-
nhas ações corporais, orais e mentais não se inclinem para a maldade,
que eu seja capaz de conceder a paz e a felicidade a todos os seres, que
eu seja imóvel como uma montanha nos preceitos do corpo e na sabe-
doria da mente, que não seja parcimonioso (mesquinho) com o corpo,
com a vida ou com a riqueza, que não faça coisas impuras e as conside-
re como sendo meritórias, que leve uma vida correta, viva por mim
mesmo, que não cometa a maldade ou a lisonja em pensamento, que
quando receber um favor rogue em minha mente para retribuir de
diversas formas, mesmo quando favorecido apenas um pouco, que eu
seja bem versado em todas as ações e habilidades mundanas, que eu
Capítulo 34: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 2 Página 69
seja capaz de conhecer a dialética de todos os idiomas, que eu recite e
copie os 12 tipos de sutras, que não seja indolente e preguiçoso em
meu pensamento, que se todos os seres não desejarem ouvir, que eu
encontre os meios (de falar), tal que eles sintam prazer em ouvir-me,
que minhas palavras sejam sempre ternas, que minha boca não pro-
nuncie maldades, que eu realmente faça com que aqueles que nutrem
maus pensamentos com relação aos outros se fundam em harmonia.

Se houver alguém que tenha medo, aquela pessoa se livrará dele;


quando houver fome, haverá colheita e satisfação; quando epidemias
surgirem, serei um grande médico e haverá remédio e recursos, tal que
aqueles que sofram das doenças obtenham alívio e saúde. Em tempos
de longas guerras, acabar-se-á com os sofrimentos dos fogos ardentes.
Erradicarei todos os temores como a morte, prisões, torturas, água e
fogo, (maus) governantes, ladrões, pobreza, violações dos preceitos
morais, más reputações e modos de vida.

Terei profundo respeito pelos pais e mães, mestres e anciões, e adqui-


rirei um sentimento de Grande Amor-Benevolente em meio às inimiza-
des. Sempre praticarei as seis coisas, os três Samadhis do Todo-Vazio,
da Irreflexão e do Não-Desejo, os 12 elos do surgimento interdepen-
dente, a meditação sobre o nascimento e a morte, a exalação e inala-
ção do ar, as ações celestiais e puras, as ações sagradas, o Samadhi-
Vajra, o Samadhi Surangama, e atingirei a mente da quietude [mesmo]
quando não houver os Três Tesouros. Quando eu tiver que sofrer de
grande tristeza, que eu não perca a mente do Insuperável Bodhi, que
não me sinta satisfeito com a mente do Sravaka ou do Pratyekabuda.
Renunciarei ao mundo em meio aos modos dos tirthikas e onde não
houver os Três Tesouros, tal que serei capaz de esmagar as visões dis-
torcidas da vida, e não me perderei em suas formas de vida.

Serei imperturbável em todas as coisas, serei livre em meu pensamen-


to, e serei capaz de ver claramente através de todos os males do mun-
do criado. Temerei os modos e fruições dos dois veículos como temeria
perder meu próprio corpo carnal e minha vida. Para o benefício dos
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 70
seres, sentirei tanto prazer em sentar-me em meio aos três reinos do
infortúnio quanto àqueles que adoram buscar viver no Céu Trayastrim-
sa. Para o benefício de cada pessoa, durante inumeráveis kalpas, sofre-
rei as dores do inferno, e não me arrependerei. Não queimarei de inve-
ja quando vir outros obtendo lucros (ganhos). Sempre estarei tão feliz
como quando eu mesmo obtenho bênçãos.

Em face aos Três Tesouros, oferecerei roupas, comida e bebida, roupas


de cama, acomodações, atendimento médico e cura, luzes (velas),
flores e incenso, música, estandartes e dosséis, e os sete tesouros. Se
receber injunções de um Buda, as guardarei zelosamente e nunca as
quebrarei ou as transgredirei. Se ouvir sobre as dificuldades da prática
do Bodhisattva, sentirei prazer e não me arrependerei. Serei capacita-
do a ler em minhas próprias vidas passadas, e não serei um serviçal da
cobiça, da ira e da ignorância. Em prol dos resultados que advirão, não
serei escravo das relações causais. Não serei dominado pela ganância
dos prazeres que se obtém’.

Oh bom homem! Se qualquer pessoa faz tais votos, isto é onde dize-
mos que o Bodhisattva definitivamente não retroagirá da Mente do
Bodhi. Ele é também chamado um ‘danapati’ [alguém que doa]. Ele
certamente verá o Tathagata, é alguém que é claro (límpido) como a
Natureza de Buda, e alguém que conduz bem os seres e possibilita-lhes
atravessar o mar do nascimento e da morte. Ele protege bem o Insupe-
rável Dharma Maravilhoso e é perfeito nos seis paramitas. Oh bom
homem! Por essa razão, a mente não-retroativa é chamada de Nature-
za de Buda.

Parábola da Fonte Límpida

Oh bom homem! Não diga que os seres não têm a Natureza de Buda
apenas em razão da mente retroativa. Por exemplo, duas pessoas ou-
vem: ‘Numa outra terra, existe uma montanha feita dos sete tesouros.

Capítulo 34: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 2 Página 71


Na montanha, existe uma fonte límpida, cuja água é doce. Caso uma
pessoa encontre essa fonte, ela acabará com a pobreza, e qualquer um
que beba a sua água obterá longa vida. Mas, o caminho até lá é longo e
escarpado. Então, ambos desejam ir até lá. Uma das pessoas vai equi-
pada com vários utensílios de viagem, enquanto a outra vai desprepa-
rada, não portando sequer as rações de alimentos. Elas estão cami-
nhando juntas, quando ao longo do caminho encontram um homem
que tem abundância de tesouros, completos nas sete raridades. Os
dois vão a essa pessoa e indagam: ‘Existe alguma montanha dos sete
tesouros naquela terra’? O homem responde: ‘Realmente, existe essa
terra, isto não é falso. Eu já obtive os tesouros. Degustei a água. A única
coisa a preocupar é que o caminho é escarpado, e há muitos ladrões,
cascalhos e espinhos; plantas aquosas (suculentas) são raras. Milhares
de milhões (de pessoas) vão, mas poucos são os que chegam ao fim’.
Ao ouvir isto, um dos homens arrepende-se e diz: ‘O caminho é longo e
há mais que um problema. Incontáveis são aqueles que vão e poucos
chegam ao fim. Como posso esperar encontrar esse lugar? No presen-
te, tenho o que necessito ter. Se me apegar ao que tenho, não perderei
minha vida. Se a vida estiver em jogo, como poderei pensar em longe-
vidade’? O outro homem também diz: ‘As pessoas, de fato, vão; eu
também irei. Se eu realmente alcançar aquele lugar, terei as raridades
e o doce sabor da água. Se eu não puder, deixarei minha vida terminar
lá’. Ora, um se arrepende após ter começado e retorna, enquanto o
outro segue, alcança a montanha e as raridades, e saboreia a água que
ele deseja degustar. Carregando tudo o que ele obteve, ele volta para
onde ele vive, serve seus pais e seus ancestrais.

Então, aquele arrependido após ter começado a viagem, e que voltou,


vê isto e é acometido de uma febre. ‘Ele foi e agora voltou. Como posso
ficar aqui’? E, equipando-se, reinicia a viagem novamente.

Os sete tesouros podem ser comparados ao Grande Nirvana, a água


doce à Natureza de Buda, as duas pessoas a dois Bodhisattvas que
inicialmente aspiram ao Bodhi, o caminho escarpado ao nascimento e
à morte, o homem que eles encontraram no caminho ao Buda-
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 72
Honrado-pelo-Mundo, os ladrões aos quatro Maras, os cascalhos e
espinhos às impurezas, a falta de plantas aquosas a não-prática da Via
do Bodhi, aquele que retorna ao Bodhisattva retroativo, e aquele que
segue sozinho a um Bodhisattva não-retroativo.

De Volta à Montanha dos Sete Tesouros

Oh bom homem! A Natureza de Buda dos seres é Eterna e Imutável. E


dizemos com referência ao caminho escarpado: ‘Quando a pessoa se
arrepende e volta, isto torna o caminho não-eterno’. Mas isto não po-
de ser dito assim. O mesmo é o caso com a Natureza de Buda. Oh bom
homem! No Caminho do Bodhi, não há alguém que retorne. Oh bom
homem! Aquele que se arrependeu após ter começado, agora vê os
que foram antes e que obtiveram tesouros, os vê voltarem impertur-
báveis, e fazerem oferecimentos aos seus pais, darem aos seus paren-
tes, desfrutando de muita paz. Ao ver isto, um fogo queima novamente
em sua mente, ele adorna o seu corpo, reinicia no caminho outra vez,
não mede esforços, enfrenta todos os tipos de dificuldades, e vai à
Montanha dos Sete Tesouros. Assim acontecem as coisas com o Bodhi-
sattva retroativo.

Oh bom homem! Todos os seres definitivamente atingirão o Insuperá-


vel Bodhi. Em razão disto, Eu digo no sutra: ‘Todos os seres, desde a-
queles que têm cometido os cinco pecados mortais, aqueles que têm
pecado ao cometer quatro graves ofensas, e os icchantikas, todos pos-
suem a Natureza de Buda’.”

O Avaivartika

Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Por que existem Bo-
dhisattvas retroativos e não-retroativos?”

Capítulo 34: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 2 Página 73


Oh bom homem! Se qualquer Bodhisattva vem a conhecer as relações
causais das 32 Marcas da Perfeição do Tathagata, dizemos não-
retroativo. Ele é o Bodhisattva-Mahasattva, o não-de-cabeça-para-
baixo, e aquele que sente piedade de todos os seres. Ele é alguém su-
perior aos Sravakas e Pratyekabudas, e alguém chamado ‘Avaivartika’.

Oh bom homem! O Bodhisattva-Mahasattva é (1) imperturbável na sua


observância dos preceitos, em sua (2) idéia de doação, e é como o
Monte Sumeru na (3) persistência na verdadeira palavra. Em razão
disto, ele obtém a planta (dos pés) plana [uma das 80 características
menores de excelência].

O Bodhisattva-Mahasattva (4) oferece convenientemente coisas aos


seus pais, aos honrados, anciões e animais. Em razão disto, ele ganha
na sua planta dos pés a marca de excelência de mil raios [uma das 80
características menores de excelência].

O Bodhisattva-Mahasattva (5) alegra-se em não-prejudicar e não-


roubar, e (6) é grato com relação aos seus pais, aos honrados e profes-
sores. Em razão disto, ele é dotado com as três marcas corporais, quais
sejam: 1) dedos longos, 2) calcanhares longos, e 3) um corpo ereto e
anguloso. Todas essas três formas surgem do mesmo carma.

O Bodhisattva-Mahasattva (7) pratica as quatro formas de orientação


[isto é, guiar os seres] através da: 1) doação, 2) afabilidade (gentileza),
3) boas ações, e 4) transformando-se e co-existindo com eles, como os
próprios seres. Devido a isto, ele ganha a membrana-nos-dedos dos
pés [uma das oitenta características menores de excelência] como
aquela de um grande cisne real.

O Bodhisattva-Mahasattva, quando seus pais, mestres e anciões estão


doentes, (8) banha-se e limpa-se, segura e esfrega seus membros. Em
razão disto, suas mãos e pés são macios.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 74


O Bodhisattva-Mahasattva (9) defende os preceitos, (10) ouve os ser-
mões, e (11) não cessa a doação. Devido a isto, suas juntas e tornozelos
são carnudos e os cabelos sobre a sua pele fluem em uma direção.

O Bodhisattva-Mahasattva (12) com pensamento único dá ouvido ao


Dharma e (13) expõe os ensinamentos corretos. Em razão disto, ele
ganha os tornozelos de um gamo-rei.

O Bodhisattva-Mahasattva (14) não adquire um pensamento malevo-


lente, (15) é satisfeito com a sua comida e bebida, e com a doação; (16)
ele cuida das doenças e dispensa remédios. Em razão disto, seu corpo é
roliço e perfeito, sendo como a árvore nyagrodha. Quando suas mãos
estão estendidas para baixo, seus dedos alcançam os joelhos e sua
cabeça tem uma protuberância, característica em razão da qual o topo
da sua cabeça não pode ser visto.

O Bodhisattva-Mahasattva, (17) quando vê uma pessoa com medo,


acode [aquela pessoa], e (18) quando ele vê uma pessoa sem qualquer
indumentária, dá-lhe roupas. Devido a isto, ele ganha uma característi-
ca através da qual o seu órgão genital fica oculto.

O Bodhisattva-Mahasattva prontamente (19) aproxima-se de homens


sábios, apartatando-se dos ignorantes; (20) tem prazer em mudar pon-
tos de vista e limpa o caminho por onde ele passa. Por conta disto, sua
pele é delicada e macia, e seus cabelos do corpo inclinam para o lado
direito.

O Bodhisattva-Mahasattva (21) sempre dá aos homens roupas, comida


e bebida, remédios, incenso e flores, e velas. Em razão disto, seu corpo
brilha resplandecente numa cor dourada e suave.

O Bodhisattva-Mahasattva (22) doa, não amealha ou regateia o que é


raro, e facilmente compartilha as coisas; (23) não faz distinções entre o
que é um campo de prosperidade ou um não-campo de prosperidade
[isto é, o recipiente da doação – caridade – é semelhante a um campo,
Capítulo 34: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 2 Página 75
cuja cultivação traz bênçãos e virtudes para uma pessoa]. Em razão
disto, ele é pleno e firme nos sete lugares do seu corpo.

O Bodhisattva-Mahasattva (24) busca a riqueza de forma lícita e sem-


pre dá isto [aos outros]. Em razão disto, as partes sem ossos [do seu
corpo] são maciças, a parte superior é como aquela de um leão, e seus
cotovelos são bem-balanceados e delicados.

O Bodhisattva-Mahasattva (25) aparta-se da língua-dúbia, da maledi-


cência e de uma mente irada. Por conta disto, seus 40 dentes são bran-
cos e puros, bem-balanceados e delicados.

O Bodhisattva-Mahasattva (26) pratica o Grande Amor-Benevolente


com relação aos seres. Devido a isto, ele ganha a face de duas-presas.

O Bodhisattva-Mahasattva faz um voto: (27) ‘A quaisquer pessoas que


venham e peçam, darei conforme queiram ter’. Em razão disto, ele
ganha o rosto do leão.

O Bodhisattva-Mahasattva (28) dá quaisquer tipos de comida que os


seres queiram ter. Em razão disto, ele obtém o paladar que é médio-
superior.

O Bodhisattva-Mahasattva (29) exercita-se nas dez boas ações e assim


ensina aos outros. Em razão disto, ele ganha uma vasta e longa língua
[isto é, uma expressão simbólica referindo-se ao seu grande poder de
oratória].

O Bodhisattva-Mahasattva (30) não fala mal dos defeitos dos outros e


não calunia o Dharma Maravilhoso. Em razão disto, ele adquire a Voz-
do-Buda.

O Bodhisattva-Mahasattva (31) vê todas as inimizades e adquire um


sentimento de felicidade. Em razão disto, ele ganha o tom azul dos seus
olhos.
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 76
O Bodhisattva-Mahasattva (32) não oculta as virtudes dos outros, mas
elogia o que têm de bom. Devido a isto, ele ganha uma face com um
tufo de cabelos brancos sobre sua testa.

Oh bom homem! Quando o Bodhisattva-Mahasattva pratica esses 32


tipos de relações causais, ele obtém um pensamento que não retroagi-
rá da mente que busca o Bodhi.

Oh bom homem! Todos os seres estão para além do conhecimento;


também, os mundos dos Budas, o funcionamento do carma e a Natu-
reza de Buda são inconcebíveis. Por quê? Porque essas quatro coisas
são todas Eternas. Sendo Eternas, elas não podem ser concebidas. Com
todos os seres, as impurezas encobrem-lhes. E dizemos Eterno. As im-
purezas do rompimento e permanência se vão. Portanto, não-eterno.
Se for o caso que todos os seres são o Eterno, por que necessitamos
praticar o Nobre Caminho Óctuplo, bem como extirpar todas as triste-
zas? Quando o rompimento vem para todas as tristezas, dizemos não-
eterno. O que quer que tenhamos de felicidade, chamamos de Eterno.
Por essa razão, Eu digo: ‘Todos os seres são encobertos pelas impure-
zas e não podem ver a Natureza de Buda. Não vendo a Natureza de
Buda, nenhum Nirvana surge.”

Capítulo 34: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 2 Página 77


Capítulo Trinta e Cinco: Sobre o Bodhisattva
Rugido do Leão 3
Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Você, o Buda, diz que
todas as coisas têm duas causas. Uma é a causa direta e a outra a con-
dição. Através disto, não pode haver qualquer ruptura da dependência.
Os cinco skandhas aparecem e morrem momento após momento. Se
eles aparecem e morrem, quem ata e desata? Oh Honrado pelo Mun-
do! Os cinco skandhas do presente evocam os cinco skandhas que os
seguirão. Esse skandha morre por si mesmo e não se transforma em
outro skandha. Embora não se transforme em outro skandha, (ele)
pode evocar o outro skandha. De uma semente, obtemos o broto. Mas
a semente não se transforma no broto. Embora ela não se transforme
no broto, ela realmente evoca o broto. É o mesmo caso com os seres.
Como podemos desfazer a dependência?”

“Oh bom homem! Ouça atenciosamente, ouça atenciosamente. Expli-


carei [o assunto] minuciosamente para você. Oh bom homem! Quando
uma pessoa está para morrer e se depara com a maior das tristezas, os
parentes reúnem-se ao seu redor, choram, e se perdem em tristeza. A
própria pessoa está temerosa e não sente nenhuma ajuda. Ela possui
seus cinco sentidos orgânicos, mas as funções dos sentidos não funcio-
nam. Seus membros tremem e ela não pode realmente sustentar o seu
próprio corpo. O corpo está vazio, frio, e o calor está prestes a partir.
Ela vê diante dos seus próprios olhos todas as retribuições cármicas
daquilo que fez.

A Estampa e o Barro

Oh bom homem! O sol está prestes a se por no horizonte, e as monta-


nhas, colinas e montes projetam sombras que se movem para o leste.
A razão nos diz que não pode haver qualquer movimento para o oeste.
É o mesmo com a fruição do carma humano. Quando esse skandha

Capítulo 35: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 3 Página 79


morre, outro surge. Quando a luz aparece, a escuridão se acaba; quan-
do a luz desvanece, a escuridão aparece. Oh bom homem! Quando
uma estampa de cera é pressionada no barro, a estampa torna-se una
com o barro. A estampa se vai, e lá surgem as letras. No entanto, essa
estampa de cera não se transforma em barro, e aquelas letras surgem
do barro. Elas não surgem de qualquer outro lugar. Elas surgem em
virtude das relações causais da estampa. As coisas acontecem assim.

Quando os skandhas da presente vida morrem, numa existência inter-


mediária eles surgem. Não é que os skandhas da presente vida se
transformam nos cinco skandhas intermediários. E, também, os cinco
skandhas intermediários não surgem por si mesmos. Eles não surgem
de qualquer outro lugar. Através dos skandhas do presente surgem os
skandhas intermediários. A estampa imprime o barro. Ela (a estampa)
morre e as letras emergem. O nome não difere. Mas o tempo de cada
um difere. Tal é o caso. Esse é o porquê eu digo: ‘Os cinco skandhas
intermediários não podem ser vistos com os olhos carnais; eles são o
que pode ser visto com os olhos celestiais’. Os skandhas intermediários
alimentam-se de três tipos de comida: 1) a comida do pensamento, 2)
a comida do toque, e 3) a comida do desejo. Os skandhas intermediá-
rios são constituídos de duas coisas, as quais são: 1) a boa fruição cár-
mica, e 2) a má fruição cármica. Das boas ações surge a consciência do
bom carma, e das más ações a consciência do mal.

Quando os pais se juntam numa união sexual, as relações causais evo-


cam a direção na qual a vida deverá prosseguir. A mãe adquire o ‘dese-
jo’ [‘trishna’] e o pai a ‘ira’. Quando o sêmen do pai ejacula, ele diz: ‘Isto
é meu’. Nisto, a sua mente torna-se satisfeita. Esses três tipos de impu-
rezas imprimem as relações causais nos skandhas intermediários, e os
cinco skandhas subseqüentes surgem. Isto é comparável a como a
estampa comprime o barro e as letras emergem.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 80


A Extinção dos Cinco Skandhas

Ao surgirem, todos os sentidos orgânicos são perfeitos ou imperfeitos.


Alguém assim dotado vê a ‘matéria’ [isto é, a forma física] e adquire a
cobiça. A cobiça surge, a qual é desejo. Através da loucura, a cobiça
surge. Isso é ignorância. Através das relações causais do desejo ardente
e da ignorância, o mundo que é visto está todo de cabeça para baixo. O
não-eterno é visto como Eterno, o não-eu como o Eu, o não-êxtase
como Êxtase, e o não-puro como o Puro. Dessas quatro inversões, boas
e más ações são cometidas. As impurezas formam o carma, e o carma
ativa as impurezas. Isso é dependência (servidão, cativeiro). Por conta
disto, dizemos nascido dos cinco skandhas.

Por essa razão, quando alguém se aproxima do Buda, dos discípulos do


Buda, e dos Bons Mestres da Via, e quando ouve os 12 tipos de sutras,
em razão dessa audição do Dharma, surge um domínio do bem. Quan-
do ele vê o domínio do bem, ele adquire grande Sabedoria. Grande
Sabedoria é a visão correta. Quando ele ganha essa visão, se arrepende
da vida do nascimento e da morte. Em conseqüência desse arrependi-
mento, nenhuma alegria surge [com relação ao samsara, nascimento e
morte]. Quando ele não sente essa alegria, ele destrói verdadeiramen-
te a mente cobiçosa. Quando ele destrói a mente cobiçosa, ele pratica
bem o Nobre Caminho Óctuplo. Quando ele pratica o Nobre Caminho
Óctuplo, ele emerge do nascimento e da morte. Quando não há nasci-
mento e morte, ele ganha a Emancipação. Quando o fogo não se junta
com o combustível, isso é extinção. Quando não há mais nascimento e
morte, dizemos que atravessamos a extinção. Isto é a extinção dos
cinco skandhas.”

Capítulo 35: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 3 Página 81


Os Pilares do Samsara

Rugido do Leão disse: “Não há espinhos no Vazio. Como podemos falar


de extraí-los? Nada prende os skandhas. Como pode haver qualquer
prisão?”

O Buda disse: “Oh bom homem! A cadeia das impurezas prende os


cinco skandhas. Longe dos cinco skandhas, não há impurezas; longe
das impurezas, não há cinco skandhas.

Oh bom homem! Os pilares suportam uma casa. Longe da casa não há


pilares, e sem quaisquer pilares, não há casa. É o mesmo com os cinco
skandhas dos seres. Quando existe impureza, falamos de dependência
(servidão). Quando não há impureza, falamos de Emancipação. Oh
bom homem! O punho contém a palma (da mão). Os três fatores da
dependência, junção e dispersão, nascimento e morte, não são coisas
diferentes. O mesmo é o caso com os cinco skandhas dos seres. Quan-
do existe impureza, temos dependência; quando não se tem impureza,
existe Emancipação.

Oh bom homem! Dizemos que corpo-e-mente [‘nam-rupa’] aprisionam


os seres. Mas se corpo-e-mente se vão, não há ser. Exceto pelo corpo-
e-mente, não há ser; exceto pelo ser, não haverá outro corpo-e-mente.
Também, dizemos que o corpo-e-mente aprisionam o ser, e o ser apri-
siona o corpo-e-mente.”

Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! O olho não vê por si
mesmo, o dedo não toca por si mesmo, a espada não corta por si
mesma, e o sentimento não sente por si mesmo. Mas, por que o Ta-
thagata diz: ‘O corpo-e-mente aprisionam corpo-e-mente’? Por quê? O
corpo-e-mente nada mais são que o ser; o ser é corpo-e-mente. Se
dizemos que corpo-e-mente aprisionam o ser, isto significa que corpo-
e-mente aprisionam corpo-e-mente.”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 82


O Buda disse: “Oh bom homem! Quando as duas mãos se juntam, não
há nada que possa colocar-se entre elas. É o mesmo com corpo-e-
mente. Esse é o porquê eu digo: ‘Corpo-e-mente aprisionam o ser’. Se
alguém está longe do corpo-e-mente, o que existe é Emancipação. Este
é o porquê eu digo: ‘O ser atinge a Emancipação’.”

Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Se corpo-e-mente


aprisionam alguém, todos os Arhats não estão longe do corpo-e-
mente. Assim, eles devem estar presos.”

“Oh bom homem! Existem dois tipos de Emancipação, os quais são: 1)


corte das sementes, e 2) corte da fruição. O corte das sementes é o
corte das impurezas. Os Arhats já cortaram as impurezas e as raízes de
todas as amarras foram decepadas, tal que a dependência (servidão)
das sementes não os aprisionam. Quando as raízes da fruição ainda
não foram cortadas, dizemos que ainda existe a dependência da frui-
ção. Todos os Arhats não vêem a Natureza de Buda. Não vendo isto,
eles não podem alcançar a Iluminação Insuperável. Por essa razão,
pode-se dizer que existe a dependência da fruição. Assim, não pode-
mos dizer que existe uma dependência do corpo-e-mente. Oh bom
homem! Por exemplo, enquanto o óleo ainda não foi consumido, a luz
da lamparina não expira. Uma vez que o óleo seja consumido, a luz se
vai. Nisto, não há nada para duvidar. Oh bom homem! O assim chama-
do óleo são as impurezas, e a luz é o ser. Todos os seres não obtêm o
Nirvana devido ao óleo das impurezas. Se este (óleo) é removido, eles
obtêm o Nirvana.”

Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! As naturezas da luz e


do óleo diferem. As impurezas e os seres não são assim. O ser é impu-
reza e a impureza é o ser. O ser é os cinco skandhas e os cinco skan-
dhas são o ser. Os cinco skandhas são impurezas e as impurezas são os
cinco skandhas. Por que você, o Tathagata, compara-os à luz?”

Capítulo 35: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 3 Página 83


As Oito Analogias

O Buda disse: “Há oito tipos de analogias, a saber: 1) analogia progres-


siva, 2) analogia reversa, 3) analogia real, 4) não-analogia, 5) analogia
precedente (anterior), 6) retro analogia, 7) analogia retro-precedente,
e 8) analogia inter-penetrante.

A Analogia Progressiva

O que é analogia progressiva? É como quando eu digo nos sutras, por


exemplo, que os céus fazem cair uma grande chuva, e todos os diques
se tornam cheios. Como eles estão cheios, os pequenos poços se tor-
nam cheios. Como os pequenos poços se tornam cheios, os grandes
poços também se tornam cheios. Como os grandes poços se tornam
cheios, as pequenas nascentes se tornam cheias. Como as pequenas
nascentes se tornam cheias, as grandes nascentes se tornam cheias.
Como as grandes nascentes se tornam cheias, pequenos lagos se tor-
nam cheios. Como pequenos lagos se tornam cheios, grandes lagos se
tornam cheios. Quando os grandes lagos estão cheios, pequenos rios
se tornam cheios. Quando pequenos rios se tornam cheios, grandes
rios se tornam cheios. Quando grandes rios se tornam cheios, o grande
oceano se torna cheio. O mesmo é o caso com a chuva do Dharma do
Tathagata.

Os shila [preceitos morais] dos seres tornam-se cheios [isto é, perfei-


tos]. Como os shila estão cheios, a mente do não-arrependimento se
torna cheia. Como a mente do não-arrependimento se torna cheia,
surge alegria. Como a alegria surge, a segregação [do apego aos skan-
dhas] surge. Como a segregação torna-se cheia, surge a paz. Como a
paz torna-se cheia, o Samadhi torna-se cheio. Como o Samadhi torna-
se cheio, a visão-e-sabedoria correta torna-se cheia. Como a visão-e-
sabedoria correta torna-se cheia, a renúncia torna-se cheia. Como a
renúncia torna-se cheia, a reprovação [isto é, a aversão à vida munda-
na] torna-se cheia. Como a reprovação torna-se cheia, a Emancipação
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 84
torna-se cheia. Como a Emancipação torna-se cheia, o Nirvana torna-se
cheio. Isto é uma analogia progressiva.

A Analogia Reversa

O que é uma analogia reversa? Originalmente existiu um grande ocea-


no. Este (oceano) foi um grande rio. O grande rio foi originalmente um
pequeno rio. Houve um pequeno rio, que foi um grande lago. Houve
um grande lago originalmente, que foi um pequeno lago. Houve um
pequeno lago originalmente, que foi uma grande nascente. Houve uma
grande nascente originalmente, que foi uma pequena nascente. Houve
uma pequena nascente, que foi um grande poço. Houve um grande
poço originalmente, que foi um pequeno poço. Houve um pequeno
poço originalmente, que foi um dique. Houve um dique originalmente,
que foi uma grande chuva.

Houve Nirvana originalmente, que foi Emancipação. Houve original-


mente Emancipação, que foi reprovação (aversão ao mundo). Houve
reprovação originalmente, que foi renúncia (abandono da vida secular).
Houve renúncia originalmente, que foi visão-e-sabedoria correta. Hou-
ve visão-e-sabedoria correta originalmente, que foi Samadhi. Houve
Samadhi originalmente, que foi paz. Houve paz originalmente, que foi
segregação. Houve segregação originalmente, que foi o sentimento de
alegria. Houve alegria originalmente, que foi não-arrependimento.
Houve não-arrependimento originalmente, que foi observância dos
preceitos. Houve observância dos preceitos originalmente, que foi a
chuva do Dharma. Isto é uma analogia reversa.

A Analogia Real

O que é uma analogia real? É como quando Eu digo nos sutras que a
mente de um ser é como a de um macaco. A natureza de um macaco é
jogar [as coisas] longe e pegá-las. A natureza de um ser é a mesma. Ele

Capítulo 35: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 3 Página 85


apega-se às cores, sons, odores, toques, sabores e regras (normas), e
não há um momento de quietude. Isto é uma analogia real.

A Não-Analogia

O que é uma não-analogia? É como quando Eu disse a Prasenajit: ‘Oh


grande Rei! Há amigos íntimos que vêm dos quatro cantos, que dizem:
‘Oh grande Rei! Existem quatro grandes montanhas que vêm dos qua-
tro cantos e pretendem causar danos aos humanos’. Caso você, o Rei,
ouça isto, o que você faria para lidar com a situação’? O Rei disse: ‘Oh
Honrado pelo Mundo! Elas podem vir e, no entanto, não há um lugar
no qual tomar refúgio. Tudo o que se pode fazer é exclusivamente
defender os preceitos e dar esmolas’. Eu o elogiei e disse: ‘Bem falado,
bem falado, oh grande Rei! Eu falo de quatro montanhas. Elas nada
mais são que o nascimento, a velhice, a doença e a morte dos seres.
Nascimento, velhice, doença e morte sempre vêm e oprimem uma
pessoa. Como alguém pode não praticar os preceitos e a doação (da-
na)’? O Rei disse: ‘Oh Honrado pelo Mundo! O que se obtém dos pre-
ceitos e da doação (dana)’? Eu disse: ‘Obtém-se prazer na vida dos
humanos e celestiais’. O Rei disse: ‘Oh Honrado pelo Mundo! Se a nya-
grodha praticasse os preceitos e a doação, ela poderia evocar a paz e a
felicidade [para si] no mundo dos humanos e celestiais’? Eu disse: ‘A
nyagrodha não pode observar preceitos e (praticar) a doação. Se ela
pudesse, nada que fosse diferente resultaria’. Isto é uma não-analogia.

A Analogia Precedente

O que é analogia precedente? Isto é como quando Eu digo num sutra,


por exemplo, que existe uma flor maravilhosa à qual uma pessoa se
apega [isto é, que a pessoa deseja]. Pretendendo pegá-la, a pessoa é
levada pela água [isto é, cai no rio]. O mesmo é o caso com os seres.
Eles se apegam aos cinco desejos e debatem-se no rio do nascimento,
velhice, doença e morte. Isto é uma analogia precedente.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 86


A retro Analogia

O que é uma retro analogia? É como consta no Dharmapada:

‘Não menospreze qualquer pequena maldade


e diga que nenhum mal advém.
Pequena é uma gota de água,
no entanto, ela enche um grande vaso’.

Isto é uma retro analogia (parábola).

A Analogia Retro-Precedente

O que uma analogia retro-precedente? Isto é como no caso de uma


bananeira, a qual, quando frutifica, morre. É o mesmo com o ignoran-
te, mas que recebe apoio. É como no caso de uma mula, a qual, quan-
do dá cria a um filhote, não pode viver mais.

A Analogia Inter-Penetrante

O que é uma analogia inter-penetrante? Isto é como quando estabele-


ço num sutra: No Céu Trayastrimsa existe uma árvore chamada parija-
ta, cujas raízes penetram na terra à profundidade de 5 yojanas, e cuja
altura é tão grande quanto 100 yojanas. Seus galhos e folhas espalham-
se tão longe quanto 50 yojanas. Quando as folhas amadurecem, elas
tornam-se amarelas, e todos os deuses, ao verem isto, alegram-se.
Essas folhas logo caem. Quando as folhas caem, vem a alegria. Os ra-
mos mudam de cor e a alegria surge. Esses ramos, não tarda, ganham
rebentos. Ao ver isto, a alegria surge novamente. Esses rebentos por
sua vez evocam botões (de flores). Ao ver isto, a alegria surge nova-
mente. Não muito depois os botões abrem, uma fragrância espraia-se

Capítulo 35: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 3 Página 87


numa área de 50 yojanas, e uma luz resplandece a uma distância de 80
yojanas. Todos os devas [deuses], nos três meses de verão, descem, e
há alegria céu abaixo.

Oh bom homem! É o mesmo com todos os meus discípulos. Dizer que


as folhas tornam-se amarelas pode ser comparado aos meus discípulos
que desejam renunciar. Dizer que as folhas caem pode ser comparado
aos meus discípulos que raspam as suas cabeças. Dizer que a cor dos
ramos muda refere-se à ‘jnaticaturtha’ (ordenação) e ao recebimento
dos preceitos completos pelos meus discípulos. Dizer que primeiro um
rebento aparece refere-se às mentes dos discípulos que primeiro aspi-
ram ao Insuperável Bodhi, e os botões (referem-se) aos Bodhisattvas
dos dez estágios (abodes) que agora ganham a Natureza de Buda. Dizer
que ele (o botão) abre refere-se à consecução do Insuperável Bodhi
pelo Bodhisattva. ‘Fragrância’ refere-se aos inumeráveis seres das dez
direções mantendo em observância os preceitos. ‘Luz’ se compara à
propagação do nome do Buda nas dez direções sem impedimentos.
‘Três meses de verão’ são comparáveis aos três Samadhis. Dizer que no
Céu Trayastrimsa desfruta-se de felicidade se compara à consecução
do Nirvana, do Eterno, Êxtase, do Eu, e do Puro por todos os Budas.
Isto é uma analogia inter-penetrante.

As analogias descritas não abrangem necessariamente todos os aspec-


tos. Elas comparam as coisas em parte, ou na maior parte, ou no con-
junto. É como quando eu digo: ‘A face do Tathagata é como a lua-
cheia’. Isto se refere não mais que a uma pequena parte.

A Analogia da Luz

Oh bom homem! Há um homem, por exemplo, que ainda não viu o


leite. Ele pergunta aos outros o que é semelhante (ao leite): ‘Que tipo
de coisa é o leite’? Os outros respondem: ‘É como água, mel, e um
casco’. A água representa a umidade (líquido), o mel a doçura, e o cas-

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 88


co a cor. Podemos empregar essas três analogias e, no entanto, pode-
mos não ser capazes de chegar [com precisão] ao que é o leite. Oh bom
homem! Eu posso usar a analogia da luz. Mas o caso será assim. Oh
bom homem! Não pode haver qualquer rio além das águas. O mesmo
é o caso com os seres. Para além dos cinco skandhas, não pode haver
qualquer outro ser. Oh bom homem! Para além do corpo, rodas, varais
e eixos, não pode haver qualquer carruagem. É o mesmo com os seres.

Oh bom homem! Se você deseja conectar isto com a analogia da luz,


ouça atenciosamente, ouça atenciosamente! Agora o explicarei. O
pavio pode ser comparado às 25 existências, o óleo é o desejo, e a luz a
Sabedoria. Quebrar (romper) significa extirpar a escuridão e a ignorân-
cia (a Sabedoria o faz). Suavidade (leveza da luz) é comparada ao Cami-
nho Sagrado. Quando o óleo se acaba, o brilho da luz se apaga. O
mesmo é o caso [aqui]. Quando o desejo dos seres termina, surge a
Natureza de Buda. Pode haver corpo-e-mente, mas isto não pode apri-
sionar [alguém]. Vivendo em meio às 25 existências, não há impureza
de qualquer existência.”

Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Os cinco skandhas


dos seres são vazios e não há meios de possuí-los (pegá-los). Quem é
que recebe os ensinamentos e pratica a Via?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Todos os seres possuem a mente da


lembrança, a mente da sabedoria, a mente da aspiração, a mente da
realização de esforços, a mente que acredita, e a mente da meditação.
Todas essas, momento após momento, nascem e morrem. E, no entan-
to, a similaridade e continuidade seguem. Portanto, falamos de prática
da Via.”

Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Todas elas morrem
momento após momento. Todas essas extinções que ocorrem momen-
to após momento também se assemelham [uma a outra] e continuam.
Como alguém é capaz de praticar a Via?”

Capítulo 35: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 3 Página 89


O Buda disse: “Oh bom homem! A luz da vela morre momento após
momento. No entanto, existe a luz que dispersa a escuridão. É o mes-
mo com todas essas semelhanças. Oh bom homem! A comida que um
ser come morre momento após momento, mas a fome é satisfeita. O
caso é o mesmo. Um bom remédio morre momento após momento. E,
no entanto, ele cura a doença de fato. A luz do sol e da lua morre mo-
mento após momento e, no entanto, ela permite realmente que as
árvores e plantas da floresta cresçam.

A Prática da Via

Oh bom homem! Você diz: ‘Uma pessoa morre momento após mo-
mento. Como pode haver qualquer crescimento’? Mas, como a mente
não é cortada, existe crescimento. Oh bom homem! Um homem recita.
As letras [palavras] lidas não podem ocorrer ao mesmo tempo. A que
veio primeiro não pode se estender até o meio, e a que foi lida no meio
não pode ir até o fim. O homem, as letras e a imagem mental morrem
momento após momento, e praticando muito chegamos ao conheci-
mento.

Oh bom homem! Por exemplo, com um ourives, desde o dia que ele
começa a aprender sua arte até os dias da sua longevidade, um mo-
mento é seguido por outro, e o que é precedido é o que segue após.
Mas, através da prática repetida, o que surge é maravilhoso. Devido a
isto, a pessoa é elogiada e é chamada de grande ourives. É o mesmo
com a leitura dos sutras.

Oh bom homem! Por exemplo, tomemos o caso de uma semente. A


terra não a ensina e diz: ‘Brote’! Mas, pela lei da natureza, os brotos
surgem. E então a flor, também, não ensina e diz: ‘Agora, frutifique’!
Mas, os frutos surgem como deveriam através da lei da natureza. É o
mesmo com a prática da Via. Oh bom homem! Por exemplo, na conta-
gem, um não é dois, e dois não é três. Momento após momento, um

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 90


dá lugar ao outro. Todavia, isto chega a 1.000 e a 10.000. Assim ocorre
com a prática da Via pelos seres. Oh bom homem! A luz de uma vela
morre momento após momento. Quando a primeira luz se acaba, ela
não diz para a chama que segue: ‘Estou indo agora. Apareça e disperse
a escuridão’! O caso é assim. Oh bom homem! Quando o bezerro nas-
ce, ele busca leite. Ninguém o ensina essa sabedoria de buscar o leite.
Um momento é seguido por outro momento, mas a primeira fome
conduz à satisfação com a comida que segue. Portanto, saiba que uma
pessoa não pode ser igual às outras. Se fossem iguais, nenhuma dife-
rença surgiria. O mesmo se aplica à prática da Via por um ser. Através
de uma ação, uma pessoa pode não atingir o objetivo. Mas, através de
longa prática, pode-se acabar com todas as impurezas.”

Rugido do Leão disse: ‘Exatamente como o Buda diz que quando uma
pessoa do estágio do Srotapanna [isto é, uma pessoa que entrou para o
fluxo do Dharma e renascerá no máximo 7 vezes] ganha a fruição da
prática da Via, muito embora nasça em más terras, ela defende os pre-
ceitos, não mata, não rouba, não busca a luxúria, não pratica a língua-
dupla ou toma álcool; os skandhas (dessa pessoa) do Srotapanna mor-
rem aqui e não ganham os maus destinos – o mesmo se aplica à prática
da Via. Ela não conduz às más terras. Por que a pessoa não pode nascer
na Terra Pura, se for o mesmo caso? Se os skandhas da má terra não
são aqueles do Srotapanna, como pode ser que as más ações não a-
conteçam?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Uma pessoa do estágio do Srotapanna


pode nascer em más terras e, no entanto, ela não perderá a sua conse-
cução do Estado de Srotapanna. Os skandhas não são os mesmos. Este
é o porquê eu pego a analogia do bezerro. Uma pessoa do estágio do
Srotapanna, embora nascida numa má terra, em razão do poder da sua
prática da Via, não cometerá maldades. Oh bom homem! Por exemplo,
em Gandhamadana existiu um rei leão, e todos os pássaros e animais
deixaram a montanha. Nenhum deles se aproximava. Certa vez, esse
rei leão foi para os Himalayas, e lá, também, ele viu que ninguém vivia
ali. Isto é como as coisas se estabelecem com o Srotapanna. Embora
Capítulo 35: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 3 Página 91
não praticando a Via, em razão do poder da Via, ele não comete mal-
dades. Por exemplo, um homem toma amrta [ambrosia da imortalida-
de]. E a amrta acaba. Porém, a força do seu poder remanescente faz
com que a pessoa obtenha o não-nascimento e a imortalidade. Oh
bom homem! No Monte Sumeru, existe um remédio maravilhoso
chamado langali. Se alguém o toma, muito embora o efeito do remédio
acabe momento após momento, devido ao poder desse remédio, esse
alguém não sofrerá nenhum dano. Oh bom homem! Ninguém se apro-
xima de onde vive um Chakravartin, nem mesmo na sua ausência. Por
que não? Em razão do poder desse rei. É o mesmo com a pessoa do
estágio do Srotapanna. Ela pode nascer numa má terra e pode não ser
praticante da Via, mas em razão do poder da Via, ela não comete qual-
quer maldade. Os skandhas do Srotapanna podem estar mortos, e
diferentes skandhas podem estar presentes e, no entanto, nenhum
skandha do Srotapanna é perdido. Oh bom homem! Os seres, em razão
daquilo que vem do fruto, fazem muitas coisas boas para a semente:
eles provêm adubo e irrigação. Embora o fruto ainda não tenha sido
obtido e a semente agora esteja morta, não obstante podemos dizer
que obtivemos o fruto da semente. É o mesmo com os skandhas do
Srotapanna. Oh bom homem! Por exemplo, existe um homem que é
rico e possui grande fortuna. Ele teve somente um filho, o qual já mor-
reu. Seu filho teve um filho, que agora está no estrangeiro. Esse ho-
mem, subitamente, morre. O neto, ao ouvir isto, volta e assume a pro-
priedade. Ainda não se sabe onde a fortuna está. Mas, não há ninguém
que obstrua ou defenda a posse (da propriedade). Por que não? Por-
que a dívida é uma (das posses). O caso é o mesmo com os skandhas
do Srotapanna.”

Como Praticar Preceitos, Samadhi e Sabedoria

O Bodhisattva Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Você,


o Buda, disse num verso:

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 92


‘Se um Monge pratica a Via
dos preceitos morais, Samadhi e Sabedoria,
saiba que isto é aproximação
não-retroativa e Grande Nirvana’.

Oh Honrado pelo Mundo! Como faço para praticar os preceitos, Sama-


dhi e Sabedoria?”

Como Praticar Preceitos

O Buda disse: “Oh bom homem! Existe um homem que defende as


proibições e preceitos, mas [o faz] pela felicidade que ele pode obter
para si próprio, para humanos e deuses, e não para salvar todos os
seres, e nem para proteger o insuperável Dharma Maravilhoso, mas
pelos ganhos e por medo dos três reinos do infortúnio, pela vida, luxú-
ria, poder, segurança, oratória (eloqüência), por medo das leis do esta-
do, da má fama, por temer o nome sujo, e pelas obras mundanas. Essa
defesa e observância dos preceitos não podem ser chamadas de práti-
ca dos preceitos. Oh bom homem! O que é a verdadeira observância
dos preceitos (shila)? Quando alguém defende shila, o objetivo deve
ser atravessar os seres para a outra margem, proteger o Dharma Ma-
ravilhoso, salvar os ainda não salvos, iluminar os não iluminados, possi-
bilitar àqueles que ainda não tomaram refúgio tomarem-no, possibili-
tar àqueles que ainda não atingiram o Nirvana atingirem-no. Pratican-
do assim, uma pessoa não vê preceitos (shila), como eles são realmen-
te acatados, a pessoa que os observa, os resultados a serem atingidos,
se a pessoa tem pecado ou não. Oh bom homem! Se alguém age as-
sim, isso é observância dos preceitos (shila).

Como Praticar Samadhi

Como se pratica Samadhi? Se alguém, ao praticar Samadhi, o faz para


iluminar a si próprio, por ganhos, não para o benefício de todos os

Capítulo 35: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 3 Página 93


seres, nem para a prática do Dharma, mas por cobiça, por comidas
impuras, por motivos sexuais, em razão das impurezas dos nove furos,
por disputas, para golpear e matar outros; qualquer pessoa que prati-
que Samadhi assim não é alguém que pratique Samadhi.

Oh bom homem! Qual é a verdadeira prática do Samadhi? Aquele que


o pratica para o benefício de todos os seres, para implantar na mente
dos seres a idéia do todo-igual, o Dharma não-retroativo, a mente sa-
grada, para permitir aos seres alcançar o Mahayana, para defender o
Dharma Insuperável, para os seres não retroagirem da Iluminação,
para eles obterem o (Samadhi) Surangama, o Samadhi-Vajra, Dharanis
[isto é, mantras longos ou encantamentos], para permitir aos seres
obterem as quatro (sabedorias) sem-obstruções, para permitir aos
seres verem a Natureza de Buda. E quando ao praticar assim, não se vê
Samadhi, nem forma do Samadhi, nem uma pessoa que pratica isso,
nem qualquer resultado a ser alcançado. Oh bom homem! Se as coisas
de fato ocorrem assim, dizemos que essa pessoa está praticando Sa-
madhi.

Como Praticar Sabedoria

Como se pratica Sabedoria? Alguém que pratique Sabedoria pensa: ‘Se


pratico essa Sabedoria, atingirei a Emancipação e salvarei aqueles nos
três reinos do infortúnio. Quem é que de fato beneficia todos os seres,
atravessando-lhes para a outra margem além do nascimento e da mor-
te? É difícil [estar presente quando] o Buda aparece no mundo. É um
evento tão raro quanto depararmos com a floração da Udumbara. Eu
agora cortarei completamente as amarras das impurezas. Ganharei a
fruição da Emancipação. Por conta disto, agora aprenderei praticar a
Sabedoria, romperei os laços das impurezas e atingirei a Emancipação’.
Qualquer pessoa que pratique a Via assim não é alguém que pratique a
Sabedoria.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 94


Como uma pessoa pratica verdadeiramente a Sabedoria? A pessoa
sábia medita sobre as tristezas do nascimento, velhice e morte. Todos
os seres são encobertos pela ignorância e não sabem como praticar o
insuperável Caminho Correto. Ela roga: ‘Rogo para que esse meu corpo
sofra grandes aflições em lugar de todos os seres. Que toda a pobreza,
degradação, pensamentos de transgressão dos preceitos, todas as
ações da cobiça, ira e ignorância de todos os seres recaiam sobre mim.
Rogo para que todos os seres não adquiram um pensamento de cobi-
ça, e que não estejam presos ao corpo-e-mente. Rogo para que todos
os seres em breve atravessem o mar do nascimento e da morte, de
modo que eu não necessite encará-los e sentir aflições. Rogo para que
todos atinjam a Iluminação Insuperável’. Quando uma pessoa pratica a
Via assim, ela não vê Sabedoria, nem forma da Sabedoria, nem quem
pratica a Sabedoria, e nem a fruição a ser alcançada. Isto é praticar
Sabedoria.

Oh bom homem! Alguém que assim pratique shila, Samadhi e Sabedo-


ria é um Bodhisattva; alguém que não possa praticar assim o shila,
Samadhi e Sabedoria é um Sravaka.

Shila, Os Preceitos de Moralidade

Oh bom homem! Como se pratica shila [moralidade]? Todos pecam


por cometer 16 más ações. Quais são as 16? Elas são: 1) criação, ali-
mentação e engorda de ovinos por lucro, e vendê-los, 2) compra e
abate de ovinos por lucro, 3) criação, engorda e venda de porcos por
lucro, 4) comprá-los e abatê-los por lucro, 5) criação e venda de bezer-
ros quando gordos por lucro, 6) comprá-los e abatê-los por lucro, 7)
criação de galinhas por lucro e, quando crescidas, vendê-las, 8) com-
prá-las por lucro e matá-las, 9) pesca, 10) caça, 11) pilhagem, 12) venda
de peixe, 13) captura de pássaros com redes (armadilhas), 14) língua-
dúbia, 15) carceragem, e 16) encantamento de cobras [‘nagas’]. Uma

Capítulo 35: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 3 Página 95


pessoa [deve] afastar-se completa e eternamente de tais más ações.
Isto é praticar shila [preceitos de moralidade].”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 96


Capítulo Trinta e Seis: Sobre o Bodhisattva
Rugido do Leão 4
[O Buda disse:] “Como se pratica Samadhi [isto é, absorção meditati-
va]? Acaba-se realmente com todos os Samadhis mundanos. Este é o
Samadhi incorpóreo. Os seres adquirem uma idéia de cabeça para
baixo e erroneamente chamam isso de Nirvana. Também, existem
Samadhis como o Samadhi da Mente-Ilimitada, o Samadhi do Grupo-
Puro, o Samadhi do Mutismo (wordlessness=sem-palavras: no original
está worldlessness, cujo significado não se encontra), o Samadhi da
Segregação do Mundo, o Samadhi da Natureza do Mundo, o Samadhi
do Skandha, o Samadhi da Irreflexão-não- Irreflexão que, de fato, fa-
zem com que os seres adquiram um pensamento de cabeça para baixo
e chamem isso de Nirvana. Se uma pessoa aparta-se realmente desses
Samadhis, isto é praticar Samadhi.

Como se pratica Sabedoria? Extirpa-se completamente as más visões


do mundo. Todos os seres possuem más visões. Qual seja pensar que
‘matéria’ [forma] é o Eu, e que isso (matéria) pertence ao Eu; que exis-
te Eu na matéria e matéria no Eu; e assim vai até a consciência (percor-
rendo os cinco skandhas); que matéria é o Eu; que matéria morre, mas
o Eu fica para trás; que matéria é o Eu, e que quando a matéria morre,
o Eu morre. E certa pessoa diz: ‘O executor é o Eu; o receptor é o Eu’.
Também, certa pessoa diz: ‘O executor (quem faz) é a matéria; o recep-
tor é o Eu’. Também, certa pessoa diz: ‘Não existe executor e nem re-
ceptor. Uma coisa surge por si mesma; morre por si mesma. Nada está
baseado nas relações causais’. Também, certa pessoa diz: ‘Não existe
executor e nem receptor. Tudo é obra de Isvara [isto é, Deus]’. Tam-
bém, certa pessoa diz: ‘Não pode haver qualquer executor ou qualquer
receptor. Tudo surge de acordo com a estação’. Também, certa pessoa
diz: ‘Existem executores e receptores. Os cinco elementos, a começar
pela terra, são o ser’. Oh bom homem! Se qualquer pessoa esmaga
essas más visões, isso é praticar Sabedoria.

Capítulo 36: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 4 Página 97


Por Que Praticamos

Oh bom homem! A prática do Shila [preceitos de moralidade] é para a


quietude do nosso próprio corpo. A prática do Samadhi é para a quie-
tude de nossa própria mente. A prática da Sabedoria é para a erradica-
ção das dúvidas. Erradicar dúvidas é praticar a Via. Praticar a Via é ver a
Natureza de Buda. Ver a Natureza de Buda é atingir a Iluminação Insu-
perável. Atingir a Iluminação Insuperável é chegar ao Insuperável
Grande Nirvana. Chegar ao Grande Nirvana é apartar todos os seres do
nascimento e da morte, de todas as impurezas, de todas as existências
[mundanas], de todos os reinos, de todas as verdades dos seres. Cortar
[esses] nascimentos e mortes, e satya [realidade, presumivelmente
‘realidade mundana’] é atingir o Eterno, Êxtase, o Eu e o Puro.”

Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Se, como o Buda diz,
não-nascimento e não-extinção são Nirvana, a vida também é não-
nascimento e não-extinção. Por que não podemos dizer que é Nirva-
na?”

“Oh bom homem! É assim, é assim. É como você diz. Embora essa vida
seja não-nascimento e não-extinção, há início e fim.”

“Oh Honrado pelo Mundo! Também não existe início e nem fim nessa
lei do nascimento e da morte. Se não existe início e fim, isso é eterno.
O Eterno é Nirvana. Por que não chamamos nascimento e morte de
Nirvana?”

Oh bom homem! A lei desse nascimento-e-morte depende da causali-


dade. Como existem causas e efeitos, não podemos chamar isso de
Nirvana. Por que não? Porque o corpo do Nirvana não tem causa e
efeito.”

Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Nirvana tem causa e
efeito, como você, o Buda, diz:

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 98


‘Através da causa se ganha o nascimento no céu;
através da causa se nasce nos reinos do infortúnio;
através da causa se atinge o Nirvana.
Assim, tudo tem uma causa.’

Você, o Buda, disse aos Monges: ‘Agora falarei aos Shramanas sobre a
fruição da Via. ‘Shramana’ significa nenhum outro senão o bom prati-
cante dos shila [preceitos de moralidade], Samadhi e Sabedoria. A Via é
o Nobre Caminho Óctuplo. A fruição da prática do Shramana é Nirva-
na’. Oh Honrado pelo Mundo! Nirvana é assim. Isso não é fruição [isto
é, resultado]? Como você pode dizer que Nirvana não tem causa e
fruição?”

“Oh bom homem! O que me refiro como causa do Nirvana é a assim


chamada Natureza de Buda. A natureza da Natureza de Buda não evo-
ca o Nirvana. Esse é o porquê Eu digo que não há causa no Nirvana.
Como ele realmente aniquila as impurezas, Eu digo ‘grande fruição’. Ele
não surge por causa da ‘Via’. Portanto, Eu digo que não há fruição. Por
essa razão, Nirvana não tem causa e nem fruição.”

Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! A Natureza de Buda


dos seres é uma coisa de posse coletiva ou é algo possuído individual-
mente? Se for de posse coletiva, todos a obteriam quando uma pessoa
a obtivesse. Oh Honrado pelo Mundo! Vinte pessoas têm um inimigo.
Se um sai do grupo, pode significar que os 19 remanescentes não te-
nham mais inimigo. Se a Natureza de Buda é assim, as pessoas rema-
nescentes devem obtê-la se uma pessoa a obtiver. Se cada um possui a
Natureza de Buda (individualmente), isso é não-eterno. Por quê? A
natureza dos seres não é nem uma nem duas. Não podemos dizer que
todos os Budas são todos iguais. Também, não podemos dizer que o
Buda é como o vazio.”

O Buda disse: “Oh bom homem! A Natureza de Buda dos seres não é
uma e nem duas. A igualdade falada com respeito a todos os Budas é
Capítulo 36: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 4 Página 99
como o Vazio. Todos os seres o possuem. Alguém que realmente prati-
que o Nobre Caminho Óctuplo obtém – deve-se saber – uma visão
clara (brilhante). Oh bom homem! Nos Himalayas existe uma grama
chamada ninniku [‘ksanti’ em Sânscrito, que significa paciência]. De
uma vaca alimentada com ela se obterá sarpirmanda [o mais saboroso
e saudável dos produtos do leite]. É o mesmo com a Natureza de Buda
dos seres.”

Rugido do Leão disse: “A grama ninniku, sobre a qual o Buda fala, é


uma ou muitas? Se ela é uma, chegará a um fim quando a vaca pastar
nela. Se (forem) muitas, como você pode dizer que a Natureza de Buda
também é como ela? Você, o Buda, diz que se alguém pratica o Nobre
Caminho Óctuplo, verá a Natureza de Buda. Mas, isto não é assim. Por
que não? Se a Via é uma, deve chegar a um fim, como no caso da gra-
ma ninniku. Se ela chega a um fim, não há nenhuma parte mais (da Via)
para outros praticarem-na. Se as Vias são muitas, como podemos dizer
que a prática está completa? E como se pode falar do ‘sarvajnana’ [o-
nisciência]?”

A Árvore Bodhi

O Buda disse: “Oh bom homem! [Suponha que] exista uma estrada
plana. Os seres caminham [ao longo dela], e não há nada que obstacu-
lize o seu avanço. No meio da estrada existe uma árvore, cuja sombra é
fresca. Os viajantes fazem uma parada nesse lugar com o seu palan-
quim e descansam. Mas, existe sempre a sombra da árvore nesse lugar,
e não há diferença. A sombra não se acaba, e ninguém a leva embora.
A estrada é a Via Sagrada, e a sombra a Natureza de Buda.

Oh bom homem! Existe um grande castelo, que tem somente um por-


tão. Muitas pessoas vêm e vão, e passam através dele, sem obstáculos.
E ninguém o destrói e leva embora. Isto é como as coisas se estabele-
cem.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 100


Oh bom homem! É como com uma ponte, que não se importa com
quem passa sobre ela; não há ninguém lá para obstruir [o caminho] ou
destruir [a ponte] ou levá-la embora. Oh bom homem! Por exemplo, é
como com um bom médico, que se importa com tudo sobre doenças. E
não há ninguém que o reprima, quer para permitir-lhe curar [pessoas]
ou forçá-lo a abandonar isto. É o mesmo com a Via Sagrada e a Nature-
za de Buda.”

Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Você profere todas
[essas] parábolas, as quais, todavia, não se aplicam. Por que não? Se
existe alguma pessoa antes no caminho [ou seja, à frente, mais adian-
te], aquela pessoa deve estar obstruindo o caminho. Como alguém
pode dizer que não há obstrução? O mesmo se aplica às outras (pará-
bolas). Se a Via Sagrada e a Natureza de Buda são assim, quando se
pratica a Via, deveríamos causar obstáculos aos outros.”

O Buda disse: “Oh bom homem! O que você diz não faz sentido. O que
é explicado nas parábolas com relação à Via refere-se somente a uma
parte, e não ao todo. Oh bom homem! Os caminhos do mundo têm
obstáculos. Uns diferem dos outros; nunca são iguais. A Via Imaculada
não é assim. Ela é de tal maneira que permite aos seres não terem
nenhum obstáculo em seu caminho. Tudo é o mesmo e tudo é igual;
não há diferença quanto ao local, ou este e aquele. Assim, a Via Correta
apresenta-se como a causa revelada para a Natureza de Buda dos se-
res, e não se torna a causa do nascimento. Isto é como no caso de uma
lâmpada brilhante que realmente resplandece sobre tudo.

Oh bom homem! Todos os seres estão presos às ações ignorantes atra-


vés das relações causais. Não diga que se alguém estiver preso no ca-
minho da ignorância, não poderá haver outros mais. Todos os seres
estão presos às ações da ignorância. Esse é o porquê dizemos que os
12 elos do surgimento interdependente funcionam igualmente para
tudo [aplicam-se igualmente a tudo]. É o mesmo com a Via Imaculada e
Correta que todos os seres praticam. Tudo igualmente, ela acaba com
Capítulo 36: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 4 Página 101
as impurezas dos seres, daqueles das quatro vidas, e de todas as for-
mas de existência de todos os domínios [no Samsara]. Dessa forma,
dizemos ‘igual’. Quando alguém está Iluminado, não há conhecimento
e visão disto e daquilo (não há distinções, é tudo igual). Por essa razão,
podemos perfeitamente falar de ‘sarvajnana’ [pleno-conhecimento].”

Rugido do Leão disse: “Todos os seres não são de um único tipo de


corpo. Existem devas [deuses] e existem humanos. E existem muitos
outros como aqueles dos domínios dos animais, dos espíritos famintos,
e do inferno. Há muitos (tipos), não apenas um. Como podemos dizer
que a Natureza de Buda pode ser uma?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Por exemplo, há um homem que adi-
ciona veneno ao leite. Em razão disto, todos [os produtos do leite] até
o sarpirmanda conterão veneno. Não podemos chamar leite de man-
teiga, e nem manteiga de leite. O mesmo se aplica ao sarpirmanda. O
nome pode mudar, mas a natureza do veneno não é perdida. Ele per-
meará os cinco sabores do leite tudo-igualmente. Mesmo a sarpirman-
da, se tomada, matará uma pessoa. Exatamente como o veneno não é
colocado na sarpirmanda (mas, no leite), assim é o caso com a Nature-
za de Buda dos seres. Encontra-se a Natureza de Buda dos seres em
diferentes corpos dos cinco domínios. Mas, a Natureza de Buda é sem-
pre a mesma, e não há mudança.”

A História do Castelo de Kushinagar

Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Há seis grandes cas-
telos nos dezesseis grandes estados [isto é, os estados do Ganges ou
cidades-castelo nos tempos do Buda], a saber: Sravasti, Saketa, Campa,
Vaisali, Varanasi e Rajagriha. Esses grandes castelos são os maiores no
mundo. Por que é que o Tathagata deixa esses lugares com a intenção
de entrar no Nirvana neste distante, ruim, muito feio e pequeno Caste-
lo de Kushinagar?”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 102


“Oh bom homem! Não diga que Kushinagar é um castelo distante,
ruim, muito feio e pequeno. Esse castelo é adornado com maravilhas e
virtudes. Por quê? Porque esse é um lugar que todos os Budas e Bodhi-
sattvas têm visitado. Oh bom homem! Mesmo a casa de uma pessoa
humilde pode ser chamada de ‘grande e perfeita na virtude’, digna da
visita de um grande rei, caso aconteça de ele vir e passar por lá. Oh
bom homem! [Imagine] uma pessoa que está seriamente doente e que
toma um remédio sujo e ruim. Sua doença é curada, a alegria surge, e
esse remédio se torna o melhor e mais maravilhoso [dos remédios]. Ela
o elogia e diz que ele realmente curou a sua doença.

Oh bom homem! Um homem está num navio no grande oceano. Subi-


tamente, o navio se parte, e não há nada com que se possa contar. O
homem agarra-se a um cadáver e procura a outra margem. Alcançando
a outra margem, ele encontra-se feliz e elogia enormemente o cadá-
ver, dizendo que ele teve sorte de encontrá-lo e seguramente encon-
trou a paz. É o mesmo caso com o Castelo de Kushinagar, o qual todos
os Budas e Bodhisattvas têm visitado. Como alguém poderia dizer que
ele é um castelo distante, ruim, acanhado e pequeno?

Oh bom homem! Lembro-me que certa vez, em tempos remotos, há


muitos kalpas atrás tão inumeráveis quanto às areias do Rio Ganges,
houve uma era chamada de kalpa ‘Suprabuda’. Naquela ocasião, existiu
um rei sagrado chamado Kausika. Totalmente dotado dos Sete Tesou-
ros e 1.000 filhos, esse rei construiu então este castelo. Ele media 12
yojanas na largura e no comprimento. Era adornado com os Sete Te-
souros. O solo era bom. Havia rios aqui, cujas águas eram puras e lím-
pidas, e de doce sabor. Eles eram: Nairanjana, Airavati, Hiranyavati,
Usmodaka, e Vipasa. Havia cerca de 500 outros rios. Ambas as margens
eram preenchidas com árvores frondosas que davam flores e frutas,
todas frescas e puras. Naquela ocasião, a duração da vida de uma pes-
soa era imensurável. Então, passados 100 anos, o Chakravartin [pode-
roso imperador] disse: ‘Exatamente como o Buda diz, todas as coisas
são não-eternas. Alguém que pratique as dez boas ações acaba com
Capítulo 36: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 4 Página 103
todas as aflições do não-eterno’. As pessoas, ao ouvirem isto, todas
praticaram as dez boas ações. Eu, naquela ocasião, ao ouvir o nome do
Buda, pratiquei as dez boas ações, meditei e aspirei ao Insuperável
Bodhi [Iluminação]. Ao aspirar, também transferi esse Dharma aos
inumeráveis e ilimitados seres e disse que todas as coisas são não-
eternas e estão sujeitas às mudanças e dissolução. Em razão disto, Eu
agora continuo e digo que todas as coisas são não-eternas, são aquelas
que mudam e se dissolvem, e que somente o Corpo-do-Buda é Eterno.
Lembro-me do que fiz através das relações causais. Esse é o porquê
agora vim aqui, pretendo entrar no Nirvana e retribuir o que devo a
este lugar. Por essa razão, Eu digo no sutra: ‘Meus parentes sabem
como retribuir o que eles me devem’.”

Também, além disso, oh bom homem! Em dias passados, quando a


duração da vida de uma pessoa era imensurável, esse castelo chamou-
se Kusanagaravati [provavelmente o mesmo nome Kushinagar] e me-
diu 50 yojanas na largura e comprimento. Naquele tempo no Jambud-
vipa, as pessoas viviam ombro a ombro e as aves voavam por ai. Lá
vivia um Chakravartin chamado Zenken [Sudarsana]. Ele possuía os
Sete Tesouros e 1.000 filhos, e era o rei das quatro nações (continen-
tes). O primeiro dos seus filhos amava o Dharma Maravilhoso e tornou-
se um Pratyekabuda. Então, o Chakravartin viu que o seu Príncipe da
Coroa era um Pratyekabuda, que sua conduta foi ordenada, e que ele
era dotado com maravilhosos poderes miraculosos. Ao ver isto, ele
renunciou o seu estado como se fosse lágrimas e saliva. Ele tornou-se
um Monge e vivia aqui entre as árvores sala, e por 80.000 anos ele
praticou o Amor-Benevolente. E se aplicou igualmente na prática da
Compaixão, Alegria Simpática e Equanimidade por 80.000 anos cada.

Oh bom homem! Se você deseja saber quem foi aquele rei sagrado,
Zenken, então saiba que ele foi nenhum outro senão Eu. Esse é o por-
quê eu agora resido nas quatro leis, que são nada mais que Samadhis.
Por essa razão, ‘o Corpo do Tathagata é Eterno, Êxtase, o Eu, e o Puro’.
Oh bom homem! Em razão disto, agora estou em Kushinagar, nessa
floresta de árvores sala, e resido no Samadhi.
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 104
A História do Castelo de Kapilavastu

Oh bom homem! Relembro, após inumeráveis anos, uma cidade-


castelo chamada Kapilavastu. Naquele castelo, viveu um rei chamado
Suddhodana. Sua consorte era chamada Maya. Eles tinham um Prínci-
pe que era chamado Siddhartha. O Príncipe, naquela ocasião, não teve
professores. Ele buscou a Via por si mesmo e atingiu o Insuperável
Bodhi. Ele tinha dois discípulos, Shariputra e Mahamaudgalyayana. O
discípulo que assistia o Príncipe era chamado Ananda. Naquela ocasião,
sob as árvores sala, ele proferiu o sermão do Sutra do Grande Nirvana.
Naquele tempo, eu era um dos congregados e fui capaz de testemu-
nhar aquele sermão. Lá, foi-me dito que todos os seres possuíam a
Natureza de Buda. Ao ouvir isto, eu fiquei irredutível (imóvel) no Bodhi.
Então, fiz um voto: ‘Se eu atingir o Estado de Buda nos dias que virão,
será como agora. Serei um mestre para meu pai, minha mãe e para a
nação; os nomes dos discípulos e assistentes também serão os mes-
mos, exatamente como as coisas se estabelecem com o presente Hon-
rado-pelo-Mundo. Nada será diferente’. Esse é o porquê agora estou
aqui e estou proferindo esse sermão do Sutra do Grande Nirvana.

Oh bom homem! Quando primeiramente abandonei a vida familiar,


mas ainda não havia atingido a Iluminação Insuperável, Bimbisara en-
viou um mensageiro a mim e disse: ‘Se você, Príncipe Siddhartha, tor-
nar-se um Chakravartin, tornar-me-ei seu subordinado. Mas, se você
deixar o lar e atingir a Iluminação Insuperável, por favor, venha a esta
Rajagriha, profira sermões, salve as pessoas e aceite meus oferecimen-
tos’. Então, aceitei seu convite em silêncio.

Oh bom homem! Ao atingir a Iluminação Insuperável, então decidi ir a


Kosala. Naquela ocasião, ao longo do rio Nairanjana vivia um Brâmane,
Kashyapa, que tinha 500 discípulos e que, através deste rio, buscou a
minha Via Insuperável. Eu especialmente dirigi meu caminho para lá

Capítulo 36: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 4 Página 105


para falar [a ele] do Dharma. Kashyapa disse: ‘Oh Gautama! Tenho 120
anos. Muitas pessoas em Magadha, ministros e Bimbisara, dizem que
atingi o Arhatship. Se eu der ouvido ao que você diz, possivelmente
todas as pessoas podem adquirir uma idéia invertida e dizer: [O virtuo-
so Kashyapa já não é um Arhat? Deixe Gautama correr para outros
lugares]. Se as pessoas vierem a saber que a virtude de Gautama supe-
ra a minha, possivelmente falharei em [receber] minhas próprias esmo-
las’. Eu então disse: ‘Se você não nutrir alguma inimizade pessoal con-
tra mim, por favor, dê-me um repouso à noite. Partirei amanhã bem
cedo’. Kashyapa disse: ‘Oh Gautama! Nada tenho contra você. Gosto e
respeito você. Apenas, no meu lugar vive uma víbora que é mal-
humorada. Ela possivelmente pode causar-lhe algum dano’. Então eu
disse: ‘Nenhum veneno é mais potente que os três venenos [da cobiça,
má-vontade e ignorância]. Eu agora acabei com eles. Não tenho medo
de venenos mundanos’. Kashyapa disse: ‘Se você não teme, por favor
fique’.

Oh bom homem! Eu, naquela ocasião, demonstrei 18 milagres diante


de Kashyapa. Isto foi como estabelecido no sutra. Kashyapa e seus 500
discípulos viram isto e todos atingiram o Arhatship.

Naquela ocasião, Kashyapa tinha dois jovens irmãos. Um era [chama-


do] Gayakashyapa, e o outro Nadikashyapa. Lá havia também 500 mes-
tres e discípulos. Todos atingiram o Arhatship. As pessoas dos seis mes-
tres de Rajagriha, temendo isto, entretiveram um grande mau pensa-
mento contra mim. Então, fiel a minha palavra, fui à Rajagriha. No ca-
minho, o rei veio [juntamente com] o seu povo, inumeráveis centenas
e milhares [deles] em número, e recebeu-me. Eu proferi um sermão
para eles. Ao ouvi-lo, os devas do mundo dos desejos, 86.000 deles,
todos aspiraram ao Insuperável Bodhi. O séquito do Rei Bimbisara de
120.000 guardas atingiu o [nível do] Srotapanna; um incontável núme-
ro de pessoas alcançou o estágio do ksanti [paciência]. Chegando ao
castelo, ensinei a Shariputra e Mahamaudgalyayana, juntamente com
seus 250 discípulos. Todos eles abandonaram tudo o que tinham em
mente até então, e entraram no Caminho. Vivi lá e recebi os ofereci-
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 106
mentos do rei. Os seis mestres dos Tirthikas juntaram-se (a mim) e
fomos juntos para Sravasti.

Naquela ocasião havia um homem rico chamado Sudatta. Ele desejava


ter uma esposa para seu filho, e com essa finalidade ele veio a Rajagri-
ha. Chegando ao castelo, ele hospedou-se na casa de Samdhana. En-
tão, esse homem rico [isto é, Samdhana] levantou-se a meia-noite e
disse às pessoas do seu agregado familiar: ‘Levantem-se todos, ador-
nem e limpem a casa rapidamente, e preparem uma refeição’. Sudatta
ouviu isto e pensou para si: ‘Ele vai convidar o rei de Magadha? Ou será
um casamento e uma reunião festiva’? Pensando assim, ele caminhou
adiante e indagou: ‘Você vai convidar Bimbisara, Rei de Magadha? Será
uma festa de casamento? Por que você está assim tão ocupado’? O
homem rico respondeu, dizendo: ‘Você ainda não ouviu sobre o filho
dos Shakyas de Kapilavastu chamado Siddhartha. Gautama é o seu
nome de família. Seu pai é chamado Suddhodana. Não muito depois do
seu nascimento, o áugure disse que o menino infalivelmente se torna-
ria um Chakravartin e que isto era tão claro como se alguém visse uma
amra na palma da sua mão. Ele não procurou prazeres e abandonou a
vida familiar. E sem que fosse ensinado por qualquer pessoa, ele atin-
giu o Insuperável Bodhi. Ele acabou com a cobiça, a má-vontade, e a
ignorância. Ele é Eterno e Imutável. Nada surge e nada se extingue; e
ele é destemido. Todos os seres são um para ele. Eles são como um
filho único é para seus pais, e seu corpo e mente são insuperáveis.
Embora supere a todos, ele não tem arrogância na sua mente. A Sabe-
doria está toda ao seu redor e nada o obstrui [nessa Sabedoria]. E ele é
perfeito nos dez poderes, nos quatro destemores, nas cinco sabedorias
[‘pancajnana’], Samadhi, Grande Amor-Benevolente, Grande Compai-
xão, e os três pensamentos. Esse é o porquê ele é o Buda. Amanhã, ele
receberá os meus oferecimentos. Esse é o porquê estou ocupado e não
tenho tempo suficiente para trocar cumprimentos’. Sudatta disse:
‘Bem falado, oh Grande! O Buda sobre o qual você fala é insuperável
na virtude. Onde ele está agora’? O homem rico disse: ‘Agora ele se
encontra nesta grande cidade-castelo de Rajagriha, hospedado com
Venuvana-kalandakanivapa’.
Capítulo 36: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 4 Página 107
Então, Sudatta meditou sobre os dez poderes, os quatro destemores,
as cinco sabedorias, Samadhi, Grande Amor-Benevolente, e os três
pensamentos que o Buda possui. Como ele assim meditou, lá surgiu
um brilho, em conseqüência do qual todas as coisas pareciam como se
estivessem à luz do dia. Desejando saber de onde a luz vinha, ele des-
ceu até o portão. Através do poder transcendental do Buda, o portão
abriu-se espontaneamente. Ao sair pelo portão, ele viu uma capela na
beira da estrada. Passando por ela, Sudatta adorou. Então, a escuridão
surgiu novamente. Com medo, ele decidiu voltar para onde estava.
Então um deva o acompanhou da capela até o portão do castelo. O
deva disse a Sudatta: ‘Vá para onde o Tathagata está e você obterá
muitos benefícios’. Sudatta disse: ‘Que benefícios’? O deva disse: ‘Oh
homem rico! Como uma ilustração: um homem tem 100 corcéis sober-
bos, adornados com laços cravejados de gemas (preciosas), 100 gan-
dhahastins (elefantes almiscarados), 100 carruagens de jóias, 100 está-
tuas humanas feitas de ouro, belas mulheres completamente adorna-
das com colares de jóias, belos palácios, salões e casas cravejadas de
jóias, com letras e figuras esculpidas nelas, milhetos de prata em ban-
dejas de ouro, e milhetos de ouro em bandejas de prata, em número
de 100, e todas essas coisas são oferecidas como dana [doação carido-
sa] a cada pessoa através de todo o Jambudvipa. Mas, a virtude [assim]
alcançada não pode superar um simples passo em prol da aspiração ao
Bodhi e ir ao Tathagata’. Sudatta disse: ‘Oh bom homem! Quem é vo-
cê’? O deva disse: ‘Oh homem rico! Eu sou o filho de um Brâmane reti-
líneo (correto na conduta). Sou um ex-professor da Via. Em dias passa-
dos, senti alegria quando vi Shariputra e Maudgalyayana, descartei
meu corpo e tornei-me o filho de Vaishravana, o anjo guardião do nor-
te. É meu dever especial guardar essa Rajagriha. Obtive essa forma
maravilhosa através da adoração e adquiri alegria assim. Quão maiores
devem ser as coisas se alguém se encontra com um Grande Mestre
como o Tathagata e lhe adora e faz-lhe oferecimentos’?

Sudatta, ao ouvir isto, virou os seus passos e veio para o lugar onde eu
estava. Ao chegar, ele prostrou-se no chão e tocou os meus pés. Eu
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 108
então, como era apropriado, falei do Dharma. Tendo ouvido o meu
sermão, o homem rico atingiu o [estágio do] Srotapanna. Ao obter essa
fruição, ele convidou-me, dizendo: ‘Oh Grande Mestre, Tathagata!
Rogo para que você condescenda em vir a Sravasti e aceitar os meus
insignificantes oferecimentos’. Eu então lhe respondi: ‘Você pode, na
sua Sravasti, acomodar a todos’? Sudatta disse: ‘Se o Buda é compassi-
vo e condescende em aceitar o meu pedido, farei o melhor’. Oh bom
homem! Eu então aceitei o seu convite. Esse homem rico, Sudatta, ao
ser respondida a sua suplica, me disse: ‘Até agora não tive experiência
de organizar [uma grande refeição]. Oh Tathagata! Por favor, envie
Shariputra para meu palácio, tal que ele possa assumir o comando e
tomar as medidas necessárias para atender aos requisitos’.

A História do Monastério de Jetavana

Então, Shariputra foi para Sravasti, cavalgando junto com Sudatta. A-


través do meu poder transcendental, eles chegaram ao seu destino em
um dia. Então, Sudatta disse a Shariputra: ‘Oh Altamente Virtuoso!
Afora deste portão, há um lugar bem adequado para a finalidade. Não
é próximo e nem distante, onde há muitas nascentes e lagos, muitas
florestas com flores e frutos; e o lugar é puro, quieto e amplo. Construi-
rei Viharas [monastérios - locais de residência] lá para o Buda e seus
Monges’. Shariputra disse: ‘A floresta do Príncipe Jeta não é próxima e
nem distante. É pura e quieta. Há muitas nascentes e córregos. Há
flores e frutos da estação. Esse é o melhor lugar. Construamos um Vi-
hara lá’.

Então, ao ouvir isto, Sudatta foi ao grande homem rico, Jeta, e lhe dis-
se: ‘Eu agora desejo construir um Vihara Budista e dedicá-lo a alguém
insuperável no Dharma, em um lugar que lhe pertence. Agora desejo
comprá-lo de você. Você o venderia para mim’? Jeta disse: ‘Não o ven-
derei, mesmo que você cubra o chão com ouro’. Sudatta disse: ‘Bem
falado! A floresta pertence a mim. Tome meu ouro’. Jeta disse: ‘Não

Capítulo 36: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 4 Página 109


estou vendendo a floresta para você. Como posso pegar o seu ouro’?
Sudatta disse: ‘Se você não estiver satisfeito, irei ao magistrado’. E am-
bos foram juntos ao magistrado. O magistrado disse: ‘A floresta per-
tence a Sudatta. Jeta deve pegar o ouro’. Sudatta imediatamente envi-
ou homens com cargas de ouro sobre carroças e cavalos. Quando che-
garam, ele cobriu o chão com ouro. Em um único dia viu-se uma área
de 500 ‘bu’ [unidade de medida de terra Chinesa, em torno de 6 ou 6.4
pés] coberta; e ainda não estava tudo coberto. Jeta disse: ‘Oh homem
rico! Se você tem algum arrependimento dentro de você, está comple-
tamente livre para cancelar o negócio’. Sudatta disse: ‘Não sinto qual-
quer arrependimento’. Ele pensou para si qual dos depósitos ele abriria
agora para obter ouro para a área ainda deixada sem cobertura. Jeta
pensou para si: ‘O Tathagata, Rei do Dharma, é realmente alguém in-
superável. As coisas maravilhosas que ele ensina são puras e imacula-
das. Esse é o porquê esse homem pensa assim tão despreocupada-
mente sobre este tesouro’. Ele então disse a Sudatta: ‘Não necessito
agora de qualquer ouro para o que permanece descoberto. Por favor,
pegue-o. Eu mesmo construirei um portão para o Tathagata, tal que ele
possa entrar e sair através dele’. Jeta construiu o portão e, em sete
dias, Sudatta construiu um grande Vihara numa área de 300 ‘ken’ [o
‘ken’ mede cerca de 6 pés] na largura e no comprimento. Havia quartos
para meditação silenciosa em número de 63. Os aposentos eram dife-
rentes para o inverno e para o verão. Havia cozinhas, banheiros, e um
lugar para lavar os pés. Havia dois tipos de lavatórios.

Concluídas as construções, ele (Sudatta) pegou um incensório e, apon-


tando na direção de Rajagriha, disse: ‘As obras estão completas agora.
Oh Tathagata! Por favor, tenha piedade e ocupe este lugar, e fique
(viva) aqui para o bem dos seres’. Tão logo li o pensamento desse ho-
mem rico à distância, parti de Rajagriha. No curto espaço de tempo que
leva um homem forte e jovem para dobrar e estender seu braço, viajei
para Sravasti, para Jetavana, e tomei posse do Monastério de Jetavana.
Quando cheguei ao local, Sudatta o dedicou-me. Eu então o recebi e o
habitei.”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 110


Capítulo Trinta e Sete: Sobre o Bodhisattva
Rugido do Leão 5
Então os seis mestres ficaram com ciúmes e todos se reuniram no palá-
cio do Rei Prasenajit e disseram: “Oh grande Rei! Sua terra é toda limpa
e quieta, e realmente é o lugar onde as pessoas que renunciam podem
viver bem. Em razão disto, todos viemos aqui. Oh grande Rei! Com
correção, acabe com o que não é propício para o bem do povo. Ora, o
Shramana Gautama ainda é jovem e imaturo. Não tendo aprendido
muito, nada tem a dar. Ora, neste país vivem muitos anciões e pessoas
virtuosas que, gabando-se da casta dos Kshatriya, não sabem como
prestar homenagem. O rei deve governar a terra através da lei; aqueles
que abandonam o mundo devem procurar a virtude. Ouça bem, oh
grande Rei! O Shramana Gautama não é alguém verdadeiramente de
uma família Kshatriya. Se o Shramana Gautama tem pais, por que tem
que tirar os pais dos outros? Oh grande Rei! Está estabelecido nos nos-
sos sutras que em 1.000 anos aparecerá um fantasma ou aparição. O
assim chamado Shramana Gautama é isto. Por conta disto, saiba bem
que o Shramana é nenhum outro senão esse Gautama. Por essa razão,
saiba que o Shramana Gautama não tem pai e nem mãe. Se ele os tem,
como pode dizer: ‘Todas as coisas são não-eternas, sofrimento, vazio; e
tudo não possui um ‘eu’, nem ação, nem sentimento’? Através de po-
deres ocultos, ele leva os seres a se extraviarem. O ignorante acredita e
o sábio rejeita. Oh grande Rei! O rei é o pai para a nação. Ele é, por
assim dizer, como a terra, o ar, o fogo, o caminho, o rio, a ponte, a luz,
o sol, e a lua. Através da lei, ele distribui justiça. Não pode haver qual-
quer inimigo ou amigo. O Shramana Gautama não consente a vida.
Aonde vamos, ele nos segue, e não deixa-nos. Oh grande Rei! Permita-
nos competir em nossos poderes de consecução. Caso ele vença, nos
tornaremos seus discípulos. Se vencermos, ele se submeterá a nós’.

O rei disse: ‘Oh grandes! Cada um de vocês tem a própria maneira de


praticar, e vivem em lugares diferentes. Definitivamente, eu sei que o

Capítulo 37: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 5 Página 111


Tathagata Honrado pelo Mundo não causa a vocês qualquer obstácu-
lo’.

Os seis mestres responderam: ‘Como ele não é um obstáculo para nós?


O Shramana Gautama faz milagres, levando todas as pessoas e Brâma-
nes a se extraviarem. Ele agora não tem mais a (quem) subjugar. Se
você, Rei, permitir-nos competir em (poderes) miraculosos, a boa repu-
tação do Rei se espalhará em todos os quadrantes. Se não, a má fama
circulará no exterior’.

O rei disse: ‘Oh grandes! Vocês não percebem quão superior é o poder
da Via do Tathagata. Assim, vocês procuram competir [com ele]. Estou
certo de que falharão’.

‘Oh grande Rei! Você já foi enfeitiçado pelo Gautama? Reze, oh Rei,
pense bem e não nos menospreze. De fato, a melhor coisa é colocar o
assunto a prova’.

O Rei disse: ‘Bem falado, bem falado’! Os seis mestres ficaram satisfei-
tos e seguiram seu caminho.

Então, o Rei Prasenajit veio a mim, tocou o chão, circundou-me três


vezes, recuou, sentou-se a um lado, e disse-me: ‘Oh Honrado pelo
Mundo! Os seis mestres vieram a mim para obter permissão para
competir com você no poder da Via. Eu, descuidadamente, dei permis-
são’.

Eu disse: ‘Está bem, está bem! Apenas, erija muitos Monastérios (Viha-
ra) no país. Por quê? Se eu competir com eles, haverá tantos deles que
terão que vir para o nosso lado, que não haverá lugar para acomodá-
los, já que esse lugar é muito pequeno e limitado para abrigar a todos’.

Oh bom homem! Eu, naquela ocasião, exibi uma grande quantidade de


milagres para o bem dos seis mestres, desde o primeiro até o décimo-
quinto dia. Então, um incontável número de seres ganhou a fé nos Três
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 112
Tesouros e não tinham mais dúvidas. O número de seguidores dos seis
mestres que acabaram com as idéias distorcidas e tomaram refúgio no
Dharma Maravilhoso era incontável. Um incontável número de pessoas
alcançou a Mente do Bodhi não-retroativa. Um incontável número de
pessoas obteve Dharanis e Samadhi. Um incontável número de seres
atingiu a fruição do Arhatship, ascendendo ao [nível do] Srotapanna.

Então, os seis mestres se arrependeram e foram juntos a Saketa e fize-


ram as pessoas acreditarem em visões distorcidas da vida. Eles disse-
ram: ‘O Shramana Gautama ensina o que é vazio’. Oh bom homem! Eu,
naquela ocasião, estava no Céu Trayastrimsa e estava vivendo a vida de
Varsika sob a sombra da Árvore Parijata, proferindo um sermão para a
minha mãe. Então, os seis mestres ficaram grandemente satisfeitos e
disseram: ‘Oh que bom! Os milagres de Gautama cessaram’. Também,
ao ensinar um incontável número de seres, as visões errôneas sobre a
vida aumentaram e se espalharam. Então, Bimbisara, Prasenajit, e as
quatro classes da Sangha disseram a Maudgalyayana: ‘Oh Virtuoso! As
visões distorcidas preenchem esse Jambudvipa. As pessoas são (tão)
infelizes que estão trilhando seu caminho para as grandes trevas. Por
favor, Oh Virtuoso! Vá ao Céu, prostre-se no chão, preste homenagem
e transmita nossas palavras ao Honrado pelo Mundo: exatamente co-
mo um bezerro recém-nascido morrerá se o leite não for dado, assim
se passam as coisas com todos nós seres. Tenha piedade de nós seres,
oh Tathagata, e volte para nós’. Então, Maudgalyayana atendeu a sua
súplica e tão rapidamente quanto um homem forte pode dobrar e
estender seu braço, ele veio ao Céu e disse a mim, o Buda: ‘Todas as
quatro classes da Sangha Budista procuram pelo Tathagata e desejam
ouvir diretamente de você um sermão sobre o Dharma. Bimbisara,
Prasenajit, e as quatro classes da Sangha estão todos se prostrando ao
chão, prestando homenagem, e dizendo: ‘Os seres desse Jambudvipa
estão com as suas visões distorcidas, e isto está aumentando ainda
mais. Eles estão caminhando na grande escuridão. Isso é uma grande
pena. É semelhante a um bezerro recém-nascido que certamente mor-
rerá se nenhum leite lhe for dado. É o mesmo conosco. Para o benefí-
cio de todos nós seres, condescenda, oh Tathagata, em vir para o Jam-
Capítulo 37: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 5 Página 113
budvipa e ficar’. Eu, o Buda, disse a Maudgalyayana: ‘Apressa-te para o
Jambudvipa e diga a todos os reis e às quatro classes de pessoas da
Sangha Budista que em sete dias voltarei. Para o bem dos seis mestres,
irei a Saketa’.

Sete dias depois, Eu, o Buda, circundado por Sakrodevendra, Brahma,


Mara, e um incontável número de seres celestiais e todos os seres ce-
lestiais que estavam reunidos no Céu Suddavasa, chegamos ao castelo
de Saketa e emitimos o rugido do leão, declarando: ‘Somente em mi-
nha Doutrina pode haver Shramanas e Brâmanes. Todas as coisas são
não-eternas e destituídas do eu. O Nirvana é quietude e é isento de
erros e preocupações. Em outros ensinamentos, as pessoas podem
dizer que eles têm Shramanas e Brâmanes, e que esses são o Eterno, o
Eu, e Nirvana. Mas, tal coisa nunca pode ser’. Então, incontável, ilimita-
do número de pessoas aspirou à Iluminação Insuperável.

Então, os seis mestres disseram um ao outro: ‘Se não há Shramanas e


Brâmanes em outros ensinamentos, como podemos esperar dana (do-
ações) do mundo em geral’? Então, os seis mestres reuniram-se e fo-
ram a Vaisali. Oh bom homem! Eu, naquela ocasião, estava hospedado
em um arvoredo de mangas. Então, Amrapali, ao ver que eu estava lá,
desejou vir e ver-me. Eu então falei a todos os Monges: ‘Meditem so-
bre o que é pensar ["smrtyupasthana", atenção plena] e cultivem a
Sabedoria. Na medida em que cultivarem isso, não se percam na indo-
lência’.

O que se entende por meditar sobre o que é pensar? Um Monge medi-


ta sobre o seu próprio corpo e não vê lá o Eu ou o que o Eu possui;
também, ele medita sobre os corpos dos outros e também o seu pró-
prio, e não vê o Eu ou o que o Eu possui; isto se estende ao que se ob-
tém com as funções mentais (passando pelos cinco skandhas – desde
forma até formações mentais). Isso é a aplicação da atenção plena, da
sensibilização.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 114


O que se entende por cultivar a Sabedoria? Um Monge realmente vê o
sofrimento, a causa do sofrimento, [sua] extinção, e a Via para [sua]
extinção. Isto é cultivar a Sabedoria.

O que é não ser indolente? Um Monge medita sobre o Buda, o Dhar-


ma, a Sangha, os preceitos morais, equanimidade, e o céu. Isto é o caso
em que dizemos que um Monge não é indolente em sua mente.

Amrapali veio a mim, prostrou-se no chão, circundou-me três vezes


pelo lado direito, prestou homenagem, recuou, e sentou-se a um lado.
Oh bom homem! Falei do Dharma para ela. Tendo ouvido [isto], ela
aspirou ao Bodhi Insuperável.

Naquela ocasião, havia naquele castelo 500 filhos de Licchavis. Eles


vieram a mim, prostraram-se no chão, e circundaram-me (três vezes)
pelo lado direito. Tendo prestado homenagem, eles recuaram e senta-
ram-se a um lado. Eu então, para o benefício dos Licchavis, falei sobre o
Dharma: ‘Oh todos vocês bons homens! Aqueles que são indolentes
contraem as cinco fruições cármicas. Quais são as cinco? 1) ser incapaz
de obter a riqueza livremente; 2) a má reputação se espalha rapida-
mente; 3) não se deseja dar às pessoas pobres-indigentes; 4) não se
deseja ver as quatro classes de pessoas da Sangha; e 5) não se pode
obter o corpo de um deva. Oh todos vocês bons homens! Através da
não-indolência surgem as leis mundanas e supramundanas. Alguém
que queira alcançar o Bodhi Insuperável deve praticar a não-indolência.
Agora, existem 13 coisas que surgem como resultado [da indolência].
Quais são as 13? Elas são: 1) tem-se prazer em fazer o que é mundano,
2) tem-se prazer em falar palavras inúteis, 3) tem-se prazer em dormir
muito, 4) tem-se prazer em falar sobre assuntos seculares, 5) sempre
se tem prazer em fazer amizade com más pessoas, 6) se é indolente e
preguiçoso, 7) se é sempre menosprezado pelos outros, 8) ouve-se,
mas logo esquece, 9) tem-se prazer em viver em lugares afastados
(provinciais), 10) se é incapaz de subjugar todos os seus sentidos orgâ-
nicos, 11) não se pode obter comida suficiente, 12) não se deseja a
quietude, 13) não se tem uma visão correta. Essas são as treze’.
Capítulo 37: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 5 Página 115
O Menino Insuperável

Oh bom homem! Uma pessoa pode muito bem aproximar-se do Buda


e seus discípulos. Mas ainda haver uma grande distância. Todos os
Licchavis disseram: ‘Sabemos que somos indolentes. Por quê? Se não
fôssemos indolentes, o Tathagata, o Rei do Dharma, apareceria entre
nós’.

Então, em meio aos congregados, havia o filho de um Brâmane cha-


mado Insuperável, que disse a todos os Licchavis: ‘Bem falado, bem
falado! É tudo como vocês dizem. O Rei Bimbisara obteve uma grande
vitória. O Tathagata Honrado pelo Mundo apareceu em seu país. Isso é
como o caso de um grande lago no qual o lótus maravilhoso cresce.
Embora cresça na água (lodo), a água não pode maculá-lo. Oh vocês
Licchavis! É o mesmo com o Buda. Embora nascido na terra, ele não é
obstaculizado pelo que se obtém no mundo secular. Com o Buda Hon-
rado pelo Mundo, não há aparecimento e desaparecimento (ou nasci-
mento e extinção). Para o benefício de todos os seres, ele aparece no
mundo, e não é molestado pelo que se obtém no mundo. Vocês perde-
ram o seu caminho, perderam-se nos cinco desejos, associaram-se a
eles, mas não sabem como se associar ao Tathagata e vir para onde ele
está. Portanto, dizemos indolentes. Quando o Buda apareceu em Ma-
gadha, não havia indolência para se falar a respeito. Por que não? O
Tathagata Honrado pelo Mundo é como o sol e a lua. Ele não aparece
no mundo apenas para uma ou duas pessoas’. Quando os Licchavis
ouviram isso, eles aspiraram ao Insuperável Bodhi. Também, eles disse-
ram: ‘Bem falado, bem falado, oh jovem, menino Insuperável! Você
realmente diz algo maravilhoso’. Então, cada um dos Licchavis despo-
jou-se de suas vestes e deu-as a Insuperável. Ao receber isto, ele deu-
as a mim e disse: ‘Oh Honrado pelo Mundo! Tenho tudo isso dos Lic-
chavis. Rogo para que você, o Tathagata, tenha piedade de todos os
seres e aceite o que agora desejo oferecer-lhe’. Sentindo piedade, en-

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 116


tão as aceitei. Todos os Licchavis juntaram as (palmas das) suas mãos e
disseram: ‘Por favor, mande o varsika aqui novamente e aceite o que
oferecemos’. Eu, então, aceitei o convite dos Licchavis.

Então os seis mestres, ao ouvirem isto, todos foram para Varanasi.


Então Eu, também, segui para Varanasi e fiquei às margens do rio Va-
rana. Naquela ocasião, havia um homem rico em Varanasi chamado
Exaltação-ao-Tesouro que tinha se abandonado aos cinco desejos e era
desconhecedor da impermanência. Como eu tinha ido lá, ele ganhou
espontaneamente a ‘meditação dos ossos-brancos’ e viu todas as coi-
sas como as construções palacianas, criados homens e mulheres, trans-
formarem-se em ossos brancos. Ele tremeu de medo. Isso foi tão pene-
trante quanto uma espada afiada, uma víbora, um ladrão, ou fogo. Ele
saiu de sua casa e veio a mim. Conforme ele chegou, disse: ‘Oh Shra-
mana Gautama! Sinto como se estivesse sendo perseguido por ladrões;
Estou muito assustado. Por favor, ajude-me’!

Eu disse: ‘Oh bom homem! Pacíficos são o Buda, o Dharma e a Sangha,


e não há nada a temer’. O filho do homem rico disse: ‘Se não há nada a
temer nos Três Tesouros, eu também ganharei destemor’. Permiti-lhe
renunciar a vida doméstica e tornar-se ordenado, de maneira que ele
pudesse atingir a Via. Naquela ocasião, o filho do homem rico tinha 50
amigos. Ao ouvirem que (o filho de) Exaltação-ao-Tesouro havia aban-
donado a vida doméstica e tornado-se ordenado, eles obedientemente
entraram juntos no Caminho.

O Filho do Fogo

Os seis mestres ouviram sobre isso e se mudaram para Campa. Naque-


la ocasião, as pessoas de Campa eram todas seguidoras dos seis mes-
tres e ainda não tinham ouvido (falar) do Buda, do Dharma, e da San-
gha. E havia muitos deles que cometiam maldades. Eu então, por sua
causa, fui a Campa. Naquela ocasião, um homem rico, que não tinha

Capítulo 37: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 5 Página 117


filho para sucedê-lo, vivia no castelo. Seguindo os seis mestres, ele
pediu um filho. Não muito depois daquilo, sua esposa engravidou. O
homem rico, ao ser informado desse fato, foi aos seis mestres e falou
sobre o assunto, profundamente satisfeito: ‘Minha esposa vai ter um
filho. É um menino ou menina’? Os seis mestres responderam: ‘Com
certeza será uma menina’. Ao ouvir isto, o homem ficou triste. Então,
um homem sábio veio a ele e disse: ‘Por que você está preocupado’? O
homem rico disse: ‘Minha esposa terá um filho. Eu não sabia se a crian-
ça a ser parida seria um menino ou menina. Então, indaguei os seis
mestres, os quais disseram: se o que eu vejo é verdade, a criança será
uma menina. Ao ouvir isto, pensei para mim: sou um (homem) velho e
indizivelmente rico. Se a criança não é um menino, não terei a quem
legar a minha riqueza. Esse é o porquê estou preocupado’. O homem
sábio disse: ‘Você é obtuso. Você não sabe de quem os irmãos Uruvil-
vakashyapas são discípulos? Eles são discípulos do Buda ou dos seis
mestres? Se os seis mestres são oniscientes, por que os Kashyapas os
abandonariam e se tornariam discípulos do Buda? Também, Sharipu-
tra, Maudgalyayana, todos os reis, Bimbisara, todas as consortes reais,
Mallika, e todos os homens ricos de todos os estados como Sudatta,
não são discípulos do Buda? Todos os demônios das florestas, os ele-
fantes intoxicados, cuja função era proteger a propriedade de Ajatasa-
tru, e Angulimalya, o qual, acometido de um mau [estado] da mente,
tentou prejudicar a sua própria mãe; não foram todos subjugados pelo
Tathagata? Oh homem rico! O Tathagata Honrado pelo Mundo é de-
simpedido na Sabedoria. Esse é o porquê dizemos ‘Buda’. Não há lín-
gua-dúbia naquilo que ele diz. Por isso, Tathagata. Como ele está livre
de impurezas, é chamado ‘Arhat’. O Honrado pelo Mundo não fala de
duas maneiras. É o contrário com os seis mestres. Como podemos a-
creditar neles? O Tathagata está muito próximo daqui. Se você deseja
conhecê-lo, vá e veja o Buda’.

Então, o homem rico veio a mim com esse homem (sábio). Ele pros-
trou-se diante de mim, circundou-me três vezes pelo lado direito, jun-
tou suas mãos, e disse: ‘Oh Honrado pelo Mundo! Para todos os seres
você é igualitário e não é dois. Inimigos e amigos são um aos seus o-
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 118
lhos. Estou aprisionado pelo desejo, e inimigo e amigo não podem ser
um para mim. Eu agora desejo indagar o Tathagata sobre um assunto
mundano. A vergonha toma conta de mim, e não consigo falar. Oh
Honrado pelo Mundo! Minha esposa terá uma criança. Os seis mestres
disseram: ‘A criança é uma mulher’. O que será’?

Eu, o Buda, disse: ‘Oh homem rico! Sua esposa terá uma criança. Será
um filho. Não há dúvida sobre isso. Quando ele nascer, será totalmente
abençoado com virtudes’. O homem rico, ao ouvir isto, ficou muito feliz
e retornou para casa. Então, os seis mestres, ao ouvirem a profecia de
que a criança seria homem e seria cheia de virtudes, ficaram com ciú-
mes. Eles fizeram um veneno misturado com manga e levaram ao ho-
mem rico, dizendo: ‘É muito bom que Gautama tenha visto as coisas
assim. Dê isto para sua esposa no mês do seu parto. Se ela tomar isto,
sua criança será perfeita e bem formada, e sua esposa não terá pro-
blemas’. O homem rico recebeu o remédio envenenado, ficou grato e
deu-o para sua esposa. Ao tomá-lo, sua esposa morreu.

Os seis mestres ficaram felizes e foram para os arredores do castelo,


dizendo em voz alta: ‘O Shramana Gautama disse que a mulher daria à
luz um menino e que a criança seria soberba em virtudes. A criança
ainda não nasceu, mas a mãe está morta’. Então, o homem rico veio a
mim e desconfiou de mim. Seguindo os costumes do povo, o homem
colocou o cadáver num caixão, carregou-o para fora do castelo e o
cobriu com combustível seco. Então, ateou-lhe fogo e o cremou. Eu vi
isto com os olhos da Via, olhei para trás para Ananda e disse: ‘Traga
meu robe! Irei lá e destruirei as visões distorcidas’. Então, o Deva Vais-
hravana disse ao general Manibhadra: ‘Agora, o Tathagata pretende ir
ao cemitério. Vá rapidamente, varra o local, posicione o trono de leão
[‘simhasana’], busque flores maravilhosas e adorne o lugar’. Então, os
seis mestres, vendo-me de longe, foram para o cemitério e disseram:
‘Gautama deseja devorar a carne’? Naquela ocasião, havia muitos upa-
sakas [Budistas leigos] que não possuíam o Olho do Dharma. Assusta-
dos, eles disseram-me: ‘A mulher já está morta. Por favor, não vá’!
Então, Ananda lhes disse: ‘Esperem um momento. Não tarda, o Tatha-
Capítulo 37: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 5 Página 119
gata manifestará o mundo de todos os Budas’. Eu então fui e sentei-me
no trono de leão. O homem rico me censurou: ‘O que é dito não deve
ser dúbio. Essa pessoa é o Honrado pelo Mundo. A mãe já está morta.
Como pode haver alguma criança’? Eu disse: ‘Oh homem rico! Naquela
ocasião, você não fez questão do tempo de vida da sua esposa. Seu
interesse era se a criança a nascer seria homem ou mulher. O Buda
Todo Tathagata não tem língua-dúbia. Saiba, portanto, que você segu-
ramente terá sua criança’. Então, a barriga da mãe abriu-se pelo fogo e
uma criança emergiu, e sentou-se em meio ao fogo. Foi como quando
o mandarim senta-se sobre um lótus. Os seis mestres viram isto e dis-
seram: ‘Isto é miraculoso, oh Gautama! Você com certeza faz mágicas’.
O homem rico viu e ficou feliz. Ele censurou os seis mestres: ‘Se é má-
gica, por que não fazem vocês mesmos’? Eu então disse a Jivaka: ‘Entre
no fogo e retire a criança’! Jivaka queria ir, [mas] os seis mestres se
adiantaram e disseram a Jivaka: ‘Os milagres que o Shramana Gautama
faz nem sempre serão bem sucedidos. Haverá sucessos e fracassos.
Quando não tiver êxito, você terá que se danar. Como você pode acre-
ditar na sua palavra’? Jivaka respondeu: ‘O Tathagata me permite en-
trar no Inferno Avichi. O fogo não pode me queimar. Como poderia
[me queimar] quando se trata meramente do fogo do mundo’? Então,
Jivaka entrou fogo adentro. Foi como se ele estivesse entrando na água
fria de um grande rio. Segurando a criança, ele voltou e a entregou-me.
Eu então peguei a criança e disse ao homem rico: ‘O tempo de vida de
todos os seres não é determinado. É como espuma de água. Se os se-
res estão a colher fruições cármicas graves, o fogo não pode queimar
nem o veneno matá-los. É o carma dessa criança, não o meu’. Então o
homem rico disse: ‘Bem falado, oh Honrado pelo Mundo! Se essa cri-
ança pode viver, por favor, oh Tathagata, dê-lhe um nome’! O Buda
disse: ‘Essa criança do homem rico é nascida do fogo. Fogo é ‘judai’.
Assim, essa criança será chamada Judai’. Assim, aqueles que estavam
congregados lá viram esse milagre, e inumeráveis foram aqueles que
aspiraram ao Insuperável Bodhi.

Então, os seis mestres foram para os arredores das seis cidades-castelo


e mesmo assim não conquistaram as mentes das pessoas daqueles
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 120
lugares. Envergonhados e cabisbaixos, eles vieram à Kushinagar. Che-
gando aqui, eles disseram: ‘Saibam, oh todos do povo! O Shramana
Gautama é um grande mágico. Ele engana todo o mundo, indo aqui e
ali em todos os seis castelos. Por exemplo, ele é como um mágico que
evoca (encanta) as quatro unidades militares de carros de combate,
cavalaria, elefantes montados e infantaria. Também, ele evoca coisas
como vários colares, castelos, palácios, rios, lagos e árvores. Isto é co-
mo as coisas acontecem com o Shramana Gautama. Ele apresenta-se
como um rei. Para efeito dos sermões, ele torna-se um Shramana, um
Brâmane, um macho, uma fêmea, um corpo pequeno, um corpo gran-
de, ou animal, ou demônio. Ou, às vezes ele fala de impermanência, e
outras vezes de Permanência. Às vezes ele fala de sofrimento, e às
vezes de Felicidade. Às vezes ele fala do Eu, e outras vezes do altruís-
mo. Ou ele fala da Pureza, e em outras vezes da impureza. Às vezes ele
fala do ‘é’, e outras vezes do ‘não-é’. Como tudo o que é feito (por ele)
é falso, dizemos ‘fantasma’. Por exemplo, através do filho e seguindo o
filho, uma pessoa obtém a fruição. Assim se dão as coisas com o Shra-
mana Gautama. Ele veio de Maya (rainha Maya), que é um fantasma.
Ele não pode ser outro senão esse filho. Gautama não tem o verdadei-
ro conhecimento. Todos os Brâmanes praticam penitências e observam
os preceitos ano após ano. No entanto, eles dizem que não possuem o
verdadeiro conhecimento. Gautama é jovem, é inferior no aprendizado
e ainda não praticou penitências. Como pode ser que exista verdadeiro
conhecimento [ali]? Mesmo sete anos de penitências não são suficien-
tes para evocar muitos resultados. Que dirá quando for ainda menos
que seis anos. O ignorante sem sabedoria acredita no seu ensinamen-
to. Isto é como o caso de um grande mágico que engana enormemente
os ignorantes. É o mesmo com o Shramana Gautama’.

Oh bom homem! Assim os seis mestres espalharam muitas palavras


falsas em meio ao povo dessa cidade-castelo. Oh bom homem! Vendo
isto, senti piedade, e com muitos poderes transcendentais evoquei
todos os Bodhisattvas das dez direções para essa floresta, os quais
preencheram o lugar e circundaram-me numa área de 50 yojanas de
extensão, e aqui emiti o rugido do leão. Oh bom homem! Quando se
Capítulo 37: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 5 Página 121
fala num lugar onde não há ninguém para ouvir, não dizemos ‘rugido
do leão’. Quando se fala numa congregação de instruídos, podemos
dizer realmente ‘rugido do leão’. Isto é dizer que todas as coisas são
não-eternas, sofrimento, não-Eu, e não-Puras, e que somente o Tatha-
gata é o Eterno, Êxtase, o Eu, e o Puro. Então, os seis mestres nova-
mente disseram: ‘Se Gautama possui o seu ‘Eu’, nós também o possu-
ímos. O Eu alude a nada mais que ‘visão’. Oh Gautama! Vê-se alguma
coisa que confronta alguém. O caso do ‘Eu’ é o mesmo. O que confron-
ta alguém é o olho e a visão é o Eu’.

O Buda disse aos seis mestres: ‘Se visão é o Eu, então vocês estão erra-
dos. Por quê? Vocês pegam a analogia de um objeto e dizem que ve-
mos através dele. Ora, os humanos usam juntos os seis sentidos orgâ-
nicos para um objeto. Se o Eu existe com certeza e nós vemos infali-
velmente através dos olhos, por que é que não reconhecemos (perce-
bemos) todos os objetos com aquele único sentido orgânico? Se al-
guém não se encontrar com os seis campos dos sentidos, saiba que não
há Eu sobre o qual falar. Se as coisas fossem assim com o sentido orgâ-
nico da visão, não haveria mudança mesmo se os anos passassem e os
sentidos orgânicos se tornassem amadurecidos. Como ‘homem’ e ‘ob-
jeto’ são diferentes, uma pessoa vê o seu próprio eu e os outros. Se
fosse assim com o sentido orgânico da visão, deveria haver a visão do
próprio eu e do outro ao mesmo tempo. Se não vê (o eu e o outro ao
mesmo tempo), como podemos dizer que existe o Eu?’

Os seis mestres disseram: ‘Oh Gautama! Se não existe o Eu, quem vê’?

O Buda disse: ‘Existem a coisa (objeto), o brilho (luz), a mente e os o-


lhos. Assim, as quatro se conjugam e nós vemos. Nestas, para dizer a
verdade, não há nada que vê e nada que sente. Os seres estão de ca-
beça-para-baixo e dizem que existe alguém que vê e sente. Assim, to-
dos os seres estão de cabeça-para-baixo em sua visão, e todos os Bu-
das e Bodhisattvas são verdadeiros na visão das coisas. Oh vocês seis
mestres! Vocês podem dizer que matéria é o Eu. Mas, isto não é assim.
Por que não? Matéria não é o Eu. Se matéria fosse o Eu, não haveria
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 122
qualquer forma feia ou fraca. Por que não? Por que é que existem dife-
renças das quatro castas? Por que é que há nada mais que um tipo de
Brâmane? Por que é que as pessoas pertencem às outras castas e não
têm desimpedimentos? Por que é que existem deficiências nos senti-
dos orgânicos e aquela vida não é perfeita? Por que é que nem todas as
pessoas adquirem o corpo de todos os devas, mas adquirem vida no
inferno, como um animal, como espírito faminto e todas as várias for-
mas de vida? Se alguém não pode fazer (as coisas) como deseja, saiba
que isso indica que garantidamente nenhum Eu (Auto) está ali. Como
não há Eu, dizemos não-eterno. Como é não-eterno, temos sofrimento.
Em razão do sofrimento, é vazio. Como é vazio, está de cabeça-para-
baixo. Estando de cabeça-para-baixo, todos os seres reciclam nasci-
mento e morte. O mesmo se aplica a sentimentos, sensações, volição e
consciência. Oh vocês seis mestres! O Tathagata Honrado pelo Mundo
está apartado da dependência (servidão) desde a matéria até a consci-
ência. Portanto, dizemos Eterno, Êxtase, o Eu, e o Puro.

Também, além disso. A matéria está baseada nas relações causais.


Aquilo que está baseado nas relações causais não possui um Eu. Não-
Eu é sofrimento e vazio. O corpo do Tathagata não está baseado nas
relações causais. Em razão de não haver relações causais, dizemos que
existe o Eu. O Eu é o Eterno, Êxtase, o Eu, e o Puro’.

Os seis mestres disseram: ‘Oh Gautama! Matéria é não-Eu. E até a


consciência, não existe o Eu. O Eu preenche todos os lugares. É como o
espaço’.

O Buda disse: ‘Se ele preenche todo o espaço, não podemos dizer que
não o vemos desde o princípio. Se não é visto desde o princípio, deve-
mos saber que essa visão é o que originalmente foi, mas agora não é.
Se for o que originalmente foi, mas agora não é, isto é o não-eterno. Se
for não-eterno, como podemos dizer que ele preenche todos os luga-
res? Se preenche [todos os lugares] e existe, deve haver um só corpo
nos cinco domínios. Se há um corpo que possa ser representado, deve
haver aquele que surge como um resultado. Se um resultado surge,
Capítulo 37: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 5 Página 123
como podemos dizer que as pessoas obtêm vida como humanos ou
como seres celestiais?

Você diz que (o Eu) preenche [todos os lugares]. Ele é um ou muitos?


Se o Eu é um, não pode haver qualquer pai e filho, qualquer inimigo e
amigo, ou uma pessoa neutra. Se o Eu for muitos, todos os cinco senti-
dos orgânicos que os humanos possuem deveriam ser iguais. O mesmo
se aplica ao carma e à Sabedoria. Se as coisas forem assim, como po-
demos dizer que há aqueles cujos sentidos orgânicos são perfeitos ou
imperfeitos, que há ações que são boas e más, e que há diferença en-
tre estupidez e intelectualidade’?

‘Oh Gautama! O Eu de todos os seres não é delimitado. Dharma e não-


Dharma, cada um tem seu papel a desempenhar. Se os seres agem de
acordo com o Dharma, eles ganharão boas formas; se não, más formas
surgirão. Por essa razão, eles nada mais são que os vários resultados
cármicos’.

O Buda disse: ‘Oh vocês seis mestres! Se Dharma e não-Dharma se


estabelecem assim, não pode haver qualquer universalidade do Eu. Se
há universalidade do Eu, ela se estenderá a tudo. Se for assim, então
mesmo aqueles que praticam o bem deveriam também ter partes da-
queles que são maus, e aqueles que cometem o mal deveriam ter o
que é bom. Se não, como podemos falar de universalidade’?

‘Oh Gautama! Por exemplo, temos numa sala 100 mil lâmpadas, e cada
lâmpada está acesa, não obstruindo as outras. É o mesmo com todos
os seres. As práticas do bem e do mal não se misturam’.

‘Vocês dizem que o Eu é como uma lâmpada. Mas isto não é assim. Por
que não? O brilho de uma lâmpada surge das relações causais. Se a
lâmpada é grande, o brilho, também, torna-se grande. O eu dos seres
não é como isto. O brilho de uma lâmpada emerge da lâmpada e se
propaga em outros lugares. O eu dos seres emerge do corpo, mas não
se propaga em outros lugares. A luz da lâmpada convive com a escuri-
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 124
dão. Por quê? Quando alguém coloca uma lâmpada (vela) numa sala
escura, o brilho não é considerável. Quando há muitas lâmpadas (ve-
las), temos a claridade. Se a primeira lâmpada dissipasse a escuridão,
não necessitaríamos das demais lâmpadas para dissipá-la. Assim, se
(muitas) lâmpadas são usadas para dissipar a escuridão, isto significa
que o brilho da primeira (lâmpada) convive com a escuridão’.

‘Oh Gautama! Se não existe o Eu, quem é que comete o bem e o mal’?

O Buda disse: ‘Se o Eu age, como podemos dizer [que ele é] Eterno? Se
for Eterno, como uma pessoa pode cometer o bem numa ocasião e o
mal em outra? Se uma pessoa faz o bem ou o mal em diferentes ocasi-
ões, como podemos dizer que o Eu é ilimitado? Se o Eu faz (o bem), por
que alguém praticaria maus atos? Se o Eu é o executor (das ações) e se
ele é sábio, como se pode duvidar do altruísmo do ser? Portanto, po-
demos dizer que definitivamente não pode haver Eu na doutrina dos
tirthikas. O Eu não é outro senão o Tathagata. Por quê? Porque seu
corpo é ilimitado e não existe dúvida. Por conta do não-cometimento e
não-recebimento [de conseqüências cármicas], dizemos Eterno. Por
conta do não-nascimento e não-extinção (imortalidade), dizemos Êxta-
se. Como não existe a impureza da ilusão, dizemos Puro. Como ele não
possui os dez aspectos da existência, dizemos Vazio. Portanto, o Tatha-
gata é nenhum outro senão o Eterno, Êxtase, o Eu, o Puro, e o Vazio, e
não há outro aspecto sobre o qual falar’.

Todos os tirthikas disseram: ‘Se o Tathagata é o Eterno, Êxtase, o Eu, o


Puro, e o Vazio, devido à amorfia, aquilo que Gautama diz não pode ser
vazio. Em razão disto, agora aceitamos [suas palavras]’.

Naquela ocasião, o número de tirthikas era incontável. Eles renuncia-


ram ao mundo e tiveram fé nos ensinamentos do Buda. Oh bom ho-
mem! Por essa razão, Eu agora, aqui nesta floresta das árvores sala
gêmeas, emito o rugido do leão. O rugido do leão é Grande Nirvana.
Oh bom homem! As árvores gêmeas do leste destroem o não-eterno, e
através disto ganha-se o Eterno. As árvores gêmeas do norte destroem
Capítulo 37: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 5 Página 125
o impuro e concedem o Puro. Oh bom homem! Os seres que estão
aqui, em razão das árvores gêmeas, protegem as árvores sala e não
permitirão que as pessoas peguem e cortem os galhos e folhas, e que-
brem-nas. É o mesmo comigo. Em prol das quatro leis, faço com que as
pessoas protejam e defendam o Dharma-do-Buda. Quais são as quatro
(leis)? Estas são o Eterno, Êxtase, o Eu, e o Puro. Essas quatro árvores
gêmeas são protegidas pelos quatro guardiões da terra. Como os qua-
tro guardiões protegem esse meu Dharma, entro aqui no Parinirvana.
Oh bom homem! As árvores sala gêmeas sempre frutificam e conce-
dem benefícios a incontáveis seres. É o mesmo comigo. Eu sempre
concedo benefícios a Sravakas e Pratyekabudas. A flor é comparável ao
Eu, e os frutos são comparáveis ao Êxtase. Em razão disto, aqui entro
no Grande Silêncio em meio às árvores sala gêmeas. O Grande Silêncio
é Grande Nirvana.”

Rugido do Leão disse: “Por que o Tathagata entra no Nirvana no se-


gundo mês?”

“Oh bom homem! O Segundo mês é primavera. No mês da primavera,


todas as coisas florescem. Plantamos sementes e raízes das plantas.
Flores e frutos crescem e prosperam. Os rios grandes e pequenos estão
cheios, e centenas de animais criam seus filhotes e dão-lhes leite. Nes-
sa ocasião, muitos seres entretêm a idéia do Eterno. Para destruir essa
idéia do Eterno [com relação ao que é samsárico], Eu digo que todas as
coisas são não-eternas e que o Tathagata é o Eterno e Imutável. Oh
bom homem! Das seis estações, o inverno rigoroso e a estiagem não
são amados pelas pessoas. O que se ama avidamente é a primavera
brilhante, quando é pacífica. Para destruir a [noção samsárica de] feli-
cidade das pessoas do mundo, Eu falo do Eterno e Êxtase [do Nirvana].
É o mesmo com o Eu e a Pureza. ‘Para aniquilar a noção mundana do
Eu e da Pureza, o Tathagata fala do Eu e da Pureza no verdadeiro senti-
do’. Com relação ao segundo mês, o Tathagata pretende compará-lo
aos dois tipos de Corpo do Dharma. Dizer que alguém não sente felici-
dade no inverno é comparado ao fato que o sábio não deseja ter o
Tathagata que seja não-eterno e entre no Nirvana. Dizer que uma pes-
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 126
soa sente felicidade é comparado ao fato que os sábios estão satisfei-
tos com relação ao Eterno, Êxtase, o Eu, e a Pureza do Tathagata. A
plantação de sementes pode ser comparada ao fato dos seres darem
ouvido aos sermões sobre o Dharma, o seu sentimento de prazer (pode
ser comparado) a aspirar ao Insuperável Bodhi, e o que se planta, dessa
maneira, (pode ser comparado) às sementes do bem. Os rios podem
ser comparados à chegada de todos os grandes Bodhisattvas ao meu
lugar (Bodhimanda) e o recebimento (por eles) do Sutra do Grande
Nirvana. As centenas de animais dando leite se comparam a todos
aqueles entre meus discípulos que fazem boas ações. ‘Flor’ é seme-
lhante aos sete elementos do Bodhi; ‘fruto’ pode ser comparado às
quatro fruições. Por essa razão, Eu entro no Nirvana no segundo mês.”

Rugido do Leão disse: “O nascimento do Tathagata, sua renúncia à vida


familiar, sua consecução do Bodhi, e seu primeiro giro da [Roda do]
Dharma, tudo aconteceu no oitavo dia. Por que esse Nirvana ocorre no
décimo-quinto (dia)?”

O Buda disse: “Bem falado, bem falado, oh bom homem! O décimo-


quinto dia é o dia no qual a lua não é crescente ou minguante. É o
mesmo com o Buda-Todo-Tathagata. Ao entrar no Grande Nirvana,
não há mais crescente ou minguante. Esse é o porquê Eu entro no Nir-
vana no décimo-quinto dia.

As Onze Virtudes da Lua-Cheia

Oh bom homem! No décimo-quinto dia, quando a lua está cheia, há


onze coisas. Quais são as onze? Elas são: 1) ela dissipa realmente a
escuridão, 2) ela de fato permite aos seres ver o caminho e aquilo que
não é o caminho, 3) ela permite (distinguir) o caminho certo e o errado,
4) ela permite aos seres acabar com a depressão e os abençoa com
pureza e frescor, 5) ela de fato destrói a arrogância do vaga-lume, 6)
ela realmente dissipa o pensamento de quaisquer ladrões, 7) ela de

Capítulo 37: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 5 Página 127


fato dissipa o temor dos seres das bestas malignas, 8) ela abre a flora-
ção da kumuda (espécie do lótus que floresce ao luar), 9) ela fecha
completamente as pétalas do lótus, 10) ela evoca no viajante o pensa-
mento de prosseguir ao longo do caminho, 11) ela permite aos seres
desfrutar da aceitação dos cinco prazeres e obter alegria de muitas
maneiras.

Oh bom homem! É o mesmo com a Lua-Cheia do Tathagata, a saber: 1)


ele realmente dissipa a escuridão da ignorância, 2) ele expõe o cami-
nho certo e o errado, 3) ele mostra claramente o caminho errôneo e
íngreme do nascimento e da morte, e o caminho reto e plano do Nir-
vana, 4) ele permite aos seres apartarem-se da cobiça, má vontade e
ignorância, 5) ele destrói a ignorância dos tirthikas [não-Budistas], 6)
ele destrói o cativeiro dos ladrões das impurezas, 7) ele mata a mente
que teme os cinco ofuscamentos (obscurecimentos) ["panca-
avaranani"], 8) ele permite às mentes dos seres revelarem a raiz do
bem de todos os seres, 9) ele de fato estanca a mente dos cinco dese-
jos, 10) ele promove a mente dos seres [que desejam] seguir adiante
rumo ao Grande Nirvana, 11) ele permite a todos os seres serem felizes
com a [idéia da] Emancipação. Por essas razões, Eu entro no Nirvana no
décimo-quinto dia. Mas, para dizer a verdade, Eu não entro no Nirvana.
Os ignorantes e maldosos entre os meus discípulos dizem que eu entro
definitivamente no Nirvana. Por exemplo, uma mãe tem muitos filhos.
Ela abandona-os e vai para o estrangeiro. Enquanto ela não volta, os
filhos dizem: ‘Mamãe está morta’. Mas a mãe não está morta. Isto é
como a questão se coloca.”

O Adorno das Árvores Sala Gêmeas

O Bodhisattva Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Que


Monge pode realmente adornar essas árvores sala?”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 128


“Oh bom homem! Há um Monge que defende e recita os 12 tipos de
Sutras, lê as palavras corretamente, adquire os profundos significados
e, para o benefício de todas as outras pessoas, os expõe em graus que
podem ser inicial, mediano e ultimado (superior). Para o benefício de
inumeráveis pessoas, ele fala sobre ações puras. Esse Monge realmen-
te adorna as árvores sala gêmeas.”

Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Se eu adivinho (com-


preendo) corretamente o que você, o Buda, quer dizer, esse Monge é
Ananda. Por quê? Ananda defende e recita os 12 tipos de Sutras, fala
corretamente aos outros e expõe o significado. Isto é como derramar
água e encher outros vasos. Assim se dão as coisas com Ananda. O que
ele ouve do Buda, ele fala conforme ouviu.”

“Oh bom homem! Há um Monge que obteve um insuperável olho ce-


lestial e vê todas as coisas das dez direções e os três mil grandes siste-
mas de mil mundos da mesma maneira como se vê uma manga que
está na palma da própria mão. Tal Monge pode de fato adornar as
árvores sala gêmeas.”

Rugido do Leão disse: “Essa pessoa é Aniruddha. Por quê? Aniruddha


vê as coisas dos três mil grandes sistemas de mil mundos com seu olho
celestial. Mesmo as existências intermediárias são claramente vistas,
sem qualquer obstrução.”

“Oh bom homem! Um Monge que tem pouco desejo, e que se sente
satisfeito com o que tem, que zela pelo silêncio e quietude, e que em-
preende esforços, e cuja mente é determinada, e cuja Sabedoria vê;
adornará bem as árvores sala gêmeas.”

Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Essa pessoa é o Mon-
ge Kashyapa. Por quê? Kashyapa tem pouco desejo de posse, sente-se
satisfeito com o que tem e pratica o Dharma.”

Capítulo 37: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 5 Página 129


“Oh bom homem! Há um Monge que deseja beneficiar os seres, que
não age por lucro (ganhos), reside no Samadhi, não briga (disputa), e é
perfeito nas ações sagradas e na prática do Todo-Vazio. Esse Monge
adorna as árvores sala gêmeas.”

Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Esse é o Monge Su-
bhuti. Por quê? Subbhuti não briga, é sagrado em suas ações, e pratica
a Via do Vazio.”

“Oh bom homem! Qualquer Monge que realmente pratique os pode-


res transcendentais e, numa fração de segundo, possa transformar-se e
concentrar-se em pensamento único, e em meditação atinja as duas
fruições, que são o fogo e a água, esse Monge realmente adorna as
árvores sala gêmeas.”

“Oh Honrado pelo Mundo! Maudgalyayana é alguém que corresponde


a essa descrição. Como? Porque Maudgalyayana pode de fato realizar
inumeráveis transformações transcendentais.”

“Oh bom homem! Qualquer Monge que realmente pratique a Grande


Sabedoria, que tenha um claro conhecimento, conhecimento vivaz,
conhecimento da Emancipação, conhecimento extremamente profun-
do, conhecimento abrangente, conhecimento ilimitado, conhecimento
insuperável, conhecimento real, e que seja perfeito e realizado na raiz
da Sabedoria, que não tem um pingo de discriminação entre pessoas
inimigas, amigas ou neutras, que ouve que o Tathagata entrará no
Nirvana e não tem um pingo de apreensão, e não se sente alegre
mesmo quando ouve que o Tathagata é Eterno e não entra no Nirvana;
esse Monge é um bom adorno para as árvores sala gêmeas.”

Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Shariputra é alguém


que corresponde a essa descrição. Por que é assim? Porque Shariputra
é realizado e perfeito nessa Sabedoria.”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 130


“Oh bom homem! Qualquer Monge que realmente diga que os seres
possuem a Natureza de Buda, que os seres adquirem o corpo invencí-
vel, que é ilimitado e Eterno, Êxtase, o Eu, e o Puro, cujo corpo-e-mente
são desimpedidos e armados com oito imperturbabilidades; esse Mon-
ge adorna bem as árvores sala gêmeas.”

Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Essa pessoa é o pró-
prio Tathagata. Por que é assim? O corpo do Tathagata é invencível,
ilimitado, Eterno, Êxtase, o Eu, e o Puro; seu corpo e mente são desim-
pedidos e possuem [de fato] as oito imperturbabilidades (desimpedi-
mentos). Oh Honrado pelo Mundo! Somente o Tathagata pode ador-
nar bem as árvores sala gêmeas. Alguém que não possua quaisquer
dessas coisas não possui o brilho sereno. Eu somente rogo que, pelo
grande Amor-Benevolente e em prol do adorno, permaneça aqui nessa
floresta de árvores sala.”

O Buda disse: “Oh bom homem! Todas as coisas são por natureza im-
permanentes. Como você pode dizer que o Tathagata deve permane-
cer? Oh bom homem! Permanência cai na categoria da ‘matéria’. Rela-
ções causais evocam o nascimento. Portanto, permanecer [há vários
significados aqui: cessar, parar, fazer parar, permanecer, residir; várias
nuances do significado, envolvendo um sentido de permanência, con-
tinuidade, ou estabilidade – nota pelo Ver. Yamamoto]. Onde houver
relações causais, teremos ‘não-permanente permanente’. O Tathagata
já se apartou de todas as amarras da ‘matéria’. Como você pode dizer:
‘Rogo que fique, oh Tathagata!’? O mesmo se aplica ao sentimento,
percepção, volição, e consciência. Oh bom homem! Ficar (permanecer)
é arrogância. Em razão da arrogância, não poderá haver Emancipação.
Quando não há Emancipação, falamos de permanência. Quem é arro-
gante e de onde ele vem? Disto, ‘não-permanente permanente’. O
Tathagata está eternamente apartado de toda a arrogância. Como se
pode dizer: ‘Rogo que fique, oh Tathagata!’? ‘Ficar’ cai sob a categoria
do que é criado. O Tathagata já está apartado do mundo do que é cria-
do. Em razão disto, ele é não-permanente.

Capítulo 37: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 5 Página 131


Permanecer é a lei [‘dharma’] do Vazio. O Tathagata já está apartado
da lei do Vazio. Disto, obtém-se o Eterno, Êxtase, o Eu, e o Puro. Como
você pode dizer: ‘Rogo que fique, oh Tathagata!’? Ficar são as 25 exis-
tências. Como você pode dizer: ‘Rogo que fique, oh Tathagata!’?

Ficar é nada mais que todos os seres. Todos os sagrados são não-ir e
não-vir. O Tathagata já está apartado das fases do ir, vir, e ficar. Como
você pode dizer: ‘Fique!’?

Não-permanente é o Corpo Ilimitado. Em vista do fato de que o Corpo


não tem limites, como pode você dizer: ‘Eu rogo que o Tathagata fique
na floresta de árvores sala’? Se eu ficar nesta floresta, esse meu corpo
não será mais que um corpo aprisionado. Se um corpo estiver sujeito a
qualquer linha de contorno, ele é não-eterno. O Tathagata é o Eterno.
Como você pode dizer: ‘Fique!’?

Não-permanente é o Vazio. A natureza do Tathagata é igual ao Vazio.


Como alguém pode dizer: ‘Fique!’?

Não-permanente é o Samadhi Adamantino. O Samadhi Adamantino


destrói todas as permanências. O Samadhi Adamantino é o Tathagata.
Como podemos dizer: ‘Fique!’?

Também, não-permanente é um fantasma. O Tathagata é igual a um


fantasma. Como podemos dizer: ‘Fique!’?

Também, não-permanente é não-começo e não-fim. Como podemos


dizer ‘permanente’? E não-permanente é o ilimitado mundo da consci-
ência [‘muhenhokkai’ – Japonês: ‘muhen’ significa ‘sem-limites’, ‘hok-
kai’ significa ‘o que é o objeto da consciência’]. O mundo ilimitado da
consciência é o Tathagata. Como podemos dizer: ‘Fique!’?

E não-permanente é o Samadhi Surangama. O samadhi Surangama


conhece todas as coisas e, no entanto, não se apega. Em razão do de-

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 132


sapego, dizemos Surangama. O Tathagata é perfeito no Samadhi Su-
rangama. Como podemos dizer: ‘Fique!’?

Não-permanente é chamado ‘poder do lugar e não-lugar’. O Tathagata


é realizado no poder do lugar e não-lugar. Como podemos dizer: ‘Fi-
que!’?

Também, não-permanente é chamado danaparamita [doação perfei-


ta]. Se houver permanência [apenas] no danaparamita, não poderá
haver chegada ao shilaparamita [moralidade perfeita] e ao prajnapa-
ramita [Sabedoria perfeita]. Por essa razão, dizemos que danaparamita
é não-permanente. O Tathagata não permanece, até o prajnaparamita.
Como alguém pode rogar para que o Tathagata gentilmente permane-
ça para sempre na floresta de árvores sala?

Também, não-permanente é a prática dos quatro pensamentos. Se o


Tathagata permanece nos quatro pensamentos [apenas], não pode-
mos dizer que o Tathagata adquire o Insuperável Bodhi e que há não-
permanente permanente.

Também, não-permanente é chamado o mundo ilimitado de todos os


seres e, no entanto, ele não permanece lá.

Também, não-permanente é chamado o ‘sem-casa’. Sem-casa significa


que não há nada que exista.

Não-é significa que nada surge.

Não-nascimento significa não-morte.

Não-morte significa amorfia.

Amorfia significa não-vínculo.

Não-vínculo significa não-apego.


Capítulo 37: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 5 Página 133
Não-apego significa não-impuro

Não-impuro é o bom.

O bom é o não-criado.

O não-criado é o Eterno do Grande Nirvana.

O Eterno do Grande Nirvana é o Eu.

O Eu é o Puro.

O Puro é Êxtase.

O Eterno, Êxtase, o Eu, e o Puro são o Tathagata.

Oh bom homem! Por exemplo, o espaço não é o leste, nem é o sul,


nem o oeste, nem é o norte, nem as quatro direções (intermediárias),
nem o zenith ou o nadir. É o mesmo com o Tathagata. Ele não existe no
leste, no sul, no oeste, ou no norte, nem nas quatro direções interme-
diárias, nem no zenith ou no nadir. Oh bom homem! As pessoas po-
dem dizer que ganham um corpo, uma boca e uma mente, e boas ou
más retribuições cármicas. Mas, isto não é assim. Não é verdade dizer
que ganham um corpo, boca ou mente, e boas ou más retribuições
cármicas. Se uma pessoa diz que o mortal comum vê a Natureza de
Buda e que o Bodhisattva dos dez estágios não a vê, isto (também) não
é assim. Uma pessoa pode dizer que o icchantika, aqueles dos cinco
pecados mortais, caluniadores do Vaipulya [ensinos extensivos], e a-
queles que cometem as quatro ofensas graves adquirem o Insuperável
Bodhi. Mas, isto não é assim. Dizer que o Bodhisattva dos seis estágios
ganha nascimento nos três reinos do infortúnio devido às relações
causais das impurezas, também não é assim. Não é verdade dizer que o
Bodhisattva-Mahasattva ganha o Insuperável Bodhi na forma feminina.
Não é verdade dizer que o icchantika é eterno e que os Três Tesouros
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 134
são não-eternos. Não é verdade dizer que o Tathagata fica em Kushi-
nagar.

A Caverna do Profundo Dhyana

“Oh bom homem! O Tathagata, aqui em Kushinagar, entra na caverna


do grande Samadhi do mais profundo Dhyana [meditação]. Os seres
não podem ver, e isto é chamado ‘Grande Nirvana’.”

Rugido do Leão disse: “Por que é que o Tathagata entra na caverna do


Dhyana?”

“Oh bom homem! Isto é para permitir aos seres atingir a Emancipação.
Isto é fazê-los plantar as sementes da benevolência, uma vez que ainda
não as plantaram; (isto é para) permitir que as sementes da benevo-
lência plantadas agora cresçam; permitir que as sementes da benevo-
lência que estão verdes amadureçam; permitir que as sementes madu-
ras alcancem o Insuperável Bodhi; permitir que aqueles que depreciam
o Dharma Maravilhoso alcancem a nobreza; permitir a todos os indo-
lentes abandonar a indolência; permitir às pessoas trocar palavras com
grandes Gandhahastins (elefantes fragrantes) como Manjushri; ensinar
àqueles que se comprazem na leitura e recitação desfrutarem profun-
damente do Dhyana; ensinar os seres através das ações sagradas, pu-
ras e celestiais; permitir às pessoas meditar sobre o incomparável re-
positório do profundo Dharma; reprovar os discípulos indolentes. O
Tathagata é quietude em si. Assim, ele zela pelo Dhyana. Como é que
você que ainda não acabou com as impurezas e aqueles que são indo-
lentes ganhariam terreno (avançariam)? Eu desejo reprovar todos os
Monges maldosos que guardam (armazenam) os oitos tipos de coisas
impuras, aqueles que não estão satisfeitos com pouco desejo, aqueles
que não estão satisfeitos com o que têm, e fazer com que os seres
respeitem o Dharma do Dhyana. Por causa dessas relações causais, Eu
agora entro na caverna do Dhyana.”

Capítulo 37: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 5 Página 135


O Samadhi da Amorfia

Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! O Samadhi da Amor-


fia é Grande Nirvana. Por essa razão, dizemos que Nirvana é amorfo
(sem forma). Por que dizemos amorfo?”

“Oh bom homem! Isto deriva do fato de que não há as dez fases repre-
sentacionais. Quais são elas? Elas são as fases de: 1) cor, 2) som, 3)
odor, 4) sabor, 5) toque, 6) nascer, 7) existir (samsaricamente), 8) de-
sintegrar, 9) nascer macho, e 10) nascer fêmea. O Nirvana não possui
as formas representacionais. Por isso, amorfo.

Oh bom homem! O que quer que represente uma forma está sujeito à
ignorância. A ignorância evoca o desejo; o desejo evoca a dependência
(servidão); da dependência surge o nascimento; do nascimento vem a
morte. Quando há morte, não há eternidade. Se não se vincula à for-
ma, não existe ignorância. Quando não há ignorância, não há desejo.
Quando não há desejo, não há dependência. Quando não há depen-
dência, não surge o nascimento. Quando não há nascimento, não há
morte. Quando não há morte, há o Eterno. Devido a isto, dizemos que
Nirvana é Eterno.”

Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Que Monge realmen-
te liberta-se das dez fases?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Quando um Monge, continuadamen-


te, pratica bem os três tipos de formas (não-materiais), ele realmente
liberta-se das dez fases. Ele pratica, continuadamente, a forma imutá-
vel do Samadhi; continuadamente a forma da Sabedoria; e continua-
damente a forma da equanimidade. Essas são as três.”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 136


Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! O que são Samadhi,
Sabedoria, e Equanimidade? Se um estado imutável é Samadhi, todos
os seres têm Samadhi. Por que necessitamos praticar Samadhi particu-
larmente? Quando a mente se estabelece num único campo-do-
sentido, dizemos Samadhi; quando outras formações mentais se in-
trometem, isto não é Samadhi. Se não há imutabilidade num estado,
isto não é conhecimento-pleno. Se não é conhecimento-pleno, como
podemos falar do ser ‘imutável’? Se uma única ação é chamada Sama-
dhi, todas as outras ações não são Samadhi. Se não são Samadhi, isto
não é conhecimento-pleno. Se não é conhecimento-pleno, como po-
demos falar de Samadhi? O mesmo se aplica à Sabedoria e à Equani-
midade.”

O Buda disse: “Oh bom homem! Você diz que se a mente reside num
único campo-do-sentido, isto é Samadhi, e que quaisquer outras rela-
ções causais não são Samadhi. Mas, isto não é assim. Por que não?
Porque todos os outros campos-do-sentido, também, são um único
campo-do-sentido. É o mesmo com a ação. Também, você diz que se
os seres já possuem Samadhi, não pode haver qualquer necessidade de
praticar mais. Isto, também, não é assim. Por que não? Samadhi é
chamado ‘Bom Samadhi’. Todos os seres, para dizer a verdade, não
existem. Como podemos dizer que não necessitamos praticar? Quando
alguém pratica Samadhi sobre todas as coisas residindo num Bom Sa-
madhi, existe a forma da Boa Sabedoria. Não se vê distinção entre Sa-
madhi e Sabedoria. Isto é Equanimidade. Também, além disso, oh bom
homem! Se alguém assume uma forma de matéria, não pode meditar
sobre o Eterno e o não-Eterno. Isto é Samadhi. Se alguém vê bem o
Eterno e o não-Eterno da matéria, isto é Sabedoria. Samadhi e Sabedo-
ria vêem igualmente todas as coisas. Isto é Equanimidade.

Oh bom homem! Um bom cocheiro pode dirigir uma carruagem com


uma junta quádrupla de cavalos, e conduzi-la rápida ou lentamente
conforme a ocasião exija. Como a rapidez ou lentidão combina bem
com a ocasião, dizemos equanimidade. É o mesmo com o Bodhisattva.
Alguém que tem muito Samadhi também pratica a Sabedoria; alguém
Capítulo 37: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 5 Página 137
que tem muita Sabedoria pratica Samadhi. Como Samadhi e Sabedoria
são iguais, temos Equanimidade. Oh bom homem! O Bodhisattva dos
dez estágios tem muito poder de Sabedoria, mas pouco poder de Sa-
madhi. Por isso, ele não pode ver claramente a Natureza de Buda. Sra-
vakas e Pratyekabudas têm muito poder de Samadhi, mas pouca Sabe-
doria. Por essa razão, eles não podem ver a Natureza de Buda. O Buda-
Todo-Honrado-pelo-Mundo tem Samadhi e Sabedoria em partes iguais
e vê bem a Natureza de Buda. Tudo é claro e transparente, como
quando se vê uma manga que está na palma da própria mão. Alguém
que vê a Natureza de Buda é [da] forma de Equanimidade.

Samatha significa ‘completamente extinto’, porque acabou completa-


mente com a dependência (servidão) das impurezas.

Também, samatha é chamado ‘aquele que se ajusta bem’, porque se


ajusta bem ao mal e o que não é bom de todos os sentidos orgânicos.

Também, samatha é chamado ‘quietude’, porque realmente aquieta as


três ações [do corpo, boca e mente].

Também, samatha é chamado ‘segregação’, porque permite aos seres


apartarem-se bem dos cinco desejos.

Também, samatha é chamado ‘purificar bem’, porque purifica bem as


três contaminações da cobiça, má-vontade, e ignorância. Por essa ra-
zão, dizemos ‘imutabilidade’.

Vipasyana é chamado ‘visão correta’. Também, é chamado ver clara-


mente. Também, é chamado ver bem. Também, é chamada visão-
plena. Também, é chamada visão gradual. Também, é chamado ver
individualmente. Isto se chama Sabedoria.

Equanimidade é chamada ‘todo-igual’. Também, é chamada não-


disputa. Também, é chamada não-visão. Também, é chamada não-
ação. Isto é Equanimidade.
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 138
Oh bom homem! Existem dois tipos de samatha. Um é mundano, e o
outro supramundano. E há ainda dois tipos. Um é o realizado, e o outro
é o não-realizado. [Aqueles do] tipo realizado são todos os assim cha-
mados Budas e Bodhisattvas. E os não-realizados são os assim chama-
dos Sravakas e Pratyekabudas.

Também, ainda há três tipos, a saber: baixo, médio, alto. O baixo diz
respeito aos mortais comuns; o médio aos Sravakas e Pratyekabudas; e
o alto a todos os Budas e Bodhisattvas. Também há quatro tipos, a
saber: 1) retroativo, 2) estável, 3) progressivo, e 4) altamente benéfico.
Também, há cinco tipos, que são os assim chamados Cinco Samadhis
do Conhecimento. Estes são: 1) Samadhi do não-alimentar, 2) Samadhi
irrepreensível (sem falhas), 3) Samadhi no qual o corpo e a mente são
puros e a mente é única, 4) Samadhi no qual se sente satisfeito com
ambos, causa e efeito, e 5) Samadhi no qual sempre se roga de cora-
ção.

Além disso, há seis tipos, os quais são: 1) Samadhi no qual se medita


sobre ossos brancos, 2) Samadhi da compaixão, 3) Samadhi sobre os
doze elos do surgimento interdependente, 4) Samadhi sobre anapana
[respiração], 5) Samadhi sobre a mente discriminatória dos seres, e 6)
Samadhi sobre nascimento e morte. Também, há sete tipos, os assim
chamados Sete Elementos do Bodhi, a saber: 1) atenção, 2) discerni-
mento do Dharma, 3) esforço, 4) alegria, 5) repouso (quietude), 6) con-
centração, e 7) equanimidade.

Também, há ainda sete tipos, os quais são: 1) Samadhi do Srotapanna,


2) Samadhi do Sakrdagamin, 3) Samadhi do Anagamin, 4) Samadhi do
Arhat, 5) Samadhi do Pratyekabuda, 6) Samadhi do Bodhisattva, e o 7)
Samadhi Todo-Desperto do Tathagata.

Também, há oito tipos, que nada mais são que os Oito Samadhis da
Emancipação. Estes são: 1) Samadhi no qual se torna Emancipado da
noção de matéria através da meditação sobre matéria, 2) Samadhi no
Capítulo 37: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 5 Página 139
qual se busca a Emancipação ao meditar muito sobre a fase externa da
matéria, embora internamente já se tenha acabado com a noção de
matéria, 3) Samadhi no qual se busca a Emancipação e a sua realização
no próprio corpo através da meditação sobre pureza, 4) Samadhi da
Emancipação da Infinitude-do-Espaço, 5) Samadhi da Emancipação da
Infinitude-da-Consciência, 6) Samadhi da Emancipação da Inexistência,
7) Samadhi da Emancipação da irreflexão-não-irreflexão (‘Thoughtless-
ness-non-Thoughtlessness’ - Thoughtlessness é consciência sem obs-
truções, sem distinções e sem apegos, que permeia todas as coisas), e
8) Samadhi da Emancipação da Cessação.

Também, há nove tipos, os assim chamados Nove Samadhis Graduais.


Estes são os Quatro Dhyanas, os Quatro Vazios, e o Samadhi da Cessa-
ção.

Também, há dez tipos, os quais são os chamados Dez Samadhis de


Todos os Lugares. Quais são os dez? Eles são os Samadhis da: 1) terra,
2) água, 3) ar, 4) azul, 5) amarelo, 6) vermelho, 7) branco, 8) espaço, 9)
consciência, e 10) não-posse.

Também, há inumeráveis tipos, os quais são: todos os Budas e Bodhi-


sattvas.

Oh bom homem! Estas são as representações de Samadhis.

Oh bom homem! Há dois tipos de Sabedoria, que são: 1) mundana e 2)


supramundana.

Também, há três tipos: 1) prajna, 2) vipasyana, e 3) jnana. Prajna se


refere a todos os seres; vipasyana se refere a todos os sábios; e jnana
se refere a todos os Budas e Bodhisattvas.

Também, prajna é a fase individual da representação, e vipasyana é a


fase geral da representação.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 140


Jnana é a fase de desintegração [dissolução] da representação.

Também, há quatro tipos, os quais nada mais são que a meditação


sobre as Quatro (Nobres) Verdades.

Oh bom homem! Pratica-se samatha para três finalidades. Quais são as


três? Elas são: 1) não-indolência, 2) adorno para a Grande Sabedoria, e
3) desimpedimento [não restrição, liberdade].

Também, além disso, pratica-se vipasyana para três finalidades. Quais


são as três? Elas são: 1) meditar sobre as más consequências cármicas
do nascimento e morte, 2) aumentar as sementes do bem, e 3) erradi-
car todas as impurezas.

Capítulo 37: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 5 Página 141


Capítulo Trinta e Oito: Sobre o Bodhisattva
Rugido do Leão 6
Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Você disse no sutra
que Vipasyana [meditação introspectiva] erradica completamente as
impurezas. Por que então necessitamos praticar Samatha [meditação
serena]?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Você pode dizer que Vipasyana erra-
dica completamente as impurezas. Mas, isto não é assim. Por que não?
Quando uma pessoa tem Sabedoria, não há impureza; quando uma
pessoa tem impureza, não há Sabedoria. Como podemos dizer que
Vipasyana erradica as impurezas? Oh bom homem! Por exemplo,
quando há luz, não há escuridão; quando há escuridão, não há luz. Não
se pode dizer que a luz destrói a escuridão. Oh bom homem! Como
podemos dizer que uma pessoa tem Sabedoria e impureza (ao mesmo
tempo), e que a Sabedoria destrói a ilusão? Se não há [qualquer impu-
reza], não pode haver destruição. Oh bom homem! Se é dito que a
Sabedoria destrói a impureza, essa destruição é devida a ter chegado
ou a não ter chegado à Sabedoria? Se essa destruição surge através da
chegada [à Sabedoria], no primeiro momento deve haver destruição.
Se não há destruição no primeiro momento, não pode haver destruição
a posteriori. Se a destruição acontece na primeira chegada, isto é nada
mais que não-chegada. Como alguém pode dizer que a Sabedoria des-
trói? Se alguém diz que ambos, chegada e não-chegada destroem, isto
não faz sentido.

Também, além disso, podemos bem dizer que Vipasyana destrói a


impureza. Essa destruição ocorre de maneira isolada ou acompanhada
por algumas outras? Se ela (prática do Vipasyana) destrói a si próprio,
por que deveria o Bodhisattva [se importar em] praticar o Nobre Cami-
nho Óctuplo? Se ela destrói em companhia de algumas outras, isto
implica que não pode haver qualquer destruição sozinha ou isolada-
mente. Se ela não pode destruir sozinha ou isoladamente, não pode

Capítulo 38: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 6 Página 143


haver destruição mesmo quando acompanhada de algumas outras.
Alguém que seja cego não pode ver as coisas. Mesmo quando acom-
panhado por muitas pessoas cegas, não é possível ver. Este é o caso
com Vipasyana. Oh bom homem! É como com a natureza da dureza da
terra, a natureza do calor do fogo, a natureza da umidade da água, e a
natureza da mobilidade do vento. Desde a natureza da dureza da terra
até a mobilidade do vento, essas (naturezas) não surgem das relações
causais. Sua natureza inerente as faz assim. Exatamente como com as
naturezas dos quatro elementos, assim se passa com a impureza. Sua
natureza inerente age. Se cortada, como podemos dizer que a Sabedo-
ria cortou? Devido a isto, não podemos dizer que Vipasyana destrói
definitivamente todas as impurezas. Oh bom homem! A natureza do
sal é salgada. Ela faz salgar as outras coisas [também]. A natureza origi-
nal do mel é doce. Ele realmente faz adoçar as outras coisas. A nature-
za original da água é umidade. Ela realmente faz molhar as outras coi-
sas. Você pode dizer que a natureza da Sabedoria é a extinção, uma vez
que ela pode realmente extinguir as outras coisas. Mas, isto não é as-
sim. Por que não? Se não houver qualidade do dharma da morte, como
pode a Sabedoria forçá-lo morrer? Você pode dizer que exatamente
como o sabor salgado do sal torna as outras coisas salgadas, assim a
Sabedoria extingue as outras coisas. Mas, isto não é assim. Por que
não? Porque a natureza da Sabedoria morre momento após momento.
Se ela morre momento após momento, como podemos dizer que ela
realmente faz morrer as outras coisas? Por essa razão, a natureza da
Sabedoria não destrói as impurezas.

Oh bom homem! Há duas extinções em todas as coisas. Uma é a extin-


ção por natureza, e a outra é a extinção ultimada (definitiva). Se há
extinção na natureza [de uma coisa], como podemos dizer que a Sabe-
doria a extingue? Podemos dizer que a Sabedoria realmente extingue
as impurezas, como no caso do fogo que queima as coisas. Mas, isto
não é assim. Por que não? Porque na queima do fogo, ainda permane-
ce a latência do fogo (queima sem chama). Se for assim com a Sabedo-
ria, deve haver a latência do fogo da Sabedoria. Quando um machado
corta uma árvore, permanece o lugar onde o corte foi feito. Quando a
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 144
Sabedoria corta, que lugar vemos onde o corte foi feito? Se a Sabedoria
realmente o faz [isto é, corta], o que há que possamos ver? Se a Sabe-
doria realmente aparta as impurezas, essa impureza deve aparecer em
outro lugar também, como no caso dos tirthikas que deixaram as seis
grandes cidades-castelo e apareceram em Kushinagar. Se a Sabedoria
não se apresenta em outros lugares, devemos saber que a Sabedoria
não poderia realmente acabar com ela (a impureza). Oh bom homem!
Se a natureza de todas as coisas é o Vazio, quem faz com que as coisas
nasçam ou morram? Não há nada que faça uma coisa diferente nascer
e não há nada que faça uma coisa diferente morrer.

Quando se Pratica Meditação

Oh bom homem! Quando se pratica meditação, chega-se a esse co-


nhecimento correto [‘jnana’] e visão correta da vida. Esse é o porquê
Eu digo nos sutras que qualquer Monge que pratique meditação pode
de fato ver como os cinco skandhas aparecem e desaparecem. Oh bom
homem! Se não se pratica meditação, não se pode ver claramente
como se obtém as coisas no mundo. E como se poderia saber das coi-
sas que concernem ao mundo supramundano? Se não se tem medita-
ção, pode-se cair até mesmo num lugar plano. O olho vê o que está
fora de ordem; a boca fala o que está fora de ordem; o ouvido ouve o
que é diferente [da realidade]; a mente compreende o que está fora de
ordem. Ao desejar articular (palavras com) as letras particulares, as
mãos escrevem sentenças estranhas; ao desejar pegar um caminho
particular, o corpo segue um caminho diferente. Alguém que pratique
Samadhi obtém muitos benefícios e atinge a Iluminação Insuperável.

Meditação e Conhecimento do Bodhisattva

O Bodhisattva-Mahasattva é perfeito em duas coisas e consegue gran-


des benefícios. Uma é a meditação, e a outra é o conhecimento. Oh

Capítulo 38: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 6 Página 145


bom homem! Quando se corta uma cana, a ação rápida a corta bem. É
o mesmo com o Bodhisattva-Mahasattva, conforme ele pratica essas
duas (coisas). Oh bom homem! Quando alguém [deseja] arrancar uma
árvore sólida, as coisas se farão mais facilmente se primeiro sacudi-la
com as mãos. É o mesmo com a meditação e conhecimento do Bodhi-
sattva. Primeiro, ele sacode através da meditação, e então ele arranca
com o conhecimento. Oh bom homem! Quando se lava roupas sujas,
primeiro lava-se com água de (sabão de) cinzas, e então com água lim-
pa. Se alguém faz isto, a roupa se torna limpa. Também é o mesmo
com a meditação e o conhecimento do Bodhisattva. Oh bom homem!
A pessoa primeiro lê e recita, e mais tarde o significado aparece. É o
mesmo com a meditação e o conhecimento do Bodhisattva. Oh bom
homem! É como com um homem valente que primeiro adorna seu
corpo com armadura e uma espada, e então vai de encontro ao inimi-
go. O caso é o mesmo, também, com a meditação e o conhecimento
do Bodhisattva. Oh bom homem! Por exemplo, ao usar um cadinho e
pinças, pode-se manipular o metal conforme queira torneando, forjan-
do e fundindo-o. É o mesmo, também, com a meditação e o conheci-
mento do Bodhisattva. Oh bom homem! Por exemplo, um espelho
claro reflete a face e a feição de alguém. É o mesmo, também, com a
meditação e o conhecimento do Bodhisattva. Oh bom homem! Isto é
como quando primeiro se nivela o chão e então se planta a semente,
ou quando primeiro se aprende de um mestre, e mais tarde se pensa
sobre o significado. É também o mesmo com a meditação e o conhe-
cimento do Bodhisattva. Em razão disto, como o Bodhisattva-
Mahasattva pratica essas duas coisas, ele aufere grandes benefícios.

Oh bom homem! O Bodhisattva-Mahsattva pratica essas duas coisas


(meditação e conhecimento), ajusta os seus cinco sentidos orgânicos, e
suporta todos os sofrimentos como fome e sede, frio e calor, espanca-
mento, calúnia, ou ser mordido por animais nocivos, mosquitos e mos-
cas. Ele sempre governa a sua mente; não terá qualquer indolência e
não fará coisas ilegais, devido a beneficiar os outros. Ele não é macula-
do pelas ilusões e não fica iludido pelas várias visões errôneas da vida.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 146


Ele sempre se aparta de todas as más noções, e não muito tarde ele
alcançará o Insuperável Bodhi.

Oh bom homem! Quando o Bodhisattva-Mahasattva pratica essas duas


coisas, as tempestades das quatro inversões não podem abater-lhe.
Isto é como com o Monte Sumeru, que não se agita mesmo quando os
ventos sopram nas quatro direções. Isto se aplica ao caso onde não se
é desviado pelos mestres de mente deturpada, os tirthikas; é como
quando o estandarte de Devendra não pode ser facilmente movido.
Nenhum ardil distorcido e estranho pode seduzi-lo. Ele é sempre aben-
çoado com a toda-maravilhosa paz do primeiro-grau e felicidade, e
pode compreender bem as mais profundas e secretas doutrinas do
Tathagata. Mesmo quando experimenta a felicidade, ele não fica muito
feliz (eufórico) e nem preocupado mesmo quando encontra o sofri-
mento. Todos os devas e pessoas do mundo o respeitam e louvam-no.
‘Ele vê claramente o nascimento e a morte e o que não é nascimento e
morte; ele conhece bem o mundo do Dharma, a natureza do Dharma e
a Lei que rege o corpo que é Eterno, Êxtase, o Eu, e o Puro. Essa é a
felicidade do Grande Nirvana’. Oh bom homem! Sua meditação é o
Samadhi do Vazio; sua forma de Sabedoria é o Samadhi Livre de Desejo
(desirelessness); sua forma de equanimidade é o Samadhi da Amorfia
(livre de forma). Oh bom homem! O Bodhisattva-Mahasattva conhece
bem o tempo para meditação, o tempo para a Sabedoria, e o tempo
para a equanimidade; ele sabe bem o que não é oportuno. Isto é como
o Bodhisattva pratica bem a Via do Bodhi.”

Tempo Correto

Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Como o Bodhisattva


sabe quando é o tempo [correto] ou não?”

Capítulo 38: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 6 Página 147


Para a Prática da Meditação

“Oh bom homem! O Bodhisattva-Mahasattva pode adquirir grande


arrogância quando ele se torna abençoado com a felicidade, arrogância
de proferir um sermão, ou arrogância dos esforços, ou arrogância na
discussão da compreensão de um significado [particular], ou arrogância
de associar-se a um mau amigo, ou arrogância de oferecer (em doação)
o que ele estima muito, ou arrogância de (possuir) boas coisas e virtu-
des de natureza mundana, ou arrogância de ser respeitado pela nobre-
za da vida mundana. Esse não é o tempo correto (justo) para o conhe-
cimento. Ele deve então praticar bem a meditação. Isto é como o Bo-
dhisattva sabe quando é tempo e quando não é.

Para a Prática da Sabedoria

Um Bodhisattva pode empreender muitos esforços e, no entanto, não


ser capaz de chegar à Felicidade (Êxtase) do Nirvana. Não obtendo isto,
ele sente pesar; ou em razão de uma natureza obtusa, ele pode não ser
capaz de subjugar todos os seus cinco sentidos orgânicos. Como todas
as impurezas e ilusões têm força plena, ele pode duvidar e pensar que
há um enfraquecimento (afrouxamento) na observância dos preceitos
morais. Saiba que esse tempo não é bom para a meditação. Deve-se
praticar conhecimento (sabedoria). Isto é como dizemos que o Bodhi-
sattva conhece bem quando é tempo e quando não é.

Para a Prática da Equanimidade

Oh bom homem! Quando as duas fases da meditação e conhecimento


não caminham juntas, saiba que este não é o tempo justo para praticar
equanimidade. Quando as duas (fases) se encontram em equilíbrio,
saiba que este é o tempo justo para praticar a equanimidade. Este é o
sentido no qual dizemos que o Bodhisattva conhece quando é tempo e
quando não é tempo. Oh bom homem! Quando o Bodhisattva sente o

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 148


crescimento das impurezas, e se ele pratica meditação e Sabedoria,
sabe que este não é o tempo para praticar a equanimidade. Ele deve
realmente ler e recitar, escrever e copiar, expor os doze tipos de sutras,
pensar no Buda, no Dharma e na Sangha, nos preceitos, nos céus, e na
equanimidade. Isto é onde dizemos que praticamos equanimidade. Oh
bom homem! Quando o Bodhisattva pratica essas três fases do Dhar-
ma, ele adquire disto o Nirvana da amorfia.”

Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Quando não há as


dez fases representacionais, chamamos Grande Nirvana Amorfo. Mas
por que o chamamos (também) de não-nascimento, não-emergente,
não-esforço, uma casa, uma duna de areia, o refúgio, paz, extinção,
Nirvana, quietude, não-sofrimento de todas as doenças, e não-posse?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Como não há relações causais, dize-
mos ‘não-nascimento’. Como não é nada criado, dizemos ‘não-
emergente’. Como não há qualquer ação do fazer [algo], dizemos ‘não-
esforço’. Como não se permite a entrada de nenhuma das cinco visões
distorcidas, dizemos ‘casa’. Como ele está apartado das quatro inunda-
ções frenéticas, dizemos ‘duna de areia’. Como ele harmoniza (abriga)
todos os seres, dizemos ‘refúgio’. Como ele aniquila o bando de ladrões
das impurezas, dizemos ‘paz’. Como ele queima os laços da servidão,
dizemos ‘extinção’. Como se torna apartado da atenção-plena (estado
todo-desperto) da percepção, dizemos ‘Nirvana’. Como se está distante
de lugares barulhentos (ruidosos), dizemos ‘quietude’. Como se está
distante da certeza de mortalidade, dizemos ‘livre de doenças’. Como
tudo é vazio, dizemos ‘não-posse’.

Oh bom homem! Quando o Bodhisattva tem essa percepção, ele vê


claramente a Natureza de Buda.”

Capítulo 38: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 6 Página 149


As Dez Virtudes do Bodhisattva

Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Quantos tipos de


coisas o Bodhisattva-Mahasattva necessita realizar para chegar ao Nir-
vana Amorfo e a não-posse?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Quando o Bodhisattva Mahasattva


realiza as dez coisas, ele pode realmente chegar ao Nirvana Amorfo e a
não-posse. Quais são as dez?

Primeiro, ele é perfeito na fé. Como é a fé perfeita? Isto é acreditar


profundamente que o Buda, o Dharma e a Sangha são Eternos, que
todos os Budas das dez direções efetuam (utilizam-se de) expedientes,
e que todos os seres e icchantikas possuem a Natureza de Buda. É não
acreditar que o Tathagata está sujeito ao nascimento, velhice, doença e
morte, que ele sofreu penitências, que Devadatta realmente fez o cor-
po do Buda sangrar, que o Tathagata entra definitivamente no Nirvana,
e que o Dharma Maravilhoso expira (morre). Isto é quando dizemos
que o Bodhisattva é perfeito na fé.

Preceitos

Segundo, há perfeição da pureza na observância dos preceitos morais.

Oh bom homem! Há um Bodhisattva que diz que ele é puro na obser-


vância dos preceitos. Embora ele não se ligue (se una) a uma mulher
quando ele a vê, às vezes ele ainda debocha, confunde e brinca com
palavras. Esse Bodhisattva é perfeito no dharma do desejo, destrói a
pureza dos preceitos, contamina a pureza das ações puras, fazendo
com que os preceitos se tornem misturados nas impurezas. Dessa for-
ma, não podemos chamá-lo de perfeito na pureza dos preceitos.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 150


Também, há um Bodhisattva que diz que ele é puro nos preceitos. Ele
não se une sexualmente com uma mulher e não debocha ou brinca
com palavras. Mas, excitado, ele ouve o som dos colares, pulseiras e
vários outros sons femininos. Esse Bodhisattva está completamente
investido no dharma do desejo, viola a pureza dos preceitos, corrompe
a ação pura, e torna os preceitos contaminados e impuros, tal que não
podemos chamar essa pessoa de alguém perfeito na pureza dos precei-
tos.

Também, há um Bodhisattva que pode bem dizer que ele é puro na


observância dos preceitos. Igualmente, embora ele não se envolva com
mulheres, brinque com as palavras, ou ouça os sons próprios [das mu-
lheres], quando ele vê outros homens indo atrás de mulheres, ou mu-
lheres indo atrás de homens, ele adquire um apego ganancioso. Esse
Bodhisattva está completamente investido no dharma do desejo, viola
a pureza dos preceitos, corrompe a ação pura, e torna os preceitos
impuros e contaminados. Não podemos chamar tal pessoa de perfeita
na observância dos preceitos morais.

Também, pode haver um Bodhisattva que diga que ele é perfeito na


sua observância dos preceitos morais. Semelhantemente, embora ele
não se envolva com mulheres, deboche, brinque com palavras, ouça os
sons [femininos], ou veja homens e mulheres perseguindo uns aos
outros, ele faz coisas visando o nascimento nos céus e para ser aben-
çoado (lá) com os prazeres dos cinco desejos. Esse Bodhisattva está
completamente investido no desejo, viola a pureza dos preceitos, cor-
rompe a ação pura, contamina e corrompe os preceitos. Isto não pode
ser chamada perfeita observância dos puros preceitos.

Oh bom homem! Pode haver um Bodhisattva que seja puro na obser-


vância dos preceitos. E, no entanto, ele não age assim em prol do shila,
em prol do shilaparamita, nem pelos seres, nem por ganhos, nem pelo
Bodhi, nem pelo Nirvana, e nem para [tornar-se] um Sravaka ou Prat-
yekabuda. Ele somente observa os preceitos pela suprema ‘Paramar-
Capítulo 38: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 6 Página 151
tha-satya’ [Realidade Última]. Oh bom homem! Isto é o que chamamos
perfeição na pureza dos preceitos de um Bodhisattva.

Amizade com Bons Amigos da Via

Terceiro, o Bodhisattva faz amizade com muitos bons amigos da Via.


Por bom amigo da Via entende-se uma pessoa que fale bem sobre a fé
e preceitos, erudição (cultura), doação, Sabedoria, e que faça as pesso-
as praticarem a Via. Essa pessoa é chamada Bom Amigo da Via do Bo-
dhisattva.

Quietude

Quarto, ele busca a quietude. Por quietude entende-se quietude do


corpo e da mente, através da qual se medita sobre as profundezas de
todas as existências. Chamamos isto de quietude.

Esforço

Quinto, há esforço. Por esforço entende-se que alguém pensa concen-


tradamente sobre as Quatro Nobres Verdades. Mesmo se a cabeça
daquela pessoa estivesse no fogo, ela não abandonaria isto [a ponde-
ração sobre as Quatro Nobres Verdades]. Isto é esforço.

Memória

Sexto, ele é perfeito na memória. Por perfeição na memória entende-


se pensamento sobre o Buda, o Dharma, a Sangha, os preceitos, os
céus, e equanimidade. Chamamos isto de perfeição no pensamento.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 152


Gentileza

Sétimo, ele tem gentileza na fala. Por gentileza na fala se entende as


verdadeiras e maravilhosas palavras que se profere e consulta antes
que a mente aja. É a fala oportuna e palavras de verdade. Chamamos
isto de ‘palavras gentis’.

Proteção do Dharma

Oitavo, há proteção do Dharma. Por proteger o Dharma se entende


amar o Dharma Maravilhoso, estar sempre feliz ao falar sobre ele, ler e
recitar, escrever e copiá-lo, pensar sobre o seu significado e expô-lo
amplamente, e fazê-lo prevalecer. Se há uma pessoa que copie, expo-
nha, recite, louve [o Dharma] e pense sobre o significado, dever-se-ia
buscar coisas e oferecer-lhe como auxílio, coisas como roupas, comida
e bebida, roupas de cama e remédios. Pela proteção do Dharma, deve-
se estar pronto para sacrificar o próprio corpo e vida. Isto é proteção
do Dharma.

Doação

Nono, se o Bodhisattva vê algum dos seus irmãos, ou qualquer um que


esteja defendendo os mesmos preceitos com carência de coisas, ele vai
aos outros e implora (mendiga) por um incensório, robes sacerdotais,
pelo que se exige na prática da enfermagem (remédios), roupas, comi-
da e bebida, roupas de cama e acomodações.

Sabedoria

Décimo, sua Sabedoria é perfeita. Por Sabedoria se entende visão do


assim chamado Tathagata, o Eterno, Êxtase, o Eu, o Puro, e o fato que
todos os seres possuem a Natureza de Buda. Ele vê as duas fases das

Capítulo 38: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 6 Página 153


coisas, que são: Vazio versus não-Vazio, Eterno versus não-Eterno,
Êxtase versus não-Êxtase, o Eu versus o não-Eu, o que é possível ou não
possível para aniquilar a proposição da dissimilaridade [‘vaidharmya-
drstanta’], o aparecimento ou visão da dissimilaridade que surge das
relações causais, e a fruição da dissimilaridade que surge das relações
(não) causais ou não-causalidade. Isto é o que chamamos de perfeição
da Sabedoria.

Oh bom homem! Isto é como dizemos que quando o Bodhisattva é


perfeito nessas dez coisas, ele pode ver bem a amorfia do Nirvana.”

Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! O Buda disse previa-
mente a Cunda: ‘Você, Cunda, já vê a Natureza de Buda, alcança o Nir-
vana e o Insuperável Bodhi’. O que isto significa? Oh Honrado pelo
Mundo! Você declarou num sutra que doações para animais trazem
100 recompensas; que doações para um icchantika trazem 1.000 re-
compensas; que doações para uma pessoa que defende os preceitos
evocam 100.000 recompensas; que doações a um tirthika que tenha
cortado as impurezas evocam um incontável número de recompensas;
que doações àqueles dos estágios das quatro vias e das quatro fruições
até o Pratyekabuda resultam num incontável número de recompensas;
que doações aos Bodhisattvas do estágio de não-regressão, aos gran-
des Bodhisattvas do estágio final, a ao Tathagata-Honrado-elo-Mundo
evocam infinitos e ilimitados benefícios e recompensas, ultrapassando
o mais alto grau de concepção. Se Cunda obtém essa recompensa, o
resultado poderá ser infinito. Quando ele chegará ao Insuperável Bo-
dhi? Você também declarou no sutra: ‘Se alguém, com a mente séria,
faz o bem ou o mal, infalivelmente obterá os resultados nesta vida, ou
na vida que virá, ou nas vidas posteriores’. Cunda fez o bem com uma
mente séria. Assim, deve-se saber que ele infalivelmente obterá re-
compensa. Se ele infalivelmente obterá recompensa, como ele pode
esperar chegar ao Insuperável Bodhi e como ele pode ver a Natureza
de Buda?

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 154


Oh Honrado pelo Mundo! Você também disse no sutra: ‘Se alguém doa
coisas aos três tipos de pessoas, não haverá limite para a recompensa.
O primeiro é a pessoa doente; o segundo são os pais; o terceiro é o
Tathagata’. Oh Honrado pelo Mundo! Você também declarou no sutra:
‘O Buda disse a Ananda: Se os seres nada tiverem que envolva as ações
do desejo, atingirão o Insuperável Bodhi. É o mesmo com as coisas
concernentes às ações materiais ou não-materiais’. Oh Honrado pelo
Mundo! É como está estabelecido num gatha do ‘Dharmapada’:

‘Nem no céu, nem no mar,


nem galgando as montanhas e cavernas
pode haver qualquer dúvida na busca de refúgio;
Não há lugar na terra
onde não se sofra mais pelos efeitos cármicos’.

Também, Aniruddha disse: ‘Oh Honrado pelo Mundo! Recordo-me que


por doar uma refeição, eu não caí nos três domínios do infortúnio por
80.000 kalpas [aeons]’. Oh Honrado pelo Mundo! Mesmo um simples
[ato de] doação evoca esse resultado. Diante disto, Cunda que, com
um pensamento de fé, fez oferecimentos ao Buda, completou e reali-
zou o danaparamita. Oh Honrado pelo Mundo! Se as retribuições do
bem são infinitas, como pode a ofensa de caluniar os sutras Vaipulya,
dos cinco pecados mortais, das quatro ofensas graves, e o pecado de
[ser] um icchantika impor um fim para as retribuições cármicas? Se elas
(as retribuições) não terminam, como uma pessoa pode realmente ver
a Natureza de Buda e atingir o Nirvana Insuperável.”

O Buda disse: “Bem falado, bem falado, oh bom homem! Há somente


duas pessoas que podem chegar às inumeráveis, ilimitadas e incontá-
veis virtudes que estão para além das palavras. Estas realmente aca-
bam com o naufrágio nas águas tormentosas e inundações frenéticas.
Estas derrotam (superam) bem o inimigo, derrubam o estandarte vito-
rioso de Mara, e giram bem a Insuperável Roda do Dharma do Tathaga-
ta. Uma é o bom indagador e a outra é o bom respondente.

Capítulo 38: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 6 Página 155


Oh bom homem! Dentre os dez poderes do Buda, o poder do carma
tem peso maior. Oh bom homem! Todos os seres menosprezam as
relações causais do carma e não acreditam nele. No sentido de ensinar
essas mentes, isso é dito. Oh bom homem! Em todas as ações que
alguém perpetra, existe o que é leve e o que é grave. Essas duas ações
do leve e grave são de dois tipos cada uma. Uma é determinada, e a
outra indeterminada. Oh bom homem! Pode haver uma pessoa que
diga que não existe retribuição originária das más ações. Se for o caso
que as más ações infalivelmente acarretam conseqüências cármicas,
como Kekosendara tornou-se capaz de ganhar nascimento nos céus, ou
Angulimalya atingiu a fruição da Emancipação? Em vista disto, saiba
que há casos onde o que quer que seja feito infalivelmente acarreta
resultados cármicos (ação determinada), e que infalivelmente pode
haver casos onde nenhum resultado surge (ação indeterminada). No
sentido de acabar com tais visões dúbias, Eu disse nos sutras que qual-
quer ação infalivelmente acarreta resultados.

Oh bom homem! Há casos onde ações graves se tornam leves em seus


resultados, e leves se tornam graves. Não significa que isto diz respeito
a todas as pessoas; somente o ignorante é considerado aqui. Por essa
razão, saiba que isto não significa que todas as ações infalivelmente
acarretam um resultado. Embora o resultado não apareça infalivel-
mente (para o ser), isto não significa que o resultado não aconteça. Oh
bom homem! Entre todos os seres há dois tipos. Um é sábio, o outro
ignorante. O sábio, por força da sabedoria, realmente encontra (as
conseqüências do) carma mais grave dos domínios do infortúnio nesta
vida. A pessoa ignorante recebe severamente as conseqüências cármi-
cas desta vida no inferno.”

Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Se as coisas são as-
sim, não se deveria procurar a pureza das ações e Emancipação.”

O Buda disse: “Oh bom homem! Se for verdade que todas as ações
definitivamente acarretam resultados, não busque pureza na ação e
Emancipação. Como é indeterminado, praticamos ações puras e bus-
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 156
camos a fruição na Emancipação. Oh bom homem! Se uma pessoa
puder afastar-se completamente das más ações, obterá bons resulta-
dos; se ela estiver afastada das boas ações, chegara à fruição do mal.
Se toda ação infalivelmente acarretasse fruição, não se procuraria pra-
ticar a Via Sagrada. Se não se pratica a Via, não pode haver Emancipa-
ção. A razão pela qual todas as pessoas sagradas praticam a Via é me-
ramente para extirpar o carma determinado e obter resultados leves.
Para o carma indeterminado não há resultados a se esperar. Se toda
ação acarretasse um resultado, não se procuraria praticar a Via Sagra-
da. Não é possível se deixar de praticar a Via Sagrada e, no entanto,
alcançar a Emancipação. Não pode haver algo como chegar ao Nirvana,
sem que se atinja a Emancipação.

Oh bom homem! Se fosse certo que todas as boas ações acarretam um


resultado, cada ação pura que uma pessoa fizesse traria paz eterna por
toda sua vida, e cada má ação do último grau que fizesse, também,
traria eterno sofrimento por toda sua vida. Se a ação das retribuições
cármicas fosse assim, não poderia haver prática da Via, Emancipação
ou Nirvana. Se o que for feito por um humano tiver que ser arcado por
um humano, isto significaria que o que fosse feito por um Brâmane
teria que ser arcado por um Brâmane. Se as coisas fossem assim, não
poderia haver baixa casta e nem existências inferiores. Um humano
seria sempre um humano; um Brâmane seria sempre um Brâmane.
Tudo o que fosse feito nos dias da infância teria que ser arcado nos dias
da infância. Não se encontraria os resultados nos dias de meia-idade ou
na velhice. O mal cometido na velhice frutificaria no inferno, e uma
pessoa não seria capaz de sofrer o que se estava a sofrer desde os pri-
meiros dias do inferno. Deve-se esperar até os dias da velhice para
sofrer. O não-prejudicar que alguém praticou na sua velhice não frutifi-
cará no auge da sua vida. Sem o auge da vida, como pode alguém tor-
nar-se velho? Porque os resultados cármicos não podem morrer. Se o
carma não pode morrer, como poderia haver a prática da Via e Nirva-
na?

Capítulo 38: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 6 Página 157


Carma Determinado e Indeterminado

Oh bom homem! Existem dois tipos de carma, a saber: determinado e


indeterminado. De carma determinado, existem dois tipos. Um é o
determinado no resultado, e o outro o determinado no tempo. Pode
haver casos onde o resultado é determinado e o tempo indeterminado.
Quando as relações causais se conjugam, o resultado surge nos Três
Tempos (Existências) do presente, da próxima vida, ou vidas posterio-
res.

Oh bom homem! Quando se faz o bem ou o mal com uma mente de-
terminada, ganha-se uma mente de fé e alegria. E se faz um voto ou
oferecimentos aos Três Tesouros. Isto é uma ação determinada.

Alguém que seja sábio é persistente em boas ações e não pode ser
demovido. Em razão disto, as ações graves se tornam leves. Alguém
que seja ignorante é persistente no mal. Em razão disto, qualquer ação
leve se torna grave [nas conseqüências] e acarreta um retorno grave.
Este é o porquê nem todas as ações são chamadas determinadas.

A Retribuição Cármica do Bodhisattva

O Bodhisattva-Mahasattva não comete ações que o conduzirão ao


inferno. Para o benefício dos seres, ele faz um grande voto e ganha
vida no inferno. Oh bom homem! Em tempos passados, quando a du-
ração da vida dos seres era de 100 anos, incontáveis seres, tão nume-
rosos quanto às areias do Ganges, receberam resultados cármicos no
inferno. Eu vi isto, fiz um grande voto e ganhei vida no inferno. O Bo-
dhisattva, naquela ocasião, para dizer a verdade, não tinha pecado
desse tipo (que o conduzisse ao inferno). Para o benefício dos seres, ele
obteve vida no inferno. Eu, naquela ocasião, estava no inferno, vivendo
lá há inumeráveis eras e expondo os 12 tipos de sutras extensivamente
para todos os pecadores. Os pecadores, ao ouvir aquilo, aniquilaram

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 158


todos os seus resultados cármicos e evadiram-se do inferno, com exce-
ção dos icchantikas. Este é o porquê dizemos que o Bodhisattva-
Mahasattva recebe os resultados cármicos o mais tardar nesta vida.

Também, além disso, oh bom homem! Neste Bhadrakalpa, um incon-


tável número de seres ganhou vida no reino animal, sofrendo as más
retribuições cármicas lá. Vendo isto, Eu fiz um voto, e para salvá-los
ganhei vida de animais como rena, cervo, urso pardo, pomba, naga,
serpente, garuda, peixe, tartaruga, raposa, lebre, vaca, e cavalo. Oh
bom homem! O Bodhisattva-Mahasattva não tem, para dizer a verda-
de, qualquer pecado para dar-lhe a vida como um animal. Para o bene-
fício dos seres, ele faz um grande voto e ganha tais vidas. Isto é onde
falamos que o Bodhisattva-Mahasattva recebe um mau resultado cár-
mico o mais tardar nesta vida. Também, além disso, oh bom homem!
Neste Bhadrakalpa, houve também inumeráveis seres que ganharam
vida como espíritos famintos. Eles devoravam vômito, gordura e carne,
pus e sangue, urina, lágrimas e saliva. A duração de suas vidas era de
inumeráveis centenas de milhares de anos. Jamais eles ouviram alguma
coisa sobre suco e água. E como eles poderiam ver alguém beber?
Mesmo que eles vissem água de longe, e mesmo se ganhassem o dese-
jo de ir lá, quando chegassem ao lugar onde isso existisse, tudo se
transformaria num grande fogo, ou pus, ou sangue. Talvez, isto pudes-
se não se transformar, mas muitas pessoas obstruiriam o caminho com
alabardas em suas mãos ou empurrariam os espíritos famintos para
trás, tal que não pudessem seguir adiante. Ou no verão, a chuva pode-
ria cair, mas não antes de seu corpo arder em chamas. Isto é obra das
retribuições cármicas do mal que eles cometeram. Oh bom homem! O
Bodhisattva-Mahasattva não tem, para dizer a verdade, tais pecados
pelos quais tenha que responder. Mas, para salvar os seres e permitir-
lhes atingir a Emancipação, ele faz um voto e coloca-se em tal vida.
Este é o porquê dizemos que o Bodhisattva-Mahasattva sofre as retri-
buições cármicas o mais tardar nesta vida.

Oh bom homem! Eu, na era do Bhadrakalpa, nasci num açougue, mas


não pendurei galinhas, porcos, vacas ou carneiros; nem cacei com ar-
Capítulo 38: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 6 Página 159
cos e redes, ou pesquei, ou vivi numa casa de candala; nem roubei ou
saqueei. O Bodhisattva nunca faz tais coisas. Para permitir aos seres
atingir a Emancipação, ele faz um grande voto e adquire tal corpo. Este
é o porquê dizemos que um Bodhisattva-Mahasattva sofre uma vida de
más retribuições cármicas o mais tardar nesta vida.

Oh bom homem! Neste Bhadrakalpa, Eu ganhei vida num lugar remo-


to, era cheio de cobiça, ira e ignorância, cometia atos ilegais, não acre-
ditava nos Três Tesouros e nas retribuições cármicas que se seguem
nas vidas posteriores, não respeitava meus pais, familiares, velhos e
idosos. Oh bom homem! O Bodhisattva, naquela ocasião, não tinha
esse carma para sofrer. Para permitir aos seres obterem a Emancipa-
ção, ele fez um grande voto e ganhou vida nesse lugar. Isto é onde
dizemos que o Bodhisattva-Mahasattva passa por uma má vida, não
nesta vida, não na próxima vida, e nem nas vidas posteriores.

Oh bom homem! Neste Bhadrakalpa, ele ganhou vidas como as de


uma mulher, de (uma pessoa) má, ambiciosa, irada, ignorante, invejo-
sa, parcimoniosa, de um fantasma, de louca, e de uma pessoa trajada
nas impurezas. Oh bom homem! Saiba que o Bodhisattva não faz nada
do tipo [que mereça] esse carma. Somente para permitir aos seres
atingir a Emancipação ele faz um grande voto e ganha essas formas de
vida. Isto é onde dizemos que o Bodhisattva-Mahasattva sofre más
conseqüências cármicas não nesta presente vida, nem na vida a seguir,
e nem nas vidas posteriores.

Oh bom homem! Neste Bhadrakalpa, Eu ganhei formas de vida como


as de alguém com órgãos genitais imperfeitos, alguém assexuado, bis-
sexuado, ou indefinido. Oh bom homem! Para dizer a verdade, o Bo-
dhisattva-Mahasattva não tem tais ações (carmas) pelas quais respon-
der. No sentido de permitir aos seres atingir a Emancipação, ele faz um
grande voto e se sujeita a tais vidas. Isto é onde dizemos que o Bodhi-
sattva-Mahasattva sofre um mau carma não nesta vida, nem na próxi-
ma vida, e nem nas vidas posteriores.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 160


Oh bom homem! Neste Bhadrakalpa, Eu pratiquei as vias dos tirthikas
e dos Nirgranthas, e acreditei em seus ensinamentos. Não havia doa-
ção, nem santuário, e nenhuma recompensa pela dedicação ao santuá-
rio. Não havia ações boas ou más, nem boas ou más retribuições. Não
havia vida presente, nem vida futura, nem isto e nem aquilo. Lá não
havia o sagrado, nem corpo transformado, nem Via, e nem Nirvana. Oh
bom homem! O Bodhisattva não tem esses maus carmas para arcar.
Somente para permitir aos seres atingir a Emancipação ele faz um
grande voto e experimenta essas coisas (visões) distorcidas. Este é o
porquê dizemos que o Bodhisattva-Mahasattva sofre más ações (maus
carmas) não nesta vida, não na vida futura, nem nas vidas posteriores.

Palavra Verdadeira

Oh bom homem! Relembro que certa vez no passado, fomos comerci-


antes, Devadatta e Eu. E cada um de nós tinha 500 mercadores. Em
busca dos ganhos, fomos ao grande mar à procura de coisas raras.
Através das más relações causais, deparamos com uma tempestade no
caminho e, náufragos, todos os nossos companheiros morreram. Na-
quela ocasião, Devadatta e Eu, em razão de não-prejudicarmos (outros)
e pelas relações causais para longa vida, fomos levados (soprados) para
terra firme. Então, Devadatta, lastimando que ele havia perdido o te-
souro, ficou muito aborrecido e chorou copiosamente. Eu então disse:
‘Oh Devadatta! Não chore’! Devadatta me disse: ‘Ouça-me atentamen-
te, ouça atentamente! Por exemplo, existe um homem oprimido pela
pobreza. Ele vai ao cemitério, agarra um cadáver e diz: ‘Oh você! Dê-
me a alegria da morte. Eu lhe darei pobreza e vida’. Então, o cadáver
fica de pé e diz ao homem pobre: ‘Oh bom homem! Fique com a po-
breza e a vida para si. Eu estou agora imerso na alegria da morte. Não
estou contente de vê-lo pobre e vivo’. A situação é como esta. Mas,
não tenho a felicidade da morte às mãos e, além disso, estou na misé-
ria. O que mais posso fazer além de soluçar e chorar’? Eu também o
apaziguei: ‘Não fique triste. Tenho duas pérolas que são preciosas.

Capítulo 38: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 6 Página 161


Darei uma a você’. Dei-a [a ele] e disse: ‘Uma pessoa que tem vida ob-
tém essa gema. Se não tiver vida, como poderá esperar ter isto’? En-
tão, senti-me cansado e dormi à sombra de uma árvore. Devadatta,
febril pela cobiça, adquiriu um mau pensamento. Furando e cegando
meus olhos, ele pegou a outra pérola. Na dor, Eu chorei e solucei. En-
tão, havia uma mulher que veio a mim e indagou: ‘Por que você soluça
e chora’? Então, eu lhe disse tudo o que acontecera. Ao ouvir aquilo,
ela ainda indagou: ‘Qual é o seu nome’? Eu disse: ‘Eu me chamo Pala-
vra-Verdadeira’. (Ela disse:) ‘Como posso saber que você é verdadeiro’?
Então fiz um juramento: ‘Se eu tiver agora maus pensamentos contra
Devadatta, deixe-me ser um caolho; caso contrário, permita que meus
olhos ganhem a luz’. Ao dizer isto, meus olhos foram curados e ficaram
tão bons quanto antes. Oh bom homem! Isto é onde dizemos que o
Bodhisattva-Mahasattva fala sobre a recompensa que acontece nesta
vida.

Oh bom homem! Relembro-me que certa vez nasci no Sul da Índia, no


Castelo de Putana, na casa de um Brâmane. Naquela ocasião, havia um
rei chamado Garapu. Ele era rude, mau, arrogante e altivo. Estando no
auge da vida e belo, encontrava-se imerso na vida dos cinco desejos.
Eu, naquela ocasião, para salvar os seres, vivia na periferia da cidade-
castelo e sentava em meditação. Então, o rei saiu do castelo, acompa-
nhado por parentes, cortesãos e damas da corte, adentrando o mundo
das árvores e flores da primavera. Na floresta, ele divertiu-se nas brin-
cadeiras dos cinco desejos.

Todas as mulheres, deixando o rei, vieram a mim. Eu então – para aca-


bar com a ganância do rei – falei sobre o Dharma. Então, o rei veio a
mim e adquiriu um mau pensamento. Ele indagou-me: ‘Você já chegou
ao Arhatship’? Eu disse: ‘Ainda não’. Ele indagou novamente: ‘Você já
chegou ao estágio do Anagamim’? Eu disse: ‘Ainda não’. Ele ainda dis-
se: ‘Se ainda não chegou a essas duas fruições, você deve ser perfeito
na cobiça. Como ousa olhar para minhas mulheres’? Eu então respon-
di: ‘Oh grande Rei! Embora eu ainda não tenha cortado os laços da
cobiça, não tenho cobiça em minha mente’. O rei disse: ‘Oh tolo! Há no
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 162
mundo muitos rishis que se alimentam de ar e frutas. Mas, ao ver a
beleza, eles sentem cobiça [desejo]. Além disso, você ainda está no
auge da vida e ainda não está apartado da cobiça. Como pode estar
livre da beleza, quando realmente a vê’? Eu disse: ‘Oh grande Rei! Vê-
se cor, mas não se torna apegado a ela. É como alimentar-se de ar e
não de frutas. Ela (a beleza) vem da mente que repousa na imperma-
nência e na impureza’. O rei disse: ‘Desprezando e difamando outros,
como alguém pode praticar a pureza dos preceitos’? Eu disse: ‘Oh
grande Rei! Se alguém tem inveja, pode haver difamação. Eu não tenho
inveja. Como eu poderia difamar [alguém]’? O rei disse: ‘Oh altamente-
virtuoso! O que você entende por preceitos’? (Eu disse:) ‘Oh Rei! Tole-
rância [resistência paciente] é um preceito’. O rei disse: ‘Se tolerância é
um preceito, agora cortarei o lóbulo da sua orelha. Se você puder re-
almente suportar, saberei que é um preceito’. Então o rei cortou o
lóbulo da minha orelha, mas eu, com o lóbulo da minha orelha cortado,
não perdi a cor (empalideci). Todos os cortesãos, vendo isto, admoes-
taram o rei e disseram: ‘Por favor, não cause qualquer dano a essa
grande pessoa’! O rei disse a todos os seus ministros: ‘Como vocês
sabem se isto é uma grande pessoa’? Os ministros disseram: ‘A despei-
to de ter recebido essa dolorosa ferida, sua fisionomia não mudou’. O
rei disse novamente: ‘Tentarei mais e verei se ele muda [a fisionomia]
ou não’. E ele cortou meu nariz, minhas mãos e pés. Naquela ocasião, o
Bodhisattva tinha praticado ações de amor-benevolente em inumerá-
veis e ilimitados mundos, e sentia piedade dos seres que estavam a-
fundados na lama do sofrimento. Então os quatro guardiões da terra
tornaram-se irados, e fizeram chover areia, cascalho e pedras. O rei,
vendo isto, ficou assustado, veio a mim, e prostrando-se no chão, disse:
‘Por favor, tenha misericórdia e permita-me arrepender’. Eu disse: ‘Oh
grande Rei! Eu aparento não ter ira e nem cobiça em minha mente’? O
rei disse: ‘Oh altamente-virtuoso! Como você pode não ter ira e nem
hostilidade em sua mente’? Então eu fiz um juramento: ‘Deixe meu
corpo ser restaurado para como era antes, se eu não tiver qualquer ira
ou hostilidade em minha mente’. Tão logo eu disse isto, meu corpo foi
restaurado para como era antes. Isto é o que [se entende quando di-

Capítulo 38: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 6 Página 163


zemos que] o Bodhisattva-Mahasattva fala sobre recompensa nesta
vida.

Oh bom homem! É o mesmo com as retribuições cármicas que estão


para advir na próxima vida e nas vidas posteriores, e também no que
concerne às más ações. Quando o Bodhisattva-Mahasattva atinge o
Insuperável Bodhi, todas as ações (carmas) ganham sua retribuição na
vida presente. Se as retribuições cármicas das ações não-boas e más
estão para visitar alguém nesta presente vida, as coisas se procederão
como quando os céus fizeram cair uma má chuva por conta das más
ações do rei. Também, isto é como quando as mãos apontam uma
pessoa que mostrou a um caçador onde o urso pardo e o cervo de bela
cor viviam. Estas são instâncias onde as más ações evocam retribuições
cármicas na presente vida. Quanto às retribuições que estão para visi-
tar uma pessoa na próxima vida, elas são aquelas do icchantika, e a-
queles que cometem as quatro graves ofensas e os cinco pecados mor-
tais. A retribuição que visita uma pessoa que defende os shila [precei-
tos morais] e que faz um voto como dizer: ‘Rogo para que eu possa, em
minha próxima vida, adquirir um corpo no qual eu possa ser puro nos
shila. E numa era quando a duração de vida dos humanos for de 100
anos, e quando puder ser abençoado com uma idade de 80 anos, serei
um Chakravartin [governante do mundo] e ensinarei os seres’. Oh bom
homem! Se a retribuição cármica está a visitar definitivamente alguém
nesta presente vida, não pode haver retribuição cármica a advir na
próxima vida ou nas vidas posteriores. O Bodhisattva Mahasattva pode
praticar as 32 marcas da perfeição de um grande (ser) humano, mas
ele não pode esperar a retribuição nesta presente vida. Se as ações de
alguém não acarretam os três tipos de retribuição, chamamos isto de
(carma) indeterminado.

Oh bom homem! Se todas as ações devessem definitivamente acarre-


tar retribuição cármica, não se poderia praticar ações puras, Emancipa-
ção, e Nirvana. Saiba que esses não são meus discípulos; eles são apa-
rentados de Mara.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 164


Todas as ações têm as fases do ‘determinado’ e ‘indeterminado’. Por
determinado se entende a retribuição cármica que alguém experimen-
ta nesta vida, na vida que virá, e nas vidas posteriores. Por indetermi-
nado se entende os casos onde a retribuição cármica surge quando as
relações causais se conjugam, e se não, estas não virão visitar a pessoa.
Em razão disto, se qualquer pessoa diz que há ações puras, Emancipa-
ção, e Nirvana, essa pessoa é, para dizer a verdade, meu próprio discí-
pulo e não um aparentado de Mara. Isto você deve saber. Oh bom
homem! Com os seres, as retribuições que são indeterminadas são
muitas, e poucas são as retribuições que são determinadas. Por isso,
pode haver a prática da Via. Quando alguém pratica a Via, a determi-
nada, a retribuição cármica grave pode ser sentida como leve; e não
pode haver experimentação da retribuição cármica indeterminada na
vida que virá.

Dois Tipos de Pessoas

Oh bom homem! Há dois tipos de pessoas. Um torna o indeterminado


determinado, faz com que as retribuições cármicas da vida presente
sejam aquelas da vida futura; o que é leve no que é grave, e o que está
para ser sofrido nesta vida humana seja sofrido no inferno. O ignorante
torna as coisas graves.

O Segundo (tipo de pessoa) torna o que é determinado indeterminado,


o que pertence à vida futura [acontecer] na vida presente, o que é
grave no que é leve, e o que é do inferno no que é leve nesta vida hu-
mana.

Dos dois tipos, o primeiro é ignorante, e o outro é sábio. A pessoa sábia


torna as coisas leves, e a pessoa ignorante as torna graves por nature-
za.

Capítulo 38: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 6 Página 165


Oh bom homem! Por exemplo, há duas pessoas que pecaram contra o
rei. Uma, com muitos parentes, sofre pouco, enquanto a outra, com
poucos parentes, sofre muito, embora o pecado possa ser leve. É o
mesmo com o ignorante. A pessoa sábia sofre menos em razão da
grande quantidade de boas ações que ela acumulou, embora o pecado
seja grave. Com a pessoa ignorante, sendo poucas as suas boas ações,
ela tem que sofrer grandemente, embora seu pecado seja leve. A situ-
ação é como esta.

Oh bom homem! Por exemplo, há duas pessoas, uma é forte e está no


auge da vida, enquanto a outra tem a constituição fraca e menor força
física. As duas perdem seus pés na lama, no que aquela que é forte e
está no auge da vida sai facilmente, enquanto aquela que é fraca afun-
da. A situação é como esta.

Oh bom homem! Há duas pessoas que compartilham de um veneno.


Uma possui um encanto e o remédio (chamado) agada, enquanto a
outra não. O veneno não pode destruir aquela com encanto e remédio,
enquanto a outra que não os tem morrerá.

Oh bom homem! Há duas pessoas que tomam algum suco. Uma tem o
fogo da vida e a outra tem menos. Aquela com mais fogo digere-o bem,
enquanto com a pessoa cuja força da vida é fraca, ele provoca danos.

Oh bom homem! Há duas pessoas que foram aprisionadas pelo rei.


Uma é inteligente, enquanto a outra é obtusa. A pessoa inteligente
escapa, enquanto a outra, que é obtusa, não pode fugir.

Oh bom homem! Há duas pessoas que seguem juntas num caminho


íngreme. Uma tem visão, enquanto a outra é cega. Aquela com visão
segue sem qualquer dificuldade, enquanto a pessoa cega cai nas pro-
fundezas do abismo.

Oh bom homem! Por exemplo, duas pessoas bebem. Uma come mui-
to, enquanto a outra come menos. Com aquela que come muito, a
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 166
bebida causa um dano menor, enquanto para aquela que come pouco,
a bebida causa-lhe problemas. O caso é semelhante a isto.

Oh bom homem! Por exemplo, duas pessoas vão à frente de batalha.


Uma está trajada em armadura e espada, enquanto a outra nada tem.
Aquela armada com uma espada liquida facilmente o inimigo, enquan-
to a outra não tem meios de afastar-se dos braços do inimigo.

Também, há duas pessoas que sujam o robe Budista. Uma, ao ver isto,
lava-o; enquanto a outra sabe, mas não o lava. O robe daquela que o
lavou imediatamente está limpo, enquanto a sujeira do robe de quem
não o lavou aumenta dia a dia.

Também, há duas pessoas que passeiam num carro. O carro com rodas
vai conforme a pessoa deseja, enquanto aquele sem [rodas] não se
move.

Também, há duas pessoas que estão viajando através de um deserto.


Uma tem comida, enquanto a outra não. A pessoa com comida se con-
duz através de caminhos difíceis, enquanto aquela que não a possui
não pode fazê-lo.

Também, duas pessoas são atacadas por ladrões. Uma tem um depósi-
to (seguro) de tesouros, enquanto a outra não. Aquela com o depósito
seguro não tem apreensão, enquanto aquela que não o possui tem
preocupações. É o mesmo com o ignorante. Aquele que acumulou
boas ações pode arcar com os pecados graves de maneira suave, en-
quanto o outro, não tendo acúmulo de boas ações, tem que sofrer
pesadamente.”

O Bodhisattva Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Exa-


tamente como você, o Buda, diz, nem todas as ações acarretam resul-
tados determinados, e da mesma maneira, nem todos os seres têm
que sofrer definitivamente. Oh Honrado pelo Mundo! Por que os seres
sofrem pesadas penas no inferno pelo que se pode sofrer levemente
Capítulo 38: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 6 Página 167
na vida presente, e o que se sofre pesadamente no inferno que pode
ser leve na vida presente?”

O Buda disse: “Há dois tipos de seres. Um é sábio e o outro ignorante.


Aquele que observa bem os preceitos do corpo e pratica a sabedoria da
mente é o sábio; aquele que não observa os preceitos e (não) pratica a
sabedoria da mente é o ignorante.

Como alguém não pratica bem o corpo? Se alguém não controla os


cinco sentidos orgânicos, dizemos que essa pessoa é alguém que não
controla seu corpo. Quando uma pessoa não controla os sete tipos de
preceitos de pureza, dizemos que ela não observa os preceitos. Quan-
do uma pessoa não ajusta a sua mente, dizemos que não há prática da
mente. Quando uma pessoa não pratica ações sagradas, dizemos que
isto é não praticar a Sabedoria.

Também, além disso, por não-praticante do corpo se entende alguém


que não pode ser perfeito na pureza dos preceitos do corpo. Por não-
prática dos preceitos se entende o recebimento ou armazenamento
das oito coisas impuras. O não-praticante da mente é assim chamado
porque é alguém que não pratica os três tipos de formas. O não-
praticante da Sabedoria é assim chamado porque é alguém que não
pratica ações puras.

Também, além disso, dizemos que não se pratica o corpo porque não
se pode meditar sobre o corpo, a matéria, e as representações da ma-
téria. Além de não se meditar sobre as representações; não se sabe (a
respeito) dos elementos do corpo e o fato que este corpo move-se
(propaga-se) para aquele corpo. Vê-se corpo no não-corpo e matéria
na não-matéria. Por essa razão, apega-se avidamente ao corpo e aos
elementos do corpo. Isto é não-praticar o corpo.

Dizemos que há a não-pratica dos preceitos. O recebimento de precei-


tos de baixo-grau é a não-pratica dos preceitos. Preceitos unilaterais
são o que alguém faz em benefício próprio, para ajustar a si mesmo, e
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 168
não para conceder a paz a todos os seres. Não o faz para proteger o
Dharma Maravilhoso. O que a pessoa faz é pelo nascimento nos céus e
para lá ser abençoado com os cinco desejos, o que não é chamado
prática dos preceitos.

Por não-praticar a mente se entende o estado de mente dispersa no


qual a pessoa não protege o seu próprio domínio de existência. Por
domínio próprio de existência se entende as quatro lembranças; e por
outro domínio (alheio) se entende os cinco desejos. Quando uma pes-
soa não pratica as quatro lembranças, dizemos não-prática da mente.
Quando uma pessoa está mergulhada em más ações e não vigia bem a
sua própria mente, chamamos isto de não-prática da Sabedoria.

Também, além disso, por não prática do corpo se entende que a pes-
soa não vê que este corpo carnal é não-eterno, que ele não é lugar
para se viver, que ele colapsa, que ele morre momento após momento,
e que ele é o mundo de Mara.

Por não-prática dos preceitos se entende o não-acompanhamento do


shilaparamita [Moralidade Perfeita]. Pela não-prática da mente se en-
tende que a pessoa não é perfeita no dhyanaparamita [Meditação
Perfeita]. Por não-prática da Sabedoria se entende que a pessoa não é
perfeita no prajnaparamita [Sabedoria Perfeita].

Também, além disso, dizemos que há a não-prática do corpo quando


alguém se apega avidamente ao próprio corpo, pensa que este lhe
pertence, e pensa que seu corpo é eterno e não muda.

Falamos de não-prática dos preceitos. Isto é fazer para o próprio bene-


fício as dez más ações.

A não-prática da mente significa que a pessoa não controla o seu co-


metimento de más ações.

Capítulo 38: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 6 Página 169


A não-prática da Sabedoria significa que a pessoa não pode ver através
do que é bom e ruim das coisas, em razão do não-controle da mente.

Também, além disso, a não-prática do corpo significa que a pessoa não


está afastada da noção da visão errônea do Eu [‘atmadrsti’ – conside-
rando o ego como algo com existência eterna e imutável]. A não-
prática dos preceitos significa que a pessoa não está afastada da visão
errônea no que diz respeito aos preceitos [‘shilavrataparamarsa’]. A
não-prática da mente significa que a pessoa cai no inferno [após] pro-
mulgar a ganância e a ira; e a não-prática da Sabedoria significa que a
pessoa falha em acabar com a mente ignorante.

Também, além disso, a não-prática do corpo falha em ver que o corpo


é sempre o inimigo, mesmo que ele não tenha nenhuma culpa.

O Corpo e o Fogo

Oh bom homem! Por exemplo, há um homem que tem um inimigo,


que sempre procura o seu paradeiro. Alguém que seja sábio vê isto,
fica atento e se protege dele. Se não se proteger, há o risco de ser ata-
cado. É o mesmo com todos os corpos dos seres. Seja frio ou calor,
sempre se o alimentamos com comida e bebida. Se não estiver assim
protegido, o corpo entrará em decomposição. Oh bom homem! O
Brâmane, em adoração ao deus do fogo, sempre oferece incenso e
flores, louva e adora-o, faz oferecimentos e serve-o, e pode assim obter
uma vida de 100 anos. Mas, se ele o toca, o fogo queimará a mão que o
tocou. Esse fogo, que foi tão valorizado e contemplado com ofereci-
mentos, nada sabe sobre retribuir o que deve a quem em pensamento
único o serviu. É o mesmo com os corpos de todos os seres. Ao longo
dos anos o corpo é servido com os melhores incensos e flores, colares,
roupas, comida e bebida, roupas de cama e remédios. Mas, quando ele
encontra as relações causais que o afligem por dentro e por fora, tudo
entra em colapso, e ele agora não pensa em retribuir nem um pouco

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 170


àqueles oferecimentos e roupas que lhes foram dadas nos tempos
passados.

Oh bom homem! Por exemplo, há um rei que possui quatro víboras, as


quais ele mantém numa caixa e ordena uma pessoa para alimentar e
cuidá-las. Qualquer uma dessas quatro atacará uma pessoa se estiver
faminta. O homem, temendo isto, sempre busca comida e alimenta-
lhes. É o mesmo com as quatro grandes serpentes de todos os seres.
Uma vez famintas, elas destruirão o corpo.

Oh bom homem! Um homem está consciente de uma doença crônica,


pela qual ele procura um médico e um meio de se curar. Caso ele falhe
persistentemente em curar-se, a morte infalivelmente o visitará. É o
mesmo com o corpo de todos os seres. Deve-se sempre cuidar e não
pode haver indolência. A indolência evocará a morte.

Oh bom homem! Por exemplo, é o mesmo com um vaso de barro, que


não pode suportar o vento e a chuva, pancadas e pressão. É o mesmo
com o corpo de todos os seres. Ele não pode suportar a fome, a sede,
frio e calor, vento e chuva, espancamento e maledicência.

Oh bom homem! Um tumor, quando ainda não se desenvolveu com-


pletamente, sempre se protege bem e evita os outros de tocá-lo. Se
acontecer de alguém tocá-lo, ele responde com uma grande dor. É o
mesmo com o corpo de todos os seres.

Oh bom homem! Quando uma mula gera uma cria, isto destrói o seu
próprio corpo. É o mesmo caso com o corpo de todos os seres. Se o
interior está frio, o corpo sofre.

Oh bom homem! Por exemplo, exatamente como a bananeira morre


quando frutifica, assim se dá com todas as outras coisas.

Oh bom homem! Exatamente como a fruta da bananeira nada tem de


sólido dentro dela, assim é com o corpo de todos os seres.
Capítulo 38: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 6 Página 171
Oh bom homem! Exatamente como a serpente, o rato e lobo odeiam
um ao outro, assim se dá com os quatro grandes elementos.

Oh bom homem! Exatamente como o cisne rei não procura estar em


um cemitério, assim se dá com o Bodhisattva. O corpo não busca avi-
damente o prazer num cemitério.

Oh bom homem! Exatamente como um candala não vai desistir da sua


ocupação por sete gerações sucessivas, porque as pessoas o olham de
cima abaixo (o desprezam), a mesma é a situação com as sementes
deste corpo. A semente (sêmen) e o sangue, afinal, são impuros. Sendo
impuros, todos os Budas e Bodhisattvas reprovam-lhes.

Oh bom homem! Este corpo não é como as montanhas dos Hymalayas


onde o sândalo cresce; ele não pode evocar a utpala, a pundarika, a
champaka, a mallika, ou a varsika. Os nove furos sempre expelem pus,
sangue e coisas impuras. (O lugar de) onde se nasce cheira mal, é im-
puro, feio de ver, e vermes sempre vivem lá.

A Prática do Corpo

Oh bom homem! Por exemplo, pode haver jardins todo-maravilhosos e


florestas no mundo. Mas se algum cadáver estiver por lá, aquele lugar
torna-se impuro, as pessoas o abandonam, e qualquer pessoa não
sentirá mais amor ou apego [àquele lugar]. É o mesmo com o que a-
contece no mundo da matéria. Embora maravilhoso de ver, na medida
em que há o corpo para representá-los, todos os Budas e Bodhisattvas
o abandonam.

Oh bom homem! Se uma pessoa não pode ver as coisas sob esta luz
(ótica), não chamamos isto (ou seja, o que ela faz) de prática do corpo.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 172


A Prática dos Preceitos

Dizemos que há a não-prática dos preceitos. Oh bom homem! Isto é


nada mais que não ser capaz de observar os shila [preceitos de morali-
dade] como uma espécie de escada para todos os bons dharmas. Shila
(preceito) é a raiz de todos os bons dharmas. Isto é como com a terra,
que é onde todas as árvores crescem. Este é o melhor guia para tudo
que há de bom. É como o dono de um navio que guia todos os merca-
dores. Shila é o estandarte da vitória. É como a insígnia de Devendra.
Shila extirpa eternamente todas as más ações e os três reinos do infor-
túnio. Ele cura completamente as doenças graves, como uma árvore
medicinal. Shila nada mais é que o alimento no caminho íngreme do
nascimento e da morte. É a armadura e a espada que aniquila os la-
drões das impurezas; e é o melhor encanto, o qual aniquila o veneno
das víboras das impurezas; ou é a ponte através da qual se pode ver-
dadeiramente atravessar o caminho das más ações. Qualquer pessoa
que não possa pensar dessa maneira é alguém que não pratica os pre-
ceitos.

A Prática da Mente

Dizemos que há a não-prática da mente. Isto nada mais é que ser inca-
paz de meditar sobre a mente. Ela [a mente] se conduz leviana e ruido-
samente, e é difícil se agarrar e destruir. Ela corre (vagueia) desimpedi-
da como um elefante entorpecido. Seus movimentos são rápidos a
cada momento, tão rápidos quanto um relâmpago. É tão ruidosa e
inquieta quanto um macaco. É como um fantasma ou uma chama. É a
raiz da maldade, e é difícil satisfazer os apelos dos cinco desejos. Isto é
como o fogo que se alimenta de combustível, ou o grande oceano que
traga as águas de todos os rios, ou como as gramas e plantas que cres-
cem tão exuberantemente no (Monte) Mandara. Se uma pessoa não
medita sobre a falsidade do nascimento e da morte, ela sempre será
seduzida, como com o peixe que engole o anzol. Sempre uma palavra

Capítulo 38: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 6 Página 173


de ordem é dada, seguida por todos os atos. Isto é como mãe que con-
duz todos os pequenos.

Uma pessoa torna-se avidamente apegada aos cinco desejos e não se


importa com o Nirvana. Isto é como o camelo que come mel, esque-
cendo tudo sobre a forragem até que a morte o abata. As pessoas são
profundamente apegadas aos prazeres (mundanos) e esquecem tudo
sobre as aflições que lhes advirão. Isto é como a vaca que devora avi-
damente as mudas (das plantas), sem medo, esquecendo-se tudo so-
bre o castigo e as aflições que advirão. Ela [a mente] foge às 25 existên-
cias. Isto é como o furacão que sopra para longe o algodão. Ela procura
incessantemente por aquilo que não se pode buscar (alcançar), como
com uma pessoa ignorante que procura por fogo onde não há calor. As
pessoas estão sempre presas ao nascimento e à morte, e não desejam
buscar a Emancipação. Isto é como no caso do verme ‘nimba’, que
procura a árvore ‘neemb’ [azadirachta Índica]. As pessoas são iludidas
por, e aderem a, impureza mal-cheirosa do nascimento e da morte,
como um prisioneiro que anseia e implora ao carcereiro por uma mu-
lher, ou como um porco que está feliz deitado em um lugar impuro.
Qualquer um que não veja as coisas assim pode ser chamado de al-
guém não-praticante da mente.

A Prática da Sabedoria

Falamos da não-prática da Sabedoria. A Sabedoria possui grande po-


der, como o de um Garuda [um pássaro mítico]. Ela realmente destrói
as más ações e as trevas, como o faz a luz do sol. Ela erradica comple-
tamente a árvore dos skandhas, como a água, sobre a qual as coisas
podem facilmente flutuar. A Sabedoria queima completamente as más
visões da vida, como um grande fogo, é o manancial de todos os bons
dharmas, e a semente da qual surgem os Budas e Bodhisattvas. Se
alguém não vê as coisas assim, isto nada mais é que a não-prática da
Sabedoria.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 174


Oh bom homem! Se há alguém que vê no ‘Paramartha-satya’ [Realida-
de Última] o corpo e a representação do corpo, a causa e o efeito do
corpo, o skandha do corpo, um corpo ou dois corpos, este corpo ou
aquele corpo, a extinção e igualdade do corpo, a prática do corpo ou
alguém que pratique o corpo, isso é a não-prática do corpo.

Oh bom homem! Se há alguém que veja shila e qualquer representa-


ção do shila, a causa e o efeito do shila, o topo e o fundo do shila, o
skandha do shila, um ou dois shilas, este shila e aquele shila, a extinção
e a igualdade do shila, a prática do shila e alguém que pratica shila,
shilaparamita, isto é a não-prática do shila.

Se há qualquer pessoa que veja coisas como a mente e a representação


da mente, a causa e o efeito da mente, o skandha da mente, o que
pertence à mente, uma ou duas mentes, esta e aquela mente, a extin-
ção e igualdade da mente, a prática e alguém que pratica a mente, o
topo, o meio e o fundo da mente, a boa e má mente; isto é não-prática
da mente.

Oh bom homem! Se há qualquer um que veja a Sabedoria e a fase de


representação da Sabedoria, a causa e o efeito da Sabedoria, o skan-
dha da Sabedoria, uma ou duas Sabedorias, esta e aquela Sabedoria, a
extinção e igualdade da Sabedoria, o topo, o meio, e o fundo da Sabe-
doria, Sabedoria aguçada e dificultosa, a prática dela e alguém que
pratica Sabedoria; isto é nada mais que a não-prática da Sabedoria.

Oh bom homem! Se há qualquer pessoa que não pratique o corpo, o


shila, a Sabedoria e a mente, tal pessoa sofrerá uma grande conse-
qüência cármica por uma pequena má ação. E por medo, ela pensará:
‘Eu vou para o inferno; cometi as ações do inferno’. Mesmo quando o
sábio fala das penas do inferno, aquela pessoa sempre pensará: ‘É co-
mo se fosse o ferro batendo no ferro, a pedra na pedra, a madeira na
madeira, e o vagalume desfrutando do fogo. O corpo do inferno parece
com o inferno. Se ele se assemelha ao inferno, que dores mais poderia
Capítulo 38: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 6 Página 175
haver’? Por exemplo, é como a mosca azul que é capturada pela saliva
e não pode libertar-se. É o mesmo com o ser humano, também. Ele
não pode se eximir de uma pequena maldade. A mente nunca se arre-
pende depois e encobre a ferida fazendo o bem. No passado, havia
todas as boas ações, mas todas elas tornaram-se corrompidas por este
pecado. A pequena maldade que uma pessoa tem que sofrer nesta
vida se transforma nas mais pesadas retribuições cármicas no inferno.
Oh bom homem! Se adicionarmos um ‘sho’ [uma unidade de medida
para líquido ou cereal] de sal num pequeno vaso de água, ela se torna-
rá tão salgada que não poderíamos tomá-la. É o mesmo com a malda-
de dessa pessoa, também. Oh bom homem! Por exemplo, há um ho-
mem cujo único ‘sen’ [uma unidade de dinheiro] que ele deve a uma
pessoa, e que ele é incapaz de pagar, o conduz para a prisão, onde ele
tem que sofrer muitas dificuldades. É o mesmo com o pecado dessa
pessoa, também.”

O Bodhisattva Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Por


que é que esse pecado leve da pessoa, pelo qual ela tem que sofrer
nesta presente vida, acaba conduzindo-a para o inferno?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Se qualquer pessoa tem cinco coisas
pelas quais tem que responder, qualquer pecado leve que ela tenha
cometido terá que ser respondido no inferno. Quais são as cinco? Elas
são: 1) ignorância, 2) insignificância de bons feitos, 3) gravidade de
maus feitos, 4) não arrependimento, 5) nenhum bem jamais feito an-
tes. Também, há outras cinco coisas, as quais são: 1) prática de malda-
de, 2) não observância dos preceitos, 3) abstenção de fazer o bem, 4)
não praticar o corpo, o shila, a Sabedoria e a mente, e 5) associação
com más pessoas. Oh bom homem! Em razão dessas coisas, uma pe-
quena maldade na vida presente evoca graves retribuições no inferno.
Oh bom homem! Em razão dessas coisas, a retribuição cármica leve
que alguém [teria] que sofrer nesta vida torna-se pesada para sofrer no
inferno.”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 176


Fuga do Inferno

Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Quem sofre pouco na
presente vida aquilo que teria que sofrer no inferno?”

Oh bom homem! Qualquer pessoa no mundo que pratique o corpo, o


shila, a Sabedoria, e a mente, como estabelecido acima, e que veja que
todas as coisas são vazias e tudo-igual, e que não veja Sabedoria, nem
quem é sábio, nem ignorância, nem quem é ignorante, nem prática e
nem quem pratica, essa pessoa é alguém que é sábio. Essa pessoa, de
fato, pratica o corpo, o shila, a mente, e a Sabedoria. Tal pessoa real-
mente faz [com que] as retribuições cármicas no inferno se tornem
pouco a ser sofrido nesta vida. Essa pessoa pode ter cometido o mais
grave dos pecados, mas ela pensa sobre [o assunto], vê, torna-o leve, e
diz: ‘O que fiz é de natureza grave. Mas, nada é melhor que boas ações.
Por exemplo, 100 libras de flores sobre flores não podem, afinal, ser
comparadas com um ‘ryo’ [unidade de peso ou dinheiro] de ouro ver-
dadeiro. Pode-se bem jogar um ‘sho’ de sal dentro do Ganges, mas
nenhum sabor salgado surgirá [disto] e ninguém que beba a sua água o
sentirá. Um homem rico pode possuir 1.000 milhões de jóias e, todavia,
ele não será preso e feito sofrer por conta disto. Ou um grande gan-
dhahastin (elefante almiscarado) pode quebrar uma jaula de ferro,
escapar e ser livre’. Assim é [também] com a pessoa que tem Sabedori-
a. Ela sempre pensa para si: ‘Eu tenho muito do poder do bem e pouco
das más ações. Confesso e me arrependo, e acabo com a maldade. Se
praticarmos a Sabedoria, o poder da Sabedoria crescerá, e o poder da
ignorância diminuirá’. Pensando assim, ele aproxima-se de um Bom
Mestre da Via e aprende a visão correta da vida. Se ele vê uma pessoa
que protege, recita, copia e expõe os 12 tipos de sutras, ele sentirá
respeito em seu pensamento e, além disso, lhe fará oferecimentos de
coisas como roupas, comida, acomodações, roupas de cama, remédios,
flores e incenso, e lhe louvará e respeitará. Onde quer que ele vá, ele
somente enaltece o que é bom e não fala daquilo que está faltando.
Ele faz oferecimentos aos Três Tesouros, respeita e acredita que o Su-

Capítulo 38: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 6 Página 177


tra Vaipulya do Grande Nirvana e o Thatagata são Eternos e Imutáveis,
e que os seres possuem a Natureza de Buda. Essa pessoa faz o que
seria penosamente sofrido no inferno, algo que seja [apenas] sofrimen-
to leve nesta vida. Oh bom homem! Por essa razão, não é o caso que
todas as ações sejam determinadas e que todos os seres definitiva-
mente tenham que sofrer retribuições cármicas.”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 178


Capítulo Trinta e Nove: Sobre o Bodhisattva
Rugido do Leão 7
O Bodhisattva Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Se
todas as ações, definitivamente, não acarretam retribuições cármicas,
e todos os seres possuem a Natureza de Buda e devem praticar o No-
bre Caminho Óctuplo, por que é que todos os seres não atingem esse
Mahaparinirvana? Oh Honrado pelo Mundo! Se todos os seres possu-
em a Natureza de Buda, eles devem atingir a Iluminação Insuperável
definitivamente. Por que é que eles ainda necessitam praticar o Nobre
Caminho Óctuplo? Oh Honrado pelo Mundo! Este sutra estabelece: ‘Há
uma pessoa doente que adquire o remédio, o atendente para a enfer-
midade, comida e bebida necessária para a doença; ou nada disso o-
corre. Mas, todos obterão cura. É o mesmo com todos os seres, tam-
bém. Eles podem encontrar Sravakas, Pratyekabudas, todos os Budas e
Bodhisattvas, e todos os Bons Mestres da Via, ouvir os sermões e prati-
car as ações sagradas. Ou eles podem não encontrar, ouvir e praticar
essas coisas, mas [infalivelmente] todos devem atingir a Iluminação
Insuperável. Por quê? Em razão da Natureza de Buda’. Assim está esta-
belecido. Oh Honrado pelo Mundo! Por exemplo, não é possível que a
luz do sol e da lua seja obstruída em seu caminho, de modo que não
possa contornar as Montanhas Antarava [Anderab], ou que as águas
dos quatro grandes rios não encontrem o grande oceano, ou que o
icchantika não vá para o inferno. É o mesmo com todos os seres, tam-
bém. Não pode haver uma situação onde obstáculos surjam de tal
maneira a impedi-los de atingir a Iluminação Insuperável. Por que não?
Em razão da Natureza de Buda. Oh Honrado pelo Mundo! Em razão
disto, todos os seres não praticam a Via. Em razão do poder da Nature-
za de Buda, eles atingem a Iluminação Insuperável. Não existe razão
para que alguém dependa do poder da Via Sagrada. Oh Honrado pelo
Mundo! Se o icchantika, aqueles das quatro ofensas graves, e aqueles
dos cinco pecados mortais não podem atingir a Iluminação Insuperável,
certamente uma pessoa praticará a Via. Porque essa pessoa certamen-
te atingirá (a Iluminação Insuperável) através do poder da Natureza de

Capítulo 39: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 7 Página 179


Buda. Não é que alguém a atinja através do aprendizado e prática. Oh
Honrado pelo Mundo! Por exemplo, um imã, embora distante, atrai o
ferro. É o mesmo com a Natureza de Buda dos seres. Por essa razão,
não se necessita praticar a Via.”

Sete Tipos de Pessoas às Margens do Ganges

O Buda disse: “Bem falado, bem falado, oh bom homem! Ao longo do


Ganges vivem sete tipos de pessoas. Eles temem os ladrões porque
estão se banhando. Ou o caso pode ser como com aqueles que entram
no rio para apanhar flores. A primeira pessoa afogou-se conforme
entrou nas águas. A segunda pessoa afunda em meio às águas, mas
vem acima e afunda novamente nas águas. Por quê? Porque seu corpo
é poderoso e forte, e ela é capaz de subir. Mas, aquele que não tem
aprendizado para flutuar vem acima e então afunda novamente. O
terceiro (tipo) vem acima após afundar. Emergindo, ela não afunda
novamente. Por que não? Em razão do seu corpo ser pesado, então ela
afunda, mas como o seu poder é grande, ela vem acima. Tendo apren-
dido a flutuar, ela permanece acima. A quarta pessoa, ao mergulhar
nas águas, vem acima novamente. Ao emergir, ela olha ao redor. Por
quê? Como ela é pesada, ela afunda, mas como tem grande poder, ela
vem acima; como aprendeu a flutuar, ela permanece acima; não sa-
bendo por onde sair, ela olha ao redor. A quinta pessoa, ao entrar nas
águas, afunda e, ao afundar, emerge. Ao emergir, ela olha ao redor; ao
olhar ao redor, ela se vai. Por quê? Porque ela tem medo. A sexta pes-
soa entra nas águas, vem acima, e fica em águas rasas. Por quê? Por-
que ela vê os ladrões que estão próximos e [também] distantes. A sé-
tima pessoa já está de pé na outra margem e encontra-se sobre uma
grande montanha. Ela nada teme; fora do alcance dos ladrões, ela está
abençoada com grande felicidade.

Oh bom homem! É a mesma situação com o grande rio do nascimento


e da morte, também. Estes são os sete tipos de pessoas:

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 180


Primeiro Tipo de Pessoas

Como eles temem os ladrões das impurezas, eles compõem seus pen-
samentos e desejam atravessar o grande rio do nascimento e da mor-
te. Eles abandonam seus lares, raspam suas cabeças, e vestem robes
sacerdotais. Tendo renunciado seus lares, associam-se com maus ami-
gos, seguem seus ensinamentos, e dão ouvido às suas doutrinas, as
quais estabelecem: ‘O corpo humano constitui os cinco skandhas. Os
cinco skandhas nada mais são que os cinco grandes elementos. Quan-
do uma pessoa morre, ela acaba com os cinco grandes elementos.
Quando ela rompe com os cinco elementos, por que ela ainda necessi-
ta praticar o bem ou o mal? Em razão disto, deve-se saber que não
pode haver retribuição cármica do bem ou do mal’. Essa pessoa é um
icchantika. Ela está desenraizada do bem e do mal. Desenraizada do
bem, ela afunda nas águas do nascimento e da morte e é incapaz de
sair. Por quê? Em razão do grande peso das más ações, e por ela não
possuir o poder da fé. Ela é como a primeira daquelas pessoas às mar-
gens do Rio Ganges.

Oh bom homem! O icchantika tem seis relações causais. Ele cai nos três
reinos do infortúnio e não pode escapar deles. Quais são as seis? Elas
são: 1) sua mente maligna queima, 2) ele não vê o após-vida, 3) ele tem
prazer em buscar as impurezas, 4) ele se afasta do bem, 5) as más a-
ções obstaculizam o seu caminho, e 6) ele associa-se com um mau
mestre da Via.

E ainda há cinco coisas pelas quais a pessoa cai nos três reinos do infor-
túnio. Quais são as cinco? Elas são: 1) ela sempre diz que não pode
haver retribuições cármicas advindas das ações boas ou más, 2) ela
mata uma pessoa que aspira ao Bodhi, 3) ela sente prazer em falar
sobre os males cometidos pelos sacerdotes, 4) ela diz que aquilo que é
correto é incorreto e o que transgride o Dharma é legítimo, e 5) ela dá

Capítulo 39: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 7 Página 181


ouvido ao Dharma apenas para pegar a contradição [isto é, encontrar
erros].

Também, há três coisas pelas quais a pessoa cai nos três reinos do in-
fortúnio. Quais são as três? Estas são dizer que: 1) o (tesouro do) Ta-
thagata é não-eterno, e se vai eternamente, 2) o (Tesouro do) Dharma
Maravilhoso é não-eterno e muda, e 3) o Tesouro da Sangha é destruí-
do. Por essa razão, ela sempre afunda nos três reinos do infortúnio.

Segundo Tipo de Pessoas

A segunda pessoa aspira atravessar o grande rio do nascimento e da


morte, mas, desprovida do bem acumulado, afunda e é incapaz de sair.
Falamos de ‘sair – vir à tona’. Isto diz respeito ao Bom Mestre da Via,
através do qual se ganha fé. Por fé entende-se acreditar que dana [do-
ação] evoca a fruição do dana, que qualquer ação que possa ser cha-
mada boa acarreta a fruição do bem, e a ação do mal (evoca) o que é
do mal; é acreditar no sofrimento do nascimento e da morte, e acredi-
tar na impermanência e desintegração. Isto é fé. Ao adquirir a fé, a
pessoa pratica os puros preceitos, protege, recita, copia e expõe [os
sutras]. Ela sempre faz doações e pratica bem a Sabedoria. Se for estú-
pida, a pessoa encontra um mau amigo. Ela é incapaz de aprender
como praticar os preceitos do corpo e a Sabedoria da mente. Ela dará
ouvido aos maus ensinamentos. Ou pode acontecer de ser visitada por
um mau período de tempo e nascer num mau lugar (país), e ser desen-
raizada das boas ações. Desenraizada da benevolência, ela sempre
afunda no nascimento e na morte. Seu caso é como aquele da segunda
pessoa às margens do Rio Ganges.

Terceiro Tipo de Pessoas

A Terceira pessoa pretende atravessar o grande rio do nascimento e da


morte. Desprovida do bem, ela afunda em meio às águas. A sua apro-

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 182


ximação a um Bom Mestre da Via é sua salvação. O Tathagata é o Ple-
no-Conhecedor. Ele é Eterno e Imutável. Para o benefício dos seres, ele
fala sobre a Via Insuperável. Todos os seres possuem a Natureza de
Buda. O Tathagata não entra em extinção. É o mesmo com o Dharma e
a Sangha, também. Não há extinção. Não tendo acabado com a sua
qualidade inata, o icchantika não pode atingir a Iluminação Insuperável.
Ele necessita muito acabar com ela (sua qualidade inata), e então ele a
atingirá [a Iluminação]. Assim, ele acredita. Através da fé, ele pratica os
puros preceitos. Ao praticar os puros preceitos, ele protege, recita,
copia e expõe os 12 tipos de sutras e fala deles extensivamente para o
benefício dos seres. Ele se apraz na doação e pratica a Sabedoria. Nas-
cido com a mente aguçada, ele persiste firmemente na fé e na Sabedo-
ria, e não recua em sua determinação. Isto é como a situação da tercei-
ra pessoa às margens do Rio Ganges.

Quarto Tipo de Pessoas

A quarta pessoa deseja atravessar o grande rio do nascimento e da


morte. Desprovida do bem acumulado, ela afunda em meio às águas.
Aproximando-se de um Bom Mestre da Via, ela adquire fé. Isto é vir à
tona. Como ela adquire fé, ela protege, recita, copia e expõe, e para o
benefício dos seres ela propaga amplamente o Dharma. Ela sente pra-
zer em fazer doação e pratica a Sabedoria. Nascido com a mente agu-
çada, ela persevera firmemente na fé e na Sabedoria. Não há recuo em
sua determinação, e ela olha nas quatro direções ao redor. As quatro
direções significam as quatro fruições de um Shramana. Isto é como a
quarta pessoa às margens do Rio Ganges.

Quinto Tipo de Pessoas

A quinta pessoa é alguém que aspira atravessar o grande rio do nasci-


mento e da morte, mas sem bem acumulado, afunda em meio às á-
guas. Associando-se a um Bom Mestre da Via, ela adquire fé. Isto é vir à

Capítulo 39: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 7 Página 183


tona. Com fé, ela protege, recita, copia, expõe os 12 tipos de sutras e
fala expansivamente para o benefício dos seres. Ela sente prazer na
doação, e pratica a Sabedoria. Nascida com a mente aguçada, ela per-
severa firmemente na fé e Sabedoria, e não há retroação em sua men-
te. Não retroagindo, ela avança. Avançar refere-se ao Pratyekabuda.
Embora bom no que concerne à salvação de si próprio, isto não se
estende aos outros. Isto é ir embora. Isto é como com a quinta pessoa
às margens do Rio Ganges.

Sexto Tipo de Pessoas

A sexta pessoa aspira atravessar o grande rio do nascimento e da mor-


te. Desprovida de bem acumulado, ela afunda em meio às águas. A-
proximando-se de um Bom Mestre da Via, ela adquire fé. Adquirir fé é
vir à tona. Devido à fé, ela protege, recita, copia e fala extensivamente
a respeito [do Dharma] para o benefício dos seres. Ela sente prazer na
doação e pratica a Sabedoria. Nascida com a mente aguçada, ela basei-
a-se firmemente na fé e na Sabedoria, e sua mente não retroage. Não
retroagindo, ela prossegue e finalmente alcança águas rasas. Chegando
às águas rasas, ela permanece lá e não se move. Dizemos que ela per-
manece. Isto significa que o Bodhisattva, com o objetivo de salvar to-
dos os seres, reside lá e medita sobre as impurezas. Ele é como a sexta
pessoa às margens do Rio Ganges.

Sétimo Tipo de Pessoas

A sétima pessoa aspira atravessar o grande rio do nascimento e da


morte. Mas, sem bem acumulado até aqui, ela afunda em meio às
águas. Encontrando-se com um Bom Mestre da Via, ela adquire fé. Este
ganho de fé é o que chamamos ‘vir à tona’. Devido à fé, ela protege,
recita, copia e expõe os 12 tipos de sutras, e para o benefício dos seres,
ela fala extensivamente deles. Ela sente prazer na doação e pratica a
Sabedoria. Nascida com a mente aguçada, ela persevera firmemente

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 184


na fé e na Sabedoria, e não retroage na mente. Como ela não retroage,
ela avança. Ao avançar, ela encontra a outra margem. Tendo conquis-
tado as alturas de uma grande montanha, ela agora está apartada do
medo e é abençoada com a mais pura paz. Oh bom homem! (Estar no
topo da) grande montanha na outra margem pode ser comparado ao
Tathagata, paz pode ser comparada à Eternidade do Buda, e a grande e
alta montanha é o Grande Nirvana.

Oh bom homem! Todas essas pessoas às margens do Rio Ganges pos-


suem mãos e pés, mas elas são difíceis de salvar. É o mesmo com todos
os seres, também. Os Três Tesouros do Buda, Dharma e Sangha real-
mente existem, e o Tathagata sempre expõe o essencial de todas as
leis [Dharma]. Há o Nobre Caminho Óctuplo e o Mahaparinirvana. To-
dos os seres podem obter tudo isso. Isto (Nirvana) não é o que surge de
mim, ou daqueles nobres caminhos, ou dos seres. Saiba que todas
essas coisas retornam às impurezas. Por essa razão, todos os seres não
podem alcançar o Nirvana.

Oh bom homem! Um bom médico conhece tudo sobre doenças e fala


sobre o remédio. Se a pessoa doente não o toma, o médico não é cul-
pado.

Oh bom homem! Um danapati [doador] doa coisas a todas as pessoas.


Poderá haver aqueles que não aceitarão. O doador não é culpado por
isto.

Oh bom homem! Quando o sol surge, todas as trevas se iluminam.


Mas, o cego não pode ver isto. O sol não é culpado por isto.

Oh bom homem! As águas do Rio Ganges realmente acabam com a


sede. Poderá haver aqueles que estão sedentos, mas que não a to-
mam. A água não é culpada.

Capítulo 39: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 7 Página 185


Oh bom homem! A grande terra produz excelentes frutos para todos
igualmente. Mas poderá haver agricultores que não plantam. A terra
não é culpada por isto.

Oh bom homem! O Tathagata concede e expõe os 12 tipos de sutras


para todos os seres. Mas, o Tathagata não é culpado se os seres não os
aproveitam. Oh bom homem! Todos aqueles que praticam a Via atingi-
rão a Iluminação Insuperável. Oh bom homem! Você diz que todos os
seres possuem a Natureza de Buda e que é tão infalível quanto um
magneto (imã) que eles atinjam a Iluminação Insuperável. É bom, é
bom que em virtude das relações causais da Natureza de Buda as pes-
soas atinjam a Iluminação Insuperável. Mas, caso você diga que não há
necessidade de praticar o Caminho Sagrado, isto não é assim.

Oh bom homem! Como uma ilustração: um homem está viajando atra-


vés do deserto e sente sede, quando ele depara com um poço. Este é
muito profundo, de tal forma que ele não pode ver a água. Mas, po-
demos nos certificar de que existe água lá. Se a pessoa encontrar os
meios de capturar a água com uma corda e um balde, a água segura-
mente estará lá. É o mesmo, também, com a Natureza de Buda. Todos
os seres a possuem. Mas somente através da prática do imaculado
Nobre Caminho alguém poderá realmente vê-la.

Oh bom homem! Se há gergelim, podemos obter óleo. Se não tivermos


os meios, não poderemos obtê-lo. É o mesmo com a cana de açúcar.

Oh bom homem! Embora o Uttarakuru ao norte do Céu Trayastrimsa


exista, não se pode vê-lo a não ser através da acumulação de bom
carma, poderes transcendentais, e o poder da Via. As raízes das árvores
e gramas que estão sob a terra, e as águas subterrâneas, não podem
ser vistas por nós, uma vez que a terra as encobre. É a mesma situação
com a Natureza de Buda, também. Se alguém não pratica a Via Sagra-
da, não se pode esperar vê-la.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 186


Oh bom homem! Você diz que as doenças do mundo serão curadas
com ou sem cuidados de enfermagem, um bom médico, bons remé-
dios, comida e bebida necessárias para aquelas doenças. Oh bom ho-
mem! Eu falei assim para todos os Bodhisattvas do sexto estágio.

Oh bom homem! No espaço, todos os seres não têm lado de dentro,


nem lado de fora, e nem interior ou exterior. Assim, eles são desimpe-
didos em todas as direções. É o mesmo com a Natureza de Buda de
todos os seres, também.

Oh bom homem! Há um homem que possui riquezas em diferentes


lugares e não onde ele está. Quando indagado, ele poderá dizer que a
possui. Por quê? Porque decididamente ele a possui. É o mesmo com a
Natureza de Buda dos seres, também. Não é isto e nem aquilo. Como
se está certo de tê-la em mãos, dizemos que ela é tudo.

Oh bom homem! É como no caso em que todos os seres fazem todas


as coisas. Eles não são bons, nem maus, nem internos e nem externos.
Todas essas naturezas cármicas são não-existentes e não-não-
existentes. Também, não é o que outrora não foi, mas agora é. Não é o
que surgiu sem alguma causa. Não é o que eu fiz e eu recebo. Não é o
que eu fiz e ele recebe. Não é o que ele fez e eu recebo. Não é o que se
fez; não é o que se recebe. O tempo concorda e a fruição acontece. É o
mesmo com a Natureza de Buda de todos os seres, também. Nova-
mente, não é o que (outrora) não foi, mas agora é. Não é nem dentro e
nem fora. Nem é ‘é’ e nem ‘não-é’. Nem isto e nem aquilo. Nem é o
que surge sem (causa), nem é (ou surge) de nenhuma relação causal.
Não é aquilo que todos os seres não podem ver. Todos os Bodhisattvas
vêem como o tempo e as relações causais se conjugam. Dizemos tem-
po. O Bodhisattva-Mahasattva dos dez estágios pratica o Nobre Cami-
nho Óctuplo e adquire uma mente toda-equalitária, momento em que
ela [a Natureza de Buda] pode ser vista. Não é algo criado.

Oh bom homem! Você diz que é como um imã. Mas, isto não é assim.
Por que não? Uma pedra não atrai o ferro. Por que não? Porque não há
Capítulo 39: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 7 Página 187
uma ação mental que opere. Oh bom homem! Existem coisas de natu-
rezas diferentes, e assim uma (outra) coisa de natureza diferente apa-
rece. E quando não há diferentes coisas, uma (outra) coisa diferente
desaparece [se dissolve]. Não há ninguém que faça e ninguém que
desfaça. Oh bom homem! É como no caso de um grande fogo que não
pode queimar o combustível. Quando o fogo surge, o combustível de-
saparece [é extinto, destruído]. A isso chamamos de combustível ar-
dente. Oh bom homem! Isto é como o girassol, que gira por si só, se-
guindo o sol. E esse girassol não tem espírito reverente, nem consciên-
cia, e nenhuma ação a perpetrar. É pela natureza de uma coisa diferen-
te que ele gira por si só.

Oh bom homem! É como com a bananeira que cresce com os trovões.


Essa planta não possui ouvido e nem consciência. Quando existe uma
coisa diferente, essa (outra) coisa diferente cresce; quando não há uma
coisa diferente, essa (outra) coisa diferente morre. Oh bom homem! É
como no caso da árvore ‘asoka’, que solta flores quando uma fêmea a
toca. Essa árvore não tem uma mente, nem sentido de tato. Quando
há uma coisa diferente, uma coisa diferente surge; quando não há uma
coisa diferente, uma coisa diferente morre.

Oh bom homem! Isto é como no caso do ‘citrus nobilis’, que não frutifi-
ca mais quando recebe um cadáver. No entanto, essa planta não tem
uma mente e nem sentido de tato. Através de uma coisa diferente,
surge uma coisa diferente; quando não há uma coisa diferente, a coisa
diferente morre. Oh bom homem! Por exemplo, a fruta da romã cresce
quando adubada com ossos-da-perna em decomposição. Mas, a árvore
da romã também não possui uma mente ou sentido de tato. Quando
há uma coisa diferente, uma coisa diferente surge, e quando não há
uma coisa diferente, uma coisa diferente desaparece.

Oh bom homem! O mesmo se aplica ao caso do imã ao atrair o ferro.


Quando existe uma coisa diferente, uma coisa diferente surge; quando
não há uma coisa diferente, a coisa diferente desaparece. É o mesmo

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 188


com a Natureza de Buda dos seres que não pode atrair a Iluminação
Insuperável.

Oh bom homem! A ignorância não pode atrair todas as ações. A voli-


ção, também, não pode atrair a consciência. E, no entanto, podemos
dizer que a ignorância tem um relacionamento causal com a volição, e
a volição com a consciência. Quer exista o Buda ou não, o mundo é
eterno.

Oh bom homem! Você pode dizer que a Natureza de Buda vive nos
seres. Oh bom homem! Você deveria saber que o que é Eterno não
tem morada [isto é, não está confinado num lugar limitado no espaço e
no tempo]. Se existisse um lugar onde ela (a Natureza de Buda) residis-
se, isto nos diria que o que há é algo impermanente. Oh bom homem!
Você deveria saber que os 12 elos do surgimento interdependente não
têm um lugar para ficar. Se tivessem, não diríamos que os 12 elos do
surgimento interdependente são eternos. É o mesmo com o Dharma-
kaya [Corpo do Dharma] do Tathagata. Ele não tem um lugar para mo-
rar. Tudo como os 18 reinos, as 12 esferas, os skandhas e o espaço não
têm qualquer lugar para ficar. É o mesmo com a Natureza de Buda,
também. Tudo isto não tem qualquer lugar para ficar.

Oh bom homem! Por exemplo, os quatro grandes elementos têm po-


deres que são todos iguais. Mas, existem qualidades como dureza,
calor, umidade, mobilidade, leveza, peso, vermelho, branco, amarelo e
preto. Esses quatro elementos não têm ação cármica. Sendo diferentes
no reino da existência, não há semelhança (entre eles). É o mesmo com
a Natureza de Buda, também. Diversa em natureza no reino da exis-
tência, ela surge na existência quando o tempo vem.

Oh bom homem! Todos os seres não estão afastados da [isto é, não


estão separados da] Natureza de Buda. Portanto, dizemos ‘é’. Em razão
da irreversibilidade do que poderá ser ‘é’ no futuro, (em razão) do que
está certo de ser adquirido, e do que definitivamente poderá ser visto.

Capítulo 39: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 7 Página 189


Este é o porquê dizemos que todos os seres possuem a Natureza de
Buda.

A Parábola dos Cegos e o Elefante

Oh bom homem! Por exemplo, existe um rei que diz ao seu ministro:
‘Busque um elefante e mostre-o a alguma pessoa cega’. Então, seguin-
do a ordem real, o ministro chamou muitas pessoas cegas, às quais ele
mostrou o elefante. Todas as pessoas cegas tocaram o elefante com
suas mãos. O ministro disse ao rei: ‘Já tenho as pessoas cegas para
reconhecer o elefante’.

Então, o rei chamou as pessoas cegas e indagou a cada uma delas:


‘Você viu o elefante’?
‘Sim, senhor! Eu vi o elefante’.
O rei indagou: ‘Como você pensa que o elefante é’?
A pessoa que havia tocado suas presas disse: ‘O elefante é como a raiz
de uma goosefoot (planta daninha - espinafre selvagem do gênero
Chenopodium) ou de um cogumelo’.
O homem que havia tocado a sua orelha disse: ‘O elefante é como um
abano’.
Aquele que havia tocado sua tromba disse: ‘O elefante é como um
pilão’.
A pessoa que havia tocado suas patas disse: ‘O elefante é como um
moinho feito de madeira’.
Aquele que o havia tocado pelo dorso disse: ‘O elefante é como uma
cama’.
O homem que havia tocado a sua barriga disse: ‘O elefante é como
uma panela’.
O homem que o havia tocado pela cauda disse: ‘O elefante é como
uma corda’.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 190


Oh bom homem! Todas essas pessoas cegas não foram capazes de
dizer bem a forma do elefante. E, no entanto, não é que eles não digam
nada sobre o elefante. Todos esses aspectos de representação são do
elefante. E, excluídos estes (aspectos), não pode haver qualquer ele-
fante.

Oh bom homem! O Rei é comparável ao Tathagata-Arhat-


Samyaksambuddha, o ministro (é comparável) ao Sutra Vaipulya do
Grande Nirvana, o elefante à Natureza de Buda, e as pessoas cegas a
todos os seres que são ignorantes.

Todas essas pessoas (ignorantes), ao ouvir o que o Buda diz, podem


dizer: ‘Forma [‘rupa’ – forma física, matéria, corpo] é a Natureza de
Buda. Por quê? Porque essa forma, embora morra, continua a existir.
Devido a isto, ele atinge as 32 marcas insuperáveis da perfeição do
Tathagata e a eternidade da forma do Tathagata. Porque a forma do
Tathagata não desintegra. Este é o porquê dizemos que a forma é a
Natureza de Buda. Por exemplo, a forma do ouro verdadeiro pode
mudar, mas a cor é sempre única e não diferente. Dele pode ser feito
um bracelete, uma serpente, uma bacia e, no entanto, a cor amarela
nunca muda. É o mesmo com a Natureza de Buda dos seres, também.
A forma pode não ser única, mas a cor é única. Assim, podemos dizer
que ‘rupa’ é eterna’. Assim eles dizem.

Ou algum outro pode dizer: ‘Sentimento [‘vedana’] é a Natureza de


Buda. Por que é assim? Porque através das relações causais do senti-
mento, obtêm-se a verdadeira felicidade do Tathagata. O sentimento
do Tathagata é o do absoluto e é do ‘Paramartha-satya’. A natureza do
sentimento dos seres é não-eterna, mas continua a existir sucessiva-
mente. É por essa razão que se ganha o sentimento eterno do Tathaga-
ta. Por exemplo, o nome do clã de um homem é Kausika. O homem em
si é não-eterno, mas o nome do seu clã segue como é e não muda,
mesmo ao curso de milhares ou milhões de anos. É o mesmo com a
Natureza de Buda dos seres, também. Por essa razão, o sentimento é a
Natureza de Buda’.
Capítulo 39: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 7 Página 191
E algum outro diz: ‘Percepção [‘samjna’] é a Natureza de Buda. Por
quê? Através das relações causais da percepção, atinge-se a percepção
do Tathagata. A percepção do Tathagata é aquela da não-percepção. A
percepção da não-percepção não é aquela do homem, nem é nada de
macho ou fêmea, da forma, sentimento, percepção, volição ou consci-
ência. É não-percepção, algo diverso da percepção. A percepção dos
seres é não-eterna. Mas, uma percepção é seguida por outra, uma
após a outra, tal que não há interrupção, e assim obtemos a sensação
de que a qualidade da percepção é eterna. Oh bom homem! Por e-
xemplo, tomemos o caso dos 12 elos do surgimento interdependente
dos seres. Embora os seres morram, as relações causais são eternas. É
o mesmo com a Natureza de Buda dos seres. Por essa razão, dizemos
que a percepção é a Natureza de Buda’. Assim as pessoas falam.

Além disso, eles dizem: ‘Volição [‘samskara’ – impulsos mentais, vonta-


de] é a Natureza de Buda. Por quê? Volição é vida. Em razão das rela-
ções causais dos seres, uma pessoa atinge a vida eterna do Tathagata.
A vida dos seres é não eterna, mas uma vida segue outra em sucessão,
uma após a outra, de tal forma que não há interrupção. Assim, obtêm-
se a vida eterna do Tathagata, a qual é verdadeira. Oh bom homem!
Por exemplo, aqueles que falam a respeito e dão ouvido aos 12 tipos
de sutras são eternos, porque esses sutras existem eternamente e não
mudam. Assim acontece com a Natureza de Buda dos seres. Portanto,
volição é a Natureza de Buda’. Assim eles dizem.

Também, eles dizem: ‘Consciência [‘vijnana’] é a Natureza de Buda. Em


razão das relações causais da consciência, obtêm-se a mente toda-
equalitária do Tathagata. Embora a consciência dos seres seja não-
eterna, uma consciência é seguida por outra sucessivamente, tal que
não há interrupção. Portanto, obtêm-se a mente eterna do Tathagata,
que é verdadeira. O fogo possui a propriedade do calor. Mas a proprie-
dade do calor é eterna. É o mesmo com a Natureza de Buda dos seres.
Portanto, consciência é a Natureza de Buda’. Assim eles dizem.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 192


Também, eles dizem: ‘Fora dos skandhas, existe o Eu. O ‘Eu’ é a Natu-
reza de Buda. Por quê? Em razão das relações causais do Eu, obtêm-se
a luz desimpedida do Tathagata’.

Há vários tirthikas que dizem: ‘Ir e vir, ver e ouvir, tristeza e alegria,
palavras e fala são o Eu. Todas essas noções do Eu são não-eternas.
Mas, o Eu do Tathagata é verdadeiramente Eterno’.

Oh bom homem! Os cinco skandhas, os 18 reinos e as 12 esferas são


também não-eternos. Mas, os chamamos eternos. O mesmo é o caso
com os seres.

Oh bom homem! Cada uma das pessoas cegas falou sobre o elefante e
o que eles disseram não está de acordo com a verdade. Entretanto,
não é que eles não falaram sobre o elefante. É mesmo com as pessoas
que falam sobre a Natureza de Buda, também. (A Natureza de Buda)
não é exatamente as seis coisas e, no entanto, não é o caso que ela
esteja longe delas. Oh bom homem! Este é o porquê Eu digo que a
Natureza de Buda é não-forma e, no entanto, ela não está apartada da
forma. Não é o Eu e, no entanto, não está apartada do Eu. Oh bom
homem! Muitos tirthikas dizem que existe o Eu. Mas, para dizer a ver-
dade, não há Eu. O Eu dos seres [em oposição ao do Buda] é os cinco
skandhas. Fora os skandhas, não existe Eu. Oh bom homem! Por e-
xemplo, o caule, a folha e o cálice se combinam e temos a floração do
lótus. Fora isto, não pode haver nenhuma flor. É o mesmo com o Eu
dos seres.

Oh bom homem! Por exemplo, as paredes, vidros e madeira se combi-


nam, e temos uma casa. Fora isto, não pode haver uma casa. A khadira,
a palasa, a nyagrodha e a udumbara se combinam, e temos uma flores-
ta. Fora isto, não há floresta. Por exemplo, coisas como carruagens,
soldados, elefantes, cavalos e infantaria se combinam, e temos um
exército. Fora isto, não pode haver exército. Uma boa combinação de
fios nas cinco cores produz uma ‘aya’ [do Japonês: um tipo de roupa de
seda multicolorida]. Fora isto, não pode haver qualquer ‘aya’. A combi-
Capítulo 39: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 7 Página 193
nação harmoniosa das quatro castas é chamada de ‘grande população’.
Fora isto, não pode haver nenhuma ‘grande população’. É o mesmo
com o Eu dos seres, também. Não há Eu sem os cinco skandhas.

Oh bom homem! O Eterno do Tathagata é o Eu. O Dharmakaya [‘Corpo


do Dharma’] do Tathagata é ilimitado, sem obstruções, não-
nascimento, não-extinção (imortal), e os oito desimpedimentos. Isto é
o Eu. Os seres, para dizer a verdade, não possuem tal Eu e o que o Eu
possui. Somente diante do fato de uma pessoa atingir o Vazio Absoluto
do ‘Paramartha-satya’ é que podemos falar de Natureza de Buda.

Oh bom homem! Grande Amor-Benevolente e Grande-Compaixão são


a Natureza de Buda. Por quê? Porque o Grande Amor-Benevolente e a
Grande Compaixão sempre acompanham o Bodhisattva. É como a
sombra que segue a forma. Todos os seres, decididamente, atingirão o
Grande Amor-Benevolente e a Grande Compaixão. Assim, dizemos que
todos os seres possuem o Grande Amor-Benevolente e a Grande Com-
paixão. Grande Amor-Benevolente e Grande Compaixão são a Nature-
za de Buda. A Natureza de Buda é o Tathagata.

Grande Alegria-Simpática e Grande-Equanimidade são a Natureza de


Buda. Por quê? Se o Bodhisattva-Mahasattva não puder abandonar as
25 existências, ele não poderá atingir a Iluminação Insuperável. Como
todos os seres infalivelmente as alcançarão, dizemos que todos os se-
res possuem a Natureza de Buda. Grande Alegria-Simpática e Grande-
Equanimidade são a Natureza de Buda. A Natureza de Buda é ao mes-
mo tempo o Tathagata.

A Natureza de Buda é grande fé [Japonês: ‘daishinjin’]. Por quê? Em


razão da fé, o Bodhisattva-Mahasattva pode de fato aperfeiçoar-se
desde o danaparamita até o prajnaparamita. Como todos os seres infa-
livelmente adquirirão grande fé, dizemos: ‘Todos os seres possuem a
Natureza de Buda’. Grande fé é a Natureza de Buda. A Natureza de
Buda é o Tathagata.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 194


A Natureza de Buda é o solo do filho único. Por quê? Em razão das
relações causais do solo do filho único, o Bodhisattva tem uma mente
igualitária com relação a todos os seres. Como todos os seres finalmen-
te atingirão o solo do filho único, dizemos: ‘Todos os seres possuem a
Natureza de Buda’. O solo do filho único é a Natureza de Buda. A Natu-
reza de Buda é o Tathagata.

A Natureza de Buda é o quarto poder. Por quê? Através das relações


causais do quarto poder, o Bodhisattva ensina bem todos os seres.
Como todos os seres finalmente adquirirão o quarto poder, dizemos:
‘Todos os seres possuem a Natureza de Buda’. O quarto poder é a Na-
tureza de Buda. A Natureza de Buda é o Tathagata.

A Natureza de Buda são os 12 elos do surgimento interdependente.


Por quê? Em razão das relações causais, o Tathagata é Eterno. Todos os
seres finalmente possuirão os 12 elos do surgimento interdependente.
Este é o porquê dizemos: ‘Todos os seres possuem a Natureza de Bu-
da’. Os 12 elos do surgimento interdependente são a Natureza de Bu-
da. A Natureza de Buda é o Tathagata.

A Natureza de Buda é a quádrupla sabedoria sem obstruções. Em razão


das quatro desobstruções, dizemos que ele (o Bodhisattva) é desobs-
truído no entendimento das palavras. Desobstruído no entendimento
das palavras, ele realmente ensina os seres. As quatro desobstruções
são a Natureza de Buda. A Natureza de Buda é o Tathagata.

A Natureza de Buda é chamada ‘Samadhi-Vajropama’. Ao praticar Sa-


madhi, apreende-se verdadeiramente as doutrinas Budistas. Em razão
disto, dizemos: ‘O Samadhi-Vajropama é a Natureza de Buda’. O Bodhi-
sattva dos dez estágios pratica esse Samadhi e ainda não é perfeito. Ele
vê a Natureza de Buda, mas não claramente. Como todos os seres fi-
nalmente o obterão, dizemos: ‘Todos os seres possuem a Natureza de
Buda.

Capítulo 39: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 7 Página 195


Oh bom homem! Como todas as doutrinas [dharmas] acima mencio-
nadas finalmente serão obtidas por todos os seres, dizemos: ‘Todos os
seres definitivamente possuem a Natureza de Buda’. Oh bom homem!
Se Eu digo que a forma material [‘rupa’] é a Natureza de Buda, os seres,
ao ouvirem isto, adquirirão uma visão invertida. Sendo invertida, quan-
do a vida terminar eles cairão no Inferno Avichi. Os sermões do Tatha-
gata são para livrar a pessoa do inferno. Assim, ele não diz que a forma
material é a Natureza de Buda. Também, o mesmo se aplica até a
consciência (consubstanciando os cinco skandhas).

Oh bom homem! Dizemos que quando todos os seres obtiverem a


Natureza de Buda, eles não necessitarão praticar a Via. Isto vem do
fato de que o Bodhisattva dos dez estágios, como ele pratica o Nobre
Caminho Óctuplo, pode ver a Natureza de Buda parcialmente. Como
poderia uma pessoa que não praticou a Via vê-la bem? Oh bom ho-
mem! Manjushri e todos os Bodhisattvas já praticaram a Via Sagrada
durante inumeráveis vidas, e eles conhecem a Natureza de Buda. Co-
mo poderiam os Sravakas e Pratiekabudas conhecer a Natureza de
Buda? Qualquer ser que deseje conhecer a Natureza de Buda deve,
com pensamento único, proteger, recitar, copiar e expor o Sutra do
Nirvana; e fazer oferecimentos, respeitá-lo e louvá-lo. Se alguém en-
contrar uma pessoa que proteja e enalteça o Sutra, dever-se-ia dar a
essa pessoa uma boa casa para viver, roupas, comida e bebida, roupas
de cama e remédios; e também, dever-se-ia louvar, adorar e indagá-la
sobre a Via. Oh bom homem! (Somente) Uma pessoa que tenha em
inumeráveis, ilimitadas vidas passadas se associado, e que tenha ofere-
cido coisas a inumeráveis Budas, e que tenha acumulado uma grande
quantidade de boas ações, pode esperar ouvir o nome deste Sutra.

Oh bom homem! É difícil conceber a Natureza de Buda. Não é possível


conceber os Três Tesouros do Buda, do Dharma e da Sangha. Todos os
seres possuem a Natureza de Buda, mas nem todos podem conhecê-la.
Isto, também, não pode ser concebido facilmente. A Lei [Dharma] do
Eterno, Êxtase, o Eu, e o Puro do Tathagata também é difícil conhecer.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 196


Que todos os seres creiam no Sutra do Grande Nirvana também é difí-
cil.”

O Bodhisattva Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Você


diz: ‘Não é possível conceber que todos os seres acreditem realmente
no Sutra do Grande Nirvana’. Oh Honrado pelo Mundo! Em meio à
massa de pessoas aqui presentes, há 85.000 bilhões de pessoas que
não têm fé neste sutra. Seria surpreendente se houvesse alguém que
pudesse acreditar neste sutra.”

“Oh bom homem! Todas essas pessoas poderão, nas vidas futuras,
decididamente acreditar neste sutra. Elas verão a Natureza de Buda e
atingirão a Iluminação Insuperável.”

Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Como o Bodhisattva


do estágio de não-regressão poderá saber que ele tem a mente não-
retroativa?”

O Buda disse: “Oh bom homem! O Bodhisattva-Mahasattva testa a sua


própria mente através da penitência. Ele pega (e come) uma simples
semente de gergelim um dia, e assim o faz por sete dias. Isto se proce-
de também com o arroz, feijão verde, semente de cânhamo, milho e
feijão branco; dos quais ele pega (e come) um a cada dia durante sete
dias. Ao comer a semente do cânhamo, ele tem que pensar: ‘Todas
essas penitências de nada contribuem. Estou fazendo o que não me
beneficia. Por que não faço o que me dá benefícios’? Naquilo que não
concede qualquer benefício à pessoa, a mente se estabelece bem, não
recua e não muda. Em razão disto, ele estará seguro de atingir a Ilumi-
nação Insuperável. Quando a penitência é praticada dessa maneira, a
carne e a pele ficam tão emaciadas e enrugadas que todas as coisas
parecem uma abóbora crua cortada e exposta ao sol. Os olhos se tor-
nam tão fundos que se parecem com estrelas flutuando em um poço; a
carne se torna tão ressecada e enrugada que se parece com uma
choupana feita de sapé. Os ossos da espinha saltam para fora, uns so-
bre os outros, mais parecendo a cobertura de uma coroa; (o lugar)
Capítulo 39: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 7 Página 197
onde ele senta parace a marca estampada por uma ferradura. Dese-
jando sentar, ele cai de bruços; e desejando levantar-se, ele cai de bru-
ços. Assim ele sofre de dores inúteis. No entanto, esse Bodhisattva
[determinado na Iluminação] não recua.

Também, além disso, oh bom homem! O Bodhisattva-Mahasattva luta


contra as dores. E para dar paz aos outros, ele se despoja de toda a
riqueza que possui e abandona sua própria esposa como se fosse for-
ragem. Deixando de lado o seu corpo e sua mente, esse Bodhisattva
infalivelmente verá que ele possui uma mente não-retroativa e que ele
decididamente atingirá a Iluminação Insuperável.

Também, além disso, o Bodhisattva, pelo Dharma, corta seu próprio


corpo e o transforma numa lâmpada. Ele enrola sua pele e carne num
tecido de lã, embebe em óleo, queima-o e o transforma numa tocha. O
Bodhisattva sofre essa grande dor no momento e censura a sua própria
mente, dizendo: ‘Mesmo essas dores não correspondem a uma centé-
sima-milésima-milionésima parte. Por um período de inumeráveis cen-
tenas de milhares de kalpas, você tem que submeter-se a grandes do-
res sem nada ganhar. Se você não pode suportar essa ligeira dor, como
pode esperar salvar aqueles que estão sofrendo as penas do inferno’?
Quando o Bodhisattva-Mahasattva pensa assim, ele não sente mais
dores no seu corpo e sua mente não recua. Ela não se move ou muda.
O Bodhisattva então pensa profundamente: ‘Certamente atingirei a
Iluminação Insuperável’. Oh bom homem! O Bodhisattva, na ocasião,
está trajado em impureza. Ela ainda não foi erradicada. Em prol do
Dharma, ele de fato doa aos seres toda sua cabeça, olhos, tutano,
mãos e pés, sangue e carne. Ele crava pregos no seu corpo, atira-se
sobre pedras, e caminha no fogo. Naquela ocasião o Bodhisattva sofre
essas inumeráveis dores. Sua mente não recua, não se move, e não
muda. E o Bodhisattva sabe: ‘Agora eu tenho uma mente não-
retroativa, e atingirei a Iluminação Insuperável.

Oh bom homem! O Bodhisattva-Mahasattva, no sentido de extirpar o


sofrimento de todos os seres, faz um voto, adquire a rudeza e o grande
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 198
corpo de um animal e doa seu próprio corpo, sangue e carne aos seres.
Quando os seres compartilharem disto, terão um sentimento de pie-
dade. O Bodhisattva, então, suprime sua respiração, mostra uma face
morta, e não permite que a pessoa que o fere adquira um pensamento
de matança ou dúvida. O Bodhisattva, embora num corpo de animal
agora, até o fim, não comete qualquer ação de um animal. Por quê? Oh
bom homem! Quando um Bodhisattva adquire uma mente não-
retroativa, ele não comete qualquer ação dos três reinos do infortúnio.
Se houver qualquer traço de má retribuição cármica não suprimida
definitivamente na vida futura, o Bodhisattva-Mahasattva faz um voto
e sofre tudo isso em benefício dos seres. Por exemplo, uma pessoa
doente tem dentro do seu corpo um demônio sentado, escondido.
Através do poder de encantamentos, ele mostra a sua forma e conver-
sa, está feliz, irado, calunia, chora e ri. As coisas são assim. As ações nos
dias dos três reinos do infortúnio do Bodhisattva-Mahasattva também
se procedem da mesma maneira.

Quando o Bodhisattva-Mahasattva adquire o corpo de um urso pardo,


ele fala do Dharma Maravilhoso aos seres. Ou ele pode adquirir o cor-
po de um kapinjala, e falar do Dharma aos seres. Ou ele pode adquirir
corpos como os do godha, veado, lebre, ovelha, macaco, pomba bran-
ca, garuda, naga ou serpente. Ao adquirir tais corpos, ele nunca pensa
em cometer as más ações de uma besta. Sempre, para o benefício de
todas as outras bestas e seres, ele fala do Dharma Maravilhoso, de tal
forma a permitir-lhes descartar rapidamente seus corpos de animais. O
Bodhisattva, embora possuindo o corpo de um animal, não comete
nenhuma das más ações de um animal. Assim, pode-se saber que ele
decididamente reside numa mente não-retroativa.

O Bodhisattva-Mahasattva, na hora da fome, vê os seres famintos e


adquire o corpo de uma tartaruga ou peixe, tão grande quanto inume-
ráveis yojanas. E novamente, ele jura para si mesmo: ‘Rogo para que
quando todos os seres compartilharem da minha carne, assim que o
fizerem, uma nova carne surgirá, tanto que eles serão capazes de apar-
tarem-se da fome e da sede, e que todos aspirem à Iluminação Insupe-
Capítulo 39: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 7 Página 199
rável’. O Bodhisattva faz um voto: ‘Se eles acabarem com a fome e a
sede por minha causa, eles acabarão com as 25 existências no futuro’.
Quando o Bodhisattva submeter-se a essas dores, ele não retroagirá.
Saiba que ele infalivelmente atingirá a Iluminação Insuperável.

Também, além disso, o Bodhisattva, em tempos de epidemia, vê aque-


les que estão sofrendo e pensa: ‘Isto é como no caso de uma grande
árvore medicinal, e a pessoas doentes vêm e pegam as raízes, caule,
galhos, folhas, flores, frutos e casca, e acabam com as suas doenças. Eu
rogo para que meu corpo, também, sirva dessa maneira. Qualquer um
que sofra de doenças poderá ouvir [minha] voz, tocar [meu] corpo, ou
compartilhar de [meu] sangue e carne, ou do tutano dos [meus] ossos,
e suas doenças partirão. Rogo para que quando todos os seres compar-
tilharem da minha carne, eles não adquiram maus pensamentos e
sintam como se eles estivessem compartilhando da carne do seu pró-
prio filho. Após curar suas doenças, sempre falarei do Dharma. Rogo
para que eles acreditem, meditem e, então, ensinem outros.

Também, além disso, oh bom homem! O Bodhisattva, embora trajado


em impurezas e sofrendo dores corporais, sua mente não retroage,
não se move ou muda. Saiba que ele infalivelmente ganhará a mente
não-retroativa e seguirá a Iluminação Insuperável.

Também, além disso, oh bom homem! Os seres podem estar sofrendo


de doenças por causa de um demônio. O Bodhisattva vê isto e diz:
‘Rogo para que eu adquira o corpo de um demônio, grande no tama-
nho e poderoso na psique, alguém que tenha muitos parentes, tal que
eles (os seres doentes) possam ver e dar ouvido ao que eu falo, e que a
doença se vá’.

O Bodhisattva, para o benefício dos seres, submete-se à penitência.


Embora trajado em impurezas, sua mente não se torna corrompida.

Também, além disso, oh bom homem! O Bodhisattva-Mahasattva pra-


tica os seis paramitas [perfeições]. Mas, ele não busca obter os frutos
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 200
dos seis paramitas. Ao praticar os seis paramitas, ele roga: ‘Agora ofe-
recerei todas essas minhas ações dos seis paramitas para o bem de
todos os seres, tal que qualquer pessoa que receba o que ofereço atin-
ja a Iluminação Insuperável. Como eu pratico os seis paramitas, tam-
bém me submeterei a todas as dores. Como eu sofro, rogo que não
retroceda na minha aspiração à Iluminação’. Oh bom homem! Quando
o Bodhisattva adquire essa mente [estado mental], chamamos isto de
(mente) não-retroativa.

Também, além disso, oh bom homem! É difícil conceber o Bodhisattva.


Por quê? O Bodhisattva-Mahasattva conhece muito bem todos os pe-
cados do nascimento e da morte, e vê a grande virtude do Grande
Nirvana. E, mesmo assim, para o benefício de todos os seres, ele vive
onde se obtém o nascimento e a morte, sofrendo lá numerosas dores.
No entanto, sua mente não recua. Este é o porquê dizemos que o Bo-
dhisattva é inconcebível.

Também, além disso, oh bom homem! O Bodhisattva-Mahasattva sen-


te piedade onde não há nada para senti-la. Para dizer a verdade, ele
nada deve e, ainda assim, sempre concede favores [aos seres]. Ao con-
ceder favores, no entanto, ele não espera qualquer retorno. Por essa
razão, dizemos que ele é inconcebível.

Também, além disso, oh bom homem! Há seres que praticam várias


penitências para o seu próprio bem. O Bodhisattva-Mahasattva pratica
penitências de modo a beneficiar os outros. Isto é ‘beneficiar o próprio
eu’. Isto também é algo difícil de conceber.

Também, além disso, o Bodhisattva, trajado em impurezas, pratica a


mente toda-igualitária, de forma que ele possa extirpar todas as dores
que surgem da amizade e inimizade. Por causa disto, dizemos inconce-
bível.

Também, além disso, o Bodhisattva vê os seres que cometem malda-


des e fazem o que não é bom. Ele reprova-lhes, fala gentilmente, rejei-
Capítulo 39: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 7 Página 201
ta e abandona. Para alguém que seja de má índole, ele usa palavras
gentis; para alguém que seja arrogante, ele torna-se altamente arro-
gante. E, no entanto, no fundo ele não é arrogante. Isto é o que cha-
mamos inconcebilidade dos expedientes do Bodhisattva.

Também, além disso, o Bodhisattva é trajado em impurezas. Quando


ele tem pouco, muitas pessoas vêm e indagam. E sua mente não se
torna tacanha (intolerante). Isto é o que é inconcebível no Bodhisattva.

Também, além disso, o Bodhisattva conhece a virtude do Buda, quan-


do o Buda aparece no mundo. Para o benefício dos seres ele ganha
nascimento mesmo em lugares remotos, onde o Buda não está. Ele é
como uma pessoa cega, surda, coxa ou aleijada. Este é o porquê dize-
mos que o Bodhisattva é inconcebível.

Também, além disso, o Bodhisattva conhece muito bem todos os pe-


cados dos seres, e em prol da Emancipação, ele sempre os acompanha.
Embora ele siga à maneira das suas mentes, ele não se torna contami-
nado pelo pecado e pelas impurezas. Por essa razão, dizemos inconce-
bível.

Também, além disso, o Bodhisattva adquire um corpo que ainda tem


impurezas, e vive no Céu Tushita. Isto, também, é inconcebível. Por
quê? O Céu Tushita é o mais soberbo dos céus no mundo do desejo.
Aqueles que vivem nos céus inferiores possuem mentes indolentes, e
todos os sentidos orgânicos daqueles nos altos céus são tediosos. Por
essa razão, dizemos soberbo. Ao praticar dana e shila, adquire-se um
corpo nos altos ou baixos (céus). Ao praticar dana, shila e samadhi,
adquire-se o corpo do Céu Tushita. Todos os Bodhisattvas descartam e
destroem todos os dharmas [coisas impermanentes]. Eles nunca reali-
zam as ações do céu e ganham o corpo daquele céu. Por que não?
Embora vivendo outras existências, o Bodhisattva realmente ensina e
ganha a extinção. Para dizer a verdade, ele não tem cobiça e, no entan-
to, nasce no mundo do desejo. Em razão disto, dizemos inconcebível.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 202


A Vida, a Cor e a Fama do Bodhisattva

O Bodhisattva-Mahasattva, quando nasce no Céu Tushita, tem três


coisas superiores, a saber: 1) vida, 2) cor, e 3) fama. O Bodhisattva-
Mahasattva não busca a vida, a cor ou a fama. Ao não buscar [isto], o
que ele recebe é superior. O Bodhisattva-Mahasattva busca muito o
Nirvana, e na causa do ‘é’, também, ele é superior. Por essa razão, di-
zemos inconcebível.

Embora o Bodhisattva-Mahasattva supere assim os deuses nestas três


coisas, eles não adquirem [sentimento de] ira, inveja, ou arrogância
contra o Bodhisattva. Eles são felizes. O Bodhisattva, também, não se
torna arrogante contra os deuses. Este é o porquê dizemos inconcebí-
vel.

Embora o Bodhisattva-Mahasattva não realize qualquer ação para


adquirir vida, ele ganha vida naquele Céu (Tushita) no final das contas.
Assim, dizemos que [sua] vida é superior. Embora ele não tenha feito
nada em prol da cor, a luz do seu corpo maravilhoso preenche tudo ao
redor. Assim, ele é superior aos outros na cor. Vivendo naquele mundo
celestial, o Bodhisattva-Mahasattva não busca os cinco desejos. O que
ele faz diz respeito ao Dharma. Por conta disto, seu nome ressoa nas
dez direções. Isto é como seu nome [reputação, fama] é superior. Isto é
como ele é inconcebível.

O Bodhisattva-Mahasattva desce do Céu Tushita, e a grande terra se


agita de seis formas. Assim dizemos inconcebível. Por quê? Quando o
Bodhisattva desce do céu, todos os deuses dos mundos do desejo e da
cor (forma) acompanham-no e vêem-no fora (do céu), e louvam alta-
mente o Bodhisattva. Do vento gerado por suas bocas, a terra se agita.

Também, o Bodhisattva torna-se o elefante-rei dos humanos, e esse


elefante-rei é chamado ‘rei-naga’. Quando a naga entra no útero, todos

Capítulo 39: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 7 Página 203


os reis-naga sob o chão ficam com medo e assustados. Assim, a grande
terra se agita de seis formas. Por causa disto, dizemos inconcebível.

Quando o Bodhisattva-Mahasattva entra no útero, ele sabe quanto


tempo ele tem que ficar lá, e quando ele sairá. Ele conhece o pai e a
mãe, e não é contaminado pela sujeira. Tudo isto acontece como no
caso do nó do cabelo e da gema de cor azulada de Devendra. Em razão
disto, dizemos inconcebível.

Oh bom homem! É o mesmo com o Sutra do Grande Nirvana, o qual é


inconcebível. Por exemplo, isto é como com as oito coisas que são in-
concebíveis. Quais são as oito? Elas são: 1) gradativamente a profundi-
dade aumenta; 2) é profundo e o fundo é difícil de alcançar; 3) obtêm-
se igualdade (é homogêneo) como no caso do sabor salgado [do ocea-
no, o qual é igualmente salgado em toda parte]; 4) a maré não ultra-
passa a linha fronteiriça; 5) há vários repositórios de tesouros; 6) um
ser de grande corpo vive ali; 7) cadáveres não são encontrados lá; 8)
todos os rios e grandes chuvas correm para lá, mas o volume de água
não aumenta ou diminui.

Oh bom homem! Dizemos que gradativamente a profundidade au-


menta. Aqui, há três coisas, a saber: 1) o poder da riqueza dos seres; 2)
o bom vento que carrega bem as coisas; e 3) a água do rio entra, e há
três tipos de não-acréscimo e não-decréscimo. É o mesmo com esse
Todo-Maravilhoso Sutra do Grande Nirvana, também. Há oito inconce-
bilidades.

Primeiro, há o aprofundamento gradual como nos cinco preceitos, nos


dez preceitos, nos 250 preceitos, nos preceitos do Bodhisattva. E há as
fruições do Srotapanna, Sakrdagamin, Anagamin, Arhat, Pratyekabuda,
Bodhisattva, e do Insuperável Bodhi. Este Sutra do Nirvana fala desses
ensinamentos. Portanto, aprofundamento gradual. Isto é aprofunda-
mento gradual.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 204


Segundo, o muito difícil tem um fundo. O Tathagata-Honrado-pelo-
Mundo é não-nascimento e não-extinção. Não há consecução da Ilu-
minação Insuperável. Não há Giro da Roda da Lei. Ele não se alimenta,
não recebe, e não dá. Portanto, dizemos ‘o Eterno, o Êxtase, o Eu, e o
Puro’. Todos os seres possuem a Natureza de Buda. A Natureza de
Buda não é forma material e, no entanto, não está distante da forma
material. Não é sentimento, nem percepção, nem volição, e nem cons-
ciência. Nem está apartada da consciência. Isto é para ver sempre. A
causa da revelação (da Natureza de Buda) não é a causa do esforço (da
ação). Todos aqueles desde o Srotapanna até o Pratyekabuda alcança-
rão a Iluminação Insuperável. Também, (com o Tathagata-Honrado-
pelo-Mundo) não há impureza que possa ser mencionada, nem lugar
para existir, e não há ilusão. Assim, dizemos ‘Eterno’. Portanto, ‘pro-
fundo’.

Também, há o ‘Eternamente Profundo’. Isto é o que encontramos nes-


te Sutra, o qual às vezes declara (algo) como o Eu e às vezes como o
não-Eu; ou às vezes designa como Eterno, ou como não-Eterno; ou às
vezes como Puro, ou às vezes como não-Puro; ou às vezes designa
como Êxtase, e às vezes como Sofrimento; ou às vezes como Vazio, ou
às vezes como não-Vazio; às vezes tudo é ‘é’, ou às vezes tudo é ‘não-
é’; ou às vezes tudo são os três veículos, ou às vezes o veículo único; ou
às vezes os cinco skandhas, a Natureza de Buda, o Samadhi-Vajra, e o
Caminho Médio; ou o Samadhi Surangama, os 12 elos do surgimento
interdependente, e Paramartha-satya. O Amor-Benevolente e a Com-
paixão surgem igualmente para todos os seres. É o mais elevado co-
nhecimento, fé, o poder que conhece todos os sentidos orgânicos. Ele
fala sobre a Sabedoria das coisas. Possuindo a Natureza de Buda, não
se fala de nenhuma permanência. Assim, é ‘profundo’.

Terceiro, temos igualdade na salinidade do sabor. Todos os seres pos-


suem a Natureza de Buda e passeiam no Veículo Único; o que há é
Emancipação Única. O que há é causa única e fruição única. O sabor é o
mesmo da amrta [ambrosia – imortalidade]. ‘Todos atingirão o Eterno,
Êxtase, o Eu, e o Puro’. Este é sentido no qual falamos do ‘sabor único’.
Capítulo 39: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 7 Página 205
Quarto, a maré não ultrapassa a linha fronteiriça. Nisto, as muitas proi-
bições reprimem os Monges. Há oito coisas impuras que eles não de-
vem manter. É como quando estabeleci que meus discípulos protejam
bem, recitem, copiem, exponham e desdobrem esse Todo-Maravilhoso
Sutra do Grande Nirvana, e que não o transgridam, mesmo que signifi-
que perder suas vidas. Esse é o porquê dizemos que a maré não ultra-
passa a linha fronteiriça.

Quinto, dizemos que há vários repositórios de tesouros. Este sutra é


algo que contém incontáveis tesouros. Esses são as quatro recorda-
ções, os quatro esforços (corretos), as quatro determinações, os cinco
sentidos orgânicos, os cinco poderes, os sete elementos do Bodhi (Ilu-
minação), e o Nobre Caminho Óctuplo. Também, são tesouros as Ações
da Criança, as Ações Sagradas, as Ações Puras, e as Ações Celestiais.
Esses (os tesouros) são todos os bons expedientes e a Natureza de
Buda de todos os seres. Ainda há coisas como as virtudes do Bodhisatt-
va, as virtudes do Tathagata, as virtudes do Sravaka, e as virtudes do
Pratyekabuda; há coisas como os seis paramitas, os incontáveis Sama-
dhis, e as inumeráveis Sabedorias. Assim, dizemos ‘Casa-do-Tesouro’.

Sexto, isto se refere a onde o Ser de Grande-Corpo vive. Dizemos ‘Ser


de Grande-Corpo’. Em razão do fato de que o Buda e o Bodhisattva
possuem grande Sabedoria, dizemos ‘Grande Ser’. Em razão da imensi-
dão do seu corpo, da imensidão da sua mente, do grande adorno, da
grande subjugação que ele impõe, dos seus grandes (meios) expedien-
tes, dos seus grandes sermões, do seu grande poder, da imensidão do
número de pessoas, da imensidão de seus poderes transcendentais, do
seu Grande Amor-Benevolente, do seu ser Eterno e Imutável, do fato
que todos os seres são desimpedidos, do fato que todos os seres são
abrangidos, dizemos ‘onde o Ser de Grande-Corpo reside’.

Sétimo, dizemos que cadáveres não são encontrados [lá]. Cadáver é


nada mais que o icchantika, as quatro graves ofensas, os cinco pecados
mortais, a calúnia ao Vaipulya, o proferimento de sermões de forma
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 206
errada ou ilegítima. A pessoa guarda as oito coisas impuras; ela usa
deliberadamente o que pertence ao Buda e à Sangha; ela faz coisas
ilegais [que contrariam o Dharma] na presença de Monges e Monjas.
Esses são os cadáveres. O Sutra do Grande Nirvana está distante de tais
coisas. Este é o porquê dizemos que cadáveres não permanecem lá.

Oitavo, temos o que não aumenta e o que não decresce. Dizemos isso
porque não há linha fronteiriça, nem começo ou fim, sendo não-forma,
não-ação, sendo Eterno, não sendo nascido, e imortal. Como os seres
são todos iguais, como todos os seres são da mesma natureza, dizemos
que não há aumento e nem decréscimo. Assim, como o grande ocea-
no, este Sutra possui oito inconcebilidades.”

Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Você, o Tathagata,


diz que não-nascimento e não-extinção são o que é profundo. Agora,
com relação a todos os seres, há quatro [tipos de] nascimentos, a sa-
ber: 1) nascido do ovo, 2) nascido do útero, 3) nascido da umidade, e 4)
nascido por transformação. O humano é totalmente dotado desses
quatro tipos de nascimento. Os casos dos Monges Campalu e Upacam-
palu são bons exemplos. A mãe do homem rico, Mekhala, aquela do
homem rico, Nyagrodha, e a mãe de Panjara são das 500 [variedades]
nascidas do ovo. Sabe-se que mesmo entre humanos, também, há
casos de [pessoas] nascidas do ovo. Quanto àqueles nascidos da umi-
dade, é como o Buda estabelece. Certa vez no passado, como um Bo-
dhisattva, nasci como um Rei Nascido-da-Cabeça e como um Rei Nasci-
do-das-Mãos. Isto foi como no caso das mulheres, Amra e Kapitha.
Sabe-se que há também o nascimento pela umidade. Por ocasião do
início do mundo, todos os seres apareceram através do nascimento por
transformação [isto é, espontaneamente]. O Tathagata-Honrado-pelo-
Mundo obteve os oito desimpedimentos. Por que ele não aparece
através de um nascimento por transformação?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Todos os seres aparecem através dos
quatro tipos de nascimentos. Quando o Dharma Sagrado é obtido, um
ser pode não mais nascer como antes, a partir do ovo ou da umidade.
Capítulo 39: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 7 Página 207
Oh bom homem! Todos os seres nos primórdios do mundo aparece-
ram em estados transformados. Naquela ocasião, o Buda não apareceu
no mundo. Oh bom homem! Quando alguém adoece e tem dores,
procura um médico e remédios. Os seres, por ocasião do início do
mundo, ganharam nascimento em estados transformados [isto é, es-
pontaneamente]. Embora possuíssem impurezas, [suas] doenças ainda
não eram manifestas. Por essa razão, o Tathagata não apareceu no
mundo. Por ocasião do inicio do mundo, os seres não tinham receptá-
culos como corpo e mente. Por conta disto, o Tathagata não apareceu
no mundo.

Oh bom homem! A casta do Tathagata, parentes e pais, é superior


àquela dos seres. Em razão dessa superioridade, as pessoas acreditam
em tudo o que é dito sobre o Dharma. Por essa razão, o Tathagata não
ganha nascimento através da umidade. Oh bom homem! Com todos os
seres, o pai faz o carma do seu filho, e seu filho (faz) aquele do seu pai.
Se o Tathagata ganhasse nascimento através da umidade, não haveria
pai e nem mãe. Sem pai e mãe, como as pessoas poderiam ser levadas
a fazer boas ações? Em razão disto, o Tathagata não ganha um corpo
através da transformação. Oh bom homem! No Dharma Maravilhoso
do Buda, há duas proteções. Uma é interna e a outra externa. A interna
é a observância dos preceitos, e a externa são os parentes e afins. Se o
Buda-Tathagata obtivesse um corpo transformado, não poderia haver
qualquer proteção a partir de fora. Por essa razão, o Tathagata não
obtém um corpo transformado.

Oh bom homem! Os humanos adquirem a arrogância da casta. Para


destruir esse tipo de arrogância, ele [o Buda] assume um nascimento
nobre, não adquirindo um corpo transformado. Oh bom homem! O
Tathagata-Honrado-pelo-Mundo tem um verdadeiro pai e mãe. O pai
era Suddhodana, e a mãe era Maya. Com respeito a isso, todos os seres
dizem que eles eram fantasmas. Como ele poderia ganhar um corpo
transformado? Se o seu corpo era (produto) da transformação, como
ele poderia ganhar um corpo transformado? Ao obter um corpo trans-
formado, como poderiam ocorrer coisas como a dissolução do seu
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 208
corpo e a presença de cinzas (sharira)? Para incrementar fortuna e
virtudes, ele fez seu corpo se dissolver e fez oferecimentos. Por essa
razão, o Tathagata não ganha um corpo transformado. Nenhum Buda
jamais se revela em nascimentos por transformação. Por que apenas
Eu ganharia um corpo transformado?”

Então, o Bodhisattva Rugido do Leão juntou as palmas das mãos e,


prostrando-se no chão com seu joelho direito, enalteceu o Buda:

“O Tathagata é uma esfera de inumeráveis virtudes!


Não posso explicar bem [isto] agora.
Eu agora, em prol dos seres,
falo não mais que uma parte.

Tenha piedade e ouça o que digo.


Os seres se movem nas trevas da ignorância,
e sofrem de uma centena de dores.
O Honrado pelo Mundo as erradica completamente.
Assim, o mundo diz que ele é Grande Amor-Benevolente.
Os seres vão e voltam,
como um cordão do nascimento e morte;
e com indolência e delusão
não há paz e nem felicidade.

O Tathagata verdadeiramente concede paz às pessoas


e assim corta eternamente
o cordão do nascimento e morte.
O Buda verdadeiramente concede paz e felicidade às pessoas
e não tem cobiça com respeito à felicidade que ele mesmo possa ter.
Para o beneficio dos seres, ele se sujeita à penitência.

Assim, as pessoas lhe fazem oferecimentos.


Ao ver outros sofrendo dores, seu corpo se agita.
Quando está no inferno, não sente dores.
Para o beneficio dos seres, sujeita-se a grandes penas.
Capítulo 39: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 7 Página 209
Por essa razão, ninguém pode superá-lo;
ninguém pode descrevê-lo.

O Tathagata, para o beneficio dos seres,


pratica penitências e as suporta,
e é perfeito nos seis paramitas.
E é superior a todos os grandes.
Os seres sempre clamam pela paz e felicidade,
mas não sabem como criar a causa para isso.

O Tathagata ensina os [seres] a praticar o bem,


até como um pai compassivo
que ama seu filho único.
O Buda vê a doença das impurezas dos seres
e sofre com isso,
assim como uma mãe que vê seu filho doente.

Ele sempre pensa como erradicar a doença.


Por essa razão, seu corpo pertence aos outros.
Todos os seres promulgam todas as causas do sofrimento.
Suas mentes estão de cabeça para baixo e tomam isso por felicidade.
O Tathagata fala-nos da alegria e tristeza que são verdadeiras.
Assim, dizemos ‘Grande Compaixão’.

Todos os mundos estão envoltos na casca da ignorância


e nenhum bico da Sabedoria pode facilmente quebrar esse invólucro.
O bico da Sabedoria do Tathagata pode bem fazer isto.
Assim, dizemos ‘Grande Pessoa’.

As Três Existências não o abrangem bem;


nenhum nome, mesmo temporário, existe.
E o Buda conhece o mais profundo significado do Nirvana.
Assim, chamamos-lhe ‘Grande Desperto’.

O rio do ‘é’ gira em remoinho


Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 210
e os seres se afogam.
Seus olhos são obliterados pela ignorância,
tal que não podem facilmente libertar o seu próprio Eu.
O Tathagata salva seu próprio Eu e também salva outros.
Assim, o Buda é chamado ‘Grande Mestre Marinheiro’.

Ele é bem versado na causa e efeito de todas as coisas


e na maneira para anulá-los.
Ele sempre concede remédios para as doenças dos seres.
Assim, chamamos-lhe ‘Grande Médico’.

Os tirthikas falam das visões distorcidas e da penitência


e dizem que isto traz felicidade insuperável.
O Tathagata fala da Verdadeira Via da felicidade
e permite aos seres alcançar o bem-estar e a felicidade.
O Tathagata-Honrado-pelo-Mundo destrói as visões distorcidas da vida
e mostra aos seres o caminho correto a tomar.
Qualquer um que siga esse caminho ganhará bem-estar e felicidade.
Assim, chamamos o Buda de ‘Guia’.

Não é o que se faz,


nem aquilo que outros fazem,
não é fazer juntos;
não é sem uma causa.
A dor sobre a qual o Tathagata fala
supera o que os tirthikas professam.
Ele á realizado e perfeito
nos preceitos (shila), Samadhi, e Sabedoria
e ensina aos seres esse Dharma.
Quando em doação, Ele não tem inveja ou mesquinhez.
Assim, chamamos o Buda de ‘Compassivo Insuperável’.

Quer seja sobre tudo quanto não é feito


e sobre tudo quanto não possua relações causais,
Ele obtém a recompensa da causalidade e efetividade.
Capítulo 39: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 7 Página 211
Por essa razão, todas as pessoas sábias
enaltecem o Tathagata pelo o que ele faz para não retornar.
Sempre viajando junto com a indolência do mundo em geral,
Ele em si não é corrompido pela indolência.
Este é o porquê dizemos inconcebível.

As oito coisas (oito ventos) do mundo não podem corrompê-lo.


O Tathagata-Honrado-pelo-Mundo
não vê inimigo ou amigo.
Assim sua mente é sempre imparcial.

Eu dou um Rugido de Leão,


e verdadeiramente faço bramir todos os Rugidos de Leão do mundo.”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 212


Capítulo Quarenta: Sobre o Bodhisattva
Kashyapa 1
O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! O
Tathagata realmente sente piedade de todos os seres. Você harmoniza
bem o que não está harmonizado, torna o impuro puro, concede refú-
gio à pessoa que não tem refúgio, e dá a Emancipação à pessoa que
ainda não está emancipada. Você tem oito desimpedimentos, você é o
Grande Médico, e você é o Rei da Medicina. O Monge Sunaksatra foi
um filho do Buda quando ainda um Bodhisattva. Após a renúncia, ele
protegeu, recitou, desdobrou e expôs os 12 tipos de sutras, destruiu os
laços do mundo dos desejos e alcançou os quatro dhyanas [meditações
profundas]. Por que é que você, o Tathagata, profetizaria que Sunaksa-
tra é alguém inferior a um icchantika, alguém que vive há muito tempo
no inferno, alguém irremediável? Por que, oh Tathagata, para o seu
benefício, você não lhe fala sobre o Dharma Maravilhoso e então, mais
tarde, fala para o benefício dos Bodhisattvas? Oh Tathagata-Honrado-
pelo-Mundo! Se você não pode salvar o Monge Sunaksatra, como po-
demos dizer que você tem Grande Amor-Benevolente e Grandes (Mei-
os) Expedientes?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Como uma ilustração: um casal de pai
e mãe têm três filhos. Um é obediente, respeita seus pais, é arguto e
inteligente, e é bom conhecedor do mundo. O segundo filho não res-
peita seus pais, não tem um pensamento de fé, é arguto e inteligente,
e um bom conhecedor do mundo. O terceiro filho não respeita seus
pais, e não tem fé. Ele é obtuso e não tem inteligência. Quando os pais
desejam transmitir um ensinamento, quem deve ser o primeiro a ser
ensinado, quem deve ser amado, a quem os pais necessitam ensinar as
coisas do mundo?”

O Bodhisattva Kashyapa disse: “O primeiro a ser ensinado deve ser


aquele que é obediente, que respeita seus pais, que é arguto e inteli-
gente, e que conhece o que se obtém no mundo. Depois, o segundo e,

Capítulo 40: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 1 Página 213


então, o terceiro [filho]. Embora o segundo filho não seja obediente,
em prol do amor-benevolente, esse filho deve ser ensinado em segui-
da.”

“Oh bom homem! O mesmo se passa com o Tathagata. Dos três filhos,
o primeiro deve ser comparado ao Bodhisattva, o segundo ao Sravaka,
e o terceiro ao icchantika. Eu já falei aos Bodhisattvas tudo sobre os
detalhes dos 12 tipos de sutras, e do que é superficial e familiar para os
Sravakas, e do que se obtém no mundo para os icchantikas e àqueles
dos cinco pecados mortais. O que se obtém no presente não beneficia
a pessoa. Não obstante, Eu ensinaria em razão do amor-benevolente e
pelo que pode resultar nos dias futuros. Oh bom homem! É como os
três tipos de campos. Um é fácil de irrigar. Não há areia lá, nem sal,
nem cascalhos, nem pedras, e nem espinhos. Planta-se um, e colhe-se
100. O segundo também não tem areia, nem sal, nem cascalhos, nem
pedras, e nem espinhos. Mas, a irrigação é difícil, e a colheita é menos
que a metade. O terceiro oferece dificuldades para a irrigação, e é
cheio de areia, cascalhos, pedras, e espinhos. Planta-se um, e colhe-se
um, devido à palha e grama. Oh bom homem! Nos meses da primave-
ra, onde o agricultor plantará primeiro?”

“Oh Honrado pelo Mundo! Primeiro, o primeiro campo; segundo, o


segundo campo; e terceiro, o terceiro campo.”

“O primeiro pode ser comparado ao Bodhisattva, o segundo ao Srava-


ka, e o terceiro ao icchantika.”

“Oh bom homem! É como com os três vasos. O primeiro é perfeito, o


segundo vaza, e o terceiro está quebrado. Quando alguém deseja colo-
car-lhes leite, nata ou manteiga, qual deles usaria primeiro?”

“Oh Honrado pelo Mundo! Usaríamos aquele que é perfeito; em se-


guida, aquele que vaza; e então aquele quebrado.”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 214


“O perfeito e puro é comparável ao Sacerdote-Bodhisattva; aquele que
vaza ao Sravaka; e aquele que está quebrado ao icchantika. Oh bom
homem! É como no caso das três pessoas doentes que vão ao médico.
A primeira é fácil de curar, a segunda é difícil de curar, e a terceira,
impossível de curar. Quem o médico curará se tiver que curar [qual-
quer uma delas]?”

“Oh Honrado pelo Mundo! Primeiro ele curará aquela que é fácil de
curar; em seguida, a segunda pessoa, e então a terceira pessoa. Por
quê? Devido ao fato de que elas estão relacionadas.”

“A pessoa que é fácil de curar é análoga ao Bodhisattva; aquela difícil


de curar ao Sacerdote-Sravaka, e aquela impossível de curar ao icchan-
tika. Na presente vida, não sobrevirá qualquer boa fruição (para o ic-
chantika). Mas, em compensação, nas eras futuras todas as boas se-
mentes serão cultivadas. Oh bom homem! Por exemplo, um grande rei
possui três cavalos. Um é treinado, está no auge da vida e possui gran-
de força; o segundo não tem treinamento, nem bons dentes, não está
no auge da vida, e não possui grande força; o terceiro não tem treina-
mento, é fraco, velho, e não possui força. Se o rei deseja sair em via-
gem, qual deles ele usará?”

“Oh Honrado pelo Mundo! Primeiro aquele treinado, que está com
saúde perfeita e que possui grande força; e então, o segundo e o ter-
ceiro.”

“Oh bom homem! Aquele treinado, que está no auge da vida e possui
grande força, pode ser comparado ao Sacerdote-Bodhisattva, o segun-
do ao Sacerdote-Sravaka, e o terceiro ao icchantika. Embora nenhum
bem surja [para o icchantika] na presente vida, ele está ensinado quan-
to ao amor-benevolente e também a plantar a semente para os dias a
vir. Oh bom homem! É como quando uma grande dana [doação] é
realizada quando três pessoas vêm. Uma delas é de origem nobre, tem
boas intenções e defende os preceitos. A segunda é da casta interme-
diária, é obtusa, mas defende os preceitos. A terceira é da baixa casta,
Capítulo 40: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 1 Página 215
é obtusa, e viola os preceitos. Oh bom homem! A quem esse grande
danapati [doador] dará primeiro?”

“Oh Honrado pelo Mundo! À pessoa de origem nobre, que é de inteli-


gência aguçada e que defende os preceitos; em seguida, à segunda
pessoa e, então, à terceira.”

“A primeira pessoa é comparável ao Sacerdote-Bodhisattva, a segunda


ao Sacerdote-Sravaka, e a terceira ao icchantika. Oh bom homem!
Quando um grande leão mata um gandhahastin (elefante amiscarado),
ele usa toda sua força. Mesmo quando ao matar uma lebre, ele não
tem um pensamento leviano (displicente). Também, é o mesmo com o
Buda-Tathagata. Quando na abordagem de todos os Bodhisattvas e
icchantikas, ele não conduz as coisas de duas formas. Oh bom homem!
Certa vez vivi em Rajagriha, quando o Monge Sunaksatra serviu-me
como um assistente. Ao entardecer, Eu falei a Devendra sobre a essên-
cia do Dharma. É a maneira de um discípulo ir para a cama mais tarde.
Então, Sunaksatra, como eu me sentei por um longo tempo, teve um
mau pensamento. Naqueles dias em Rajagriha, quando pequenos me-
ninos e meninas choravam sem parar, os pais diziam: ‘Se você não
parar de chorar, lhe entregarei ao demônio Vakkula’. Então, Sunaksa-
tra, tendo um pensamento desleal, disse-me: ‘Por favor, apresse-se no
Samadhi. Lá vem Vakkula!’ Eu disse: ‘Você é estúpido! Não sabe que o
Tathagata-Honrado-pelo-Mundo nunca tem qualquer temor?’ Então,
Devendra disse-me: ‘Oh Honrado pelo Mundo! Como pode tal alguém
também entrar no grupo do Buda?’ Eu disse: ‘Oh Kausika! Tais pessoas
podem obter os ensinamentos Budistas; elas também possuem a Natu-
reza de Buda. Elas atingirão a Iluminação Insuperável’. Falei para esse
Sunaksatra sobre o Dharma. Mas, ele não teve fé em mim e não acatou
nada do que eu disse.

Oh bom homem! Certa vez vivi no estado de Kasi, em Sivapura [Vara-


nasi]. O Monge Sunaksatra serviu-me como assistente. Fui então caste-
lo adentro com o objetivo de pedir esmolas. Inumeráveis pessoas va-
gamente [sem qualquer propósito definido] seguiram-me onde fui. O
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 216
Monge Sunaksatra, ao seguir-me, queria afastá-los, mas foi incapaz de
fazê-lo. Em vez disso, as pessoas adquiriram um mau pensamento.
Entrando no castelo, eu vi um Nirgrantha em uma casa de vinhos, cor-
covado no chão e compartilhando (bebendo) restos de licor. O Monge
Sunaksatra, ao ver isto, disse: ‘Oh Honrado pelo Mundo! Se alguma vez
houve um Arhat (Santo), esse é o maior. Por quê? Porque ele (o Nir-
grantha) diz que não há causa e nem efeito para as ações cometidas’.
Eu disse: ‘Oh estúpido! Você nunca ouviu dizer que um Arhat não bebe,
não causa qualquer dano aos outros, não engana, não rouba, e não
tem quaisquer relações sexuais? Pessoas como essa matam seus pais e
compartilham de restos de licor. Como se pode chamar esse homem
de Arhat? Este homem certamente cairá no Inferno Avichi. Um Arhat
está eternamente apartado dos três reinos do infortúnio. Como você
pode chamar esse homem de Arhat?’ Sunaksatra disse: ‘Podemos até
ser capazes de mudar as naturezas dos quatro grandes elementos, mas
é impossível fazer essa pessoa cair no Inferno Avichi’. Eu disse: ‘Oh
estúpido! Você nunca ouviu que o Buda-Tathagata verdadeiramente
jamais usa duas palavras [isto é, fala falsamente]?’ Falei assim, mas ele
não acreditou em minhas palavras.

Oh bom homem! Certa vez vivi em Rajagriha com Sunaksatra. Naquela


ocasião, havia um Nirgrantha na cidade-castelo que era chamado ‘Do-
minado-pela-Tristeza’. Ele sempre dizia: ‘A impureza de um ser não
tem causa direta ou indireta. A emancipação de nós seres também não
tem causa direta ou indireta’. O Monge Sunaksatra disse: ‘Oh Honrado
pelo Mundo! Se alguém é um Arhat, esse ‘Dominado-pela-Tristeza’ é o
maior’. Eu disse: ‘Você é estúpido! O Nirgrantha ‘Dominado-pela-
Tristeza’ não é Arhat. Ele não pode compreender a conduta de um
Arhat’. Sunaksatra ainda disse: ‘Por que um Arhat se torna invejoso de
outro?’ Eu disse: ‘Oh você, estúpido! Eu não tenho inveja de qualquer
pessoa. É apenas você que tem noções distorcidas. Se você disser que
Dominado-pela-Tristeza é um Arhat, ele sofrerá de indigestão, terá
dores de estômago, morrerá e, após a morte, nascerá em meio aos
espíritos famintos, e seus companheiros carregarão o seu cadáver e o
colocarão no Sitavana (monastério)’. Então, Sunaksatra foi ao Nirgran-
Capítulo 40: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 1 Página 217
tha e disse: ‘Oh Erudito! Você sabe ou não que o Shramana Gautama
profetiza que você sofrerá de indigestão, terá dores de estômago e
morrerá, e que após a sua morte, você nascerá em meio aos espíritos
famintos, e que seus companheiros e mestres carregarão o seu cadáver
e o colocarão no Sitavana? Oh Erudito! Pense bem e use expedientes
para fazer Gautama ver que ele está dizendo mentiras’. Então, Domi-
nado-pela-Tristeza, ao ouvir isto, jejuou. Isto continuou do primeiro ao
sexto dia. No sétimo dia, ele encerrou o seu jejum e tomou algum me-
lado (de cana). Após comer isto, ele bebeu alguma água fria, sentiu
uma dor, e morreu. Após a morte, seus companheiros carregaram o
seu cadáver para o Sitavana. Ele adquiriu o corpo de um espírito famin-
to e sentou junto com os cadáveres. Sunaksatra, ao ouvir sobre isto, foi
ao Sitavana. Ele viu que Dominado-pela-Tristeza estava na forma de
um espírito faminto, vivendo ao lado de um cadáver e agachado no
chão. Sunaksatra disse: ‘Você está morto, oh grande?’ Dominado-pela-
Tristeza disse: ‘Estou morto’. ‘Como você morreu?’ ‘Morri de uma dor
no estômago’. ‘Quem carregou seu cadáver?’ Ele respondeu: ‘Meus
companheiros’. ‘Após carregá-lo, onde eles o colocaram?’ ‘Oh você,
estúpido! Você não sabe que estou no Sitavana? Agora nasci como um
espírito faminto. Ouça bem, oh Sunaksatra! O Tathagata fala coisas
boas, palavras verdadeiras, palavras oportunas, palavras significativas,
e as palavras do Dharma. Oh você, Sunaksatra! O Tathagata traz à boca
tais palavras verdadeiras. Por que você não acredita em suas palavras?
Qualquer um que não acredite em suas verdadeiras palavras adquirirá
o [tipo de] corpo que tenho agora’. Então, Sunaksatra voltou a mim e
disse: ‘Oh Honrado pelo Mundo! O Nirgrantha, Dominado-pela-
Tristeza, morreu e nasceu no Céu Trayastrimsa’. Eu disse: ‘Oh você,
estúpido! Não há lugar onde um Arhat nasça. Como você pode dizer
que Dominado-pela-Tristeza nasceu agora no Céu Trayastrimsa?’ ‘Oh
Honrado pelo Mundo! Para dizer a verdade, o Nirgrantha, Dominado-
pela-Tristeza, não nasceu no Céu Trayastrimsa. Ele agora adquiriu o
corpo de um espírito faminto’. Eu disse: ‘Oh você, estúpido! O Buda-
Tathagata fala somente a verdade e não possui língua-dúbia. Nunca
diga que o Tathagata usa duas palavras’. Sunaksatra disse: ‘O Tathagata
falou assim naquela ocasião, mas não acreditei em você’. Oh bom ho-
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 218
mem! Embora falasse o que era verdadeiro a Sunaksatra, ele jamais
teve um pensamento de me acreditar. Oh bom homem! Embora Su-
naksatra recite os 12 tipos de sutras e atinja os quatro dhyanas, ele não
conhece o significado de um gatha, de uma linha, ou de uma palavra.
Ao associar-se com um mau amigo, ele perdeu os quatro dhyanas. Ao
perder os quatro dhyanas, ele adquiriu uma má noção e disse: ‘Não há
Buda, nem Dharma, e nem Nirvana. O Shramana Gautama vê o futuro
de alguém fenomenologicamente. Assim, ele lê bem a mente dos ou-
tros’. Eu então disse a Sunaksatra: ‘O que eu falo é extensivamente
bom, desde o princípio, passando pelo meio, até o fim. Quaisquer pala-
vras que eu use são habilmente escolhidas; o significado é verdadeiro.
Naquilo que eu disse, não há nada que seja misturado (impuro). Eu sou
perfeito nas Ações Puras’. Sunaksatra novamente disse: ‘Embora o
Tathagata tenha falado do Dharma para o meu benefício, eu disse que
não havia realmente relações causais’. Oh bom homem! Se você não
acredita em mim, vá a Sunaksatra, que agora está vivendo às margens
do Rio Nairanjana. Vá e pergunte-lhe.”

Então, o Tathagata e Kashyapa foram juntos para onde Sunaksatra


estava vivendo. O Monge Sunaksatra viu o Buda vindo de longe. Ao vê-
lo, ele adquiriu um mau pensamento. Devido a esse mau pensamento,
ele caiu em vida no Inferno Avichi.

“Oh bom homem! o Monge Sunaksatra encontrava-se outrora na casa


do tesouro dos ensinamentos Budistas. Tudo (aquilo) nada significou;
ele não ganhou nada; nem um simples benefício do Dharma ele obte-
ve. Isso advém da indolência e de um mau amigo. Por exemplo, uma
pessoa entra no mar e vê muitos tesouros, mas nada obtém. Isto vem
da indolência. O caso é assim. Certa vez aquela pessoa entrou no mar e
viu os tesouros, matou-se, ou foi morta por um demônio rakshasa
[demônio devorador de carne]. É o mesmo com Sunaksatra. Ele entrou
no ensinamento, mas foi morto por um grande rakshasa, um mau mes-
tre da Via. Oh bom homem! Por essa razão, o Tathagata, por compai-
xão, sempre disse a Sunaksatra que ele era indolente demais.

Capítulo 40: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 1 Página 219


Oh bom homem! Se [uma pessoa] é pobre, posso sentir piedade, mas
um pouco. Se uma pessoa foi rica certa vez, mas agora perdeu sua
riqueza, sinto piedade daquela pessoa muito mais. É a mesma situação
com Sunaksatra. Ele protegeu, recitou [as escrituras] e atingiu os qua-
tro dhyanas, e então os perdeu. Isto é uma grande pena. Assim, eu
digo: ‘Sunaksatra tem uma grande quantidade de indolência’. Sendo
muito indolente, ele está afastado das boas ações. Sempre que meus
discípulos vêem ou ouvem falar dele, nenhum há que sinta piedade
dessa pessoa. É como com a pessoa que antes possuía um bocado de
riqueza e depois a perdeu. Durante muitos anos eu vivi com Sunaksa-
tra. No entanto, ele sempre teve um mau pensamento. E em razão
desse mau pensamento, ele foi incapaz de abandonar as visões distor-
cidas da vida. Oh bom homem! Desde antigamente eu já via em Sunak-
satra apenas um punhado de cabelo de bondade, mas ele o perdeu.
Mesmo assim, jamais profetizei que ele era um icchantika, o mais re-
baixado, e alguém que teria que viver por um kalpa no inferno. Por
(ele) dizer que nunca existe qualquer causa ou efeito da ação, ele há
muito cortou as raízes do bem. Esse é o icchantika, o mais rebaixado, e
alguém que tem que viver por um kalpa no inferno. Assim eu profeti-
zei.

Oh bom homem! Há um homem que se afoga na privada. Um Bom


Mestre da Via sente piedade e procura por ele com suas mãos. Agar-
rando um fio de cabelo [da sua cabeça], ele pretende puxá-lo para fora.
Ele procura-o por um longo tempo, mas sem sucesso. E desiste. É o
mesmo comigo. Ao procurar apenas um pouco de bondade em Sunak-
satra, eu pretendia salvá-lo. Durante todo o dia eu tentei, mas não
pude segurar sequer um punhado de cabelo de bondade nele. Esse foi
o porquê não pude puxá-lo para fora do inferno’.”

O Bodhisattva Kashyapa disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Por que você
profetizou que ele iria para o Inferno Avichi?”

“Oh bom homem! O Monge Sunaksatra tinha muitos aparentados com


ele. Todos eles diziam que Sunaksatra era um Arhat e que ele havia
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 220
atingido a Via, de forma que ele poderia aniquilar as idéias distorcidas.
Eu profetizei que Sunaksatra iria para o inferno devido à indolência. Oh
bom homem! Saiba que aquilo que o Tathagata diz é verdadeiro e que
não é dúbio. Por quê? Porque nunca poderia haver qualquer caso em
que, quando o Buda profetizou que uma pessoa iria para o inferno, a
pessoa falhasse em ir para lá. Há dois tipos de profecias que Sravakas e
Pratyekabudas fazem: falsas ou verdadeiras. Maudgalyayana disse a
todos em Magadha: ‘Choverá em sete dias’. O tempo passou, e não
houve chuva. Depois ele profetizou: ‘Essa vaca parirá um bezerro bran-
co’. Mas o que veio foi um unicórnio. Isto é como dizer que um macho
surgirá quando uma fêmea surge. Oh bom homem! O Monge Sunaksa-
tra falou a inumeráveis seres, e sempre disse que nenhum efeito cár-
mico bom ou mau surgiria. Através disto, ele cortou todas as raízes do
bem eternamente, e não permaneceu sequer um fio de cabelo do bem
[nele].

Oh bom homem! Eu sabia desde há muito tempo que esse Monge


Sunaksatra cortaria eternamente as raízes do bem. Mas, por vinte lon-
gos anos vivemos juntos. Se eu tivesse me afastado e nunca me apro-
ximado dele, esse homem falaria assim para inumeráveis seres, ensi-
nando outros a cometerem maldades. Isto é o que chamamos de quin-
to poder de compreensão do Tathagata.”

(O Bodhisattva Kashyapa disse:) “Oh Honrado pelo Mundo! Por que é


que os icchantikas não possuem bondade?”

“Oh bom homem! Porque os icchantikas são erradicados das raízes do


bem. Todos os seres possuem as cinco raízes como a fé, etc. Mas as
pessoas da classe dos icchantikas são eternamente erradicadas delas.
Por essa razão, alguém pode matar uma simples formiga e cometer o
pecado de prejudicar, mas a matança de um icchantika não [constitui
pecado].”

“Oh Honrado pelo Mundo! O icchantika nada possui que seja bom. É
por essa razão que essas pessoas são chamadas ‘icchantika’?”
Capítulo 40: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 1 Página 221
O Buda disse: “É assim, é assim!”

“Oh Honrado pelo Mundo! Todos os seres possuem três tipos de bon-
dade, nomeadamente as do: 1) passado, 2) futuro, e 3) presente.
Mesmo o icchantika não pode cortar a bondade do futuro. Como se
pode dizer que alguém que corta toda a bondade é um icchantika?”

“Oh bom homem! Há dois tipos de rompimento. Um é o rompimento


no presente, e o outro é aquele que obstaculiza o presente e o futuro.
O icchantika é perfeito nesses dois rompimentos. Este é o porquê eu
digo que o icchantika é erradicado de todas as raízes do bem. Oh bom
homem! Por exemplo, há um homem que se afoga na privada, e resta
somente um simples fio de cabelo que não afundou. E esse fio de cabe-
lo não pode ser maior que o corpo. É o mesmo com o icchantika, tam-
bém. Ele pode ter a possibilidade de acumular bondades no futuro,
mas isto não pode livrá-lo das penas do inferno. Ele pode ser salvo nos
dias futuros, mas não pode ser (salvo) agora. Este é o porquê dizemos
irrecuperável. As relações causais da Natureza de Buda o salvarão. A
Natureza de Buda não é do passado, do futuro, ou do presente. Assim,
não se pode acabar com essa Natureza de Buda. Uma semente podre
não pode evocar um broto. A mesma é a situação do icchantika, tam-
bém.”

“Oh Honrado pelo Mundo! O icchantika não está separado da Natureza


de Buda. A Natureza de Buda é o que é bom. Como podemos dizer que
todo o bem é cortado?”

“Oh bom homem! Se um ser possui agora a Natureza de Buda, essa


pessoa não é icchantika. É como no caso da natureza do Eu. A Natureza
de Buda é o que é Eterno. Ela (a Natureza de Buda) não cai dentro da
categoria dos Três Tempos (Três Existências do presente, passado e
futuro). Se ela estivesse na categoria dos Três Tempos, ela seria não-
eterna. A Natureza de Buda é o que será visto (revelado) nos dias futu-
ros. Assim, podemos dizer que os seres possuem a Natureza de Buda.
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 222
Por conta disto, o Bodhisattva dos dez estágios pode ver parcialmente
devido ao fato de que ele é perfeitamente adornado.”

O Bodhisattva Kashyapa disse: “Oh Honrado pelo Mundo! A Natureza


de Buda é Eterna; é como o espaço. Por que é que o Tathagata diz que
ela poderá ser vista no futuro? Você, o Tathagata, diz que o icchantika
não tem raízes do bem. Pode o icchantika não amar seus companhei-
ros, mestres, pais, parentes, esposa e filhos? Se assim for, não é o caso
que ele tenha uma ação do bem?”

O Buda disse: “Bem falado, bem falado, oh bom homem! Você faz bem
de colocar essa questão. A Natureza de Buda é como o espaço. Não é
passado, nem futuro, e nem presente. Os seres podem aperfeiçoar o
corpo de pureza nos dias futuros, realizar-se e alcançar (revelar) a Na-
tureza de Buda. Este é o porquê eu digo que a Natureza de Buda é uma
coisa dos dias futuros. Oh bom homem! Para o benefício dos seres, às
vezes, Eu falo da causa e digo que é o efeito; às vezes, Eu falo do efeito
e digo que é a causa. Por essa razão, Eu digo nos sutras que vida é ali-
mento e que a forma material [‘rupa’] é tato [‘sparsa’]. O corpo dos
dias futuros será puro. Consequentemente, Natureza de Buda.”

“Oh Honrado pelo Mundo! Se as coisas são como o Buda diz, porque
você diz: ‘Todos os seres possuem a Natureza de Buda’?”

“Oh bom homem! Embora não exista o presente da Natureza de Buda


dos seres, não podemos dizer que ela não existe. Embora, por nature-
za, não exista o presente do espaço, não podemos dizer que não existe
[espaço]. O caso é assim. Embora todos os seres sejam não-eternos,
essa Natureza de Buda é Eterna e não pode sofrer mudanças. Este é o
porquê eu digo neste sutra: ‘A Natureza de Buda dos seres não está
dentro e nem fora; é como no caso do espaço, que não está dentro e
nem fora’. Se houvesse dentro e fora no espaço, não poderíamos dizer
que o espaço é uno e eterno; nem poderíamos dizer que ele existe em
toda a parte. Embora o espaço exista nem dentro e nem fora, todos os
seres o possuem. O mesmo é o caso com a Natureza de Buda dos se-
Capítulo 40: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 1 Página 223
res, também. Você diz que o icchantika tem uma causa do bem. Isto
não é assim. Por que não? O que quer que ele faça com o corpo, boca e
mente; e o que quer que ele obtenha, busque, dê ou receba, é tudo
mau por natureza. Por quê? Porque estas (coisas) não repousam sobre
a lei da causa e efeito. Oh bom homem! O Tathagata é perfeito na sa-
bedoria e poder com relação a todos os dharmas (leis). Assim, ele co-
nhece bem as diferenças entre a alta, média e baixa qualidades de
todos os seres. Ele de fato sabe se uma pessoa transforma a baixa na
media, a média na alta, a alta na média, e a média na baixa. Por essa
razão, saiba que não pode haver qualquer fixação (permanência) nas
qualidades dos seres. Não sendo fixa, a boa (qualidade) é perdida; e
quando ela é perdida, a pessoa a adquire novamente. Se acaso a raiz
da qualidade de um ser fosse fixa, uma vez perdida, ela nunca mais
voltaria. Também, não devemos dizer que o icchantika cai no inferno e
que a vida no inferno tem a duração de um kalpa [aeon]. Oh bom ho-
mem! Este é o porquê o Tathagata diz que nenhum estado é fixo (per-
manente) na existência.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo!


Você, o Tathagata, com o poder de ser capaz de saber todas as coisas,
vê que Sunaksatra certamente está para perder todas as raízes do bem.
Por que você permite-lhe estar na Sangha?”

O Buda disse: “Oh bom homem! No passado, quando deixei o lar, meu
irmão mais jovem, Nanda, meus primos Ananda e Devadatta, e meu
filho Rahula, todos seguiram meus passos e renunciaram ao mundo e à
vida [secular], e praticaram a Via. Se eu não tivesse permitido-lhe jun-
tar-se à Sangha, ele teria chegado ao trono. Conquistando poder irres-
trito, ele teria destruído os ensinamentos Budistas. Por essa razão, eu
lhe permiti entrar para a Sangha. Oh bom homem! Se ele não tivesse
entrado para a Sangha, ele teria se afastado das raízes do bem, e por
inumeráveis eras futuras ele destruiria os ensinamentos Budistas. Por
essa razão, ele está agora na Sangha. Embora nada possua de bom, ele
defende os preceitos e respeita os anciãos, os velhos e os virtuosos, faz
oferecimentos, e pode praticar os dhyanas do primeiro ao quarto. Estas
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 224
são causas do bem. Tais boas causas evocarão o que é bom. Quando o
bem surgir, ele praticará bem a Via, e através disto, atingirá a Ilumina-
ção Insuperável. Por essa razão, eu permiti a Sunaksatra entrar para a
Sangha. Oh bom homem! Se eu não tivesse permitido a Sunaksatra ser
ordenado e receber os shila (preceitos), Eu não poderia ter dito possuir
os dez poderes do Tathagata.

Oh bom homem! O Buda vê que um ser possui ambas as coisas, o bem


e o mal. Embora um humano possua [essas] duas coisas, ele logo se
afastará das raízes do bem e possuirá o que não é bom. Por quê? Por-
que essa pessoa não se associa a um Bom Mestre da Via, não dá ouvi-
do ao Dharma Maravilhoso, não tem bons pensamentos, e não age
como deveria agir. Assim, essa pessoa afasta-se do bem e realiza o que
não é bom. Oh bom homem! O Tathagata sabe que essa pessoa, nesta
ou na próxima vida, quando criança, no auge da vida, ou na velhice,
aproximar-se-á de um bom amigo, dará ouvido ao Dharma Maravilho-
so, ao sofrimento, à causa do sofrimento, à extinção do sofrimento, e
ao Caminho que conduz à extinção do sofrimento, e então retornará
novamente e praticará o bem.

Oh bom homem! Por exemplo, há uma fonte que não está longe de um
vilarejo. A água é doce e bela, e possui oito virtudes. Há um homem lá
que está muito sedento e deseja ir até a fonte. Há uma pessoa sábia, a
qual pensa que o homem sedento infalivelmente acorrerá para a fonte,
porque ele vê que o caminho até lá não é difícil. O caso é assim. Dessa
maneira o Tathagata-Honrado-pelo-Mundo vê os seres. Por conta dis-
to, dizemos que o Tathagata é perfeito no poder de conhecimento de
todas as coisas relativas a todos os seres.”

Capítulo 40: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 1 Página 225


A Terra Sobre a Unha do Dedo

Então, o Honrado pelo Mundo pegou uma pequena porção de terra e a


depositou sobre a unha do seu dedo, dizendo a Kashyapa: “Qual é
maior? Esta porção de terra, ou aquela das dez direções?”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! A


terra na unha do seu dedo não pode ser comparada à terra das dez
direções.”

“Oh bom homem! Abandona-se o corpo e se obtém um corpo nova-


mente; descarta-se o corpo dos três reinos do infortúnio [isto é, os
reinos do inferno, dos espíritos famintos e dos animais] e obtém-se
outro corpo. E quando todos os sentidos orgânicos são perfeitos, ga-
nha-se vida num País Central (Lugar Central – ‘Middle Country’), ganha-
se a fé correta, e pratica-se bem a Via. Ao praticar bem a Via, uma pes-
soa de fato pratica a Via Correta. Ao praticar a Via Correta, atinge-se a
Emancipação, e então entra-se verdadeiramente no Nirvana. Estes são
como a terra sobre a unha do meu dedo. Uma pessoa descarta o pró-
prio corpo, e obtém um (corpo) dos três reinos do infortúnio. Descarta
o corpo dos três reinos do infortúnio, e ganha (outro) corpo dos três
reinos do infortúnio. Alguém que não seja perfeito em todos os seus
sentidos orgânicos, ganha vida num lugar fora-do-caminho [lugar re-
moto], adquire uma visão de cabeça para baixo da vida, segue um ca-
minho tortuoso, e não atinge a Emancipação e o Nirvana. Estes podem
ser comparados à terra das dez direções.

Oh bom homem! Alguém que defenda os preceitos sempre faz esfor-


ços, não comete as quatro graves ofensas, não comete os cinco peca-
dos mortais, não usa as coisas que pertencem à Sangha, não se torna
um icchantika, e não se afasta das raízes do bem. Essas pessoas que
acreditam neste Sutra do Nirvana podem ser comparadas à terra sobre
a unha do meu dedo. Aqueles que violam os preceitos, aqueles que são
indolentes, aqueles que cometem as quatro graves ofensas, aqueles

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 226


que cometem os cinco pecados mortais, aqueles que usam as coisas da
Sangha, aqueles que se tornam icchantikas, aqueles que cortam todas
as raízes do bem, e aqueles que não acreditam neste sutra são tão
numerosos quanto a terra nas dez direções. Oh bom homem! O Tatha-
gata conhece bem as qualidades dos seres da alta, média e baixa [posi-
ções]. Devido a isso, dizemos que o Buda é perfeito no poder de ser
capaz de ver através da raiz de todas as coisas.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! O


Tathagata possui esse poder de ver através da raiz das coisas. Devido a
isto, ele verdadeiramente conhece a acuidade e a deficiência, as dife-
rentes qualidades dos seres da alta, média e baixa (posições), e tam-
bém conhece bem as qualidades das raízes dos seres do mundo do
presente e também aquelas dos seres do futuro. Esses seres, quando o
Buda desaparecer, dirão que o Tathagata entrou definitivamente no
Nirvana, ou que ele não entrou definitivamente no Nirvana. Ou eles
podem dizer que existe o Eu, ou que não há Eu. Ou eles podem dizer
que há uma existência intermediária, ou que isso não existe; ou que
existe retroação, ou que isso não existe; ou que o Tathagata possui um
corpo criado, ou o que ele possui é um corpo não criado; ou que os 12
elos do surgimento interdependente são do criado, ou que as relações
causais são do não-criado; ou que a mente é eterna, ou que é não-
eterna; ou que quando se compartilha da alegria dos cinco desejos, isto
obstaculiza o Caminho Sagrado ou não; ou que ‘laukikagradharma’
[‘raiz do bem primordial do mundo’, ou ‘condição primordial do mun-
do’ – o quarto e mais elevado ‘nirvedha-bhaga’, introspecção intelec-
tual, insight] pertence apenas ao mundo do desejo, ou que concerne
aos três reinos do infortúnio; ou que dana é uma coisa da mente, ou
que pertence ao reino cinco skandhas. Ou eles dirão que há três [coi-
sas] não criadas, ou que elas não existem. Ou eles dirão que existe
‘matéria’ criada, ou que tal coisa não existe; ou que existe uma ‘maté-
ria’ não criada, ou que nada disso existe. Ou eles dirão que existem
funções mentais, ou que nada disso existe. Ou eles dirão que há cinco
tipos de ‘é’, ou existem seis deles; ou que se alguém for perfeito nas
oito purificações [‘astangasamanvagatopavasa’] e nos preceitos do
Capítulo 40: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 1 Página 227
Leigo, poderá obter muitos [benefícios], ou que alguém poderá obtê-
los mesmo que não seja perfeito nessas observâncias. Ou se dirá que
mesmo quando um Monge cometeu as quatro graves ofensas, ainda
há preceitos [de moralidade] para aquele Monge, ou que isso não exis-
te. Ou eles dirão que todos os Srotapannas, Sakrdagamins, Anagamins,
e Arhats chegam ao que o Budismo visa, ou que isto não é assim. Ou
eles dirão que a Natureza de Buda está com o ser desde o nascimento,
ou que ela existe separada do ser. Ou se dirá que a Natureza de Buda
deve existir mesmo com aqueles tipos de pessoas que tenham cometi-
do as quatro graves ofensas, com aqueles dos cinco pecados mortais e
com os icchantikas, ou que eles não a possuem. Ou eles dirão que exis-
tem Budas nas dez direções, ou que não há Budas nas dez direções. Se
o Tathagata é perfeito no poder de ver através das naturezas dos seres,
por que ele não estabelece definitivamente acerca desses assuntos.”

O Buda disse a Kashyapa: “Oh bom homem! Tais coisas não são o que a
consciência dos olhos pode conhecer; nem são o que a consciência da
mente pode conhecer. São o que a Sabedoria pode conhecer. Para
uma pessoa que tenha Sabedoria, Eu não digo nada de uma forma
dúbia; e este é o porquê Eu digo que não falo de duas maneiras. Para
aqueles que são ignorantes, Eu falo de maneira indefinida, e eles dizem
que Eu falo de maneira indefinida. Oh bom homem! Qualquer que seja
a boa ação que o Tathagata realize, é tudo para ajustar e subjugar to-
dos os seres. Por exemplo, qualquer que seja o conhecimento médico
que um bom doutor possua, é tudo para curar as doenças dos seres. O
mesmo é o caso aqui. Oh bom homem! O Tathagata, por conta da terra
(lugar), por conta da estação, por conta das outras linguagens, por
conta dos seres, das qualidades das raízes dos seres, com relação a
uma coisa, fala de duas maneiras. No caso de um nome, ele usa inume-
ráveis nomes; para um significado, ele apresenta inumeráveis nomes;
com respeito a inumeráveis significados, ele fala de inumeráveis no-
mes.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 228


Inumeráveis Nomes para Uma Coisa

Como ele fala de inumeráveis nomes quando se refere a uma coisa?


Isto é como no caso do Nirvana, o qual é chamado Nirvana, não-
nascimento, não-aparecimento, não-ação, não-criado; também [é
chamado] refúgio, vihara [lugar de residência], Emancipação, luz, uma
lâmpada, a outra margem, destemor, não-retroação, a casa da paz,
quietude, amorfia; também, o não-dual, a ação única, frio, não-
escuridão, o desobstruído, não-contenda, o não-impuro, vasto e gran-
de; também, amrta [Imortalidade] e felicidade. As coisas são assim. Isto
é como dizemos que uma coisa possui inumeráveis nomes.

Um Significado para Inumeráveis Nomes

Como um se refere a inumeráveis nomes? Isto é como no caso de De-


vendra, que é chamado Devendra, Kausika, Vasava, Puramda, Magha-
vat, Indra, Mil-Olhos, Saci, Vajra, Báculo do Tesouro, e Estandarte do
Tesouro. O caso é assim. Isto é como dizemos que um significado pos-
sui inumeráveis nomes.

Inumeráveis Significados para Inumeráveis Nomes

Como usamos inumeráveis significados para inumeráveis nomes? Isto é


como no caso do Buda-Tathagata. Dizemos ‘Tathagata’, no qual o signi-
ficado é diferente e o nome é diferente. Também, dizemos ‘Arhat’, que
tem um significado diferente e o nome é diferente. Também, dizemos
‘Samyaksambuddha’ [Plenamente Iluminado], que tem um significado
diferente e um nome diferente. Também, dizemos ‘Mestre Marinhei-
ro’. Também, dizemos ‘Guia’ e ‘Corretamente Iluminado’. Também,
dizemos ‘Plenamente-Realizado’. Também, dizemos ‘Grande Rei-Leão’;
também, ‘Shramana’, ‘Brâmane’, ‘Quietude’, ‘Danapati’ [doador], ‘pa-
ramita’ [perfeição transcendente], ‘Grande Médico’, ‘Grande Elefante-

Capítulo 40: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 1 Página 229


Rei’, Grande Naga-Rei’, ‘Doador de Olhos’, ‘Grande Lutador’, ‘Grande
Destemido’, ‘Mundo de Tesouros’, ‘Mercador’, ‘Emancipado’, ‘Grande
Homem’, ‘Mestre de Humanos e Celestiais’, ‘Pundarika’ [lótus branco],
‘Único, sem Igual’, ‘Grande Campo de Bênçãos’, ‘Grande Oceano de
Sabedoria’, ‘Amorfia’, e ‘Perfeito nos Oito Conhecimentos’. Assim te-
mos diferentes significados e diferentes nomes. Este é o porquê dize-
mos que inumeráveis significados possuem inumeráveis nomes.

Inumeráveis Nomes para Um Significado

Também, há outro caso onde o significado é um, mas os nomes são


muitos. O assim chamado ‘skandha’ é chamado: skandha, cabeça para
baixo, satya; é apresentado como: quatro recordações, quatro tipos de
comida, e quatro moradas da consciência. Também, é chamado de ‘é’,
caminho, momento, mundo, ‘Paramartha-satya’ [Realidade Última],
três práticas do corpo, preceitos e mente, causa e efeito, impurezas,
Emancipação, 12 elos do surgimento interdependente, Sravaka, Prat-
yekabuda, inferno, espíritos famintos, animalidade, humano e celestial.
Também, é chamado: passado, presente, e futuro. Este é o porquê
dizemos que inumeráveis são os nomes para um significado.

Oh bom homem! O Tahagata-Honrado-pelo-Mundo, para o benefício


dos seres, fala do simplificado na relação para detalhadas manifesta-
ções, e do detalhado na relação para o simplificado. Ele fala da Verdade
Última e a transforma em verdade mundana; e fala da verdade mun-
dana e a transforma em Verdade Última.

Como ele fala do detalhado, do médio, e do simplificado? Isto é como


quando se diz para os Monges: ‘Agora falarei a vocês dos 12 elos do
surgimento interdependente. O que são os 12 elos do surgimento in-
terdependente? Eles são nada mais que causa e efeito’.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 230


Como ele fala do detalhado, do médio, e do simplificado? Isto é como
quando ele diz aos Monges: ‘Eu agora falarei do sofrimento, a causa do
sofrimento, a extinção (do sofrimento), e a Via para a extinção do so-
frimento. O sofrimento são as várias inumeráveis aflições. A causa do
sofrimento são as inumeráveis impurezas. A extinção do sofrimento
são as inumeráveis emancipações. A Via são os inumeráveis expedien-
tes’.

Como ele fala sobre a Verdade Última e a transforma em verdade


mundana? Isto é como quando é dito aos Monges: ‘Agora, este corpo
tem velhice, doença, e morte’.

Como ele fala da verdade mundana e a transforma em Verdade Últi-


ma? Isto é como quando Eu disse a Kaundinya: ‘Agora você, Kaundinya,
é assim chamado porque obteve o Dharma’. Assim, Eu estou em con-
cordância com a pessoa, vontade, e tempo. Por isso, dizemos que o
Tathagata tem o poder de ver através das qualidades das raízes de
todas as coisas. Oh bom homem! Se Eu falasse sobre as coisas em ter-
mos definidos, não seria o caso (de dizer) que o Tathagata fosse perfei-
to no poder de ver através das qualidades das raízes de todas as coisas.

Oh bom homem! Alguém com Sabedoria sabe que aquilo que um gan-
dhahastin (elefante almiscarado) carrega não pode ser suportado por
um burro. Todos os seres fazem inumeráveis coisas. Assim, o Tathagata
fala inumeráveis coisas diferentemente. Por quê? Porque os seres pos-
suem várias impurezas. Se o Tathagata falasse somente de uma ação,
não poderíamos dizer que o Tathagata fosse perfeito e realizado no
poder de ver através das qualidades das raízes de todas as coisas. As-
sim, Eu digo num sutra: ‘Não falo para os cinco tipos de pessoas os
cinco tipos de coisas. Para alguém que não tenha fé, (falo) alguém que
não professa a fé correta; para alguém que viole as proibições, (falo)
alguém que não enaltece a observância dos preceitos; para o mesqui-
nho, (falo) alguém que não enaltece dana [doação]; para o indolente,
(falo) do aprendizado; e para o ignorante, (falo) da Sabedoria’.

Capítulo 40: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 1 Página 231


Por que não? Se uma pessoa sábia fala para esses cinco tipos de pesso-
as sobre essas cinco coisas, saiba que não se poderá dizer que aquele
pregador possui o poder de ver através das qualidades das raízes de
todas as coisas; não se poderá dizer que (ele) tenha piedade dos seres.
Por que não? Porque esses cinco tipos de pessoas, quando ouvirem
essas [coisas], adquirirão uma mente descrente, uma mente irada e,
em conseqüência disto, sofrerão dolorosos efeitos cármicos por inu-
meráveis eras. Por essa razão, em prol da piedade, não chamamos tal
pessoa de alguém possuidor do poder de ver através das qualidades
das raízes dos seres. Este é o porquê Eu digo num sutra a Shariputra:
‘Você deve ter cuidado para não falar ao bem-dotado (de inteligência)
extensivamente sobre o Dharma e para o mal-dotado numa linguagem
simplificada’. Shariputra disse: ‘Eu só falo por piedade, e não porque
possuo esse poder de ver através das qualidades das raízes dos seres’.

Oh bom homem! Os sermões do detalhado e do simplificado perten-


cem ao mundo do Buda. Não são o que Sravakas e Pratyekabudas pos-
sam saber.

Oh bom homem! Você diz: ‘Após a entrada do Buda no Nirvana, os


discípulos dirão várias coisas [divergentes]’. Essa pessoa não tem a
visão correta, em razão das relações causais do que está de cabeça
para baixo. Devido a isto, essa pessoa é incapaz de beneficiar a si pró-
pria, nem pode beneficiar outros. Todos os seres não são de uma
(mesma) natureza, uma raiz, uma ação, um tipo de terra (lugar), e de
um Bom Mestre da Via. Em razão disto, o Tathagata fala variadamente.
Devido a esta relação causal, todos os Budas-Tathagatas das dez dire-
ções e das Três Existências, proferem, para o benéfico dos seres, ser-
mões dos 12 tipos de sutras. Oh bom homem! O Tathagata profere
sermões dos 12 tipos de sutras. Isto não é para beneficiar seu próprio
Eu, mas para beneficiar outros. Em razão disto, o quinto poder do Ta-
thagata é chamado ‘poder da compreensão’. Em razão desses dois
poderes, o Tathagata sabe se a pessoa realmente cortará a raiz do bem
nesta vida, ou numa vida posterior; ou se ela ganhará a Emancipação

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 232


nesta vida ou numa vida posterior. Por isso, chamamos o Tathagata de
‘Lutador Insuperável’.

Oh bom homem! Alguém que diga que o Tathagata entra definitiva-


mente no Nirvana, ou que ele não entra, não compreende a mente do
Tathagata. Esta é a razão porque fala assim.

Oh bom homem! Neste Gandhamadana, há todos os tipos de rishis, em


número de 53.000, que acumularam todos os tipos de virtudes nos dias
do Buda Kashyapa. Entretanto, eles não alcançaram a Via Correta. Eles
[não] se aproximaram [mais provavelmente ‘não se aproximaram’ –
nota do editor] dos Budas e ouviram o Dharma Maravilhoso. Por causa
dessas pessoas, Eu, o Tathagata, disse a Ananda: ‘Entrarei no Nirvana
no final do terceiro mês’. Todos os devas ouviram isto, e suas vozes
chegaram ao Gandhamadana. Todos os rishis, ao ouvir isto, arrepende-
ram-se e disseram: ‘Ao nascer como humanos, por que não nos apro-
ximamos do Buda? O aparecimento do Buda-Tahagata neste mundo é
tão raro quanto a floração da Udumbara. Agora irei para onde o Hon-
rado pelo Mundo está e ouvirei o Dharma Maravilhoso’.

Oh bom homem! Então os rishis, em número de 53.000, vieram a mim.


Eu então, como exigido, falei do Dharma assim: ‘Todos vocês grandes!
A forma material é não-eterna. Por quê? Em razão do fato de que as
relações causais da forma material são não-eternas. Ela vem da causa
do não-eterno. Como a forma material poderia ser eterna? É o mesmo
caso até a consciência’. Todos os rishis, ao ouvir isto, atingiram o Arhat-
ship.

Oh bom homem! Na cidade-castelo de Kushinagar, havia lutadores, em


número de 300.000. Eles não pertenciam a ninguém. Tornando-se
arrogantes, uma vez que possuíam poder físico, vitalidade e riqueza,
eram bêbados e loucos. Oh bom homem! Para subjugar todos esses
lutadores, Eu disse a Maudgalyayana: ‘Dome esses lutadores!’ Então
ele, respeitosamente, de acordo com as minhas instruções, gastou
cinco anos ensinando-lhes. Mas, nenhum lutador alcançou o Dharma e
Capítulo 40: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 1 Página 233
nenhum foi subjugado. Por conta disto, Eu, para o benefício dos luta-
dores, disse a Ananda: ‘No prazo de três meses, entrarei no Nirvana’.

Oh bom homem! Ao ouvir isto, todos os lutadores se reuniram e fize-


ram reparos na estrada. Três meses depois, Eu me desloquei de Vaisali
para o Castelo de Kushinagar, e no caminho vi muitos lutadores. Trans-
formando-me num Shramana, reuni os lutadores: ‘Todos vocês crian-
ças! O que estão fazendo?’ Os lutadores, ao ouvir isto, sentiram-se
vexados e disseram: ‘Oh você Shramana! O que você quer dizer cha-
mando-nos de crianças?’ Então eu disse: ‘Seu grande grupo de pessoas,
cujo número é de 300.000, nem mesmo é capaz de mover esse peque-
no pedaço de pedra. Como posso chamá-los a não ser de crianças?’
Todos os lutadores disseram: ‘Se você pode chamar-nos de crianças,
saiba-se que você deve ser um grande homem’. Eu então, naquela
ocasião, levantei a pedra com dois dedos. Ao testemunhar isto, todos
os lutadores pensaram que fossem dotados de uma força menor que a
minha, e disseram: ‘Oh você Shramana! Você pode mover essa pedra
para fora do caminho agora?’ Eu disse: ‘Por que estão tão seriamente
engajados nos reparos desta estrada’? ‘Oh Shramana! Você não sabe
que o Tathagata Shakyamuni está pegando essa estrada, virá para a
floresta das árvores sala e entrará no Nirvana? Por essa razão, estamos
fazendo os reparos e tornando-a plana’. Eu então os elogiei e disse:
‘Boas crianças! Vocês agora têm essa boa intenção. Afastarei essa pe-
dra agora’. Peguei a pedra e a atirei tão alto quanto o Céu Akanistha.
Então, todos os lutadores, ao ver que a pedra permaneceu suspensa no
céu, ficaram assustados e queriam fugir por todas as dez direções. Eu
então disse: ‘Oh lutadores! Não tenham receio e tentem voar em todas
as direções’. Todos os lutadores disseram: ‘Oh Shramana! Se você nos
salvar e proteger, permaneceremos em paz’. Então, coloquei minha
mão sobre a pedra e a coloquei na palma da minha mão direita. Ao ver
isto, os lutadores ficaram satisfeitos e disseram: ‘Oh Shramana! Essa
pedra é eterna ou não-eterna’? Eu então a soprei com minha boca, e a
pedra desintegrou em pedaços como partículas de pó. Ao ver isto, os
lutadores disseram: ‘Oh Shramana! Essa pedra é não-eterna’. Então,
sentindo vergonha, eles reprovaram-se e disseram: ‘Como é que sen-
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 234
timos orgulho da nossa força física, vida e riqueza ilimitadas’? Eu, ven-
do através de suas mentes, abandonei meu corpo transformado, res-
tabeleci minha própria forma, e falei sobre o Dharma. Ao ver tudo isto,
os lutadores aspiraram à Iluminação.

Oh bom homem! Em Kushinagar, vive um artesão chamado Cunda.


Essa pessoa certa vez, no lugar do Buda Kashyapa, fez um grande voto:
‘Farei os últimos oferecimentos de comida para o Buda Shakyamuni
quando ele entrar no Nirvana’. Sendo este o caso, Eu, em Vaisali, olhei
para trás para Upamana e disse: ‘No prazo de três meses, entrarei no
Nirvana em Kushinagar, entre as árvores sala. Vá e faça com que Cunda
saiba disto’.

Oh bom homem! Em Rajagriha, há um rishi que é bem habilidoso nos


cinco poderes miraculosos e cujo nome é Subhadra. Ele tem 120 anos.
Ele se diz alguém versado em todas as coisas e é extremamente arro-
gante. No lugar de inumeráveis Budas, ele já acumulou todas as raízes
do bem. No sentido de ensiná-lo, Eu disse a Ananda: ‘Entrarei no Nir-
vana no prazo de três meses. Ao ouvir isto, Subhadra virá a mim e ga-
nhará um pensamento de fé. Falarei várias coisas a ele. Ao dar ouvido
ao que eu disser, ele acabará com as impurezas’.

Oh bom homem! Bimbisara, Rei de Rajagriha, tem um príncipe chama-


do Sudarsana. Esse príncipe, através de relações causais, adquiriu um
mau pensamento e intentou matar o seu próprio pai. Mas ele não sa-
bia como. Naquela ocasião, Devadatta, das relações causais do seu
passado, adquiriu um mau pensamento e desejou prejudicar a mim.
Ele praticou a Via para obter os cinco poderes miraculosos, e em pouco
tempo ele os obteve. Ele agora estabeleceu boas relações com Sudar-
sana, apresentando diversos milagres diante dele. Ele surgiu de onde
não havia porta, e entrou através de uma porta; ele saiu de uma porta,
e entrou num lugar onde não havia porta. Às vezes, ele invocava um
elefante ou um cavalo, uma vaca, uma ovelha, um homem ou uma
mulher. Ao ver isto, Sudarsana adquiriu um pensamento afetuoso, um
pensamento de prazer e de respeito. E em conseqüência, ele fez vários
Capítulo 40: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 1 Página 235
preparativos e ofereceu-lhes em vários utensílios. E disse: ‘Oh grande!
Agora desejo ver a mandarava [a flor]’. Então, Devadatta foi ao Céu
Trayastrimsa e a solicitou das mãos de um deva [ser celestial]. Como
todo o bem que ele pudesse ter acumulado chegara a um fim, ninguém
a daria [para ele]. Incapaz de obter a flor, ele pensou: ‘A flor de manda-
rava não possui um Eu ou o que pertença ao Eu. Eu a pegarei agora, e
que pecado cometeria’? Conforme ele caminhou adiante, com a inten-
ção de pegá-la, ele perdeu o seu poder divino. Ele voltou a si e foi então
para Rajagriha. Sentindo vergonha de si mesmo, ele não podia olhar [a
face de] Sudarsana. E pensou para si: ‘Agora irei ao Buda e lhe pedirei
para confiar a massa [a comunidade de seguidores do Buda] a mim. Se
ele concordar, estarei apto a comandar livremente Shariputra e ou-
tros’. Então, Devadatta veio a mim e disse: ‘Oh Tathagata! Confie sua
grande massa sob minha orientação, tal que eu possa ensinar e conce-
der-lhes a Via’. Eu disse: ‘Oh tolo! Eu não confio a grande massa mes-
mo às mãos do altamente inteligente e sábio Shariputra, em quem o
mundo tem confiança. Por que Eu a confiaria a você, que apenas engo-
le sua própria saliva’? Então Devadatta adquiriu o mais odioso dos pen-
samentos contra mim e disse: ‘Você pode agora ter controle sobre seu
povo. Mas seu poder em breve desaparecerá’. Conforme ele disse isto,
a grande terra sacudiu seis vezes. Devadatta imediatamente caiu ao
chão. Seu corpo emitiu uma grande tormenta, que soprou toda a poei-
ra e fez-lhe parecer sujo. Devadatta, ao ver esse mau efeito, ainda dis-
se: ‘Se eu agora cair no Inferno Avichi, certamente retribuirei esse
grande ressentimento’. Então, levantando-se, ele foi a Sudarsana, que
perguntou: ‘Por que, oh Sagrado, você parece tão cabisbaixo e triste’?
Devadatta disse: ‘Eu agora estou em circunstâncias muito íntimas com
você. Outras pessoas o criticam e dizem que o que você faz vai contra a
razão. Eu ouvi isto. Como posso não me sentir preocupado’? O príncipe
Sudarsana ainda indagou: ‘De que forma o povo da terra me critica’?
Devadatta disse: ‘As pessoas da terra dizem que você é um desnatura-
do’. Sudarsana disse novamente: ‘Por que eu sou um desnaturado?
Quem diz isto?’ Devadatta disse: ‘Quando você ainda não era nascido,
o áugure disse: ‘Esse filho, quando crescer, matará seu próprio pai’.
Esse é o porquê todas as outras pessoas o chamam de desnaturado.
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 236
Todas as pessoas da sua casa o chamam de ‘bonito’ apenas para prote-
ger a sua mente. A consorte real, Vaidehi, ao ouvir aquilo, deu nasci-
mento a você no topo de uma alta edificação, em conseqüência do que
você caiu ao chão e perdeu um dos seus dedos. Este é o porquê todas
as pessoas o chamam de ‘Balaruci’ [alguém sem um dedo]. Quando
ouvi isto, me senti arrependido. Mas não podia dizer isso a você’. As-
sim, Devadatta ensinou coisas más a Sudarsana e fez-lhe matar seu
próprio pai. ‘Se o seu pai morrer, eu também, certamente, matarei o
Shramana Gautama’.

Sudarsana tinha um ministro chamado Varsakara, a quem indagou:


‘Por que o grande Rei chamou-me Ajatasatru’? O ministro contou-lhe
toda a história, a qual não era outra senão a que Devadatta havia con-
tado. Ao ouvir isto, Sudarsana trancou o ministro e seu próprio pai num
lugar fora do castelo, e mantinha o lugar guardado pelos quatro tipos
de soldados. A Rainha Vaidehi, ao saber disto, foi para onde o Rei se
encontrava aprisionado. Os guardas não lhe permitiram entrar. Então a
Rainha ficou furiosa e reprovou (a atitude) dos guardas. Então, todos os
guardas disseram ao Príncipe: ‘Oh grande Rei! A Rainha deseja ver o
Rei. É difícil saber se a deixamos entrar ou não’. Sudarsana ficou vexa-
do, foi à sua mãe, pegou-a pelo cabelo, desembainhou a espada e pre-
tendia matá-la. Então Jivaka disse: ‘Oh grande Rei! Desde o início do
governo, por mais que tenha sido sombrio, nenhum pecado se esten-
deu ao sexo feminino. Como você pode agir assim com alguém que lhe
deu nascimento’? Ao ouvir isto, por causa de Jivaka, ele a soltou. E
privou seu pai de todas as coisas como roupas, roupas de cama, comi-
da, bebida e remédios. Sete dias depois, o Rei morreu. Sudarsana pro-
cedeu o funeral e então se arrependeu. Varsakara lhe falou de diferen-
tes maneiras sobre várias coisas más: ‘Oh grande Rei! Não há pecado
naquilo que você fez. Por que agora você se queixa tanto’? Jivaka disse:
‘Oh grande Rei! Saiba que tal ação é duplamente pecaminosa. Um
pecado é matar o próprio pai, e o outro é matar um Srotapanna. Nin-
guém pode erradicar esses pecados senão o Buda’. Sudarsana disse: ‘O
Tathagata é puro e nada tem que seja corrupção. Como posso eu, o
impuro, esperar vê-lo’?
Capítulo 40: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 1 Página 237
Oh bom homem! Ao ver isto, Eu disse a Ananda: ‘No prazo de três me-
ses, eu entrarei no Nirvana’. Ouvindo isto, Sudarsana veio a mim. Eu,
então, falei do Dharma. Através disto, seu grave pecado foi amenizado
e ele adquiriu uma fé que não estava enraizada nele. Oh bom homem!
Todos os meus discípulos, ao ouvir isto, não podiam compreender o
que estava em minha mente. Assim, eles disseram: ‘O Tathagata está
entrando definitivamente no Nirvana’.

Oh bom homem! Há dois tipos de Bodhisattvas. Um é real, e o outro é


temporário. Os Bodhisattvas da classe temporária, ao ouvir que eu
entraria no Nirvana no prazo de três meses, todos adquiriram uma
mente retroativa e disseram: ‘Se o Tathagata é não-eterno e não vive-
rá, o que podemos fazer? Sofreremos grandes penas através de inume-
ráveis vidas futuras. O Tathagata-Honrado-pelo-Mundo é realizado e
perfeito em inumeráveis virtudes. Mesmo assim, ele nada pode fazer
para esmagar Mara [o demônio]. Como poderíamos nós esmagá-lo’?

Oh bom homem! Para o benefício desses Bodhisattvas, Eu disse: ‘O


Tathagata é Eterno e Imutável’. Oh bom homem! Ao ouvir isto, ne-
nhum dos meus discípulos pode compreender o que pretendo dizer, e
dizem: ‘Está definido (claro) que o Tathagata não entrará no Nirvana’.

Oh bom homem! Os seres adquirem essa visão de existência do mundo


e dizem: ‘Nenhum de nós seres recebe qualquer efeito cármico após a
morte’. Para esses, Eu digo: ‘Há pessoas que efetivamente recebem
retornos cármicos. Como sabemos que ele seja como ‘é’?’

Oh bom homem! Em tempos passados, houve um rei em Kushinagar


chamado Sudarsana. Para se tornar uma criança, ele levou 84.000 a-
nos; para se tornar um príncipe da coroa, outros 84.000 anos; e para se
tornar um rei, mais 84.000 anos. Sentando-se sozinho, ele pensou para
si: ‘Os seres possuem poucas virtudes. Assim, a vida é curta. Os quatro
inimigos [por exemplo, impurezas, os skandhas, a morte, e Mara; ou
aqui: nascimento, velhice, doença, e morte] sempre os perseguem e
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 238
dão em cima deles, mas eles não os sentem e são indolentes. Em razão
disto, deixarei o lar, praticarei a Via, e afastarei os quatro inimigos, ou
seja, o nascimento, a velhice, a doença e a morte’. Assim, ele ordenou
aos seus oficiais a construção de uma casa com os sete tesouros, fora
do castelo. Ao ser construído o salão, ele disse aos seus ministros, ofici-
ais, mulheres do harém, crianças e parentes: ‘Saibam que desejo re-
nunciar a meu lar. Vocês concordam’? Então, os ministros e parentes
disseram: ‘Bem falado, bem falado, oh Rei! Agora é realmente a ocasi-
ão’. Assim, Sudarsana, acompanhado por um homem, foi sozinho para
aquela casa. Por 84.000 anos ele praticou a compaixão. Em conseqüên-
cia disto, gradativamente, ele se tornou um Chakravartin. Após trinta
gerações, ele se tornou Sakrodevanam; e por inumeráveis anos ele foi
[muitos] reis menores. Quem poderia ter sido aquele Sudarsana? Não
pense assim. Eu mesmo fui aquela pessoa. Oh bom homem! Todos os
meus discípulos, ao ouvir isto, falharam em captar a minha intenção e
disseram: ‘O Tathagata disse que definitivamente existe um Eu e o que
pertence ao Eu’.

Eu também disse a todos os seres: ‘Eu é natureza. Isso quer dizer que
todas as relações causais, os 12 elos do surgimento interdependente,
os cinco skandhas dos seres, o mundo da mente, todas as ações virtuo-
sas, e o mundo de Isvara (Deus) caem dentro da categoria do ‘eu’.’
Ouvindo isto, todos os meus discípulos não compreenderam minha
intenção e disseram: ‘O Tathagata disse que definitivamente existe o
‘eu’.’

Oh bom homem! Certa vez, numa outra ocasião, um Monge veio a


mim e indagou: ‘Honrado pelo Mundo! O que se entende por ‘eu’?
Quem é o ‘eu’? Por que dizemos ‘eu’?’ Eu então disse a esse Monge:
‘Oh Monge! Não há nada que possa ser chamado ‘eu’ ou o que perten-
ça ao ‘eu’. O olho é o que originalmente não foi, mas agora é; o que
certa vez foi, mas agora não é. Quando no aparecimento, não há nada
que ele suceda; e quando no desaparecimento, não há lugar para [ele]
ir. Pode haver efeitos cármicos, mas ninguém que agiu. Não há alguém
que abandona os skandhas e nem alguém que os receba. Você indaga:
Capítulo 40: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 1 Página 239
‘O que é ‘eu’? É uma ação. Como poderia ser um ‘eu’? É desejo. Oh
Monge! Bata [suas] duas mãos, e teremos um som. O caso do ‘eu’
também é assim. As relações causais dos seres, a ação e o desejo são o
‘eu’. Oh Monge! A forma física [‘rupa’] de todos os seres é ‘não-eu’.
Não há forma física no ‘eu’; não há ‘eu’ na forma física. Isto se aplica [a
todos os skandhas] até a consciência. Oh Monge! Todos os tirthikas
[não-Budistas] dizem que existe o ‘eu’. Mas ele não está afastado dos
skandhas. Não há outro ‘eu’ senão os skandhas. Ninguém pode falar
dessa maneira. Todas as ações dos seres são como fantasmas, sendo
como uma miragem que aparece em tempos de calor. Oh Monge! Os
cinco skandhas são todos não-eternos, não-êxtase, não-eu, e não-
puros.

Oh bom homem! Então, houve inumeráveis Monges que vendo, atra-


vés dos cinco skandhas, o fato de que não há ‘eu’, e que nada pertence
ao ‘eu’, atingiram o Arhatship. Oh bom homem! Todos os meus discí-
pulos, ao ouvir isto, falham em compreender a minha intenção e di-
zem: ‘O Tathagata diz que definitivamente não há ‘Eu’.’

Oh bom homem! Eu também disse num sutra: ‘Adquire-se esse corpo


quando três coisas se juntam harmoniosamente. Uma é o pai, a outra a
mãe, e a terceira é a existência intermediária [‘chuon’ em japonês: uma
existência que é suposta existir após a morte e antes do nascimento de
alguém]. Essas três se juntam, e temos esse corpo’. Eu às vezes digo: ‘O
Anagamin [que não retorna ao Samsara] entra no Parinirvana; ou ele
entra num estado intermediário’. Ou às vezes digo: ‘O corpo e os ór-
gãos são perfeitos e puros: tudo surge das ações passadas, como no
caso da sarpirmanda pura’. Oh bom homem! Eu, às vezes, digo: ‘A exis-
tência intermediária que uma má pessoa obtém é como o tecido gros-
seiro de lã que é encontrado no mundo, enquanto a existência inter-
mediária que um ser bom e puro obtém é como o pano finamente
tecido de lã branca produzido em Varanasi’. Todos os meus discípulos
ouvem isto, não compreendem a minha intenção, e dizem: ‘O Tathaga-
ta diz que existe uma existência intermediária’.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 240


Oh bom homem! Eu também disse isto àqueles que realmente come-
teram os pecados mortais: ‘Aqueles que cometem os cinco pecados
mortais caem no Inferno Avichi’. Eu também disse: ‘Monge Dharmaru-
ci, quando ele morrer, cairá imediatamente no Inferno Avichi. Não há
lugar intermediário para ficar’. Eu também disse ao Brahmacarin, Vat-
siputriya: ‘Oh Brahmacarin! Se houvesse uma existência intermediária,
teria que haver seis existências’. Eu também disse: ‘Para um ser sem-
forma, não pode haver existência intermediária’. Oh bom homem!
Todos os meus discípulos ouvem isto, falham em compreender a mi-
nha intenção, e dizem: ‘O Buda diz que definitivamente não pode haver
qualquer existência intermediária’.

Um Monge Chamado Kutei

Oh bom homem! Eu também digo num sutra: ‘Também, há retroação.


Por quê? Porque inumeráveis Monges são indolentes e preguiçosos, e
não praticam a Via’. Há cinco tipos de retroação, os quais são: 1) gosta-
se de possuir muitas coisas, 2) ao gostar, fala-se de coisas mundanas, 3)
gosta-se de dormir, 4) gosta-se de associar-se com pessoas do mundo
secular, 5) ao gostar, compromete-se. Em razão de tudo isto, o Monge
retrocede.

Há dois tipos de relações causais da retroação, a saber: 1) interna, 2)


externa. Uma pessoa do estágio de Arhat certamente abandona a cau-
sa interna, mas não a externa. Devido às relações causais externas, as
impurezas sobem à sua cabeça. Devido às impurezas, a retroação acon-
tece. Havia um Monge chamado Kutei, que havia retrocedido seis ve-
zes. Ao retroceder, ele se arrependia e novamente praticava a Via, e
agora o fazia pela sétima vez. Ao alcançá-la, e tendo medo de perdê-la
novamente, ele matou-se.

Eu também, às vezes, digo que há Emancipação, ou falo sobre os seis


Arhats. Todos os meus discípulos ouvem isto, não compreendem a

Capítulo 40: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 1 Página 241


minha intenção, e dizem: ‘O Tathagata diz que decididamente há re-
troação’.

Oh bom homem! Eu também digo num sutra: ‘Por exemplo, assim


como o carvão nunca se transforma em madeira, e como quando um
pote de barro é quebrado ele nunca servirá como pote novamente,
assim se dá com as impurezas. A erradicação [das impurezas] por um
Arhat nunca mais se reverte’. Também, Eu digo: ‘Há três causas para os
seres possuírem impurezas. Estas são: 1) não se acaba com as impure-
zas, 2) não se acaba com as relações causais (das impurezas), 3) a pes-
soa não tem bons pensamentos. O Arhat não tem as duas (primeiras)
relações causais. Acaba-se com as impurezas e não há pensamentos
sobre coisas más’. Oh bom homem! Todos os meus discípulos ouvem
isto, não compreendem a minha intenção, e dizem: ‘O Tathagata diz
que nunca há retroação’.

Oh bom homem! Eu digo num sutra que o Tathagata tem dois tipos de
corpos. Um é o corpo carnal [‘shoshin’ em japonês: ‘sho’ significa ‘natu-
reza essencial’ e ‘shin’ significa mente, consciência. Portanto, essa tra-
dução de ‘corpo carnal’ não é muito clara aqui – Ed.], e o outro é o
‘Dharmakaya’ [‘hosshin’ em japonês: Corpo do Dharma, Mente do
Dharma]. O corpo carnal é nada mais que um expediente e acomoda-
ção. Assim, esse corpo se sujeita ao nascimento, velhice, doença e mor-
te. É longo, curto, preto e branco; isto é correto, aquilo [não] é correto;
isto é aprendizado ou não-aprendizado. Todos os meus discípulos ou-
vem isto, não compreendem a minha intenção, e dizem: ‘O Tathagata
diz que o corpo do Buda é meramente o que é criado’. O Dharmakaya é
o Eterno, Êxtase, o Eu, e o Puro; está eternamente apartado do nasci-
mento, velhice, doença e morte. Não é branco, nem preto, nem é lon-
go ou curto; não é aprendizado e nem não-aprendizado. O Buda é al-
guém que apareceu ou alguém que não apareceu. Ele é Eterno. Ele não
se move. Não há mudança. Oh bom homem! Todos os meus discípulos
ouvem isto, não compreendem a minha intenção, e dizem: ‘O Tathaga-
ta diz que o corpo do Buda é definitivamente um corpo não criado’.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 242


Oh bom homem! Eu digo num sutra: ‘O que são os 12 elos da interde-
pendência? Da ignorância surge a ação, da ação a consciência, da cons-
ciência a mente-e-corpo, da mente-e-corpo as seis esferas [dos senti-
dos], das seis esferas o toque, do toque o sentimento, do sentimento o
desejo, do desejo o apego, do apego a existência, da existência o nas-
cimento, e do nascimento a velhice-e-morte, apreensão e tristeza’. Oh
bom homem! Todos os meus discípulos ouvem isto, não compreen-
dem a minha intenção, e dizem: ‘O Tathagata diz que os 12 elos da
interdependência são decididamente o (ser) criado’.

Certa vez, Eu dei a um Monge uma injunção e disse: ‘Os 12 elos da


interdependência são o Buda, o não-Buda, características, e o Eterno’.

Oh bom homem! Há um caso onde os 12 elos da interdependência


surgem de relações causais. Também, há um caso onde eles surgem a
partir das relações causais e, no entanto, não são os 12 elos da inter-
dependência. Também, há um caso onde eles surgem das relações
causais e são os 12 elos da interdependência. Também, há um caso
onde eles não são aqueles que surgem das relações causais ou dos 12
elos da interdependência.

Dizemos que há um caso onde eles surgem das relações causais dos 12
elos da interdependência. Isto é dito com relação aos 12 elos da inter-
dependência do futuro.

Dizemos que há um caso onde eles surgem a partir das relações causais
e, no entanto, não são os 12 elos da interdependência. Isto se refere
aos cinco skandhas de um Arhat.

Dizemos que há um caso onde eles surgem das relações causais e são
os 12 elos da interdependência. Isto se refere aos 12 elos da interde-
pendência dos cinco skandhas do mortal comum.

Capítulo 40: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 1 Página 243


Dizemos que há um caso onde eles não são aqueles que surgem das
relações causais ou dos 12 elos da interdependência. Isto se refere ao
espaço e ao Nirvana.

Oh bom homem! Todos os meus discípulos ouvem isto, não alcançam a


minha intenção, e dizem: ‘O Tathagata diz que os 12 elos da interde-
pendência são definitivamente o não-criado’.

Oh bom homem! Eu digo num sutra: ‘Todos os seres cometem boas e


más ações. Quando morrem, os quatro grandes elementos se desinte-
gram imediatamente. Com aqueles cujas ações são puras e boas, suas
mentes viajam para cima; aqueles cujas ações são apenas do mal via-
jam para baixo’. Oh bom homem! Todos os meus discípulos ouvem
isto, falham em compreender minha intenção, e dizem: ‘O Tathagata
diz que definitivamente a mente é eterna’.

Oh bom homem! Eu, certa vez, disse a Bimbisara: ‘Saiba, oh grande Rei,
que a forma [‘rupa’] é não-eterna. Por quê? Porque ela surge de uma
causa do não-eterno. Se essa forma surge de uma causa do não-eterno,
como pode o sábio dizer que isto é eterno? Se a forma fosse eterna,
não haveria qualquer desintegração [dela] e nem o surgimento de to-
das as aflições. Ora, vemos que essa forma desintegra e torna-se dis-
persa. Portanto, deve-se saber que a forma é não-eterna. O mesmo se
aplica até a consciência, também’. Oh bom homem! Todos os meus
discípulos ouvem isto, não alcançam a minha intenção, e dizem: ‘O
Tathagata diz que a mente definitivamente pode ser cortada’.

Oh bom homem! Eu digo num sutra: ‘Todos os meus discípulos rece-


bem incenso e flores, ouro, prata, gemas, esposa, filhos, empregados e
empregadas, as oito coisas impuras, e mesmo assim eles alcançam o
Caminho Correto. Ao alcançá-lo, eles não o abandonam’. Eles ouvem
isto, não compreendem a minha intenção, e dizem: ‘O Tathagata diz
que se pode aceitar as coisas dos cinco desejos e que isto não obstrui a
Via Sagrada’.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 244


E, certa vez, Eu disse: ‘Não pode haver um caso onde homens da vida
secular atinjam o Caminho Correto’. Oh bom homem! Todos os meus
discípulos ouvem isto, não compreendem a minha intenção, e dizem:
‘O Tathagata diz que compartilhar dos cinco desejos obstrui definitiva-
mente o Caminho Correto’.

Oh bom homem! Eu digo num sutra: ‘Ao acabar com as impurezas,


ainda não se atinge a Emancipação. Isto é como no caso onde se vive
no mundo do desejo e se pratica o laukikagradharma [introspecção
(insight) no mundo]’. Oh bom homem! Todos os meus discípulos ou-
vem isto, falham em compreender a minha intenção, e dizem: ‘O Ta-
thagata diz que o laukikagradharma nada mais é que uma coisa do
mundo dos desejos’.

E também Eu digo: ‘O usmagata, murdhana, ksanti, e o laukikagra-


dharma são nada mais que atingir os quatro dhyanas, do primeiro ao
quarto’. Todos os meus discípulos ouvem isto, não compreendem a
minha intenção, e dizem: ‘O Tathagata diz que o laukikagradharma é
nada mais que uma coisa do mundo da forma’.

E também Eu digo: ‘Todos os tirthikas já eram capazes de cortar as


impurezas que ficavam no caminho dos quatro dhyanas. Ao praticar o
usmagata, murdhana, ksanti, e o laukikagradharma, e meditar sobre as
Quatro Verdades, a pessoa obtém a fruição do Anagamin’. Todos os
meus discípulos ouvem isto, não percebem a minha intenção, e dizem:
‘O Tathagata diz que o laukikagradharma existe no mundo da não-
forma’.

Oh bom homem! Eu digo num sutra: ‘Dentre os quatro tipos de dana


[doação], há três que são puros. Os quatro são: 1) o doador acredita na
causa, efeito e dana, mas o receptor não, 2) o receptor acredita na
causa, efeito e dana, mas o doador não, 3) ambos, doador e receptor,
têm fé, e 4) ambos, doador e receptor, não têm fé. Destes quatro tipos
de dana, os primeiros três são puros’. Todos os meus discípulos ouvem

Capítulo 40: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 1 Página 245


isto, não compreendem a minha intenção, e dizem: ‘O Tathagata diz
que dana é meramente a intenção (idéia)’.

Oh bom homem! Certa vez Eu disse: ‘Quando se faz doações, se dá


cinco coisas. Quais são as cinco? Estas são: 1) matéria, 2) poder, 3) paz,
4) vida, e 5) coragem na oratória. As relações causais dessas coisas
retornam para quem as deu’. Todos os meus discípulos ouvem isto,
não compreendem a minha intenção, e dizem: ‘O Buda diz que dana é
nada mais que os cinco skandhas’.

Oh bom homem! Certa vez eu disse: ‘Nirvana é o que é cortado, e onde


as impurezas são eternamente aniquiladas, e onde nada fica para trás.
Isto é como no caso da luz de uma lâmpada. Quando extinta, não há
[re]aparecimento de uma coisa. É o mesmo com o Nirvana. Dizemos
‘Vazio’. Isto é onde não há lugar que possa ser nomeado. Por exemplo,
na vida mundana dizemos ‘como o Vazio’, quando nada há a ser possu-
ído. Isto é apratisamkhya-nirodha [isto é, quando as relações causais
para algo existir se acabam, nada pode surgir], onde nada há a ser pos-
suído. Se há algo que possa ser nomeado, deve haver relações causais.
Quando há relações causais, deve haver extinção. Quando não há, não
há extinção’. Todos os meus discípulos ouvem isto, não compreendem
a minha intenção, e dizem: ‘O Buda diz que não há os três não-criados’.

Oh bom homem! Certa vez Eu disse a Maudgalyayana: ‘Oh Maudgalya-


yana! Nirvana é a sentença e a linha, o passo adiante, o derradeiro, o
destemor, o grande mestre, a grande fruição, o conhecimento extre-
mo, a grande ksanti [paciência], e o samadhi sem obstruções. Este é o
grande mundo do Dharma, o sabor da amrta [imortalidade] e é difícil
ver. Oh Maudgalyayana! Se for dito que não há Nirvana, como poderia
uma pessoa que calunia cair no inferno’? Oh bom homem! Todos os
meus discípulos ouvem isto, não compreendem a minha intenção, e
dizem: ‘O Tathagata diz que existe Nirvana’.

Certa vez, Eu disse a Maudgalyayana: ‘Oh Maudgalyayana! O olho não


é inflexível. Assim se dá com o corpo carnal. Tudo é não inflexível. Sen-
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 246
do não inflexível, dizemos Vazio. Onde a comida passa, e onde ela se
vira e é digerida, todos os sons são Vazio’. Todos os meus discípulos
ouvem isto, não compreendem a minha intenção, e dizem: ‘O Tathaga-
ta diz que o Vazio não-criado definitivamente existe’.

Também, certa vez Eu disse a Maudgalyayana: ‘Oh Maudgalyayana! Há


uma pessoa que ainda não atingiu a fruição do Srotapanna. Quando
residindo em ksanti, ela aparta-se dos efeitos cármicos dos três reinos
do infortúnio. Saiba que ela [a existência samsarica] não morre através
das relações causais do intelecto’. Todos os meus discípulos ouvem
isto, falham em compreender a minha intenção, e dizem: ‘O Tathagata
diz que definitivamente existe a apratisamkhya-nirodha’.

Oh bom homem! Eu, em certa ocasião, disse ao Monge Bhadrapala:


‘Você, Monge, deve meditar sobre a forma. Nada do passado, futuro,
presente, próximo, distante, grosseiro ou delicado é o Eu ou o que
pertence ao Eu. Meditando assim, o Monge realmente corta o desejo
pela forma’. Bhadrapala também disse: ‘O que é a forma’? Eu disse: ‘Os
quatro grandes elementos são a forma e os quatro skandhas são cha-
mados ‘nome’ [isto é, o que é mental]’. Todos os meus discípulos ou-
vem isto, não compreendem a minha intenção, e dizem: ‘O Tathagata
diz que a forma é definitivamente os quatro grandes elementos’.

Oh bom homem! Por exemplo, através de um espelho, uma imagem


aparece. É o mesmo com a matéria também. Através dos quatro gran-
des elementos, as coisas surgem, tal como o grosseiro, o delicado, o
não-deslizante, o deslizante, o azul, amarelo, vermelho, branco, longo,
curto, quadrado, redondo, torto, anguloso, leve, pesado, frio, quente,
faminto, sedento, enfumaçado, nebuloso, empoeirado e sombrio. Este
é o porquê dizemos que a matéria surge como som (onda) ou forma
(partícula). Todos os meus discípulos ouvem isto, não compreendem a
minha intenção, e dizem: ‘O Tathagata diz que como há os quatro
grandes elementos, pode haver as obras da matéria’.

Capítulo 40: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 1 Página 247


Oh bom homem! Em tempos passados, o Príncipe Bodhi disse: ‘Caso
um Monge que defenda os shila adquira um mau pensamento, saiba
que naquele momento ele perde os shila’.

Eu então disse: ‘Oh Príncipe! Há sete tipos de shila. Quando as coisas


surgem através do corpo e da boca, lá surge a forma não-exprimível
[isto é, a ‘rupa’ (matéria) secundária que vem dos preceitos recebidos].
Através das relações causais dessa forma não-exprimível, não dizemos
que perdemos os shila, embora a coisa em si recaia na categoria do
mal-não-definível. Ainda é a observância dos shila. Por que dizemos
‘forma não-exprimível’? Porque ela não constitui causa de qualquer
forma diferente; nem é a fruição de qualquer forma diferente’. Oh bom
homem! Todos os meus discípulos ouvem isto, não compreendem a
minha intenção, e dizem: ‘O Buda diz que existe uma forma não-
exprimível’.

Oh bom homem! Eu digo em outros sutras: ‘Os preceitos restringem as


coisas más. Se uma pessoa não comete o mal, isso é observância dos
preceitos’. Todos os meus discípulos ouvem isto, não compreendem a
minha intenção, e dizem: ‘O Tathagata diz que definitivamente não há
forma não-exprimível’.

Oh bom homem! Eu digo num sutra: ‘Os skandhas, desde a forma até a
consciência, de uma pessoa sagrada surgiram das relações causais da
ignorância. É o mesmo que se verifica com relação às coisas de todos
os mortais comuns, também. Da ignorância surge o desejo. Saiba que
esse desejo é ignorância. Do desejo surge o apego. Saiba que esse ape-
go é ignorância e desejo. Do apego surge a existência. Saiba que essa
existência é ignorância, desejo e apego. Da existência surge o senti-
mento. Saiba que esse sentimento é ação e existência. Das relações
causais do sentimento surgem coisas como mente-e-corpo, ignorância,
desejo, apego, existência, ação, sentimento, toque, consciência, e as
seis esferas [dos sentidos]. Por essa razão, o sentimento é nada mais
que os 12 elos do surgimento interdependente’. Oh bom homem! To-

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 248


dos os meus discípulos ouvem isto, não compreendem a minha inten-
ção, e dizem: ‘O Tathagata diz que não existe caitta [fator mental]’.

Oh bom homem! Eu digo num sutra: Das quatro coisas, isto é, dos o-
lhos, forma, luz e maus desejos surge a cognição visual. O mau desejo é
ignorância. Como a natureza do desejo é buscar possuir, chamamos
isso de desejo. Das relações causais do desejo surge o apego, e esse
apego é chamado ação. Das relações causais da ação surge a consciên-
cia, e consciência está relacionada à mente-e-corpo. Mente-e-corpo
está relacionada às seis esferas; as seis esferas estão relacionadas ao
toque, o toque à concepção, a concepção ao sentimento, desejo, fé,
esforço, dhyana, e Sabedoria. Todas essas coisas surgem pelo toque e,
no entanto, elas não são o toque em si’. Oh bom homem! Todos os
meus discípulos ouvem isto, não compreendem a minha intenção, e
dizem: ‘O Tathagata diz que o caitta existe’.

Oh bom homem! Eu, certa vez, disse: ‘Existe apenas uma existência.
Isso se estende a duas, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove e até
vinte e cinco’. Todos os meus discípulos ouvem isto, não compreendem
a minha intenção, e dizem: ‘O Tathagata diz que há cinco ou seis exis-
tências’.

Oh bom homem! Certa vez vivi em Kapilavastu, nos jardins de nyagro-


dha, quando Kolita veio a mim e disse: ‘O que é um upasaka’?

Eu então disse: ‘Qualquer macho ou fêmea que seja perfeito em todos


os sentidos orgânicos e que toma os três refúgios [no Buda, no Dharma
e na Sangha] é um upasaka [Budista leigo].

Kolita disse: ‘Oh Honrado pelo Mundo! O que é um upasaka parcial’?

Eu disse: ‘Qualquer um que tenha se refugiado nos Três Tesouros [do


Buda, do Dharma e da Sangha] e que tenha recebido um preceito [mo-
ral] é um upasaka parcial’. Todos os meus discípulos ouvem isto, não
compreendem a minha intenção, e dizem: ‘O Tathagata diz que mesmo
Capítulo 40: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 1 Página 249
uma pessoa que é imperfeita pode receber os preceitos do upasaka
(leigo)’.

Oh bom homem! Certa vez, Eu estava residindo nas barrancas do Gan-


ges, quando Katyayana veio a mim e disse: ‘Oh Honrado pelo Mundo!
Eu ensino as pessoas a adotar o ritual da purificação. Isso pode conti-
nuar por um dia, uma noite, um período de tempo, ou por momento
de pensamento. Essas pessoas podem realizar o ritual da purificação’?
Eu disse: ‘Oh Monge! Essa pessoa realiza o bem, mas não a purifica-
ção’. Todos os meus discípulos ouvem isto, não compreendem a minha
intenção, e dizem: ‘O Tathagata diz que uma pessoa obtém completa-
mente as oito purificações’.

Oh bom homem! Eu digo num sutra: ‘Qualquer pessoa que cometa as


quatro graves ofensas não é Monge. Esse Monge é alguém que trans-
gride os preceitos ou alguém que esqueceu os preceitos. Ele não pode
evocar o broto (rebento) do bem. Por exemplo, isto é como com a
semente queimada, da qual não se pode esperar qualquer fruto. Se a
copa da árvore tala é danificada, nenhum fruto poderá surgir. É o
mesmo com o Monge que comete as ofensas graves, também’. Todos
os meus discípulos ouvem isto, não compreendem a minha intenção, e
dizem: ‘O Tathagata diz que qualquer Monge que tenha cometido as
graves ofensas perde os preceitos de um Monge’.

Oh bom homem! Para o benefício de Cunda, Eu falei num sutra sobre


os quatro tipos de Monges. Eles são: 1) Chegado ao final da Via, 2) ex-
positor da Via, 3) receptor da Via, e 4) da Via impura. Alguém que co-
meta as quatro ofensas graves pertence àqueles da Via impura. Todos
os meus discípulos ouvem isto, falham em apreender a minha inten-
ção, e dizem: ‘O Tathagata diz que o Monge que comete as quatro
graves ofensas não viola os preceitos’.

Oh bom homem! Eu digo num sutra a todos os Monges: ‘Tudo o que


concerne ao Veículo Único, a Via Única, Ação Única, Condição Única,
desde o veículo único até a condição, confere aos seres grande quietu-
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 250
de. Estes extirpam eternamente tudo quanto é laço de servidão, apre-
ensão, sofrimento, sofrimento do sofrimento, e levam todos os seres à
existência única’. Todos os meus discípulos ouvem isto, não compreen-
dem a minha intenção, e dizem: ‘O Tathagata diz que todos, desde o
Srotapanna até o Arhat, atingem o objetivo Budista’.

Oh bom homem! Eu digo num sutra: ‘O Srotapanna repete idas e vin-


das entre o mundo dos humanos e aquele dos devas [deuses] sete
vezes, e então atinge o Parinirvana. O Sakrdagamin tem apenas uma
vida como humano ou deva, e então atinge o Parinirvana. O Anagamin
compreende cinco (ou dois) tipos. Um pode atingir, no intermédio, o
Parinirvana ou subir e atingi-lo no mais elevado céu. Com aqueles do
estágio do Arhat, há dois tipos, os quais vem a atingir [o Nirvana]: 1) na
presente vida, e 2) na próxima vida. Na presente vida, eles extirpam as
impurezas e os cinco skandhas; e na próxima vida, também, eles extir-
pam as impurezas e os cinco skandhas’. Todos os meus discípulos ou-
vem isto, falham em compreender a minha intenção, e dizem: ‘O Ta-
thagata diz que alguém pode subir do estágio do Srotapanna até o
estágio do Arhat, e ainda não ser perfeito na Via Budista’.

Oh bom homem! Eu digo neste sutra: ‘Em detalhes, há seis coisas na


Natureza de Buda, a saber: 1) o Eterno, 2) o Real, 3) o Verdadeiro, 4) o
Bom, 5) o Puro, e 6) o Visível’. Todos os meus discípulos ouvem isto,
não compreendem a minha intenção, e dizem: ‘O Buda diz que a Natu-
reza de Buda dos seres existe fora de nós, seres’.

Oh bom homem! Eu também digo: ‘A Natureza de Buda dos seres é


como o Vazio. O Vazio não é passado, nem futuro, e nem presente.
Não é dentro, e nem fora; não está dentro dos limites da cor, som,
sabor e toque. É o mesmo com a Natureza de Buda’. Todos os meus
discípulos ouvem isto, não compreendem a minha intenção, e dizem:
‘O Buda diz que a Natureza de Buda dos seres existe fora dos seres’.

Oh bom homem! Certa vez Eu disse: ‘Pessoas como aquelas que têm
cometido as quatro graves ofensas, os icchantikas, caluniadores dos
Capítulo 40: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 1 Página 251
Sutras Vaipulya, e aqueles que têm cometido os cinco pecados mortais,
todos possuem a Natureza de Buda. Essas pessoas não possuem boas
ações a depender. A Natureza de Buda é o Bom em si’. Todos os meus
discípulos ouvem isto, não compreendem a minha intenção, e dizem:
‘O Buda diz que a Natureza de Buda dos seres existe fora dos seres’.

Oh bom homem! Eu também disse certa vez: ‘O ser em si é a Natureza


de Buda. Por quê? A não ser pelo ser em si, não há consecução da Ilu-
minação Insuperável. Este é o porquê eu recorri à parábola do elefante
para Prasenajit. As pessoas cegas, quando ao falar do elefante, não nos
dão o elefante. No entanto, o que eles dizem não é totalmente distante
dele. É o mesmo com os seres que podem estar a falar desde a forma
até a consciência, e a dizer que isso é a Natureza de Buda. O caso é o
mesmo. Embora não corresponda à Natureza de Buda em si, no entan-
to, não está muito distante dela. Eu também concedi ao rei a parábola
de uma harpa. O mesmo é o caso com a Natureza de Buda, também’.
Oh bom homem! Todos os meus discípulos ouvem isto, não compre-
endem a minha intenção, e falam variadamente como o homem cego
que indaga sobre [a aparência do] leite. Assim se dão as coisas com a
Natureza de Buda.

Por essa razão, Eu às vezes digo: ‘Pessoas tais como aquelas que come-
tem as quatro graves ofensas, caluniadoras dos Sutras Vaipulya, aque-
las que cometem os cinco pecados mortais, e os icchantikas, possuem
a Natureza de Buda’. Ou digo: ‘Não’.

Oh bom homem! Eu digo em vários sutras: ‘Quando uma pessoa apa-


rece no mundo, muitos ganham benefícios. Nunca dois Chakravartins
aparecem em um país, e nem dois Budas em um mundo. Nem sob os
quatro céus os oito guardiões da terra aparecem, e nem dois Paranir-
mitavasavartins. Tais coisas nunca podem acontecer. E Eu digo que
viajo do Jambudvipa e Inferno Avichi até o Céu Akanistha’. Todos os
meus discípulos ouvem isto, não compreendem a minha intenção, e
dizem: ‘O Buda diz que não há Buda nas dez direções’. E Eu também

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 252


digo em todos os Sutras Mahayana que há Budas em todas as dez dire-
ções.”

Capítulo 40: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 1 Página 253


Capítulo Quarenta e Um: Sobre o Bodhisattva
Kashyapa 2

A Virtude da Dúvida

“Oh bom homem! Esses assuntos de controvérsias são coisas que per-
tencem ao mundo do Buda. Eles não são aquilo que Sravakas e Pratye-
kabudas possam sondar. Se uma pessoa pode realmente adquirir um
pensamento dúbio, essa pessoa pode extirpar inumeráveis impurezas,
tão imensas quanto o Monte Sumeru. Quando um humano adquire um
pensamento fixo, isto é o que chamamos apego.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo!


Como nos apegamos?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Essa pessoa pode muito bem seguir o
que os outros dizem, ou ela mesma olhar para os sutras. Ou pode par-
ticularmente ensinar aos outros, mas ser incapaz de abandonar o que a
sua mente adere. Isto é apego.”

Kashyapa disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Tal apego é uma ação do
bem ou algo que não é bom?”

“Oh bom homem! Esse apego não é uma ação que possa ser chamada
de boa. Por que não? Porque esse não pode quebrar todas as teias da
dúvida.”

Kashyapa disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Essa pessoa não tinha dú-
vida desde o início. Como podemos dizer que ela não pode quebrar as
teias da dúvida?”

“Oh bom homem! Alguém que não tenha dúvida é alguém que tem
dúvida.”

Capítulo 41: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 2 Página 255


“Oh Honrado pelo Mundo! Há uma pessoa que diz que alguém no es-
tágio do Srotapanna não cai nos três reinos do infortúnio. A situação
dessa pessoa pode ser adequadamente chamada de apego ou dúvi-
da?”

“Oh bom homem! Isso pode muito bem ser chamado de idéia fixa; não
podemos chamá-lo de dúvida. Por que não? Oh bom homem! Por e-
xemplo, há um homem que primeiro vê um homem e uma árvore, e
mais tarde, enquanto passeando à noite, pode ver um toco [tronco de
árvore] e adquirir a dúvida, e se perguntar se isto é um homem ou uma
árvore. Oh bom homem! Uma pessoa primeiro vê um Monge e um
Brahmacarin, e então mais tarde pode ver, de longe, um Monge e ad-
quirir a dúvida, e se perguntar se isto é um Shramana ou um Brahma-
carin. Oh bom homem! Uma pessoa pode ver primeiro uma vaca e um
búfalo, e mais tarde pode ver, à distância, uma vaca e adquirir um pen-
samento dúbio, e se perguntar se isto é uma vaca ou um búfalo.

Oh bom homem! Todos os seres primeiro vêem duas coisas, e então


adquirem a dúvida. Por quê? Porque a mente não é clara. Eu nunca
digo que uma pessoa do (estágio do) Srotapanna cai nos três reinos do
infortúnio, ou que ela não cai nos três reinos do infortúnio. Como pode
uma pessoa adquirir um pensamento duvidoso?”

Kashyapa disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Você, o Buda, diz que al-
guém necessariamente vê uma coisa antes, e que então uma dúvida
surge. Há alguém que, não vendo duas coisas, adquire dúvida. O que é
isto? É Nirvana. Oh Honrado pelo Mundo! Por exemplo, uma pessoa
corre em águas lamacentas ao longo do caminho. Não tendo visto nada
desse tipo antes, uma dúvida surge. O caso é assim. Essa água é pro-
funda ou rasa? Por que é que essa pessoa, não tendo visto nada antes,
adquire essa dúvida?”

“Oh bom homem! Nirvana é nada mais que a segregação do sofrimen-


to; não-Nirvana é sofrimento. Todos os seres vêem duas coisas, as
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 256
quais são: sofrimento e não-sofrimento. O sofrimento e o não-
sofrimento são: fome e sede, frio e calor, ira e alegria, doença e paz,
velhice e auge da vida, nascimento e morte, servidão e emancipação,
amor e separação, e encontro com pessoas odiosas. Os seres, tendo
deparado [com essas coisas], adquirem dúvida: ‘Haveria alguma forma
de acabar com todas essas coisas ou não’? Devido a isso, os seres ali-
mentam dúvida quanto ao Nirvana. Você diz que essa pessoa não viu
qualquer água antes, e indaga como é possível para ela adquirir dúvi-
da? As coisas não são assim. Por que não? Essa pessoa viu água em
outros lugares antes. Esse é o porquê ela adquiriu a dúvida onde não a
tinha visto antes.”

“Oh Honrado pelo Mundo! Essa pessoa viu águas profundas e rasas
antes, e então ela não tinha dúvidas. Por que agora ela adquiriu a dúvi-
da?”

O Buda disse: “Como ela não a teve antes (provavelmente porque e-


ram águas claras), agora ela adquire uma dúvida. Esse é o porquê eu
digo: ‘Uma pessoa duvida quando há o que não é claro’.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! O


Buda diz que uma dúvida é apego e apego é uma dúvida. Quem faz
isso?”

“Oh bom homem! É o icchantika, que cortou as raízes do bem.”

Kashyapa disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Quem é a pessoa que cor-
tou as raízes do bem?”

“Oh bom homem! Qualquer pessoa que seja inteligente, astuta, agu-
çada, e que compreenda bem, mas abandone um bom amigo. Todas as
pessoas tais como aquelas que não dão ouvido ao Dharma Maravilho-
so, que não tenham bons pensamentos, e que não vivam seguindo o
Dharma, são aquelas que cortaram as raízes do bem. A mente se afasta
das quatro coisas e a pessoa pensa para si: ‘Não pode haver dana. Por
Capítulo 41: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 2 Página 257
que não? Dana é abandono da riqueza. Se há qualquer retorno para
dana (doação), o danapati [doador] será sempre pobre. Por quê? A
semente e o fruto são iguais. Esse é o porquê dizemos que não há cau-
sa e nem efeito’. Se uma pessoa fala assim e diz que não há causa e
efeito, isto é cortar as raízes do bem. Além disso, uma pessoa pensa:
‘Os três elementos do doador, receptor, e a coisa dada não permane-
cem eternamente. Se não há permanência, como pode alguém dizer
que este é o doador, este o receptor, e esta é a coisa dada? Se não há
ninguém que receba, como pode haver qualquer fruição [resultado]?
Por essa razão, dizemos que não há causa e nem efeito’. Caso uma
pessoa diga que não há causa e nem efeito, podemos saber que essa
pessoa cortou as raízes do bem.

Também, uma pessoa pensa: ‘Quando uma pessoa dá, há cinco coisas
nessa doação. Quando ela recebeu, como destinatária (ela) pode às
vezes fazer o bem ou mal. E o doador dessa doação também não aufe-
re qualquer resultado do bem ou mal. Isto é como as coisas caminham
no mundo, onde a semente evoca o fruto e o fruto a semente. A causa
é o doador e o resultado é o receptor. E o receptor não pode fazer o
bem ou o mal chegar às mãos do doador. Por isso, não há causa e nem
efeito’. Caso uma pessoa diga que não há causa e efeito, saiba que essa
pessoa realmente cortou as raízes do bem.

Também, uma pessoa pensa: ‘Não há nada que possa realmente ser
chamado de dana. Por que não? Dana é uma coisa indefinível. Se for
indefinível, como pode evocar qualquer bom resultado? Não há resul-
tado que seja bom ou mau. Isto é o que se chama indefinível. Se uma
coisa é indefinível, deve-se saber que não pode haver qualquer resul-
tado bom ou mau. Por essa razão, dizemos que não há dana, nem cau-
sa, e nem resultado’. Qualquer um que professe que não há causa e
nem resultado, essa pessoa corta as raizes do bem.

Também, uma pessoa pode pensar: ‘Dana é vontade. Se for vontade,


não pode haver visão e nem objeto visto. Isto é não material. Se for
não material, como uma pessoa pode dar? Por causa disso, eu digo que
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 258
não há dana, nem causa, e nem resultado’. Se uma pessoa fala dessa
maneira e diz que não há causa e nem resultado, saiba que essa pessoa
realmente corta as raizes do bem.

Também, uma pessoa pode pensar: ‘Se o doador doa para uma ima-
gem do Buda, para a imagem de um deva, ou para o bem dos seus pais
que já se foram, não pode haver ninguém que possa ser chamado de
receptor. Se ninguém recebe, não pode haver qualquer resultado a ser
considerado. Se não há resultado a ser considerado, isto significa que
não há causa. Se não há causa, isto significa que não há efeito’. Se uma
pessoa fala assim e diz que não há causa e efeito, essa pessoa corta as
raizes do bem.

Também, uma pessoa pensa: ‘Não há pai e nem mãe. Caso uma pessoa
diga que os pais são a causa de um ser, aqueles que dão origem a um
ser, a lógica o levará a dizer que o nascimento deve estar acontecendo
continuamente, e que não há interrupção. Por quê? Porque a causa
existe sempre. Mas o nascimento não ocorre o tempo todo. Por isso,
saiba que não há pais’.

Também, uma pessoa pensa: ‘Não há pai e nem mãe. Por que não? Se
um ser surge através dos pais, o ser deve possuir os dois órgãos sexu-
ais, do macho e da fêmea. Mas, tal coisa não acontece. Saiba-se então
que um humano não surge dos pais’.

Também, uma pessoa pensa: ‘Um ser não surge do pai e da mãe. Por
que não? Vê-se com os próprios olhos que uma pessoa não é como os
próprios pais em todos os aspectos como corpo e mente, comporta-
mento, e suas idas e vindas. Por essa razão, os pais não são a causa do
ser’.

Também, uma pessoa pensa: ‘Há quatro nadas. Estes são: 1) o que não
apareceu, 2) o que não é, 3) os chifres de uma lebre, e 4) o cabelo de
uma tartaruga. É o mesmo com os pais de um ser. Esses quatro são
iguais ao que não é. Alguém pode dizer que os pais são a causa de um
Capítulo 41: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 2 Página 259
ser. Mas quando os pais morrem, o filho não morre necessariamente.
Por essa razão, os pais não são a causa do ser’.

Também, uma pessoa pensa: ‘Se dissermos que os pais são a causa do
ser, os seres deveriam sempre surgir dos pais. Mas, existem nascimen-
tos como o nascimento por transformação e o nascimento da umidade.
Disto podemos saber que o ser não surge dos pais’.

Também, uma pessoa pensa: ‘Uma pessoa pode crescer, independente


dos seus pais. Por exemplo, o pavão adquire seu corpo (cresce) ao ou-
vir o som do trovão, e o pardal azul ganha seu corpo engolindo as lá-
grimas de um pardal macho; o jiva-jivaka ganha seu corpo olhando
para um homem valente que dança’. Quando a pessoa pensa assim e
não encontra um Mestre da Via, devemos saber que aquela pessoa
realmente corta as raízes do bem.

Também, uma pessoa pensa: ‘Em todo o mundo, não há efeitos cármi-
cos das boas ou más ações perpetradas. Por que não? Há seres que são
perfeitos nas dez boas ações e se comprazem em dar e acumular virtu-
des. Mesmo para essas pessoas também surgem doenças do corpo;
elas podem morrer na meia-idade, perder sua fortuna, e ter muitas
apreensões e sofrimentos. Há uma pessoa que comete as dez más
ações, é parcimoniosa, gananciosa, invejosa, preguiçosa e indolente.
Jamais acumulando o bem, no entanto está em paz, não tem doenças,
desfruta de longa vida, está cheia de riquezas, e não sofre de apreen-
são ou aflições. Disto podemos saber que não há qualquer conseqüên-
cia cármica das boas e más ações’.

Também, uma pessoa pensa: ‘Eu também certa vez ouvi um homem
sagrado falar, o qual disse que há casos onde uma pessoa que acumu-
lou o bem cai nos três reinos do infortúnio quando sua vida acaba, e
casos onde o malfeitor ganha vida nos céus quando sua vida chega ao
fim. Disto podemos saber que não pode haver qualquer conversa de
resultados das boas ou más ações’.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 260


Também, uma pessoa pensa: ‘Todas as pessoas sagradas dizem duas
coisas [contraditórias]. Um diz que sacrificando a vida se ganha um
bom resultado, e [outro diz] que matando se ganha um mal resultado.
Disto podemos saber que aquilo que uma pessoa sagrada diz não é
definido. Se não há nada definido naquilo que uma pessoa sagrada diz,
como alguém pode ser definitivamente corrigido? Por essa razão, sai-
ba-se que não há resultado do bem ou mal’.

Também, uma pessoa pensa: ‘Não há pessoas sagradas no mundo. Por


que não? Qualquer pessoa sagrada terá a Via Correta. Todos os seres,
possuidores de impurezas, praticam a Via Correta. Saiba que isto signi-
fica que eles trilham a Via Correta e que as impurezas os acompanham.
Se as duas coisas existem ao mesmo tempo, isto significa que a Via
Correta é incapaz de destruir as impurezas. Se uma pessoa pratica a
Via, não possuindo impurezas, qual é o bem de praticar a Via Correta?
Isto indica que qualquer pessoa que não tenha impurezas não pode
acabar com a Via. Se uma pessoa não possui impurezas, não há neces-
sidade da Via. Disto, saiba que não pode haver ninguém no mundo que
possa ser chamado de pessoa sagrada’.

Também, uma pessoa pensa: ‘A ignorância está causalmente relacio-


nada com a ação, até ao nascimento, velhice e morte. Os seres estão
todos igualmente relacionados com os 12 elos da interdependência. É
o mesmo com a natureza do Nobre Caminho Óctuplo, o qual está tam-
bém relacionado assim (com todos os seres igualmente). Se uma pes-
soa pratica, todos os seres também ganharão; quando uma pessoa
pratica, todas as aflições [dos outros] cessarão. Por quê? Porque a im-
pureza tem a mesma natureza. No entanto, não obtemos isto. Isto
mostra que não há Via Correta’.

Também, uma pessoa pensa: ‘As pessoas sagradas dependem da lei


[isto é, das mesmas coisas] de qualquer mortal comum, como bebida e
comida, caminhar, parar, sentar, deitar, dormir, ser feliz, rir, sentir fo-
me e sede, frio e calor, apreensão e medo. Se estiverem no mesmo
nível, as pessoas sagradas não podem atingir a Via Sagrada. Ao atingir a
Capítulo 41: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 2 Página 261
Via, deve se acabar com todas essas coisas. Se ainda não se acabou
com essas coisas, devemos saber que não pode haver algo como a Via’.

Também, uma pessoa pensa: ‘O corpo de uma pessoa sagrada está


imerso nos prazeres dos cinco desejos. Também, ela fala mal [das pes-
soas], bate-lhes, e é invejosa e arrogante. Ela sente tristeza e alegria, e
comete boas e más ações. Disto, podemos saber que não existe tal
coisa como uma pessoa sagrada. Se existe a Via, deve haver a erradica-
ção da Via. Se ela não é cortada, devemos saber que não existe tal
coisa como a Via’.

Também, uma pessoa pensa: ‘Uma pessoa que sente muita piedade é
uma pessoa sagrada. Por que a chamamos de pessoa sagrada? Por
causa da Via. Se a Via é piedade, ela deve sentir piedade por todos os
seres. Não é algo que alguém adquira por ter praticado. Se não há pie-
dade (na Via), como pode uma pessoa adquiri-la ao ter realizado a Via?
Disto, podemos saber que não há tal coisa no mundo como a Via Sa-
grada’.

Também, uma pessoa pensa: ‘Todas as coisas não surgem tendo os


quatro grandes elementos como sua causa. Todos os seres possuem
igualmente os quatro grandes elementos. Os seres vêem que esta pes-
soa pode ganhar e a outra não pode. Se existe qualquer Via Sagrada, as
coisas deveriam ser assim. Mas, as coisas não são assim. Portanto,
deve-se saber que realmente não existe tal coisa como a Via Sagrada’.

Também, a pessoa pensa: ‘Se todas as pessoas sagradas têm somente


um Nirvana, podemos saber que não pode haver qualquer coisa como
uma pessoa sagrada. Por que não? Porque uma pessoa não pode al-
cançá-lo (o Nirvana). O Dharma eterno não pode ser alcançado, ou
alguém não pode alcançá-lo ou abandoná-lo. Se as pessoas sagradas
têm muitos Nirvanas, isto nos diz que o que existe é não-eterno. Por
quê? Porque essas coisas são aquilo que pode ser contado. Se o Nirva-
na é um, ele virá para todos quando uma pessoa alcançá-lo. Se os Nir-
vanas são muitos, eles devem possuir linhas limítrofes. Como podemos
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 262
chamá-lo de eterno? Se for dito que o Nirvana é único no corpo, e que
as emancipações são muitas, isto pode ser comparado ao caso onde
alguém tem muitos dentes e uma língua. Mas isto não é assim. Por que
não? Porque cada consecução (do Nirvana) não seria uma consecução
total. Como existe uma linha limítrofe, ele deve ser não-eterno. Se não-
eterno, como alguém pode falar de Nirvana? Se não há Nirvana, como
pode haver qualquer pessoa sagrada? Devido a isto, podemos saber
que não há alguém que possa ser chamado de pessoa sagrada’.

Também, uma pessoa pensa: ‘A Via que deve ser alcançada por qual-
quer pessoa sagrada não é aquela que pode ser alcançada através de
relações causais. Se ela não pode ser alcançada através de relações
causais, por que todos não nos tornamos pessoas sagradas? Se todas
as pessoas não são pessoas sagradas, podemos saber que não pode
haver qualquer pessoa ou Via sagrada’.

Também, uma pessoa pensa: ‘A pessoa sagrada diz que há duas rela-
ções causais concernentes à visão correta, a saber: 1) seguir os outros e
dar ouvido ao Dharma, e 2) pensar por si mesmo. Se essas duas (coisas)
surgem através de relações causais, o que resulta também deve surgir
de relações causais. Assim, deve suceder-se uma interminável série de
erros. Se essas duas (coisas) não surgem através de relações causais,
por que é que todos os seres não a obtêm (isto é, uma visão correta)?’
Pensando assim, a pessoa realmente corta as raizes do bem.

Oh bom homem! Se uma pessoa devesse ver assim tão profundamente


todas as coisas como causalidade e efetividade, aquela pessoa se corta-
ria das raízes das cinco coisas, começando pela fé. Oh bom homem! A
pessoa que carece das raízes do bem não é necessariamente alguém
(de inteligência) mediana ou obtusa; nem está no céu ou nos três rei-
nos do infortúnio. É o mesmo com o Monge que infringe a lei da San-
gha.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo!


Quando essa pessoa retorna e adquire as raizes do bem?”
Capítulo 41: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 2 Página 263
O Buda disse: “Oh bom homem! Essa pessoa adquire a raiz do bem em
duas etapas. Uma é quando ela primeiro entra no inferno, e a outra é
quando ela sai do inferno. Oh bom homem! Há três tipos de boas a-
ções, que são aquelas 1) do passado, 2) do presente, e 3) do futuro.
Com relação ao passado, a natureza morre por si mesma. A causa pode
eclodir, mas o efeito ainda não amadurece. Por essa razão, não dize-
mos que a pessoa corta os efeitos cármicos do passado. O que corta as
causas das Três Existências é aquele que dizemos que corta as raízes do
bem.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! Se


dizemos que cortamos as raizes do bem quando cortamos as causas
das Três Existências, podemos inferir que o icchantika tem a Natureza
de Buda. Essa Natureza de Buda é aquela do passado, do presente, ou
do futuro? Ou ela se estende a todas as Três Existências? Se ela é do
passado, como podemos chamá-la eterna? A Natureza de Buda é eter-
na. Disto, podemos saber que ela não pertence ao passado. Se ela é do
futuro, como podemos chamá-la eterna? Por que o Buda diz que todos
os seres infalivelmente a obterão? Se uma pessoa infalivelmente a
obterá, como podemos dizer que ela corta (as raízes do bem)? Se é do
presente, como ela pode ser eterna? Por que é que a pessoa decidida-
mente a verá?

O Tathagata diz que há seis aspectos na Natureza de Buda, os quais


são: 1) o Eterno, 2) o Verdadeiro, 3) o Real, 4) o Bom, 5) o Puro, e 6) o
Visível. Se a Natureza de Buda existe mesmo após o corte das raízes do
bem, não podemos dizer que cortamos as raízes do bem. Se não hou-
ver Natureza de Buda (após o corte), como podemos dizer que todos
os seres a possuem? Se a Natureza de Buda é ambos, ‘é’ e ‘não-é’, por
que o Tathagata diz que ela é eterna?”

O Buda disse: “Oh bom homem! O Tathhagata-Honrado-pelo-Mundo


tem quatro (tipos de ) respostas para todos os seres, as quais são: 1)

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 264


uma resposta definida, 2) uma resposta discriminativa, 3) uma resposta
em não-conformidade, e 4) uma resposta por exclusão.

Oh bom homem! O que é uma resposta definida? Quando indagado se


uma má ação acarreta um resultado bom ou mau, dizemos que defini-
tivamente o que surgirá não é bom na sua natureza. A mesma é a situ-
ação com aquilo que é bom. Se indagado se o Tathagata é pleno-
conhecedor ou não, dizemos que definitivamente ele é pleno-
conhecedor. Quando indagado se o ensinamento Budista é puro ou
não, dizemos que definitivamente é puro. Quando indagado se os dis-
cípulos do Buda vivem de acordo com as regras, a resposta será que
definitivamente eles vivem de acordo com as regras estabelecidas para
eles viverem.

O que é uma resposta discriminativa? É como no caso das Quatro (No-


bres) Verdades que falei acima. Quais são as Quatro? Elas são: 1) So-
frimento, 2) Causa do Sofrimento, 3) Extinção (do Sofrimento), e 4) a
Via para a extinção do sofrimento. O que é a Verdade do Sofrimento? É
assim chamada porque há oito (tipos de) sofrimentos. O que é a Ver-
dade da Causa do Sofrimento? É assim chamada em razão da causa dos
cinco skandhas. O que é a Verdade da Extinção? É assim chamada por
causa da cobiça, má-vontade e ignorância, as quais tudo permeiam. O
que é a Verdade da Via? Os 37 elementos da Iluminação são chamados
Verdade da Via. Isto é uma resposta discriminativa.

O que é a resposta para o que é indagado? Isto é quando Eu digo que


todas as coisas são não-eternas. E uma pessoa pergunta: ‘Oh Tathagata
Honrado pelo Mundo! Por que você diz não-eterno?’ Se isto é indaga-
do, respondemos: ‘O Tathagata diz não-eterno em razão do fato de as
coisas serem criadas’. O mesmo é o caso com o não-Eu, também. Isto é
como quando Eu digo que todas as coisas queimarão.

Outra pessoa ainda indaga: ‘Por que o Tathagata Honrado pelo Mundo
diz que tudo queimará?’ A resposta para isto será: ‘O Tathagata diz que
tudo queima devido à cobiça, a má-vontade e a ignorância’.
Capítulo 41: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 2 Página 265
Oh bom homem! ‘Os dez poderes do Tathagata, os quatro destemores,
o Grande Amor-Benevolente e a Grande Compaixão, as três recorda-
ções, todos os tipos de Samadhis tais como o Samadhi Suramgama,
etc., que chegam a um total de 8 milhões de bilhões, as 32 marcas da
perfeição, as 80 características menores de excelência, todos os Sama-
dhis tais como o mudra dos cinco-conhecimentos, etc., cujo número
chega a 4.200, e os Samadhis dos expedientes, que são inumeráveis,
são a Natureza de Buda deste Buda. Nesta Natureza de Buda, há sete
coisas, a saber: 1) o Eterno, 2) o Eu, 3) Êxtase, 4) o Puro, 5) o Verdadei-
ro, 6) o Real, e 7) o Bom’. Essas são respostas discriminativas.

Oh bom homem! Na Natureza de Buda do Bodhisattva transformado


que representa uma outra pessoa [‘goshin’ em Japonês], há seis coisas,
as quais são: 1) o Eterno, 2) o Puro, 3) o Verdadeiro, 4) o Real, 5) o
Bom, e 6) a Pouca Visão. Essas são respostas discriminativas.

Você perguntou antes: ‘Há alguma Natureza de Buda na pessoa cuja


raiz do bem foi cortada?’ Também, há a Natureza de Buda do Tathaga-
ta; também, há a Natureza de Buda do corpo transformado que repre-
senta uma outra pessoa. Como essas duas obstruem o futuro de al-
guém, podemos bem chamá-las de ‘nada’. Como alguém decididamen-
te as alcançará, podemos bem chamá-las de ‘é’. Isto é uma resposta
discriminativa.

A Natureza de Buda do Tathagata não é do passado, presente ou futu-


ro. A Natureza de Buda do corpo transformado para representar uma
pessoa diferente tem presente e futuro. Quando a vemos em certa
medida, chamamo-la de presente. Quando não se a vê completamen-
te, interpretamo-la como pertencente ao futuro.

Nos tempos em que o Tathagata ainda não havia atingido a Iluminação


Insuperável, o que havia era a Natureza de Buda do passado, presente
e futuro, devido ao fato de que a Natureza de Buda permanecia como
causa. Mas o resultado não se estabelece assim. Há uma situação onde
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 266
as coisas concernem às Três Existências, ou uma situação onde as Três
Existências não estão envolvidas.

Com o corpo do Bodhisattva que o adquire para uma pessoa diferente,


a Natureza de Buda está no estado de causa. Assim, ela tem passado,
presente e futuro. É o mesmo com o resultado, também. Isto é uma
resposta discriminativa.

Há seis tipos [de elementos] na Natureza de Buda do Bodhisattva no


nível do nono estágio, os quais são: 1) o Eterno, 2) o Bom, 3) o Verda-
deiro, 4) o Real, 5) o Puro, e 6) o Visível. Quando a Natureza de Buda é
a causa, ela tem as três fases do passado, presente e futuro. O mesmo
se aplica ao resultado, também. Isto é uma resposta discriminativa.

Há cinco coisas relativas à Natureza de Buda dos Bodhisattvas nos ní-


veis do oitavo ao sexto estágios, a saber: 1) o Verdadeiro, 2) o Real, 3) o
Puro, 4) o Bom, e 5) o Visível. Quando a Natureza de Buda é a causa,
ela tem passado, presente e futuro. Assim se passa com o resultado,
também. Isto é uma resposta discriminativa.

Na Natureza de Buda dos Bodhisattvas nos níveis do quinto ao primeiro


estágios, há cinco coisas, as quais são: 1) o Verdadeiro, 2) o Real, 3) o
Puro, 4) o Visível, e 5) o Bom e o não-Bom.

Oh bom homem! A Natureza de Buda das categorias cinco, seis e sete é


a que seguramente será obtida por aqueles que cortaram as raizes do
bem. Portanto, ‘é’. Isto é uma resposta discriminativa.

Pode haver aqueles que dirão: ‘Aqueles que cortaram as raizes do bem
decididamente possuem a Natureza de Buda ou decididamente eles
não possuem a Natureza de Buda’. Isto é uma resposta por exclusão’.”

O Bodhisattva Kashyapa disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Eu ouvi que


uma resposta onde nenhuma resposta é dada é chamada resposta por

Capítulo 41: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 2 Página 267


exclusão. Oh Tathagata! Por que você chama essa resposta de resposta
por exclusão?”

“Oh bom homem! Eu não digo que exclusão e não responder é uma
resposta por exclusão. Oh bom homem! Há dois tipos de resposta por
exclusão, a saber: 1) uma que impede e restringe, e 2) não-aderente.
Por conta disto, dizemos resposta por exclusão.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! Por


que você, o Buda, diz que a causa é passado, presente e futuro; e o
resultado passado, presente e futuro; e também que não é passado
presente e futuro?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Há dois tipos de cinco skandhas, a


saber: 1) causa e 2) resultado. Os cinco skandhas da causa têm passa-
do, presente e futuro, mas há também o fato de que eles não são pas-
sado, presente e futuro. Oh bom homem! Todos os grilhões da igno-
rância e das impurezas são a Natureza de Buda. Por quê? Porque eles
são a causa da Natureza de Buda. Da ignorância, da ação e de todas as
impurezas surgem os cinco skandhas do bem. Isto é a Natureza de
Buda. Adquire-se os cinco skandhas do bem até a Iluminação Insuperá-
vel. Este é o porquê Eu disse antes num sutra: ‘A Natureza de Buda de
um ser é como o leite que contém sangue’. O sangue refere-se a todas
as impurezas da ignorância e da ação, etc., e o leite refere-se aos cinco
skandhas do bem. Este é o porquê Eu digo: ‘A partir de todas as impu-
rezas e de todos os cinco skandhas do bem, chega-se à Iluminação
Insuperável’. Exatamente como o corpo dos seres é feito de puro san-
gue, assim se dá com a Natureza de Buda, também. A Natureza de
Buda das classes do Srotapanna e do Sakrdagamin que extirparam as
impurezas em certa medida, é como o leite [‘ksira’]; a Natureza de
Buda do Anagamin é como a manteiga [‘dadhi’]; aquela do Arhat é
como a manteiga fresca [‘navanita’]; a Natureza de Buda daqueles dos
níveis do Pratyekabuda até os Bodhisattvas dos dez estágios, é como
manteiga refinada [‘ghrta’]; e a Natureza de Buda do Buda é como o
desnatar da manteiga derretida [‘sarpirmanda’]. Oh bom homem! A
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 268
impureza do presente obstrui, tal que os seres não podem ver. No
Gandhamadana, deparamos com a ‘ninnikuso’ (um tipo de grama). Isso
não significa que todas as vacas possam pastar nelas. É o mesmo com a
Natureza de Buda. Isto é uma resposta discriminativa.”

O Buda disse: “Oh bom homem! Todas as pessoas fizeram coisas no


passado (ações do passado), cujos resultados cármicos elas estão vi-
vendo agora através desta vida. Pode haver as ações do futuro.

Com respeito a isso, o Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Hon-


rado pelo Mundo! Se o Buda ainda não surgiu, não há resultado sobre
o qual falar. As pessoas têm impurezas agora. Se não, todos os seres
seriam capazes de ver claramente a Natureza de Buda. Por conta disto,
alguém que tenha cortado as raizes do bem devido à relação causal das
impurezas do mundo presente, de fato corta as raizes do bem, mas
através da relação causal do poder da Natureza de Buda do futuro,
pode ganhar as raizes do bem (novamente).”

Kashyapa ainda disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Como alguém pode
ganhar as raizes do bem no futuro?”

“Oh bom homem! Isto é análogo à luz do dia que pode realmente dis-
persar a escuridão, muito embora o sol ainda não tenha nascido. Isto é
exatamente como o futuro pode de fato evocar os seres. É o mesmo
com a Natureza de Buda do futuro. Isto é o que chamamos de resposta
discriminativa.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! Se


os cinco skandhas são a Natureza de Buda, por que dizemos que a Na-
tureza de Buda dos seres não existe nem dentro e nem fora?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Como você pode perder o significado?
Eu não disse antes que a Natureza de Buda dos seres é nenhuma outra
senão o Caminho Médio?”

Capítulo 41: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 2 Página 269


Kashyapa disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Eu não perdi o significado.
Como os seres não apreendem o significado desse Caminho Médio,
então eu falo assim.”

“Oh bom homem! Os seres não compreendem o Caminho Médio. Às


vezes eles o compreendem, e outras vezes não. Oh bom homem! A fim
de que os seres possam saber, Eu digo que a Natureza de Buda nem
está dentro e nem fora. Por quê? Os seres comuns dizem que a Natu-
reza de Buda são os cinco skandhas, como se contida num vaso. Ou
eles dizem que ela existe fora dos skandhas, como num vazio. Este é o
porquê o Tathagata diz Caminho Médio. A Natureza de Buda que os
seres possuem não é nem os seis sentidos orgânicos, e nem os seis
campos dos sentidos. Dentro e fora se juntam. Assim, dizemos Cami-
nho Médio. Este é o porquê o Tathagata diz que a Natureza de Buda é
nenhuma outra senão o Caminho Médio. Como ela não está nem den-
tro e nem fora, é o Caminho Médio. Isto é uma resposta discriminativa.

Também, além disso, oh bom homem! Por que dizemos nem dentro e
nem fora? Oh bom homem! Alguns dizem que a Natureza de Buda é
ninguém menos que o tirthika. Por quê? No curso de inumeráveis kal-
pas, o Bodhisattva-Mahasattva, vivendo em meio aos tirthikas, cortou
todas as impurezas, treinou a sua mente, ensinou as pessoas, e então
alcançou a Iluminação Insuperável. Por conta disto, a Natureza de Buda
é ninguém menos que o tirthika.

Ou uma pessoa pode dizer: ‘A Natureza de Buda é nenhuma outra


senão o âmago da Via’. Por que é assim? O Bodhisattva pode ter prati-
cado o caminho dos tirthikas ao longo de incontáveis kalpas. Mas, ex-
ceto através da Via, ele não seria capaz de atingir a Iluminação Insupe-
rável. Este é o porquê a Natureza de Buda é o que o Buda ensinou. Por
essa razão, o Tathagata assinala os dois planos e diz: ‘A Natureza de
Buda não está nem dentro e nem fora. É um dentro-e-fora. Isto é o
Caminho Médio’. Isto é uma resposta discriminativa.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 270


Também, além disso, oh bom homem! Alguns dizem: ‘A Natureza de
Buda é nenhuma outra senão o Corpo Adamantino do Tathagata, as 32
marcas da perfeição e as 80 características menores de excelência. Por
quê? Não é nada que é falso’.

Ou uma pessoa pode dizer: ‘A Natureza de Buda é nenhuma outra


senão os dez poderes, os quatro destemores, o Grande Amor-
Benevolente e a Grande Compaixão, as três recordações, todos os tipos
de Samadhis, tais como o Samadhi Suramgama, etc. Por quê? Porque
através do Samadhi, adquire-se o Corpo Adamantino, as 32 marcas da
perfeição, e as 80 características menores de excelência’. Por causa
disto, o Tathagata assinala os dois planos e diz que a Natureza de Buda
não está nem dentro e nem fora; está em ambos, dentro e fora. Isto é
o Caminho Médio.

Também, além disso, oh bom homem! Alguns dizem: ‘A Natureza de


Buda é o bom pensamento do âmago da Via. Por quê? Distante do
bom pensamento, não se pode atingir o Insuperável Bodhi. Assim, a
Natureza de Buda é o bom pensamento do âmago da Via’.

Ou alguns dizem: ‘A Natureza de Buda ouve o Dharma, seguindo ou-


tros. Por quê? Ouvir o Dharma confere a alguém o bom pensamento
da Via. Se alguém não dá ouvido ao Dharma, isto não é (bom) pensa-
mento. Assim, a Natureza de Buda é ouvir o Dharma, seguindo outros’.
Por conta disto, o Tathagata assinala os dois planos e diz que a Nature-
za de Buda não está nem dentro e nem fora; e também está em am-
bos, dentro e fora. Isto é o Caminho Médio.

Também, além disso, oh bom homem! Alguns dizem: ‘A Natureza de


Buda é o que está fora. Isto se refere ao danaparamita. Através do
danaparamita, atinge-se o Insuperável Bodhi. Por essa razão, dizemos
que danaparamita é a Natureza de Buda’. Ou uma pessoa diz: ‘A Natu-
reza de Buda é o âmago da Via. Isto se refere aos cinco paramitas. Afo-
ra essas cinco coisas, não pode haver – devemos saber – qualquer cau-
sa ou resultado da Natureza de Buda’. Por conta disto, o Tathagata
Capítulo 41: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 2 Página 271
assinala os dois planos e diz: ‘A Natureza de Buda não está nem dentro
e nem fora. Está em ambos, dentro e fora. Isto é o Caminho Médio.

Também, além disso, oh bom homem! Uma pessoa diz: ‘A Natureza de


Buda é o âmago da Via. Por exemplo, é como a mani [jóia] na testa do
lutador. Por quê? Porque o Eterno, Êxtase, o Eu, e o Puro são como
manis (jóias). Por essa razão, dizemos que a Natureza de Buda está
dentro’. Ou alguns dizem: ‘A Natureza de Buda está fora. É como o
tesouro do homem pobre. Por quê? Porque se pode vê-lo através de
expedientes. É o mesmo com a Natureza de Buda, também. Ela existe
fora dos seres. Utilizando-se de um expediente, se pode vê-la’. Por
causa disto, o Tathagata assinala os dois planos e diz que a Natureza de
Buda não existe nem dentro e nem fora; e também está em ambos,
dentro e fora. Isto é o Caminho Médio.

Oh bom homem! A Natureza de Buda dos seres não é ‘é’ e nem ‘não-
é’. Por que é assim? A Natureza de Buda é ‘é’, mas não é como no caso
da vacuidade. Porque mesmo quando se utilizando de inumeráveis
expedientes, a vacuidade sobre a qual falamos no mundo não pode ser
vista. Mas, a Natureza de Buda pode ser vista. Por essa razão, embora
ela seja um ‘é’, não é como a vacuidade. A Natureza de Buda é ‘não-é’,
mas não é como os chifres de uma lebre [isto é, algo que não existe].
Por quê? Mesmo através de inumeráveis expedientes, o pêlo de uma
tartaruga e os chifres de uma lebre não podem surgir. A Natureza de
Buda pode surgir. Assim, embora ‘não-é’, não é como os chifres de
uma lebre. Assim, a Natureza de Buda não é nem ‘é’ e nem ‘não-é’; é
‘é’ e ‘não-é’.

Por que dizemos ‘é’? Tudo é ‘é’. Os seres não a cortam e não a extin-
guem. Isto é como a chama de uma vela, até que se atinja o Insuperá-
vel Bodhi. Assim, dizemos ‘é’.

Por que dizemos que ‘não-é’? No presente, todos os seres não são o
Eterno, Êxtase, o Eu, e o Puro, e não possuem o ensinamento Budista.
Portanto, ‘não-é’. Como ‘é’ e ‘não-é’ tornam-se unos, dizemos Cami-
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 272
nho Médio. Este é o porquê o Buda diz que a Natureza de Buda dos
seres não é ‘é’ e nem ‘não-é’.

O Aspecto Temporal dos Seres

Oh bom homem! Se uma pessoa indaga: ‘Existe o fruto na semente ou


não?’ Responda definitivamente: ‘está’ ou ‘não-está’. Por quê? Sem a
semente, não podemos obter o fruto. Portanto, dizemos ‘está’. A se-
mente ainda não germinou. Portanto, ‘não-está’. Por essa razão dize-
mos ‘está’ ou ‘não-está’.

Por quê? Embora exista a diferença do tempo, o corpo é um. O mesmo


é o caso com a Natureza de Buda dos seres. ‘Se alguém diz que no ser
existe uma Natureza de Buda separada, isto não é assim. Por quê?
Porque o ser é a Natureza de Buda, e a Natureza de Buda é o ser.
Através da diferença no tempo, temos a diferença do Puro e o não-
Puro’ [ênfase adicionado pelo tradutor].

Oh bom homem! Se uma pessoa indaga: ‘Essa semente pode definiti-


vamente evocar o fruto, ou pode esse fruto realmente evocar a semen-
te?’ Responda definitivamente: ‘Pode evocar ou não’.

Oh bom homem! As pessoas mundanas dizem que existe creme no


leite. O que isto pode implicar? Oh bom homem! Se uma pessoa diz
que existe creme no leite, isto é nada mais que apego (idéia fixa); se
uma pessoa diz: ‘não há creme’, isto é aquilo que é falso. Alguém se
afasta desses dois planos e diz definitivamente: ‘existe’ ou ‘não-existe’.

Por que ‘existe’? Porque obtemos creme do leite. A causa é o leite e o


resultado é o creme. Por essa razão, dizemos ‘existe’.

Capítulo 41: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 2 Página 273


Por que dizemos ‘não-existe’? A coisa e o sabor diferem e o uso não é o
mesmo. Para febre, usamos leite, e para intestino solto, usamos creme.
O leite evoca um frio, enquanto o creme um calor.

Oh bom homem! Uma pessoa pode dizer que existe no leite a natureza
do creme. Se assim for, leite é creme e creme é leite. A natureza é úni-
ca.

Por que é que o leite surge primeiro e não o creme? Se há uma relação
causal sobre a qual falar, por que é que todos os seres não falam a
respeito disso? Se não há relação causal, por que é que o creme não
surge primeiro? Se o creme não surge primeiro, quem é que estabele-
ceu a ordem do: leite, creme, manteiga fresca, manteiga refinada, e o
desnatar da manteiga derretida? Disto, sabemos que o creme não era
antes, mas agora é. Se ele não era antes, mas agora é, isto é algo não
eterno.

Oh bom homem! Uma pessoa pode dizer que como existe a natureza
do creme no leite, o creme realmente surge; como existe a natureza do
creme (no leite), o creme não surge da água. Mas, o caso não é assim.
Por que não? Mesmo a grama aquosa, também, tem a natureza do
leite e do creme. Como assim? Da grama aquosa obtemos leite e cre-
me. Se uma pessoa diz que decididamente existe no leite a natureza do
creme, e que esta não existe na grama aquosa, isto é algo que é falso.
Por quê? Porque a idéia é desigual [a pessoa está sendo parcial]. Por-
tanto, falso.

Oh bom homem! Se dissermos que decididamente existe creme no


leite, certamente deverá haver a natureza do leite no creme. Por quê?
Do leite surge o creme, e o creme não evoca o leite. Se não há relação
causal, deveríamos saber que este creme é o que originalmente não
foi, mas agora é. Por essa razão, o sábio dirá que não é que exista a
natureza do creme no leite, e não é que não exista a natureza do cre-
me no leite.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 274


Oh bom homem! Por essa razão, o Tathagata diz neste sutra: ‘Se al-
guém diz que todos os seres decididamente possuem a Natureza de
Buda, isto é apego (idéia fixa); se alguém diz que eles não a possuem,
isto é falso’. O sábio dirá: ‘A Natureza de Buda do ser ‘é’ ou ‘não-é’
(‘existe’ ou ‘não-existe’).

Oh bom homem! Quando quatro coisas se harmonizam, a consciência


visual surge. Quais são as quatro? Elas são: os olhos, o objeto, a lumi-
nosidade, e o desejo. A natureza dessa consciência visual não existe
nos olhos, nem no objeto, nem na luminosidade, nem no desejo. Atra-
vés da sua conjunção, ela surge. Assim, a consciência visual é o que
originalmente não foi, mas agora é; e o que certa vez foi, agora não é
mais. Portanto, devemos saber que não há natureza permanente. É o
mesmo com a natureza do creme no leite, também.

Se uma pessoa dissesse: ‘A água não evoca o leite, uma vez que ela não
possui a natureza do creme. Portanto, decididamente existe a natureza
do creme no leite’. Isto não é assim. Por que não? Todas as coisas pos-
suem diferentes causas e diferentes resultados. Também, não é que
uma simples causa evoca todos os resultados; não é que todos os re-
sultados surgem de uma simples causa.

Oh bom homem! Não diga que essas quatro coisas evocam a consciên-
cia visual e dessas quatro coisas surge a consciência auditiva.

Oh bom homem! A partir dos meios expedientes [necessários], pode-


se obter o creme do leite, ou a manteiga fresca do creme. O que é de-
finitivamente necessário são os meios expedientes.

Oh bom homem! A pessoa sábia vê que o creme vem do leite, mas não
dirá que a manteiga fresca também surgirá assim, a não ser através de
meios expedientes. Oh bom homem! Este é o porquê eu digo neste
sutra: ‘Quando a causa surge, uma coisa surge; quando a causa está
ausente, não existe a coisa’.

Capítulo 41: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 2 Página 275


Oh bom homem! A natureza do sal é salgada. Ela realmente torna o
que não é salgado, salgado. Se já houvesse uma natureza salgada no
que não é salgado, por que as pessoas continuariam a procurar ter o
sal? Se não havia salinidade antes, então seria [um caso de] o que não
foi, tornou-se assim agora. Com a ajuda da condição [correta], obtemos
a salinidade. Todas as coisas possuem a natureza da salinidade, mas
não sentimos isto por causa da pequena concentração. Essa pequenez
na natureza torna as coisas salgadas. Se não houvesse essa natureza
salgada, mesmo o sal não poderia evocar a [qualidade da] salinidade.

A semente, por exemplo, possui em si a qualidade dos quatro grandes


elementos. Dos quatro grandes elementos que não estão em si, o bro-
to, o caule, os ramos e as folhas podem crescer. É o mesmo com a na-
tureza da salinidade. Assim dizem. Mas, isto não é assim. Por que não?
Se fosse o caso que aquilo que não é salgado possui a natureza salgada,
isto equivale a dizer que o sal, também, deve possuir a natureza da
não-salinidade, mesmo que em pequeno grau. Se esse sal possui as
duas naturezas, por que é que ele não pode ser usado separadamente,
no caso em que não é salgado? Portanto, sabemos que o sal não possui
originalmente duas naturezas. Como com o sal, assim é com todas as
outras coisas que não são salgadas. Uma pessoa pode dizer que o po-
der germinante dos quatro grandes elementos que existem fora (da
semente) realmente incrementa o (poder germinante dos quatro ele-
mentos) de dentro. Isto não é assim. Por que não? Como as coisas são
estabelecidas de uma maneira ordenada, isto não segue os meios ex-
pedientes. Do leite, obtemos o creme. Mas as coisas não se procedem
assim com a manteiga fresca e todas as outras coisas. Não há passa-
gem pelos meios expedientes. É o mesmo com os quatro grandes ele-
mentos. Alguém pode dizer que os quatro grandes elementos de den-
tro são incrementados por aqueles de fora. Mas não vemos os quatro
grandes elementos do mundo exterior sendo incrementados pelos
quatro grandes elementos do mundo interior. A fruta, sirsa, não tem
forma definida de antemão. Quando ela vê a krttika (aglomerado este-
lar das Plêiades e também conhecida como estrela do fogo), a fruta
surge, alcançando o tamanho de cinco polegadas. Essa fruta não adqui-
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 276
re o seu tamanho daquilo que obtém dos quatro grandes elementos de
fora da fruta em si.

As Três Formas de Pregação

Oh bom homem! Eu tenho proferido sermões dos 12 tipos de sutras


por minha própria vontade, ou seguindo a vontade dos outros, ou se-
guindo a minha própria vontade e também aquela dos outros.

Quando Falo da Minha Própria e Livre Vontade

O que significa dizer que Eu falo da minha própria e livre vontade? 500
Monges colocaram uma questão a Shariputra: ‘Oh grande! O Buda fala
sobre a causa do corpo. O que isto pode ser’?

Shariputra disse: ‘Oh grandes! Quando vocês mesmos alcançarem a


Emancipação Correta, vocês próprios saberão. Por que vocês colocam
essa questão’? Um Monge respondeu: ‘Oh grande! No tempo em que
eu ainda não havia atingido a Emancipação Correta, eu pensava que a
ignorância era a causa do corpo. Como eu assim pensava para mim
mesmo, alcancei o Arhatship’. Uma pessoa disse: ‘Oh grande! Quando
eu ainda não havia atingido a Emancipação Correta, eu pensava para
mim mesmo que a ignorância e o desejo eram a causa do corpo. Como
eu assim pensava para mim mesmo, atingi a fruição do Arhatship’. E
alguém disse: ‘Coisas como a ação, consciência, corpo-e-mente, as seis
esferas, toque, sentimento, desejo, apego, existência, nascimento,
comida e bebida, e os cinco desejos são a causa do corpo’. Então, todos
os 500 Monges, cada um dizendo o que compreendeu, foram ao Buda,
tocaram os seus pés, circundaram-no três vezes, prestaram-lhe home-
nagem, recuaram para um lado, e cada um reportou o que tinha em
sua mente para o Buda.

Capítulo 41: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 2 Página 277


Shariputra disse ao Buda: Oh Honrado pelo Mundo! De todas essas
pessoas, quem é aquele que fala da maneira correta? E quem não está
certo?’

O Buda disse a Shariputra: ‘Bem falado, bem falado! Cada Monge diz
nada mais do que é correto’.

Shariputra disse: ‘Oh Honrado pelo Mundo! O que está em vosso pen-
samento’?

O Buda disse: ‘Oh Shariputra! Eu disse para o benefício dos seres que
os pais são a causa do corpo’.

O caso é assim. Todos esses sutras são o que Eu falei da minha própria
vontade.

Quando Falo Seguindo a Vontade de Outros

O que são aqueles (sutras) que Eu falei seguindo a vontade dos outros?
O homem rico, Patala, veio a mim e disse: ‘Oh Gautama! Você conhece
um fantasma ou não? Alguém que conheça fantasmas é um grande
fantasma. Se não, essa pessoa não é Pleno-Conhecedor’.

Eu disse: ‘Oh homem rico! Como você pode chamar alguém que co-
nheça um fantasma de fantasma’?

O homem rico disse: ‘Bem falado, bem falado! Alguém que conheça
um fantasma é um fantasma’.

O Buda disse: ‘Oh homem rico! Havia um candala no estado do Rei


Prasenajit, em Sravasti, cujo nome era Baspacandala. Você ouviu falar
dele ou não’?

O homem rico disse: ‘Eu já o conheço há muito tempo’.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 278


O Buda disse: ‘Se você o conhece há longo tempo, poderia ser que você
[mesmo] fosse um candala’?

O homem rico disse: ‘Eu já o conheço há longo tempo, mas este meu
corpo não pode ser aquele de um candala’.

‘Oh homem rico! Você agora sabe que embora você conheça um can-
dala, você não é um candala. Como pode ser que Eu seja um fantasma
porque conheço um fantasma? Oh homem rico! Eu realmente conheço
um fantasma, alguém que age como um fantasma, as retribuições de
um fantasma, e as habilidades de um fantasma. Eu conheço a matança,
o matador, as retribuições cármicas da matança, e a emancipação da
matança. Eu também conheço as visões distorcidas da vida, as pessoas
de visões distorcidas, as retribuições cármicas das visões distorcidas, e
a emancipação das visões distorcidas. Oh homem rico! Caso você cha-
me alguém que não é um fantasma de fantasma, e alguém que não
mantenha visões distorcidas da vida de alguém que é dotado das vi-
sões distorcidas da vida, você ganhará inumeráveis pecados’.

O homem rico disse: ‘Oh Gautama! Se as coisas são como você diz,
ganharei um grande pecado. Agora doarei a você tudo o que possuo.
Por favor, seja bom o bastante para que o Rei Prasenajit não seja in-
formado disto’.

O Buda disse: ‘Pode não ser que as relações causais desse pecado ne-
cessariamente impeçam você de perder a sua riqueza. Todavia, em
conseqüência disto, você cairá nos três reinos do infortúnio’.

Ao ouvir a menção dos reinos do infortúnio, o homem rico ficou ame-


drontado e disse ao Buda: ‘Oh Sagrado! Agora perdi a minha cabeça e
cometi um grande pecado. Você, Sagrado, é o Pleno-Conhecedor! Você
deve saber como tornar-se emancipado. Como faço para escapar dos
mundos do inferno, dos espíritos famintos, e dos animais’?

Capítulo 41: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 2 Página 279


Eu então falei a ele sobre as Quatro Verdades. O homem rico, ao ouvir
isto, atingiu a fruição do Srotapanna. O arrependimento brotou, e ele
implorou o perdão do Buda: ‘Fui um ignorante. Disse que o Buda era
um fantasma, a despeito do fato de que você não o é. Deste dia em
diante, tomarei refúgio nos Três Tesouros’.

O Buda disse: ‘Bem falado, bem falado, oh homem rico!’

O caso é assim. Isto é falar em resposta à vontade dos outros.

Quando Falo Seguindo Minha Própria Vontade e a de Outros

Como Eu falo seguindo minha própria vontade e aquela dos outros?


Quando todo mundo diz que o sábio diz ‘é’, Eu também digo ‘é’. Quan-
do eles dizem que o sábio diz ‘não-é’, Eu também digo ‘não-é’. Quando
o sábio do mundo diz que divertir-se nos cinco desejos acaba no não-
eterno, no sofrimento, não-Eu, e desintegração; Eu também o digo.
Quando o sábio do mundo diz que divertir-se nos cinco desejos não
acaba no Eterno, no Eu, e no Puro; Eu também o digo. As coisas se
estabelecem assim. Isto é o que é chamado falar seguindo a própria
vontade e também aquela dos outros.

Oh bom homem! Eu disse: ‘Os Bodhisattvas dos dez estágios vêem a


Natureza de Buda em parte’. Isto é falar seguindo a vontade de outros.
Por que dizemos que alguém vê em parte? O Bodhisattva dos dez está-
gios obtém o Surangama e outros Samadhis, e os 3.000 ensinamentos
[isto é, os ensinamentos do universo]. Por essa razão, ele vê claramen-
te que todos atingem o Insuperável Bodhi. Todos os seres, definitiva-
mente, alcançarão o Insuperável Bodhi. Este é o porquê Eu digo: ‘O
Bodhisattva dos dez estágios vê a Natureza de Buda em parte’.

Oh bom homem! Eu sempre digo: ‘Todos os seres possuem a Natureza


de Buda’. Isto é o que Eu falo seguindo a minha própria vontade. Todos
os seres não estão apartados (da Natureza de Buda), (ela) não perece,

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 280


e alcançam o Insuperável Bodhi. Isto é o que Eu digo seguindo a minha
própria vontade.

Todos os seres possuem a Natureza de Buda. Quando as impurezas os


encobrem, eles não podem vê-la. Isto é o que eu digo que é o que você
diz. Isto é o que eu disse seguindo minha própria vontade e a vontade
dos outros.

Oh bom homem! O Tathagata, às vezes, fala de inumeráveis ensina-


mentos como uma coisa só. Eu digo nos sutras que todas as ações pu-
ras surgem do Bom Mestre da Via. Isto é como se diz. As causas de
todas as ações puras são inumeráveis. Mas, se dizemos ‘Bons Mestres
da Via’, isso abarca todas as coisas. Isto é como quando Eu digo que
todas as (más) ações surgem das visões distorcidas da vida. As causas
de todas as más ações são inumeráveis. Mas, quando dizemos ‘visões
distorcidas da vida’, isto já envolve todas as coisas. Ou dizemos que a
Iluminação Insuperável tem a fé como sua causa. As causas da Ilumina-
ção são inumeráveis, mas se for estabelecida como fé, isto abarca to-
das as coisas. Oh bom homem! O Tathagata promulga inumeráveis
ensinamentos, mas estes não se afastam dos cinco skandhas, dos 18
reinos, e das 12 esferas.

Oh bom homem! As palavras do Tathagata são – para o benefício dos


seres – compostas de sete tipos, ou seja, aquelas baseadas nas palavras
de: 1) causa, 2) resultado, 3) causa e resultado, 4) metáforas, 5) pala-
vras em não-conformidade, 6) seguindo o que geralmente se aplica no
mundo, e 7) segundo sua própria e livre vontade. Por que causa? Isto
fala do resultado que está para surgir no futuro da causa que existe
agora. Isto é o que Eu digo.

Oh bom homem! Você vê qualquer um que sinta prazer em matar ou


fazer coisas más? Saiba que essa pessoa está destinada ao inferno.

Capítulo 41: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 2 Página 281


Oh bom homem! Se há qualquer pessoa que não sinta prazer em ma-
tar ou cometer o mal, saiba que essa pessoa é um ser celestial. Isto é o
que eu digo baseado na causa.

O que são palavras baseadas no ‘resultado’? Isto recorda a causa do


resultado que está à mão. Isto é como está estabelecido num sutra:
‘Oh bom homem! Os seres indigentes que você se depara com expres-
sões feias em suas faces, como se não tivessem liberdade, saiba que
aquelas pessoas devem ter infringido os preceitos, tiveram inveja, ira
ou mente perturbada. Quando vemos pessoas que possuem muitas
coisas e riqueza, cujos sentidos orgânicos são perfeitos, e cuja conduta
possui autoridade e desimpedimento, podemos saber que essas pes-
soas, definitivamente, devem ter observado os preceitos morais, dado
[aos outros], feito esforços, possuído um sentimento de arrependimen-
to, não tiveram inveja, nem qualquer sentimento de ira’. Isto é o que
chamamos de ‘palavras baseadas nos resultados’.

O que são palavras de causa e resultado? Isto é como quando está


estabelecido num sutra: ‘Oh bom homem! Os seis sentidos orgânicos
que os seres possuem agora surgem da causa do toque e são os resul-
tados do passado. O Tathagata também fala disso e o chama de carma.
As relações causais desse carma acarretam os resultados que se tem
que colher nos dias a vir’. Estas são ‘palavras baseadas na causa e efei-
to’.

O que é uma metáfora? Por exemplo, ‘rei-leão’ refere-se a mim. Ter-


mos como ‘grande elefante-rei’, ‘grande naga-rei’, ‘parijata’, ‘esfera dos
sete tesouros’, ‘grande-oceano’, ‘Monte Sumeru’, ‘grande terra’, ‘gran-
de chuva’, ‘mestre marinheiro’, ‘guia’, ‘melhor treinador’, ‘lutador’,
‘vaca-rei’, ‘Brâmane’, ‘Shramana’, ‘grande castelo’, e ‘árvore tala’ são
termos metafóricos.

O que são palavras em não-conformidade? Eu digo num sutra: ‘Céu e


terra se interpenetram (se tornam unos); o rio não deságua no oceano;
para o benefício do Rei Prasenajit, montanhas surgem em todo o re-
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 282
dor’. Isto é como quando falei a Mrgaramata, coisas como: ‘Mesmo as
árvores sala ganhariam a bênção dos humanos e deuses se eles rece-
bessem os oito preceitos’. O caso é assim. Posso até dizer que os Bo-
dhisattvas dos dez estágios possuem uma mente retroativa, mas nunca
direi que o Tathagata emprega dois tipos de palavras. Posso até dizer
que o Srotapanna pode cair nos três reinos do infortúnio, mas nunca
direi que o Bodhisattva dos dez estágios possui uma mente retroativa.
Estas são palavras em não-conformidade.

O que são as palavras que se aplicam no mundo? São palavras que o


Buda usa, tais como: homem e mulher, grande e pequeno, ir e vir, sen-
tar e deitar, veículo e casa, vaso, roupa, seres, o eterno, êxtase, o eu, e
o puro, exército, floresta, cidade-castelo, fantasma, existência trans-
formada, e tornar-se uno e desintegrar-se. Estas são as palavras que se
coadunam com o mundo.

O que são palavras que vêm segundo a própria vontade? Isto é como
quando Eu reprovo aqueles que violam as proibições e faço-lhes prote-
ger contra isso. Eu elogio aqueles do Srotapanna e permito aos mortais
comuns adquirirem um bom pensamento. Eu elogio Bodhisattvas e
permito aos mortais comuns aspirarem à Iluminação. Eu falo dos so-
frimentos dos três reinos do infortúnio e faço com que as pessoas fa-
çam o bem. Eu digo que todos queimarão, referindo-me àqueles que
são viciados na noção de que todas as coisas são coisas criadas. Assim
se passa com o não-Eu. Dizemos que todos os seres possuem a Nature-
za de Buda. Tudo isto é para fazer com que todos os seres não sejam
indolentes. Essas são as palavras que vêm segundo a própria e livre
vontade.

Oh bom homem! O Tathagata também possui palavras que vêm da sua


própria e livre vontade. Há dois tipos [de aspectos] na Natureza de
Buda do Tathagata, a saber: 1) ‘é’, e 2) ‘não-é’. O ‘é’ refere-se a: as 32
marcas da perfeição, as 80 características menores de excelência, os
dez poderes, os quatro destemores, as três recordações, o Grande
Amor-Benevolente e Grande Compaixão, esses inumeráveis Samadhis
Capítulo 41: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 2 Página 283
como o Surangama, etc., esses inumeráveis Samadhis como o Vajra,
etc., esses inumeráveis Samadhis como o dos expedientes, etc., e esses
inumeráveis Samadhis como o dos cinco conhecimentos. Esses todos
são ‘é’. ‘Não-é’ refere-se a todas as boas ações do passado do Tathaga-
ta, as não-boas, as indefiníveis [nem boas e nem más], causas cármicas,
efeitos cármicos, impurezas, os cinco skandhas, os 12 elos do surgi-
mento interdependente, etc. Esses são o ‘não-é’.

Oh bom homem! Há o ‘é’ e o ‘não-é’, bom e não-bom, impuro e não-


impuro, mundo mundano e supramundano, sagrado e não-sagrado, o
criado e o não-criado, o real e o não-real, quietude e não-quietude,
disputa e não-disputa, mundo e não-mundo, ilusão e não-ilusão, apego
e não-apego, profecia e não-profecia, existência e não-existência, as
Três Existências e não-as Três Existências, tempo e não-tempo, Eterno
e não-Eterno, o Eu e o não-Eu, Êxtase e não-Êxtase, o Puro e o não-
Puro, forma-sentimento-percepção-volição-consciência, e não-forma-
não-sentimento-não-percepção-não-volição-não-consciência, os seis
sentidos orgânicos e não-seis sentidos orgânicos, os seis campos dos
sentidos e não-seis campos dos sentidos, os 12 elos do surgimento
interdependente e não-12 elos do surgimento interdependente. Esses
são o ‘é’ e ‘não-é’ da Natureza de Buda do Tathagata. E o mesmo se
aplica à Natureza de Buda do icchantika.

Oh bom homem! Eu digo: ‘Todos os seres possuem a Natureza de Bu-


da’. Mas, os seres não compreendem as palavras do Buda que concor-
dam com sua própria vontade. Uma vez que tais palavras não podem
ser compreendidas mesmo pelo Bodhisattva personificando outra pes-
soa, como poderiam os dois veículos e todos os outros Bodhisattvas
compreendê-las?

Oh bom homem! Em certa ocasião em Grdhrakuta, Eu discuti verdades


mundanas com Maitreya. Nenhum dos 500 discípulos, incluindo Shari-
putra, sabia dessas (verdades mundanas), e ainda menos do supra-
mundano ‘Paramartha-satya’ [Realidade Última]. Oh bom homem! Há
casos onde a Natureza de Buda está com um icchantika e não com uma
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 284
pessoa de virtude, ou onde ela está com uma pessoa de virtude, mas
não com um icchantika. Ou ela pode estar com ambos, ou com nin-
guém. Oh bom homem! Aqueles entre meus discípulos que sabem
desses quatro casos não deveriam polemizar e dizer: ‘Definitivamente,
a Natureza de Buda está com um icchantika ou não?’ Uma vez que está
estabelecido: ‘Todos os seres possuem a Natureza de Buda’, isto é para
ser chamado ‘palavras da própria vontade do Tathagata’. Como pode-
riam os seres compreender isso tudo?

Oh bom homem! Isto é comparável à situação na qual há sete seres no


Rio Ganges. Estes são aqueles que: 1) sempre afundam, 2) flutuam por
um tempo e então afundam novamente, 3) flutuam e permanecem lá,
4) flutuam e olham ao redor, 5) olham ao redor e se movem, 6) saem e
permanecem lá, e 7) movem-se tanto para terra como para água.

Falamos de alguém que sempre afunda. Isto significa que a pessoa


sofre a grande retribuição cármica de um grande peixe, tal que seu
corpo é pesado e o lugar é profundo. Assim, ela sempre afunda.

Falamos de alguém que, por um tempo flutua, mas afunda novamente.


Isto significa que a pessoa sofre do mau carma de um grande peixe, tal
que seu corpo é pesado e o lugar é raso, tal que, por um tempo, ela vê
a luz. Através da luz, ela flutua por um tempo, mas seu corpo sendo
pesado, ela afunda novamente.

Falamos de alguém que, ao flutuar, permanece lá. Isto se refere ao


peixe chamado ‘timi’ [um tipo de tubarão]. Ele vive em águas rasas e
aprecia a luz. Assim, dizemos que ele flutua e permanece [lá].

Falamos de alguém que flutua e olha ao redor dele. Este é o caso de


um tubarão que olha tudo ao redor e procura comida. Por conta disto,
ele olha ao redor.

Capítulo 41: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 2 Página 285


Falamos de alguém que, ao olhar, sai. Isto significa que o peixe, ao ver
alguma outra coisa distante, logo sai atrás dela para devorá-la. Assim,
ao olhar, ele sai.

Falamos de alguém que, ao sair, permanece. Isto significa que o peixe


sai, e ao comer o que ele queria, fica lá. Este é o porquê dizemos que
ele sai e então fica lá.

Falamos de alguém que transita em ambos, terra e água. Isto se refere


à tartaruga.

Os Sete Tipos de Seres

Oh bom homem! Neste Todo-Maravilhoso Rio do Grande Nirvana,


vivem sete tipos de seres. Há desde o primeiro – que sempre afunda –
até o sétimo. Dentre esses, alguns afundam e alguns flutuam.

Aquele que Sempre Afunda

Falamos de alguém que sempre afunda. Isto se refere a alguém que


ouve isto ser dito: ‘Este Sutra do Grande Nirvana estabelece que o Ta-
thagata é Eterno, Imutável, e é Êxtase, o Eu, e o Puro; que ele não entra
definitivamente no Nirvana; que todos os seres possuem a Natureza de
Buda; que o icchantika, os caluniadores dos Sutras Vaipulya, aqueles
que cometeram os cinco pecados mortais, aqueles culpados das quatro
ofensas graves, todos realizarão a Via da Iluminação; que o Srotapanna,
o Sakrdagamin, o Anagamin, o Arhat, e o Pratyekabuda infalivelmente
alcançarão a Iluminação Insuperável’. Ao ouvir isto, essa pessoa não
acredita, mas pensa para si: ‘Esse Sutra do Nirvana é algo que pertence
aos tirthikas e não é um Sutra Budista’. Essa pessoa, então, se afasta da
Via, e não dá ouvido ao Dharma Maravilhoso. Às vezes, pode acontecer
de ouvir [o Dharma], mas ela não pode ter um bom pensamento. Ela
pode pensar, mas não um bom pensamento. Como não tem um bom
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 286
pensamento, persiste no mal. Persistir no mal tem seis formas, as quais
são: 1) o mau, 2) o não-bom, 3) o dharma impuro, 4) a valorização do
‘é’, 5) preocupar-se de forma acalorada [isto é, tornar-se infernalmente
quente com a preocupação], 6) receber más retribuições. Isto é afun-
dar.

Por que é afundar? Quando uma pessoa não tem uma boa mente,
quando ela sempre comete o mal, quando ela não pratica a Via, cha-
mamos isso de ‘afundamento’.

Seis Formas de Persistir no Mal

Dizemos ‘mau’ porque uma pessoa sagrada reprova-lhe, a mente sente


medo, pessoas boas o odeiam, e porque não há benefício dos seres.
Por isso, ‘mau’.

Dizemos ‘não-bom’ porque inumeráveis males surgem, porque a igno-


rância sempre prende a pessoa, porque ele está sempre associado com
más pessoas, porque ele não pratica todos os tipos de bondade, por-
que sua mente está sempre invertida e sempre errada. Por isso, ‘não-
bom’.

Dizemos ‘dharma impuro’ porque ele sempre corrompe o corpo e a


boca, porque ele corrompe os seres puros, porque ele aumenta as
ações não-boas, porque ele afasta a pessoa das boas coisas. Por isso,
‘dharma impuro’.

Falamos da valorização do ‘é’ porque o que é feito pelas três pessoas


mencionadas acima realmente aumenta as causas para o inferno, os
espíritos famintos, e animais. Essa pessoa não pratica o Dharma para
Emancipação. Ela não despreza as ações do corpo, boca e mente, e
todas as outras. Isto é valorizar o ‘é’.

Capítulo 41: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 2 Página 287


Falamos da ‘preocupação acalorada’ porque essa pessoa frequente-
mente comete essas quatro coisas (acima) e faz com que o corpo e a
mente se sintam preocupados sobre as duas coisas, e não há tempo
para a quietude. Isto é ‘calor’. Isto termina em conseqüências cármicas
do inferno. Por isso, calor. Isso queima todos os seres. Por isso, calor.
Isso queima todas as coisas boas. Por isso, calor. Oh bom homem! Essa
pessoa não possui fé e calma. Por isso, ‘calor’.

Falamos do sofrimento das más retribuições. Essa pessoa faz comple-


tamente todas as cinco coisas ditas acima e, após a morte, cai nos rei-
nos do inferno, dos espíritos famintos, e dos animais.

Três Tipos de Coisas Más

Oh bom homem! Há três tipos de coisas más através das quais se sofre
as más retribuições, a saber: 1) o mal das impurezas, 2) o mal do car-
ma, 3) o mal das retribuições cármicas. Oh bom homem! Como essa
pessoa possui as seis coisas mencionadas acima, ela se corta das raízes
do bem, comete os cinco pecados mortais, comete as quatro ofensas
graves, calunia os Três Tesouros, usa as coisas que pertencem à San-
gha, e faz todos os tipos de (coisas) não-boas. Em virtude dessa relação
causal, a pessoa afunda no Inferno Avichi, e recebe um corpo tão gran-
de quanto 84.000 yojanas. Os pecados de suas ações do corpo, boca e
mente sendo graves, a pessoa não consegue livrar-se do sofrimento.
Por que não? Porque sua mente não consegue suscitar qualquer coisa
boa. Inumeráveis Budas podem vir ao mundo, mas essa pessoa não
dará ouvido a eles ou os verá. Por isso, dizemos que ela afunda para
sempre. Isto é como com o grande peixe no Rio Ganges.

Aquele que Afunda e Flutua Novamente

Oh bom homem! Eu digo: ‘O icchantika é alguém que afunda eterna-


mente, mas há icchantikas que não caem na classe daqueles que afun-

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 288


dam eternamente’. Quem são esses? Isto é como no caso onde, em
prol do ‘é’, a pessoa pratica doação, shila [preceitos de moralidade], e o
bem. Esse é alguém que não está eternamente afundado.

Oh bom homem! Há instâncias onde quatro boas coisas evocam maus


resultados. Quais são as quatro? Elas são: 1) ler e recitar os sutras de
modo a estar acima dos outros, 2) observância das proibições e precei-
tos em prol do lucro, 3) doar porque (aquilo) pertence a outros, 4) ins-
tigar a própria mente, e meditar em prol de alcançar o estado mental
de Irreflexão-não-Irreflexão. Essas quatro (coisas) evocam maus resul-
tados. Este é o porquê falamos de alguém que pratica e acumula essas
(coisas), que ele afunda e flutua novamente. Por que dizemos que ele
afunda? Porque ele aprecia as três existências [isto é, kamadhatu, ru-
padhatu, e arupadhatu – que são os mundos do desejo, da forma, e do
espírito (não-forma)]. Por que dizemos que ele flutua? Porque ele vê a
luz. A luz corresponde à sua audição [do Dharma], observância dos
preceitos, doação, e sentar em meditação.

Por que dizemos que a pessoa afunda? Porque ela cresce em más vi-
sões e adquire arrogância.

Por isso, Eu digo no sutra:

‘Se os seres buscam todas as existências (dos três mundos)


e cometem ações boas e más pela existência,
essas pessoas perderão o caminho para o Nirvana.
Este é o porquê dizemos que
a pessoa temporariamente flutua mas afunda novamente.

Ela veleja no oceano escuro do nascimento e da morte,


pode ganhar Emancipação
e acabar com as impurezas.
Mas a pessoa sofre novamente pelas más retribuições.
Isto é flutuar temporariamente
somente para afundar novamente’.
Capítulo 41: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 2 Página 289
Oh bom homem! Isto é como no caso do grande peixe que flutua sobre
a água por um tempo, quando ele vê a luz, mas como seu corpo é pe-
sado, afunda-se novamente. Isto é como as coisas se procedem com a
segunda pessoa mencionada acima.

Oh bom homem! E há uma pessoa que se apega, e sente prazer, nas


três existências. Isto é afundar. Ela ouve o Sutra do Grande Nirvana e
adquire fé. Isto é flutuar. Por que dizemos flutuar? Quando a pessoa
ouve esse Sutra, ela acaba com a maldade e pratica o bem. Isto é flutu-
ar. A pessoa acredita, mas não é perfeita. Por que ela não é perfeita? A
pessoa acredita no Mahaparinirvana e no Eterno, Êxtase, no Eu, e no
Puro, mas diz que o corpo do Tathagata é não-Eterno, não-Êxtase, não-
Eu, e não-Puro.

O Imperfeito na Fé, Preceito, Audição, Doação, Sabedoria

O Tathagata tem dois Nirvanas. Um é o criado, e o outro o não-criado.


Com o Nirvana criado, não há Eterno, Êxtase, Eu, e Pureza. Uma pessoa
pode acreditar que os seres possuem a Natureza de Buda, mas que
nem todos a têm. Assim, dizemos ‘não perfeito na fé’.

Oh bom homem! Há dois tipos de fé: um é crença, e o outro é procura.


Essa pessoa possui fé, mas não persevera e busca. Portanto, é não
perfeita na fé.

Há também duas fases da fé. Uma surge da audição, e a outra do pen-


samento. A fé dessa pessoa surge da audição, e não do pensamento.
Portanto, não é perfeita na fé.

Também, há outros dois tipos. Um acredita no fato de que existe a


Iluminação, e o outro acredita em [que há] pessoas que a alcançaram.
Por isso, não é perfeita na fé.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 290


Novamente, há outros dois tipos. Um acredita no que é correto, e o
outro no que é mau. Uma pessoa diz que há causa e efeito, o Buda, o
Dharma, e a Sangha. Isto é acreditar no que é correto. Uma pessoa diz
que não pode haver quaisquer dessas coisas como causa e efeito, e
que os Três Tesouros são distintos na natureza. A pessoa acredita em
más palavras e nos Puranas. Isto é acreditar no mal. A pessoa acredita
no Buda, no Dharma, e na Sangha, mas não acredita que os Três Tesou-
ros são unos na natureza e características. Ela credita na causa e efeito,
mas não acredita que haja qualquer um que tenha atingido [a Ilumina-
ção]. Assim, não é perfeita na fé. Essa pessoa não é perfeita na fé, não
observa as proibições e os preceitos. Por que dizemos não perfeita?
Sendo não perfeita, os shila [preceitos morais] que ela recebeu são não
perfeitos. E por que se diz não perfeitos?

Há dois tipos de shila, a saber: 1) shila focado na conduta, e 2) shila em


prol do shila [isto é, o preceito observado não como um assunto da
forma]. A pessoa observa os preceitos da conduta, mas não o preceito
em prol dos preceitos. Assim, não é perfeita nos shila.

Também, há outros dois tipos, que são: 1) um que é assumido, e 2)


outro que é não assumido. A pessoa pode estar de acordo com os shila,
mas não os assume. Assim, é não perfeita nos shila.

Também, há outros dois tipos, que são: 1) a pessoa leva uma vida cor-
reta no corpo e na mente, e 2) a pessoa não leva uma vida correta no
corpo e na mente. Essa pessoa não tem uma vida correta no corpo e na
mente. Assim, não é perfeita nos shila.

Também, há outros dois tipos, a saber: 1) busca pelos shila, e 2) aban-


dono dos shila. Essa pessoa observa os shila que estão focados no ‘é’,
mas não pode atingir o abandono dos shila. Assim, é não perfeita nos
shila.

Também, há dois tipos, que são: 1) de acordo com o ‘é’, e 2) de acordo


com a Iluminação. A pessoa observa os shila que estão de acordo com
Capítulo 41: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 2 Página 291
o ‘é’, mas não aqueles que estão de acordo com a Iluminação. Assim,
não é perfeita nos shila.

Também, há dois tipos, a saber: 1) o bom preceito, e 2) o mau preceito.


Quando o corpo, boca e mente são bons, isto é um bom preceito. E
preceitos como os de vacas e cães são maus preceitos. A pessoa acredi-
ta que esses dois (últimos) preceitos evocam bons resultados. Assim, é
não perfeita nos shila.

Como a pessoa não possui essas duas (coisas), fé e preceito, ela não é
perfeita no seu aprendizado.

De que maneira dizemos sobre não ser perfeito na audição? A pessoa


acredita somente em seis dos 12 tipos de sutras que o Tathagata profe-
riu e não acredita nos outros seis. Assim, é não perfeita na audição. Ou
ela defende os seis sutras, mas não pode recitar e expô-los para outros,
e nenhum benefício é concedido. Assim, é não perfeita na audição [do
Dharma].

E também, ao receber os seis sutras, ela recita-os e fala sobre eles para
discutir, para suplantar os outros, por lucro, para todas as existências.
Assim, a pessoa é não perfeita na audição.

Oh bom homem! Eu falo nos meus sutras sobre audição perfeita. Como
uma pessoa é perfeita? Há um Monge que é bom no corpo, na boca e
na mente. Antes de tudo, ele faz oferecimentos para todos os mestres,
para si próprio ou de outra forma, e também para os virtuosos. Estes
adquirem um pensamento amável para com esse Monge, e através
dessa relação causal, ele ensina-lhes o que está estabelecido nos su-
tras. A pessoa, com um sentimento sincero, observa o que lhe é ensi-
nado e recita-os. Ao manter em observância e recitá-los, aquela pessoa
adquire Sabedoria. Ao adquirir Sabedoria, ela pensa bem e vive de
acordo com o Dharma. Ao pensar bem, ela alcança o significado corre-
to. Ao alcançar o significado correto, seu corpo e mente ganham a
quietude. Ao obter a quietude no corpo e na mente, a alegria surge. Da
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 292
mente satisfeita surge o dhyana [meditação]. Do dhyana vem o conhe-
cimento correto. Por causa do conhecimento correto, ela abomina a
existência. Essa abominação da existência evoca a Emancipação. Uma
pessoa não tem nada deste tipo. Assim, é não perfeita na audição.
Como essa pessoa é não perfeita nessas três coisas (fé, preceito e audi-
ção), ela não doa.

Há dois tipos de doações, a saber: 1) doação de riqueza, e 2) doação do


Dharma. Essa pessoa pratica a doação de riqueza, mas busca o ‘é’ (ou
seja, a existência). Embora ela pratique a doação do Dharma, esta tam-
bém não é perfeita. Por que não? Ela esconde as coisas e não explica
tudo. Porque ela teme que os outros a suplantem (em conhecimento).
Por isso, não é perfeita na doação.

Há dois tipos de doações de riqueza e Dharma, a saber: 1) a sagrada, e


2) a não-sagrada. Por sagrada entende-se a doação que não busca
qualquer retorno quando feita; por não-sagrada entende-se a doação
que espera um retorno quando feita. O que a pessoa sagrada dá é in-
cremento do Dharma. O que a não-sagrada dá é incremento das coisas
materiais. Essa pessoa doa riqueza para aumentar a riqueza, e doa o
Dharma para aumentar a riqueza. Por isso, não é perfeita na doação.

Também, além disso, essa pessoa recebe os seis tipos de sutras. Ela dá
às pessoas que recebem o Dharma, mas não para aqueles que não o
recebem. Assim, não é perfeita na doação.

Como essa pessoa não possui as quatro coisas estabelecidas acima (fé,
preceito, audição e doação), qualquer que seja a Sabedoria que ela
pratique, esta é imperfeita. A Sabedoria discrimina bem a natureza.
Essa pessoa não pode ver o Eterno e o não-Eterno do Tathagata. Quan-
to ao Tathagata, esse Sutra do Nirvana diz: ‘O Tathagata é Emancipa-
ção, e Emancipação é o Tathagata. O Tathagata é Nirvana, e Nirvana é
Emancipação’. Ela não pode discernir entre aquilo que é dito. Ação
Pura é o Tathagata. O Tathagata é Amor-Benevolente, Compaixão,
Alegria Simpática, e Equanimidade. Amor-Benevolente, Compaixão,
Capítulo 41: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 2 Página 293
Alegria Simpática, e Equanimidade são Emancipação. Emancipação é
Nirvana, e Nirvana é Amor-Benevolente, Compaixão, Alegria Simpática,
e Equanimidade. Ela não pode obter qualquer discernimento naquilo
que é dito. Assim, é não perfeita na Sabedoria.

Também, além disso, ela não é esclarecida quanto ao fato de que a


Natureza de Buda é o Tathagata. O Tathagata é algo que não existe em
todas as outras coisas. O que não existe em todas as outras coisas é
Emancipação. Emancipação é Nirvana, e Nirvana é algo que não existe
em todas as outras coisas. Ela não pode adquirir qualquer discernimen-
to naquilo que é dito [isto é, não pode discriminar o significado daquilo
que é dito]. Por isso, é não perfeita na Sabedoria.

Também, além disso, ela não pode obter qualquer discernimento entre
as Quatro Verdades do Sofrimento, Causa do Sofrimento, Extinção (do
Sofrimento), e a Via para Extinção (do Sofrimento). Como ela não co-
nhece as Quatro Verdades, ela é incapaz de conhecer a Ação Sagrada.
Como ela não conhece a Ação Sagrada, ela não pode conhecer o Ta-
thagata. Como ela não conhece o Tathagata, ela não pode conhecer a
Emancipação. Como ela não conhece a Emancipação, ela não pode
conhecer o Nirvana. Assim, é não perfeita na Sabedoria.

Dessa forma, essa pessoa é não perfeita nas cinco coisas (fé, preceito,
audição, doação e Sabedoria). Dessas (cinco coisas), há dois tipos, os
quais são: 1) que aumenta o bem, e 2) que aumenta o mal. Como ela
aumenta o mal? Essa pessoa não vê o que é mal em si mesma. Ela diz
que é perfeita e adquire uma idéia de apego. Para os caminhantes que
são seus companheiros, ele diz que é o vencedor. Assim, ele associa-se
com más pessoas, que tomam o seu lado. Aproximando-se dessas pes-
soas, ele ainda ouve sobre o que é imperfeito. Ao ouvir [isto], sente-se
feliz, adquire apego, arrogância, e indolência. Sendo indolente, ele se
associa com os leigos.

Também, ele sente prazer em ouvir sobre o mundo secular e mantém à


distância o ensinamento da renúncia. Como resultado disto, o mal
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 294
aumenta. Como ele cresce em maldade, ele adquire as más ações do
corpo, da boca, e da mente. Essas três ações não sendo puras, os três
domínios do inferno, dos espíritos famintos e dos animais aumentam.
Isto é flutuar temporariamente e afundar novamente. Quem dos meus
seguidores corresponde a esse flutuar temporariamente e então afun-
dar novamente? Esses são Devadatta, o Monge Kokalika, o Monge
Braço-Esculpido (Carved-Arm), o Monge Sunaksatra, o Monge Tisya, o
Monge Casa-Cheia (Full-Abode), o Monge Solo-Compassivo (Compas-
sionate-Soil), o Monge Deserto, o Monge Esquadria, o Monge Arrogân-
cia, o homem rico Pureza, o Monge Busca-do-é (Is-Seeking), Sharoku-
shakushu, o homem rico Elefante, a Monja Fama, a Monja Luz, a Monja
Nanda, a Monja Exército, e a Monja Sino. Essas pessoas são aquelas
que temporariamente flutuam e afundam novamente. Por exemplo,
isto é como no caso do grande peixe que, quando vê a luz flutua, mas,
como o seu corpo é pesado, afunda novamente.

Aquele que Flutua e Permanece

O segundo tipo de pessoa compreende profundamente que ela não é


perfeita na ação. Sendo não perfeita, ela se associa com um Bom Mes-
tre da Via. Associando-se com um Bom Amigo, ela sente prazer em
procurar aprender o que ela ainda não ouviu. Ao ouvi-lo, ela sente
prazer em agir da maneira ensinada. Tendo recebido [essas instruções],
ela sente prazer em meditar. Ao pensar bem a respeito, ela passa a
viver de acordo com o Dharma. Como ela persiste no Dharma, o bem
aumenta. Como o bem aumenta, ela não afunda mais. Isto é ‘perma-
nência’.

Quem da Sangha são aqueles que correspondem a essa descrição? Eles


são esses cinco Monges como Shariputra, Mahamaudgalyayana, Ajna-
takaundinya e outros, os cinco Monges do grupo dos Yasas, e esses
outros como Aniruddha, Kumarakashyapa, Mahakashyapa, Dasabala-
kashyapa, a Monja Kisagotami, a Monja Utpala, a Monja Superior, a
Monja Verdadeiro-Significado, a Monja Manas, a Monja Bhadra, a

Capítulo 41: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 2 Página 295


Monja Pureza, a Monja Não-Retroação, o Rei Bimbisara, o homem rico
Ugra, o homem rico Sudatta, Mahanama, o homem pobre Sudatta, o
filho do homem rico Upali, o homem rico Jo, a Monja Destemida, a
Monja Supratistha, a Monja Amante-do-Dharma, a Monja Valorosa, a
Monja Céu-Conquistado, a Monja Sujata, a Monja Corpo-Perfeito, a
Monja Vaca-Conquistada, a Monja Deserto, a Monja Mahasena. Todos
esses Monges, Monjas, Leigos e Leigas podem bem ser chamados de
‘residentes’ [isto é, aqueles que permanecem].

Por que dizemos ‘permanece’? Porque essa pessoa sempre vê real-


mente a boa luz. Assim, quer o Buda tenha aparecido ou não no mun-
do, essa pessoa nunca faz maldades. Esse é o porquê dizemos ‘perma-
nece’. Isto é como no caso no qual o peixe ‘timi’ busca a luz, não afun-
da e se esconde. Com todos esses seres, as coisas se procedem assim.
Esse é o porquê Eu digo nos sutras:

‘Se uma pessoa realmente discerne os significados,


e com um pensamento intensivo busca
a fruição de um Shramana,
e se uma pessoa realmente exprobra todas as existências,
essa pessoa é alguém que vive
em concordância com o Dharma.

Se uma pessoa faz oferecimentos a inumeráveis Budas


e pratica a Via por inumeráveis kalpas,
e se abençoada com prazeres mundanos,
essa pessoa é alguém que reside no Dharma.

Se uma pessoa faz amizade com um Bom Mestre da Via,


ouve o Dharma Maravilhoso,
e se tem um bom pensamento em sua mente,
vive de acordo com a Via,
e busca a luz e pratica a Via,
aquela pessoa atinge a Emancipação
e vive em paz’.”
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 296
Capítulo Quarenta e Dois: Sobre o Bodhisattva
Kashyapa 3

A Imperfeição no Conhecimento

“Oh bom homem! Com relação à imperfeição do conhecimento, há


cinco coisas a considerar. A pessoa vem a conhecer e procura aproxi-
mar-se de um Bom Amigo, o qual agora verá entre ganância, ira, igno-
rância e percepção, qual é predominante. Para uma pessoa com muita
ganância, a meditação sobre impureza será ensinada. Para uma pessoa
que é inclinada à ira, o amor-benevolente é ensinado. Para uma pessoa
que pensa muito, a contagem da respiração será ensinada. Para uma
pessoa que tem muito apego ao eu, a dissecação dos 18 reinos é dada.
Por meio disto, a pessoa, com o melhor dos pensamentos, suporta e
pratica a Via como demonstrado. Ao agir como foi ensinada, gradati-
vamente, ela alcança a meditação das quatro recordações, isto é, a
meditação sobre os quatro itens do corpo, sentimento, mente, e
dharma. Ao completar essa meditação, segue-se gradualmente aquela
dos 12 elos do surgimento interdependente. Isto feito, a seguir, a pes-
soa fundamenta (substancia) o mundo do aquecimento [‘usmagata’ –
um aquecimento mental que se experimenta antes de se alcançar a
Sabedoria do ‘darsana-marga’ – o caminho da visão, do entendimento
interno].”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo!


Todas as coisas têm aquecimento. Por que é assim? Exatamente como
você, o Buda, disse, três coisas se combinam e temos os seres. Estas
são: 1) vida, 2) aquecimento, e 3) consciência. Se isto está dito, implica
que todos os seres já devem possuir o aquecimento. Por que o Tatha-
gata diz: ‘O aquecimento surge ao entrar em contato com um Mestre
da Via’?”

Capítulo 42: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 3 Página 297


O Buda disse: “Oh bom homem! O tipo de aquecimento sobre o qual
você fala está com todos os seres, até o icchantika. O aquecimento
sobre o qual Eu falo agora, necessariamente, surge somente através de
um expediente, o qual é o que originalmente não foi, mas agora é.
Portanto, não é o que está com alguém desde o principio. Assim, você
não deve objetar e dizer que todos os seres têm o aquecimento através
do nascimento. Oh bom homem! O aquecimento falado é o que per-
tence ao mundo da forma, não ao mundo do desejo. Caso você diga
que todos os seres devem possuí-lo, isto implicaria dizer que mesmo os
seres do mundo do desejo também deveriam possuí-lo. Como ele não
existe no mundo do desejo, não podemos dizer que todos o possuem.

Oh bom homem! Ele pode estar no mundo da forma, mas não é o caso
que todos o possuam. Por que não? Meus discípulos o têm, mas não os
tirthikas. Portanto, não é o caso que todos os seres devam possuí-lo.
Oh bom homem! Todos os tirthikas meditam sobre as seis ações [isto
é, as seis meditações dos dois grupos, constituídas de: 1) negativo, isto
é, de horror, e 2) positivo, isto é, de procura. Um dos sistemas da práti-
ca da Via], e todos os meus discípulos são perfeitos nas 16 ações [isto é,
as 16 categorias observadas na meditação sobre as Quatro Verdades].
E todas essas 16 não são possuídas por todos os seres.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! Por


que dizemos ‘aquecimento’? É um aquecimento por si próprio, ou ele
surge causado por outros?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Esse aquecimento surge da nossa


própria natureza. Não surge causado por outros.”

O Bodhisattva Kashyapa disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Você disse


previamente que Asvaka e Purnavasu não possuíam o aquecimento.
Por que não? Quando uma pessoa não tem fé nos Três Tesouros, ela
não o possui. Portanto, deve-se saber que fé é nada mais que um a-
quecimento.”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 298


“Oh bom homem! Fé não é um aquecimento. Por que não? Porque se
adquire o aquecimento através da fé. Oh bom homem! O aquecimento
é ao mesmo tempo Sabedoria. Por quê? Porque ele medita sobre as
Quatro Nobres Verdades. Por isso, chamamos isto de ‘16 ações’. Esta
ação é Sabedoria. Oh bom homem! Você pergunta por que dizemos
‘aquecer’. Oh bom homem! Agora, aquecimento é a fase do fogo do
Nobre Caminho Óctuplo. Esse é o porquê dizemos ‘aquecer’. Oh bom
homem! Por exemplo, quando fazemos fogo, há a causa do fogo de
antemão, e então o obtemos, e a fumaça surge. É o mesmo com essa
via imaculada. Aquecer é nada mais que as 16 ações. O fogo é a fruição
do Srotapanna, e a fumaça é a prática da Via e a segregação das impu-
rezas.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo!


Mesmo uma coisa como o aquecimento é da classe do ‘é’. É algo cria-
do. Essa coisa adquire, no retorno, os cinco skandhas do mundo da
forma. Portanto ‘é’, e também é algo ‘criado’. Se é uma coisa criada,
como ela poderia representar a Via Imaculada?”

O Buda disse: “Oh bom homem! É assim, é assim! É como você diz. Oh
bom homem! Embora esse aquecimento pertença à categoria do ‘é’,
ele realmente quebra [destrói] o criado e o ‘é’. Portanto, ele representa
a Via Imaculada.

Aquele que Flutua e Olha Tudo ao Redor

Oh bom homem! Um homem monta um cavalo, e ele tanto o ama


quanto o açoita. É assim. É também o mesmo com a mente que es-
quenta. Devido ao desejo, a vida é obtida, e devido ao abandono [a
renúncia], medita-se. Por essa razão, é uma coisa do ‘é’. Embora seja
uma coisa criada, ela representa o Caminho Correto. Aqueles que ad-
quirem o aquecimento são de 73 tipos, e os 10 do mundo do desejo.
Essas pessoas são todas trajadas em impurezas. Vão de um décimo até
nove décimos. Como no caso do mundo do desejo, as coisas vão do

Capítulo 42: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 3 Página 299


primeiro dhyana até o céu da irreflexão-não-irreflexão. Dizemos que há
73 tipos. Essa pessoa, ao adquirir o aquecimento, nunca corta as raízes
do bem, comete os cinco pecados mortais, ou as quatro graves ofen-
sas.

Há dois tipos dessas pessoas. Um se associa com um Bom Amigo, e o


outro com um mau amigo. Aquele que se associa com um mau amigo
flutua por um tempo, mas afunda novamente. Aquele que se associa
com um Bom Amigo olha tudo ao redor. Olhar ao redor se refere à
‘altura-superior’ [‘murdhana’ – esse dharma superior é uma fruição da
prática semelhante ao pico superior de uma montanha, que ao mesmo
tempo é o ponto mais alto, mas também é crucial para a queda ou
retroação. É um estágio da prática na categoria Hinayana – por Kosho
Yamamoto]. A natureza desse estágio ainda é da classe dos cinco skan-
dhas, e ainda está relacionada às Quatro Verdades. Portanto, pode-se
ver tudo ao redor. Após o estágio da ‘altura-superior’, a pessoa atinge o
da ‘cognição’ [isto é, um estágio da prática no qual se obtém cognição
da natureza das Quatro Verdades, e a partir do qual alguém não retro-
age mais. Há vários graus nesse estágio – por Kosho Yamamoto]. Este é
o caso com o estágio da cognição, também. A natureza é dos cinco
skandhas, mas está relacionado com as Quatro Verdades. Essa pessoa,
a seguir, alcança o laukikagradharma [‘primeira raiz do bem do mun-
do’], que é da natureza dos cinco skandhas e tem relações causais com
as Quatro Verdades. A pessoa, gradativamente, ganha a ‘cognição do
sofrimento’. A natureza da Sabedoria efetiva (põe em prática) a relação
causal da Primeira Verdade. Ao colocar em prática a relação causal da
Verdade da Cognição, a pessoa corta as impurezas e atinge o [nível do]
Srotapanna. Este é o quarto estágio da visão de tudo ao redor nas qua-
tro direções. As quatro direções são nada mais que as Quatro Verda-
des.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo!


Você disse antes: ‘O Srotapanna corta as impurezas tanto quanto 40 ris
de água nos sentidos transversal e longitudinal. O que permanece é
como a água da largura de um cabelo na extensão’. Por isso, você de-
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 300
nota o corte dos três grilhões [‘trini-samyojanani’] e chama isso de
Srotapanna. Estes são: 1) a visão errônea do Eu, 2) ver não-causa como
causa, e 3) a dúvida. Oh Honrado pelo Mundo! Por que você diz que a
pessoa do estágio do Srotapanna vê realmente em [todas as] quatro
direções, por que essa pessoa é chamada Srotapanna, e por que você
recorre à parábola do peixe ‘timi’?”

O Buda disse: “Oh bom homem! O Srotapanna realmente corta inume-


ráveis impurezas. Porém, esses três (grilhões) são de uma natureza
grave. E, também, estes incluem todas as impurezas que o Srotapanna
cortou. Oh bom homem! Um grande rei sai do seu palácio e deseja
fazer uma inspeção. Mesmo quando as quatro forças militares estão
com ele, as pessoas do mundo dizem que apenas o rei vem e vai. Por
quê? Porque isto vem do fato de que o mundo faz muito mais questão
do Rei. É o mesmo com as três impurezas, também. Por que graves?
Porque as pessoas estão todas sujeitas a estas. Como elas são diminu-
tas no tamanho e não reconhecíveis, dizemos graves. Como essas três
(impurezas) são difíceis de remover, elas tornam-se a causa de todas as
impurezas. Como essas três são os inimigos a serem subjugados, dize-
mos: 1) preceitos, 2) meditação, e 3) Sabedoria.

Oh bom homem! Quando todos os seres ouvem que o Srotapanna


corta de fato incontáveis impurezas, eles adquirem um pensamento
retroativo e dizem: ‘Como os seres podem possivelmente cortar incon-
táveis impurezas’? Por essa razão, como um expediente, o Tathagata
fala das três. Você indaga por que Eu pego o caso do Srotapanna e o
comparo à visão nas quatro direções. Oh bom homem! O Srotapanna
medita sobre as Quatro Verdades e ganha quatro coisas, as quais são:
1) adesão incondicional à Via, 2) boa meditação, 3) boa visão das coisas
da maneira correta, e 4) aniquila realmente um grande inimigo.

Dizemos que aderimos incondicionalmente à Via porque nada pode


mover os sentidos orgânicos da pessoa que atingiu o estágio do Srota-
panna. Devido a isto, dizemos que aderimos incondicionalmente à Via.

Capítulo 42: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 3 Página 301


Falamos de ver bem tudo ao redor. Isto significa que a pessoa de fato
reprova (exprobra) as impurezas dentro e fora

Dizemos que vemos no sentido verdadeiro. Isto é o conhecimento da


cognição.

Dizemos que aniquilamos realmente um grande inimigo. Isto se refere


às quatro inversões.

Você indaga: ‘Por que dizemos Srotapanna’? Oh bom homem! ‘Shu’


[no Japonês ‘Shudaon’ = Srotapanna, que literalmente significa: srotas
= corrente + apanna = adentrado] significa ‘imaculado’; ‘daon’ significa
‘aprender e praticar’. Pratica-se o imaculado. Por isso, ‘Srotapanna’. Oh
bom homem! ‘Shu’ significa ‘corrente’. Há dois tipos de ‘corrente’. Um
é o tipo comum, e o outro é aquele que flui na direção contrária.”

O Bodhisattva Kashyapa disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Se isto é


assim, por que Srotapannas, Sakrdagamins e Arhats não são todos
chamados de Srotapannas?”

Oh bom homem! Aqueles desde o estágio do Srotapanna até todos os


Budas, bem poderiam ser chamados de Srotapannas. Se não fosse o
caso daqueles desde o estágio do Sakrdagamin até o (estado) de Buda
possuírem a natureza do Srotapanna, como poderiam existir esses tais
desde o Sakrdagamin até o Buda? Todos os seres têm dois tipos de
nome, os quais são: 1) antigo, e 2) objetivo. Como um mortal comum,
tem-se o nome do mundo secular. Quando se adentra a Via, se é cha-
mado ‘Srotapanna’. Quando esse (nome) é recém adquirido, se é cha-
mado Srotapanna; mais tarde, se é chamado Sakrdagamin. Essa pessoa
é chamada Srotapanna e Sakrdagamin. O mesmo é o caso com o Buda,
também.

Oh bom homem! Há dois tipos de correntezas, dos quais um é a Eman-


cipação e o outro Nirvana. Todos os tipos de pessoas sagradas os pos-
suem, também, e elas podem ser Srotapannas e Sakrdagamins. O
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 302
mesmo também se aplica ao Buda. Oh bom homem! O Srotapanna
também pode ser chamado de Bodhisattva. Por quê? O Bodhisattva
nada mais é que uma pessoa que é perfeita no ‘conhecimento da ex-
tinção’ [isto é, o conhecimento no qual a impureza está completamen-
te extinta] e no ‘conhecimento do não-nascimento’ [isto é, o conheci-
mento em que alguém está desperto para a existência não-nascida]. O
Sakrdagamin, também, busca esses dois conhecimentos. Por isso, de-
ve-se saber que uma pessoa do estágio do Srotapanna também pode
ser chamada de Bodhisattva. O Sakrdagamin, também, pode ser cha-
mado de alguém que é ‘iluminado’. Por quê? Porque ele é iluminado
com relação ao darsanamarga [isto é, o estágio da prática no qual se
adentra o grande oceano da Verdade] e corta as impurezas, porque ele
é corretamente iluminado quanto à lei das relações causais, porque ele
é iluminado quanto às maneiras (vias) que são ‘comuns a todos’ e a-
quelas que são ‘não comuns a todos’. O mesmo se aplica desde o Sakr-
dagamin até o Arhatship.

Oh bom homem! Há dois tipos desse Srotapanna. Um é aguçado e o


outro obtuso. Aqueles da categoria dos obtusos repetem vidas nos
mundos dos humanos e deuses sete vezes. E nessa classe dos obtusos,
ainda há cinco tipos. Há aqueles que renascem mais seis vezes, mais
cinco vezes, mais quatro vezes, mais três vezes, e mais duas vezes.
Aqueles que nascem aguçados ganham na vida presente a fruição dos
estágios do Srotapanna até o Arhatship.

Oh bom homem! Você indaga por que o Srotapanna deve ser compa-
rado ao peixe ‘timi’. Oh bom homem! Há quatro coisas que caracteri-
zam o (peixe) ‘timi’, as quais são: 1) como seus ossos são pequenos, ele
é leve, 2) como ele possui nadadeiras, ele é leve, 3) ele procura buscar
a luz, 4) ele morde e agarra firmemente. Com o Srotapanna, há quatro
coisas. Dizer que os ossos são pequenos é comparável à pequenez da
quantidade de impurezas. Possuir nadadeiras pode ser comparado ao
samatha e o vipasyana. Dizer que ele procura e aprecia a luz é compa-
rável ao darsanamarga. Dizer que ele morde e agarra firmemente pode
ser comparado ao fato de que a pessoa ouve o que o Tathagata diz
Capítulo 42: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 3 Página 303
com respeito ao não-eterno, ao sofrimento, ao não-Eu, e ao não-puro;
e que ela agarra firmemente àquilo que ouviu, momento em que Mara
se transforma e se disfarça como um Buda, ou quando o homem rico
Sura vê e fica maravilhado, e Mara, vendo o homem rico comovido em
seu coração, diz: ‘O que eu disse antes sobre as Quatro Verdades não é
verdadeiro. Agora, para o vosso benefício, falarei sobre as cinco verda-
des, os seis skandhas, as 13 esferas, e 19 reinos’. Ao ouvir isto, o ho-
mem rico examina o que foi falado e vê que não há nada naquilo que
seja verdadeiro. Por isso, uma analogia é buscada aqui para explicar a
imobilidade da mente.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Esse Srotapanna é assim cha-


mado porque a pessoa adentrou a Via, ou é porque ela obteve a frui-
ção? Se alguém é um Srotapanna porque adentrou a Via, porque não
foi assim chamado quando adquiriu a cognição do sofrimento, ao invés
de ser chamado ‘apatti’? Se (ao ganhar) a primeira fruição se é chama-
do Srotapanna, por que não chamamos o tirthika de um Srotapanna
que extirpa o obstáculo das impurezas e alcança o estado mental da
não-existencialidade, e que tendo praticado a Via do imaculado, atinge
o estágio do Anagamin?”

“Oh bom homem! Quando a primeira fruição é obtida, dizemos Srota-


panna. Você indaga por que é que o tirthika primeiro corta os laços das
impurezas e ganha o estado mental de não-existencialidade, e prati-
cando a Via imaculada ganha a fruição do Anagamin, e não do Srota-
panna. Oh bom homem! Devido ao fato de que a pessoa ganha a pri-
meira fruição, dizemos Srotapanna. A pessoa, naquela ocasião, ganha
os oito conhecimentos e as 16 ações.”

Kashyapa disse: “Oh Honrado pelo Mundo! É o mesmo com alguém


que atinge a fruição do Anagamin, também. Ele também ganha os oito
conhecimentos e as 16 ações. Por que não chamamos de fato essa
pessoa de um Srotapanna?”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 304


“Oh bom homem! Há dois tipos de 16 ações imaculadas (no original em
inglês está ‘impuras’). Um é o que é comum a todos, e o outro o que
não é. Há também dois tipos de 16 ações imaculadas. Um é o que é
voltado para a fruição, e o outro é aquele que uma pessoa ganhou. Há
também dois tipos de oito conhecimentos. Um é o que é voltado para
a fruição, e o outro é aquele que uma pessoa ganhou. Uma pessoa do
estágio do Srotapanna abandona as 16 ações que são comuns a todos
e ganha as 16 que não são comuns a todos, e ao abandonar os oito
conhecimentos que são voltados para a fruição, ganha os oito conhe-
cimentos que são a fruição. Com uma pessoa do estágio do Anagamin,
as coisas não são assim. Esse é o porquê a primeira fruição é chamada
Srotapanna. Oh bom homem! O Srotapanna está preocupado com as
Quatro Verdades, enquanto que o Anagamin tem relações com apenas
uma Verdade. Esse é o porquê a primeira fruição é chamada Srotapan-
na. Por isso, o peixe ‘timi’ é empregado como uma analogia.

Aquele que Olha Tudo ao Redor e Então se Vai

Dizemos que a pessoa olha tudo ao redor e então se vai. Esse é o Sakr-
dagamin. Sua mente é totalmente orientada para a Via, ele pratica a
Via, e no sentido de cortar a cobiça, a ira, a ignorância e a arrogância,
ele, como o peixe ‘timi’, olha ao redor, e então se vai à busca de comi-
da.

Aquele que Sai e Então Permanece Lá

Dizemos que uma pessoa se vai e então permanece lá. Isto pode ser
comparado ao Anagamin que, tendo compartilhado da comida, per-
manece lá. Há dois tipos desse Anagamin. Um é aquele que agora atin-
giu a fruição do Arhatship e, praticando ainda mais a Via, ganha mais a
fruição do [estagio do] Arhat. O outro é aquele que adere avidamente
ao Samadhi do Silêncio do mundo da forma e não-forma. Essa pessoa é
chamada Anagamin. Ela não ganha um corpo do mundo do desejo. Há

Capítulo 42: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 3 Página 305


cinco tipos de Anagamin, a saber: 1) Parinirvana de grau-médio, 2)
Parinirvana (do corpo) carnal, 3) Parinirvana da ação, 4) Parinirvana da
não-ação, e 5) Parinirvana Rio Acima. Ainda há seis tipos. Destes, cinco
são como acima, e o sexto é o gozo efetivo da fruição do Parinirvana.
Há também sete tipos, dos quais seis são como acima, e o sétimo é o
Parinirvana do mundo da não-forma.

O Parinirvana da Ação possui dois tipos, os quais podem ter dois corpos
carnais ou quatro corpos carnais. Se alguém possui dois corpos, cha-
mamos esse ser de alguém nascido-aguçado; se possui quatro corpos,
chamamos isto de nascido-obtuso. Novamente, há dois tipos. Uma
pessoa empreende esforços, e não tem o Samadhi desimpedido, en-
quanto a segunda é indolente e tem desimpedimento. Novamente, há
dois tipos. Uma pessoa persevera no Samadhi do Esforço, enquanto a
segunda não.

Oh bom homem! Há dois tipos na [categoria] daquilo que é feito pelos


seres do mundo dos desejos. Um é o que a pessoa faz, e o outro é a
ação adquirida no nascimento.

Uma pessoa do Nirvana de Grau-Médio tem obras [ações] a fazer, mas


não ações adquiridas pelo nascimento. Por essa razão, essa pessoa
entra no Parinirvana aqui (neste lugar). Ela abandona o corpo carnal do
mundo do desejo, mas ainda não atinge o mundo da forma. A pessoa
nascida-aguçada entra no Nirvana aqui. Com a pessoa do Nirvana de
Grau-Médio, há quatro estados mentais, a saber: 1) não-aprendizado e
não não-aprendizado, 2) aprendizado, 3) não-aprendizado, e 4) a pes-
soa entra no Nirvana do não-aprendizado e não não-aprendizado. Por
que Nirvana de Grau-Médio? Oh bom homem! Ora, dos quatro estados
mentais desse Anagamin, dois são Nirvana e dois não são. Por isso,
dizemos Nirvana de Grau-Médio.

Há dois tipos de Nirvana do Corpo-Carnal. Um é o que alguém faz, en-


quanto o outro é a ação (adquirida) pelo nascimento. Essa pessoa a-
bandona o corpo do mundo do desejo e adquire o corpo do mundo da
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 306
forma. Com esforços, ela pratica a Via, vive seu devido tempo de vida,
e entra no Nirvana.”

O Bodhisattva Kashyapa disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Se dizemos


que a pessoa entra no Nirvana quando a sua vida termina, como po-
demos chamá-lo de Nirvana da vida carnal?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Quando a pessoa nasce como um


humano, ela corta as impurezas dos três mundos. Por isso, Parinirvana
da vida carnal.

Dizemos Parinirvana pela ação. A pessoa sempre pratica a Via e através


do poder do Samadhi praticado por este corpo criado, a pessoa corta
as impurezas e entra no Nirvana. Por isso, Parinirvana pela ação.

Dizemos Nirvana pela não-ação. A pessoa sabe que ela definitivamente


alcançará o Nirvana. Por isso, a indolência cresce. Também, através do
poder do Samadhi do corpo criado, ela atinge o Nirvana quando a sua
vida termina. Isto é Parinirvana pela não-ação.

Dizemos Parinirvana rio-acima. Ao alcançar o quarto dhyana, a pessoa


adquire uma mente (pensamento) de desejo. Por essa razão, ocorre a
retroação e ela ganha uma vida do primeiro dhyana. Nisto, há duas
correntezas. Uma é a correnteza das impurezas, e a outra é a corrente-
za da Via. Por causa (do poder) da correnteza da Via, a pessoa adquire
o desejo do segundo dhyana quando a sua vida termina. Em razão da
relação causal desse desejo, ela ganha nascimento no segundo dhyana.
É a mesma coisa até o quarto dhyana.

No quarto dhyana, há dois tipos. No primeiro a pessoa entra no mundo


da não-forma, e no segundo (a pessoa entra) no Céu Suddhavasa. Des-
sas duas pessoas, uma busca o Samadhi e a outra a Sabedoria. Aquela
que busca a Sabedoria ganha o Céu Suddhavasa, e aquela que busca o
Samadhi ganha o mundo da não-forma. Dessas duas (pessoas), há dois
tipos. Com aquela que pratica o quarto dhyana, há cinco diferentes
Capítulo 42: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 3 Página 307
estágios da prática. A segunda pessoa não pratica a Via. Quais são os
cinco? Eles são: baixo, médio, alto, médio-superior e superior.

A pessoa que pratica a Via do estágio superior ganha nascimento no


Céu Akanistha. Aquela que pratica a Via do médio-superior ganha nas-
cimento no Céu Sudarsana. Aquela que pratica a Via do alto-grau ga-
nha nascimento no céu onde ela pode ver bem. Aquela que pratica o
grau-médio ganha nascimento no céu onde não há calor [opressivo]. A
pessoa que pratica a Via do baixo-grau ganha nascimento no céu de
pequeno tamanho. Desses dois tipos de pessoas, um importa-se com a
discussão, e o outro com a quietude. Aquela que gosta da quietude
ganha nascimento no mundo da não-forma, e aquela que gosta da
discussão ganha nascimento no Céu Suddavasa.

E ainda há dois tipos. Uma pessoa pratica o dhyana fragrante, e a outra


não. Aquela que pratica o dhyana fragrante entra no Céu Suddhavasa,
e aquela que não pratica o dhyana fragrante ganha nascimento no
mundo da não-forma, onde, quando a sua vida termina, ela ganha o
Parinirvana. Qualquer pessoa que queira entrar no mundo da não-
forma não pode cumprir (executar) os cinco diferentes modos de práti-
ca do quarto dhyana. Qualquer pessoa que tenha praticado os cinco
diferentes modos do (quarto) dhyana será crítica do dhyana do mundo
da não-forma.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! A


pessoa que pratica o Nirvana de grau-médio é alguém nascido-
aguçado. Se nascido-aguçado, por que ele não entra no Nirvana na vida
presente? Por que o Nirvana de grau-médio existe no mundo do dese-
jo, mas não existe no mundo da não-forma?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Os quatro grandes elementos dessa


pessoa são fracos e emaciados, tal que ela não pode praticar a Via.
Mesmo que os quatro grandes elementos sejam saudáveis e tenazes,
há a carência de uma casa para viver nela, comida e bebida, roupas,
roupas de cama, atendimento médico e remédios, e todas as relações
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 308
causais não vêm para ela. Devido a isto, ela não pode alcançar o Nirva-
na na vida presente.

Oh bom homem! Certa vez Eu estava residindo no Vihara [Residência


Monástica Budista] de Anathapindada no estado de Sravasti. E havia
um Monge que veio para onde eu estava e disse: ‘Oh Honrado pelo
Mundo! Embora eu sempre pratique a Via, não posso ascender da
fruição do Srotapanna para aquela do Arhat’. Então Eu disse a Ananda:
‘Veja agora o que esse Monge necessita ter’. Então Ananda levou esse
Monge a Jetavana e deu-lhe uma boa casa. Então o Monge disse a
Ananda: ‘Oh grande virtuoso! Por favor, decore a casa para mim, torne-
a reparada, pura e limpa. Deve haver as sete jóias. Também, pendure
estandartes de seda!’ Ananda disse: ‘Um Shramana é chamado de
pobre do mundo. Como posso fornecer o que você quer ter?’ O Monge
disse: ‘Oh grande virtuoso! Se você fizer [como peço], fará o bem. Se
não fizer, voltarei ao Honrado pelo Mundo’. Então Ananda veio ao
Buda e disse: ‘Oh Honrado pelo Mundo! O Monge em questão deseja
ter o lugar ricamente adornado com gemas e estandartes. Isto é estra-
nho. O que devo fazer?’ Então eu disse a Ananda: ‘Volte ao Monge,
atenda seus desejos, e decore o lugar como ele gostaria de tê-lo deco-
rado’. Então Ananda voltou para a casa e aprontou as coisas para o
Monge. Tendo obtido o que queria, ele aplicou-se na prática da Via.
Não muito depois, ele alcançou a fruição do Srotapanna e atingiu o
Arhatship.

Oh bom homem! Inumeráveis seres, embora devam [isto é, estejam


compelidos a] ganhar o Nirvana, perdem sua cabeça devido à carência
das coisas. Por isso, eles falham em alcançá-lo. Oh bom homem! Tam-
bém, há seres que têm muito desejo. Suas mentes são extremamente
ocupadas e eles não podem meditar bem. Por essa razão, não podem
ganhar o Nirvana nesta vida.

Oh bom homem! Você indaga por que existe Nirvana de grau-médio no


mundo do desejo servindo para abandonar o corpo, e por que este não
existe no mundo da forma.
Capítulo 42: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 3 Página 309
Oh bom homem! Essa pessoa vê duas relações causais do mundo do
desejo. Uma é interna e a outra externa. No mundo da forma, não há a
relação causal da categoria externa. E no mundo do desejo, há nova-
mente dois tipos de pensamento de desejo. Um é o desejo do desejo, e
o outro é o desejo de comer. Ao meditar sobre esses desejos, a pessoa
reprova-se profundamente. Ao reprovar o próprio pensamento, ela
entra no Nirvana.

Nesse mundo do desejo, a pessoa pode reprovar as impurezas grossei-


ras, as quais são: mesquinhez, cobiça, ira, inveja, não-arrependimento,
e não sentir vergonha. Devido a essa relação causal, a pessoa realmen-
te ganha o Nirvana. E também, a natureza do caminho do mundo do
desejo é valorosa. Por quê? Porque a pessoa ganha a entrada e a frui-
ção. Por isso, temos o Nirvana de grau-médio no mundo do desejo, que
não se encontra no mundo da forma. Oh bom homem! O Nirvana de
grau-médio é de três tipos, a saber: alto, médio e baixo. O de alto-grau
ganha o Nirvana, não abandonando o corpo carnal e o mundo do dese-
jo. O de grau-médio atinge o Nirvana primeiro abandonando o mundo
do desejo, mas ainda não chegando ao mundo da forma. O de baixo-
grau ganha o Nirvana quando a pessoa deixa o mundo do desejo e
aproxima-se da linha limítrofe do mundo da forma. Por exemplo, esse
é o caso com o peixe ‘timi’, o qual, ao comer, permanece. O mesmo se
passa com essa pessoa.

Por que dizemos ‘permanece’? Isto é dito porque a pessoa ganha vida
no mundo da forma e da não-forma, e lá ela ganha um corpo. Por isso,
dizemos ‘permanência’. Humanos e devas do mundo do desejo não
ganham vida nos reinos do inferno, da animalidade, e dos espíritos
famintos. Assim, dizemos ‘permanência’. Tendo já cortado inumeráveis
amarras das impurezas, há pouco que resta. Por isso, ‘permanência’. E
também, dizemos ‘permanece’ porque aquela pessoa nunca mais faz
as coisas do mundo dos mortais comuns. Por isso, ‘permanece’. Ela não
tem medo e não faz com que outros tenham medo. Por isso, ‘perma-

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 310


nece’. Ela está distante dos três desejos da mesquinhez, da cobiça e da
ira. Por isso, ‘permanece’.

Aquele que Alcança a Outra Margem

Oh bom homem! Alcançar a outra margem pode ser comparado ao


Arhat, o Pratyekabuda, o Bodhisattva, e o Buda. Isto é como a tartaru-
ga devota, que pode movimentar-se tanto na água quanto na terra. Por
que empregamos o exemplo da tartaruga? Porque ela realmente reco-
lhe as cinco coisas [isto é, membros e cabeça]. É o mesmo com o Arhat
até o Buda, que realmente recolhem os cinco sentidos orgânicos. Por
isso se faz a comparação com a tartaruga.

Dizemos água e terra. Água pode ser comparada ao mundo, e terra a


abandonar o mundo secular. É o mesmo com essas pessoas sagradas,
também. Elas de fato alcançam a outra margem, na medida em que
meditam profundamente sobre as más impurezas. Por isso, a compa-
ração é feita com o movimentar-se tanto na água como na terra.

Oh bom homem! Os sete tipos de seres no Rio Ganges possuem o no-


me da tartaruga. Mas eles não se separam da água. Assim, no caso
desse Todo-Maravilhoso (Sutra do) Grande Nirvana, lá surgem sete
diferentes nomes, desde o icchantika até todos os Budas. Mas esses
não se separam da água da Natureza de Buda. Oh bom homem! Com
esses sete seres, seja no que concerne ao Dharma Maravilhoso, ao
não-Dharma Maravilhoso, aos meios, à Via da Emancipação, à Via Gra-
dual, à causação ou resultado, todos são a Natureza de Buda. Eles são
as palavras do Tathagata que vêm da sua própria e livre vontade.”

O Bodhisattva Kashyapa disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Se existe


uma causa, lá surge o resultado. Se não há causa, não pode haver re-
sultado. Nirvana é o resultado. Como ele é algo que é eterno, não pode
haver qualquer causa a considerar. Se não há causa, como podemos
chamá-lo de resultado? Esse Nirvana também é chamado ‘Shramana’ e

Capítulo 42: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 3 Página 311


fruição do Shramana. O que é um Shramana? E o que é a fruição de um
Shramana?”

Os Sete Tipos de Fruições

“Oh bom homem! Em todos os mundos, há sete tipos de fruições, os


quais são: 1) através dos meios, 2) obrigações de retribuições (débitos
de gratidão), 3) amizade, 4) daquele que permanece, 5) equanimidade,
6) carma (ou recompensa), e 7) segregação.

Fruição Através dos Meios

Dizemos ‘fruição através dos meios’. No outono, as pessoas do (mun-


do) secular colhem cereais e dizem uns aos outros que eles estão ga-
nhando a fruição dos meios que eles colocaram em ação. A fruição dos
meios é chamada fruição das ações cármicas. Essa fruição tem duas
causas, a saber: 1) causa próxima [direta], e 2) causa distante [indireta].
A causa próxima é a assim chamada ‘semente’; a causa distante é água,
adubo, o ser humano, e os esforços. Essa é a fruição [que surge] da
colocação dos meios em ação.

Fruição dos Débitos de Gratidão

Dizemos ‘fruição das obrigações de retribuições’. As pessoas no (mun-


do) secular fazem oferecimentos aos seus pais. Todos os pais dizem:
‘Estamos agora colhendo os frutos daquilo que fizemos quando nutri-
mos [nossas crianças]’. Quando a criança retribui-lhes, chamamos isto
de fruição. O caso é assim. Essa fruição tem duas causas, a saber: 1) a
causa próxima, e 2) a causa distante. A (causa) próxima são as ações
puras que os pais fizeram no passado; a distante se refere à criança (de
amor) filial que se desenvolveu. Isto é fruição das obrigações de retri-
buição (débitos de gratidão).

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 312


Fruição da Amizade

Dizemos ‘fruição da amizade’. Por exemplo, há um homem que faz


amizade com uma boa pessoa [isto é, com um Bom Mestre do Budis-
mo], e como resultado ele ganha os frutos desde o Srotapanna até o
Arhatship. A pessoa diz: ‘Eu agora ganho a fruição da amizade’. O caso
é assim. Essa fruição tem duas causas, a saber: 1) a causa próxima, e 2)
a causa distante. A (causa) próxima é a fé; a (causa) distante é o bom
amigo. Esta é a fruição da amizade.

Fruição Daquele Que Perdura

Dizemos ‘fruição daquele que perdura’. Por não matar, uma pessoa
prolonga em um terço o tempo de vida do corpo. Isto é o que se ob-
tém. Esta é a fruição daquele que perdura. Essa fruição tem duas cau-
sas. Uma é próxima, e a outra distante. Por próxima se entende a pure-
za do corpo, boca e mente; por distante se entende a extensão do
tempo de vida e o desfrutar da (alegria na) velhice. Esta é a fruição
daquele que perdura.

Fruição Equânime

Por ‘fruição equânime’ entende-se aquilo que é comum no mundo em


geral. Novamente, essa fruição tem duas causas: 1) a próxima, e 2) a
distante. Por causa próxima se entende as dez boas ações que os seres
praticam; por (causa) distante se entende as assim chamadas três ca-
lamidades [isto é, água, fogo, e guerra]. Esta é chamada fruição equâ-
nime.

Capítulo 42: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 3 Página 313


Fruição da Recompensa

Falamos da ‘fruição da recompensa’. Uma pessoa ganha um corpo


carnal puro e pratica o que é puro no corpo, na boca, e na mente. Essa
pessoa diz: ‘Estou a colher a fruição da recompensa’. Essa fruição tem
duas causas, as quais são: 1) a próxima, e 2) a distante. Por causa pró-
xima se entende o que é feito com o corpo, boca e mente; por causa
distante se entende a pureza do corpo, da boca, e da mente no passa-
do. Isso é o que chamamos de fruição da recompensa.

Fruição da Segregação

Dizemos ‘fruição da segregação’, que é o Nirvana. Uma pessoa segrega-


se de todas as impurezas. Todas as boas ações são a causa do Nirvana.
Também, há dois tipos, a saber: 1) a causa próxima, e 2) a causa distan-
te. Por causa próxima se entende o portal das três emancipações [isto
é, os Samadhis da vacuidade, da amorfia, e do não-desejo]; por causa
distante se entende as boas ações que a pessoa tem praticado nos
inumeráveis mundos.

Oh bom homem! O mundo fala de: 1) causa pelo nascimento, e 2) cau-


sa pela revelação. O caso é assim. É o mesmo com o abandono do
mundo, também. E às vezes falamos de causa pelo nascimento, e tam-
bém de causa pela revelação.

Oh bom homem! O portal das três emancipações tem 37 capítulos.


Estes acabam por ser – com relação a todas as impurezas – a causa do
não-surgimento da vida e a causa para a revelação do Nirvana. Oh bom
homem! Quando se afasta das impurezas, pode-se ver claramente o
Nirvana. Por isso, o que há é a causa pela revelação e não a causa pelo
nascimento.

Oh bom homem! Você indaga o que é um Shramana, e o que é a frui-


ção do Shramana. Oh bom homem! O Shramana é o Nobre Caminho

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 314


Óctuplo. A fruição do Shramana é que seguimos a Via e acabamos e-
ternamente com a cobiça, a má-vontade, a ignorância, etc. Isto é o
Shramana e a fruição do Shramana.”

O Bodhisattva Kashyapa disse: “Por que chamamos o Nobre Caminho


Óctuplo de Shramana?”

“Oh bom homem! ‘Shrama’, diz o mundo, significa ‘faltar/carecer’, e


‘na’ significa ‘via’. Essa ‘via’ corta tudo o que está faltando. Esse é o
porquê chamamos o Nobre Caminho Óctuplo de ‘Shramana’. Uma vez
que, como resultado disto, ganha-se a fruição, dizemos ‘fruição do
Shramana’.

Oh bom homem! E também é como no caso onde existe no mundo


uma pessoa que ama a quietude, ocasião em que dizemos que tal pes-
soa é um Shramana. Assim é também com a Via. Ela faz com que qual-
quer um que a pratique acabe com o mau caminho da vida do corpo,
da boca, e da mente; e ganhe a quietude. Esse é o porquê dizemos
Shramana.

Oh bom homem! A pessoa do baixo-grau do mundo torna-se do alto-


grau. Isto é um Shramana. Com a Via, também, as coisas são assim.
Como ela realmente transforma uma pessoa do baixo-grau em alguém
do alto-grau, dizemos Shramana.

Oh bom homem! Se um Arhat pratica essa Via, ele ganha a fruição do


Shramana. E assim ele alcança a outra margem. A fruição de um Arhat
nada mais é que as cinco partes do Corpo do Dharma do nada-mais-
aprender, as quais compreendem os Preceitos Morais, Samadhi, Sabe-
doria, Emancipação, e a Introspecção Intelectual produto da Emancipa-
ção. Através desses cinco [fatores], a pessoa alcança a outra margem.
Por isso, a chegada à outra margem. Quando ela ganha a outra mar-
gem, diz para si: ‘Minha vida agora está completa, as ações puras [já
foram] praticadas, o que deveria ter sido feito já foi feito, e agora não
ganho mais qualquer existência [samsarica]’.
Capítulo 42: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 3 Página 315
Oh bom homem! Como esse Arhat agora cortou eternamente as rela-
ções causais do nascimento nas Três Existências, ele diz: ‘Agora minha
vida está completa’.

Também, como ele realmente acabou com o corpo dos cinco skandhas
dos três mundos, ele diz: ‘Minha vida já está completa’.

E como ele agora deixa o estágio de aprendizado, ele diz que agora está
de pé. E como ele agora ganhou o que outrora desejou alcançar, ele diz
que atingiu tudo. Tendo praticado a Via e obtido a fruição, ele diz: ‘Já
me realizei’. Como ele ganhou o conhecimento da plena-extinção e o
conhecimento do não-nascimento, ele diz que acabou com todas as
amarras. Assim dizemos que o Arhat agora atinge a outra margem. É o
mesmo com o Pratyekabuda, também. Como os Bodhisattvas e o Buda
são perfeitos e realizados nos seis paramitas, eles são chamados aque-
les que ‘chegaram à outra margem’. Quando o Buda e os Bodhisattvas
atingem a Iluminação Insuperável, dizemos que eles são perfeitos nos
seis paramitas. Por quê? Porque eles agora estão colhendo o fruto dos
seis paramitas. Como há chegada à fruição, dizemos ‘perfeitos’.

Oh bom homem! Esses sete seres não ajustam (harmonizam) o seu


corpo, não observam os preceitos, não cultivam a sua mente e a Sabe-
doria. Como eles não defendem bem essas quatro coisas, eles come-
tem os cinco pecados mortais, cortam as raízes do bem, cometem as
cinco ofensas graves, e falam mal do Buda, do Dharma, e da Sangha.
Por essa razão, dizemos que eles naufragam profundamente.

Oh bom homem! Se qualquer dos sete (tipos de) seres associa-se com
um Bom Mestre da Via, e com uma mente sincera dá ouvido ao Dhar-
ma Maravilhoso do Tathagata, cai bem dentro de si, vive de acordo
com o Dharma e, com seu melhor esforço, pratica o corpo, os precei-
tos, a mente, e a Sabedoria; essa pessoa pode realmente atravessar o
rio do nascimento e da morte, e alcançar a outra margem.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 316


Se uma pessoa diz: ‘Mesmo o icchantika atinge o Insuperável Bodhi’,
isto é apego impuro (idéia fixa); se ela diz que ‘não’, isto é o que é falso.

Oh bom homem! Desses sete seres, pode haver um que possua as sete
qualidades em sua própria pessoa, ou cada um dos sete pode possuir
uma (qualidade) cada.

Oh bom homem! Se uma pessoa pensa e fala diferentemente em pen-


samento e boca, e diz: ‘O icchantika alcança o Insuperável Bodhi’, saiba
que essa pessoa calunia o Buda, o Dharma, e a Sangha. Se uma pessoa
pensa e fala diferentemente, e diz: ‘O icchantika não alcança o Insupe-
rável Bodhi’, essa pessoa também calunia o Buda, o Dharma, e a San-
gha.

Oh bom homem! Se uma pessoa diz: ‘O Nobre Caminho Óctuplo é o


que os mortais comuns ganham’, essa pessoa, também, calunia o Bu-
da, o Dharma, e a Sangha. Se uma pessoa diz: ‘O Nobre Caminho Óctu-
plo não é obtido por qualquer mortal comum’, esse alguém, também,
calunia o Buda, o Dharma e a Sangha. Oh bom homem! Se uma pessoa
diz: ‘Todas as pessoas definitivamente possuem ou definitivamente
não possuem a Natureza de Buda’, essa pessoa também calunia o Bu-
da, o Dharma e a Sangha.

Oh bom homem! Esse é o porquê Eu digo num sutra: ‘Há dois tipos de
pessoas que caluniam o Buda, o Dharma e a Sangha’. Estas são: 1) a-
quela que não acredita e fala com uma mente irada, e 2) aquela que,
embora acredite, não alcança o significado.

Oh bom homem! Se uma pessoa não possui fé e Sabedoria, essa pes-


soa aumenta a sua ignorância. Se uma pessoa possui Sabedoria, mas
não a fé, essa pessoa aumenta as visões distorcidas.

Oh bom homem! Uma pessoa que não tem fé diz, com uma mente
irada: ‘Não pode haver qualquer Buda, Dharma e Sangha’.

Capítulo 42: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 3 Página 317


Se uma pessoa acreditasse, mas não tivesse Sabedoria, essa pessoa
compreenderia as coisas de uma forma invertida e faria com que aque-
les que dessem ouvido aos sermões caluniassem o Buda, o Dharma, e a
Sangha. Oh bom homem! Por essa razão, Eu digo que alguém que não
tem fé e que tem uma mente irada, e alguém que tem fé mas não Sa-
bedoria, calunia o Budha, o Dharma e a Sangha. Assim Eu digo.

Oh bom homem! Se uma pessoa diz: ‘O icchantika, não tendo chegado


ao Dharma Maravilhoso, atinge o Insuperável Bodhi’, essa pessoa calu-
nia muito o Buda, o Dharma e a Sangha. Se uma pessoa diz: ‘O icchan-
tika abandona o estado de icchantika e atinge o Insuperável Bodhi num
corpo diferente’, essa pessoa, também, pode-se dizer que calunia o
Buda, o Dharma e a Sangha. Também, uma pessoa pode dizer: ‘O ic-
chantika pode adquirir as raízes do bem, continuar a possuí-las, e pode
atingir o Insuperável Bodhi. Assim, o icchantika atinge o Insuperável
Bodhi’. Saiba que essa pessoa não calunia os Três Tesouros.

Oh bom homem! Uma pessoa pode dizer que definitivamente todos


possuem a Natureza de Buda, que o Eterno, Êxtase, o Eu, e o Puro não
são o que foi criado ou nascido, e que somente devido às impurezas as
pessoas não podem vê-los. Saiba que essa pessoa calunia o Buda, o
Dharma e a Sangha. Se uma pessoa diz que todos os seres não possu-
em a Natureza de Buda, como no caso dos chifres de uma lebre, que
tudo surge através de expedientes, e que eles são o que não foi mas
agora é, ou o que outrora foi mas agora não é, saiba que essa pessoa
calunia o Buda, o Dharma e a Sangha. Se uma pessoa diz: ‘A Natureza
de Buda dos seres não existe como o Vazio, nem é algo que ‘não-é’
[isto é, algo que não existe], como os chifres de uma lebre. Por que é
assim? Porque o Vazio é eterno, e não existe tal coisa no mundo como
os chifres de uma lebre. Assim, podemos dizer ou ‘é’ ou ‘não-é’. Como
ela é um ‘é’, ela quebra os chifres da lebre [isto é, não pode ser compa-
rada aos chifres de uma lebre que não existem], e como ela é vaga (não
substancial), ela realmente quebra o Vazio’. Qualquer pessoa que fale
assim não calunia os Três Tesouros.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 318


Oh bom homem! A Natureza de Buda não é uma coisa, nem 10 coisas,
nem 100 coisas, nem 1.000 coisas, e nem 10.000 coisas. Quando o
Insuperável Bodhi ainda não foi atingido, tudo de bom e mau, e tudo o
que é neutro (nem bom e nem mau), pode cair dentro da categoria da
Natureza de Buda. O Tathagata às vezes fala da fruição no estado de
causa, ou às vezes da causa no estado de fruição. Isto é o que chama-
mos de palavras que o Tathagata fala seguindo a sua própria vontade.
Em razão das coisas faladas pela própria e livre vontade do Tathagata,
o chamamos ‘Tathagata’. Devido ao fato de que [suas palavras são]
faladas da sua livre vontade, dizemos ‘Arhat’. Devido ao fato de que
[suas palavras são] faladas da sua própria e livre vontade, dizemos
‘Samyaksambuddha’ [isto é, Plenamente Desperto].”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo!


Você, o Buda, diz: ‘A Natureza de Buda dos seres é como o Vazio’. Por
que você diz Vazio?”

“Oh bom homem! A natureza do Vazio não é passado, futuro ou pre-


sente. É o mesmo com a Natureza de Buda, também. Oh bom homem!
O Vazio não é o passado. Por que não? Porque ele é meramente o que
é agora. Se algo existe no presente, podemos perfeitamente falar do
passado. Como não há presente sobre o qual falar, não pode haver
qualquer passado sobre o qual falar. E também, não há presente sobre
o qual falar. Por que não? Por que não há nada como futuro. Se houver
algo como futuro, podemos perfeitamente falar do presente. Como
não há futuro, não há presente. E também, não há futuro. Por que
não? Por não haver nada como presente ou passado. Se houver o pre-
sente e o passado, pode haver o futuro. Como não há passado e pre-
sente, não há futuro. Por causa disto, a natureza do Vazio não cai na
categoria dos Três Tempos.

Oh bom homem! Não há Vazio. Por conta disto, não há os Três Tem-
pos. Não é que como há os Três Tempos, não há Três Tempos. Para a
flor o Vazio não existe. Isto é como no caso em que não há Três Tem-

Capítulo 42: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 3 Página 319


pos. O caso é assim. O mesmo é o caso com o Vazio, também. Como
este não é um ‘é’, não pode haver Três Tempos.

Oh bom homem! Se nada existe, isso é o Vazio. O mesmo é o caso com


a Natureza de Buda, também. Oh bom homem! Como o vazio é nulo
(vago), ele não cai na categoria dos Três Tempos. Como a Natureza de
Buda é Eterna, ela não está dentro da categoria dos Três Tempos.

Oh bom homem! Como o Tathagata alcançou o Insuperável Bodhi, a


Natureza de Buda que ele possui e todos os ensinamentos Budistas
vêm a ser, não havendo mudança. Por isso, não há Três Tempos. Isto é
como no caso do Vazio.

Oh bom homem! Como o Vazio não é nada que possa ser representa-
do, não está nem ‘dentro’ e nem ‘fora’. Como a Natureza de Buda é
Eterna, não há ‘dentro’ ou ‘fora’. Este é o porquê Eu digo que a Nature-
za de Buda é como o Vazio.

Oh bom homem! No mundo, quando não há obstrução, falamos de


vacuidade. Como o Tathagata atingiu a Insuperável Iluminação, ele
nada vê que obstrua dentro do Buda-Dharma. Este é o porquê Eu digo
que a Natureza de Buda é como o Vazio. Por essa razão é que Eu digo:
‘A Natureza de Buda é como o Vazio’.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo!


Você diz que o Tathagata, a Natureza de Buda, e o Nirvana não caem
na categoria dos Três Tempos. E você declara que é ‘é’ [isto é, o Tatha-
gata, a Natureza de Buda e o Nirvana]. O Vazio também não cai na
categoria dos Três Tempos. Por que não podemos chamá-lo de ‘é’?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Devido ao não-Nirvana, falamos de


Nirvana. Devido ao não-Tathagata, falamos do Tathagata. Devido à
não-Natureza de Buda, falamos da Natureza de Buda.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 320


Por que dizemos ‘não-Nirvana’? Todas as impurezas estão fundamen-
tadas naquilo que é criado. Para aniquilar essas impurezas das coisas
criadas, dizemos Nirvana. ‘Não-Tathagata’ se refere a desde o icchanti-
ka até o Pratyekabuda. No sentido de aniquilar aqueles desde o icchan-
tika até o Pratyekabuda, dizemos Tathagata. Dizemos ‘não-Natureza de
Buda’. Isto se refere a todos os baluartes, cascalhos, pedras e coisas
não-sencientes. Afasta-se de todas essas coisas não-sencientes. E isto é
a Natureza de Buda.

Oh bom homem! Em todo o mundo, não há nada que compita com o


Vazio que é não-Vazio.”

O Vazio Como ‘Não-É’

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! No


mundo, não temos os negativos apropriados [opostos, antônimos] dos
quatro grandes elementos. No entanto, dizemos que existem os quatro
grandes elementos. Por que não podemos chamar algo que existe de
impertinência do Vazio?”

O Vazio Como ‘Não-É’ - Nirvana

O Buda disse: “Oh bom homem! Você pode dizer que Nirvana não cai
na categoria dos Três Tempos e desse modo é Vazio. Mas isto não é
assim. Por que não? ‘Nirvana é uma existência, algo visível, aquilo que
é verdadeiro, matéria, a pegada (impressão do pé), a sentença e a pa-
lavra, aquilo que é, características, o por causa, o refúgio que se toma,
quietude, luz, paz, e a outra margem’. Esse é o porquê podemos dizer
que ele não cai dentro da categoria dos Três Tempos. Com a natureza
do Vazio, não há nada assim. Esse é o porquê dizemos ‘não-é’. Caso
houvesse qualquer outra coisa senão isto (um ‘não-é’), poderíamos
perfeitamente dizer que ele cai na categoria dos Três Tempos. Se a
Vacuidade fosse uma coisa do ‘é’, ela não poderia ser outra coisa senão
Capítulo 42: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 3 Página 321
algo da categoria dos Três Tempos. Oh bom homem! As pessoas do
mundo falam da vacuidade como não-matéria, como algo que não tem
oposto, e é invisível. O caso é assim. Se ela não é matéria, algo sem
oposto, e invisível, ela deve ser caitasika [ou cetasika = fatores mentais:
São os fatores mentais que estão associados e que surgem em conco-
mitância com a consciência (citta=viññana) e que são condicionados
pela presença desta. Enquanto que nos sutras todos os fenômenos da
existência são agrupados em 5 agregados: forma (rupa), sensa-
ção (vedana), percepção (sañña), formações mentais(sankhara), cons-
ciência (viññana), o Abhidhamma, como regra, trata os fenômenos sob
um aspecto mais filosófico em três aspectos: consciência (citta), fatores
mentais (cetasika) e forma (rupa). Dessa forma, os fatores mentais
compreendem a sensação, percepção e 50 outros fatores, o que no
todo resulta em 52 fatores mentais. Ver em
http://www.acessoaoinsight.net/glossario.php#C]. Se a Vacuidade é da
categoria dos caitasika, ela não pode ser diversa da categoria dos caita-
sika. Se for da categoria dos Três Tempos, não pode ser diversa dos
quatro agregados [skandhas]. Portanto, com exceção dos quatro agre-
gados, não pode haver Vacuidade.

O Vazio Como ‘Não-É’ - Luz

Também, além disso, oh bom homem! Todos os tirthikas dizem que o


Vazio é luz. Se for luz, é matéria. Se o Vazio é matéria, ele é não-eterno.
Se não-eterno, ele cai na categoria dos Três Tempos. Como os tirthikas
podem dizer que ele não é dos Três Tempos? Se for dos Três Tempos,
não é o Vazio. E como alguém pode dizer que o Vazio é não-Eterno?

O Vazio Como ‘Não-É’ - Lugar

Oh bom homem! E alguém diz que o Vazio é um lugar onde se vive. Se


for um lugar onde se vive, é matéria. E todos os lugares são não-
sencientes e caem na categoria dos Três Tempos. Como poderia o Va-

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 322


zio não ser Eterno e não cair na categoria dos Três Tempos? Se há al-
gum lugar sobre o qual falar, dever-se-ia saber que não pode existir o
Vazio [lá].

O Vazio Como ‘Não-É’ – Gradual

Também, algumas pessoas dizem que o Vazio é gradual. Se for gradual,


pode ser um caitasika (fator mental). Se for contável (mensurável), ele
cai na categoria dos Três Tempos. Se ele pertence aos Três Tempos,
como ele pode ser Eterno?

O Vazio Como ‘Não-É’ – Três Coisas

Oh bom homem! Também, algumas pessoas dizem: ‘Ora, o Vazio nada


mais é que essas três coisas: 1) Vazio, 2) Real, e 3) Vazio-Real’. Se dis-
sermos que isto é o Vazio, dever-se-ia saber que o Vazio é não-eterno.
Por quê? Porque ele não tem um lugar efetivo para existir. Se for dito
que ele realmente é isto, devemos saber que o Vazio é não-eterno. Por
quê? Porque não é nulo (vago). Se dissermos ‘Vazio-Real’, podemos
saber que o Vazio é não-eterno. Por quê? Porque nada pode existir em
dois lugares. Por isso, o Vazio é nulo.

O Vazio Como ‘Não-É’ – Desimpedimento

Oh bom homem! As pessoas do mundo podem dizer: ‘Qualquer lugar


do mundo onde não haja impedimento [obstáculo] é o Vazio’. Um lu-
gar onde não há nada para obstruir é um completo ‘é’. Como pode
qualquer existência ser parcial? Se for um completo ‘é’, pode-se saber
que não há Vazio em outros lugares. Se for parcial, isso é uma coisa
contável. Se contável, é não-eterna.

Capítulo 42: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 3 Página 323


O Vazio Como ‘Não-É’ – Co-Existência

Oh bom homem! Uma pessoa pode dizer: ‘O Vazio co-existe com o ‘é’
desobstruído’. Ou alguém pode dizer: ‘O Vazio existe dentro de uma
coisa. É como o fruto dentro de um recipiente’. Nenhum deles é o caso.
Há três tipos de co-existência, a saber: 1) coisas feitas diferentemente
tornam-se unas, como no caso dos pássaros voando que se juntam
numa árvore; 2) duas coisas comuns entre si tornam-se unas, como no
caso de duas ovelhas que entram em contato; 3) co-existência de pares
daqueles que se reúnem para existir no mesmo lugar. Dizemos ‘dife-
rentes coisas se juntam’. Há dois tipos de diferenças. Um é uma ‘coisa’
(objeto), e o outro é o Vazio (como no caso do par lacuna-intersticial).
Se a Vacuidade se junta com a coisa, essa Vacuidade deve ser não-
eterna. Se uma coisa se junta com o Vazio, a coisa deixa de ser unilate-
ral (individual, desigual, assimétrica). Se já não há nada que seja unila-
teral, novamente é não-eterno.

O Vazio Como ‘Não-É’ – Eterno

Uma pessoa pode dizer: ‘O Vazio é eterno; e a sua natureza é imóvel.


Esta (natureza) se junta com o que se move’. Mas, isto não é assim. Por
que não? Se o Vazio é eterno, a matéria, também, deveria ser eterna.
Se a matéria é não-eterna, o Vazio, também, deve ser não-eterno.

O Vazio Como ‘Não-É’ – Dual

Uma pessoa pode dizer: ‘O Vazio é, também, tanto o eterno como o


não-eterno’. Isto está em desacordo com a razão. Uma pessoa pode
dizer que coisas com partes comuns se juntam. O caso não é assim. Por
que não? O Vazio é onipenetrante. Se ele junta-se com o que é criado,
o que é criado também deveria tornar-se onipenetrante. Se ele pene-
tra, tudo deve ser penetrante. Se tudo for onipenetrante, tudo pode
ser juntado em um. Não podemos dizer que ambos possam existir,

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 324


junção e não-junção. Uma pessoa pode dizer: ‘Aquilo que esteve junto,
junta-se novamente, como no caso de dois dedos que se unem’. Mas,
isto não é assim. Por que não? A união não pode preceder (anteceder).
A união surge depois. Se o que não existia antes vem a existir, isto é
nada mais que o não-eterno. Por isso, não podemos dizer: ‘O Vazio é
aquilo que já esteve junto e [que agora] se junta’. O que se obtém no
mundo é aquilo que não existia antes, mas que depois surge. Isto é
como com uma coisa que não tem eternidade. Se o Vazio se situa nu-
ma coisa como o fruto dentro de um recipiente, se for assim, ele tam-
bém deve ser não-eterno. Uma pessoa pode dizer que se o Vazio se
situa numa coisa, ele é como o fruto num recipiente. Mas, isto não é
assim. Por que não? Onde o Vazio em questão poderia existir, não
tendo o recipiente às mãos? Se há qualquer lugar [para ele] existir, o
Vazio teria que ser muitos. Se muitos, como diríamos eterno, uno, e
onipenetrante? Se o Vazio existe em lugares fora do Vazio, então uma
coisa poderia perfeitamente subsistir sem o Vazio. Assim, saiba-se que
não pode haver tal coisa (dual) como (sendo) o Vazio.

O Vazio Como ‘Não-É’ – Direção

Oh bom homem! Se uma pessoa diz: ‘O lugar que se pode apontar é


Vazio’, saiba que o Vazio é algo não-eterno. Por quê? Temos quatro
direções para apontar. Se há os quatro quadrantes, saiba que o Vazio,
também, deveria possuir as quatro direções. Tudo o que é eterno não
tem direção para apontar. Ter direções significa que o Vazio, por con-
seguinte, é não-eterno. Se não-eterno, não está distante dos cinco
skandhas. Se alguém dissesse que certamente há separação dos cinco
skandhas, não haveria lugar para (ele) existir. Oh bom homem! Se exis-
te alguma coisa através de relações causais, podemos saber que tal
coisa é não-eterna. Oh bom homem! Por exemplo, todos os seres e
árvores se apóiam no chão. Como o chão é não-eterno, o que se apoia
no chão é, por conseguinte, não-eterno.

Capítulo 42: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 3 Página 325


O Vazio Como ‘Não-É’ – Elemento

Oh bom homem! A terra está sobre a água. Como a água é não-eterna,


a terra, também, é não-eterna. A água paira sobre o vento, e como o
vento é não-eterno, a água, também, é não-eterna. O vento repousa
sobre o espaço, e como o espaço é não-eterno, o vento, também, é
não eterno. Se é não-eterno, como podemos dizer: ‘O Vazio é eterno e
preenche o espaço’? Como o Vazio é nulo, ele não tem passado, futuro
ou presente. Como os chifres de uma lebre não são uma coisa, eles não
têm passado, futuro ou presente. As coisas são assim. Portanto, Eu
digo: ‘Como a Natureza de Buda é eterna, ela não cai dentro da catego-
ria dos Três Tempos. Como o Vazio é Vazio, ele não cai dentro da cate-
goria dos Três Tempos’.

Oh bom homem! Eu nunca brigo com o mundo. Por que não? Se o


conhecimento mundano diz ‘é’, Eu digo ‘é’; se o conhecimento mun-
dano diz ‘não-é’, Eu, também, digo ‘não-é’.”

Como a Utpala – O Lótus Azul

O Bodhisattva Kashyapa disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Quantas


coisas se requerem de um Bodhisattva-Mahasattva para que seja per-
feito, de modo que ele não brigue com o mundo, e não se torne im-
pregnado e contaminado pelo o que se obtém no mundo?”

O Buda disse: “O Bodhisattva-Mahasattva é perfeito em dez coisas, não


briga com o mundo e não se torna impregnado e contaminado pelo o
que se obtém no mundo. Quais são as dez? Elas são: 1) fé, 2) observân-
cia dos preceitos, 3) aproximação de um bom amigo, 4) refletir (medi-
tar) bem dentro de si próprio, 5) esforços, 6) lembrança correta, 7)
Sabedoria, 8) palavras corretas, 9) zêlo pelo Dharma Maravilhoso, e 10)
piedade para com todos os seres. Oh bom homem! Como o Bodhisatt-
va-Mahasattva é perfeito nessas dez coisas, ele não briga com o mundo

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 326


e não se torna impregnado e maculado pelo o que se obtém no mun-
do, como no caso da Utpala.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo!


Você, o Buda, diz que se diz ‘é’ se o conhecimento mundano disser ‘é’,
e se o conhecimento mundano disser ‘não-é’, diz-se ‘não-é’. Mas, o que
vem a ser ‘é’ e ‘não-é’ do conhecimento mundano?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Isso é como quando o mundo diz: ‘A
matéria é não-eterna, sofrimento, vazio, e não-Eu’, e as coisas se pas-
sam assim até a consciência. Oh bom homem! Isto é o que o conheci-
mento mundano diz que é um ‘é’, e Eu, também, digo que é um ‘é’. Oh
bom homem! O conhecimento mundano diz que a matéria nada tem
do Eterno, Êxtase, do Eu e do Puro. Assim se diz do sentimento, per-
cepção, volição, e consciência. Oh bom homem! Isto é onde o conhe-
cimento mundano diz ‘não-é’. Eu, também, digo ‘não-é’.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo!


Aqueles que são sábios são todos Bodhisattvas e pessoas sagradas. Por
que é que quando o conhecimento mundano diz que a matéria é não-
eterna, sofrimento, vazio, e não-Eu, o Tathagata diz que o corpo carnal
do Buda é Eterno e Imutável? O que o sábio do mundo diz não tem lei
[nada do Dharma]. Por que o Tathagata diz ‘é’? E como você pode dizer
que você não briga com o mundo e que você não se torna impregnado
e maculado pelas coisas mundanas? O Tathagata já está distante dos
três tipos de inversões, quais sejam as inversões da imagem mental, da
mente, e das visões mundanas. Enquanto o Buda deveria estar dizendo
que a matéria é realmente não-eterna, você agora diz que ela é eterna.
Como você pode dizer que se afasta das inversões e que você não briga
com o mundo?”

O Buda disse: “Oh bom homem! A matéria [isto é, a forma física, ‘ru-
pa’] dos mortais comuns surge das impurezas. Por isso, Eu digo que no
conhecimento mundano a matéria é não-eterna, sofrimento, vazio, e

Capítulo 42: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 3 Página 327


não-Eu. A matéria do Tathagata segrega-se das impurezas. Assim, Eu
digo Eterna e Imutável.”

O Bodhisattva Kashyapa disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Como a ma-


téria surge das impurezas?”

“Oh bom homem! Há três tipos de impurezas, as quais são as secre-


ções [‘asvaras’, fluxo negativo] de: 1) desejo, 2) o ‘é’, e 3) ignorância.
Aquele que é sábio deve meditar sobre os três pecados que surgem
dessas três secreções. Por quê? Quando se percebe o pecado, afasta-se
dele. Por exemplo, isto é como com um médico que primeiro olha,
sente o pulso, vê onde a doença reside, e então receita o remédio. Oh
bom homem! Um homem leva uma pessoa cega para dentro de um
arbusto espinhoso, lhe abandona lá e volta para casa. Então, a pessoa
cega encontra dificuldades para sair. Mesmo que ela saia, seu corpo
estará cheio de feridas. É o mesmo com os mortais comuns do mundo.
Se for incapaz de ver os males das três impurezas, a pessoa se adapta a
eles e age. [Uma vez] vistos os males, afasta-se deles. Através da visão
das retribuições cármicas, pode-se ter que sofrer os efeitos dos peca-
dos, mas sofre-se pouco.

Oh bom homem! Há quatro tipos de pessoas. Um é a pessoa que tra-


balha duro quando age, mas surgem retornos leves quando ela tem
que sofrê-los. Outro é alguém cujo trabalho é leve quando age, mas o
retorno é pesado. O terceiro (tipo) é a pessoa que trabalha duro por
ocasião da ação e também quando o retorno surge. O quarto é a pes-
soa cujo trabalho é leve durante a ação e também quando o retorno
surge. Oh bom homem! Se alguém vê [isto é, percebe] através dos
males das impurezas, o trabalho é leve tanto por ocasião da ação quan-
to por ocasião do recebimento da retribuição cármica.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 328


Meditar Sobre Impurezas

Oh bom homem! Alguém que tenha Sabedoria pensa: ‘Devo afastar-


me dessas impurezas e não devo fazer coisas rebaixadas e vis. Por que
não? Porque [de outra forma] não posso livrar-me das retribuições
cármicas do inferno, dos espíritos famintos, dos animais, humanos e
celestiais. Ao praticar a Via, através desse poder, acabarei com todos
esses sofrimentos’. Pensando assim, o que a pessoa comete é leve com
relação à cobiça, má-vontade, e ignorância. Sendo leves a cobiça, a má-
vontade e a ignorância, a pessoa é feliz. Ela ainda pensa: ‘Agora sim,
através do poder da prática da Via, afasto-me das coisas más e posso
aproximar-me do Dharma Maravilhoso. Assim eu conquisto a Via Cor-
reta. Agora farei esforços e crescerei’. Ora, essa pessoa acaba com
todas as inumeráveis más impurezas, e está livre das retribuições do
inferno, espíritos famintos, animais, e aquelas dos humanos e celesti-
ais. Por isso, Eu digo nos meus Sutras: ‘Deve-se meditar sobre todas as
impurezas e sobre as causas das impurezas’. Por quê? Caso alguma
pessoa sábia medite sobre as impurezas, mas não sobre as causas das
impurezas, ela não será capaz de acabar com as impurezas. Por quê?
Porque qualquer pessoa sábia pode ver o que surgirá da causa das
impurezas. Eu agora estou apartado da causa, e as impurezas não sur-
gem.

Oh bom homem! Isto é como no caso de um médico. Uma vez que ele
remova a causa, a doença não mais levantará a sua cabeça. É o mesmo
com a pessoa sábia que extirpa a causa das impurezas. Alguém que
seja sábio deve primeiro meditar sobre a causa e, depois, sobre o efei-
to. Ele vê que bons resultados surgem de uma boa causa, e os maus
(resultados) vêm do que é mau. Ao meditar sobre o resultado que sur-
ge, ele acaba com a causa. Tendo meditado sobre o resultado que sur-
girá, ele deve ainda meditar sobre a leveza e o peso das impurezas.
Tendo meditado sobre leveza e o peso, primeiro ele acaba com o que é
pesado. Quando se acabou com o que é pesado, o que é leve irá embo-
ra por si.

Capítulo 42: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 3 Página 329


Oh bom homem! Se a pessoa sábia percebe as impurezas, a causa das
impurezas, o resultado das impurezas, e a leveza e o peso das impure-
zas; aquela pessoa empreenderá esforços na Via, não cessará, e não
sentirá remorso. Essa pessoa se associará com um Bom Amigo e dará
ouvido ao Dharma com a mente mais sincera. Isto é tudo para acabar
com as impurezas.

Os Skandhas do Sábio

Oh bom homem! Quando uma pessoa adoecida sabe que sua doença é
leve e que poderá ser facilmente curada, ela não se sentirá infeliz
quando um remédio amargo lhe for prescrito, e o tomará. É o mesmo
caso com a pessoa sábia, também. Ela faz esforços, pratica a Via Sagra-
da, é feliz, não cessa (os esforços), e não sente pesar.

Oh bom homem! Se uma pessoa vem a conhecer as impurezas, a causa


das impurezas, o resultado das impurezas, a leveza e o peso das impu-
rezas; ela fará esforços, eliminará as impurezas e praticará a Via. Com
essa pessoa, a ‘matéria’ [forma física] não surge, nem provoca senti-
mento, percepção, volição, e consciência. Se uma pessoa não vê as
impurezas, a causa das impurezas, o resultado das impurezas, a leveza
e o peso das impurezas, e não empreende esforços na prática da Via;
para essa pessoa a matéria, sentimento, percepção, volição, e consci-
ência surgirão.

Oh bom homem! ‘Aquele’ que vê as impurezas, a causa das impurezas,


o resultado das impurezas, a leveza e o peso das impurezas, e que pra-
tica a Via é o Tathagata. Por essa razão, o corpo [‘rupa’] do Tathagata é
Eterno. Assim é com [‘seu’] sentimento, percepção, volição, e consci-
ência, os quais são todos Eternos.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 330


Capítulo Quarenta e Três: Sobre o Bodhisattva
Kashyapa 4
[O Buda disse:] “Oh bom homem! Uma pessoa que não conhece as
impurezas, a causa das impurezas, o resultado das impurezas, a leveza
e o peso das impurezas, e que não pratica a Via é um mortal comum.
Assim, a forma material dos mortais comuns é não-eterna, e tudo isso
como [seu] sentimento, percepção, volição, e consciência são não-
eternos.

Oh bom homem! O sábio do mundo, todas as pessoas sagradas, os


Bodhisattvas, e todos os Budas falam desses dois significados. Eu, tam-
bém, falo assim. Esse é o porquê Eu digo: ‘Eu não brigo com o sábio do
mundo. Eu não sou impregnado e maculado pelo o que se obtém no
mundo’.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! O


Buda fala sobre as impurezas das três existências. Quais são as impure-
zas do desejo, da existência, e da ignorância?”

A Impureza do Desejo (o Preconceito)

O Buda disse: “Oh bom homem! Falemos da impureza do desejo, a


qual se deve à má sensação interna que sobe à cabeça, provocada por
relações causais externas. Esse é o porquê, em tempos passados, em
Rajagriha, Eu disse a Ananda: ‘Aceite agora o gatha [verso] que a mu-
lher declama. Esse gatha é o que os Budas do passado falaram’. Por
essa razão, Eu digo que a má sensação interna e as relações causais
que operam a partir de fora são desejo. Isto é a impureza do desejo.

Capítulo 43: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 4 Página 331


As Impurezas da Ignorância

As impurezas (da ignorância) são todas aquelas más sensações mentais


nos mundos da forma e da não-forma, e as relações causais que ope-
ram a partir de fora, com exceção de todas as relações causais que
operam a partir de fora e as sensações mentais do mundo do desejo (já
descritas acima - as três existências são os mundos da forma, não-
forma, e desejo). Chamamos isso de impurezas. Falemos da impureza
da ilusão. Quando alguém não conhece a si próprio e o que lhe perten-
ce, e quando falha em ver a diferença entre as coisas dentro e fora,
dizemos que há impurezas da ignorância.

Oh bom homem! A ignorância é a raiz de todas as impurezas. Por quê?


Todos os seres, devido às relações causais da ignorância, evocam todas
as imaginações e formas nos campos dos cinco skandhas, das 12 esfe-
ras, e dos 18 reinos [dos sentidos]. Estas são noções invertidas quanto
à imagem, mente, e visão de mundo. Disto, todas as impurezas sur-
gem. Portanto, Eu estabeleço nos 12 tipos de sutras: ‘A ignorância é a
causa da cobiça, a causa da má-vontade (indolência), e a causa da
(própria) ignorância’.”

O Bodhisattva Kashyapa disse: “Oh Honrado pelo Mundo! O Tathagata


certa vez disse nos 12 tipos de sutras: ‘As relações causais do pensa-
mento sobre coisas más evocam a cobiça, a má-vontade, e a ignorân-
cia’. Por que você agora diz (atribui isso à) ignorância?”

“Oh bom homem! Essas coisas tornam-se a causa e o efeito uma da


outra, e crescem. O mau pensamento evoca a ignorância, e a relação
causal da ignorância evoca o mau pensamento. Oh bom homem! Tudo
o que aumenta as ilusões é a relação causal das ilusões. Qualquer ação
que favoreça a relação causal da ilusão é chamada de mau pensamen-
to da ignorância. Uma semente evoca um broto. Essa semente é a cau-
sa próxima; os quatro grandes elementos são a causa distante. O mes-
mo é o caso com a ilusão.”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 332


O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Você, o Buda, diz que a igno-
rância é uma impureza. Como você pode dizer que a ignorância evoca
todas as impurezas?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Eu falo das impurezas da ignorância.


Isto se refere à ignorância interna. Se todas as impurezas vêm da igno-
rância, isto é nada mais que a causa do ‘interno’ e ‘externo’. Se a igno-
rância é uma impureza, isto é uma inversão interna, que diz respeito à
ignorância do não-eterno, sofrimento, vacuidade, e não-Eu. Se a igno-
rância é estabelecida como sendo a relação causal de todas as ilusões,
isto significará que não se conhece o eu e o que pertence ao eu, no que
concerne às relações exteriores. Se é feita referência às impurezas da
ignorância, isto nada mais é que não-princípio (não-surgimento) e não-
fim (eternidade). Da ignorância surgem os cinco skandhas, os 18 reinos,
e as 12 esferas.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo!


Você, o Buda, diz: ‘A pessoa que possui Sabedoria conhece a causa das
impurezas’. Como você pode dizer que essa pessoa conhece a causa da
ilusão?”

“Oh bom homem! Alguém que seja sábio meditará e tentará saber por
que essa ilusão surge, quando essa ilusão surge, quando se vive com
ela, em que lugar se adquire isto, vendo o que, na casa de quem, ao
receber que roupas de cama, comida e bebida, roupas, e remédios.
Através de que relações causais o baixo vem a ser o médio, o médio
vem a ser o alto, as ações rebaixadas vêm a ser as médias, e as médias
vêm a ser aquelas elevadas? Quando o Bodhisattva-Mahasattva pensa
dessa maneira, ele corta as ilusões que tinha desde o nascimento. Co-
mo ele pensa dessa maneira , isto bloqueia as ilusões que ainda não
surgiram impedindo-lhes de surgir, e as ilusões que já surgiram são
aniquiladas. Esse é o porquê Eu digo no meu sutra: ‘Uma pessoa que
tem Sabedoria deve meditar sobre a causa da ilusão’.”

Capítulo 43: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 4 Página 333


O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo!
Quais os diversos tipos de ilusões um simples corpo de um ser evoca?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Um único recipiente guarda dentro de


si várias sementes. Quando a água e a chuva vêm, cada uma delas bro-
ta. É o mesmo com os seres. Devido às relações causais do desejo, sur-
gem vários tipos de ilusões.”

O Bodhisattva Kashyapa disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Como uma


pessoa sábia medita sobre a fruição do carma?”

“Oh bom homem! Uma pessoa que é sábia deveria pensar: ‘As relações
causais de todas as impurezas realmente evocam [renascimento nos
reinos do] inferno, espíritos famintos, e animais. As relações causais
dessas impurezas concedem a uma pessoa o corpo de um humano ou
de um ser celestial. Estes são não-eternos, sofrimento, Vazio, e não-Eu.
Nesse receptáculo do corpo carnal, adquirimos três sofrimentos e três
não-eternos. As relações causais dessas impurezas realmente levam os
seres a cometerem os cinco pecados mortais [isto é, matar o pai, matar
a mãe, matar um Arhat, causar dissensão na Sangha, e ferir (fazer fluir
sangue do corpo de) um Buda], em conseqüência de que os humanos
recebem más retribuições, e em conseqüência de que os humanos
eliminam as sementes do bem, cometem as quatro graves ofensas [isto
é, matar, roubar, a luxúria ilegal, e a mentira], e caluniam os Três Te-
souros’. Uma pessoa sábia deveria meditar e pensar: ‘Não devo adqui-
rir esse corpo e evocar essas impurezas, e sofrer essas más conseqüên-
cias’.”

O Bodhisattva Kashyapa disse: “Você diz que há resultados puros, e o


sábio aparta-se dos resultados cármicos. A fruição pura repousa naqui-
lo que cortamos ou não. Todos aqueles que alcançam a Via ganham as
fruições puras. Se o sábio busca a fruição pura, por que o Buda diz que
todos os sábios devem apartar-se das fruições? Se cortadas, como
poderia haver todas essas pessoas sagradas?”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 334


“Oh bom homem! O Tathagata, às vezes, fala do resultado na causa.
Isto é como quando as pessoas do mundo dizem que o barro é um vaso
ou um fio é roupa. Isto é falar do resultado enquanto ainda no estágio
de causa. Dizemos que a causa está estabelecida no estágio de resulta-
do. Isto é como quando uma vaca surge do capim aquoso e um huma-
no surge da comida. Eu, também, falo do resultado na causa. Eu já
estabeleci nos sutras: ‘Através da minha mente, Eu adquiro o corpo do
Brahma’. Isto é falar do resultado na causa. Eu falo da causa no estágio
de resultado. Isto é como em: ‘As seis esferas surgem do carma passa-
do’. Isto é onde Eu falo da causa no estágio de resultado.

Oh bom homem! Todas as pessoas sagradas, para dizer a verdade, não


têm [sic!] resultados puros. Todos os resultados da prática da Via das
pessoas sagradas não evocam quaisquer impurezas. Assim, falamos de
‘resultados puros’.

Oh bom homem! Uma pessoa que tem Sabedoria vê as coisas assim, e


finalmente acaba com os resultados das impurezas. Oh bom homem!
Uma pessoa sábia vê as coisas assim e pratica a Via Sagrada, de modo a
cortar os resultados das impurezas. A Via Sagrada é nenhuma outra
senão o Vazio, amorfia (não-forma), e não-desejo. Ao praticar essa Via,
a pessoa de fato corta os resultados das impurezas.”

Capítulo 43: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 4 Página 335


Capítulo Quarenta e Quatro: Sobre o Bodhisattva
Kashyapa 5

O Remédio Todo-Maravilhoso dos Himalayas

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Todos os seres colhem o fruto


cármico das impurezas. Impureza é maldade. A impureza que surge das
más impurezas é [também] má. Caso afirmativo, há dois tipos. Um é a
‘causa’, e o outro o ‘efeito’. Como a causa é má, o efeito é mau. Como
a fruição é má, a semente é má. Isso é como a fruta ‘nimba’. Como a
semente é amarga, a flor, a fruta, a haste e as folhas são todas amar-
gas. Isso é como a semente de uma árvore venenosa, onde como a
semente é venenosa, a fruta também é venenosa. A causa é o ser e o
efeito é o ser. A causa é impura, e o efeito também é impuro. A causa e
o efeito das impurezas são os seres, e os seres são a causa e o efeito
das impurezas. Se esta é, de fato, a inferência, por que o Tathagata
emprega a parábola da grama nos Himalayas que é venenosa, mas
[também] um remédio todo-maravilhoso? Se dissermos que impureza
é o ser e o ser é impureza, como podemos dizer que há um remédio
maravilhoso no corpo de um ser?”

O Buda disse: “Bem falado, bem falado, oh bom homem! Inumeráveis


seres têm a mesma dúvida. Você agora faz bem de indagar por uma
resposta. Tornarei esse ponto claro também. Ouça bem, ouça bem!
Pense bem a respeito disto. Estabelecerei isto claramente agora e ex-
plicarei para você.

Oh bom homem! Eu falo dos Himalayas na minha parábola, em alusão


aos seres ali. A grama venenosa refere-se às impurezas, e o remédio
todo-maravilhoso refere-se às ações puras. Oh bom homem! Quando
os seres praticam essas ações puras, dizemos que eles possuem um
remédio todo-maravilhoso dentro deles.”

Capítulo 44: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 5 Página 337


O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo!
Como um ser possui ações puras?”

“Oh bom homem! No mundo, vemos que uma semente evoca o fruto.
Agora, há casos onde essa semente, às vezes, torna-se a causa do fruto.
Ou há casos onde não se torna. Ela somente pode ser chamada ‘se-
mente’ e ‘fruto’ quando as coisas se procedem assim (isto é, ela é a
causa do fruto). Quando as coisas não se procedem assim, dizemos
somente ‘fruto’, e não ‘semente’. É o mesmo com os seres. Todos têm
dois tipos [de ações]. Com um, é o efeito (fruto) da impureza, e tam-
bém a causa (semente) da impureza. Com o outro, é o fruto da impure-
za, mas não a causa (semente) da impureza. Quando é o fruto da impu-
reza, mas não a causa da impureza, chamamos isto de ‘ação pura’. Oh
bom homem! Os seres meditam sobre o sentimento e vêm à saber que
este é a causa próxima de todas as impurezas. Em razão do sentimen-
to, uma pessoa não pode cortar todas as impurezas que estão dentro e
fora. Todas as impurezas, também, são incapazes de sair da prisão dos
três mundos. Os seres, devido aos sentimentos, aderem ao ‘eu’ e ao
que pertence ao ‘eu’, e adquirem inversões do pensamento, imagem e
visões da vida. Por isso, os seres devem primeiro meditar sobre o sen-
timento. Esse sentimento se torna a causa próxima de todas as fases
do desejo. Por essa razão, os sábios, quando desejam extirpar o desejo,
devem primeiro meditar sobre o sentimento.

Oh bom homem! Todo o bem e mal dos seres que emergem dos 12
elos da interdependência têm sua origem no sentimento. Esse é o por-
quê eu disse a Ananda: ‘Todas as boas e más ações de todos os seres se
originam por ocasião do sentimento’. Esse é o porquê uma pessoa que
possua Sabedoria deve meditar primeiro sobre sentimento. Quando
essa meditação é feita, a pessoa então pensa: ‘Através de quais rela-
ções causais esse sentimento surge? Se (surge) das relações causais, do
que surgem essas relações causais? Se (surge) por uma não-causa, por
que é que essa não-causa não evoca um não-sentimento’. Ela também
pensa: ‘Esse sentimento não surge por obra de Mahesvara, nem atra-
vés dos humanos, nem pelas partículas, nem pela estação, imagem,
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 338
natureza, nem pelo ‘eu’ ou pelo poder externo; nem surge através das
ações combinadas do próprio ‘eu’ e dos outros; nem é através de não-
causa. Esse sentimento surge através de relações causais combinadas.
As relações causais são ao mesmo tempo o desejo. Não é que exista
desejo nessa combinação, nem é que não exista desejo. Não é que não
exista sentimento. Por essa razão, eu realmente corto essa harmoniza-
ção [combinação de relações causais]. Ao cortar essa harmonização,
nenhum sentimento surge’.

Oh bom homem! [Uma vez] pensada a causa, a pessoa sábia agora


medita sobre a fruição do carma: ‘Os seres, através do sentimento,
sofrem desde as inumeráveis aflições do inferno, dos espíritos famintos
e dos animais, até os três reinos. Devido às relações causais do senti-
mento, não há o Eterno e Êxtase. Assim, a pessoa extirpa a raiz do sen-
timento e através disto, a pessoa ganha a emancipação’. Quando se
medita assim, não existe a causa do sentimento.

(O Bodhisattva Kashyapa disse): “Como podemos dizer que ele não


evoca a causa do sentimento? Isso é a discriminação do sentimento.
Que sentimento torna-se a causa do desejo e que desejo é a causa do
sofrimento?”

“Oh bom homem! Como os seres meditam completamente sobre a


causa do desejo, eles realmente apartam-se do ‘eu’ e daquilo que per-
tence ao ‘eu’. Oh bom homem! Ao meditar-se completamente assim,
uma pessoa de fato virá a conhecer onde o desejo e o sentimento ter-
minam. Isto quer dizer que uma pessoa vê o desejo e o sentimento
saírem um pouco. (Ela) sabe que finalmente haverá um fim. Então, se
vem a ter fé na Emancipação. Como se ganha fé, vê-se de onde a E-
mancipação surge. Vê-se que isso surge do Nobre Caminho Óctuplo, e
aprende-se a praticar.

O que é o Nobre Caminho Óctuplo? Nisto estão os três sentimentos: 1)


sofrimento, 2) alegria, e 3) não-sofrimento e não-alegria. Esses três
aumentam o corpo e a mente de alguém. Por que há aumento? Isso
Capítulo 44: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 5 Página 339
vem do contato (toque) [‘sparsa’]. O contato tem três fases, as quais
são: 1) contato da ignorância, 2) contato do brilho (vivacidade, inteli-
gência), e 3) contato do não-brilho e não-ignorância. O contato do bri-
lho é o Nobre Caminho Óctuplo. Os outros dois contatos aumentam o
corpo, a mente e os três sentimentos. Esse é o porquê Eu digo que se
deve extirpar os dois contatos. Quando se extirpa o contato das rela-
ções causais, não se ganha mais os três sentimentos.

Oh bom homem! Esse sentimento é a causa e também o efeito. Al-


guém que seja sábio deve meditar sobre a causa-efeito. O que é a cau-
sa? Do sentimento adquire-se o desejo. Isto é a causa. O que é o efei-
to? Ele surge do contato. Portanto, é resultado. Assim, esse sentimento
é causa-efeito. A pessoa sábia medita assim sobre sentimento e desejo.
Quando se colhe os resultados cármicos, chamamos isto de desejo.
Uma pessoa sábia medita sobre o desejo de duas maneiras, a saber: 1)
alimento impuro e 2) não-alimento.

O desejo pelo alimento impuro causa o nascimento, a velhice, a doen-


ça, a morte, e todas as outras existências. O desejo pelo não-alimento
corta o nascimento, a velhice, a doença, a morte, todas as outras exis-
tências, e devora não obstante a Via Imaculada. Uma pessoa sábia
pensará: ‘Caso eu adquira desejo por alimento impuro, não serei capaz
de acabar com o nascimento, a velhice, a doença e a morte. Embora eu
agora devore a Via Imaculada, se eu não acabar com a causa do senti-
mento, não serei capaz de ganhar a fruição da Via Imaculada. Assim,
devo acabar com esse contato. Uma vez cortado o contato, o senti-
mento morrerá por si. Uma vez acabado o sentimento, o desejo tam-
bém morrerá por si. Isto é o Nobre Caminho Óctuplo’.

Oh bom homem! Se uma pessoa medita assim, poderá existir o remé-


dio todo-maravilhoso no corpo envenenado, exatamente como nos
Himalayas existe a erva medicinal toda-maravilhosa, embora também
haja grama venenosa. Oh bom homem! Alguém assim recebe um re-
sultado cármico através da impureza. Mas esse resultado cármico não
mais se torna uma causa da impureza. Isso é ação pura.
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 340
Meditar Sobre Imagem

Também, além disso, oh bom homem! Uma pessoa sábia medita e


reflete por que o casal, sentimento e contato surgem, e vê que eles
surgem através da imagem. Como? Os seres vêem formas materiais e
não adquirem desejo. E também, por ocasião do sentimento, nenhum
desejo surge. Se alguém adquire uma imagem invertida com relação à
forma material e diz que a forma material é o Eterno, o Êxtase, o Eu, e
o Puro, e que não pode haver mudança; esse alguém, através dessa
inversão, adquirirá cobiça, má-vontade, e ignorância. Assim o sábio
deve meditar sobre imagem.

Como se medita sobre imagem? Deve-se pensar que todos os seres


ainda não alcançaram a Via Correta, e que todos eles têm imagens
invertidas. O que é uma imagem invertida? Ao estar no que não é Eter-
no (o corpo carnal), uma pessoa tem uma imagem do [isto é, vê isto
como] Eterno; estando no não-Êxtase, a pessoa tem uma imagem do
Êxtase; estando no que é não Puro, ela tem uma imagem do que é
Puro; estando no que é vazio, ela tem uma imagem do Eu; estando no
que não é homem ou mulher, grande ou pequeno, dia ou noite, mês
ou ano, roupas, casa, ou cama, ela tem imagens desde homem e mu-
lher, até cama.

Dessa imagem, há três tipos, a saber: 1) pequena, 2) grande, e 3) ilimi-


tada (infinita). Através de uma pequena relação causal, adquire-se uma
imagem pequena; através de uma grande relação causal, adquire-se
uma imagem grande; através de uma relação causal sem limites, adqui-
re-se uma imagem ilimitada. Também, há uma pequena imagem, que
se refere a alguém que ainda não adquiriu Samadhi. Também, há uma
grande imagem, que se refere a alguém que já adquiriu Samadhi. Tam-
bém, há uma imagem ilimitada, que se refere às dez penetrações-
plenas recíprocas (reciprocal all-enterings) [‘dasa-krtsnayatana’]. Tam-

Capítulo 44: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 5 Página 341


bém, há uma pequena imagem, que se refere a todas as imagens do
mundo do desejo. Também, há uma grande imagem, que corresponde
a todas as imagens do mundo da forma. Também, há um ilimitado
número de imagens, que se referem a todas as imagens do mundo da
amorfia. Quando as três fases da imagem se extinguem, o sentimento
morre por si. Quando a imagem e o sentimento se vão, dizemos ‘E-
mancipação’.”

O Bodhisattva Kashyapa disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Quando


todas as fases das coisas se extinguem, adquirimos Emancipação. Por
que você, Tathagata, diz que a extinção da imagem e sentimento é
Emancipação?”

O Buda disse: “Oh bom homem! O Tathagata, às vezes, fala do ser, em


que aquele que ouve compreende a coisa; ou, às vezes, ele estabelece
a coisa sobre o ser, e aquele que ouve compreende o que é dito sobre
o ser.

O que quero dizer ao falar que quando Eu falo do ser a pessoa que
ouve compreende que se refere a uma coisa? Isto é como quando cer-
ta vez eu disse a Mahakashyapa: ‘Oh Kashyapa! Quando o ser morre, o
Dharma Maravilhoso morre também’. Isto é o que quero dizer ao falar
que quando Eu falo sobre o ser, o ouvinte compreende que se refere a
uma coisa. O que quero dizer ao falar que quando Eu falo baseado no
dharma sobre o ser, o ouvinte compreende ter sido dito sobre o ser?
Isto é como certa vez Eu disse a Ananda: ‘Eu não digo que me achego a
todas as coisas ou que não me achego. Se Eu me achegar à lei [dharma
mundano, todas as coisas], a Boa Lei [Dharma Maravilhoso] enfraque-
cerá e o que é não-bom tornar-se-á exuberante. Não se deve achegar
de tal lei. Caso achegue-se à Lei (Dharma Maravilhoso), o não-bom
enfraquecerá e a Boa Lei aumentará. Deve-se achegar de tal Lei’. Isto é
o que eu digo com base numa coisa sobre o ser, e aquele que ouve
compreende como minha fala sobre o ser.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 342


Oh bom homem! O Tathagata fala sobre as duas extinções da imagem
e do sentimento. Mas, Ele já falou sobre tudo que poderia ser extirpa-
do. Quando uma pessoa sábia tem meditado sobre tal imagem, ela
deve em seguida meditar sobre a causa da imagem.

Meditar Sobre a Causa da Imagem

Como todas as inumeráveis imagens surgem? Sabe-se que elas surgem


do contato. E esse contato é de dois tipos, a saber: 1) contato pelas
impurezas, e 2) contato pela Emancipação. Se a imagem surge da igno-
rância, chamamos isto de ‘contato pela impureza’. O que surge do
‘brilho’ é chamado ‘contato pela Emancipação’. O contato da ignorân-
cia evoca uma imagem invertida, e aquele da Emancipação evoca uma
imagem não-invertida. Quando alguém tem meditado sobre a causa da
imagem, em seguida medita sobre o resultado cármico.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “A imagem invertida surge da


imagem da impureza. Todas as pessoas sagradas, para dizer a verdade,
possuem imagens invertidas e, no entanto, não possuem impurezas.
Como faço para compreender isto?”

O Buda disse: “Oh bom homem! De que maneira uma pessoa sagrada
possui uma imagem invertida?”

O Bodhisattva Kashyapa disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Todos os


sagrados, ao verem uma vaca, adquirem a imagem de uma vaca e di-
zem que isto é uma vaca. Ao ver um cavalo, adquirem a imagem de um
cavalo e dizem que isto é um cavalo. O mesmo se aplica ao homem,
mulher, grande e pequeno, casa, veículo, ir e vir. Isto é uma inversão.”

“Oh bom homem! Todos os seres possuem dois tipos de imagens, a


saber: 1) a imagem circulante (conceitual) no mundo, e 2) a imagem do
apego. Todas as pessoas sagradas têm apenas a imagem circulante no

Capítulo 44: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 5 Página 343


mundo, mas não qualquer imagem do apego. Todos os seres adquirem
a imagem do apego por causa da meditação através de maus sentidos.
Todas as pessoas sagradas não adquirem a imagem do apego, em ra-
zão do [seu] despertar para o bem. Portanto, todos os mortais comuns
são classificados como de (imagens) invertidas, enquanto as pessoas
sagradas não são classificadas assim, embora as conheçam.

Tendo meditado sobre a causa da imagem, uma pessoa que seja sábia
medita em seguida sobre os resultados cármicos. Sofre-se esses resul-
tados cármicos das más imagens nos reinos do inferno, dos espíritos
famintos, dos animais, e dos humanos e celestiais. Como Eu acabei
com a imagem do despertar do mal, Eu cortei a ignorância e o contato.
Assim a imagem se foi. Quando se acaba com a imagem, a pessoa tam-
bém remove as conseqüências cármicas. Para cortar a causa da ima-
gem, a pessoa sábia pratica o Nobre Caminho Óctuplo. Oh bom ho-
mem! Qualquer pessoa que medita assim é chamada de alguém que
pratica ações puras.

Oh bom homem! Assim Eu digo: ‘No corpo envenenado do ser há um


remédio todo-maravilhoso. Embora nos Himalayas exista [um tipo de]
grama venenosa, há [também] um remédio todo-maravilhoso’.

Meditar sobre o Desejo

Também, além disso, oh bom homem! Alguém que seja sábio medita
sobre o desejo. Desejo é cor, som, fragrância, sabor e toque. Oh bom
homem! Assim o Tathagata fala do resultado (efeito) no estágio de
causa. A partir dessas cinco coisas, o desejo sobe à cabeça. E (essas
coisas) não são desejo, (são a sua causa).

Oh bom homem! Uma pessoa que é ignorante procura avidamente


compartilhar delas. Nessas formas materiais, a pessoa adquire uma
imagem invertida. E essa aquisição de uma imagem invertida se esten-

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 344


de até o ‘toque’. E da relação causal da inversão, surge o sentimento.
Esse é o porquê Eu digo que dessa imagem invertida o mundo adquire
as dez imagens.

Da relação causal do desejo, se colhe más conseqüências cármicas no


mundo. A maldade é dirigida aos pais, Shramanas, e Brâmanes. Faz-se
o que não se deveria fazer, e se faz isso deliberadamente, da cabeça
aos pés. Assim, uma pessoa que seja sábia percebe o fato de que essa
relação causal do mal evoca uma mente ambiciosa. Tendo percebido a
causa do mal, a pessoa sábia medita primeiro sobre a causa da cobiça e
então pensa sobre os resultados cármicos. Quando há muito desejo, lá
surgirão muitos maus resultados, tais como [os reinos do] inferno, espí-
ritos famintos, animais, humanos e celestiais. Isto é o que chamamos
de percepção dos maus resultados.

Se alguém for capaz de acabar com a má imagem, nenhum pensamen-


to de cobiça surgirá. Quando não há uma mente ambiciosa, não surge
qualquer mau sentimento. Sem um mau sentimento, não pode haver
qualquer mau resultado. Esse é o porquê Eu acabo primeiro com a má
imagem. Uma vez que se acaba com a imagem do mal, coisas como
essas morrem naturalmente. Por isso, a pessoa sábia pratica o Nobre
Caminho Óctuplo, no sentido de acabar com a má imagem. Isto é o que
chamamos de ‘ação pura’. Este é o porquê dizemos que no corpo en-
venenado de um ser, há um remédio todo-maravilhoso, como no caso
dos Himalayas, onde embora haja gramas venenosas, há um remédio
todo-maravilhoso, também.

Meditar Sobre o Carma

Também, além disso, oh bom homem! Tendo meditado completamen-


te dessa maneira sobre o desejo, a pessoa sábia em seguida medita
sobre o Carma. Por quê? A pessoa sábia pensa: ‘Sentimento, imagem,
toque e desejo são impurezas. As impurezas realmente geram o carma

Capítulo 44: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 5 Página 345


vivido, mas não o carma colhido. Essa impureza acompanha o carma e
é composta de dois tipos: 1) carma vivido, e 2) carma colhido. Por isso,
a pessoa sábia deve meditar bem sobre o carma. Esse carma é de três
tipos: corpo, boca, e mente’. Oh bom homem! O par, corpo e boca, são
chamados carma, e também resultado cármico (carma colhido). A
mente é chamada meramente ‘carma’ (carma vivido), e não ‘resultado’
(carma colhido). Como ela é a causa do carma, dizemos ‘carma’. Oh
bom homem! Chamamos os carmas do corpo e da boca de carma ex-
terno (colhido), e o carma mental de interno (vivido). Esses três carmas
acompanham (caminham juntos com) as impurezas. Assim, temos dois
carmas, a saber: 1) carma vivido, e 2) carma sentido (colhido).

Oh bom homem! ‘Carma direto’ é o carma mental. Dizemos ‘carma


temporal’. Isto se refere aos carmas do corpo e da mente. Sendo o que
aparece primeiro, dizemos ‘carma mental’. Aquele que surge do (car-
ma) mental são os carmas corporal e oral. Assim, aquele que é mental
é chamado ‘direto’. Tendo meditado sobre o carma, uma pessoa sábia
deve meditar sobre a causa do carma.

Meditar Sobre a Causa do Carma

A causa do carma é o toque da ignorância. Devido ao toque da igno-


rância, os seres vêem ‘existência’. A relação causal da existência é ‘de-
sejo’. Devido à relação causal do desejo, uma pessoa perpetra as três
ações do corpo, da boca, e da mente.

Meditar Sobre o Resultado Cármico

Oh bom homem! Tendo meditado sobre a causa do carma, a pessoa


sábia medita sobre o resultado cármico. Há quatro tipos de resultado
cármico, a saber: 1) resultado cármico preto-preto, 2) resultado cármi-

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 346


co branco-branco, 3) resultado cármico misto-misto, e 4) resultado
cármico não-preto-não-branco-não-preto-não-branco.

O resultado cármico preto-preto é aquele que é impuro no momento


da ação e o resultado cármico, também, é impuro. Dizemos resultado
cármico branco-branco, o qual é puro quando [a ação está] sendo
promulgada, e o resultado cármico também é puro. Falamos do resul-
tado cármico misto-misto, o qual é de natureza mista durante a pro-
mulgação [da ação], e o resultado cármico, também, é misto. Dizemos
resultado cármico não-preto-não-branco-não-preto-não-branco. Isto é
carma imaculado.”

O Carma Imaculado

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo!


Você disse antes que o imaculado não tem resultado cármico. Por que
você fala agora sobre o não-preto-não-branco do resultado cármico.”

O Buda disse: “Oh bom homem! Há dois significados para isto. Um é o


resultado e a recompensa juntos, e o segundo é a fruição, mas não a
recompensa. O resultado cármico preto-preto é o resultado, e também
a recompensa. Quando ele manifesta de uma causa impura (preto), ele
é um ‘resultado’; quando ele se torna uma causa, dizemos ‘recompen-
sa’. É o mesmo com o puro (branco) e o misto. O resultado imaculado
surge de uma causa impura. Por isso, ‘resultado’. Quando ele não se
torna a causa de qualquer outra coisa, não dizemos ‘recompensa’.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! Esse


carma imaculado não é aquele que é preto. Por que você não o chama
de branco?”

“Oh bom homem! Como não há recompensa, Eu não o chamo de


branco. Quando se causa uma cura para o preto, Eu digo branco. Eu

Capítulo 44: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 5 Página 347


agora digo: ‘O que recebe o resultado cármico é chamado preto ou
branco. Como essa ação imaculada não colhe qualquer recompensa, Eu
não o chamo de branco. Eu digo ‘quietude’. Todas essas ações estão
definitivamente sujeitas à recompensa. As dez coisas más estão defini-
tivamente sujeitas aos reinos do inferno, dos espíritos famintos, e dos
animais. As dez coisas boas ganham definitivamente o mundo dos hu-
manos e celestiais. Nas dez coisas más, temos os graus de: superior,
médio, e inferior. Através das relações causais superiores, ganha-se o
inferno; através das relações causais medianas, ganha-se o reino dos
espíritos famintos; e através das relações causais inferiores, ganha-se
vida no reino dos animais. Também, das dez boas ações dos humanos
há quatro tipos, a saber: 1) inferior, 2) mediano, 3) alto, e 4) superior.
Através das relações causais inferiores, ganha-se vida no Uttarakuru;
através das medianas, no Purvavideha; através das relações causais
altas, no Godaniya; e através das relações causais superiores, vida no
Jambudvipa.

Quando essa meditação é praticada, a pessoa sábia pensa: ‘Como pos-


so me apartar desse resultado cármico?’ Ela também pensa: ‘Essa rela-
ção causal surge da ignorância e do contato. Se eu acabo com a igno-
rância e o contato, esse resultado cármico morrerá e não surgirá mais.
Por isso, uma pessoa que é sábia, no sentido de extirpar as relações
causais da ignorância e do contato, deve praticar o Nobre Caminho
Óctuplo. Isso é ação pura’. Oh bom homem! Este é o porquê Eu digo
que no corpo envenenado de um ser existe um remédio todo-
maravilhoso. Isto é como no caso dos Himalayas, onde, embora haja
ervas venenosas, há uma erva medicinal também.

Também, além disso, oh bom homem! Tendo meditado sobre carma e


impureza, uma pessoa sábia então medita sobre os dois resultados
cármicos que foram alcançados. Esses dois resultados cármicos são do
sofrimento. Quando esse sofrimento é conhecido, uma pessoa aparta-
se de todos os seres. A pessoa sábia também pensa: ‘A relação causal
das impurezas também evoca impurezas. Sendo a relação causal do
carma, ela novamente evoca impurezas. A relação causal das impure-
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 348
zas novamente evoca o carma. A relação causal do carma evoca o so-
frimento, e da relação causal do sofrimento surgem impurezas. A rela-
ção causal das impurezas evoca a existência, e a relação causal da exis-
tência evoca o sofrimento. A relação causal da existência evoca a exis-
tência. A relação causal da existência evoca o carma, e a relação causal
do carma evoca as impurezas. A relação causal das impurezas evoca o
sofrimento. A relação causal do sofrimento evoca o sofrimento.

Oh bom homem! Se qualquer pessoa sábia medita assim profunda-


mente, saiba-se que essa pessoa medita realmente sobre o sofrimento
do carma. Por quê? Tudo o que está estabelecido acima com relação à
meditação são as relações causais do nascimento e da morte dos 12
elos do surgimento interdependente. Se uma pessoa pensa assim pro-
fundamente sobre os 12 elos do surgimento interdependente, deve-se
saber que essa pessoa não mais criará quaisquer novos carmas, e ani-
quilará completamente antigos sofrimentos.

Oh bom homem! Uma pessoa que tem Sabedoria medita sobre o so-
frimento do inferno. De um inferno, (há) 136 lugares, e cada inferno
tem vários tipos de sofrimento. Tudo surge das relações causais do
carma das impurezas. Assim se deve meditar. Quando a meditação
sobre o inferno tiver sido completada, isto leva à meditação sobre o
sofrimento dos espíritos famintos e dos animais. Tendo feito essa me-
ditação, uma pessoa novamente pensa sobre todos os sofrimentos dos
humanos e celestiais. Todos esses sofrimentos surgem dos carmas das
impurezas.

Oh bom homem! Na vida dos céus, não temos quaisquer desses tipos
de grande sofrimento. O corpo é leve, delicado e suave. [Mas,] quando
alguém vê os cinco presságios do declínio, um grande sofrimento sobe
à sua cabeça. Isto é como o sofrimento do inferno, que se procede da
mesma maneira, tudo igualmente.

Oh bom homem! O sábio medita e pensa que todos os sofrimentos dos


três mundos emergem das relações causais das impurezas. Oh bom
Capítulo 44: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 5 Página 349
homem! Por exemplo, uma telha que ainda não foi recozida no calor é
fácil de quebrar. É o mesmo com o corpo físico de um ser, também.
Adquirindo-se o corpo, este agora é um receptáculo do sofrimento. Por
exemplo, o esplendor das flores e frutos de uma grande árvore acaba
destruído pelos pássaros; e montes de capim seco podem facilmente
ser queimados por uma pequena faísca de fogo. É o mesmo com o
corpo carnal de um ser, que facilmente se desintegra.

Oh bom homem! Se uma pessoa sábia pode meditar bem sobre os oito
sofrimentos como nas ações sagradas, saiba que essa pessoa de fato se
aparta de todos os sofrimentos.

Meditar Sobre o Sofrimento

Oh bom homem! Uma pessoa sábia medita profundamente sobre os


oito sofrimentos, e em seguida sobre a causa do sofrimento. A causa
do sofrimento é a ignorância do desejo, que é constituído de duas coi-
sas: 1) busca do que é (prazer) corporal, e 2) busca da riqueza. A busca
do que é corporal e a busca da riqueza, ambos são fontes de sofrimen-
to. Assim, deve-se saber que a ignorância do desejo é a causa do sofri-
mento.

Oh bom homem! Há dois tipos dessa ignorância do desejo, a saber: 1)


interna, e 2) externa. Aquela que é interna realmente molda o carma,
enquanto aquela que é externa aumenta-o. Também, aquela que é
interna de fato molda o carma, e aquela que é externa molda o resul-
tado cármico. Ao acabar-se com o desejo interno, pode-se de fato aca-
bar com o carma. Se o desejo externo é cortado, o fruto cármico se vai.
O desejo interno molda o sofrimento do mundo que está por vir, en-
quanto o desejo externo evoca o sofrimento da vida presente. O sábio
medita sobre a causa do sofrimento, que é o desejo. Tendo meditado
sobre a causa, ele assim o faz sobre o resultado cármico. O resultado
cármico do sofrimento é ‘apego’ [‘upadana’ – apego à existência]. O

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 350


resultado do desejo é apego. O resultado cármico do desejo é apego. A
relação causal desse apego, que é desejo interno e externo, evoca o
sofrimento do desejo.

Oh bom homem! O sábio deve meditar e pensar que o desejo está


causalmente relacionado ao apego, e o apego está causalmente rela-
cionado ao desejo. Se uma pessoa extirpa realmente esse par, desejo e
apego, não haverá mais ação cármica; esse alguém não mais sofrerá de
qualquer tipo de aflição (preocupação). Portanto, o sábio deve praticar
bem o Nobre Caminho Óctuplo e acabar com todos os sofrimentos.

Oh bom homem! Se qualquer pessoa medita assim, isto é ação pura.


Isto é onde dizemos que os seres possuem um remédio todo-
maravilhoso em seus corpos carnais envenenados, e que nos Himala-
yas, em meio às gramas venenosas, há uma erva medicinal toda-
maravilhosa.”

A Casa do Tesouro

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! O


que é ação pura?”

O Buda disse: “Todas as coisas são nada mais que ações puras.”

O Bodhisattva Kashyapa disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Todas as


coisas não são determinadas no significado. Por quê? O Tathagata as
chama de boas ou não-boas. Às vezes, ele diz que essa é a meditação
das quatro recordações, ou às vezes, das 12 esferas, ou do Bom Mestre
da Via, ou dos 12 elos da interdependência, ou do ser, da visão correta,
da visão errônea, dos 12 tipos de sutra, ou das duas verdades; ou o
Tathagata agora diz que todas as coisas são ações puras. Tudo somado,
o que você quer dizer com ‘todas as coisas’?”

Capítulo 44: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 5 Página 351


O Buda disse: “Bem falado, bem falado, oh bom homem! O Todo-
Maravilhoso Sutra do Grande Nirvana é a Casa do Tesouro de todas as
leis (dharmas). É como o grande oceano, que guarda todos os tesouros.
É o mesmo com o Sutra do Nirvana. Este é o Repositório Secreto que
contém todos os significados de todas as palavras.

Oh bom homem! Assim como o Monte Sumeru é a fonte raiz de todos


os remédios, assim esse Sutra é a fonte raiz dos preceitos do Bodhi-
sattva.

Oh bom homem! É como com o Vazio, onde repousa tudo o que existe.
Assim é com esse Sutra, que é a morada do Bom Dharma.

Oh bom homem! É como o grande vento, que ninguém pode prender


ou encerrar. Assim é com todos os Bodhisattvas que praticam esse
Sutra. Nenhuma impureza ou mau ensinamento pode reprimi-los ou
prende-los.

Oh bom homem! É como o diamante, que ninguém pode destruir.


Assim é a situação com esse Sutra, que nem tirthikas ou humanos mal
intencionados podem destruir.

Oh bom homem! É como (os grãos de) as areias do Rio Ganges, que
ninguém pode contar. Assim é com os significados desse Sutra. Nin-
guém pode realmente contá-los completamente.

Oh bom homem! Esse Sutra é o estandarte do Dharma de todos os


Budas, assim como as coisas se dão com os pavilhões içados do Shakra.

Oh bom homem! Esse Sutra é o mercador que percorre as divisões do


nirvana, ou o grande guia que singra o grande oceano com todos os
mercadores.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 352


Oh bom homem! Esse Sutra é a luz do Dharma de todos os Bodhisatt-
vas, assim como a luz do sol e da lua realmente destrói a escuridão ao
redor.

Oh bom homem! Esse Sutra serve como o melhor [remédio] para todos
os seres que estão sofrendo de doenças. É como o Todo-Maravilhoso
Rei dos Remédios do (Monte) Gandhamadana, que cura completamen-
te todas as doenças.

Oh bom homem! Esse Sutra serve realmente como um bastão (benga-


la) para o icchantika, como no caso de uma pessoa fraca que [assim]
pode facilmente apoiar-se e ficar de pé.

Oh bom homem! Esse Sutra realmente serve como uma ponte para
todas as pessoas más, assim como uma ponte permite que mesmo
todas as pessoas más do mundo passem sobre ela.

Oh bom homem! Esse Sutra realmente serve como uma sombra fresca
para todos aqueles que carregam suas vidas nos cinco reinos, onde
sentem calor devido às impurezas, servindo-lhes como um pára-sol que
protege bem a pessoa do calor.

Oh bom homem! Esse Sutra é o Rei do Destemor, que aniquila comple-


tamente todos os demônios das impurezas, agindo como o Rei Leão,
que verdadeiramente subjuga todos os animais.

Oh bom homem! Esse Sutra é um grande encantador que pode aniqui-


lar completamente todos os demônios das impurezas, assim como um
encantador acaba com o gnomo da montanha.

Oh bom homem! Esse Sutra é como a insuperável neve e granizo, os


quais acabam com todos os resultados cármicos do nascimento e da
morte, assim como o granizo destrói as árvores frutíferas.

Capítulo 44: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 5 Página 353


Oh bom homem! Esse Sutra é o maior dos remédios para uma pessoa
que viola os shila [preceitos morais], assim como a ajata pode realmen-
te curar dores dos olhos.

Oh bom homem! Esse Sutra guarda todas as boas leis, assim como a
terra, que serve como um suporte para todas as coisas.

Oh bom homem! Esse Sutra é um espelho brilhante para todos os seres


que violam os preceitos, assim como um espelho que reflete bem to-
das as cores e formas.

Oh bom homem! Esse Sutra serve como roupa para aqueles que não
sentem vergonha do que fizeram, assim como a roupa que pode cobrir
bem e esconder a forma carnal.

Oh bom homem! Esse Sutra serve como uma grande Casa do Tesouro
para aqueles que estão carentes de boas coisas, assim como Gunadevi
concede benefícios aos pobres.

Oh bom homem! Esse Sutra serve como a água da amrta [imortalida-


de] para aqueles que sentem sede pelo Dharma, assim como a água
dos oito sabores, que sacia completamente uma pessoa sedenta.

Oh bom homem! Esse Sutra serve como uma cama do Dharma para
aqueles que têm as preocupações das impurezas, assim como a cama
da paz que serve às pessoas do mundo.

Oh bom homem! Através desse Sutra, o Bodhisattva ascende do pri-


meiro estágio até o décimo. É o carro sobre o qual são carregadas jóias,
incenso em pasta, incenso em pó, incenso para queimar e flores; e o
carro no qual aqueles das castas puras podem montar. Ele realmente
supera os seis paramitas. Isto é uma terra maravilhosa de bem-
aventurança. É como a árvore parijata do Céu Trayastrimsa.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 354


Oh bom homem! Este sutra é uma machadinha adamantina e afiada
que pode de fato derrubar a grande árvore de todas as impurezas. Este
é a espada afiada que pode realmente acabar com a mácula do mau
cheiro. Este é o valente e forte que pode subjugar completamente a
adversidade de Mara. Este é o fogo da Sabedoria, que queima o com-
bustível das impurezas. Este é o repositório das relações causais que
dão nascimento ao Pratyekabuda. Este é o repositório da audição que
dá nascimento aos Sravakas. Este é o olho de todos os deuses que ser-
vem como Caminho Correto a todos os seres. Este é um refúgio para
todos os animais. Este é onde os espíritos famintos ganham a Emanci-
pação, o mais sagrado dos infernos, e o utensílio insuperável para to-
dos os seres das dez direções. Este é o pai de todos os Budas das dez
direções do passado, do futuro, e do presente. Oh bom homem! Assim,
este Sutra guarda dentro de si todas as leis.”

[O Buda disse:] “Como Eu já disse, este Sutra abarca todas as leis. Mas,
Eu declarei que as ações puras sobre as quais Eu falo nada mais são
que os 37 elementos concernentes ao Bodhi [Iluminação]. Oh bom
homem! Separado dos 37 elementos da Iluminação, não se pode atin-
gir a fruição da prática do Sravaka e a Iluminação Insuperável, não se
pode ver a Natureza de Buda, nem a fruição que surge da Natureza de
Buda. Assim sendo, ações puras são os 37 elementos do Bodhi [‘bodhi-
pakshikadharma’ – os 37 pré-requisitos para atingir a Iluminação. In-
cluem atenção plena, e o Nobre Caminho Óctuplo]. Como podemos
dizer isto? Porque os 37 elementos concernentes à Iluminação são
aqueles fatores que, por natureza, não estão invertidos e que realmen-
te suplantam as inversões. Eles são, por natureza, visões não errôneas,
e podem verdadeiramente aniquilar as visões errôneas. Eles são, por
natureza, destemidos, e debelam o medo. Eles são, por natureza, ações
puras, tal que os seres finalmente vêm a praticar ações puras.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo!


Mesmo o impuro pode também tornar-se a causa do puro. Por que é
que o Tathagata não diz que o impuro também é ação pura?”

Capítulo 44: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 5 Página 355


“Oh Bom homem! Todas as coisas impuras são nada mais que inver-
sões [da Verdade]. Esse é o porquê Eu não posso alegar que o impuro
seja ação pura.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “A primeira raiz do bem do


mundo [‘laukikagradharma’ – penetração intelectual e insight] é aquela
que é impura ou pura?”

O Buda disse: “É aquela que é impura.”

“Oh Honrado pelo Mundo! Embora impura, sua natureza é não-


invertida. Por que você não a chama de ação pura?”

“Oh bom homem! A primeira raiz do bem do mundo é a causa da im-


pureza. Por isso, bem se lhe assemelha. Como ela faz face ao puro, não
a chamamos de qualquer inversão. Oh bom homem! A ação pura tem
sua origem a partir da aspiração de alguém [ao Estado de Buda]. Segue
assim e atinge o máximo. A primeira raiz do bem do mundo é nada
mais que um pensamento. Esse é o porquê não podemos chamá-la de
ação pura.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! As


cinco consciências do ser são impuras e, no entanto, não-inversões.
Nem são de um pensamento. Por que não dizemos ação pura?”

“Oh bom homem! As cinco consciências do ser não são de um pensa-


mento. Elas são impuras e inversões. Como as impurezas aumentam,
dizemos ‘impuras’. Os corpos não são de substância verdadeira. Devido
ao apego e à imagem, eles são inversões. Por que dizemos que os cor-
pos não são verdadeiros? Por causa do apego e da imagem. Onde não
há homem ou mulher, eles (os corpos) adquirem a imagem de homem
ou mulher. Assim se dá com casa, veículo, vaso, roupas, etc. Isto é uma
inversão.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 356


Da Raiz ao Ultimado

Oh bom homem! Com os 37 fatores da Iluminação, não há inversão.


Por isso, podemos falar de ‘ação pura’. Oh bom homem! Se qualquer
Bodhisattva vem a conhecer a raiz, a causa, o que abarca, o que acres-
centa, o mestre, o que leva (conduz), o que é superior, o que é verda-
deiro, e o que é ultimado; esse Bodhisattva é alguém de ação pura.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! Em


qual sentido dizemos que alguém conhece desde a raiz até o ultima-
do?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Bem falado, bem falado! O que você
fala, Bodhisattva, concerne a duas coisas. Uma é para o seu próprio
bem, e a outra é para o conhecimento dos outros. Agora você sabe,
mas uma vez que inumeráveis outros seres ainda não compreendem,
então você indaga. Assim, Eu agora o elogio novamente. Muito bem,
muito bem! Oh bom homem! A raiz dos 37 elementos concernentes à
Iluminação é o desejo. A causa é o toque do brilho; o que abarca é
‘sentimento’; o que acrescenta é ‘pensamento’; o ‘mestre’ é ‘recorda-
ção’ (‘mentalização’); o que leva (conduz) é ‘dhyana’ [meditação]; o
que é superior é ‘Sabedoria’; o que é verdadeiro é ‘Emancipação’; e o
ultimado é Grande Nirvana.

Oh bom homem! (Também), todas as aflições do mundo têm sua ori-


gem no desejo. Todas as doenças repousam na comida cozida no dia
anterior. Toda a segregação surge de brigas e disputas. Todas as mal-
dades decorrem da falsidade. A situação é assim.”

O Bodhisattva Kashyapa disse: “Oh Honrado pelo Mundo! O Tathagata


já estabeleceu neste Sutra que todas as boas coisas estão fundamenta-
das na não-indolência. Agora você diz (que) ‘desejo’ (é raiz dos 37 ele-
mentos concernentes à Iluminação). Como posso compreender isto?”

Capítulo 44: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 5 Página 357


O Buda disse: “Oh bom homem! Se a causa buscada visa o surgimento
de boas coisas, isto é um bom desejo. Se a causa reveladora [Japonês =
‘ryoin’: a causa que revela o que está oculto, como, por exemplo, a luz
de uma lâmpada que brilha e mostra o que permanece oculto enquan-
to está escuro – K. Yamamoto] é buscada, isto é não-indolência. Dize-
mos no mundo que o resultado depende da semente; dizemos que a
semente é a causa do surgimento, e o solo é a causa reveladora. O
mesmo é o caso aqui, também.”

O Bodhisattva Kashyapa disse: “Oh Honrado pelo Mundo! O Tathagata


diz em outros Sutras que os 37 fatores da Iluminação constituem a
base. O que isto implica?”

“Oh bom homem! O Tathagata disse antes que os seres primeiro vêm a
saber dos 37 fatores da Iluminação. O Buda é a raiz. O despertar de-
pende do desejo.”

O Toque do Brilho

“Oh Honrado pelo Mundo! O que você quer dizer quando fala que ‘o
toque do brilho’ é a causa?”

“Oh bom homem! O Tathagata às vezes fala sobre brilho e diz que é
Sabedoria; e às vezes (ele quer dizer) ‘Fé’. Oh bom homem! Através das
relações causais da fé, uma pessoa se aproxima de um Bom Mestre da
Via. Isto é toque [contato]. A relação causal dessa aproximação leva a
pessoa a dar ouvido ao Dharma Maravilhoso. Isto é ‘toque’. Quando
alguém ouve o Dharma Maravilhoso, o corpo, a boca e a mente dessa
pessoa tornam-se puros. Isto é ‘toque’. Através da pureza das três a-
ções, ganha-se uma vida correta. Isto é ‘toque’. Através de uma vida
correta, ganha-se os shila (preceitos) que purificam os sentidos orgâni-
cos. Por conta dos preceitos que purificam os sentidos orgânicos, pro-
cura-se um lugar silencioso. Na quietude, pensa-se sobre o bem. Atra-

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 358


vés do bom pensamento, pensa-se sobre uma vida em concordância
com o Dharma. Através da vida correta (em concordância com o
Dharma), ganha-se os 37 elementos da Iluminação. Assim, uma pessoa
aniquila completamente as inumeráveis más impurezas.

Do Sentimento à Consecução

Oh bom homem! Sentimento é chamado ‘assimilação’. Os seres prati-


cam o bem ou o mal na fase do sentimento. Por isso, dizemos que sen-
timento é a assimilação. Oh bom homem! Através da relação causal do
sentimento, todos os tipos de impurezas surgem. Os 37 elementos do
Bodhi realmente as aniquilam. Em razão disto, chamamos sentimento
de assimilação. Bons pensamentos aniquilam totalmente as impurezas.
Por isso falamos de ‘aumento’. Por quê? Fazemos esforços e tentamos
aprender. E assim, chegamos àqueles 37 elementos da Iluminação. A
meditação realmente destrói as más impurezas. Isto sempre está fun-
damentado na atenção exclusiva. Assim, meditar é o mestre. No mun-
do, todas as quatro forças armadas movem-se conforme a vontade do
general-comandante. É o mesmo com os 37 elementos da Iluminação.
Todos seguem a vontade do mestre, que é a mente.

Quando alguém entra em dhyana [meditação], os 37 elementos da


Iluminação discriminam bem todas as fases do Dharma. Por isso, a
meditação é o que conduz alguém. Olhamos para dentro dos 37 ele-
mentos da Iluminação e vemos que a Sabedoria é o mais superior. Por
essa razão, a Sabedoria é o mais superior (dos 37 elementos). Este é o
porquê [se estabelece] a Sabedoria como sendo superior. Assim, a
Sabedoria vê as impurezas. Através do poder da Sabedoria, as impure-
zas morrem.

No mundo, as quatro forças armadas aniquilam os inimigos. Pode ha-


ver um ou dois que são valentes e fortes, e que o fazem bem. Assim é
com os 37 elementos concernentes à Iluminação. Através do poder da

Capítulo 44: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 5 Página 359


Sabedoria, acaba-se com as impurezas. Por isso, a Sabedoria é aquele
(elemento) que é superior.

Oh bom homem! Ao se aprender e praticar os 37 elementos da Ilumi-


nação, ganha-se os quatro dhyanas, os poderes divinos miraculosos, e
a paz. Mas, isto não é chamado ‘real’. Quando se acaba com as impu-
rezas e a Emancipação é encontrada, dizemos ‘real’. Uma pessoa pode
aspirar aprender e praticar os 37 elementos da Iluminação, e ser aben-
çoada com a felicidade mundana, a felicidade supramundana, a fruição
da prática do Shramana, e a Emancipação. No entanto, não podemos
chamar isto de ‘Ultimado’. Quando se acaba com todas as práticas dos
37 elementos da Iluminação, isto é Nirvana. Este é o porquê Eu digo
que Ultimado é Grande Nirvana.

Também, além disso, oh bom homem! A mente de amor-benevolente


é desejo. Através da mente de amor-benevolente, uma pessoa associa-
se com um bom amigo. Portanto, ‘toque’. Isto é ‘causa’. Quando uma
pessoa se associa com um bom amigo, chamamos isto de amor. Isto é
uma assimilação. Aproximando-se de um Bom Mestre, aquela pessoa
tem bons pensamentos. Portanto, ‘aumento’. Através dos quatro
dharmas (leis) a Via é aumentada, a saber: 1) desejo, 2) recordação, 3)
meditação, e 4) Sabedoria. Isto é: 1) mestre, 2) condução (liderança), e
3) superior. Através desses três dharmas, a pessoa atinge as três Eman-
cipações. Ao cortar o desejo, ela atinge a Emancipação da mente. Ao
acabar com a ignorância, ela atinge a Emancipação da Sabedoria. Isto é
o Real. Todos esses dharmas resultam na fruição. Isto é Nirvana. Por
isso, o ‘Ultimado’.

Também, além disso, oh bom homem! ‘Desejo’ é aspiração e renúncia.


Toque são os quatro jnapti-caturthakarman [um dos rituais do Vinaya –
código da vida monástica dos Monges]. Isto é a causa. Assimilar signifi-
ca receber os dois tipos de preceitos, a saber: 1) pratimoksa (liberação
individual - disciplinar o comportamento físico e não prejudicar os ou-
tros), e 2) shila (preceitos morais) que purificam os sentidos orgânicos.
Isto é ‘sentimento’ e também ‘assimilação’. Aumentar significa apren-
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 360
der e praticar os quatro dhyanas. O Mestre refere-se às fruições do
Srotapanna e Sakrdagamin. Conduzir refere-se à fruição do Anagamin;
e ‘superior’, àquela do Arhatship. O Real refere-se à fruição do Pratye-
kabuda; o ‘Ultimado’ é a Iluminação Insuperável.

Também, além disso, oh bom homem! ‘Desejo’ é consciência. Toque


são chamadas as seis esferas [dos sentidos]. Assimilação é sentimento.
Aumento é ignorância. O mestre é a mente-e-corpo. Condução é dese-
jo. O superior é apego. O real é existência. O ultimado é nascimento,
velhice, doença e morte.”

O Bodhisattva Kashyapa disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Que diferen-


ça há entre os três itens da: 1) raiz, 2) causa, e 3) aumento?”

“Oh bom homem! A raiz se refere ao que está a ter lugar (surgir); a
causa é o que se assemelha; aumento é cortar a semelhança e, no en-
tanto, é evocar a semelhança. Também, além disso, oh bom homem! A
raiz é fazer, a causa é fruição (posse/usufruto), e aumento é o uso. Oh
bom homem! O mundo que está por vir (futuro) contempla os resulta-
dos cármicos. Mas, ainda não [os] recebe. Chamamos isto de ‘causa’.
Quando recebidos, aquilo é ‘aumento’. Também, além disso, oh bom
homem! A raiz é buscar; ganhar é a causa, e usar é aumento.

Oh bom homem! A raiz falada neste Sutra é darsanamarga [o caminho


da visão, que conduz a pessoa da mera confiança cega nas Quatro No-
bres Verdades à efetiva compreensão delas, transformando ele ou ela
num ‘entrante-no-fluxo’ (‘stream-enterer’)], a causa é bhavanamarga
[o caminho do auto-desenvolvimento através da meditação], e aumen-
to é asaiksamarga (não mais aprendizado). Também, além disso, oh
bom homem! A raiz é a causa direta, e causa é a causa expediente.
Dessa causa direta surge o resultado cármico que alguém colhe. Isto é
aumento.”

Capítulo 44: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 5 Página 361


O Bodhisattva Kashyapa disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Se as coisas
são como o Buda estabelece, o Ultimado é nada menos que Nirvana.
Como se pode alcançar esse Nirvana?”

“Oh bom homem! Se o Bodhisattva, Monge, Monja, Leigo, ou Leiga


pratica bem as dez imagens, saiba que essa pessoa atingirá o Nirvana.
Quais são essas dez? Elas são as imagens do: 1) não-eterno, 2) sofri-
mento, 3) não-Eu, 4) aversão a alimentos, 5) o mundo como nada ten-
do para desfrutar, 6) morte, 7) alguém que tem muitos pecados, 8)
afastar-se do [mundano] e emancipar-se, 9) extinção [das impurezas],
10) não-desejo.

Oh bom homem! Se qualquer Bodhisattva Mahasattva, Monge, Monja,


Leigo, ou Leiga pratica essas dez imagens, essa pessoa definitivamente
atingirá o Nirvana. Essa pessoa não seguirá o que outras mentes pen-
sam, mas discriminará o que é bom e o que não é bom para si. Isto é o
que chamamos: ‘Verdadeira concordância com a Via de um Monge, ou
concordância com a Via de uma Monja’.”

O Bodhisattva Kashyapa disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Como aque-


les desde o Bodhisattva Mahasattva até as Leigas praticam a imagem
do não-eterno?”

“Oh bom homem! Há dois tipos de Bodhisattvas, a saber: 1) aquele que


recém aspirou ao Bodhi, e 2) aquele que concluiu a prática da Via. Há
dois tipos de imagens do não-eterno, a saber: 1) a grosseira, e 2) a refi-
nada.

A Meditação Grosseira

“O Bodhisattva que recém aspirou ao Bodhi, quando ele medita sobre


a imagem do não-eterno, pensa: ‘Há dois tipos de coisa que se obtém
no mundo: 1) interna, e 2) externa. O que é interno é não-eterno e

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 362


muda. Quando se nasce, vê-se que as coisas que se obtém são diferen-
tes conforme as fases da vida como ao nascer, quando se é pequeno,
grande, no auge da vida, na velhice, e quando se morre. Vejo que em
todas essas fases da vida, as coisas não são as mesmas. Por isso, tenho
que saber que o que está comigo é não-eterno’.

Também, esse pensamento lhe ocorre: ‘Quando olho para os seres, um


é bem nutrido e jovem, é perfeito na força física e nos movimentos do
ir e vir, no caminhar adiante ou parar; e todas as coisas se procedem de
forma desimpedida e sem obstáculos. Ou por causa da doença, a força
física de uma pessoa é fraca e seu semblante é caído e assustador,
nada de altivez e liberdade. Ou vejo que os armazéns de uma pessoa
estão abarrotados, ou que outra pessoa é pobre e indigente. Ou vejo
alguém que é pleno em virtudes, ou vejo alguém cheio de maldades.
Assim, definitivamente sei que o que está dentro de alguém é não-
eterno. Também, com respeito ao mundo externo, vejo que as coisas
são diferentes umas das outras como, por exemplo, nas fases de se-
mente, broto, haste, folha, flor, e fruto. Tudo o que se estabelece [lá]
no mundo externo, ou é perfeito ou imperfeito. E sei que todas as coi-
sas definitivamente são não-eternas’.

Ao assim perceber que todas as coisas são não-eternas, em seguida se


medita sobre o que se ouve nos sermões: ‘Ouvi que embora os devas
[deuses, seres celestiais] desfrutem dos melhores prazeres, e embora
sejam desimpedidos nos poderes divinos, eles estão sujeitos aos cinco
presságios de declínio [indicação do seu eventual declínio pessoal do
status de ser um deva]. Devido a isto, sabe-se que o que existe é não-
eterno’.

‘Também, ouvi que nos primórdios do kalpa [aeon, era], havia muitos
seres. Cada um era trajado nas melhores virtudes. A luz que emanava
dos seus corpos era tão intensa que não se dependia em nada das lu-
zes do sol e da lua. [Mas,] devido ao poder do não-eterno, a luz desva-
neceu e as virtudes diminuíram. Também, ouvi que viveu, em tempos
passados, um Chakravartin [imperador do mundo] que governou sobre
Capítulo 44: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 5 Página 363
os quatro continentes. As sete gemas [que ele possuía] eram perfeitas,
e seu poder era altamente irrestrito. E ainda assim, ele não podia der-
rotar o não-eterno’.

Também, ele medita que sobre a grande terra, num tempo passado,
inumeráveis seres estavam totalmente estabilizados na vida e desfru-
tavam de paz, tal que nenhum sulco de roda se sobrepunha a outro.
Remédios maravilhosos estavam à mão, e as pessoas cresciam e pros-
peravam. Arbustos, árvores e frutos eram abundantes. Os seres foram
[gradualmente] menos abençoados e essa grande terra tinha pouca
força. Tudo o que crescia se desperdiçava. Por isso, deve-se saber que
todas as coisas são não-eternas.

Isto é o que chamamos (de imagem) ‘grosseira’ e não-eterna.”

A Meditação Minuciosa

Ao meditar-se sobre o grosseiro, medita-se em seguida sobre as partes


em detalhes. Como meditamos?

O Bodhisattva Mahasattva medita sobre todas as coisas, tanto dentro


como fora, até a existência das partículas. O que quer que possa surgir
no futuro será não-eterno. Por quê? Porque todas as coisas são perfei-
tas na forma de desintegração [isto é, completamente sujeitas à disso-
lução]. Se as coisas não fossem não-eternas no futuro, não poderíamos
dizer que há diferenças nos dez tipos (estágios) da forma física. Quais
são as dez? No momento, elas são: 1) membrana, 2) (tecido) esponjoso
(espumoso), 3) pústula (pox), 4) bola de carne, 5) membros, 6) criança
pequena, 7) criança, 8) jovem, 9) auge da vida, 10) velho decrépito. O
Bodhisattva medita: ‘Se a membrana não fosse não-eterna, ela não
poderia tornar-se (tecido) esponjoso. E se o auge da vida não fosse
não-eterno, a velhice nunca chegaria. Se o tempo não fosse fugaz,
momento após momento, ele nunca poderia durar muito. Tudo teria

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 364


que crescer ao mesmo tempo e ser pleno no tamanho. Por isso, deve-
se saber definitivamente que há existências de minúsculas partículas
não-eternas, as quais têm que seguir existindo continuamente [isto é,
mudando de momento a momento]. Também, vemos uma pessoa com
todos os seus sentidos orgânicos perfeitos, e de uma fisionomia bri-
lhante e resplandecente, [apenas para] tudo isto desaparecer (ser con-
sumido) num estado debilitado’.

Também, ele pensa: ‘Existe o não-eterno com essa pessoa [isto é, o


que é impermanente] sucedendo-se momento após momento’. Tam-
bém, ele medita sobre os quatro grandes elementos e as quatro con-
dutas. Também, ele medita sobre a causa do sofrimento, a fome, a
sede, o frio e o calor que existem dentro e fora. Também, ele medita:
‘Se essas quatro coisas não fossem não-eternas, (sucedendo-se) mo-
mento após momento, não poderíamos falar desses quatro sofrimen-
tos’.

Se o Bodhisattva medita bem assim, chamamos isto de meditação mi-


nuciosa (refinada) do Bodhisattva sobre o não-eterno.”

[O Buda disse:] “Como com todas as coisas que existem dentro e fora,
assim se dá com o que se obtém na mente. Por quê? Porque a ação (da
mente) se obtém nas seis esferas (dos sentidos). Quando se obtém isto
nas seis esferas, surgem a mente feliz, a mente irada, a mente do dese-
jo, ou a mente da cobiça. A vida continua de maneira diversa, uma
após a outra, e não pode ser una. Por essa razão, se tem que saber que
tudo o que é físico e não-físico é não-eterno.

Oh bom homem! Se o Bodhisattva pode, no lampejar de um momento,


ver o nascimento, a morte e a não-eternidade de todas as coisas, isto é
o que chamamos de perfeição na imagem do não-eterno do Bodhisatt-
va. Oh bom homem! A pessoa sábia aprende e pratica a imagem do
não-eterno, e acaba com a arrogância do eterno, com a inversão do
eterno, e com a inversão da imagem.

Capítulo 44: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 5 Página 365


A seguir, ele pratica a imagem do sofrimento. Por que deve haver esse
sofrimento? Ele vê que esse sofrimento está fundamentado no não-
eterno, que em razão do não-eterno, há o sofrimento do nascimento,
da velhice, da doença, e da morte; que em razão do nascimento, enve-
lhecimento, doença e morte, há o não-eterno; que em razão do não-
eterno, há o sofrimento interno e externo, tais como os sofrimentos da
fome, da sede, do frio, do calor, do açoite, da pancada, do abuso, e da
tolerância. Ele vê que todos os sofrimentos estão baseados no não-
eterno.

Também, além disso, a pessoa sábia olha profundamente dentro desse


corpo carnal e vê que ele é um receptáculo do não-eterno, e que esse
receptáculo é sofrimento. E como o receptáculo é sofrimento, as coisas
que são colocadas dentro dele são sofrimento.

Oh bom homem! A pessoa sábia medita [assim]: ‘O sofrimento é não-


eterno. Se o sofrimento é não-eterno, como um sábio poderia dizer
que existe um Eu [lá]? O sofrimento não é o Eu. O mesmo é o caso com
o não-eterno [isto é, aquilo que é impermanente não é o Eu]. Assim, os
cinco skandhas também são o não-eterno do sofrimento. Como todos
os seres poderiam dizer que existe o Eu?’

Também, além disso, ele medita sobre todas as coisas [assim]: ‘Há uma
conjunção daquilo que é diferente. Todas as coisas não surgem de uma
única conjunção. Também, uma coisa não é o resultado da conjunção
de todas as coisas. A conjunção de todas as coisas não possui um Eu de
si própria. Também, não há uma natureza única e nem diferentes natu-
rezas. Também, não há natureza da forma material, e nem desimpe-
dimento [liberdade irrestrita, desobstrução]. Se todas as coisas possu-
em esse aspecto da existência, como pode um sábio dizer que existe o
Eu?’

Também, ele pensa: ‘De todas as coisas, não há uma sequer que seja
criada por si mesma. Se não houvesse uma coisa que a tivesse criado, a
conjunção de todas as coisas não poderia acontecer. Todas as coisas
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 366
não podem surgir sozinhas (por si mesmas) e morrer sozinhas. Através
[do ato da] da conjunção, elas morrem, e através da conjunção, elas
surgem.

Quando as coisas surgem, os seres adquirem uma [visão] invertida e


dizem que isto é uma conjunção, e que isto surge através da conjun-
ção. Não há nada de verdadeiro na [visão] invertida dos seres. Como
poderia haver qualquer [visão assim] que fosse verdadeira?’ Por isso, o
sábio medita sobre o não-Eu.

E, também, a pessoa sábia pensa claramente: ‘Por que razão os seres


falam sobre o Eu? Por que é que os seres falam sobre o Eu? Se esse Eu
existe, ele deve ser um, ou muitos. Se ele é um, como pode haver (clas-
ses) como Kshatriyas, Brâmanes, Sudras, humanos e deuses, (seres)
infernais, espíritos famintos, animais, ou grandes e pequenos, ou ve-
lhos, ou auge da vida? Por essa razão, sei que o Eu não é um. Se o Eu
são muitos, como podemos dizer que o Eu do ser é um todo abrangen-
te, e não conhece limites? Seja um ou muitos, em qualquer caso, não
há Eu’.

Tendo meditado assim que não há um Eu, a pessoa sábia medita a


seguir sobre a imagem da aversão à comida, e pensa: ‘Se todas as coi-
sas são não-eternas, sofrimento, e não-Eu; como alguém poderia, em
prol da comida, cometer as três más ações do corpo, da boca e da
mente. Tudo o que esteve na mão [de uma pessoa] a acompanha e,
mais tarde, os resultados cármicos a visitam, e ninguém mais, de fato,
pode compartilhá-los’. Oh bom homem! A pessoa sábia ainda medita
[assim]: ‘Todos os seres, por conta de bebida e comida, sofrem as afli-
ções do corpo e da mente. Uma vez que se adquirem as muitas aflições
da comida, por que eu deveria sentir ganância ou apego? Por isso, eu
não cultivo uma mente voraz por comida’.

E, além disso, a pessoa sábia medita [assim]: ‘Através da comida e be-


bida, adquire-se o crescimento corpóreo [isto é, perpetua-se o proces-
so de incorporação física]. Eu agora pratico a renúncia, recebo os shila
Capítulo 44: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 5 Página 367
(preceitos), e pratico a Via. Tudo isto é o abandono do corpo carnal. Eu
agora cobiço essa comida. Como [então] serei capaz de abandonar esse
meu corpo?’ Mesmo meditando assim, se a comida for aceita, isto é
como se estivesse compartilhando no deserto da carne do seu próprio
filho, em cuja situação sua mente está tão severamente pressionada
que não pode haver qualquer sentimento de desfrute ou prazer.
Quando se medita assim sobre a comida, vemos esses erros [isto é,
esses males].

A seguir, a pessoa medita sobre o contato (toque) da comida: ‘É como


se fosse uma vaca esfolada que é devorada por inumeráveis vermes’.

A seguir, a pessoa pensa sobre a comida como sendo comparável a


uma grande bola de fogo, e sobre a consciência da comida como sendo
igual a 300 alabardas. Quando a pessoa sábia medita sobre os quatro
alimentos, não pode haver qualquer sentimento de prazer na imagem
de cobiçar e gostar de comida. Se a pessoa tem alguma cobiça por
comida, ela deve meditar sobre as impurezas. Por quê? Isto é apartar-
se do amor da cobiça. Ela deve discriminar as imagens das impurezas
em todos os alimentos, e perceber que todas as impurezas se contra-
em assim. Quando ela medita assim, e quando a comida boa ou má é
disposta diante dos seus olhos, ela sente como se a pomada estivesse
sendo aplicada ao seu próprio carbúnculo, não adquirindo jamais um
pensamento de desejo.

Oh bom homem! Se qualquer pessoa sábia vem a meditar assim, isto é


a consecução da renúncia à imagem da comida.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! A


pessoa sábia medita sobre comida e adquire a imagem da impureza.
Isto pode ser uma meditação verdadeira ou é algo falso? Se é verdadei-
ra, o que se come não pode ser impuro. Se isto é uma falsa compreen-
são, como se pode chamar isto de raiz do bem?”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 368


O Buda disse: “Tal imagem é tanto verdadeira como uma falsa com-
preensão. Se a ganância é totalmente aniquilada, essa imagem é ver-
dadeira. Quando o que não é um verme é visto como um verme, isto é
uma falsa compreensão. Oh bom homem! Todas as impurezas são
falsas e, no entanto, podem ser reais. Oh bom homem! A mente de um
Monge baseia-se na mendicância e pensa: ‘Eu agora mendigarei por
comida. Rogo para que obtenha o que seja bom e não o que seja vulgar
e ruim; que seja um bom bocado e não uma pequena quantidade.
Rogo para que a obtenha de uma só vez, e que não demore a chegar’.
Esse Monge não é chamado de alguém possuidor da imagem da re-
núncia. As coisas boas feitas (por ele) diminuirão dia e noite. Aquilo que
é mal aumentará gradativamente.

Oh bom homem! Se há algum Monge que mendiga por comida, ele


deve primeiro orar e dizer: ‘Satisfarei todos aqueles que mendigam por
comida. Essa doação de comida se converterá em imensuráveis bên-
çãos. Se eu obtiver comida, curarei o corpo envenenado, aprenderei e
praticarei o que é bom, e concederei benefícios à pessoa que doou’.
Após ter feito esses votos, o bem que ele pratica aumentará dia e noi-
te, e o que é mal se afastará. Oh bom homem! Se algum Monge pratica
a Via assim, esse alguém não compartilhará futilmente do que é dado.

Oh bom homem! Os sábios que são perfeitos nas quatro imagens pra-
ticarão uma imagem e pensarão que não há nada para agradá-los, e
pensarão para si: ‘Em todo o mundo, não há lugar onde o nascimento,
velhice, doença e morte não existam. E não há lugar onde eu não tenha
nascido. Se não há lugar onde não se encontre nascimento, velhice,
doença e morte; como posso me sentir feliz com o mundo? Em todo o
mundo, se segue em frente e não há lugar onde não se possa voltar.
Por isso, o mundo é definitivamente não-eterno. Se ele é não-eterno,
como uma pessoa sábia pode sentir felicidade? Cada ser dá a volta ao
mundo e, minuto a minuto, sofre e sente alegria. Pode-se ser abençoa-
do com o corpo do Brahma e atingir uma vida como a do céu da irrefle-
xão-não-irreflexão. Mas, quando a vida termina, ganha-se a vida no-
vamente nos três reinos do infortúnio. Uma pessoa pode adquirir o
Capítulo 44: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 5 Página 369
corpo dos quatro guardiões da terra, ou aquele do Paranirmitavasavar-
tin, mas quando a sua vida termina, ela cai novamente nos três reinos
do infortúnio. Ou pode nascer como um leão, um tigre, um búfalo chi-
nês, um chacal, um lobo, um elefante, um cavalo, uma vaca, ou um
burro’.

A seguir, a pessoa medita [assim]: ‘O Chakravartin pode bem reinar


sobre os quatro continentes, e pode ser grandioso e ilimitado [em seu
poder]. Mas quando a sua fortuna se for, ele se tornará pobre e sentirá
carência de comida e roupas’. A pessoa sábia de fato medita profun-
damente assim e adquire uma imagem do mundo como não sendo um
lugar onde ela possa ser feliz.

A pessoa sábia também medita [assim]: ‘Todas as coisas do mundo, tais


como cavalos, roupas, comida e bebida, roupas de cama, remédios,
incenso e flores, jóias, os vários tipos de música, tesouros e gemas são
procuradas unicamente para apartar-se das preocupações. Todas essas
coisas estão baseadas nas preocupações. Como alguém pode esperar
livrar-se das preocupações através das preocupações’. Oh bom ho-
mem! Quando uma pessoa sábia medita assim, ela não fomenta mais o
pensamento sobre as coisas mundanas e de qualquer imagem de pra-
zer [delas]. Oh bom homem! Por exemplo, um homem que está so-
frendo de uma doença grave não terá um sentimento ávido por músi-
ca, belas mulheres, flores e incenso, e jóias. Assim medita a pessoa
sábia.

O Brilho da Sabedoria

Oh bom homem! A pessoa sábia pensa profundamente sobre o mun-


do. Ela vê: ‘Ele não é um lugar para se refugiar, para adquirir Emancipa-
ção, quietude, amor, não é a outra margem, e nada tem do Eterno,
Êxtase, do Eu, e do Puro. Se eu procurar o mundo avidamente, como
posso afastar-me dele? Isto é como com um homem que, abominando

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 370


a escuridão, busca a luz e, no entanto, volta novamente para a escuri-
dão. A escuridão é o mundo; a luz é o Supramundano. Se eu aderir ao
mundo, mergulharei na escuridão e me afastarei da luz. Escuridão é
ignorância, e luz é o Brilho da Sabedoria. A causa do Brilho da Sabedo-
ria é a imagem onde não se sente qualquer expectativa de deleitar-se
nas coisas mundanas. Toda a cobiça nada mais é que o laço da impure-
za. Agora buscarei avidamente a luz da Sabedoria, e não o mundo’. A
pessoa sábia medita assim. Essa é a imagem onde não se busca (nada)
para si.

Oh bom homem! A pessoa sábia já praticou a imagem da não procura


pelos prazeres mundanos. A seguir, ela pratica a imagem da morte. Ela
vê essa vida. Ela vê que ela está sempre ligada a inúmeros inimigos. A
cada momento vê um decréscimo, nada aumentando. É como uma
montanha, onde a água corrente não pode encontrar um lugar para
descansar, ou como a geada da manhã que não pode permanecer mui-
to. Ela sempre impele para a prisão, só conduzindo alguém para a mor-
te. É como conduzir uma vaca ou ovelha para onde a morte as espe-
ra’.”

Extinção Momentânea

O Bodhisattva Kashyapa disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Como uma


pessoa sábia medita sobre a extinção momentânea?”

“Oh bom homem! Por exemplo, há quatro pessoas, todas exímias ati-
radoras. Elas se reúnem num lugar, e cada uma atira uma flecha numa
direção [particular]. Todas elas pensam: ‘Nós todos atiramos flechas
juntos, todas as quais cairão’. E uma pessoa pensa: ‘Antes que as qua-
tro flechas caiam ao chão, eu as capturarei com minhas mãos’. Assim
ele pensa. Oh bom homem! Essa pessoa age rapidamente ou não?”

Capítulo 44: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 5 Página 371


O Bodhisattva Kashyapa disse: “Ela faz isso de maneira muito rápida,
oh Honrado pelo Mundo!”

O Buda disse: “Oh bom homem! O demônio que vive sobre a terra
move-se mais rapidamente do que essa pessoa. Há um demônio voa-
dor que se move mais rápido que aquele sobre a terra. Os quatro guar-
diões da terra movem-se ainda mais rápido que o demônio voador. O
sol e a lua, e os seres celestiais movem-se mais rápido que os quatro
guardiões da terra. O garuda se move mais rápido que o sol e a lua. A
duração de vida de um humano se vai mais rapidamente que um garu-
da. Oh bom homem! Em uma respiração e num piscar de olhos, a vida
de um ser surge e morre 400 vezes. Se uma pessoa sábia medita sobre
a vida humana assim, isto é meditar sobre a extinção momentânea.

A pessoa sábia medita [assim] sobre a duração da vida: ‘Ela depende de


Yama [regente dos infernos, que envia velhice, doença e morte]. Se eu
puder ficar longe de Yama, me afastarei eternamente do não-eterno’.

Também, além disso, a pessoa sábia medita sobre a vida e a vê como


uma grande árvore de pé sobre um rochedo; ou ela a vê como alguém
que teria cometido um grande pecado mortal, de quem ninguém se
compadece enquanto está sendo punido. Ou as coisas se comparam a
um rei-leão que enfrenta uma grande fome, ou uma víbora que respira
um ar ardente, ou um cavalo montado sedento que escolta e cobiça a
água; ou a ira de um grande demônio a ponto de explodir. Assim se
dão as coisas com o rei da morte em relação aos seres. Oh bom ho-
mem! Se uma pessoa sábia medita assim, isto é aprender e praticar a
imagem da morte.

Oh bom homem! A pessoa sábia também medita [assim]: ‘Eu agora


renuncio. Mesmo que eu viva por apenas sete dias e noites, me esfor-
çarei neles. Serei fiel aos preceitos morais, proferirei sermões e conce-
derei benefícios aos seres’. Isto é como a pessoa sábia aprende e prati-
ca a imagem da morte.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 372


E ela torna os sete dias e noites mais que suficientes. ‘Ou se eu tiver
apenas seis, cinco, quatro, três, dois dias, ou um dia, ou uma hora, ou
um momento no qual eu respire, farei esforços e praticarei a Via, ob-
servarei e protegerei os preceitos, proferirei sermões, ensinarei a Via, e
concederei benefícios aos seres’. Isto é como a pessoa sábia medita
sobre a imagem da morte.

Quando a pessoa sábia está realizada nas seis imagens, isto se torna a
causa das sete imagens. Quais são as sete? Elas são: 1) sempre praticar
as imagens, 2) sentir alegria na prática das imagens, 3) a imagem da
não-ira, 4) a imagem de não ser invejoso, 5) a imagem de buscar o
bem, 6) a imagem de não ser orgulhoso, e 7) ser desimpedido no sa-
madhi.

Oh bom homem! Se um Monge é realizado nessas sete imagens, essa


pessoa é um Shramana ou um Brâmane. Isto é quietude, pureza, e
Emancipação. Isto é alguém que é sábio, e esta é a visão correta. Isto é
chegada à outra margem, um grande doutor, um grande mercador, e
isto é como ganhamos a alma secreta do Tathagata.

Também, isto é ser versado nos sete tipos de palavras de todos os Bu-
das, e também (isto é) cortar a malha de dúvidas com respeito ao que
existe lá nos sete tipos de palavras da visão correta.

Oh bom homem! Se uma pessoa é realizada nas seis imagens estabele-


cidas acima, aquela pessoa realmente reprova e renuncia, extingue, e
não ama os três mundos [do Desejo, Forma (matéria), e Amorfia (espí-
rito)]. Isto é como falamos de uma pessoa sábia que é realizada nas dez
imagens. Se um Monge é realizado nas dez imagens, isto significa que
ele de fato enaltece as características de um Shramana.”

Então, o Bodhisattva Kashyapa aplaudiu o Buda através de um gatha,


em sua presença:

“O Grande Médico que se compadece do mundo


Capítulo 44: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 5 Página 373
é sereno no corpo e Sabedoria.
No mundo do não-Eu, há o Verdadeiro Eu.
Por isso, eu presto homenagem ao Insuperável.

A mente que primeiro aspira [à Iluminação]


e a que ao final atinge, não estão separadas.
Dentre essas duas mentes, é difícil dizer qual surge primeiro.
O final ainda não foi atingido, (mas) salva-se os outros primeiro.
Esse é o porquê presto homenagem à aspiração inicial.

Desde o início, ele é o Mestre de humanos e deuses,


e está muito acima de Shramanas e Pratyekabudas.
Essa aspiração transcende os três mundos.
Esse é o porquê ele é o mais superior.

Ele procura salvar o mundo e atinge seu objetivo.


Sem ser solicitado, o Tathagata torna-se o refúgio.
O mundo segue o Buda como um bezerro
(no original está: ‘O Buda segue o mundo como um bezerro’),
Assim o chamamos de vaca grandemente compassiva.

A virtude do Tathagata emerge como uma torre,


acima de todo o mundo.
Os mortais comuns são baixos e ignorantes, e não podem apreciá-la.
Eu agora enalteço o coração (mente) compassivo,
que é para agradecer-lhe pelas duas ações do corpo e da boca.

O eterno e êxtase que se obtém do mundo


é somente para o próprio bem.
O Tathagata nunca faz isto.
Ele realmente erradica as retribuições cármicas de todos os seres.
Por isso, dou respeito às ações que ajudem (socorram) o próprio eu e
os outros.

O proveito do mundo segue o grau de amizade,


Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 374
evocando diferentes benefícios.
As boas obras do Tathagata sabem da não animosidade ou amizade.
O pensamento do Tathagata não procede como com as pessoas do
mundo.

Por isso, seu coração (mente) trabalha igualmente


e não há dois [isto é, não há divisão dentro dele].
O mundo fala diversamente, e suas ações diferem.
O Tathagata age como ele diz, e suas ações não diferem.
O que quer que seja praticado
erradica completamente todas [impurezas].

Por isso, o chamamos Tathagata.


Antes, ele está consciente dos males das impurezas.
Ele fala e age como ele fala, tudo para o benefício dos seres.
Há muito tempo desde que ele atingiu a Emancipação no mundo,
ele procura viver em meio ao nascimento e a morte,
tudo em prol da compaixão.

Ele manifesta-se nos mundos dos humanos e deuses,


mas sua compaixão segue-lhe como um bezerro.
O Tathagata é a mãe dos seres.
Seu coração (mente) compassivo é o pequeno bezerro.

Submetendo-se às dores, ele somente pensa nos seres.


Trabalhando na Compaixão, nenhum arrependimento há nele.
Transbordando está ele com a Compaixão,
e ele não conhece dificuldades.
Esse é o porquê curvo-me perante ele, aquele que extirpa a dor.

Inumeráveis são as obras do bem que o Tathagata realiza,


No entanto, ele é puro nas ações corpórea, oral, e mental.
Ele sempre age para o benefício dos seres,
mas não em seu próprio benefício.
Esse é o porquê curvo-me para suas ações puras.
Capítulo 44: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 5 Página 375
O Tathagata sofre pelas dificuldades, mas ele não as sente.
Ele olha para as dores dos seres
como olhasse para as dores do seu próprio filho.
Ele vive no inferno para o benefício dos seres,
mas não tem um sentimento de dor ou arrependimento.

Todos os seres experimentam diferentes dores,


todas as quais são aquelas do seu Eu único.
Tendo atingido a luz, seu coração (mente) é firme.
Assim ele pratica bem a Via Insuperável.

O Buda tem um grande coração (mente) compassivo de único sabor,


e se compadece dos seres como se fossem seus filhos.
Os seres não sabem que realmente o Tathagata salva.
E caluniam o Tathagata, o Dharma, e a Sangha.

O mundo está repleto de impurezas, e há inumeráveis males.


Mas todos esses grilhões das impurezas, pecados e males
o Tathagata quebra desde seu primeiro estágio de aspiração.
Somente ele, o Buda, todos os Budas elogiam.

Exceto o Buda, nenhum há que seja elogiado.


Eu agora com o Dharma Único o elogio.
O chamado coração compassivo viaja através do mundo.
O Tathagata é um grande globo do Dharma,
e sua Compaixão também realmente salva os seres.
Isto é Verdadeira Emancipação;
Emancipação é Grande Nirvana.”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 376


Capítulo Quarenta e Cinco: Sobre Kaundinya 1
Então o Honrado pelo Mundo falou a Kaundinya: “A forma material é
não-eterna. Ao acabar com essa forma, alcança-se a forma Eterna da
Emancipação. Assim se dá com o sentimento, percepção, volição, e
consciência, também. Ao acabar com a forma, alcança-se a forma Eter-
na da Emancipação e a Paz. Isto também diz respeito ao sentimento,
percepção, volição e consciência.

Oh, Kaudinya! A forma é Vazia. Ao acabar com a forma que é Toda-


Vazia, chega-se à forma Não-Vazia da Emancipação. Assim também se
dá com o sentimento, percepção, volição, e consciência.

Oh, Kaudinya! A forma material [‘rupa’] é não-Eu. Ao acabar com essa


forma, chega-se à forma do Verdadeiro Eu da Emancipação. Sentimen-
to é não-Eu. Ao acabar com esse sentimento, chega-se ao sentimento
do Verdadeiro Eu da Emancipação. Percepção é não-Eu. Ao acabar com
essa percepção, chega-se à percepção do Verdadeiro Eu da Emancipa-
ção. Volição é não-Eu. Ao acabar com essa volição, chega-se à volição
do Verdadeiro Eu da Emancipação. Consciência é não-Eu. Ao acabar
com essa consciência, chega-se à consciência do Verdadeiro Eu da E-
mancipação.

Oh, Kaudinya! A forma é não-Pura. Ao acabar com essa forma, chega-


se à forma Pura da Emancipação. Assim se dá com o sentimento, per-
cepção, volição, e consciência.

Oh, Kaudinya! A forma é o que representa nascimento, velhice, doen-


ça, e morte. Ao acabar com essa forma, chega-se à forma do não-
nascimento, não-velhice, não-doença, e não-morte da Emancipação.
Assim se dá com o sentimento, percepção, volição, e consciência.

Capítulo 45: Sobre Kaundinya 1 Página 377


Oh, Kaudinya! A forma é a causa da ignorância. Ao acabar com essa
forma, chega-se à forma da não-causa da ignorância da Emancipação.
Assim se dá com o sentimento, percepção, volição, e consciência.

Oh, Kaudinya! A forma é precisamente a causa do nascimento. Ao aca-


bar com essa forma, chega-se à forma da não-causa do nascimento da
Emancipação. Assim se dá com o sentimento, percepção, volição, e
consciência.

Oh, Kaudinya! A forma é a causa das quatro inversões. Ao acabar com a


forma invertida, chega-se à forma da não-causa das quatro inversões
da Emancipação. Assim se dá com o sentimento, percepção, volição, e
consciência.

Oh, Kaudinya! A forma física é a causa das inumeráveis coisas más. Ela
é o corpo carnal do macho, etc. É o alimento do amor da luxúria. É a
cobiça, a ira, e a inveja. É uma mente má e rancorosa. É o alimento
vulgar [isto é, o alimento que tem aroma, sabor e textura; e que pode
ser cortado e comido], o alimento da consciência [isto é, a consciência
servindo como alimento. Por exemplo, o poder mental que às vezes
suprime o sentido da fome de alguém], o alimento do pensamento
[isto é, o poder do pensamento, ou o poder da volição], e o alimento
do tato [isto é, o sentido emocional que às vezes serve para suprimir o
sentido da fome de alguém]. Há o nascimento-do-ovo, o nascimento-
do-embrião, e o nascimento-da-transformação. Há os cinco desejos e
os cinco obscurecimentos (ofuscamentos). Todas essas coisas estão
baseadas na forma material.

Ao acabar com a forma, chega-se à forma da Emancipação, que não


contém quaisquer dessas coisas más. É o mesmo com o sentimento,
percepção, volição, e consciência.

Oh, Kaudinya! Forma é servidão. Ao acabar com a forma da servidão,


chega-se à forma da Emancipação, que não é escravidão. É o mesmo
com o sentimento, percepção, volição, e consciência.
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 378
Oh, Kaudinya! A forma é um fluxo. Ao acabar com a forma que é um
fluxo, chega-se à forma da Emancipação, que não é um fluxo. Assim
também se dá com o sentimento, percepção, volição, e consciência.

Oh, Kaudinya! Forma é não-tomada-de-refúgio. Ao acabar com a for-


ma, chega-se à forma da Emancipação, que é tomada de refúgio. O
mesmo também se aplica ao sentimento, percepção, volição, e consci-
ência.

Oh, Kaudinya! Forma é varíola e verrugas (erupções e tumores). Ao


acabar com a forma, chega-se à Emancipação, que não é varíola ou
verrugas. O mesmo se aplica ao sentimento, percepção, volição, e
consciência também.

Oh, Kaudinya! Forma é não-quietude. Ao acabar com essa forma, che-


ga-se à forma da quietude do Nirvana, que é quieto. Assim também se
dá com o sentimento, percepção, volição, e consciência.

Oh, Kaudinya! Se houver qualquer pessoa que possa conhecer as coisas


assim, essa pessoa é um Shramana ou um Brâmane, e esse alguém é
perfeito no Dharma do Shramana ou Brâmane. Oh, Kaudinya! Se al-
guém se afasta do Buda-Dharma, então esse alguém não é Shramana
ou Brâmane; e nem há qualquer Dharma do Shramana ou Brâmane.
Todos os tirthikas falam falsamente e enganam. E não há ação que seja
verdadeira [com eles]. Também, fingem ao dizer que existem esses
dois (Shramana e Brâmane). Mas, isto não é verdadeiro. Por que não?
Se não há o Dharma do Shramana ou Brâmane, como pode alguém
dizer que exista um Shramana ou Brâmane? Eu sempre emito o rugido
do leão em meio à congregação. Você, também, deve fazer o mesmo
em meio à congregação.”

Naquela ocasião, muitos tirthikas estavam presentes, os quais, ao ouvi-


rem isto, tornaram-se irados e disseram: “Gautama agora diz que não
há Shramanas ou Brâmanes em meio a nós, e que não existe Dharma
Capítulo 45: Sobre Kaundinya 1 Página 379
do Shramana ou Brâmane. O que significa que devemos aceitar am-
plamente, mas advertir Gautama, para dizer-lhe que nós também te-
mos Shramanas e o Dharma dos Shramanas, e Brâmanes e o Dharma
dos Brâmanes.”

Então, havia em meio à multidão um Brahmacarin que disse: “Oh, to-


dos vocês! O que Gautama diz é fruto da loucura. Não há diferença.
Que interesse há em pegar esse ponto e se preocupar com ele? Todas
as pessoas loucas cantam, dançam, choram, riem, reprovam, e louvam.
Elas não podem distinguir entre inimigos e amigos. É o mesmo com
Gautama, que diz que ele nasceu na casa de Suddhodana, ou que não
nasceu; ou que quando nasceu ele deu sete passos, ou não; ou que
desde a sua infância ele aprendeu as coisas do mundo, ou que ele é
Pleno-Conhecedor; ou que, naquela ocasião, ele teve uma vida palaci-
ana, desfrutou de todos os prazeres e teve um filho, ou que, numa
outra ocasião, ele desprezou, reprovou e repreendeu [os prazeres sen-
suais]; ou que ele, às vezes, praticou penitências por seis anos, ou que
ele condenou as penitências dos tirthikas; ou que ele seguiu Udraka-
ramaputra e Aradakalama, e foi ensinado sobre o que ele não sabia
antes, ou que não há nada que ele não saiba; ou que ele atingiu o Insu-
perável Bodhi [Iluminação] sob a sombra da Árvore Bodhi, ou que ele
não foi para a árvore, e que ele nada fez; ou que o Nirvana vem quando
o corpo carnal se vai. O que Gautama diz é o que um louco diz, não há
diferença. Assim, por que deveríamos nos preocupar com ele?”

Todos os Brâmanes responderam e disseram: “Oh Grande! Como po-


demos não estar incomodados? O Shramana Gautama renunciou o
mundo e disse que o que existia era nada mais que o não-eterno, so-
frimento, Vazio, não-Eu, e o Impuro; e nossos discípulos ouviram as
suas palavras e ficaram assustados. Como poderíamos ser seres não-
eternos, sofrimento, Vazio, não-Eu, e Impuros? Não lhe demos ouvido.
Agora, Gautama está aqui novamente, nesta floresta de árvores sala, e
diz às pessoas que existe o Dharma do Eterno, do Êxtase, do Eu, e do
Puro. Todos os nossos discípulos ouvem suas palavras, deixam-nos e

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 380


ouvem as palavras de Gautama. Por essa razão, estamos profunda-
mente preocupados.”

Então, havia um Brâmane que disse: “Todos vocês! Ouçam-me aten-


tamente, ouçam-me atentamente! Gautama professa a prática da
compaixão. Isto é uma mentira. Não é verdadeiro. Se ele tem compai-
xão, como pode tomar os meus discípulos e fazê-los seguir os seus
ensinamentos? A fruição da compaixão é seguir a vontade dos outros.
Ele está indo contra a minha vontade. Como podemos dizer que ele
tem compaixão? Se Gautama diz que ele não é maculado pelas oito
coisas do mundo, isto, novamente, é nada mais que uma falsidade. Se
for dito que Gautama tem pouco desejo e que ele está satisfeito com o
pouco que tem, como, novamente, ele pode privar-nos daquilo que é
nosso? Se ele diz que é nascido de uma alta casta, isto novamente é
inverídico. Por quê? Desde há muito, não temos visto ou ouvido falar
de um grande rei-leão que tenha causado danos a pequenos ratos. Se
Gautama vem da alta casta, como ele pode causar-nos preocupações?
Se as pessoas dizem que Gautama possui grande poder, isto é uma
mentira. Por quê? Desde há muito, nunca vimos um Garuda brigando
com uma vaca. Se ele possui grande poder, por que ele brigaria conos-
co? Se for dito que Gautama possui o poder de ler as mentes das pes-
soas, isto novamente é uma mentira. Por que é assim? Se ele é dotado
com esse conhecimento, como pode estar obscurecido na leitura de
nossas mentes? Todos vocês! Certa vez, eu estava com um velho e
sábio homem que dizia que no prazo de 100 anos, haveria uma apari-
ção. Essa (aparição) bem poderia ser Gautama. E essa aparição está
agora prestes a desaparecer nessa floresta de árvores sala, não demora
muito. Não nos preocupemos!”

Então, havia um Nirgrantha que disse: “Oh irmãos! Minha mente está
magoada. Isso não é devido aos oferecimentos dos meus discípulos. O
problema é que o mundo é ignorante e cego, e não conhece o que é
um campo de prosperidade (bênçãos) e o que não é. Por fazerem ofe-
recimentos a um jovem, abandonando os velhos e sábios Brâmanes.
Isto é o que me preocupa. O Shramana Gautama sabe muito de feitiça-
Capítulo 45: Sobre Kaundinya 1 Página 381
ria. Por este meio, ele apresenta um corpo em numerosas formas, e
numerosas formas em um corpo; ou ele apresenta-se como um ho-
mem, mulher, vaca, carneiro, elefante, ou cavalo. Eu destruirei essa
feitiçaria. Quando Shramana Gautama se for, vocês voltarão a desfru-
tar de muitos oferecimentos e serão abençoados com a paz.”

Então, havia um Brâmane que disse: “O Shramana Gautama é realizado


e perfeito em inúmeras virtudes. Assim, não deveríamos lutar contra
ele.”

A grande multidão disse: “Oh você, ignorante! Como você se atreve a


dizer que o Shramana Gautama é realizado na grande virtude. Sete dias
após o seu nascimento, sua mãe morreu. É isto que você chama de
uma família de grandes bênçãos?”

O Brâmane disse: “Quando repreendido, não se torna irado, e quando


espancado, não revida. Saibam que isso pode ser nada mais que a for-
ma do grande bem-estar. Seu corpo é perfeito nas 32 marcas da perfei-
ção e nas 80 características menores de excelência, e é dotado com
inumeráveis poderes miraculosos. Assim, saibam que todas essas coi-
sas são do bem-estar. Sua mente não conhece arrogância. Sua mente,
primeiro indaga e reflete. O que é dito é gentilmente falado. Não há
qualquer grosseria desde o início. A sua idade e vontade são rigorosas
e, no entanto, sua mente não é rude. Ele não cobiça qualquer reino ou
riqueza. Ele abandonou tudo aquilo, como se fossem lágrimas e saliva.
Esse é o porquê eu digo que o Shramana Gautama é realizado e perfei-
to nas inumeráveis virtudes.”

A grande multidão disse: “Bem falado! O Shramana Gautama, como


você diz, é realmente perfeito em inumeráveis poderes miraculosos.
Como não podemos lutar com ele contra isso? O Shramana Gautama é
gentil no sentimento e natureza. Sendo assim, ele não pode suportar
penitências. Nascido nas profundezas do palácio, ele é incapaz de go-
vernar as coisas. Tudo o que ele faz é falar em voz baixa. Ele não co-
nhece artes, nada de literatura e oratória. Vamos falar sobre os funda-
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 382
mentos do Dharma Correto. Se ele derrotar-nos, o serviremos; se ven-
cermos, ele nos servirá.”

Naquela ocasião, havia muitos tirthikas [presentes]. Juntos, eles foram


à Magadha, ao (Rei) Ajatasatru. O rei os viu e indagou: “Todos vocês
estão no ensinamento sagrado. Vocês são aqueles que renunciaram o
mundo. Vocês abandonaram a riqueza e as coisas da vida secular. To-
das as pessoas do meu reinado fazem oferecimentos para vocês. Eles
os tratam com respeito e não agem contra vocês. Por que vocês se
juntaram e vieram aqui reunidos e querem me ver? Oh vocês! Todos
vocês pertencem a diferentes ensinamentos, têm diferentes preceitos,
e diferentes circunstâncias nas quais renunciaram seus lares. Cada um
de vocês pratica a Via seguindo preceitos. Por que é que todos vocês
estão unidos em pensamento, como se o vento houvesse levado todas
as folhas caídas juntas a um único lugar? O que vocês pretendem falar
por terem vindo aqui ‘em massa’? Eu sempre protejo as pessoas reti-
rantes-do-mundo [isto é, que buscam o espiritual, renunciantes do
mundo] e não fico atrás dos outros no uso do meu corpo e vida [para
ajudá-los].”

Então, todos os tirthikas disseram em uníssono: “Oh Grande Rei! Ouça-


nos atenciosamente. Você agora é a grande ponte do Dharma, o gran-
de chifre (arauto), a grande escala (medida, ponderação) do Dharma.
Você é o receptáculo de todas as leis. Você é a verdadeira natureza de
todas as virtudes. Você é a estrada do Dharma Correto. Você é o último
campo onde plantar sementes. Você é o manancial do estado. Você é o
espelho brilhante de todas as terras. Você é como todas as formas de
todos os céus. Você é como os pais para o povo de todas as terras. Oh
Grande Rei! Você é o tesouro de todas as virtudes do mundo. Isto é o
corpo do Rei. Por que dizemos que você é o repositório de virtudes? O
Rei conduz a administração do estado sem parcialidade ou hostilidade.
A mente do Rei é justa como a terra, água, fogo, e vento. Esse é o por-
quê dizemos que o Rei é o repositório de virtudes.

Capítulo 45: Sobre Kaundinya 1 Página 383


Oh Grande Rei! A duração da vida dos seres na presente era é despre-
zível. Mas a virtude do Rei é como aquela dos reis dos tempos passa-
dos, quando os humanos eram abençoados com longa vida e paz. A
situação é como aquela dos (reis) Nascido-Cabeça (Head-Born), Sudar-
sana, Paciência (Forbearance), Nahusa, Yajata, Sibi, e Iksvaku. Todos
esses reis eram perfeitos no Bom Dharma. Você também, Rei, é o
mesmo. Oh Grande Rei! Devido a você, a terra está em paz e as pesso-
as fazem o bem. Esse é o porquê todos os retitantes-do-mundo amam
o seu estado, observam os preceitos, fazem esforços, e praticam o
caminho correto. Oh Grande Rei! Estabelecemos nos sutras que se o
retirante-do-mundo observa os preceitos e faz esforços como estabe-
lecido no estado, o Rei também compartilha do bem que é praticado.
Oh Grande Rei! Você já acabou com todos os ladrões, e não há nada
que os retirantes-do-mundo temam. Só que, lá vive apenas uma má
pessoa: o Shramana Gautama. Você, Rei, ainda não o testou. Estamos
todos temerosos. Essa pessoa se vangloria [orgulha-se] do seu nasci-
mento e casta, da sua compleição física, e que por força das doações
que ele realizou no passado, ele é recompensado com muitos ofereci-
mentos. Em todas essas circunstâncias, ele é arrogante, e em razão da
sua feitiçaria, ele é altivo. Por essa razão, não podemos cumprir nossas
penitências. Ele recebe roupas leves e roupas de cama. Assim, ele é o
pior de todos no mundo. Pelos ganhos, as pessoas vão a ele, e por se
tornarem membros da sua família, são incapazes de praticar penitên-
cias. Através da feitiçaria, ele venceu Kashyapa, Shariputra, Maudgal-
yayana, e outros. E agora ele veio para o nosso lugar, à floresta das
árvores sala e, declarando que seu corpo é o Eterno, Êxtase, o Eu, e o
Puro, ele seduz nossos discípulos. Oh Grande Rei! Previamente Gauta-
ma disse: não-eterno, não-êxtase, não-eu, e não-puro. Nós o tolera-
mos. Agora ele diz: Eterno, Êxtase, Eu, e Puro. Não podemos tolerá-lo.
Por favor, oh Grande Rei! Permita-nos argüir o ponto com Gautama.”

O Rei disse: “Oh todos vocês, grandes! O que os incita, a tal ponto de
tornarem-se exasperados e inquietos como grandes ondas de água, ou
como círculos de fogo, ou como macacos que se lançam por entre as
árvores? Isto é uma vergonha. Se os sábios ouvirem sobre isto, sentirão
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 384
piedade de vocês. Se os ignorantes ouvirem sobre isto, rirão de vocês.
O que vocês dizem não é apropriado para qualquer pessoa retirante-
do-mundo. Se vocês estão sofrendo da doença do ar (respiratória) ou
da varíola da água amarela, eu tenho o remédio para tudo isto. Eu os
curarei. Se trata-se de alguma doença de um demônio, meu médico da
família, Jivaka [um famoso médico da residência real de Ajatasatru],
acabará completamente com ela. Todos vocês pretendem agora arran-
car o Monte Sumeru com suas mãos e unhas, ou tentar mastigar e roer
um diamante.

Oh todos vocês, grandes! Isto é como uma pessoa ignorante desejando


despertar um rei-leão adormecido na ocasião em que o leão está sen-
tindo fome; ou como tentar tocar a boca de uma víbora com o próprio
dedo; ou como brincar com as brasas que se escondem sob as cinzas.
Esta é a situação com vocês agora. Isto é como uma raposa selvagem
querendo imitar um rugido de leão, ou um mosquito querendo compe-
tir em velocidade com um Garuda [pássaro mítico veloz]. É como uma
lebre desejando atravessar o oceano e sondar as suas profundezas.
Vocês também são como isto. Se vocês estão sonhando com uma vitó-
ria sobre Gautama, tal sonho é próprio de um fanático. Não vale a pena
acreditar nele. Oh vocês, grandes! Vocês agora pensam assim. Isto é
como uma borboleta voando que se lança numa bola de fogo. Ouçam a
minha palavra! Não digam nada mais! Vocês dizem que sou justo e que
sou como uma escala (do Dharma). Mas não deixem que nada como
isto chegue aos ouvidos das outras pessoas.”

Então os tirthikas disseram: “Oh Grande Rei! O feitiço de Gautama será


tal que, quando ele (o feitiço) aparecer diante de você, ele fará com
que a mente do Grande Rei não duvide das palavras desses santos. Oh
Grande Rei! Por favor, não despreze os grandes. Oh Grande Rei! Quem
deu a sabedoria do crescente e do minguante da lua, da salinidade da
água do grande oceano, e do Monte (Hy)Malaya? Tudo isto não é obra
dos Brâmanes? Oh Grande Rei! Você não ouviu que o Rishi Gautama
realizou um milagre, tal que por 12 longos anos ele transformou-se no
corpo carnal do Shakya, e fez o corpo do Shakya como aquele de um
Capítulo 45: Sobre Kaundinya 1 Página 385
carneiro, e fez 1.000 valvas para permanecer no corpo do Shakya? Oh
Grande Rei! Você não ouviu que o Rishi Jatukarna bebeu em um dia as
águas dos quatro mares, tal que toda a terra ressecou? Oh Grande Rei!
Você não ouviu que o Rishi Vasu tornou-se um Mahesvara e tinha três
olhos? Oh Grande Rei! Você não ouviu que o Rishi Aradakalama trans-
formou o Castelo Garapu em terra? Oh Grande Rei! Os Brâmanes têm
homens de grande poder. Você pode facilmente confirmar os fatos. Oh
Grande Rei! Por que você os subestima?”

O rei disse: “Todos vocês! Se vocês não acreditam no que lhes digo, o
Tathagata, o Corretamente-Iluminado, está agora na floresta das árvo-
res sala. Vocês podem ir e questionar ou reprovar-lhe como queiram. O
Tathagata também verá vocês e para o seu benefício explicará as coisas
em detalhes e responderá suas questões.”

Então o Rei Ajatasatru foi ao Buda, juntamente com os tirthikas e com


o seu próprio séquito. Ele prostrou-se ao chão, e circundou o Buda por
três vezes. Tendo prestado homenagem, ele recuou e tomou assento a
um lado, e disse ao Buda: “Esses tirthikas desejam colocar questões a
você à sua própria maneira. Você será benevolente quanto a respondê-
las?”

O Buda disse: “Oh Grande Rei! Espere! Sei quando devo.”

Então, em meio àqueles que estavam presentes, havia um Brâmane


chamado Jataishuna. Ele disse: “Oh Gautama! Você estabelece que
Nirvana é aquilo que é eterno?”

“É assim, é assim, oh grande Brâmane!”

O Brâmane disse: “Você diz que Nirvana é eterno. Mas este não é o
caso. Por que não? O que se obtém no mundo é que de uma semente
surge o fruto. Isso continua, e não há interrupção. Isto é como com um
vaso, que vem do barro e do tecido. Você, Gautama, sempre diz:
‘Quando se pratica a imagem do não-eterno, chega-se ao Nirvana’.
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 386
Você, Gautama, também diz: ‘Quando se acaba com o desejo e a cobi-
ça, isto é Nirvana. Quando se acaba com a cobiça do corpo [‘rupa’] e do
não-corpo, isto é Nirvana. Quando se acaba com as impurezas da igno-
rância, isto é Nirvana’. Tudo, desde o desejo até a impureza da igno-
rância, é não-eterno. Se a causa é não-eterna, o Nirvana que surge
[dela] também deve ser não-eterno. Você, Gautama, também diz: ‘A-
través da causa vem o nascimento no céu; através da causa ganha-se o
inferno; e através da causa (vem) a emancipação. Assim, todas as coi-
sas surgem das causas’. Se a Emancipação resulta de uma causa, como
se pode chamá-la de eterna?

Você, Gautama, também diz: ‘A forma [‘rupa’] vem das relações cau-
sais. Por isso, é não-eterna. Assim também é com o sentimento, per-
cepção, volição, e consciência’. Se Emancipação é forma, saiba que o
que há [aqui] é não-eterno. Assim também se estabelece com o senti-
mento, percepção, volição, e consciência. Se existe qualquer Emanci-
pação fora dos cinco skandhas, tal Emancipação é Vazio. Se é Vazio,
não podemos dizer que as coisas vêm das relações causais. Por que
não? Porque a eternidade é única e permeia todos os lugares. Você,
Gautama, também diz que o que surge da causação é sofrimento. Se é
sofrimento, como podemos dizer que Emancipação é Êxtase?

Oh Gautama! E você diz que o não-eterno é sofrimento e que sofri-


mento é não-Eu. Se é não-eterno, e não-Eu, o que existe é não-puro. O
que não surge da causa deve ser não-eterno, sofrimento, não-Eu, e
não-puro. Como podemos dizer que Nirvana é o Eterno, Êxtase, o Eu, e
o Puro? Oh Gautama! Se se estabelece: eterno e não-eterno, sofrimen-
to e êxtase, o Eu e o não-Eu, o puro e o não-puro – esses não são dois
termos? Certa vez ouvi de um velho sábio que: ‘Se algum Buda aparece
no mundo, ele não fala palavras dúbias’. Você, Gautama, agora fala de
forma dúbia e diz: ‘E o Buda é meu próprio eu carnal’. O que você quer
dizer com isto?”

O Buda disse: “Oh Brâmane! Agora lhe indagarei sobre o que você diz.
Responda exatamente como você pensa!”
Capítulo 45: Sobre Kaundinya 1 Página 387
O Brâmane disse: “Bem falado, Gautama!”

O Buda disse: “Sua natureza é eterna ou não-eterna?”

O Brâmane disse: “Minha natureza é eterna.”

“Oh Brâmane! Essa natureza se torna a causa das coisas dentro e fo-
ra?”

“É assim, Gautama.”

O Buda disse: “Oh Brâmane! Como é que se torna a causa?”

“Oh Gautama! Da natureza vem o ‘grande’ (‘eminência’); da eminência,


vem a arrogância; da arrogância, as 16 coisas, as quais são: 1) terra,
água, fogo, vento, e espaço; 2) os cinco sentidos orgânicos, os quais
são: olhos, ouvidos, nariz, língua, e tato; 3) as cinco ações orgânicas, as
quais são: mãos, pés, voz, os dois órgãos sexuais do macho e da fêmea;
4) os sentidos orgânicos iguais da mente. Essas 16 coisas surgem de
cinco coisas, as quais são: cor, som, cheiro, sabor, e toque. Essas 21
coisas têm três qualidades-raiz, as quais são: 1) impureza, 2) rudeza
(grosseria), e 3) escuridão. A impureza é desejo; a rudeza é ira; e a es-
curidão é ignorância. Oh Gautama! Essas 25 coisas surgem da nature-
za.”

“Oh Brâmane! Essas coisas desde ‘grande’, etc. (até a ignorância), são
eternas ou não-eternas?”

“Oh Gautama! A natureza do dharma sobre a qual eu falo é eterna.


Todas as coisas, começando com ‘grande’, são não-eternas.”

“Oh Brâmane! Com base no que você diz, parece que de acordo com
você a causa é eterna e o fruto é não-eterno. Ora, que erro poderia

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 388


haver quando eu digo que a causa é não-eterna, mas o resultado é
eterno? Oh Brâmane! Há duas causas naquilo que você fala?

A resposta veio: “Sim! Há.”

O Buda disse: “Quais são as duas?”

O Brâmane disse: “Uma é a causa pelo nascimento (original) e a outra é


a causa reveladora.”

O Buda disse: “O que é causa pelo nascimento e o que é causa revela-


dora?”

O Brâmane disse: “A causa pelo nascimento pode ser comparada ao


barro do qual vem o vaso; a causa reveladora é como uma lâmpada
que ilumina um objeto.”

O Buda disse: “Desses dois tipos de causa, a natureza da causa é única?


Se é única, a causa pelo nascimento bem pode tornar-se a causa reve-
ladora, e a causa reveladora pode tornar-se a causa pelo nascimento.
Não é assim?”

“Não, Oh Gautama!”

O Buda disse: “Eu digo que Nirvana é atingido a partir do não-eterno,


mas é não não-eterno. Oh Brâmane! Quando o alcançamos através da
causa reveladora, alcançamos o Eterno, Êxtase, o Eu, e o Puro. Quando
o vemos do ponto de vista da causa pelo nascimento, alcançamos o
não-Eterno, não-Êxtase (no original está não-nascimento), não-Eu, e
não-Puro. Esse é o porquê o Tathagata fala de duas maneiras. Não
pode haver dubiedade de palavras. Esse é o porquê dizemos que o
Tathagata não tem palavras dúbias. Você diz que certa vez ouviu de
uma pessoa sábia que já se foi que: ‘O Buda aparece no mundo e não
fala palavras dúbias (de duplo sentido)’. Isso tudo é muito bom. O que
é dito por todos os Budas das dez direções e dos Três Tempos não dife-
Capítulo 45: Sobre Kaundinya 1 Página 389
re. Esse é o porquê dizemos que o Buda não tem qualquer dubiedade
nas palavras.

Como eles (os Budas) não diferem (em suas palavras)? O que é ‘é’ é
declarado como ‘é’; e tudo que é ‘não-é’ é estabelecido como sendo
‘não-é’. Por isso, significado único. Oh Brâmane! O Tathagata-Honrado-
pelo-Mundo diz duas coisas. Isto é apenas para revelar uma palavra.
Como duas palavras podem revelar uma? É como no caso das duas
palavras do ‘olho’ e ‘forma’, as quais evocam uma palavra: ‘consciência
viva’. Assim se obtém com a mente um dharma.”

O Brâmane disse: “Oh Gautama! Você compreende bem os significados


dessas palavras. Eu ainda não cheguei ao significado de que duas pala-
vras são uma.”

Então o Honrado pelo Mundo falou das Quatro (Nobres) Verdades. “Oh
Brâmane! Falemos da ‘Verdade do Sofrimento’, a qual é duas e tam-
bém uma. Isto se aplica por extensão até a ‘Verdade da Via’, que no-
vamente é duas e também uma.

O Brâmane disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Agora vejo.”

O Buda disse: “De que maneira você vê?”

“Oh Honrado pelo Mundo! Dizemos ‘Verdade do Sofrimento’. Todos os


mortais comuns vêem duas coisas. Mas, com as pessoas sagradas, o
que existe é uma (coisa). Assim é com a ‘Verdade da Via’, também.”

O Buda disse: “Bem falado! Você vê bem.”

O Brâmane disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Eu agora ouvi o Dharma e


adquiri a visão correta. Eu agora tomarei refúgio no Buda, Dharma, e
Sangha. Rogo para que me admita em sua Ordem.”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 390


Então o Honrado pelo Mundo disse a Kaundinya: “Você agora barbeie
esse Jadaishuna e admita-o na Ordem.”

Então Kaundinya, por ordem do Buda, barbeou [Jadaishuna]. Quando


isto foi feito, houve duas quedas: Uma do cabelo, e a outra das impure-
zas. E naquele instante, ele atingiu o Arhatship. Também, havia um
Brahmacarin chamado Vasistha, que disse: “Oh Gautama! O Nirvana de
que você fala é do eterno?”

“É assim, Oh Brahmacarin!”

Vasistha disse: “Oh Gautama! Quando não há impurezas, você chama


isto de Nirvana?”

“É assim, Oh Brahmacarin!”

Vasistha disse: “Há quatro instâncias onde eu digo ‘não-é’. Estas são: 1)
uma coisa que ainda não surgiu. Isto é um ‘não-é’. Isto é como no caso
de um vaso quando ele ainda não surgiu do barro. E dizemos que não
existe o vaso; 2) o que se foi é chamado ‘não-é’. Isto é como no caso de
um vaso quebrado. Naquela ocasião, dizemos que não existe o vaso; 3)
o que não existe nas coisas que são diferentes na natureza, onde dize-
mos ‘não-é’, como no caso de uma vaca, em que não há nada de um
cavalo, e no caso do cavalo, em que não existe uma vaca; 4) quando
nada existe em qualquer que seja a circunstância, como no caso do
cabelo de uma tartaruga ou dos chifres de uma lebre. Oh bom homem!
Se Nirvana é aquilo que ‘é’ quando as impurezas se acabam, Nirvana é
um ‘não-é’. Se for assim, como podemos dizer que há o Eterno, Êxtase,
o Eu, e o Puro?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Nirvana não é como um vaso que não
existia quando ainda no barro. Também, não é como o ‘não-é’ da ex-
tinção, ou o ‘não-é’ de um vaso que quebrou. Também, não é o ‘não-é’
do absoluto ‘não-é’, como no caso do cabelo de uma tartaruga ou dos

Capítulo 45: Sobre Kaundinya 1 Página 391


chifres de uma lebre; e nem é o ‘não-é’ daquilo que é diferente por
natureza.

Oh bom homem! Você pode dizer que não existe cavalo em uma vaca.
Mas, você não pode dizer: ‘Não existe cavalo’. Não existe vaca em um
cavalo, mas você não pode dizer: ‘Não existe vaca’. Assim acontece
também com o Nirvana. Não há Nirvana na impureza, e nem impureza
no Nirvana. Assim, dizemos que diferentes coisas não se possuem mu-
tuamente.”

Vasistha disse: “Oh Gautama! Se você disser que Nirvana é o que não
existe em outra coisa, isto implicará em dizer que o Eterno, Êxtase, o
Eu, e o Puro não existem na singularidade (indivisível = 相無相 = One-
ness ou none-ness; unidade ultimada, ou a unidade do absoluto, não
há diversidade) de uma coisa diferente. Oh Gautama! Como você pode
dizer que existe o Eterno, Êxtase, o Eu, e o Puro?”

O Buda disse: “Há três singularidades naquilo que você diz. O caso da
vaca e do cavalo é o que não foi antes, mas agora é. Isto é o que não foi
antes. O que foi, mas agora não é [mais], é o que vem quando uma
coisa quebra. O ‘não-é’ pela via da diferença (na natureza) é como você
diz. Oh bom homem! Não encontramos esses três tipos de ‘não-é’ no
Nirvana. Portanto, Nirvana é o Eterno, Êxtase, o Eu, e o Puro.

Três Tipos de Doenças dos Seres

Isto é como com quem está doente, [onde ou há]: 1) febre, 2) doença
do ar (respiratória), ou 3) frio. Essas podem ser bem curadas pelos três
tipos de remédio. Uma pessoa sofrendo de febre pode ser bem curada
pela manteiga; alguém sofrendo do ar pode ser curado pelo óleo; e
uma pessoa que está sofrendo de frio pode ser curada de fato pelo
mel. Esses três tipos de remédio podem realmente curar os três tipos
de enfermidades. Oh bom homem! No ar, não há óleo, e no óleo não

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 392


há ar; ou no mel, não há frio, e no frio não há mel. Portanto, a cura
acontece de fato. É o mesmo com todos os seres também. Todos os
seres possuem três enfermidades, as quais são: 1) a cobiça, 2) a má-
vontade, e 3) a ignorância. Três tipos de remédio curarão essas três
doenças. A meditação sobre as impurezas agirá como um remédio
contra o desejo; (a meditação) sobre o amor-benevolente agirá como
um remédio contra a má-vontade; (a meditação) sobre o conhecimen-
to das relações causais agirá contra a ignorância.

Oh bom homem! No sentido de acabar com o desejo, medita-se sobre


o não-desejo; para acabar com a má-vontade, a meditação sobre a
não-má-vontade é feita; para acabar com a ignorância, medita-se sobre
não-ignorância. Nas três doenças não temos os três tipos de remédio, e
nos três tipos de remédio não temos os três tipos de doença. Oh Bom
homem! Como não há os três tipos de remédio nos três tipos de doen-
ça (ou seja, não há pureza nas doenças), isto é não-eterno, não-êxtase,
não-eu, e não-puro. Nos três tipos de remédio não há os três tipos de
doença (ou seja, não há impurezas nos remédios). Por isso, o Eterno,
Êxtase, o Eu, e o Puro.”

Vasistha disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Você, o Tathagata, explique-


me sobre o eterno e o não-eterno. O que é o eterno, e o que é o não-
eterno?”

O Buda disse: “Oh bom homem! A forma é não-eterna, e a Emancipa-


ção da forma é o Eterno. A consciência é não-eterna, e a Emancipação
da consciência é o Eterno. Oh bom homem! Se houver algum bom
homem ou boa mulher que possa ver bem que desde a forma até a
consciência são não-eternas, saiba que essa pessoa bem pode atingir o
que é Eterno.”

Capítulo 45: Sobre Kaundinya 1 Página 393


A Conversão de Vasistha

Vasistha disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Agora venho realmente


conhecer o Eterno e o não-eterno.”

O Buda disse: “Oh bom homem! Como você conhece o Eterno e o não-
eterno?”

Vasistha disse: “Eu agora sei que o eu e a forma são não-eternos e que
a Emancipação é Eterna. Assim é com [os cinco skandhas], até a cons-
ciência.”

“Oh bom homem! Agora você retribua bem a esse corpo carnal aquilo
que você deve.”

Para Kaundinya, ele disse: “Esse Vasistha agora atingiu a fruição do


Arhatship. Dê-lhe as três vestimentas [robes] e uma bacia (para donati-
vos).”

Então Kaundinya deu as vestimentas conforme instruído pelo Buda.


Então, ao receber os robes e a bacia, Vasistha disse: “Oh Kaundinya,
grandemente virtuoso! Agora obtive sobre esse meu corpo carnal uma
grande recompensa cármica. Por favor, oh grandemente virtuoso, con-
descenda em ir ao Buda e informar em detalhes o que aconteceu co-
migo. Esse meu corpo miserável tocou e maculou o Tathagata, e agora
adota o seu nome da família Gautama. Por favor, informe-o em meu
nome e diga que agora me arrependo dos meus maus atos. Também,
não posso ter esse meu corpo por muito mais tempo na vida. Agora
entrarei no Nirvana.”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 394


As Virtudes de Vasistha

Então Kaundinya foi ao Buda e disse: “Oh Honrado pelo Mundo! O


Monge Vasistha se arrepende e diz: ‘Fui um tolo obstinado, toquei o
corpo do Tathagata e agora sou um do seu grupo [de seguidores]. Não
posso ter esse meu corpo perverso por muito tempo no mundo’. Ele
agora deseja acabar com esse corpo, veio a mim e se arrepende.”

O Buda disse: “Oh Kaundinya! Vasistha de há muito acumulou virtudes


nos lugares de inumeráveis Budas. Tendo sido ensinado agora por
mim, ele está residindo corretamente na Via. Residindo corretamente
na Via, ele chegou à fruição correta. Você deve fazer oferecimentos
para o seu corpo carnal.”

Kaundinya, assim instruído pelo Buda, foi para onde a pessoa vivia e fez
oferecimentos. Então, Vasistha, por ocasião da sua cremação, realizou
muitos milagres divinos. Todos os tirthikas viram isto e clamaram alto:
“Esse Vasistha adquiriu feitiçaria no lugar do Shramana Gautama.”

Então, naquela ocasião, havia em meio ao grupo um Brahmacarin


chamado Senika, que disse: “Oh Gautama! Existe o eu?” O Tathagata
permaneceu em silêncio. Ele indagou pela segunda, e por uma terceira
vez. O Buda permaneceu em silêncio. Senika disse: “Oh Gautama! To-
dos os seres possuem o eu, que permeia todos os lugares, e o criador é
único. Oh Gautama! Por que você senta silenciosamente e não respon-
de?”

O Buda disse: “Oh Senika! Você diz que esse eu permeia todos os luga-
res?”

Senika respondeu e disse: “Não apenas eu digo assim, mas todos os


sábios também demonstram isso.”

Capítulo 45: Sobre Kaundinya 1 Página 395


O Buda disse: “Oh bom homem! Se o eu permeia todos os lugares,
todos os seres dos cinco reinos deveriam receber a retribuição das
ações praticadas ao mesmo tempo. Se todas as pessoas dos cinco rei-
nos têm as mesmas retribuições cármicas, por que você evita todas as
más ações, de modo a escapar do inferno, e pratica todas as boas a-
ções, de modo a ganhar vida nos céus?”

Senika disse: “Oh Gautama! Há dois tipos de eu sobre o qual eu falo, a


saber: 1) o eu carnal, e 2) o eu eterno. Para o benefício do eu carnal,
praticamos a Via e evitamos o mal, de modo a não ir para o inferno, e
praticamos todas as boas ações, de modo a ganhar vida nos céus.”

O Buda disse: “Oh bom homem! Você diz que o eu permeia todos os
lugares. Se ele está no eu criado, saiba que tal eu é não-eterno. Se não
está no criado, como você pode dizer que ele permeia todos os luga-
res?”

“Oh Gautama! O eu sobre o qual eu falo existe no que é criado e, no


entanto, é o que é eterno. Oh Gautama! Se acontece de uma pessoa
causar um incêndio na casa, o dono da casa sai. Assim, não podemos
dizer: ‘Quando a casa está reduzida a cinzas, o dono da casa também
está reduzido a cinzas’. É o mesmo com o que eu digo. Esse corpo cria-
do é não eterno. Mas quando o não-eterno está em vias de partir [isto
é, quando o corpo está para morrer], o eu se vai. Assim, o eu sobre o
qual falo é onipresente e eterno.”

O Buda disse: “Oh bom homem! Você diz: ‘O eu sobre o qual falo é
onipresente e eterno’. Mas, isto não é assim. Por que não? Há dois
tipos daquilo que interpenetra. Eles são: 1) eterno, e 2) não-eterno.
Novamente, há dois tipos, a saber: 1) forma, e 2) não-forma. Por isso,
quando se diz que tudo existe, isto significa que é eterno e não-eterno;
é forma e não-forma. Você pode dizer que o dono da casa está fora de
casa, e que não há não-eterno a surgir. Mas, isto não é assim. Por quê?
A casa não é o dono e o dono não é a casa. Aquilo que é diferente (dis-
tinto) é queimado, e o que é diferente está fora. Assim segue a lógica.
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 396
O eu não é nada assim. Por que não? O eu é forma, e a forma é o eu.
Não-forma é o eu, e o eu é não-forma. Como você pode dizer que
quando a forma sofre mudança, o eu está fora dela?

Oh bom homem! Você pode dizer que todos os seres possuem o mes-
mo eu. Mas isto é contrário ao que se constata no mundo secular ou
no mundo supramundano. Por quê? O que se obtém no mundo secular
fala de pai e mãe, menino e menina. Se dissermos: ‘O eu é único; o pai
é o filho, e o filho é o pai; a mãe é a filha, e a filha é a mãe; o inimigo é o
amigo, e o amigo é o inimigo; isto é aquilo, e aquilo é isto. Consequen-
temente, todos os seres possuem o mesmo eu’ – isto é contrário ao
que se constata no mundo secular ou no mundo supramundano.”

Senika disse: “Eu, também, não digo que todos os seres possuem um
eu. Eu digo que cada pessoa possui um eu.”

O Buda disse: “Oh bom homem! Se for dito que cada pessoa possui um
eu, isto significa nada mais que há muitos ‘eus’. Isto não é assim. Por
que não? Você disse antes que o eu interpenetra (todas as coisas e
lugares). Se o eu vai a todos os lugares, a raiz cármica de todos os seres
deve ser a mesma. Quando o céu vê, o Buda vê; quando o céu age, o
Buda age, quando o céu ouve, o Buda ouve. Todas as coisas deveriam
ser assim. Se o céu pode ver e o Buda não pode, não podemos dizer
que o eu se estenda a todos os lugares. Se ele é não-interpenetrante,
isto é nada mais que o não-eterno.”

Senika disse: Oh Gautama! O eu de todos os seres permeia todos os


lugares, ao passo que lei e não-lei não o fazem (isto é, não permeiam
todos os lugares). Por essa razão, o Buda pode agir diferentemente (do
céu) e o céu também pode agir assim (diferentemente). Por isso, você,
Gautama, não deve dizer: ‘Quando o Buda vê, o céu pode ver, e quan-
do o Buda pode ouvir, o céu pode ouvir’.”

O Buda disse: “Oh bom homem! Não é o caso que lei e não-lei são o
que se faz?”
Capítulo 45: Sobre Kaundinya 1 Página 397
Senika disse: “Essas são as obras das próprias ações.”

O Buda disse: “Se lei [dharma, aquilo que existe] e não-lei são o que se
faz, isto significa a mesma coisa. Como elas poderiam ser diferentes?
Por quê? Quando o Buda adquire a ação na mão, o céu adquire o eu;
quando o céu adquire a ação na mão, o Buda adquire o eu. Por isso,
quando o Buda pode fazer (isto é, adquire a ação), o céu pode fazer.
Deve-se obter lei e não-lei assim. Oh bom homem! Portanto, se a lei e
não-lei dos seres é assim, não pode haver qualquer outro resultado
cármico diferente.

Oh bom homem! Da semente surge o fruto. Essa semente nunca pen-


sa: ‘Tornar-me-ei o fruto de um Brâmane, nem de um Kshatriya, Vaish-
ya, ou Sudra’. Por quê? A semente continha o fruto. Ela (a semente)
não pertence à casta ou algo assim. É o mesmo com lei e não-lei, tam-
bém. Não podemos discriminadamente pensar: ‘Atingirei somente a
fruição do Estado de Buda, e não a do céu; atingirei somente a fruição
do céu, mas não a do Estado de Buda’. Por que não? Porque o carma
trabalha equitativamente.”

Senika disse: “Oh Gautama! Por exemplo, há centenas de milhares de


lâmpadas em uma sala. As mechas podem ser distintas, mas a luz não
difere. O fato de que as mechas das lâmpadas são distintas pode ser
comparado à lei e não-lei, e o fato de que não há diferença na luz pode
ser comparado ao eu dos seres.”

O Buda disse: “Oh bom homem! Você pega o caso da luz de uma lâm-
pada e pretende explicar o eu. Isto não se aplica bem. Por que não? A
sala é diferente e a lâmpada é diferente. A luz da lâmpada envolve a
mecha e também permeia a sala. Se o eu sobre o qual você fala é as-
sim, esse eu deve situar-se em torno da lei e da não-lei. Deve haver lei
e não-lei no eu. Se lei e não-lei não existem no eu, não se pode dizer:
‘ele permeia todos os lugares’. Se (lei, não-lei, e eu) vão juntos, como
podemos empregar a analogia da luz da mecha? Oh bom homem! Se
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 398
você realmente pretende dizer que a mecha e a luz são diferentes, por
que é que quando o número de mechas aumenta, a luz torna-se mais
brilhante, e quando a mecha é gasta, a luz também desvanece? Por
isso, podemos comparar lei e não-lei à mecha e a luz, e a não-diferença
da luz ao eu. Por quê? Porque os três – lei, não-lei, e eu – são unos.”

Senika disse: “Oh Gautama! Você pega a analogia da lâmpada. Essa é


infeliz. Por quê? Se a analogia da lâmpada é boa, eu já a empreguei
antes. Se é infeliz, que necessidade há de referir-se a ela novamente?”

“Oh bom homem! Eu emprego analogias. Mas essas nada têm a ver
com o que é feliz ou infeliz. Eu concordo com a sua vontade, e na ana-
logia Eu digo que há luz longe da mecha e que há luz junto à mecha.
Sua mente não é equânime. Você deliberadamente pega o caso da
mecha e da lâmpada, compara estes com lei e não-lei, e compara a luz
ao eu. Este é o porquê pretendo reprová-lo [neste ponto]. A mecha é a
luz. Há alguma luz distante (apartada) da mecha? Dharma é ao mesmo
tempo o eu; o eu é ao mesmo tempo Dharma. Não-Dharma é ao mes-
mo tempo o eu, e o eu é ao mesmo tempo não-Dhama. Agora, você
diz: ‘Porque se pega um aspecto e não o outro?’ Mas tal analogia é
infeliz para você. Esse é o porquê o subjugo. Oh bom homem! Essa
analogia não funciona bem como uma analogia. Devido ao fato de que
ela não constitui uma analogia, ela funciona favoravelmente ao meu
lado, e não do seu. Oh bom homem! Você pode pensar: ‘Se é infeliz
para mim, também não é assim para você?’ Mas isto não é assim. Por
que não? No mundo vemos uma pessoa que se mata com sua própria
espada; o que é feito pelas próprias mãos é feito uso por outros. A
analogia que você emprega funciona do mesmo jeito. A sorte está do
meu lado e a má sorte do seu.”

Senika disse: “Oh Gautama! Você reprovou-me antes pela iniqüidade


da minha mente. Agora, o que você diz também não é justo. Por que
não? Oh Gautama! Você agora atribui a sorte a si e a má sorte a mim.
Disto, eu concluo e vejo essa iniqüidade.”

Capítulo 45: Sobre Kaundinya 1 Página 399


O Buda disse: “O que não é justo do meu lado realmente quebra o que
não é justo do seu lado. Por essa razão, o que é justo com você e que
não está do meu lado, evidencia sorte. O que não é justo do meu lado
quebra o que não é (justo) do seu lado, e você colhe o que é justo. Isto
é a equidade do meu lado. Por quê? Porque isso evoca o que é justo
em todas as pessoas sagradas.”

Senika disse: “Oh Gautama! O Eu é sempre justo. Como você pode


dizer que você subjuga o injusto? Todos os seres possuem igualmente
o eu. Como você pode dizer que o eu não é todo-igual?”

“Oh bom homem! Você também diz que se ganha nascimento no in-
ferno, ganha-se nascimento no reino dos espíritos famintos, ganha-se
nascimento no reino animal, e ganha-se nascimento nos mundos dos
humanos e seres celestiais. Se o eu já permeia os cinco reinos, pode-se
dizer que se ganha vida nos vários reinos? Você diz que através da
harmonia dos pais, uma criança surge. Se existe uma criança de ante-
mão, como se pode dizer que através da harmonização uma criança
surge? Por essa razão (da harmonização dos pais), se possui o corpo
dos cinco reinos. Se for o caso que esses cinco reinos já precedam a
existência do corpo carnal, como se pode dizer que promulga-se o
carma? Por isso, (esse eu) é desigual.

Oh bom homem! Você pode pretender dizer que o eu é aquele que faz.
Mas isto não é assim. Por que não? Se o eu é aquele que faz [isto é,
perpetra as ações], porque se faria o que é doloroso para si? Mas nós
realmente vemos seres que sofrem de dor. Disto, pode-se saber que o
eu não é aquele que faz. Se estamos a dizer que essa dor não é o que é
feito pelo eu, e que ela não surge de uma causa, isto deve significar que
todas as coisas, também, não surgem de uma causa. Baseado em que
você diz que é obra do eu?

Oh bom homem! Todos os sofrimentos e felicidades dos seres surgem


de causas e condições. Assim, sofrimento e felicidade evocam apreen-
são e alegria. Quando se tem apreensão, não há alegria; quando há
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 400
alegria, não há apreensão. Ou é alegria, ou apreensão. Como pode
qualquer pessoa sábia chamar isto de eterno?

Oh bom homem! Você declara que o eu é eterno. Se é eterno, como


você pode dizer que há diferenças nas dez fases [isto é, dez estágios de
crescimento de um ser humano, do embrião à velhice]? Com o Eterno,
nunca pode haver quaisquer fases desde o kalala [embrião], até os dias
da velhice. A existência permanente do Vazio não pode ter uma única
‘fase/tempo’. Como poderia haver as dez fases?

Oh bom homem! O Eu não é a fase do kalala ou os dias da velhice.


Como você pode dizer que há diferenças nas dez fases? Oh bom ho-
mem! Se o eu é algo que faz, deve haver com esse eu o tempo do auge
(plenitude) da vida e os dias da velhice. Os seres, também, têm esse
auge da vida e os dias de velhice. Se o eu é algo desse tipo, como ele
poderia ser eterno? Oh bom homem! Se o eu é aquele que faz, como
poderia haver as diferenças da agudeza e deficiência para alguém [isto
é, como poderia haver agudeza mental e deficiência entre as pessoas]?
Oh bom homem! Se o eu é algo que age, esse eu certamente pode
praticar ações corporais, orais e mentais. Se isto é obra do eu, como se
pode dizer que não há um eu na boca? Como pode alguém duvidar e
perguntar se ele é um ‘é’ ou ‘não-é’?

Oh bom homem! Você pode dizer que há visão independente dos o-


lhos. Mas isto não é assim. Por que não? Se há qualquer visão inde-
pendente dos olhos, que desígnio (por exemplo: cor, beleza, tamanho,
etc.) há no uso dos olhos? O mesmo se aplica aos sentidos orgânicos
corporais, também. Você pode dizer que o eu sempre vê com os olhos.
Mas o caso não é assim. Por que não? Isto é como dizer: ‘A floração da
Sumana reduz uma grande aldeia a cinzas’. Como ela (a flor) vai quei-
mar? Queima-se com fogo. O mesmo é o caso quando você diz que o
eu vê.”

Capítulo 45: Sobre Kaundinya 1 Página 401


Senika disse: “Oh Gautama! É como o caso da foice, com a qual se pode
cortar a grama. O mesmo é o caso com o eu, o qual de fato pode ver,
ouvir e tocar através dos cinco sentidos orgânicos.”

“Oh bom homem! A foice e o homem são coisas diferentes. Por essa
razão, uma pessoa pode de fato pegar uma foice e fazer coisas. À parte
dos sentidos orgânicos, não pode haver eu. Como se pode dizer: ‘O eu
pode [agir] com todos os sentidos orgânicos?’ Oh bom homem! Se
você pretende dizer que uma pessoa pode de fato ceifar quando ela
pega uma foice, e o mesmo é o caso com o eu – esse eu possui uma
mão ou não? Se ele (o eu) é que faz, por que não pega (a foice) [isto é,
por que o eu não pega diretamente a foice, sem o uso das mãos]? Se o
eu não tem mãos, como podemos dizer que o eu é alguém que faz? Oh
bom homem! O que corta a grama é a foice. Não é o eu, nem é o ho-
mem. Se o eu e o homem pudessem de fato cortar, por que depende-
riam de alguma foice?

Oh bom homem! O homem executa duas ações, a saber: 1) pega a


grama, e 2) usa a foice. A foice pode realmente cortar. O mesmo é o
caso com os seres. O olho realmente vê formas. Isso surge da harmoni-
zação [conjunção de causas e condições]. Se algo é visto através da
harmonização das relações causais, como pode um sábio dizer que
existe o eu? Isto não é assim. Por que não? No mundo, não vemos que
o céu executa ações e que o Buda recebe o fruto. Se você pretende
dizer que ‘não é que o corpo faz, mas o eu recebe sem ter promulgado
a causa’, por que você deveria esperar atingir a Emancipação através
das relações causais? Se o seu corpo estivesse para nascer sem causa,
após atingir a Emancipação, você deveria ganhar seu corpo sem qual-
quer causa. Exatamente como com o corpo, todas as impurezas, tam-
bém, deveriam surgir assim (sem causa).”

Senika disse: “Oh Gautama! Há dois ‘eus’. Um sabe e o outro não sabe.
O eu que não sabe realmente ganha o corpo físico, e o eu que sabe
abandona seu próprio eu. Isso é como com um vaso de barro que,
quando tratado num forno, muda sua cor e nada mais há que possa
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 402
advir. É assim também com as impurezas de uma pessoa sábia. Não há
mais o surgimento [delas].”

O Buda disse: “Oh bom homem! Você fala de ‘sabedoria’. É o intelecto


que sabe ou o eu que sabe? Se o intelecto pode saber, por que dizemos
que o eu sabe? Se o eu sabe, por que buscamos individualmente os
meios para o conhecimento? Se você pretende dizer que o eu sabe
através do intelecto, isto é como no caso da analogia da flor, que que-
bra e cai. Oh bom homem! Isto é como no caso de uma árvore que tem
espinhos, que picam por natureza. Não podemos dizer que a árvore
pega os espinhos e pica. É o mesmo com o intelecto também. O inte-
lecto sabe por si. Como podemos dizer que o eu pega o intelecto e
sabe? Oh bom homem! Você diz em seus ensinamentos que o eu che-
ga à emancipação. É o eu não-intelectual ou o eu intelectual que alcan-
ça [isto, a emancipação]? Se for o eu não-intelectual que alcança [isto],
podemos saber que ele deve possuir impurezas ainda. Se for o caso
que o intelecto alcança [a Emancipação], podemos saber que já exis-
tem os cinco (campos dos) sentidos e órgãos dos sentidos. Por quê?
Não pode haver qualquer outro intelecto que não seja os (órgãos) da
raiz (dos sentidos). Se todos os órgãos da raiz são perfeitos, como po-
demos dizer que a pessoa chega à Emancipação? Se a natureza do eu é
pura e está separada dos cinco (órgãos) raízes, como ele pode perme-
ar, e existir nos cinco reinos? Por que uma pessoa pratica todas as boas
ações para chegar à Emancipação?

Oh bom homem! Por exemplo, é como extrair espinhos do Vazio. As


coisas se passam assim com você. Se o eu é puro, como podemos dizer
que a pessoa erradica todas as impurezas? Se você pretende dizer que
a pessoa chega à Emancipação sem estar baseada nas relações causais,
por que é que todos os animais não chegam lá?”

Senika disse: “Oh Gautama! Se for altruísta, quem pode lembrar bem?”

O Buda disse a Senika: “Se existe o eu, por que esquecemos? Oh bom
homem! Se lembrança é o eu, por que lembramos coisas infelizes,
Capítulo 45: Sobre Kaundinya 1 Página 403
lembramos o que não desejamos lembrar, e não lembramos o que
pretendemos lembrar?”

Eu Fantasma

Senika disse: “Oh Gautama! Se não existe o eu, quem vê e quem ou-
ve?”

O Buda disse: “Tem-se as seis esferas (dos sentidos) dentro, e as seis


poeiras [isto é, os seis campos dos sentidos] fora. O interno e o externo
se associam, e se ganha os seis tipos de consciência. Ora, essas seis
consciências adquirem seu nome através das relações causais.

Por exemplo, um fogo surge de uma árvore, e falamos de ‘fogo da ár-


vore’. A grama pega fogo, e falamos de ‘fogo da grama’. O farelo pega
fogo, e falamos de ‘fogo do farelo’. O estrume de vaca pega fogo, e
falamos de ‘fogo do estrume de vaca’. É a mesma coisa com a consci-
ência dos seres, também. ‘Adquirimos consciência por meio dos olhos,
cor, luz e desejo (que são as relações causais da visão); e dizemos
‘consciência dos olhos’.

Oh bom homem! Essa consciência dos olhos não existe no olho, nem
no desejo, etc. As quatro coisas se associam e adquirimos essa consci-
ência. É o mesmo com a consciência da mente. Se as coisas vêm a ser
assim, não podemos dizer que conhecimento e visão são o eu, e que o
tato é o eu.

Oh bom homem! Esse é o porquê dizemos que o eu é (o que abrange)


desde a consciência do olho até a consciência da mente (passando
pelos seis órgãos sensoriais), e que todas as coisas são fantasmas. Co-
mo elas são como fantasmas? Em vista do fato de que ‘o que original-
mente não era, é o que é agora; e o que certa vez foi, agora não é
mais’. Oh bom homem! Por exemplo, a mistura de manteiga, cevada,

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 404


farinha, mel, gengibre, pimenta, pippali [tipo de pimenta comprida],
uva, nozes, romã, e suishi [um tipo de ameixa] é chamada ‘kangigan’
[possivelmente o nome de uma droga]. A não ser a partir dessa mistu-
ra, não pode haver ‘kangigan’. As seis esferas do interior e exterior (dos
sentidos) são o que chamamos de ser, eu, humano, macho, ou fêmea.
A não ser a partir das seis esferas de dentro e de fora, não pode haver
o ser, ou o humano.

Senika disse: “Oh Gautama! Se altruísta, por que dizemos ‘eu vejo’, ‘eu
tenho tristeza’, ‘eu sinto felicidade’, ‘eu tenho apreensão’, ou ‘eu sou
feliz’?

O Buda disse: “Oh bom homem! Se dizemos ‘eu vejo’, ‘eu ouço’, etc.,
isto implica que existe um eu. Por que o mundo diz: ‘Os pecados das
nossas ações não são o que eu vejo e ouço a respeito?’ Oh bom ho-
mem! A conjunção das quatro armas [isto é, as quatro forças constitu-
intes de um exército] é designada como um ‘exército’. Essas quatro
(armas) não são uma, mas nós dizemos: ‘Nosso exército é valente,
nosso exército é superior ao seu’. É o mesmo com o que surge através
da conjunção das esferas interna e externa (dos sentidos), também.
Embora elas não sejam uma, dizemos: ‘eu faço’, ‘eu sinto’, ‘eu vejo’, ‘eu
ouço’, ‘eu tenho tristeza’, ‘eu sinto felicidade’.

Senika disse: “Oh Gautama! Você fala da ‘conjunção do interno e do


externo’. Quem é que diz: ‘eu faço’, ‘eu sinto’?”

O Buda disse: “Oh Senika! Das relações causais da ignorância do desejo


surge a ação, dela (surge) a existência, dela (surgem) as inumeráveis
variedades de ações mentais, e a vigília mental na percepção. Essa
vigília mental na percepção faz com que a respiração aumente, e a
respiração, ao acompanhar a mente, toca a garganta, a língua, os den-
tes, e os lábios. A voz invertida da imagem do ser surge e diz: ‘eu faço,
eu sinto, eu vejo, e eu ouço’. Oh bom homem! O sino no topo de um
estandarte toca devido às relações causais. Se o vento é forte, o som é
forte; se o vento é fraco, o som é fraco. No entanto, ninguém o faz. Isto
Capítulo 45: Sobre Kaundinya 1 Página 405
é como as coisas se estabelecem. Quando um ferro aquecido é intro-
duzido na água, isso produz vários sons. No entanto, realmente não há
ninguém que o faça. O caso é assim. Oh bom homem! O mortal co-
mum é incapaz de pensar ou discriminar essas coisas e diz: ‘Existe o eu,
e o que pertence ao eu; eu faço, eu sinto, etc.’.”

Senika disse: Oh Gautama! Você diz que não há eu, e nada que perten-
ça ao eu. Então, por que você fala do Eterno, Êxtase, o Eu, e o Puro?”

O Buda disse: “Nobre filho, eu nunca disse que as seis esferas internas
e externas dos sentidos (ayatanas) e as seis consciências são o Eterno,
Êxtase, o Eu, e o Puro. Mas, eu declaro que a cessação das seis (esferas)
internas e externas, e das seis consciências que surgem delas, é deno-
minado o Eterno. Por ser Eterno, é o Eu. Porque há Eternidade e o Eu, é
denominado Êxtase. Porque é o Eterno, o Eu, e Êxtase, é denominado
Puro. Nobre filho, as pessoas comuns abominam o sofrimento e, atra-
vés da eliminação da causa do sofrimento, elas podem livremente dis-
tanciar-se dele. Isto é denominado Eu. Portanto, Eu tenho falado do
Eterno, do Eu, do Êxtase, e do Puro.”

[Há uma tradução alternativa em Inglês dessa importante passagem,


feita por Samuel Beal, que pode ser encontrada em ‘Uma Catena das
Escrituras Budistas da China’ – 1871 – pp. 179-180. Catena se traduz
como uma série de excertos intimamente ligados das escrituras. Segue
o trecho em itálico:

Senika indagou: “De acordo com a opinião de Gautama que não existe
o ‘eu’, então permita-me indagar sobre qual pode ser o significado
daquela descrição que ele deu do Nirvana, que é permanente, repleto
de alegria, individual, e puro?”

O Buda disse: “Oh jovem ilustre, Eu não digo que os seis órgãos (senso-
riais) internos e externos, ou as várias espécies de conhecimento, são
permanentes, etc. Mas, o que Eu digo é sobre ‘o que’ é permanente,
repleto de alegria, individual, e puro, que resta após os seis órgãos e os
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 406
seis objetos dos sentidos, e os vários tipos de conhecimento, terem sido
todos destruídos. Jovem ilustre, quando o mundo, cansado de tristeza,
afasta-se e separa-se da causa de toda essa tristeza, então, através
dessa rejeição voluntária dela, lá resta aquilo que eu chamo de Verda-
deiro Eu; e é deste (Eu) que Eu declaro claramente a fórmula, que é
permanente, repleto de alegria, individual, e puro.” ].

Orgulho

Senika disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Grande Compassivo! Explique-


me, eu rogo, como faço para atingir o Eterno, Êxtase, o Eu, e o Puro,
sobre o qual você fala.”

O Buda disse: “Nobre filho, o mundo inteiro possui um grande orgulho


[mana] desde os primórdios, o qual aumenta o (próprio) orgulho e
também funciona como a causa de [mais] orgulho e ações orgulhosas.
Portanto, os seres agora experimentam os resultados (retribuições) do
orgulho e não são capazes de eliminar todas as klesas [impurezas men-
tais/morais] e atingir o Eterno, Êxtase, o Eu, e o Puro. Se os seres dese-
jam acabar com todas as impurezas, o que eles necessitam fazer, antes
de tudo, é acabar com o orgulho.” [Nota: a palavra do Sânscrito para
orgulho, mana, tem um alcance semântico diferente do Inglês ‘orgu-
lho/arrogância’. Ela é derivada da raiz verbal ‘man’ (pensar, acreditar,
medir, conceituar, julgar, valorar, considerar como) e também significa
‘medida’, ‘cômputo’, ‘meios de prova’. O sentido de ‘orgulho’ aqui
implica os processos de geração ou projeção que são construtos men-
tais implicitamente falsos. Ele se refere ao processo descrito no capítu-
lo anterior do sutra sobre as quatro inversões (visões distorcidas). –
Stephen Hodge].

Senika disse: “Oh Honrado pelo Mundo! É assim, é assim! Tudo é como
o vosso ensino sagrado diz. Eu tenho, desde o início, arrogância; estou
baseado nas relações causais dessa arrogância. Esse é o porquê dirijo-

Capítulo 45: Sobre Kaundinya 1 Página 407


me a você pelo nome da família Gautama. Agora estou livre dessa
grande arrogância. Esse é o porquê, com o sentimento mais sincero, eu
busco o Dharma. Como faço para chegar ao Eterno, Êxtase, o Eu, e o
Puro?”

O Buda disse: “Ouça cuidadosamente! Explicarei agora esse assunto


para você em detalhes. Oh bom homem! Acaba-se com todos os pen-
samentos do seu próprio eu, dos outros e de todos os seres, e você se
apartará disso.”

Senika disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Agora compreendi e adquiri o


Olho do Dharma correto.”

O Buda disse: “De que maneira você conheceu, entendeu, e adquiriu o


Olho do Dharma Correto?”

“Oh Honrado pelo Mundo! A forma física [‘rupa’] da qual falamos não é
nossa própria, nem a dos outros, e nem aquela dos seres. Assim se
passa com todos [os skandhas] até a consciência. Ao ver as coisas as-
sim, cheguei ao Olho do Dharma Correto. Oh Honrado pelo Mundo!
Agora estou muito ansioso para renunciar ao mundo e ser admitido na
Ordem. Seja bondoso o bastante para admitir-me na Ordem!”

O Buda disse: “Bem vindo, oh Monge!”

De imediato, ele se realizou nas ações puras, e atingiu o Arhatship.

Em meio aos tirthikas, havia um Brahmacarin chamado Kashyapa. Ele


também disse: “Oh Gautama! O corpo é a vida? Ou o corpo e a vida são
coisas diferentes?”

O Tathagata nada disse. Assim, ele indagou uma segunda e uma tercei-
ra vez.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 408


O Brahmacarin disse novamente: “Oh Gautama! Um humano morre e
ainda não adquiriu o seu próximo corpo. Nesse estágio intermediário,
não dizemos que o corpo é distinto e a vida também? Se são distintos,
por que você senta silenciosamente e não responde?”

“Oh bom homem! Ambos, corpo e vida, surgem das relações causais.
Eu digo que nada surge sem as relações causais. Como com o corpo e a
vida, assim se procede com todas as coisas.”

O Brahmacarin ainda disse: “Oh Gautama! Eu vejo coisas no mundo


que não procedem de acordo com relações causais.”

O Buda disse: “Oh Brahmacarin! De que maneira você vê coisas que


não procedem de acordo com relações causais?”

O Brahmacarin disse: “Vejo árvores sendo queimadas. O vento sopra as


centelhas do fogo, que caem em diferentes lugares. Isto não é o que
nada tem a ver com relações causais?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Eu digo que esse fogo, também, surge
das relações causais. Não é o caso que ele não esteja de acordo com
qualquer causa.”

O Brahmacarin disse: “Oh Gautama! Quando o fogo solta centelhas,


isso não depende do combustível ou do material em combustão. As-
sim, como podemos dizer que essas (centelhas) são dependentes das
relações causais?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Embora não haja combustível nas
centelhas, o vento as carrega. Através do fator causal do vento, o fogo
não se extingue.”

“Oh Gautama! Uma pessoa morre, mas ainda não adquire seu próximo
corpo. Como podemos chamar a vida que existe no intermédio de pro-
duto de relações causais?”
Capítulo 45: Sobre Kaundinya 1 Página 409
O Buda disse: “Oh Brahmacarin! A ignorância e o desejo são as relações
causais. Através das relações causais da ignorância e do desejo, a vida é
capaz de ser sustentada. Oh bom homem! Através das relações cau-
sais, o corpo pode ser vida, e a vida o corpo. Através das relações cau-
sais, o corpo é distinto, e a vida distinta. Uma pessoa sábia não diria
que o corpo e a vida são completamente distintos.”

O Brahmacarin disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Por favor, condescen-


da em analisar e explicar-me claramente, tal que eu seja capaz de
compreender realmente as relações causais.”

O Buda disse: “Oh Brahmacarin! A causa é os cinco skandhas e o resul-


tado também é os cinco skandhas. (Se) o fogo não começou, não pode
haver qualquer fumaça.”

O Brahmacarin disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Agora sei e agora


compreendi.”

“Oh bom homem! De que maneira você veio a saber e de que maneira
você compreendeu?”

“Oh Honrado pelo Mundo! O fogo é a impureza, que realmente quei-


ma nos reinos do inferno, espíritos famintos, animais, humanos, e dos
celestiais. A fumaça são as retribuições cármicas que uma pessoa co-
lhe, as quais são não-eternas, não-puras, exalam mau cheiro, são impu-
ras e devem ser desprezadas. Por isso, ‘fumaça’. Se os seres não reali-
zam (levam adiante) quaisquer impurezas, não pode haver quaisquer
retribuições cármicas das impurezas. Esse é o porquê o Tathagata diz
que onde não há fogo, não há fumaça. Oh Honrado pelo Mundo! Agora
vejo corretamente. O que eu desejo agora é que você permita-me
renunciar ao mundo.”

Então, o Honrado pelo Mundo disse a Kaundinya: “Admita esse Brah-


macarin e permita-lhe receber os preceitos.”
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 410
Por ordem do Buda, ele reportou o assunto a todos os membros da
Sangha e o conduziu ao upasampada (ritual de ordenação através do
qual um noviço torna-se Monge). Após cinco dias, o homem atingiu o
Arhatship.

Em meio aos tirthikas, havia um Brahmacarin chamado Purana. Ele


disse: “Oh Gautama! Você viu o fato de que o mundo é eterno e você
diz que é (não-) eterno? O que é dito é verdadeiro ou não-verdadeiro?
É eterno, não-eterno, ou eterno e não-eterno, ou não-eterno e não
não-eterno? É algo que tem uma linha limítrofe, é sem uma linha limí-
trofe, é [ambos] com e sem uma linha limítrofe, ou é algo que tem ou
não uma linha limítrofe? O corpo e a vida são unos, ou o corpo e vida
são distintos? Ou, após a morte do Tathagata, você é alguém que se
foi, ou alguém que se foi e não se foi, ou alguém que não é alguém que
se foi e não é alguém que não se foi?”

O Buda disse: “Oh Purana! Eu nunca digo que o mundo onde vivemos é
eterno, falsamente constituído, ou real; que ele é não-eterno, eterno e
não-eterno, ou não-eterno e não não-eterno; que ele tem ou não tem
uma linha limítrofe, que é algo que tem uma linha limítrofe e algo que
não tem uma linha limítrofe; que isto é o corpo, isto é vida, que o corpo
e a vida são distintos, que após a morte do Tathagata, ele é alguém que
se foi, alguém que não se foi, alguém que se foi e não se foi, ou que ele
não é alguém que se foi, nem alguém que não se foi.”

Purana ainda questionou: “Oh Gautama! Que erro você vê nisto, que
você não diz?”

O Buda disse: “Oh Purana! Se qualquer pessoa dissesse que o mundo é


eterno, e este (mundo) é real, e que todos os outros são falsos, isto é o
que é erroneamente visto [‘drsti’: isto é, uma visão distorcida das coi-
sas]. O que essa visão errônea vê é a ação da visão errônea, e isto é o
carma da visão errônea, e isto é o laço da visão errônea, e isto é o cati-
veiro da visão errônea, e isto é o sofrimento da visão errônea, e isto é o
Capítulo 45: Sobre Kaundinya 1 Página 411
apego da visão errônea, e isto é o medo da visão errônea, e isto é o
calor (fogo) da visão errônea, e isto é a prisão da visão errônea. Oh
Purana! Os mortais comuns apegam-se àquilo que é erroneamente
visto, e não podem acabar com o nascimento, velhice, doença, e mor-
te. Repetindo vidas nos seis reinos, eles sofrem de inumeráveis afli-
ções. E o mesmo se aplica ao que se obtém com relação ao que con-
cerne a não-ir ou não não-ir, também. Oh Purana! Eu vejo nessa visão
errônea esse lapso (engano, erro). Assim, Eu não me apego, e não falo
sobre ele para outras pessoas.”

“Oh Gautama! Se você vê esse lapso, não se apega a ele e não fala
sobre ele, oh Gautama, o que você vê agora, a que se apega, e sobre o
que fala?”

O Buda disse: “Oh Bom homem! Ora, o apego da visão errônea é o


dharma (lei) da vida e da morte. Uma vez que o Tathagata acabou com
a vida e a morte, ele não se apega. Oh bom homem! O Tathagata é
alguém que vê bem e que fala bem. Mas ele não é alguém que se ape-
ga.”

“Oh Gautama! De que maneira você vê bem e fala bem?”

“Oh bom homem! Eu vejo bem o sofrimento, a causa do sofrimento, a


extinção [do sofrimento], e a Via para a extinção do sofrimento, e dis-
crimino e falo sobre essas Quatro (Nobres) Verdades. Eu vejo assim.
Portanto, Eu me aparto de todas as visões errôneas, todos os desejos,
todos os fluxos (secreções) e arrogâncias. Esse é o porquê Eu sou traja-
do em ações puras, quietude insuperável, e o Corpo Eterno. E esse
Corpo também não tem leste, nem oeste, nem sul, e nem norte.”

Purana disse: “Oh Gautama! Por que o Corpo Eterno não tem leste,
nem oeste, nem sul, e nem norte?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Agora colocarei uma questão para
você. Responda como desejar. Por quê? É como fazer um grande fogo
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 412
diante de você. Quando ele queima, você sabe se está queimando ou
não?”

“Isso é correto. Oh Gautama!”

“Quando o fogo se extingue, você o sabe ou não?”

“É assim, é assim, oh Gautama!”

“Oh Purana! Quando as pessoas indagarem: ‘De onde vem a queima e


para onde ela vai’?, como você responderia?”

“Oh Gautama! Se houvesse alguém que indagasse isso, eu responderia:


‘Esse fogo se origina das várias relações causais. Quando a relação cau-
sal original se acaba, e a nova relação causal ainda não surgiu, o fogo se
extingue.”

“Se novamente houvesse uma pessoa que indagasse: ‘Quando extinto


(o fogo), para onde ele vai’?, como você responderia?”

“Oh Gautama! Eu responderia: ‘Quando a relação causal acaba, ele


morre. Ele não tem qualquer direção para voltar-se.”

“Oh bom homem! É o mesmo com o Tathagata, também. Se há desde


qualquer forma não-eterna até consciência não-eterna, há queima,
porque está baseada no desejo. ‘Queima’ significa receber as 25 exis-
tências. Assim, quando queima, pode-se bem dizer que este fogo tem
uma direção oriental, ocidental, meridional ou setentrional. Agora, se o
desejo morre, o fogo das retribuições cármicas das 25 existências tam-
bém cessa de queimar. Quando ele não queima (mais), não podemos
dizer que existam as direções do leste, oeste, sul , ou norte. Oh bom
homem! O Tathagata já extinguiu a causa desde a forma não-eterna
até a consciência não-eterna. Por isso, seu Corpo é Eterno. Seu Corpo
sendo Eterno, não podemos falar de leste, oeste, sul, ou norte.”

Capítulo 45: Sobre Kaundinya 1 Página 413


Purana disse: “Desejo fazer uma analogia. Por favor, condescenda em
dar ouvido a ela.”

O Buda disse: “Bem falado, bem falado! Fale como quiser!”

“Oh Honrado pelo Mundo! Por exemplo, fora de uma grande aldeia, há
uma floresta de árvores sala. Há uma árvore nela. Antes que a floresta
viesse a existir, essa (árvore) nasceu, e 100 anos se passaram. O dono
da floresta deu-lhe água e gastou muito tempo em cuidados com ela. A
árvore está velha e podre, e a casca, galhos e folhas todas caem. O que
existe é quietude e verdade. É o mesmo com o Tathagata. Tudo o que é
velho se vai; o que existe é o que é verdadeiro. Oh Honrado pelo Mun-
do! Agora desejo muito mais renunciar ao mundo e praticar a Via.”

O Buda disse: “Bem vindo, oh Monge!”

Quando o Buda disse isto, Purana imediatamente entrou no Caminho


e, acabadas as impurezas, atingiu o Arhatship.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 414


Capítulo Quarenta e Seis: Sobre Kaundinya 2
Também, havia um Brahmacarin chamado ‘Puro’, que disse: “Oh Gau-
tama! O que todos os seres não sabem, em consequência de que eles
não vêem o eterno e o não-eterno do mundo, e também o eterno-não-
eterno, não-eterno e não não-eterno, até não-ir e não não-ir?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Em consequência do não conheci-


mento desde a forma material (‘rupa’) até o não conhecimento da
consciência [isto é, os cinco skandhas], uma pessoa não vê desde o
eterno até o não-ir e não não-ir do mundo.”

O Brahmacarin disse: “Oh Gautama! O que os seres sabem, tal que eles
não vêem desde o eterno até o não-ir e não não-ir do mundo?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Eles conhecem desde a forma materi-
al até a consciência, tal que não vêem desde o eterno até o não-ir e
não não-ir.”

O Brahmacarin disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Por favor, condescen-


da em me expor o eterno e o não-eterno do mundo.”

O Buda disse: “Oh bom homem! Se descarta-se o velho, e não se cria


um novo carma, se conhece realmente o eterno e o não-eterno.”

O Brahmacarin disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Agora eu sei.”

O Buda disse: “Oh bom homem! De que maneira você vê e sabe?”

“Oh Honrado pelo Mundo! O que é velho é ignorância e desejo, e o


novo é apego e existência [fenomenal, samsarica]. Se alguém se aparta
do eterno e não-eterno, e não tem mais apego e existência, conhecerá
a verdadeira natureza do eterno e não-eterno. Agora adquiri o Olho

Capítulo 46: Sobre Kaundinya 2 Página 415


Puro do Dharma Maravilhoso, e tomo refúgio nos Três Tesouros. Oh
Tathagata! Admita-me na ordem!”

O Buda disse a Kaundinya: “Admita esse Brahmacarin na Ordem e


permita-lhe receber os preceitos.”

Ao ouvir essas palavras do Buda, Kaundinya pegou o homem, foi para a


reunião dos Monges, e através do procedimento ritualístico do ‘kar-
man’, o homem foi admitido na Ordem. Após 15 dias, todas as suas
impurezas haviam sido eternamente extirpadas, e o homem atingiu o
Arhatship.

Também, o Brahmacarin Vatsiputriya disse: “Oh Gautama! Desejo ago-


ra colocar algumas questões para você. Você realmente me permitirá
fazê-lo?”

O Tathagata permaneceu sentado em silêncio. Numa segunda e tercei-


ra vez, ele nada disse.

Vatsiputriya disse novamente: “Oh Gautama! Desde há muito tenho


me dirigido em termos amigáveis com você. Não devemos ser dúbios
[isto é, divergentes] em nossa acepção de qualquer forma. Eu desejo
indagar. Por que você permanece em silêncio?”

O Honrado pelo Mundo pensou: “É assim, oh Brahmacarin! Sua natu-


reza é gentil e elegante, pura, boa, e inocente. Você sempre procura
saber. Isto não é para causar preocupações aos outros. Responderei,
para concordar com sua vontade.”

O Buda disse: “Bem falado, bem falado, oh Vatsiputriya! Responderei o


que você deseja saber.”

Vatsiputriya disse: “Oh Gautama! Há no mundo algo que possa ser


chamado de ‘bom’?”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 416


“É assim, oh Vatsiputriya!”

“Há o ‘não-bom’?”

“Sim, isto é assim.”

“Oh Gautama! Por favor, exponha o ‘bom’ e o ‘não-bom’ para mim.”

O Buda disse: “Oh bom homem! Falarei extensivamente acerca disso.


Agora analisarei e explicarei [o assunto] para você de uma forma conci-
sa. Desejo é ‘não-bom’; tornar-se emancipado é o que é ‘bom’. Assim
são a ira e a ignorância [‘não-bom’]. Matança é o que é ‘não-bom’; não-
matança é aquilo que é ‘bom’. Assim se procede até as visões distorci-
das da vida. Oh bom homem! Eu agora, para o vosso benefício, expo-
nho-lhe os três tipos daquilo que é ‘bom’ e ‘não-bom’; e também os
dez tipos daquilo que é ‘bom’ e ‘não-bom’. Se qualquer dos meus dis-
cípulos puder ver a diferença desde os três tipos daquilo que é ‘bom’ e
‘não-bom’, até os dez tipos daquilo que é ‘bom’ e ‘não-bom’, essa pes-
soa realmente acabará com todas essas impurezas tais como o desejo,
ira, e ignorância, e erradicará o que é ‘é’ [isto é, samsaricamente orien-
tado, imperfeito, sempre em mutação, existência fenomenal].”

O Brahmacarin disse: “Oh Gautama! Há um único Monge em meio


àqueles da Sangha Budista que tenha acabado com todas essas impu-
rezas como desejo, ira, e ignorância?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Não há somente um, dois, três, ou
quinhentos, mas inumeráveis Monges que acabaram com todas essas
impurezas e coisas do ‘é’, tais como desejo, ira, ignorância e todas es-
sas impurezas.”

“Oh Gautama! Se excluirmos os Monges, há alguma Monja em meio


àquelas da Sangha Budista que tenha acabado com todas essas impu-
rezas e coisas do ‘é’, tais como desejo, ira, e ignorância?”

Capítulo 46: Sobre Kaundinya 2 Página 417


O Buda disse: “Há não somente uma, duas, três, ou quinhentas dessas
Monjas, mas há inumeráveis Monjas que acabaram com todas essas
impurezas e coisas do ‘é’, tais como cobiça, ira, e ignorância.”

Vatsiputriya disse: “Oh Gautama! Deixemos de lado os casos de Mon-


ges e Monjas individuais. Há em meio àqueles da Sangha Budista algum
Leigo que tenha sido fiel aos preceitos e empreendeu esforços, que
tenha sido puro em suas ações, que tenha atravessado as águas da
dúvida, e que ao cortar a malha de dúvidas, tenha atingido a outra
margem?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Não há apenas um, dois, três, ou qui-
nhentos, mas incontáveis Leigos que foram fiéis aos preceitos, empre-
enderam esforços, cujas ações foram puras, e que, tendo despedaçado
a malha de dúvidas, destruíram os cinco laços das impurezas [isto é, a
cobiça (ou desejo), má vontade, ignorância, inveja, e mesquinhez, que
levam alguém ao renascimento nos três reinos do infortúnio do infer-
no, espíritos famintos, e animais], atingindo assim a fruição do Anaga-
min, e que ao alcançarem a outra margem para além das dúvidas, aca-
baram com o malha de dúvidas.”

Vatsiputriya disse: “Deixemos de lado os casos de Monges, Monjas e


Leigos. Há alguma Leiga em meio àquelas da Sangha Budista que tenha
sido fiel aos preceitos, que tenha feito esforços, que tenha sido pura
em suas ações, e que tenha alcançado a outra margem da dúvida, ten-
do acabado com a malha de dúvidas?”

O Buda disse: “Dessas, não há somente uma, duas, três, ou quinhentas,


mas há incontáveis Leigas que têm sido fiéis aos preceitos, que empre-
enderam esforços, que destruíram os cinco grilhões das impurezas, que
atingiram a fruição do Anagamin, e que estão agora na margem para
além das dúvidas, tendo rompido a malha de dúvidas.”

Vatsiputriya disse: “Oh Gautama! Deixemos agora de lado os casos de


Monges ou Monjas que tenham eliminado todas as impurezas, e os
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 418
casos de Leigos e Leigas que tenham observado os preceitos, feito es-
forços, e cujas ações têm sido puras, e que romperam a malha de dúvi-
das. Há algum Leigo em meio àqueles da Sangha Budista que desfrute
dos prazeres dos cinco desejos [sensuais] e que não tenha dúvida em
sua mente?”

“Oh bom homem! Desses, não há somente um, dois, três, ou quinhen-
tos. Há incontáveis pessoas que destruíram os três grilhões, atingindo
assim a fruição do Srotapanna e, crescendo menos no desejo, má-
vontade e ignorância, alcançaram assim a fruição do Sakrdagamin. É o
mesmo com Leigos e Leigas.”

“Oh Honrado pelo Mundo! Gostaria agora de tecer uma analogia.”

O Buda disse: “Bem falado, bem falado! Fale o que você deseja falar.”

“Oh Honrado pelo Mundo! Os reis naga, Nanda e Upananda, ambos


provêem-nos com grandes chuvas. Assim se passa com a chuva do
Dharma do Tathagata. Igualitariamente, você permite a chuva cair
sobre Leigos e Leigas. Oh Honrado pelo Mundo! Se alguns tirthikas
viessem [aqui] e desejassem [treinar com vocês], eu me pergunto
quantos meses vocês os submeteriam à provação?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Testaríamos por quatro meses. (A


pessoa) não tem que ser necessariamente de um tipo [ou seja, isto se
aplica a qualquer que seja o tipo de pessoa].”

“Oh Honrado pelo Mundo! Se não é de um único tipo, por favor, admi-
ta-me na Ordem.”

Então, o Honrado pelo Mundo disse a Kaundinya: “Cuide para que esse
Vatsiputriya seja admitido na Ordem e que receba os preceitos.”

Ao ouvir essas palavras do Buda, Kaundinya levantou-se em meio à


congregação e o conduziu para o ritual de ‘karman’. Quinze dias de-
Capítulo 46: Sobre Kaundinya 2 Página 419
pois, o homem atingiu a fruição do Srotapanna. Ao atingir essa fruição,
ele pensou para si: ‘Se estou a praticar a Via com Sabedoria, agora já a
conquistei, e realmente serei capaz de ver o Buda’.

Então, ele foi para onde o Buda se encontrava, prostrou-se no chão, e


tendo prestado sua homenagem, recuou e sentou-se a um lado. E disse
ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! O que quer que seja atingido atra-
vés do conhecimento, eu agora atingi. Por favor, condescenda nova-
mente em expor [as coisas] para mim, tal que eu possa alcançar sabe-
doria do ‘nada mais a aprender’.”

O Buda disse: “Oh bom homem! Faça esforços e pratique duas coisas, a
saber: 1) samatha [meditação calma], e 2) vipasyana [meditação de
insight]. Oh bom homem! Se qualquer Monge deseja atingir a fruição
do Srotapanna, essa pessoa deve praticar essas duas coisas. Se alguém
deseja atingir as fruições do Sakrdagamin, Anagamin, e Arhatship, essa
pessoa também deve praticar o mesmo.

Oh bom homem! Qualquer Monge que queira atingir os quatro dhya-


nas, as quatro mentes ilimitadas, os seis poderes divinos, as oito eman-
cipações, os oito lugares superiores, a sabedoria da não-disputa, a sa-
bedoria suprema, a sabedoria ultimada, as quatro sabedorias sem obs-
truções, o Samadhi Adamantino, a sabedoria da plena-extinção, e a
sabedoria do não-nascimento, todos devem praticar essas duas vias.

Oh bom homem! Se há alguém que queira atingir o patamar do décimo


abode (‘bhumi’), a cognição do não-nascimento, a cognição toda-
maravilhosa, as ações sagradas, ações puras, ações celestiais, a prática
do Bodhisattva, o Samadhi do Todo-Vazio, o Samadhi Jnana-Mudra, o
Samadhi do Todo-Vazio, amorfia e não-ação, o Samadhi-Bhumi, o Sa-
madhi da Não-Retroação, o Samadhi Surangama, o Samadhi Adaman-
tino, e a ação Budista do Insuperável Bodhi; essa pessoa deve praticar
essas duas vias.”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 420


Vatsiputriya, ao ouvir isto, prestou homenagem e saiu. Ele praticou
essas duas vias na floresta das árvores sala, e em pouco tempo ele
havia atingido a fruição do Arhatship.

Naquela ocasião, havia inumeráveis Monges a caminho de onde o Bu-


da se encontrava.

Vatsiputriya, ao vê-los, indagou: “Oh grandes! Para onde vocês preten-


dem ir?”

Todos os Monges disseram: “Pretendemos ir ao Buda.”

“Oh grandes! Se forem ao Buda, por favor, digam-lhe: ‘O Brahmacarin


Vatsiputriya, tendo praticado as duas vias, atingiu agora a sabedoria do
‘nada mais a aprender’. Agora, ao sentir gratidão ao Buda, ele entra no
Nirvana’.”

Então todos os Monges, indo ao Buda, disseram: “Oh Honrado pelo


Mundo! O Monge Vatsiputriya, solicitou-nos reportar a você que, ten-
do praticado as duas vias, ele atingiu a sabedoria do ‘nada mais a a-
prender’ e que, sentindo gratidão, entrará agora no Nirvana.”

O Buda disse: “O Brahmacarin Vatsiputriya agora atingiu a fruição do


Arhatship. Vá agora e faça oferecimentos às suas relíquias.”

Então os Monges, ao ouvirem essas palavras do Buda, foram para onde


o cadáver se encontrava e fizeram grandes oferecimentos.

O Brahmacarin Kasaya, então disse: “Oh Gautama! Você, Gautama, diz


que uma pessoa faz o que é bom e o não-bom inumeráveis vezes, e no
futuro adquire corpos novamente que são bons ou não-bons. Isto não
é assim porque, exatamente como você Gautama diz, uma pessoa
adquire um corpo através das impurezas. Se uma pessoa ganha seu
corpo, o que vem primeiro, o corpo ou a impureza? Se a impureza vem
primeiro, quem a cria e onde ela fica? Se o corpo vem primeiro, como
Capítulo 46: Sobre Kaundinya 2 Página 421
podemos dizer que a pessoa o adquire através das impurezas? Em
razão disto, se for dito que a impureza vem primeiro, isto não se ajusta
bem. Também, não é bom dizer que o corpo vem primeiro. Se for dito
que ambos surgem ao mesmo tempo, isto também não será correto.
Qualquer argumentação como do ‘antes’ e ‘depois’, ou de ‘ao mesmo
tempo’, não é aceitável. Assim, eu digo: ‘Todas as coisas têm a sua
própria natureza, não dependendo das relações causais’.

Também, além disso, oh Gautama! Dureza é a natureza da terra; umi-


dade é a natureza da água; calor é a natureza do fogo; movimento é a
natureza do vento; e não ser obstruído é a natureza do espaço. Essas
cinco naturezas são existências que não dependem de relações causais.
Se há no mundo não apenas uma coisa que não depende das relações
causais, deve ser assim com todas as outras coisas, também. Aquelas
(cinco naturezas) são existências que não estão baseadas nas relações
causais. Se for dito que tudo depende de uma única lei das relações
causais, por que é que as naturezas dos cinco elementos não depen-
dem da lei das relações causais?

Oh Gautama! Os seres ganham a emancipação desse corpo do bom e


não-bom com base em sua própria natureza, e não nas relações cau-
sais. Assim, eu digo: ‘Todas as coisas existem baseadas em sua própria
natureza e não em relações causais’.

Também, além disso, oh Gautama! As coisas do mundo têm seus pró-


prios lugares de uso. Por exemplo, se diz: ‘Tais e tais tipos de madeira
são para a fabricação de rodas, e tais e tais tipos são para a fabricação
de portas e bancos’.

Também, é como com o ourives, que chama o que é usado sobre a


testa de adorno para o cabelo, o que se coloca em torno do pescoço de
alguém de colar, o que é usado no braço de bracelete, e o que é usado
no dedo de anel. Como o lugar de uso é determinado, dizemos que a
natureza é determinada. Assim se dão as coisas com os seres, também.
Existem as naturezas dos cinco reinos. Portanto, temos o inferno, os
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 422
espíritos famintos, animais, humanos, e celestiais. Se as coisas são as-
sim, como podemos dizer que elas dependem de relações causais?

Também, além disso, oh Gautama! Cada ser tem uma natureza dife-
rente daquela dos outros. Esse é o porquê dizermos que todas as coi-
sas têm as suas próprias naturezas. A tartaruga é nascida sobre a terra,
mas facilmente vai para dentro da água; o bezerro, tão logo após o
nascimento, facilmente bebe o leite; o peixe vê a isca no anzol e espon-
tânea e avidamente a morde; a víbora, tão logo nasce, apoia-se (raste-
ja) sobre a terra. Quem ensina tais coisas? Quando um espinho apare-
ce, sua ponta é sempre aguda; as cores dos pássaros voando diferem
de uns para outros. Assim é com os seres do mundo. Há aqueles de
inteligência aguçada e aqueles que são deficientes, aqueles que são
ricos e aqueles que são pobres; há aqueles que são bem-afeiçoados e
aqueles que são feios; há aqueles que atingem a emancipação e aque-
les que ganham nascimento nos baixos estados. Disto, podemos saber
que há uma natureza para cada existência.

Também, além disso, oh Gautama! Se você diz que desejo, má-


vontade, e ignorância surgem das relações causais, e que esses três
venenos estão baseados nas relações causais e nos cinco campos dos
sentidos, a situação não é assim. Por que não? Quando alguém dorme,
está distante dos cinco campos dos sentidos. No entanto, lá surgem
desejo, má-vontade, e ignorância. Mesmo no útero, o caso é o mesmo.
Quando se emerge dele, não se pode sentir o bom e o não-bom dos
cinco campos dos sentidos. No entanto, lá surgem desejo, má-vontade,
e ignorância. Todos os Rishis e sábios vivem em lugares quietos e silen-
ciosos, e lá não existem os cinco campos dos sentidos. Mas, ainda há
desejo, má-vontade, e ignorância.

Também, uma pessoa, através dos cinco campos dos sentidos, adquire
não-desejo, não-ira, e não-ignorância. Por isso, todas as coisas não
necessariamente surgem devido às relações causais, mas devido à
natureza de cada coisa.

Capítulo 46: Sobre Kaundinya 2 Página 423


Também, além disso, oh Gautama! Vemos pessoas no mundo que
possuem grande riqueza e muita liberdade, mesmo sendo imperfeitas
nos cinco sentidos orgânicos; e aqueles que são pobres, inferiores, não
livres, servis a outras pessoas, tendo eles mesmos os cinco sentidos
orgânicos perfeitos. Se as coisas surgem das relações causais, como as
coisas acontecem assim? Por isso, dizemos que todas as coisas possu-
em as naturezas de si próprias, e não estão baseadas nas relações cau-
sais.

Também, além disso, oh Gautama! Crianças também não são esclare-


cidas quanto aos cinco sentidos orgânicos, mas elas riem e choram.
Quando sorrindo, elas sentem alegria, e quando chorando, sentem
tristeza. Em razão disto, podemos saber que todas as coisas têm a sua
própria natureza.

Também, além disso, oh Gautama! Há dois tipos de coisas no mundo,


as quais são: 1) o ‘é’, e 2) o ‘não-é’. O ‘é’ é o Vazio, e o ‘não-é’ é o cabe-
lo de uma tartaruga. Desses, o primeiro não depende das relações
causais por causa do ‘é’, e o outro não depende das relações causais
por causa do ‘não-é’. Assim, todas as coisas dependem da sua própria
natureza e não das relações causais.”

O Buda disse: “Oh bom homem! Você diz que é com todas as coisas
conforme é com as naturezas dos cinco grandes elementos. Mas isto
não é assim. Por que não? Você diz que os cinco grandes elementos
são eternos. Por quê? Todas as coisas são não-eternas. Se o que existe
no mundo é não-eterno, como podem esses cinco grandes elementos
não ser não-eternos? Se os cinco grandes elementos são eternos, tudo
o que existe no mundo também deve ser eterno. Portanto, quando
você diz que os cinco grandes elementos têm as suas próprias nature-
zas, que eles não dependem das relações causais, e que o caso de to-
das as coisas é como aquele dos cinco grandes elementos, isto não tem
base [verdadeira] para se sustentar. Oh bom homem! Você diz que
como há lugares onde (cada uma das) coisas se aplicam, (então) as
coisas devem ter naturezas de si próprias. Mas isto não é assim. Por
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 424
que não? Porque elas (as coisas) adquirem suas denominações através
das relações causais. Se um nome vem de uma causa, o significado
deve vir de uma causa. Por que dizemos que o nome vem através da
causa? O que é usado sobre a testa é chamado ornamento para a ca-
beça, o que é usado no pescoço é um colar, o quer é usado no braço é
um bracelete, e o que é usado numa carroça são rodas. Se o fogo
queima grama e plantas, falamos de fogo de grama e plantas. Oh bom
homem! Uma árvore, quando nasce, não possui a natureza da flecha
ou alabarda. Através das relações causais, o artesão a pega e faz fle-
chas; através das relações causais ele faz uma alabarda dela. Assim,
não podemos dizer que as coisas possuem naturezas de si próprias.

Oh bom homem! Você diz que a tartaruga nasce sobre a terra e que
por sua própria natureza ela vai para dentro da água; que o bezerro,
quando nasce, bebe o leite por sua própria natureza, e que as coisas se
procedem assim. Mas isto não é assim. Por que não? Se não for através
das relações causais que ela (a tartaruga) vai para dentro da água, não
há nada no mundo que seja baseado nas relações causais. Sendo as-
sim, por que é que ela não vai para dentro do fogo? O bezerro bebe
leite tão logo nasce. Se isto não for através das relações causais, não
pode haver nenhuma relação causal para falar a respeito. Por que ele
não mama no chifre?

Oh bom homem! Você diz que todas as coisas têm a sua própria natu-
reza-inata, que não há necessidade de aprender, e que não há desen-
volvimento. Mas isto não é assim. Por que não? Ora, há ensinamento e,
através desse ensinamento, há crescimento [desenvolvimento]. Por
isso, saiba que não existe natureza de si mesmo.

Oh bom homem! Se todas as coisas possuíssem a sua própria natureza


original, nenhum Brâmane necessitaria matar carneiro para rogar e
chegar a um corpo puro. Se uma pessoa roga em prol do seu próprio
eu, isto nos diz que ela não tem a natureza original de si própria.

Capítulo 46: Sobre Kaundinya 2 Página 425


Oh bom homem! Há três maneiras de falar, as quais são: 1) o desejo de
fazer algo, 2) o momento de fazê-lo, e 3) o feito completo. Se for o caso
que exista uma natureza de si próprio, como pode haver no mundo
essas três maneiras de falar? O fato de que existem essas três maneiras
de falar nos diz que não há natureza de si própria numa coisa.

Oh bom homem! Se você diz que todas as coisas têm a sua própria
natureza, saiba que todas as coisas devem ter uma natureza determi-
nada. Se há uma natureza determinada, como é que uma simples coi-
sa, a cana de açúcar, pode tornar-se suco, melaço, caramelo, licor, e
vinagre? Se há uma natureza única, como poderiam surgir essas coi-
sas? Se essas coisas surgem de uma única coisa, saiba que isto indica
que todas as coisas não podem ser determinadamente uma, e de natu-
reza única.

Oh bom homem! Se todas as coisas têm uma natureza determinada,


por que os sagrados não tomam o suco de cana de açúcar, o caramelo
e o melaço na ocasião de pegar o licor, e depois tomá-lo quando ele se
transformou em vinagre? Por essa razão, podemos saber que não há
natureza determinada. Se não há natureza determinada, como poderia
ser exceto através das relações causais?

Oh bom homem! Se todas as coisas têm uma natureza determinada,


como poderia haver qualquer base para analogias? Se há analogias,
isto nos diz: saiba que não existe natureza determinada em qualquer
coisa. Se houvesse uma natureza determinada, dever-se-ia saber que
não haveria analogias. Todas as pessoas sábias do mundo empregam
analogias. Saiba, então, que não pode haver natureza de uma coisa, e
não há natureza única.

Oh bom homem! Você indaga: ‘O quê vem primeiro, o corpo ou a im-


pureza’? Isto não se pode obter. Por que não? Se Eu digo que o corpo
vem primeiro, você também me reprovará e dirá que com você, bem
como comigo, o corpo não pode preceder. Por que você reprova as-
sim?
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 426
Oh bom homem! Não pode haver antes e depois no corpo dos seres.
As coisas acontecem ao mesmo tempo. Embora mantenham as mes-
mas relações temporais, o corpo vem devido às impurezas; não é que
haja impureza devido à existência do corpo. O que você faz é que uma
pessoa ganhe dois olhos ao mesmo tempo, e um não é a causa do ou-
tro, que o olho do lado esquerdo não depende do olho do lado direito,
e que o do lado direito não depende daquele do lado esquerdo. Caso
você diga que a situação é a mesma com a impureza e o corpo, Eu teria
que dizer que isto não é assim. Por que não? O que se obtém no mun-
do é que o olho vê que a mecha e a luz existem nas mesmas relações
temporais. A luz sempre depende da mecha, mas a mecha não depen-
de da luz.

Oh bom homem! Você pode dizer que o corpo existe antes; e que,
portanto, não existe causa sobre a qual falar. Mas isto não é assim. Por
que não? Se você pretende dizer que não há causa sobre a qual falar
em razão do fato de que o corpo surge primeiro e não há relações cau-
sais, então você não pode dizer que todas as coisas dependem da cau-
salidade. Você pode dizer que como você não vê, não há causa sobre a
qual falar. Mas agora vemos um vaso que surgiu das relações causais.
Por que não podemos dizer que o corpo surge como no caso do vaso
de barro?

Oh bom homem! Quer vejamos ou não, todas as coisas dependem das


relações causais, e não pode haver qualquer conversa sobre algo que
tenha sua natureza própria.

Oh bom homem! Se você diz que todas as coisas têm a sua própria
natureza, e que não há relações causais, como você pode explicar os
cinco grandes elementos? Esses cinco grandes elementos são nada
mais que o resultado (produto) de relações causais.

Oh bom homem! As cinco grandes relações causais também são assim.


Mas, não se pode dizer que todas as coisas são como as cinco grandes
Capítulo 46: Sobre Kaundinya 2 Página 427
relações causais. Podemos dizer que todas as pessoas retirantes-do-
mundo fazem esforços e defendem preceitos. Mas candalas também
fazem esforços e defendem preceitos.

Oh bom homem! Você diz que os cinco grandes elementos definitiva-


mente possuem uma natureza concreta. Mas, essa natureza muda.
Assim, Eu vejo que ela não é estática.

Oh bom homem! Manteiga, cera e cola devem ser terra (elemento


terra) de acordo com a sua maneira de pensar. O solo (terra) é indefi-
nido. É como água, ou igual ao solo? Assim, não podemos chamá-las de
algo concreto.

Oh bom homem! estanho, chumbo, zinco, cobre, ferro, ouro, e prata


teriam que ser fogo, de acordo com a sua maneira de pensar. O fogo
tem quatro qualidades. Quando ele flui, ele tem a natureza da água;
quando se move, tem a natureza do vento; quando aquece, tem a na-
tureza do fogo; e quando é sólido (brasa), tem a natureza da terra.
Como se pode estabelecer que ele possui definitivamente a natureza
do fogo [unicamente]?

Oh bom homem! A natureza da água é de fluidez. Mesmo quando a


água fica congelada, não a chamamos de terra. Se ainda é chamada
água (quando congelada), por que não a chamamos de vento quando
está se movendo? Se uma coisa, quando em movimento, não é cha-
mada vento, podemos chamar água de não-água quando está no esta-
do congelado? Se esses dois casos estão baseados nas relações causais,
como você pode dizer que todas as coisas não estão baseadas nas rela-
ções causais.

Oh bom homem! Os cinco sentidos orgânicos por natureza vêem, ou-


vem, sentem, sabem, e tocam. Podemos dizer que todos esses depen-
dem da sua natureza e não das relações causais. Mas isto não é assim.
Por que não? Oh bom homem! O que algo possui por natureza não
pode ser mudado. Se dissermos que o sentido orgânico dos olhos pode
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 428
realmente ver, ele deve sempre ser capaz de ver. Não poderá haver
qualquer caso onde ele veja e onde ele não veja. Por essa razão, po-
demos saber que ele realmente vê através de relações causais e que
isto não é através de não-relações causais.

Oh bom homem! Você diz que você adquire a cobiça das cinco poeiras
[isto é, os cinco campos sensoriais] e que uma pessoa não se torna
emancipada. Isto não é assim. Por que não? Oh bom homem! Uma
pessoa adquire desejo e se torna emancipada. Embora isto possa não
surgir das relações causais das cinco poeiras, a pessoa adquire desejo
devido aos maus sentidos do mundo, e ela ganha a emancipação atra-
vés dos bons sentidos do mundo. Oh bom homem! Através das rela-
ções causais internas, a pessoa adquire desejo e emancipação; através
das relações causais externas vem o crescimento. Assim, contraria a
razão dizer que as coisas têm as naturezas de si próprias, que uma
pessoa não adquire desejo dos das cinco poeiras, e que a pessoa alcan-
ça a emancipação.

Oh bom homem! Você diz que embora perfeita em todos os sentidos


orgânicos, uma pessoa tem pouca riqueza e não é livre; e que embora
carente em todos os sentidos orgânicos, outra pessoa tem riqueza
abundante e grande liberdade. Isto indica que dizer que uma coisa tem
sua própria natureza, e que não há relações causais sobre as quais
falar, não é correto. Por que não? Oh bom homem! Uma pessoa colhe
resultados através do carma. Há três tipos de resultados cármicos, a
saber: 1) fruição que surge nesta vida, 2) fruição que se colhe na pró-
xima vida, e 3) fruição que se colhe nas vidas posteriores. Pobreza,
grande riqueza, sentidos orgânicos perfeitos e imperfeição dos senti-
dos orgânicos surgem de carmas diferentes. Se houvesse alguma natu-
reza única de si próprio, aqueles perfeitos nos sentidos orgânicos teri-
am que ser ricos, e alguém que fosse rico teria que ser perfeito em
todos os seus sentidos orgânicos. Mas, as coisas não se procedem as-
sim. Por isso, podemos definitivamente saber que nunca pode haver
qualquer natureza determinada de si próprio, e que tudo tem origem
nas relações causais.
Capítulo 46: Sobre Kaundinya 2 Página 429
Oh bom homem! Você diz que uma criança não pode discriminar as
relações causais das cinco poeiras e, no entanto, ela chora e ri, e que
isto indica - você diz - que todas as coisas possuem a sua própria natu-
reza. Mas isto não é assim. Por que não? Se rir acontecesse por nature-
za [isto é, se o sorriso existisse baseado em uma natureza determina-
da], certo alguém sempre teria que estar sorrindo; se o choro estivesse
baseado em uma natureza, outrem sempre teria que estar chorando.
Não poderia haver sorriso em uma ocasião e choro em outra. Se al-
guém ri em certa ocasião, e chora em outra, isto nos diz – podemos
saber – que tudo está baseado nas relações causais. Por isso, você não
deveria dizer que todas as coisas possuem suas próprias naturezas, e
que relações causais nada têm a ver com isso.”

O Brahmacarin disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Se todas as coisas


existem devido às relações causais, como pode esse corpo vir a ser?”

O Buda disse: “As relações causais desse corpo carnal estão baseadas
nas impurezas e no carma.”

Os Dois Lados e o Intermédio

O Brahmacarin (chamado Kasaya) disse: “Se esse corpo carnal está


baseado nas impurezas e no carma, podemos extirpar as impurezas e o
carma?”

O Buda disse: “É assim, é assim!”

O Brahmacarin ainda disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Por favor, seja
gentil o bastante para analisar e expor a mim, tal que eu possa real-
mente ouvir e imediatamente cortar as amarras.”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 430


O Buda disse: “Oh bom homem! Se uma pessoa vem a saber que os
dois lados e o intermédio são desimpedidos [desobstruídos], essa pes-
soa de fato aparta-se das impurezas e do carma.”

“Oh Honrado pelo Mundo! Agora sei e adquiri o Olho-do-Dharma cor-


reto.”

O Buda disse: “De que maneira você sabe?”

“Oh Honrado pelo Mundo! Os dois lados são ‘forma material’ e ‘eman-
cipação da forma material’, e o intermédio é o ‘Nobre Caminho Óctu-
plo’. Assim também se dá com o sentimento, percepção, volição, e
consciência.”

O Buda disse: “Bem falado, bem falado, oh bom homem! Agora você
veio a saber dos dois lados e cortar as impurezas e o carma.”

“Oh Honrado pelo Mundo! Por favor, admita-me na ordem e permita-


me receber os preceitos!”

O Buda disse: “Bem vindo, oh Monge!”

Imediatamente ele extirpou as impurezas dos três mundos e alcançou


a fruição do Arhatship.

Então, havia um Brâmane chamado ‘Vasto-Vasto’, que disse: “Oh Gau-


tama! Você sabe o que tenho em minha mente?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Nirvana é Eterno e o que é criado é


não-eterno. O que é distorcido são visões distorcidas, e o que é correto
é o Nobre Caminho (Óctuplo).”

O Brâmane disse: “Oh Gautama! Por que você fala assim?”

Capítulo 46: Sobre Kaundinya 2 Página 431


“Oh bom homem! O que você pensa é que pedir esmolas é eterno, e
ser-convidado-individualmente é não-eterno. O que é distorcido é fe-
char-se em si mesmo, e o que é correto é o estandarte imperial. Esse é
o porquê Eu digo: ‘Nirvana é Eterno; o que é distorcido são visões dis-
torcidas, e o que é correto é o Nobre Caminho Óctuplo’. Não é como
você pensa?”

O Portal do Grande Castelo

O Brâmane disse: “Oh Gautama! Você vê bem o que está em minha


mente. Esse Nobre Caminho Óctuplo possibilita aos seres atingir a ex-
tinção ou não?”

Então, o Honrado pelo Mundo permaneceu em silêncio e não respon-


deu.

O Brâmane disse: “Oh Gautama! Você vê bem a minha mente. Por que
você permanece em silêncio e não me responde?”

Então, Kaundinya disse: “Oh grande Brâmane! Se alguma pessoa inda-


ga sobre a finitude ou não-finitude do mundo, o Tathagata fica em
silêncio e não responde. O Nobre Caminho Óctuplo é o que é correto, e
Nirvana é o que é Eterno. Quando o Nobre Caminho Óctuplo é pratica-
do, atinge-se a extinção; se não, tal coisa não resulta.

Oh grande Brâmane! Por exemplo, um grande castelo tem quatro pa-


redes, onde não há aberturas, exceto por um portão. O guardião do
portão é sábio. Ele sabe a quem deixar passar e a quem impedir. Ele
pode não saber o número daqueles que vêm e vão, mas ele sabe que
quem entra tem que passar pelo portão. A situação é assim. Oh bom
homem! É o mesmo com o Tathagata. O castelo é Nirvana, o portão é o
Nobre Caminho Óctuplo, e o guardião do portão é o Tathagata. Oh
bom homem! Embora o Tathagata não responda [às questões dos

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 432


seres do mundo] sobre finito ou infinito, o que é não-eterno necessita
praticar o Nobre Caminho Óctuplo.”

O Brâmane disse: “Bem falado, bem falado, oh grandemente virtuoso


Kaundinya! O Tathagata realmente expõe o Dharma Todo-
Maravilhoso. Agora eu conheço o Castelo, e o Caminho para ele, e
desejo ser o Guardião-do-Portal.”

Kaundinya disse: “Bem falado, bem falado! Você agora aspira à Grande
Mente (do Bodhi).”

O Buda disse: “Não diga assim, não diga assim, oh Kaundinya! Não é o
caso que esse Brâmane agora aspira pela primeira vez à esta (Grande)
Mente. Há um longo, longo tempo atrás, no distante passado de incon-
táveis Budas, havia um Buda chamado ‘Tathagata Todo-Brilhante’,
Merecedor de Ofertas, Plenamente-Iluminado, Todo-Realizado, Bem-
Aventurado, Pleno-Conhecedor (de Conhecimento Correto e Univer-
sal), de Sabedoria Insuperável, Melhor Treinador, Mestre de Seres
Celestiais e Humanos, Buda, Honrado pelo Mundo. Essa pessoa [isto é,
esse Brâmane] já aspirou ao Insuperável Bodhichitta no lugar daquele
Buda. Ele agora atingirá o Estado de Buda nesse Bhadrakalpa. De há
muito, ele é versado no Dharma. Para o benefício dos seres, ele vive
como um tirthika, e apresenta-se como alguém não versado no Dhar-
ma. Por essa razão, Kaundinya, você não deve dizer: ‘Bem falado, bem
falado! Você agora aspira à Grande Mente’.”

Então, vendo tudo, o Honrado pelo Mundo disse a Kaundinya: “Ananda


está presente?”

Kaundinya disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Ananda está longe da


floresta das árvores sala, está distante 12 yojanas dessa congregação, e
está circundado por 64.000 bilhões de Maras. Todos esses Maras estão
se transformando no Tathagata. Eles dizem que todas as coisas surgem
das relações causais, ou que todas as coisas não surgem das relações
causais; ou dizem que todas as relações causais são eternas, ou que
Capítulo 46: Sobre Kaundinya 2 Página 433
tudo que surge das relações causais é não-eterno. Ou dizem que os
cinco skandhas são reais, ou que eles são falsos. Bem como os 18 rei-
nos e as 12 esferas. Ou eles dizem que há os 12 elos da interdependên-
cia, ou que há exatamente quatro relações causais, ou que todas as
coisas são como fantasmas ou visões, ou como miragens no verão; ou
eles dizem que o Dharma vem a alguém através da audição, ou que
alguém o adquire através do pensamento; ou falam sobre o usmagata,
murdhana, laukikagradharma, os estágios do aprendizado e ‘nada mais
a aprender’, ou sobre os dez estágios do Bodhisattva, do primeiro até o
décimo; ou eles falam sobre o Todo-Vazio, amorfia e não-ação; ou eles
falam sobre sutra, geya, vyakarana, gatha, udana, nidana, avadana,
itivrttaka, jataka, vaipulya, adbhutadharma, e upadesa; ou há aqueles
que falam sobre as quatro recordações, os quatro esforços corretos, os
quatro bem-estares, as cinco raízes, cinco poderes, sete elementos do
Bodhi, Nobre Caminho Óctuplo; ou eles podem falar sobre o Vazio
interno, o Vazio externo, o Vazio interno-externo, o Vazio do criado, o
Vazio do não-criado, o Vazio sem começo, o Vazio da natureza, o Vazio
da segregação, o Vazio da dispersão, o Vazio das características do eu,
o Vazio da amorfia, o Vazio dos skandhas, o Vazio das [12] esferas, o
Vazio dos [18] reinos, o Vazio do bom, o Vazio do não-bom, o Vazio do
indefinível, o Vazio do Bodhi, o Vazio do Caminho, o Vazio do Nirvana,
o Vazio da ação, o Vazio do que se obteve, o Vazio da Realidade Última,
o Vazio-Vazio, e o Grande Vazio. Ou eles podem mostrar milagres e
transformações. Seus corpos emitirem água e fogo; ou a água jorra da
parte superior do corpo e o fogo sai da parte inferior; ou de baixo jorra
água e de cima do corpo sai fogo. Ou a axila esquerda está quieta e a
axila direita jorra água; ou a axila direita está quieta e a axila esquerda
jorra água. Ou de uma axila trovões ecoam e agitam, e da outra axila a
chuva cai. Ou pode haver alguém que mostre os mundos de todos os
Budas; ou a cena do Bodhisattva quando ele aparece pela primeira vez
no Mundo e dá sete passos, vive nas profundezas do palácio, onde ele
desfruta uma vida dos cinco desejos, ou a cena na qual ele deixa o pa-
lácio e pratica austeridades, ou na qual ele avança em direção à Árvore
Bodhi, sentando-se sob ela em Samadhi, ou a cena na qual ele derrota
os exércitos de Maras, ou a cena na qual ele profere sermões, ou a
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 434
cena na qual ele executa grandes milagres, ou onde ele entra no Nirva-
na.

Oh Honrado pelo Mundo! Ananda, vendo isto, pensa para si: ‘Não te-
nho visto tais milagres. Quem está fazendo tudo isto? Ou todos estes
(milagres) são do Buda Shakyamuni’? Ele deseja levantar-se, falar, mas
a ação não obedece a sua vontade. Isto é devido ao fato de que Anan-
da foi capturado nas armadilhas de Mara. Ele também pensa: ‘Tudo o
que esses Budas dizem não é o mesmo. A quais palavras eu deveria dar
ouvido agora’? Oh Honrado pelo Mundo! Ananda está sofrendo gran-
demente neste momento. Embora ele pense no Tathagata, ninguém
vem salvá-lo. Esse é o porquê ele não está aqui em meio aos congrega-
dos.”

Então, o Bodhisattva Mahasattva Manjushri disse ao Buda: “Oh Honra-


do pelo Mundo! Em meio a essa grande massa de pessoas congregadas
aqui, há muitos Bodhisattvas que aspiraram à Iluminação Insuperável
em uma vida, ou que têm aspirado ao Bodhichitta ao curso de inume-
ráveis vidas. Eles realmente fazem oferecimentos a inumeráveis Budas.
Sua mente é segura e firme (firmemente estabelecida), e eles praticam
desde o danaparamita até o prajnaparamita. De há muito, eles vêm (ao
lugar de) inumeráveis Budas, praticaram ações puras, e são não-
retroativos em seu Bodhichitta. Eles atingiram o estado de não-
retroação da cognição e chegaram ao avinivartaniya, são perfeitos na
cognição correta e estão no Samadhi Surangama. Essas pessoas ouvem
os Sutras Mahayana e não duvidam [deles]. Eles compreendem bem e
falam da unicidade dos Três Tesouros, e que sua natureza e caracterís-
ticas são Eternas e Imutáveis. Eles ouvem sobre coisas miraculosas,
mas suas mentes não se surpreendem e não se agitam. Eles ouvem
sobre muitos tipos de Vacuidade, e suas mentes não se tornam teme-
rosas. Eles compreendem claramente todos os tipos de Natureza do
Dharma. Eles defendem bem todos os 12 tipos de sutras e compreen-
dem os seus significados extensivamente. Também, eles ostentam os
12 tipos de sutras de todos os inumeráveis Budas. Como alguém pode-
ria estar apreensivo quanto a não ser capaz de ostentar e defender o
Capítulo 46: Sobre Kaundinya 2 Página 435
Sutra do Grande Nirvana? Por que é que você perguntou a Kaundinya
onde estava Ananda?”

Então, o Honrado pelo Mundo disse a Manjushri: “Ouça atentamente,


ouça atentamente! Oh bom homem! Desde quando atingi o Estado de
Buda, tenho vivido por mais de 30 anos em Rajagriha. Naquela ocasião,
Eu disse a todos os Monges: ‘Quem dentre todos aqueles que estão
congregados aqui pode ostentar e defender os 12 tipos de sutras do
Tathagata e atender ao que [o Buda] possa necessitar ter, e ainda as-
sim não perder seu próprio ganho (lucro)?

Naquela ocasião, Kaundinya era um daqueles na congregação, veio a


mim e disse: ‘Eu posso ostentar bem os 12 tipos de sutras, atender (o
Buda) em tudo que houver de ser, e ainda não perder o que posso
ganhar’.

Eu disse: ‘Oh Kaundinya! Você já está bastante avançado na idade.


Você deve usar alguém mais. Como você poderia esperar me servir’?

Então, Shariputra disse: ‘Certamente, eu posso ostentar todas as pala-


vras que o Buda fala, atender ao que ele necessita ter, e não perderei
qualquer lucro que possa auferir’.

Eu então disse: ‘Oh Shariputra! Você já está bastante velho. Use al-
guém mais. Como você pode desejar me servir’?

As coisas se procederam assim com os 500 Arhats. Eu não aceitei [de


nenhum deles]. Então, Maudgalyayana, estando em meio ao seu séqui-
to, pensou: ‘O Tathagata não aceita a assistência dos 500 Arhats. Quem
poderia ser que o Buda deseja ter’? Pensando assim, ele entrou em
dhyana e viu que a mente do Tathagata estava apontando para Anan-
da, exatamente como quando o sol surge e resplandece no horizonte
ocidental. Ao ver isto, ele se levantou do seu assento do dhyana [da
sua postura de meditação] e disse a Kaundinya: ‘Oh grandemente vir-
tuoso! Agora vi que o Tathagata deseja ter Ananda para assisti-lo’.
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 436
Então Kaundinya, juntamente com os 500 Arhats, foi a Ananda e disse:
‘Oh Ananda! Você deve ir e servir o Tathagata. Aceite isto!’

Ananda disse: ‘Oh todos vocês virtuosos! Não posso servir bem o Ta-
thagata. Por que não? O Tathagata é austero, como o Rei dos Leões;
ele é como o dragão e o fogo. Eu sou ainda impuro e fraco. Como pos-
so realmente servi-lo’?

Todos os Monges disseram: ‘Você deve ouvir a nossa palavra e servir o


Tathagata. Você será abençoado com grande benefício’. Isto foi por
uma segunda e terceira vez.

Ananda disse: ‘Todos vocês grandemente virtuosos! Eu também não


busco qualquer grande benefício. Para dizer a verdade, não sou capaz
de servi-lo’.

Então Maudgalyayana disse novamente: ‘Oh Ananda! Você ainda não


sabe’?

Ananda disse: ‘Oh grande! Por favor, diga-me de quê’.

Maudgalyayana disse: ‘O Tathagata desejava ter um dentre nós, sacer-


dotes. Todos os 500 Arhats queriam conhecer o seu desejo. Mas o
Tathagata não o revelava. Então, eu sentei em dhyana e vi que o Ta-
thagata deseja que você seja esse alguém. Por que você não quer acei-
tar o posto’?

Ao ouvir isto, Ananda juntou suas mãos, prostrou-se no chão e disse:


‘Oh grandemente virtuosos! Se isto realmente ocorreu, agirei como
vocês desejam e o servirei, desde que o Tathagata me permita três
coisas’.

Maudgalyayana disse: ‘Quais são as três coisas’?

Capítulo 46: Sobre Kaundinya 2 Página 437


Ananda disse: ‘Primeiro, que o Tathagata me permitirá não aceitar –
caso ele queira dá-la a mim – qualquer roupa usada; segundo, que o
Tathagata me permitirá não acompanhá-lo quando ele receber convi-
tes privativos; e terceiro, que o Tathagata me permitirá liberdade de
movimento. Se o Tathagata permitir-me essas três coisas, estou pronto
para conceder com as palavras de todos vocês Sacerdotes’.

Então, Kaundinya e os 500 Monges voltaram a mim e disseram: ‘Persu-


adimos Ananda a aceitar, mas em conexão com isto, ele deseja que
três coisas lhe sejam permitidas. Se você permitir-lhe, ele seguirá as
palavras dos Sacerdotes [isto é, fará como eles lhe pediram]’.

Oh Manjushri! Eu então aplaudi Ananda e disse: ‘Bem falado, bem


falado, oh Monge Ananda! Você tem Sabedoria e procura se resguar-
dar [isto é, se proteger contra futuras contingências]’. Por que é assim?
Porque as pessoas podem dizer que ele serve o Tathagata por conta da
roupa e da comida que possa ganhar. Esse é o porquê ele não quer
receber roupas usadas, e porque ele não quer me acompanhar nas
ocasiões de quaisquer convites privativos que eu possa ter aceitado.

Oh Kaundinya! Ananda tem Sabedoria. Se ele fosse restringido no tem-


po, ele não teria tempo para conceder benefícios às quatro classes da
Sangha Budista. Esse é o porquê ele deseja que não haja um tempo
determinado para o seu serviço.

Oh Kaundinya! Eu aderi a esses três pedidos para o benefício de Anan-


da’.

Então Maudgalyayana voltou a Ananda e disse: ‘Eu implorei ao Buda


pelas três coisas que você desejava ter, e o Tathagata, pela sua grande
piedade, as consentiu’.

Ananda disse: ‘Oh grandemente virtuoso! Se o Buda concordou, irei e o


servirei’.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 438


As Oito Maravilhas de Ananda

Oh Manjushri! Ananda serviu-me por mais de 20 anos e possui oito


maravilhas. Quais são as oito? Elas são: 1) por 20 anos, desde que ele
começou a me servir, ele nunca comeu uma refeição [na ocasião] de
qualquer convite privativo; 2) ele nunca mais aceitou roupas usadas; 3)
desde que ele começou a me servir, ele nunca veio a mim na hora er-
rada; 4) desde o tempo em que ele começou a me servir, ele teve opor-
tunidade de se associar com todos os [tipos de] reis, Kshatriyas, nobres,
e homens de grandes clãs, e se reunir com todos [os tipos] de fêmeas e
nagas fêmeas, e embora ele tenha impurezas, ele nunca mais se entre-
gou a pensamentos luxuriosos; 5) desde que ele começou a me servir,
ele tem ostentado os 12 tipos de sutras, e após ter ouvido algo certa
vez, ele nunca indagou-me a respeito [isto é, para repeti-lo] uma se-
gunda vez [isto é, ele relembra os ensinamentos que o Buda profere]. É
como entornar a água de [vários] recipientes em um único vaso, exceto
por uma única questão. Oh bom homem! O Príncipe Vidudabha matou
o povo do clã dos Shakyas [isto é, o clã do próprio Buda] e demoliu o
Castelo de Kapilavastu. Ananda, naquela ocasião, entristeceu e chorou.
Vindo a mim, ele disse: ‘Eu nasci junto com você nesse castelo, e sou da
tribo dos Shakyas. Como é que o Tathagata parece radiante como num
dia comum, e eu me sinto tão esgotado’? Eu então respondi: ‘Oh A-
nanda! Eu pratico o Samadhi do Vazio. Assim, não estou como você’.
Três anos se passaram, e ele veio a mim e indagou: ‘Oh Honrado pelo
Mundo! Em tempos passados, eu ouvi no Castelo de Kapilavastu que o
Tathagata praticava o Samadhi do Vazio. Isto é verdade ou não’? Eu
disse: ‘Oh Ananda! É assim, é assim! É exatamente como você diz’; 6)
desde o dia em que ele começou a me servir, ele ainda não adquiriu a
habilidade para ler a mente dos outros, mas ele sempre sabia em qual
dhyana eu estava; 7) desde o dia em que ele começou a me servir, ele
ainda não adquiriu o conhecimento [que o possibilitaria] de saber o
que ele deseja saber, [no entanto] ele sabia muito bem e dizia: ‘Tais e
tais pessoas vieram ao Tathagata, e tais e tais pessoas obtiveram agora
as quatro fruições do Shramana, e tais e tais pessoas as obterão depois,

Capítulo 46: Sobre Kaundinya 2 Página 439


tais e tais ganharam vida humana, e tais e tais ganharam o corpo celes-
tial’; 8) desde o seu [primeiro] dia servindo-me, ele compreendeu todas
as palavras não ditas (secretas) do Tathagata.

Oh bom homem! O Monge Ananda possui essas oito maravilhas. Esse é


o porquê Eu chamo Ananda de repositório da audição preciosa.

Oh bom homem! O Monge Ananda é perfeito nas oito coisas e assim


defende com perfeição os 12 tipos de sutras.

Quais são as oito? Elas são: 1) sua fé é forte, 2) sua mente é correta, 3)
seu corpo é sem doença ou dor, 4) ele faz esforços irremitentes, 5) [ele
é] perfeito na mente em oração, 6) sua mente não tem arrogância, 7)
[ele é] perfeito na mente determinada, e 8) através da audição [do
Dharma] o conhecimento surge.

Oh Manjushri! O discípulo e assistente do Buda Vipasyin era chamado


Asoka. Ele também era perfeito nessas oito coisas. O discípulo e assis-
tente do Tathagata Sikhin era chamado Samakara, o discípulo e assis-
tente do Buda Visvabuk era chamado Upasanta, o discípulo e assisten-
te do grande Buda Krakucchanda era chamado Bhadrika, o discípulo e
assistente do Buda Kanakamuni era chamado Sotei, e o discípulo e
assistente do Buda Kashyapa era chamado Yobamitta. Todos eles pos-
suíam essas virtudes. Esse é o porquê Eu digo que Ananda é o repositó-
rio da audição preciosa.

Oh bom homem! Exatamente como você diz, há em meio àqueles aqui


congregados inumeráveis Bodhisattvas. Mas, como esses Bodhisattvas
têm pesadas tarefas a cumprir, tais como as obras de Grande Amor-
Benevolente e Grande Compaixão, inevitavelmente eles têm ocupado
as suas horas para trabalhar, treinar os séquitos, e adornar os seus
próprios corpos. Assim, após a minha entrada no Nirvana, eles não
serão capazes de expor os 12 tipos de sutras. Ou pode haver Bodhisatt-
vas que possam propô-los, mas as pessoas não acreditarão no que eles
disserem.
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 440
Oh Manjushri! O Monge Ananda é meu irmão mais jovem [Ananda, de
fato, é primo do Buda, mas é aqui chamado de seu irmão para transmi-
tir um sentido de familiaridade – K. Yamamoto]. Desde o dia em que
ele começou a me servir, 20 anos se passaram. Mas ele lembra o que
ouviu, como a água guardada num vaso. Por essa razão, Eu procuro por
Ananda e quero saber onde ele pode estar. E eu desejo confiar esse
Sutra do Nirvana a ele.

Oh bom homem! Quando Eu me for, o que Ananda não ouviu será


exposto pelo ‘Bodhisattva Vasto-Vasto’; o que Ananda ouvir será pro-
mulgado pelo próprio Ananda.

Oh Manjushri! Ananda está agora distante 12 yojanas dessa congrega-


ção e está circundado pelos 64.000 bilhões de Maras. Apresse-se, vá
agora, e diga alto: ‘Oh todos vocês Maras! Ouçam atentamente, ouçam
atentamente! O Tathagata agora pronuncia um grande Dharani [en-
cantamento]. Todos os devas, nagas, gandharvas, asuras, garudas,
kimnaras, mahoragas, humanos, não-humanos, deuses-das-
montanhas, deuses-das-árvores, deuses-dos-rios, deuses-dos-mares, e
deuses-das-casas! Ouçam esse Dharani! Não há quem não respeite e
defenda (mantenha em observância) isto. Esse Dharani é o que todos
os Budas, tão inumeráveis quanto às areias de dez Rios Ganges, ex-
põem. Isso realmente mudará a forma feminina e permitirá a alguém
ler a sua própria sorte (destino). Se qualquer pessoa recebe [isto é,
pratica] bem as cinco coisas, a saber: 1) ações puras, e abstenção de: 2)
carne, 3) álcool, 4) condimentos, e 5) residir em quietude com felicida-
de; e após tornar-se perfeita nessas cinco coisas, acreditar nesse Dha-
rani, recitá-lo, e escrevê-lo, saiba que essa pessoa pode realmente
descartar os 77 bilhões de corpos mal-agourados’.

Então, o Honrado pelo Mundo falou assim: ‘Amarei bimarei nemarei


bakyarei keimaranyakappi sanmanabaddai shabatashadanni baramata-
shadanni manashi asettai hiragi anraraitei baranmi baranmasharei
fumi funamanuraitei’.”
Capítulo 46: Sobre Kaundinya 2 Página 441
Então, Manujushri, tendo sido incumbido com esse Dharani, foi para
onde Ananda se encontrava e, em meio aos Maras, disse: “Oh vocês
Maras e seguidores! Ouçam bem o Dharani que recebi do Buda e que
pronunciarei agora”. O Rei Mara, ao ouvir isto, aspirou à Iluminação
Insuperável e, abandonando as más ações, libertou Ananda. Manjushri,
acompanhado por Ananda, retornou ao Buda. Ananda, ao ver o Buda,
prestou-lhe as mais sinceras homenagens, recuou e tomou assento a
um lado.

O Buda disse a Ananda: “Nesta floresta de árvores sala, há um Brahma-


carin chamado Subhadra, que está com 120 anos de idade. Ele possui
os cinco poderes miraculosos. Mas, ele ainda não deixou a arrogância
[isto é, ainda não a superou]. Ele atingiu o estágio do dhyana da Irrefle-
xão-não-Irreflexão (‘Thoughtlessness’ é consciência sem obstruções,
sem distinções e sem apegos, que permeia todas as coisas). Ele chegou
ao Pleno-Conhecimento e tem uma imagem mental do Nirvana. Vá até
ele e diga: ‘O aparecimento do Buda no mundo é como aquele (da
floração) da Udumbara. À meia-noite, ele atingirá o Parinirvana. Se
você deseja agir, aja imediatamente. Não tenha remorso nos dias futu-
ros’! Oh Ananda! Ele acreditará no que você diz. Por quê? Porque, no
decorrer de 500 anos, você foi certa vez filho de Subhadra. A mácula da
mente amorosa ainda não o deixou. Por essa razão, ele acreditará no
que você diz.”

Então, ao ouvir essas palavras do Buda, Ananda foi até Subhadra e


disse: “Saiba que o Tathagata aparece no mundo tão raramente quan-
to à [floração da] Udumbara. Esta noite ele entrará no Nirvana. Se você
deseja agir, faça-o de acordo com a ocasião. Não tenha qualquer re-
morso nos dias futuros.”

Subhadra disse: “Bem falado, oh Ananda! Irei agora para o lugar do


Tathagata.”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 442


Então Ananda voltou para o lugar do Buda, acompanhado por Subha-
dra.

Então, ao chegar, Subhadra falou assim: “Oh Gautama! Agora desejo


colocar uma questão. Responda-me conforme eu perguntar.”

O Buda disse: “Oh Subhadra! Agora é a hora. Irei responder-lhe. Em-


pregarei os meios e lhe responderei.”

“Oh Gautama! Todos os Shramanas e Brâmanes dizem: ‘Todos se de-


param com retribuições cármicas; elas são tristes ou felizes; e tudo vem
daquilo que se fez antes. Por isso, se alguém defende os preceitos mo-
rais, faz esforços, e sofre dores física e mentalmente, isso aniquilará o
carma original. Quando o carma original acaba, todo o sofrimento aca-
ba. Ao fim do sofrimento, o resultado é Nirvana’. O que você pensa
disto?”

“Oh bom homem! Se houver quaisquer Shramanas ou Brâmanes, sen-


tirei piedade e irei a eles. Ao chegar, eu indagarei: ‘Vocês falam assim’?
Se eles disserem: ‘Não falamos isto. Por quê? Oh Gautama! Vemos
todas as pessoas que cometem todos os tipos de maldades e que [no
entanto] são ricas, e agem como bem entendem. E pessoas que são
muito pobres, embora façam o bem. Ou pessoas que não buscam, mas
que de alguma forma [no entanto] ganham coisas. Ou há pessoas que
têm compaixão e não matam, e ainda assim morrem num momento
inoportuno. Ou pessoas que se divertem matando, e que ganham lon-
ga vida. Ou há aqueles que praticam ações puras, que fazem esforços e
observam os preceitos, e que ganham ou não Emancipação. Esse é o
porquê nós dizemos que todas as pessoas sofrem de tristezas ou são
abençoadas com felicidade devido ao carma original que elas geraram
no passado’.

Oh Subhadra! Agora indagarei: ‘Você vê ou não o carma do passado?


Se existe esse carma, é muito ou pouco? A penitência que se sofre não
aniquila o sofrimento de alguma forma? Nós sabemos ou não se esse
Capítulo 46: Sobre Kaundinya 2 Página 443
carma morreu ou não? Tudo acaba quando esse carma acaba’? A pes-
soa deve dizer: ‘Eu realmente não sei’. Farei uso de uma parábola. ‘Su-
ponha, por exemplo, que um homem é atingido por uma flecha enve-
nenada. As pessoas da casa chamam um médico, de forma que a flecha
seja extraída. Uma vez que a flecha tenha sido removida, o corpo [do
homem] fica em paz. Dez anos depois, a pessoa ainda lembra o acon-
tecido muito claramente: ‘Esse médico extraiu a flecha envenenada
para mim, tratou-me com remédios, e agora desfruto de paz’. Você
não sabe o carma passado. Como pode saber se a penitência à qual se
submeteu acabou com o carma feito no passado? Ou a pessoa pode
bem dizer: ‘Oh Gautama! Ora, você próprio tem retribuições cármicas
do passado. Por que você me reprovaria por conta do meu carma pas-
sado? Nos próprios sutras de Gautama, se fala a respeito dessas coisas.
Você diz: ‘Se alguém vê uma pessoa rica e nobre, e uma pessoa que
desfruta de liberdade, saiba-se que realmente aquela pessoa fez gran-
des oferecimentos nas vidas passadas’. Você não diz que elas (as pes-
soas) são os carmas do passado’? Eu responderei: ‘Todo esse conheci-
mento é comparativo e não é algo que seja verdadeiro. No ensinamen-
to Budista da minha casa, há o caso do conhecimento do resultado da
causa, ou a causa do resultado. No nosso ensinamento Budista, fala-
mos do carma de uma vida passada e desta presente vida. Com vocês
(Brahmacarins) não é assim. O que existe é o carma passado, mas não
o carma do presente. Sua [doutrina] não manipula o carma por conve-
niência. Conosco não é assim. Vemos o carma através dos olhos dos
meios expedientes. Com vocês, se chegam ao fim do carma, o sofri-
mento chega a um fim. Mas conosco, isto não é assim. Quando as im-
purezas se vão, o sofrimento do carma termina. Esse é o porquê Eu
critico o carma do passado sobre o qual você fala’. Se a pessoa diz: ‘Oh
Gautama! Para dizer a verdade, não tenho conhecimento sobre isto –
recorrerei ao meu mestre. Meu mestre diz assim: Eu não estou para ser
censurado’. Então eu direi: ‘Quem é seu mestre’? Se a pessoa diz: ‘Ele é
Purana’, Eu então direi: ‘Por que você não pergunta a cada um dos seus
mestres se eles conhecem o carma do passado? Se o seu mestre disser
que ele não conhece, por que você deveria recorrer à sua palavra [isto
é, acreditar no que ele ensina sobre o carma]? Se ele disser que conhe-
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 444
ce, você deveria perguntar se as relações causais do sofrimento do
grau mais baixo evocam as relações causais do sofrimento do grau
superior, ou se as relações causais do sofrimento do grau médio evo-
cam ou não aquelas do sofrimento do grau mais baixo ou do sofrimen-
to do grau superior. Ou indague se as relações causais do grau superior
levam ao sofrimento dos graus médio e baixo. Se não, você bem pode
indagar: ‘Como você, mestre, pode dizer que o resultado da felicidade
ou sofrimento reside apenas no passado e não no presente? Também,
você poderia indagar se o sofrimento do presente existe ou não no
passado? Se estiver no passado, deve ser o caso que o carma do passa-
do está acabado agora. Se estiver acabado, como é possível para uma
pessoa colhê-lo na presente vida? Se for o caso que não há passado,
mas o que existe é meramente o presente, como pode alguém dizer
que o sofrimento e a felicidade dos seres vêm do carma passado? Se
você sabe que a penitência na vida presente pode realmente aniquilar
o carma da vida passada, como se pode aniquilar a penitência [sofri-
mento] da vida presente? Se não for aniquilado, o sofrimento deve ser
eterno. Se o sofrimento for eterno, como se pode dizer que se atinge a
Emancipação do sofrimento? Se o que se faz aniquila o sofrimento,
então o passado já se foi. Como pode haver qualquer sofrimento?

Oh você! A penitência faz o carma da felicidade colher o fruto do so-


frimento? Também, o carma do sofrimento pode fazer alguém colher o
fruto da felicidade? O carma do não-sofrimento e da não-felicidade
torna-se a fruição do não-recebimento? É possível que qualquer resul-
tado que se tenha para colher agora, torne-se algo a ser colhido na vida
futura ou não? É possível ou não que o que se está para colher na pró-
xima vida possa ser colhido nesta vida? É possível ou não fazer com
que esses dois resultados cármicos sejam de não-retorno? É possível
ou não? É possível ou não tornar um retorno cármico que seja definido
em um que seja indefinido? É possível tornar um retorno indefinido em
um que seja definido?’ Se ele diz: ‘Oh Gautama! Não é possível’, Eu
direi novamente: ‘Oh você! Se não é possível, por que você deve sofrer
penitência? Você deve saber bem que há casos onde o carma passado
constitui a relação causal do presente. Esse é o porquê Eu digo que o
Capítulo 46: Sobre Kaundinya 2 Página 445
carma surge das impurezas e que através do carma uma pessoa encon-
tra a recompensa. Oh você! Saiba que todos os seres têm carma do
passado e a causa do presente. Embora os seres tenham o carma da
vida passada, eles têm que depender das relações causais do alimento
na presente vida. Oh você! Pode-se dizer que os seres sofrem as afli-
ções e são abençoados com felicidade, e que tudo está definitivamente
baseado nas causas cármicas originais da vida passada. Mas a situação
não é assim. Por que não? Oh você! Por exemplo, é como quando uma
pessoa acaba com o inimigo do Rei, em conseqüência do que ela ganha
um tesouro e é abençoada com felicidade na vida presente. Essa pes-
soa gera a causa da felicidade nesta presente vida e colhe a recompen-
sa da felicidade nesta presente vida. Por exemplo, isto é análogo a um
homem que mata o filho do Rei e através disto perde sua vida. Essa
pessoa engendra a causa do sofrimento agora, e colhe a retribuição
cármica nesta presente vida. Oh você! Todos os seres, agora nesta
presente vida, encontram o sofrimento e a felicidade dos quatro gran-
des elementos, as estações, a terra, e o povo. Esse é o porquê Eu digo
que todos os seres não colhem necessariamente o sofrimento e a feli-
cidade principalmente do seu carma passado. Oh você! Se uma pessoa
pode chegar à Emancipação através das relações causais de cortar o
carma, poderíamos dizer que todos os sábios não podem alcançá-la.
Por que não? Porque o carma original dos seres não tem início e nem
fim. Esse é o porquê Eu digo que quando se pratica a Via Sagrada, essa
Via realmente acaba com o carma que não tem cabeça nem cauda.

Por que Dominar a Mente

Oh você! Se alguém alcançasse o Caminho através da penitência [práti-


ca de austeridades], todos os animais deveriam atingi-lo. Esse é o por-
quê alguém primeiro subjuga a mente e não o corpo. Por isso, Eu digo
no meu sutra que se deve derrubar a floresta, mas não a árvore. Por
quê? Da floresta, adquire-se medo, mas não da árvore. Se uma pessoa

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 446


deseja ajustar o seu corpo, ela deve primeiro ajustar a mente. A mente
é a floresta, e o corpo é a árvore. Assim devemos comparar as coisas.”

O Bhagavat [O Abençoado, o Buda] disse: “Nobre filho, como você


treinou/disciplinou sua mente previamente?”

Subhadra respondeu: “Bhagavat, eu refleti intensamente sobre o fato


de que o [Reino do] Desejo é impermanente, desagradável, e total-
mente impuro; e percebi que o [Reino da] Forma é permanente, agra-
dável, e totalmente puro. Tendo assim compreendido, eu cortei os
kleshas (obstáculos, aflições) do Reino do Desejo e atingi a esfera da
forma [ayatana]. Dessa maneira, eu treinei / disciplinei previamente a
minha mente.

Então, quando eu investiguei o [Reino da] Forma, eu percebi que a


forma é impermanente e é como uma ferida, uma úlcera, veneno, ou
um espinho. Eu vi que o [Reino da] Amorfia é permanente, puro e pací-
fico. Ao compreender isto, eu cortei os kleshas do Reino da Forma e
atingi a esfera da Amorfia. Dessa maneira, eu trenei / disciplinei previ-
amente a minha mente.

Então, quando eu investiguei a ideação [samjna = formação da idéia,


concepção], eu compreendi que ela é impermanente e é como uma
ferida, uma úlcera, veneno, ou um espinho; e atingi o Samadhi da esfe-
ra da nem-ideação-nem-não-ideação [naivasa-njaanasa-njaa]. [Eu
compreendi que] a esfera da nem-ideação-nem-não-ideação é plena-
sabedoria onisciente [sarvajna-jnana], pacífica, pura, irreversível e
imutável. Dessa maneira, eu treinei / disciplinei previamente a minha
mente.”

O Bhagavat disse: “Nobre filho, como você treinou / disciplinou a sua


mente? O que você atingiu é o Samadhi da esfera nem-ideação-nem-
não-ideação, mas aquilo ainda é ideação. Se Nirvana é desprovido de
ideação, por que você chama isto de ‘Nirvana’? Nobre filho, se você

Capítulo 46: Sobre Kaundinya 2 Página 447


previamente desdenhou a ideação grosseira, por que você está preso à
ideação sutil, não sabendo que ela é inferior?

Mesmo que a esfera da nem-ideação-nem-não-ideação pudesse ser


chamada ‘ideação’. Ela também é como uma ferida, uma úlcera, vene-
no, ou um espinho. Nobre filho, embora o seu mestre, Udraka-
Ramaputra, tenha faculdades aguçadas e seja prudente, ele adora a
esfera da nem-ideação-nem-não-ideação. Se ele ainda está incorpora-
do num corpo de baixo-grau, que necessidade há de dizer algo mais!”

Subhadra indagou: “Como se corta toda a existência [do Samsara]?”

O Bhagavat respondeu: “Nobre filho, se qualquer indivíduo se empe-


nha na verdadeira / real ideação, toda a existência [do Samsara] será
cortada.”

Subhadra indagou: “Bhagavat, como se deve conhecer a verdadeira /


real ideação?”

“Nobre filho, a ideação da não-ideação deve ser conhecida como a


verdadeira / real ideação.”

“Bhagavat, como deve ser conhecida a ideação da não-ideação?”

“Nobre filho, todos os fenômenos [dharmas] são destituídos dos pró-


prios atributos /características que os definem [lakshanas], são destitu-
ídos dos atributos que definem o que é o outro, e são destituídos de
ambos, dos seus próprios atributos de definição e os dos outros. Eles
são destituídos dos atributos de definição do ser sem causa, destituídos
dos atributos de definição do resultado, destituídos dos atributos de
definição de ser um experimentador, destituídos dos atributos de defi-
nição de ser uma entidade / coisa [dharma], e destituídos dos atributos
de definição de não-ser uma entidade / coisa. Eles são destituídos dos
atributos de definição de macho e fêmea, destituídos dos atributos de
definição de um ser humano, são destituídos dos atributos de definição
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 448
de um átomo, destituídos dos atributos de definição de um tempo e
estação. Eles são destituídos dos atributos de definição de ter sido feito
por si mesmo, destituídos dos atributos de definição de ser feito por
outro, destituídos dos atributos de definição de ser feito por ambos,
por si mesmos e por outros. Eles são destituídos dos atributos de defi-
nição da existência, e são destituídos dos atributos de definição de não-
existência; eles são destituídos dos atributos de definição de ser um
produtor, e são destituídos dos atributos de definição de ser um produ-
to. Eles são destituídos dos atributos de definição da causa, e são desti-
tuídos dos atributos de definição de ser uma causa secundária; eles são
destituídos dos atributos de definição do resultado, e são destituídos
dos atributos de definição de um resultado secundário. Eles são desti-
tuídos dos atributos de definição do dia e da noite, são destituídos dos
atributos de definição da luz e da escuridão. Eles são destituídos dos
atributos de definição do que é visto, e são destituídos dos atributos de
definição de ser um vidente; eles são destituídos dos atributos de defi-
nição do que é ouvido, e são destituídos dos atributos de definição de
ser um ouvinte; eles são destituídos dos atributos de definição do que
é sentido e conhecido, e são desprovidos dos atributos de definição de
ser um sensor (que sente) e um conhecedor. Eles são destituídos dos
atributos de definição do desperto [bodhi] e são destituídos dos atribu-
tos de definição de ser alguém que atinge o despertar. Eles são destitu-
ídos dos atributos de definição do carma, e destituídos dos atributos de
definição de ser alguém responsável pelo carma; eles são destituídos
dos atributos de definição do klesha [obstáculo: atitude mental ou
comportamental negativa], e destituídos dos atributos de definição de
ser alguém que é responsável pelos kleshas. Nobre filho, onde os lak-
shanas [atributos de definição] são extintos é denominado lakshana
verdadeiro / real.

Nobre filho, todos os dharmas (fenômenos) são não verídicos. Onde


eles são extintos é denominado o Verdadeiro / Real, a verdadeira idea-
ção, o Dharmadhatu [o reino Todo-Abrangente da Realidade Última], a
Culminância do Conhecimento [nistha-jnana], Realidade Última [para-

Capítulo 46: Sobre Kaundinya 2 Página 449


martha-satya], Vacuidade Última [paramartha-sunyata = Abertura
completa e Não-Obstrução por quaisquer limitações ou limites].

Nobre filho, se alguém se empenha na lakshana [ou ‘ideação’?], no


Dharmadhatu, na Culminância do Conhecimento [nistha-jnana], na
Realidade Última, na Vacuidade Última com um insight inferior [praj-
na], esse alguém atingirá o despertar dos Sravakas; com um insight de
médio grau, [atingirá o despertar do] Pratyekabuda, e se com o Insight
do Grau-Superior, atingirá o Despertar Insuperável.

Quando esse Dharma foi proferido, 10.000 Bodhisattvas atingiram a


imagem mental real de uma vida, um milhão e quinhentos (mil) Bodhi-
sattvas atingiram o Dharmadhatu de duas-vidas, dois milhões e qui-
nhentos (mil) Bodhisattvas atingiram o Conhecimento Ultimado, e
3.500 Bodhisattvas despertaram para a Realidade Última. Essa Realida-
de Última é também Paramartha-Sunyata, e também o Samadhi Su-
rangama. Quarenta e cinco mil Bodhisattvas atingiram o Samadhi do
Todo-Vazio. Esse Samadhi do Todo-Vazio é também chamado de Sa-
madhi Vasto e Grande, e Samadhi do Conhecimento-Impressão. Cin-
quenta e cinco mil Bodhisattvas atingiram a cognição da não-retroação.
Esse Samadhi da não-retroação é a cognição do Dharma-Desperto, e
também o mundo do Dharma-Desperto. Sessenta e cinco mil Bodhi-
sattvas atingiram o Dharani. Esse Dharani é também a Mente da Gran-
de-Oração, e é também o Conhecimento Desobstruído. E setenta e
cinco mil Bodhisattvas atingiram o Samadhi do Rugido do Leão. Esse
Rugido do Leão é também chamado Samadhi Adamantino, e também
Samadhi dos Cinco-Conhecimentos-Impressão. Oitenta e cinco mil
Bodhisattvas atingiram o Samadhi Todo-Igual. Esse Samadhi Todo-Igual
é também chamado de Grande Amor-Benevolente e Grande Compai-
xão. Seres tão numerosos quanto os grãos de areia de incontáveis (Ri-
os) Ganges aspiraram ao Insuperável Bodhichitta [Mente Desperta];
seres tão numerosos quanto os grãos de areia de incontáveis Ganges
aspiraram à mente do Pratyekabuda, e seres tão numerosos quanto os
grãos de areia de inumeráveis Ganges aspiraram à mente do Sravaka.
Dois milhões de bilhões de mulheres dos mundos dos humanos e ce-
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 450
lestiais descartaram a sua forma feminina e tornaram-se machos. Su-
bhadra atingiu o Arhatship.

Para praticar com alegria.

Capítulo 46: Sobre Kaundinya 2 Página 451


Índice do Tomo IV

CAPÍTULO TRINTA E TRÊS: SOBRE O BODHISATTVA......................................... 3


RUGIDO DO LEÃO 1............................................................................................ 3
O RUGIDO DO LEÃO ..................................................................................................3
OS PASSOS DO LEÃO .................................................................................................5
NATUREZA DE BUDA..................................................................................................8
OS TRÊS CAMINHOS ............................................................................................... 10
A VISÃO DOS 12 ELOS DA INTERDEPENDÊNCIA ........................................................... 13
A ILUMINAÇÃO INSUPERÁVEL FINAL DE TODOS OS SERES............................................. 14
O ABSOLUTO......................................................................................................... 16
O SAMADHI SURANGAMA....................................................................................... 16
A NATUREZA DE BUDA DE TODOS OS SERES............................................................... 17
EU ....................................................................................................................... 18
CORES À LUZ DO DIA .............................................................................................. 19
OS DOZE ELOS DO SURGIMENTO INTERDEPENDENTE .................................................. 21
A GRAMA DOS HIMALAYAS ..................................................................................... 23
DESEJAR POUCO E SENTIR-SE SATISFEITO .................................................................. 28
OS TRÊS TIPOS DE DESEJO ....................................................................................... 28
QUIETUDE............................................................................................................. 30
O ESFORÇO PARA O MAHAPARINIRVANA .................................................................. 31
NUM LUGAR SOLITÁRIO E QUIETO ........................................................................... 33
VISÃO E AUDIÇÃO SOBRE A NATUREZA DE BUDA ........................................................ 36
CAPÍTULO TRINTA E QUATRO: SOBRE O BODHISATTVA ................................ 39
RUGIDO DO LEÃO 2.......................................................................................... 39
A VISÃO DO TATHAGATA......................................................................................... 39
OS PRECEITOS DO BODHISATTVA.............................................................................. 44
POR QUE DEFENDER PRECEITOS .............................................................................. 45
SOBRE VER O TATHAGATA E A NATUREZA DE BUDA .................................................... 50
VER O QUE TEMOS EM COMUM .............................................................................. 56
A CAUSA E A CONDIÇÃO DO INSUPERÁVEL BODHI....................................................... 65
SANGHA É HARMONIA ............................................................................................ 66
TREZE FATORES CONDUCENTES À RETROAÇÃO DO BODHISATTVA ................................. 67
SEIS FATORES QUE DESTROEM A MENTE DO BODHI.................................................... 67
A MENTE QUE NÃO RETROAGE ............................................................................... 68

Índice Página 453


PARÁBOLA DA FONTE LÍMPIDA ................................................................................. 71
DE VOLTA À MONTANHA DOS SETE TESOUROS .......................................................... 73
O AVAIVARTIKA...................................................................................................... 73
CAPÍTULO TRINTA E CINCO: SOBRE O BODHISATTVA .....................................79
RUGIDO DO LEÃO 3 ..........................................................................................79
A ESTAMPA E O BARRO ........................................................................................... 79
A EXTINÇÃO DOS CINCO SKANDHAS .......................................................................... 81
OS PILARES DO SAMSARA ........................................................................................ 82
AS OITO ANALOGIAS............................................................................................... 84
A Analogia Progressiva ................................................................................ 84
A Analogia Reversa ...................................................................................... 85
A Analogia Real ............................................................................................ 85
A Não-Analogia ............................................................................................ 86
A Analogia Precedente ................................................................................. 86
A retro Analogia ........................................................................................... 87
A Analogia Retro-Precedente ...................................................................... 87
A Analogia Inter-Penetrante........................................................................ 87
A ANALOGIA DA LUZ ............................................................................................... 88
A PRÁTICA DA VIA .................................................................................................. 90
COMO PRATICAR PRECEITOS, SAMADHI E SABEDORIA ................................................. 92
Como Praticar Preceitos............................................................................... 93
Como Praticar Samadhi ............................................................................... 93
Como Praticar Sabedoria ............................................................................. 94
SHILA, OS PRECEITOS DE MORALIDADE ..................................................................... 95
CAPÍTULO TRINTA E SEIS: SOBRE O BODHISATTVA.........................................97
RUGIDO DO LEÃO 4 ..........................................................................................97
POR QUE PRATICAMOS ........................................................................................... 98
A ÁRVORE BODHI ................................................................................................. 100
A HISTÓRIA DO CASTELO DE KUSHINAGAR ............................................................... 102
A HISTÓRIA DO CASTELO DE KAPILAVASTU ............................................................... 105
A HISTÓRIA DO MONASTÉRIO DE JETAVANA............................................................. 109
CAPÍTULO TRINTA E SETE: SOBRE O BODHISATTVA......................................111
RUGIDO DO LEÃO 5 ........................................................................................111
O MENINO INSUPERÁVEL ...................................................................................... 116

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 454


O FILHO DO FOGO ............................................................................................... 117
AS ONZE VIRTUDES DA LUA-CHEIA ......................................................................... 127
O ADORNO DAS ÁRVORES SALA GÊMEAS ................................................................ 128
A CAVERNA DO PROFUNDO DHYANA...................................................................... 135
O SAMADHI DA AMORFIA ..................................................................................... 136
CAPÍTULO TRINTA E OITO: SOBRE O BODHISATTVA .................................... 143
RUGIDO DO LEÃO 6........................................................................................ 143
QUANDO SE PRATICA MEDITAÇÃO ......................................................................... 145
MEDITAÇÃO E CONHECIMENTO DO BODHISATTVA.................................................... 145
TEMPO CORRETO ................................................................................................. 147
Para a Prática da Meditação .................................................................... 148
Para a Prática da Sabedoria ...................................................................... 148
Para a Prática da Equanimidade .............................................................. 148
AS DEZ VIRTUDES DO BODHISATTVA....................................................................... 150
Fé ................................................................................................................. 150
Preceitos ..................................................................................................... 150
Amizade com Bons Amigos da Via ........................................................... 152
Quietude ..................................................................................................... 152
Esforço ........................................................................................................ 152
Memória ..................................................................................................... 152
Gentileza ..................................................................................................... 153
Proteção do Dharma.................................................................................. 153
Doação ........................................................................................................ 153
Sabedoria .................................................................................................... 153
CARMA DETERMINADO E INDETERMINADO ............................................................. 158
A RETRIBUIÇÃO CÁRMICA DO BODHISATTVA............................................................ 158
PALAVRA VERDADEIRA.......................................................................................... 161
DOIS TIPOS DE PESSOAS........................................................................................ 165
O CORPO E O FOGO ............................................................................................. 170
A PRÁTICA DO CORPO .......................................................................................... 172
A PRÁTICA DOS PRECEITOS .................................................................................... 173
A PRÁTICA DA MENTE .......................................................................................... 173
A PRÁTICA DA SABEDORIA ..................................................................................... 174
FUGA DO INFERNO ............................................................................................... 177
CAPÍTULO TRINTA E NOVE: SOBRE O BODHISATTVA ................................... 179
RUGIDO DO LEÃO 7........................................................................................ 179
Índice Página 455
SETE TIPOS DE PESSOAS ÀS MARGENS DO GANGES ................................................... 180
Primeiro Tipo de Pessoas ........................................................................... 181
Segundo Tipo de Pessoas ........................................................................... 182
Terceiro Tipo de Pessoas ............................................................................ 182
Quarto Tipo de Pessoas.............................................................................. 183
Quinto Tipo de Pessoas .............................................................................. 183
Sexto Tipo de Pessoas ................................................................................ 184
Sétimo Tipo de Pessoas .............................................................................. 184
A PARÁBOLA DOS CEGOS E O ELEFANTE................................................................... 190
A VIDA, A COR E A FAMA DO BODHISATTVA............................................................. 203
CAPÍTULO QUARENTA: SOBRE O BODHISATTVA ..........................................213
KASHYAPA 1 ....................................................................................................213
A TERRA SOBRE A UNHA DO DEDO ......................................................................... 226
INUMERÁVEIS NOMES PARA UMA COISA ................................................................. 229
UM SIGNIFICADO PARA INUMERÁVEIS NOMES ......................................................... 229
INUMERÁVEIS SIGNIFICADOS PARA INUMERÁVEIS NOMES .......................................... 229
INUMERÁVEIS NOMES PARA UM SIGNIFICADO ......................................................... 230
UM MONGE CHAMADO KUTEI............................................................................... 241
CAPÍTULO QUARENTA E UM: SOBRE O BODHISATTVA ................................255
KASHYAPA 2 ....................................................................................................255
A VIRTUDE DA DÚVIDA ......................................................................................... 255
O ASPECTO TEMPORAL DOS SERES ......................................................................... 273
AS TRÊS FORMAS DE PREGAÇÃO ............................................................................ 277
Quando Falo da Minha Própria e Livre Vontade ...................................... 277
Quando Falo Seguindo a Vontade de Outros ........................................... 278
Quando Falo Seguindo Minha Própria Vontade e a de Outros ............... 280
OS SETE TIPOS DE SERES ....................................................................................... 286
Aquele que Sempre Afunda ....................................................................... 286
Seis Formas de Persistir no Mal ................................................................. 287
Três Tipos de Coisas Más ........................................................................... 288
Aquele que Afunda e Flutua Novamente.................................................. 288
O Imperfeito na Fé, Preceito, Audição, Doação, Sabedoria .................... 290
Aquele que Flutua e Permanece ................................................................ 295
CAPÍTULO QUARENTA E DOIS: SOBRE O BODHISATTVA ..............................297

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 456


KASHYAPA 3 ................................................................................................... 297
A Imperfeição no Conhecimento............................................................... 297
Aquele que Flutua e Olha Tudo ao Redor ................................................. 299
Aquele que Olha Tudo ao Redor e Então se Vai....................................... 305
Aquele que Sai e Então Permanece Lá ..................................................... 305
Aquele que Alcança a Outra Margem ...................................................... 311
OS SETE TIPOS DE FRUIÇÕES.................................................................................. 312
Fruição Através dos Meios ........................................................................ 312
Fruição dos Débitos de Gratidão............................................................... 312
Fruição da Amizade ................................................................................... 313
Fruição Daquele Que Perdura ................................................................... 313
Fruição Equânime ...................................................................................... 313
Fruição da Recompensa ............................................................................ 314
Fruição da Segregação .............................................................................. 314
O VAZIO COMO ‘NÃO-É’ ...................................................................................... 321
O Vazio Como ‘Não-É’ - Nirvana ............................................................... 321
O Vazio Como ‘Não-É’ - Luz ....................................................................... 322
O Vazio Como ‘Não-É’ - Lugar ................................................................... 322
O Vazio Como ‘Não-É’ – Gradual .............................................................. 323
O Vazio Como ‘Não-É’ – Três Coisas ......................................................... 323
O Vazio Como ‘Não-É’ – Desimpedimento ............................................... 323
O Vazio Como ‘Não-É’ – Co-Existência ..................................................... 324
O Vazio Como ‘Não-É’ – Eterno................................................................. 324
O Vazio Como ‘Não-É’ – Dual .................................................................... 324
O Vazio Como ‘Não-É’ – Direção ............................................................... 325
O Vazio Como ‘Não-É’ – Elemento ............................................................ 326
COMO A UTPALA – O LÓTUS AZUL......................................................................... 326
MEDITAR SOBRE IMPUREZAS ................................................................................. 329
OS SKANDHAS DO SÁBIO....................................................................................... 330
CAPÍTULO QUARENTA E TRÊS: SOBRE O BODHISATTVA .............................. 331
KASHYAPA 4 ................................................................................................... 331
A IMPUREZA DO DESEJO (O PRECONCEITO) ............................................................. 331
AS IMPUREZAS DA IGNORÂNCIA ............................................................................. 332
CAPÍTULO QUARENTA E QUATRO: SOBRE O BODHISATTVA ....................... 337
KASHYAPA 5 ................................................................................................... 337

Índice Página 457


O REMÉDIO TODO-MARAVILHOSO DOS HIMALAYAS ................................................. 337
MEDITAR SOBRE IMAGEM ..................................................................................... 341
MEDITAR SOBRE A CAUSA DA IMAGEM ................................................................... 343
MEDITAR SOBRE O DESEJO .................................................................................... 344
MEDITAR SOBRE O CARMA .................................................................................... 345
MEDITAR SOBRE A CAUSA DO CARMA..................................................................... 346
MEDITAR SOBRE O RESULTADO CÁRMICO ............................................................... 346
O CARMA IMACULADO ......................................................................................... 347
MEDITAR SOBRE O SOFRIMENTO ............................................................................ 350
A CASA DO TESOURO ............................................................................................ 351
DA RAIZ AO ULTIMADO ......................................................................................... 357
O TOQUE DO BRILHO ............................................................................................ 358
DO SENTIMENTO À CONSECUÇÃO........................................................................... 359
A MEDITAÇÃO GROSSEIRA .................................................................................... 362
A MEDITAÇÃO MINUCIOSA ................................................................................... 364
O BRILHO DA SABEDORIA ...................................................................................... 370
EXTINÇÃO MOMENTÂNEA ..................................................................................... 371
CAPÍTULO QUARENTA E CINCO: SOBRE KAUNDINYA 1 ................................377
TRÊS TIPOS DE DOENÇAS DOS SERES ....................................................................... 392
A CONVERSÃO DE VASISTHA .................................................................................. 394
AS VIRTUDES DE VASISTHA .................................................................................... 395
EU FANTASMA ..................................................................................................... 404
ORGULHO ........................................................................................................... 407
CAPÍTULO QUARENTA E SEIS: SOBRE KAUNDINYA 2 ....................................415
OS DOIS LADOS E O INTERMÉDIO............................................................................ 430
O PORTAL DO GRANDE CASTELO ............................................................................ 432
AS OITO MARAVILHAS DE ANANDA ........................................................................ 439
POR QUE DOMINAR A MENTE ................................................................................ 446
ÍNDICE DO TOMO IV .......................................................................................453

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 458

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