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DOMANDO A MENTE

As Dez Figuras do Boiadeiro


por Chögyam Trungpa

Decidi incluir [no livro “Mudra”] as dez figuras do boiadeiro, uma


conhecida representação Zen do treinamento da mente, tão simples que deveria
ser tomada como fundamento por todas as escolas budistas. Na tradição tibetana há
algo semelhante com o domar de um elefante, mas refere-se especificamente
apenas à prática de shamatha (meditação). O simbolismo não vai além do montar
o elefante. Nas figuras do boiadeiro, o processo evolutivo de domar o touro é muito
semelhante à visão Vajrayana (budismo tibetano) da transmutação da energia.

Procurando o touro

A inspiração para este primeiro passo, procurar o touro, é a sensação de que


as coisas não são íntegras, de que alguma coisa está faltando. Este sentimento
de perda produz dor. Você está procurando algo que faça a situação se endireitar.
Você descobre que as tentativas do ego na direção de criar um ambiente ideal são
insatisfatórias.
Descobrindo as pegadas

Ao compreender a origem desta dor, você descobre a possibilidade de transcende-


la. Este é o reconhecimento das Quatro Nobres Verdades. Você vê que a dor
resulta dos conflitos criados pelo ego, e descobre as pegadas do touro, que são
suas pesadas marcas, e que tomam parte em todos os eventos os transformando
em jogos. Você é inspirado por conclusões lógicas inabaláveis, não pela fé cega.
Isto corresponde aos caminhos Shravakayana e Pratyekayana.

Encontrando o touro

Você fica pasmo ao perceber o touro e então, porque já não há mais


nenhum mistério, você se pergunta se ele está realmente ali; você percebe sua
qualidade insubstancial. Você perde a noção de um critério subjetivo. Quando você
começa a aceitar esta percepção da não-dualidade, você relaxa, porque não precisa
mais defender a existência de seu ego. Você pode dar-se ao luxo de ser aberto e
generoso. Você começa a ver outras formas de lidar com seus projetos e isso em si
é alegria, o primeiro nível espiritual de conquista de um Bodisatva.
Capturando o touro

Após ter o vislumbre do touro, você descobre que a generosidade e a disciplina


não são suficientes parar lidar com suas projeções, você ainda tem que
transcender completamente a agressão. Você tem que reconhecer a precisão dos
meios hábeis e a simplicidade de ver as coisas como elas são, o que está ligado
com a compaixão plenamente desenvolvida. O subjugar da agressão não pode ser
feito num panorama dualista – é preciso um compromisso total com o caminho
compassivo do Bodisatva, ou seja, um desenvolvimento mais amplo da paciência e
do vigor.

Domando o touro

Uma vez capturado o touro, atinge-se sua doma através da atenção


meditativa panorâmica e do lancinante chicote do conhecimento transcendental. O
Bodisatva conquistou as ações transcendentes (paramitas – 6 perfeições –
generosidade, ética, energia estável, paciência, concentração e sabedoria) – e não
se fixa a coisa alguma.
Montando no touro e indo para casa

Já não há mais nenhuma busca. O touro (a mente) finalmente obedece ao mestre


e se torna energia criativa. Este é o rompimento final ao estado da iluminação –
o samadhi vajra do Décimo Primeiro Bhumi. Com o desdobrar da experiência
de Mahamudra, a luminosidade e cor da mandala transformam-se na música que
guia.

Transcendido o touro

Mesmo aquela alegria e cor torna-se irrelevante. A mandala de símbolos e


energias do Mahamudra se dissolve no Maha Ati através da total ausência da ideia
de experiência. Não há mais touro. A louca sabedoria torna-se cada vez mais
evidente e você abandona completamente a ambição de manipular.
Transcendidos touro e eu

Esta é a ausência tanto do esforço quanto do não-esforço. É a imagem desnuda


do princípio primordial do Buda. Esta entrada no Dharmakaya é a perfeição do não-
vigiar – não há mais critérios, e a compreensão de Maha Ati como um
estágio definitivo é completamente transcendida.

Alcançando a fonte

Já que este espaço e abertura e a total ausência de medo estão presentes,


a brincadeira espontânea das sabedorias é um processo natural. A fonte da
energia que não precisa ser buscada se manifesta; é como se você fosse rico em si
e não como se fosse enriquecido por algum fator. Porque há tanto calor básico
quanto espaço básico, a atividade de compaixão do Buda está viva e assim
toda comunicação é criativa. É uma fonte no sentido de ser o tesouro inexaurível
da atividade do Buda. Este é, portanto, o Sambhogakaya.
Em meio ao mundo

O Nirmanakaya é o estado completamente desperto de estar em meio ao


mundo. Sua ação é como a lua refletindo em centenas de tigelas de água. A lua não
mantém o desejo de refletir, mas esta é sua natureza. Trata-se de lidar com a terra e
a derradeira simplicidade, transcendendo o seguir o exemplo de alguém. É o estado
de “completo fiasco” ou “cachorro velho”. Você destrói o que quer precise
ser destruído, subjuga o que quer que precise ser subjugado, e você se importa com
o que quer que precise que você se importe.

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