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SAT DARSHAN BHASHYA

(DISCURSO SOBRE A PERCEPÇÃO DA VERDADE)

CONVERSAS COM MAHARSHI


COM QUARENTA VERSÍCULOS LOUVANDO MAHARSHI
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Sumário

Prefácio .................................................................................................................................... 3
Abertura ................................................................................................................................... 4
Conversas ................................................................................................................................. 5
Introdução ao Sat- Darshan – Bhashya .................................................................................. 19

1 – Sobre a Não Dualidade ............................................................................................. 19


2 – Sobre a Criação ......................................................................................................... 22
3 – Sobre a Escravidão ................................................................................................... 24
4 – Sobre o sentido-Eu ................................................................................................... 27
5 – Sobre O Desligamento .............................................................................................. 28
6 – Sobre Sadhana e Siddhi ............................................................................................ 29
7 – Sobre a Graça (p-34) ................................................................................................. 33
8 – Sat Darshan (pp 35-37) (Como esta obra foi dada ao mundo) ........................... 34
9 – A Grande Alma (p 37 e 38) ....................................................................................... 34
10 – Nota ........................................................................................................................ 35
O Bhashya ............................................................................................................................... 37
Saudações à Sri Ramana ......................................................................................................... 70

Prefácio

As “Conversas com Sri Maharshi” foram selecionadas principalmente das conversa-


ções que o Sr. D. teve com o Mestre desde 1912. Algumas destas foram incorporadas
mais tarde ao Ramana Guitha, e a dois ou três outros opúsculos. Estes colóquios fo-
ram aqui apresentados com o intuito de introduzir o leitor à peça principal desta
obra, a filosofia da percepção da verdade, (SAT-DARSHANA BHASHYA). As conversas
com Sri Ramana Maharshi foram geralmente proferidas em Tamil, intercaladas com
algumas palavras em inglês e sânscrito. Nós não nos dirigimos ao Mestre tratando-o
de “Você” ou “Tu” nem Ele se refere a Si próprio como “EU”. Estes termos porém,
são usados nesta obra afim de se fazer uma acomodação à versão em inglês. O nome
de D. n ao é mencionado pois é considerado desnecessário ao propósito nesta obra. A
tradução dos versículos (slokas) da Sat-Darshana foi feita em verso livre. A apresen-
tação da introdução (Bhoomika) em inglês, assim como o comentário (Bhashya) em
sânscrito, está fiel ao espírito do original. Mas em certos trechos é de natureza inter-
pretativa e até ampliada a fim de tornar a leitura da versão em inglês mais fácil sem
referencia ao original em sânscrito. A tradução em inglês do comentário sobre o ver-
sículo 44, o último, não é dada pois o assunto de singular importância nele tratado,
ou seja, o valor mais elevado da palavra revelada, ou evangelho, se encontra subs-
tancialmente nos parágrafos que encerram a introdução (Bhoomika). As regras de
transliteração das palavras sânscritas em alfabeto romano, foram desobedecidas pro-
positadamente em virtude das inconveniências que causaria na impressão. Mas aonde
quer que ocorra uma palavra sânscrita, esta é precedida pelo equivalente em inglês.
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Abertura

Vamos dar abertura às “CONVERSAS” com preces ao Senhor Divino, Arunachala (A


montanha de luz resplandecente) cantado nos hinos do grande sábio, o eleito:
“Lançai vosso olhar, fixai vossa atenção, daí o toque, amadurecei-me para a graça do
vosso reino.”
“Permanecer silencioso como uma pedra sem desabrochar – poderá isso ser o silêncio
verdadeiro, meu Senhor?”
“Eu pensei em ti e fiquei preso na vossa graça; e como a aranha em sua teia manti-
veste-me cativo para me tomares na vossa hora.”
“Como abelha vós ficastes frente a frente dizendo: Ah! Vós ainda não desabrochas-
tes?”
“Tomai-me em união; ou devo eu parecer com o meu corpo derretido nas águas do
rio de lágrimas.”
“Sem palavras expressaste: ficai aí mudo e o silêncio vos fostes.”
“No coração está a Luz Consciente, o Real Uno; aquele que sois vós.”
Não existe nenhum poder maravilhoso separado de Ti. Deste, um átomo, prolífico em
nuances, dotado de consciência, esse átomo no turbilhão do incessante presente, é
formado no espelho da Tua LUZ PENSAMENTO. Assim a imagem do átomo é o maravi-
lhoso mundo interno. Assim também o é o mundo externo dos sentidos.
Ó Montanha da Graça, em vós a tela, embora não separada de vós cai e desliza a
sombra móvel através da mente que é a lente; mas imóvel vós lá permanecereis.
(ARUNACHALA ASHTAKA, Versículo 6º)
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Conversas

1 – DÚVIDAS INICIAIS

D – Dizeis que se pode realizar o ser através da busca deste. Qual é o caráter desta
busca?
M – Vós sois a mente, ou pensais que sois a mente. A mente nada mais é que pensa-
mentos. Agora, atrás de cada pensamento particular está um pensamento geral que é
o “EU” que sois vós mesmos. Chamaremos este “EU” o pensamento primeiro. Agarrai-
vos a este pensamento – EU e interrogai-o a fim de descobrir o que ele é. Quando
essa indagação vos ocupar completamente, não podereis ter outros pensamentos.
D – Quando eu faço isso, e me agarro a mim mesmo, quer dizer, o EU-PENSAMENTO,
outros pensamentos surgem e desaparecem. Mas eu pergunto a mim mesmo “QUEM
SOU EU?” e nenhuma resposta se apresenta. Estar nessa condição é a SADHANA, ou a
pratica de Athma – Nishtha, o estado exaltado do Ser. É assim mesmo?
M – Isso é um erro que as pessoas fazem com frequência. O que acontece quando fa-
zes uma busca séria pelo Ser, é que o EU-PENSAMENTO como pensamento desapare-
ce, e algo das profundezas se apodera de você, que não é o “EU” com o qual inicias-
te a busca.
D – O que é esse ALGO?
M – Esse é o “EU REAL”, o sentido do EU. Não é o ego. É o próprio SER SUPREMO.

2 – REJEIÇÃO DOS PENSAMENTOS

D – Mas dissestes muitas vezes que devemos rejeitar outros pensamentos ao começar
a busca, mas os pensamentos são infindáveis. Se um pensamento é rejeitado, o outro
surge logo após, não parecendo haver fim.
M – Eu não disse que deveis continuar rejeitando os pensamentos. Se vós agarrardes a
vós mesmo, isto é, ao PENSAMENTO EU, e, quando a vossa atenção se mantiver firme
nessa ideia, unicamente, os demais pensamentos serão rejeitados, desaparecendo
automaticamente.
D – Quer dizer que a rejeição do pensamento não é necessária?
M – Não. Talvez seja necessária por algum tempo ou para alguns. Pensai que não ha-
verá fim se uma pessoa continuar rejeitando alguns pensamentos que surgir? Não.
Haverá um fim. Se fordes vigilantes e fizerdes um esforço persistente para rejeitar
todo pensamento à medida que surgirem, brevemente descobrireis que estais indo
cada vez mais fundo, dentro do vosso ser interno onde não haverá necessidade do
vosso esforço para rejeitar pensamentos.
D – Então é possível ficar sem fazer esforço, sem tensão?
M – Não apenas isso, mas será impossível fazer-se esforço além de certo limite.
D – Eu quero ser mais elucidado. Não devo fazer qualquer esforço mesmo?
M – De início é impossível deixar de fazer esforço. Mas quando vós vos aprofundares,
será impossível fazer qualquer esforço.

3 – VICHARA E A GRAÇA
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D – É certo que poderei dispensar ajuda externa e através do meu próprio esforço
penetrar na verdade mais profunda em meu interior?
M – É verdade. Mas o simples fato de estar possuído da verdade pela busca do Ser, é
uma manifestação da Graça Divina. Ela está resplandecente no coração, o Ser inter-
no, o Ser Real. Este vos atrai de dentro. Vós tereis que vos esforçardes para orientar-
vos de fora para dentro. Vosso impulso é VICHARA. O profundo movimento interno é a
Graça, eis porque digo que não existe VICHARA sem Graça, nem existe Graça ativa
para aquele que está sem VICHARA. Ambas são necessárias.

4 – O SAD-GURU

D – Fizeste a afirmação em outra feita que sem a Graça do Sad-Guru não se pode
chegar ao Ser. Precisamente o que quereis dizer com isso? O que é esse Guru?
M – Do ponto de vista do caminho do conhecimento, é o Supremo estado de Ser, que
é o SAD-GURU. É diferente do ser-ego, que vós chamais de eu.
D – Então, se é o estado Supremo do meu próprio ser, em que sentido quereis dizer
que não poderei alcançá-lo sem a Graça do Sad-Guru?
M – o ser-ego é o JIVA. É diferente do Senhor de todos (Sarveshwara). Quando através
da devoção desinteressada, o JIVA se aproxima do Senhor, Ele benevolentemente
assume o nome e forma e absorve o Jiva para dentro dele mesmo... Por conseguinte,
dizem que o Guru não é outro senão o Senhor. Ele é uma encarnação humana da Gra-
ça Divina, diz o Guita. O verdadeiro Guru é o próprio Deus. Quem poderia duvidar
disso?
D – Mas existem algumas pessoas que parece não terem jamais tido um Guru humano.
M – É verdade. No caso de certas grandes almas Deus se revela como a Luz existente
em sua Luz interna.
D – Então o que é a verdadeira devoção (Bhakthi)?
M – O que eu fizer ou considere estar fazendo, é realmente feito pelo Senhor. Nada
me pertence. Eu estou aqui apenas para servir o Senhor. Este espírito de servir é re-
almente devoção Suprema, e o verdadeiro devoto vê o Ser Supremo como o Senhor,
imanente em todas as coisas. O culto a ELE, em nome e forma conduzir-vos-á além
do nome e da forma. Devoção completa culminará em conhecimento supremo. Mes-
mo quando Devoção (Bhakthi) é inicialmente motivada pelos desejos mundanos, essa
não cessa quando os desejos forem satisfeitos. Ela aumenta pela fé inquebrantável
que cresce para um estado supremo de realização.
D – Então o que é o caminho de Jnana?
M – Despojado do ego, ele se estabelece naturalmente na Suprema Autoconsciência.
D – Como podemos dizer que ambos Bhakti e Jnana conduzem a mesma meta?
M – Por que não? Ambos os caminhos vos conduzirão para um estado de Paz Suprema
(Mounam) que ultrapasse todo o entendimento.
NOTA: Todos deverão aceitar o princípio de que existe um Senhor de todos os seres-
ego(JIVAS). Podemos muito bem aceitar essa afirmação como sendo a verdade se
fervorosamente desejarmos alcançar o estado de união consciente com o Ser (Sayui-
ya). Cf. instruções para Natananand Swami.

5 – O SER VOS ESPERA EM VOSSO INTERIOR


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D – Vós dizeis frequentemente, “o mundo inteiro não existe sem você”, “tudo depen-
de de você”, “o que existe sem você?” etc. Isso me deixa confuso. O mundo estava
aqui antes de eu nascer e permanecerá após minha morte, assim como tem sobrevi-
vido às mortes de muitos que viveram como eu agora.
M – Alguma vez falei de que o mundo está aqui por causa de vós? Mas eu vos tenho
perguntado, “o que é que existe sem o vosso Ser?” Devereis saber que não queria
dizer que o Ser era o corpo, seja este sutil ou grosseiro. Além disso, vos foi dada a
ideia de que uma vez que conheceis o Ser, no qual todas as ideias se movimentam,
não excluindo a noção de vós mesmos, assim como as de outros e do mundo, podereis
realizar a verdade de que existe uma Realidade, uma Verdade Suprema que é o Ser
de todo o mundo que agora enxergais o Ser de todos os seres, o REAL UNO, que é o
ATHMAN PARAMA o Supremo Eterno que se distingue do JIVA o ser-ego que é imper-
manente. Não deveis cometer o erro de tomar o ser-ego ou ideia-corpo, como sendo
o Athman.
D – Quereis dizer que o Athman é Deus?
M – Estais vendo a dificuldade. A VICHARA “para vos conhecerdes a vós mesmos”, é
diferente em método da meditação “Senhor Shiva Eu Sou” (Shivo’ham) ou “Ele Eu
Sou” (So’ham). Eu prefiro dar ênfase ao autoconhecimento pois estais inicialmente
mais interessado em vós mesmo antes de buscar o conhecimento do mundo e do Se-
nhor. A meditação “So’ham”, ou “Eu sou Brahman”, é mais um pensamento mental.
Mas a busca do Ser da qual falei, é o método direto que, sem dúvida, é superior à
outra meditação; pois no momento que vos lançardes num movimento de busca do
Ser, e, penetrardes cada vez mais profundamente, o Ser Real lá está esperando para
vos acolher. Depois disso, o que for feito daí em diante será feito por algo mais sem
qualquer participação de vossa parte. Neste processo, todas as dúvidas, e todas as
discussões, são automaticamente abandonadas do mesmo modo que se esquecem as
preocupações durante o sono.
D – Que certeza teremos nós de que algo mais nos espera lá para nos acolher?
M – Quando a pessoa é uma alma ( Pakvi) suficientemente desenvolvida, ficará con-
vencida naturalmente.
D – Como é possível esse desenvolvimento?
M – Várias respostas são dadas. Mas qualquer que seja o desenvolvimento anterior, a
busca fervorosa (VICHARA) o acelerará.
D – Isso é argumentar num círculo vicioso. Estou desenvolvido e por isso estou apto
para a busca; a busca em si me proporciona desenvolvimento...
M – A mente sempre tem esta espécie de dificuldade. Ela quer certa teoria para ficar
satisfeita. Na realidade nenhuma teoria é necessária para o homem que seriamente
deseja aproximar-se de Deus, ou realizar o seu verdadeiro Ser. Vários meios são re-
ceitados nos Shastras... É verdade que o contato com grandes homens, almas eleva-
das, é um meio eficaz.

6 – VICHARA UM PROCESSO DE INTERIORIZAÇÃO SUTIL, MAS NÃO INTELECTUAL

D – Se eu continuar rejeitando pensamentos, posso chamar isso de VICHARA?


M – Isso pode ser um ponto de apoio. Mas realmente VICHARA começa quando você se
agarra a seu próprio Ser e já está fora do movimento mental, as ondas-pensamentos.
D – Então VICHARA não é intelectual?
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M – Não. É ANTHARA VICHARA, busca interior.


D – Isso é Dhyana?
M – Fixar-se numa posição mental inatingível por pensamentos, é Abhyasa ou Sadha-
na, onde estais vigilantes. Mas essa condição se intensifica e se aprofunda quando os
vossos esforços e todas as vossas responsabilidades são retiradas de vós; isso é Aro-
odha, o estado de Siddhi.

7 – SIDDHI JNANA, NÃO SIGNIFICA INATIVIDADE

D – Pode um homem que obteve o Siddhi (Realização, N.T.) movimentar-se, agir e


falar, como agora descrito?
M – Por que não? Achais que a realização do Ser é ficar como uma pedra, ou se tornar
o nada?
D – Eu não sei, mais dizem que afastar-se de toda a atividade sensorial, de todos os
pensamentos, de todas as experiências da vida, isto é, cessar toda a atividade, é o
mais alto estado.
M – Se assim fosse, qual seria a diferença entre esse estado e o sono profundo? Alem
do mais, se fosse um estado, por mais exaltado que fosse, que aparecesse e desapa-
recesse – o que por conseguinte não é natural, nem normal ao Ser – como poderia isso
representar a presença eterna do Supremo Ser, que persiste em todos os estados e,
sem dúvida sobrevive a todos eles? É verdade que tal estado é indispensável no caso
de alguns. É uma fase temporária da disciplina espiritual (Sadhana), ou um estado
que persiste até ao fim da vida se assim for a vontade Divina, ou o Prarabdha. Seja
como for, não pode ser chamado o mais alto estado. Grandes Homens (Mukthas e
Siddhas), diz-se serem muito ativos, e realmente o são. O espírito (Ishwara), que
preside sobre este mundo, dirigindo suas atividades, não está obviamente neste es-
tado supremamente inativo. De outro modo, vos poderíeis igualmente dizer que
Deus, assim como os Purushas Muktha, não teriam atingido o mais alto estado.
D – Mas vós sempre colocastes grande ênfase no silêncio (Mounam).
M – Sim, eu tenho. Mas o silêncio não significa a negação da atividade ou inércia es-
tagnante. Não se trata de mera negação dos pensamentos, mas algo muito mais posi-
tivo que podereis imaginar.
D – É impossível?....
M – Sim. Enquanto disparares com a vossa mente veloz, não podereis atingir silêncio.
O silêncio do Ser está sempre lá. É uma Paz Suprema (Mounam) imutável como uma
rocha, que apóia todas as vossas atividades, de fato, todos os vossos movimentos. É
neste Silêncio (Mounam) que Deus e os Purushas Mukta estão enraizados.

8 – SAMADHI, NIRVIKALPA E SAHAJA – ÊXTASE E NATURAL

D – Então, o que é Samadhi?


M – No Yoga, o termo Samadhi se refere a certo tipo de êxtase existindo diversos gê-
neros de Samadhi. Mas o Samadhi do qual vos falo é diferente. É o Sahaja Samadhi
pois nele tendes Samadhana onde permanecereis acomodados e calmos mesmo es-
tando em atividade. Estareis conscientes de que estais sendo dirigidos pelo Ser Real
interno. Vós agireis e pensareis sem ser afetados pelo que fazeis, falais ou pensais.
Não tereis preocupações, ansiedades ou responsabilidades. Nesse estado compreen-
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dereis que, como ser-ego, nada vos pertence. Tudo é efetuado por Algo com o qual
entrareis em união consciente.
D – Se isso é Sahaja Samaddhi, e portanto a condição mais desejável, então não have-
rá necessidade do Nirvikalpa Samadhi.
M – O Nirvikalpa Samadhi do Raja Yoga pode ter sua utilidade. Mas em Jnana, este
Sahaja Stthithi ou Sahaja Nishttha, é o estado de Nirvikalpa propriamente dito. Neste
estado a mente fica livre de dúvidas não mais tendo a necessidade de oscilar entre
alternativas de possibilidades e probabilidades. Não tem vikalpa de qualquer tipo.
Está certo da verdade e sente a presença do Real. Mesmo estando ativo, sabe que
está ativo na Realidade, o Ser, o Ser Supremo.

9 – BRAHMAN ESTÁ ALÉM?

D – Isto parece contradizer as declarações que o Ser está além da mente, de que a
mente não pode conhecer Brahman, que está além do pensamento e palavra. (Avan-
manasa-gochara).
M – Eis porque dizem que a mente é dupla: existe a mente superior pura assim como
a mente inferior impura. A mente pura sabe e a mente impura ignora. Isto não quer
dizer que a mente pura possa medir o imensurável Ser, Brahman, mas que o Ser se
faz sentir na mente pura de modo que mesmo quando estiverdes envolto em pensa-
mentos, sentireis a Sua Presença e percebereis a verdade de que sois um com o Ser
Profundo e que as ondas-pensamento estão apenas na superfície.
D – Isso quer dizer o mana-nasha ou o ahankara-nasha. A destruição da mente ou do
ego, da qual falais, não é então uma destruição absoluta.
M – Sim. A mente se livra das impurezas e se torna suficientemente pura para refletir
a verdade, o Ser Real. Isso é impossível quando o ego se acha firme e ativo.

10 – O RETIRO ESPIRITUAL NO CORPO

D – Quando uma pergunta vos é feita, dizeis, “Conhecei primeiro aquele a quem
ocorre a dúvida”, “Alguém duvidará de quem tem dúvida?”, “Conhecei-vos a vós
mesmos antes de começardes a falar dos outros”, etc... Isto é um verdadeiro Brah-
masthra, uma arma suprema à mão, para lidar com o inquiridor, e eu...
M – Sim. O que estais querendo dizer?
D – Por favor descei ao nosso nível e removei as nossas dúvidas. Vós compreendeis a
nossa posição. Nos não compreendemos a Vossa. Vós estais muito acima e nós esta-
mos muito abaixo. Se o desejardes, podereis vir até nós, mas nós não poderemos ir
até Vós.
M – O que procurais?
D – Dizem que o Ser está por toda a parte; Brahman é onipresente. Este está além e
também é o Ser. Se eu sou Brahman, deverei estar em toda a parte. Mas existe a
sensação que eu estou neste corpo, ou confinado nele; mesmo que eu seja distinto
do corpo, eu sou inseparável dele. Do mesmo modo, eu sou inseparável da minha
mente, e até o “EU” parece ser uma parte da mente. Onde está a mente sem o cére-
bro? Certamente não posso imaginar que posso estar sem a mente, ou o cérebro, que
é uma parte deste corpo.
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M – Já terminastes? As dúvidas nunca cessam. Se uma dúvida for removida logo outra
surge para tomar seu lugar. É como desfolhar uma árvore, folha por folha. Mesmo
que sejam retiradas todas as folhas, novas folhas crescerão. A própria árvore tem que
ser arrancada pela raiz.
D – Que posso fazer? Está errado em pensar e expressar dúvidas?
M – Não. O único remédio certo é conhecer aquele que duvida. Ninguém duvida da-
quele que duvida.
D – Estava com medo disto. Estou engasgado...
M – Não. Estou vindo em vosso socorro. Suponhamos que vos dou uma resposta, isso
eliminaria todas as vossas dúvidas?... Disseste que és o corpo, a mente, e aí por dian-
te. O que é essa mente que dizeis ser vós mesmos? Dissestes que é todo os vossos
pensamentos inclusiva umas tantas faculdades... O “EU” é uma parte da mente. A
mente é uma parte do corpo, não é assim?
D – Eu não digo que assim seja, mas tenho a impressão que assim é.
M – Muito bem, vamos em frente. Vós sois a mente. A mente, ou está localizada no
cérebro, ou é identificada a este. Vós admitis que a mente está localizada no cérebro
e, ao mesmo tempo, dissestes que és distinto, embora separado dela. Não é assim:
agora vamos localizar no corpo todos os nossos pensamentos, emoções, paixões, de-
sejos, apegos, impulsos, instintos, em resumo, tudo o que somos, sentimos, pensa-
mos e conhecemos. Onde localizaríeis o “EU”, seja qual for esse “EU”, uma ideia,
pensamento ou sentimento?
D – Sentimentos, emoções, etc., todos estão localizados, isto é, dizem que surgem no
tronco do corpo, no sistema nervoso. Mas a mente sediada no cérebro está conscien-
te destes. Chamam isso de ação reflexa.
M – Assim, se tomardes o “EU” como sendo parte da mente, o localizaríeis no cére-
bro. Mas eu vos digo que esse “EU” é de fato uma parte, mais uma parte muito radi-
cal, da mente, sentindo-se ser distinta da mente e usando-a.
D – Eu aceito isso.
M – Então este “EU” é um pensamento radical, um sentimento íntimo, uma experiên-
cia autoevidente, uma consciência que persiste até no sono profundo quando a men-
te não está ativa como no estado de vigília. Então, de acordo com o que disseste,
esse “EU”, a parte radical, deve ter um centro no corpo.
D – Onde está?
M – Deveis procurá-lo em vós mesmo. Mas não o encontrareis dissecando o corpo.
D – Como então? Dissecando a mente?
M – Sim, como sois a mente tereis que vos dissecar a fim de encontrar onde vós (o
“EU”) está. Eis porque digo, “conhecei-vos a vós mesmos”.
D – Mas existe realmente um centro, um lugar para este “EU”?
M – Existe sim. É o centro do Ser para onde a mente no sono se retira de sua ativida-
de no cérebro. É o Coração, que é diferente do assim chamado órgão sanguíneo,
também não é o Chakra Anahatha, no centro do peito, que é um dos seis centros re-
latados nos livros sobre Yoga.
D – Então, onde está? Talvez eu fique sabendo mais adiante. Se existe tal cento do
Ser no corpo, por que deveriam dizer que Brahman é Athman, que é onipresente, e
assim por diante?
M – Em primeiro lugar, limitai-vos ao Ser que está localizado no corpo e encontrai-o.
Então podereis pensar no Brahman, a ONIPRESENÇA.
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11 – QUE SOU EU AGORA?

D – Quero saber o que é Coração, onde Ele está, e assim por diante. Mas quero remo-
ver esta dúvida primeiro. Eu sou ignorante da minha própria verdade e o meu conhe-
cimento está ficando cada vez mais limitado, imperfeito. Dizeis que o “EU” é o Ser,
Athman. Mas dizem que o Athman está sempre autoconsciente, enquanto que eu sou
inconsciente...
M – As pessoas sempre caem nesta confusão. O que vós chamais de vós mesmos ago-
ra, não é o Ser Real, o qual nem nasce nem morre.
D - Então Vós admitis que o que chamo de “ EU” é o corpo, ou uma parte do
corpo?
M – Mas o corpo é matéria (Jada), este nunca sabe, é sempre a coisa conhecida.
D – Então se eu não sou o Ser (Athman) nem o não ser (Anathman)...
M – Estou indo em teu socorro. Entre o espírito e a matéria, ente o Ser e o corpo algo
nasce que é denominado ser-ego (Ahamkara, Jiva), o ser vivente. Bem o que chamais
de Vós mesmos, é este SER-EGO o qual é diferente do sempre consciente Ser e da
matéria inconsciente, mas que, ao mesmo tempo, participa do caráter de ambos:
espírito (chethana), e matéria (Jada).
D – Então, quando dizeis “conhecei-vos a vós mesmo” quereis que eu conheça este
segredo?
M – Mas no momento que o ser-ego tenta conhecer-se, ele muda seu caráter. Este
começa a participar cada vez menos da matéria (Jada) , na qual está absorvido, e
cada vez mais da Consciência do Ser (O Athman).

12 – O CENTRO SECRETO DO SER

D – A quem Vós estais dirigindo quando dizeis “conhecei-vos a vós mesmos”?


M – Aquilo que vós sois. A vós é dada a sugestão: “conhecei-vos a vós mesmos”.
Quando o ser-ego sente a necessidade de conhecer sua própria origem, ou impulsio-
nado a elevar-se acima de si mesmo, este toma essa sugestão e aprofundando-se
mais descobre a verdadeira fonte e realidade de si mesmo. Assim, o ser-ego come-
çando a se conhecer termina percebendo seu EU (ou SER).
D – Bem, nos disseste que o Coração é o centro do Ser...
M – Sim, é o ÚNICO E SUPREMO CENTRO DO SER. Não tenhais qualquer dúvida a res-
peito. O Ser Real está lá, no Coração, atrás do ser-ego (JIVA).
D – Agora, por favor, dizei-me onde está ele no corpo.
M – Não podereis saber disso mentalmente, pois não podereis realizá-lo pela imagina-
ção, quando vos digo que aqui é o centro (apontando para o lado direito do peito). O
único meio direto de realizá-lo é cessar de fantasiar e tentar ser vós mesmos. Então
compreendereis e sentireis automaticamente que o centro se situa lá. Este é o Cen-
tro, o Coração mencionado nas escrituras como HRIT-GUHA. A cavidade do coração
(ULLAM).
D – Em livro algum achei a asserção que o coração se acha lá.
M – Muito depois que vim para cá, encontrei por acaso um versículo na versão malasi-
ana do
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Ashtangahridayam, a obra padrão sobre o Ayurveda, onde o Ojas Sthana é menciona-


do como estando localizado no lado direito do peito denominado a sede da consciên-
cia (Samvith). Mas desconheço qualquer outra obra que se refira a esta localização.
D – Posso ter certeza que os antigos denominaram este centro pelo termo “Coração”?
M – Sim, é isso mesmo. Mas deveis esforçar-vos por Realizar, ao invés de localizar
essa experiência. Um homem não precisa descobrir onde estão situados os seus olhos
quando quer ver. O Coração está lá, sempre aberto para vos receber se desejardes
entrar nele; e está sempre apoiando todos os vossos movimentos mesmo quando es-
tais inconsciente disso. Talvez seja mais correto dizer que o Ser é o Coração propri-
amente dito, ao invés de dizer que o Ser está no Coração. Realmente o Ser é o pró-
prio Centro. Está consciente em toda a parte como “Coração”, o SER-CONSCIÊNCIA.
Eis porque vos digo “Coração é Vosso Nome.
D – Alguém mais se dirigiu ao Senhor dessa maneira, chamando-o de Coração?
M – Muito tempo depois de eu ter afirmado isso, certo dia encontrei um hino no The-
varan de Stº Appar, onde é mencionado o Senhor pelo nome de Ullam que é o mesmo
que Coração.
D – Quando dizeis que o Coração é o Centro de Purusha, do Athman insinuais que não
é um dos seis centros ioguicos.
M – Os chakras ioguicos, contados de baixo para cima, são vários centros no sistema
nervoso. Estes representam os diversos níveis que manifestam diferentes tipos de
poderes, ou conhecimento, que conduzem ao Lótus das mil pétalas (Sahasrara) onde
está sediada a Shakthi Suprema. Mas o Ser que apóia todo o movimento da Shakthi,
não está lá, mas sim no Centro-Coração.
D – Então isso é diferente da manifestação da Shakthi?
M – Realmente não existe manifestação da Shakthi separada do Ser. O Ser tornou-se
toda esta Shakthi... Quando o iogui se eleva ao Centro mais elevado do êxtase (sa-
madhi), é o Ser no Coração que o apóia nesse estado, esteja ele ou não consciente
disso. Mas se ele estiver consciente no Coração ele sabe que qualquer que seja o es-
tado, ou centro, onde estiver, é sempre a mesma verdade, o mesmo Coração, o Ser
Uno, o Espírito que está presente em toda a parte, eterno e imutável. O Shastra Tân-
trico denomina o Coração de Orbe Solar (Suryamandala) e o Lótus das mil pétalas
(Sahasrara) de Orbe Lunas. Estes símbolos expressam a importância relativa dos dois,
o Athma-Stthana, e o Shakthi Stthana.

13 – REALIZAÇÃO E EXPERIÊNCIA CORPÓREA

D – Então qual é a diferença entre o escravizado (Baddha), e o homem liberto


(Muktha)?
M – Do Coração, o Centro-Ser, há uma passagem sutil que vai para o Sahashara, o
Shakthi Stthana. O homem comum vive no cérebro, inconsciente dele mesmo no Co-
ração. O homem liberto (Jnana Siddha) vive no Coração. Quando ele se movimenta
fisicamente, e lida com os homens e coisas, Ele sabe que o que vê não está separado
da Realidade Suprema Una, o Bhraman, que Ele realiza no Coração como o Seu pró-
prio Ser, o Real.
D – E quanto ao homem comum?
M – Acabei de dizer que ele vê as coisas fora dele mesmo. Ele está separado do mun-
do, da sua própria verdade profunda, da verdade que não só o apóia como a tudo que
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ele vê. O homem que realizou a Verdade Suprema da sua própria existência compre-
ende que é a Realidade Uma, e Suprema que o apóia bem como ao mundo. De fato,
Ele está consciente do Uno, como o Real, o Ser em todos os seres, em todas as coi-
sas, Eterno e Imutável, em tudo o que é impermanente e mutável.
D – Falais em termos muito elevados de conhecimento: eu comecei com o corpo.
Existe alguma diferença entre o Jnanin e o Ajnanin nas suas experiências físicas?
M – Há sim. Como poderia ser de outra forma? Já declarei isso várias vezes.
D – Então a Jnana Vedanta, como é explanada e discutida é talvez diferente daquela
que é praticada e realizada? Tendes afirmado por diversas vezes que lá está, no Co-
ração, o real significado do “EU”...
M – Sim, quando penetrais profundamente e vos perdeis, por assim dizer, nas profun-
dezas abismais, então a Realidade que é Athman, que sempre esteve atrás de vós
todo o tempo, se apodera de vós. É um incessante lampejo da Consciência-Eu, e po-
deis estar consciente dele, percebê-lo, ouvi-lo, senti-lo por assim dizer. Isto é o que
eu denomino “Aham Sphoorthi”.
D – Disseste que o Athman é imutável, autoefulgente, etc... Mas se falais ao mesmo
tempo do incessante lampejo da Consciência-Eu, o “Aham Sphoorthi”, isso não impli-
ca movimento, que não pode ser realização completa, no qual não existe movimento?
M – O que quereis dizer por completa realização? Quer isso dizer que vos transforma-
reis numa pedra, numa massa inerte? O Aham Vritti é diferente do Aham Sphoorthi. O
primeiro é a atividade do ego que está fadado a se perder e abrir caminho para o
segundo que é uma expressão eterna do Ser. Na linguagem da vedanta este Aham
Sphoorthi é chamado de Vritthi Jnana. Realização, ou Jnana, é sempre Vritthi. Existe
uma distinção entre Vritthi Janana, ou Realização e Swaroopa, o Real. Swarropa é
Jnana propriamente dita, é a Consciência. Swaroopa é Sath Chith, que é onipresente
está sempre lá, autorrealizado. Quando vós o realizais, a realização é denominada
Vritthi Jnana. É somente com referencia à vossa existência, que falais da realização,
ou Jnana. Por conseguinte, quando falamos de Jnana, sempre queremos dizer Vritthi
Jnana e não Swaroopa Jnana, pois a própria Swaroopa é Jnana, Consciência perma-
nente.
D – Até aqui estou compreendendo. E sobre o corpo? Como posso sentir este Vritthi
Jnana no corpo?
M – Podereis sentir-vos um com o Uno que existe. Todo o corpo se transforma apenas
num poder, numa força-corrente. Vossa vida torna-se uma agulha atraída por uma
enorme massa magnética e, à medida que penetrais mais e mais profundamente fi-
cais sendo apenas um centro. E depois, nem isso, pois vos transformais em apenas
consciência onde não há pensamentos nem preocupações pois estes foram destruídos
no umbral. É uma inundação. Vós sois apenas uma palha num vendaval. Vós sois tra-
gados vivos, mas isso é delicioso pois vos transformais na própria coisa que vos engo-
liu. Esta é a união do Jiva com Brahman, a perda do ego no Ser Real, a destruição da
falsidade, a realização da Verdade.

14 – OS PODERES (SIDDNIS) E A ALMA LIBERTA (MUKTHA PURUSHA)

D – Até este momento eu tinha grande medo de Mukthi pois o julgava horrível. Agora
vejo que é um estado muito agradável. No que concerne aos poderes (Siddhis), de-
vem estes ser alcançados, ou estão em oposição a Mukthi?
14

M – O mais alto poder (Siddhi), é a realização do Ser (Athma-Sakshthkara) pois uma


vez realizada a verdade, cessareis de ser atraídos para o caminho da ignorância.
D – Então o que são os Siddhis?...
M – Existem dois tipos de Siddhis sendo que um deles poderá muito bem ser um obs-
táculo à realização: Dizem que através de um mantra, ou através do uso de certa
droga que possui virtudes ocultas, ou através de austeridades severas, ou através de
êxtase (Samadhi) de certo tipo, poderes podem ser adquiridos. Mas estes não signifi-
cam conhecimento do Ser pois mesmo quando adquiridos, podereis muito bem estar
na ignorância.
D – Qual é o outro tipo?
M – São manifestações do poder e conhecimento muito naturais a vós ao realizardes o
Ser. São poderes (Siddhis), produtos do esforço (Thapas) normal e natural do homem
que alcançou a autorrealização. Surgem espontaneamente sendo uma Dádiva de
Deus. Vêm conforme o destino (karma) de cada um, assim por dizer. Mas venham
estes poderes ou não, o Siddha do Real, firme na paz suprema não se sente perturba-
do por eles. Uma vez tendo alcançado o conhecimento do Ser este é o Siddhi inabalá-
vel. Mas estes poderes (Siddhis) não vêm através de esforço para obtê-los. Quando
estiverdes no estado de realização, sabereis o que esses poderes são.
D – Vós dissestes que um Ser Liberto (Mukthi) poderá eventualmente através de seu
esforço natural, se tornar intangível, invisível, e assumir qualquer forma...
M – Sim. É o Muktha que está mais apto para tais desenvolvimentos. Mas não se pode
julgá-lo por isso, pois tais manifestações não são sinais do verdadeiro conhecimento
que, essencialmente, consiste em possuir o “olho” da equanimidade (Samathva Drish-
ti).
D – Terminei. Tenho ainda uma dúvida.
M – Qual?
D – Disseste que o Coração é o Centro Uno para o ser-ego, para o Ser Real, para o
Senhor, para tudo...
M – Sim. O Coração é o Centro Real. Mas o ego é impermanente. Como tudo mais que
é sustentado pelo Centro-Coração. Mas o caráter do ego é o de ser um elo entre o
espírito e a matéria, é um nó (grantthi), o nó da ignorância radical na qual estais
atados. Este nó (granthi) está lá no coração (Hrit). Quando este nó é seccionado em
pedaços pelos meios adequados, descobrireis que este é o Centro do Ser.
D – Dissestes que existe uma passagem deste Centro para o chakra Sahasrara.
M – Sim, este está fechado no homem escravizado. O homem no qual o nó-ego, o Hri-
daya granthi, foi seccionado, uma corrente de força denominada Amritha Nadi surge
e sobe para o Sahasrara na coroa da cabeça.
D – É este o Sushumna?
M – Não esta é a passagem da Libertação (Moksha). É chamada de Atmana-
di,Brahmanadi, ou Amritha Nadi. Este é o Nadi ao qual se refere o Upanishads. Quan-
do esta passagem é aberta não tereis mais Moha, ignorância. Conhecereis a verdade
mesmo quando falais, pensais ou agirdes com os homens ou coisas.
D – Ouvindo tudo isso fico confuso. Não compreendo como poderemos ter experiên-
cias tão grandes simplesmente retendo na mente as asserções “Veja aquele que vê”,
“Conhecei-vos a vós mesmos”, “Eu sou Brahman”, etc....
15

M – É realmente difícil, mas não impossível uma vez que sejais fervorosos a esse res-
peito... Eis porque se diz ser necessário o toque da Graça... A influência de um Ser
liberto (Jnanin) penetra em vós silenciosamente. Ele não precisa falar.

15 – ENTREGAI VOSSO FARDO AOS CUIDADOS DO SENHOR

D – Quando estou aqui, fico convencido e impressionado. Mas quando saio e penso na
sociedade, ou em meu país, e me lembro da vossa resposta “Conhecei-vos a vós
mesmos”...
M – O que podeis fazer para a sociedade ou para o país quando sois fracos? Deveis vos
tornar fortes primeiro. Mas vos digo, AUTORREALIZAÇÃO é a força suprema. Não te-
nhais medo de perder força para agir quando vos tornardes um Jnanin.
D – Tenho medo que isso aconteça.
M – Não devereis tê-lo. Se fordes escolhidos, ou destinados a fazer uma determinada
coisa, esta será feita.
D – Devo, então, renunciar a tudo? Não poderei efetuar Thapas e pedir a Deus para
que satisfaça meus desejos?
M – Podereis. Mas deverá haver alguma Abbyasa, alguma Sadhana para Thapas ou
para vossas preces alcançarem a Deus. Quando estais no Sadhana seja através da
meditação ou oração, estareis pensando nos vossos desejos ou em Deus?
D – Se eu pensar nos meus desejos na meditação, isto não é Dhyana de modo algum.
M – Então aceitai o fato de que existe a mesma Dhyana, o mesmo Thapas, a mesma
meditação para ambas a Sakama ou Nishkama, sejam estas efetuadas por mero dese-
jo ou desinteressadamente. Até mesmo quando os vossos desejos forem atendidos, o
Thapas aumenta. Este não cessa. Esse é o verdadeiro caráter do Thapas. O mesmo
ocorre no caso de adoração (Bhakthi). Agora vos faço uma pergunta: Quando um ho-
mem chega a uma estação ferrocarril, sobre num trem com as suas malas, onde é
que as coloca?
D – Ele as coloca no porta-malas de sua cabine ou no vagão de bagagem.
M – Então ele não as carrega na sua cabeça ou no seu colo.
D – Só um tolo faria tal coisa.
M – Se chamais essa pessoa de tola por carregar as malas na sua cabeça dentro do
trem, mil vezes mais tola o será se carregar seu fardo ao ingressar na senda espiritual
seja esta o caminho do conhecimento (Vichara-marga), ou o caminho da devoção
(Bhakthi-marga).
D – Mas posso eu por de lado todas as minhas responsabilidades, todos os meus com-
promissos?
M – Olhai para a torre do Templo Gopura? Lá estão muitas estátuas, e em cada esqui-
na há uma grande estátua. Já as viu?
D – Sim, já vi.
M – Agora eu vos digo que aquela torre grande está apoiada nessas estátuas das es-
quinas.
D – Mas como pode ser isso? O que quereis dizer?
M – Quero dizer, ao assim me expressar, que não é maior tolice que a vossa atitude
ao dizerdes que tem e terá que carregar todos os vossos trabalhos, fardos, responsa-
bilidades, etc... O Senhor do Universo é quem carrega todo o fardo. Imaginais que
sois vós que o fazeis. Podeis entregar o vosso fardo aos Seus cuidados. Seja o que for
16

que tiverdes que fazer, sereis um instrumento para realizá-lo no seu devido tempo.
Não penseis que não podeis fazer algo a menos que tenhais desejo de fazê-lo. O de-
sejo não vos dará a força para fazê-lo. A força é do Senhor.
D – Devo compreender que me estais dando a essência do Karma Ioga?
M – É a essência do Karma Yoga, da Bhakthi-Yoga, e até mesmo da Jnana-Yoga pois
mesmo que os caminhos sejam diferentes inicialmente, todos eventualmente condu-
zem à esta situação.

16 – OS ASHRAMAS E AS REGRAS SOCIAIS

D – Falam das quatro vocações (Ashramas) preceituadas na vida. Qual é o seu signifi-
cado?
M – Caminhar por estágios é uma regra social indicada para as pessoas de um modo
geral. Mas se uma pessoa, é um ser bem desenvolvido espiritualmente (Pakvi), não
precisa preocupar-se com essa regra. Jovem ou idoso, homem ou mulher, Brahmin ou
Pária, se estiverem maduros (Paripakvi), poderão partir diretamente para a meta
sem atender aos estágios.
D – Então, as Ashramas não tem utilidade para a vida espiritual?
M – Os primeiros três Ashramas são orientados na conduta dos assuntos materiais da
vida cotidiana e são regulados de tal forma a não se chocarem com o ideal do conhe-
cimento espiritual.
D – E quanto ao quarto Ashrama, Sannyasa?
M – Oh! Sannyasa não está em tomar a tigela do mendigo, em raspar totalmente o
cabelo, ou vestir a túnica alaranjada. Quando o estudante, com a sua pureza exalta-
da pelo celibato (Brahmacharim), se transforma, pelo desapego, num chefe de famí-
lia ideal, a serviço do próximo, ou da sociedade, a Luz brilhará naturalmente. O ter-
ceiro Ashramana, é destinado ao esforço espiritual concentrado (Thapas). Quando,
através de Thapas ardente, o Thapaswin se faz puro como o cristal, e apto, segue
automaticamente o quarto ashrama. Como já disse, não se trata de uma coisa exter-
na que a pessoa assuma.

17 – A SOCIEDADE E A META DA HUMANIDADE

D – Qual é o meu dever para com a Sociedade? Qual deve ser a minha relação com
ela?
M – Vós sois um membro da Sociedade. A Sociedade é o corpo, os indivíduos são seus
membros, pernas e braços. Assim como os diversos membros ajudam e cooperam
entre si, estão por isso, felizes, assim cada um deve se unir aos outros e ser útil a
todos os demais em pensamento, palavra e ação... Cada um deve atender ao bem
estar do seu próprio grupo, isto é, ao grupo próximo que faz parte da sua vida, para
depois atender aos outros.
D – Alguns falam alto sobre paz (Shanthi). Outros exaltam o Poder (Shakthi). Qual dos
dois é bom para a sociedade?
M – A “PAZ” é absolutamente essencial para o indivíduo. O “Poder” é necessário para
a manutenção da Sociedade. Pelo “Poder” levantamos espiritualmente a sociedade
para que esta depois estabeleça a Paz no seu seio.
D – Qual é a meta para a qual caminha a humanidade na terra?
17

M – A igualdade e fraternidade genuínas perfazem a verdadeira meta para que então


possa reinar na terra a Paz Suprema e o globo terrestre ser o lar de uma única famí-
lia.
D – O ideal é grandioso. Mas se os grandes homens (Jnanins) permanecem quietos em
suas cavernas, como pode ser auxiliada a sociedade?
M – Tenho dito com frequência que o maior Auto-Alcance (Athmalabha) é o maior
bem para a sociedade. E.... (O assunto não foi adiante pois Maharshi sempre afirmou
que o Jnanin não é uma massa inerte).

18 – A EQUANIMIDADE DO JNANIN

D – Disseste que o Jnanin pode ser, e é, ativo lidando com os homens e coisas. Não
tenho mais dúvida a respeito. Mas dissestes ao mesmo tempo, que Ele não vê dife-
renças, pois para o Jnanin tudo é o Uno e está sempre na Consciência Suprema... Se
é assim, como pode Ele lidar com as diferenças, com os homens, com as coisas que
certamente são diferentes?
M – Ele vê estas diferenças apenas como aparências, não separadas do Verdadeiro, do
Real com o qual Ele é Uno.
D – O Jnanin parece ser mais preciso nas suas expressões e compreende as diferenças
melhor que o homem comum... Se o açúcar é doce e o absinto é amargo para mim,
Ele também se apercebe disso. De fato, todas as formas, todos os sons, todos os sa-
bores, etc., são os mesmos para Ele como o são para os outros. Se assim for, como se
pode dizer que estas são apenas aparências? Não fazem parte da experiência de sua
vida?
M – Já disse que a equanimidade é o verdadeiro sinal da Jnana. O próprio termo
equanimidade pressupõe a existência de diferenças. O que o Jnanin percebe é a uni-
dade em todas as diferenças, o que eu denomino equanimidade. Equanimidade não
significa ignorância das distinções. Quando tiverdes alcançado a Realização, percebe-
reis que essas distinções são de natureza formal e não substancial ou permanente. O
essencial em todas essas aparências é a Verdade Una, o Real. Isso eu chamo de uni-
dade... Vós vos referis ao som, sabor, aroma, etc. é verdade que o Jnanin distingue
as diferenças, mas Ele sempre percebe e participa do Uno Real em todas as coisas.
Eis porque não tem preferências quer se movimente de um lado para outro, quer
esteja falando ou agindo, é sempre no Uno Real que ele se movimenta, fala ou age.
Para Ele coisa alguma é separada da Verdade Suprema e Una.

19 – O PODER ETERNO E A PRESENÇA IMUTÁVEL (SHAKTHI E SHAKTHA)

D – A trindade (Thriputi) constituída pelo conhecedor, conhecido e conhecimento, é


uma aparência. Dizeis que existe uma unidade por trás apoiando-a. o que é essa uni-
dade? É algo muito poderoso?
M – É uma existência Todo Poderosa.
D – Tendes afirmado frequentemente, e as Escrituras também, que Brahman é imó-
vel. Agora dizeis que é Todo Poderoso. Então Ele não se movimenta?
M – poder pressupõe movimento. Embora Ishwara se movimente pelo seu poder
(Shakthi), que é movimento, Ele transcende o movimento. Ele é achala, athitha.
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D – Não existe diferença entre Poder (Shakthi) e o Poderoso (Shaktha)?


M – Não, isso depende da vossa atitude. Só existe uma única Verdade. Do ponto de
vista do movimento, se chama Poder (Shakthi), firmando-se no apoio do movimen-
to(Ashraya), outro o denomina Achala. Se o primeiro é atividade (Vyapara), o segun-
do e o seu apoio (Ashraya), substancia. Poder (Shakthi) e substancia (Vasthu), são
inseparáveis. São, na verdade, dois aspectos da mesma e única Verdade. O que se
verifica é que sem o Poder (Shakthi) o movimento (Vyapara), a Real substância, não é
aprendida.
D – Qual é o verdadeiro caráter do Poder (Shakthi)?
M – Ele é coexistente com o eterno Ishwara, não tendo existência separada D’Ele. É a
atividade eterna (Vyapara) de Ishwara, criador das miríades de mundos.
D – Mundos são criados e se extinguem. Como podereis dizer que esta atividade (Vya-
para) é eterna?
M – Suponhamos que todos os mundos criados fossem dissolvidos no curso do tempo.
Ainda assim persistiriam em atividade num estado latente, o que vale dizer que Shak-
thi não se extingue. Que é então este movimento? A cada instante há criação e a ca-
da instante há destruição. Não existe criação absoluta nem dissolução absoluta. Am-
bos são movimentos e esses movimentos são eternos.
D – Então posso aceitar como certo que Shakthi e vashthu, vyapara e Ashraya, ambos
são aspectos da mesma verdade?
M – Sim. Mas todo este movimento, a criação, denominado jogo do Shakthi, é a for-
mulação (Kalpana) do Senhor. Se esta Kalpana é transcendida, o que resta é Swaru-
pa.
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Introdução ao Sat- Darshan – Bhashya

1 – Sobre a Não Dualidade

“No início só havia a existência”, “verdadeiramente tudo é Brahman”, “Tudo isto é


Purusha, o que foi e o que será”. Este e outros textos das sagradas escrituras (Upa-
nishads), apontam para a causa material de “Tudo isto”, o Universo, no Único autoe-
xistente e consciente Purusha que, como Existência pura, é denominada Sat, e como
mundo-existência, Brahman.
NOTA: O mundo é um produto da substância que é denominada Existência pura – pura
no sentido de sua absoluta independência das formas particulares nas quais encontra
certa expressão. “Tudo isto” é, por conseguinte, Brahman, a Existência Única na
substância, e esta existência, o Brahman. A verdade Substancial acha-se relacionada
com suas próprias formas de expressão. É Purusha, o Espírito, o consciente, o que é
“Tudo isto”, o que vem a ser e o que ainda está por vir a ser. Novamente “Ele (Sath,
Brahman) viu, e seu olhar continha a força da consciência, Thapas. Ele desejou (or-
denou) e se tornou em muitos.” Textos deste significado referem-se ao único Purusha
como sendo a causa eficiente da criação. O poder de formular o mundo existência é
inerente ao Purusha, o Espírito, a Única Existência. Ele é consciência e força consci-
ente que lhe é sempre inerente, emana e sistematiza a existência única num univer-
so múltiplo e de movimento. Com efeito, sendo o Purusha a única fonte eficiente e a
substancia de tudo o que é e do que poderá ser, não pode haver oposição significati-
va entre as duas formas de existência, designadas por vários nomes tidas como os
pares: Externo-Interno, Mundo-alma, Matéria-Espírito, objeto-Sujeito. De fato esta
existência DUAL denominada dualidade (Dvandva), inter-relacionada, interdependen-
te, e coexistente, é a Expressão de um aspecto duplo inseparável da Verdade supre-
ma, a coisa tal qual é e como se torna, a única realidade em ser e vir a ser. Os Upa-
nishds nos dizem que o Uno se expressa numa forma múltipla e que a dupla existên-
cia mundo-alma (Jagat-Jiva) é formada pela ilimitada energia da força consciência-
divisora e diferenciadora chamada entre outros nomes por Thapa (incubação criati-
va), por Chit Shakti, força-consciência; por Kama, desejo de se tornar muitos; por
Iksha, o poder concentrado da eternamente desperta autoconsciência do ilimitado e
indivisível Sath ou Purusha. Por conseguinte, mundo e alma (Idam-Bhava e Aham-
Bhava), objeto e sujeito, formam um aspecto duplo inseparável, uma apresentação
dual da Suprema Realidade e representa a modificação primordial (Parinama) implí-
cita na mudança incessante das formas de consciência que vê no seu SER ilimitado,
um movimento de limitações, um vir a ser da sua própria substância, uma formação
do seu eterno movimento. Esta substancia original, que é da natureza da consciência
Suprema intensa e infinita, não se perde no seu próprio vir-a-ser, nas suas próprias
modificações em variadas formas efetuadas pela sua inerente força consciente. Note-
se que esta modificação não é, como se pensa nos círculos escolásticos, da natureza
do leite tornando-se coalhada na qual o leite fica perdido e irrecuperável, mas é da
característica do ouro empregado em jóias aonde o ouro, a substância, não somente
persiste mas também revela seu potencial para a formação de uma variedade infin-
dável de formas. As formas mudam mas as substâncias permanecem as mesmas, e é a
identidade da substância persistente que é enfatizada como verdade Central pelo
Upanishad Chandogya na analogia do ouro e dos adornos formados com ele. O Sath-
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Purusha não é afetado no seu caráter como substância, o material para a formação
de todos esses mundo infindáveis, inumeráveis almas, os quais são apenas suas partes
incontáveis, assim manifestadas em virtude da Sua Força-consciência (Thapas). Fica
assim claro que Brahman é uma única substância (Swarupa) em todas as suas formas
e condições. Daí que frases como: “O Ser é tudo isto”, revela-nos a verdade de que o
Ser único, Purusha, infinito por natureza, está implícito em todos os seus modos de
formação quer nas suas almas formadas, quer na sua expressão como mundo. A ver-
dade a respeito da única substância, a realidade, revelada como experiência à cons-
ciência supra-sensitiva, como um-sem-segundo, torna-se para a experiência da mente
comum como multiplicidade, cheia de dualidades. E certas escolas de pensamento
filosófico, encontrando oposição entre o Um e o Muitos, pelo modo de reconhecerem
a sanção superior de que é somente na experiência superconsciente que se sente o
Uno, têm se apressado em afirmar como verdade apenas o UNO, negando o Muitos.
Isto porque este último só se manifesta à experiência dos sentidos nos quais, por cer-
to, não se pode depender para chegar à Realidade, ou com objetivo de realizar a
verdade que transcende a esfera dos sentidos. Mas como encontramos nas escrituras
passagens frequentemente repetidas de que o Uno ficou sendo Muitos, é razoável
concluir que o Uno e o Muitos não estão realmente em oposição e que tal contradição
não tem lugar na Realidade sendo esta apenas uma imaginação da mente pesquisado-
ra. Consequentemente, é preferível resolver o problema dos Muitos e reduzirmos a
contradição, se esta existir, harmonizando-a numa só Verdade. Vejamos o caso de
um pode de barro. Quando a forma do pote é percebida, sem o conhecimento de que
esta é feita de barro, ninguém nega a verdade da forma, ou a validade de sua per-
cepção no pressuposto de que o observador não tem noção da qual é feito o pote e,
por conseguinte, da verdadeira natureza do pote. De igual modo, não negamos a
forma, ou a percepção da mesma, uma vez que tomamos conhecimento da verdadei-
ra origem do pote, isto é de que este é feito de barro. As duas afirmações que o ma-
terial do pote é barro, e que este tem uma forma particular podem ser ditas a res-
peito do pote. O conhecimento de que o pote é feito de barro, não contradiz, nem
tão pouco é incompatível, com o conhecimento de que este tem uma forma particu-
lar. Nem tão pouco a afirmação de que o pote tem uma forma particular, nega a ver-
dade substancial de o mesmo ser feito de barro. Logo, tem que ser admitido que a
verdade da coisa é dupla, de acordo com o ponto de vista e da capacidade de com-
preensão da mente indagadora. Que o pote é feito de barro pode ser considerado
com a verdade substancial do pote, e que este tem um formato particular, como a
verdade formal. Ambos os aspectos são verdadeiros e, conjuntamente expressam
toda verdade sobre o pote. Que o barro é substância do pote, é a verdade primordial
ou substancial. A forma assumida pela substância, é a verdade formal. Como a forma
é dependente da substância, e a substância se refere ao caráter essencial da coisa, a
primeira é a verdade substancial e primária, enquanto que a segunda é a formal,
atributiva, a verdade secundária, especialmente em virtude de ser a mesma coisa
percebida de modo diverso por diferentes órgãos dos sentidos. Mas a compreensão da
forma e de outros aspectos como distinta e separada da própria substância está na
dependência da mente sensorial, da inteligência e do seu desenvolvimento. Desse
modo a compreensão distinta destes dois aspectos, o substancial e o formal, não
conduzem ao erro, mas proporciona um grande proveito porque a verdade sintética é
percebida na sua integridade. Da mesma forma, tratando-se do assunto da existência
21

ternária Deus-Mundo-Alma, devemos reconhecer que a única Realidade, Brahman,


apresenta dois aspectos: o substancial e o formal. Brahman, a única existência, tor-
na-se o Senhor (Ishwara) em relação aos Seus modos de ser como mundo e alma por-
que é a substância, apoio e inteligência
diretora das suas próprias expressões na qualidade de Mundo e alma. É Brahman que
está realmente presente e representado pelos diversos modos de sua própria existên-
cia, pelas inumeráveis almas e pelos mundos incontáveis. Estes são os fatores signifi-
cativos e o seu Senhor é aquele representado em todos eles. Com efeito, é pela rela-
ção entre substância e forma que devemos compreender a relação de Deus com o
mundo e a alma, o mundo com tudo o que contém e a alma com todas as suas limita-
ções e desenvolvimento. Estas maneiras de ser de Brahman são formadas a partir do
Brahman e constituem o próprio Brahman e são diversamente expressadas no lingua-
jar filosófico, conforme o tipo e temperamento da mente indagadora, ou o ponto de
vista da visão que deu nascimento ao sistema filosófico-religioso. Por este motivo,
são denominados modos (prakaras), particularidades (viseshas) partes ou aspectos
(kalas) e qualidades ou atributos (gunas). Todos estes termos são referentes à exis-
tência formulada e apresentada à mente intuitiva como uma tradução intelectual da
verdade, além do intelecto. Similar a uma forma particular de substância, digamos, a
forma do pote assumida pelo barro, este mundo no qual vivemos, nos movimentamos,
e temos o nosso ser, é realmente um modo de Brahman, um aspecto uma expressão
de sua onipotência, uma qualidade do Inqualificável, uma forma da Substância Su-
prema a qual em Si mesma é sem forma e transcende a ela. É por esta razão que este
mundo de nome e forma, como nós o compreendemos, é a verdade qualificativa e
formal, uma verdade parcial de Brahman, a Realidade Única. Tal como o barro do
pote, a Existência Divina em Si sem forma e sem nome, é o material, a substância
raiz da qual tudo isto (idam sarvam) é uma forma, consequentemente é a verdade
substancial e primordial de “tudo isto”. Por conseguinte, não existe oposição real
entre estes dois aspectos, o substancial e o formal, da mesma verdade. Fica evidente
que é ao mesmo tempo fútil e falso afirmar que a verdade substancial do ser-mundo,
Brahman, é real e que o aspecto formal de Brahman como mundo, é irreal. Ambos os
aspectos, o Brahman sem forma (Nirguna) e o Brahman com formas (Saguna), além
de não serem contraditórios, conjuntamente dão uma compreensão completa da ver-
dade sobre a existência tal qual é. Os termos Nirguna e Nishkala, “isento de qualida-
des e partes”, significam que Brahman está além de qualidades e partes, ou aspec-
tos, e não que seja destituído ou incapaz de qualidades ou partes. Além disso, quan-
do Brahman é descrito como sendo maior que o maior, e menor que o menor, fica
claro que Brahman como existência quantitativa, é transcendental em ambos os sen-
tidos. (Logo, o Brahman como existência quantitativa, é transcendental em ambos os
sentidos). Logo, o Brahman infinito, embora manifeste partes finitas incontáveis em
qualidades e quantidades definidas, as transcende e assim continua sendo infinito.
Deve-se ter em mente que, apesar Dele ser Infinito, o Brahman Onipotente, pelo seu
olhar criativo, trás essas miríades de mundos à existência surgindo duma parte do
Seu Ser, e, tendo-os criado, neles penetra para sustentá-los, sem contudo se perder
neles. Com efeito, os sábios afirmam que mesmo estando Brahman além, e não limi-
tado pelo espaço e tempo, penetra todo o espaço e perdura para todo o sempre. Em
todo o lugar, e em todas as Suas partes, grandes ou pequenas, Brahman está presen-
te. Este é o sentido profundo revelado com clareza no sagrado texto Advaita: “Isto
22

está pleno e aquilo esta pleno; da plenitude surge a plenitude. A plenitude sendo
originada da plenitude, somente a plenitude permanecerá”. Recapitulando: Conhe-
cer o mundo tal qual se apresenta à minha compreensão imperfeita, é um conheci-
mento parcial porque ignoro a substância. Um conhecimento do nome e forma, sem
conhecer a sua realidade substancial, é conhecimento imperfeito. Conhecimento
parcial como tal, e por si, é apenas imperfeito mas não falso. Confundir a verdade
parcial pela verdade total é que constitui o conhecimento falso. Sendo que este co-
nhecimento parcial é uma compreensão imperfeita, muito grosseira para penetrar as
verdades mais sutis, é quase a mesma coisa que ignorância. Como este conhecimento
se move num circulo fútil, percebendo somente o formal sem atingir a verdade subs-
tancial, e muitas vezes nos conduz ao erro e dificuldades, é comumente referido pelo
termo depreciativo de ignorância (Ajnana). Somente quando Brahman, a substância-
raiz de toda a existência, é realizado, é que ocorre a clara realização de toda a ver-
dade de que Brahman, o Ser de toda a Existência, não difere da Sua própria formação
como mundo-existência, e alma-existência. Somente isso é conhecimento completo,
somente isso é a verdade integral.

2 – Sobre a Criação

Como já foi exposto, e a verdade nunca é por demais repetida, ou repisada. A subs-
tância Original, a fonte e apoio de todos os mundos com todos os seus seres, é a úni-
ca Consciência-existência, o Ser Infinito, cujo “poder de fixação” (Iksha) ou fervor
criativo, Thapas, ou força da consciência, implica num movimento eterno de ativida-
de para a formação deste mundo e que, por sua vez, através de uma ordenada dife-
rença em desenvolvimento, trás à existência todos esses seres ou derivados numa
variedade de espécies apresentando diferenças chocantes na natureza de seus corpos
tais como físico, vital e mental, com variações marcantes na sua capacidade de de-
senvolver os órgãos do vital, mental e espiritual, ou funções divinas. Realmente ,
Brahman é o mesmo em todos os seres. Entretanto, existe uma enorme diferença na
sua capacidade com relação a sua atividade vital, percepção sensorial e experiência
global. Estes não surgem à existência simultaneamente e no mesmo lugar. As dife-
renças entre os seres criados são o resultado do funcionamento do poder criador em
termos de espaço e tempo. Condicionados no espaço, que é pleno, intenso e imóvel
no Ser como extensão, surgem e perduram as distinções infindáveis entre os objetos
perceptíveis. As infindáveis distinções dentro dos processos internos, incessantemen-
te surgindo num fluxo constante de atividade, o fenômeno de lembrança e expectati-
va, e todas as diferenças de condição por toda a parte, mesmo por fora, acham-se
condicionadas ao tempo que, como um vácuo intangível, é somente o Ser como mu-
tação eterna e movimento incessante. Logo, não existe criação sem que a toda pode-
rosa Consciência do Ser assuma as condições espaciais e temporais da existência. Na
ausência da existência criada, a questão da minha existência, e de outras, não surgi-
rá. É na criação, cuja realidade é estabelecida para a nossa experiência, que a nossa
própria existência individual é baseada. Deve-se notar então que estes objetos sensí-
veis ou não, estão sujeitos ao espaço e tempo, que são os termos da Existência-
Consciência assumidos pela eterna força-movimento inerente nesta, para o sustento
da criação. Por conseguinte, na Toda-Abarcante Consciência-Existência, assim formu-
lada como existência espacial e temporal proporcionando distinções sem número, são
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manifestadas várias espécies, e em cada uma, inumeráveis formas. E em cada espé-


cie sem conta assim manifestadas neste mundo físico, há um número infindável de
objetos individuais. Entre rochas e rios, entre árvores e plantas, entre aves, animais
e outras criaturas que tenham traços comuns as interligando, ainda assim, existem
diferenças sem fim caracterizando os aspectos particulares das espécies ou tipos. Do
mesmo modo, na natureza humana, sem número são as formas individuais e cada
uma distinta das demais. Por conseguinte, X é diferente de Y em forma ou caráter.
Variações individuais na humanidade podem ser observadas na capacidade geral e na
experiência, na assimilação, atividade e nos instrumentos por ela utilizados, na re-
ceptividade e aplicação. Esta é, realmente, a maravilha da criação aonde divisões
incontáveis e infinitas são formadas do, e no único Indivisível Infinito. Nesta diferen-
ciação sem fim, em incontáveis divisões do indiferenciado Ser Infinito, a morada e
apoio de todos, ocorrem as seguintes perguntas ao homem: “Qual o caráter do mun-
do em que vive este corpo? Onde estão essas criaturas, o aparecimento e desapare-
cimento das quais é fenômeno comum? Quem, uma vez mais, sou eu, a quem ocor-
rem estas perguntas?” O homem, com seu espírito indagador desperto, torna-se gra-
dualmente possuído de um sentimento de escravidão. E este sentimento uma vez
aguçado desenvolve o desejo de libertação. tal desenvolvimento qualifica-o suficien-
temente para o conhecimento do Ser (Adhyathma Vidya). A esta altura, o crítico
inteligente se depara com a seguinte dúvida: “Se está estabelecido que o Ser Infini-
to, eternamente livre e consciente, é também o Ser de tudo que surgiu no universo,
quem afinal, está em escravidão da qual anseia libertar-se? Qual é a verdadeira natu-
reza dessa escravidão? E qual é a natureza do desenvolvimento que a qualifica para a
libertação? Detenhamo-nos por um instante a fim de ponderar. O nascimento dos
mundo oriundo do todo poderoso Supremo Brahman, revela um princípio de bifurca-
ção na Consciência Infinita propriamente dita. O mundo criado, chamado Jada, o
inconsciente, e a Consciência criadora Ishwara, são as duas partes bifurcadas do re-
almente indivisível. O único Ser Infinito é absoluto, livre de todos os finitos, ou rela-
tivos, que são derivados Dele. Portanto, enquanto permanece livre e absoluto, a
Consciência Infinita toma, em relação ao movimento criador, a dupla forma ou as-
pecto: de conhecedor e conhecimento, de consciente e inconsciente (Chethana e
Jada). Deve-se ter em mente que é o próprio Indivisível sem Limites que é deste mo-
do Limitado na forma de Sujeito e Objeto. Apesar de ser a Consciência-Existência-
Una, a verdade substancial em ambos, no mundo criado, e no Senhor-Criador, em
ambos no Objeto e no Sujeito, contudo, o Senhor Criador, sendo o Iluminador, é de-
nominado o Ser; O Conhecedor, e o mundo criado, sendo o iluminado, é denominado
o não-ser, o conhecido, como distinto do conhecedor. Através da atividade sutil, ou
movimento, da sua própria Luz, a consciência iluminadora com sua capacidade ilimi-
tada para divisibilidades sem limite, emana formas particulares de si mesma, as quais
nos estados sutis são caracterizadas por conhecimento e atividade e são denominadas
matéria mental (Chithta) e força-vital (Prana) e no estado mais grosseiro tornam-se
modificadas no que se denomina mundo inconsciente (Jada – ou mundo físico N.T.).
Por conseguinte, os sábios afirmam que na verdade final, não existe diferença real
entre o Sujeito e o Objeto, entre o Senhor e Sua Criação, porque ambos são da mes-
ma substância e perduram numa relação de identidade (Thadathmya). Por este moti-
vo, o texto é aceitável à luz da razão no que se refere a tudo que emanou de Brah-
man: “Tudo isto é Brahman”. Logo, a consciência no ser subjetivo, é a causa ilumi-
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nadora (karana), e o mundo material, que forma a existência objetiva, é o efeito


iluminado. Entre estes dois, entre o mundo caracterizado como consciência objetiva,
material (Sthula), e inconsciente (jada) de um lado, e o consciente ser subjetivo, o
causal (Karana), o Supremo Ser no outro, existe sempre um jogo da força consciente
manifestada como um movimento de conhecimento e atividade denominados mente
e força vital (Chithta e Prana); e este, por sua vez, é denominado o sutil (Sukshma).
Este movimento sutil de conhecimento e atividade da mente e força vital ao mesmo
tempo divide e vincula o mundo ao seu Senhor, o inconsciente e o consciente. No
macrocosmo este é chamado o mundo da força vital (Prana-loka) e outros mundos
ainda mais sutis. No microcosmo, o mesmo é denominado o corpo sutil (Sukshma-
deha), incluindo capas da força-vital e mente (pranamaya e manomaya Koshas). A
relação entre o consciente e o inconsciente, é a mesma que existe entre o iluminador
e o iluminado, e o mesmo em termos de ação fica sendo o daquele que desenvolve e
o desenvolvido, a força que trabalha e a coisa trabalhada. Quando o mundo criado é
iluminado pelo Consciente, o inconsciente é forçado a alterar-se e a desenvolver-se,
e no curso de seu desenvolvimento, este manifesta uma individualização de “vida e
mente” resultando no aparecimento dos seres humanos. O que é chamado de “vida e
mente”, embora diferindo em suas funções, é realmente um duplo ramal da mesma
raiz, isto é, a força consciente que se bifurca num movimento duplo de conhecimen-
to e ação representado pela mente e vida. Nas palavras do Upadesha Saram: “A subs-
tância-mental e a energia vital, funcionando como conhecimento e ação, são ramais
da mesma fonte-raiz (shakthi).

3 – Sobre a Escravidão

Em virtude da diferença existente no desenvolvimento entre seres humanos, sujeitos


que são às mesmas condições de espaço, tempo e causalidade, alguns são atormen-
tados por um sentimento de escravidão em quanto outros não o são. O homem que se
sente escravizado, já está à caminho da sua própria libertação. tal homem está mais
evoluído do que aquele que, igual ao bruto, não tem consciência alguma dos seus
liames, e o que se libertou da sua escravidão, está mais adiantado do que aquele que
tem um mero vislumbre de escravidão. O curso de todo este desenvolvimento, atra-
vés de uma gradação de estágios, é todo um jogo da Força Consciente (chith-
Shakthi). Desta forma, o desenvolvimento opera na existência-inconsciente e objeti-
va, assim como no movimento sutil denominado “Conhecimento e Ação” (Vritthi);
ambos sendo iluminados e, por conseguinte, dirigidos pela Consciência Iluminadora, a
causa de toda a existência diferenciada. Logo, o desenvolvimento (paripaka) refere-
se a ambos o sutil (Sukshma) e o material (sthula), o movimento sutil da mente e
vida (vritthi) e a existência objetiva e grosseira (vishaya). Doravante, a natureza da
escravidão (bandha), fica bem clara; o elo entre o sujeito e o objeto, entre o espírito
e a matéria, é por si o elemento que os une, denominado pelo termo “corpo sutil”
(Sukshma Sharira). Apesar deste corpo sutil apresentar o princípio de conhecimento e
ação, ser um composto de ambos vida e mente (prana e manas), ainda assim a mente
por estar mais próxima e mais receptiva à luz da Consciência é, às vezes, denomina-
da isoladamente de corpo sutil (Sukshuma Sharira). Este corpo sutil é o elo entre a
matéria e o espírito e une o espírito ou o Ser, ao corpo. O ser, ou espírito então se
perde na consciência do corpo daí surgindo a sensação e sentido de que o corpo é o
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Ser e, reciprocamente o Ser pensa ter os atributos físicos de nascimento, etc. Agora
vejamos quem é que está escravizado. A Consciência que reside em todos os seres
humanos (Sarvantaryami), a qual é o apoio de todas as existências, é quem preside
tudo quanto existe sobre o universal e o individual, sobre o grande e o pequeno. Por-
tanto há lugar em toda a parte para o movimento sutil do conhecimento e ação, no
interior, e no exterior. Não deve ser esquecido de que existe um poder inesgotável
inerente neste espírito intro-cósmico que preside e habita em todas as coisas. O po-
der e o poderoso (Shakthi e Shaktha) são inseparáveis e somente podem ser separa-
dos na mente e na palavra, mas nunca no fato ou na experiência. Esta força é, por
natureza, de uma Suprema Capacidade. No maior assim como no menor, no coletivo
assim como individual, a consciência que rege dirige, confere, por seu equilíbrio na-
tural, a capacidade necessária para a sua formação, sustento e dissolução. É o mara-
vilhoso Poder (Shakthi) do Todo Consciente Senhor Supremo da Criação, o qual, em
virtude da Sua própria natureza, constitui a capacidade da Inteligência velada para
entrar, manter e dirigir a formação, durabilidade e desaparecimento de incontáveis
objetos finitos. Estes objetos finitos são de uma variedade infindável: os objetos do
mundo material tendo um revestimento puramente físico, os objetos do reino vegetal
tendo uma envoltura físico-vital e os seres humanos possuindo corpos constituídos de
físico-vital-mental.entretanto pelo fato de o Ser estar limitado ao corpo ou o espírito
vinculado à matéria através do elo que se chama Sukshuma Sharira (o movimento
sutil da mente e vida) não se deve supor que o espírito que os preside esteja escravi-
zado. O espírito é autoexistente, eternamente livre e jamais poderá ser acorrentado.
Nem tão pouco se pode dizer que em virtude de estar presidindo ficará como conse-
quência afetado e limitado. O equilíbrio do Ser Supremo, ou Espírito que dirige é
eterno e inerente ao próprio Ser, pois se relaciona com os Seus próprios derivados. O
Ser, ou o Espírito Livre, não está agrilhoado nem tão pouco escravizado ao corpo que
não tem sensibilidade ou sentimento. Então quem é que está acorrentado? E quem é
que se sente agrilhoado? Deve haver na escravidão propriamente dita, no Sukshma
Sharira, algum elemento que tem a sensação de escravidão, algo pelo qual o espírito
que preside é representado. Este elemento se chama ego (Ahamkara). É uma forma
persistente, embora impermanente, do Athman, ou Ser, formado e localizado no cor-
po Sutil Vital-Mental, como o qual se identifica. Utilizando-se da força de expansão
inerente no poder concentrado do autoconsciente Athman, este se impõe através dos
pensamentos e coisas tornando-os seus. Sempre dependente de apoio, entretanto, se
apresenta como estando livre e se afigura como o próprio espírito. Este ser aparente
nascido nas formas, mas sempre mudando de forma em forma encontrando seu sus-
tento na forma é denominado JIVA, ou alma no sentido de que nasce e morre e não é
o Ser Real, (Athman). Através da identificação entre a escravidão e o escravo, do
apoio com o apoiado, do ego com a escravidão, a qual teceu em torno de si, este ser
aparente com o seu princípio central de egoidade (Ahamkara), é ambos a escravidão
e o escravo. O ego, que é o ser aparente, um reflexo do Ser Real na substância vital-
mental denominado corpo sutil, apropria-se deste último para si, como se fosse o Ser
Real, em conseqüência o corpo sutil fica sujeito à sanção do ego, o qual, por assim
dizer é seu centro imediato. Como a luz de uma lâmpada, a atividade do ego, que se
irradia deste centro, impõe-se primeiramente ao corpo sutil, que é seu principal do-
mínio. Por razoes resumidamente expostas, certo número de termos, com variáveis
conotações acentuando diferentes aspectos do ego, são usados para denominá-lo. É o
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corpo sutil propriamente dito, o JIVA, ou alma em formação, o ser aparente, a men-
te, o elo entre o ser e o corpo. Fica claro, então, que é este ser aparente, ou alma
formada no corpo sutil, que é atormentado por um sentimento de escravidão e que
está atualmente acorrentado. Por conseguinte, libertação e escravidão, são termos
usados com referencia ao ego com sua postura como o Ser. Num estado não evoluído
torna-se ativo no sutil ou no grosseiro e assim fica mergulhado no mundo das formas.
Isso é escravidão. Num estado evoluído este entra num único movimento de busca da
sua origem, o Ser Real em seu interior, e desta forma afasta-se e libera-se de todo
movimento subjetivo (vritthi) e de todos os objetos (vishaya) os quais constituem o
não ser. Isto é libertação. Ambos, o poder que encadeia e o poder que liberta, estão
latentes em estado germinal no próprio corpo sutil dominado pelo ego, ou ser apa-
rente. A Força Consciente dirigida para o movimento criador faz surgir no infinito Ser
indivisível, forças distintas e formas finitas, separadas da sua fonte raiz a fim de pro-
duzir na consciência uma experiência de separação e as joga num movimento centrí-
fugo dirigido às formas mais grosseiras. Este movimento diferenciador, procedente da
Força Consciente Criadora, joga um véu de autoesquecimento sobre as inumeráveis
formas finitas da Consciência-Existência (Sath-Chith), para a sua formação definitiva.
Este véu de autoesquecimento, jogado sobre tudo que é formado, limitado e distinto,
é uma função daquilo que se denomina “o poder velador sobre todas as formações no
Livre, Eterno e Infinito Ser” (Thirodhana Shakthi). É este poder velador que cria o nó
entre a matéria e o espírito, faz com que a substância sutil da mente e da vida, as-
suma e seja absorvido nas formas grosseiras e se constitua no corpo sutil (Sukshma
Sharira), o qual fica sendo desde logo poder e propriedade do ego, assim como sua
escravidão. Igualmente neste corpo sutil de escravidão propriamente dita, há outro
movimento sucedendo e substituindo a força autoveladora (Thirodhana). Este é o
poder autorrevelador (Anugraha) que é justamente o oposto de Thirodhana. Por um
acompanhamento interior, este prende e educa o ego, o qual encobrindo a luz do Ser
Consciente, apresenta-se como sua própria figura e o impulsiona para um maior de-
senvolvimento. Assim impelido, o ser aparente é forçado a avançar através das expe-
riências da dor e do prazer e de errantes e aparentemente intermináveis movimentos
da vida e da mente, ou deixando-se absorver nas formas grosseiras só para finalmen-
te se aperceber da futilidade desse infindável revolvimento dentro da sua própria
prisão. Então, é o “poder autorrevelador” (Anugraha Shakthi) que dirige a ideia-ego
para um único movimento conduzindo-a para o mais profundo e Real Ser assim secci-
onando para sempre o nó do ego e dissolvendo os grilhões do ser aparente (Jiva). Fica
evidente que existem dois movimentos da Suprema-Força-Consciente na Criação. Um
que precede e lança um véu sobre as formações finitas no Ser Infinito, e o outro, que
se sucede, evidencia um controle íntimo sobre estas a fim de revelar o Infinito nelas
existente. O poder autovelador (Thirodhana), primeiro envolve o ego com uma capa
do sutil movimento de vida e mente (Vritthi), e depois o desenvolve para uma difusão
e perda no mundo objetivo das formas. O poder que escraviza (Thirodhana Shakthi),
é revertido e transformado num poder de libertação Anugraha, que prospera e con-
segue dar um forte aperto no ego ou ser aparente. Então a atividade efluente do
corpo sutil “mente e vida” é relaxada, ou retirada, do externo e grosseiro. Em segui-
da, todo o movimento generalizado, difuso e desordenado, é recolhido e fixado num
só movimento no sentido do ego a fim de encontrar sua fonte no Ser, deste modo
envolvendo uma correção, ou transformação do ego, o qual é somente uma imagem
27

distorcida e impermanente do Ser Eterno. Logo, este duplo poder no movimento cri-
ador da corça consciente, está sempre ativo no ego assim como no corpo sutil, que
aqui é denominado o cordão que liga o espírito a matéria, o nó que liga o ser ao cor-
po. Neste breve esboço é apresentado o verdadeiro caráter da escravidão e daquele
que é escravo, assim como do processo que conduz a libertação.

4 – Sobre o sentido-Eu

O Upanishad utiliza a terceira pessoa para expressar a natureza de Brahman como


sendo a Única Realidade Suprema, como, por exemplo em textos assim: “Tudo isto é
em verdade Brahman”, “O Brahman é Um sem segundo”, “Brahman é a Verdade, o
Conhecimento sem fim”, “Brahman é Consciência”. Mas encontramos o uso da pri-
meira pessoa com referencia à criação em passagens assim: “Por este meu Ser vivo,
Eu o definirei em nome e forma”, “Ele disse no princípio “Eu Sou (asmi) logo, “Eu
(aham) é Seu nome”. A ideia subjacente é que a Suprema Verdade, a Única Existên-
cia aludida na terceira pessoa, fica sendo o Ser de Toda a Existência criada e, por
conseguinte, é o “EU” Supremo, o Purusha. A Verdade Suprema tal qual existe em, e
para Si próprio, não pode ser referida como “Eu” ou “Isto”, por não surgir dúvida
sobre “parte-Eu” ou “parte-Isto” quando o absoluto é visto como Ele é em Si próprio,
não relacionado com a existência criada ou formada. Mas visto como a suprema e
única fonte de Tudo que e criado é o Purusha, o Ser Supremo, o “EU” de todo movi-
mento. Logo em toda parte da criação, Purusha o Senhor de todos é o Ser Supremo
que se tornou o habitante de tudo o que surgiu e persiste como a base e apoio da
noção do “EU” em todos os seres. Por conseguinte, Ele é o primeiro e último “EU”, a
última referencia e supremo significado (Paramartha) da palavra “EU”. Quando, co-
mo fagulhas de um fogo flamejante, as inúmeras almas-formas (jivas), se diferenciam
de Brahman, é o Ser Único, a base da noção “Eu”, que está representado nos diversos
indivíduos, pois Brahman é o “Eu” que veio-a-ser o ser em, e de todas as coisas cria-
das. E este Ser é realmente o Supremo Ser (Parama Athman), o Senhor de todos, Um
sem segundo. O Ser é a base da “Noção do Eu” que tem realmente expressão nos
diversos indivíduos, no X e no Y. Livre e supremo em si mesmo, torna-se a base e o
apoio das distintas experiências dos egos separados e formados nas diferentes indivi-
dualidades. Como é o Uno Infinito Imanifestado que se torna o apoio de todos os se-
res manifestados, o Eu neles não é diferente, mas é o mesmo que o Ser Uno Infinito.
E isto é o sentido essencial do ensinamento filosófico de que n ao existem diversos
Eus, mas um só “EU” ou “SER”. Assim, o sentido supremo do “EU” (Paramartha), é o
Ser Supremo, não manifestado e infinito, o Purusha. Ao mesmo tempo, sendo Ele o
ser inferior, e o apoio de todas as manifestações individuais, Ele é o verdadeiro sen-
tido do “Eu”, o “Eu” realmente implícito nos indivíduos (Lakshyarta). O imediato e
aparente sentido do “EU”, é o ego, pois mesmo este é um derivado, uma imagem
tosca do Ser Interior. Através do apoio velado Dele se apresenta como o ser na super-
fície, identificando-se com, e apropriando para si, a substância sutil da “mente e da
vida” que liga o espírito à matéria, o ser com o corpo. Sendo o ego a expressão dire-
ta e imediata do “Eu”, estando centrado e configurado em cada um dos distintos e
separados indivíduos, num movimento sutil de força-vital e substância mental é de-
nominado de Jiva, neste caso. Este sentido do “Eu” é separado em cada pessoa, e,
conservando a individualidade comporta-se de forma a reforçar o caráter de distin-
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ção de cada um. Mas tal movimento do ego ou do ser aparente, tem sua raiz e apoio
em algo que é a base real da individualidade e que não se move com, ou se perde no
movimento do ser aparente – algo que é um princípio consciente e contínuo relacio-
nado com o passado, presente e futuro. Este é o Ser Real Verdadeiro, o Lakshyartha
no indivíduo, do qual o ego é o ser aparente. Este último é diferente em cada indiví-
duo diferente e é denominado comumente de Jiva Athman. Mas Athman o Ser, é re-
almente um só, o Eu de todos os indivíduos pois toda a existência é Uma. Mas os se-
res viventes (Jivas, são muitos, tanto quanto o número de indivíduos existentes. Es-
tes são almas criadas que se dissolvem no tempo, distinto do seu suporte o Ser que é
eterno e idêntico ao Eterno Infinito que conserva Sua Existência multi-centrada num
movimento interminável de formação, e dissolução. Desse modo, percebemos que
existem três sentidos distintos de expressão do “Eu”. O significado supremo do “Eu”,
seu paramartha, é o Purusha que se torna o lakshyartha, sua expressão individual,
pois este é o mesmo ser que preside sobre a existência individual, e o imediato, ou
aparente sentido do “Eu”, seu Vachya-artha, o ego, ou o ser aparente, formado tem-
porariamente para fins de individualização. Triplo é, então, o sentido do “Eu”, e é
dentro deste sentido triplo que deve ser compreendido.

5 – Sobre O Desligamento

Desligamento se diz ser a libertação da alma (Jiva) da escravidão na qual está perdi-
da. Esta escravidão tem sido descrita como sendo um nó que amarra o espírito à ma-
téria. Declarou-se também que a verdadeira natureza desta escravidão consiste num
jogo do ego, ou da consciência aparente. Por isso os Shastras prescrevem que a liber-
tação nada mais é que a dissolução do ego e indica os meios para efetivá-la. Em ou-
tro trecho dessa obra, é discutida a diferença entre o homem escravizado e o liber-
tado. Por agora basta mencionar o que é comum a ambos estados a fim de esclarecer
uma possível e indevida apreensão de que, com a dissolução do ego, a individualida-
de é também dissolvida. Quando o ego é dissolvido, ou reformado, a individualidade,
é um princípio consciente e contínuo que sobrevive ao aparecimento e desapareci-
mento do ego, e não depende deste para a preservação da sua individualidade. Este
Ser, como já foi dito, não é outro se não o Ser Infinito o qual ao manter uma indivi-
dualidade múltipla nas suas expressões derivadas fica sendo o ser de cada indivíduo
no qual, entretanto, há uma ação superficial de uma imagem do Ser denominada
ego, ou ser aparente. Este último é uma formação temporária e, como qualquer ou-
tra formação, dissolve-se com o tempo. O indivíduo no qual a escravidão é rompida,
e o ego dissolvido, retém a sua individualidade mesmo após o seu desligamento
(Mukthi). Ele pode recordar, no seu estado liberto, as experiências das suas vidas
anteriores em escravidão, deste modo ligar o passado de sua individualidade distinta
numa continuidade ininterrupta com o presente. A individualidade persiste a despei-
to da retirada do ego, estando errada a noção de que o ego é um marco permanente,
ou uma expressão eterna da individualidade. Talvez uma real e mais duradoura indi-
vidualidade comece somente após a libertação, na ausência do ego desfigurador e de
sua interferência. Por conseguinte, a vida liberta do Jivan-Muktha, é um ideal que se
realiza no indivíduo. Com efeito, esteja ou não uma alma em escravidão, a individua-
lidade persiste por ser isto um mister direto do Infinito e, de modo algum, do ego.
Certas verdades a respeito da alma liberta (Muktha), estão expostas no “Ramana Gi-
29

ta” (Cap. VII, IX e XIV) às quais nós iremos nos referir mais adiante. Embora somente
a experiência própria possa evidenciar sua veracidade, de que devemos assumir uma
vida espiritual, e ter algum tipo de experiências pessoais antes que possamos com-
preender e apreciar estas verdades, o verdadeiro estado do homem liberto (Muktha
Purusha) é descrito com muitos detalhes com referencia ao desenvolvimento maravi-
lhoso que atinge o seu corpo, vida e mente, a fim de fortalecer a fé do crítico inteli-
gente que seriamente busca a verdade e infundir-lhe interesse e ânimo. Como a es-
cravidão e a libertação referem-se ao ser aparente (Jiva) a dúvida surge se os meios
de libertação estão ou não com o Jiva. Uma resposta é possível em qualquer desses
sentidos. Pode-se argumentar que, se o Jiva é a causa da escravidão, então os meios
para a sua libertação também estão com ele. Nesse caso, sendo o Jiva uma transfor-
mação na substância sutil entre o ser e o corpo (Sukshma Deha), ele está atado na
matéria mas livre no espírito. O elemento inconsciente nele (Jada) causa a escravi-
dão, enquanto que o elemento inconsciente trabalha para sua libertação. por outro
lado, pode-se arguir que o JIVA sendo, na verdade, uma formação identificada com o
aprisionamento não pode ser a causa da sua própria escravidão. Lá ele se encontra
como sendo o ser aparente ligado a um movimento do corpo sutil do qual se apode-
rou por uma espécie de identidade. Assim, se nos lembrarmos que esta escravidão é
o trabalho do poder auto-velador (Thirodhana Shakthi) inerente ao movimento criati-
vo propriamente dito, e que a liberação é o resultado de um movimento sucessivo da
força consciente (Anugraha), a Graça, chegaremos à conclusão de que a libertação
(Mukthi) é uma questão de desenvolvimento. O poder da Graça do Senhor Supremo
de toda a Existência, o Ser Infinito, escolhe o Jiva desenvolvido (Pakva), remove a
deflexão do ser aparente nele, e transforma o ego num verdadeiro reflexo de Si
mesmo, sempre expressado como o Livre e verdadeiro “EU” no indivíduo. O Upa-
nishad é claro, neste ponto de acordo com a seguinte afirmação: “O Ser é atingível
somente aquele que Ele escolhe e somente ao escolhido, se revela”. Ficou estabele-
cido que é um movimento duplo da força criativa consciente que, através do jogo de
sua Maia, se manifesta como um poder auto-velador, que se constitui como escravi-
dão e, ao mesmo tempo, como uma força reveladora movimentando-se para a liber-
tação. Vimos desse modo ficando claro, que é o Jiva no indivíduo que nasce e desa-
parece. Ao mesmo tempo convém não esquecer que o Ser do Jiva individual, é livre
do caráter temporário do mesmo, e não está sujeito às alterações que acompanham
a formação da alma denominada Jiva.

6 – Sobre Sadhana e Siddhi

Se é através da Graça que ocorre a dissolução do ego, causando no Jiva uma reflexão
verdadeira do Ser, uma consumação que se chama autorrealização (Athmalabba),
pode surgir uma dúvida referente ao fato de o esforço humano possa ser seguramente
omitido e de que o Shastras que indicam para o Jiva os meios e métodos para a sua
libertação não tenham sentido e sejam fúteis. Essa dúvida não tem fundamento al-
gum. O ego, como o ser aparente (Jivas), mesmo tendo certa noção de liberdade,
não pode ficar inativo, e nem evitar de fazer esforço, enquanto não realizar sua real
liberdade no Ser. O esforço humano é inevitável e tem o seu propósito enquanto per-
durar na pessoa um sentimento de escravidão e dependência. A Graça da Luz Consci-
ente, que brilha sobre o ser aparente (Jiva), se cumpre através de um impulso interi-
30

or, ou através de uma compulsão de fora levando a um esforço humano. E o esforço


assume várias formas tais como meditação e concentração sobre a verdadeira natu-
reza do Ser, absoluta submissão a uma Vontade Superior e rendição a Ela de tudo o
que somos, e que temos, como sendo o caminho mais adequado a ser trilhado pela
alma humana. Há ainda outras disciplinas (Sadhanas) já bem conhecidas, ou mal co-
nhecidas, endossadas ou não pelos Shastras, ou talvez a adoção de qualquer outro
método como Raja Yoga, Manthra Yoga, Bhakthi Yoga, Jnana Yoga, Karma Yoga, sen-
do os últimos três o caminho triplo da devoção, conhecimento e ação desinteressada.
O esforço humano adota qualquer um, ou todos esses meios, seja para a realização
do Ser, ou seja para atingir o Impessoal (Nishkala), ou o Deus Pessoal (Sakala), sendo
este último o alvo de todas as religiões. Por conseguinte, o esforço humano não está
oposto à Graça Divina, por outro lado o primeiro é um instrumento da segunda. O
grande Advaita Acharia Sri Shankara, e Sri Ramana Maharshi, concordam com o ensi-
namento fundamental dos Upanishads – a unidade do ser com Brahman. Mas existem
certos pontos de vista diferentes entre eles. Os trechos que afirmam ser falso o mun-
do, irreal ou ilusório, não saltam aos olhos na leitura dos upanishads, mas são desco-
bertos através de uma busca minuciosa e são, através dela, levados a crer como
afirmativas do caráter ilusório do mundo, por algum tipo de interpretação. Em fim
não é afirmado em termos categóricos a qualidade ilusória do mundo. Sri Ramana
afirmou que a afirmação a respeito da natureza ilusória do mundo, é apenas um meio
para provocar no discípulo certa rejeição àquilo que o mundo tem de impermanente,
desse modo encaminhando-o para a busca do Ser, para aquilo que nele é permanen-
te. Também em obras revestidas de autoridade da escola do Acharia Shankara, certas
verdades ou são omitidas, ou estão superficialmente tratadas e, se mencionadas,
estão expostas de tal modo a dar origem a confusões e mal entendidos. Nas obras de
Sri Ramana Maharshi encontramos essas verdades tratadas numa linguagem clara e
inequívoca (Em Tamil: Aksharamanamala, Arunachala Ashtaka e Panchara. Em Sâns-
crito: Ramana Gita, Upadesha Sara, Arunachala Panchaka e Sat Darshana). Uma des-
tas verdades, diz respeito a necessidade da prática espiritual (Upasana) de algum
tipo pois é absolutamente indispensável a fim de se construir uma vida interior ne-
cessária ao avanço espiritual. A autoindagação ou busca do Ser, é algo bem diferente
e mais sutil que a discussão Shastrica. Esta última que é de caráter intelectual, ja-
mais poderá ser uma verdadeira busca do Ser ou uma autoindagação séria em direção
a Ele. O conhecimento (Jnana), sendo de natureza da experiência própria, ou reali-
zação (Jijnasa), são tentativas sérias para alcançar o Ser. Este forte desejo para a
realização, é a verdadeira indagação dentro do Ser, a verdadeira busca do Athman
(Athman Swarupa-Prepsa ou Jijnasa). Não é de modo algum de caráter estático, de
uma paz estagnante, ou de uma calma negativa. Este anseio lança todo o ser num
fogo consumidor, por assim dizer, aprisiona e dirige o alento-vital que está perdido
na sensação física e separando-o dos liames do corpo, fazendo-o entrar no coração
que é o Ser Real e centro do Purusha; além de afastar a mente do mundo das formas
no qual está absorvido, o impulsiona para o interior na direção da Realização do Ser.
Este é o verdadeiro, genuíno e fervoroso anseio na busca do Ser (Jijnasa). Qualquer
pessoa que possua este anseio, está qualificada para receber a sabedoria do Ser
(Adlyathma Vidya). Conhecimento védico e vedantico, Upanayan, ou iniciação con-
vencional na doutrina védica, varna ou casta, Ashrama, ou vocação prescrita para a
vida, não são os fatores decisivos no caso, independente destes, qualquer um poderá
31

estar altamente qualificado para Athma-Vidya se tiver esse ardente desejo pela sa-
bedoria (Jijnasa). Esta é a atitude não convencional e racional reveladas nas obras
bem como na vida de Sri Ramana Maharshi. Reiterando: assim como existem métodos
de práticas espiritual (Vidyas – tais como Udgitha, Samvarga, Vaisvanara, Akshipurus-
ha, Bhuma e Dahara) prescritas no Chandogya Upanishad, para alcançar Brahman,
assim também nas obras aqui comentadas, muitos métodos são sugeridos para a rea-
lização de Brahman no nosso próprio coração como nosso próprio Ser. Por exemplo,
prescreve a autoindagação (Vichara) na forma de meditação sobre as diversas verda-
des sutis relacionadas com o Ser. Também aponta métodos, tais como uma busca
insistente, ou mergulho profundo no ser, através da restrição da palavra, respiração
e pensamentos. E vários são os meios mencionados que se destinam a por sob contro-
le a mente errante como, por exemplo: o observador e a coisa observada; trindades
como conhecedor, conhecido e conhecimento, categorias de espaço e tempo, noções
de aquilo, VÓS e EU. O efeito de tais meditações é de estabilizar e refinar o sistema
nervoso, assim preparando-0 para as exigências de uma vida superior de realização
espiritual e, consequentemente desfazer os inumeráveis emaranhados da ignorância
(GRANTHIS) na mente, na vida e no corpo, assim conduzindo o buscador à experiên-
cia de Brahman, como o próprio ser no centro denominado “CORAÇÃO”. Entretanto,
a prática (UPASANA) que é enfatizada, é a realização do ser no coração (Sad-Vidya,
ou Hridaya Vidya). Esta é diferente da Dahara-Vidya, como é convencionalmente in-
terpretada pelos escolásticos. A interpretação convencional da Dahara-Vidya, é a
seguinte: como o Brahman supremo é impessoal (NIRGUNA), além da mente e pala-
vra, o buscador deve, para fins de meditação, idealizar, através da mente imaginati-
va, um conceito do Deus pessoa (BRAHMAN SAGUNA) e fixá-lo no lugar denominado
“cavidade do coração” (HRID-GUHA), meditando nele. Naturalmente, este BRAHMAN
SAGUNA é indicado para os fracos (MANDA ADHIKARIN) que não podem realizar o
Brahman supremo, que é impessoal (NIRGUNA). HRIDAYA-VIDYA que Sri Ramana
Maharshi ensinou, é diferente da Dahara vidya como acima exposta. Na Hridaya-
Vidya, não é indispensável um conhecimento intelectual, seja do Brahman pessoal ou
impessoal. Nem tão pouco é necessário conceber um símbolo espacial do Purusha,
ou qualquer cavidade como morado do Purusha. Também não é sugerido que Brah-
man Saguna seja fixado na cavidade do centro-coração imaginado Dahara Akasha, no
qual se deve meditar. Como Brahman, a existência total tornou-se o “EU” no centro
denominado coração (Hridaya), de qualquer ser humano, e lá se acha efulgente como
a imperecível Eu-Consciência, uma busca séria pela origem e apoio do nosso próprio
ser, naturalmente impulsionará o hálito-vital, ou inspirará a mente, a dirigir-se no
sentido da origem do seu próprio movimento. É nesse mais profundo movimento de
busca pelo ser, que o nó da ignorância no coração (HRIDAYA GRANTHI), é automati-
camente afrouxado, se não seccionado totalmente. No último caso, a alma é liberta-
da do cipoal físico e restituída ao Ser no coração. Com efeito, a origem e apoio do
pensamento-Eu, seja o sentido-ego, é realizado no coração como o nosso verdadeiro
Ser. O fato de atingir o Ser, conduz à realização da verdade, que é Brahman, o Ser de
toda a existência que está resplandecente em todo o coração humano como o Ser do
Jiva, assim resultando na experiência da união consciente do Ser humano (Jiva) com
Deus (Brahman). Por conseguinte, o segredo deste método prático espiritual (Sad-
Vidya ou Hridaya Upasana), é a verdade de que a autorrealização culmina na união
consciente do ser humano (Jiva) como Deus (Brahman). Esta prática espiritual (UPA-
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SANA) leva ao aperfeiçoamento e grande sucesso. O nó da ignorância no coração é


desatado, a alma libertada dos grilhões do corpo, e surge um estado de tranquilida-
de, um estado natural e sem tensão da mente equilibrada no Ser, e a uma realização
íntima no coração da unidade entre o humano (Jiva) e o ser divino (Ishwara). Por
conseguinte, é na exposição da natureza do Sat-Darshan que encontramos o seguinte:
“Viver assentada na Realidade (Existência como ela é), ao realizar a própria identi-
dade com ela, Sat-Darshan a realização da verdade, ou percepção do Ser (Athma
Darshan) este Shastra afirma que o Ser finito (Jiva) deve transformar-se em alimento
(gozo ou experiência) do Ishwara Supremo, pois nisto consiste o Athma Darshan. Por
conseguinte, temos, então duas exposições descritivas da condição exaltada na reali-
zação, Sat-Darshan e Athma-Darshan. A primeira expressão descreve aquele estado
com referência à Realidade como sendo existência, ou Ser, que é Uno, sem diferença
no Ishwara assim como no “JIVA”. Isto é denominado “Permanência firme na verda-
de” como existência (Kayvalya Nishtha). O último, Athman Darshman, é uma descri-
ção da relação entre o Jiva e sua fonte e apoio Ishwara, que é conhecida por várias
denominações, conforme o ponto de vista, como o Infinito Akhanda, o sempre imani-
festado (Nitya Avyaktha), o ser Athman e assim por diante. E esta relação é chamada
de união consciente (Sayujya), no qual a realização, ou percepção (Darshan), consis-
te em ser alimento ou gozo para o senhor Supremo. Desse modo o estado de realiza-
ção, o fruto do sucesso da realização no Ser no coração (Hridya Vidya), pode ser en-
carado sob dois pontos de vista: o firmar-se no ser como a Única Realidade (Kai-
valya), e a realização da união consciente com Brahman (Suyuja). E em virtude deste
aspecto duplo da realização-verdade, encontramos Sat-Darshan explicado num lugar,
e Athman-Darshan noutro. Do mesmo modo que o estado do ser humano que se liber-
tou da escravidão (Jivan-Muktha), pode ser compreendido e descrito de duas manei-
ras – Maharshi em dois versículos da bendição (Mangala Slokas) menciona o Nishkala
Brahman para Nistha e o Salaka Brahman como único refúgio e objetivo da união
consciente, Sayujya. Novamente, na exposição da diferença entre o homem acorren-
tado e o liberto, há um versículo notável que revela verdades profundas sobre a vida
liberta durante a existência física. Referindo-se ao homem perfeito (Siddha), que
tem a sua vida e Ser no coração, e que aprendeu a viver, agir e movimentar-se nele,
o versículo diz, “Em seu corpo o Ser está acordado e reluzente no coração; pela sua
própria luz ele impregna, apodera-se e domina o corpo, o meio ambiente e o mundo
em geral, e vive na plenitude. Quando o desabrochar atinge o homem agrilhoado, e,
sob sua tensão, os grilhões são partidos, a efulgência da consciência do Supremo e
essencial hálito vital (Sreshtha ou Prana Mukhya) que se movimenta ocultamente no
corpo como sal dissolvido n’água, retira-se dele e da consciência corpórea, e se volta
para a fonte do seu próprio movimento, o coração (Hridaya), que é a sede da consci-
ência-Eu. Entrando e recolhendo-se no coração, é capturada e “Segura” pelo seu
Senhor, o Senhor de toda a existência, lá assentado como o mais profundo Ser de
todo o indivíduo, o SER. Dali em diante, sendo dirigida por ele, toma um curso dife-
rente no seu movimento e, ao abandonar o caminho habitual da escravidão, segue o
rumo da liberdade. Assim como a luz de uma lanterna penetra através das frestas da
chaminé, essa luz consciente de vida flui do coração através de um canal sutil que na
linguagem Yóguica é chamado de Amritanadhi, Athman Jadhi, Brahman Nadhi ou
Mukya Prana Nadhi, varrendo do seu caminho todas as obstruções, apodera-se do
corpo e permeia todo o ambiente e o mundo. Em lúcida e inconfundível linguagem e
33

exposto no Ramana Guita que apesar do “EU” (Jivan Muktha) não ter movimento,
mostra a natureza do desenvolvimento, acelera a evolução de outros e não apresenta
de modo algum a inércia da pedra, igual ao aparentemente estático inconsciente.
Passagens, como as que se seguem tiradas dos ensinamentos de Sri Ramana Maharshi,
deram luz sobre a grandeza da alma que é libertada em vida (Jivan Muktha). “não
existe torpor no equilíbrio natural do Ser, Sahaja Sthithi”. “O estado de permanência
no Ser, somente esse é o Thapas (ardor da energia criadora), o desenvolvimento
ocorre momento após momento”. “Aquele que vê a sabedoria (Jnana) divorciada do
poder (Shakthi), nada sabe”. “Sahaja Nishtha, estado de repouso natural no ser, re-
sulta em desenvolvimento pelo qual poderes (Shakthis) se manifestam”. “Aque-
le estado é poder supremo, aquela paz é calma Suprema”. “Ele é um Jivan Muktha
que na existência física, vive liberto”. “Pelo desenvolvimento através do Thapas, o
Jivan Muktha, no curso do tempo, fica intangível mesmo encarnado e no curso de um
desenvolvimento posterior torna-se invisível e como ser perfeito Siddha, agora so-
mente um sublime centro de Consciência, vive livre em seus movimentos”.

7 – Sobre a Graça (p-34)

Existe um grande segredo mencionado no Chandogya Upanishad sobre a libertação


(Mukthi). A alma suficientemente desenvolvida, descobre o limite da ignorância ou,
nas palavras do Upanishad, é levada à terra firme ao atravessar o mar da ignorância
por Sanathkumara, o eterno jovem (Skanda) e grande instrutor espiritual da humani-
dade. Quando, através da meditação sobre as verdades sutis do Ser, e por outras prá-
ticas espirituais (Sadhanas), assim fornecendo alimento à substancia interior
(Saththwa), esta se purifica e se fortalece para uma firme e constante percepção
(Dhruva Smruthi) e são afrouxados os vários laços da ignorância (Granthis), a graça
divina, funcionando através de Skanda (Sanathkumara), dá o toque imediato e mani-
festo que o conduz além da ignorância, ao cortar para sempre o nó raiz (Granthi Gu-
ha) do sentido-egoico na cavidade do coração. Ele é o guru original, o grande Instru-
tor da Humanidade no qual a graça divina funciona para a elevação individual e cole-
tiva da humanidade. Nos Purunas, o guru Supremo é descrito como Sanath Kumara, o
eterno jovem, um filho mental do Espírito criador, Brahman, e também como Skanda
e Kumara, um rebento da efulgência do senhor Shiva. É o espírito Kumara, o Instrutor
Supremo que preside o destino espiritual da humanidade (na verdade o único destino)
e mantém nela a continuidade do autoconhecimento (Adhyathma Vidya) entrando e
apoderando-se da alma desenvolvida, preparada e escolhido ou, de outro modo, efe-
tuando uma união substancial com ela. Por conseguinte, a alma liberta (MUKTHA), se
diz ter encarnado a graça a fim de representar a influência de Skanda, ou até para
ser absorvido e tomado como uma parte e parcela da Divindade propriamente dita. E
muitas são estas almas libertas. Não obstante sua experiência comum da unidade do
Ser com Brahman, observa-se uma vasta diferença na conduta de cada uma delas em
suas vidas na compreensão e interpretação da experiência Suprema. Isto se deve à
diferença em sua capacidade geral, tipo e temperamento individual e também ao
estado evolutivo da humanidade à sua época e cujas necessidades é dirigida a atitu-
des destas grandes almas.logo, este Shastra, “Sat Darshan”, representa o ensinamen-
to do original e Supremo Instrutor da humanidade que o transmitiu ao mundo através
34

de Sri Ramana Maharshi no qual está em verdade encarnado com uma de suas partes,
(Nijakala).

8 – Sat Darshan (pp 35-37)


(Como esta obra foi dada ao mundo)

Esta obra foi inicialmente escrita por Sri Ramana Maharshi em versículos no idioma
Tamil, quarenta e dois em número, inclusive os primeiros dois versículos beneditó-
rios, destinados a trazer satisfação intelectual aos devotos fervorosos e metafisica-
mente inclinados. Foi transcrita para o Sânscrito, versículo por versículo, pelo grande
discípulo bem conhecido letrado e gênio, Vashistha Ganapathi Muni. Como o título da
obra indica, é uma “exposição sobre a percepção, ou realização, da verdade”. Sat
Darshan, palavra esta composta de Sat, que significa principalmente existência e em
segundo lugar, o Real, o verdadeiro; e Darshan significa “percepção”. O termo, como
está aqui aplicado, quer dizer “percepção Direta da Verdade”. Realmente, este tra-
balho se baseia na percepção direta da verdade por Sri Ramana Maharshi e disto a
obra tira o seu título, “verdadeira percepção”. Mas Darshan também significa um
sistema de filosofia, (ponto de vista filosófico n.t.), tal como Nyaya, e outros Darsha-
nas do período pós-Shruti. Mas neste sentido, o trabalho é um Darshan, uma filosofia
do Real. Sendo que estes versículos epigramáticos estão repletos de pensamentos
profundos, trazem à luz uma riqueza de conceitos filosóficos os quais fornecem ma-
terial suficiente para uma base metafísica de uma filosofia que está envolvida numa
exposição intelectual da atitude de Sri Ramana Maharshi relativa à vida e à existên-
cia mundanas. Como nada existe que seja realmente irreal, um fato frequentemente
acentuado por Sri Ramana Maharshi, este sistema filosófico pode ser apropriadamen-
te intitulado Realismo Verdadeiro ou “Realismo Ideal”. É desnecessário dizer que
este Shastra não pretende apoiar, ou refutar os sistemas filosóficos atuais tais como
Saivite e o Vaishvite, o Dwaitha e o Adwaita. Não segue o método de especulação
metafísica pelo qual é caracterizado o Nyaya, e outros sistemas do período Suthra.
Nem tão pouco pretende, como as duas Mimansas de Jaimini e Badarayana, harmoni-
zar ou remover dúvidas e noções errôneas no texto das escrituras ou outras declara-
ções autorizadas das grandes almas. Do mesmo modo que as palavras sagradas do
Veda em Tamil do Santo Nammalvar, ou do Manikya, Vachaka, e dos textos do Upa-
nishads, as palavras de Sri Ramana Maharshi, são um pronunciamento original e inde-
pendente baseado na sua experiência pessoal. Apesar de apoiar e elucidar outras
afirmações autorizadas, oriundas das escrituras, e de outras Grandes Almas, as pala-
vras do Grande Mestre Sri Ramana Maharshi tem um cunho de origem independente e
de validade, uma vez que estas surgiram diretamente d’Ele. N.T. Já que toda esta
obra foi preparada estando ainda vivo Sri Ramana Maharshi, é de supor que foi apro-
vado por Ele pessoalmente antes de ser editada e entregue ao mundo, o que garante
sua autenticidade como valor espiritual inquestionável.

9 – A Grande Alma (p 37 e 38)

No seu décimo sexto ano de idade, o grande Acharya Shankara, conforme a tradição,
completou o seu inigualável Bhashya sobre os Brahma-sutras e cumprindo o trabalho
do Instrutor Supremo, Guru Karana, estabelecendo a identidade de Athman com
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Brahman, elevou-se a posição de Guru Jagat ou Instrutor do mundo. No seu décimo


sexto anos de idade, o Grande devoto, Santo Jnana Sambandha, um ornamento do
famoso quarteto de Acharyas do Shivaismo, completou a sua missão terrena e alcan-
çou o Lar do Senhor a quem adorava e reconheceu como o seu próprio pai, e cuja
delegação cumpriu em sua vida terrena. Justamente ao completar o seu décimo sex-
to ano, o grande profeta e Sábio Sri Ramana Maharshi, por medo à morte procurou
em si mesmo o Conquistador da Morte, tendo passado pela experiência de sentir o
seu Ser Interior no coração, como algo distinto do seu próprio corpo; e através de um
supremo impulso de vontade, reconheceu o Pai do Universo como sendo o seu próprio
Pai e, a seu comando, renunciou ao estado de ego, alcançando ainda nesta vida ter-
rena, o lar do seu Pai que descreveu nos seus hinos como sendo a Rocha Imutável da
Paz, o oceano ambrosíaco da Graça, o Amor Supremo, o Deleite Inefável, o Ananda
do Real. Sua vida lança uma torrente de luz sobre o grande ensinamento místico do
Upanishad, “Grande será a vossa perda, se não realizares aqui, então haverá verdade
para ti”. Sempre benévolo em vir ao encontro daqueles que necessitavam de ajuda
na maneira mais adequada a cada um, derramava ideais enobrecentes e irradiava
influência edificante, constantemente espargindo ao seu redor e esplendor e a glória
da sua vida interior. Eis em verdade uma vida Divina encarnada na terra, um Shanka-
ra ao dar, por mandamento e prática, a dádiva do autoconhecimento ao mundo das
almas fervorosas que aspiram pela libertação. é um Sambandha (possivelmente refe-
rente à reencarnação do Santo Jnana Sambandha) no espírito de devoção ao pai do
universo, um celibatário livre do sexo e das posses mundanas, uma alma liberta da
ilusão (Maia), um filho de Maia, a mãe Divina. Assim foi o Grande Profeta e Sábio Sri
Ramana Maharshi.

10 – Nota
(Comentários sobre a Alma Individual)

O Tema da “Alma Individual” (Jiva Vyakthi), foi até agora tratado de uma maneira
não convencional. Em alguns trechos, o Jiva é mencionado como sendo ego; em ou-
tros, como sendo uma forma da consciência e ação; e ainda em outros, é tomado
como significando individualidade. No comentário referente à segunda metade do
versículo 26, afirma-se que os termos ego (Ahamkara), nó (Granthi), escravidão (Vi-
banda), corpo sutil (Sukshma Sharira), mente (Chetha), o ciclo de vida e morte (Bha-
va ou Samsara), e ser vivente (Jiva), mesmo referindo-se de certo modo a mesma
coisa, não são sinônimos nem intercambiáveis, mas significam funções diferentes de
algo formado entre o espírito e a matéria, entre o Ser e o corpo. Também está esta-
belecido que, com a desnutrição do ego, não ocorre a dissolução da individualidade.
A fim de garantir que os termos acima mencionados sejam compreendidos nos seus
corretos sentidos, nas relações entre si, e não confundir um com o outro, explicações
razoáveis são apresentadas no Bashya, bem como no Bhoomika, a fim de elucidar,
aqui e ali, e ajudar às mentes devotadas na busca da verdade, a encontrar a harmo-
nia entre as diversas conclusões dos diferentes sistemas filosóficos. Objetivando eli-
minar todas as dúvidas propõe-se sejam recapitulados aqui de maneira breve, a es-
sência da argumentação sobre a alma individual (Jiva Vyakthi). No Upadesha Sara de
Sri Maharshi, menciona-se em conjunto a mente e a força vital como um ramo bifur-
cado originário da mesma raiz, a força-consciência, sugerindo que este é o Jiva ou
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alma vivente, como ego nele formado e como centro de atividade. Esta capa (veícu-
lo) constituída de mente e vida (força vital), é denominada corpo sutil neste Shastra.
Enquanto houver este corpo sutil, existirá individualidade, uma vez que esta última
necessita de um tipo qualquer de forma grosseira ou sutil, para sua manifestação.
Como este corpo sutil é uma formação, e portanto sujeito a espaço e tempo, é disso-
lúvel. A dissolução da individualidade no imanifestado, da mesma forma que sua
emanação “d’ele”, não é determinada por sua própria escolha, mas está na depen-
dência absoluta da vontade do infinito imanifestado (Avyaktha Akhanda). Esse corpo
sutil denominado Upadhi (veículo N.T.) por alguns, é a base da atividade vital e men-
tal mundana do homem escravizado, assim como a alma liberta. Quando este
Sukshama Sharira não está suficientemente desenvolvido, permanece como fator
escravizante, um nó entre a matéria e o espírito, uma prisão do “EU” no corpo. Atra-
vés da força do inconsciente, que é o elemento preponderante nele, o corpo sutil é
parcialmente absorvido, ou submerso na matéria (Jada) dirigido, é claro, por um re-
flexo disforme do Ser aparentando-se como imagem nela formada como “ego” (Ah-
amkara). Num estado avançado, esse ser individual vivente, liberta-se dos liames do
corpo pela preponderância do elemento da força consciente que o libera das cadeias
da matéria. Assim à medida que o corpo sutil evolui, este absorve de um modo mais
acentuado a força consciente que elimina, ou transforma o elemento do inconsciente
(Jada) no corpo sutil, e o ego cede a pressão da força do Ser-conciência. À medida
que o ego (que é apenas o ser aparente), se dissolve, o sentido imediato do “EU”
renasce, por assim dizer no “EU” real que sempre foi representado por aquele ego. O
que realmente acontece neste processo de libertação, é o seguinte: quando através
da evolução do corpo sutil, no qual se encontra firmemente enraizado o ego, com sua
postura de Ser Real, é atormentado por um sentimento que mostra sua própria fra-
queza e falsidade. A consciência totalmente desperta do Purusha, o espírito sediado
no coração, encontra um verdadeiro reflexo no corpo sutil logo desalojando o ego ou
transformando-o no puro “EU” (Suddha Ahambhava). Consequentemente ao nasci-
mento do puro “EU” a alma Real, o corpo sutil sofre uma notável modificação, trans-
formando-se num verdadeiro veículo da alma assim formada. Uma vez libertada dos
liames do corpo físico, este corpo sutil fica sendo uma verdadeira expressão da indi-
vidualidade fiel do Ser Original, e um centro individual para a sua consciência Su-
prema. Por essa razão encontramos as seguintes expressões: - “Então surge outro
“EU”; ego esta não é; perfeito é aquele, o próprio Ser Supremo”. “O Supremo não é
diferente do coração, do Ser no coração”. “Ele brilha após ter devorado o
ego...Qualquer coisa que veja, não a vê separado do seu Ser”. Por conseguinte, a
pessoa liberta em vida dos grilhões físicos não cai num movimento separatista, nem
tão pouco cede ao engodo da diversidade aparente, mas percebe a diversidade na
unidade, e sente a unidade na diversidade. Apesar de estar plenamente consciente
do modo divergente com o qual é encarado pela inteligência dos outros que vivem na
ignorância, sua própria vida individual na terra é guiada pelo Senhor Supremo de to-
dos, pelo “Eu”, controlador de tudo, independente, eterno e sempre imanifestado e
assim é uma resplandecente manifestação do coração, o centro secreto do espírito
no homem. Esta alma liberta seja aqui ou além, e, a despeito de ainda estar de posse
do corpo material, acha-se firmemente sediada no ser infinito.
37

O Bhashya

(VERSÍCULO 1)

“Sem algo que exista, pode haver noções de existência?”


Livre de pensamentos, ele está lá, o Ser eterno chamado o Coração. Como então
concebê-lo eis a questão?
– Ele o Uno inconcebível. “Concebê-lo é apenas sê-lo no coração”

COMENTÁRIOS
(A todos os versículos seguem-se comentários N.T.)
Sem algo que exista, pode haver noções de existência? A própria pergunta sugere a
resposta exata: sem a existência não pode haver noções da mesma. Variadas são as
noções aventadas sobre a existência, tendo como base e pressuposição a Existência
Una. Mas a própria existência é o fator comum de todas as variáveis e contraditórias
noções ocasionadas por objetos externos ou pensamentos internos. Estes em si variá-
veis, unem-se ao sugerir que o Uno existe. A fim de que a existência (Satha) não seja
erroneamente tomada como sendo um conceito classificatório, significando uma clas-
se dentro das existências neste mundo de nomes e formas, cheio de vários grupos de
objetos; são utilizadas a palavra “existência no singular, e noções no plural, para
sugerir que este mundo de nome e forma, com os seus inúmeros grupos, e espécies
de objetos sem fim, tem como fonte e apoio algo que é denominado por vários nomes
tais como: O Real, a existência Una, o Ser, o Infinito, o Brahman, aquilo que é verda-
de essencial dos Vedas, e o sujeito da experiência íntima. É justamente por causa
disto “algo presente em todo o lugar, dentro e fora, que tudo o que é visível, seja
este real ou não, ocasiona e sugere a noção do Eu. Este algo que existe e que nós
denominamos Brahman, forma a base de todas as existências e, por conseguinte, está
presente em toda a parte. Embora presente em toda parte, ainda assim o coração
(Hridayam), é enfatizado como sendo sua sede especial. “Livre de pensamentos, ele
está lá no coração, o Ser Interno chamado o coração.” Como é possível o Brahman
estar presente no Coração sendo ele ao mesmo tempo onipresente? Apesar de estar
realmente presente em toda a parte, acha-se luminoso no coração de todo o ser vi-
vente, como o seu próprio ser. E todo o indivíduo está principalmente interessado no
seu próprio “Eu” antes mesmo de começar a pensar sobre a existência fora dele.
Sendo que é direto, natural e fácil realizar esta toda-presença, o Brahman em nosso
ser, através da noção – Eu da qual é a base, se diz que Brahman está presente em
todo o ser com o seu próprio espírito “Eu”. Pelo próprio “Eu” em cada um de nós,
queremos apontar o sujeito da experiência íntima e a consciência “EU SOU”. Aonde
tivermos essa experiência, lá é o lugar denominado – Coração. Por conseguinte, ao
lermos na segunda linha “ele está lá”, o ser interno o sentido está claro que é a exis-
tência Real, ou o Brahman onipresente, expressado na primeira linha do versículo, é
o ser interno em cada um de nós, o nosso ser. Assim como os raios solares dispersos
são focalizados por uma lente num feixe de luz e calor intensos, analogamente po-
demos entender a aparência luminosa do Onipresente Brahman no coração como o
“EU” de cada um, na forma da experiência “Eu Sou”. O termo sânscrito “Hridayam”
indica que é um centro, um lócus da alma. Literalmente quer dizer “O ser está aqui”.
Sendo afirmado haver um centro do ser na existência física, tal centro é necessaria-
38

mente espacial e é apreendido pela inteligência como estando sujeito ao espaço. A


dúvida poderá então surgir se o Ser está e é dependente de qualquer outra coisa
além de si próprio. A fim de remover tal dúvida, o próprio Ser é denominado o cora-
ção. O Ser não está apenas no coração, mas é o próprio coração. Este é o livre e
eterno Ser que está centrado no Ser vivente como o coração, o “Eu-Real”, o ser-
existência, e é corretamente visto como estando localizado lá, sem apego algum às
manifestações como mente, força vital e corpo, este desapego significa liberdade de
movimento enquanto contribui para a sustentação destes. Por conseguinte, é afirma-
do que Brahman, a existência real, é o coração propriamente dito, o centro do ser,
mas que também pode ser considerado, pela mente externa, como o ser localizado
no centro-coração. Fica esclarecido, consequentemente, que o coração e Ser em
todos os indivíduos é idêntico pela razão que ambos referem-se à mesma e intensa
consciência-Raiz da autoexistência, à mesma consciência suprema. Do ponto de vista
Universal, também o Brahman é o coração, o centro-Ser que é o Ser de tudo aquilo
que veio a ser. Brahman é a essência e o segredo de toda a existência e, consequen-
temente, pode ser verdadeiramente chamado O Coração. Outrossim, homens que
realizam o ser, afirmam que o ser é a base da noção “EU”, a fonte-raiz do movimen-
to mental tal como o do conhecedor e o conhecido e, desta forma, é denominado o
coração. Realmente, o pensamento-eu é a raiz de todos os pensamentos. A esta altu-
ra poderá surgir a seguinte dúvida: se todos os pensamentos surgem de um centro
comum, isto é, do pensamento-raiz “EU”, e são intimamente relacionados como o
Ser, este último sofrerá uma modificação nas suas manifestações mentais, e ao ficar
assim sujeito a mudanças sem fim, estará passível de desaparecer totalmente? Para
evitar tal dúvida, se diz que ele, no coração, está livre de pensamentos (Chitha-
Rahtha). Aqui a palavra Chitha relaciona-se com todas as criações mentais. O Ser no
centro da entidade, o coração, enquanto for o apoio e a fonte de todas as criações
mentais, retém a inalterabilidade radical como o Ser, e por ser o Brahman que está
reluzindo no coração como a radical Eu-consciência, sua continuidade perene que
sustenta a noção da identidade pessoal permanece inatingida pelo fluxo incessante
dos pensamentos que surgem nessa identidade, como parte do movimento geral ori-
ginário de suas expressões criadas, cujo caráter é a constante mutação. (note-se o
quão foneticamente próximo está da pronúncia da frase em Inglês “Heart I AM” que
quer dizer “Coração eu sou”. Por conseguinte, a asserção é inquestionável de que o
ser que está no coração, e que também é o coração, é Eterno e de modo algum sujei-
to a mutações do movimento mental. Mesmo como fonte de todos os movimentos
mentais, ele continua sendo o eterno e inalterável Ser. Aqui se apresenta uma difi-
culdade. Se o ser, o coração está além do pensamento, isto é, não admite uma apro-
ximação através do pensamento como podemos ter uma concepção dele? Como está
no versículo, “como concebê-lo eis a questão?” Devemos admitir que não pode ser
concebido. É inconcebível. Sendo por si o apoio e fonte da mente não pode ser avali-
ado por ela, pois o coração é bem mais sutil que a mente à qual da nascimento. Em
primeiro lugar, como já foi declarado por inferência e sugestão, a existência real,
Brahman do Upanishads, é onipresente e é a base de toda a existência, objetiva e
subjetiva. Originando a noção básica do “Existir ou Ser” em ambos os mundos mani-
festados: interior e exterior. Na linha seguinte afirmou-se que Brahman ou a realida-
de ao tornar-se o coração de todos os seres, brilhando como seu “eu” distinto, deve
ser descoberto como seu próprio Eu no coração, seu mais íntimo ser. A fim de impri-
39

mir a noção de que, apesar de haver muitos seres individuais distintos, o Ser é real-
mente, um em todos eles, este Ser é proclamado como o “Uno inconcebível”. É o Ser
uno que aparentemente tornou-se os distintos “eus” dos indivíduos que são suas for-
mações. É inconcebível no sentido de que não pode ser pensado em termos que im-
pliquem uma relação tal como a do conhecedor por ser o absoluto, isento de todos os
relativos, os quais resultam de seu próprio poder que lhes dá surgimento. Assim, se o
Ser supremo de todos nós reside em nosso Ser Interior o coração, mas ainda assim
está além e por detrás de todos os nossos pensamentos, como poderemos contemplá-
lo? A quarta linha do versículo fornece a resposta. “Concebê-lo é permanecer nele,
no coração. Permanecer fixado no Coração, o Centro-Ser que não precisa de apoio
externo, nem depende de algum pensamento ou objeto para sua autoconsciência, é a
única forma de contemplá-lo. É óbvio que o termo “concepção”, não pode traduzir o
significado desse estado. A sugestão é que o pensamento conceptual deverá aprofun-
dar-se e reduzir-se a uma percepção direta a fim de se transformar num verdadeiro
molde e reflexo da Real Autoconsciência. Deve-se lembrar que, assim como a exis-
tência objetiva é a base e o apoio de todos os objetos nela incluídos, e no ser subje-
tivo o pensamento Eu é a raiz de todos os pensamentos, assim também a experiência
do “Eu Sou” no ser é a raiz de todas as experiências, embora continue livre do movi-
mento de pensamentos dos quais é a base. Por conseguinte, quando as formas-
pensamento diversas são forjadas numa unidade homogenia, e assume a forma de um
único movimento, o do pensamento-Eu, que é a base persistente de todos os pensa-
mentos, a não-criada autoconsciência, que está sempre lá, dando nascimento e apoio
ao pensamento-Eu no Centro-Coração, culmina numa experiência viva para o próprio
movimento mental. A meditação ou contemplação sobre o Ser, depende, então, de
um fluxo de pensamento incessante e único dirigido a ele, um movimento firme e
constante fortalecido pela convicção de que o Ser está lá como a consciência radical
no coração, como o nosso próprio Ser mais profundo do qual surgem todos os pensa-
mentos, e para o qual voltam. Isto é denominado a “Arte espiritual do Coração” (Hri-
daya Vidya). Por conseguinte, este versículo, após afirmar que o Brahman, a Realida-
de, é o coração de todos, e está no coração de todos, e está no Coração de todos
como o Ser além do alcance dos sentidos e independente da mente e de outros ins-
trumentos, deve ser realizado somente pela experiência direta. O versículo prosse-
gue indicando o caminho da meditação que é de natureza consciente. Essa meditação
consciente representa, em termos graduais, uma união dos diversos pensamentos
com o pensamento-eu, uma união da mente com o Ser, do Ser com o Brahman, o Ser
Supremo. Assim das quatro frases do versículo, a primeira faz uma pergunta sugestiva
a fim de criar interesse na indagação pela verdade, o Real, que está presente em
toda a parte. A segunda fornece a resposta a respeito da busca exterior do Ser. Es-
clarece que a busca mental sobre Ele no mundo exterior, é ao mesmo tempo enfado-
nha e fútil, e que a resposta está no Ser interno denominado Coração, e que a inda-
gação dirigida para o interior é fácil, natural e direta. A terceira linha levanta a
questão: “Se a mente não o pode alcançar, ou abrangê-lo, qual é o caminho para
conhecê-lo?” a quarta linha dá a resposta esclarecendo que os pensamentos diver-
gentes devem ser concentrados num só movimento-pensamento dirigido à ideia do
Ser, através do processo denominado “Hridaya Vidya”, que consiste em treinar e
moldar a mente harmonizando-a com a real natureza do Ser obtendo-se assim a ver-
dadeira sabedoria do Ser. Em relação ao exposto, parece ser oportuno dar a versão
40

em português (traduzindo do sânscrito para o inglês) de um verso de Sri Ramana


Maharshi que nos dá, numa forma reduzidíssima, a essência do Hridaya Vidya, a sen-
da mística do coração: “Na cavidade do Coração, o Brahman Uno, como o sempre
existente Eu, brilha diretamente na forma do Ser. Entrai para dentro do Coração com
a mente indagando, ou n’ele mergulhando profundamente, ou pela retenção da res-
piração, estejais firmemente estabelecido no Ser.”

VERSÍCULO 2

“Rapidamente perdem seus seres aqueles que por medo da morte


Procuram refúgio no Senhor, o conquistador da morte.
Então por sua própria natureza são imortais.
Que significa então, o pensamento da morte para eles?”
Eles são grandes e reconhecem que nada neste mundo pode conquistar a morte para
eles; e deste, do mais invencível de todos os medos procuram a proteção do Senhor.
O que acontece quando procuram refúgio no Senhor por medo da morte? “Aqueles
logo perdem os seus seres”. É óbvio que não é o Ser real que morre, pois este é imor-
tal. É a ideia-ego (Aham Mathi) que é forçada a desaparecer no momento que nele
procura proteção do qual derivou seu Ser. É o ser-ego que fica abatido pelo temor. E
o que é este ego? É uma representação persistente do Ser-Real na superfície, um re-
flexo do Ser; é o ser aparente, o sentido imediato do “Eu”. Este identifica-se com o
corpo e diz: “Eu sou independente e separado de qualquer outra existência; Eu sou
este corpo, este corpo é meu”. Esta noção é inicialmente formada na mente e a aju-
da a dar seu apoio ao movimento separatista e a interesses divididos da vida física na
terra. E quando dizemos que é o ser-ego que se perde a si mesmo ao aproximar-se do
Senhor conquistador da mente, conclui-se que não há formação de ego no ser Real, o
qual é o Senhor de toda existência e está sediado no coração, já referido no primeiro
versículo. Eis a razão pela qual se afirma que é o próprio ser aparente e imperma-
nente quem está na superfície e não nas profundezas interiores. Fica claro, por con-
seguinte que, no homem, o que realmente é atingido pelo temor é o ego, o qual,
sendo uma formação capaz de se dissolver, naturalmente morre. Bem, aonde é que o
ser-ego procura a proteção do Senhor? Evidentemente no próprio coração. Mesmo
que o ego, circunscrito que esteja no seu próprio movimento, tente procurar o Se-
nhor fora de si mesmo, ele está realmente no Coração como a sua própria Realidade
final, o Ser-Existência. Por conseguinte, quando o ego procura a proteção do Senhor
com intensidade, o fardo que carrega e todos os seus interesses, ou são esquecidos,
ou são automaticamente entregues ao Senhor. Assim, se o ego é despido de todos os
seus interesses e de suas vestes, este cessa de ser o ego. São os múltiplos interesses
do ego que tecem em torno de si uma teia de noções, construindo, assim, um mundo
pessoal de formas e de consciência enganadoras e ilusórias, reforçando-as na sua
fantasia através de uma existência pessoal exclusiva e separada reivindicando de
maneira falsa e errônea tudo quanto a rodeia. Mas se todos os seus interesses são
focalizados e arrebatados num único interesse supremo, então o ego perde suas asas,
por assim dizer e é dissolvido, ou transformado num molde verdadeiro, ou reflexo do
Ser real, o Senhor no Coração, o Imortal sem nascimento e morte. Assim na terceira
linha temos: “Então por natureza imortais são”. Aqueles que perdem o seu ser-ego,
por terem procurado a proteção do Senhor, ganham o Ser-real e, sendo este imortal,
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ao contrário do ser-ego, são chamados imortais. Do ponto de vista divino e espiritual,


ser imortal é natura, e, do ponto de vista humano e mental, ser mortal também é
natural. Como é o ego que se identifica com a mente, com o vital e com o corpo os
quais perecem aos pés do Senhor, se diz que “Aqueles logo perdem seus seres”, isto
é, seus seres-ego. Eles se tornam imortais em virtude da sua união consciente com o
Senhor Imortal que está sediado no Coração. Não ficam todos sendo um com Deus,
seu centro Supremo? Não seria melhor dizer que eles se transformaram no Imortal
por ser o Senhor Uno, o Ser Real dentro de todos os Seres? Não. É verdade que o ser
Uno (Athman) ficou sendo o apoio do ser-ego de todos; mas quando o ego perece, a
individualidade do Senhor, como seu ser Real, não se dissolve com o ego. O fato é
que a imortalidade do Senhor Imortal não está de modo algum manifestada no indiví-
duo enquanto e ego mortal não se esgotar. Esta imortalidade começa a manifestar-se
no indivíduo cujo propósito do ego foi completado seja através de seu desapareci-
mento ou transformação, num verdadeiro molde do Senhor ( ou o ser Real), perdendo
desse modo, o seu caráter como ego. Esta transformação é geralmente mencionada
como sendo a morte, ou desaparecimento do ego. Este ego, então, descobre sua Real
origem e torna-se um verdadeiro molde do Ser como individualidade distinta e, por-
tanto, a alma individual do Ser Supremo. Eis porque o plural “Mortais” é empregado
para indicar, a distinta individualidade de tais almas, sendo verdadeiros moldes do
Ser na união consciente com o Supremo Imortal, sediado no Coração. Portanto na-
queles Seres santos que se refugiaram no Senhor de toda a existência, o ego, que os
antigos descobriram ser o nó físico-psíquico chamado Granthi no seu idioma, é desa-
tado, ou seccionado, e com a dissolução deste nó radical, todos os outros liames da
ignorância desaparecem. Como então, é possível a esses seres perderem-se na cons-
ciência física e serem desencaminhados pelo ego mortal quando estão firmemente
estabelecidos no conhecimento pela identidade e na Suprema experiência do seu Ser
Real, o Divino Imortal? Notem que este versículo acentua a necessidade e justificati-
va da senda devocional (Bhakthi) que consiste de uma atitude de rendição (Prapathi).
Mas a rendição pode ser total somente para aqueles que estão no estado de perma-
nência no Ser, referido no 1º versículo. A busca do Ser no Coração, ocasionada por
algum sentimento de necessidade, ou medo da morte, como foi o caso de Sri Ramana
Maharshi, resulta numa entrega de tudo o que o indivíduo é, e tem, aos cuidados do
Senhor. De fato este versículo de invocação, esclarece a vida interior de Sri Ramana
Maharshi e sua experiência pessoal. É um fato bem conhecido que foi por sua busca
de proteção contra o medo da morte (ao atingir o seu 16º ano de idade) que se inici-
ou o processo da estruturação da sua vida interior que o conduziu ao Pai, o qual ele
descreve como o Ser Eterno e Uno de todas as almas e de todas as existências. Eis
porque menciona ser o medo da morte que ocasiona a rendição em vez de explicita-
mente afirmar que a entrega por amor a Deus é o meio correto e natural, sabendo-se
que ele é nosso Ser profundo, o nosso Bem amado (pai), e em verdade, “Todos são
Ele”, como diz o versículo seguinte. Deve-se observar de passagem, que o medo da
morte é, de todos os medos o mais difícil de vencer, e, por ser o mais natural, é o
menos ilógico. Não existe proteção de outra fonte contra a temida morte, exceto a
do Ser único realizado pelo indivíduo. Desta forma, vemos que o estado de perma-
nência no Ser (Nishtha), e a entrega (Prapatthi), conduzem à mesma meta. Apesar da
atitude na senda do conhecimento (Jnana) ser diferente daquela na senda da devo-
ção (Bhakthi), devido a diferenças existentes nos temperamentos e desenvolvimento
42

dos devotos e buscadores da verdade, o estado de Autorrealização termina com a


rendição de tudo aquilo que o indivíduo é e tem, ao Supremo e, por outro lado, esta
entrega é consumada no conhecimento do Ser... Desta forma, Sri Ramana Maharshi,
não vê contradição alguma entre as sendas do conhecimento e devoção (Jnana e
Bhakti). Estes dois versículos no início desta obra, indicam a dupla senda do conhe-
cimento e devoção, afirmando o Brahman impessoal (Nishkala) como o sujeito do
estado de permanência no Ser (Nishtha), e recomenda invocar a graça de Deus pesso-
al (Sakala), como a meta suprema da autoentrega. Resulta também que este início
do Bhashya concorda com a sagrada convenção de se começar um trabalho desta na-
tureza, com uma oração dirigida à nossa deidade predileta, Ishta Devatha.

VERSÍCULO 3

“De mim e do mundo


Toda a causa admite um Senhor e poderes sem limites,
Neste mundo-quadro, a tela, a luz, o observado – todos são Ele o Uno”.
Já comentamos sobre os dois primeiros versículos de benção. Este versículo realmen-
te dá início ao Shasthra. A causa do mundo e de mim, é admitido por todos como
sendo o de poderes sem limites. O mundo é o que vejo em torno de mim, o objetivo
da percepção dos sentidos. Eu próprio sou o aparentemente consciente, autoevidente
“Eu”, denominado “o ser vivente” (Jiva) distinguido por identidade pessoal. Ambos,
Eu e o mundo, estamos em mudança perpétua e este fato pressupõe uma causa, um
poder tão ilimitado quanto este vasto universo, Eu e outros seres somos formados por
Ele, vivemos, nos movemos temos nossa existência N’ele. Esta causa é o Senhor Deus,
o Onipotente. Por esse motivo, para não se deduzir que a tríplice verdade, Deus-
mundo-alma, seja tomada como negação da não-dualidade (Adwaitha) a unidade de
toda existência, a analogia do artista e do quadro é representada. Este mundo de
nome é forma, é o quadro; Deus é o Artista Supremo que, possuindo a técnica e po-
der ilimitado, desenha o quadro. Ele também tem capacidade de ver a sua própria
obra, logo, Ele é o observador. Todos os materiais necessários para pintar o quadro
são diferentes do artista humano que o pinta, enquanto a técnica e a própria visão
são inerentes e inseparáveis deste. Mas no caso de Deus, o artista Divino, que cria o
quadro-mundo, o material para fazer o mundo, está inerente N’ele. “todos são Ele”,
a tela na qual o quadro do mundo é pintado, a própria pintura que é o mundo de no-
me e forma, e a luz, sem a qual não se pode ver, mesmo tendo olhos. Por conseguin-
te, Ele o Deus Uno, é também os “muitos” e nada existe que não seja ele. Assim o
Uno verdadeiro, o Brahman de poder ilimitado, é o sujeito, o objeto, e os instrumen-
tos, e tudo isso representa apenas modos diferentes da sua existência. Ele é o mate-
rial assim como a causa eficiente de tudo, do mundo (Jagath), assim como a alma
(Jiva). É nesse sentido que os Upanishads proclamam: “Tudo é verdadeiramente
Brahman”. “Através do Ser vivente possa eu diferenciar a existência em nome e for-
ma”. Se é um fato que a Suprema Existência Una veio a ser a tríplice verdade, Deus-
mundo-alma, como pode ser que a realidade Suprema e Una não é assim compreen-
dida, e que estamos frente à multiplicidade?

VERSÍCULO 4
43

“Deus, mundo e alma


Desta verdade tríplice, todas as religiões procedem.
Enquanto o ego reinar, os três estão separados.
Transcendendo todos os estados, está a permanência no Ser aonde o ego se perde”.
Todas as religiões começam com a tríplice verdade, Deus-mundo-alma, mas isto não
termina aí. Até mesmo o monista absoluto (Adwaithin), admite a trindade na exis-
tência fenomênica. Então, se a verdade essencial de toda a existência é uma Supre-
ma Realidade, como pode assumir forma tríplice: Deus-mundo-alma? “Enquanto o ego
reinar, os três estão separados”. Estes três estão separados entre si somente enquan-
to perdurar o ego. É justamente o ego que institui esta categoria tríplice do Uno que
existe, o Real. Mas há um estado no qual isto é superado, e viver nele, é o Supremo
estado de repouso no Ser. “Transcendendo todos os estados está a permanência no
Ser aonde o ego se perde”. Existem muitos métodos de disciplina espiritual recomen-
dados pelas escrituras, e este de manter a permanência Suprema no Ser, é o mais
importante de todos. Isto porque como resultado da dissolução do ego Brahman, a
realidade Suprema e fonte da verdade tríplice se revela à percepção direta, à expe-
riência imediata. É a natureza do ego que faz com que o Uno indivisível, Brahman
Supremo, apresente-se como uma verdade tríplice, como uma múltipla existência.
Este ego é mencionado como sendo um nó (granthi), uma obstrução à percepção da
verdade sobre a realidade Suprema. Sendo que Deus, mundo e alma não são apreen-
didos como três existências separada na ausência do ego, as disputas e conclusões
dos sistemas filosófico-religiosos, que tentam resolver o enigma do mundo, como por
exemplo, se este é real ou irreal, não contribuem muito para o conhecimento da ver-
dade. Vejamos o que diz o versículo seguinte a respeito.

VERSÍCULO 5

“Tudo isso é o Real, o consciente, o deleite”.


“Não é o oposto”. Tais são discussões vãs.
Agradando a todos, acima da incerteza, paira o estado exaltado,
Aonde o ego não vive, nem o mundo é visto.
A disputa filosófica com referência a irrealidade ou realidade do mundo, se é consci-
ente ou inconsciente, se é triste ou feliz, são todas fúteis porque a solução do pro-
blema está fora do alcance do intelecto. Somente no estado exaltado do Ser, é que
podem ser removidas as dúvidas e noções errôneas. Naquele estado, o mundo por nós
apercebido, não é visto como uma existência separada de nós, nem é o sentido-ego
ativo nele. As dúvidas e incertezas, referentes a se tudo isto é real, ou irreal, consci-
ente ou não, com deleite ou não, não podem surgir. Tal estado Supremo, não so-
mente é aceitável por todos, mas é igualmente considerado desejável por todos,
dualistas e não dualistas, sem exceção. Os diversos sistemas filosóficos religiosos,
mesmo aqueles que se opõem uns aos outros, como o dualista (Dwaitha), a monista
não dualista (Adwaitha) apesar de descordarem em certos fundamentos, concordam
com a necessidade de uma disciplina interior qualquer como, por exemplo, a senda
da devoção (Bhakthi Yoga), ou a senda do conhecimento (Jnana Yoga), a fim de rea-
lizarem seus respectivos propósitos; e, em nenhuma prática espiritual (Sadhana),
sincera, existe lugar para o pensamento do mundo ou para o ser-ego, porque a disci-
plina seguida em qualquer método, apóia-se num esforço concentrado do indivíduo
44

no sentido de alcançar o Ideal, a meta, seja esta a verdade, o Ser, ou Deus. Por isso,
é afirmado que o estado exaltado do Ser, aonde o ego não existe, nem tão pouco o
mundo é visto, acha-se livre de todas as incertezas que, até o fim, afligem a mente
intelectual a qual é treinada, ou habituada, a movimentar-se entre as probabilidades
e possibilidades. Neste versículo, existem três conjuntos de alternativas com a suges-
tão tenuamente velada, de que a verdade do mundo, não é existente, mas não é
inconsciente, mas se consciente, não é tristeza mas deleite. Logo, a verdade final,
existência-consciência-felicidade (Sat-Chit-Ananda), é afirmado como sendo um as-
sunto de experiência pessoal para ser conseguido pelo estado de permanência no Ser
(Nishtha), e nunca por um conhecimento intelectual de argumentação Shastrica. Por
estar implícito que este mundo não é inexistente, nem inconsciente, etc., pode-se
verificar que o dualismo Samkhyam, e o Nihilismo Jaina e budista, não estão de acor-
do com os ensinamentos de Sri Ramana Maharshi. Em conseqüência da ausência de
diferença entre sujeito e objeto (o que vê e o visto) no Ser Infinito no qual o mundo,
a alma e Deus encontram sua unidade, o próximo verso menciona o Ser Infinito sem
forma como o olho único ilimitado.

VERSÍCULO 6

Para aquele que sustenta que o Ser tem forma,


Deus tem forma, assim como o tem o mundo.
Mas quem está lá para ver no Ser sem forma?
Ele mesmo é o olho ilimitado, uno e pleno.
Se o observador é um ser provido de corpo, o mundo e o senhor que são vistos, tam-
bém tem uma existência corpórea e a incorporação não é necessariamente física nem
tão pouco é usada para indicar somente aquilo que é visível aos olhos. Pode ser qual-
quer um ou todos os cinco envoltórios os quais são mencionados no versículo que se-
gue. Portanto, tendo afirmado que Deus, mundo e alma têm forma, apresentando-se
a alma vidente que está incorporada, o versículo prossegue afirmando que estes não
têm forma no Ser Infinito Incorpóreo. A pergunta é feita, “quem está lá para ver no
ser sem forma?” Se o ser observador não tem forma, quem está para observar: O Ser
Infinito é em si o olho, Uno, ilimitado e pleno. Aqui deve-se lembrar que os Upa-
nishads se referem a Brahman como sendo aquilo em que o Eu veio a ser todos os
seres (existenciais). O Ser é o todo; é aquele que veio a ser tudo isto; e nada existe
que o Ser possa ver fora, ou separado d’ele pois inclui (lit.devora) todas as formas e
as transcende (lit. brilha além). Aqui não se tem conhecimento de distinção entre o
observador e o observado; consequentemente os Upanishads descrevem o caráter do
Uno, o Infinito (Adwaitha, Akhanda), ao fazer a pergunta: “Ver a quem como?” (Tat
Kena Kam Pashyeth). Neste versículo também a mesma pergunta é feita, “Mas quem
está lá para ver?”. A resposta é evidente, não há ninguém. “Por quê?” Porque ele
próprio é o olho. O Brahman Supremo é denominado pela terceira pessoa... “Ele pró-
prio”. É mencionado como sendo o “olho para indicar que é consciência”. Ele é o Uno
sem segundo, Infinito. Ele é o “Ilimitado”, ou sem fim, o “pleno”, todo-penetrante.
Se é mencionado como sendo o “Vidente”, a pergunta poderá surgir se a coisa vista
está à parte do observador. Para evitar tal dúvida, a palavra “olho” (Drishti), é utili-
zada no sentido de visão, ou consciência, e não no sentido de existir um vidente à
parte da visão. Quando miríades de mundos nascem de Brahman Supremo, tal como
45

incessantes ondas do oceano sem praias que surgem e são dissolvidas, o Eterno Ser
Infinito, aqui chamado “olho” continua pleno e perfeito e não se perde na transfor-
mação incessante que n’ele se opera, em suas criações no movimento criador da sua
consciência que trás à existência e apóia as destinações de Deus e mundo, individual
e Universal, o observador e observado, o apoiador e o apoiado. Na primeira metade
do versículo, foi afirmado que a forma de Deus e do mundo dependem da alma viden-
te (Jiva) que tem forma. Na segunda metade do versículo, está afirmado em termos
inconfundíveis que, se for compreendido que o Ser não tem forma, então a verdade
poderá ser apreendida que nada existe a não ser o Ser que é Pleno, o Perfeito. Assim
apesar de se afirmar claramente, e como verdade Suprema que o ser não tem forma,
o ser vidente com forma (Jiva), vê o criador e sua criação com forma. O modo atra-
vés do qual o ser toma forma e a ela se apega no presente, mesmo sendo esta im-
permanente, será explicado mais adiante. A exposição feita sobre a forma do viden-
te, ou existência corpórea, levanta a questão sobre a natureza da incorporação pro-
priamente dita. O próximo versículo afirma que quíntupla é a existência corpórea e
que a consciência do mundo das formas, deve-se ao fato de o Ser identificar-se com
qualquer um desses cinco invólucros corpóreos.

VERSÍCULO 7

“Cinco são as capas ou envoltórios corpóreos.


À parte destas, o mundo não aparece. Será que pode?
Sem o corpo de cinco capas,
Onde estão aqueles que percebem o mundo?”
A forma do “corpo” é composta de cinco capas e estas diferem em espécie. Come-
çando com a existência material grosseira, existem cinco capas chamadas: a física
(Annamaya), a vital (Pranamaya), a mental (Manomaya), a do conhecimento-verdade
(Vijnanamaya) e a da felicidade (Anandamaya). Sem a incorporação de alguma espé-
cie, não existe conhecimento do mundo existência. A percepção do mundo depende
da incorporação da consciência que aprende. Portanto, é perguntado: “Sem o corpo
de cinco capas, onde estão aqueles que percebem o mundo?” Qualquer um que per-
ceba o mundo em qualquer estado, deverá estar numa das cinco capas; e aquele que
não estiver incorporado em qualquer uma destas, pode ter conhecimento do mundo.
Deve ser lembrado que neste Shastra, a designação de “corpo” abrange as cinco ca-
pas (Koshas), física, vital, mental, etc., e não está restrita ao sentido estreito do
corpo grosseiro, visível e material. O corpo está relacionado com o mundo, assim
como o indivíduo está com o universal (Lit. coletivo), e como uma parte do todo. O
conhecedor incorporado, está preso a, e se identifica com o incorporamento sem o
qual cessa de ser o conhecedor. Na ausência da escravidão corpórea, não pode haver
tal coisa como um conhecedor que conhece. Logo a quem então pode o mundo se
apresentar como a coisa vista? Sendo que o sujeito vidente no homem é um ser men-
tal, e o objeto visto (o mundo), é uma forma mental, o versículo seguinte trata da
identidade do sujeito e objeto, do pensamento e do mundo (Vritthi e Vishaya).
NOTA DO TRADUTOR (C. MELLO) SOBRE O VERSÍCULO 7
A palavra em inglês “fivefold” foi usada no texto inglês para designar a natureza múl-
tipla do corpo do Jiva contendo 5 elementos distintos. “Fivefold” pode ser correta-
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mente traduzido para o “quíntuplo” em português. Contudo, tanto “fivefold” como


quíntuplo, quer dizer cinco vezes maior, ou “quantidade cinco vezes maior que ou-
tra”. Portanto, por definição, cada parte, ou porção, é similar em gênero, valor ou
qualidade, a qualquer outro o que não é verdade tratando-se dos cinco elementos,
capas ou camadas que perfazem o corpo grosseiro do Jiva. Já que a palavra “envoltó-
rio” foi usada para designar o corpo grosseiro, com os seus cinco elementos, optamos
pela palavra “camada” para designar os elementos do corpo. Cada elemento é, de
certo modo, uma “camada” pertencendo a um todo integrado, tendo cada uma dis-
tinta função dentro do todo, o corpo grosseiro. Note-se que só existe uma camada
realmente material como é normalmente compreendido, o corpo físico. As demais,
vital mental, conhecimento-verdade e fidelidade, são também grosseiras apesar de
serem sutis, todas se interpenetram para formar o envoltório grosseiro.”

VERSÍCULO 8

“Som e forma, olfato, tato e paladar, estes formam o mundo.


Sobre estes os sentidos derramaram a luz
No reino da mente, os sentidos se movem
Logo, o mundo é apenas a mente”.
O aspecto com que o mundo se apresenta para mim é uma coleção de grupos de sen-
sações. O caráter do mundo, como este se apresenta à minha percepção, é tal que
eu o apercebo como algo audível, visível, tangível e saboreável. Esse mundo é, por
conseguinte, uma soma de sensações que, aparentemente se apresentam fora de
mim, isto é fora da minha existência incorporada. Estas sensações, ou atividades sen-
soriais, manifestam a qualidade do som, forma, cheiro, tato e paladar e todos estão
no “reino” da “mente”. Estes formam a mente-sensorial, por assim dizer, e são de-
pendentes da mente e formam uma parte dela. De fato, podemos concluir que o
mundo que conhecemos, é somente uma projeção ou modificação, da mente que põe
os sentidos em atividade, resultando na manifestação das qualidades de som, forma,
etc., que perfazem a soma total do mundo existência para mim. Aqui a ideia-base é
que o mundo é somente a forma grosseira da mente, que é sutil. Logo, fica compre-
endido que o mundo é a mente, o grosseiro e o sutil, diferentes apenas nos seus es-
tados e são originários da mesma substância, da mesma verdade e, por conseguinte,
estão numa relação de identidade (Thadath-mya). Estes dois, sutil e grosseiro, são
derivados da única substância causa da qual trataremos no próximo versículo.
(Nota: quando é afirmado que “o mundo é apenas a mente, por mente se subentende
ser um princípio cósmico (Thattwa), manifestado tanto no individual como no univer-
sal. Deve ser compreendido, portanto, que se a mente de X se recolhe, ou é dissolvi-
da, somente seu mundo desaparece e não aquele de Y, ou do Senhor, o Universal).
Com relação ao acima exposto, podemos mencionar que esta é uma antiga concepção
de que o mundo é uma expansão e contração em vários graus composta de diferentes
estados sistemáticos. Este fato é acentuado pela afirmação de que do imanifestado
(Avyaktha), procede o princípio inteligente (Mahath); deste, o Ego (Ahamkara) do
qual provêm os estados causais dos sentidos (Than-Mathras) que manifestam ou de-
senvolvem as qualidades do som, forma, etc., que por sua vez formam o mundo. O
mundo e a mente nunca estão separados um do outro. Entretanto, é a mente que
ilumina o mundo.
47

VERSICULO 9

“Pensamento e mundo juntos nascem e juntos se extinguem.


Entretanto pelo pensamento o mundo é iluminado.
Da existência real, pensamento e mundo se formam e nela se dissolvem
Uno e perfeito, não-nascido é aquele, Infindável também”.
O mundo aparece e desaparece com o pensamento-Eu, que é a raiz de todos os pen-
samentos; e ambos, o mundo e a mente (pensamentos), pode-se dizer que coexis-
tem, sendo inseparáveis. Entretanto, “este mundo” dos sentidos é iluminado pelo
“pensamento-Eu”, pois o pensamento representa o princípio consciente que ilumina
o mundo, o objeto que é iluminado, e conhecido. Como se afirma que o mundo é
mental na sua forma, e nada mais que uma forma grosseira do pensamento, que é
sutil, se todos os pensamentos são recolhidos e seguidos até à sua origem de apoio,
então podemos perceber a verdade de ambos, pensamentos e mundo, sujeito e obje-
to, interior e exterior, que aparecem e desaparecem juntos. Ambos são realmente
originários de uma só existência, e surgem da mesma fonte. Este conceito é afirmado
na segunda metade do versículo que diz, “Na existência real, pensamento e mundo
se formam e se dissolvem”. Qual é então, o caráter desta existência real que origina,
sustenta e dissolve o pensamento subjetivo e o mundo objetivo? É o “Uno e perfeito”
e, por conseguinte, não afetado pelo pensamento sutil, nem pelo mundo grosseiro.
Ele é não-nascido e infindável também enquanto, que o interno (mente), e o externo
(mundo), começam e terminam nele. É a substancia, a causa, o material para todas
as manifestações, subjetivas e objetivas. É eterno, permanente, e persistente não se
perdendo nas suas manifestações como pensamento no seu estado sutil, ou como
coisa no estado grosseiro. Apesar de ser a fonte do múltiplo, do todo, da expressão-
mundo e da formação da alma é, entretanto, o Uno.
Nota: No começo do trabalho, (primeiro versículo), a meditação sobre a existência
real denominada o Brahman impessoal (Nishkata), foi recomendada e seu caráter foi
sugerido ser uma consciência suprema e normal da permanência no Ser ( Sahaja Ath-
ma Nishtha). Mas o segundo versículo sugere autoentrega total ao Ser Divino (Sakala
Brahman), o Deus pessoal num sentido amplo. Uma invocação dupla foi feita nestes
dois primeiros versículos de vez que o mesmo Brahman pode ser encarado por nosso
ser ilimitado como sendo ambos pessoal e impessoal. Em seguida, a fim de enfatizar
que realmente é o espírito Supremo e Uno (Purusha), que se transforma no mundo, a
múltipla existência; “o terceiro verso que é realmente o verso inicial do Shastra
afirma que a causa de tudo é o Senhor do poder ilimitado”. “Todos são Ele”. O quar-
to versículo se apressa a remover um possível mal entendido apresentado pelo ter-
ceiro versículo que o múltiplo não é a verdade absoluta da Existência e que todas as
religiões começam com a tríplice verdade-Deus, mundo e alma, mas encontram sua
realização numa suprema realidade a verdade final e, portanto, nos faz lembrar o
aspecto impessoal. Segue o quinto versículo proclamando que é somente o estado do
Ser que pode transcender o ego e dar-nos a verdade, e não as inúmeras ginásticas
intelectuais, as especulações metafísicas, as disputas Shastricas, enfim, toda maqui-
naria dialética que é posta em ação para revelar a verdade que se diz necessária à
nossa realização. Deste modo, o quinto versículo apela para a mente sincera e orde-
na que se dirija para o Ser através de uma certa disciplina de vida interior (Nishtha).
No sexto versículo, admite-se que Deus, mundo e alma, têm todos formas apresenta-
48

dos ao Jiva, e na existência do qual cada um de nós está direta e imediatamente


consciente, isto é, a alma que está incorporada. Mas esta afirmação é seguida por
outra que diz serem estes realmente sem forma na verdade última sem forma, a Uma
Suprema Existência que transcende todas as formas. Deste modo este Shastra nos faz
recordar a esta altura que não existe oposição alguma entre o (Deus) pessoal e o im-
pessoal (Saguna e Nirguna), e onde quer que seja mencionado o pessoal (Ishwara),
imediatamente sugere que o aspecto impessoal não se deve perder de vista, e que o
Brahman pessoal, é realmente um fato e deve ser considerado sustentável. Além dis-
so, a oposição entre os aspectos pessoal e impessoal de Brahman, não é para ser en-
contrado do Uno Indivisível que é realmente (um fato e deve ser considerado) ambos
mas é necessária à mente analítica, intoxicada com o orgulho do raciocínio sutil de
sua lógica. Do mesmo modo, no sétimo, oitavo e nono versículo, o Shastra proclama a
identidade do individual com o universal e sugere que o envoltório, ou corpo, da al-
ma (Jiva) com as cinco capas ou vestes é o seu mundo de cinco capas, e que o uni-
verso de cinco capas ou vestes é o corpo do Senhor. Continuando a ponderar sobre a
verdadeira natureza da mente, como sendo uma das cinco camadas (Kosha), e do
mundo como mental na sua forma, este reduz o mundo da forma, à mente, e a men-
te ao pensamento-Eu, e este pensamento-Eu é ainda seguido até à sua fonte na rea-
lidade Suprema, o Uno, que não nasce e não tem fim. A esta altura, podemos ver que
a verdade, em sentido oposto também fica esclarecida, seja: que o Uno, a realidade
Suprema, dá surgimento ao pensamento-Eu, que se torna a mente, que por sua vez,
vem a ser o mundo de nome e forma. A percepção-verdade (Sat-Darshan), nada mais
é que uma permanência estável no Ser, a verdade Suprema pela realização da identi-
dade (Thadathmya Nishtha).

VERSÍCULO 10

“Para a percepção da verdade, a adoração suprema


Em nome e forma sem dúvida é um meio.
Mas o estado de Ser, aquele de permanência natural no “Eu”
Somente aquele é percepção verdadeira.”
Os nomes do Senhor, tais como brahman, Vishnu, Shiva, Indra e outros, são suas for-
mas assim como a forma mística dourada do Upanishad (Hiranmaya), ou a forma uni-
versal de oito invólucros (Ashta moorthi), são todos meios de adoração que conduzem
â realização final da Suprema-verdade (Sat-Darshan). A devoçao através das formas
é, na verdade frutífera e tem uma finalidade e utilidade próprias, seja qual for a
forma imaginada pela mente humana, como, por exemplo, a de Shiva com seu veícu-
lo, o touro simbólico (Vrishabhavahana), ou Vishnu, sentado na Águia divina (Garuda-
vahana), ou então aquelas formadas na mente Universal tais como Aqui,Vayu e Surya.
Mas o fruto desta devoção depende da graça do Senhor adorado que responde à in-
tensidade da fé do adorador. O Senhor adorado não restrito à forma particular em
que é contemplado responde ao chamado do devoto cujo ser está inteiramente re-
pleto de fé, e a este concede o fruto de sua devoção. A devoção, por meio de nomes
e formas, é realmente uma ajuda à realização de Brahman como sendo o nosso ser
mais profundo. “Mas o estado de Ser, aquele de permanência natural no “Eu”, so-
mente aquele é percepção verdadeira”. “O estado Supremo (Nishtha) é na verdade, a
percepção Real da verdade (Sat-Darshan). E isto é o estado assentado de equilíbrio
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na suprema realidade (Nishtha), na única substância, apoio e base do devoto e do


adorado no qual é realizada a identidade do Ser com o Brahman. Neste versículo,
percepção verdadeira é descrita como sendo o mais alto estado, aquele de perma-
nência no Ser. Num versículo subseqüente (nº 23) a realização do Ser ou a realização
de Deus, diz-se, consiste no fato da alma(Jiva) se transformar em alimento, ou seja,
objeto de prazer, ou experiência, do Senhor. Por conseguinte, temos duas descrições
do mesmo estado exaltado “Percepção-verdadeira” e Realização-Ser” (Sat-Darshah) e
(Athma Darshan). Do mesmo modo, nos dois primeiros versículos invocatórios, no
início deste trabalho, este Brahman Supremo foi descrito como sendo ambos impes-
soal e pessoal; impessoal para fins do estado Supremo de equilíbrio no Ser (Kaivalya
Nishtha) e como Brahman (Sayujya). Desta forma, nos é lembrado que estes dois
aspectos são apresentados para as duas sendas distintas, a do conhecimento e o da
devoção, que finalmente, culminarão numa realização Suprema, que, em vista da
unidade do Ser no Jiva, bem como no Ishwara, é mencionada como sendo Sat-
Darshan (Nishtha) e em vista da relação do Jiva no mundo-existência para com o
Ishwara, é denominado Athma Darshan Sayujya. O versículo que se segue, sugere
como meio, uma disciplina proveitosa para o pesquisador fervoroso, de mente dis-
criminativa.

VERSÍCULO 11

“Dualidades e trindades apóiam-se em algo.


Sem apoio estas nunca aparecem.
Uma vez pesquisadas estas se soltam e caem,
Lá está a verdade. Aquele que vê isso nunca vacila”.
Todas as dualidades são interdependentes. Ser e não ser, consciente e inconsciente,
observador e observado, sujeito e objeto, etc.; e a sua verdade é para ser descober-
ta em algo que lhes dá apoio ocultamente. As trindades, tais como conhecedor, co-
nhecido e conhecimento, derivam sua existência de algo que é sua fonte e apoio.
Uma busca deste algo, que está por trás das dualidades e trindades, resulta no seu
desaparecimento, porque o que resta nelas é a realidade, sua Suprema Existência.
Aqueles que percebem-na através de uma espécie de consciência apreendedora que
lhes diz: “Não vacile” e a segue, sua posição é inabalável, um estado firme no Su-
premo porque aquele que tiver um só propósito na busca da verdade, torna-se verda-
deiramente a própria função do princípio verdade. Quando foi perguntado a Sri Ra-
mana Maharshi se Brahman, a verdade, torna-se conhecida pela mente conhecedora,
respondeu: “Se o pensamento procura conhecer Brahman que ficou sendo o seu pró-
prio Eu, este torna-se a própria mente e assume a forma do próprio Ser e, como tal
não pode ficar separado, ou manter uma posição como conhecedor distinta do co-
nhecido, Athman, Ser, Brahman” (Ramana Guita).
Portanto, através de uma busca psicológica do Eu, o que implica numa rejeição de
todas as formas mentais relativas às dualidades e trindades, este versículo diz ser
possível ao indivíduo chegar â sua raiz e apoio, que não é outro se não o Ser Supre-
mo, o qual não necessita de qualquer outro apoio, e que uma vez realizado, nenhuma
outra busca posterior é necessária ou possível à mente humana, pois este é o estado
inabalável além do qual nada mais existe para procurar. Nos versículos 12 ao 21,
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vários tipos de meditação sobre as verdades sutis são mencionadas como uma ajuda à
mente indagadora.

VERSÍCULO 12

“Se não houvesse ignorância, como poderia haver conhecimento?


Se não houvesse conhecimento, como poderia haver ignorância?
Procurando de perto a fonte de ambos,
O estado de permanência (no Ser), eis o conhecimento verdadeiro.“

Os dois termos conhecimento e ignorância, são relativos e devemos descobrir sua raiz
em algo que difere destes, através de uma espécie de exame psicológico do Ser. Por
exemplo, quando digo “Eu estou consciente”, ou “Eu sou ignorante”, a busca aqui
sugerida é encontrar quem é que sabe ou quem é que não sabe. A busca quando é
séria, importa numa vigilância atenta que frutifica no discernimento de uma consci-
ência suprema no Ser, que é a fonte de todas as formas de consciência. Isto é o co-
nhecimento verdadeiro pois não é uma concepção mental ou uma convicção intelec-
tual, mas, uma revelação, uma realização, uma experiência, a consciência que é o
conhecimento Supremo (Paramartha Vidya). Desta forma, depois de descrever a bus-
ca da fonte da dualidade conhecimento-ignorância, o Shastra procede explicando o
método mais sutil de se chegar à verdade final através da experiência direta e co-
nhecimento por identidade, pela meditação, e compreensão sobre a verdade que
está por trás do conhecedor, conhecimento e conhecido.

VERSÍCULO 13

“O conhecedor não se conhecendo


Pode tal conhecimento ser o despertar verdadeiro?
O Ser sendo visto, o apoio de ambos,
Dissolve a dualidade do conhecedor e conhecido”.

O conhecimento do sujeito conhecedor que não conhece a si mesmo, não é conheci-


mento verdadeiro. Mas aquele que sabe que o suporte do conhecimento e do conhe-
cido, é o próprio conhecedor, compreende que ambos, conhecimento e conhecido,
não tem existências separadas, fora dele mesmo, o sujeito conhecedor. Assim, ambos
conhecimento e conhecido perecem no sentido de terem perdido sua percepção co-
mo existência independente. Devemos entender que a ideia fundamental aqui apre-
sentada é de que o verdadeiro caráter do Real é tal que ele é a substância e suporte
não somente do conhecedor mas igualmente do conhecimento e do conhecido. E
aquele que realizar, isto é, conhecer pela experiência própria que ele não é diferen-
te do Real, o Ser Supremo, o Ser Máximo, perceberá que conhecimento e conhecido
também não são diferentes do Real do qual ele tem conhecimento por identidade.
Eis porque é afirmado que tão logo o conhecedor realize o seu Ser, os outros dois da
trindade (conhecimento e conhecido), desaparecem, e aquilo que é real neles persis-
te, o que é a mesma coisa que a Realidade Una de toda a Existência, do sujeito in-
terno e do objeto externo. Apesar de todos os elementos da trindade terem a mesma
origem, e a mesma verdade, o conhecimento do Ser subjetivo, o conhecedor, é enfa-
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tizado por estar este mais próximo da luz consciente e os outros dois serem suas mo-
dificações grosseiras. Parece-nos oportuno mencionar nesta altura, o que Sri Ramana
Maharshi afirmou sobre o assunto da trindade (Triputi), no Ramana Gita (canto XII,
Slokas 4 e 5): “O conhecedor que sabe não ser diferente do Real (Swaroopa) compre-
ende que o conhecido e conhecimento não estão separados dele”. “O conhecedor
que está desligado (na experiência) do Real, vê o conhecido e o conhecimento, como
estando separado dele mesmo”.
O conhecimento do conhecedor, o ser subjetivo, conduz à fonte do Real. É o conhe-
cimento Supremo. É novamente afirmado com ênfase de que a consciência é diferen-
te de ambos conhecimento e ignorância.

VERSÍCULO 14

“A insensibilidade não é conhecimento, nem a percepção do objeto visto.


Nada é visto na Consciência Suprema.
Diferente de ambos é a consciência lá.
Nenhum vazio é aquele – o conhecimento, luminoso verdadeiro”.

A insensibilidade ou estado de sono, no qual não existe atividade dos sentidos, não é
conhecimento. É um fato estabelecido que na consciência do Ser, nada é visto como
estando separado, ou fora de si mesmo. Um ignorante poderá interpretar mal tal
estrada como sendo o de esquecimento perfeito, um completo não-reconhecimento
de objetos. A fim de remover a tal noção errônea, é afirmado de que o autoconheci-
mento (Athman-Jnana), não é insensibilidade. Nem tão pouco é a percepção sensorial
dos objetos vistos. Isto é conhecimento de fato, mas não um conhecimento do co-
nhecido como diferenciado do conhecedor. O verdadeiro conhecimento é diferente
de ambos embora seja a consciência que empresta sua luz à dualidade do conheci-
mento e ignorância. Ele é “luminoso”, não inerte, ou indiferente à dualidade
(Dwandwa), apesar de ser diferente da relação conhecimento e ignorância.
O próximo versículo dá analogia do ouro nas formas ornamentais a fim de deixar cla-
ro que a verdade é a consciência e o Uno somente, e que as formas diferente deste
não estão realmente separadas da sua origem, a substância Uno.

VERSÍCULO 15

“A consciência, o Ser somente é Real.


Múltipla é a sua forma na verdade.
Podem estes serem reais quando separados do Uno?
Separados não estão as formas ornamentais do ouro, sua Realidade. Poderão estas
estar?”

O caráter do Ser é consciência que é a verdade. É Uno. As várias formas de Consciên-


cia não são separados D’ele. Essas formas não existem à parte da Consciência Una.
Assim como os diversos ornamentos de ouro são formados de uma única substância, o
ouro, e este persiste em todas as suas formas mutáveis, assim também a Consciência
Una persiste em todo o ser-alma subjetivo, ou na existência-mundo objetiva. Já vi-
mos que a substância Una (Swarupa), manifesta-se em forma múltipla. Aqui o caráter
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daquela substância, é claramente afirmado como sendo a consciência Suprema da


qual, nós e o mundo em torno de nós, somos somente formas sutis e grosseiras. A
base da noção do Eu, deve ser descoberta pela inteligência discriminadora e, certa-
mente é um auxilio para a mente que busca.

VERSÍCULO 16

“As noções “Ele” e “Vós” estão vinculadas ao “EU”.


Na raiz realizada do “Eu”, desaparece o “Eu”.
No estado ingênito luminoso do Ser, está o “EU” Real,
Livre das noções “Ele”, “Vós” e “EU”.

A noção de “Ele” (Thath), que se refere ao pronome da terceira pessoa, e a noção de


“Vós”, referente ao pronome da segunda pessoa tem significado para mim somente
quando se relacionam com a noção do “Eu”. A noção “eu”, é o Supremo significado
do meu ser, e é em referencia a este que as outras noções do “Ele” e “Vós” tem sig-
nificado. Estes últimos cessam de ser inteligíveis na ausência da noção do “Eu”. Lo-
go, para compreender o caráter Real das noções “Ele” e “Vós”, a pessoa tem que
discernir a base da noção do “Eu” e quando desperta para sua fonte, as três noções
“Ele”, “Vós” e “Eu” se perdem no estado luminoso que é ingênito do Ser, o Eu Real.
É um estado normal e Supremo de equilíbrio do Ser (Sahaja-Athman-Sthithi), sempre
luminoso, não nascido e único. Desta forma, nos asseguramos de que este estado
normal (natural) de uma consciência mais profunda do Ser é alcançado pela procura
da fonte da noção básica “Eu” à qual estão vinculadas as outras duas noções de “Ele”
e “Vós”. O Espírito que está além de todo o espaço e tempo (O Purusha) penetra to-
do o espaço e perdura para todo o sempre. Por conseguinte, podemos chegar à ver-
dade final meditando sobre o verdadeiro caráter do tempo e espaço. Este é o ensi-
namento dos próximos dois versículos.

VERSÍCULO 17

“O passado era o presente quando este acontecia;


O futuro vindouro será então o presente.
Inconsciente do presente no tempo tríplice,
Frívolo discutir sobre o futuro e passado.
Podeis os números contar, sem a unidade um?”

Quando estava acontecendo, o passado era corrente, isto é o presente. Do mesmo


modo, o futuro, quando acontecer, será então o presente. Pode-se por conseguinte,
verificar que o caráter real do tríplice tempo: presente, passado e futuro, é um fluxo
eterno do presente. É um eterno agora. Em si mesmo sem interrupção, uma inque-
brantável continuidade, ela mesma indivisível. A noção de tempo faz com que a men-
te relacione aquilo que aconteceu com o que vai acontecer, assim dividindo-o em
passado, presente e futuro. Logo, sem sabermos a verdadeira natureza do presente,
é fútil, se não impossível, discursar sobre o passado e o futuro, ou pensar que se tem
um conhecimento verdadeiro destes, assim como os números não podem ser contados
sem a unidade um. A contagem não somente começa com o “um”, a unidade, mas é
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ele que aumenta os números e está presente em todos os demais. O verdadeiro cará-
ter do tempo, é um eterno presente; realmente, o passado e futuro são em si o pre-
sente. Este eterno agora, é o Espírito-tempo (Kalathma) que é apenas “aquilo que
surge de Brahman (o real) e é como o cordão numa grinalda, presente nó, e como o
todo indivisível movimento do tempo. Um modo de alcançar o estado de equilíbrio no
Ser, é pela meditação sobre o tempo. Pode-se meditar sobre o tempo estando aten-
tamente vigilante; assim, ficando intimamente consciente do intervalo entre os pen-
samentos do passado e os do futuro e assim se pode compreender que a consciência
que apóia o incessante fluxo-pensamento, é realmente o eterno agora que não é ou-
tro se não o próprio Brahman, a verdade final. Nós sentimos e percebemos que somos
o corpo, e que a nossa existência corpórea está sujeita ao espaço e tempo. Mas se a
pista da nossa existência for seguida até à sua fonte no ser infinito, a realidade final,
além do espaço e tempo, então ficaria claro que estamos além do espaço e do tem-
po, ainda que tendo uma existência espacial e temporal.

VERSÍCULO 18

“Onde está o espaço sem mim, e onde está o tempo?


O corpo existe no espaço e no tempo, mas nenhum corpo sou eu.
Em nenhum lugar sou Eu, em tempo algum sou Eu.
Entretanto, “Eu Sou” em toda a parte, em todo o tempo”.

Espaço e tempo existem com referencia ao ser subjetivo que é um princípio consci-
ente. Quando a força da consciência manifesta a mente, assumindo termos espaciais
e temporais de existência, o ser subjetivo torna-se mental (Manomaya) em seu cará-
ter. É necessário lembrar aqui o que foi exposto logo no início do Shastra, que: “To-
dos são Ele”... o Senhor de Poderes Ilimitados”. O poder de assumir uma existência
múltipla, é inerente ao espírito (Purusha). E a forma múltipla pressupões extensão ou
espaço. Não existe movimento sem tempo, porque tempo é movimento. Por conse-
guinte, a força da consciência, como por exemplo movimento e extensão, tornam-se
tempo e espaço para a compreensão mental. Deve-se sempre levar em conta que
tempo e espaço, são apenas componentes gêmeos da força consciente criadora e são
inalienáveis da consciência-Existência (Sat-Chit) propriamente dita que é a verdade
substancial Brahman. O Ser Brahman e sua força (Shakti), consciência e força, man-
tém uma relação de identidade como a luz e a irradiação. Somente na palavra se
pode separar a substância da sua energia, nunca em fato, nunca na experiência. “Por
conseguinte, quando o ser, cujo caráter e a consciência torna-se mentalizado, fica
sujeito a espaço e tempo numa existência corpórea. Mas a verdade Suprema de nós
mesmos é a realidade última que é a base da manifestação espacial e temporal do
ser mental. Desta forma, é fácil compreender a afirmação que não existe tempo nem
espaço sem mim, o ser mental. Se eu estou incorporado, então se pode falar sobre
“espaço e tempo” que são apenas manifestações da força consciente. Mas “em ne-
nhum lugar “Sou Eu” – “Meu ser raiz não está sujeito a espaço”, “em tempo algum
sou eu”, nem meu eu está sujeito ao tempo. Todavia meu ser final, como Real, tor-
nou-se todo espaço e tempo: “Eu Sou em toda a parte e em todo o tempo”. Sujeito
ao espaço e tempo, o ser consciente é mental; além do espaço e do tempo, ele
transcende a mente. Por conseguinte, a existência, o Espírito (Purusha), é referido
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no seu aspecto dual: o dinâmico e o estático. E aqui normalmente nos é lembrado


que o Brahman Uno é ao mesmo tempo relativo e pessoal (Sakala e Nishkala), bem
como absoluto e Impessoal. Sobre isso foi feito menção já repetida na parte anterior.
No versículo seguinte é mencionada a diferença entre o ignorante e o homem de rea-
lização.

VERSÍCULO 19

“O corpo é o Ser para os Sábios e para os ignorantes indistintamente.


Ao corpo se limita a ignorância do Ser de cada um.
O Ser resplandecente no coração do Sábio.
Possui o corpo e o mundo ao seu redor
E permanece ilimitado e perfeito”.

A ideia de que o Ser é o corpo, é comum tanto ao homem que realizou a verdade
como aquele que ainda não conseguiu realizar-se. No coração do homem realizado,
no centro do Purusha, e a sede do Senhor no homem, o Supremo está efulgente como
o Ser, o “Eu” Supremo “possuindo o corpo e o mundo ao redor e permanece ilimitado
e perfeito”. Mas o ignorante, o homem não desenvolvido, apenas tem o corpo como o
seu SER, pois sente e pensa não estar separado do corpo e que de fato é o corpo. Mas
o sábio, o homem desenvolvido, compreende que ele é um ser distinto do corpo e
embora este também seja o corpo, está sempre efulgente no coração como a inces-
sante consciência-Eu, possuindo o corpo e o mundo em geral. Este ser, o infinito, o
Real e perfeito “Eu”, é sentido pelo Sábio, o homem de realização, como sendo o Seu
próprio corpo. Por conseguinte, a diferença entre o sábio e o ignorante, está na ex-
periência, que é de caráter dinâmico e não numa convicção intelectual, que é apenas
a flor do raciocínio filosófico. Resumindo: para o sábio a Existência Real, que é o
todo, é o seu Ser, incluindo sua própria incorporação (seu corpo). Para o ignorante
apenas seu corpo é o ser. Em virtude da deficiência na capacidade de compreender
do não evoluído, sem conhecimento é defeituoso e imperfeito. Confundir seu conhe-
cimento imperfeito e, neste sentido, falho, com o conhecimento completo, e falso
conhecimento. Em outras palavras, o homem não desenvolvido, tem a experiência do
Ser através do seu próprio corpo, enquanto que o homem desenvolvido e sábio, reali-
za o seu Ser no corpo Universal, no mundo. E o seu Ser não está limitado a sua exis-
tência corpórea particular. A ideia magna deste versículo foi plenamente discutida na
introdução.
A diferença entre o sábio e o ignorante, assim como o elemento comum aos dois, foi
acima discutido, com referencia ao corpo individual. O próximo versículo, trata do
mundo, o corpo Universal: com referencia entre o sábio e o ignorante.

VERSÍCULO 20

“O mundo existe tanto para o ignorante como para o sábio.


Para o primeiro, somente o mundo observado é real.
Para o sábio, a fonte sem forma do visível
É o único mundo, Real e perfeito”.
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O mundo é real tanto para o ignorante como para o sábio; para o não evoluído assim
como para o evoluído; e ambos concordam que o mundo existe. O homem ignorante,
que não está consciente da origem do mundo que observa, toma o mundo como este
aparece aos seus sentidos superficiais, como sendo a verdade final pois, para ele, a
realidade, a verdade total, é aquilo que percebe através da sua mente-sensorial. Mas
o sábio, no qual está desenvolvida a capacidade de apreender o fundamental e por
conseguinte, toda a verdade do mundo visível, percebe a fonte sem forma que origi-
na o mundo das formas como sendo a verdade Una Ilimitada, o mundo Real que é
luminoso e perfeito. O homem Sábio vê o mundo das formas, mas não se detém neste
como o ignorante. Ele vê nele o Brahman sem forma que interpenetra toda a existên-
cia. Logo, seu conhecimento toma a verdade essencial do mundo como sendo o mun-
do Real que inclui, mas não está restrito ao mundo das formas. Por essa razão é o
conhecimento verdadeiro e perfeito. O conhecimento do ignorante é limitado ao visí-
vel, ao superficial e não atinge a verdade essencial por isso, é imperfeito, parcial e
defeituoso. Tal como no versículo anterior também deve-se notar aqui que conheci-
mento parcial, não é falso conhecimento, mas tomá-lo equivocadamente como per-
feito e integral, é ilusão e falsidade (Mithya). Seria fútil arguir num círculo vicioso
sobre o destino (Vidhi) e o esforço humano (Prayathna); mas aqueles que conhecem a
origem de ambos, não serão afetados nem pelo carma nem pelo esforço.

VERSÍCULO 21

“Sobre destino e esforço, eles se entregam à discussão.


Quem nem sabem de onde surgem os dois,
Aqueles que conhecem a fonte de ambos,
Estão além de ambos, e intocáveis pelo destino
Assim como pelo esforço”.

O impulso de uma força invisível (Adrishta), funcionando para chegar a certos resul-
tados, o fruto da ação cármica, iniciado em estados ou vidas anteriores (Pararabdha),
é denominado destino (Vidhi e Daiva) e Purushakara é o esforço humano. Esforço e
destino são comumente considerados como causa e efeito. Mas realmente existe uma
primeira causa e um efeito final, que não é nem carma nem esforço, estando além
dos dois. Quem quer que realize a fonte destes dois elementos cármicos, não está
sujeito à sua influência. A teoria do Karma é um enigma para muitos. Tudo aquilo
que é efetuado e sentido por mim agora, é o resultado de ação passada, o trabalho
do destino (Karma). E todo o esforço que faço agora, movido e sustentado por um
sentimento de liberdade, também é uma ação do destino, de uma força invisível que
dá ao impulso ao meu esforço presente. Recapitulando: o destino (Karma), em si é o
efeito do esforço passado e o esforço presente, é o efeito do karma passado. O es-
forço como efeito pode ser seguido até sua causa que é o destino, e uma causa desta
pode ser encontrada mais atrás num esforço precedente. Este modo de analisar o
destino e esforço, como causa e efeito nos conduz a um regressus ad infinitum. Logo,
devemos procurar por algo atrás destes dois, atrás do movimento do destino (Vidhi),
e do esforço humano (Prayathna). E uma vez que seja conhecido esse “algo” esses
dois mudam de cor apresentando um aspecto completamente diferente e esta é a
única solução correta do problema do destino do livre arbítrio. Algo mais pode se
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afirmar aqui. Nem o destino (Vidhi), nem o esforço humano (Prayatna) são livres ou
independentes. Destino (Vidhi) depende do esforço pois este é sempre considerado
como sendo o resultado de um esforço nosso anterior. E esse nosso esforço depende
do desejo e para efetuar um ato específico. O desejo é coisa natural ao ou co-existe
com o ser-ego (Jiva) que, se apresenta como – ou se considera livre. Mas a liberdade
real do indivíduo (Jiva), está no Ser, o Senhor, que apóia a existência individual. Des-
te modo, ambos esforço e destino, verificamos estarem na dependência do Ser Livre,
o Senhor que dá o impulso à ação, a qual inevitavelmente produzirá seus frutos. Logo
urge encontrar a fonte do destino e livre arbítrio que se acha no Ser, pois só ele é
realmente livre e independente. Será de grande proveito fazer-se referencia aqui à
argumentação sobre o esforço humano e Graça-Divina apresentado no Bhoomika.
Veremos afirmado no versículo a seguir que o conhecimento da natureza é de uma
suprema permanência no Ser.

VERSÍCULO 22

“Ver o senhor sem ver o observador,


Isso é apenas ver com a mente.
Separado do observador, o Supremo não é.
Verdadeira visão faz no Supremo estabelecimento do Ser nas profundezas.”

Se um pessoa vê o Senhor sem a percepção do seu próprio ser, que vê coisas diferen-
tes de si mesmo, então esta vidência do Senhor nada mais é que uma visão mental,
uma figura mental que, embora sendo verdadeira no seu próprio estado, é apenas
uma imagem mental do Senhor, e não a mais alta e verdadeira percepção dele. Por-
que a percepção real do Senhor é impossível sem a realização do Ser que vê. Logo, a
autorrealização é uma condição que precede à realização-Deus. A fim de imprimir a
verdade de que a autorrealização consiste na experiência íntima de Deus como sendo
o nosso próprio e profundo Ser, sempre efulgente como a Suprema consciência-Eu no
centro místico denominado Coração, é sugerido seja primeiramente realizado o Ser
vidente antes que possamos perceber o Senhor. E na realização do nosso próprio ser,
a raiz da nossa existência, o Senhor é sentido como sendo a fonte de todas as exis-
tências e nada existe que difira dele ou que não seja Ele pois “Todos são Ele”. Isto é
a verdadeira percepção do Senhor. Mas o ser subjetivo (Vishayi), o ser mental (Ma-
nomaya), pode ter uma visão do Senhor e essa é naturalmente, uma visão mental de
Deus. Mas o Ser atrás do ser mental não percebe o Senhor por intermédio da mente,
mas vê o Senhor por ele próprio sem outros meios além dele mesmo e esta é a per-
cepção direta. Existe uma postura natural e Suprema do Ser que é a fonte da mente,
e lá o Senhor é realizado como sendo o nosso ser profundo, o Ser Real. Eis porque se
faz a afirmação: “Separado do observador, o Supremo não é”. É fato de que a alma
(Jiva) é idêntica ao Supremo Ser (Parama) no sentido de que ambos são da mesma
consciência. Mas este conhecimento por identidade pressupõe, ou envolve, uma
consciência que não é de caráter mental, uma consciência que é a base não somente
do nosso ser, mas igualmente de todo-ser assim como o Deus-Ser. Essa consciência
então, é o estado natural e permanente do Ser, a sublime e inabalável postura que é
alcançada pela mente-ego, ou o ser mental ao retirar-se do exterior e abismar-se na
57

sua origem, no ser mais profundo, no ser aonde a alma individual, e o Senhor Univer-
sal, são um e conhecidos pela identidade. A seguir temos uma descrição da autoper-
cepção (Atmadarshan).

VERSÍCULO 23

“Vê-te a ti mesmo e vê o Senhor.


Eis as palavras reveladoras e, em verdade, difícil é seu sentido.
Pois o Ser que vê não pode ser visto.
Como é possível ter a visão do Senhor?
Ser alimento para ele, é em verdade vê-lo”.

O sentido desse pronunciamento autorizado “Vê-te a ti mesmo e vê o Senhor”, é difí-


cil de compreender pois se o ser não pode ser visto, como pode surgir a questão de
ver o Senhor? Nesta passagem é a natureza do “ver”, a percepção ou realização do
Ser, que realmente deve ser compreendida. Com o objetivo de revelar seu verdadei-
ro caráter, a visão do Senhor é descrita pela frase iluminadora “alimento para Ele”. A
alma que vê, nunca é vista. Aquele que vê é sempre o sujeito, mas nunca o objeto a
ser percebido por qualquer outra coisa a não ser por si mesmo. Se a alma, Ser-ego
(Jiva), o ser subjetivo tenta conhecer seu Senhor, seu mais profundo Ser, automati-
camente se afasta das suas preocupações com pensamentos divergentes que se ocu-
pam das formas subjetivas ou divergentes da existência objetiva. Em conseqüência,
se vê atraído para algo mais profundo do que ela mesma e, uma vez tendo a experi-
ência do seu Ser original, sua fonte, ou seja o ser profundo, cessa de ser separado
conscientemente da sua fonte Suprema para a qual se transforma por assim dizer, em
alimento, uma experiência e um deleite. E aqui não existe dualismo (Dwaitha) em
virtude da relação entre Deus (Ishwara) e a alma (Jiva) como aquele que desfruta o
objeto a ser desfrutado. Este tipo de relação mostra uma identidade que se realiza
numa união consciente da alma com o seu Senhor, do ego com o Ser, na consciência
Una básica. Antes mesmo do Ser permitir que o ego submirja nele, não existe duali-
dade (Dwaitha) no sentido de que o Ser-ego tenha uma existência absolutamente
separada do seu Ser Real, pois o ego nada mais é que uma formação temporária na
consciência do Ser. É o Ser que está por trás do ego e, apesar deste não estar consci-
ente disso enquanto perdurar nele um estado de ignorância ou escravidão. O ego,
entretanto toma consciência disso uma vez livre de suas preocupações e preconcei-
tos. Quando estiver consciente, Ele se sentirá atraído pelo Ser mais profundo do qual
é a superfície, ou o ser aparente. Pelo acima exposto, verificamos que esta descrição
da percepção do Ser (Athma-Darshan), não contradiz a da percepção-verdade (Sat-
Darshan), (vide versículo 10) porque ambas as descrições se referem ao mesmo esta-
do elevado do ser (Nishtha), que também pode ser considerado como sendo Sayujya
quando nos referimos ao Ser Real envolvendo o Ser-ego (Jiva) em união consciente.
No versículo que segue, assinala-se que a percepão do Eu não difere da percepção de
Deus.

VERSÍCULO 24

“O Supremo dá a luz ao pensamento.


58

Dentro deste, Ele próprio oculto, brilha.


Logo, voltar o pensamento para o interior para unir-se dentro,
Isso é ver o Senhor. Como vê-lo doutra forma?”

O Senhor Supremo, o criador, Ele mesmo é consciência; e quando pelo poder n’ele
inerente e inseparável da consciência, várias formas são criadas provenientes da sua
natureza, a luz da consciência lhes dá apoio para sua sustentação. Mas esta consci-
ência, sendo a causa de todas as causas, a mais sutil de todas permanece oculta no
pensamento ou seja, na mente, ao m esmo tempo apoiando a sua atividade. Deste
modo se a mente difusa, com seus pensamentos dispersos, se concentra e se movi-
menta para discernir a luz que o apóia, o que resta é a consciência do Senhor que se
transformou no Ser. Por conseguinte, retirar-se do exterior e concentrar-se no interi-
or é ver o Ser e unir-se ao Senhor é o princípio direto e controlador da mente-
pensamento.
Os próximos três versículos tratam do caráter do ego.

VERSÍCULO 25

“Ninguém diz, “O corpo é o Ser”.


Nem afirma “Eu não existo no sono profundo”.
Surgindo o “Eu”, tudo surge.
Com vosso olho penetrante, discerni esse “Eu”.

É experiência comum, qualquer que seja a nossa filosofia, que o sentido de “Eu”,
representando a identidade pessoal, é distinta do corpo; e por isso ninguém diz “Eu
sou o corpo”. Nem tão pouco alguém nega ter existido durante o sono profundo
quando o mundo da sua vigília havia praticamente se perdido para ele, nem poderia
relatar no seu estado de vigília quem ele foi durante o sono. Deste modo talvez ele
acredite, após ter voltado ao estado de vigília, que era praticamente inexistente.
Mas ele não diz nem afirma que realmente não estava dormindo, pela simples razão
de existir uma ininterrupta autoconsciência nele e que a identidade pessoal era man-
tida. Logo existe um “Eu” que persiste não só durante a vigília como durante o sono
independentemente das mudanças de estado. Quando esse “Eu” surge, o mundo in-
teiro se apresenta à mente. Qual é a fonte desse “Eu”? Averigue a fonte dessa noção
Eu através de um olhar penetrante e constante. Aquele que incessantemente fixe sua
atenção na origem do “Eu” mergulha no Supremo (Mahath- Uma Sahasra). Desse mo-
do, apreendemos que toda existência fenomênica se apresenta à consciência-ego. O
versículo seguinte trata da formação – ego e menciona-o sob diversos nomes.

VERSÍCULO 26

“O corpo cego, não nascido é o Ser Real.


Entre os dois, dentro dos limites do corpo,
Algo mais aparece ali.
Este é o nó entre a matéria e o espírito, a mente e a alma vivente, o corpo sutil, o
ser-ego.
Este é o Samsara, a roda que gira (da vida e morte).”
59

O que é este “Eu” ao qual se apresenta todo o mundo fenomênico? Não pode ser o
corpo que é insensível, nem tão pouco pode ser o Ser não nascido que é a consciência
Perfeita. Aqui temos a afirmativa abalizada de Bhagavan Sri Ramana Maharshi de
que, entre os dois, dentro dos limites do corpo, algo surge. Entre o Ser não nascido
que é a base da noção “eu” em todos os seres, e o corpo visível e insensível (Jada),
surge algo que se chama ser-ego. Este é distinto, de um lado, do Ser não nascido, e
do outro lado, do corpo, e neste sentido é, ao mesmo tempo, difuso e limitado. Des-
te modo, este ser-ego participa das características de ambos: do Ser e do corpo, por
ser formado entre os dois e servir de elo entre eles. Vários são os termos menciona-
dos para descrever suas diversas funções. É o ego (Ahamkara), que é uma formação
efêmera um reflexo do Ser tendo por trás o apoio deste com uma certa fixidez. O Ser
consciente é livre mas está limitado e vinculado ao corpo. A declaração de que o ego
é uma formação entre o Ser e o corpo, e os une por assim dizer é típico do ponto de
vista filosófico de Sri Ramana Maharshi e expressivo da sua experiência pessoal. Este
fato se torna ainda mais claro quando Ele denomina o ego (Ahamkara) de nó psico-
físico que liga o espírito à matéria (Chit-Jada Granthi). É verdade que a ideia de nó
(Granthi) é pelo menos tão antiga quanto os Upanishads mas aqui este conceito rece-
be um tratamento especial com expressivos destaques. Em virtude de ser este víncu-
lo um nó, um laço, entre o espírito e a matéria, denomina-se escravidão (Bahdha),
este se situa entre o corpo causal e o grosseiro, entre o Ser (Karana), e o Sthoola
Deha, que é o corpo sutil (Sukushuma). Está limitado ao corpo e tem funções corpó-
reas e, consequentemente, se chama corpo sutil (Sukshuma Sharira). Dos dois ele-
mentos principais do corpo sutil, força vital (Prana), e substância mental (Manas), a
mente é a mais próxima da luz consciente. Logo como recai sobre este elemento
maior relevância, o corpo sutil é chamado mente. Mas é a força vital no ser vivente
que manifesta a mente na qual o ego se estabelece como sendo o Ser. Com a ênfase
transferida para o Prana, este é chamado de ser vivente (Jiva). É este ser-ego (Jiva),
a alma em formação, por assim dizer, que faz girar a roda do nascimento e morte
(Samsara).
Outras peculiaridades relativas a este tema do ego, foram tratados na introdução
desta obra.
O jogo do ego é descrito no próximo versículo.

VERSÍCULO 27

“Nascido da forma e enraizado nas formas,


Vivendo nas formas, sempre alterando suas formas,
Em si informe, fugindo ao ser inquerido,
Assim é o fantasma-ego”.

O ego foi apontado como sendo uma formação sutil, que se move entre a matéria e o
espírito, ligando o Ser ao corpo. Foi caracterizado como um nó psico-físico no corpo
material do indivíduo. Seu verdadeiro caráter é descrito aqui ao se afirmar que, ape-
sar de ser uma formação, não tem forma própria. Como já foi observado, este é uma
imagem do Ser formado na sutil substância-mental e força-vital, aqui denominada
corpo sutil. Este corpo sutil está sempre mudando de forma em forma já que é “nas-
60

cido das formas e enraizado nas formas” da mente, a qual nada mais é que um inces-
sante movimento-pensamento, uma criação da força-consciência. O ego é o ser apa-
rente apoiado na sua raiz pela luz do Ser consciente, e é atraído pelos objetos exter-
nos. O ego inclina-se para os objetos externos e se absorve neles por intermédio do
corpo sutil constituído de “mente e vida” com o qual se identifica. De fato, este é
formado e dissolvido na substância sutil propriamente dita. Realmente, este ser-ego
(Ahamkara) é chamado Jiva no versículo seguinte. Mas a dissolução do ego conduz à
destruição do ego e do sentido-ego, mas de modo algum da individualidade. O ego,
mergulhando no abismo do Ser, numa busca intensa e fervorosa a fim de se conhecer,
faz com que um stratum mais profundo da consciência venha a superfície e este é o
“Eu” real, a última referencia de existência, o Supremo significado do Ser-existência,
o qual é remotamente refletido, e temporariamente representado, na superfície pelo
ego, ou ser aparente (Athmabhasa) (C/versículo 32: “então irrompe brilhando outro
“Eu”). A busca pelo ego, e seu total abandono, é a condição indispensável à conquis-
ta espiritual.

VERSÍCULO 28

“Com o surgimento do ser-ego, tudo aparece.


Ao ser extinguido tudo desaparece.
Logo, tudo isso nada mais é que a forma do ego.
A busca dele é o caminho para a conquista.”

Muito já foi dito sobre a origem, caráter, postura e jogo do ego, que agora estamos
em condições de apreciar a verdade da afirmação “O ego surgindo, tudo aparece”.
Mas isso não quer dizer que a existência do mundo, seja qual for seu caráter real,
aqui está na dependência do meu ou de qualquer outro ego. Isto apenas quer dizer
que o mundo tal qual se apresenta ao meu sentido-ego, isto é, como sendo uma exis-
tência separada e independente, manifestada qualitativamente, quantitativamente,
cessa de existir na ausência de uma consciência formada como ego que utiliza o
mundo das aparências como uma sugestão do qual tira suas formas qualitativas com
as quais se deleita. Se o ego submergir, ou extinguir-se, o mundo das formas, como
nós o conhecemos, desaparece e, em seu lugar, o mundo da realidade (vide versículo
nº 20) se apresenta à sobrevivente e persistente consciência Suprema do ser, que não
é o ego. Assim buscar o ego e conquistá-lo – abandonando-o é condição indispensável
para a conquista e posse do todo. Isso envolve um controle sobre as aparências que
encobrem a verdade – o Ser real – do ser exterior e superficial (vide versículos nº 55 e
6). A permanência Suprema no Ser (Nishtha) resulta do mergulho do ego implemen-
tada por uma fervorosa busca.

VERSÍCULO 29

“Esse é o Estado Real, onde o ego não vive.


Seu lugar de nascimento procurado,
O ego se dissolve
Por nenhum outro método (mais) sábio se pode atingir
O estado Supremo do seu próprio ser.”
61

Não existe formação do ego no estado da Suprema Realidade do Ser. Esta é uma ver-
dade que sobrevive ao ego mesmo estando sempre por trás do seu aparecimento.
Apesar da verdade estar presente em todos os estados, até mesmo durante a persis-
tência do ego, sua presença não é sentida na existência egóica. Quando o ser-ego
sente um ímpeto a fim de conhecer a sua própria fonte, ou quando sente o estímulo
de um impulso Supremo, inicia um movimento de busca fervorosa da sua origem, e aí
se perde. A perda do ego resulta na realização da união do ser-ego com o Eu-Real, o
Ser profundo, naquele estado de equilíbrio exaltado, denominado NISHTHA (vide ver-
sículo nº 32). Tendo indicado vários métodos de busca o Shastra agora aconselha o
uso de um método diferente, aquele do mergulho interior. Esta é realmente a essên-
cia da disciplina mística do Coração (Hiridaya Vidya) que conduz à sede Central do
Espírito do homem (Purusha).

VERSÍCULO 30

“Como num poço d’água profundo,


Mergulha bem fundo com razão aguçada.
Com a palavra, a mente e a respiração restringida,
Assim explorando, podereis descobrir a fonte real do ser-ego.”

Assim como alguém esquece todos os outros pensamentos, e põe de lado todos os
outros cuidados, e prendendo a respiração e a fala, entra num poço e mergulha fun-
do para recuperar um objeto perdido, da mesma forma tem que esquecer por hora
todas as responsabilidade e cuidados e mergulhar para dentro da mais profunda ver-
dade de si mesmo prendendo a respiração e a mente que de outro modo dissipariam
energia e dividiriam seus interesses. Assim fazendo ele entra num movimento de
mergulho que se aprofunda cada vez mais e, com o olho vigilante e discriminador
evolui para uma consciência Suprema. Os métodos até agora sugeridos, são todos
algum tipo de busca através da mente os quais realmente proporcionam certos resul-
tados uma vez que a intensidade dessa busca determina a medida do sucesso. Mas
neste versículo, o método denominado o “Mergulho”, é sugerido e é a prova real da
persistência na busca. Um esforço persistente e de todo coração envolve a reunião
de todos os interesses dispersos e energias dissipadas num único esforço concentrado
do homem em todos os seus aspectos. Não é uma tentativa parcial pela mente ou por
meio de controle da respiração. No versículo, a retenção da respiração e da palavra,
é sugerida como um meio e uma condição que acompanha o “mergulho”. O ato de
restringir a palavra sugere uma mente preparada para o esforço e que possua a calma
como condição preliminar. O controle da respiração também é mencionada nesse
versículo como sendo ambos: um meio e uma condição necessária. É fácil verificar
que estes acompanham um esforço sério deste tipo. Mas como podem ser entendidos
como meios? A disciplina de regular a respiração tem um valor relacionado ao hálito-
vital, pois este elimina, em certa extensão, as impurezas que são a herança de uma
vida dividida entre seus interesses. Além disso, as disciplinas seguidas no controle da
respiração (Pranayama), proporcionam uma determinada pureza à vida no corpo o
qual auxilia a mente a controlar-se uma vez libertada de certas investidas da vida
sobre ela. Uma mente fraca e impura, é uma escrava da vida que está sempre à pro-
62

cura da satisfação do apetite-fome e sede e cheia de desejo de gozar objetos sensu-


ais. A Sadhana pela qual Prana é purificada, muito contribui para purificar e elevar a
mente. Devemos notar que é importante aqui é a adoção de um meio qualquer que
possa proporcionar um decidido mergulho a fim de encontrarmos o Ser Real em nos-
sas profundezas. Apesar da atitude de Sri Ramana Maharshi para com a Sadhana pos-
sa ser resumida numa só palavra, Nishtha, que conduza ou é realizada no Prapanthi,
ele não tem predileção alguma por qualquer das yogas estereotipadas, como por
exemplo, “Isto não” (Jnana Yoga de Nethi), ou o Bhakti-Yoga, com os seus oito mem-
bros de Shravana Kirthana, etc., ou o Raja yoga que visa unicamente um estado arre-
batador da mente em que esta não é perturbada pelo mundo.
Adiante é descrita a Vichara ou indagação, como sendo a busca do Ser através da
introspecção que se obtém com a mente calma e unificada.

VERSÍCULO 31

“A mente através da calma num mergulho profundo indaga.


Somente isso é a busca real do Ser.
“Eu sou isto”, “Isto não é meu”.
Tais ideias ajudam a avançar na busca.”

Quando a mente se acalma, livre de todos os pensamentos, exceto aquele sobre o


Ser, e inicia a Sua procura no silêncio, somente então pode-se dizer que se iniciou a
correta e verdadeira busca do Ser (Vichara). Discussões Shastricas, e discriminações
intelectuais, conduzindo à convicção de que “Eu sou o Ser, aquele que vê e não é
visto” ou “Este corpo não é o Eu, ou meu”, são de fato, um auxílio à busca interior,
mas não é a busca propriamente dita. Por serem auxílios úteis, não devem ser des-
prezados. Existe um conceito antigo nos círculos escolásticos, de que conhecimento
Shástrico nesta vida, ou noutra anterior, é uma condição de competência (Adhikara),
para o conhecimento de Brahman (Brahma vidya). Este ponto de vista não é apoiado
nesta obra. Quando a pessoa, como resultado do enfraquecimento do ego – o Ser apa-
rente na superfície – se liberta dos grilhões da ignorância, surge à superfície o “Eu
Real”, o Ser, que é a consciência básica e o suporte do indivíduo, no qual o ego atua.
Este “Eu” não é o ego, e sim um incessante facho de luz da Suprema consciência, do
próprio ser Supremo.

VERSÍCULO 32

“Ide ao Coração no interior pela busca.


O ego inclina sua cabeça e cai,
Então irrompe, brilhando, outro “Eu”
Não é o ego, mas o Ser, Supremo, Perfeito.”

Quando pela busca conseguimos de alguma forma penetrar no Coração, o Ser-ego


imediatamente cai, precipitando-se nas profundezas abismais, por assim dizer, para
jamais voltar à superfície com sua maneira habitual de ver a si, o mundo e outros
seres, como existências separadas dele. Significa isto que o ser-ego ficou perdido
para sempre? Não. Perde-se o ego mas somente para abrir caminho ao Ser original, o
63

real, que vem à superfície seja usando o ser-ego regenerado como instrumento, ou
seja transformando-o num verdadeiro reflexo de modo a fazer-se presente na super-
fície, cujo efeito é uma experiência, um sentimento no Ser-ego de que é um com seu
“Eu” Real e mais profundo e que é esse ser profundo que assumiu a forma do Ser
aparente na existência fenomenal. Por isso, é afirmado neste versículo que não é o
ego, mas sim, o próprio Supremo (Param Eva Vasthu) que irrompe brilhando como o
incessante “Eu” após a queda do ego no interior do todo-Devorador silêncio do ser.
(O brilho incessante do “Eu” Supremo é mencionado como Suddha Ahambhava Spho-
orthi. Vide comentário do versículo nº 1 com referencia ao canto II do Ramana
Githa).
No versículo a seguir afirma-se que a verdadeira natureza da conduta de um ser li-
berto em vida (Jivan Muktha) não é compreensível à mente externa, a qual não pode
libertar-se das regras de conduta convencionais.

VERSÍCULO 33

“Que mais resta para Ele fazer


Aquele que engoliu o ego e irrompeu resplandecente?
Separado do Ser, nada há para Ele.
Sua condição avaliar, quem ousará fazê-lo?

Um indivíduo liberto dos grilhões do ego em vida (um Jivan Muktha), não apenas ces-
sa de estar na consciência egoística, mas está firmemente enraizado na verdade pro-
funda de si mesmo, assentado na consciência do Real, do Ser. Logo, “que mais resta
para Ele fazer”, do ponto de vista egoísta? A finalidade do ego é realizado no desen-
volvimento da consciência mais profunda do Ser que é livre para dissolver o ego com-
pletamente, ou para retê-lo como um instrumento agora transformado para seus pró-
prios propósitos, utilizando-o de um modo mais afinado com as leis do espírito mais
profundo, conhecido como o Real, o Ser, sempre livre e eterno, o Divino. Deste modo
nos é revelado que o ser liberto (Jivan Muktha) “engole o ego e irrompe resplande-
cente. Não é uma perda completa do ser-ego. É mantido vivo, por assim dizer, para
ser utilizado pela verdade mais profunda, o Ser Real e Divino. Como o ser liberto (o
Muktha) realizou sua identidade com sua própria verdade profunda, diz-se que engo-
liu o ego e irrompeu resplandecente. Ele compreende que o Ser nele é Brahman, o
Divino. Embora veja as diferentes manifestações no Uno infinito, ele não as vê dife-
rentes do Ser Infinito do qual tem profunda consciência através de uma integração
íntima interior. O ego está lá, sentindo a presença, poder e impacto do seu mais pro-
fundo Ser e é levado a agir como que guiado pela luz no seu interior. Assim foi dito:
“Nada existe para ele separado do ser”. Tal condição é realmente inconcebível pela
mente com sua visão voltada para o exterior. A manifestação de poderes superiores,
assim como a modificação que ocorre na incorporação do Jivan-Mukthi, foram menci-
onados no Ramana Guitha (vide introdução). A fraqueza da compreensão dá surgi-
mento a longas discussões, será o tema do próximo versículo.

VERSÍCULO 34

“Aquele Vós sois, as escrituras claramente afirmam.


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Entretanto não possuindo a permanência no Ser Supremo,


Repetido debate é apenas fraqueza do pensamento,
Luminoso é aquele sempre, que é o nosso próprio ser.”

A verdade subjacente do ser-ego é Brahman designado pela palavra “Aquele”. Aquele


Brahman que está além de tudo o que se compreende, é o Ser Real em voce. O acha-
ria ao dirigir-se ao discípulo, a alma humana, apela para a consciência-ego para que
siga a pista da sua origem até Brahman que já se acha lá assentado no coração como
o Ser Real do indivíduo. Um ser humano não regenerado, de fraca compreensão não
tendo coragem decidida de abandonar as suas preocupações e tomar uma atitude
corajosa com o objetivo de discernir e realizar a verdade no profundo e tranquilo
ser, levanta questões e multiplica discussões e debates. O Ser está sempre lá consci-
ente de si mesmo e do jogo do ego que faz girar em torno de si um mundo de discus-
sões que ocultam dele sua mais profunda verdade. Mas no momento que suspende
essa atividade, e cai no silêncio, sente a presença da verdade, do “Ser” que é eter-
namente luminoso. Portanto, o estado de escravidão apóia-se no fato de que o ego
não percebe a presença de um Ser Eterno que é a sua própria verdade mais profunda.
O movimento incessante do pensamento forma um véu sobre o ser-ego o que se torna
uma obstrução ao verdadeiro despertar.
O próximo versículo encoraja o ser aparente para que procure o seu Ser original e o
incita a dissolver o pesadelo da ignorância e realizar a verdade, ou seja, aquilo que
ele tem de conhecer já é um com ele e não difere de si mesmo.

VERSÍCULO 35

“As afirmações: “Eu não sei”, “não, eu sei”,


Discussões como essas conduzem ao ridículo.
Existe um ser dual, o que vê e o visto?
O Ser é um. Eis a experiência de todos”;

O que se chama estado de autorrealização implica que existam estados nos quais o
Ser não é realizado. É num estado de ignorância que uma pessoa diz: “Eu não conhe-
ço a mim mesmo” ou “Eu me conheço”. Essas afirmativas provocam o riso porque o
Ser é sempre conhecedor e nunca a coisa conhecida. Deve-se abandonar a ideia de
que se pode ver o Ser a qualquer momento da mesma forma que sua mente vê os
objetos separados e deferentes dele mesmo. Ver o Ser não se trata de uma percep-
ção mental, mas é um verdadeiro despertar, uma consciência profunda do seu pró-
prio Ser, que é a verdadeira fonte do ego, que jaz na ignorância, separado de sua
raiz. Independente das diferenças de condição, de lugar e tempo, o Ser em cada in-
divíduo, continua sendo o mesmo, isto é, sempre o observador e jamais o objeto vis-
to; e se expressa à consciência-ego na forma de uma identidade pessoal. Por conse-
guinte, a sugestão deste versículo é a de que o ser superficial deve ajudar a si pró-
prio, explicando que a luz nele existente, apesar de fraca, é suficiente para dar iní-
cio à busca e, desse modo, abrir caminho para a maior e mais profunda consciência
que é o Ser-Real. Este é o espírito dos ensinamentos das escrituras:
“Através do Ser, devemos
Exaltar o Ser.”
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“Através do Ser, devemos alcançar o Ser.”


“Conhecimento (imperfeito)
É o meio que conduz ao
Conhecimento perfeito.”
Se é um fato que o meu ser real já está lá, por que então não é logo alcançado, in-
dependentemente do meu próprio esforço?

VERSÍCULO 36

“Sem domicílio fixo no coração, no nosso próprio ser,


A morada não construída do Real,
Discutir “Real ou Irreal”, “com forma ou sem forma”, “muitos ou um só”,
Toda esta disputa verbal é apenas o jogo de Maya”.

Esse ser tão próximo de mim, intimamente relacionado comigo, como minha própria
realidade, é em verdade um fato; entretanto ainda não está dentro da minha expe-
riência atual. Por que? “Eu mesmo”, que é chamado de ego, tendo surgido do Centro,
o Coração, estou envolto em dúvidas quanto à minha verdadeira natureza e do mun-
do que me cerca. Meu esquecimento, ou ignorância da verdade e minha fraqueza não
são minhas criações pois se diz que o Ser é “sempre luminoso”, então o que foi que
ocasionou esta minha condição? Isso “é o jogo de Maya”. É o que é Maya? Este poder
é o causador da ilusão da Shakthi do Senhor de Tudo (Thirodhana Vide introdução)
que lança um véu (Avarana) sobre o Ser subjetivo mantendo-o afastado da luz e tam-
bém emite certo grau de energia da sua própria força criadora, que é dispersada e
difundida, além de transformada em existência objetiva (Vikshepa) na qual a consci-
ência é absorvida. Autorrealização é o Supremo poder (Siddhi), a máxima perfeição.

VERSÍCULO 37

“A realização do Real, somente esse é o verdadeiro Poder (Siddhi).


Todas as demais realizações são como sonhos, impermanentes.
Podem os sonhos serem reais ao acordado?
Aquele que está estável na verdade, poderá tornar a cair em Maya?”

O fruto de todo o esforço humano é concretizado na autorrealização. Isso é o verda-


deiro sucesso, a Real perfeição, a Suprema alçada (Parama Siddhi). O liberto
(Muktha), é um Ser perfeito (Siddha). Para ele, que realizou a sua verdade, nenhum
outro esforço lhe resta fazer, pois atingiu o Ser Real, que está presente em todos os
estados de consciência e, consequentemente, é permanente. Este é o Estado Eterno
e Imutável. Todas as demais conquistas, poderes (Siddhis), manifestações Superiores
de poder e luz, não adaptáveis às condições da vida terrena são verdadeiramente
grandes fenômenos, que deixam a mente humana comum maravilhada. Entretanto
manifestações de Poder (Shakthi) que, por si, não representam o Estado Real e Eter-
no do Ser, pois sob certas condições, tanto podem aparecer como desaparecer. Mas o
Ser Real, está presente e é imutável sob todas as condições e em todos os estados.
Logo, a autorrealização, é a mais alta conquista. Os demais poderes (Siddhis), são
66

comparados aos sonhos, pois não perduram em todos os estados e condições. Deve-se
ter em mente que a realização espiritual é da mais alta relevância conforme é enfa-
tizado aqui, objetivando corrigir conceitos populares errados a respeito dos poderes
(Siddhis) bem como sobre a ânsia da mente humana por “milagres” que se supõe se-
jam obtidos por vários métodos. Ao mesmo tempo, não devemos esquecer que Bha-
gavan Sri Ramana Maharshi remove outra concepção popular errônea quando afirmou
que o homem realizado (Jnanin) se opõe a todos os Siddhis e os descarta como sendo
incidentais às sendas inferiores (Sadhanas) adotadas pelos Sadhakas que ainda não
estão preparados para o caminho supremo do conhecimento (Jnana). Os Siddhis ver-
dadeiros, ou as mais altas manifestações de poder e luz estão sempre ao alcance do
Jnani, os quais não são conseguidos através de um mero esforço humano. Somente o
Jnani, o Jivan Muktha, é competente para tais desenvolvimentos maravilhosos con-
forme é afirmado em termos claros no Ramana Guita e em outras declarações de
Bagavan Sri Ramana Maharshi (vide introdução). A meditação “Eu sou Ele”, é de al-
guma ajuda enquanto o indivíduo sente que é o corpo.

VERSÍCULO 38

“Para aqueles que pensam que o corpo é o Ser,


A meditação “Eu sou Ele” é ajuda de verdade na busca Suprema.
Isso é fútil no Estado realizado do Ser,
Tão desnecessário quanto o homem declarar Eu sou homem.”

Enquanto estivermos absortos no corpo físico, ou no ser sutil da vida e mente, é de


algum benefício meditarmos que o “Eu”, o ser humano, é “Ele”, o Ser Supremo. Esta
meditação, “Eu sou Ele” (So’ham), envolve a negação da ideia do corpo e por conse-
guinte é útil até certo ponto como um antídoto. Mas nenhum ser realizado afirma “Eu
sou Ele”, o Brahman”. Agir assim é fútil e provoca o riso. Nenhum homem precisa
dizer “Eu sou homem”. Dizer isso não faria outro ser se transformar num homem se
ele não o fosse. Somente quando surge a dúvida de que seja ou não homem, é que se
torna pertinente essa afirmação de que ele é homem e não uma ave, ou qualquer
outro animal. Até mesmo dizendo que ele é homem, não cria ou confere, a natureza
de homem mas é simplesmente uma afirmação do fato ou uma lembrança do que já é
evidente. Logo a meditação “Eu Sou Ele (So’ham), é de algum auxílio na remoção da
ideia errônea de que eu sou este corpo ou mente. Sri Ramana Maharshi sempre acei-
tou e apreciou as afirmações do Upanishads, tais como “Brahman é consciência”, “Eu
sou Brahman”, “Vós sois aquele”, “Este ser é Brahman”, “Eu sou Ele”. Mas ele sus-
tenta que estas são afirmações da verdade revelada, consequentemente são válidas.
Entretanto, nem a repetição oral, ou mental, destas frases constitui a verdadeira
disciplina espiritual (Upasana ou Sadhana), pois essa última constrói uma vida interi-
or que conduz à realização da verdade última exemplificada por essas expressões
sagradas. Assim a parábola do décimo homem perdido (Dashana Drishtantha) é citada
para confirmar a verdade da não dualidade (Adwaitha).

VERSÍCULO 39

“No despertar, a não-dualidade (Adwaitha) é a verdade.


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Antecedendo-a, a dualidade (Dwaitha) é a verdade.


Raciocinar desta forma, é raciocinar erradamente
Pois a verdade é a verdade, seja ou não conhecida.
Não contado na parábola o décimo homem existiu.
Estava ele então perdido, ou era ele o nono.”

Estejamos conscientes ou não da verdade, esta continua existindo como verdade. O


Uno sem segundo (Adwaitha), é a verdade Final antes mesmo de se tornar manifesta
a mim. Dizer que a verdade é Dwaita no meu estado de ignorância e que Adwaita é a
verdade no estado de realizçao não é válido. Pois o estado de ignorância que me dá
um sentido de dualidade, afeta apenas a mim, a consciência egoística, mas jamais
afeta a verdade. A verdade esta perdida para mim mas nunca perdida para Si pró-
pria. Eu tenho que descobri-la e não criá-la. Na melhor das hipóteses, após descobri-
la, posso relacioná-la com a minha consciência, o ser-ego (aquele que se chama ser
superficial), enquanto “Eu”, o ego, persiste, ou é permitido fazer seu jogo em conso-
nância com a verdade do Ser mais profundo. Mas isso não é a criação de um estado
previamente inexistente ou não dual do ser (Adwaitha). O Ser externo talvez conside-
re isso uma conquista, mas essa conquista não é um acréscimo a ou alteração da ver-
dade propriamente dita. Essa parábola do décimo homem perdido é aqui citada a fim
de descrever a descoberta da verdade da Adwaitha. Dez homens entraram num rio e
o atravessaram. Ao alcançarem a Marge oposta, um deles contou apenas nove, omi-
tindo-se inconscientemente da contagem. Finalmente percebeu que o décimo ho-
mem, até então considerado perdido, não era outro senão ele, que se esquecera de
incluir na contagem. Somente a renúncia do sentido egoístico de que “eu faço isto” é
que destrói os efeitos do Karma (e que se denomina Karmanasha). O abandono da
ação em si, não é karma-Nasha.

VERSÍCULO 40

“Está destinado a colher o fruto


Aquele que se fixou no pensamento “Eu Faço”.
O sentido do fazedor que se perde pela busca do coração,
O karma triplo morre – e isso é libertação”.

O homem é certamente afetado por suas ações se estiver possuído pela ideia egoísti-
ca de que é uma entidade independente e separada dos outros seres, do mundo e do
Senhor. Esta ideia do ego é, naturalmente, uma noção errônea pois qualquer que
seja a coisa no homem que efetuar as ações, estas não lhe pertencem na realidade.
Seu corpo e sua vida, são peças do mundo, assim como o é a sua mente. Qualquer
ponto de vista filosófico que adote sobre esses últimos – corpo, vida e mente – não
são “ele mesmo”, ou pelo menos, é algo sempre em movimento que não é esse “Eu”
persistente. E qualquer ação que seja realizada, é efetuada por uma parte em nós da
energia Universal, que no final de contas pertence a algo diferente daquilo que
chamo de “Eu mesmo” agora. Devemos compreender a verdade de que o impulso
verdadeiro para as ações, assim como a energia necessária às mesmas, surge de uma
fonte diferente do ser-ego. Logo, todo aquele que tentar descobrir quem é que está
agindo dentro dele, dando sanção às ações, ou até efetivamente realizando o traba-
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lho alcançará o Coração, o centro do Purusha, o espírito nele. Uma vez realizada a
fonte do ser-ego (Jiva), as ações cessam de prendê-lo, pois percebe que é outra coisa
que efetua as ações. Ações egoísticas são proibidas, pois escravizam o autor. As al-
gemas do Karma triplo, são quebradas para sempre no momento em que o ego para
de ser o autor das ações ao abandonar sua falsa e errônea pretensão de sê-lo. O Kar-
ma triplo é: 1º) os frutos coletivos (Sanchitha) de ações passadas vividas que persis-
tem no presente como tendências (Vasanas); 2º) O efeito sentido no presente de
ações passadas (Prarabdha); 3º) Ação futura cuja semente é semeada no presente
através de desejos ocasionados pela força de todo o passado (Agami). Desse modo o
Karma triplo amarra o ego-ser, que não sabe que o Ser é o verdadeiro fazedor. Daí a
instrução para que o Ser-ego realize o Ser nas profundezas a fim de quebrar os gri-
lhões do Karma. O Ser-Real, que é a ultérrima verdade, está além das relatividades
da escravidão e da liberdade, às quais o Ser-ego está sujeito.

VERSÍCULO 41

“O pensamento de libertação está ligado ao sentido de escravidão.


É a tentativa para conhecer o que é que escraviza que
Conduz ao Ser não-nascido, O nosso
Próprio, o eternamente livre.
Onde então pode surgir pensamentos de libertação e de escravidão?

Somente terá um sentimento de libertação aquele que tiver um sentimento de escra-


vidão. É o ser-ego que está preso e tenta libertar-se. A partir do momento que o ego
inicia a busca do Ser, os grilhões da escravidão afrouxam e o Ser Real, que está ex-
ternamente livre, é alcançado não mais surgindo a questão de escravidão e liberta-
ção. Aquele que está preso e que sente a escravidão, já foi esclarecido. É o bastante
reiterar a esta altura que a escravidão se refere ao Ser-ego (Jiva), o Ser-Vivente ou
alma formada no corpo Sutil de vida e mente, com a consciência superficial ou apa-
rente (Chid Abhasa). Mas este ego-Ser é impermanente. E justamente para sua disso-
lução, fusão ou transformação numa consciência mais profunda ou radical, a do ser,
o Real é que são recomendadas meios e métodos nos shastras, nas obras de homens
capacitados para expor o assunto.
Chegamos ao antepenúltimo versículo do Shastra. A verdadeira libertação é diferente
da tríplice libertação e é essencialmente a dissolução do ego.

VERSÍCULO 42

“Na libertação a forma não existe. A forma realmente está lá na libertação


Sem forma e com forma, ambos estão. Assim declaram os sábios.
Discriminando a libertação tríplice, o ego pondera.
A perda disso é a Real Libertação.”

Três espécies de libertação são relatados pelos sábios. Alguns afirmam, como Badari
que a alma liberta não tem forma, nem corpo de qualquer tipo. Outros, como Jaimini
sustentam que a alma liberta tem um corpo próprio. Mas Badarayana assegura que
ambos os casos são possíveis, isto é que a alma pode ter uma forma própria ou pode
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dispensá-la. Entretanto, Bhagavan Sri Ramana Maharshi, expõe que a verdadeira li-
bertação (Mukthi) não se acha em nenhum desses estados e que consiste na perda do
ego, o qual fica conjecturado sobre os possíveis estados após a libertação. o que é
que isto sugere? Certamente o homem libertado ou agrilhoado, deverá necessaria-
mente estar num destes três estados, a saber, com corpo, sem corpo, ou capacitado
para ambos. Nega-se que estes estados são fatos? Além do mais, o versículo diz que
estes pontos de vista são mantidos pelos sábios, isto é, por homens que tem compe-
tência em outro lugar (vide Ramana Guita): “O Jivan Muktha se torna intangí-
vel...invisível... Ele fica sendo mera consciência movimenta-se livremente ao re-
dor...” Bhagavan ao declarar neste versículo que a verdadeira libertação não é qual-
quer desses estados, ele quer dizer que estes são estados (progressivos) de desenvol-
vimento que sobrevêm a ao liberto (Jivan Muktha) esteja ele vivo na terra ou tendo
partido dela. Estas manifestações espirituais, a capacidade de assumir ou dispensar a
forma deliberadamente, ou então ficar sendo apenas um centro de consciência, Uno
com o Supremo, se refere à condição dinâmica da alma humana, em qualquer corpo
em que se encarnou, seja este físico e vital, ou apenas mental e psíquico ou espiritu-
al ou numa substância ainda mais refinada e divina. Mukthi é então, uma experiência
interior que é a realização do Ser, isto é o estado de realização do Ser, é o mesmo
seja aqui neste mundo ou em outro, numa existência encarnada no plano terreno ou
em outras esferas supra-físicas de existência. Não existem distinções nos tipos de
libertações (Mukthi), que consiste na absorção do ego pelo Real, o Ser, na entrega
total ao Ser divino e supremo. Qualquer desenvolvimento que ocorra em virtude do
implacável Thapas do Ser-Real, não acrescenta nem diminui algo a esta libertação
radical. Devemos lembrar que não se trata do fruto de um esforço especial, mas sim,
um estado normal de consciência Suprema que é por natureza, um poder concentra-
do (vide R.G. e introdução). Podem advir poderosas e sublimes manifestações, ver-
dadeiramente maravilhosas para nossa mente comum, mas estas não afetam a nor-
malidade do Supremo estado de Muktha, Uno na consciência com a verdade ultérri-
ma, o Ser divino denominado no Shastra de Ser Real a fim de realçar sua importância
e relação como o Ser-ego (Jiva). Por conseguinte conjecturas sobre os possíveis esta-
dos da alma humana liberada não é, de modo algum, um meio de libertação, o qual
jaz na perda do próprio ego. Assim este Shastra uma vez mais reitera que o ego, que
se envolver nessas discussões, deverá delas se afastar e mergulhar no Ser profundo.
Somente isso é a libertação verdadeira.

VERSÍCULO 43

No dialeto Tamil, o grande profeta Ramana, transmitiu Sat Darshan, o tratado puro.
Deste poema sublime, Vashista, o sábio, deu sua versão na língua dos Deuses.

VERSÍCULO 44

“Assim se projeta o brilho da palavra do Muni.


A essência da verdade vos é dada facilmente.
Deleite dá àqueles que anseiam pela libertação,
Pois os raios das palavras trans-humanas do grande Ramana,
Funcionam como um espelho refletor
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Assim brilha a voz do Muni.”

Saudações à Sri Ramana

NOTA DO TRADUTOR:
Kavyakanta Ganapati Muni, o mais ilustre poeta e sábio da língua sânscrita do seu
tempo, era universalmente respeitado pela sua pura e austera vida, seu criticismo
cortante do comportamento mal orientado da época, seus profundos e entretanto,
liberais pontos de vista a respeito de templos religiosos melhores e as classes oprimi-
das, e sua imparcial cruzada contra as más interpretações dos vedas e dos Shastras.
Ele foi amado pela sua simplicidade no modo de viver, seu amável companheirismo e
sua generosidade. Ele não admitia alguém ser superior à sua pessoa ou aparentar ser
superior a quem quer que fosse. Ele favorecia os fracos e oprimidos, circulando li-
vremente nos meios intelectuais do país mas, todavia, livre das ansiedades e preocu-
pações mundanas. Sua fé em Deus era absoluta e seu amor e respeito por Sri Ramana
Maharshi era extraordinário. Os seguintes versos (Slokas) demonstram a profundidade
da sua devoção ao mestre.

QUARENTA VERSÍCULOS
EM LOUVOR DE
SRI RAMANA MAHARSHI
(A alegria inundou o seio da mãe Terra porque)

1. O senhor da misericórdia, morando na encosta de Arunachala, de cuja gloriosa


vida irradia a luz que varre as negras tristezas da vida humana que Ele reivin-
dica pela sua realização de ambos a verdade exposta por Vishnu (no seu Ava-
tar como Sri Krishna Srimad Bhagavad Gita), e do símbolo recôndito do silên-
cio mostrado por Siva (como Sri Dakshinamurti a Sanaco e outros);
2. Aquele que é o mestre e guia de todo um grupo de ilustres letrados começan-
do com Ganapati, sendo o repositório de todas as altas virtudes, cuja efulgen-
cia beatifica sob a camada do corpo grosseiro, está escondida como o sol fla-
mejante está atrás das nuvens;
3. Aquele que é perfeito no domínio dos sentidos rebeldes, que prontamente
reconhece apenas os méritos dos outros, que sempre permanece na não-
sofisticada felicidade da paz, e subjugou todas as flagrantes e devastadoras
paixões;
4. Aquele que subsiste das esmolas espontâneas dos seus devotos permanecendo
como um asceta austero na encosta da Colina, cujo coração está à prova con-
tra as setas de cupido, e consagrou sua vida para conceder realização (Jnana)
a todos os que a buscam;
5. Aquele que atravessou o oceano medonho da tristeza e se firmou na margem
oposta, que usa suas mãos macias como o lótus para delas se servir como tige-
la, que afugenta o medo daqueles que se refugiam aos seus pés de lótus atra-
vés de um único olhar refrescante;
6. A mera presença dele esmaga o fardo do infortúnio dos devotos sinceros redu-
zindo-o a pó e dispersando-o, assim sendo uma enseada de segurança para
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eles, cuja vida demonstra as regras do verdadeiro ascetismo dissipando as


trevas.
7. As virtudes dele são contadas até mesmo pelos riachos, folhas e pedras, (lite-
ralmente – “Que só pode ser contado pela Adisesha das mil línguas, que é sa-
grada, piedosa, sábia e muito erudita”.), que fala a não ser em doces palavras
significativas e fecundas, e que não é impressionado pelo elogio, nem depri-
mido pelo insulto a Ele dirigido.
8. Aquele que é o primeiro entre os sábios, cujo intelecto é o mais perspicaz e
brilhante, que inexorável decepou o ego e completamente venceu as hordas
internas inimigas, (ou sejam, luxúria, avareza, cólera, inveja, vaidade e infa-
tuação), e está submerso na grande corrente da felicidade eterna;
9. Aquele que alcançou alturas transcendentais por ter, através da sua própria
virtude, conseguido a divindade o que é quase impossível para outros, que es-
tá livre da individualidade, é benigno para os bons, e é o bem amado no cora-
ção de Ganapati;
10. Aquele que em tempos remotos transpassou o Monte Krauncha (ver. 10 Deus
Skanda, o filho de Siva e Parvati, é famoso nos puranas por ter transpassado o
Monte Krauncha e o despedaçado) mais tarde renunciou à alegria de sua mãe
Parvati, a fim de poder encarnar na forma humana (como Sri Ramana) a fim
de penetrar a densa escuridão que envolve a humanidade na Mãe Terra, o co-
ração da qual foi inundada de felicidade em virtude do seu senhor Ramana.
11. Que o asceta vestindo apenas uma tanga branca, que certa vez montava o Pa-
vão Celestial, e que agora desceu como homem na Terra reine sobre o mundo
como o seu único Senhor.
12. Salve o Uno que transcendeu todas as qualidades, o celibato astuto, aquele
com características humanas, o mestre e o destruidor de Tarakasura.
13. Aqui não tem o Divino Pavão que vos possa transportar nem um Ganges onde
Vos podereis banhar; nenhum néctar do leite materno tirado dos seios de Par-
vati; nenhum coro celestial de tocadores de vina para cantar para vós; Ó gol-
peador do Monte Krauncha! Como podereis ainda habitar em Arunagiri?
14. Só tendes uma face. Vós deixastes o colo da vossa mãe-Una.(Deus Subrah-
manya – ver. 14). Não carregais uma lança nas mãos. Estais em forma huma-
na. Não existem exércitos celestiais embandeirados nos vossos flancos. Basta
de usar essa máscara pela qual pretendeis enganar os incautos.mas como po-
dereis escapar à vigilância do nosso próprio irmão Ganapati?
15. Alguns vos adoram como o maior entre os Yogis; alguns como um Jnani; outros
como um asceta; e ainda outros como seu guru; mas mesmo que todos reve-
renciem vossos sagrados pés só apenas dois ou três entre os homens podem
reconhecer esse Ramana Humano como sendo o Skanda Celestial sentado no
colo da Sagrada Uma.
16. Vós explicastes o significado de Aum a Brahman, o Senhor de Sarasvati (a den-
sa do conhecimento). Vossa boca abriu-se para instruir também vosso pai da
verdade. Em virtude da vossa sabedoria. Vós viestes como o preceptor do vos-
so irmão mais velho Ganapati. Apesar da vossa juventude, Ó Subrahmanya pe-
los vossos próprios méritos ultrapassastes todos os mais velhos.
17. A cadeira de honra reservada aos mais merecedores, certa vez ocupada pela
grande Vyasa, o classificador dos Vedas, e mais tarde por Sankara da mais alta
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sabedoria, que dissipou as trevas da ignorância do mundo agora vos espera, ó


Mestre. Comandante em chefe dos heróis Celestiais, que agora estais encar-
nado como homem.
18. Agora quando a probidade está no fim, quando os três mundos se debatem
numa rede de sofrimento, quando os eruditos, tendo perdido de vista a ver-
dade, discutem polêmicas sem fim, e quando a própria existência de Deus, o
Pai, é posta em dúvida, quem mais poderia ser nosso refúgio, ó Skanda, agora
nascido como homem?
19. Mesmo sendo a imparcialidade de inestimável valor, poderá reter a graça a
outros? Mesmo sendo um estado sem esforço muito desejável, poderia a medi-
tação em Deus aos pés do Pai ser condenada? Mesmo sendo o desejo desprezí-
vel para vós, podereis por essa razão, deixar de proteger nossos devotos? Ó
Skanda em máscara humana, Vós ainda ides aguardar por algum tempo?
20. Fora com discussão vazia. Probidade, não mais precisareis ficar flácida (isto é,
em breve ficarás inteira). Confusão, afastai-vos do mundo. Que o bem flores-
ça em toda a parte. Pois, nosso Senhor o filho de Parvati, o destruidor do gi-
gante Soora – o maior dos Gurus está agora encarnado na terra com o Seu ir-
mão Ganapati.
21. Ouçam, homens. Reverenciai este irmão de Ganapati, o Mestre em forma con-
creta porém ainda o único Ser não dual penetrando o microcosmo e o macro-
cosmo; que está por detrás do intelecto de indivíduos diversos; o Ser que é
realizado como a fonte transcendental do ego e no qual se perde toda, a dife-
renciação.
22. Saudações a Sri Ramana, o Mestre Universal, o dissipador do Sofrimento do
mundo, o Uno que afasta as trevas dos seus devotos e se revela como a cons-
ciência Eterna inerente no coração, flamejante tanto dentro como fora, isen-
to de qualquer traço de ignorância – o Uno que brilha como a verdade trans-
cendental fundamentando o mundo e além deste.
23. Ó Ramana, que vosso olhar bondoso se dirija uma vez na minha direção para
que possa ser abençoado.
24. Ó Ramana, Vós sois o Guru natural do homem. Infinito é vosso Coração que
não conhece diferenças.
25. O mundo, ego e Deus, todos estão claramente submersos em mim como a
Realidade Transcendental em virtude do nosso verbo.
26. Novamente, de acordo com a vossa palavra, o ego desprendeu-se e eu agora
permaneço como a realidade Una não apartada de mim.
27. Devemos em nosso Coração, prontamente realizar o Ser Puro, oculto dentro
do ego, bastando apenas que a vossa Graça nos seja concedida.
28. Mas para vós a benção não é virtude, Ó chefe entre os sábios, pois é apenas
natural concedê-la para o coração efulgente que sois.
29. Ó ser imaculado, vossa forma brilha como a pura luz. Infinito é o vosso olhar
efulgente.
30. Ó senhor, vossa mente desapareceu dentro de vosso coração, e brilhais na
eterna felicidade.
31. Vós, ó chefe entre os ascetas autocontrolados, sois o cozinheiro designado pa-
ra o Senhor do Universo.
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32. Pois, seccionais os egos dos seres humanos, e os temperais para servi-los co-
mo alimento a Siva.
33. Eu adoro o Grande Mestre, Ramana, que penetra as densas trevas que preva-
lecem no coração humano, não só pelo poder das suas palavras, mas também
em virtude de sua graça concedida pelo seu olhar benévolo.
34. Ó Senhor Ramana, Vós sois tudo o que é beatífico enquanto vossos devotos,
atirados sumariamente no oceano de nascimento e mortes sem fim, e sendo
afogados a intervalos interminavelmente repetidos, lutam em desespero e,
estando completamente exaustos, estendem suas mãos às duas flores de lótus
que flutuam em cima na superfície, vossos sagrados pés, a eles procurando
agarrarem-se. Senhor misericordioso, piedosamente concedei aos vossos refu-
giados um olhar amoroso e salvai-os.
35. Qual será o destino do bebê que não é amamentado pela mãe? Onde está a
escapatória para as ovelhas com as quais se zangou o pastor? Onde está o so-
corro para o coitado (vítima de si mesmo) que enfrenta a ira do Senhor? Como
poderão estes seres de fraca compreensão dominarem o infortúnio se Vós, ó
Mestre, não aliviares os refugiados aos vossos Sagrados Pés dos seus fardos de
erros e dúvidas?
36. A paz perfeita se espalha quando derramais néctar através do vosso límpido,
suave sorriso de lua; a vida jorra da incomparável graça dos vossos firmes e
luminosos olhos; vosso impregnável Nishta irradia de vosso coração irresistível
glória ao redor; ó Ramana, que espécie de silêncio é este? Não tem paralelo
na terra, Meu Senhor.
37. A luz de Uma está em vossos Olhos para afugentar as trevas e a ignorância de
vossos devotos; vosso Rosto brilha como o lótus com a graça e fulgor de
Lakshmi; vossas palavras contem a erudição de Saraswati; preceptor dos mun-
dos, ó Ramana, o Grande, como poderá um mortal cantar a vossa glória?
38. Ó Senhor Ramana, estou agora longe dos vossos Sagrados Pés quando a graça
divina acontece tocar-me; entretanto, minha fé inabalável no destruidor po-
der do espaço de vossa glória, radiante como a luz solar, mantém em calmo
equilíbrio a minha mente nesta hora crucial.
39. Os frutos benéficos acumulados, e somados ao monte vermelho, Arunachala,
por ter abrigado numerosos sábios no passado, agora se tornaram incompará-
veis em virtude do Senhor Sri Ramana Maharshi ter escolhido este Monte, en-
tre muitos outros lugares sagrados, como seu lar.
40. Sri Ramana Maharshi é um ideal oferecido à humanidade em virtude da sua
profundidade de paz; do seu fluxo intrépido de poder; da sua extraordinária
equanimidade; do seu termo amor; da sua brilhante luz ofuscante de um raio,
e da Sua vida beatífica.

Ganapati, o filho de Narasimóa, da linguagem Vasishta, assim louvou seu amado guru
Bhagavan Sri Ramana Maharshi nestes 40 versículos (Slokas).
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