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Fidelidade infiel
Introdução à Leitura de Hegel
Alexandre Kojève
Tradução: Estela dos Santos Abreu
Contraponto/Eduerj
(Tel. 0/xx/21/ 2587-7788)
560 págs., R$ 48,00
todo o percurso.
O método interpretativo de Kojève, tomado de anacronismos
(por exemplo, na aproximação da fenomenologia de Hegel
ao procedimento de ideação de Husserl e ao existencialismo
de Heidegger), consiste em fazer da filosofia de Hegel uma
ontologia, na qual as dimensões concretas do Ser (em
maiúscula no livro) se colocam acima do que Kojève
considera ser o "mero" pensamento. Para cada figura da
consciência, privilegia-se o exemplo concreto em prejuízo da
análise conceitual especulativa, como se as figuras da
consciência remetessem exclusivamente a tipos históricos
dados, semelhantes a personagens de um romance de
formação.
Nesse romance, a certa altura o próprio Hegel, em princípio
aquele que descreve toda a trama da história mundial, se
torna protagonista, um homem que não apenas pensa, mas é
de carne e osso, e em 1806 contracena com Napoleão, de
quem acaba sendo a consciência-de-si. Aliás, as páginas
dedicadas à relação entre Napoleão, o homem da ação, e
Hegel, pensador do saber absoluto, são irônicas e cheias de
humor. Nessa mesma direção, uma obsessão que perpassa
todo o livro se define pelo questionamento da natureza do
filósofo, do sábio e do intelectual; tanto que, segundo
Kojève, Hegel escreve a "Fenomenologia do Espírito" para
saber "o que ele é", nos moldes de um ensaio autobiográfico.
Filosofias da consciência
Com isso, a fenomenologia de Hegel passa a ser uma
antropologia filosófica e o movimento dialético torna-se real,
como se ocorresse na existência, ao contrário do que pensa o
filósofo na introdução à "Fenomenologia", para quem
somente a consciência sofre uma conversão, e não seu
conteúdo. Ou seja, por mais que Kojève queira considerar a
lógica dialética como uma lógica do Ser, é inegável que, pelo
menos na "Fenomenologia", Hegel permanece herdeiro das
filosofias da consciência, embora esteja anulada a separação
entre a consciência e o mundo.
O efetivamente real, mencionado nesta obra, põe-se a si
mesmo e produz os seus momentos não na substância, mas
no sujeito.
Na dialética do senhor e do escravo, a leitura de Kojève
apresenta traços existencialistas e uma orientação marxista.
Em detrimento de uma análise interna do texto hegeliano,
são ressaltados ou mesmo introduzidos temas como a morte,
o desejo, o projeto e a realidade humana, a angústia e o nada.
Hegel, porém, jamais pensou nos termos de um "impasse
existencial do senhor" ou na "nadificação do nada do Ser (no
escravo)". Por outro lado, Kojève assume claramente a
defesa do escravo, que, por meio de seu trabalho, estaria
destinado a ser o agente que promove o processo histórico, a
liberdade e a revolução.
Ora, para Hegel, nessa dialética se trava uma luta por um
reconhecimento recíproco, devido à dependência mútua das
consciências: eu me vejo no outro e o outro em mim.
https://www1.folha.uol.com.br/fsp/resenha/rs1210200203.htm 2/4
10/1/2022 Folha de S.Paulo - Fidelidade infiel - 12/10/2002
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Nota
1. "Um Hegel Errado, mas Vivo" (revista "Ide", nº 21, 1991).
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