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FERRARA, Lucrécia D’alessio. Olhar Periférico.

São Paulo: Editora da Universidade de São


Paulo, 1993.

[…] produzir uma Teoria do Espaço Urbano enquanto sistema de produção cultural de linguagem
que rompe com a característica idealista do espaço projetado, para transformá-lo em
manifestação sociocultural que supera sua concepção abstrata, conceitual. (p.19)

Acreditamos que a percepção e a leitura do ambiente urbano, como instrumentos de sua


interpretação, trazem para a ação sobre a cidade parâmetros mais reais enquanto significado do
espaço para o usuário. (p. 20)

A percepção ambiental informacional, enquanto resultado de uma atividade contextual, cria as


condições adequadas para a investigação do ambiente, na medida em que permite duvidar e
questionar sobre a realidade que se nos apresenta. (p.36)

A percepção do espaço urbano não é homogênea, ao contrário, é localizada, situada


ambientalmente, o que transforma o espaço em lugar, como sua manifestação concreta. Os
valores, usos e expectativas que o usuário projeta sobre seu lugar urbano enquanto imagem
assumem o aspecto de uma rotina cotidiana ilegível porque habitual.
Superar essa opacidade é condição de percepção ambiental, ou seja, de gerar conhecimento a
partir da informação retida, codificada na imagem urbana polissensorial. Portanto, essa imagem
adquire uma estrutura de informação, na medida em que se estabelecem relações entre um
determinado lugar e as variáveis que atuam sobre ela.(p.110)

A percepção ambiental, flagrada através dos índices urbanos que povoam as fotos batidas pelos
moradores dos locais escolhidos, corresponde a um controle indutivo para poder resgatar, numa
multiplicidade de índices, aqueles reconhecidos pela seleção fotográfica como marcas de um
significado, uma informação e, por isso, selecionados fotograficamente. Observando com atenção
essas marcas e comparando-as entre os três locais, é possível encontrar filões interpretativos que
os explicam. (p. 112)

Porém, a fotografia como recurso metodológico desta pesquisa permitiu a invenção de uma
objetividade que é projetada e construída pelo próprio fotógrafo-sujeito da pesquisa, independente
do grau de coerência ou verdade da realidade ambiental. Em muitas circunstâncias, simula-se um
cotidiano que é objetivo em relação a uma expectativa, a um desejo e independente de ser
verdadeiro ou mentiroso. Como estratégia para esta pesquisa, o recurso metodológico da
fotografia permitiu atingir uma dimensão cultural impossível de ser conquistada com recursos mais
lógicos, como questionário ou entrevistas, exclusivamente. (p. 116)

Enquanto pesquisa, essa objetividade simulada cria uma ambiguidade que opera com
contradições, marchas e contramarchas de difícil controle interpretativo; porém obriga a admitir a
cultura e o que chamamos de periferia como realidades totalmente ambíguas. Somos obrigados a
considerar a contradição como elemento científico, cultural e social. (p.116)

Eletrodomésticos e indivíduos estão no mesmo nível, entreolham-se e se confirmam porque fazem


parte do mesmo sistema de objetos com os elementos que o caracterizam: quantidade e
empilhamento; substituição e descartabilidade. (p.120)
[...] a fachada das habitações ou dos edifícios serem altamente reveladoras: as grades altas e
pontiagudas lá não estão como proteção da vida privada, mas são signos do poder econômico
que "garantiriam a qualidade da vida recôndita em detrimento da pública". Ambiciona-se, na
verdade, o reconhecimento coletivo, a influência ou o poder social do indivíduo passam pela
exibição dos bens particulares: grades e portões vedam para poder exibir. (p. 120)

A descaracterização do ambiente público e o confinamento na habitação levam a um total


esquecimento do ambiente e suas condições enquanto responsabilidade coletiva. (p. 122)

Como se os moradores estivessem distantes da história, estão desgarrados, não têm passado e
não têm valores a defender ou a expor; os usos e hábitos são mecânicos e desprovidos de
crenças, daí a necessidade urgente de normas institucionalizadas e indiciadas no tom autoritário
dos discursos inflamados desenvolvidos por muitos moradores sobre suas fotos. (p123)

A sociedade de consumo, marcada por certa especialização técnica no campo de trabalho e,


sobretudo, pelo vintém poupado que permite o acesso, ainda que superficial, ao mundo do valor
de posse, privatiza as aspirações coletivas e as centraliza na habitação e na tecnologia dos
objetos, que isolam ao mesmo tempo que satisfazem. Desse modo, a experiência coletiva, tão
importante para as práticas associativas, é exterminada, não apenas nas longas horas destinadas
ao trabalho, mas também na rua, nas praças, nos espaços comuns, na vizinhança, que deixaram
de ser signos, perderam significados, na medida em que já não agasalham o cotidiano da ação
construída coletivamente. (p. 125)

Para apreender a informação do espaço, é necessário fragmentá-lo, transformando-o em lugar


informado. É necessário ultrapassar aquela totalidade homogênea do espaço para descobrir seus
lugares nos quais a informação se concretiza, na medida em que produz aprendizado e
comportamento traduzidos nos seus signos: usos e hábitos. No lugar, o espaço se concretiza na e
pela informação que agasalha. De um espaço de informação evoluímos para um lugar informado.
(p. 153)

Percepção é informação na mesma medida em que informação gera informação: usos e hábitos
são signos do lugar informado que só se revela na medida em que é submetido a uma operação
que expõe a lógica da sua linguagem. A essa operação dá-se o nome de percepção ambietal. (p.
153)

Consideram-se variáveis aquelas forças que atuam sobre um lugar, criando estados e/ou estágios
de informação. (p. 154)

(...) só é possível realizar uma pesquisa de percepção ambiental se for possível tornar clara uma
realidade contextual, isto é, se ultrapassarmos a homogeneidade de um espaço encontrando-lhes
os lugares que o dividem e circunscrevem, mais aquelas variáveis que interferem decisivamente
na articulação de usos e hábitos. Esse primeiro esforço perceptivo que é executado pelo
pesquisador recebe o nome de contextualização. (p. 155)

Enquanto método, a contextualização supõe algumas etapas:


1. Ir para ver: para que seja possível superar a concepção abstrata do espaço contido nos
frios dados descritivos e/ou quantitativos de memoriais e relatórios, é necessário o
deslocamento concreto até o lugar urbano objeto de pesquisa, acompanhado de uma
atenção perceptiva para apreender a imagem e suas características.
2. Os lugares do espaço: essa atenção leva à fragmentação do espaço nos seus lugares, de
modo a superar aquela totalidade que é uma conquista abstrata, um esforço de
generalização, mas uma visão afastada da experiência.
3. Os riscos do projeto: o primeiro risco diz respeito a um intuicionismo que tende a ver/ criar
um espaço distante de parâmetros concretos; o segundo supõe certa tendência
nominalista, que, fiel à característica generalizante de todo projeto de pesquisa, procura
isolar as características do espaço apreendido abstratamente e nomeá-las, acreditando
que essa atribuição de nomes é suficiente para que o espaço se concretize e adquira
realidade material. O controle desses riscos é uma necessidade da pesquisa que só a
informação decorrente do confronto com a realidade é capaz de proporcionar.
4. A correção do projeto:

A pesquisa do Olhar periférico é muito importante pois traz a visão do usuário para a pesquisa.
Formas de analisar o produto feito pelo outro em seu contexto. Buscar entender a relação do
usuário com o espaço através de uma produção própria do sujeito.

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