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Pergunta:
— Como lidar com uma situação em que o indivíduo não se reconhece com transtorno mental,
mesmo que leve, mas precisa de ajuda?
Resposta:
Esta é uma das típicas situações que, para serem solucionadas, é preciso recorrer aos conhecimentos
médico-psiquiátricos, e não jurídicos. A lei vai dizer apenas que esse indivíduo precisa ser atendido
pelo Sistema de Saúde, diagnosticado (de modo a apurar exatamente qual o transtorno mental que
possui, sua gravidade e suas causas) e tratado de acordo com suas necessidades específicas (com a
"intensidade" que o caso recomendar - sempre sob o ponto de vista médico-psiquiátrico). Não
somos nós, da área jurídica, que iremos dizer "como" deverão ser realizadas as
abordagens/intervenções devidas, pois isto deve fazer parte de um "protocolo" médico-psiquiátrico
próprio (até porque é muito comum que o portador de transtorno mental não se reconheça como tal
e recuse o tratamento), que irá definir a "forma" como serão realizadas as abordagens/ intervenções
devidas, quem irá realiza-las e exatamente em que estas consistirão.
A "forma" como as abordagens/intervenções serão realizadas, aliás, é um fator determinante para
seu êxito ou fracasso, razão pela qual deve ser planejada de forma criteriosa e executada com
cautela e de forma individualizada, por meio de profissionais qualificados (não é admissível
"padronizar" o atendimento/tratamento). É claro que deve ser sempre, antes de mais nada, tentado o
"convencimento" do paciente, mas é preciso lembrar que, a depender da situação, a própria lei
reconhece a possibilidade da intervenção psiquiátrica de caráter "involuntário" (ou seja, contra a
vontade do paciente), sendo o papel da família, em qualquer caso, fundamental (razão pela qual esta
deve ser também orientada, apoiada - e em alguns casos, submetida a tratamento específico -, de
modo a cumprir seu papel).
O planejamento das ações a serem desencadeadas deve ser sempre efetuado de forma
interdisciplinar (até porque, especialmente no que diz respeito ao suporte à família, quase sempre
será necessária a intervenção dos órgãos de assistência social locais), observando os princípios que
norteiam a atuação do Poder Público em matéria de infância e juventude (notadamente aqueles
relacionados no art. 100, caput e par. único da Lei nº 8.069/90 - Estatuto da Criança e do
Adolescente), além das normas técnicas aplicáveis. O que cabe ao Sistema de Justiça fazer,
portanto, é apenas exigir, quando necessário (e se espera que não seja necessário a intervenção
judicial, pois o Poder Público tem que estar preparado para atender tais casos de forma espontânea e
prioritária, independentemente de qualquer encaminhamento ou acionamento por parte do
Ministério Público/ Poder Judiciário), que o atendimento/ tratamento que o indivíduo necessita seja
prestado, com observância dos parâmetros técnicos e jurídicos aplicáveis, com a qualidade e
eficiência devidas (importante jamais esquecer que o objetivo não é "atender" o paciente, mas sim
"resolver" o problema que este apresenta), não cabendo a nós, da área jurídica, indicar "o que",
"como", "onde" e/ou "de que forma" essa ou aquela abordagem/ intervenção será realizada, pois
isto, como dito acima, deve ser objeto de avaliação técnica e definição por parte dos profissionais da
área da saúde, a quem também incumbirá sua execução (sem prejuízo da colaboração de
profissionais de outras áreas para as ações complementares - alheias à área da saúde - que tiverem
de ser realizadas - que, vale mencionar, precisam ser com estes previamente debatidas, definidas e
combinadas).
O que cabe ao Ministério Público/Poder Judiciário fazer, a depender do caso, é obrigar, por meio de
ação própria (de cunho contencioso), o Poder Público a cumprir seus DEVERES legais/
constitucionais para com as crianças/ adolescentes do município, mas isto precisa ser visto/
empregado como "exceção", devendo ser tomadas as cautelas/ providências necessárias a evitar que
o "fluxo" de atendimento de tais casos "passe" pelo Ministério Público/ Poder Judiciário, que não
podem, de modo algum, assumir o papel de "gestores" do Sistema de Saúde, ao qual compete o
atendimento de TODOS os que necessitam de atendimento/ tratamento especializado (sem
necessidade de sua judicialização).
Assim sendo, eventual ação que venha a ser proposta deve ter também a preocupação de obrigar o
Poder Público a estabelecer os referidos "fluxos"/ "protocolos" relativos às abordagens e
intervenções cabíveis em cada caso, de modo que, quando surgir determinado caso, já se saiba
exatamente a quem recorrer e o que fazer, sem a necessidade de acionamento do Ministério Público/
Poder Judiciário (ressalvada a ocorrência de alguma situação que justifique plenamente tal
intervenção - para o que deverão ser também fornecidos todos os elementos técnicos necessários à
propositura da demanda judicial respectiva).
Espero ter podido ajudar na reflexão e no encaminhamento da questão e na busca da solução do
problema.
Murillo José Digiácomo
Curitiba, 14 de abril de 2016