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INSTITUTO FEDERAL DO ESPIRÍTO SANTO - IFES MESTRADO

PROFISSIONAL EM ENSINO DE HUMANIDADES TEORIAS DA


APRENDIZAGEM

“OS SIGNOS DO RAP NA APRENDIZAGEM


COMO FUGA AO PENSAMENTO BINÁRIO”

MARTINS, André Luiz Angelo 1


ALVIM, Davis Moreira 2

RESUMO

Este artigo tem como objetivo, à luz de Gilles Deleuze, dar corpo teórico ao uso
do rap em sala de aula através de uma visão de aprendizagem que observa os
signos e a filosofia da diferença como, respectivamente, objetos e vieses
fundamentais de uma “quase teoria”, podendo ser colocada à disposição do
escolar e de uma possibilidade de aprender e provocar novas conexões ou
desconexões rizomáticas além dos sistemas arbóreos binários gerados pelas
abordagens materialistas.

Palavras-chave: Rap, Deleuze, Signos, Aprender, Rizoma e Linha de Fuga.

____________________________
1Estudante do Curso de Pós-Graduação em Ensino de Humanidades (PPGEH) – IFES;
profadikto@gmail.com
2Docente/pesquisador do Instituto Federal do Espírito Santo no Campus Vitória, atuação na Área
de Ciências Sociais e Humanas e Programa de Pós-Graduação Ensino de Humanidades
(PPGEH). – IFES. E-mail: davis.alvim@ifes.edu.br. Vitória, julho de 2022.
ABSTRACT

This article aims, in the light of Gilles Deleuze, to give theoretical body to the use
of rap in the classroom through a vision of learning that observes the signs and
the philosophy of difference as, respectively, objects and fundamental biases of
an “almost theory”, which can be made available to the student and a possibility
of learning and provoking new connections or rhizomatic disconnections beyond
the binary arboreal systems generated by materialist approaches.

Keywords: Rap, Deleuze, Signs, Learning, Rhizome and Line of Fugue.


INTRODUÇÃO

Muito se espera dos docentes em relação às práticas pedagógicas no sentido de


provocar através dessas práticas um aumento efetivo na eficácia do processo
“ensino x aprendizagem” em sala de aula. Muitos teóricos e estudiosos da área,
debruçam-se sobre novas ideias que possam dar conta de dúvidas intrigantes
no meio educacional: Por que o indivíduo aprende de formas, em ritmos e
tempos singulares? Por que não existe uma Teoria que consiga abarcar a
coletividade do aprender nas instituições de ensino? A resposta não é tão
complexa quanto possamos imaginar. O ser humano é único e dentro de sua
singularidade, segundo Deleuze, possui suas próprias percepções dos signos,
ou seja, cada indivíduo, objeto ou matéria emite signos e a possibilidade do
aprender reside no decifrar destes signos, porém, o sentir e o interpretar destes
mesmos signos é singular, pois esbarra na pluralidade e na casualidade dos
encontros entre os signos do aluno, com os signos do professor, com os signos
do ambiente e com os signos do próprio conteúdo a ser ensinado. Nessa
perspectiva, podemos encarar o momento da aula como um “encontrar de
signos”, onde em algum momento, utilizando de diversas ferramentas
pedagógicas por mim chamadas de “instrumentos de incitação”, o processo de
aprender pode ou não acontecer.
Dentro de uma vasta gama de ferramentas utilizadas pelos docentes em seus
planos de aula para buscar a excelência como o resultado final “aprendizado”
perante a maioria dos discentes, já são bem conhecidos e bastante utilizados o
uso de livros didáticos e aula expositiva, dinâmicas de grupo, rodas de conversa,
exibição de filmes, leitura de texto, uso de apresentação de slides, mapas
mentais, seminários entre outros. O uso de músicas também é muito comum.
Utilizada como um recurso didático, a música na maioria das vezes é utilizada
para trazer uma certa ludicidade e até mesmo servir como uma espécie de
“quebra gelo” ou uma arma contra o fantasma da “aula chata” vista como rotineira
e monótona na visão dos alunos. A música neste caso, visa criar um ambiente
que possibilite uma ruptura nos signos dos alunos a respeito do processo de
ensino habitual e esperado por eles e por consequência disso, criar um espaço
vazio onde possa violentamente haver um encontro entre signos estranhos,
porém intrigantes e, portanto, desejantes de serem decifrados possibilitando
assim o aprender. Músicas de diversos ritmos e temáticas são utilizadas e a
escolha das mesmas quase sempre acompanham a linha conteudista da matéria
que se busca abordar. Nestes casos, o estilo musical (instrumental e vocal) bem
como o tempo em que a música em si foi gravada não é mais importante que a
mensagem contida nos signos dela, e estes por sua vez, estão contidos nas
letras da composição. Músicas instrumentais quando utilizadas, quase sempre
estão ligadas à dinâmicas de relaxamento ou reflexão, mas sempre atreladas a
um resultado fim e não a um elemento solto sem objetivo pré-definido. É nessa
possibilidade que o RAP surge, não como estilo musical apenas, mas como uma
espécie de linha de fuga (DELEUZE, GUATTARI. 1995), por representar uma
desterritorialização no espaço musical, um estranhamento em um número de
dimensões finitas que a multiplicidade pode preencher, isso quando utilizado de
forma livre, como um gerador de vazios e continuidades fluidas entre os signos
ou uma “rizomáquina”.
A “QUASE-TEORIA” DOS SIGNOS

Começamos aqui, por uma tentativa de decifrar um dos conceitos de Deleuze


abordado na obra “Proust e os signos” (2003) e no que este conceito conversa
com a aprendizagem enquanto resultado de uma prática de ensino.

Deleuze não escreveu de fato uma teoria da aprendizagem, porém, descreveu


um conceito no qual ele entende que o processo de aprender é possível e que
tal processo não estaria alicerçado em alguma característica ou condição
biológica, histórica ou moral do ser ou sequer no uso de determinismos
metodológicos, mas sim na casualidade dos encontros entre o que ele vai
chamar de signos. Segundo Deleuze, os signos estão no âmbito dos sentidos,
do afetar-se, da percepção, e estes por sua vez não correspondem a espaços
completos, mas sim, mais que incompletos, na verdade vazios por assim dizer.
Mas é nestes vazios, que o devir se dá e é possível o movimento e o constante
movimento do pensar entre estes espaços vazios é que produz aprendizados.
Deleuze refuta o aprendizado apenas como a resultante da capacidade de
cognição ou de retenção de informações ligada à memorização, pois é o afetar
dos signos entre o aluno e o objeto estudado é que vai determinar a relevância
e a potencial acomodação das informações de forma singular para cada
indivíduo e isso a priori, supera em forças, um processo de aprendizagem focado
apenas no “saber fazer” comumente encontrado nas abordagens tradicionais
voltadas ao mundo do trabalho.

Entre os mundos pensados por Deleuze após a leitura de La Recherche de


Marcel Proust, observam-se quatro signos. O primeiro chamado de signo
mundano, relativo ao senso comum, uma expressão que antecede a ação e o
pensamento, quase que um reflexo nato ante qualquer experiência. Em seguida
vem os signos do amor, ao contrário dos mundanos, não são vazios, mas sim
cheios e não podem dirigir-se a nós senão escondendo o que exprimem de fato.
São sobretudo signos mentirosos. O terceiro são os signos materiais, que ao
contrário dos signos vazios mundanos que nos provocam exaltação, ou dos
signos mentirosos do amor que nos provocam sofrimento, estes nos trazem uma
plenitude e uma alegria incomum proveniente de um mundo sensível. E por fim,
o mundo da arte, representa quarto signo das artes, e é através dele que o signo
material pode ser entendido, bem como através dele, a estética dos outros
signos, tanto o de amor quanto o mundano ganham forma. É por esta razão que
todos os signos convergem para o signo da arte, bem como todos os
aprendizados, pelas mais diversas vias, são aprendizados inconscientes da
própria arte.

Se adotarmos a lógica Deleuziana dos signos como algo válido para se aplicar
em planos de aula que visam o aprendizado como um todo, podemos afirmar
que o uso das artes deve transversalizar todas as áreas do conhecimento, não
importando qual seja, ou quais instrumentos de incitação sejam utilizados, desde
que a arte esteja inserida como matéria-prima da construção dos processos de
“ensino x aprendizagem” independente da base curricular, pois a essência
daquilo que é, se faz compreendido e então é possível aprender a partir do
mundo das artes através de seus signos.
A “RIZOMÁQUINA” DO RAP

O RAP, enquanto linguagem musical (“Rythm”) e linguagem textual poética (“And


Poetry”), é uma potente expressão artística e possui grande familiaridade com
os circuitos sociais juvenis e também um caráter contestador e até
revolucionário, ligado diretamente à história de seu surgimento nos EUA dos
anos 70 e início dos anos 80, final do século XX. Sua ligação com movimentos
antirracismo tanto de cunho artístico como o “HIP-HOP” e também de cunho
político como os “Panteras Negras”, somado a sua origem periférica, traz a este
estilo musical um signo de arte muito forte em sua representação. O RAP em
seu momento inicial, não era sequer reconhecido como música, pois apesar de
seus ritornelos misturados a instrumentos de cordas, percussão, pianos e
samples de músicas dos anos 70, não era reconhecido como parte de universo
consumível pela indústria fonográfica da época. Mesmo permanecendo
guettonizado por mais de uma década, o rap no final dos anos 80 passa a ter
ainda que timidamente, um espaço no mercado de música negra graças a
decadência da disco music predominante ao longo dos anos 70 e substituída aos
poucos por um novo estilo mais futurístico denominado POP NEW AGE e com
ele a ascensão de artistas como Michael Jackson, Prince, Madonna, David
Bowie, Cindy Lauper entre outros. Paralelo a estes grandes nomes, alguns
nomes ainda invisíveis pelo mainstrain da época começavam a surgir pela via da
7ª arte, o cinema. Filmes como “Colors” (1988), Do The Right Thing (1989),”Boy’s
in the hood” (1991) entre outros mais, revelaram atores negros oriundos da cena
RAP norte americana como Ice-T, Ice Cube e Will Smith, levando-os ao
conhecimento da grande mídia. A inserção de atores nos elencos e de músicas
RAP em trilhas sonoras de filmes da cena cinematográfica Hollywoodiana da
época como “Scarface” (1983), “The King of New York” (1990) e “New Jack City”
(1991) trouxe mais notoriedade ao estilo. Na década de 90, o RAP chega mais
forte a cena fonográfica, tanto pelo apelo da repercussão nos cinemas, tanto pela
produção musical. O RAP ganha então, espaço no mercado fonográfico, nos
meios de comunicação em massa como TV e rádio, bem como no show business
e daí em diante, o RAP de cunho mais político com uma abordagem mais
protestante dá lugar a um RAP mais alinhado com os valores da sociedade
capitalista americana centrada no consumo e na ostentação de signos de
riqueza. Não quero aqui com esta observação nas linhas anteriores, fazer uma
leitura materialista histórica do RAP, pois este não é o objeto desta pesquisa,
mas sim, fazer um breve histórico de acontecimentos que levaram o RAP a
ganhar o status de música e expressão artística, portanto, não cabe aqui
qualquer juízo de valor moral no sentido de questionar se o RAP perdeu ou não
a sua essência desde a sua criação. Para nós, pesquisadores do campo da
educação e enxergando este campo pela visão de um autor pós estruturalista, o
RAP é enxergado apenas como expressão artística, não importando qual
vertente ele represente. Enxergo o RAP, à luz de Deleuze como uma espécie de
“rizomáquina”, ou seja, ao contrário de uma máquina desejante binária, que
produz um ou mais sistemas de arbóreos com raízes pivotantes e resultados
dialéticos, o RAP por sua vez, serve a um modelo maquínico porém rizomático,
onde o fluxo e as possibilidades de desconstrução, reconexões ou desconexões
são potentes e levam a um devir constante, gerando não somente raízes
pivotantes ou sistemas radiculares mas sobretudo rizomas a partir de sucessivas
linhas de fuga.

Quadro1 – Comparativo Árvore e Rizoma

ÁRVORE RIZOMA
Estrutura Pivotante Sistema
Genealogia Antigenealogia
hierarquização Transgressão
Ciclos com início, meio e fim Intermezzo
Pivô central Trama neural, Multiplicidade
Continuidade Ruptura a-significante
Planejamento fechado Liberdade e improviso
Reprodução cartografia

Ao atravessar o RAP, as temáticas ganham novas possibilidades interpretativas,


porém, faz-se necessário que o docente tenha em mente que ele não irá assumir
uma postura de “tronco central” durante a abordagem de uma determinada
temática. O RAP só assume um caráter rizomaquínico quando o docente não se
preocupa em controlar os resultados que vem a seguir. Há um comportamento
maquínico inconsciente que parecer levar o professor a hierarquizar os
processos de ensino, como se houvesse um medo de “perder o controle” sob os
devires de suas planejadas ações. É preciso uma dose de subversão ao docente
caso queira experimentar essa “quase-teoria” em algum plano de aula, pois os
resultados certamente gerarão linhas de fuga a partir de resultados binários ou
radiculares que desaguarão em uma provável trama rizomática.

Desenho.1 - Esquemático da “Rizomáquina”

Apesar de constar no desenho, não irei abordar neste artigo, uso da


Rizomáquina na temática de Guerras Culturais, apesar de ser o meu tema de
escolha, pois o objetivo desse texto em si, é o de abrir uma possibilidade ao leitor
professor, de pensar a aprendizagem através do viés Deleuziano da
interpretação de signos, que passa obrigatoriamente e no fim pelo mundo da
arte, onde a temática escolhida em si, não é mais importante do que a lente pela
qual ela será decifrada, que no caso, é o RAP.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

As leituras de Deleuze sobre a experiência do aprender a partir de textos


literários como “La Recherche” de Marcel Proust, nos abre a possibilidade de
pensar o processo do aprender como algo que ocorre não somente de forma
sistemática através de recursos mnemônicos ou centrados na repetição para um
“saber fazer”, mas nos abre para a possibilidade do aprender no afetar-se,
através daquilo que nos toca, tanto de forma rasa, vazia, ou superficial, quanto
passional e visceral, bem como nos faz sentirmos plenos e felizes, portanto,
aptos a sentir através das artes e assim entronizar conceitos que são exteriores
à nós. O rap enquanto expressão artística, tanto musical quanto textual, é uma
potente possibilidade na busca por um caminho que possa conduzir à
aprendizagem dentro das práticas de ensino. Ao fim deste artigo, talvez o
professor leitor não se identifique com a abordagem, e isso não é um problema
de forma alguma, mas tratando-se de uma possibilidade dentro do campo de
ensino de humanidades, é válida ao menos o entendimento de que existem
profissionais empenhados em utilizar essa abordagem em temáticas variadas
dentro das escolas espalhadas pelo Brasil, obtendo êxito em suas práticas e
produzindo relevante impacto nos espaços escolares e nos seres envolvidos
nestas práticas. Sigo agora para o caminho das Guerras Culturais na escola que
leciono, pronto para colocar em prática o olhar rizomaquínico e cartografar as
ações que virão a partir das práticas envolvendo RAP.
REFERÊNCIAS

DELEUZE, G; GUATTARI, F. 1925-1995 O anti-Édipo: capitalismo e


esquizofrenia 1 / Gilles Deleuze e Félix Guattari; tradução de Luiz B. L. Orlandi.
— São Paulo: Ed. 34, 2010. 560 p. (Coleção TRANS)
DELEUZE, G; GUATTARI, F. Mil platôs - capitalismo e esquizofrenia / vol. 1
Tradução de Aurélio Guerra Neto e Célia Pinto Costa - RJ: Ed. 34, 1995 94 p.
(Coleção TRANS)
DELEUZE, Gilles (2003) Proust e os signos. 2.ed. trad. Antonio Piquet e
Roberto Machado. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003.
GALLO, S. O Aprender em Múltiplas Dimensões. Perspectivas da Educação
Matemática, v. 10, n. 22, 10 jun. 2017.
GUATTARI, F. Caosmose; um novo paradigma estético / tradução Ana Lucia
de Oliveira e Leticia Claudia Leão. SP: Ed. 34, 1992. 208 p. (Coleção TRANS)
NASCIMENTO, R. D. S. 1980 - N17t Teoria dos signos no pensamento de
Gilles Deleuze / Roberto Duarte Santana Nascimento. -- Campinas, SP : [s.n.],
2012.
SILVA, Patrícia Lima Da et al.. O conceito de aprender no pensamento de
gilles deleuze. Anais do XIII Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em
Ciências... Campina Grande: Realize Editora, 2021. Disponível em:
<https://www.editorarealize.com.br/index.php/artigo/visualizar/76151>. Acesso
em: 26/07/2022 00:24

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