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RELATÓRIO
Número do Processo 2008/04364-9
Grupo de Financiamento Auxílio Visitante
Linha de Fomento Programas Regulares / Auxílios a Pesquisa / Vinda de
Pesquisador Visitante / Visitante do Exterior - Fluxo Contínuo
Beneficiário José Augusto Mannis
Responsável José Augusto Mannis
Data Início 10/08/2008
Duração 14 dias
Nome da Instituição Instituto de Artes/IA/UNICAMP
Departamento / Área Departamento de Música
1 Realização
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) : Prof. Dr. Jose Augusto Mannis, Profa.
Dra. Denise H. L. Garcia, Prof. Dr. Silvio Ferraz M. F., Prof. Luiz Henrique Xavier, Prof. Dr.
Esdras Rodrigues, Prof. Dr. Emerson de Biaggi;
Universidade de São Paulo (Usp) : Prof. Dr. Rogério Costa, Prof. Dr. Paulo de Tarso Salles;
1
2 Claude Ledoux : Análise musical de obras de concerto do séc. XX
e XXI com influências de tradições populares
Ter 12/Ago
Qua 13/Ago
Seg 18/Ago
2
Tarde: Unicamp – Bartók, Scelsi e Murail
Ter 19/Ago
Qua 20/Ago
2.2 Participantes
115 pessoas participaram das atividades desenvolvidas na Unicamp das quais 50 estiveram
regularmente em mais de 50% das sessões. Na Usp participaram aproximadamente de 30 a 40
pessoas, dentre as quais encontravam-se pesquisadores, docentes, alunos de pós-graduação e
alunos de graduação.
Claude Ledoux salientou que apesar da música ser uma manifestação subjetiva, há tendências a
situá-la no domínio racional. Propôs então desenvolver um trabalho mais no domínio das
ciências humanas do que no das ciências exatas.
Não há ferramenta ou método universal para Análise Musical. A cada tipo de música,
correspondem meios e métodos de observação e abordagem mais adequados à sua natureza.
Certamente o método schenkeriano é mais conveniente ao período clássico do que a outros.
Contudo, toda análise é subjetiva e sem dúvida em música não existe verdade absoluta. É
através da análise que um músico pode mostrar aquilo que vê numa obra musical, o que ela
representa para si, bem como revelar seu estado de espírito no momento da análise. Quando se
lê Stockhausen analisando Boulez, aprende-se muito mais sobre Stockhausen, pois temos pistas
para conhecer o que pensava e como compôs a partir desse momento.
Ledoux centrou-se na discussão sobre o conceito de música, seu papel social e funcionamento
enquanto meio de comunicação e expressão. Em seguida expôs como divide a abordagem
analítica, partindo da suposição de que ao compor uma obra o compositor opera em três níveis:
3
do Material,
da Técnica,
e do Projeto.
Se o estudo permanecer somente nos planos da Técnica e do Material, será deixado de lado o
Projeto, justamente o que nos permite compreender a Técnica. Pode-se perguntar então: Por
onde começar a compor? Pelo projeto, pelo material ou pela técnica?
Ledoux tomou como exemplo um registro sonoro dos Innuits1, supondo que não os
conhecêssemos e nada soubéssemos nada sobre eles. Ouvimos a gravação sem saber quais os
códigos e as técnicas empregadas, mas de qualquer forma a escuta é uma experiência humana
que nos toca. Quanto ao registro sonoro os musicólogos podem dizer que o que foi ouvido não é
uma música, mas um compositor, aberto ao mundo, pode percebe coisas e descobrir um novo
material bem como deduzir novas técnicas.
1
Inuítes, ou innuits: nação indígena das regiões do Ártico (América no Norte e Groelândia).
4
Ledoux conduz a todos na direção de Marshall McLuhan : mediu àisàtheà essage 2 3, « o meio
é a mensagem », ou seja, a enunciação é mais importante que o enunciado. Ilustrou em seguida
como a forma condiciona o espectador da televisão norte-americana estruturada
sistematicamente em oito minutos de programa e quatro minutos de publicidade, a tal ponto
que atualmente é difícil prender a atenção dos jovens para qualquer coisa que tenha mais que
oito minutos, limite de tempo no qual se produz uma ruptura perceptiva.
Figura 1 - Marshall McLuhan. Photo courtesy of Nelson Thall/ Marshall McLuhan Center on Global Communications.
Fonte: http://www.museum.tv/archives/etv/M/htmlM/mcluhanmars/mcluhanmars.htm
2
The main concept of McLuhan's argument (later elaborated upon in The Medium is the Massage) is that
new technologies (like alphabets, printing presses, and even speech itself) exert a gravitational effect on
3
McLuhan, M.; Fiore, Q.; Agel, J. The Medium Is the Massage: An Inventory of Effects. New York: Bantam,
1967; London: Allen Lane, 1967
5
2.3.2 W. A. Mozart
Excertos do 11º Quarteto de cordas K171 (Minueto em Mib e o Trio em Lab) de Mozart foram
analisados a partir de J.-J. Nattiez (baseado na concepção tripartite de Jean Molino4) nos níveis
Neutro, Estésico e Poiético.
Figura 2 – Modelo tripartite de Nattiez (1987) por Michele Biasutti: La comunicazione musicale: Modello di Nattiez,
curso de PSICOLOGIA DELLA MUSICA E DELLO SPETTACOLO da SCUOLA INTERATENEO DI SPECIALIZZAZIONE PER LA
FORMAZIONE DEGLI INSEGNANTI DI SCUOLA SECONDARIA VENETO, U iversità Ca Foscari di Ve ezia.5
O nível Neutro se situa diretamente no suporte. Se for uma partitura seria observar as
notas onde estão colocadas, suas durações, os compassos, os sinais empregados. Um
olhar objetivo sobre o que traz até nós a obra musical, no caso a partitura.
O nível Estésico é aquele onde há uma análise mais profunda que a anterior, de ordem
mais complexa, tentando corresponder o que se percebe ao que está escrito,
confirmando uma descoberta feita através da percepção na instância do ouvinte. É o
nível onde ocorrem relações estruturadas e onde se aplicam as técnicas de composição,
ou seja, aquela onde o Material é processado.
Figura 3 - O musicólogo Jean-Jacques Nattiez (à dir.) e seu tradutor Luiz Paulo Sampaio (Uni-Rio) lançando O
Combate entre Cronos e Orfeu na Mediateca (RJ). O evento foi parte das comemorações pelo 80º aniversário de
Pierre Boulez. (04 de maio de 2005).
Fonte: http://www.maisondefrance.org.br/mediateca/agenda-maio-05.html
4
Molino J. (1975). Fait musical et sémiologie de la musique. Musique en Jeu, 17, 37-62.
5
http://www.univirtual.it/corsi%20V%20ciclo/II%20sem%20IND/biasutti/download/mod%2002%20P.pdf
6
7
Juntamente com o Quarteto nº 11, foi analisado um excerto de Don Giovanni, a Cena do Baile
no 1º Ato, na qual há uma orquestra em cena em dois grupos além da orquestra no fosso sendo
que até três musicas são harmoniosamente executadas ao mesmo tempo: um Minueto, uma
Contradança e uma Deutsch, a primeira da aristocracia e as demais populares. Ledoux mostrou
como Mozart tratou o material para passar uma mensagem e talvez mesmo seu pensamento
ideológico. Na manipulando do Minueto (aristocrático) e da Contradança (popular) esta última
se tornou muito mais sofisticada do que a primeira, representando o interesse de Don Giovanni
durante o baile por Zerlina, uma empregada camponesa, ignorando as demais mulheres da
aristocracia. A contradança executada pela pequena orquestra acaba sendo alvo de escuta,
desviando a atenção do Minueto, quase que lhe ou a do a e a . Uma terceira orquestra,
também em cena, toca uma Allemande (Deutsch) que se transformará em uma valsa, sendo que
a última figura melódico-rítmica representa Zerlina.
8
9
Esta conclusão só é possível através da análise dessas danças na realização da cena do baile de
Don Giovanni. Ideologi a e te Moza t pode ia esta os dize do: Veja o o uma contradança
também pode ser interessante como um mi ueto. Com essa exposição, Ledoux pode sustentar
e exemplificar o que apresentou na Introdução sobre o Material, a Técnica e o Projeto do
compositor, sendo o Material constituído pelas danças, a Técnica sendo a polifonia, de modo
que as orquestras toquem harmoniosamente varias danças ao mesmo tempo, e o Projeto,
mostrar que não é por ser da aristocracia que uma música é mais interessante que uma popular,
como também uma música popular pode ser tão boa quanto as da aristocracia, a ponto de
desviar a atenção para si, o que não deixa de ser uma perturbação para o statu quo de então. A
contradança é tão mais interessante nessa cena que o minueto parece mais pobre. Verifica-se
nas cartas de Mozart dessa época seu desejo de romper os códigos em vigor e criar outros
novos.
2.3.3.1 O gamelão
Ledoux apresentou o gamelão javanês, suas principais características, os aspectos que diferem
da cultura javanesa para a ocidental, sobretudo no que diz respeito à escuta e o tempo musical,
as bases técnicas da música, a escritura musical, os códigos entre os músicos durante a
performance e a simbologia em torno do gamelão.
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Para abordar melhor a noção de escrita na música javanesa, Ledoux apresentou esboços de seu
Co e toà pa aà Violi o:à F isso sà d’áiles (2004), concebido a partir de elementos musicais
referentes ao gamelão onde se evidenciam em elementos sobrepostos em diferentes camadas
rítmicas, sendo um dos recursos expressivos da música javanesa a variação continua e ampla do
andamento, fazendo com que os diferentes estratos de material surjam e desapareçam à
percepção uns após os outros.
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Figura 5 - Baquetas empregadas no gamelão. Fonte:
http://www.wahyoewidodo.com/files/pic%20tabuh%20gamelan.jpg
Do ponto de vista ocidental poderíamos enxergar como uma concepção em bloco de uma
mesma situação musical, mas que durante as variações da performance alteram as condições
perceptivas fazendo a escuta do ouvinte passear no interior desse bloco musical graças às
grandes variações de andamento. Quando o andamento ralenta, a atenção passa para os
instrumentos de pulsação mais rápida, instrumentos principais. Quando o andamento acelera, a
atenção passa para as camadas mais lentas havendo, de forma que conforme a velocidade de
execução a escuta circule entre as camadas da peça. Para os músicos indonesianos essa música
não é polifônica, mas monofônica. Todos pensam a mesma melodia. A escala é pentatônica e se
representa simplesmente como 1,2,3,4,5.
Existem partituras já de muitos séculos onde se anotam 1=mi, 2=fa, 3=la, 4=si, 5=re e finalmente
a notação musical resulta em algo como 4321 | 1234 | 5434 | 321...
No gamelão não há instrumento mais importante que outro. Na prática, os músicos geralmente
tocam todos os instrumentos. Quando começam a estudar, aprendem o mais fácil tocando a
melodia principal com uma baqueta apenas. Em seguida aprendem todas as melodias de todas
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as camadas. Cada cidade tem seu próprio gamelão, no qual todos se reúnem para tocar. É ao
mesmo tempo uma pratica musical e uma escola. Acompanham as execuções dança e canto
contando estórias, pois a maioria das cidades não tem televisão e em alguns deles chegam até a
cantar sobre criticas políticas.
Figura 6 – Ação cênica acompanhada por um gamelão. School for Oriental & African Studies - November 2003
(pictures courtesy Margaret "Jiggs" Coldiron)
http://www.digisound80.co.uk/music/gamelan/gamelan_performance/gamelan_pictures.htm
Ledoux explicou como são concebidas as variações sobre as melodias principais do gamelão.
4 3 2 1
4 3 4 3 2 1 2 1
4 4 3 3 4 4 3 3 2 2 1 1 2 2 1 1
44 31 14 43 11 34 22 34 ... ... ... ... ... ... ... ...
Figura 7 – Acima camada mais lenta (semínimas) (4321...) depois camada com o dobro da velocidade (colcheias)
(4343 2121 ...) e outra com quatro vezes a primeira (semi-colcheias) (44334433 22112211 ...) na ultima camada
(fusas) as variações são mais complexas e começam a antecipar elementos da seção seguinte.
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Os músicos podem inicialmente aprender flauta, viela ou canto porque estes fazem variações
livres sobre a melodia o que é mais fácil para tocar. Há também um instrumento de pele muito
importante por marcar o pulso principal. O último instrumento é o gongo.
A aceleração6 faz com que a parte mais rápida (fusas) perca definição à percepção e desapareça
à audição, enquanto que as camadas mais lentas passam a ser percebidas com mais clareza.
6
Aceleração: a camada das semibreves passa a ser tocada com semínimas, a das semínimas por sua vez
passa a ser executada com colcheias, e assim por diante.
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Na estrutura geral das peças cada seção tem grupos de 16 pulsações e é encerrada pelo gongo.
As seções são repetidas várias vezes. Para passar à seção seguinte, qualquer músico pode dar
um sinal, podendo ser tão sutil quanto uma mudança de oitava ou uma parada rítmica mais
brusca. Se ninguém alterar sua parte, todos repetem a seção. Mas após ouvir qualquer
mudança, todos passam à seção seguinte.
Os esboços de Ledoux foram muito úteis, escritos com concepção e notação ocidental
permitindo compreender com facilidade do que se tratava e entender com clareza as diferenças
da musica javanesa com a ocidental, dentre as quais se destacou a sincronização no último
tempo do compasso, contra nossa sincronização no primeiro tempo. Decorre disso uma escuta e
uma técnica de performance completamente diferente da nossa, pois temos o hábito de atacar
todos juntos o primeiro tempo.
Ledoux passou em seguida para Debussy, compositor com um ouvido maravilhoso que soube
perceber a riqueza de harmônicos das músicas de gamelão. Compositores do séc. XIX
valorizaram o nacionalismo, como nas danças húngaras de Brahms, mostrando a superioridade
da dança do leste da Europa; Dvorak mostrando a superioridade da música da Alemanha sobre a
Áustria. Debussy vai trabalhar contra as expressões nacionalistas dizendo ser importante que os
artistas não se tornem ridículos tentando ser exóticos.
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Figura 10 - Claude Debussy. Fonte: http://www.ralphmag.org/EP/debussy.html
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Figura 12 – Debussy: 1º Caderno, 2º Prelúdio: Voiles - p. 5 e 6
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redor. No nível Estésico, imaginamos que a mudança de registro é perceptível pelo ouvinte, mas
temos que observar o sib no baixo. No nível Neutro: existem as figuras mais rápidas no agudo e
as mais lentas no grave. Existe um adensamento até o final, onde um acorde aparece em um
registro agudo ainda não usado. Porque Debussy teria proposto um desenvolvimento de
densidade? Supondo que esse sib seja o segundo harmônico de um formante, como na voz
existem formantes, o piano teria, portanto, esse formante tendo o sib oitava abaixo como
fundamental. Esses formantes são justamente as notas usadas para densificar a música de
Debussy. Podemos confiar no ouvido Debussy. Compositores da época diziam que ele passava
horas escutando os sons. Na primeira parte foi mostrado como os sons formam o próprio som
do piano e começa-se a entender o projeto do compositor. Esse prelúdio não tem nada de
diferente da música do gamelão: há o mesmo material sendo repetido em diferentes camadas
com um baixo pontuando a pulsação e o gongo. Voltando ao esquema projeto, técnica e
material. Debussy tem como projeto conduzir os ouvidos ocidentais aos objetos de ouvido
orientais, é uma oposição ideológica, propor uma obra com interação das maneiras de sentir as
coisas no mundo. Graças a essa maneira de Debussy se enriquecer ele não faz musica javanesa,
mas mostra como é importante a musica javanesa e como ela nos faz ter uma visão ampla do
mundo.
No início da análise eram tons inteiros e com perturbações (paginas 6, 7 e 8) é gerada uma saída
desse modo, sempre com os mesmos objetos. No começo temos timbres de terças e um
desenho melódico assim como na música javanesa quando entra um timbre agudo fazendo uma
melodia e um gongo no grave. À pagina 8 aparece um desenho ascendente com saturação
representando um tam tam com espectro possuindo todas as frequências, instrumento que
encerra a apresentação do gamelão. Debussy não sabia do significado do tam tam,
representando na Indonésia a divisão entre o mundo dos mortos e dos vivos, mas percebeu que
o tam tam aparece no final da música javanesa. O legato staccato é uma notação típica de
Debussy para representar o gongo. Percebe-se como Debussy tinha um material e como
elaborou técnicas para cumprir seu projeto. Esse tipo de análise é plausível porque começou em
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um nível Neutro, levando e conhecendo a Poiesis, situação em que o compositor estava
vivendo.
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2.3.3.3 Edgard Varèse
pulsação
métrica
duração
ritmo
andamento
agógica
te po liso
te po estriado
As catego ias te po liso e te po estriado sendo definidas por Boulez em Penser la musique
aujou d’hui (1963):
Em Ionisation (1929-31), Varèse trabalhou alternadamente com o que Boulez chamará em 1963
de tempo liso e tempo estriado, aproveitando-se de características físicas dos instrumentos que
favorecem um ou outro tipo de tempo: instrumentos com ataque forte e pouca ressonância,
como a caixa-clara ou woodblock, nos fazem perceber o tempo estriado, e os instrumentos com
ataque lento, menos definido e com mais ressonância, como o gongo, a sirene ou rulos de gran
cassa, favorecem o tempo liso, deixando a duração muito mais evidente do que o pulso em si.
Além desses conceitos referentes ao tempo musical, foram trabalhadas questões relativas à
qualidade dos ataques e ressonância de determinados instrumentos; características
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diretamente ligadas à maneira como percebemos o tempo, e que foram centrais na construção
da composição.
Figura 16 – Esquerda: Varèse listening to tape recordings (October 1959) Photograph Paul Sacher Foundation Basel
(Edgard Varèse collection) Photo: Roy Hyrkin.
Direita: http://secretsociety.typepad.com/darcy_james_argues_secret/2007/01/composer_portra.html
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2.3.4 Olivier Messiaen
Figura 17 - Taleas indianas empregadas por Messiaen no Quarteto para o fim do tempo.
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Em musica, denomina-se geralmente Isorritmia a repetição regular de um mesmo elemento rítmico.
Porém praticou-se na música a partir do séc. XIII, e desenvolveu-se no século seguinte pela Ars nova, de
forma a não somente abranger o ritmo, mas também a melodia. O elemento melódico repetido leva a
denominação de color, e o elemento rítmico, talea. Pelo fato de que não necessariamente talea e color
possuem o mesmo numero de elementos, as combinações de alturas e durações derivadas da
concatenação de ambos podem ser complexas e mesmo imprevisíveis.
(http://fr.wikipedia.org/wiki/Isorythmie)
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O violoncelista Étienne Pasquier, mais tarde co-fundador do célebre Trio Pasquier, estava detido no
mesmo local, junto com Messiaen. O Quarteto para o fin do tempo foi estreado 15 de janeiro de 1941 por
Étienne Pasquier ao violoncelle, Jean le Boulaire ao violon, Henri Akoka ao clarinete e Olivier Messiaen ao
piano. Seis meses depois os músicos foram liberados e repatriados à França.
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Figura 19 - Olivier Messiaen em março de 1976. Foto: George Tames/The New York Times. Fonte:
http://artsbeat.blogs.nytimes.com/2008/04/25/paris-journal-a-visit-to-messiaens-church/
Para Messiaen a iluminação que devemos almejar não é como a do sol, mas sim como a
da lua. Uma vez atingida, perde-se a noção de tempo. Nesta obra o tempo harmônico é um e o
tempo rítmico é outro. São 17 figuras rítmicas para 29 acordes e, por serem números primos, o
ciclo para se encontrarem novamente é longo: 493 unidades.
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Esse tempo pode ser sentido fisicamente. O modo de alturas usado tem uma dinâmica
própria. Conforme o aparecimento da lua, o modo se enriquece com cromatismos. Depois,
termina com simplicidade.
Piano: a primeira talea (a) corresponde ao aparecimento da lua no céu; a segunda talea
(b) corresponde à luz que ilumina a todos e ajuda a humanidade; a terceira (c) é quando
o homem está com o conhecimento e pode acalmar seu espírito. Após isso as taleas são
repetidas 13 vezes.
Violoncelo: trabalha apenas com tons inteiros. É estático. Sua temporalidade está entre
o ritmo harmônico e as figuras rítmicas do piano.
Clarinete: faz a parte musical de cantos de pássaros que é o elemento mais palpável. A
estilização desses cantos é o que mais se aproxima do nosso cotidiano. Por isso
percebemos que entre toda essa transcendência, o canto dos pássaros é o que liga o
homem e ela. A escrita é baseada em um modelo Instaurador.
Violino: também é construído com cantos de pássaros, porém mais espaçado, e bem
descritivo.
Messiaen, por não usar recursos tecnológicos, não se preocupou com o espectro exato
dos cantos dos pássaros, mas com a qualidade sonora deles, anotando-os de ouvido. De
qualquer forma, sua transcrição dos pássaros prioriza a referência ao espectro e não a modos.
Laà villeà d’e -haut (1987) para piano e grande orquestra de Messiaen também foi vista nesta
sessão.
Ledoux falou sobre Bartók nascido no final do séc. XIX (1882 – 1945). Aos 20 anos se tornou um
dos primeiros especialistas em etnologia musical, viajando em busca de músicas populares.
Nessa época a Hungria era dominada pela Áustria (e música húngara subordinada à música da
Áustria). Bartók valorizou o pensamento nacionalista húngaro para se libertar desse domínio.
Em relação à música húngara se fala muito de música cigana, mas não da música húngara
propriamente dita.
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Figura 21 - Béla Bartók: (esquerda) Abril de 1940, gravando Contrastes com Joseph Szigeti e Benny Goodman;
(direita) 21 de janeiro de 1937, após a estréia de Música para cordas, percussão e celesta.
Fonte: http://w3.rz-berlin.mpg.de/cmp/bartok_pic.html
O objetivo do Bartók foi encontrar a música húngara verdadeira. Viajou pelos vilarejos fazendo
gravações em rolos de cera e percebeu que existia um problema: a ideia de uma musica
nacionalista. Bartók transcreveu e registrou muitas coisas e percebeu que não existia uma
cultura única na Hungria, mas várias culturas e etnias. Além das diferenças entre as expressões
de culturas diversas, Bartók constatou a existência de pontos comuns entre elas, invariâncias.
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Bartók estudou profundamente essas músicas e também como trazê-las à expressão da música
culta. Para isso Bartók não usou transcrições, mas praticamente reinventou um folclore,
tomando elementos comuns entre os povos, sobretudo as invariâncias constatadas entre as
músicas de diferentes culturas, para compor algo que unisse as diferenças. E Bartók quis ir mais
além, questionando se existiriam também invariâncias entre outras civilizações: Romênia,
África... e percebe que existe uma parte da música que é universal. Bartók, então, muda um
pouco seu foco e se diz compositor húngaro9, porém defendendo a existência de uma parte da
musica que é universal.
9
Em húngaro os acentos nas frases são sempre no começo e em sua música Bartók coloca igualmente as
acentuações no inicio.
26
Figura 24 - Bartók, gravando o folclore centro-europeu por volta de 1910.
Fonte: http://marcelocoelho.folha.blog.uol.com.br/arch2007-04-29_2007-05-05.html
Microcosmos10 é ao mesmo tempo uma referência à cultura húngara como também à de Bali, o
que mostra como buscava as singularidades de outras civilizações. Há uma ideologia por traz
disso, pois Bartók integrou na época um movimento chamado pacifista (se viemos todos do
mesmo pensamento, porque excluir o próximo?). A Hungria é o primeiro a aderir a um
pensamento nacionalista, e Bartók é o primeiro a reagir contra isso.
10
coleção de 153 peças curtas para piano, escritas escrita entre 1926 e 1937 utilizada na formação de
músicos, principalmente para introduzi-los à escuta musical tonal/atonal, rítmica/polirítmica,
modal/amodal.
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Bartók foi então considerado um compositor decadente e recusado pelo regime da Hungria, o
que o leva a deixar o país. Quando surge um regime autoritário os primeiros a sofrerem ações
coercivas são o teatro e a musica, o que prova como a arte consegue influenciar o pensamento
das pessoas. Isso também ocorreu na Rússia de Stalin, quando muitos músicos foram induzidos
ao suicídio, como Rostlavetz, um compositor que não englobou em sua escrita a musica popular
da Rússia. A proposta de Bartók acabou sendo totalmente rejeitada pelos húngaros, pois levava
em consideração os pontos comuns da musica húngara com outras nações. Todos os escritos de
Bartók sobre essas ligações com culturas externas foram escondidos e trancados, estando
acessíveis somente a partir de 2002.
Ledoux abordou Scelsi valorizando a importante inspiração que foi para o surgimento da música
espectral, da qual foram analisadas Mémoire érosion e L’Esp itàdesàdu es de Tristan Murail.
Scelsi foi um aristocrata italiano. Fez várias viagens ao oriente onde descobriu a espiritualidade.
Passou a trabalhar com uma ondioline11, instrumento de teclado capaz de produzir intervalos
menores que um semitom. Devido a problemas nervosos, em virtude dos quais esteve internado
11
Teclado eletrônico utilizando um sistema valvulado, inventado em 1941 pelo francês Georges Jenny,
sendo um dos precursores do sintetizador.
28
antes de viajar ao oriente, Scelsi tornou-se incapaz fisicamente e psicologicamente de
transcrever suas improvisações, gravando-as em fita magnética e lhes confiando a copistas.
A música dos rituais tibetanos influencia sua concepção musical de modo que em 1959 compôs
Quattro pezzi : su una nota sola, obra em quatro movimentos sendo cada um deles construído a
partir de uma única altura. Scelsi busca aspectos como rugosidade e inflexões ao mesmo tempo
em que Ligeti explora em Atmosphère a microtonalidade e a micropolifonia. Impregnado de
cultura o ie tal, “ elsi se dizia u e sagei o. "U a tei o , ostu a a ele es o dize de si,
trazendo uma mensagem do mais alto. E se recusava a ser fotografado. Sua obra e seu
pensamento musical tiveram grande influência nos músicos que vieram a fundar o Ensemble de
l’Iti ai e : Tristan Murail, Gérard Grisey , Michaël Levinas e Hugues Dufourt, que o conheceram
durante a estadia na Villa Médicis, em Roma, no inicio da década de 1970. Foram eles que
promoveram sua obra, tendo finalmente no inicio da década de 1980 uma vasta difusão. O
impacto dessa descoberta foi relatado pelo musicólogo belga Harry Halbreich12:
H à algu sà a osà Gia i toà “ elsià e aà p ati a e teà des o he ido...à Masà desdeà ueà e à
outubro de 1987 o Festival SIMC de Colônia foi inaugurado com um concerto especial
inteiramente dedicado às suas obras para orquestra e coro, a sala da Philharmonia
esteve repleta não somente para o concerto mas também para o ensaio geral... Em
poucos anos suas obras principais foram enfim tocadas, com um atraso de um quarto de
século em relação às datas em que foram compostas. Todo um capítulo da história da
música recente deve ser reescrito: a segunda metade deste século não é mais concebível
se à“ elsi.
A música espectral surgiu a partir de 1973 na França ao redor do E se leà deà l’Iti ai e
reunindo os compositores Gérard Grisey, Tristan Murail, Hugues Dufourt e Michaël Levinas,
envolvendo ainda compositores independentes como Horatio Radulescu (Romênia) e Kaja
Saariaho (Finlândia). Além de Scelsi, o movimento tem como precursores La Monte Young (EUA),
12
Harry Halbreich, em comentários analiticos publicados no álbum de Jürg Wyttenbach com a integral das
obras de Scelsi para orquestra e coro (Aion; Pfhat; Konx-Om-Pax) pelo selo Accord.
29
Gyorgy Ligeti, Friedrich Cerha, Karleinz Stockhausen, Olivier Messiaen, Edgar Varese, os
futuristas italianos (Luigi Russolo) e Debussy.
Como definição, pode-se dizer que a música espectral refere-se a obras nas quais
30
Ledoux apresentou um diagrama correspondendo à formalização do projeto musical de
Mémoire/érosion, para trompa e grupo instrumental, examinando cada um de seus blocos em
relação ao que ocorre na partitura.
31
Figura 28 - Dispositivo de retroalimentação como empregados na década de 1980. Esquema descritivo em um
canal. (Mannis, 1987)13
Figura 29 - Transformação progressiva ao fagote, depois ao contrabaixo e mais tarde ao violoncelo da frase original
lançada pela trompa.
13
MANNIS, J. L Ele t oa ousti ue da s la usi ue d aujou d hui. Dissertação de Mestrado. Université de
Paris VIII, 1987.
32
Ledoux analisou ainda, de Murail, L’Esp itàdesàdu es (1994) para grupo instrumental e gravação
em mídia eletrônica, obra dedicada a Giacinto Scelsi e a Salvador Dali, sobre a qual Julian
Anderson14 diz:
é a primeira vez que em uma obra Murail faz referência explícita a músicas de outras
culturas, pois o material sonoro do qual a composição deriva é um excerto de música
tradicional da Mongólia e do Tibet, duas regiões marcadas por desertos, cada uma à sua
maneira — o deserto de Gobi , na Mongólia, e as regiões montanhosas e despovoadas
do Tibet. Mas Murail ainda evoca nesta obra um fenômeno bem conhecido no deserto
de Gobi : os misteriosos sons parecidos com vozes, provavelmente produzidos pela
fricção de grãos de areia pressionados um contra o outro pelo vento. Metaforicamente,
nesta obra se verifica o que os mongóis dizem do deserto de Gobi: ‘o deserto canta’. “
Murail explora nesta peça uma visão da relação entre o microscópico e o macroscópico e joga
com o fato das dunas serem similares e ao mesmo tempo tão diferentes umas das outras.
Elementos desta peça, bem como de Serendib15, foram apresentados pelo próprio Murail em
1996 na Anppom no Rio de Janeiro (UNIRIO) e na Unicamp (CDMC).
14
http://brahms.ircam.fr/works/work/10694/
15
Serendib (1992), para 22 instrumentos.
33
2.3.8 Luciano Berio (Lévi-Strauss)
O primeiro dos cinco movimentos, analisado nesta seção, é baseado em « O cru e o cozido :
Mitológicas I»17 (1964) do etnólogo Claude Lévi-Strauss. Ledoux mostrou como o texto
influenciou o compositor em seu processo criativo, buscando reproduzir a transformação mítica
revelada por Lévi-Strauss, mas também na organização dos três primeiros movimentos da obra:
criação, morte e ressurreição, pois o primeiro trata do mito da origem do mundo, o segundo
ti ado de out a peça de sua auto ia, eo uest ada, O Ki g , escrita em homenagem a Martin
Luther King e que, portanto, faz menção à morte, e o terceiro, baseado sobretudo no Scherzo
(também o terceiro movimento) da 2ª Sinfonia : Ressureição de Mahler, trazendo pontualmente
diversas citações de outras obras (Schoenberg, Ravel, Berlioz, Stravinsky, Richard Strauss, Bach,
Berg, Beethoven, Debussy, Boulez e Stockhausen). Ao todo a Sinfonia tem cinco movimentos,
sendo os dois últimos extraídos dos três primeiros.
16
Sinfonia is a composition by the Italian composer Luciano Berio that was commissioned by the New
York Philharmonic for its 125th anniversary. Composed in 1968-69 for orchestra and eight amplified
voices, it is a musically innovative post-serial classical work, with multiple vocalists commenting about
musical (and other) topics as the piece twists and turns through a seemingly neurotic journey of
quotations and dissonant passages. The eight voices are not used in a traditional classical way; they
frequently do not sing at all, but speak, whisper and shout words by Claude Lévi-Strauss, whose Le cru et
le cuit provides much of the text, excerpts from Samuel Beckett's novel The Unnamable, instructions from
the scores of Gustav Mahler and other writings.
17
Trad. de Beatriz Perrone-Moisés. São Paulo: Cosac Naify, 2004.
34
Figura 31 - Luciano Berio. Fonte: http://cn.last.fm/music/Luciano+Berio
Berio faz reflexão sobre a origem, a criação e a morte em todos os níveis de estrutura, a
começar pelo título: qual é o sentido de Sinfonia? Na terminologia da Grécia antiga significava a
arte de reunir sons. No período barroco sinfonia era uma forma relativamente livre de
articulação entre os sons. No período clássico já há uma preocupação em organizar os sons de
forma racional, em categorias organizadas. Há, portanto, uma origem e uma evolução no
conceito de sinfonia. Finalmente, em 1968 compositores como Boulez afirmam: As formas
antigas não tem mais razão de existir. De e ta a ei a Boulez esta a fala do so e a o te da
sinfonia. Mas ao compor esta obra, Berio está afirmando que escreveu uma sinfonia porque há
possibilidade de ressurreição e o emprego de material do terceiro movimento da 2ª Sinfonia de
Mahler no terceiro movimento de sua Sinfonia afirma essa ideia. Afinal, o conceito de sinfonia
faz parte das categorias de nosso pensamento. Berio tem, portanto, uma razão válida para fazer
renascer esse conceito.
35
O primeiro movimento trata diretamente de estruturas mitológicas presentes e O cru e o
ozido de L i-Strauss. Envolve duas etnias da Amazônia: Bororo e Ge. O texto fala sobre suas
diferenças, mas também das invariâncias entre elas. Algo que interessou muito a Berio nessas
culturas foi o conceito de cada uma sobre fogo e água. Os Bororos acreditam que a origem do
mundo está no fogo e na água vindos do céu, enquanto que para os Ge os elementos surgem do
centro da terra.
Da mesma forma como observou Bartók em suas pesquisas musicais, temos aqui diferenças
próprias a cada cultura, mas também identidades na estrutura das mitologias: singularidades e
invariâncias.
A partir desse modelo, Berio estruturou sua música com elementos possuindo singularidades e
diferenças entre si, como por exemplo na formação, vozes versus instrumentos da orquestra.
Ledoux coloca então: - Que elementos comuns temos nesta peça entre as vozes e os
instrumentos?
Incidências percussivas onde instrumentos e vozes estão juntos. Comenta ainda Ledoux
que se por um lado nessas condições perde-se um pouco da inteligibilidade por outro se
ganha na força da estrutura.
Outro elemento é o jogo de vogais u-o-a-i nas vozes reproduzido também nos metais
(v. Sequenza de Berio para trombone, ele faz u-o-a-i mas que Berio busca através do
jogo com a surdina fazer o trombone dizer : why?)18.
A ¾ de duração, após um tutti, chega o piano solo. No início, o tipo de escritura se caracteriza
pela harmonia. Há um primeiro acorde (A) do-mib-sol-si e um segundo (B) re-la-do-mib-fa#-la#-
do#-mi entre os quais ocorre uma dialética harmônica. Apesar de ambos serem distintos,ambos
são constituídos essencialmente por terças entre cada uma de suas notas.
Porque essa cor harmônica anuncia o terceiro movimento da 2ª Sinfonia de Mahler. Além disso,
as terças tem um papel fundamental na evolução da linguagem musical no decorrer da história
da música (acordes com tríades simples, acordes de sétima, depois acordes de nona, acordes de
11ª. Há uma progressão seguida de terças acumuladas aumentando a complexidade dos
18
Portanto na Sequenza para trombone também há uma relação entre Estrutura e Sentido.
36
acordes). No primeiro movimento, Berio parte do acorde (A) (que é preponderante em relação a
(B)) acrescentando-lhe terças de forma cumulativa, como uma referência à própria evolução dos
acordes na história da música.
Após esse contexto harmônico, o piano solo se renova e se manifesta de forma melódico-
rítmica. Porém, jogo do piano é aqui igualmente concebido em relações de terças. Vejam que há
sempre singularidades (oposições) e invariâncias (pontos comuns) entre os elementos.
Na análise do mito Xerente de Asaré e seus sete irmãos, Lévi-Strauss menciona a analogia
respectiva desses personagens com as estrelas Betelgeuse e o aglomerado Plêiades .
Figura 33 - A member of Brazil's Xerente nation aims his arrow during the bow-and-arrow competition at the IX
Indigenous Nations' Games in Olinda, northeastern Brazil, November 27, 2007. Fonte: Reuters Pictures.
http://www.daylife.com/photo/02Cp4OAfnh6q4
37
Berio emprega no primeiro movimento da Sinfonia excertos do texto como segue19:
[B2] il y avait sang [B1] Il y avait il y avait il y avait une fois un indien marié et père de
plusieurs fils adultes, à l'exception du dernier né qui s'appelait Assaré. Un jour, un jour
que cet indien était à la chasse, les frères, les frères
[SILENCIO]
Quand l'océan s'était formé, les frères d'Assaré avaient tout de suite voulu s'y baigner.
Et encore aujourd'hui, vers le fin de la saison des pluies, des pluies on les voit apparaître
dans le ciel, dans le ciel, tout propres et sous l'apparence des sept étoiles des Pléiades ce
mythe nous retiendra longtemps. [B2] aujourd'hui vers le fin de la saison de la saison
des pluies des pluies des pluies dans le ciel dans le ciel dans le ciel
[tutti] Pluie douce appel bruyant [repeated several times, broken down into component
syllables]
[SILENCIO]
[7 voices] sang [solo] sang eau eau [7]eau [solo] eau sang [7] eau [solo] sang [tutti] sang
[7] eau [solo] eau [7] sang [solo] eau céleste [7] eau [solo/7 antiphonally] eau céleste
sang eau eau terrestre pluie, pluie, pluie, pluie douce, pluie douce de la saison sèche
pluie, pluie orageuse, pluie orageuse de la saison des pluies bois eau, bois bois eau, bois
pourri, bois, bois dur roc arbre arbre résorbé sous l'eau un fils privé de mere, un fils
privé de nourriture héros honteux, héros tuant, héros tué, héros furieux, musiques
rituelle [7] eau sang céleste eau eau terrestre sang eau terrestre sang eau sang eau
terrestre eau sang eau eau eau terrestre eau eau terrestre eau céleste bois bois arbre
résorbé bois dur bois dur résorbé arbre résorbé bois pourri les héros bois dur le héros
héros furieux héros tué [tutti] musiques rituelle
19
http://pilgrimagetoparnassus.blogspot.com/2006/04/full-text-of-berios-sinfonia.html
38
39
2.3.9 Peter Eötvös
Na análise de Shadows (1995-6) de Peter Eötvös, Ledoux revela todo o trabalho de escritura da
espacialização, bem como as representações e referências ao título (Sombras) na formação
instrumental, na disposição em cena, assim como na dinâmica do dispositivo de amplificação ao
vivo.
Peter Eötvös é um compositor e regente húngaro que se situa na linhagem de Bartók, mas
também de Kurtág e Ligeti. Já com 15 anos ganhava a vida como pianista em projeção de filmes
nos cinemas e logo cedo percebeu o impacto da narrativa na musica. Era apaixonado por jazz,
musica que na Hungria era considerada como subversiva, assim como a música contemporânea
ocidental (Ligeti ouviu o Cântico dos adolescentes de Stochkausen pela primeira vez no rádio em
ondas curtas, mesmo tempo em que os russos entravam em Budapeste).
Eötvös igualmente ouvia jazz através de ondas curtas, com todo o ruído próprio da transmissão,
ao qual acabou se acostumando e assimilando com naturalidade. Descobriu e ouviu muito Miles
Davis por ondas curtas mas ao ouvi-lo no ocidente em condições normais achou falta do ruído e
se perguntava: onde está a outra parte da música? Na sua escuta os ruídos faziam parte da
musica. Segundo Umberto Eco, o ruído é algo que pode mudar a mensagem. Se o suporte da
comunicação tem ruído, e segundo McLuhan o ruído é parte essencial da mensagem, Eötvös
está em consonância com isso ao ouvir Miles Davis. Em linguística ruído é algo que corrompe a
informação. Mas para Eötvös o ruído é algo capital para a compreensão da mensagem musical.
40
Figura 35 - Peter Eötvös with the second generation Electrochord: Yamaha YC-45D, Synthi A, EMS Pitch to voltage
generator, Short wave radio and a custom built eight channel voltage controlled filterbank at Conservatoire Darius
Milhaud, Aix-en-Provence, August 3 1977. Photographer Bernard Perrine.
Fonte: http://www.synthi.se/synthi/eotvos.html
Num outro aspecto, para Eötvös não há música se não há mito. Assim, no decorrer desta análise
é importante considerar a música à luz dos mitos que percorrem nossos pensamentos.
Essa peça surgiu em momento trágico da vida do compositor, quando seu filho, então com 20
anos, se suicidou. Entendemos, portanto melhor o título da obra: Shadows. Ledoux indagou
Eötvös sobre a relação do titulo com a morte de seu filho, ao que respondeu que após a morte
do filho tinha a sensação shakespeariana de estar vivendo ao lado de uma sombra, uma espécie
de Hamlet invertido.
Eötvös imagina um projeto musical tentando conduzir a sensibilidade dos ouvintes na dinâmica
do momento em que a obra foi criada. Ledoux apresentou uma imagem de um quadro de
Fernand Khnopff, Mo à oeu à pleu eà d’aut efois (1889) ilustrando bem alguns dos princípios
empregados na composição. Pode-se indagar: o que é então a sombra? Para responder isso
Ledoux recorreu a diversas situações diferentes. Temos a experiência de ver nossa sombra se
prolongando ua do esta os dia te do sol. “e ia u out o eu as ligado a ós es os.
41
Há ainda outras maneiras de considerar a noção de
sombra, dentre as quais a que Khnopff pensava
enquanto pintava o quadro Mon coeur pleure
d'autrefois. A sombra é uma prolongação e uma
desmaterialização.
Uma do filósofo francês Michel Serres (1930), excerto de um texto sobre o pintor
Carpaccio:
42
Outra do próprio compositor, no terceiro movimento :
A relação entre madeiras e flauta, e entre metais e clarinete, cria um efeito de sombra, pois
estando de costas para público são sombras dos solistas. As madeiras vão amplificar as figuras
tocadas pela flauta e os metais as do clarinete, trabalhando com a ideia de distanciamento. Se a
43
flauta toca e as madeiras (de costas para o público) tocam simultaneamente não sabemos ao
certo onde está um e onde está outro. Há uma ambiguidade e um distanciamento espacial,
como uma sombra que prolonga nosso corpo ou a sobra dos arcos da ponte do quadro de
Khnopff.
Os tímpanos e peles ao fundo do palco retomam figuras dos pratos e da caixa dispostos ao
centro do palco criando um efeito de sombra e distanciamento.
O tempo de reação entre os músicos nessa disposição é que vai definir o espaço.
Há ainda a ideia da sombra enquanto desmaterialização, como a ideia do espelho onde se pode
definir claramente onde está o mundo real e o mundo virtual.
Há microfones captando o som da caixa, dos pratos e da celesta ao centro do palco. Eötvös pede
que caixa-clara e pratos toquem com dinâmica pianissíssimo (pp, ppp, pppp) e sejam
amplificados nas caixas acústicas ao redor da plateia, de forma que o público não ouça o som
que é produzido no palco, mas unicamente o som que é projetado pelo dispositivo de
amplificação. Percebe-se por seus gestos que os músicos tocam no palco, mas os sons não vêm
do palco e sim das caixas ao redor do público. Surge então a ideia de desmaterialização na
estrutura da obra. Os solistas, flauta e clarinete, são igualmente captados por microfones para
amplificação. Na medida em que os solistas tocam pianíssimo devem se aproximar do microfone
sendo o som amplificado nas caixas acústicas atrás da audiência, ocorrendo a mesma
perturbação acústica que com a caixa-clara e os pratos: a plateia vê os músicos tocarem, mas o
som não vem deles, e sim de caixas acústicas. Isso de forma que ao tocar pianíssimo o som vem
detrás, ao tocar piano a impressão acústica é de que o som vem do meio da plateia, e quanto
mais forte tocarem, vão se distanciar dos microfones e quando tocarem fortíssimo não serão
mais amplificados e serão ouvidos somente do palco, do lugar onde de fato estão.
Ledoux citou o sociólogo e pensador francês Edgar Morin, em reflexão sobre os mitos:
44
Oàho e à o eçouàaàseàto a àhu a oàaàpa ti àdoà o e toàe à ueà o eçouà
a enterrar seus mortos , pois enterrar os mortos é tornar presente na memória
dos vivos alguém que está ausente. Um túmulo se define no espaço e torna
presente uma ausência no tempo. 20
Portanto, segundo Morin, pode-se representar a ausência com uma forma de presença sendo o
que ocorre na realização desta obra Eötvös onde há intérpretes presentes no local,
manifestando sons que estão ausentes deles, pois se propagam na plateia, desmaterializados.
Ledoux falou sobre os questionamentos de Ligeti a respeito da técnica, como se situar diante
dela e de noções de tempo, como já visto em Varèse. Foram analisadas três fontes de estudos e
inspirações do compositor: Ars Mensurabilis, Chopin e música dos pigmeus da África Central.
Imaginamos Chopin como grande sentimentalista, mas sua obra não teria tanta qualidade se
não tivesse refletido sobre diversas questões musicais como a qualidade sonora e todo aspecto
melódico, o que é fundamental em sua escrita. Em relação ao tempo musical Chopin também
inovou. Ligeti cita em vários de seus artigos a 4a Balada de Chopin, onde ocorre uma
20
Nota-se uma relação com a citação de Michel Serres.
45
sobreposição de camadas rítmicas, algumas não tendo mais relação com o compasso original de
6/8. Sobre uma pulsação Chopin cria outra pulsação e dentro dela privilegia algumas durações
reunidas.
Foi na Idade Média, período que interessou muito a Ligeti, quando se desenvolveu a noção de
escritura musical, o que é muito importante, pois relaciona a música à noção do saber e
consequentemente à de poder: quem tem o saber tem dominação sobre os demais. No que se
refere à música, o saber está nas instituições religiosas, pois a sociedade ocidental na Idade
Média era essencialmente teocrata. O pensamento religioso correspondia à maneira como as
pessoas organizavam suas vidas. Nessa época surgiu a necessidade de codificar a música.
Inventaram uma notação para as alturas, mas a partir do séc. XII se deram conta das
dificuldades de interpretação de músicas com escrita polifônica. A partir disso imaginou-se uma
arte do canto medido (Ars Cantus Mensurabilis) com um sistema de notação de durações e
ritmos21.
21
Depuis l'époque des neumes jusqu'à l'école de Notre-Dame, la notation musicale était restée imprécise.
C'est aux disciples de Pérotin qu'il faut attribuer les premières réformes qui furent à l'origine de la
notation dite proportionnelle (nota mensurabilis). Les musiciens de l'école de Notre-Dame furent en effet
les premiers à utiliser les ligatures, artifices graphiques destinés à définir le rythme selon l'accentuation
brève-longue (ou vice versa). Il ne s'agissait encore que de la découverte d'un principe qui en se
perfectionnant au cours du XIIIe siècle allait mettre à la disposition des compositeurs un système cohérent
et efficace. (Universalis : Ars Nova)
46
A religião cristã dominava toda a Europa e a teocracia em suma era um mundo de ordem
simbólica cujo pensamento estruturava-se em três partes: Deus; seu representante na terra,
Jesus; e um intermediário, o Espírito Santo. Na época os sinos das igrejas organizavam a vida
das pessoas: hora de despertar, hora de rezar, hora de trabalhar. A vida se organizava em três
partes, era o reflexo do modelo do pensamento. As pessoas poderiam se perguntar se além
disso não haveria outra coisa. Pensando na dança e sabendo que o ser humano é um ser binário,
pois tem um pé direito e um pé esquerdo, uma mão direita e uma mão esquerda, o binário era,
portanto, a expressão do que havia de mais humano e real possível. Ao final do séc. XIII e início
do séc. XIV nas cidades, ao lado das torres com sinos das igrejas, se ergueram, em oposição,
torres com relógios, uma invenção capital na história da humanidade ocidental, pois permitia
pensarmos no tempo fora do tempo e do pensamento religioso. A invenção do relógio permitiu
ao ser humano ter o domínio de seu próprio tempo. Chegamos nesse momento à revolução da
Ars Mensurabilis. Até então o tempo musical era um tempo baseado em divisões ternárias. Com
o advento do relógio, torna-se possível integrar ao tempo musical o tempo binário.
A ideia do tempo na Idade Média estava baseada na existência de uma unidade, Deus, para o
que se criava um valor absoluto, representado por um círculo, pois não tendo inicio, nem fim
representava o infinito. O zero é o infinito e o vazio também. Portanto, o círculo é um valor
perfeito.
Para integrar isso na música era preciso um enquadramento como, por exemplo, o valor
perfeito correspondendo a seis batidas do coração. O tempo musical seria definido por uma
ideia de divisão. Esta poderia ser perfeita, dividindo o tempo em três partes: Deus, o Filho e o
Espírito Santo.
E ainda, que esta subdivisão seja mais uma vez dividida em três partes.
47
Para representar uma subdivisão perfeita da subdivisão perfeita (prolação22 23
maior /perfeita)
usa-se o símbolo do infinito, o círculo, com um ponto ao centro.
Mas é possível fazer uma divisão perfeita do tempo e colocar o homem em relação com
Deus, através de uma subdivisão binária (prolação menor/imperfeita).
Isso se representa por pois há o envolvimento do homem, portanto, uma dimensão finita
(o segmento de reta vertical) sobre o infinito (o círculo).
22
Figura: Roger BLANCHARD
23
Procédé « solfégique » de la notation proportionnelle en usage aux XIVe et XVe siècles, permettant de
diviser une valeur tantôt en 2, tantôt en 3. D'abord terme général, le mot s'est progressivement limité à la
division de la semi-brève (graphie de notre ronde actuelle) en minimes (graphie de notre blanche actuelle)
: selon une convention fixée par le signe de « mesure » précédemment apposé, la semi-brève se divisait
tantôt en 2 minimes (prolation mineure), tantôt en 3 (prolation majeure). La prolation constituait le
troisième échelon de la progression mode (longues en brèves), temps (brèves en semi-brèves), prolation
enfin (semi-brèves en minimes). L'expression n'est plus employée aujourd'hui, mais la prolation mineure
n'en a pas moins été conservée, tandis que la prolation majeure s'est vue remplacer selon les cas soit par
le système des triolets, soit par la division ternaire des mesures composées.
http://www.larousse.fr/ref/musdico/prolation_169701.htm
48
Diante das duas possibilidades, os compositores vão poder passar de uma a outra, por exemplo
encadeando trechos musicais com subdivisões alternadas, como se encontra em Guillaume de
Machaut:
| | | | |...
Na notação atual isso corresponderia a:
| | | | |...
Temos também um tempo do homem que seria um tempo imperfeito Tempus imperfectum,que
não será um tempo infinito, mas um tempo finito (uma porção de Deus, com um inicio e um
Mas o homem pode pensar em Deus e, portanto, pode-se dividir a condição do homem em três.
E esse tempo imperfeito pode ter uma prolação maior (o homem olhando para Deus).
Na nossa notação musical, que não é muito compatível com essas divisões, este último
compasso seria também um 6/6, mas um 6/6 derivado na verdade de um 2/2. Enquanto que o
49
E existe um último tempo, que é o homem olhando para si mesmo. Um tempo imperfeito com
duas subdivisões em dois (prolação menor).
referências que vão aparecendo no texto cantado. Quando o texto fala de Deus temos ,
Em 1380 surge a Ars Subtilior. Gregório XI, sexto de uma linhagem de papas franceses sediados
em Avignon, regressou a Roma em 1377, onde morreu no ano seguinte. Na eleição do seu
sucessor, a população de Roma exigiu a escolha de um italiano e o regresso definitivo do papado
à Roma. O rei Charles V da França não reconhece o Papa eleito Urban VI e elege um papa
francês para permanecer em Avignon. É o inicio da Grande Cisma do Ocidente, crise que durou
de 1378 a 1417. O Papa no poder em Roma se opunha ao de Avignon. Diante dessa nova
situação política surgiu a necessidade de uma nova Arte reforçando essa oposição política.
Cultivando uma nova proposta ideológica refletida na linguagem musical procuraram, com
incentivo do poder da igreja na França, minimizar o impacto dos valores tradicionais. Assim,
buscou-se em Avignon uma oposição ao tempo musical conforme a concepção religiosa
tradicional romana. Uma forma de chegar a esse objetivo foi atingir a sensação do divino
absoluto, o que suscitou na polifonia musical colocar o tempo do homem (imperfeito) lado a
lado com tempo perfeito, segundo a concepção tradicional religiosa, conforme as práticas
colocadas em vigor durante a Ars Nova.
50
Assim, a Ars Subtilior inventou uma extraordinária polifonia de temporalidades. Houve
narrações temporais em polifonias a quatro vozes, nas quais cada melodia tinha seu próprio
andamento.
1ª voz
2ª voz
3ª voz
4ª voz
1ª voz
2ª voz
3ª voz
4ª voz
Ledoux reproduziu um exemplo musical da corte de Avignon com essas formulações de tempo.
Dessa época temos autores como Solage e Senleches e, para pesquisa de partituras na BN, da
França, recomendou acessar ao CODEX CHANTILLY.
Ledoux passou um exemplo de Solage, peça intitulada Fumée (Fumaça), esclarecendo que na
época se refletia muito sobre os modos. O si na época era representado pela letra B, mas
o fo e o odo e ue está a os esse B e a a ole ido ue ais ta de de to ou u
bemol ( ) sendo que bemol significa literalmente um B mole. Ao mesmo tempo podia-se ter um
B que fosse um pouco mais rígido, ais a uad ado u a e p essão f a esa, o ue
gerou o B carré (B quadrado) ( ) hoje bequadro.
51
Mostrou ainda como a indicação da altura de referência ao inicio da partitura deu origem à
claves: C à clave de do, F à clave de fá e G à clave de sol.
Além de estudar as técnicas de Chopin e a Ars Subtilior, em 1980 Ligeti se interessou pela
temporalidade existente na música dos pigmeus, estudada por um etnomusicólogo em sua tese
de doutorado defendida na década de 1970.
Ligeti viu em Chopin o trabalho sobre a defasagem no interior do material musical e temporal.
Na Ars Subtilior existe um tempo de referência, sendo possível criar sobreposições temporais
diferentes. Os pigmeus mostraram a Ligeti outro modo de pensar a musica.
Na cultura dos pigmeus não se concebe uma unidade que domine o universo, mas eles
encontram um sentido importante na relação com a terra, envolvendo o movimento.
A música dos pigmeus se organiza ao redor de pulsações vitais, que podem ser percebidas ou
não.
| | | | | | | | | | | | | | | | | | | | | | | |
Os pigmeus não imaginam métricas ou subdivisões da como na Ars Subtilior e em nossa cultura,
mas é uma música cíclica e repetitiva, trabalhando com patterns.
| | | | | | | | | | | | | | | | | | | | | | | |
| | | | | | | | | | | | | | | | | | | | | | | |
52
Os padrões na musica dos pigmeus não funcionam por divisão, mas sim por adição.
e no de 4 pulsações:
Figura 42 – Ritmos inscritos nos padrões de 6 e 4 tempos.
Foi nesse principio musical que Ligeti desenvolveu seu Concerto para piano.
Há uma formação instrumental que muito interessou Ligeti, a de trompas africanas, reunindo de
10 a 20 instrumentistas tocando trompas de tamanhos pequenos até maiores. Lembram um
53
pouco as trompas tibetanas. Cada instrumento toca uma única nota e repete um pattern. Ouve-
se então uma polifonia bastante complexa, pois ela provém da sobreposição de todas as figuras
rítmicas.
Em seguida duas versões de um trecho de música para um rito de passagem (améya) seguindo o
mesmo princípio estrutural.
O lado encantador dessa música está justamente em ser repetitiva e permitir que através da
escuta se entre no interior da matéria musical ouvindo figuras complementares. Através das
variações podem-se observar as possibilidades de transformação das figuras.
O que estamos vendo neste momento, na ótica de observação dos etnomusicólogos, pode ser
considerado como um Modelo Descritivo, permitindo uma comparação com outras
interpretações buscando saber quais são as variáveis, bem como o que é invariável.
No material de apoio didático havia também uma peça para xilofones acompanhada de uma
Análise Paradigmática na qual há uma comparação de todas as variações de uma célula inicial.
Portanto trata-se de uma maneira de estudar o processo de transformação de variações
24
Este exemplo mostra também como o jazz vem de fato da música africana.
54
colocando-as alinhadas e em sequencia cronológica, marcando somente as alterações que
surgem. Quando a figura permanece a mesma, representa-se por < > (aspas).
Figura 43 – À esquerda: partitura para dois xilofones com indicações das variações (1, 2, 3...) à mão direita do 1º
xilofone; À direita: alinhamento (na ordem de aparecimento do 2º xilofone25 2, 3, 4...) e comparação termo a termo
de cada variação, onde somente são destacados os elementos que mudam entre uma variação e outra (Análise
Paradigmática).
Ligeti se propôs em suas composições a partir da década de 1980 a fazer uma grande síntese
entre os três modelos de pensamento musical expostos:
Em outras bases teóricas Colon Nancarrow26 fez um trabalho similar a partir de proporções,
chegando a um resultado bastante semelhante ao de Ligeti, ou seja, a sensação de criar
sobreposições de andamento, sobre a qual integrou a sobreposição de patterns. Em Nancarrow
não se encontram as defasagens como observadas em Chopin. Ledoux recomendou a escuta dos
extraordinários Studies de Colon Nancarrow.
25
Observe que o 2º xilofone (mão direita) entra na 2ª variação, portanto a primeira variação a aparecer à
direita é a de número 2.
26
(1912 – 1997) compositor nascido nos EUA mas que viveu e trabalhou a maior parte de sua vida no
México (Nat. 1955)
55
2.3.12 Análise do Estudo nº 6 de Ligeti (Outono em Varsóvia)
Quando compôs esse estudo, Ligeti estava muito sensível à ditadura e à ideologia dominante,
sobretudo na Polônia, período em que era primeiro-ministro Wojciech Jaruzelski27 (1981-1985),
e desejou representar em música a angústia pela qual estavam passando seus amigos
poloneses.
Ligeti era bastante neurótico e, segundo Ledoux, isso pode ser sentido em toda a sua musica, na
maneira de construir mecanismos gerando um sentimento de ansiedade.
Assim como em todos seus Estudos e no Concerto para piano, observa-se em Ligeti uma
obsessão pela pequena pulsação, como seu fascínio por sistemas mecânicos. Ligeti contava que,
quando pequeno, ia à casa de uma amiga de sua mãe, viúva de um construtor de relógios. No
sótão havia dezenas de relógios que a senhora sempre colocava para funcionar. Ligeti adorava
passar horas a ouvi-los soando juntos.28 Entende-se um pouco de onde vem sua adoração por
mecanismos. Isso é uma prova de que experiências de vida podem ser úteis para um compositor
criar novas músicas.
Nesse Estudo nº6 o ostinato temporal (quatro semicolcheias) é a base sobre a qual Ligeti
construiu modelos inspirados nos modelos de pensamento musical de Chopin, Ars Subtilior e da
música dos pigmeus, acima expostos.
27
Jaruzelski utilizou o estado de exceção (lei marcial) para reprimir o sindicato Solidariedade (“olida ość)
e deze o de e e uisitou a p isão dos líde es do o i e to, i lui do Le h Wałęsa.
28
O Poema Sinfônico do Ligeti é um bom exemplo da dessa cena e de seu fascínio por mecanismos.
56
Foi ouvida a interpretação do Estudo nº6 por Pierre-Laurent Aimard.
Ledoux observou que no compasso 85 (p. 34, 1º compasso) encontra-se um bom exemplo da
maneira de pensar as defasagens a partir de Chopin. A parte superior da mão direita é própria
ao estilo de Chopin. Observando de forma mais detalhada, temos a semicolcheia como a
pulsação de base e a melodia superior contendo notas com duração de 5 semicolcheias. Ao final
do primeiro sistema, as 5 semi-colcheias se tornam 2+3 e depois 3.
Observando a parte da mão esquerda percebemos que estamos diante de uma polifonia. A linha
superior da mão esquerda evolui com durações de 4 semicolcheias, enquanto que a parte
inferior, com 7 semicolcheias. Isso cria melodias evoluindo a velocidades diferentes, na verdade,
melodias com andamentos diferentes. É possível calcular exatamente quais são esses
andamentos. Considerando o andamento geral da peça, a semínima a 144 (= 144), os
andamentos resultam em:
57
A linha superior da mão direita tem pulsações com duração equivalente a 5 semicolcheias,
portanto razão de 1,25 em relação à semínima de referência, correspondendo a um andamento
AMDS 29de 115 BPM30.
A linha superior da mão esquerda tem andamento igual ao andamento geral, AMES = 144 BPM.
A linha inferior da mão esquerda tem uma pulsação de 7 semicolcheias, portanto 7 x 0,25 = 1,75
em relação ao pulso do andamento geral, correspondendo assim a um andamento AMEI = 82
BPM
O artifício de escrita adotado por Ligeti tem como base uma pulsação de referência, assim como
a música dos pigmeus. Através da manipulação de pequenas pulsações, como nas defasagens
observadas em Chopin, Ligeti consegue chegar a um resultado próximo à polifonia de
andamentos da Ars Subtilior.
Ledoux seguiu analisando outros aspectos do Estudo nº6 de Ligeti considerando as dinâmicas,
tempo liso, tempo estriado, agógica e estrutura das alturas.
29
AMDS : Andamento da linha Superior da Mão Direita
30
BPM : batidas por minuto
58
2.3.13 Morton Feldman
Por outro lado, segundo Newton, o universo não tem memória. Portanto não tem futuro. O
universo vive em fatias de presente reatualizadas.
| | | | | | | | | | | | | | | | | | | | |
Morton Feldman não conhecia Newton, nem Kant. Aristóteles sim. O problema dos
compositores é que finalmente o que eles acreditam ser o tempo, não passa de sintomas do
tempo. Feldman gravitou ao redor de John Cage tendo sido igualmente influenciado por
filosofias Zen, nas quais uma das coisas importantes é viver o presente, sem se preocupar com a
memória, nem com o futuro. É preciso que no momento vivido se deixe emergir o presente. Isso
corresponde à pratica de meditação, na qual deve-se deixar o presente se instalar no interior de
si. Esse pensamento sensibiliza e influencia Feldman, então desinteressado pelo aleatório como
59
proposto por Cage no qual o compositor deve se ausentar da obra e somente selecionar os
objetos31 que a integram. Mas o projeto de fato de Cage é que o ouvinte seja o criador de seu
próprio projeto de escuta. Feldman não se inscreve nessa ideia.
Trabalhando em seu projeto, Feldman se pergunta: - Há um tipo de música onde se possa criar
uma espécie de presente em permanência? Ou seja, um presente no qual ocorra uma
reatualização do tempo presente conforme imaginava Newton? Um presente que impeça a
memória e a projeção do futuro de se produzirem?
Por outro lado, Feldman, assim como Cage(*), gravitou em torno das artes plásticas, com
especial interesse pela escola expressionista.
31
todos os objetos são possíveis para uma obra.
32
Staatliches Bauhaus (literalmente, casa estatal de construção, mais conhecida simplesmente por
Bauhaus). Escola de design, artes plásticas e arquitetura de vanguarda que funcionou entre 1919 e 1933
na Alemanha, sendo uma das maiores e mais importantes expressões do que é chamado Modernismo no
design e na arquitetura, sendo uma das primeiras escolas de design do mundo.
33
Henry Cowell (March 11, 1897 – December 10, 1965) American composer, music theorist, pianist,
teacher, publisher, and impresario.
60
Exemplificando pintores do expressionismo que influenciaram Feldman, Ledoux distribuiu
material reproduzindo telas de duas orientações da linha expressionista norte-americana:
Colour Field paintings34, pintores que trabalham com campos de cores, como Mark
Rothko35
Gestural paintings / Gestural abstraction / Action Painting36, pintores que através de
gestos projetam sobre a tela a tinta que escorre de um recipiente perfurado ou um
pincel encharcado (Dripping Art), como Jackson Pollock.
Figura 48 - Autu ‘hyth No. 3 , Jackso Pollock, 9 . Pollock revealed the life of a pai ti g through actio s,
a technique of dripping and pouring paint on a canvas that is placed directly on the floor.
34
Color Field painting is a style of abstract painting that emerged in New York City during the 1940s and
1950s. Inspired by European modernism and closely related to Abstract Expressionism with many of its
important early proponents being among the pioneering Abstract Expressionists. Color Field painting is
characterized primarily by large fields of flat, solid color, spread across or stained into the canvas; creating
areas of unbroken surface and a flat picture plane. With less emphasis placed on gesture, brushstrokes
and action and more emphasis placed on overall consistency of form and process.
35
Mo to Feld a o posed "‘othko Chapel as a t i ute to his f ie d, the A e i a pai te , Ma k
Rothko. In 1971, at the request of the Menil Foundation of Houston, Texas, Rothko created an
environment in which his 14 monumental paintings played a central role. These paintings act as objects
on which all visitors to the Chapel, religious or non-religious could use for meditation.
36
Action painting, sometimes called "gestural abstraction", is a style of painting in which paint is
spontaneously dribbled, splashed or smeared onto the canvas, rather than being carefully applied. The
resulting work often emphasizes the physical act of painting itself as an essential aspect of the finished
work or concern of its artist.
61
Figura 49 - Philip Guston : To B.W.T.—another artist, Bradley Walker Tomlin.
62
Figura 51 - Mark Rothko : "Untitled 9 9
63
Figura 53 - Willem de Kooning : Excavation (1950)
Rothko trabalha com campos de cores e Pollock faz telas onde o gesto integra a pintura: o
artista evolui em gestos (quase uma da ça ) enquanto a tinta se projeta sobre a tela ao chão.
As ideias desses pintores ressoam com princípios da filosofia Zen. Quando japoneses e chineses
pintam uma árvore, não pintam literalmente a árvore, mas a energia dela. O espaço da tela, na
64
verdade não é um espaço finito, mas uma porção de todo o espaço, infinito, através do qual se
irradia a energia emergindo da pintura.
Pollock coloca a tela no chão, evolui por cima dela e quando termina há tanta pintura fora
quanto dentro da tela, esta nada mais que uma pequena porção do universo.
Figura 55 – Muitas telas de Jackson Pollock tem rastros de gestos que ultrapassam as dimensões da tela. O espaço
da tela é uma superfície delimitada inscrita no espaço real infinito.
Feldman considera finalmente na partitura, um sonoro que é uma porção do tempo. Se para
Newton, o tempo era uma sequência de inúmeros presentes reatualizados, uma obra de
Feldman não é mais do que algumas poucas dessas fatias de tempo. Sem dúvida é uma proposta
utópica. Mas o que Feldman fez em seu projeto de compositor? Feldman encontrou técnicas
musicais tentando anular a memória e em consequência disso anular a previsibilidade. Refletiu
ainda sobre a história da música. A evolução da música está em relação com a evolução do
pensamento melódico-rítmico. O fenômeno melódico-rítmico é a base dos temas e motivos, tal
qual na escrita de Boulez. Uma primeira coisa seria então destruir o aspecto melódico-rítmico.
Sendo o ritmo importante, Feldman propõe substituí-lo pela noção de duração, fazendo os
ouvintes escutarem mais durações do que ritmos, usando para isso ao máximo os silêncios.
Escrevendo trechos musicais com previsibilidade minimizada, os ouvintes não conseguem
resumir o que se passou, nem prever o que vai acontecer. Não sabem quanto o som que estão
escutando vai durar, nem quando um silencio vai terminar. Durante o silencio, não têm ideia de
quando chegará o som. Durante o som, não sabem dizer se o silêncio está para chegar ou se vai
tardar. Não há memória, nem futuro. A escuta e a atenção estão, assim, fixadas no presente.
Resumidamente, de forma extremista, esse é o projeto de Feldman. De fato, três minutos de
silêncio faz com que os ouvintes percebam a existência de uma duração, a do silêncio. Vivem o
65
silêncio e vivem também o tempo durante o qual existe o silêncio. Há aí a sensação do
escoamento do tempo que passa, que flui.
Terminada a audição, realizada inicialmente sem ler a partitura, constatou-se como durante a
escuta houve dificuldade em prever qualquer evento sonoro. Esse é, portanto, um verdadeiro
projeto musical de Feldman, não considerando se a música é bela ou não, mas mobilizando
técnicas através das quais a música que resulta faz com que os ouvintes estejam o mais próximo
possível do presente, na escuta do presente. Sentirem a energia do presente, assim como se
percebe a energia nos traços de uma pintura japonesa representando uma árvore, ou mesmo a
energia que emana dos rastros dos gestos de Pollock.
Na partitura, cada grande quadrado é uma unidade de tempo cuja duração o intérprete decide
qual é (1, 2, 3... , 5... , 12 segundos ou mais). Os pequenos quadrados são eventos sonoros
situados dentro do quadrado maior em três posições: abaixo (grave), ao centro (médio) e acima
(agudo). Cada um dos três níveis em que se alinham os quadrados determina uma sonoridade:
abaixo (execução com arco), ao centro (pizzicato) e acima (harmônico).
66
consciência de que são de fato ouvintes e que podem escutá-la em direções diferentes.
Foi realizada uma segunda escuta, desta vez acompanhando a partitura, após a qual se percebeu
a influência negativa da leitura simultânea, levando os ouvintes a imaginarem unidades de
tempo e pulsações inferidas, fugindo do objetivo de escuta proposto pelo compositor. Feldman
sempre recomendava aos compositores: façam distinção clara entre a partitura e a escritura, e
entre a percepção e a escuta. Não se deixem dominar pela escritura. Imaginem sempre qual é o
resultado e o impacto produzido na percepção da música. Com esta obra, Feldman percebeu a
utopia de sua proposta, mas também enxergou suas qualidades. Ao escutar essa música, surge
algo cageano. Se o ouvinte não pensa na memória, nem na previsibilidade, passa a integrar à
escuta todos os acontecimentos sonoros exteriores.
Ledoux abordou ainda nesta sessão, a obra Piano and orchestra de Feldman, composta em
1975.
O ultimo dia de atividades foi dedicado às relações entre música e texto incluindo problemáticas
da linguística e das línguas. Na sessão anterior sobre Berio, viu-se como a estrutura de uma
linguagem pode refletir o pensamento de uma cultura. Conhecendo melhor os conceitos e a
dinâmica da linguística podemos transitar mais facilmente entre a música popular e a música
culta. Ledoux não fez investigações exaustivas sobre o problema das línguas nas músicas
populares e sua integração à música culta, aliás na sua opinião um domínio de pesquisa muito
interessante, mas abordou três obras (duas de Luciano Berio e outra de Kurt Schwitters) através
das quais foi possível tomar consciência de relações entre linguística e música.
Nesta sessão foi analisado o segundo movimento da Sinfonia intitulado O King. O que interessa
aqui a Berio, assim como Umberto Eco, é a multiplicidade dos significados: a polissemia. Ledoux
fez referência ao livro O nome da rosa, onde Eco coloca em evidência a dialética entre popular e
erudito (ou culto). O que há nesse romance de Umberto Eco? É possível lê-lo como uma pessoa
67
simples, sem muitos conhecimentos e perceber que há uma ação, uma intriga, despertando no
leitor a vontade de viver a experiência do herói. Nesse ponto estamos no nível que para Ledoux
se caracteriza pela sentimentalidade. Nesse nível, são os sentimentos que impulsionam as
pessoas (o leitor), que não dominam seus sentimentos. Isso é muito interessante para os artistas
refletirem se os sentimentos lhe dominam ou se dominam seus sentimentos. A partir do
momento em que os sentimentos são dominados, pode-se levá-los a regiões desconhecidas.
Entra-se então no domínio da sensibilidade. Este é o segundo nível em que está escrito o
romance de Umberto Eco. Além de estar lendo um romance que nos desperta sensações
primárias, o leitor passa a fazer uma reflexão sobre as relações humanas, a política, a história.
De modo que após ter lido o romance se possa concluir que apesar da trama ter se passado na
Idade Média, há coisas semelhantes que acontecem em nossa época, há elos que o leitor cria e
estabelece. Além desses dois níveis, Umberto Eco faz também um romance que pode ser lido
num nível ainda superior, o do conhecimento. Eco explora o conhecimento individualizado de
cada um dos leitores, de modo que se for um teólogo especialista em questões da Idade Média,
há no romance todo um estudo sofisticado sobre a relação de poder entre as diferentes ordens
religiosas. Esses detalhes são coisas que o leitor que permanece no nível da sentimentalidade
não se dá conta, mas o especialista acaba percebendo o contexto e pode até mesmo ser que
aprenda algo novo ou reflita e enxergue coisas novas a partir do que já sabe. Se o leitor é um
músico, ao abordar o romance no nível de conhecimento pode entender como funcionava a
musica na Idade Média, regendo a vida das pessoas. Eco fala de todas as formas musicais que
existiam na Idade Média na Europa. Se o leitor for conhecedor do esoterismo, perceberá que há
relações entre pensamento religioso, cabala e misticismo. Ao escrever esse romance Umberto
Eco pensou em todos esses níveis de significação, ou seja, é uma obra que pode ser lida tanto de
forma simples e elementar como de maneira extremamente sofisticada e culta.
Luciano Berio também trabalha assim, sendo por essa razão o compositor mais popular do
repertório contemporâneo. Suas obras tocam tanto pessoas que não tem grande cultura musical
quanto aquelas possuindo conhecimentos extremamente sofisticados. Da mesma forma que
Umberto Eco, Berio deixa transparecer um sentimentalismo, o que para ele não foi difícil por
sempre ter gostado muito do repertório operístico, que justamente transpira sentimentalismo.
O próprio Berio disse que se prestarmos bem atenção em suas obras podemos encontrar um
pouco de Verdi em varias passagens. Mas também foi um compositor que conhecia os escritos
de Levi-Strauss, linguística e dispunha de ferramentas sofisticadas.
68
Ledoux recomendou aos que se interessam pela Sinfonia de Berio a leitura de:
David OSMOND-SMITH. Playing on words : a guide to Luciano Berio's Sinfonia. Reino Unido :
Ashgate, dec 1985. 96 p. Disponível para aquisição eletrônica em *.pdf em:
https://www.ashgate.com/default.aspx?page=638&seriestitleID=314&calcTitle=1&forthcoming=1
Ao compor O King para a Sinfonia Berio retomou uma obra homônima, modificou-a e amplificou
o projeto. A escuta da obra foi realizada.
Timbre
Altura
Tempo
Intensidade
Espaço
o Ataque e ressonância
o Ataques de piano
o Vozes femininas
o Instrumentos musicais
Os instrumentos dobram-se uns aos outros bem como as vozes, de modo que
raramente há uma cor pura. Portanto há uma ambiguidade nos timbres. O
instrumento que dobra as entradas do piano é a trompa. Ledoux observou que
quando faz análise através da escuta parte-se de coisas elementares buscando
69
entender as relações entre elas e ao mesmo tempo tornando-as mais
complexas.
70
3. Observações quanto ao tempo:
Foi identificada inicialmente a presença de tempo liso (ou seja, à escuta não se
perceberia a presença de pulsação). Porém, existe uma pulsação desde o início,
bastante lenta (cf. entrada das vozes e movimento cíclico). Apesar de uma
ambiguidade no início, pode parecer que os sons estejam soltos pela baixa pulsação,
há figuras que emergem e marcam regularidades no tempo. Berio de certa forma vai
revelando a pulsação na medida em que a música avança. Portanto esta obra está
baseada em um tempo estriado.
Tempo estriado
Ocorre que a pulsação não é a natureza primordial do discurso nessa obra. Quais
seriam os conceitos mais importantes então?
Duração
Ritmo
Organização, mais lenta que os demais acontecimentos
Essa organização é dada pelo piano que marca o inicio dos acontecimentos. Não se
pode verdadeiramente falar de ritmo, porque um ritmo precisaria ser
conceitualizado, ter uma presença suficiente para caracterizá-lo como tal. Neste
caso estamos mais num contexto de durações. A duração é da ordem da sensação
perceptiva. O ritmo por sua vez é da ordem de uma conceitualização e de um
pensamento perceptivo, razão pela qual até agora se fez muitas teorizações sobre o
ritmo e poucas sobre a duração.
Ao ouvir as alturas executadas pelo piano e os ataques dos metais percebe-se que a
célula inicial fa-la-si-do# é repetida ciclicamente, mas o acento de ataque a cada vez
se desloca de uma nota:
71
O ciclo de acentos dado pelo piano segue a mesma estrutura das vozes, ou seja, a
mesma sequência da célula original:
piano
> > > > > > >
o fa-la-si-do#-fa-la-si...
Duração
Agógica
Pode-se fazer um estudo agógico da peça. A agógica entra quando não se pode definir
um andamento cronometrado, mas quando sentimos uma densidade de
acontecimentos no tempo.
Esta peça tem uma estrutura simples. Segundo David Osmond-Smith (1985)37 temos
uma espécie de cantus firmus que é repetido cinco vezes:
Mais alguns instrumentos intervirão em algumas dessas alturas, nas quais observamos
segmentos de escalas de tons inteiros:
37
David OSMOND-SMITH. Playing on words : a guide to Luciano Berio's Sinfonia. Reino Unido : Ashgate,
dec 1985. 96 p.
72
(1) fa-la-si-do#-la (2) lab-sib-re (3) do#-si-re (4) fa-la-si-do# (5) sol#-re-sib-lab-sib
Estamos sempre girando em torno das mesmas notas, num âmbito entre fá e ré:
fa-lab-sib-si-do#-re
Nas extensões de registros (grave e agudo) Berio usou justamente essas notas
complementares. Berio trabalhou sobretudo com variabilidade de registros. No primeiro
registro temos:
F#2 E3 C4 G5 Eb6
38
La convention française donne le numéro 3 au la de 440 Hz, et il se note « la3 ». Dans ce système, le la
de 220 Hz sera le la2. Le changement d'octave se fait à partir du do, ainsi on passe du si2 au do3. Aux
États-unis, le la3 est noté A4 (une unité de plus). Ce standard est utilisé dans les logiciels d'édition et
composition musicales les plus répandus. Dans le système français, au-dessous de l'octave 1 se trouve
l'octave -1. Dans le système américain, la première octave commence à 0. Il n'y a pas d'octave inférieure à
celle contenant le la-1 (55 Hz) car elle serait en-dessous du seuil d'audition. Fonte :
http://fr.wikipedia.org/wiki/Octave_(onde)
73
As notas do e sol vão permanecer fixas onde estão e as demais terão mobilidade.
74
perde-se um pouco a sensação de temporalidade. Por isso Ledoux compreende porque que o
alu o Felipe disse i i ial e te te pe e ido u te po liso esta peça, pois a o te eu
e ata e te o efeito Feld a . Ouve-se um universo de fragmentos de escalas de tons inteiros
retalhadas e reunidas, depois pequenas transformações e, finalmente, perde-se a noção do que
se acabou de acontecer e não se pensa no que virá a seguir.
foi tão refinado e delicado que, mais uma vez, para ser percebido requer uma escuta
sofisticada. Compreende-se assim como esta música é direcional. Segundo a qualidade da
escuta o ouvinte perceberá coisas diferentes.
Se, além disso, distingue e acompanha o que se passa nos registros complementares,
perceberá um grau de sofisticação superior, incitando o ouvinte à escuta introspectiva do
momento presente, a qualidade das sonoridades, podendo ter a sensação de uma música
estática, como a de Feldman.
75
Temos, portanto :
Nos fonemas O e U não há muitas frequências agudas (esses fonemas tem mais
componentes harmônicos são graves) enquanto que nos fonemas A e E há um espectro mais
aberto, rico, com todas as componentes parciais da voz, graves e agudas, enquanto que no
fonema I temos preponderantemente componentes parciais agudas.
76
As diferentes frases empregas na obra empregam sequencias de fonemas ( O A I U E )
tendo o compositor refletido sobre o percurso fonético. Na própria estrutura do texto (O
MARTIN LUTHER KING), do ponto de vista fonético, temos O representando a interioridade,
ressoando, portanto, na parte posterior ao rosto, se dirigindo em seguida ao A, rumo à
exteriorização e ainda ao agudo, numa elevação em frequência, na direção de I , ressoando
portanto na parte anterior do rosto.
77
Para Berio estruturar o material fonético já é um trabalho de direcionalidade. A questão
na verdade é como criar uma direcionalidade cada vez mais sustentada.
O A I U E
1 2 3 4 5
L
M
39
LEON-DUFOUR, B. Mallarmé et l'alphabet. In : Cahiers de l'Association Internationale des
Etudes Françaises Paris 1975, no27, pp. 321-343 (51 réf.) Résumé : Causes du goût de M. pour les lettres de
l'alphabet, leur charge poétique et leur pouvoir magique. Le pouvoir de la consonne "L" comme germe d'où naquit sa passion pour les
lettres, la typographie, la calligraphie, comme clé de sa vocation littéraire et comme explication de ses trois "hantises" celles des
lettres et surtout des consonnes, de l'oiseau, de l'Azur. Remarques sur le fait que M. ne prit pas de pseudonyme et sur le charme qu'a
dû exercer son patronyme avec deux "L".
78
TH
Em seguida, o TH em inglês. R
L
M
K
E a mais violenta de todas: K, a que tem menos inércia.
TH
R
L
M
Berio introduziu os fonemas numa ordem tal que produzem ataques cada vez mais
pronunciados e progressivamente reconstruiu o nome de Martin Luther King, tornando-o
presente à escuta ao final da peça.
O
MA LU
RTIN THER
KING
O MA RTIN LU THER KING
Eis então que neste projeto de obra estamos no terceiro nível. O primeiro nível sendo a bela
melodia, em seguida os registros extremos e as viagens de notas entre eles e finalmente no
terceiro nível uma direcionalidade que se cria progressivamente e adquiri precisão através dos
ataques das consoantes, cada vez mais abruptos.
79
O aluno Tiago perguntou se o terceiro nível se encontrava totalmente compreendido no nível
neutro da escuta. Ledoux respondeu que as permutações de fonemas e morfemas de fato estão
num nível neutro, mas a partir daí é necessário interpretar e, portanto, se perguntar, porque
Berio fez isso? Constata-se que há uma construção progressiva do nome de Martin Luther King,
e começa-se a interpretar, como a sequência de consoantes em relação com a acústica, fazendo
com que os ataques sejam cada vez mais duros.
A dimensão espacial não foi abordada por Ledoux, pois esta requer contato com a obra
executada ao vivo, não sendo possível através da escuta do registro sonoro.
Ledoux comentou novamente sobre a concepção e a construção de toda a Sinfonia, e ainda analisou
a Sequenza III para voz.
80
2.3.15 Raul Hausmann e Kurt Schwitters
Ursonate, ou Sonate in Urlauten, foi escrita de 1922 a 1932 por Kurt Schwitters40, poeta e artista
plástico. Nela trabalhou elementos de fonética, portanto elementos sonoros primários.
40
German dadaist painter and scluptor, Kurt Schwitters was born in 1887 in Hanover. In 1918, he met
Hans Arp in Berlin and was highly influenced from his work that Schwitters began making colleges which
e e alled Me zi ide ' Me z pi atu es . This a e as e t a ted f o a fragment of one of his collages
where the word Kommerzbank as ut …/merz/… For the first time he exhibited in 1919 at Galleri Der
Sturm in Berlin, where he presented his abstract Merz-pictures. Two years later in 1921 he created a
sou d poe U so ate'.
Fonte: http://www.educationdigitalmedia.com/view/19
41
Disponível em: http://www.costis.org/x/schwitters/ursonate.htm (partitura e registro sonoro)
81
Figura 62 - Lucio Agra interpretando fragmento da Ursonate.
Fonte: http://forumpermanente.incubadora.fapesp.br/portal/.referencias/banco_imagens/kurt-schwitters-sonata-
primordial-e-palestras-sobre-sua-obra/lucio_agra_home.jpg/view
Expressões primárias podem ser comparadas às expressões de uma criança antes de dominar a
fala. São expressões anteriores à construção da linguagem. Pouco antes da Primeira Guerra
(1914-18), escritores e artistas plásticos se propuseram a criar formas de arte sobre essas
funções primárias, tendo surgido então o movimento Dada42 (Dadaísmo), na Suiça, tendo como
líderes Tristan Tzara, Hugo Ball e Hans Arp. Dada é em suma a negação total de todo o mundo
artístico. Ledoux reproduziu um registro sonoro de Raul Haussmann43 realizado em 1930 com
expressões primárias, perguntando se o que se ouviu era música ou não.
Figura 63 – (Esquerda) Raoul Hausmann, fotografado por Hannah Höch, 1919. Fonte:
http://en.wikipedia.org/wiki/File:RaoulHausmann.jpg (Direita) Raoul Haussmann, ABCD or Portrait de l'artist,
1923-1924. encre de chine et collage sur papier. Musée national d'art moderne, Centre Georges Pompidou, Paris,
©ADAGP. Fonte : http://www.provolot.com/words/2008/03/09/hausmann_abcd.jpg
42
Embora a palavra dada em francês signifique cavalo de brinquedo, sua utilização marca o non-sense ou
falta de sentido que pode ter a linguagem (como na expressão de um bebê).
43
[Raul] Raoul Hausmann (July 12, 1886 – February 1, 1971) was an Austrian artist and writer. One of the
key figures in Berlin Dada, his experimental photographic collages, sound poetry and institutional critiques
would have a profound influence on the European Avant-Garde in the aftermath of World War I. (Fields:
Collage, Photography, Sculpture, Poetry, Performance, Theory).
82
Retornou-se então à ideia de Nattiez: qualquer que seja o acontecimento sonoro submetido a
um ser humano, este, no que percebe, estabelece uma coerência formando uma imagem. A
partir do momento em que podemos formar imagens coerentes dos fenômenos sonoros,
chegamos a uma ideia de música. Como dizia Cage, a formulação da música não está sempre do
lado do emissor, mas às vezes do lado do receptor. Raul Hausmann não é um músico, mas um
poeta que em sua experiência deseja iniciar um novo material poético. Uma nova maneira de se
expressar poeticamente, mas que ainda não é uma poesia, da mesma forma que as expressões
primárias são expressões que precedem uma linguagem. Na performance de Haussmann temos
uma assemblage de expressões primárias que se situam antes da expressão da poesia. Sem
dúvida a formulação é um tanto anedótica, mas isso é revelador de muitas coisas, visto que o
movimento Dada se proliferou no mundo ocidental e esse tipo de experiência em poesia sonora
se difundiu pela Europa. Alguém que tenha esse tipo de expressão, se tiver sido um alemão, fez
algo completamente diferente do que faria se fosse italiano, diferente também do que faria se
fosse francês, e diferente ainda do que faria sendo suíço. Estamos percebendo novamente que,
apesar do Dada ser uma negação da arte, essas expressões do dadaísmo nos fazer refletir sobre
a arte, pois percebe-se que há particularidades inerentes às culturas. Há expressões primárias
próprias a algumas culturas e ausentes em outras da mesma forma que um bebê espanhol não
grita da mesma forma que um bebê chinês. Há uma aquisição imediata do ser, ouvindo a voz
dos pais, do ambiente, além de conformações fisiológicas, tudo isso variando de uma cultura
para outra. O dadaísmo nos mostra, contudo, que há outras maneiras de articular os fenômenos
sonoros, representando ainda uma grande evolução em matéria de expressividade. Os artistas
buscam encontrar novos meios de expressão demonstrando o que descobriram nos sentimentos
de sua época. Nessa época, logo após a Primeira Guerra, se pensava na quantidade de tabus que
a sociedade mantinha em relação a esses gestos primários. Portanto, usar esses elementos de
expressão primária será um elemento de reivindicação emocional forte, quebrando tabus
descobre-se emoções que antes não teriam sido empregadas. Nas artes plásticas Miró se
propõe a colocar em pintura gestos empregados pelas crianças, portanto procurando trabalhar
com elementos anteriores à construção da linguagem. Às gerações seguintes coube o trabalho
de estruturar essas novas descobertas de expressividade.
83
URSONATE é uma obra entre música e poesia. Assim como na performance de Haussmann nesta
obra Kurt Schwitters explora elementos sonoros primários. Em alemão o radical que define algo
primário referente à origem é ur-. O que o título representaria? Conforme indaga Lucio Agra44,
"Sonata Primordial" ou "Sonata pré-silábica" ou Sonata dos sons primitivos ? Ur refere-se
também a uma antiga cidade da Mesopotâmia junto ao rio Eufrates, habitada na Antiguidade
pelos caldeus. De acordo com o livro de Gênesis, foi a terra natal de Abraão. O maior
representante de lideranças em Ur, chamado Ur-Nammu, ficou conhecido por ter criado o
primeiro código de leis, posteriormente substituído pelo código de Hamurabi.
Schwitters imaginou uma sonata primitiva. Enquanto Haussmann trabalhava com sons
primitivos sem lhes dar um sentido estrutural, Schwitters buscou trabalhar para estruturar esses
sons primários, e essa intenção se evidencia na referência que o título da obra faz à forma
sonata. Uma forma que pressupõe a atuação da memória do ouvinte. Há a memória dos
motivos, dos temas. Portanto, Schwitters imaginou que poderia usar formas de construção
primária, situadas antes da organização da linguagem, estruturando-as com em uma sonata.
Figura 65 – Primeira página da Ursonate 1922 – 1932 © Kurt Schwitters em duas edições.
(Esquerda) Fonte: http://www.medienkunstnetz.de/works/ursonate/
(Direita) Fonte: http://www.schwitters-stiftung.de/english/bio-ks2.html
44
Agra, L.; Sobre a Ursonate de Kurt Schwitters. http://www.geocities.com/agraryk/ursonate.htm
84
Após a audição da Ursonate constatou-se que não estávamos mais diante de gestos primários
com no caso de Haussmann, mas percebeu-se que o autor buscou de fato dar uma estrutura aos
gestos, fonemas e morfemas empregados, estes sendo de uma natureza que antecede a
organização de uma linguagem. Inclusive buscando proporcionar inteligibilidade bem como a
ideia de um projeto sonoro. Há elementos musicais, como temas e motivos, como por exemplo
45
no Scherzo da Ursonate, lanke tr gl (cf. Figura 66) constituído de 4 elementos e 4 modos de
emissão vocal diferentes: L (1) K (2) Tr (3) Gl (4). O 3º elemento é composto de consoantes
explosivas, portanto de exteriorização (assim como tínhamos vogais de exteriorização (A E I )
ressoando na parte anterior do rosto).
A consoante T é produzida com a língua contra os dentes, assim como o D. O que as diferencia é
a ausência da voz na primeira e a presença na segunda, ou seja, para produzir D é preciso usar
45
ou lanke trr gll conforme versão disponível em www.merzmail.net
85
um pouco de voz, enquanto que para o T não há nenhuma emissão de vogal, somente uma
projeção de ar bucal, o que faz com que o D seja uma consoante vocal e o T não vocal. Ao
pronunciar T não há nenhuma ressonância vogal (entre o rosto e a garganta), nenhuma vibração
vem do interior, somente dos dentes para fora. O K é não vocal mas o impacto é mais
interiorizado. R é uma consoante vogal que se produz também numa região intermediária da
boca. O L é uma consoante vogal praticamente sem impacto, portanto bastante interiorizada. E
o G é uma consoante não vocal produzida na garganta, portanto totalmente interiorizada. Pode-
se observar então que a sequencia: L (1) K (2) Tr (3) Gl (4) tem emissões vocais sucessivas
partindo de uma região interna (posterior) L , se dirigindo à consoante mais exteriorizada T
(anterior), voltando em seguida a vibrações posteriores GL. Dessa forma, lanke tr gl tem uma
espécie de arco de ligadura, interior-exterior-interior, lhe conferindo naturalidade e
elegância dinâmica, marcando a percepção do ouvinte.
Em híndi essas consoantes são pronunciadas com o mesmo gesto e emissão de vogal, porém a
posição da língua varia desde a região anterior (língua contra os dentes superiores anteriores),
em seguida a língua contra a parte intermediária do palato, até a parte mais interna, a língua
contra o fundo do palato próximo à garganta.
46
língua nacional e literária da Índia, o principal idioma no norte da Índia.
86
Para os indianos essas vogais expressam relações de interioridade e exterioridade. Passando
sequencialmente de uma consoante à outra se pode expressar (de fora para dentro) uma
introversão; (de dentro para fora) uma extroversão.
Há elementos, portanto que são verdadeiramente da ordem do motivo, ou mesmo do tema, que
nos permite compreender a estrutura dessa obra como uma estrutura musical.
onde além da alternância sistemática de uma duração Oooooooo a um pulso Bee bee bee bee,
observa-se o principio da variação na troca de Bee por Zee.
A forma Scherzo se caracteriza pela construção desse movimento com três elementos e uma
ação agógica:
87
...
Figura 67 - Elementos A e B do Scherzo.
...
Figura 68 - Elemento C do Trio do Scherzo com mudança agógica.
Temos, portanto uma Primeira Parte com elementos A e B alternados e uma Segunda Parte com
mudança agógica contrastante, mais lenta, trazendo o elemento C:
A1
B1
A2
I B2
...
...
C
II C
C
A1
B1
I A2
B2
...
...
88
Schwitters demonstra que a assemblage de fonemas e morfemas, mesmo sem o conteúdo
semântico das palavras, pode ter um sentido no plano musical e sonoro. Consequentemente,
pode-se construir uma obra inteligível mesmo a partir de elementos inicialmente ininteligíveis
no que se refere à ausência de sentido literal.
Figura 69 - Kurt Schwitters: Prikken paa i en, 1939. Collage de papiers divers sur contreplaqué peint collé sur
aggloméré. Musée atio al d art oder e, Ce tre Georges Po pidou, Paris.
Fonte: http://www.crdp-reunion.net/dossiers_thematiques/1mois1artiste/schwitters/schwitters.php
Schwitters mostra como ao trabalhar com fonemas, consoantes e vogais, há como jogar com a
memória estruturando a escrita tal qual uma música. A estrutura fonética complexa na Ursonate
tem subsídios da Escola Construtivista Russa do inicio da séc. XX que já havia trabalhado sobre a
criação de uma poesia fonética, incluindo teorizações, o que ulteriormente foi aproveitado pelos
dadaístas e surrealistas. Pode-se entender como a Ursonate foi uma obra capital para a
evolução musical, sobretudo no caso de Ligeti e Berio.
Ao final foi ouvido o registro sonoro de uma interpretação impressionante da Ursonate por
Christian Bök, gravação ao vivo em SUNY Buffalo, 200047.
Segundo Macchi (2005)48 Kurt Schwitters se distanciou teoricamente do dadaísmo dando origem
ao movimento Merz.
47
Disponível em
http://www.mp3int.com/download_mp3/376272/3104690/Christian_Bok_Ursonate_(kurt_Schwitters)/
48
Macchi, Fabiana. Kurt Schwitters: o dadaísta que era merz. Sibila — Revista de Poesia e Cultura. Ano 4,
n. 7, setembro de 2004
89
2.4 Contribuições aos trabalhos e prosseguimento de atividades no
curso de composição
Este ciclo de encontros e seminários proporcionou aos pesquisadores, docentes e alunos, um
contato estreito com um método de análise musical caracterizado pela não dependência
sistemática de um método pré-estabelecido mas, ao contrário, aberto a meios específicos
suscitados por cada obra. Durante duas semanas foram estudados diversos estilos, gêneros e
formas musicais de diversas tendências do Séc. XX com uma abordagem original e inovadora
abrindo perspectivas a todos e contribuindo significativamente tanto para os próximos trabalhos
de análise e musicologia quanto para processos criativos composicionais. A maneira de
proporcionar a aproximação das praticas musicais populares ao repertorio contemporâneo, seja
analisando-as com sofisticados meios de análise acústica, seja pela compreensão de aspectos
filosóficos, linguísticos e espirituais que atraíram a atenção de cada compositor estudado,
acabou gerando um repertório de distintas estratégias que certamente influenciará os próximos
trabalhos desenvolvidos.
Este relatório foi elaborado no sentido de se tornar não somente um relato dessas sessões, mas
ainda um material de referência e apoio didático a ser disponibilizado à comunidade acadêmica
de pesquisadores. Não foi possível transcrever tudo o que foi visto, pois o volume de informação
é demasiadamente grande e o prazo para entrega deste relatório já está vencido. Contudo este
atraso se deu pelo rigor do relatório de forma a que possa ser útil à toda a comunidade
ulteriormente.
Todas as sessões foram gravadas em vídeo e o volumoso material de apoio didático estão
devidamente documentados. Necessitaria fazer uma edição dos vídeos e a digitalização dos
documentos: partituras, registros sonoros de obras, esquemas, excertos de artigos. Tudo poderá
estar concentrado em um repositório e permanecer acessível a todos. Será necessário mão de
obra, scanner e mídias para estocagem, back up e disponibilização permanente online.
Como prosseguimento a este projeto, uma nova solicitação à FAPESP será feita no sentido de
dar um tratamento adequado a toda essa documentação, com o mesmo rigor que este relatório,
mas compreendendo a totalidade das obras analisadas e todos os aspectos abordados que aqui
não puderam estar presentes.
90
Esta realização está vinculada às visitas de ALEXANDROS MARKEAS (Proc. FAPESP No.
2008/04187-0) e RICARDO MANDOLINI (Proc. FAPESP No. 2008/04361-0) e conta com
contrapartida francesa coordenada pelo CNSMDP, Apoio da Univ. de Lille 3 e financiamento do
programa PREMER(PREFALC) da França.
Desta forma, uma novo solicitação de auxílio, nos mesmos termos que esta, será em breve
encaminhada à FAPESP com o objetivo de assegurar a condução dos trabalhos.
Agradeço a esta agência pelo apoio concedido, sem o qual todos os conhecimentos e avanços
adquiridos não teriam ocorrido, mas ainda pela confiança depositada na proposta e neste
executor, pelos pedidos de informação prontamente atendidos e pela agilidade dos processos e
encaminhamentos que ocorreram da melhor forma possível.
91
2.5 Imagens
Figura 70 - David Sevérin, ex-aluno e amigo de Claude Ledoux, atualmente residindo no Rio de Janeiro, participou
dos encontros e seminários e colaborou para a tradução em diversas sessões.
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Figura 71 - Claude Ledoux com Rogério Costa e Paulo de Tarso, professores do DM/ECA/USP que organizaram e
realizaram as sessões em São Paulo.
93
2.6 Divulgação prévia à visita
De: ja.mannis uol <ja.mannis@uol.com.br>
Para: jamannis uol <jamannis@uol.com.br>
Enviadas: Sexta-feira, 16 de Maio de 2008 0:21:40
Assunto: AGOSTO 2008 - UNICAMP Professores CNSMDP e Univ. de Lille 3
Esta sendo planejado para AGOSTO DE 2008 um mês de atividades centradas em professores do
Conservatório Nacional Superior de Música e Dança de Paris e da Univ. de Lille 3 da França no
Depto. de Música da Unicamp.
Esta mensagem tem por objetivo informar os alunos sobre o evento planejado.
A visita dos Profs. Markeas, Ledoux e Mandolini estão associadas à primeira parte de um programa de
cooperação entre a UNICAMP (Brasil), UNTREF (Argentina), Centro Nacional da Musica (Chile) e o
Conservatório Nacional Superior de Música e Dança de Paris (CNSMDP) e Universidade de Lille 3 (França)
no campo da pesquisa, criação e patrimônio musical na América-Latina.
As propostas tem por objetivo estabelecer um intercâmbio de docentes locais com os convidados, bem
como uma aproximação com as cadeiras de Improvisação Generativa e Análise Musical do CNSMDP e o
Departamento de Estudos Musicais da Universidade Charles de Gaulle Lille 3.
Enfoques previstos:
ALEXANDROS MARKEAS
Improvisação e processos criativos em música; Gesto, Principio e Ideia Musical; Improvisação e escritura
musical; Improvisação : disciplina em destaque no design e no desenvolvimento de curriculos de ensino
superior em música na União Européia (Convenção de Bologna).
CLAUDE LEDOUX
94
influencias pessoais como compositor pelas músicas da Índia do Norte e Indonésia; Relações com
etnomusicologia e improvisação musical em extensão às reflexões analíticas.
RICARDO MANDOLINI
Heurística musical; Improvisação musical; Música eletroacústica; Adorno e a escritura musical; Gesto
musical e Gesto acusmático.
ATE O MOMENTO estão envolvidos nestas atividades os professores: (Unicamp) Prof. Dr. J.A.Mannis,
Profa. Dra. Denise Garcia, Prof. Dr. Silvio Ferraz, Prof. Dr. Jonatas Manzolli, Prof. Dr. Esdras Rodrigues,
Prof.Dr. Emerson de Biaggi, Prof. Dr. Rafael dos Santos, Prof. Mario Campos, (Usp) Prof. Dr. Rogério Costa.
Esta proposta conta com anuência e apoio do Depto. de Música (IA/Unicamp), Coord. da Sub-CPG Mùsica
(Comissão de Pós-Graduação/IA/Unicamp); Coord. de Pós-Grad. do IA (Unicamp); Direção do Instituto de
Artes da Unicamp.
Contrapartida francesa coordenada pelo CNSMDP, Apoio da Univ. de Lille 3 e financiamento do programa
PREMER(PREFALC) da França já aprovado para viagens internacionais de pesquisadores em 2008 e 2009
entre França (Conserv. Nac. Sup. de Música e Dança de Paris e Univ. de Lille 3), Brasil(Unicamp), Argentina
(UNTREF) e Chile (Centro Nacional de la Musica - sede RICMA: Red de Investigación y Creación Musical de
América). O projeto na França denomina-se "Investigation, création et patrimoine musical musical en
Amérique Latine", sendo coordenado por Gretchen Amussen, Sous-Directrice des Affaires Extérieures et
de la Communication du CNSMDP.
Workshop Coletivo
QUI 7/ago Alexandros Markeas Encontro pesquisadores (docentes e alunos) 4 Orquestral Unicamp
Worshop Grupo de
SEX 8/ago Alexandros Markeas Encontro pesquisadores (docentes e alunos) USP Improvisação USP
SEX 15/ago Claude Ledoux Encontro pesquisadores (docentes e alunos) USP 1 Seminário USP 1
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DOM 17/ago Claude Ledoux
SEX 22/ago Claude Ledoux Encontro pesquisadores (docentes e alunos) USP 2 Seminário USP 2
DOM 24/ago
SEG 25/ago
TER 26/ago
QUA 27/ago
QUI 28/ago
SEX 29/ago Claude Ledoux Rio - Paris (por conta própria) JJ8054
SAB 30/ago
Nasceu na Bélgica em 23 de fevereiro de 1960. Após concluir estudos de Ciências Humanas, Ledoux se
orientou decididamente ao mundo artístico estudando pintura na Académie de Beaux Arts e música no
Conservatoire Royal de Musique de Liège (Bélgica), onde encontra Jean-Louis ROBERT, compositor e
destacado pedagogo que lhe faz descobrir a música do Séc. XX. Estudou Análise com Célestin DELIEGE,
composição com Frederic RZEWSKI, Philippe BOESMANS, Henri POUSSEUR. Fez pesquisas em música
eletroacústica com Patrick LENFANT. Claude LEDOUX prosseguiu sua formação no exterior, sobretudo na
França, Hungria e Itália, onde participou dos seminários de composição de Gyorgy LIGETI e Franco
DONATONI. De 1987 a 1989 residiu em Paris à Paris onde fez estágios de informática musical do IRCAM, e
96
cursos de Análise de musica do Séc. XX com Robert PIENCIKOWSKI simultaneamente aos cursos de
composição com Iannis XENAKIS na Universidade de Paris.
Enquanto compositor, obteve distinções em vários concursos internacionais desenvolvendo uma carreira
que já o levou de Montreal a Berlim, passando pelos EUA, Turquia e Rússia. Recentemente, Claude Ledoux
foi Compositor Residente do Ensemble Musiques Nouvelles (1998 a 2000), bem como no Castello
d U e tide Itália o e ão de . Nesse es o a o, e e eu o P io Musi al da Fu dação Ci itella
Ranieri e New York pelo conjunto de sua produção recente. Claude Ledoux é atualmente compositor
residente no Palais des Beaux-Arts de Bruxelles (2007-2009). Irá compor a peça imposta para a semi-final
do Concours Musical Reine Elisabeth de Belgique para a sessão 2009, violino.
Devido a sua paixão pela música asiática Ledoux fez uma viagem musical e humanística em 1992 do
Himalaia ao deserto do Rajastão. Uma bolsa de pesquisa assegurada pela Fondation SPES lhe permitiu
organizar em 1996 uma viagem ao Extremo-Oriente levando-o do Camboja à Indonésia, passando por
vilarejos nas montanhas do Centro do Vietnã. Novos projetos artísticos lhe fazem descobrir em 2004 o
Japão e as múltiplas facetas de sua cultura.
Além de seu domínio da Composição e Escrituras musicais, Claude Ledoux é diplomado em Informática e
Comunicação pela Université de Liège (B). Atualmente ensina composição no Conservatoire Royal de
Musique de Mons (Bélgica) e Analise Musical no Conservatoire National Supérieur de Paris (CNSMP). De
2002 ao final de 2005, foi Diretor Artístico do Centre de Recherches et de Formation Musicales de
Wallonie (CRFMW). Desde janeiro de 2005, Claude LEDOUX e membra da Académie Royale de Belgique,
Classe des Beaux-Arts. Em colaboração com os compositores Michel FOURGON e Denis BOSSE, fundou o
Atelier Musicien, local de pesquisa, confrontação de pensamentos e de criação musical.
Bibliografia
97
"La sagesse du son", in programme Festival Musica 2002, Musica, Strasbourg, 2002
"Petite chronique sous forme de repères esthétiques", in Les musiques nouvelles en Wallonie
et à Bruxelles, Editions Mardaga, Liège, 2004
"A al se de l'op a Julie ", i Philippe Boes a s, e t etie s et t oig ages, Editio s
Mardaga, Liège, 2005
"Hommage à György Ligeti", in Bulletin de l'Académie Royale de Belgique, Classe des Beaux-
Arts, 17-12, Bruxelles, 2006
Quel ues appo ts O ie t-O ide t us pa le petit out de la lo g ette pa le iais d u e
a al se de ...Voiles de De uss ", i A tes du ollo ue "Musi ue et ultu es", Pa is-Cité de la
musique 2005, Revue Recherche en éducation musicale, 26, Éditions de l'Université de Laval,
Quebec, 2007.
"Un péché capital comme fondement de la musique ?", in L'éveil du printemps, naissance d'un
opéra, textes réunis par Robert Wangermée, Éditions Pierre Mardaga, Liège, 2007.
Deu at iau e oppositio et e diale ti ue da s la pe s e usi ale d Oli ie Messiae ,
in Actes du Colloque « Génération Messiaen », Bruxelles 2008, Editio s de l U i e sit de
Louvain, Louvain-La-Neuve, (à paraître, november 2008)
http://users.skynet.be/ledouxcl
http://www.compositeurs.be/Ledoux.html
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