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CRISTELO, 15 DE MAIO DE 2022

Será a maternidade de substituição


moralmente correta?

Ensaio filosófico

Filosofia

TÂNIA BARROS, Nº20, 11ºA


Será a maternidade de substituição moralmente correta?

O presente ensaio filosófico tem como objetivo discutir o seguinte problema: “Será a maternidade de
substituição moralmente correta?”.
A mulher desempenha uma multiplicidade de papéis ao longo da vida, profissionais, sociais, familiares
e pessoais. No entanto, existe um único e imprescindível papel que se destaca no meio de todos os outros: o de
gestante. Este, apesar de ser o mais primitivo e existencial, é considerado, pela maior parte da sociedade, o mais
valoroso. Qualquer perturbação a essa condição primordial, a esse poder inequívoco de gerar vida, é uma
castração ao ser.
A infertilidade é um problema crescente na sociedade atual, e as técnicas de procriação medicamente
assistida assumem cada vez mais um papel ativo na manutenção da espécie. Estas, que constituem uma fonte de
esperança para casais que anseiam ter um filho e se deparam com impedimentos biológicos, conduziram ao
surgimento de um processo em que uma mulher se dispõe a suportar uma gravidez por conta de outrem e a
entregar a criança após o parto, renunciando aos poderes e deveres próprios da maternidade, designado por
gestação/maternidade de substituição (vulgarmente conhecida como “barrigas de aluguer”).
As “barrigas de aluguer”, que já são uma realidade noutros países, têm vindo cada vez mais a levantar
controvérsias entre as diferentes populações acerca da sua moralidade. Assim sendo, a extrema relevância desta
temática prende-se com duas questões que são particularmente do meu interesse e que são merecedores da
atenção de todos nós: a objetificação do ser humano e a instrumentalização da criança.
Como tal, defendo a ideia de que a maternidade de substituição é uma prática moralmente incorreta e
penso que as considerações seguintes oferecem um argumento convincente em defesa de imoralidade deste
processo.
Falar em “barrigas de aluguer” é falar de um contrato celebrado que transforma a mulher numa “coisa”,
num objeto, é falar de uma técnica em que o útero de uma mulher é visto como uma ferramenta para alcançar
um fim -um bebé- e para satisfazer uma vontade pessoal de terceiros.
Quando uma mulher se submete ao papel de gestante de uma gravidez de substituição, a sua liberdade
fica temporariamente restringida e condicionada, uma vez que esta passa a receber, inevitavelmente, orientações
do casal contratante acerca dos seus horários, alimentação, comportamentos e tratamentos a que se deve
submeter. E é neste momento que as “barrigas de aluguer” passam a constituir um processo que vai contra aquilo
que é uma boa prática à luz da dignidade humana. É intolerável que alguém prescinda da liberdade individual a
que tem direito apenas para satisfazer a vontade de terceiros, é incabível privar alguém de fazer aquilo que gosta,
é inadmissível reduzirmos uma pessoa a uma “coisa”, é absurdo pedir a uma mulher que suporta uma gravidez
e que enfrenta todas as consequências que a mesma pode acarretar que não crie laços com a criança que
transporta consigo durante nove meses, porque essa mulher não é uma mera incubadora, é um ser humano, tem
um coração que sente e uma cabeça que pensa.
Em virtude do argumento apresentado, é habitual surgir a seguinte objeção: “No âmbito da maternidade
de substituição, a lei impede qualquer restrição ao comportamento da gestante”. No entanto, esta tentativa de
refutação não é bem-sucedida e passo a explicar o motivo.
Ainda que a lei impeça qualquer restrição ao comportamento da gestante, estaríamos a ser ingénuos ao
acreditar que, na prática, o casal contratante, ficaria sereno caso soubesse que a gestante tinha comportamentos
que, a seu ver, poderiam ser nocivos à vida da criança, mas que esta tinha total liberdade para os ter, uma vez
que a sua prática não implicaria qualquer violação contratual.
Para elucidar o referido, basta que nos coloquemos no lugar do casal contratante e que pensemos como nos
iríamos sentir ou qual seria a nossa reação caso nos deparássemos com a pessoa que contratamos para transportar
o nosso filho durante um período de nove meses, a consumir bebidas alcoólicas ou a fumar qualquer tipo de
estupefaciente. Fico claramente inclinada a achar que a última coisa que qualquer um de nós faria era ficar
quieto.
Face a tudo o que foi referido, concluo este meu ensaio deixando bem explícito que sou, pois, uma
defensora da imoralidade da maternidade de substituição, uma vez que aceitá-la seria, inevitavelmente,
transformar a maternidade, que é e deve ser sempre um dos momentos mais marcantes na vida de um casal,
numa coisa tão banal, para além de que: “O direito de procriar, assim como a vida, são direitos indisponíveis,
razão para não se falar em contrato, pois só é possível contratar coisas ou serviços, não vidas.“.

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