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Roy Strong

BANQUETE
Uma história ilustrada da culinária,
dos costumes e da fartura à mesa

Tradução:
Sergio Goes de Paula
com a colaboração de Viviane De Lamare

Jorge Zahar Editor


Rio de Janeiro
Para David Hutt,
amigo, sacerdote, jardineiro e cozinheiro.
Sumário

Prefácio

1. CONVIVIUM: EM ROMA…
A herança grega
A idade de Apício
Cena e convivium
Banquetes públicos e banquetes imperiais
Desintegração e sobrevivência

2. INTERLÚDIO: BANQUETE E JEJUM


Culinária: os séculos silenciosos
A mesa cristã e o nascimento das boas maneiras
O banquete como poder
Uma conciliação de opostos

3. AOS OLHOS DO ESPECTADOR


Cozinheiros, livros de receitas e a cozinha
O triunfo do consumo conspícuo
Os modos fazem o homem
Em cena o entremet

4. O RITUAL RENASCENTISTA
O requinte da culinária
Plínio revivido e a reinvenção da sala de jantar
O convivium revivido
O banquete do Renascimento
Da festa à fantasia
A refeição de açúcar e o banquete
Refeições e o mistério da monarquia

5. DA CORTE PARA A SALA PARTICULAR


O triunfo da ilusão
Uma revolução culinária
Service à la française e utensílios de mesa
A salle à manger e as salas de refeição
Das boas maneiras à etiqueta
Messieurs, au couvert du roi!
Comida e festival em Versalhes
A busca de informalidade

6. O JANTAR ESTÁ SERVIDO


Da revolução ao retorno do ritual
O século de Carême
A proliferação das salas de jantar e a mudança de horário das refeições
O jantar festivo
Do service à la française ao service à la russe
O ritual e a etiqueta do jantar
Onde estamos agora?

Pós-escrito: O eclipse da mesa?


Notas
Créditos das ilustrações
Índice remissivo
Prefácio

A comida sempre me interessou. Mas a quem não interessa? O que me


atrai sobretudo é a história da culinária e, claro, também seus aspectos
práticos. Quando aos vinte e tantos anos passei a dividir um apartamento
com um colega, decidi assumir a função de cozinheiro. Mantive-a quando
me casei, e nos últimos 30 anos de vida (e depois da leitura atenta de
centenas de livros de receitas) venho cozinhando com prazer na maior parte
do tempo, explorando a culinária de diversos países europeus. Também
adoro arrumar a mesa e oferecer um almoço ou um jantar de forma
impecável — ou pelo menos o mais impecável possível, numa época em
que o cozinheiro é também o mordomo e o lavador de pratos, além de
anfitrião. Mesmo assim, nunca deixei de estar ciente de que receber bem
exige um senso de coreografia e de estética não apenas quanto à decoração
da mesa como um todo — mas também no que diz respeito à apresentação
dos pratos a serem servidos.
Meu interesse pela história da culinária remonta à época do meu curso de
pós-graduação com Frances Yates, já falecida, no final da década de 1950.
Naquele tempo, a questão do cerimonial e de todos os tipos de festejos
estava começando a se tornar tema de preocupação acadêmica. Mas creio
que o momento crucial foi uma visita ao Museu Nordiska, em Estocolmo,
em 1966. Lembro-me claramente de dobrar uma esquina e subitamente
deparar com um longo corredor mal iluminado, apresentando uma história
panorâmica das várias formas de se arrumar uma mesa. Fiquei hipnotizado,
fascinado ao ver como a cerâmica, o estanho e a madeira foram substituídos
por porcelana e prata; como a pobre cutelaria dos séculos mais antigos dera
lugar à intimidadora abundância que equipava o jantar do final do século
XIX; como as tábuas sobre cavalete se transformaram em sólidas mesas de
carvalho e depois de mogno polido; como os bancos toscos se
metamorfosearam em cadeiras estofadas e elegantes conjuntos de cadeiras
de jantar.
Aquilo deve ter produzido em mim uma impressão muito forte, pois
tratava-se de um formato de exposição que em muitas ocasiões quis
reproduzir, embora sem êxito, quando fui diretor do Victoria & Albert
Museum. Mas de tempos em tempos esse tópico aparecia nas exposições.
Em 1970 minha esposa, a designer Julia Trevelyan Oman, projetou uma
exposição sobre Samuel Pepys na National Portrait Gallery, onde recriou a
mesa de jantar completa de Pepys, inclusive com uma torta de carne de
caça. Em meu último ano como diretor do V&A pensei em fazer uma
grande exposição sobre o tema, e lembro-me de ter tido o privilégio de
discutir o assunto com Elizabeth David e Jane Grigson, também já
falecidas. Infelizmente após o meu afastamento o projeto foi esquecido.
Mas na década de 1990 comecei a perceber um interesse cada vez maior
pelo assunto. Houve uma esplêndida exposição em Versalhes sobre as
mesas reais da Europa no século XVIII, outra sobre tema semelhante
dedicada à corte dinamarquesa (que foi remontada em Kensington Palace),
sem falar nas exposições inovadoras e pioneiras no Bowes Museum, no
Barnard Castle e em Farfaix House, em York. Nessa época comecei a
escrever uma série de artigos a respeito da história da culinária para a
revista Country Life.
Tudo isso me traz a este livro, que nasceu da percepção de que não há
qualquer literatura que resuma o enorme volume de trabalhos acadêmicos
sobre comida e festejos publicados nos últimos anos por dúzias de
historiadores de diferentes países. As informações reunidas nestas páginas
estão contidas em centenas de artigos especializados, principalmente em
francês, italiano e inglês, apresentados em conferências e colóquios nas
duas últimas décadas. A probabilidade de que o leitor comum pesquise e
leia esse material é muito remota, e no entanto o tema tem um apelo
universal.
O problema básico é que os trabalhos acadêmicos tendem a ser
compartimentados, tratando de aspectos particulares do que ocorreu na
história em torno da mesa, e não do fenômeno como um todo. Afinal, o
tema abarca não apenas a culinária, mas também etiqueta, mobiliário,
tecidos, cerâmica, vidro, metal, arquitetura, decoração e música, para
mencionar apenas uma parte. Tentei reunir aqui informações sobre todos
esses campos díspares — e muitas vezes obscuros. É preciso admitir que
alguns aspectos da pesquisa receberam maior atenção dos estudiosos. O
symposion grego, a festa medieval e o banquete renascentista, por exemplo,
deram origem a pequenas indústrias acadêmicas.
Comer é um tópico que com muita facilidade pode se fragmentar e
seguir em várias direções. Portanto vale a pena traçar os limites deste livro.
Seu foco básico é a mesa e a principal refeição do dia. Cada período
apresenta o que podemos considerar uma refeição arquetípica da época.
Assim, os capítulos têm início com a descrição dessa refeição e analisam as
forças políticas, sociais e de outras naturezas que a moldaram. Embora eu
trate do desenvolvimento da culinária, em geral não me refiro à produção e
à oferta de alimentos, nem tampouco ao desenvolvimento da cozinha e dos
métodos de cozinhar, limitando-me ao necessário para explicar a refeição
apresentada à mesa. Hoje existem inúmeros livros sobre a história da
culinária, com reinterpretações de receitas de todos os períodos para os
cozinheiros atuais. Não procure nada disso aqui. A escolha da palavra
“banquete” no título mostra que nosso interesse básico é a culinária das
classes altas. Porém, como o poder transita na sociedade, uma parte
bastante representativa do povo aparece exatamente na época em que o
livro termina, em 1914. Trata-se portanto da história vista de cima, um
pouco fora de moda nos dias de hoje, mas central para um dos temas deste
livro: a interconexão entre o que ocorre na mesa e aquilo que se transforma
em termos de poder e classe.
Escrever este livro me trouxe de volta ao Warburg Institute, uma grande
instituição que me ensinou a pensar e a defender a idéia de que um espírito
educado pode voltar-se na direção que desejar. Como Frances Yates sempre
me dizia: “Você tem uma mente educada. Pegue o livro na estante e leia.” E
foi exatamente o que fiz. Em seguida vem o principal esteio de muitos de
meus livros, a Biblioteca de Londres. Sou mais do que grato a Guy Penman
e a seus colegas, que atenderam com prazer às minhas muitas requisições de
empréstimos entre bibliotecas. E também ao responsável pela edição de
texto, Charles Elliott, capaz de tolerar um autor com o hábito de começar
pelo capítulo três e só escrever os capítulos um e dois ao final. Quero
expressar minha gratidão a Richard Barber no que diz respeito ao período
medieval, e ao professor Ken Albala, que leu todo o texto e fez várias
sugestões úteis. Quaisquer erros, claro, são meus. Mais uma vez agradeço a
Juliet Brightmore por reunir as ilustrações para o livro. Gostaria de
mencionar minha agente, Felicity Bryan, que tem uma noção muito clara da
direção que minha pena deve tomar. Finalmente agradeço a inspiração e o
entusiasmo de meus editores, Will Sulkin e seu colega Jörg Hensgen. A
despeito de todas as pressões que caracterizam seu campo de trabalho hoje,
continuam lutando para manter viva a tradição, muitas vezes ausente, de
agradar aos criadores. Afinal de contas, não haveria livros se não houvesse
autores.

ROU STRONG
The Laskett, Much Birch, Herefordshire
setembro de 2001

Banquete romano, de um afresco em Pompéia. Um escravo tira a sandália de um convidado


enquanto outro lhe oferece bebida. Um convidado, muito bêbado, é levado para fora.
1
Convivium: em Roma…

A mais famosa descrição que temos de um banquete aparece no que


sobreviveu de uma sátira do século I, Satyricon, de Petrônio.1 O
anfitrião, Trimálquio, que havia sido escravo, era um aproveitador,
especulador de alimentos, fanfarrão, bêbado e batia na mulher. O livro em si
trata das aventuras de um par de homossexuais, Encólpio, o narrador, e seu
amigo, o jovem Gitão. No episódio conhecido como Cena Trimalchionis
está presente também um terceiro personagem sem escrúpulos, Ascilto, que
decide separar os amantes. Encólpio e Ascilto são convidados do banquete
de Trimálquio, e Gitão é levado junto, como servo dos dois.
O episódio começa com os três visitando os banhos. Os dois convidados
já estão vestidos com “roupas de festa” e mostram-lhe o anfitrião jogando
bola com os escravos. O que se segue prepara o cenário para uma
extravagância de vulgaridade: “Trimálquio estala os dedos e a este sinal, o
eunuco apresenta-lhe o urinol, enquanto ele continua jogando. O anfitrião
esvazia a bexiga, pede água para lavar as mãos e, depois de molhar
levemente os dedos, enxuga-os nos cabelos do escravo.”
Ao chegar à casa de Trimálquio (provavelmente em Puteoli, não muito
longe de Nápoles), os hóspedes são recebidos por um porteiro e levados por
uma galeria cercada de colunas e decorada com cenas alegóricas
glorificando o anfitrião. Na entrada da sala de jantar um escravo exorta-os a
entrar com o pé direito, o que eles fazem, e logo encontram um servo
despido, prestes a ser chicoteado, que se prostra a seus pés implorando para
que o salvem desse destino. Eles acedem.
Daí em diante o texto é um longo catálogo de surpresas. Na sala de
jantar, o escravo resgatado cobre-os de beijos e revela ser o mordomo,
prometendo-lhes bons vinhos. Encólpio e Ascilto instalam-se em almofadas
e são servidos por escravos, que parecem “um grupo de dançarinos”. Eles
lhes oferecem água gelada (uma proeza naqueles tempos anteriores à
geladeira) para lavar as mãos e vinho. Surpreendentemente cortam-lhes as
unhas dos pés, enquanto os escravos cantam em coro.
Depois que os hóspedes — são vários, inclusive (entrando e saindo) a
esposa de Trimálquio, Fortunata, e outra esposa, Cintila — tomam seus
lugares, a refeição tem início com um hors d’oeuvre (gustatio):
No prato de entrada havia um jumento de bronze corintiano, carregando uma cesta dupla, com
azeitonas verdes de um lado e azeitonas pretas do outro, … pequenas pontes soldadas
atravessavam os pratos; continham arganazes [uma espécie de esquilo pequeno] mergulhados
em mel e polvilhados com sementes de papoula. Havia também salsichas quentes numa
grelha de prata e, por baixo, ameixas e sementes de romã.

Nesse momento, Trimálquio, enfeitado de púrpura e jóias, entra numa


liteira ao som de fanfarra. Sem se desculpar com os convidados por chegar
após o primeiro prato ter sido servido, instala-se no lugar habitualmente
destinado ao hóspede mais importante. Mesmo então continua ignorando os
convidados, sem interromper um jogo de tabuleiro. Escravos trazem uma
grande travessa com uma cesta contendo uma galinha de madeira com as
asas estendidas, no ato de pôr ovos. Ao “som ensurdecedor da música” os
escravos pegam na palha, debaixo da galinha, grandes ovos pesando 250
gramas, feitos de farinha de trigo e fritos em óleo. Os ovos são distribuídos
entre os convidados que, ao abri-los, encontram passarinhos enrolados em
gema de ovo temperada.
O texto indica que o primeiro prato era acompanhado de uma taça de
vinho adocicado (provavelmente do tipo chamado mulsum), pois
Trimálquio oferece aos convidados uma segunda taça “quando, a um súbito
toque musical, os pratos de hors d’oeuvre são retirados simultaneamente
pelo grupo de cantores”. Uma das travessas de prata cai, mas o escravo que
a apanha leva um tapa na orelha e é obrigado a deixá-la no chão para ser
varrida com o resto do lixo.

Segue-se um novo excesso: as mãos dos convidados não são lavadas com
água, mas com vinho, por dois etíopes de cabelos compridos. Surgem jarras
de vidro com vinho de Falerno de “cem anos de idade”. Ocorre então uma
coisa estranha: um escravo traz um esqueleto de prata, e Trimálquio
arruma-o à mesa numa série de posições diferentes. O primeiro prato da
cena propriamente dita é uma travessa circular com iguarias para cada signo
do Zodíaco — rins para Gêmeos, carne para Touro, grão-de-bico para
Capricórnio, e assim por diante. No centro, um quadrado de turfa sustenta
um favo de mel. Um escravo egípcio serve pão, aparentemente ainda
cantando, pois Trimálquio o acompanha “com uma canção estridente”.
Encólpio e Ascilto, que são aristocratas e todo o tempo zombam da
vulgaridade de tudo, lamentam a perspectiva de terem de se alimentar com
comida plebéia. Mas subitamente quatro escravos dão um salto e revelam
que o Zodíaco é apenas uma tampa, que eles abrem:
Vimos aí galinhas, úberes de porcas e no centro uma lebre com asas, um verdadeiro Pégaso.
Vimos também quatro representações de Marsias nos cantos do prato; de seus odres
perfurados jorrava vinho sobre os peixes que, por assim dizer, nadavam num canal.

Todos, inclusive os servos, aplaudem e aparece um trinchante que corta a


carne ao ritmo da música.
Seguem-se comentários frívolos. Trimálquio, ostentando uma pretensa
erudição, anuncia que “mesmo quando jantamos devemos fazer avançar o
conhecimento”, e dá uma explicação sobre o simbolismo da tampa zodiacal.
Todos aplaudem com ar servil. Escravos trazem para o triclínioa colchas
com cenas de caça pintadas, enquanto cães de caça espartanos saltam para
dentro da sala anunciando a chegada do segundo prato:
… uma bandeja com um poderoso javali, usando o boné da liberdade. De seus dentes
pendiam duas pequenas cestas de folhas de palmeira, uma cheia de tâmaras frescas e a outra
com a variedade egípcia seca. O javali estava cercado de porquinhos feitos de massa,
amontoados em suas tetas…

Os porquinhos são dados de presente. Entra um trinchador vestido em


roupas de caça e enterra a faca nos flancos do javali, de onde voam tordos,
que ficam volteando pela sala até serem capturados. A carne é então servida
junto com as tâmaras, “ao ritmo da música”. Enquanto isso, um belo
menino escravo vestido de Baco canta poemas de Trimálquio, que logo
depois se dirige ao lavatório.
A festa parece não ter fim. É servido um porco que ao ser trinchado
despeja salsichas e morcelas; surgem acrobatas, atores declamando em
grego, coroas de ouro e jarras de perfume descendo do teto, presentes para
todos, bolos espirrando açafrão nos convidados, e por fim vem a sobremesa
(secundae mensae): “Consistia de tordos de massa recheados de passas e
nozes; havia também marmelos com espinhos enfiados, parecendo ouriços-
do-mar … um ganso gordo cercado de todos os tipos de pássaros.”
Escravos trazem ânforas de onde cascateiam ostras e vieiras. Chegam
cogumelos numa rede de prata, e meninos de cabelos compridos lavam os
pés dos hóspedes com perfume e enfeitam suas pernas com guirlandas. A
esta altura todos estão bêbados, e a história termina com Trimálquio
reclinado como um cadáver, enquanto os músicos tocam uma marcha
fúnebre e lêem seu testamento em voz alta. Neste ponto, Encólpio, Ascilto e
Gitão se retiram.
O que devemos apreender da Cena Trimalchionis? É um quadro preciso,
afora as distorções da pena de um satírico, de um convivium ou jantar
festivo romano? A resposta, surpreendentemente, é que a Cena
Trimalchionis aproxima-se mais da realidade do que uma primeira leitura
pode sugerir. Ao que parece, o autor é Petrônio Arbiter, político e arbiter
elegantarium da corte de Nero, que foi obrigado a cometer suicídio em 66
d.C.; assim, pode-se supor com bastante segurança que o Satiricon tenha
sido escrito entre 63 e 65. Qualquer pessoa que tenha familiaridade com os
relatos de Suetônio sobre os excessos de Nero encontrará muitas
características daquele notório imperador incorporadas em Trimálquio. E
mesmo considerando a sátira, um convivium daquele período podia muito
bem ser uma questão de extremos.
O jantar de gala era um acontecimento determinante na sociedade
romana do primeiro século. Trimálquio pertencia às classes emergentes, um
liberto decidido a impressionar seus convivas pela opulência explícita de
sua hospitalidade. Em meados do primeiro século essa refeição já havia
alcançado o alto nível de rituais e artifícios. Era preciso vestir roupas
especiais. A visita aos banhos como prelúdio estabelecia que tal banquete
ocorria na parte do dia dedicada ao otium (lazer) e não ao negotium
(negócio). Os convivas levavam servos e instalavam-se em sofás (pois os
romanos jantavam reclinados), numa certa ordem que denotava seu status.
(Petrônio chama a atenção para a maneira pela qual o anfitrião usurpou o
lugar — locus consularis — que deveria ter sido dado ao conviva mais
importante.) A refeição dividida em três partes parecia um espetáculo
teatral, com músicos e um grande elenco de servos cantando em coro
enquanto serviam, lavando mãos e pés, cortando as unhas dos pés dos
convivas e distribuindo guirlandas. A culinária era pródiga e elaborada,
com comidas esculpidas como lebre com asas e marmelos disfarçados de
ouriço. Era também programada para espantar os convivas com surpresas
constantes, como o porco recheado de salsichas e morcelas. Além dos
espetáculos de cantores, dançarinos, acrobatas e atores, algum tipo de
diálogo erudito também tinha papel importante. Em suma, essa refeição era
a epítome das aspirações de uma época e um alvo perfeito para a sátira, ao
expor sua vacuidade.
Mas a zombaria da tolice significa, é claro, que existia o tipo oposto de
convivia, reuniões que refletiam a essência da sociedade ordenada, como os
romanos a definiam. Como mostrarei, cada época produziu seu próprio
festejo arquetípico. O convivium era tão determinante para os romanos
quanto o jantar de gala para os vitorianos. Desde o início, o ato de comer
em conjunto transformou uma função corporal necessária em algo muito
mais significativo, um evento social. Supunha a aceitação de normas sobre
o desenrolar da reunião. No mundo da Antigüidade clássica, esta foi uma
das primeiras ações que distinguiu homens civilizados dos semi-selvagens.
O convívio, tanto para gregos como para romanos, era visto como uma das
pedras angulares da civilização, embora ambígua e complexa. A mesa e os
convidados que se reuniam em torno dela para partilhar seus prazeres
podiam ser um veículo de agregação e unidade social; mas podiam também
encorajar distinções sociais, separando as pessoas em categorias pela
colocação dos lugares, ou, pior ainda, pela exclusão. Para os poucos
escolhidos, comer em conjunto era uma expressão do princípio da
oligarquia; uma refeição para as massas da democracia. A comida oferecida
a um superior expressava humildade e subserviência por parte do anfitrião.
A reunião de iguais demonstrava a comunhão do grupo. A refeição e tudo o
que a ela se ligava era, e em larga medida ainda é, um veículo determinante
de status e hierarquia — e também aspiração —, qualquer que seja o padrão
dominante da sociedade. Isso era bem claro na época da Cena
Trimalchionis, quando já tinha alcançado uma forma de expressão muito
sofisticada. No entanto, constituía uma tradição que os romanos haviam
tomado dos gregos e, antes deles, das antigas civilizações do Oriente
Próximo. É com estas culturas mais antigas que devemos começar.

A HERANÇA GREGA
Já no segundo milênio antes de Cristo, partilhar comida e vinho como
contraponto social para um contrato escrito — como ocorre num casamento
ou num tratado — era costume estabelecido entre os babilônios. Os
monarcas mesopotâmicos produziam banquetes estupendos para
acontecimentos importantes, como uma vitória militar, a chegada de uma
embaixada, a inauguração de um novo palácio ou templo. A etiqueta nessas
ocasiões era sofisticada: o rei sentava-se à parte, reclinado num divã, com a
rainha por perto e os convidados colocados em grupos, segundo seu status.
Servir o vinho envolvia um grande cerimonial. Havia o ritual de lavagem
das mãos — os convidados recebiam um frasco de óleo perfumado com
cedro, gengibre e murta, com o qual se untavam no começo e no fim da
refeição. Carnes cozidas e grelhadas eram servidas em fatias de pão,
seguidas por uma sobremesa de frutas e tortas adoçadas com mel. Havia
também música, canto, malabaristas, palhaços, lutadores e atores.
Tais festividades se realizavam em grande escala. Assurnasirpal II (883-
859 a.C.) inaugurou seu novo palácio com uma festa que durou dez dias,
para nada menos que 69.574 convidados. Eventos desse tipo tinham um
papel da maior importância na política dinástica. As provisões consumidas
mostravam claramente a todos os presentes que o soberano poderia dispor
de tributos de todo o vasto domínio persa. A comida e a bebida trazidas de
regiões remotas enfatizavam a prepotência do governo, e a própria refeição
deixava manifesta a aliança da monarquia com as grandes famílias
aristocráticas. Um aspecto desse grande espetáculo é especialmente
significativo para a história da mesa. Os representantes dos domínios reais
que desejavam bajular o rei enviavam deliberadamente iguarias para tentar
o paladar real e o apetite dos convidados poderosos. Desde essa época, bem
no início de nossa pesquisa, um fenômeno é evidente: o uso de ingredientes
raros e o desenvolvimento da haute cuisine como decorrência da hierarquia
ligavam-se claramente à manipulação de um grupo por outro com
finalidades sociopolíticas.
De maneira semelhante, no Antigo Egito o banquete era um importante
ritual social. As pinturas nas paredes dos túmulos provam isso. Vemos
convidadas oferecendo flores, provavelmente ao chegar, a comida servida
em procissão, inúmeros servos, música e dança. O banquete, mesmo
naqueles tempos remotos, já era uma experiência estética que ia muito além
do mero consumo da comida, abarcando a elegância da roupa, tipos de
condutas, cerimonial e todas as formas de entretenimento teatral.2
Tudo isso teria uma profunda influência sobre a Grécia, que se tornou
uma importante civilização a partir de unidades agrícolas isoladas e de
pequenas cidades muradas, como é relatado na Ilíada e na Odisséia.
Contudo, até mesmo na sociedade homérica o banquete era lugar de
ostentação e prestígio. Nas palavras do herói Odisseu:
Quanto a mim, digo que não existe alegria mais completa do que o povo tomado de
contentamento, e os comensais nos salões, sentados na ordem estabelecida, escutando um
menestrel, à sua frente as mesas supridas com pão e carne, o vinho despejado dos vasos e
servido nos copos em várias rodadas. Isso parece, para meu espírito, a mais bela coisa que
existe.3

Temos aí, já presentes, todos os elementos do banquete cerimonial:


música e canto, lugares distribuídos de acordo com o status e o papel
simbólico dos escanções.b Mas a Grécia antiga iria ainda mais longe e
desenvolveu uma cultura culinária muito mais complexa, deixada como
legado para Roma.
A cozinha da Grécia era baseada no mar.4 A variedade de peixes em suas
águas era imensa: atum, peixe-sapo, salmonete, tainha, enchova, lúcio,
bagre, congro, arraia, esturjão, carpa, peixe-espada, brema, cação. A esses
acrescentem-se polvo, lula, siba, ostra, caranguejo e lagosta. A carne era
muito valorizada, mas relativamente rara. Em todas as sociedades
primitivas os animais domésticos tornavam-se muito mais necessários pelo
leite, pela lã e para o trabalho na terra do que para consumo. Mas os gregos
comiam carneiros, porcos, bodes e caça, e também animais menos atraentes
para as sensibilidades modernas, como cachorros e cavalos. A caça incluía
lebres, javalis, cabras, asnos, raposas, veados e leões, bem como presas de
penas, como tordos, tentilhões, cotovias, codornas, galinhas-d’água, gansos,
pombos, patos-selvagens e faisões. Havia aves domésticas. Quanto aos
vegetais, a variedade era também considerável, à medida que a horticultura
evoluía: aipo, agrião, aspargo, beterraba, repolho, alcaparra, couve,
alcachofra, chicória, endívia e funcho. Quanto aos frutos, havia azeitonas,
marmelos, ameixas, cerejas, melões, maçãs, figos, pepinos, pêras e uvas,
assim como diversas nozes. As uvas forneciam vinho, e as azeitonas azeite.
Ambos os produtos foram básicos para a evolução da gastronomia grega. A
todos esses ingredientes adicionemos os prestigiosos temperos importados,
especialmente a pimenta vinda da China, Índia, Arábia e África.
O pouco que sabemos sobre a culinária grega vem de uma obra de Ateneu
de Naucratis, no Egito, intitulada Os Deipnosofistas (O banquete dos
sofistas). Foi provavelmente concluída no ano seguinte à morte do
imperador Cômodo, em 192 d.C. Inclui 15 livros e tem a forma de uma
série de conversas ficcionais que aconteciam durante os jantares em Roma,
onde eram discutidos inúmeros tópicos, inclusive gastronomia na Grécia
Antiga. Graças ao hábito do autor de incorporar grandes trechos dos
escritos de outras pessoas, Os Deipnosofistas nos dá muitas informações
sobre uma época que de outro modo estaria envolta em obscuridade. Em
particular, incorpora passagens do mais antigo autor que se conhece sobre
comida e culinária, Arquestrato, um grego nascido na Sicília no século IV
a.C.
A gastronomia grega desenvolveu-se a partir da prática do sacrifício. A
carne, como já observei, era relativamente escassa e disponível
principalmente após o sacrifício de um animal doméstico aos deuses. Em
tais ocasiões, era dividida em porções iguais e assada. (O fato de ser
dividida em porções iguais e distribuída por sorteio significava que não
existia a profissão de açougueiro. Mas a paixão dos gregos, certamente a
dos atenienses, eram os frutos do mar, que, como não faziam parte do ritual
religioso, eram uma comida totalmente profana.) Com a invenção do
fundamento da gastronomia — o caldeirão —, a carne ou o peixe podiam
ser cozidos ou guisados. Então os mais sofisticados começaram a adicionar
outros ingredientes à panela, como sal para intensificar o gosto, ou mel para
adoçar, ou a fragrância de ervas e especiarias. Desta maneira nasceu a arte
culinária, que, no caso dos gregos, rapidamente se tornou bastante
sofisticada. O texto de Ateneu contém nada menos que 30 referências a
livros de cozinha gregos, sendo que o primeiro pode ser datado do século V
a.C. Grande parte das habilidades culinárias que registra parece ter chegado
à Grécia com cozinheiros da Sicília, nos séculos IV e III. Também nesse
período o comércio de vinho havia se desenvolvido completamente, com
diferenças geográficas já reconhecidas. A culinária de então incluía um
grande número de pratos de carne e de peixe bastante complexos, bem
como um repertório de biscoitos, pães e bolos.
O objetivo era alcançar um equilíbrio entre o doce e o amargo, entre o
ácido e os sabores bastante fora do comum. Isso envolvia o uso de um vasto
conjunto de ervas e especiarias frescas ou desidratadas, juntamente com mel
e vinagre, e um ingrediente que também seria básico nas cozinhas
subseqüentes de Roma e de Bizâncio — o molho de peixe chamado garos
em grego, e garum em latim.5 No garos o peixe era misturado com sal,
fermentava por até três meses, depois era coado, e o líquido engarrafado.
Desde tempos remotos sua produção já era feita segundo uma linha de
montagem.
Apenas alguns fragmentos desses livros de culinária do século V e IV
sobreviveram, mas eles deixam claro que ao final do século V a.C. a
civilização grega havia dado nascimento a uma literatura completa e
interconectada, englobando dieta, saúde, exercício e higiene, bem como
culinária. Além do mais, os gregos foram os primeiros a reconhecer a
culinária como uma das habilidades e artes básicas da vida humana.6 A
dieta no mundo antigo era vista sobretudo como um meio de prevenir e
curar doenças. Baseava-se numa visão quase universal de que o corpo
humano era composto por quatro humores: sangue, fleuma, bílis amarela e
bílis negra, cada qual com sua característica própria: quente e seco
(sangue), frio e seco (fleuma), quente e úmido (bílis amarela) e frio e úmido
(bílis negra). Todos os alimentos incorporavam um ou mais desses
atributos. O equilíbrio perfeito, essencial para manter o corpo saudável e
livre de doenças, dependia de uma alimentação capaz de corrigir qualquer
desequilíbrio no sistema.
Esse desequilíbrio não era apenas uma característica inata do ser humano
individual, também variava com a idade e as estações do ano. Assim, por
exemplo, homens idosos deviam evitar amido, queijo ou ovos cozidos. E as
comidas consumidas no inverno deveriam ser mais quentes, fortes e secas
que as do verão. O conjunto desta teoria foi mais tarde compilado na obra
de Galeno (129-199/216? d.C.), médico da corte do imperador Marco
Aurélio, cujos trabalhos sobre medicina, dieta e higiene especificavam o
que exatamente cada pessoa deveria comer, segundo sua disposição
humoral. Galeno foi a autoridade máxima sobre dieta desde o fim da
Antigüidade, ao longo da Idade Média e até o Renascimento.

Como eu disse antes, em Os Deipnosofistas há muitas passagens de escritos


anteriores. Duas delas nos dão vislumbres preciosos e detalhados sobre os
banquetes na Grécia. Um poema intitulado “O banquete”, de Filoxeno de
Leucas, descreve uma festa que pode ser datada do final do século V ou
começo do século IV a.C.7 Trata-se de uma produção muito elaborada, que
poderia ter ocorrido numa cidade como Atenas no início do século IV.
Havia apenas homens presentes, reclinados em divãs, com uma pequena
mesa à mão. A festa começava com a ablução das mãos e a distribuição de
grinaldas de murta. Chegavam então “cestas de pães de cevada brancos
como a neve”, seguidas por uma sucessão de belos pratos de peixe: enguia,
cação, arraia, lula, siba e camarões glaçados com mel. Havia também
“passarinhos de massa folheada”. Em seguida vinha a carne: porco, cabrito
e carneiro, tanto cozida como assada, salsichas, frangos, pombos e perdizes.
“Croissants”, escreve ele, “fofos e macios, eram servidos com coalhada.”
Depois de tudo isso, escravos lavavam de novo as mãos dos convidados e
os presenteavam com grinaldas de violetas. Vinha então mais bebida e o
que era chamado pelos romanos de “segundas mesas” (secundae mensae):
“conchas de massa doce”, panquecas, bolos, queijo e gergelim, doces,
amêndoas e nozes.
O segundo texto é uma longa citação de uma carta escrita por um certo
Hipóloco descrevendo a festa de casamento de Carano, rei da Macedônia,
em 275 a.C.8 Aproximadamente um século havia transcorrido desde
Filoxeno, e o crescimento da opulência e do espetáculo sob a influência do
Oriente é quase espantosa. Esse banquete era para 20 homens, cada um com
seu escravo. Havia uma abundância de utensílios de mesa em ouro e prata, e
por duas vezes os convidados foram presenteados com argolas de ouro.
Após os pratos de abertura, partilhados com os escravos acompanhantes,
foram distribuídas grinaldas de flores. Então, uma surpresa: “De repente
irromperam moças cantando e tocando flauta e algumas harpistas de Rodes;
penso que estavam nuas, mas alguns dizem que vestiam túnicas…”. Após
este frisson, apareceram mais moças, desta vez carregando frascos de ouro e
prata com perfumes para os convidados. A refeição foi reiniciada com a
chegada de um porco assado numa grande travessa de prata, que, como a do
banquete de Trimálquio, vomitava “tordos, úberes e um número infinito de
beccafici [literalmente papa-figos, isto é, passarinhos minúsculos], com
gemas de ovo derramadas por cima”. O cardápio incluía ostras grelhadas e
vieiras, cabritos inteiros (junto com recipientes individuais, para que os
convidados empanturrados pudessem levar comida para casa, se
quisessem), peixe grelhado e um javali assado num espeto. Era servido
vinho quente em grandes taças de ouro e havia muitas abluções entre as
seqüências de pratos, terminando o evento inteiro com as habituais
“segundas mesas” de frutas, nozes e bolos. Acompanhando essa maratona
culinária havia o que era considerado uma produção teatral, que incluía
“dançarinos fálicos”, bufões, mulheres acrobatas nuas e um coro de cem
vozes masculinas fortes cantando um hino nupcial, seguido por dançarinas
fantasiadas de ninfas e nereidas. Por esse relato vemos que o banquete
como teatro já havia desabrochado plenamente na segunda metade do
século III a.C.

Jantar na Grécia Antiga. A comida está na mesa do comensal, e ele pede bebida. Pintura de vaso,
c.480 a.C.

Os gregos ricos faziam uma refeição principal por dia, no início da


noite.9 Qualquer tipo de alimentação formal era exclusividade dos homens;
mulheres e crianças ficavam excluídas. Meninos mais velhos podiam estar
presentes, mas sentavam-se no divã do pai ou de um amigo. Antes de tudo,
a sociedade era patriarcal. Essa refeição, conhecida como deipnon, era
separada do symposion, destinado exclusivamente à bebida comunal que se
seguia. A sala iluminava-se por lâmpadas suspensas, perfumadas com óleo
e folhas de cheiro suave. A refeição era servida por escravos, que
começavam oferecendo pães de trigo e de cevada em cestas. Vinha então
uma espécie de hors d’oeuvre — frutas frescas, mariscos, passarinhos
assados, esturjão e atum salgado, além de acepipes de carne com molhos
extremamente temperados. Seguia-se peixe fresco, e a refeição culminava
com carneiro cozido ou assado no espeto. Então tudo era limpo para as
“segundas mesas”: bolos, doces, nozes, frutas secas e queijos. A mistura
ritual do vinho com água assinalava o começo do symposion.
Até aqui apenas esbocei o papel da refeição na sociedade grega. Seu
significado interno era profundo e fundamental para a operação da pólis.10
Na Grécia antiga, comer e beber em conjunto eram expressões de igualdade
— igualdade entre membros de um grupo distinto que partilhava os mesmos
valores e também o poder político. Tanto na fase oligárquica como na
democrática, as cidades gregas eram governadas por círculos maiores ou
menores, compostos exclusivamente por cidadãos masculinos. Mulheres,
crianças, estrangeiros e escravos não tinham lugar nesse esquema. Dentro
da estrutura de poder, o banquete cívico surgiu numa data remota, como
uma forte expressão comunitária da unidade entre os cidadãos da pólis.
Esse acontecimento tinha como elemento central um sacrifício sangrento
feito para os deuses, após o qual a carne era dividida igualmente entre os
cidadãos, cozida e comida em conjunto. A admissão no banquete garantia a
cidadania, e embora a festividade assumisse a natureza de uma liturgia de
Estado, era extremamente agradável para os que nela tomavam parte.
Realmente ninguém, até o advento dos moralistas clássicos e mais tarde dos
primeiros pais da Igreja, escreveu uma única palavra de condenação. Os
banquetes cívicos eram vistos como uma necessidade, um meio de
sustentação da ordem política da cidade-estado. Portanto, comer em
conjunto tornou-se uma atividade tão importante das classes governantes
que em Atenas, c.480-460 a.C., foi construído um edifício especial onde a
comissão formada pelos 58 governantes da cidade comia junto todos os
dias.
É claro que a forma dessas festividades comunitárias mudou ao longo
dos séculos. No entanto elas sempre se realizavam nos feriados públicos
que homenageavam um deus, ou junto, por exemplo, com jogos. Eurípides,
em Íon, faz uma descrição muito rica de tal celebração, um verdadeiro
retrato em palavras. O banquete realizou-se numa tenda cuja decoração,
incorporando temas dos mitos atenienses, sugeria que a descrição talvez
refletisse bastante bem a realidade:
E logo o jovem em pé, pano por pano,
Sua tenda levantou, com cuidado para não encontrar
Os raios ardentes do meio-dia ou do entardecer;
Um quadrado de alguns metros ele fez para receber
Como convidado, se fosse preciso, todo o povo de Delfos.
Então tecidos da reserva sagrada ele tirou
Para revestir o arcabouço, coisas maravilhosas para os olhos.
Primeiro, para o teto, uma ala de bordados
Estendeu.…
Nos lados, também havia outros bordados
De arte oriental, navios de guerra com proas que corriam
Para afundar navios gregos e formas metade animal, metade homem,
E veados perseguidos a cavalo, e a caça
De leões preando na floresta.
Então, no meio da tenda
Colocou grandes vasilhas para misturar, e adiante mandou
Um arauto que, na ponta dos pés, gritou
Que todos os delfianos que quisessem podiam entrar
E partilhar do banquete. Quando a sala estava cheia,
Todos foram coroados com flores, e
Abundante era a festa.11

Havia na verdade muitas formas de jantares comunitários na Grécia


antiga, mas todos começavam por um sacrifício de sangue, seguido de
comida e finalmente de bebida. A divisão entre os dois últimos elementos,
entre a refeição e a festa da bebida, talvez fosse a mais marcante. Era um
arranjo herdado pelos romanos e que persiste até hoje na Inglaterra, onde
em algumas casas as mulheres deixam a sala de jantar, enquanto os homens
lá ficam, entregando-se a muita bebida e muita conversa. Na Grécia Antiga
essa parte da ação, o symposion, era de longe a mais importante, exigindo a
observância de regras e rituais elaborados.
A palavra symposion aparece pela primeira vez no século VII a.C.12 Lá
pelo século V construíam-se salas específicas para festas ou salas de jantar
quadradas e projetadas inicialmente para sete divãs, e mais tarde para 11.
Cada um deles acomodava dois homens. Normalmente a sala tinha três
divãs por parede, sendo que a parede da frente tinha um a menos, para caber
uma porta fora de centro. Os divãs podiam ser de pedra ou madeira. É
crucial lembrar que tais ambientes eram prerrogativas de uma elite. Existem
alguns conjuntos deles em santuários onde o sacrifício de sangue era feito
antes do deipnon e do symposion. Os que se situavam abaixo na escala
social faziam piqueniques do lado de fora.
Cena de symposion com meninos escravos servindo os convidados. Pintura de vaso, c.420 a.C.

O symposion era uma festa na qual se bebia, mas não constituía de


maneira alguma uma orgia. O vinho ocupava um lugar central na Grécia
Antiga. Era tido como um presente divino e uma bênção dos deuses, com
poder para curar tristezas, induzir o sono, diminuir as preocupações e aliviar
as misérias. Portanto atribuía-se muito poder ao deus do vinho, Dioniso.
Mas nunca se bebia vinho sem misturá-lo com água. Tal prática era uma
característica que distinguia o homem civilizado do bárbaro.
A separação entre o symposion e a refeição era enfatizada pela limpeza
do chão, a ablução das mãos e a presença de taças e guirlandas de flores. Os
homens reclinavam-se nos divãs, os jovens sentavam-se; a passagem para a
idade adulta eventualmente dava-lhes o direito de se reclinarem. Os divãs
eram posicionados na sala de modo que cada conviva pudesse ver os
demais. O primeiro ato era a escolha de um symposiarca, cujo dever era
definir a ordem do dia e — mais importante — decidir a mistura entre água
e vinho na krater que ficava no meio. Vinha depois uma libação dedicando
a krater a Zeus e aos deuses olímpicos, enquanto, acompanhados por uma
flauta dupla, os presentes cantavam em coro dois hinos em homenagem aos
heróis e mais três em homenagem a Zeus Soter (Zeus salvador, nos
momentos de necessidade).
Aquele era um pequeno mundo à parte, um universo masculino. O
symposiarca definia o que ia acontecer: o tema dos discursos, as músicas a
serem tocadas, o tipo de mímica e de dança a serem apresentadas ou as
competições que se dariam entre os participantes. Também podia ser um
ponto para encontros homossexuais. Platão, em Symposium (c.385 a.C.)
descreve como Alcibíades tentou seduzir Sócrates durante um evento
desses. Às vezes a festa era animada pela incursão dos akletoi, pessoas
famintas que eram alimentadas e obrigadas a “representar”, revelando assim
(ou melhor, sendo forçadas a revelar) sua inferioridade social. O desfecho
podia muito bem ser uma procissão com os participantes embriagados
cantando pelas ruas.
O Banquete de Xenofonte (430 a.C.) é de longe a mais viva evocação de
uma dessas ocasiões. O jantar e o symposion são dados por Calio em
homenagem ao herói dos jogos pan-atenienses, Autólico. Sócrates é um dos
convidados. A conversa é inteligente, flui com vivacidade, e a noite é
animada pelos gracejos de um bufão profissional, um flautista, uma
dançarina e prestidigitadora, e um menino que tocava lira, cantava e
dançava, trazido por um convidado de Siracusa. No meio das brincadeiras,
com os excessos homoeróticos, é proposto um jogo cujo prêmio é beijar
Autólico, e o evento termina com um intervalo dramático em que Ariadne e
Dioniso, ao som da música, são proclamados amantes.13
O symposion tinha sempre como motivo algum acontecimento — jogos
públicos, um festival, boas-vindas a visitantes. O que torna tais reuniões tão
significativas para nós hoje em dia é que então os grandes épicos eram
cantados ao som da lira pelos bardos profissionais. No século VI isso deu
lugar a coros e novos gêneros poéticos, poesia lírica, elegíaca e canções
populares. Mais tarde essa prática seria substituída por discussões
intelectuais e filosóficas do tipo platônico. Em suma, o symposion
funcionava como uma expressão ritualizada das paixões, um microuniverso
psicológico e cultural, um mundo à parte em que o vinho relaxava as
inibições e liberava a imaginação para preservar antigas formas poéticas e
criar novas.
Esse foi o legado da Grécia para Roma: uma estrutura dual de festejo,
dominada pelos homens, na qual comer e beber eram dois momentos bem
separados, embora conectados. Porém havia mais. Qualquer tipo de refeição
formal já envolvia cerimonial, hierarquia e espetáculo, para não falar das
artes — não apenas as artes culinárias, mas aquelas associadas ao teatro:
música, dança e canto. Até mesmo as artes intelectuais expressas nas
reuniões para debates eruditos encontraram ali o seu lugar. Os romanos
iriam preservar a estrutura essencial da festa grega, mas o que ocorria em
seu interior era, como já vimos no banquete de Trimálquio, de outra ordem.

A IDADE DE APÍCIO
A dieta romana também era mediterrânea, mas com uma diferença.14
Enquanto a base da culinária grega havia sido o mar, os romanos olhavam
para a terra, e sua atitude em relação à comida e ao ato de comer era
dominada por uma dualidade. Os alimentos eram divididos entre fruges,
produtos do solo (e portanto basicamente vegetarianos) e percudes, comidas
derivadas de animais ligados — como no caso dos gregos — ao sacrifício
ritual. Bois, carneiros e porcos eram usados para sacrifícios públicos,
enquanto ovelhas, leitões e frangos empregavam-se privadamente. Também
em comum com os gregos, o consumo da carne do sacrifício — confinado
às classes superiores — identificava os membros civilizados de uma
comunidade. Os que se comportavam como as tribos germânicas, cuja dieta
consistia em grande parte de qualquer tipo de carne, eram considerados
bárbaros.
A dualidade romana a respeito dos alimentos manifestava-se de várias
outras maneiras; talvez a mais marcante seja o contraste entre os dois ideais
de frugalidade pessoal e hospitalidade pródiga. Esse contraste é
perfeitamente sintetizado na natureza das duas principais refeições de um
dia romano qualquer. O prandium, espécie de lanche ao meio-dia, muitas
vezes era pouco mais que as sobras do dia anterior, comidas de pé. A cena,
por outro lado, ou sua forma mais grandiosa, o convivium, era uma refeição
substancial e podia implicar uma copiosa série de pratos cozidos, comidos
numa posição reclinada, junto com os convidados. O prandium tinha o
mero propósito de encher o estômago para que se pudesse continuar com os
afazeres do dia, o negotium. O tempo da cena era o do otium, o período de
lazer que se seguia à atividade, quando a pessoa podia legitimamente
encontrar satisfação em entreter a “goela” com ricas iguarias, ingeridas por
puro prazer.
À medida que Roma passou de república a capital de um vasto império,
o contraste entre essas duas abordagens da culinária foi percebido pelos
moralistas, que viam nos luxos modernos um sinal de decadência
comparado à nobre frugalidade dos tempos passados. Na verdade as
satisfações complacentes estavam à disposição de quem podia pagar por
elas. À medida que o Império crescia, as iguarias do mundo conhecido
fluíam para Roma. Aulos Gellius, em seu Noctes atticae, descreve uma
sátira de Marcos Varro (116-27 a.C.) que mostra até que ponto esse tipo de
gulodice imperial podia chegar. O poeta em sua sátira “trata da elegância
sofisticada nos banquetes” e lista as iguarias que os glutões buscavam:
… estas são as variedades e os nomes das iguarias que ultrapassam todas as outras, que uma
goela sem fundo caçou e que Varro analisou em sua sátira, com os lugares onde são
encontradas: pavão de Samos, pica-pau da Frígia, garças de Média, cabritos de Ambrácia,
ostras de Tarento, amêijoas da Sicília, peixe-espada de Rodes, lúcio de Cilícia, nozes de
Tassos, tâmaras do Egito, bolotas de carvalho da Espanha.15

Tais refinamentos culinários refletiam a realidade, e sabemos isso pelos


relatos dos banquetes dados por Licínio Lúculo (morto em 57/56 a.C.), cujo
nome passou para a história como sinônimo das mais extremas formas de
repastos sibaritas.16No seu caso, os petiscos podiam incluir ouriços-do-mar
de Capo Miseno, caramujos de Taranto, atum da Calcedônia, ostras de
Locrino, prosciutto da Gália, esturjão de Rodes, camarões de Formia, avelãs
de Nola, amêndoas de Agrigento, uvas sicilianas e tâmaras egípcias.
Essa apreciação da qualidade também se estendia ao vinho.17 O interesse
pelo bom vinho começou no último século da República, e em 121 a.C., no
consulado de Opimius, ocorreu a primeira vindima famosa. Os vinhos
falernianos e de Nomentanum eram os mais valorizados. Os conhecedores
gradualmente se deram conta de que os melhores vinhos ficavam ainda
melhores se guardados por cinco ou 15 anos, e impôs-se o conceito de
vindimas datadas. O vinho de cem anos de Trimálquio era uma crítica a
isso. Como no caso dos gregos, bebia-se muito pouco vinho durante as
refeições; as bebedeiras sérias começavam depois que acabava a comida.
Os romanos, da mesma maneira que os gregos, associavam alimentos
particulares aos humores. Mas eles eram também condicionados por outra
crença, a de que apenas os ingredientes frescos eram absolutamente puros e
incorruptos.18 Em sua forma mais elementar, essa teoria julgava, por
exemplo, que a azeitona era mais pura que o azeite, porque a pressão
necessária para produzir o óleo era um passo no sentido da corrupção e da
podridão. A idéia aplicava-se especialmente à carne, que nunca era seca;
qualquer coisa que remotamente se assemelhasse à decadência da carne era
vista como causa de mau hálito, vômitos e disenteria. Aqui chegamos mais
uma vez à dualidade romana. A refeição frugal de vegetais crus, pão e um
pedaço de toucinho cozido era vista como ideal em termos de saúde. A
cena, em contraste, com seus elaborados pratos cozidos, era encarada como
potencialmente perigosa. Expunha o sistema orgânico a comidas deliciosas
e macias, obtidas com métodos análogos ao que acontecia no estômago,
considerado um caldeirão. Assim, as partes mais macias, que exigiam
menos cozimento, como miúdos e órgãos sexuais, e que apenas exigiam
uma rápida grelha, eram muito mais valorizadas que a carne com
cartilagem, que exigia longos cozimentos — outro passo no caminho da
podridão.
Assim, em termos de dieta, todo romano tinha duas caras. Para o
soldado, orador ou homem de negócios havia o repasto frugal do prandium.
Para o cavalheiro, cidadão que se reclinava numa túnica folgada no divã e
comia pratos potencialmente perigosos para seu sistema, havia a cena. No
entanto, o mesmo homem — ou mulher — podia envolver-se em ambos.
A segurança sutilmente dúbia da cena explica a razão pela qual mulheres
e crianças, vistas como mais fracas, não tinham permissão para se reclinar e
eram obrigadas a permanecer sentadas. Reclinar-se relaxava o sistema, o
que apenas os homens adultos podiam suportar. Isso também ajuda a
explicar por que, de tempos em tempos, as autoridades insistiam em tentar
controlar a cena e o que nela se comia.
Da lex Orchia de 182 a.C. em diante ocorreu um fluxo constante de
normas que tentavam regular o número de pessoas convidadas e o que lhes
podia ser servido.19 O decreto senatorial de 161 a.C., por exemplo,
estabelecia a quantia que podia ser gasta num jantar, limitava o número de
convidados de fora da família a cinco e bania o consumo de galinhas
gordas. A legislação de 115 a.C. proibia comer arganazes, mariscos e
pássaros importados. Tudo isso, no entanto, não tinha muito efeito. O que se
comia e quantas pessoas eram convidadas para jantar mantinham-se fora do
controle do Estado. A opulência crescia cada vez mais, juntamente com os
horrorizados lamentos dos moralistas, que pregavam restrição e frugalidade
republicanas como modelo da vida pública e familiar.
No entanto, embora não fosse seguida, havia uma crença genuína e geral
de que a grandeza de Roma havia sido construída sobre o cultivo de uma
austera frugalidade. Além do mais, essas tentativas de controlar estilos ricos
de vida durante o período imperial destinavam-se a tentar fazer com que
não se ampliasse o hiato entre os ricos e os despossuídos, o que poderia
ameaçar a estabilidade social. A verdade é que para a maioria da população
a comida consistia de uma sopa grossa de aveia e carne com pão,
suplementada por nabos, azeitonas, feijão, figos, queijo e, de vez em
quando, porco.
A capacidade de usufruir a riqueza de um poderoso império deixou sua
marca na culinária romana. O livro de Apício, De re coquinaria,20 faz
referência a galinhas da Numídia, inclui um molho alexandrino para peixe e
até mesmo oferece ervilhas ao modo indiano. No apogeu, a culinária
romana foi a primeira cozinha internacional na história da Europa Ocidental
e era praticada, com variações regionais, de um lado a outro do Império, das
areias da África do Norte às fortalezas da ilha bretãs. O que começou como
culinária rústica e vegetariana no tempo da República tornou-se, sob o
Império, cada vez mais sofisticado, em resposta primeiro às influências
etruscas e depois às gregas. Estas últimas filtraram-se através da Sicília e do
sul da Itália. Depois, através de Cartago, veio o impacto do Oriente. No
final da República e no começo do Império Romano a gastronomia
alcançou riqueza e refinamento, e isso foi felizmente registrado por Apício.
O Alto Império iria seguir essa tradição que, apesar de toda sua elegância,
ainda apresentava um certo grau de restrição e levou-o na direção da
decadência e do excesso. Finalmente, com a desintegração do Império nos
séculos V e VI d.C., a gastronomia romana gradualmente fragmentou-se e
desapareceu, junto com a civilização que a fizera brotar.

De re coquinaria (Sobre a culinária), de Apício, é o mais antigo livro de


cozinha que resta. Quem era ele? Conhecemos três romanos com este nome,
mas sem dúvida o Apício do livro é M. Gabio Apício, um gourmet rico que
ensinava haute cuisine na primeira metade do século I d.C., nos reinados
dos imperadores Augusto e Tibério. Muitas de suas receitas tornaram-se
famosas, e pratos que não eram dele receberam seu nome, em sua
homenagem. Sabemos que Apício escreveu dois livros de receitas que não
sobreviveram e que fundou uma escola de culinária. É compreensível,
portanto, que seu nome seja ligado ao De re coquinaria.
Essa coleção de receitas chegou até nós, em sua maior parte através de
dois manuscritos do século IX, um deles escrito em Tours, entre 844 e 851,
e o outro em Fulda, no mesmo século. Ambos remontam a outros
anteriores, perdidos, e o que restou está longe de ser completo. Há
pouquíssimas receitas de pratos doces e nenhuma de pastelaria, e ambos são
aspectos essenciais da cozinha romana. Aos dois manuscritos deve-se
acrescentar um terceiro, com muito menos receitas, compilado por um certo
Vinidário, um ostrogodo que viveu no norte da Itália no começo do século
V. A cópia existente desta versão foi escrita no século VIII. O latim de
Apício sugere que o original data de uma fonte do final do século IV ou V,
embora já tenha sido situado até no século III.
De re coquinaria contém 470 receitas no total, divididas em 11 livros
com títulos como “O jardineiro”, “Sobre os pássaros” e “O mar”. Como a
maioria dos livros de receitas, é uma compilação e recorre a uma tradição
que se estende por séculos, até a culinária da Grécia clássica. O livro 10, “O
pescador”, que fala principalmente de molhos de peixe, é tão diferente dos
livros de 1 a 8 que parece constituir uma versão romana para um tratado
grego sobre molhos de peixe (Ateneu informa que havia muitos). Certas
receitas tinham claramente em vista um grupo específico de usuários, como
fazendeiros que desejavam aprender como conservar alimentos. Havia
também um núcleo de receitas derivadas de fontes médicas. No geral, o
quadro apresentado não é, de maneira alguma, de excessos, embora inclua o
infame arganaz recheado. Até hoje Apício continua sendo um documento
confiante e alegre, de leitura agradável.
O livro parte do pressuposto de que tudo dava uma enorme trabalheira.
Galinhas, caças e animais domésticos eram principalmente recheados e
semi-cozidos, e então mergulhados em molho, para serem lentamente
impregnados por ele. Os sucos da carne cozida eram engrossados com
amido ou farinha de trigo, ragu com ovo, miolo de pão ou farelo de pastéis.
O que Apício revela é que, a despeito de sua preferência teórica pela
simplicidade, os romanos não gostavam de ingrediente algum em sua forma
pura. Não há quase receita sem um molho que mude de modo radical o
gosto dos principais ingredientes.
O objetivo dos molhos variava. Podiam disfarçar ou aumentar o sabor,
colorir ou descolorir, adoçar ou azedar, engrossar ou afinar a mistura.
Molhos doces predominavam nos pratos de carne; agridoces nos de peixe.
Um único prato podia exigir até dez ervas e temperos diferentes, enquanto
90% das receitas pediam caras especiarias importadas. Como no caso dos
gregos, a pimenta encabeçava a lista, seguida de canela, gengibre, noz-
moscada e cravo vindos da Índia, Ceilão, baía de Bengala e China. Essa
obsessão por especiarias importadas seria na verdade o maior legado
romano à Idade Média. Sabe-se que Apício era lido na corte de Carlos
Magno.
O garum mantinha seu lugar, juntamente com dois outros condimentos
populares — silphium, um tempero da Líbia que se extinguiu no século I
d.C., e asafoetida, a resina da planta Ferula asafoetida, um parente da erva-
doce e que a substituiu. Quanto às ervas, ligústica e arruda encabeçavam a
lista, ambas preferidas pelo sabor acre e amargo. Vinha a seguir coentro,
cominho, orégano, sementes de aipo, de salsa, louro, sementes de aniz,
funcho, hortelã, cariz, sementes de mostarda, losna, cerefólio, rúcula,
tomilho, sálvia, piretro, ínula, açafrão e almécega.
Embora Apício inclua muito do que hoje em dia encaramos como
alimentos em desuso, como língua de garças, papagaios e flamingos, sua
cozinha é refinada, saborosa, e reflete plenamente uma classe alta
sofisticada e culta. O que esse corpus de receitas ilustra é como os romanos,
que descobriram a cozinha grega ao final do século III a.C., adotaram-na e
mudaram-na, aumentando em muito o uso de temperos e ervas exóticas. O
que não nos diz e que jamais saberemos, apesar de possuirmos esse
documento impressionante, é qual era o sabor da comida romana e qual
exatamente o seu aspecto.

CENA E CONVIVIUM
Os romanos dividiam o dia em duas partes — 12 horas de dia e 12 horas de
noite —, pontuadas por três refeições. A primeira, jentaculum (desjejum),
imediatamente após o despertar, consistia de pouco mais que um lanche de
pão e frutas. A segunda, prandium (almoço), não tinha hora nem lugar fixos
e consistia, como vimos, de alimentos simples, destinados a manter a
pessoa durante o dia de trabalho.21 Sua frugalidade era vista como exemplo
das virtudes romanas.22
A única refeição propriamente dita em todo o dia era a cena ou fercula
(ceia ou jantar), normalmente na nona hora. No verão, isso significava entre
14h30min e 15h45min, e no inverno entre 13h30min e 15h. No passado, a
cena era ainda mais cedo, seguida por um segundo repasto frugal chamado
vesperna, à noite. Com o advento da luz artificial ela passou a ser realizada
cada vez mais tarde — como o jantar no século XIX — e se tornou o mais
importante evento social e culinário do dia. Quando a cena era farta e
incluía convidados, era um convivium, a versão romana do jantar de gala. O
orador Cícero acreditava que esses eventos eram o coração da vida
civilizada romana: “Pois foi uma boa idéia de nossos ancestrais a presença
de convidados numa mesa de jantar — pois isto implicava uma comunidade
de prazeres — de convivium, ‘viver em conjunto’”.23
Graças à influência etrusca, o convivium romano diferia de seu
predecessor grego no sentido de poder incluir mulheres entre os
participantes. Sua centralidade na vida romana decorria da complexa
tentativa de alcançar um equilíbrio perfeito.24 Quem não oferecia convivia
era chamado de avarus, enquanto quem comparecia a muitos era castigado
como parasitus. Para o anfitrião, o objetivo era evitar uma aparência de
sovinice e uma ostentação desnecessária. Os escritos de Cícero, Sêneca,
Tácito e Plínio o Moço estão cheios de relatos de membros das classes altas
jantando juntos, na cidade ou nas vilas, no campo ou no litoral. Para tais
pessoas, o convivium era uma elegante cerimônia de civilidade, ocasião em
que o homem privado saboreava suas realizações e, em certa medida,
exibia-as a seus pares no cenário de sua própria casa ou família. Como
mecanismo social, o convivium era tão importante para os romanos como o
salon para a França do século XVIII, ou o jantar de gala para a Inglaterra
vitoriana.25
Na verdade, ao final do período republicano, o convivium exigia roupas
especiais.26 A synthesis combinava uma túnica com um casaco diminuto
(pallium), ambos feitos do mesmo material, com coloridos brilhantes e
elaboradamente bordados. O pallium podia ser leve ou pesado, dependendo
de estação e temperatura. O tamanho e a maneira como era dobrado variava
de acordo com as preferências pessoais e a ocasião. A synthesis também era
usada pelas mulheres. Diferente da familiar toga, só era usada
privadamente, jamais em público. Os vaidosos às vezes trocavam diversas
vezes de synthesis durante um único jantar. Marcial zombava de Zólio por
trocar de roupa nada menos que 11 vezes.27
Na Roma de meados do século IV, Amiano Marcelino, o último grande
historiador latino, lamentando a indulgência e a decadência dos nobres,
escreveu: “Suas idéias de civilidade são tais que é preferível um estranho
matar o irmão de um homem que não comparecer a um jantar ao qual tenha
sido convidado.”28 O jantar de gala romano começou como a pura expressão
de uma elite da sociedade republicana, essencial para sua coesão social. Na
ausência de uma corte imperial, servia para reunir pessoas poderosas e
iguais, embora, naturalmente, muitas vezes incluíssem dependentes e
penetras. No entanto, durante o período imperial o jantar de gala passou a
ser visto como sobrevivência de uma era extinta, a ocasião em que anfitrião
e convidados de vários níveis podiam se comportar como iguais em torno
de uma mesa. Esta ao menos era a maneira como se viam os velhos
convivia republicanos em retrospecto — ocasiões agradáveis e sem
distinção de classe, em que as barreiras sociais eram suspensas, as
convenções normais relaxadas, e os “inferiores” tinham permissão de fazer
livremente observações audaciosas sem temor de recriminação. “Sirvo o
mesmo para todos, pois quando chamo meus convidados é para uma
refeição, não para fazer distinções de classe”, escreveu Plínio o Moço.
“Trouxe-os como iguais para a mesma mesa, portanto dou-lhes o mesmo
tratamento em tudo”.29A realidade tornava-se muito diferente. Os jantares
festivos em Roma eram como os de hoje, na base de quem é convidado e
quem não é. Como sempre havia os convidados para serem julgados quanto
à adequação, e muitas vezes não eram chamados de novo. Um conhecido
graffito dos muros de Pompéia resumia isso: “O homem com quem não
janto é um bárbaro para mim.”30
A verdade é que, embora a pretensa noção de igualdade continuasse ao
longo do período imperial, tais eventos eram exercícios hierárquicos de
precedência, e quem tinha uma posição senatorial ou militar, ou quem era
conselheiro local ou magistrado, desfrutava uma posição que os que eram
apenas ricos não alcançavam.31 O imperador Augusto oferecia os chamados
cenae rectae (jantares formais) “com atenção estrita à posição social e aos
indivíduos”. Os romanos eram obcecados por hierarquia, profundamente
preocupados com conceitos como dignitas e existimatio, liberalitas e
munificentia, todos virtudes patrícias. O imperador Domiciano pode ter
convidado diferentes ordines (categorias) a seus cenae rectae e até a seus
cenae publicae (banquetes oficiais), mas é claro que havia uma rígida
segregação de convidados em termos de posição, e também uma distinção
no que era servido à mesa. Mesmo antes do final da era republicana
ofereciam-se pratos diversificados a convidados de diferentes categorias.32
Quando Cícero recebeu Júlio César em Puteoli durante a Saturnália de 45
a.C., os convivas jantaram em três mesas separadas. Todos comeram bem,
mas os convivas da segunda e da terceira mesas não tão bem como os da
primeira.33 Plínio é mordaz quanto a esse comportamento e envia uma
descrição de um jantar como um “exemplo de alerta” a um jovem amigo:
“Os melhores pratos eram postos diante dele mesmo e de alguns escolhidos,
e comida barata diante do resto do grupo. Até mesmo pôs vinho em garrafas
pequenas, divididas em três categorias.… Um lote destinado a ele e a nós,
outro aos menos amigos (todos os seus amigos são classificados em
categorias) e um terceiro aos seus e aos nossos libertos.”34
A organização de uma festa era calculada, mas ainda assim o resultado
tornava-se imprevisível. Homens de posição superior, por exemplo, não
hesitavam em aparecer com um amigo que não estava na lista de
convidados. Também havia sempre um punhado de pessoas convidadas para
preencher as ausências, as chamadas umbrae (sombras). Dependentes ou
clientes, como eram chamados, compareciam como hóspedes pagos.
Em jantares opulentos a diferença de alimentos de uma mesa para outra
podia ser bem considerável. Marcial fala da angústia de um convidado
rebaixado:
Já que não sou mais convidado a jantar por um preço, como antes [isto é, como convidado
pago], por que não ganho o mesmo que você? Você ganha ostras engordadas no poço de
Lucrine, eu corto a boca chupando um marisco. Você ganha cogumelos frescos, eu ganho
cogumelos de porcos. Você se serve de linguado, eu de brema. Uma rola dourada enche o seu
prato com seu traseiro descomunal, e a mim servem uma pega que morreu na gaiola.35

O advento do cristianismo com suas festas comunitárias trouxe outra luz


à questão da hierarquia da comida. O apóstolo Paulo teve de encontrar uma
forma de evitar reuniões onde os ricos e seus amigos recebiam comida e
bebida melhores que outros de status mais baixo. Resolveu a questão,
afinal, decidindo que era melhor que os ricos comessem privadamente.
Essa reunião de convidados podia levar a uma certa irritação, o que nada
era comparado à tensão existente entre o anfitrião e seus convidados e o
pequeno exército de escravos à disposição de cada um. Uma única casa
chegava a ter 400 escravos, e um convivium podia exigir os serviços de
cada um deles.36 O cardápio muitas vezes era escolhido por um escravo
liberto, um obsonator, que conhecia tanto o gosto de seu senhor como o dos
convidados. Escravos conhecidos como nomenclatores organizavam e
entregavam presentes aos convidados quando eles partiam. O vocator
ficava de olho na equipe durante o evento e provavelmente também
supervisionava os escravos da sala de jantar. A equipe incluía os ministri ou
pueri a cyatho, escolhidos por sua bela aparência, que tinham permissão de
manter os cabelos compridos. Esplendidamente vestidos, sua tarefa era
servir vinho e cortar a comida em pedaços que coubessem na boca. (Criados
particularmente bonitos também podiam ser empregados para satisfazer as
necessidades sexuais dos comensais.) Um escravo especialmente treinado
atuava como trinchante ou structor. Numa posição inferior vinham os
scoparii, de cabeça raspada e roupa grosseira, que limpavam o chão.
Os escravos viam tudo, mas exigia-se deles que se mantivessem em
silêncio. Eram subalimentados, reprimidos e sujeitos à mais brutal repressão
pela mais leve falta. Por duas vezes no banquete de Trimálquio ocorreram
ameaças de castigos selvagens. Esta era a norma. Se o assado estava
malpassado ou se o peixe estava mal temperado, o cozinheiro (que na
verdade tinha uma posição bastante alta na hierarquia dos escravos) podia
ser despido e espancado. Qualquer escravo que roubasse ou destruísse um
objeto de valor era morto, mutilado ou acorrentado. A crueldade da época é
exemplificada no famoso caso de uma cena dada por P. Vedio Pólio, amigo
do imperador Augusto, durante a qual um escanção que quebrou uma taça
de cristal teve as mãos cortadas e penduradas no pescoço. Depois foi
obrigado a desfilar entre os comensais antes de ser jogado para as lampreias
num poço.
O cenário da cena ou convivium era o triclinium.37 No início do período
romano as refeições eram servidas no atrium, e mais tarde numa sala
chamada cenaculum; mas quando veio a moda de comer reclinado, foi
desenvolvida essa sala especial. Muitos triclinia sobrevivem nas ruínas de
Pompéia e Herculano. As salas eram projetadas para três divãs, cada um
deles acomodando três comensais em volta de uma mesa central redonda ou
retangular. Nas grandes casas e vilas podia haver vários triclinia, uns mais
quentes para o inverno e outros situados de maneira a aproveitar as frescas
brisas e a sombra do verão. Alguns eram feitos para jantares ao ar livre nos
jardins.

Os assentos freqüentemente levavam em conta as belas vistas do campo ou


do mar. Nos triclinia os divãs podiam ser de madeira ou pedra, com todos
os tipos de decorações luxuosas. Alguns triclinia em Pompéia tinham um
jato de água jorrando da mesa central e pequenos regatos refrescantes
gotejando diante de cada comensal. Na chamada casa de Loreius Tiburtinus,
os pratos boiavam numa grande bacia em frente a cada conviva. Enquanto a
maioria dos triclinia eram salas essencialmente pequenas, os ricos também
tinham salões de banquete com grupos de divãs que acomodavam muitos
hóspedes.
A arrumação da sala de jantar iria mudar mais tarde, no século II e no
começo do século III d.C. Em vez de três divãs retangulares havia um
grande, em semicírculo, chamado stibadium, sigma ou accubitum, onde sete
ou oito convidados podiam reclinar-se. Há evidências de que esta forma foi
desenvolvida primeiro para jantares ao ar livre e mais tarde adaptada para
dentro de casa, em resposta a entretenimentos mais elaborados introduzidos
pelo anfitrião nos convivia. O próprio triclinium mudou de formato,
transformando-se numa sala com até três alcovas, cada qual com um divã
diante de um espaço vazio no meio. Na verdade a sala de jantar foi
transformada em teatro de arena.
Mesmo na sua forma mais primitiva, o triclinium era repleto de tons
simbólicos.38 O teto podia ser equiparado aos céus, a mesa e seus conteúdos
à Terra, e o chão à morada dos mortos, Hades. Tal visão do triclinium como
uma espécie de microcosmo do universo era reforçada pelo tema dos
pavimentos de mosaico, que sobreviveram. Por exemplo, na entrada da sala,
Cérbero, o cão que guarda o mundo inferior, está muitas vezes
representado. Na famosa Domus Aurea de Nero, recentemente escavada em
Roma, o teto retratava os céus e até mesmo podia se abrir. Suetônio registra
que
o telhado girava dia e noite, de acordo com o céu. Outras salas de jantar
na Domus “tinham tetos com relevos de marfim, com painéis deslizantes
que permitiam que uma chuva de flores ou perfumes caísse sobre os
convidados”.39

Planta de um triclinium
Cena de banquete, século IV ou V d.C., com os convivas reclinados num stibadium. Um servo verte
vinho de um jarro, o outro carrega um vaso de água e uma bacia para lavar as mãos. Iluminura.

No atrium de toda casa romana havia um altar para os deuses, os lares;


num determinado momento da cena os deuses eram carregados e colocados
na mesa. As naturezas-mortas que aparecem com destaque nas paredes de
tantos triclinia em Pompéia e Herculano são na verdade alimentos para os
mortos. Não que isso fosse uma barreira para as festividades. Ali também se
encontram conselhos francos e diretos que sugerem tudo, menos
melancolia: “Poupe a mulher do vizinho de olhares lascivos e requebros
amorosos, e deixe que a modéstia viva em sua boca”; “Seja amigável e
evite bravatas raivosas, se puder. Se não, deixe que seus passos o levem de
volta para casa”.40
Ao chegar a um jantar, o conviva tirava as sandálias ou os sapatos de
andar na rua, passava-os para o escravo que o servia e calçava chinelos
fornecidos pelo anfitrião. Então se juntava aos outros no atrium ou em
alguma outra sala próxima à sala de jantar. Era uma ocasião de conversa; só
no período de Tibério, no começo do século I d.C., é que beber antes do
jantar tornou-se norma. Casas opulentas tinham um mestre-de-cerimônias
que controlava a coreografia desse entretenimento.
A um sinal todos entravam no triclinium e tomavam seus lugares nos
divãs, tirando os chinelos. Nesse momento os escravos lavavam os pés dos
convidados, ritual expresso em outra inscrição em Pompéia: “Deixe que o
escravo lave e seque os pés dos convidados, e faça com que tenha o cuidado
de estender uma toalha de linho nas almofadas dos divãs”.41 No período
pré-stibadium os três divãs eram chamados de lectus summus, lectus medius
e lectus imus. O anfitrião reclinava-se no último, geralmente com membros
da família. O lugar de honra, ou consularis locus, podia variar, mas em
geral situava-se no meio do lectus medius — imus in medio —,
aparentemente indicado para falar de negócios, caso necessário. No
stibadium o lugar de honra era no centro, mas ao final do Império passou a
ser à esquerda. Os divãs eram inclinados, com a cabeceira mais alta, e os
comensais ficavam separados uns dos outros por muros de almofadas.
Todos tinham uma coberta.
O direito de um homem a reclinar-se vinha com o uso da toga virilis, aos
17 anos.42 Com os direitos, é claro, surgiam os perigos. Aos olhos dos
moralistas pagãos e cristãos, essa passagem à idade adulta abria para os
jovens uma trindade de vícios: comida, bebida e sexo. O perigo da sedução
homossexual era particularmente grave. Quintiliano, uma autoridade em
retórica, levantava as mãos em horror. O que se poderia esperar, escreveu,
diante de tudo a que os jovens estavam expostos antes mesmo de ter idade
para se reclinar ao jantar? “Nós ensinamos: eles nos ouvem usar tais
palavras, vêem nossas amantes e nossos concubinos; em todos os jantares
ouvem-se canções indecentes e apresentam-se a seus olhos coisas das quais
deveríamos corar simplesmente ao falar delas.”
Basta isso para as tentações não palatáveis do divã. À mesa, diante de
cada comensal ficava um saleiro, salinum, e uma garrafa de vinagre,
acetabulum. Perto havia dois aparadores, um para vinho, o cilibantium, e
outro para comida e para as travessas, o repositorium. Havia jarras para
vinho, o oenophorus, vasos para água quente, caldarium, e vasilhas para
misturar, cratera — os romanos bebiam vinho misturado com água quente.
A sala era iluminada por candelabros e lâmpadas penduradas do teto em
correntes. A fumaça de óleos aromáticos desprendia-se de turíbulos, pois
parte do prazer do jantar estava no olfato. O chão de mosaico era coberto de
folhagens aromáticas — ancusa, verbena e avenca — e vasos de flores,
especialmente rosas, decoravam a sala. Os convivas recebiam guirlandas de
flores e óleos perfumados para o corpo e o cabelo.
O comensal ficava reclinado de lado, com o braço esquerdo apoiado
numa almofada e os pés virados para a direita. Qualquer refeição começava
com a ablução das mãos, e o ritual repetia-se a intervalos regulares. A todo
momento os escravos traziam água perfumada e toalhas para os convivas.
No século I um guardanapo, mappa, era oferecido pelo anfitrião, embora
alguns convidados trouxessem os seus, que eram grandes o suficiente para
levar para casa qualquer iguaria não consumida. Os alimentos eram
comidos num prato (patina, patella ou, se fundo, catinus) que o comensal
segurava com a mão esquerda. Os escravos cortavam os alimentos maiores
em pedaços pequenos para facilitar. Em geral os convivas comiam com a
ponta dos dedos, tomando muito cuidado para não sujar as mãos ou o rosto.
A comida também podia ser levada à boca na ponta de uma faca, e havia
colheres, de várias formas, desde a concha, trulla, à cochlea ou ligula, para
alimentos pequenos como ovos ou mariscos. Só no fim da era imperial
surgiram os garfos. Distribuíam-se palitos. Os pratos individuais e as
travessas em que os alimentos eram servidos podiam ser incrivelmente ricos
e luxuosos, como testemunham as numerosas pratarias desenterradas por
toda a Europa. As taças eram de cristal, ouro, eletro (uma liga de ouro e
prata) e murra, uma rica pedra opaca que melhorava o buquê do vinho, ou
pelo menos assim se pensava. Podiam ser de vários formatos, com ou sem
asas, estampadas ou incrustadas com pedras preciosas.
A refeição começava com o gustus ou gustatio, uma espécie de hors
d’oeuvre que consistia principalmente de vegetais e ervas, azeitonas, fatias
de ovos cozidos, caramujos e mariscos, tudo regado a vinho adoçado com
mel, conhecido como mulsum.43 Nas refeições mais opulentas podia haver
outros pratos, como ostras, tordos e arganazes recheados. Seguia-se então a
cena propriamente dita, em geral com três serviços — cena prima ou
ferculum, secunda e tertia —, mas podia haver muitos outros. O prato mais
importante era sempre feito com carne de sacrifício, possivelmente de porco
ou vaca prenha. Cabritos novos eram considerados uma grande iguaria.
Podia haver faisão ou ganso, presunto ou lebre, junto com uma variedade de
peixes, sendo os preferidos o linguado e a lampreia. Os convidados
escolhiam o que queriam dentre o que lhes era oferecido. Após o último
serviço limpava-se a mesa e varria-se o chão. (Nas casas mais importantes
esse processo podia envolver serragem colorida.) Vinha então a sobremesa,
secundae mensae ou bellaria, que consistia de maçãs, pêras, nozes, uvas e
figos, algumas vezes acompanhados de mariscos e passarinhos.
Mosaico romano com o lixo típico do chão de um triclinium, antes de ser varrido.

Sobreviveram muito poucos cardápios de uma refeição romana.


Macróbio, em Saturnalia, nos dá o relato de uma cena opulenta oferecida
entre 74 e 69 a.C. pelo colégio de pontifices (“sacerdotes”) de Roma, na
estréia de um flamen martialis. Havia 11 sacerdotes presentes, inclusive
Júlio César, bem como a esposa e a sogra do novo flamen e quatro virgens
vestais. Os homens foram distribuídos em dois grupos, as mulheres em um,
e o jantar deu-se como se segue:
Foram servidos, para o serviço preliminar, ouriços-do-mar, um número sem limites de ostras
cruas, vieiras e amêijoas, tordos com aspargos, galinhas gordas, um prato de ostras e vieiras, e
então outro serviço de amêijoas, mariscos, passarinhos, pernil de veado e de javali, empadões
de galinhas gordas, mais passarinhos e múrices. Como pratos principais foram servidos úbere
de porca, pato, marreco cozido, lebre, galinhas gordas assadas, trigo com creme e rolinhos de
Picenum.44

No caso dos romanos, a bebida que se seguia à cena, a comissatio, não


tinha as complexas ressonâncias da época grega, mas envolvia um certo
grau de formalidade ritual. Antes que ela começasse, os lares eram trazidos
e postos na mesa. Vertiam-se as libações e pronunciavam-se as palavras de
bom agouro. O grupo escolhia um rex convivii, ou magister ou arbiter para
decidir, como fazia seu protótipo grego, a proporção de água e vinho.
Durante a comissatio os convivas punham guirlandas de flores e se
perfumavam. A principal atividade era oferecer brindes — aos ausentes, às
mulheres, aos exércitos imperiais. A maneira mais comum de brindar um
outro convidado era encher o copo, esvaziá-lo, enchê-lo de novo e passá-lo
para que ele bebesse.
Macróbio fala, sobre esta parte da noite, que “a conversa à mesa vai
naturalmente assumir um aspecto mais jovial, buscando o prazer pelo
prazer, e não um outro propósito mais sério”.45 Cícero, em seu De officis,
aconselha o convidado a não falar muito de si mesmo e a não passar adiante
os tipos errados de mexericos, mas concentrar-se em questões domésticas,
política, artes e ciências, e nunca se entregar à paixão ou à raiva.46 “O
imperador nos convidava para jantar todos os dias”, escreve Plínio o Moço
numa carta, “e era tudo muito simples, considerando a posição dele.
Algumas vezes recitavam-se poesias, e em outras a noite se prolongava com
conversas agradáveis”.47 Os jantares romanos envolviam tanto leitores
como cantores, numa continuação da crença grega de que os prazeres de
alimentar o corpo não deviam separar-se dos prazeres mais elevados de
alimentar o espírito. Cícero, tentando convencer um amigo que não queria
voltar a freqüentar jantares, argumenta: “Você se privou de muita diversão e
prazer.… a conversa é muito mais agradável nos jantares. Sob este aspecto
nossos patrícios são bem mais sábios que os gregos. Eles usam palavras que
literalmente significam ‘co-beber’ ou ‘co-jantar’, mas nós dizemos ‘co-
viver’, porque nos jantares, mais que em qualquer outro lugar, a vida é
vivida em companhia.”48 Este era o ideal. As reuniões podiam naturalmente
desviar-se para outra direção muito diferente, passando a orgias de mau
gosto, onde as pessoas se empanturravam, se entregavam a licenciosidades
sexuais, vomitavam e se embriagavam.
Em qualquer casa havia um ou mais leitores, lector ou anagnostes,
escravos ou libertos. Geralmente os trechos lidos eram escolhidos por seu
valor educacional ou por serem divertidos — passagens da história grega e
romana, poemas líricos em latim e grego, em particular as obras de Virgílio
e de Homero.49 A pior coisa que um anfitrião podia fazer era infligir suas
próprias composições aos convidados. Sobre este ponto, passemos a palavra
a Marcial:
Esta, e nenhuma outra, é a razão pela qual você me convidou para jantar, Ligurino: para
recitar seus versos. Eu tiro meus chinelos e imediatamente um enorme volume é trazido entre
as alfaces e o molho picante. Outro é lido durante o primeiro serviço. Vem um terceiro e a
sobremesa ainda não chegou. E você recita um quarto e finalmente um quinto rolo. Se você
não me servir javali tantas vezes, ele vai cheirar mal. Mas se não limitar seus detestáveis
poemas à cavala, Ligurino, no futuro vai jantar sozinho.50

À medida que crescia a opulência do Império durante o século I d.C., os


ricos cada vez mais contratavam artistas profissionais de todos os tipos,
entre eles tocadores de lira, cantores, atores, bufões e cômicos, para não
falar de travestis, dançarinas, gladiadores e anões meio idiotas.51 Suetônio
registra que até mesmo o frugal Augusto dava jantares que incluíam
pantomimas, artistas do circo e, freqüentemente, contadores de histórias. O
gosto dos imperadores percorria toda a gama do inofensivo ao
profundamente horrível. Calígula gostava que seus jantares fossem
animados com tortura ou decapitações. A tendência de Adriano era teatral,
tragédias, comédias e farsas, tocadores de sambuca, bem como leitores,
poetas e especialistas em mímica. Lúcio Vero preferia assistir a lutas de
gladiadores.52
O que mais chama a atenção do observador contemporâneo no
convivium na forma mais restrita, sem os excessos decadentes do período
final, é sua modernidade — ordem, excelência culinária, sentido de estilo e
de cerimonial, assim como gosto por todos os complementos da vida
civilizada, como conversa e música, leitura de prosa e de poesia, que na
verdade muitas vezes resultavam num cabaré ligado a uma refeição, o que
hoje chamaríamos de café-teatro. Mas tal modernidade era sustentada por
uma vasta infra-estrutura de escravidão, que por sua vez se baseava em
brutalidade, violência e todas as formas de sujeição cruel. Em nenhum outro
período da história da alimentação ocorreu uma polaridade tão espantosa e
assustadora.

BANQUETES PÚBLICOS E BANQUETES


IMPERIAIS
Os banquetes públicos eram quase tão importantes para os romanos quanto
para os gregos. Em ambos os casos aconteciam numa estrutura de
referência profana e sagrada.53 Em Roma, o patrocínio privado de tais
acontecimentos começou durante as festas públicas no século II a.C.,
quando os ricos, aflitos com possíveis inquietações populares, passaram a
achar que os banquetes seriam uma maneira de aplacar e pacificar as
massas. As festas públicas pontuavam o ano romano. Dezessete de março,
por exemplo, era a festa do pai Liber (equivalente a Baco ou Dioniso),
quando toda a população se banqueteava nas ruas. Outras festas celebravam
o nascimento de uma criança, o aniversário de 17 anos de um jovem, um
matrimônio. O casamento na verdade envolvia duas festas — uma cena no
dia das núpcias, que acontecia na casa da noiva, e a chamada repotia, no dia
seguinte, já na nova casa conjugal. A cena funebris era consumida no
túmulo dos mortos antes dos últimos ritos de purificação.
Tais refeições faziam parte da própria tessitura social da vida romana.
Mas nada se comparava aos espetaculares banquetes realizados pelos
imperadores, que se tornaram uma parte da lenda culinária. Esses convivia
publica reuniam pessoas-chave de todos os níveis da sociedade romana. O
imperador Cláudio chegou a convidar 600 pessoas de uma só vez, e em
outro de seus jantares havia mil mesas.54 No entanto, não foi apenas a escala
imperial que deixou uma impressão indelével na imaginação das eras
subseqüentes, mas os freqüentes excessos.
No caso do imperador Heliogábalo, por exemplo, os banquetes
realizados no verão tinham de mudar de cor em cada ocasião. Ele foi o
primeiro a realizar exibições maciças de pratarias, a mandar fazer salsichas
de peixe e de moluscos, ostras, polvo e caranguejo. Seus convidados
jantavam iguarias exóticas, como pés de camelo, cristas de galinhas, pavões
vivos e línguas de rouxinóis. Vastas travessas cheias de fígados de tainha,
miolos de tordos e de flamingos, cabeças de papagaio, faisões e pavões
podiam enriquecer um banquete; nos divãs espalhavam-se violetas, lírios,
jacintos e narcisos, enquanto mecanismos suspensos despejavam sobre os
comensais violetas e outras flores, em tal quantidade que algumas vezes os
convidados ficavam sufocados.55
A ambição do imperador Vitélio era alcançar proporções épicas, como
conta Suetônio:
Ele banqueteava-se três ou quatro vezes por dia, ou seja, de manhã, ao meio-dia, de tarde e à
noite — a última refeição era principalmente uma bebedeira —, e sobrevivia a este ordálio
tomando eméticos com freqüência. O pior é que costumava se convidar para esses banquetes
nas casas de várias pessoas diferentes no mesmo dia; e eles nunca custavam a seus vários
anfitriões menos que quatro mil peças de ouro cada. A festa mais famosa da série lhe foi
oferecida pelo irmão, quando ele entrou em Roma; diz-se que foram servidos dois mil peixes
magníficos e sete mil pássaros selvagens. No entanto, mesmo isto dificilmente se compara em
matéria de luxo a um único prato imenso que Vitélio dedicou à deusa Minerva e que chamou
de “Escudo de Minerva, a Protetora da Cidade”. A receita incluía fígado de lúcio, miolo de
pavão, língua de flamingo e vesícula de lampreia; e os ingredientes, reunidos de todos os
cantos do Império, da fronteira de Pártia aos estreitos da Espanha, foram levados a Roma por
capitães das trirremes.56

A extravagância dos banquetes imperiais não conhecia limites. Tigelino,


comandante da guarda pretoriana, organizou um jantar para Nero,
provavelmente no verão de 64, encenado no meio de um lago artificial. O
imperador e seus camaradas reclinavam-se sobre tapetes e almofadas numa
grande jangada rebocada por barcas enfeitadas de ouro e marfim e tripulada
por exoleti [“meninos alegres”], escolhidos deliberadamente por suas
habilidades lascivas. Povoou-se o bosque que cercava o lago de pássaros e
animais exóticos, e na beira d’água havia pavilhões e bordéis. O historiador
Dio Cássio descreve os acontecimentos:
Nero, Tigelino e os companheiros ocuparam o centro, onde festejaram em tapetes cor púrpura
e almofadas macias, enquanto todos os outros se alegravam nas tavernas. Eles também
entravam nos bordéis, e sem qualquer restrição tinham relações com qualquer uma das
mulheres que lá estavam sentadas, entre as quais se encontravam as mais belas e distintas da
cidade.… Todo homem tinha o privilégio de se aproveitar de qualquer uma que quisesse, pois
as mulheres não podiam recusar ninguém.57

Nero foi o mais teatral de todos os imperadores romanos, e por isso a


plebe o adorava. Seu comportamento era muito menos admirável. Em 54,
num banquete por ocasião de seus 17 anos, tentou gracejar com Britânico,
filho natural do imperador Tibério, pedindo-lhe que cantasse para as
pessoas reunidas. Britânico, no entanto, não apenas cantou bem como
escolheu uma canção que falava de sua própria expulsão da casa do pai e do
trono. Na festa seguinte Nero envenenou-o à mesa.
Talvez o mais estranho de todos os banquetes imperiais tenha sido
encenado pelo imperador Domiciano, com o tema do inferno. Pediu-se aos
convidados que não se fizessem acompanhar pelo habitual escravo. Ao lado
de cada comensal havia uma pedra tumular com o nome do convidado. O
banquete era iluminado por lâmpadas votivas, do tipo que se pendurava nos
túmulos, e a comida, toda preta, assemelhava-se aos pratos sacrificais
oferecidos aos manes dos mortos nos funerais. Os escravos serviam e
dançavam pintados de preto, e durante todo o macabro evento apenas
Domiciano tinha permissão de falar. Seu tema era a morte. Em certo
momento do jantar os convivas foram subitamente mandados embora e
escoltados para casa por escravos desconhecidos, o que os fez suspeitar que
haviam sido escolhidos para se tornarem as novas vítimas da sede de
sangue do imperador. Em vez disso, no entanto, foram chamados de volta
para um segundo banquete, ao término do qual receberam presentes caros.58
O esplendor dos banquetes imperiais de Roma seriam lembrados. Fica-se
tentado a sugerir que, quando os textos que os descreviam foram
descobertos e passaram a ser conhecidos, nos séculos XV e XVI, aquela
extravagância e senso de espetáculo tiveram alguma influência nas
refeições festivas das cortes renascentistas. Porém, por incrível que pareça,
iriam se passar mil anos antes que qualquer coisa remotamente parecida aos
espetáculos romanos fosse reencenada nas cortes humanistas de Mântua e
Ferrara.

DESINTEGRAÇÃO E SOBREVIVÊNCIA
O império romano provou que era mortal. Átila, o Huno, saqueou Roma em
410 e após essa catástrofe a sede do poder mudou-se para a capital do
Império Oriental, Constantinopla. O último soberano no Ocidente, Rômulo
Augusto, foi deposto em 476 pelo alemão Odoacer, que então se proclamou
rei da Itália.
Tal acontecimento é geralmente tomado como o fim do Império Romano
na Europa Ocidental, mas na verdade a estrutura diária da vida romana,
inclusive a que cercava cena e convivium, iriam continuar até o século XV
e, de maneira mais tênue, até o século VIII.59 Nas pequenas aldeias gaulesas
a vida continuava mais ou menos como antes. Em meados da década de
460, por exemplo, o patrício Sidônio Apolinário, mais tarde bispo de
Avernus, visitou o amigo Tonantio Ferreolo em sua villa perto de Nîmes, ao
sul da Gália. Sidônio descreve que os convidados se reuniram na biblioteca,
com as mulheres sentadas de um lado e os homens em pé do outro, todos
posicionados ao alcance de livros cujos assuntos eram considerados
apropriados: as mulheres, dos livros religiosos, e os homens, “de obras
conhecidas pela grandeza da eloqüência latina”. Passaram o tempo
conversando e jogando até que um escravo entrou e anunciou o almoço. Em
outro lugar Sidônio descreve a sala de jantar na vila de um amigo chamado
Leôncio. As portas eram dobráveis e se abriam para uma vista do pátio
emoldurada por colunatas e para um sortido lago de peixes. A distância, os
comensais podiam contemplar um panorama do vale do Garona. Assim,
pelo menos em algumas partes do velho Império, a vida civilizada
continuava. No geral, entretanto, os escritos de Sidônio refletem o conflito
entre o tradicional modo de vida romano e as novas realidades impostas
pela presença das tribos germânicas.
Quando Sidônio visitou Teodorico, o Ostrogodo (morto em 466),
observou com surpresa que seu anfitrião sentava-se à mesa, mas não se
reclinava. Era um símbolo de mudança — e de resistência à mudança. No
final do século VI, outro aristocrata romano, Gregório de Tours, descreve
um jantar privado onde os comensais se reclinavam, exceto a esposa do
anfitrião, que permanecia sentada. Ainda no final do mesmo século o bispo
Venâncio Fortunato referiu-se ao amigo bispo Leôncio reclinando-se para
comer numa villa romana.Vemos assim que o antigo modo de vida romano
sobrevivia naquelas edificações em ruínas. Mas depois do século VI o ato
de reclinar-se sobreviveu apenas nos contextos mais exclusivos, nos
grandes palácios imperiais e papais do começo da Idade Média, revivido, ao
que se diz, pelo papa Leão III ao final do século VIII.
Da mesma forma a tradição culinária se desintegrou e fragmentou. Com
o colapso do Império deixaram de estar disponíveis os ingredientes de que
dependiam os cozinheiros criados na tradição de Apício. No entanto, as
rotas comerciais não foram inteiramente abandonadas. Mesmo depois do
século VI, quando a Gália se estilhaçou num quebra-cabeça de reinos
bárbaros, o porto de Marselha continuou mantendo o comércio com o Egito,
a África do Norte e a Espanha, importando especiarias, sal e garum. Mas a
tradição culinária inevitavelmente se rompia, à medida que o contexto
social da vida na villa romana dava lugar ao das novas cortes bárbaras e a
educação clássica ruía. A gastronomia clássica iria sobreviver
principalmente por meio da tradição médica, pois as cortes bárbaras
recrutavam médicos treinados no sistema de Galeno. Entre eles, um médico
grego chamado Antimo, que estudou em Constantinopla. Mas no começo
do século VI foi condenado a exilar-se na corte de Teodorico, o Ostrogodo,
rei da Itália. Teodorico, enviou-o como embaixador a Teuderico, rei dos
francos, que reinou na área em torno de Metz entre 511 e 534. Para
Teuderico, Antimo escreveu Sobre a observância dos alimentos, a principal
fonte documental para a transição entre a tradição culinária clássica e a da
Idade Média.60
Embora não mencione, Antimo trabalhava com os princípios galênicos
dos humores e estava claramente a par das prescrições tradicionais da
culinária como meio de garantir uma boa saúde; no Ocidente, a tradição
galênica estava quase perdida por essa época, e só retornaria na Idade
Média, por influência dos estudiosos árabes na Espanha. Ele se refere a
temperos exóticos e ingredientes pouco comuns, como pavão, embora à
época essas coisas fossem muito raras. O mais notável é que Antimo
percebe um deslocamento para os ingredientes nativos — manteiga em vez
de óleo de oliva, salmão em vez de tainha vermelha —, ao mesmo tempo
que se preservavam certas predileções romanas — o gosto pelo agridoce
(misturar vinagre com mel, por exemplo), ou por ovos moles. Por todo o
texto fica claro que está escrevendo sobre e para bárbaros comedores de
carne; constantemente usa frases como “os francos têm o hábito de
comer…”.
O Império Bizantino iria herdar a tradição culinária greco-romana. Isso
fica claro pelos raros relances da corte imperial registrados por visitantes do
Ocidente. Em 968 o bispo Luitprand de Cremona chefiou uma embaixada
enviada por Oto III ao imperador Nicéforas Focas.61 Os alimentos, escreve
ele, eram bem sórdidos e asquerosos, encharcados de óleo, à maneira dos
bêbados, e além disso também umedecidos com um licor de peixe muito
ruim …”. (Deve ter sido o outrora indispensável garum, que, como vimos,
ainda era conhecido e usado na Gália do século VI, mas três séculos depois
havia se tornado repugnante ao paladar ocidental.) Antimo escreve mais
adiante: “O imperador sagrado enviou-me um de seus pratos mais
delicados, um ganso gordo, … ricamente recheado com cebola, alho e alho-
poró, nadando em molho de peixe”. Embora na época da visita de
Luitprand, na maioria das refeições, o imperador e sua corte se sentassem
sem se reclinar, em certas importantes ocasiões cerimoniais as velhas
tradições eram observadas. Uma delas era a grande festa do dia de Natal:
Existe um salão próximo ao Hipódromo que dá para o Norte, maravilhosamente amplo e
bonito, chamado Decanneacubita, a Casa dos Dezenove Divãs. A razão para o nome é óbvia:
deca é “dez” em grego, ennea é “nove”, e cubita são divãs com espaldares curvos. No dia em
que Nosso Senhor Jesus Cristo nasceu, 19 pratos são sempre colocados ali na mesa. Nesta
ocasião o imperador e seus convidados não se sentam à mesa, como normalmente fazem, mas
reclinam-se em divãs; e tudo é servido em vasilhas, não de prata, mas de ouro. Após os
alimentos sólidos são trazidas frutas em três vasilhas de ouro, tão pesadas que não podem ser
carregadas por um homem sozinho; vêm em carros cobertos com panos de cor púrpura. Duas
são postas na mesa da seguinte maneira: de orifícios no teto estão penduradas três cordas
cobertas de couro dourado e com argolas de ouro nas pontas; as argolas são presas nas asas
que se projetam dos vasos, e com quatro a cinco homens puxando de baixo, são elevados para
a mesa com a ajuda de um aparelho móvel no teto (e removidos da mesma maneira).
… Quanto aos vários entretenimentos que ali presenciei, seria uma tarefa demasiadamente
longa descrever a todos, e assim, por enquanto, passarei adiante.62

O mundo de Nero e Trimálquio estava claramente vivo e próspero na


Bizâncio do século X, fato corroborado por um segundo relato de um
prisioneiro de guerra sírio cativo em Bizâncio em 911-12. Ele também dá
uma descrição da festa do imperador no Natal:
Ao levantar uma cortina e entrar no palácio, vê-se um vasto pátio quadrado, com 400 passos
de lado, pavimentado de mármore verde. As paredes são decoradas com vários mosaicos e
pinturas.… À esquerda da entrada há uma sala com 200 passos de comprimento e 50 de
largura. Nessa sala há uma mesa de madeira, uma de mármore e, em frente à porta, uma de
ouro. Após as festividades, quando sai da igreja, o imperador entra ali e senta-se à mesa de
ouro. É isto o que acontece no Natal. Manda buscar os cativos muçulmanos e eles sentam-se a
essas mesas. Quando o imperador se acomoda na mesa de ouro, eles lhe trazem quatro pratos
de ouro, cada um em seu próprio carro.
Um desses pratos, incrustado de pérolas e rubis, dizem que pertenceu a Salomão.… o
segundo, também incrustado, a Davi.… o terceiro, a Alexandre; e o quarto a Constantino. Os
pratos são colocados diante do imperador, e pode-se comer neles. Ali permanecem enquanto o
imperador estiver à mesa: quando ele se levanta, são levados embora. Então, para os
muçulmanos, são colocados muitos pratos quentes e frios nas outras mesas, e o arauto
imperial anuncia: “Juro pela cabeça do imperador que não há porco em nenhum destes
alimentos!” Os pratos, sobre grandes travessas de prata e ouro, são então servidos aos
convidados do imperador.
Eles então trazem um órgão. É um notável objeto de madeira como uma prensa de azeite,
coberto de couro sólido. Nele estão colocados 60 tubos de cobre, … e cada tubo, segundo o
tom e o desempenho do mestre, soa louvores ao imperador. Enquanto isso os convidados
estão sentados às suas mesas, e 20 homens entram com címbalos nas mãos, A música
continua enquanto os convidados aproveitam a refeição.63

De muitas maneiras não estamos muito longe de onde começamos; a


Roma Imperial vivia no Oriente. Mas na Europa Ocidental toda uma nova
civilização estava prestes a surgir.
Freiras jantando num refeitório de convento enquanto uma delas lê ao púlpito. Cena de Beata
umilitas, Pietro Lorenzetti, 1380.
a Sala de refeições com três leitos inclinados dispostos em redor de uma mesa. (N.T.)
b O escanção era o criado encarregado de servir o vinho. (N.T.)
2
Interlúdio: Banquete e Jejum

N o domingo da Trindade de 1180, o monge e estudioso galês Giraldo


Cambrensis, em sua viagem de volta do continente europeu, deteve-se
na grande abadia beneditina de Santo Agostinho em Canterbury, Kent. Na
ocasião foi convidado à mesa do prior e depois escreveu (na terceira
pessoa) um relato vívido da principal refeição do dia no mosteiro:
Ele notou duas coisas: a multidão de pratos e a excessiva superfluidade de sinais que os
monges faziam uns para os outros. Havia o prior, que passava os pratos aos monges que
serviam, e estes, por sua vez, levavam-nos como presentes às mesas mais baixas; e havia
aqueles para quem esses presentes eram dados, que faziam seus agradecimentos, e todos
gesticulavam com dedos, mãos e braços, e assobiavam uns para os outros em vez de falar,
comportando-se de maneira extravagante, com modos mais liberais e frívolos do que
decorosos; de modo que Giraldo parecia estar sentado num palco ou entre atores e bufões.…
E quanto ao número de pratos, devo dizer apenas que muitas vezes ouvi o próprio Giraldo
declarar que 16 ou mais, muito caros, tinham sido postos à mesa em ordem, para não dizer de
modo contrário a toda ordem [isto é, à regra monástica]. Finalmente foram levadas verduras a
todas as mesas, embora pouco provadas. Havia muitos tipos de peixes, assados e cozidos,
recheados e fritos, muitos pratos feitos com ovos e pimenta por hábeis cozinheiros, diversos
temperos e condimentos compostos com a mesma habilidade para estimular a gula e despertar
o apetite. Além disso podia-se ver em meio àquela abundância “vinhos e bebidas fortes”,
hidromel e clarete, mosto e suco de amoras, e tudo que pode embebedar, bebidas tão finas que
a cerveja, tal como é feita na Inglaterra e acima de tudo em Kent, não tinha lugar entre elas.1

Neste relato estamos a seis séculos da Gália de Sidônio Apolinário, bem


no período em geral conhecido como Baixa Idade Média. A chamada Idade
das Trevas, que se estende dos séculos V ao IX, já passara havia muito, e a
Alta Idade Média ainda estava por chegar. Mas, em termos da história da
mesa, todo esse período que vai da queda do Império Romano até o século
XIV é em grande parte um mistério, um imenso hiato nos registros. É isso
que dá importância tão extraordinária ao testemunho ocular de Giraldo a
respeito de um jantar na segunda maior abadia beneditina da Europa.
Ele falava de um novo tipo de refeição comunitária. Aí estavam monges
cristãos reunidos num refeitório, não mais reclinados, porém sentados.
Haviam se estabelecido novos padrões de comportamento; a despeito de
Giraldo pintar o que claramente considerava um quadro de decadência, as
normas são perceptíveis sob a primeira camada de tinta. Essa refeição
deveria certamente ser feita em silêncio, enquanto um monge lia alto
palavras enaltecedoras. Tal prática havia sido contornada pela exploração
ultrajante de uma linguagem de sinais e assovios. A refeição também
deveria ser frugal. Porém na verdade estava longe disso, dada a abundância
de pratos, o que realça o fato de que as habilidades culinárias da
Antigüidade clássica não haviam sido totalmente perdidas. Apenas peixes e
vegetais eram servidos — a carne de quadrúpedes estava proibida —, mas
isso aparentemente não desencorajava a preparação pelos cozinheiros de um
repertório de finos pratos de frutos do mar. Pela descrição de Giraldo
percebemos que o prior sentava-se em separado, portanto podemos supor
que os lugares eram hierarquizados.
Giraldo nos conta uma segunda anedota para melhor demonstrar a falta
de disciplina em que a ordem havia mergulhado. Dessa vez envolvia os
monges de St. Swithun, em Winchester. Eles haviam se prostrado diante de
Henrique II, relata Giraldo, queixando-se de que o abade, que era também o
bispo, os havia privado de três pratos. “E quando o rei perguntou quantos
pratos haviam sido deixados, eles responderam ‘dez’. ‘E eu’, disse o rei,
‘estou contente em minha corte com três. Que seu bispo pereça, se não
reduzir seus pratos a três.’”2 Os monges, que não parecem ter se intimidado
com essa explosão da raiva do Plantageneta, defenderam-se dizendo que
todos aqueles pratos tornavam-se necessários porque na verdade eram
distribuídos como esmola entre os necessitados.
“O que teria Paulo, o Ermitão, a dizer sobre isso?”, pergunta Giraldo. “E
Antônio, e Bento, o pai e o fundador da vida monástica?”. No entanto a
refeição em comum num refeitório de monges era, em seu original formato
austero, uma das duas experiências arquetípicas de jantar naqueles séculos
obscuros. A outra era o festejo profano, muito diferente do convivium
romano. Ambas constituíam expressões quintessenciais das duas grandes
forças que formavam a civilização ocidental durante aqueles séculos: as
instituições da cristandade e as tradições das tribos que despedaçaram e
substituíram o Império Romano. Pela primeira vez temos duas visões
conflitantes sobre a mesa: a sagrada, no refeitório, cujo propósito era menos
alimentar o corpo do que o espírito, e a profana, nos salões, centrada na
demonstração de poder.
Durante aqueles séculos, as duas abordagens seguiram mais ou menos
atreladas, mas apenas uma delas tinha verdadeiro potencial de
desenvolvimento. A mesa monástica era em essência um fenômeno estático
e imutável, limitado por regras exatas que, embora infringidas de vez em
quando, mais cedo ou mais tarde se reafirmavam. Em contraste, a mesa
profana tinha um potencial quase ilimitado como veículo de exibição de
pompa, poder e magnificência. Tudo isso seria realizado até mesmo entre as
tribos bárbaras, embora se passassem sete séculos antes que reaparecesse
algo remotamente parecido com os excessos descritos por Petrônio.

CULINÁRIA: OS SÉCULOS SILENCIOSOS


Existem poucos livros de receitas entre os de Apício e os do século XIV,
mas a descrição de Giraldo do jantar em Santo Agostinho mostra que no
final do século XII estavam em ação cozinheiros treinados, capazes de
produzir pratos interessantes. Eles trabalhavam com a tradição oral, pois é
claro que as primeiras coleções de receitas, o Viandier de Taillevent e Le
ménagier de Paris, aos quais voltarei no próximo capítulo, apresentam
receitas que remontam a um tempo bem distante.
Aqueles séculos obscuros viveram mudanças nos hábitos alimentares
que afetam profundamente a história da mesa.3 A cultura bárbara não se
baseava como a romana na agricultura, mas na exploração de recursos
naturais — gado criado solto e caça. A trindade mediterrânea de pão, óleo e
vinho tinha sua contrapartida bárbara em carne, leite e manteiga. No
entanto, a longo prazo, o colapso do Império Romano e a ascensão dos
reinos bárbaros resultaram não tanto num confronto culinário, mas numa
síntese. A passagem para alimentos derivados de florestas, pastos, riachos,
lagos e rios era compensada pelo fascínio bárbaro diante das tradições
romanas que sobreviveram nos territórios conquistados. Tal fascínio seria
reforçado pela progressiva conversão ao cristianismo, uma fé enraizada na
tradição clássica, com pão, óleo e vinho utilizados em seus sacramentos
mais importantes — acima de tudo a reencenação da Última Ceia na missa.
Ao mesmo tempo, a comida tornou-se cada vez mais ligada à
hierarquia.4 Tal diferenciação já existia na Antigüidade, mas iria continuar e
até mesmo aumentar à medida que a sociedade feudal gradualmente
assumia sua estrutura piramidal. A ciência dietética exposta por Antimo já
havia recomendado a carne, produto básico da dieta bárbara, como
essencial para a força física. E esta era a força que preocupava diretamente
a nova nobreza feudal, cujo papel na sociedade limitava-se a lutar e caçar
como um treinamento para a guerra. Inevitavelmente, portanto, a carne,
sendo a fonte das proezas físicas, passou a ser encarada como um atributo
de poder e comando. Nesse contexto devemos colocar, por exemplo, o
elogio a Henrique I da Inglaterra como “grande devorador de carne”. Da
mesma forma, a interdição de carne para malfeitores de alta estirpe no
período carolíngeo enfatizava seu significado como fonte de força e poder
aristocráticos. Essa equação entre carne e poder explica também as
quantidades imensamente pródigas consumidas pelas classes dominantes.
Comer bastante era literalmente um sinal de verdadeira nobreza.
A divisão entre uma classe alta que comia carne e uma classe de
camponeses a quem a carne era negada tornou-se ainda mais marcante nos
séculos X e XI, quando os proprietários de terras conquistaram novos
poderes administrativos e judiciais. Eles usaram essas prerrogativas para
promulgar legislações que excluíam cada vez mais as classes camponesas
de qualquer acesso à carne selvagem, por meio da imposição de leis
restritivas de caça. À medida que passava o tempo, as economias auto-
suficientes dos séculos IX e X davam lugar a uma economia orientada para
o mercado, com o cultivo de terras voltado para a oferta de alimentos a um
número cada vez maior de moradores das cidades. Assim, no período
aproximadamente entre 1050 e 1280, a dieta real e aristocrática tornou-se
firmemente baseada em carne de boi e aves domésticas. A carne era cozida
com temperos, ervas aromáticas e outros condimentos para tornar-se macia
e saborosa. Era também feita na brasa, frita e acima de tudo assada no
espeto. A bebida das classes altas eram o vinho e seus derivados.
A mais antiga evidência do surgimento de uma culinária sofisticada
ocorreu no século XIII.5 As rotas de comércio pelo Mediterrâneo ficaram
mais uma vez ativas. As Cruzadas haviam feito contato direto com a
culinária do islã. No século VIII os árabes estavam estabelecidos na Sicília,
e no século IX tinham um pé no sul da Itália. Além disso ocupavam a maior
parte da península Ibérica. Eles não apenas tinham sua própria cozinha
altamente elaborada, com uso abundante de especiarias, como também
serviam de transmissores, por meio dos escritos do filósofo árabe Avicena
(Ibn Sina), do final do século X, das tradições médicas e dietéticas greco-
romanas de Galeno e Hipócrates. Nessas tradições, açúcar, pimenta e
açafrão eram tidos como possuidores de virtudes médicas fundamentais,
dando alívio à melancolia e outros males. Um dos mais curtos tratados de
Avicena, De viribus cordis (Poderes do coração), por exemplo, prescrevia
cordiais exóticos para fortalecer o coração e gerar alimento para o spiritus,
evitando assim a melancolia. Nesses cordiais entravam não apenas pimenta,
romã, água de rosas, gema de ovo, açafrão, sândalo, casca de limão e vinho,
mas também ouro, prata, pedras preciosas, corais, pérolas e até mesmo
seda. O açúcar era particularmente louvado por seus efeitos salutares, um
prenúncio de muito do que estava por vir.
Tais considerações precipitaram uma revolução culinária com base
apenas na saúde. Outra influência era a vinculação entre alimentos,
alquimia e magia astral. Segundo um tratado árabe do século XII, Picatrix,
cada substância terrestre estava ligada a alguma divindade planetária. Esses
princípios e crenças criaram o cenário para a comida de cores brilhantes e
docemente aromática que encontramos nos primeiros livros de receitas
surgidos no século XIV.

A MESA CRISTÃ E O NASCIMENTO DAS BOAS


MANEIRAS
Embora os alimentos estivessem intimamente conectados à crença religiosa
nas culturas grega e romana, em caso algum a religião tentou controlar
quando e o que as pessoas comiam. Do tempo de Homero até a supressão
cristã do sacrifício pagão no final do Império, o papel da comida na
adoração e nos festejos a ela associados permaneceu basicamente o mesmo:
o sacrifício solene de um animal, seguido pela divisão da carne, com uma
porção para a divindade colocada no altar e o resto partilhado igualmente,
cozido e consumido numa festa — na qual se considerava a divindade
presente como convidada de honra. Com a conversão do imperador
Constantino em 312, quando o cristianismo tornou-se a religião oficial do
Império Romano, tudo isso foi condenado a mudar.
O cristianismo herdou da tradição judaica a prática de regular o que e
quando as pessoas comiam.6 Juntamente com o sexo, a comida tornou-se
sujeita a regras determinadas por Deus e, portanto, uma questão de conduta
ética. Mas isso evoluiu ao longo do tempo. Os evangelhos, bem como as
epístolas paulinas, não demonstram qualquer preocupação especial com a
comida. Sua abordagem é natural e casual, encoraja o bem-estar entre os
convivas, considerando as numerosas ocasiões para comerem juntos como
meio de engendrar o sentimento de irmandade e convivência. Embora o
jejum tivesse lugar tanto na tradição religiosa greco-romana como na
judaica, não havia qualquer tentativa no cristianismo primitivo de promovê-
lo, visto apenas como um piedoso suplemento à oração. A mais antiga
evidência de exortação aos cristãos para que jejuassem aparece no final do
século II e no começo do século III. Nesse caso o jejum era um “martírio”
auto-imposto durante um período de perseguição. Seu desenvolvimento
como sinal de santidade decorre tanto da tradição judaica quanto dos
escritos dos filósofos pagãos, defensores da temperança e da austeridade
sexual. Envolvia também um certo repúdio ao culto professado na
Antigüidade pelo corpo saudável, forte e bonito, o que poderia ser em parte
conseguido pela observação cuidadosa de certas regras dietéticas.
Tertuliano, pai da Igreja Africana, que viveu no final do século II e começo
do III, colocava o jejum como uma das marcas de uma elite cristã, prática
que destacava os eleitos. O efeito a longo prazo dessa prática foi uma forma
de ascetismo cristão no qual a fome voluntária se transformou num aspecto
do caminho para a perfeição.
No século VI, o ato de comer era visto como uma tentação que levava ao
pecado da gula. Aos poucos, sob a égide da Igreja Católica, o jejum
sistematizou-se. Na Igreja ocidental, quartas-feiras e sextas-feiras tornaram-
se dias de jejum, que também precedia o batismo e acompanhava qualquer
penitência prolongada. Inicialmente praticado apenas da Sexta-Feira Santa à
manhã da Páscoa, estendeu-se de início por toda a Semana Santa, e depois,
no século IV, pelos 40 dias que vieram a ser chamados de Quaresma. Para
os leigos, jejuar não significava uma redução global da quantidade de
comida, mas sim uma total abstinência de carne, aqui apresentada em seu
papel de símbolo de violência, morte e todas as formas de corporeidade e
sexualidade. Outra conseqüência dessa atitude com relação à carne foi o
desenvolvimento — como já vimos na abadia de Santo Agostinho — de
uma culinária não-carnívora, similar em todos os aspectos à culinária
baseada na carne.
O documento determinante da dieta nas instituições religiosas cristãs é a
Regra de São Bento (480-543), que dominou o monasticismo ocidental do
século IX ao XII.7 Este é um documento notável, inclusive pelas
informações que contém a respeito das refeições e de como os monges
nelas deveriam se comportar. Na Regra XLIII testemunhamos a
circunscrição que guiava um monge à mesa:
Aquele que não vier à mesa antes do verso [ou seja, das Graças], de modo que todos possam
dizê-lo, que possam rezar juntos e sentar-se à mesa ao mesmo tempo, deve ser corrigido uma
ou duas vezes, se isso decorrer de sua própria falta ou de um mau hábito. Se ele, após isto,
não se emendar, não lhe será permitido partilhar a mesa comum; deve ser separado da
companhia e de todo o resto e comer sozinho. Até ele dar satisfação e consertar seus modos,
sua porção de vinho deve ser retirada.

O que temos aqui é a construção das boas maneiras à mesa. A Regra


definia um certo número de coisas permitidas e proibidas. O monge não
devia ser um “bebedor de vinho” nem “um grande comedor”. Cabia que
fizesse as refeições em silêncio para ouvir o que estava sendo lido, e
aqueles que se encarregavam da mesa deviam cuidar para que nada faltasse
a cada monge; se precisasse se comunicar, que fosse apenas por sinais.
Deveriam ser servidas duas refeições por dia: “Em todas as estações do ano
haverá dois pratos cozidos, de modo que aquele que não puder comer um,
possa fazer a refeição com o outro.… se houver frutas ou vegetais frescos,
podem ser acrescentados como terceiro prato.” Cada monge tinha uma
ração diária de meio quilo de pão e um quartilho de vinho. Todos, exceto os
fracos e doentes, deveriam abster-se totalmente da carne de quadrúpedes.
Da Páscoa ao Pentecostes, a primeira refeição deveria ser servida na sexta
hora (a contar do nascer do sol), portanto, cerca de meio-dia; a segunda, a
ceia, pouco antes do cair da noite, pois não se deveriam acender velas. De
13 de setembro até a Quaresma a refeição principal era feita na nona hora
após o nascer do sol, e da Quaresma até a Páscoa, ao anoitecer.
Os registros monásticos são os únicos relatos detalhados sobre a comida
e a mesa nesses séculos. De certa forma vemos o mosteiro continuar o que a
vila interrompera. O famoso projeto de um complexo ideal em Santo Galo,
de cerca de 820, assemelha-se ao de uma vila antiga, com o pátio interno
confinando com a igreja e os lados acomodando uma adega, armazéns de
alimentos, padaria, cozinha e refeitório. Mais adiante passou a haver uma
série de outras edificações necessárias para o sustento dos monges e as
atividades agrícolas de que dependiam. Esse arranjo foi adotado nos
mosteiros carolíngios durante os séculos VIII e IX. Chama a atenção o fato
de que o mosteiro preservou, na Idade Média e na Idade das Trevas, uma
característica que só deveria reaparecer com a vila renascentista: uma sala
usada apenas para as refeições.8
De muitas maneiras o grande mosteiro beneditino de Cluny, na
Borgonha, sob o comando de Odilo (abade de 994 a 1048), assemelhava-se
a uma casa aristocrática. Isso não é de surpreender, já que a ordem
reformada de Cluny buscava muitos de seus monges entre a nobreza.9
Embora o abade vivesse, dormisse e jantasse com seus irmãos, fazia jus a
um grau de deferência suficientemente grande para afetar o ritual básico do
refeitório. Com duas velas acesas à sua frente, comia sozinho e era servido
de pratos mais sofisticados e vinho de melhor qualidade. As refeições em
Cluny eram ocasiões cerimoniais. Os monges lavavam-se quando entravam
no refeitório e sentavam-se segundo uma ordem prescrita. As toalhas de
mesa eram trocadas quinzenalmente, e diante de cada monge colocavam-se
uma faca e uma fatia de pão. As terrinas que vinham da cozinha continham
uma porção para dois, assim como o vinho trazido da adega. Ninguém
começava a comer antes de dizer as graças e de o abade dar o sinal.
Tratava-se de uma refeição como forma de comunhão espiritual, com a
mente elevada pelo texto lido em voz alta, longe de qualquer consideração
sobre o que estava sendo comido. Deferência, cortesia e consideração pelos
companheiros, atributos essenciais para a evolução das boas maneiras à
mesa, já estavam na verdade presentes no refeitório de Cluny.
Abade jantando. Diante dele, peixe, pão, uma faca, uma jarra de vinho e
um copo. Detalhe de A ceia de são Guido, 1318.
A abadia de Fountains, no remoto vale do rio Skell, em Yorkshire, era
uma casa cisterciense construída ao final do século XII.10 Os cistercienses
eram uma ordem reformada e viviam sob uma interpretação estrita da Regra
beneditina; uma seção desta, intitulada De refectione, nos dá informações
detalhadas sobre a comida e seu consumo. O refeitório ficava na ala sul do
claustro, com a imponente entrada flanqueada por uma série de arcos cegos
abrigando bacias ou pias de estanho, onde os monges lavavam as mãos
antes de comer. O refeitório era amplo, com duas alas dominadas pelo
pulpitum, o balcão de pedra para o leitor. Havia cinco mesas compridas,
com pés de pedra e tampos de madeira, uma encostada na parede sul e duas
de cada lado. Todas eram colocadas sobre plataformas, sendo a mesa do sul
mais elevada que as outras quatro. As paredes eram caiadas de branco e
pintadas com uma imitação de pedra, e nas largas janelas havia vitrais não-
figurativos. A arrumação em ferradura, com os comensais voltados para
uma arena central, viria a ser o formato consagrado da festa medieval
secular.
Tocava-se um sino para chamar à refeição. Os monges juntavam-se,
lavavam as mãos e entravam no refeitório, curvavam-se na direção da mesa
alta e tomavam seus lugares em ordem de precedência, ficando de pé diante
das mesas. O prior então entrava, dirigia-se à mesa alta e curvava-se antes
de chegar a ela; tocava-se um sino e recitavam-se orações e um salmo,
seguidos pelas graças. Todos se sentavam. Diante de cada monge havia uma
faca, um copo e um pedaço de pão coberto por um pano. Dependendo do
desejo do abade, a comida poderia já estar na mesa ou ser trazida nesse
momento. A leitura começava, e a refeição se fazia em total silêncio. O
serviço era simples, já que os monges se sentavam de costas para a parede,
deixando livre a frente da mesa. Ninguém começava a comer antes do sinal
dado pelo prior. A etiqueta era rígida, e qualquer infração obrigava o monge
culpado a prostrar-se no degrau da mesa alta até que o prior batesse com a
faca, permitindo que ele ficasse de pé. Os copos eram seguros com as duas
mãos e não deviam ser limpos com os dedos, mas com um pano. Os dedos e
a faca deveriam ser limpos antes com um pedaço de pão, depois esfregados
na toalha de mesa; pegava-se sal com a ponta da faca; nada deveria ser
passado ao monge vizinho sem uma mútua e respeitosa inclinação de
cabeça. Os pratos eram retirados segundo uma estrita ordem de
precedência, e assinalava-se o fim da refeição com um toque de sino que
dava a todos permissão para se erguer. Havia um segundo toque de sino, e
então, com o chantre cantando, os monges seguiam ordenadamente em
direção à igreja, os mais jovens primeiro. No cerimonial coreografado e
ordenado das refeições monásticas podemos ver muito do que o mundo
profano iria tomar emprestado e desenvolver.
Por volta de 1300, a arte ocidental começou a figurar o mundo natural
com observação precisa; conseqüentemente, temos representações de
monges e freiras à mesa. Possuímos também a longa série de pinturas da
Última Ceia que começavam a adornar, sob a forma de afrescos, as paredes
dos refeitórios, conjunto que iria culminar no afresco de Leonardo da Vinci,
em Santa Maria delle Grazie, em Milão. A cena que apresentam é imutável.
Como o refeitório só era usado para comer, as mesas eram permanentes,
não sendo necessários os cavaletes removíveis. Sobre cada uma delas havia
uma toalha branca adornada com naturezas-mortas esparsas: fatias de pão,
pequenos pratos para sal, jarros cheios de vinho, vasilhas para beber, facas,
um ou mais pratos grandes com peixe e fatias de pão. Se transportarmos o
evento alguns séculos para frente ou para trás, teremos um quadro similar.
O mesmo, no entanto, não aconteceria com a mesa secular, que iria tomar
um rumo muito diferente.
O BANQUETE COMO PODER
O cristianismo afetou a mesa profana de outra maneira. A Bíblia oferece
uma grande quantidade de exemplos, das bodas de Caná ao milagre dos
peixes, em que comer em conjunto constitui uma profunda expressão de
amor, comunhão e companheirismo.11 Esses textos sancionam a tradição
bárbara de celebrar qualquer grande acontecimento — um tratado de paz,
um casamento — com uma festa. Durante a Idade das Trevas, em resposta
aos ritos tribais dos bárbaros, o convivium romano gradualmente mudou sua
forma até emergir como o apogeu da cerimônia medieval.

A Última Ceia era muitas vezes pintada nas paredes dos refeitórios. Esta é de Domenico
Ghirlandaio, datada de 1480; encontra-se no refeitório da igreja dos Umiliati, em Florença.

A Última Ceia, com o Cristo no tradicional lugar de honra romano no stibadium, à esquerda.
Mosaico, século VI.
Tanto na literatura nórdica como na anglo-saxônica da Idade das Trevas,
o salão de festas era o coração da sociedade, o lugar onde se celebravam as
vitórias comunitariamente e formavam os laços sociais.12Os anglo-saxões
tinham um extenso vocabulário de termos para designar o salão de festas e
seu mobiliário. O senhor [lorde] era hlaford (guardião do pão), e seus
dependentes hlafaeta (comedores de pão). Nem o pão nem qualquer outra
forma de alimento, é preciso que se diga desde logo, constituía o foco
central da festa. O propósito principal do festejo bárbaro era a embriaguez,
daí as expressões beorsele (sala da cerveja), ealusele (sala da ale) e winsele
(sala do vinho). O dever fundamental do rei e da rainha, ou do senhor e da
senhora, era fornecer bebida. A sala, para os anglo-saxões, era o cenário em
que se forjavam os vínculos entre um senhor e seus seguidores, por meio da
distribuição de bebidas, presentes e compromissos. Também deveria ser,
por alguns séculos, um espaço compartilhado para uma vida comunitária
mais ou menos primitiva, muito distante dos requintes de uma típica vila
romana das classes altas, com salas dedicadas a atividades específicas,
como comer. Simultaneamente, como sabemos pelo grande épico Beowulf,
essas reuniões festejadas no salão eram ocasião para se ouvir música e
poesia, celebrando os feitos dos heróis.
A bebida também estava no centro dos festejos vikings.13 Em suas sagas,
os relatos de banquetes jamais descrevem a comida, apenas a bebida.
Oferecer bebida sempre foi uma parte integrante do sacrifício no paganismo
escandinavo. Mesmo após a conversão dos vikings ao cristianismo, o
objetivo de qualquer banquete continuava sendo embriagar-se. Em tais
ocasiões, a bebida era servida logo que anfitrião e convidados tomavam
lugar à mesa. O anfitrião iniciava a refeição com um brinde que nos tempos
pré-cristãos seria uma libação aos deuses pagãos, mas que sob a nova
religião era uma homenagem a Cristo, à Virgem e aos santos. Uma vez
ofertada, a bebida não podia ser recusada; qualquer homem que valesse
alguma coisa deveria ser capaz de beber um oceano. Além disso esperava-
se que os convidados respondessem a tais brindes com um pequeno
recitativo ou com estrofes poéticas. A mesa era redonda, com todos
voltados para o interior, e o chifre de onde se bebia passava de mão em
mão.
Uma grande diferença ocorrida durante aqueles séculos foi a mudança de
posição na mesa, de reclinada para sentada.14 É possível datar essa
transformação com referência às pinturas da Última Ceia. Num mosaico do
século VI em São Apolinário Novo, Ravena, o stibadium ainda está firme
no lugar — Cristo senta-se no lugar de honra, e os apóstolos estão
reclinados num círculo em torno da mesa e de um prato contendo dois
grandes peixes. No entanto, já no século IV, Martinho, bispo de Tours,
lembrava um banquete imperial em que o sacerdote estava reclinado e seus
superiores sentados retos, invertendo a prática romana. A nova preferência
por sentar à mesa provavelmente tinha alguma conexão com as cerimônias
de investidura, nas quais o sucessor, rei, senhor ou chefe era
cerimonialmente colocado em algum tipo de cadeira ou trono de espaldar
reto no salão de festas. Com a cristianização, esse rito foi transferido para a
igreja e, acrescentando-se a unção e a entronização, tornou-se uma
coroação. Decerto no período carolíngio a imagem de um monarca sentado
ereto num trono tornou-se símbolo de seu governo. Inevitavelmente sentar e
exercer poder tornaram-se práticas inextricavelmente ligadas.

Sobrevivência da mesa curva da Antigüidade no final do século XII. Iluminura de uma Vida de Cristo
francesa.

Um banquete tal como aparece na tapeçaria de Bayeux, do século XI. Um servo ajoelha-se
oferecendo água e uma toalha para as abluções do bispo Odo e de Guilherme, o Conquistador,
sentados à mesa redonda.

Se a posição do comensal mudou, o mesmo aconteceu com o formato da


mesa, embora com esta o processo tenha sido mais lento. A mesa redonda
ainda pode ser vista na tapeçaria de Bayeux do final do século XI. O bispo
Odo, levantando a mão numa bênção, está dando graças, enquanto um servo
se ajoelha do outro lado da mesa, com uma toalha nas mãos, ofertando água
para as abluções. A mesa redonda ainda está lá — numa iluminura francesa
sobre a Última Ceia do final do século XII, por exemplo —, mas já era
excepcional. Por volta de 1100 a mesa retangular tornou-se universal. Uma
miniatura datada de algum momento entre os anos 1285 e 1291 mostra o
arranjo que, seguindo o costume do refeitório monástico, viria a ser a norma
na festa medieval: uma longa mesa sobre cavaletes atrás da qual os
convidados sentam-se num banco. As vantagens da mesa sobre os cavaletes
eram óbvias — podia ser armada ou desmontada e guardada com facilidade,
deixando lugar para outras atividades no grande salão, que era o centro da
vida cortesã medieval.
Outra mudança aconteceu por volta de 1300 e refere-se ao lugar de
honra.15 Na Antigüidade essa posição no stibadium era inicialmente no
centro, mas ao final do período imperial deslocou-se para a extremidade
esquerda do divã, como no mosaico de São Apolinário Novo. As
representações medievais de cenas de festa oscilam entre as duas posições.
Em As bodas de Caná, de Duccio, pintada no começo do século XIV, o
Cristo e a Virgem estão sentados à esquerda, de acordo com a prática
antiga. Já na Última Ceia o Cristo está no centro. Ambas as posições
manteriam sua dignidade até o século XVI, e isso só foi resolvido quando o
centro finalmente venceu, com a adoção universal da perspectiva como
meio de ordenar o espaço.

O advento da mesa retangular sobre cavaletes. Iluminura numa romança francesa.


O lugar de honra, à esquerda, transferido do stibadium da Antigüidade para a mesa medieval,
retangular e sobre cavaletes. As bodas de Caná, por Duccio di Buoninsegna, 1308-11.

Os padrões estabelecidos na corte carolíngia dos séculos VIII e IX iriam


determinar a maneira medieval de comer. Carlos Magno criou a primeira
grande concentração de poder na Europa Ocidental desde a queda do
Império Romano, impondo estilos comuns de pensamento e comportamento
na maior parte da Europa continental. Na era carolíngia, três atividades
eram tidas como capazes de unir um rei e seus nobres: a adoração cristã
conjunta, a caça e a festa. Desta forma, o banquete tornou-se um dos
principais meios pelos quais reis e nobres mantinham e expressavam seus
laços feudais. Em lugar nenhum isso é melhor demonstrado que na
evolução do banquete de coroação.16 Nas duas grandes festas realizadas
para as coroações de membros da dinastia otoniana, em 936 e 986, os
duques germânicos assumiram o papel de copeiro, mordomo e mestre-de-
cerimônias, dando uma demonstração explícita de que a mais alta expressão
de vassalagem feudal era assumir o papel de servo do imperador em sua
festa de posse. Tais funções seriam desempenhadas muitas vezes em
coroações imperiais e reais por toda a Europa. Não se tratava de algo que se
aceitasse prontamente. Quando em 1290 Alberto I da Áustria convocou
Venceslau, rei da Boêmia, para servir como seu copeiro cerimonial como
reconhecimento público à posição superior de Alberto, Venceslau a
princípio recusou. Mais tarde, na companhia de mil de seus cavaleiros,
desempenhou o papel — a cavalo!
Lugar de honra no centro da mesa. Última Ceia, de Duccio di Buoninsegna, 1308-11.

São tão raras as descrições detalhadas dos hábitos alimentares nesses


séculos que vale a pena citar o biógrafo de Carlos Magno, Einhard, a
respeito dos hábitos do imperador:
Ele era moderado no comer e no beber, mas especialmente no beber; pois tinha um ódio
feroz à embriaguez em qualquer homem, especialmente em si mesmo e seus amigos. Não
conseguia abster-se tão facilmente da comida e costumava se queixar de que os jejuns eram
prejudiciais à sua saúde. Raramente dava grandes banquetes, apenas nos importantes festivais,
mas então convidava um grande número de pessoas. Suas refeições diárias constavam de
apenas quatro pratos, afora o assado, que os caçadores costumavam trazer em espetos e que
ele comia com mais prazer que qualquer outra coisa. Durante a refeição havia cantos ou
leituras. Eram lidas histórias dos grandes feitos de homens de antigamente. Também se
deliciava com os livros de santo Agostinho, sobretudo aquele intitulado Cidade de Deus. Era
tão moderado que raramente bebia mais de três vezes durante o jantar.17

Nessa narrativa parece que estamos presenciando uma síntese cultural:


leitura durante as refeições, como num refeitório monástico e na
Antigüidade clássica, e canções ou histórias de feitos heróicos, como nas
sagas cantadas nas festas bárbaras.
A dinastia carolíngia multiplicou os dias de festa nos mosteiros e
catedrais em homenagem aos membros da família reinante.18 Menção
alguma a festas no sentido de consumo lascivo de comida e bebida ocorria
na Regra de São Bento, mas uma corrente contínua de decretos reais da
metade do século VIII à metade do século X registra uma longa série de tais
festas em memória aos membros da dinastia. Às festas da Igreja, como
Natal e Páscoa, agregaram-se a comemoração de um abade importante e os
aniversários de membros da família real. Cinco gerações de imperadores e
reis acumularam dias de festa com tamanho zelo que, no caso de um grande
mosteiro, como Saint-Denis, havia 88 no total. Comemorações desse tipo
constituíam uma tradição originada do costume germânico pré-cristão e
transferida para a nova estrutura cristã. Seriam eliminadas na maré da
reforma monástica emanada de Cluny no século X. Mais notável é a
premissa subjacente a esses banquetes de monges: festejar sob a égide do
rei significava a vitória dos exércitos reais e o bem do reino. Assim, o
estômago cheio do monge tornou-se uma forma de oração.
Por todos os séculos XI e XII a festa foi parte essencial da tessitura
social, um importante evento culinário periódico que celebrava a relação
entre um senhor e seus vassalos — e o poder que esta relação engendrava.
Mas à medida que o século XII dava lugar ao XIII, aconteceu uma mudança
de ambiente. A embriaguez deixou de ser o principal objetivo das reuniões.
Pressentimos os primeiros movimentos da cortesia que iria transformar um
ritual de dependência feudal em manifestação de amizade. A estrutura
senhorial que havia começado sua existência na corte carolíngia encontrava
imitadores em toda a classe aristocrática. Na corte de Carlos Magno havia
três grandes oficiais: o senescal-mor, o mordomo-mor e o camarista-mor.
Os dois primeiros serviam no salão, o terceiro, nos aposentos privados. Tais
arranjos obviamente afetavam a maneira pela qual as refeições eram
organizadas; existem documentos que tornam possível, em duas instâncias,
acompanhar até que ponto eles haviam evoluído no século XIII. O primeiro
descreve a prática na casa do conde de Hainault, em 1210; o segundo
consiste num conjunto de regras estabelecidas por Robert Grosseteste, bispo
de Lincoln, para a viúva do conde de Lincoln, compiladas em 1240 ou
1241.
O conde de Hainault, assim como todos os outros aristocratas, movia-se
entre várias residências — no seu caso, três. Em cada uma delas era servido
no salão por um senescal e um mordomo, e nos seus aposentos particulares,
por um camarista.19 Subordinados ao senescal havia um comprador de
alimentos; três cozinheiros; um zelador, que tomava conta do fogo na
cozinha e no salão; um cuteleiro, encarregado do sal e da cutelaria; um
mordomo, com uma equipe que cuidava do vinho; e um pasteleiro que, com
uma equipe de quatro ajudantes, produzia o pão necessário para cada
refeição. Comer era um ato solene, em que toda a casa tomava parte. Um
camarista subordinado cuidava das velas e também providenciava a água e
as toalhas para as abluções do conde e da condessa antes de todas as
refeições. Esse camarista também trazia água para os clérigos e cavaleiros
que compunham os escalões superiores da hierarquia doméstica. Velas
enfiadas em fatias de pão iluminavam a mesa alta, servida por cavaleiros,
onde se sentavam o conde e a condessa. O senescal acomodava-se próximo
a eles e escolhia o pão salgado a ser comido com a carne.
Os arranjos não eram muito diferentes no caso da condessa de Lincoln, a
julgar pelos conselhos dados por Grosseteste sobre como conduzir sua
casa.20 Eles mostram que as refeições se tornaram acontecimentos cada vez
mais ritualizados, lembrando os atuais jantares nos colleges ingleses.
“Ordenai a vossos cavaleiros e a todos os gentis-homens que usam vossa
libré que a mesma libré que usam a cada dia, especialmente nas refeições e
em vossa presença, seja envergada com honra”, começa ele de maneira um
tanto imponente. Homens livres e convidados não deveriam se espalhar em
grupos inconstantes em qualquer lugar, porém sentar-se juntos. Os criados
deveriam entrar e sair en masse. “E quanto a vós”, continua ele, “devei
sempre sentar no meio da mesa alta, de modo que vossa presença como
senhor ou senhora apareça abertamente a todos e que vós possais ver
facilmente de ambos os lados todo o serviço e todas as falhas.” A condessa
— que parecia uma irritada diretora de escola falando com meninas
desordeiras — deveria ter dois vigias colocados no corpo principal do salão,
responsáveis pela boa ordem local. O resultado: “Sereis muito temida e
reverenciada.”
O serviço no salão ficava sob a supervisão de um mestre-de-cerimônias,
e os servos carregavam os alimentos da cozinha em procissão, seguidos
pelo senescal. A comida era levada primeiro para a mesa alta e depois para
o corpo principal do salão. A cada dia, no jantar, deveriam ser servidos dois
tipos de carne “abundantes e plenas, para fazer crescer as esmolas” (o que
não era consumido seria distribuído entre os pobres), e dois pratos mais
leves para todos os homens livres presentes. Na ceia havia um prato
substancial, juntamente com outros mais leves, seguidos por queijos.
Grosseteste insiste no papel crucial desempenhado pela refeição pública,
muitas vezes encenada para manter a harmonia e a ordem da casa: “Tantas
vezes quantas forem permitidas pela doença ou fadiga, obrigai-vos a comer
diante de vossa gente, pois isto trar-vos-á grande benefício e honra.” O fato
de enfatizar tanto a questão da presença da condessa sugere fortemente que
os senhores e senhoras deviam estar se retirando para fazer as refeições em
seus próprios aposentos.
À medida que a encenação e a estrutura das refeições medievais profanas
tomavam forma, as maneiras à mesa começaram a aparecer.21 As raízes do
bom comportamento à mesa estavam, como vimos, no refeitório monacal,
mas seu surgimento no mundo profano muito deveu à tradição cortesã. Esta
compreendia uma série de ideais baseados na religião, incluindo o
cavalheirismo e sua expressão em termos de amor cortês, benevolência,
gentileza e alegria de disposição. No século XII deve ter existido algum tipo
de etiqueta, mas até que alguém colocasse as regras no papel não tínhamos
qualquer maneira de conhecê-las. No entanto, o fato de terem sido escritas
demonstra sua importância e a demanda por tais orientações. O mais antigo
tratado sobre as maneiras à mesa data de cerca de 1215 e é chamado Der
Wälsche Gast (O convidado italiano). Tem a forma de um poema didático
com cerca de 15 mil linhas, da autoria de Tomasino de Zerclaere
(Tommasino di Circlaria), um italiano de Trieste que escreveu para os
germânicos. Sobrevivem muitos manuscritos desse tipo redigidos nos anos
seguintes, testemunhando a demanda por eles.
Tomasino dirige-se a jovens cavalheiros, e em seus versos vemos a fonte
de uma tradição que percorre os séculos até nossa época:
Quando ele começa a comer,
Com a mão nada toca
além da comida: isto é fazer bem as coisas.
Não se deve comer o pão
Antes de serem trazidos os primeiros pratos.
O homem deve ter muito cuidado
De não pôr [comida]
Nos dois lados da boca.
Neste momento deve ficar em guarda
Para não beber ou falar
Enquanto tiver alguma coisa na boca.
Aqueles que se viram com o copo para os companheiros,
Como se estivessem prestes a entregá-lo,
Antes de afastá-lo dos lábios,
Que balançam o vinho de dentro,
Que, bebendo, olham sobre o copo
[Fazem o que] não é adequado a homens corteses.22

E assim vai. Mas Tomasino não foi o único. Outro autor, desta vez de
meados do século XIII, também apresenta regras em seu tratado sobre
Courtly Breeding. O que Tannhäuser escreve lança alguma luz sobre o que
o novo comportamento cortês pretendia substituir:
Aqueles que gostam de comer mostarda e molhos,
Que tomem muito cuidado
Para não se sujar,
E não enfiar os dedos neles.
Aquele que arrota quando come,
E assoa o nariz na toalha da mesa,
As duas coisas não são adequadas,
Até onde posso entender …
Não se devem limpar os dentes
Com a faca, como alguns fazem,
E como ainda acontece aqui e ali:
Aquele que faz isto, não está certo.23

A uma hierarquia da comida acrescentava-se um novo elemento. Ao


adotar o código cortês à mesa, os comensais tinham outra forma de se
colocar à parte — e acima. Começara a ascensão das boas maneiras.

UMA CONCILIAÇÃO DE OPOSTOS


Abri este capítulo com uma visão de duas mesas e de duas maneiras de
comer, uma dentro do refeitório de um mosteiro, outra na sala de um castelo
ou grande casa. Em termos morais, o primeiro era claramente mais
aceitável, enquanto o consumo profano estava longe do ideal — podia levar
ao pecado, inicialmente à gula e depois a quem sabe onde. Será que as duas
maneiras de viver poderiam se conciliar? Uma pessoa tentou fazer isto, Luís
IX da França, são Luís, canonizado pelo papa Bonifácio VIII em 1297. A
vida de Luís IX abarcou grande parte do século XIII. Ele subiu ao trono aos
12 anos, em 1226, e morreu 44 anos depois, em 1270. Foi o rei medieval
arquetípico. Teve uma vida privada exemplar, de austeridade e orações,
chefiou uma cruzada à Terra Santa em 1248 e construiu a Sainte-Chapelle
para abrigar a coroa de espinhos que adquiriu do imperador Balduíno II, em
1239.
A mesa real francesa era limitada por regras, tanto as da abstinência,
ditadas pela Igreja, como as das convenções do cerimonial.24 Luís abstinha-
se de carne às quartas e sextas-feiras, e depois, ainda, às segundas-feiras.
Limitava-se a pão e água nas principais vigílias da Virgem e também na
Sexta-Feira Santa, na véspera de Todos os Santos e em outros dias santos.
Nas sextas-feiras do Advento e da Quaresma, abria mão tanto de peixe
como de frutas, até que sua saúde piorou e seu confessor foi obrigado a
intervir, convencendo-o a comer apenas um pedaço de peixe e frutas daí por
diante. Após voltar da cruzada, em 1254, sua devoção intensificou-se.
Recusou os peixes grandes que anteriormente lhe davam prazer, comendo
apenas os pequenos, com um molho tão aguado que pareciam estragados.
Em geral escolhia comidas e bebidas inferiores. Além disso, sempre que
visitava um mosteiro servia os monges, cujo modo de vida, é claro, tornara-
se a fonte dessa abnegação real. Temos aí o quadro de um asceta
exibicionista.
No entanto a mesa secular em meio a toda essa austeridade real
continuava intacta. As refeições ainda se faziam com aquela magnificência
exigida tanto pela tradição quanto pela opinião popular de um senhor
feudal. Luís bebia cerveja comum, como prova de sua alta humildade, mas
numa taça incrustada de pedras preciosas. O biógrafo real, Joinville, que
viveu próximo dele a maior parte de sua vida, deixa claro que o esplendor
real era mantido, quaisquer que fossem as idiossincráticas privações de seu
senhor. Em 1241, quando o rei tinha 27 anos, uma grande corte foi realizada
em Saumur. Joinville foi testemunha ocular:
Eu estava presente e posso testemunhar que os arranjos foram os mais finos que jamais vi.…
Diante do rei, seu irmão, o conde de Artois, servia-o de carne, e o bom conde João de
Soissons trinchava com a faca. Como guarda da mesa real estavam meu senhor Humbert de
Beaujeu, mais tarde condestável de França, meu senhor Enguerrand de Coucy e meu senhor
Archambaud de Bourbon. Atrás desses três barões havia pelo menos 30 cavaleiros vestidos de
túnicas de veludo, assim como os guardas que os assistiam; e atrás deles estava um grande
número de homens de armas usando o brasão do conde de Poitiers bordado em cetim. O rei
vestia uma túnica de cetim azul escuro, uma capa de veludo escarlate com franja de arminho e
um gorro de algodão que não lhe ia nada bem, pois na época era um homem jovem.25

A festa era um grande espetáculo, com mesas à volta do claustro, uma


para a rainha mãe e outra em que se sentavam 20 arcebispos e bispos.
“Muitas pessoas”, escreve Joinville, “disseram nunca ter visto tantas capas
e roupas de seda e ouro numa festa; havia pelo menos três mil cavaleiros
presentes.”

Talvez a chave para interpretar esse acontecimento esteja no pequeno gorro


de algodão que Joinville achou inadequado para um homem tão jovem.
Seria um solitário gesto de humildade em meio ao esplendor? Se assim
fosse, se enquadraria na natureza das normas do rei, que se refletiam na
forma como ele tratava a comida na mesa real. Por um lado ele era devoto e
manifestava grande respeito pela Igreja e pelo clero, mas por outro resistia
firmemente a qualquer usurpação do poder real por parte do papado ou dos
bispos.
O esplendor formal diminuiu em certo grau após seu retorno da cruzada
em 1254. Joinville lembra que daí em diante a roupa de Luís era apenas “de
lã não tingida ou azul-escuro” e que “ele era tão moderado à mesa que não
pedia prato algum além dos que seu cozinheiro preparava; os pratos eram
colocados à sua frente e ele comia. Misturava água ao vinho numa taça…”.
Não obstante, o cerimonial real de tradição permaneceu imutável, e Luís
não era nenhum desmancha-prazeres, pois quando jantava “nas casas dos
grandes” ouvia os menestréis que vinham após o jantar, antes de se erguer e
dar graças. Em outro raro relance da vida na mesa real, escreveu Joinville:
“Quando qualquer grande homem estrangeiro jantava com ele, era boa
companhia.”26
Nos hábitos culinários de são Luís conciliavam-se na mesa duas atitudes
opostas, mas a síntese não iria se repetir. O futuro estava na festa secular,
que daí em diante tomaria um caminho muito diferente.

A escalada do esplendor ao jantar. João, duque de Berry, à mesa. Acima do duque flutua um dossel,
e à sua frente são colocados pratos de comida mordiscados por cachorros de estimação e uma
naveta cerimonial. Um criado trincha, outro corta a comida, enquanto um terceiro, perto de uma
mesa carregada de pratos, cuida do vinho. Tudo acontece sob a direção de um homem com uma vara
de comando, à esquerda do duque. Iluminura de Les très riches heures, 1416.
3
Aos Olhos do Espectador

P rovavelmente o melhor e mais completo relato que temos de um


banquete do final da época medieval é o jantar oferecido por Gastão IV,
conde de Foix, em Tours, no ano de 1457.1 Foi realizado em homenagem a
uma embaixada do rei da Hungria, missão que incluía não só húngaros, mas
também alemães, boêmios e luxemburgueses. A essa cosmopolita lista de
150 convidados deve ser acrescentada toda a corte francesa. Os convivas
sentaram-se, em estrita ordem de precedência, em 12 grandes mesas. O
anfitrião, juntamente com os chefes da embaixada e os notáveis franceses,
foram servidos separadamente, como de costume, sentados a uma mesa alta.
A festa foi excepcional não apenas pelo número de serviços — nada
menos que sete —, mas também pelo que foi oferecido. Até então tais
detalhes normalmente passavam em silêncio ou, quando mencionados,
simplesmente mereciam uma observação quanto ao esplendor e abundância.
A refeição foi iniciada modestamente, com torradas que o comensal
mergulhava no vinho condimentado chamado hipocraz, mas rapidamente
passou a grands pates de chapons (pernas de capão), jambons de sanglier
(presunto de javali) e sete diferentes tipos de sopas, todas servidas em
pratos de prata. Cada mesa tinha 140 pratos de prata, ostentação que seria
repetida nos serviços subseqüentes. Em seguida vieram guisados de caça:
faisões, perdizes, coelhos, pavões, abetardas, gansos selvagens, cisnes e
vários pássaros de rio, além de carne de veado. Esses guisados eram
acompanhados por vários outros tipos de pratos e sopas. Fez-se então uma
pausa.
Embora em nosso relato não haja referência à distribuição das mesas,
elas devem ter sido organizadas como ferradura, com uma arena no centro.
Nesse espaço ocorreu o que era chamado entremet, o primeiro de uma série.
Doze homens entraram empurrando um carro no qual fora montado um
castelo sobre uma rocha. Não sabemos se os homens estavam escondidos
no interior da rocha ou não, mas o castelo tinha quatro torres nos cantos,
uma torre de menagem ao centro, com quatro janelas, e em cada uma delas
uma dama ricamente vestida. A torre principal era enfeitada com bandeiras
heráldicas com as armas do rei da Hungria e dos outros grandes senhores
que compunham a embaixada. No topo de cada uma das quatro torres uma
criança cantava acompanhada por um anjo (embora não saibamos o que
cantavam).
Após essa apresentação a festa recomeçou com um prato chamado
oiseaux armés, que jamais pôde ser definido pelos historiadores culinários,
servido com mais sopas. Mas o que realmente distinguiu essa seqüência de
pratos foi que “tout ce service fut doré”a — tudo era de ouro, ou pelo menos
tinha a aparência. Veio então o segundo entremet: seis homens, vestidos
com as roupas típicas do Béarn, carregando um homem fantasiado de tigre,
com uma coleira da qual pendiam as armas do rei da Hungria. O tigre
cuspia fogo, e os bearneses dançavam, sob grande aplauso dos
espectadores.
Após um quinto serviço, que incluía tortas, darioles (pequenos pratos
enformados, neste caso doces) e laranjas fritas, outro entremet foi
apresentado. Em termos de espetáculo este deve ter eclipsado todos os
anteriores. Para trazê-lo para a sala foram necessários 24 homens, uma
indicação de seu peso e tamanho. Era uma montanha com duas fontes, uma
espirrando água de rosas e a outra eau de muscade. De repente esse
promontório rochoso abriu-se; de dentro dele lebres dispararam e pássaros
vivos voaram à volta da sala. Quatro meninos e uma menina vestidos como
selvagens desceram para dançar uma mourisca. Então o conde distribuiu
dádivas aos vários arautos, sendo que o húngaro recebeu, além dos 200 écus
dados aos outros, uma bela peça de veludo.
O sexto serviço consistiu de sobremesa, acompanhada de hipocraz tinto
servido com um tipo de biscoito chamado oublies ou roles, e então veio o
entremet final. Um homem vestido de cetim cor de carmim e bordado
apareceu num cavalo igualmente engalanado. Levava nas mãos um modelo
de jardim feito de cera, cheio de rosas e diversas outras flores, que colocou
diante das damas (uma indicação de que elas estavam sentadas à parte).
Este foi o mais admirado de todos os entremets, embora o grande final que
se seguiu também tenha sido extraordinário. Tratava-se de um jardim
zoológico heráldico esculpido em açúcar: leões, veados, macacos e vários
outros pássaros e animais, cada um carregando na pata ou no bico as armas
do rei da Hungria.
Por incrível que pareça, o banquete ainda não havia terminado. Adentrou
um pavão vivo com as armas da rainha da França no pescoço e as armas das
damas da corte francesa enfeitando o corpo. Em resposta, todos os
cavalheiros presentes se adiantaram e comprometeram a apoiar a causa do
rei da Hungria (era costume usar pássaros para fazer votos cavalheirescos).
Nosso relato termina com outro detalhe importante. No meio da sala havia
aparentemente uma plataforma, um estrade, de onde cantores e um órgão
tocaram música durante o jantar.
Uma descrição desse tipo subitamente nos coloca pela primeira vez
diante da extrema complexidade da mesa no final do período medieval, pelo
menos nas grandes ocasiões. Certos aspectos já são familiares: o cenário, o
arranjo das mesas, a ênfase na hierarquia, a presença da música e a
associação entre festa e acontecimento político. Mas pouca coisa no final do
século XIII parecia assinalar uma escalada sem precedentes em termos de
comida, riqueza de apresentação e espetáculo dramático. Assim, essa festa
em Tours constitui um inestimável ponto de partida para os acontecimentos
que, por vezes, deixarão o leitor quase perplexo.
Em primeiro lugar a comida certamente era muito mais elaborada do que
antes. Uma das seqüências de pratos era toda dourada, enquanto outra tinha
a forma de um jardim zoológico feito de açúcar, indicadores decisivos de
um interesse cada vez maior na aparência, cor e apresentação figurativa dos
alimentos. E a prata era usada em grande quantidade, numa escala que
deixava a louça e os talheres dos séculos anteriores positivamente
mesquinhos. Comer tornara-se parte de uma vasta apresentação teatral. As
simples chansons, os prestidigitadores e os acrobatas que animavam os
festejos de antes parecem primitivos quando comparados ao cenário móvel,
aos atores caracterizados, cantores, músicos e dançarinos que faziam parte
dos entremets. E embora não saibamos o que era cantado, a descrição deixa
claro que tais irrupções no salão tinham a intenção não apenas de
surpreender e agradar, mas também de transmitir uma mensagem política.
Se não, por que as armas da Hungria no topo da torre de menagem do
castelo? No entanto, aparentemente encontramos uma linha que vai da festa
medieval ao nascimento da ópera e do balé.
Um banquete real. O rei e seus convidados principais estão situados na extrema esquerda, e os
demais se apinham no resto da mesa, coberta de pratos, copos e jarros. Trata-se de um intervalo
entre os serviços durante o qual um anão e músicos entretêm os convivas. Iluminura, Alemanha, final
do século XIV.

Mas estou me antecipando. Do ponto de vista do historiador, a maior


mudança é a inusitada abundância de material. Os séculos XIV e XV nos
deixaram cardápios, relatos de festejos, regulamentos de casas reais e da
nobreza que apresentam o ritual da mesa, os primeiros livros de cozinha
(com receitas que, embora reinterpretadas, podem ser feitas hoje), além de
uma proliferação de evidências visuais. Estas últimas, graças à crescente
obsessão realista da arte holandesa, nos dão uma grande quantidade de
informações sobre os jantares no final do período medieval, embora na
maior parte limitadas às classes altas.
Nesse momento é necessário chamar a atenção para um aspecto. O que é
confuso — e até certo ponto complexo — é que as evidências documentais
de 1300 a 1500 muitas vezes referem-se ao que foi a prática-padrão até dois
séculos antes. Muito da comida e de seus rituais descritos no século XV
devia estar presente no século XIII, mas sem registro. Em conseqüência,
este capítulo tem uma dupla face. Algumas vezes o material nos permite
descrever pela primeira vez o que aconteceu antes, enquanto em outras
aponta para o que foi um turbilhão de mudanças, particularmente do final
do século XIV em diante. Nosso melhor ponto de partida são dois
fenômenos muito novos — cozinheiros identificáveis e livros de receita e a
culinária que eles registram.

COZINHEIROS, LIVROS DE RECEITAS E A


COZINHA
O próprio surgimento de um livro de receitas pressupõe uma classe alta
consciente do que comia.2 Para o cozinheiro medieval, suando na cozinha e
provavelmente analfabeto, as receitas escritas eram desnecessárias; sua arte
se transmitia oralmente. Manuscritos laboriosamente escritos um a um eram
caros por sua própria natureza, e os que sobreviveram certamente não
pertenciam a cozinheiros profissionais, mas àqueles para quem eles
trabalhavam. Os primeiros datam do final do século XIII, e sua preocupação
com a dieta colocam-nos mais no campo da medicina que no da culinária.
Não obstante, a simples multiplicação de manuscritos é evidência de um
genuíno interesse leigo pela culinária. Os estudiosos reuniram o que só
pode ser descrito como grandes árvores genealógicas de manuscritos, cujos
conteúdos se sobrepõem e inter-relacionam de tal maneira que estabelecem
a existência, apesar das variações regionais, de uma arte culinária medieval
em toda a Europa.
Dentre as cem coleções de receitas manuscritas que sobreviveram, a
conhecida como Viandier de Taillevent foi o best-seller medieval.3
Taillevent era Guillaume de Tirel (c.1310-95), cozinheiro de Carlos V e
Carlos VI da França. Provavelmente nascido numa família burguesa
abastada, Taillevent realizou uma grande escalada social, chegando à
pequena nobreza e ganhando uma cota de armas, à qual apropriadamente
incorporou três panelas. Embora anunciado como autor do Viandier, sabe-se
agora que uma versão do livro data de cerca de 1300, pelo menos dez anos
antes de seu nascimento. Isso demonstra que o que se apresenta com o
nome de Taillevent é na verdade a reelaboração de uma coleção de receitas
já existente. Na época em que o Viandier foi impresso pela primeira vez,
por volta de 1486, cem anos após a morte de Taillevent, a coleção já havia
mudado muito em relação ao original. E iria continuar se alterando por nada
menos de 15 edições ao longo do século XVI, sendo ainda modificada e
utilizada no início do XVII. O segundo grande corpus de receitas do final
do período medieval, Le ménagier de Paris, também fez grande uso dessa
coleção.
As receitas de Le ménagier apareciam num livro sobre administração
doméstica compilado por volta de 1393-4, outrora atribuído a um burguês
parisiense rico e maduro para sua nova noiva de 15 anos, mas que
recentemente passou a ser tido como um certo Guy de Montigny, a serviço
do duque de Berry.4 Seu compilador, embora instruído, não pertencia à corte
real; na verdade ele referia-se especificamente a algumas modas alimentares
consideradas próprias apenas à casa real, e censurava tais excessos. Oitenta
e cinco de suas 350 receitas — de sopas, assados, patês, peixes (tanto de
água doce como de mar), ovos, entremets (aqui significando sobremesas) e
molhos, bem como comida e bebidas para os doentes — eram tiradas do
Viandier. Do mesmo período é outra grande coleção englobando a tradição
inglesa, The Forme of Cury (isto é, o método correto de cozinhar),
“compilação dos mestres-cucas do rei Ricardo II da Inglaterra, … à qual
foram acrescentadas as melhores e mais finas ‘vyaundier’ de todos os reis
cristãos”. Foram reunidas com o conselho dos “mestres de física e filosofia
que freqüentavam a corte”.5 Este livro seria o centro da proliferação das
coleções de receitas inglesas no século XV.
A súbita pletora de manuscritos de receitas sugere um crescente interesse
pela comida por volta de 1400 nas cortes da Europa, ao final do período
medieval. Isso se reflete pouco mais tarde num volume compilado por volta
de 1420 por mestre Chiquart, que durante 25 anos foi cozinheiro da família
ducal de Sabóia.6 Du fait de cuisine foi escrito a pedido do duque Amadeu
VIII, e nele podemos ver a atitude de Chiquart em relação a seu trabalho,
pois descreve a culinária como arte e ciência. Os duques de Sabóia eram
ligados diretamente, por laços de casamento, aos duques de Borgonha, e o
livro é cheio de receitas de um tipo que impressionaria as cortes mais ricas
e ostentatórias do final do período medieval. (Estranhamente não parece
haver qualquer grande manuscrito ou grande cozinheiro associado
diretamente à Borgonha no século XV. À época em que Gaston de Foix
ofereceu o banquete aos húngaros, a corte da Borgonha encenava festejos
numa escala e com uma magnificência inovadoras, estabelecendo o padrão
para o resto da Europa. Pode ser que a ausência de um chef e de um livro de
receitas borgonhesas reflita o fato de que a ênfase não estava na verdade no
gosto da comida, mas em sua aparência.)
Os especialistas em culinária medieval argumentaram que esses livros —
incorporando tantas receitas anteriores e que eram então escritas pela
primeira vez — mostram como grande parte da atitude medieval com
respeito à alimentação se baseava em teorias antigas sobre a dieta saudável.
Essas teorias decorriam das idéias greco-romanas a respeito da fisiologia e
o efeito dos quatro humores sobre o corpo. O objetivo era corrigir por meio
de dietas qualquer desequilíbrio nos humores (sanguíneo, quente e úmido;
colérico, quente e seco; fleumático, frio e úmido; e melancólico, frio e
seco). Acreditava-se que todas as pessoas tinham uma predisposição para
um ou outro humor, embora os efeitos malignos pudessem ser reduzidos
pelo consumo apropriado de alimentos. Não por acaso uma junta de seis
médicos ficava ao lado do duque de Borgonha à mesa, aconselhando-o
sobre o que comer.
Mas equilibrar o fator humoral era mais complicado do que
simplesmente escolher o que comer. Cada tipo de alimento era classificado
segundo sua qualidade humoral e tinha de ser balanceado pelo método
empregado para cozinhá-lo. Isso explica por que a carne (úmida) era assada
(seca) ou por que o peixe (frio e úmido) geralmente era frito. Os infindáveis
processos de triturar, moer, coar, peneirar e filtrar estavam destinados a
retificar desequilíbrios humorais (como também, provavelmente, a dar
comidas moles a quem tivesse os dentes em mau estado). Os molhos eram
outro capítulo. O baseado em canela e vinagre dava um efeito quente e seco
à truta ou ao salmão assados, ambos úmidos. O molho verde, cujo principal
ingrediente era a salsa (quente e seca), era tido como apropriado para um
lúcio ou um linguado, frios e úmidos. Considerações humorais também
desempenhavam um papel na decisão sobre quais as comidas apropriadas a
cada estação do ano. Comidas úmidas, como pepino ou tutano, eram tidas
como corretas para se comer no verão, que é quente e seco. Sempre o mais
importante era combinar as qualidades elementares do alimento com a
disposição humoral de quem o consumia.7
Esses manuscritos com receitas, juntamente com os cardápios que
chegaram até nossos dias, nos dão a primeira idéia clara da variação da
dieta medieval.8 É preciso acrescentar que não se trata de toda a gama de
alimentos: vegetais e frutas só apareciam quando cozidos. A carne, claro,
era central — essa categoria abrangia carne de porco, vitela, carneiro, boi e
também de caça, como veado e javali. Às vezes era apenas assada ou
fervida, cortada em pedaços e servida, mas em geral cozida numa complexa
mistura de vinho, vinagre e mostarda, juntamente com condimentos e ervas,
além de gema de ovo, farelo de pão e fígado para engrossar o molho. Das
aves constam não apenas as domésticas, como galinhas, gansos, patos e
pombos, mas também caça — cisnes, mergulhões, garças, faisões,
abetardas, pavões e maçaricos. A galinha era servida de todas as maneiras
— assada, recheada ou transformada em patês. Assava-se a hétoudeau,
galinha de um ano, e servia-se com o famoso sauce jaune, feito de
amêndoas moídas, gengibre, vinho e leite engrossados com pão. Esse molho
também servia para acompanhar o ganso assado, assim como o sauce poivre
noire, baseado em pimenta, gengibre, pedaços de pão torrado, vinagre ou
agraço.b Faisão e perdiz eram normalmente assados e depois picados, e o
bouillon resultante engrossava-se com migalhas de pão ou queijo ralado,
adicionando-se à última hora ovos batidos e perfumados com gengibre
amassado no agraço. A litania de pequenos pássaros sacrificados à mesa é
infindável: cotovias, codornas, pardais, melros, estorninhos, tordos e muitos
mais. Nada escapava.9
O peixe, essencial pelo grande número de dias de abstinência
estabelecidos pelo calendário da Igreja, podia ser fresco, do mar ou de água
doce, seco, salgado ou defumado. Os peixes de água doce geralmente eram
cozidos num court bouillon, embora as percas pudessem ser assadas. Mais
uma vez os molhos eram variados e precisos. As lampreias, por exemplo,
serviam-se com um molho feito do sangue do peixe, condimentos, agraço e
pão torrado.10
Além dos eternos assados, os pratos cujas receitas sobreviveram
enquadram-se em alguns conjuntos típicos.11 Havia o prato branco
universal, blanc mangier, que começava com galinha, fécula de arroz e
açúcar (e ocasionalmente leite de amêndoas), que na origem talvez não
fosse branco (blanc), mas blant (suave) mangier. Também todo o conjunto
de pratos de ovos fervidos, assados ou feitos em omeletes. Havia os brouets
e os civets, caldos dos quais nem peixe nem carne eram os ingredientes
principais, e as várias sopas, caldos em que o comensal mergulhava pedaços
de pão. Tortas de todos os tipos também tinham ampla aceitação, com
vários recheios, e também os patês de carne. Galantinas e gelatinas com
pedaços de carne ou peixe incrustados eram pratos imensamente populares.
E também as crepes ou crespelli de massa comum ou mole, para não
mencionar a infindável variedade de wafers e biscoitos que acompanhavam
o vinho condimentado com que terminava qualquer grande refeição.
No que toca à bebida, o vinho era universal, e só a água de fonte era
considerada segura. Embora sua disponibilidade geral possa soar
democrática, o vinho tinha sua própria hierarquia de qualidade, indo até o
vinagre. Desde a queda do Império Romano os vinhos franceses
dominavam o mercado vinícola. Por volta do século XIV, os de Bordeaux e
de Borgonha eram tidos como os melhores, de rigueur em todas as mesas
aristocráticas e de burgueses ricos. Incluíam os brancos, clairet (na verdade
vermelho claro ou rosa) e tintos, tomados ainda jovens e com baixo teor
alcoólico. Os italianos bebiam seus próprios vinhos regionais. Não havia
qualquer noção de que o vinho devesse combinar com cada prato em
particular. Em vez disso servia para reforçar a estrutura de classe, e sua
escolha refletia a posição social, o temperamento e a ocupação de quem o
bebia. Isso determinava os vinhos brancos e os clairets como apropriados às
classes altas, mais cerebrais, enquanto o tinto era mais adequado aos
trabalhadores.
Colônia e Bruges tornaram-se os eixos do mercado alemão de vinhos, até
que a Antuérpia assumiu este lugar no final do século XV. A Inglaterra
continuou sendo o mercado dos vinhos de Bordeaux. O negócio de vinhos
já era então extremamente complexo, e os preços dependiam muito da
qualidade. Cerveja e cidra eram favoritas no norte da Europa. E entre as
classes superiores havia um crescente interesse pelos vinhos doces da
Grécia, bem como pelos importados de Creta, Tiro e Chipre. Estes últimos
eram caros, mas vinhos doces mais baratos também se faziam com as uvas
Malvasia plantadas no sul da Itália, Sicília e Sardenha. Havia também uma
preferência por vinhos condimentados. O famoso hipocraz, normalmente
tinto, era adoçado com mel ou açúcar, fortemente condimentado e
consumido com vários tipos de biscoito.12
Foram tão intensos os estudos sobre comida e culinária medievais nos
últimos 20 anos que hoje é possível traçar a história e a evolução de certos
pratos. Para citar um único exemplo, vamos examinar o prato de origem
árabe chamado mawmene. Ele foi registrado pela primeira vez no século
XII, numa versão anglo-normanda, consistindo então de carne de boi ou de
carneiro cozida com cebolas fritas num molho de vinho com leite de
amêndoas, engrossado com capão moído e temperado com cravo e um
pouco de açúcar. Três séculos depois evoluiu para algo muito diferente —
galinha desfiada em molho de passas moídas temperada com vários
condimentos, adoçada com tâmaras e açúcar e enfeitada com açúcar de
confeiteiro.13 Essa oportunidade de analisar detalhadamente uma receita
significa que podemos pela primeira vez mapear as mudanças de gosto e de
moda na alimentação, no fim do período medieval. Quais eram essas
mudanças?
A principal foi a maior complexidade. A existência de livros de receitas
por si só reflete o fato de que cozinhar estava ficando tão sofisticado que
exigia uma transmissão escrita. A enorme elaboração na culinária registrada
nas coleções de receitas é um indício do crescente interesse pela comida
como aspecto importante da cultura da corte e da emergência de uma classe
de nouveaux riches — que encarava as artes da mesa como parte de uma
nova arte de viver. O fato de Carlos V e Carlos VI da França terem mais
cozinheiros que Luís XIV, três séculos depois (48 no total), ilustra como era
grande o significado da alimentação na corte medieval.14 As receitas
revelam três sabores fundamentais para o paladar medieval: forte, que
dependia do uso de condimentos; doce, refletindo o uso crescente do
açúcar; e acre, uma queda pelo picante e azedo na comida. Este último
sabor era obtido no norte da Europa com vinagre e agraço, e no sul com o
limão. O Viandier fala de elementos acres em 70% das receitas e do mesmo
elemento combinado com condimentos em 50%. Isso revela a forte
predileção dos franceses pelos alimentos picantes, pois eles usavam
também muito gengibre. Em contraste, a preferência italiana e inglesa era
pelo agridoce, ou apenas pelo puramente doce.
A cozinha do período medieval posterior também incorporou
consideráveis variações regionais que se desenvolveram não apenas pelo
uso de ingredientes locais, mas como resultado das influências de países
vizinhos.15 Os franceses e italianos, por exemplo, dependiam de óleo de
oliva, enquanto os alemães cozinhavam com óleo de papoula; a produção
local decidia a questão. Os laticínios eram outra divisão clara. A região da
manteiga fazia fronteira com o mar do Norte e o Canal da Mancha, indo da
Normandia à Dinamarca. Só depois do século XV é que o uso da manteiga
começou a se espalhar para o sul, primeiro de Flandres até a França e
depois, graças aos reis angevinos de Nápoles, para a cozinha italiana. Além
disso havia variações regionais na técnica culinária. Isso pode ser percebido
numa passagem da Chronicle, de Hall, na qual ele descreve Francisco I
ceando com Henrique VIII, em 1520, no Campo do Tecido de Ouro: “O rei
francês serviu-se de três pratos, e sua carne era preparada à maneira
francesa, e o rei da Inglaterra comeu carne segundo a moda inglesa…”16
O pleno impacto da cozinha árabe — que chegou ao norte através da
Sicília e da Espanha cristã e também pelas Cruzadas — continua pouco
compreendido. Essa culinária tem suas próprias e múltiplas tradições. A
única coisa certa é que as influências árabes da Catalunha já alcançavam o
sul da Itália no começo do século XIV e deslocaram-se na direção norte ao
longo da península, com importantes conseqüências. O efeito já podia ser
percebido nas receitas daquele que é considerado o primeiro cozinheiro do
Renascimento, mestre Martino, de Roma, na década de 1450 (a quem
voltaremos no próximo capítulo). O impacto mais profundo foi mais ao sul,
na cozinha da corte napolitana, pois ali a síntese das tradições catalã e
italiana daria nascimento à gastronomia renascentista.17
A essas correntes culinárias que atravessaram a Europa devemos
acrescentar os grandes desenvolvimentos na técnica. Mestre Martino está
associado a dois avanços muito significativos: a clarificação da gelatina
com claras batidas, o que melhorou a aparência do que já era considerado
um prato de prestígio, e o desenvolvimento da massa comestível. Até então
a massa era simplesmente um recipiente em que os alimentos eram cozidos,
não se destinava a ser comida. O aparecimento da massa quebradiça
possibilitou toda uma variação de tourtes e tortes que seriam o pináculo da
sofisticação culinária no século XVI.18
Outra mudança notável aconteceu no uso dos temperos. Pimenta, o
condimento mais comum e mais amplamente usado até o século XV, deu
lugar aos “grãos do paraíso” (pimenta malagueta), muito mais caros e
exóticos, adotados entusiasticamente pelas classes altas.19 A isso devemos
acrescentar o crescente gosto pelo açúcar. Até o final do século XIV o
açúcar em geral era usado medicinalmente e de modo esparso na cozinha,
mais como tempero do que como ingrediente. Como tinha de ser importado
do Oriente e do sul da Espanha, era caro, mas passou a ser muito valorizado
na Itália, Inglaterra e Holanda, e gradualmente invadiu a cozinha francesa
ao longo do século XV. A moda do açúcar na comida refletia a voga dos
vinhos doces, levando a um grande mercado de malvasia.20
Ainda mais impressionante que isso tudo foi o desejo de dotar os
alimentos de forma e cor. De repente passou-se a exigir que a comida
assumisse uma forma que não apenas valorizasse o status do comensal, mas
o afirmasse. Os cozinheiros passaram a transformar os alimentos que
cozinhavam num espelho de tudo o que era mais admirado na sociedade do
final do período medieval, convertendo-os por meio de forma, cor e padrão
numa visão de superabundante riqueza, beleza e aristocracia. Tal aspiração
está contida no Ménagier. Sempre que qualifica um prato como bonne ou
belle, refere-se não a seu gosto, mas à aparência. Testemunhamos aqui uma
das maiores revoluções na história da alimentação, na qual o lado físico do
comer é deslocado pelo prazer estético do olhar. Em suma, a ênfase
desloca-se da boca para os olhos.21
A cor assim fez sua entrada espetacular.22 Na versão mais antiga do
Viandier, de cerca de 1300, há 40 referências a cores, entre as quais 14 ao
amarelo, quatro ao branco, duas ao verde e três ao dourado. A versão do
começo do século XV que se encontra na biblioteca do Vaticano tem nada
menos que 97 referências a cores, sendo 22 apenas ao dourado. O amarelo
foi a cor mais favorecida no século XIV, e o dourado no século que se
seguiu, ambas refletindo a mesma busca: a comida como indicação de
status social, pois, de acordo com a legislação suntuária, o ouro era
reservado às classes superiores. O ouro era igualmente a cor do paraíso,
refletido em todos os aspectos da arte religiosa gótica. No século XIV o
verde vinha a seguir em popularidade, e em terceiro lugar — de maneira
surpreendente — o marrom ou castanho, cor associada ao campesinato (e,
simbolicamente, à duplicidade). O amarelo era obtido do açafrão ou da
gema de ovo; o verde, de ervas como salsa; e o castanho, de brotos de uva
ou de groselha. Apenas os ingleses tinham paixão pelo vermelho, extraído
do sândalo, que eles juntavam ao amarelo, combinando na mesa as duas
cores dominantes na heráldica do fim do período medieval. A apresentação
de cores nos alimentos remonta à cozinha árabe, originando-se na tradição
médica e alquímica. De acordo com o costume médico árabe, o ouro
prolongava a vida; portanto, era desejável comer o próprio ouro ou seu
equivalente visual mais próximo, o açafrão amarelo. Vermelho e branco
estavam ligados ao cinábrio, sulfeto de mercúrio e ao próprio mercúrio.
Esses elementos, aliás, tinham associações alquímicas, sendo o cinábrio o
material primitivo na busca de produzir ouro. O mercúrio era primeiro
extraído do cinábrio, depois, com a ajuda do enxofre, transformado em ouro
— pelo menos teoricamente.
Na verdade a cozinha do fim do período medieval tinha, como se nota,
fortes vínculos com a medicina alquímica e astral, que derivava de fontes
árabes. Os cordiais, seu foco principal, empregavam uma extraordinária
variedade de ingredientes pouco usuais e muitas vezes caros para fortalecer
o coração e evitar a melancolia saturnina, entre outros males corporais. Da
mesma forma, consumir alimentos coloridos ou de fragrâncias doces tinha
valor medicinal. Colorir a comida de amarelo tornava-a tão “nobre” quanto
o ouro, e quem a comia tinha a esperança de evitar a decadência física,
como se estivesse comendo ouro de verdade. Alimentos dourados e com
ouro tornaram-se uma obsessão medieval, por razões de saúde e para atrair
as influências astrais corretas em grandes ocasiões, tais como um banquete
de casamento.
Assim, as iguarias douradas servidas por Gaston de Foix à embaixada
húngara não foram uma manifestação isolada. A 15 de junho de 1368, por
exemplo, Galeazzo II Visconti ofereceu um jantar por ocasião do casamento
da sua filha, Violante. Começava com dois leitões dourados cuspindo fogo e
seguia com lebres, um bezerro e uma carpa, todos dourados.23 No banquete
de coroação de Henrique VI, em 1429, havia uma Viaunde Royal decorada
com losangos dourados, um “creme real” com um leopardo dourado
sentado em cima, cabeças de javali em castelos de ouro e uma carne ao
forno cortada em forma de escudo dividido em campos vermelhos e brancos
e decorado com losangos dourados. O segundo serviço incluía “um cervo
branco plantado [sic] com um antílope vermelho; uma coroa na cabeça,
com uma corrente de ouro, polvilhada [decorada] com leopardos e flores de
lis de ouro. Filhós guarnecidos com uma cabeça de leopardo e três penas de
avestruz”. Como estes pratos devem ter brilhado e cintilado na mesa à luz
das tochas e das velas!24
Tais pratos apontam para outro deslocamento significativo, a passagem
para a escultura dos alimentos. O banquete de Gaston de Foix terminou com
uma revoada de pássaros heráldicos e animais esculpidos em açúcar. Como
veremos, essa forma de alimento logo se transformaria no serviço doce.
Mas em todos os lugares, à proporção que o século XV avançava,
multiplicava-se a comida representativa. No início do século seguinte ela já
dominava os banquetes. Era uma obsessão que se impunha, como mostra o
inesquecível relato de George Cavendish sobre a festa oferecida pelo
cardeal Wosley em outubro de 1527 aos embaixadores franceses em
Hampton Court:
Logo veio o segundo serviço, com mais de cem pratos, sutilezas e artifícios curiosos, de tão
grandes proporções e tão custosos que creio que os franceses jamais tinham visto nada
parecido. O espanto era grande e realmente merecido. Havia castelos com imagens; a igreja
de Paulo e o campanário.… animais, pássaros, ovos de diversos tipos e personagens muito
bem-feitos e imitados nos pratos; alguns lutavam como se tivessem espadas, outros
empunhavam pistolas e adagas, alguns saltavam e pulavam, outros dançavam com as damas,
alguns completamente vestidos, até mesmo com esporas, com muito mais coisas do que sou
capaz de descrever.25

No entanto àquela época a comida figurativa era apenas um aspecto da


tendência irresistível à ostentação e elaboração em tudo que fosse ligado à
mesa.

O TRIUNFO DO CONSUMO CONSPÍCUO26


Ao final do século XIV a corte francesa empregava entre 700 e 800 pessoas
na tarefa de alimentar os membros de sua vasta casa.27 À mesma época
Ricardo II alimentava cerca de mil pessoas por dia com uma equipe de 300
criados.28 As casas nobres quase rivalizavam com as casas reais em termos
de números. O duque de Guyenne, por exemplo, alimentava 250 pessoas
por dia. As ordenanças de Eduardo IV em 1470 apresentavam o número de
bocas que deveriam ser alimentadas pelas diversas casas: cerca de 250 para
um duque, 200 para um conde, 70 para um barão e 23 para um cavaleiro.
Comparados a estes, temos os dados reais — 299 para o duque de Clarence
em 1468, mas apenas cem para o duque de Norfolk, 15 anos depois.29 Fazer
comida em tal escala exigia quase um pequeno exército para garantir
quantidades suficientes de alimentos e bebidas, sem mencionar a tarefa de
cozinhar e servir.
O que isso significava para os vários departamentos de uma casa da
nobreza pode ser claramente captado nos relatos de grandes festas, embora
se deva ter em mente que estes eram acontecimentos excepcionais.
Chiquart, o mestre-cuca saboiano, apresentava as espantosas quantidades
exigidas para uma festa de dois dias realizada em 1420. Para cada dia foram
necessários cem bois gordos, 130 carneiros, 120 porcos, 200 leitões, 60
porcos gordos (para lardear), 200 cabritos e duas mil galinhas. Tudo era
produzido localmente. Quanto à caça, foram necessários 400 cavalos para o
transporte pelos domínios ducais. Foram usados seis mil ovos. As
encomendas de gengibre, grãos do paraíso, canela e pimenta eram imensas.
Mesmo no caso dos chamados temperos menores, a encomenda tornava-se
enorme: três quilos de noz-moscada, cravo e macis, e pantagruélicos 12
quilos de açafrão. Refletindo plenamente a obsessão do século de tudo
dourar, Chiquart, além do açafrão, pediu nove quilos de folhas de ouro.
Foram usados 1.800 quilos de trigo e queijo, sem mencionar 200 caixas de
amêndoas modeladas (dragées) para enfeite. O equipamento de cozinha
utilizado ia de duas grandes chaleiras e pás de forno até mil carregamentos
de madeira e um celeiro cheio de carvão. Nada menos que quatro mil pratos
em ouro, prata, estanho e madeira foram necessários para servir a mesa.30
Relatos desse tipo tendem a deixar o leitor com uma sensação de fadiga
numérica. Devem ser citados, contudo, para que se visualize a escala
grandiosa de tais espetáculos. Voltando no tempo até na festa de coroação
do papa Clemente VI em Avignon, a 19 de maio de 1344, os dados são
igualmente de tirar o fôlego. Desta feita incluíam 80 saumées (conjunto de
500 fatias) de pão, 180 vacas, 1.023 carneiros, 914 cabritos, 60 porcos, 68
barris de toicinho e carne salgada, 15 esturjões, 300 lúcios, 1.500 capões,
3.043 galinhas (poulets), 7.428 frangos, 1.446 gansos e 50 mil tortas que
usaram 3.250 ovos. Para o mesmo acontecimento, 300 jarros, 5.500
canecas, 2.500 garrafas de vidro, 5 mil copos e 2.600 écuelles (tigelas para
beber) foram alugados. Além disso o papa requisitou todos os cozinheiros
dos cardeais e 80 meninos para pegar água e servir.31
A festa de Chiquart tomou-lhe seis semanas de trabalho. Tratava-se, é
claro, de um acontecimento excepcional, mas mesmo em dias comuns o
fornecimento e a preparação da comida eram uma preocupação em qualquer
casa importante. Todos os grandes estabelecimentos tinham seções
dedicadas à produção ou aquisição de pão e ao suprimento e manutenção
dos utensílios de mesa e dos tecidos correlatos (a copa), à compra, produção
e serviço de vinhos, cervejas e outras bebidas (a despensa), à aquisição,
preparo e cozimento dos alimentos (a cozinha). Estes, por sua vez,
necessitavam do apoio de outros departamentos da casa, tais como os
estábulos para o transporte, ou o celeiro para o armazenamento. Nas casas
mais importantes os números podiam ser substanciais. Os funcionários que
chefiavam a despensa e a cozinha na corte da Borgonha, por exemplo,
tinham cada um 50 auxiliares, enquanto os 50 ligados à copa — chefiados
pelo copeiro-mor — incluíam um especialista em molhos, oito padeiros,
dois valetes, um confeiteiro, um pasteleiro, um encarregado de passar e
outro de lavar as toalhas de mesa.32
Toda a maquinaria doméstica devia entrar em ação antes de começar a
servir. E esse ato diário, em qualquer palácio ou grande casa, exigia um
departamento próprio. Com pequenas diferenças, o procedimento era o
mesmo ou muito semelhante em toda a Europa. Já que acabamos de ter
conhecimento da plenitude gastronômica do cardeal Wosley, podemos
começar nossa pesquisa do consumo em si com o relato de George
Cavendish sobre um jantar na casa do cardeal.
Para falar do ordenamento de sua casa e de seus ofícios, é preciso lembrar primeiro que o
cardeal tinha em seu salão diariamente três mesas especiais guarnecidas pelos três
funcionários principais. Ou seja, o despenseiro, que era sempre um doutor ou um sacerdote; o
tesoureiro, um cavaleiro; e o mordomo, um escudeiro. Tinha também um contador, dois
porteiros, três mestres-de-cerimônias, dois valetes e um esmoler. Na despensa, dois
encarregados, um apontador, um responsável pelo aparador, um encarregado dos temperos. E
na cozinha do salão, dois mestres-cucas e mais 12 trabalhadores e crianças, como eram
chamados; um oficial da lavanderia, com dois outros encarregados de polir a prataria; dois
oficiais da copa e dois criados.
Em sua cozinha particular ele tinha um mestre-cuca, que todo dia se vestia em damasco,
cetim ou veludo, com uma corrente de ouro ao pescoço; dois criados com seis empregados e
crianças para servir; na despensa, um oficial e criados; na lavanderia, duas pessoas; na
garrafeira, dois oficiais e dois criados, além de dois pajens; na despensa, dois oficiais, dois
criados e dois pajens; e na aguada [departamento encarregado de apresentar água para as
abluções] o mesmo; na adega, três oficiais, dois criados e dois pajens — além de um
cavalheiro a cada mês; na sala das velas, três pessoas; na biscoitaria [onde se faziam bolos e
biscoitos], duas.
Em seus aposentos, as seguintes pessoas: o camareiro-mor; o vice-camareiro; 12
cavaleiros-escudeiros, porteiros de dia — além de dois em seu quarto privado; e quanto a
cavaleiros-porteiros, em seu quarto privado ele tinha seis; tinha nove ou dez mores… E entre
os cavaleiros, como copeiros, trinchantes, mordomos [encarregados de indicar os lugares aos
convidados] e criados de mesa, tinha 40 pessoas; entre oficiais escudeiros tinha seis; entre
valetes em seus aposentos, oito; entre oficiais em seus aposentos, 46 diariamente para atender
a sua pessoa; e também um sacerdote, que era seu esmoler, para sentar à sua mesa para
jantar…33

Cavendish descreve aqui os arranjos na primeira e segunda décadas do


século XVI. É o registro de um sistema doméstico do final do período
medieval, porém suplementado por funções decorrentes da nova divisão
entre o salão e os aposentos privados. Wolsey fazia as refeições em seus
próprios aposentos, o que exigia não apenas uma equipe própria, mas
também uma cozinha própria.
The Boke of Curtaysye, escrito por volta de 1460, descreve com mais
detalhes o âmbito em que operavam os vários funcionários ligados ao
serviço de mesa. No topo da pirâmide, na maioria das casas, vinha o
mestre-de-cerimônias, a quem todos os outros respondiam, encarregado de
indicar os lugares aos convidados. Isso exigia uma pessoa com
conhecimento enciclopédico a respeito de precedência. Abaixo do mestre-
de-cerimônias vinha o escudeiro, cuja tarefa era comandar os criados na
montagem e desmontagem das mesas de cavaletes, cadeiras e bancos a cada
refeição. Normalmente o escudeiro era encarregado do guarda-roupa,
portanto tinha acesso às tapeçarias que deveriam ser penduradas nas
paredes, tarefa que cabia aos criados. A função do mordomo era organizar
os cardápios junto à equipe de cozinha. Seguido pelos aguadeiros,
encabeçava a procissão que trazia cada seqüência de pratos ao salão. (Em
algumas casas era o mestre-de-cerimônias que ia à frente dessa procissão
que, nas situações mais grandiosas, podia incluir escudeiros e maceiros.) A
tarefa do aguadeiro era organizar os pratos na mesa, cuidando para que cada
grupo de duas ou três pessoas recebessem as porções devidas. Em alguns
casos eram os aguadeiros que montavam e desmontavam os cavaletes. O
papel do esmoler era fixo: entregar todas as sobras aos pobres depois que
terminava a refeição.34
Parece óbvio que as tarefas eram todas semelhantes, mas os
encarregados delas e o grau de elaboração com que eram feitas variavam de
acordo com a casa e sua opulência. No entanto, quaisquer que sejam as
variações, a tendência geral é clara: à medida que o século XIV se
aproximava do fim, nas classes superiores o ato de comer passava a ser
cada vez mais ritualizado. O simples fato de sabermos tanto a esse respeito
reflete a necessidade de registrar os detalhes, pois era tudo muito
complicado. Um número cada vez maior de pessoas desejava — e
necessitava — saber a maneira “certa” de fazer as coisas. Seu interesse se
manifestava numa florescente literatura, tanto sob forma de regulações
domésticas como de livros de instrução. Estes livros começaram a proliferar
no século XV, e um exemplo é o relato de Olivier de La Marche sobre a
etiqueta na corte borgonhesa de Carlos, o Audaz. O livro é da mais
extremada elaboração e constitui um dos limites máximos das obras do
gênero. The Boke of Nurture, de Hugh Rhodes, descreve toda essa prática
na casa de um cavaleiro ou gentil-homem comum. Vamos examinar os dois
para perceber o sabor do ritual da comida no final do período medieval.
Na corte borgonhesa todas as refeições eram espetáculos cuja
semelhança com a liturgia da missa não podia ser coincidência (muitos dos
cerimoniais seculares do final do período medieval — como o pálio
colocado sobre reis ou príncipes — tinham origem no ritual eclesiástico).
Em ambos os casos havia uma grandiosidade ritual. A seqüência de
abertura era suficiente para sugerir como seria todo o procedimento.
Começava com a entrada de uma procissão encabeçada pelo escudeiro do
salão, seguido pelo despenseiro carregando a grande naveta de sal, por sua
vez seguido pelo porteiro do salão. Este orientava o despenseiro quanto ao
lugar onde a naveta deveria ser colocada na mesa ducal. A posição
escolhida era num dos cantos, de modo a não esconder o duque, pois assistir
ao seu jantar havia se tornado um acontecimento público a ser
testemunhado por embaixadores e outros dignatários. Vinha então o
primeiro dos muitos testes de veneno. O despenseiro dava ao porteiro um
pouco do sal para provar, depois colocava o saleiro pessoal do duque no
lugar e enchia-o de sal. Um chifre de unicórnio já havia sido usado para
verificar a segurança das toalhas de mesa e as ricas tapeçarias que cobriam
o banco onde o duque se sentava. A essa altura um criado levava o pedaço
de chifre de unicórnio, guardado num pequeno recipiente, para o porteiro do
salão. Este derramava água numa bacia, sobre o chifre e as mãos. A toalha
em que o duque iria enxugar as mãos também era testada. O porteiro da
despensa beijava-a e dava-a ao despenseiro, que a colocava sobre o ombro
esquerdo, de maneira que um pedaço encostasse em sua pele para mostrar
que não estava contaminada. Depois dobrava-a sobre um prato com o chifre
de unicórnio usado para o teste de veneno de bebidas. Quando chegava o
momento em que o duque iria enxugar as mãos, o despenseiro passava a
toalha para o mordomo, que a entregava ao camareiro-mor, que por sua vez
a passava para alguém de posição mais elevada, que finalmente a entregava
ao duque! E tudo isso era um ato preliminar, antes mesmo da chegada do
duque à mesa. O que se seguia era uma multiplicação desses rituais que se
estendiam por toda a refeição e mais além. Não é de espantar que aqueles
que a assistiam ficassem intimidados. Esse era precisamente o efeito
pretendido com a demonstração.35 Afinal, os duques da Borgonha eram
aspirantes a uma coroa.

Festejo na corte da Borgonha. A mesa em “L” reserva o lugar de honra para a noiva na extrema
esquerda; entre os hóspedes é possível reconhecer vários membros da família ducal. A humilde fatia
de pão foi aqui promovida ao formato de pequenos pratos retangulares, decorados com bordas de
prata dourada. Detalhe de As bodas de Caná, c.1500.

O Boke of Nurture, de Rhodes, é muito mais prosaico. Ele não descreve


a inflada etiqueta cortesã, mas a rotina de uma casa nos condados ingleses.
Começa dizendo que, nas casas de alguns cavaleiros e gentis-homens, o
mordomo e o despenseiro podiam ser a mesma pessoa. A tarefa do
despenseiro era verificar se o pão estava “cortado e arrumado” em fatias
(que deveriam servir de “pratos” comestíveis) e se as toalhas e guardanapos
estavam limpos. Ele então preparava o aparador do salão para as abluções
do senhor, estendendo um pano sobre o móvel e colocando em ordem bacia,
jarro e toalha. A seguir guarnecia a mesa alta com sal, pão e fatias de pão,
cuidando para que todos que ali se sentassem tivessem um guardanapo e
uma colher. Essas seqüências iniciais são simples questões práticas, muito
distantes da coreografia da corte de Borgonha. Dá para perceber que muitas
dessas coisas vinham acontecendo por mais de um século. Evidentemente
havia infinitas gradações que se estendiam por toda a hierarquia social e
afetavam a maneira pela qual as refeições eram servidas. No entanto, os
procedimentos tinham importância central. Quanto mais alta fosse a posição
do personagem, tornava-se maior a probabilidade de que até mesmo a mais
mundana das ações fosse ritualizada.36
Há, no entanto, uma diferença significativa entre os dois relatos. No caso
do duque de Borgonha, a descrição é de uma refeição servida apenas a ele,
mas na presença de espectadores. Wolsey também comia sozinho ou no
máximo com alguns convidados de honra. Rhodes descreve, ao contrário,
uma refeição consumida por toda a casa, como era a prática antes na Idade
Média. O gosto por uma maior privacidade ficou mais pronunciado ao final
do século XIV, e é descrito numa passagem muito citada de Vision of Piers
Plowman, de Langland, escrita por volta de 1362:
Desgraçado é o salão … a cada dia na semana.
Ali o senhor e a senhora não gostam de se sentar.
Agora os ricos têm uma regra de comerem sozinhos
Numa sala particular … por causa dos homens pobres,
Ou num quarto com chaminé, e abandonam o salão principal,
Que foi feito para as refeições, para os homens comerem nele.37

Cada vez mais a realeza e os grandes senhores só comiam em público


em algumas ocasiões — nos grandes dias de festa da Igreja, por exemplo,
ou nos banquetes que marcavam um casamento ou uma embaixada, como a
dos húngaros na França, em 1457. Na França isso se revela na
multiplicação de aposentos particulares. No primeiro destes, chamado
chambre de parement, havia uma cama ricamente decorada e não-funcional,
um símbolo de importância. Era ali que o senhor muitas vezes comia, e não
na grande salle.38
Festas importantes muitas vezes exigiam que as mesas se multiplicassem
em outras salas, mais uma vez reforçando pouco a pouco a tendência à
separação. Quando George Neville foi entronizado como arcebispo de York,
em 1467, os 2.500 convidados espalharam-se pela grande sala, pela grande
câmara e pela galeria.39 A decisão sobre o lugar em que cada pessoa se
sentaria era tomada estritamente em função de sua posição na hierarquia
social. Na verdade, a migração dos grandes para os aposentos em separado
é menos uma mostra de desejo de privacidade do que uma tática para
reforçar a distinção num período em que as classes altas sentiam-se
ameaçadas — tanto pelos recém-enobrecidos quanto pela burguesia
enriquecida. A realeza e a alta aristocracia gradualmente reduziram suas
refeições em público. Assim, quando elas ocorriam, era como uma grande
epifania a ser contemplada com temor pelos mortais inferiores. Ao se
manterem fora de vista eles agiam de acordo com o velho adágio de que a
familiaridade alimentava o desprezo.
Podemos ver a mudança, por exemplo, nos complicados arranjos
realizados entre franceses e ingleses no Campo do Tecido de Ouro, em
1520. No primeiro intercâmbio de festas entre as duas cortes, Henrique VIII
foi ao castelo de Ardres, onde se sentou com a rainha da França e a rainha-
mãe, a irmã do rei, a duquesa de Alençon e a duquesa de Vendôme de um
lado da mesa. Em outra sala os “príncipes” da Inglaterra eram festejados
pelo duque de Alençon, e numa terceira, bem maior, onde mais tarde
deveria acontecer música e dança, havia um banquete público. Enquanto
isso, Francisco I jantava no palácio temporário erigido pelos ingleses em
Guisnes. Sentou-se diante da rainha inglesa, enquanto o cardeal Wolsey e a
irmã de Henrique VIII, Mary, duquesa de Suffolk, sentava-se na ponta da
mesa. No salão 20 cavalheiros faziam companhia a 130 damas, e em outro
salão na cidade de Guisnes, 200 cavalheiros festejavam.40 Em todos estes
arranjos a principal preocupação era a afirmação visual da hierarquia por
meio de atos de separação.
O palácio temporário erigido pelos ingleses em 1520 é um lembrete de
outro desenvolvimento, a criação de elaborados e efêmeros cenários para
grandes banquetes. Isso podia se dar como uma mise-en-scène sobreposta a
um salão já existente, ou num salão especial construído para a ocasião.
Quando Filipe, o Bom, casou-se com Isabel de Portugal, em 1430, o pátio
foi transformado num salão de banquetes completo, com uma galeria de
menestréis para 60 pessoas, hipocraz e água de rosas saindo da boca de um
veado e de um unicórnio, e árvores douradas com os escudos das terras
dominadas pelo duque.41 Quase quatro décadas depois, em 1468, essa
mesma arrumação foi repetida quando Carlos, o Audaz, se casou com
Margarida de York, acrescentando-se uma galeria de onde as senhoras
podiam observar a festa. O teto era de seda azul, e das paredes pendiam
tapeçarias com a história de Jasão e o velocino de ouro, e tanto acima como
atrás da mesa alta havia um rico tecido em ouro bordado com as armas
ducais.42
Os adornos das paredes eram um cenário para exibições mais pomposas
e ricas. O século XIV viu o surgimento dos dressoirs de parement —
aparadores cujo único propósito era a exibição de pratos — que já haviam
se tornado uma característica na França no segundo quarto de século.43
Esses aparadores — que inicialmente tinham o simples propósito de servir
de lugar para as bebidas colocadas em grandes jarros, para a comida antes
de ir para a mesa e para guardar os utensílios — começou a ter vida própria.
Em casas menos luxuosas, o aparador continuou sendo funcional. Le
ménagier de Paris recomendava que os escuiers ficassem no dessouer de
sale, de onde iam e voltavam as colheres, hanaps (taças enfeitadas) e outros
pratos. Ao mesmo tempo o vinho deveria ser despejado e servido ali. Mas
no palácio o aparador realmente tinha se tornado uma coisa muito diferente,
basicamente um veículo para exibir a prataria. No banquete que Carlos V
ofereceu ao imperador Carlos IV, em 1378, havia nada menos que três
aparadores carregados de baixelas. Cada um deles tinha uma barreira em
volta e uma guarda protegendo a exposição. No século seguinte essa
tendência à exibição ofuscante continuou irrefreada. No casamento
borgonhês de 1429 havia um aparador de cada lado da sala, todos com seis
metros de comprimento e as baixelas expostas em cinco prateleiras.44 No
casamento de 1468, o aparador tinha a forma de um losango erguendo-se
em diversos níveis; as prateleiras mais baixas, carregadas de grandes peças
de ouro e prata, subiam gradualmente e culminavam com peças menores
repletas de pedras preciosas. Os convidados comiam em pratos de prata, e
nenhum deles vinha do aparador.45
A corte borgonhesa codificou o sistema de exibição, especificando
exatamente quantas prateleiras as pessoas de cada nível poderiam mostrar.
Um soberano, ou sua consorte, tinha direito a cinco, um príncipe a quatro,
uma condessa a três, a esposa de um baronete a duas ou uma, e os que não
tivessem títulos não podiam expor nem mesmo um único gradin.46 As
regras na Inglaterra, se existiram, devem ter sido diferentes, pois Henrique
VIII tinha direito a oito, e o cardeal Wosley a seis. Na verdade a cintilante
exibição de pratarias para os embaixadores franceses, em 1518, provocou
comentários ácidos do embaixador veneziano, observando que aquilo seria
mais apropriado para um banquete oferecido por “Cleópatra ou Calígula; o
salão de banquetes estava tão decorado com imensos vasos de ouro e prata
que acreditei estar na torre de Khosro, onde aquele grande monarca fez com
que lhe fossem concedidas honras divinas”.47
Tal ostentação pode ser comparada à exibição da conta bancária em
público, pois a prata desse tipo era a primeira a ser derretida em épocas de
necessidade financeira. E a obsessão pela prataria não se limitou ao
dressoir. Os séculos XIV e XV testemunharam o renascimento no Ocidente
da prataria profana em grande escala desde o colapso do Império Romano.48
O contraste com a austeridade da mesa dificilmente poderia ser mais
chocante; o móvel continuou sendo nada mais que tábuas coladas juntas e
apoiadas em cavaletes. Era estreita, porque geralmente os comensais
sentavam-se apenas de um lado e eram servidos do outro. Quando se
montava uma mesa nos aposentos do senhor, ela era muitas vezes — como
na famosa iluminura referente ao mês de janeiro nas Très riches heures, que
mostra o duque de Berry jantando — colocada diante de uma lareira, em
busca de calor, e com uma tela protegendo o comensal do fogo. No salão o
arranjo continuava o mesmo de antes, com uma mesa alta sobre um estrado
elevado e duas outras em ângulos retos, formando uma ferradura que
limitava a arena. Como já era de costume anteriormente, a mesa era coberta
com até três panos.
O banquete húngaro, servido em centenas de pratos de prata — 40 por
serviço em cada mesa, uma quantidade impensável no começo da Idade
Média —, constituiu um espelho preciso da imensa expansão das coleções
reais e aristocráticas de baixelas naquela época. Já em 1364, Luís d’Anjou,
rei de Nápoles e de Jerusalém, tinha mil peças, nove décimos das quais
eram novas. Carlos V da França tinha 2.500 peças, inclusive dez taças de
ouro com pedras preciosas. Na mesma época vários burgueses ricos de Paris
jactavam-se de ter grandes coleções, provando que o decreto suntuário de
Felipe, o Belo, em 1294 — estabelecendo que aqueles cuja renda fosse
inferior a seis mil livres tournois “não poderiam usar, dentro ou fora de
casa, vasilhas de ouro ou de prata para beber ou comer” — não surtira
efeito.49 Os inventários revelam que de longe o maior número de itens era
de copos para beber, hanaps ou taças de pé. Estas eram consideradas
símbolos de status e podiam ser simples malgas de madeira, feitas do
cecídio do bordo, com engastes de prata ou prata dourada. Eram usadas em
grandes ocasiões, enquanto copos baixos e largos eram empregados nas
refeições comuns. De todas as vasilhas de beber a sobrevivência mais
espetacular é o Copo Real de Ouro, enfeitado com um desenho em esmalte
com a história de santa Agnes e sua irmã postiça, santa Emerenciana.
Registrado num inventário da prataria de Carlos VI, em 1391, é pesado
demais para ter servido a outros propósitos que não os cerimoniais.50
Ao final do século XIII surgiram outros itens na baixela — o pot à vin e
o pot à eau, que ficavam na mesa ou no aparador. Aos poucos tais
recipientes passaram a ser feitos de prata ou de ouro, particularmente no
caso conhecido como temprier (isto é, temperança). Na verdade, para
aqueles que podiam pagar, muitos pertences de mesa anteriormente de
madeira ou argila serviram de transição para os metais preciosos. No século
XV a fatia de pão universal começou a ser feita de ouro e prata nas mesas
reais e principescas. Com isso já estamos muito perto dos pratos de comer.
Até mesmo o oveiro já existia em 1363, pois o inventário de Carlos V, então
ainda duque da Normandia, registra “uma pequena vasilha de prata para
comer ovos”. Em 1403 essas peças haviam adquirido tampas para manter
quente o conteúdo.51
A baixela do fim do período medieval era uma orgia de imagens, muitas
delas humorísticas e espirituosas, destinadas a divertir e ensinar: pássaros e
animais, figuras de romanças e de lendas, camponeses e sereias, flores e
escudos de armas — e toda a gama do simbolismo cristão. Usavam-se
jaspe, calcedônia, vidro e cristal, bem como conchas exóticas, cascas de
nozes e de ovos de avestruz, enfeitados de ouro, prata, esmalte e pedras
preciosas.
Na Europa continental o elemento mais importante entre todas essas
peças novas era a naveta — recipiente associado apenas a reis, cardeais e
grandes senhores.52 Assim como a tendência a comer em lugar separado,
seu surgimento reforçou a nova ênfase na gradação hierárquica, pois na
mesa a naveta era sempre colocada na vizinhança de seu proprietário. Sua
forma (cujo nome, como a palavra nave, vem do equivalente francês para
“navio”) origina-se do recipiente usado para guardar incenso. Era em geral
empregada apenas com propósitos ostentatórios, mas às vezes continha
elementos necessários. A naveta de Carlos V guardava uma língua de
serpente (usada para detectar veneno), uma colher, uma faquinha e — coisa
muito rara — um garfo pequeno. Algumas vezes as placas de cortar carne,
feitas de metal, eram guardadas nela; em 1484, na festa de coroação de
Carlos VIII, a naveta continha guardanapos. Um século antes, em 1395, a
naveta de ouro de Luís de Orléans mostrava um quadro da Anunciação no
castelo de proa, com os 12 apóstolos no convés e os quatro evangelistas na
ponte. Uma vela tinha uma cruz de esmalte azul com flores-de-lis douradas
cercadas por oito anjos, com Deus Pai adejando acima. Nas águas
salpicadas de jóias que cercavam o navio, estavam mais duas figuras de
Deus Pai e oito de Adão e Eva, bem como o papa e o imperador! Havia
navetas em todas as partes, não apenas na França, mas também na Espanha,
Alemanha, Itália e Países Baixos. Apesar disso, poucas restaram — como a
naveta que pertenceu a Ana da Bretanha, que foi dada por Henrique II à
cidade de Rheims e transformada em relicário.
Na Inglaterra, o papel que a naveta desempenhara no continente europeu
foi assumido pelo grande saleiro.53 Este também era um elemento de
fantasia dispendioso, mas raramente usava imagens marítimas (embora se
afirme que Eduardo II possuía um saleiro com o formato de um navio sobre
quatro rodas). Um dos saleiros de Ricardo II tinha a forma de um falcão
coroado e ao pescoço uma corrente com elos em forma de “s”; outro
representava um dragão saindo de um búzio. Henrique VI possuía um na
forma de castelo, com recipientes para sal em cada uma das quatro torres, e
outro representando um homem com um gorro de lã. Tratava-se de saleiros
grandiosos, atributos de soberania e poder, marcadores do lugar à mesa
indicando que a pessoa ali sentada estava no ápice da hierarquia do jantar.
Provavelmente esses saleiros grandiosos não eram muito usados, pois
crescia o número deles feito em ouro ou prata, menores e obviamente mais
práticos. Piers Gaveston, notório favorito de Eduardo II, tinha nada menos
que 30 na bagagem quando foi capturado em 1313.
Ironicamente, a maior de todas as peças de exibição não era o saleiro,
mas a fonte de mesa.54 Constituíam não apenas chefs d’oeuvre da
ourivesaria, mas também elementos de extrema engenhosidade, com
líquidos, vinho e água perfumada espirrando e borrifando, e, quando
pressionados, mostravam figuras movendo-se e sinos tocando. Sabemos que
essas fontes já existiam no século XIII e começaram a aparecer nos
inventários durante o século XIV. Em 1311, Luís, conde de Flandres, tinha
várias, e também a rainha Jeanne de Borgonha. Ela morreu em 1348,
legando diversas fontes, inclusive uma “na forma de um castelo, com
pilares de alvenaria e homens de armas em torno…”. Dezessete anos depois
Luís d’Anjou também tinha uma fonte em forma de castelo, desta vez um
Château d’Amour apoiado nos ombros de 12 homenzinhos. A fortaleza era
atacada por seis cavaleiros e defendida por senhoras que guarneciam as
ameias, enquanto menestréis trombeteavam nos portões. O exemplar
sobrevivente no museu de Cleveland (Ohio), embora sem o reservatório e
os pés, mostra bem a magnificência dessas peças, cujo único propósito era
provocar espanto. Neste exemplar, oito colunas servem de apoio a muros de
ameias das quais se projetam gárgulas, onde se encontram quatro homens
nus carregando esferas enfeitadas com sinos e esguichos. Acima, numa
segunda fileira, dois dragões empurram uma roda enfeitada com sinos,
tendo no cume um grupo de dragões e leões deitados. Embora os estudiosos
não estejam certos da data exata no século XIV em que este extraordinário
brinquedo aristocrático foi feito, não há dúvida sobre sua capacidade de
impressionar num banquete, borbulhando e brilhando.
Este tour de force resume os novos extremos de luxo sofisticado que
estratificava as classes, pois mesmo bem abaixo na escala social a mesa era
abarrotada de artefatos como nunca acontecera antes. Nos níveis mais
inferiores, as vasilhas eram de estanho, cobre, ferro ou madeira. Porém,
cada vez mais qualquer pessoa com pretensões a status devia ter algumas
colheres de prata ou uma taça de prata. E a exibição não se fazia apenas
com objetos de metal, pois à medida que a produção de cerâmica na Europa
se desenvolvia no século XIII, surgiram pela primeira vez vasilhas de luxe,
peças dignas de serem exibidas no aparador.55 Como no caso da baixela,
novas formas foram criadas em resposta à crescente elaboração do ato de
comer. Surgiram os esmaltes, refletindo não apenas as variações regionais,
mas também as funções. No Franco-Condado ou no Nord-de-Pas-de-Calais,
por exemplo, o cinzento era para a cozinha e vermelho ou branco para a
mesa. Mas a cerâmica iria perder prestígio quando a faience de cores
brilhantes, originalmente de origem espanhola, se impôs a partir de 1450.
Eram peças de luxe, para exibição, e não para uso. As vasilhas de beber e os
jarros continuaram sendo feitos de vidro, é claro. Na base da pirâmide
social os camponeses descobriram que objetos de madeira torneada lhes
ofereciam tudo o que precisavam no que dizia respeito a pratos, tigelas,
colheres e facas. No entanto, mesmo isso representava um avanço em
relação ao que usavam antes.
Juntos, todos esses artefatos significaram uma revolução no consumo,
destinada a definir a posição do comensal na escala social. Isso ocorria até
mesmo no caso da realeza. Quando Francisco I foi pela primeira vez
festejado no Campo do Tecido de Ouro, serviram-lhe num prato de ouro.
Catarina de Aragão, a duquesa de Suffolk — respectivamente mulher e irmã
do rei da Inglaterra — e o cardeal Wosley tiveram de se satisfazer com prata
dourada.56 Isso pode parecer uma distinção clara para os olhos modernos,
mas não para os da época.

OS MODOS FAZEM O HOMEM57


O festejo iria crescer de importância nos dois séculos anteriores a 1500, no
papel de imagem ideal da sociedade, ampliado pelo cerimonial ainda mais
elaborado que isso implicava. Nas romanças cavalheirescas do final do
período medieval o festejo sempre figura como símbolo de alegria e
harmonia, ocasião para exibição das virtudes decorrentes do bom
nascimento e do exercício da cortesia. Pela primeira vez temos abundância
de descrições visuais das refeições seculares baseadas em protótipos
bíblicos, como o banquete de Herodes, as bodas de Caná e a Última Ceia.
Tais associações sagradas serviam para aumentar o poder de outros
simbolismos não-religiosos ligados ao jantar. A ofensa mais séria que se
podia infligir a um cavaleiro, por exemplo, era cortar a toalha de mesa à sua
esquerda e à sua direita, querendo com isso dizer que ele fora falso com a
honra e, portanto, estava apartado da sociedade. Esse tratamento foi
instituído por aquele que foi a flor da cavalaria do final do período
medieval, Bertrand du Guesclin, no reino de Carlos V.58 Podemos ver tal
ignomínia em ação numa iluminura de Os estatutos da ordem napolitana do
Espírito Santo, de 1353. Diante de um grupo de cavaleiros festivos e suas
damas, senta-se um solitário cavaleiro vestido de negro, numa mesa preta,
comendo o equivalente a uma humilde torta.59 Que humilhação deve ter
sido!
Mais uma vez, assim como com tantos outros aspectos da mesa à medida
que passamos do século XIV ao XV, há uma nova ênfase na etiqueta e na
precedência, ambas reflexos de um profundo desejo de ordem.60 Na França
isso foi uma resposta à Guerra dos Cem Anos e a uma monarquia fraca. Na
Inglaterra a monarquia também estava enfraquecida em meados do século, e
o país entrava na Guerra das Rosas. Como se observou, a velha aristocracia
sentia-se ameaçada tanto pelas famílias recém-enobrecidas quanto pela
proliferação de uma burguesia rica. A resposta foi aumentar a pompa como
meio de preservar a casta. O exemplo básico dessa tática era a corte de
Borgonha, cujo estilo seria exportado para a Inglaterra, primeiro sob a égide
de Eduardo IV e depois de Henrique VII. Por meio da herança borgonhesa
dos Habsburgo, alcançaria o resto da Europa no século seguinte. Foi a era
que deu nascimento a expressões que sobrevivem até hoje, como “abaixo
do sal”, “a camada superior”, e “nascer em berço de ouro”.
Os banquetes de coroação são reveladores dessa obsessão com a
precedência. Os grandes aristocratas assumiram o papel de serviçais —
mestre-de-cerimônia, despenseiro, trinchador, mordomo ou esmoler. No
banquete de coroação de Henrique IV, em 1399, o conde de Warwick serviu
de despenseiro, o conde de Westmoreland de mestre-de-cerimônias, o conde
de Somerset de trinchador, o conde de Arundel de mordomo-chefe, e lorde
Latimer de esmoler. Embora neste caso o monarca estivesse à mesa com
dois arcebispos e 17 bispos, cada vez mais, nessas ocasiões maiores, o
monarca sentava-se sozinho.61 Assim aconteceu no banquete realizado pela
consagração de um papa em Roma. O novo pontífice foi levado à mesa por
dois cardeais e ali se sentou sozinho. À sua direita havia uma mesa para os
cardeais-arcebispos, à esquerda para os cardeais-diáconos, e mais adiante
para o resto do clero e a nobreza.62
A desgraça abatia-se sobre qualquer um que violasse a precedência numa
manifestação pública. Em 1464 o prefeito de Londres chegou a uma festa
dada em sua homenagem pelos Sargeants of Coif e encontrou o marquês de
Worcester sentado em seu lugar: “Pois dentro de Londres ele [o prefeito]
vem logo depois do rei em todas as situações.” Vendo a usurpação do lugar
que era dele por direito, o prefeito e seus acompanhantes prontamente
foram para casa e fizeram sua própria festa. Envergonhados, os anfitriões
rapidamente enviaram uma oferenda apaziguadora de “carne, pão, vinho e
muitas outras sutilezas”. E assim a crônica da cidade termina com
satisfação: “o respeito da cidade por ele foi mantido, e não perdido.”63
Iluminuras de manuscritos e outros quadros de festas profanas nos
fornecem mais informações do que antes a respeito dos arranjos quanto aos
lugares. Sempre que aparece um casal, a mulher está sentada à esquerda. Se
há três homens e duas mulheres, eles não se sentam alternadamente;
primeiro vêm os três homens, um depois do outro, e a seguir as duas
mulheres. Quando o número de comensais é maior que seis ou sete, às
vezes homens e mulheres se intercalam, mas também podem ficar
separados, especialmente em festas de casamento. Neste caso a noiva
preside. Representações das bodas de Caná muitas vezes mostram a noiva
presidindo, sentada sob um pálio, com duas acompanhantes do sexo
feminino ao lado.64

Jantar cotidiano num salão da Inglaterra no século XV. No centro está sentado o senhor da casa e
sua mulher, à direita dois sacerdotes, à esquerda dois filhos e uma filha. Um criado ajoelha-se para
servir. Iluminura de Luttrell Psalter, c.1420-40.

A hierarquia não apenas determinava onde o comensal se sentava, mas


também sua porção de comida. Uma disposição do delfim Humberto II de
Valois (que reinou entre 1333 e 1349) dividia sua casa em cinco categorias:
o próprio delfim, barões e cavaleiros mais importantes, cavaleiros menos
importantes, proprietários de terra junto com capelães e empregados da
capela e finalmente servos e valetes. Estipulava-se o que cada grupo deveria
receber como ração diária, partindo da premissa de que quanto mais alto na
escala social, maior a porção. (O corolário disto era o princípio de que
quem recebia mais deveria dar mais em esmolas para os pobres que ficavam
no portão.) Os convidados mais humildes e os servos jamais recebiam ave;
os capões e as galinhas eram reservados para as ordens superiores. Carneiro
e carne fresca de porco também eram considerados apropriados apenas para
as classes mais altas, enquanto carne de boi e carne salgada eram julgadas
suficientemente boas para os servos. No entanto todos ganhavam legumes
frescos.65
Essa associação entre alimento e posição social estava presente em toda
parte. Os registros da Confraria de Todos os Santos em Sevilha, detalhando
os festejos para os anos 1438-69, mostram que os membros da entidade e
seus convidados pobres, embora se sentassem à mesma mesa, recebiam
alimentos diferentes.66 As regras da casa do quinto conde de
Nothumberland também deixavam claro que capões e carneiro, nas estações
em que se tornavam produtos mais caros, deviam ser servidos apenas em
sua mesa. Nos dias de festa era a mesa do conde que consumia os
maçaricos, adens, garças e faisões.67 Uma análise dos cardápios ingleses do
século XV mostra isso. Aves de caça, como faisões, garças, cisnes e pavões,
eram reservadas estritamente à mesa alta. A legislação suntuária na verdade
reconhecia uma correlação direta entre comida e status social. Em 1363, por
exemplo, uma lei inglesa especificava uma refeição diária de carne para os
“servos dos senhores, e também os dos misteres e artífices”; a outra refeição
devia consistir de manteiga, queijo ou o que quer que fosse, de acordo com
a posição.68 A legislação do século XV nas cidades do norte da Alemanha
determinava não apenas o número de pratos como também o número de
convidados permitidos num banquete.69
Um senso de hierarquia permeava o jantar. Na festa de coroação de
Ricardo III apenas a mesa do rei tinha três serviços; os senhores e senhoras
tinham dois, e as pessoas comuns apenas um. Menor número de iguarias foi
servido aos senhores e às senhoras; só o rei comeu pavão.70 Numa festa
dada por Henrique V para a Ordem da Jarreteira, em Windsor, em 1416, à
qual o imperador Sigismundo estava presente, os três pratos pictóricos ou
“sutilezas” foram servidos apenas na mesa alta: “E todas estas sutilezas
foram servidas ao imperador e ao rei, e a ninguém mais; os outros senhores
foram servidos de sutilezas conforme sua importância e grau”.71 Por volta
de 1517, o excesso de comida em banquetes na Inglaterra tinha ficado tão
fora de controle que uma proclamação tentou dar ordem à situação.
Decretava que o número de serviços deveria “ser regulado segundo a
posição da pessoa mais importante entre os presentes”: nove serviços para
um cardeal, seis para um lorde do Parlamento e três para um cidadão com
uma renda anual de 500 libras.72
Cerimonial de ablução das mãos. Os convivas entram pela direita, e um servo derrama água em
suas mãos. À mesa a mesma ação acontece com um personagem real servido de joelhos. Iluminura
italiana, c.1320-50.

Em qualquer casa, a norma continuava sendo de duas refeições por dia


— jantar e ceia, uma refeição mais leve, logo após o crepúsculo. No
entanto, ao longo do século XV começaram a acontecer pequenas
mudanças. A ceia passou para mais tarde, às sete ou oito horas, e apareceu o
desjejum, ainda raro.73 No Black Book de 1478, da casa de Eduardo IV, o
desjejum era permitido apenas aos proprietários de terra ou superiores. A
mesma fonte também informa que o jantar era às dez da manhã e a ceia às
quatro da tarde, caso o rei e a rainha fizessem as refeições no salão; quando
eles comiam privadamente em seus aposentos — o que ia se tornando cada
vez mais comum — ambas as refeições eram servidas uma hora mais
tarde.74
O ritual do comer era mais ou menos o mesmo por toda a Europa,
dependendo da posição hierárquica dos comensais e da grandeza da
ocasião. Todas as refeições começavam com a ablução das mãos (embora
em geral com muito menos formalidades que as abluções de Carlos, o
Audaz, descritas anteriormente). O rito da prova — testar praticamente tudo
para verificar a presença de veneno — era padrão apenas para monarcas e
outros nobres, até os que tinham o título de conde (pelo menos na
Inglaterra).75 Vários funcionários domésticos eram encarregados de realizar
essa tarefa, mas quase sempre o mordomo testava a bebida, e o despenseiro
a comida.76 Chifres de unicórnio (normalmente dentes de narval) tinham sua
função em tais testes, mas eram muito mais comuns os dentes fossilizados
de tubarão — que se acreditava ser “línguas de serpente” — que muitas
vezes vinham amarrados com pequenas correntes à taça ou ao saleiro.
Pedras de bezoar, um nódulo calcáreo que se forma no estômago ou
intestinos de certos animais, também eram usadas como antídoto contra
veneno. Tais objetos eram raros e altamente valorizados, portanto tidos
como bons presentes. Em 1318 Felipe, o Longo, deu ao papa João XXII um
“belo languier de ouro, entremeado de rubis, esmeraldas e belas pérolas,
contendo seis línguas de serpente”.77
Nos grandes banquetes, os pratos entravam em procissão. Em 1490, nas
festas de casamento de Afonso, filho de João II de Portugal, um toque de
trombetas, tambores, charamelas e sacabuxas assinalou a entrada dos reis de
armas, arautos e passavantes, todos de cabeças descobertas, exceto o
principal membro da procissão, o camareiro-mor. Ao chegar ao centro do
salão, todos se curvaram profundamente em frente à mesa do rei. Assim
cada serviço era trazido, inclusive um que consistia de um carro dourado
com um boi e carneiros assados, ambos com chifres e cascos dourados.78
Numa festa dada na Bastilha, em 1518, a procissão começou com oito
trombeteiros, seguidos por 12 arqueiros e seu capitão, cinco arautos, oito
oficiais e finalmente o grande mestre. Vinte e quatro pajens de honra
levaram os pratos para a mesa alta, enquanto os arqueiros carregavam o
resto.79 A comida, como revela as iluminuras dos manuscritos, era servida
de joelhos.

Um despenseiro em ação numa festa de casamento, com a noiva entronizada sob um pálio e suas
damas de honra ao lado. Terminado seu trabalho, ele entrega um prato ao trinchante. À sua frente
estão as três facas que usou para cortar os pães em fatias, algumas diante dos comensais e outras
arrumadas à esquerda. Iluminura flamenga, final do século XV.

O século XV também viu a ascensão do trinchante, um funcionário cujos


deveres limitavam-se à mesa alta.80 Sua tarefa básica continuava sendo
cortar para cada um dos comensais fatias dos pães colocados na mesa pelo
despenseiro. Até mesmo o pão era controlado pela hierarquia; os melhores e
mais frescos cabiam ao anfitrião e seus convidados. Era o que se chamava
de pain de maine, e sua melhor parte, sem a casca, sempre ia para o senhor.
Os que se sentavam mais abaixo no salão recebiam pão de três dias. As
fatias eram substituídas ao longo da refeição e apareciam ao final para a
distribuição entre os pobres.81 O trinchante também cuidava de outras
iguarias. Vemo-lo ao trabalho, por exemplo, na miniatura de janeiro nas
Très riches heures, com as facas ordenadamente colocadas à frente,
enquanto exercita sua destreza num prato de aves. Seu papel incluía cortar a
comida e entregar os pedaços para os comensais, mergulhando-os antes no
molho apropriado. No caso das tortas, tinha de abrir a tampa e tirar o que
havia dentro. Apenas a carne de veado era deixada dentro da crosta. O
trinchante também tirava as espinhas dos peixes. Regras estritas definiam
como ele deveria fazer o trabalho. Nenhuma comida podia ser tocada com a
mão direita, usavam-se apenas o polegar e dois dedos da esquerda. Cada
comida devia ser cortada de uma maneira específica. No entanto, apesar de
tais restrições, os peritos trinchantes desenvolveram estilo e graça que se
tornavam quase um bailado.
O cardápio do final do período medieval continuava sendo ditado pelo
calendário da Igreja. Quatro dias na semana eram sem carne, e também todo
período de penitência do Advento e da Quaresma. Um cozinheiro como
mestre Chiquart elaborava os cardápios dos dias de carne e dos dias sem
carne lado a lado, mas a estrutura da refeição era a mesma, não importando
o que fosse servido. Sabemos disso porque a quantidade de evidências
escritas nos permite pela primeira vez imaginar uma refeição medieval em
detalhes.
O banquete para a embaixada húngara já nos mostrou o formato, que era
de serviços sucessivos. Le ménagier de Paris apresenta 24 tipos de
cardápios divididos entre os pratos com carne e os programados para dias
de peixe, alguns consistindo em apenas dois serviços (ou, como o Ménagier
os chama, mets ou assiettes), outros em três ou quatro. Mas mesmo um
cardápio de dois serviços poderia ter um primeiro serviço de 24 pratos e um
segundo de 31.82 A comida era servida em messes — quer dizer,
quantidades a serem partilhadas por duas ou três pessoas, da mesma forma
que utensílios, como copos e taças. Muitos pratos de cada serviços podiam
ser colocados na mesa ao mesmo tempo, e o anfitrião e seus hóspedes se
serviam. Essa prática tornou-se conhecida mais tarde como service à la
française.
Embora o número de pratos e serviços variasse, a seqüência-padrão era
fixa, por basear-se em teorias estabelecidas sobre o corpo humano. O
homem medieval via o seu estômago como uma panela que precisava de
calor para funcionar e que, ao final da refeição, precisava ser “fechada”.83
Tudo se enquadrava nesse regime. Os assados, por exemplo, exigiam que o
estômago estivesse em plena operação, de modo que se situavam no centro
da seqüência. Um jantar podia abrir com frutas frescas, ou saladas
temperadas com sal, óleo e vinagre, junto com confeitos contendo anis ou
sementes de cominho com mel ou açúcar. A bebida seria vinho
condimentado. Tais alimentos preparavam o estômago para os caldos ou
sopas que se seguiam (embora estes, como fossem “quentes e úmidos”,
portanto facilmente digeríveis, muitas vezes iniciassem uma refeição
comum). Com o estômago bem aquecido, chegava a hora dos assados e
seus vários molhos. Vinha então uma interrupção, o entremet, ocasião para
a apresentação das comidas espetaculares, como pavão cozido e montado
com suas próprias penas, ou as pompas apresentadas no banquete húngaro.
O objetivo, qualquer que fosse a escala do acontecimento, era fazer uma
pausa antes da sobremesa. Esta consistia de tortas doces ou filhoses,
seguidos pelo que os franceses chamavam de issue de table — queijos,
frutas cristalizadas e bolos ou biscoitos leves servidos com hipocraz ou
vinho da Malvasia. Com isso se “fechava” o estômago. Qualquer que fosse
o número de serviços, esta era a ordem geral seguida, de acordo com os
historiadores. No entanto, talvez nem sempre isso acontecesse, pois entre os
médicos medievais grassava um debate feroz sobre a seqüência exata em
que a comida devia ser servida, se primeiro deveria vir o sólido ou o
líquido. Daí se originou uma litania de queixas de que a seqüência que eles
encaravam como melhor estava sendo ignorada na prática.

Jantando ao ar livre numa caçada. O senhor e seus convidados estão sentados a uma mesa alta, e o
resto come em toalhas estendidas na grama. Iluminura francesa, começo do século XV.
Vamos examinar dois pequenos cardápios ingleses do século XIV, que
deixarão mais claro que qualquer generalidade como o sistema funcionava.
Em dias de carne:
Cabeça de javali armada, caldo de Almain como sopa, depois marreco assado e galinhola,
faisão e maçarico. O segundo, perdiz, coelho, pato selvagem [todos presumivelmente
assados] com blandesire [um manjar branco com pedaços de galinha], caudel ferre [vinho
adocicado e engrossado, aquecido com gema de ovo batida] com flampoyntes [empadão com
recheio de carne de porco decorado com massa frita] de creme e tortas. A terceira rodada,
calhandra, tarambola e galinha recheada, depois mawmene [neste caso, um prato de carne ou
galinha picada num molho de vinho e amêndoas moídas].

Nos dias de peixe:

A primeira rodada, ostras ao molho, lúcio e arenque assado [defumado?], bacalhau e pescada
frita. A segunda rodada, galantina de toninha, depois congro e salmão fresco dourados,
assados e flampoyntes. A terceira rodada, sopa rosada [colorida de maneira a parecer pétalas
de rosa] e creme de amêndoas, e então esturjão, lampreia, dariole [torta de creme], lech frys
de fruta [torta com frutas picadas e condimentadas ao leite de amêndoa] e nyrsebake [um
filhó].84

Outro fato marcante a respeito dessa época é o surgimento de livros de


instruções sobre etiqueta, em grande parte referentes às maneiras à mesa.85
Pode parecer que comer numa mesa medieval nada mais exigisse além de
saber como usar a faca, a colher e os dedos (os garfos ainda não haviam
aparecido). Mas na verdade o processo era tão prenhe de questões a respeito
do comportamento adequado quanto qualquer jantar vitoriano. Muito mais
que hoje em dia, comer e beber davam uma estrutura primária à conversa e
ao convívio, e aumentava a importância de qualquer gesto à mesa. Muito
diferente dos grandes festejos, a mesa do jantar diário era um instrumento a
ser usado para os negócios do senhor, até mesmo num nível baixo. Temos
um desenho feito num camafeu que retrata a viúva Alice de Breyne
recebendo em seus domínios de Acton, 32 quilômetros ao norte de
Colchester, em Essex. Entre a primavera de 1412 e a primavera de 1413
serviu mais de 16 mil refeições, uma média de 45 por dia, das quais apenas
24 eram para seu próprio pessoal. As demais eram para convidados. Ela
dava uma festa de Ano-Novo para 500 pessoas todos os anos, um grande
acontecimento no qual era contratado um harpista; mas a grande maioria de
seus convidados diários vinha para negócios — eram equipes de outros
domínios, bailios, auditores, arrendatários.86 O almoço de negócios
certamente não é uma invenção do século XX.
Os tratados sobre boas maneiras multiplicaram-se nesse período,
demonstrando não só o crescimento do número de leigos alfabetizados
como também o agudo desejo de ascender socialmente. Um dos mais
influentes livros de etiqueta do século XIV foi Cinque volgari, de Bonvesin
de la Riva. Não era dirigido a um público aristocrata, mas à emergente
burguesia italiana. Cinque volgari trata de tudo. O comensal devia entrar no
salão bem-vestido, alerta, alegre e afável o tempo todo. Cumpria ser
gracioso em sua conversa tanto antes como durante a refeição. À mesa, não
devia ficar relaxado, nem se torcer, nem apoiar-se nos cotovelos, cruzar as
pernas, encher demais a boca, criticar a comida ou a bebida, ou molhar o
pão no vinho. Cabia lembrar-se de virar para o lado quando espirrasse ou
tossisse e de cortar a carne para as senhoras. Tais regras estritas — e estas
são apenas algumas delas — apareciam pela primeira vez e seriam
reiteradas durante os séculos até os nossos tempos.
Livros e versos sobre o tema apareceram mais cedo na Itália e na França
do que na Inglaterra. Na Inglaterra e no norte da Europa havia muito mais
ênfase na hierarquia, um aspecto resumido no título de um livro inglês do
século XV: “Para ensinar todos homens que desejarem servir um senhor ou
mestre em tudo o que lhe agrade.” Era de se esperar que a maioria dos
jovens de classe alta, como o proprietário de terras de Chaucer, que fazia as
vezes de trinchante para o pai, aprendesse a etiqueta cortesã. Na corte de
Eduardo IV era tarefa do mestre de Henchmen ensinar aos jovens uma
ampla gama de habilidades sociais, inclusive “a maneira masculina de
comer e beber”. The Babes Boke, escrito por volta de 1475, é típico no
gênero. Começa com a chegada do senhor, ao meio-dia. Esteja pronto, diz o
livro, com a água para ele se lavar e uma toalha. Espere que sejam dadas
graças, mas não se sente até que o senhor permita. Então fique quieto e não
conte histórias.

Corte com a faca o pão e não o quebre;


Uma fatia limpa está diante de você,
E quando sua sopa lhe for trazida,
Pegue a colher e não se permita soprar,
E no prato não a deixe, eu lhe peço
Nem em cima da mesa,
Sujando a toalha, que deve ficar limpa.87
O poema continua com uma longa lista. Não inclinar a cabeça para a
mesa, não beber com a boca cheia, não mexer no nariz, nos dentes ou nas
unhas, não encher demais a boca, não pegar na parte superior do copo (eles
eram partilhados), não passar a carne no sal, não colocar carne na boca com
a faca e, mais importante, não comer feito um camponês. Falar apenas
quando lhe dirigirem a palavra, limpar a boca antes de beber, dividir
qualquer pedaço bom com os outros convivas, manter-se sentado até a
ablução final das mãos e ajudar as senhoras que estiverem perto.
No relato de Gentile Sermini, de Siena, a respeito de um cozinheiro
urbano que se queixava da conduta nada refinada de uma pessoa do campo,
podemos ver quanto os bons modos acentuam a divisão social:
Ele enche a tigela com pedaços compridos de pão, que corta segurando-o contra o peito.…
Quando as mãos estão engorduradas, não sabe o que fazer, pois está acostumado a limpá-las
no peito ou nos lados, para não sujar a roupa ou a toalha branca. Qualquer um que não fosse
um aldeão ficaria desgostoso com seus modos.
É costume seu devorar tudo em sua grande tigela, antes mesmo de comer o primeiro
bocado de carne; então ele mistura tudo: carne e molho e grandes pedaços de pão. Não lambe
os dedos, simplesmente, parece que está chupando fiedoni [uma massa com recheio mole].88

Algumas refeições não eram apropriadas para conversas, em especial


quando feitas privadamente nos aposentos particulares. Christine de Pisan
conta que Jeanne de Bourbon, esposa de Carlos V, “segundo um antigo
costume real”, tinha ao pé da mesa um homem letrado para ler, durante as
refeições, livros sobre feitos virtuosos dos tempos passados.89 Nisso vemos
a prática da corte de Carlos Magno ainda com força seis séculos depois. Da
mesma forma, Froissart registra que costumava ler sua romança Méliador
para Gaston de Foix, intercalando canções compostas por Venceslau da
Boêmia: “Tais coisas, graças à habilidade com que eu as inseria no livro,
agradavam muito ao conde, … enquanto eu lia ninguém podia dizer uma
palavra…”90
Esse senso de crescente divisão social, já sugerido pelo hábito de jantar
nos aposentos privados, era também expresso em ocasiões mais sociais. Ao
final de uma festa no salão, o anfitrião escolhia alguns convivas para
acompanhá-lo a seus aposentos, onde, nas palavras de To Serve a Lord,
“eles se alegravam com as novidades, conforme exigido pela época do
ano”, servindo-se de vinhos doces ou condimentados.91 Nas casas
aristocráticas, este era o sinal para apresentar a drageoir, uma caixa com
condimentos açucarados ou confeitos, passada de mão em mão, com
cerimônia. Na corte papal em Avignon, no século XIV, desenvolveu-se um
ritual segundo o qual o próprio papa distribuía pessoalmente delicadas
iguarias para seus capelães, após os banquetes de Natal ou de Páscoa.92 Na
corte da Borgonha, o épicier, ou alguém de sua equipe, entrava nos
aposentos ducais levando o drageoir com seus temperos. O duque e a
duquesa eram então servidos pelos sobrinhos e todos os outros príncipes e
condes da família. Depois disso o camarista-mor ou o chevalier d’honneur
da duquesa tomava o drageoir e servia os sobrinhos e sobrinhas dos
duques.93
Nem todos os jantares reais e principescos eram tão decorosos. Carlos VI
da França gostava de mulheres e da boa vida, e suas festas com os
camaradas causaram, por volta do ano 1400, uma enxurrada de literatura
moralizadora que lança muita luz sobre a importância das refeições reais no
período medieval.94 Como regra, Carlos jamais se levantava antes do meio-
dia, muitas vezes deixando de ir à missa; jantava em seguida e ceava às
seis. Além disso, as ceias reais não se realizavam no palácio, mas no Hôtel
St. Paul, para onde Carlos convidava seus favoritos. Esperava-se que cada
um fosse mais extravagante que o outro, no que dizia respeito à
indumentária. Ali a hierarquia à mesa era ignorada, a conversa era leviana e
educada, os folguedos corteses entre os sexos muitas vezes iam longe
demais e comia-se e bebia-se muito. O que é pior, ao pecado da gula
acrescentava-se o do jogo, estritamente proibido pela Igreja, com o luxo e a
luxúria espreitando. Um comportamento desses num monarca provocava
críticas acerbas, e a culpa caía sobre os cortesãos malvados, parvenus que
haviam levado o rei para o mau caminho. Os protestos, no entanto,
decorriam de algo mais profundo que a mera repulsa ao pecado. O rei era
visto como a cabeça do corpo político, os camponeses eram seus pés.
Constituía dever do rei desempenhar o papel de governante, deixando-se
ver comendo, sentado de maneira a refletir seu significado hierárquico, a
comida que os “pés” haviam produzido. Ao deixar de fazer isso, Carlos
estava violando a ordem estabelecida e abdicava de sua responsabilidade.
Jantar burguês. Um mercador e sua mulher comendo no quarto de dormir, com um banco e uma
mesa de cavaletes montados em frente ao fogo. Iluminura flamenga, c.1440.

As festas do rei à meia-noite eram sintomáticas de outro desvio histórico.


Em 1400 os aristocratas estavam cada vez mais sem função, com alguns de
seus deveres militares e administrativos desempenhados por profissionais.
Eles tinham dinheiro e tempo, e estavam aborrecidos. Alimentos mais
complexos e novas maneiras de comê-los, como todas as formas de
extravagância, das roupas outrées às coleções obsessivas, davam um
propósito às horas ociosas.
Isso era viver em grande estilo, e inevitavelmente é sobre esse tema que
mais sabemos. Por que não descer a escala social? Pela primeira vez, graças
às iluminuras dos manuscritos, somos capazes de ter uma idéia das famílias
burguesas e camponesas à mesa. Aqueles que estavam na faixa média,
tinham um cozinheiro e talvez um servo ou dois, comiam num dos
aposentos da casa. Muitas vezes a mesa era redonda e normalmente coberta
com um pano. A atmosfera era claramente caseira. Havia facas para cortar o
pão e os assados, colheres para comer e uma jarra e copos para beber,
embora muitas vezes estes fossem partilhados.
Mais abaixo na escala social, a despeito da explosão culinária que
acontecia mais acima, os camponeses jantavam como sempre o fizeram.
Cozinhar e comer acontecia no mesmo aposento; um único prato, do qual
todos os comensais se serviam (muitas vezes com os dedos), ficava no
centro da mesa. As refeições consistiam de pão, uma simples sopa seguida
por peixe ou carne, se a sorte lhes sorria, um pedaço de queijo comido com
cerveja, cidra ou vinho. Só nos dias festivos — e nem sempre — tinham
acesso a aves, coelho ou lebre.95
EM CENA O ENTREMET
Poucas áreas de estudo na história da alimentação são mais surpreendentes
do que o intervalo que precedia a apresentação da sobremesa e era chamado
de entremet.96 Hoje em dia entremet, em francês, significa nada mais nada
menos que sobremesa, ou o próprio serviço de doces. Mas nos tempos
medievais a coisa era muito mais complicada. Em 1457, data de nosso
banquete para os húngaros, entremet, que basicamente significa “entre os
pratos”, referia-se ao que era na verdade uma série de espetáculos que
pontuavam uma festa. Isso podia envolver carros alegóricos, músicos,
cantores, atores, dançarinos — em suma, qualquer tipo de efeito visual. No
entanto, a primeira vez que a palavra aparece é no final do século XII,
quando o cronista Servion descreve uma festa dada por Humberto, duque de
Sabóia: “… grande festa, tanto de serviços, de entremet, de mímicas, de
danças.” Ou seja, a festa incluiu danças e mímicas, consistiu em vários
pratos e apresentou entremets. E quais eram eles?
O consenso geral é que a palavra entremet inicialmente designava certos
pratos coloridos, tais como brouets. Isso ao menos a vincula ao advento de
comidas exóticas e à ascensão do culto da cor. Também sugere uma
associação com outro desenvolvimento culinário do século XIV, o gosto por
moldar os alimentos em estranhas formas figurativas. Um livro de receitas
anglo-normando do final do século XII inclui um prato de carne bem
temperada, adoçada com mel e misturada a queijo e amêndoas, chamada
teste de tourk. Seria feita à feição de uma cabeça [tête] de turco? A primeira
versão do Viandier, de cerca de 1300, apresenta vários pratos que nas
versões posteriores do manuscrito são chamados de entrèmes. Um deles é
bastante elementar, feito de carne moída com especiarias, cozida e
engrossada com pão e misturada com açafrão, para ganhar tom amarelo.
Depois polvilhava-se a carne com canela e adicionava-se agraço, para ficar
com um sabor ácido. Exceto pela cor, no entanto, é difícil ver esse tipo de
prato como ancestral do que veio a se tornar uma grande produção teatral.
No começo do século XIV, os entremets começaram a se transformar em
algo muito mais exótico. O Liber de coquina daquela data dá a receita de
um capite monachi (cabeça de monge) feito de massa, frutas e especiarias
que tinha uma coroa em forma de ameias; o livro também fornece receitas
das estatuetas de um músico e de um prestidigitador feitas em massa. Para o
mesmo período, as receitas mais antigas ensinavam como cozinhar um
pavão e servi-lo recomposto com as penas. No final do século, no Viandier,
o pássaro era dourado e servido com a cauda aberta. No entanto, quando
cruzamos o século XV, no manuscrito do Vaticano do Viandier aparece um
novo tipo de entremet que em tese nada tem a ver com o cozinheiro e tudo a
ver com o equivalente medieval do aderecista e pintor de cenários. Incluí
um castelo, são Jorge, santa Marta e um cavaleiro montando um cisne.
Trata-se, aparentemente, de uma série de préstitos que deveriam entrar na
arena do jantar.

Pratos figurativos como entremet. Um pavão com as penas abertas é servido num banquete.
Iluminura francesa, século XV.

Com isso fica claro que por volta de 1400 a palavra entremet referia-se a
várias manifestações que tinham lugar nos intervalos entre os serviços nos
grandes banquetes. Havia, por exemplo, o prato solitário trazido em triunfo,
e também coleções de pratos, reunidos como parte de um carro triunfal
sobre rodas que às vezes incluía cantores e atores. E finalmente um evento
puramente teatral, em que a comida desempenhava um papel pequeno, ou
mesmo papel algum. E esses tipos de entremets se misturavam e
sobrepunham.
Em setembro de 1317, o papa João XXII deu uma festa em Avignon para
o sobrinho. Nela aconteceu um entremet feito com 20 capões e outras aves
misturadas com farinha de trigo, açúcar, confeitos e mel, no formato de um
castelo.97 A obra claramente destinava-se a ser comida. Quase 30 anos
depois, em 1343, o cardeal Annibale de Ceccano deu uma recepção para o
papa Clemente VI, também em Avignon. Desta vez o castelo não se
destinava a ser comido, mas era muito maior, suficientemente grande para
conter um veado adulto, um javali, algumas corças, lebres e coelhos (que
devem ter sido comidos). Após o quinto serviço apareceu uma fonte, acima
da qual havia uma torre e uma coluna. Delas jorravam cinco tipos de vinho,
e, assim como o castelo, o conjunto era enfeitado com esculturas
comestíveis: pavões, faisões, perdizes, garças e outras aves de caça. Entre o
sétimo e o oitavo serviços foram trazidas duas árvores, uma delas prateada,
com maçãs, pêras, figos e ameixas douradas, e outra verde e cintilante, com
doces de frutas multicoloridas. Eram claramente sobremesas.98
Na corte papal em Avignon, o entremet já havia percorrido um longo
caminho desde o simples prato com um cisne ou um faisão em suas próprias
penas, ou — outro favorito — o javali cuspindo fogo. Mas uma corte
longínqua como a escocesa estava bem atrasada. O javali era ainda visto
como o máximo da sofisticação em 1449, quando uma filha do duque de
Guelders casou-se com Jaime II: “O primeiro prato a ser trazido e
apresentado a eles [ao rei e à rainha] foi uma cabeça de javali num prato
imenso. Em volta da cabeça havia bem umas 32 bandeiras com as armas do
rei e de outros senhores do país. Então o recheio foi consumido em chamas,
para grande alegria de todos na sala.”99 Em outros lugares, como por
exemplo a corte da Sabóia, tais coisas eram estritamente passées. Vinte
anos antes mestre Chiquart havia descrito como fazer uma cabeça
flamejante de javali, antes de passar rapidamente para uma construção
muito mais interessante e complicada, à maneira de Avignon: “um castelo,
no meio do qual havia uma Fonte do Amor”, carregado numa liteira por
quatro homens. De acordo com a sua descrição, as muralhas do castelo
eram de massa feita de carne pintada, rodeadas por ondas; galeras e navios
cheios de soldados aproximavam-se para atacar a fortaleza. Dentro dele,
três ou quatro jovens deviam estar sentados, “tocando muito bem uma
rabeca, um alaúde, um saltério e uma harpa; e eles deveriam ter boas vozes
e cantar canções suaves e agradáveis”. O interior do castelo deveria ter
quatro torres repletas de modelos de arqueiros e balesteiros. Em cada torre
haveria uma árvore com flores, frutos e pássaros. E então vinha o que
mostra claramente a ligação entre os elementos: ao pé das torres viria um
verdadeiro zoológico de animais comestíveis — a cabeça de javali cuspindo
fogo, um lúcio grande cozido de três maneiras diferentes, um leitão
confeitado e um cisne com suas penas (também cuspindo fogo). Antes (e
mesmo então nas lonjuras como a Escócia) cada um destes últimos itens
teria aparecido separadamente. E havia mais: da Fonte do Amor, no interior
do castelo, deveria jorrar água de rosas e vinho quente, e gaiolas de pombos
e outros pássaros vivos ficavam penduradas acima dela; um pavão com a
cauda aberta e recheado com carne de ganso assada (possivelmente uma
prova de como era ruim a carne de pavão) ficava perto da fonte; o pátio do
castelo deveria estar cheio de bonecos feitos de pasta de carne — lebres,
cachorros, veados, porcos selvagens e caçadores —, bem como de itens
comestíveis, como perdizes, galinhas disfarçadas de ouriços, lagostas e
bolas de carne com geléia espalhada em cima. No ponto mais alto do
castelo, uma floresta de bandeiras heráldicas, galhardetes e flâmulas. Um
peso considerável para quatro homens e uma liteira.100
A corte borgonhesa iria levar tudo isso ainda mais longe, coreografando
os alimentos num espetáculo esmagador, destinado a exaltar a dinastia
ducal. Quando em 1435 o duque promoveu uma festa, pouco depois do
tratado de Arras, para o rei René de Anjou, a decoração consistia de duas
grandes mesas; em cada uma delas foi colocado um pilriteiro coberto de
flores de ouro e prata, com a folhagem enriquecida com ouropel e adornada
com as armas heráldicas da França e dos outros convidados. Dezoito
árvores menores tinham as armas ducais. Essa decoração compunha a
entrada do entremet, em que havia um pavão cercado por dez leões
dourados, cada qual com uma bandeira figurando as armas de todas as
terras ducais.101Tal composição é o exemplo máximo da superimposição da
heráldica sobre os alimentos com propósitos políticos, um leitmotiv de
todos os banquetes borgonheses — e que as outras cortes logo iriam copiar.
Na realidade os duques não governavam reino algum, mas um grupo de
domínios espalhados; ao ostentar as cotas d’armas assim reunidas, tentavam
forjar uma unidade que nunca existiu.
O movimento de transformar o banquete de Estado num cenário político
deve ter atingido seu apogeu nos festivais que marcaram o casamento de
Carlos, o Audaz, com a princesa Margaret de York, em 1468. Nessa
ocasião, duas festas tentaram alcançar a apoteose dinástica por meio da
comida metamorfoseada. Na primeira ocasião, os convivas encontraram, ao
entrar, 15 cisnes dourados e seis prateados, cada um com o colar da Ordem
do Velocino de Ouro e as armas de cada cavaleiro. A mesa estava
abarrotada de elefantes carregando castelos, camelos com cestas, veados e
unicórnios em ouro, prata e azul, cheios de confeitos. Cada figura levava
uma bandeira com as armas de uma província do duque.102 Poucos dias
depois houve uma reprise no banquete final. Desta vez havia 30 pratos nas
mesas, cada um com jardins em miniatura cercados por sebes douradas. No
meio do salão, uma árvore dourada tinha carnes empilhadas à sua volta; a
árvore propriamente dita era ornada com frutos, flores e as armas das 30
abadias dos domínios ducais. Perto do lugar do duque, um modelo de
palácio exibia figuras mecânicas e uma fonte jorrava água de rosas, como se
estivesse regando os jardins em miniatura.103
Na Inglaterra do século XV, a comida como alegoria seguiu uma direção
muito diferente daquela da Europa continental. O fenômeno, aí, veio a ser
conhecido como sutileza.104 É difícil saber se as sutilezas eram comestíveis,
mas certamente eram feitas para se colocar à mesa de jantar. Já as vimos
mencionadas no relato de George Cavendish sobre os alimentos figurativos
apresentados pelo cardeal Wosley aos embaixadores franceses em Hampton
Court, em 1527. Porém a referência mais antiga às sutilezas aparece na
descrição de um banquete dado pelo bispo de Durham a 23 de setembro de
1387. Ao final de cada serviço, aparecia a frase “E uma sutileza”. Mas só
em 1417 encontramos a descrição de uma delas, numa festa celebrando a
entronização de John Chaundler como bispo de Salisbury. Na ocasião, foi
apresentada ao bispo uma série de sutilezas — um Agnus Dei, um leopardo
e uma águia. Quatro anos depois temos uma descrição levemente ampliada
no banquete de coroação da noiva de Henrique V, Catarina de Valois. A
primeira sutileza era um pelicano alimentando os filhos com o sangue do
peito, uma figura heráldica clássica; a segunda era a homônima da rainha,
santa Catarina, padroeira do conhecimento, discutindo com doutores
letrados; e a terceira figurava novamente santa Catarina, desta vez com sua
roca. A sutileza final representava um tigre heráldico segurando um espelho
e um homem fugindo a cavalo, carregando os filhotes do animal e jogando
pelo chão outros espelhos. Acreditava-se que um tigre não resistia ao olhar
o próprio reflexo no espelho, de modo que certamente tratava-se de uma
alegoria para Henrique V carregando sua noiva Valois.105
Tudo isso pretendia ser mais que uma mera adulação cortesã. Eram
declarações profundas, expressas nos termos do final do período medieval.
As sutilezas que foram criadas para a coroação da filha do rei Henrique VI
em 1432 tentavam estabelecer uma iconografia real inteiramente nova para
a esperada monarquia dual de França e Inglaterra. Cada sutileza tinha seu
significado expresso em versos de John Lydgate. A série culminava com os
santos patronos dos dois países, são Jorge e são Denis, apresentando o
jovem monarca à Virgem, que lhe oferecia uma coroa. Os versos eram
como uma invocação:
Ó senhora abençoada, santa mãe de Cristo
E vós, são Jorge, chamado de seu cavaleiro;
Ajudem são Denis. Ó, mártir por completo,
O sexto Henrique aqui presente à sua vista…
Tanto por descendência e por título com direito
De com justiça reinar sobre a Inglaterra e a França.106

A tradição britânica da sutileza permaneceu vigorosa por todo o século


seguinte. O hábito não se limitava aos círculos real e episcopal. As sutilezas
podem ser vistas nos registros sobreviventes de uma série do século XV
descrita como apropriada para uma cerimônia de casamento. A festa deveria
consistir de quatro rodadas, e a sutileza final representava uma esposa
deitada em sua cama, após o parto, com uma legenda em que se lia: “Estou
indo ver sua noiva, se você me olhar de frente, como imagino que deva
fazer.”107 É de se imaginar a reação da pobre noiva.

O entremet como espetáculo era apenas um aspecto da enorme expansão de


todos os tipos de entretenimentos associados aos jantares de gala. Havia
muito que música e canções faziam parte de qualquer banquete, mas por
volta de 1300 elas passaram a ter um papel muito mais destacado e
complexo. Em 1306, na investidura como cavaleiro do filho mais velho de
Eduardo I, os convivas levaram seus próprios menestréis para cantar
chansons de geste, histórias da antiga cavalaria sobre o rei Artur,
Alexandre, o Grande, a Guerra de Tróia, Godofredo de Bouillon, Jasão e o
Velocino de Ouro. Eduardo I tinha 27 menestréis, Eduardo III, 16.108 Eles
devem ter tocado harpa, saltério e alaúde, bem como instrumentos de sopro
e percussão. À medida que o século avançava, a música tornou-se muito
mais desenvolvida e internacional, com trupes de músicos indo de uma
corte a outra, e escolas de menestréis reunidas durante a Quaresma. Passou-
se também a distinguir a música apropriada para o salão da música para os
quartos. No salão era a haute musique, ela própria dividida em musica alta
para instrumentos de sopro e basse musique para instrumentos em surdina,
acompanhados de voz. Pesquisas recentes sugerem que algumas das
chansons polifônicas francesas com textos simbólicos que chegaram até nós
eram, na verdade, feitas para entremets. Pelo que se sabe da corte
borgonhesa, tal sugestão parece correta: os grandes entremets exigiam não
apenas os serviços dos músicos e chantres do próprio duque, mas também
os talentos locais nas cidades em que o duque estivesse.109
O mais extraordinário de todos os processos relacionados ao comer no
final da Idade Média é o surgimento do entremet teatral. Representa um
salto imaginativo de simples recital dos eventos dramáticos descritos nas
romanças a uma encenação real na arena do salão. O primeiro registro que
temos de tal tentativa é de 1378, num banquete oferecido por Carlos V ao
imperador Carlos IV. Para nossa sorte, existe uma iluminura desse
espetáculo impressionante, que representava a história do cruzado
Godofredo de Bouillon tomando Jerusalém. Christine de Pisan descreve a
cena da seguinte maneira: “A cidade, grande e esplêndida, feita de madeira
e pintada com os escudos e as armas dos sarracenos (tudo muito bem
executado), foi trazida para diante do estrado. A seguir veio o navio com
Godfredo a bordo: e então o assalto começou, e a cidade foi tomada, o que
foi agradável de ver.”110 Quatorze anos depois, na festa que celebrava a
entrada de Isabel da Bavária em Paris, o assunto foi o cerco de Tróia. Esse
entremet incluía um castelo em miniatura, Tróia, um pavilhão para os
gregos e um navio, mas tudo terminou em desastre, porque a pressão das
pessoas foi tão grande que uma mesa virou, e o grupo real teve de se retirar
para seus aposentos.111
Esses intervalos dramáticos logo se tornaram padrão, pois a idéia se
espalhou com notável rapidez. Já havia alcançado Barcelona em 1399,
quando uma série deles foi encenada na coroação da esposa de Pedro IV de
Aragão. Dessa vez cada serviço era precedido por um pequeno drama —
soldados matando um dragão, músicos numa rocha sustentando um leão
ferido, atores aprisionados num castelo.112 Em 1434, no casamento do filho
do duque de Sabóia, em Cambéry, um navio com velas abertas e cercado de
sereias cantando avançou até a mesa alta, onde descarregou os pratos de
peixe. Na ceia, um cavalo disfarçado de elefante carregando um castelo
entrou a passo marcado. Cupido, vestido com penas de pavão, surgiu do
castelo e atirou rosas brancas e vermelhas para os convivas. Em outra festa,
uma grande torta foi levada num carro e dela saltou um homem fantasiado
de águia, batendo as asas e soltando um bando de pombos brancos.113
Embora Lydgate escrevesse cenários para mímicas modestas no começo
do século XV,114 só em 1502 os espetáculos do tipo borgonhês enfeitaram os
salões de banquetes dos reis da Inglaterra. As fêtes encenadas em novembro
daquele ano duraram uma semana e marcaram um triunfo político do início
da era Tudor, o casamento do filho de Henrique VII com Catarina de
Aragão. Foi usado todo o repertório do entremet: castelos, montanhas e
fontes. Mas o que mais chama a atenção é a participação de membros da
corte. Músicos profissionais, atores e cantores tocaram, declamaram e
cantaram, mas os papéis centrais nos interlúdios dramáticos couberam aos
senhores e senhoras. Num entremet, dois montes, um verde, simbolizando a
Inglaterra, o outro crestado pelo sol, simbolizando a Espanha, eram ligados
por uma corrente dourada. No monte inglês sentavam-se 12 cavalheiros, no
espanhol, 12 damas — uma delas vestida como a infanta —, que desceram
e dançaram o que deve ter sido uma coreografia especial.115 Tal espetáculo
levaria, no devido tempo, às mascaradas da corte dos Stuart.
Nenhuma discussão sobre os banquetes do final do período medieval
estaria completa sem o relato do mais famoso de todos, a Festa do Faisão,
realizada pelo duque Felipe, o Bom, em 17 de fevereiro de 1454, em seu
castelo de Lille. Aconteceu um ano depois da tomada de Constantinopla
pelos turcos, sendo seu propósito lançar uma cruzada européia. Reunidos no
salão para testemunhar o acontecimento estavam não apenas 500 convivas,
inclusive membros da família ducal, a aristocracia e representantes do
comércio e dos negócios, mas também espectadores acomodados em cinco
plataformas especialmente construídas, conhecidas como estrades. Era uma
exibição de hierarquia em grande escala, com o duque vestido de negro e
prata, adornado com jóias no valor de um milhão de écus d’or, e os criados
vestidos de maneira a combinar com seu senhor. A festa durou até as quatro
horas da manhã do dia seguinte, e toda a casa colaborou com ela — poetas,
artistas, músicos e artesãos, para não falar dos cozinheiros ducais, já que
cada serviço tinha nada menos que 48 pratos.116
Entremet realizado num banquete dado por Carlos V da França em honra ao imperador Carlos IV,
1378. Um navio sobre rodas entra pela esquerda, enquanto, à direita, cruzados liderados por
Godofredo de Bouillon atacam e capturam Jerusalém. Iluminura francesa, final do século XIV.

O efeito avassalador do acontecimento é resumido numa carta escrita por


um dos participantes:
Os pratos eram tais que precisavam ser servidos em carrinhos e pareciam infinitos em
número. Havia tantos e tão curiosos que é difícil descrevê-los. Havia até mesmo uma capela
na mesa, e nela um coro, um pastel de carne cheio de flautistas e um torreão emitindo o som
de órgão e outras músicas. Encostada a um pilar, a figura de uma moça bastante despida.
Hipocraz jorrava de seu seio direito, e guardava-a um leão vivo, sentado perto dela, numa
mesa diante do duque meu senhor. A história de Jasão foi representada, num palco elevado,
por atores que não falavam. Meu senhor o duque foi servido por um cavalo de duas cabeças
montado por dois homens sentados de costas um para o outro, cada qual com uma trombeta
tocada o mais alto possível, e depois por um monstro, consistindo de um homem montado
num elefante, com outro homem nos ombros e os pés escondidos. Em seguida veio um veado
branco montado por um menino que cantava maravilhosamente, enquanto o veado
acompanhava-o com a parte do tenor. Em seguida surgiu um elefante … carregando um
castelo no qual estava a Santa Igreja, que fazia piedosos lamentos pelos cristãos perseguidos
pelos turcos e pedia ajuda. Então dois cavaleiros da Ordem do Velocino de Ouro trouxeram
duas damas, junto com um faisão que tinha no pescoço um colar de ouro cravejado de rubis e
grandes pérolas. Essas senhoras pediram ao meu senhor o duque que fizesse o voto … de que,
se o rei [da França] partisse numa cruzada, o duque em pessoa iria segui-lo … Todos ficaram
espantados com isso, mas a Santa Igreja ficou extremamente feliz e convidou os outros
príncipes e cavaleiros a fazerem o voto … Não creio que nada tão sublime e esplêndido tenha
sido feito antes.117

O jantar real torna-se ritual. A mesa real é elevada, e a ela se chega subindo alguns degraus. O rei
está em solitário esplendor sob um pálio. Os criados sobem e o trinchante serve o rei. Iluminura
francesa, século XV.

A isso só se pode acrescentar amém.


O deliberado aumento de status do portador da coroa foi central para o
que iria acontecer nos dois séculos seguintes. O processo já estava em
andamento no final do século XV. Na Borgonha, ligava-se à esperança de
recriar o antigo reino, mas em outros lugares destinava-se simplesmente a
ampliar a distância entre o monarca e os magnatas situados logo abaixo
dele. Cerimônias e festivais, nos quais os jantares eram parte fundamental,
constituíam um meio de alcançar esse objetivo. “[A mesa do] rei no
extremo do salão e em quase toda a sua largura”, escreveu alguém em 1428,
observando uma festa dada pelo rei de Portugal, “era num estrado de
madeira com vários pés de altura. O lugar do rei, no centro da mesa, ficava
20 centímetros acima do resto, e estendido sobre ele havia um pálio de
tecido de ouro.”118 No Roman de Jehan de Paris, do final do século XV, o
herói baseava-se em Carlos VII da França: “Ele sentava-se sozinho à mesa,
as pessoas que o serviam ficavam em silêncio, e aquelas com quem ele
falava se ajoelhavam.”119
Porém, mais uma vez, foi a corte de Borgonha que levou o cerimonial ao
apogeu durante o ritual da festa. “Fomos ver meu senhor o duque de
Borgonha jantar”, escreve um dos embaixadores de Metz em 1473, “e
vimos a pompa e o aparato que são exigidos em seus jantares.”120
Tratava-se claramente do lugar em que pela primeira vez a comida
assumiu o papel importante que desempenharia nas monarquias
renascentistas e barrocas por vir. O duque, em sua mesa, já tinha uma aura
quase de culto. Cada refeição se parecia mais com uma versão leiga da
missa. A mesa ficava como num altar, consumia-se pão e vinho, a cena era
o foco de processos cerimoniais e lavagens rituais; beijavam-se objetos
como se fossem relíquias, faziam-se genuflexões como antes do
sacramento. Até mesmo a taça ducal era elevada quando carregada em
procissão, num gesto que evocava a elevação do cálice consagrado.121 Tudo
estava em seu devido lugar. O jantar real atingia a dimensão de um ato de
Estado.
Um novo ideal de jantar. O criado põe a mesa sob uma pérgola sombreada nos jardins de elegante
vila paladínica. Pintura de Benedetto Caliari, final do século XVI.
a São do original as citações em língua estrangeira. (N.T.)
b Suco de frutas verdes, em geral de uvas. (N.T.)
4
O Ritual Renascentista

A 20 de maio de 1529, o futuro cardeal Ippolito d’Este recebeu o irmão


Ercole II, futuro duque de Ferrara, juntamente com a duquesa, no
palácio dos Este em Belfiore.1 Ippolito viria a ser um dos mais ricos e
pródigos cardeais do Renascimento, criador da legendária Villa d’Este, em
Tivoli, com sua orgia de esculturas e fontes borbulhantes. Em 1529, no
entanto, ele ainda era arcebispo de Milão, cargo que lhe foi concedido aos
dez anos de idade, uma década antes. Belfiore ficava no chamado
“acréscimo herculano”, um vasto bairro construído na década de 1490 e que
na verdade triplicou o tamanho da cidade. O palácio, cercado por jardins
maravilhosos e um parque, era um dos mais magníficos das delizie dos
Este, com as paredes adornadas de afrescos retratando a vida elegante
daquela corte maravilhosamente sofisticada. Na ocasião havia 54
convidados no total. O acontecimento teve início no começo da noite, com
o exercício cavalheiresco de corrida do anel, em que ginetes buscavam
acertar um alvo com suas lanças e que foi até as nove horas. Em seguida o
grupo se reuniu num dos grandes salões do palácio para assistir a uma farsa
e depois a um concerto descrito como “una divina musica di diversi voci e
vari strumenti”. Isso terminou às dez horas. Então veio a ceia.
Uma mesa foi montada nos jardins, tendo à direita duas credenze ou
mesas de serviço, uma para a comida e outra para os vinhos. Do outro lado
foi construído um caramanchão enfeitado de folhagens, flores e cotas de
armas. Nele sentaram-se os músicos, pois a música deveria ser o tema de
união entre as refeições. As mesas tinham quatro toalhas, uma por cima da
outra, porque a ceia seria pontuada de tempos em tempos pela remoção de
uma toalha, revelando-se outra por baixo. Normalmente usavam-se duas
toalhas, uma para a refeição principal e outra para o serviço final, de frutas.
Mas o cardeal havia planejado uma surpresa para seus convivas, dobrando o
número de toalhas — e de serviços. Quando terminou o nono, eles se viram,
de repente, começando tudo de novo, com outros nove, somando 18 ao
todo.
Os guardanapos estavam “distribuídos em vários lugares e dobrados de
maneira divina”, sobre mesas “maravilhosamente decoradas com diferentes
flores e brasões, com saleiros e facas” e 15 esculturas de açúcar
representando Vênus, Cupido e Baco, deuses que simbolizavam a
vegetação, o amor e o vinho. “Acima”, continua a descrição, “havia belas
folhagens com guirlandas e troféus montados de diversas maneiras.” Os
convivas foram levados do palácio até a mesa por músicos, rapazes e moças
dançando uma animada galharda que continuou enquanto os comensais
lavavam as mãos em água perfumada. Na mesa, como primeiro serviço à
espera, havia não apenas a costumeira fatia de pão à frente de cada
comensal, mas também antipasti — pratos frios e saladas na credenza.
Cada serviço era constituído de oito pratos diferentes. Bastaria o segundo
serviço para se perceber o sabor da cozinha da corte. Consistia de pastéis de
truta, ovos cozidos condimentados e partidos ao meio, ovas de esturjão,
fígado de lúcio e miúdos de outros peixes fritos com laranja, canela e
açúcar, um esturjão cozido com molho de alho enfeitado com a divisa do
cardeal, brema frita, sopa de fécula de trigo, pizza com pastéis folhados ao
estilo catalão e pequeninos peixes do rio Pó, fritos. Nada de carne, pois
estavam em dia de abstinência. Mas se a comida e a decoração eram
notáveis, foi a música e o acompanhamento que tornaram a festa realmente
extraordinária. O esturjão para o cardeal chegou à mesa ao som de três
trombetas e três cornetins. Cada serviço tinha sua própria música ou tipo de
espetáculo, tudo perfeitamente integrado com a maneira de servir, numa
forma que na linguagem moderna poderia ser chamada de happening. Um
cortesão tocou um solo do alaúde, uma moça cantou madrigais, “canções
alla Pavana in villanesco que eram uma coisa maravilhosa de se ouvir”.
Camponeses executaram um morisco, bufões representaram alla
Bergamasca e alla Veneziana, um homem vestido de Orfeu cantou,
acompanhado por uma lira, uma sonata alla alemanna, e quatro moças
francesas entoaram canzoni di gorga (a duquesa era francesa). Assim, todos
os recursos musicais da corte de Este foram exibidos, sendo as
apresentações vocais e instrumentais intercaladas com danças
coreografadas. A festa chegou ao final às cinco da manhã. Distribuíram-se
presentes, luvas perfumadas, brincos, bússolas e anéis. Num grand finale,
20 rapazes vestidos de libré e carregando tochas irromperam vindos do
caramanchão e dançaram um último morisco.
Este é apenas o relato de uma ceia numa corte privada, muito embora
esplêndida. Seria possível escolher diversas outras.2 Mas é um perfeito
ponto de partida para nossa pesquisa sobre o estilo de comer no
Renascimento italiano, quando não apenas a culinária, mas a maneira de
apresentá-la, iria significar um requinte e uma elegância ainda
desconhecidos no norte medieval. Significativamente, o fato de
conhecermos a festa em detalhes tão extraordinários reflete o amplo
interesse daquela época por tais eventos na sofisticada e elegante corte dos
Este. Banchetti, composizioni di vivende e apparecchio, o livro capital de
Cristoforo da Messisbugo, escrito em 1549, de onde tiramos a descrição
acima, teve nada menos que 13 edições até 1626.
O que coloca essa ceia à parte é o fato de que se tratava de uma ocasião
privada, informal. Encontramos preocupações semelhantes com a decoração
e as iguarias esculpidas na corte borgonhesa, mas apenas em festas de
grande significado político. E tais acontecimentos eram realizados no
interior do palácio. Ali, no calor do sul, com o tempo tão favorável e
previsível, um jantar podia ser realizado num pavilhão ao ar livre. Já
tínhamos encontrado esculturas de açúcar antes, mas não como enfeites de
mesa na abertura de um banquete. Além disso, tratava-se aqui de figuras da
mitologia clássica esculpidas, sem dúvida em imitação às antigas. Os
guardanapos dobrados com grande cuidado também eram novidade, e a
descrição da entrada e do primeiro serviço sugere que estamos diante de
uma cozinha muito mais refinada. Acima de tudo, fica claro que
testemunhamos um banquete concebido como uma experiência a ser
desfrutada por todos os sentidos, sem qualquer sentimento de culpa. O olhar
fica maravilhado com todos os aspectos, da decoração ao arranjo dos pratos.
O olfato pode apreciar o delicado odor da água perfumada oferecida para as
abluções, bem como o aroma dos alimentos que, ao serem comidos com a
mão, também satisfazem o sentido do tato. E todo o tempo a audição se
delicia com os doces sons da música. Em suma, o simples ato de comer
transformou-se numa expressão de arte sensual.
O ducado de Ferrara iria desempenhar um papel-chave nessa
transmutação.3 Os Este haviam se estabelecido como governantes desta
cidade-estado no século XIII, mas apenas na primeira metade do
Quattrocento é que começaram a assumir pretensões dinásticas e a
desenvolver o aparato de uma corte. Isso se acelerou durante os reinados
sucessivos de três irmãos, Borso, Lionello e Ercole I d’Este, e o domínio da
família iria continuar até 1598, quando, com a morte de Afonso II sem
deixar herdeiros masculinos diretos, a cidade reverteu para o papado. Mas
durante dois séculos, até essa catástrofe, Ferrara seria um importante e
inovador centro da civilização renascentista, uma corte cujos artistas
incluíam Francesco Cossa e Ercole Roberti, juntamente com o arquiteto
Biagio Rossetti. A estes podemos acrescentar, como visitantes que lá
trabalharam, Pisanello, Mantegna, Jacopo Bellini e Roger van der Weyden.
Estava também na linha de frente da inovação musical, importando dos
Países Baixos, como músico da corte, o famoso Josquin Du Prez. A essa
corte deve-se o renascimento da comédia clássica e algumas das primeiras
tentativas de recriar o palco da Antigüidade. A cultura de Ferrara era única,
ao fundir o humanismo greco-romano antigas ao culto dos valores
cavalheirescos do norte, que deu nascimento às suas duas grandes obras-
primas literárias, Orlando furioso, de Ariosto, e Jerusalém libertada, de
Tasso.
A corte de Este tinha como modelo a de Borgonha. Ambas se
constituíam de dinastias novas que lutavam para provar sua importância e
empenharam-se em fazê-lo por meio do esplendor e do cerimonial de suas
cortes. Comer era um aspecto central desse empreendimento, e foi na corte
de Ferrara que a forma mais característica do consumo renascentista de
alimentos — o banquete — se desenvolveu e refinou. Já no tempo de Borso
d’Este os funcionários da mesa ducal começaram a se multiplicar. Com o
seu sucessor, Lionello, a tradição borgonhesa do entremet firmou-se e
assumiu um aspecto clássico. Outra fonte de influência foi a corte
napolitana. Ercole I não só foi educado em Nápoles, como, em 1473, casou-
se com a irmã do rei, Eleonora de Aragão. A corte napolitana iria
desempenhar um papel crucial na inovação gastronômica. Foi igualmente
importante com respeito à orquestração das refeições, pois em Nápoles o
trinchante — o trinciante — já se estabelecera como principal responsável
pela ordem e apresentação dos banquetes. Eleonora trouxe consigo para
Ferrara um certo Iohn da Napoli, cuja influência sobre a corte de Este deve
ter sido considerável, embora ali fosse o scalco, ou mordomo, e não o
trinciante, quem se destacava.
Uma descrição do que se tornou um evento anual em Ferrara a cada
Quinta-Feira Santa nos dá uma medida da elaboração alcançada em 1491:
Na extremidade do grande salão situava-se a principal mesa, onde estavam 13 cidadãos
pobres que haviam sido reduzidos ao estado de miseráveis. Um deles era um padre que se
sentava no meio, na mais santa e divina memória de Cristo na Última Ceia; e os outros eram
no mesmo número que os apóstolos. As outras mesas dispunham-se ao longo das paredes do
salão, e nelas sentavam-se todos os outros pobres. Na primeira mesa [sentava-se] sua
excelência [o duque]; e nas outras seus filhos e irmãos; de acordo com a ordem estabelecida
de sua religião, eles serviam os pobres.4

A refeição era magnífica, servida em pratos de prata sobre as mais finas


toalhas. Incluía esturjão preparado de diferentes maneiras, bem como outros
peixes, acompanhados de vinhos brancos. Havia uma seqüência de assados,
inclusive porco-do-mato e outras carnes servidas com vinho tinto. Após a
festa todos se dirigiram para outro salão, onde a família Este, encabeçada
pelo duque, no papel de Cristo, lavou os pés dos pobres. O público foi
admitido para assistir ao espetáculo.
Essa crescente ritualização também pode ser observada nos festejos de
casamento dos Este no final do Quattrocento, que serviam, em escala ainda
mais grandiosa, para exaltar a dinastia por meio de uma exibição
ostentatória. Em 1472, por exemplo, depois de um torneio comemorativo do
casamento de Ercole com Eleonora, uma procissão levou à duquesa e às
suas damas “cem pratos muito grandes cheios de confeitos de açúcar, todos
diferentes, na forma de castelos, colunas de Hércules, pássaros, animais de
quatro patas, os emblemas do senhor e outros artefatos…”.5 Nesse caso, as
esculturas de açúcar não faziam parte de um banquete e antecipavam o que
viria a ser uma importante característica do século XVI, o banquete só de
açúcar.
Num casamento posterior na família Este, em 1491, o efeito foi repetido
com uma procissão de 103 homens carregando “tigres, unicórnios,
bucentauros, raposas, leões … montanhas, dromedários, lagostas [?],
castelos, sarracenos, crianças, as colunas de Hércules, este mesmo herói
matando o dragão, linces, ovelhas, cervos, elefantes, homens em armas,
grandes lírios, águias, cães acorrentados, vasos e muitas outras coisas …
todas pintadas e feitas de açúcar sólido, em tamanho real”.6 Dessa vez cada
confecção destinava-se a uma pessoa em particular, e o tema era tanto
heráldico como emblemático. As esculturas não se destinavam à boca, ou,
pelo menos, apenas em parte; além de açúcar, os ingredientes incluíam
goma arábica, laca, cera branca, incenso, terebentina e cinábrio. Na verdade
o cronista faz uma clara distinção entre essas peças para exibição e as salvas
de prata carregadas de doces para serem consumidos. Vieram escultores de
Mântua, Pádua e Veneza para fazê-los, a partir de desenhos dos pintores da
corte. Para coroar o evento, o próprio duque, de bastão na mão, se pôs no
topo da escadaria que levava ao salão de banquete “para que tudo corresse
na devida ordem”. Desta vez, infelizmente, a audiência saiu do controle,
derrubando e quebrando as esculturas, para grande fúria do duque.
À medida que o Quattrocento se aproximava do Cinquecento, surgiam
os elementos para que a corte de Este transformasse o banquete medieval
no banquete renascentista: o ritual altamente organizado, a exaltação do
governante, o papel dos músicos da corte e a presença do público como
espectador. No entanto, a maior inovação foi o aparecimento de um novo
importante funcionário da corte para supervisionar todos os aspectos de tais
eventos — a escolha do lugar, a decoração do salão e da mesa, o cardápio, a
mecânica da apresentação das iguarias e a seleção da música e outras
formas de entretenimento para animar a refeição. Em Ferrara esse homem
era o scalco, ou mordomo. Seus olhos viam tudo, dos grandes efeitos aos
menores detalhes — os formatos em que os guardanapos eram dobrados, as
roupas dos criados, a escolha das travessas, os presentes para os convivas.
Embora a primeira obra curta sobre o papel do scalco — Opera nova che
insegna apparechiar uma mensa a uno convito, de Eustachio Celebrino da
Udine — só tivesse aparecido em 1526, em Veneza, Ferrara é reconhecida
como talvez a primeira corte com um funcionário dedicado à orquestração
de grandes festejos. O scalco já estava estabelecido como um dos três
grandes funcionários domésticos ao tempo de Ercole I, o primeiro duque a
admitir o público para assistir aos banquetes. O scalco de Ercole era Sotio
Bonleo, e pouco sabemos a seu respeito. Mas o homem a quem ele ensinou
e que o sucedeu alcançou fama considerável.7 Cristoforo da Messisbugo era
de uma antiga e nobre família de Ferrara, com tal status que por duas vezes
recebeu o duque em sua própria casa. A serviço de Afonso I desde 1515,
quatro anos depois Messisbugo tornou-se sottospenditore ducale, e em
1539, provveditore ducale. Pode-se avaliar seu grau de confiança e de
proximidade com o duque pelo papel que desempenhou nas negociações
com os franceses, os venezianos e em particular com o imperador Carlos V,
que visitou Ferrara em 1529. Em 1533 o imperador fez de Messisbugo
conde palatino. Embora Ercole morresse em 1534, nada afastaria
Messisbugo de sua posição na corte dos Este até sua morte, em novembro
de 1548.
Seu livro, intitulado Banchetti, foi publicado postumamente. A segunda
parte é um volume de receitas com pratos para dias comuns e de resguardo
que reflete plenamente a natureza internacional da cozinha da corte e a
obsessão pelos pratos figurativos, que vieram do final do período medieval
e continuaram pelo Renascimento. Aí encontram-se castelos e cotas de
armas feitos de massa, bem como a descrição de moldes de madeira e ferro
capazes de produzir as águias e flores-de-lis das armas da família Este. No
entanto, a verdadeira originalidade do livro reside na descrição de 14
banquetes e ceias, tanto de caráter público como privado, chefiados por
Messisbugo ao longo de sua carreira. Encenar seria o verbo mais adequado
— ele descreve os lugares, os convivas e todos os detalhes da decoração e
dos ornamentos de mesa, indica as iguarias servidas, especificando as
quantidades, e faz um relato da música e dos entretenimentos apresentados
enquanto os convivas comiam ou entre os serviços. Um primeiro capítulo
extremamente inovador relaciona absolutamente tudo o que era necessário
para realizar um desses eventos, das camas para os hóspedes à cutelaria, dos
apetrechos de mesa às cadeiras, dos utensílios de cozinha aos criados, sem
falar da gigantesca lista de comidas, englobando todos os tipos de carne,
peixe, caça, laticínios, frutas, vegetais e saladas. A refeição, Messisbugo
deixa claro, era apenas um aspecto do que deveria ser toda uma seqüência
de experiências normalmente iniciadas com uma peça, a leitura de poemas,
um concerto ou jogos e, na maioria dos casos, concluída com a remoção das
mesas para que os convivas dançassem. O grande scalco surge, neste livro,
como um homem de vasta cultura, de olhar aguçado, considerável gosto
estético e uma paixão genuína pela música. À sua própria maneira, foi um
gênio menor do teatro, mas dotado de grande perícia organizacional.

Nem Messisbugo nem seu livro foram fenômenos isolados. Ele teve dois
sucessores notáveis. O primeiro foi Giacomo Grana, scalco de Luigi d’Este,
cardeal de Ferrara. Em 1565 Grana foi responsável pelo banquete que o
cardeal deu em homenagem ao casamento do irmão Afonso I com Bárbara
da Áustria.8 Foi encenado no palácio urbano do cardeal, o palácio
Diamante, e é um marco de como, na segunda metade do século XVI, os
banquetes das cortes haviam se tornado produções ainda mais complexas,
destinadas a surpreender os convivas e a siderar os meros assistentes. Para
sua produção, o salão foi transformado em jardim, com galhos suspensos do
teto, luzes penduradas e paredes cobertas de tapeçarias com as armas das
famílias reais da Europa a quem os Este estavam ligados. Figuras de
estuque portavam tochas, e nas laterais do salão, fora da cena propriamente
dita, havia camarotes para espectadores. Sobre um estrado atapetado, a que
se chegava por três degraus, ficava uma mesa coberta com veludo carmesim
franjada de dourado. Duas ricas toalhas vinham por cima, e, nelas, um
painel de guardanapos arranjados na forma de torres e das ameias de um
castelo. A mesa na parte maior do salão tinha 30 metros de comprimento;
nela sentavam-se 140 damas e cavalheiros que haviam escoltado a noiva da
Alemanha. Na mesa alta estavam a noiva e o noivo, ladeados por príncipes,
princesas e cardeais, em número de 22. Eles eram atendidos por quatro
mordomos, quatro trinchantes e quatro escanções, todos eles vestidos com
as cores da duquesa — carmesim escuro com franja ouro ou prata —, todos
usando chapéus húngaros. Cada seqüência de pratos era levada ao salão, ao
som de fanfarras de trombetas, por 24 cavalheiros divididos em grupos de
seis, cada qual respondendo a um mordomo. Os pratos, 400 no total, todos
de prata, mudavam a cada seqüência. Findo o jantar, os convivas retiravam-
se enquanto o salão era preparado para um concerto seguido por uma leve
refeição de doces e águas açucaradas servidos por pajens e outros jovens
vestidos de pastores e ninfas.
Ainda mais importante que Grana foi o scalco do último duque, Giovan
Battista Rossetti.9 Trabalhou para Afonso II de 1557 a 1576 e então serviu à
irmã do duque, Lucrezia d’Este, esposa repudiada do duque de Urbino. Em
1584 Rossetti publicou Dello scalco, cuja descrição das funções desse
profissional vai bem além do que é relatado em Banchetti. Segundo ele, os
atributos do scalco incluíam uma bela presença, elegância no vestir,
conhecimento, atenção e presteza na resposta às demandas do empregador.
À época, seu prestígio realmente era muito grande, pois assumia o controle
de todos os fornecimentos e da cozinha, a seleção de cardápios e a
localização das mesas e das credenze. Era atributo do scalco colocar os
convivas em ordem estritamente hierárquica, supervisionar as seqüências
dos pratos, as trocas de toalhas e guardanapos, na verdade, todos os detalhes
de uma ocasião que havia se tornado cada vez mais cerimoniosa. Seu
domínio também alcançava uma sala onde os cavaleiros que haviam servido
a mesa comiam separados dos serviçais comuns. Rossetti elogia os duques
de Este por combinarem, em sua corte, o posto de mordomo com o de
scalco, garantindo assim obediência ao princípio estabelecido na Ordini do
duque, de que em todos os momentos magnificência e dignidade deveriam
ser preservadas.
As habilidades de Rossetti são mostradas também em outro banquete
para o casamento ducal de 1565.10 Neste, os convivas foram presenteados
com a ilusão de comer sob o mar. O teto foi pintado com ondas e monstros
marinhos, a toalha de mesa tinha ondas, os guardanapos eram dobrados
como peixes, os saleiros reproduziam animais marinhos e até mesmo os
pratos de maiólica eram conchas. O final foi um triunfo de Netuno com 90
esculturas de açúcar em volta da divindade. Ninguém em 1565 acreditaria
que tudo aquilo se desvaneceria com a morte do último duque, 30 anos
depois.
As inovações no ritual da comida em Ferrara definem a cena para o que,
primeiro e principalmente, foi a era das cortes. Fosse num pequeno Estado
italiano, como o grão-ducado da Toscana, dos Médici, fosse num poderoso
império como o dos Habsburgo, a corte, em sua forma plenamente
desabrochada do Renascimento, era um fenômeno novo. Constituía uma
cidade dentro da cidade, articulada por seus próprios rituais, cerimônias e
etiquetas. Dependia de uma multidão de novos funcionários — inclusive o
scalco — para manter sua categoria e era habitada por um novo
personagem, o cortesão profissional. Todos os aspectos de tal instituição
desenvolveram-se com um único fim: exaltar o governante como um ser à
parte, o representante de Deus na Terra, presidindo um paraíso terreal, ou
talvez um Júpiter terrestre num Olimpo pagão. O ato de comer não poderia
deixar de ser incorporado a esse mundo de estupendo artifício. A comida de
verdade às vezes quase ficava ofuscada sob o peso da cerimônia. No
entanto, é claro, isso jamais acontecia. E é para uma reflexão sobre o que
era a comida e como havia mudado em relação à do século anterior que
devemos voltar nossa atenção agora.

O REQUINTE DA CULINÁRIA
O Renascimento representou a redescoberta do mundo da Antigüidade
clássica combinada com o desejo de recriá-la, o que pode ser visto em
qualquer aspecto do Quattrocento e do Cinquecento italianos, seja no
cultivo de um estilo ciceroniano de literatura, na tentativa de fazer ressurgir
o repertório da arquitetura vitruviana ou na renovação das formas do teatro
clássico. Mas como isto afetou a comida e sua apresentação?11
O desejo que as cortes tinham de emular os banquetes da Antigüidade
era motivado em grande parte pela recuperação e impressão de textos
diretamente relacionados à culinária antiga ou às descrições gráficas das
refeições. Os textos clássicos previamente conhecidos na Idade Média
limitavam-se às Geórgicas de Virgílio e outros semelhantes, que falavam da
dieta rústica daqueles que viviam próximos ao solo — ervilhas e lentilhas,
alho-poró e alface. Assim, pode-se imaginar o impacto quando, em 1498,
apareceu a primeira edição conhecida de De re coquinaria, de Apício,
tornando facilmente acessível um texto que até então só existia sob a forma
de manuscritos para estudiosos da cultura clássica. De repente revelava-se
uma culinária muito diferente, a de uma sociedade altamente sofisticada que
cultivara os prazeres da mesa e se entregara voluntariamente às tentações do
apetite sem qualquer sentimento de culpa. Apício estava a léguas de
distância dos séculos de jejum e de autoprivação institucionalizados pela
Igreja. E mais, suas receitas (arganaz cozido ao mel, por exemplo) eram
estímulos aos cozinheiros para compor pratos ainda mais ricos e recherchés.
E havia também textos como o livro XIII dos Epigramas de Marcial, cheios
de referências a comida, e os Deipnosofistas de Ateneu, publicado em 1514,
e que falava de glutões e cozinheiros famosos, dos costumes e maneiras dos
convivas e da adequação dos vários alimentos.
Acima de tudo, essa abundância de textos clássicos alterou a culinária,
ou melhor, tornou-a mais eclética, pois os novos gostos nunca desalojaram
completamente a comida dourada, temperada e aromatizada do final da
Idade Média. Na verdade os dois estilos viveram lado a lado. No entanto, as
introduções — ou reintroduções — foram avassaladoras e numerosas. À
revivescência humanista das comidas da Antigüidade devemos o uso de
trufas e cogumelos; a ascendência dos peixes de mar sobre as variedades de
água doce, junto com as ostras e o caviar; pratos utilizando entranhas e
partes cartilaginosas e ósseas, como miolo, timo, orelha e pé; carnes picadas
e salsichas; uma predileção por carne de porco e leitão; e vegetais como
alcachofras, alcaparras, aspargos e os pertencentes às famílias das couves e
cebolas. Claro, alguns já eram conhecidos na Idade Média, mas agora
estavam valorizados pela aura da Antigüidade. Junte-se a isso um enorme
aumento dos tipos de frutas. Houve também novo interesse por um sabor, o
salgado-ácido, já conhecido durante a Idade Média nos picles, cuja
popularidade muito devia à reverência pelo sal como substância sagrada na
Antigüidade. O mesmo aconteceu com o uso crescente do sal para cozinhar
e a arrebatadora paixão por presuntos, peixe salgado e caviar. Finalmente, a
redescoberta dos textos clássicos acarretou a recuperação de um
personagem social há muito desaparecido, o gastrônomo, uma pessoa cujo
único objetivo na vida era deliciar-se com as alegrias da mesa.
Em meados do século XVI o mundo culto do Renascimento já adquirira
um notável conhecimento dos hábitos alimentares e culinários do mundo
clássico. Aparecem livros sobre o assunto — como Antiquitatem
convivialium libri III (1582), de Johann Wilhelm Stucki. Pela primeira vez
em mais de um milênio a comida era objeto da pena erudita. Não que a
aprovação fosse universal; o Renascimento era igualmente receptivo à
posição alternativa, voltando ao Górgias de Platão, no qual a arte da
culinária é uma forma de ilusão, e a gastronomia leva ao pecado da gula.
Semelhante desconfiança a respeito dos alimentos encontra-se em Platão e
na tradição neoplatônica, cuja redescoberta também foi fundamental para a
cultura renascentista.
Mas as conversas acadêmicas e as realidades da corte e da cozinha eram
coisas muito diferentes, e não há dúvida de que a comida passou por uma
transformação significativa durante o Renascimento. Além do mais, é claro
que a mudança começou no sul da Itália, na corte dos reis aragoneses de
Nápoles.
Em 1443 Afonso V de Aragão dominou a Sardenha e a Sicília. Nápoles
tornou-se um reino separado, governado pelo filho de Afonso, Ferrante. O
sul da Itália já estava submetido à influência árabe e, sob os reis angevinos,
à influência francesa. A estas foram então acrescentadas as influências da
península Ibérica, ao mesmo tempo fortalecidas pelo advento de um papa
espanhol, Afonso Bórgia (Xisto III), que levou seu próprio cozinheiro para
Roma. Em um século Roma tornou-se universalmente reconhecida como il
teatro del mondo no que se referia às artes gastronômicas.
A grande transição de meados do século XV pode ser resumida nas obras
de duas pessoas, um cozinheiro chamado Martino de’ Rossi — maestro
Martino — e um bibliotecário humanista, Bartolomeo Platina. Maestro
Martino, de origem suíça, foi no começo da carreira cozinheiro dos duques
de Milão, mas passou ao serviço do cardeal veneziano Trevisan, patriarca
de Aquiléia que vivia na corte papal em Roma.12 Por volta de 1460, Martino
compilou seu Libro de arte coquinaria, que assinalou uma nova era na
história da culinária. Foi um marco em termos da forma clara, organizada e
precisa pela qual as receitas eram apresentadas. Algumas eram de origem
espanhola. A seqüência de pratos proposta por Martino também era nova;
ele não abria a refeição com frutas e doces, mas ia direto ao que Platina
designava como pietanze: carnes de todos os tipos, assadas, guisadas, em
tortas, com geléia, feitas em salsichas ou em variedades de mortadelas.
Chamam a atenção os sinais de que as especiarias importadas eram
relegadas em favor das ervas aromáticas nativas, como hortelã, manjerona,
salsa, alho, funcho, louro, sálvia e alecrim. Ainda assim, as especiarias
reinariam supremas até meados do século XVII. As receitas usavam
também mais açúcar, água de rosas, açafrão e amêndoas moídas com açúcar
para engrossar e adoçar os molhos. Nessa obra podemos constatar os
primeiros estágios de uma firme ascensão do açúcar.
A cozinha de Martino nunca teria tanto impacto na Europa sem o plágio
por atacado feito por Bartolomeu Platina, um estudioso dos clássicos.13 Em
seu livro De honesta voluptate, a nova cultura culinária, fruto da síntese das
tradições espanhola, árabe, francesa e italiana, encontra o novo impulso do
humanismo renascentista. Gregário, volúvel e impetuoso, Platina jamais foi
uma personalidade fácil. Suas origens estavam na corte dos Gonzaga, em
Mântua, na escola criada por Vittorino da Feltre. Mas a maior parte de sua
carreira se fez em Roma, e em 1475 tornou-se bibliotecário papal. Escreveu
De honesta provavelmente em 1465, dois anos depois de adquirir um
exemplar do Libro de arte coquinaria, de Martino, dois quintos do qual
reproduziu em sua própria publicação. (Com tato, referiu-se a Martino
como o “principal cozinheiro de nossos tempos”, numa espécie de pedido
de desculpas.) Em seu livro combinava aquela fonte contemporânea com
um sistema dietético mais tradicional, a teoria grega de humores,
transmitida à Idade Média pelos árabes, o regimen sanitatis da Escola de
Salerno.
Mas não é o casamento da nova cozinha com a tradição médica medieval
que faz do livro de Platina um marco na história da gastronomia. A chave
para sua originalidade e influência está no título, “Sobre o prazer correto”.
Voluptas, em termos medievais, era o mesmo que pecado. Platina contraria
essa concepção ao promover a idéia de que o prazer físico de comer
poderia, nas circunstâncias corretas, ser honrado ou honesta, que numa
tradução livre quer dizer virtuoso. Desta forma, legitimava o consumo de
comida e bebida além da necessidade dietética, tanto pelo prazer físico
como emocional. E, mais ainda, fez isso sem qualquer alusão à tradição
cristã. (Quanto a este ponto, é provável que refletisse a posição de Giulio
Pomponio Leto, humanista e seu amigo, cujos interesses incluíam o
cozinheiro romano Apício.) Como resultado, o livro é moderno e laico,
dissertando sobre as bases da alimentação em termos de uma vida saudável,
mas também discutindo suas dimensões estéticas e psicológicas — por
exemplo, a importância de talheres limpos, toalhas impecáveis e decoração
atraente. Ele também se referia à seqüência dos pratos afirmando que tudo o
que fosse leve e delgado, inclusive alface, tudo o que fosse acompanhado
de vinagre e azeite, além de ovos e de certos doces, deveria ser servido
primeiro. Assim Platina transformava o que poderia ser apenas um manual
prático de artesanato num renascer pleno da culinária antiga, utilizando uma
profusão de citações de Apício, Varão, Catão, Virgílio e muitos outros.
De honesta influenciaria toda a Europa. Provavelmente foi publicado
pela primeira vez em Roma, em 1475 e teve uma segunda edição em
Veneza no ano seguinte. Repetiram-se então as edições na Alemanha, Suíça
e França. Foi traduzido do latim para o italiano (1487), o francês (1505) e o
alemão (1530). Platina na verdade enobreceu o livro de receitas e trouxe os
escritos sobre comida para o mundo das letras, fazendo das refeições um
tema de debate aceito pelas classes educadas. Mais do que isso, atendeu
com precisão às necessidades da elite burguesa requintada que despontava
na Itália.
A publicação do livro desencadeou uma corrente de sucessores que
colocaram a Itália à parte do resto da Europa como pioneira de uma nova
literatura gastronômica. Eles se viram estimulados não só pela atitude
radicalmente nova de Platina e pela crescente ostentação das cortes, mas
também pela abundância peninsular de ingredientes frescos. A estrutura da
refeição em De honesta é tripartite: um primeiro serviço de frutas, saladas e
alimentos doces; um segundo, de carne, peixe ou vegetais servidos com
abundância de molhos aromáticos; e um terceiro, de frutas, nozes, queijos e,
em ocasiões mais grandiosas, confeitos e doces. Para avaliar como era
ampla a variedade de ingredientes usados num grande banquete da corte
organizado assim, basta observar o que foi oferecido pelo cardeal de Ferrara
no casamento de Afonso II.14 Além dos recursos provenientes de todos os
estados ducais, buscaram-se peixes de água doce em Garda, peixes de água
salgada e dez mil ostras em Veneza, alcachofras cultivadas e selvagens,
favas, frutos, cravos e rosas em Gênova (o evento aconteceu em dezembro),
e confeitos, velas, açúcar, especiarias e esculturas de açúcar também em
Veneza.
Esse senso de plenitude, percebido em toda a literatura gastronômica na
Itália renascentista, deu surgimento ao primeiro livro que pode ser descrito
como um circuito gastronômico, Commentario delle piu notabili e
mostruose cose d’Italia e altri luoghi, de Ortensio Lando (1548).15 O autor
descreve pratos como o macarrão siciliano com queijo, cozido em caldo de
galinha e temperado com açúcar e canela, e as enguias de Sorrento,
preparadas com tomilho, alecrim, manjerona, hortelã e outras ervas. Canta
louvores a Lucca pelas salsichas, a Como pelas trutas e a Piacenza pelo
nhoque (tão maravilhoso, escreve ele, que seria capaz de reviver um
cadáver).
Esse deliciar-se na variedade foi também captado no começo do século
XVII, na obra de um protestante italiano exilado na Inglaterra, Giacomo
Castelvetro.16 Este pobre homem sentia uma falta desesperada das frutas e
dos legumes de sua terra natal! Na Inglaterra encontrou, como outros
contemporâneos disseram, “comidas desconhecidas ou tidas como comidas,
mais adequadas a porcos e animais selvagens do que a alimentar a
humanidade”. A Itália, escreveu Castelvetro em seu Breve racconto di tutte
le radici, di tutte l’herbe … che in Itália si mangiano (1614), é “la patria di
tutte le gentilezze”. Nenhum outro país valorizava tanto as frutas e os
vegetais ou cultivava-os tão bem. Lirismo e nostalgia estavam em todo o
seu catálogo de delícias mediterrâneas, e é impossível não simpatizar com
um homem que escrevia, no final de uma receita de como comer
alcachofras cruas: “Amamos os pedaços suculentos; basta escrever sobre
eles para minha boca se encher de água.” Infelizmente seus conselhos
caíram em ouvidos jacobinos, mas o texto reflete exatamente o espírito que
impulsionou as mudanças na gastronomia da Itália do Cinquecento.
Simultaneamente o vinho começou a ser apreciado a sério. Sante
Lancerio, bottigliere do papa Paulo III (1534-50), fez um registro dos
melhores vinhos italianos e estrangeiros consumidos em Roma, cabendo a
palma ao Malvaglia de Candia.17 Em seu texto presenciamos o surgimento
do vocabulário do sommelier, com termos como tondo, asciutto, fumoso,
odorifero, crudo e delicato. Igual consideração é dada às cores, em palavras
tais como verdeggiante, colore incolorato e dorato. Os vinhos passaram a
ser cuidadosamente combinados com os pratos: vinhos brancos e leves para
os antipasti, tintos para os assados, e vinhos fortes ou inebriantes para as
sobremesas, terminando com hipocraz.
Mas o que diferenciava a comida renascentista?18 O velho núcleo
medieval permaneceu basicamente intacto, mas foi ampliado, refinado e
enriquecido à medida que avançava o século XVI. As mesmas especiarias
continuaram sendo usadas, embora em menor variedade. Sua presença,
indicando despesa, era central para a demonstração de riqueza, essência da
culinária cortesã. Da mesma forma mantiveram-se inabaláveis os velhos
molhos medievais e a paixão por assados, tortas e as iguarias esculpidas.
Porém, havia agora muitas novas maneiras de cozinhar. Um livro de
culinária, por exemplo, dava 227 receitas de carne de boi, 47 de língua e
147 de esturjão. Nenhum volume medieval poderia competir com esses
números. Já mencionamos de passagem o renovado interesse em frutas e
vegetais, mas o século XVI também testemunhou a chegada de novos
ingredientes vindos da América: abóbora, tomate (que só foi usado na
cozinha muito mais tarde), milho e feijão, para não mencionar o peru.
Houve também deslocamentos de paladar no caso de alguns dos
ingredientes tradicionais. Carne de boi, por exemplo, que na Idade Média
era vista como apropriada para os serviçais, mas não para a mesa alta,
agora, juntamente com a carne de vitela, passou a gozar de status mais
elevado. Sob a influência das fontes clássicas, partes dos animais que hoje
em dia achamos repugnantes eram encaradas como o máximo da delícia
epicurista: nariz, olho, focinho, fígado, bexiga, miolo, rins, tripa, língua,
timo, crista, testículos, ao lado de uma lista similar de partes de peixes. E,
anunciando o que estava por vir, a manteiga era cada vez mais usada na
cozinha, embora ainda não o creme.
Os cardápios continuavam dominados pelo ano litúrgico, mesmo em
países protestantes como a Inglaterra, onde a legislação determinava a
observância dos dias de peixe no interesse do setor pesqueiro. Na verdade
em países católicos, na segunda metade do século XVI, à medida que a
maré da Contra-Reforma crescia, houve uma ênfase renovada no
cumprimento de dias de abstinência que levaria ao excesso de jejuns. É
irônico que a mais importante obra gastronômica do século, Opera, de
Bartolomeo Scappi (1570) tenha sido dedicada a um papa, Pio V, famoso
pela extrema parcimônia na dieta.
Scappi foi o mais influente cozinheiro do Renascimento.19 De origem
provavelmente bolonhesa ou veneziana, começou a carreira a serviço de um
veneziano, o cardeal Marin-Grimano, membro da cúria papal em Roma.
Depois trabalhou para os papas Paulo III e Pio V. Administrou o banquete
de coroação deste último e tornou-se seu “cozinheiro secreto” [isto é,
pessoal] —, cargo que devia ser uma sinecura. Sua obra-prima, a Opera,
surgiu em 1570, provavelmente após sua morte. É uma publicação lapidar,
resumo dos 40 anos que Scappi passou cozinhando para a mais prestigiosa
corte da Europa. Nunca se havia escrito nada parecido, pois na Opera
encontramos pela primeira vez um verdadeiro teórico da culinária. É um
livro de cozinha que parte de uma noção da centralidade do paladar e,
acima de tudo, a primeira obra que estabelece firmemente a culinária como
ciência. Com 900 páginas divididas em seis livros, é ilustrado com 28
gravuras que dão um repertório visual muito maior que o Banchetti de
Messisbugo; elas cobrem tudo, desde os utensílios de cozinha até um
arranjo de mesa na forma de poço de peixes, composto inteiramente de
elementos comestíveis. Scappi começa pelo exame da cozinha e de como
ela opera, e depois descreve os ingredientes. Explica como tratar a carne e o
peixe, os ovos e molhos, e apresenta 113 cardápios sazonais, cobrindo
ceias, pequenas refeições, jantares e banquetes. Um dos livros é dedicado
ao trabalho do pasteleiro, outro às comidas para os doentes. Tudo o que
escreve é lúcido e preciso, vivenciando sua própria definição do cozinheiro
como “um arquiteto criterioso que, ao construir seu desenho exato, deixa
um alicerce forte sobre o qual apresenta ao mundo coisas práticas e
maravilhosas”. O que Scappi registra são as iguarias das cortes
internacionais, pratos que podem ser descritos como alla francese, alla
tedesca ou alla spagnola, embora no final do século XVI ainda não
existissem culinárias nacionais enquanto tal. Sua influência seria
considerável, particularmente nas áreas sujeitas ao domínio dos Habsburgo,
como a Espanha e o Sacro Império Germânico. Na Espanha, mais de
metade do livro foi apropriada por Diego Granado em Libro del arte cozina
(1599). Na Alemanha, a Opera foi também plagiada, por Max Rumpolt em
Ein neues Kuchbuch (1581).
Com seu livro, Scappi buscava status social para o cozinheiro, mas a
obsessão pelo cerimonial faria com que, no Renascimento, o scalco e o
trinciante fossem mais prestigiados. Pouco menor que o livro de Scappi,
com cerca de 800 páginas, La singolare dottrina dell’ufficio dello scalco
(1560) é obra de um mordomo florentino,20 Domenico Romoli, ou Il
Pununto, como era conhecido. Romoli também havia sido “cozinheiro
secreto” a serviço de aristocratas e cardeais. Seu livro registra a cozinha da
cúria romana em meados do século XVI, com centenas de receitas e uma
parte dedicada às dietas. Também descreve os papéis do scalco, do
trinciante e do credenziere (o encarregado da credenza). Dos dois últimos, o
trinciante, ou trinchante, era de longe o mais importante e buscava
ultrapassar o scalco como funcionário que controlava a comida cerimonial
da classe alta.
As origens do aparecimento do trinciante estão na Espanha, numa obra
sobre a arte de trinchar, por don Enrique de Aragão, marquês de Villena,
compilada em 1423. Sua premissa de que trinchar era uma arte à altura dos
nascidos com sangue nobre foi exportada para a corte napolitana, onde o
trinciante do rei sempre era selecionado na aristocracia. Na Itália o
trinciante fez o seu début no Libro de cocina, de Roberto di Nola, que foi
cozinheiro de Fernando I de Aragão, rei de Nápoles. Em seu livro,
compilado na década de 1490,21 descreve os papéis do cozinheiro, do
despenseiro e do trinciante. Este último iria se transformar, de um homem
que simplesmente servia e punha comida no prato das pessoas, num alto
funcionário da corte, responsável pela transformação do que era uma
operação comum num ritual elaborado, uma exposição pirotécnica de força
e destreza. Roberto di Nola faz do trinciante uma espécie de scalco, um
coreógrafo de banquetes. A descrição de uma festa promovida em Nápoles
em 1517, pela coroação de Bona de Sabóia como rainha da Polônia, presta
tributo à precisa e delicada arte de trinchar a carne “por um trinchante cheio
de destreza e pose”. Surgia em cena o trinciante.
Não é de surpreender que em seguida ele tenha aparecido na corte dos
Este, como mostra um livro de Francesco Colle intitulado Refugio del
povero gentilhuomo (1520) e dedicado ao duque Afonso I.22 É um tratado
que exalta o trabalho do trinchante à mesa como um aspecto da
magnificência principesca, atividade que só poderia ser exercida por um
homem que, embora empobrecido, fosse de nascimento nobre. Uma
abordagem muito mais importante seria Il trinciante (1581), de Vincenzo
Cervio. Ele esteve a serviço de Guidobaldo II, duque de Urbino, e, após
1540, do cardeal Farnese, em Roma.23 Também viajou bastante pelo norte
da Europa, onde não se impressionou com a habilidade dos trinchantes.
Seus modelos estavam na Espanha, em Nápoles e, mais do que em qualquer
outro lugar, em Roma (embora, é preciso que se diga, alguns deles
estivessem ficando sem trabalho, graças ao ascetismo renovado pela
Contra-Reforma). Como em Scappi e Colle, trata-se de uma busca de status
social numa sociedade hierarquizada e também de uma tentativa de assumir
o papel do scalco, ou pelo menos de desafiá-lo. A preocupação do livro
com as classes sociais reflete-se na descrição do estilo do cavalheiro
trinciante, que retira seu chapéu antes de iniciar os trabalhos, mas depois o
coloca novamente na cabeça, para demonstrar sua igualdade com relação
aos que estão à mesa.
O trinchante, segundo Cervio, deveria ser um cavalheiro de bela
presença, bem vestido (surpreendentemente, de branco), pronto a agradar
seu senhor, mas cuidadoso em distinguir-se, por seu comportamento, dos
criados circundantes. O catálogo sobre trinchamento é intimidador,
abrangendo tudo, da caça ao melão, e todos os gestos a serem executados
no processo. Depois vem a distribuição, que deve obedecer estritamente à
ordem hierárquica, tanto no que diz respeito à prioridade como no que se
refere à parte servida. Todo o exercício de destreza manual é
deliberadamente destinado a divertir e a surpreender os comensais.
“Trinchar o ar”, dizia-se.
Em 1593 houve outra edição do livro de Cervio atualizado por Fusorito
da Narni. A ascensão do trinciante com relação ao scalco já estava então
estabelecida, pois o livro inclui descrições da decoração e dos pratos de
uma série de banquetes elaborados. É desnecessário dizer que o
trinchamento, ao norte dos Alpes, manteve-se pouco sofisticado. Na
Inglaterra, em 1508, Wynken de Worde publicou o velho The Boke of
Kervynge, dos tempos medievais, que continuou sendo reimpresso até 1613.
A revolução da imprensa permitiu a publicação de antigos livros de receitas
que já existiam em manuscrito.24 O resultado foi que a culinária do fim do
período medieval tornou-se acessível a uma burguesia crescente. Embora o
primeiro livro de receitas impresso depois do de Platina tenha aparecido em
1485, o verdadeiro aumento de produção se deu apenas após 1530, numa
clara resposta a um mercado muito mais vasto e ansioso para aprender os
modos aristocráticos. O primeiro livro foi Kuchenmeisterei, publicado em
Nuremberg e que teria 56 edições. Na França, o Viandier teve 15 edições
entre 1490 e 1520. O livro de Roberto di Nola foi traduzido para o catalão
em 1520, teve sete edições e depois foi traduzido para o castelhano, com
mais 12. Na Inglaterra, cerca de 20 livros de culinária foram publicados
entre 1500 e 1620.
O que fica claro é que os progressos na culinária e nos grandes jantares
que já haviam ocorrido na Itália renascentista se infiltraram lentamente
rumo ao norte, onde seus efeitos se fizeram sentir apenas na segunda
metade do século. Certamente este é o caso da França. A história ali é de
estagnação, e a única mudança foi o aumento no número de pratos doces e o
uso de laticínios.25 O livro de Platina foi traduzido para o francês em 1505,
passando por muitas edições e transmitindo aquilo que na verdade era a
cozinha italiana meio século antes. Em 1542 apareceu o que mais tarde
seria chamado de Le grand cuisinier de toute cuisine, no qual apenas um
terço era de receitas medievais. Tratava-se de um livro de receitas bem
estruturado, com um capítulo para cada serviço e uma seção separada para
banquetes.
Há muito é vista com reservas a antiga concepção de que a cozinha
francesa ganhou vida quando Catarina de Médici levou cozinheiros
italianos para a corte de Valois em seu casamento com Henrique II, em
1533. A única indicação de que o novo estilo cortesão a la Scappi havia
chegado ali só apareceu mais tarde, em 1604, com Ouverture de cuisine, de
Lancelot de Casteau.26 Mas é preciso considerar que o autor era cozinheiro
do bispo de Liège, cuja sé ficava na jurisdição do império dos Habsburgo.
Na obra figuram todos os velhos pratos favoritos da época medieval, como
cisne assado e pavão, junto com coisas que certamente faziam parte do
novo repertório cortesão internacional, como salsichas de Bolonha e queijo
parmesão, gelatinas multicoloridas e esculturas de açúcar. No geral havia o
que só pode ser descrito como um abismo norte-sul. No entanto, deve-se
dar um desconto aos fatores climáticos, pois mesmo hoje eles continuam a
influenciar o que é consumido no ensolarado sul e no gelado norte. E tais
fatores também iriam desempenhar um papel importante na determinação
de onde cada povo comeria.

PLÍNIO REVIVIDO E A REINVENÇÃO DA SALA


DE JANTAR
As cartas de Plínio o Moço (61-c.112 d.C.) desenham um quadro nítido de
um estilo de vida que o Renascimento buscou reviver e emular, o da
propriedade rural. Plínio tinha duas vilas, uma próxima ao mar, em
Laurentium, e a outra na Toscana. Nas cartas ele não só descreve a situação
de cada uma delas na paisagem, sua arquitetura e jardins, mas também
evoca a vida prazerosa que nelas passava, em que os rigores do intelecto
eram equilibrados por uma resposta intensa às delícias dos sentidos. O
impacto de tais cartas na culinária promoveria uma revolução.
Uma das alas da vila na costa tinha algo desconhecido para a Idade
Média, uma sala de jantar: “… é extremamente aquecida e iluminada, tanto
pelos raios diretos do sol, como por seu reflexo no mar”. Havia ainda duas
outras salas de jantar, de uma das quais se tinha “uma extensa perspectiva
do mar e também das lindas vilas que se espalhavam ao longo da costa”; da
outra, de um torreão, vislumbravam-se os jardins e a gestatio [terreno para
exercícios].27 A vila toscana também dispunha de uma série de lugares para
refeições e ficava numa elevação que proporcionava vistas panorâmicas. A
que Plínio chamava de “sala de jantar imponente” possuía uma perspectiva
muito ampla dos prados. Estava posicionada de modo a receber os raios de
sol e portanto era muito usada no inverno. Em seu próprio conjunto de
apartamentos havia uma sala de jantar que, dizia Plínio, “uso quando recebo
os amigos íntimos”. A terceira ficava perto do pórtico de verão e portanto
destinava-se aos meses quentes do ano; situava-se de modo a receber “as
brisas salutares dos vales apeninos”, tinha vista para os vinhedos e era
aberta em pelo menos um lado. Finalmente, ao final de uma calçada coberta
de árvores emaranhadas, havia uma alcova de mármore sombreada por
parreiras e um pequeno lago artificial onde a água borbulhava. “Quando
ceio ali”, escreveu Plínio, “o lago serve de mesa, com os pratos maiores
colocados nas bordas, enquanto os menores flutuam como pequenos barcos
ou plantas aquáticas.”28
Os arqueólogos renascentistas tiveram mais informações por intermédio
de Vitrúvio, que viveu no século I e escreveu sobre arquitetura. Este dizia
que o comprimento da sala de jantar deveria ter o dobro da largura; que
deveria haver duas salas, uma para a primavera e outra para o outono, a
primeira voltada para o leste, a última para o norte, de acordo com o
movimento do sol. Vitrúvio aconselhava que não se decorasse a abóbada da
sala de jantar do inverno, porque ficaria enegrecida com a fumaça da
lareira.29
Com tais fontes a que recorrer, o desejo de recriar a vila antiga e seu
modo de viver deve ter sido acentuado. Ela evocava um mundo diferente,
agradavelmente distante do castelo com ameias ou da claustrofóbica casa de
cidade da Idade Média, com sua grande sala comunal e salões senhoriais.
Nas vilas, em vez disso, havia salas dedicadas apenas às alegrias do jantar,
concebidas para serem confortáveis no verão e no inverno, ou situadas em
jardins, salas com lindas vistas que ligavam a vida civilizada às belezas
naturais. Elas podiam ser fechadas para aquecer no inverno ou ficar abertas
à brisas refrescantes — afinal de contas, era a Itália.
Assim, o que ocorreu durante os séculos XV e XVI, graças em parte à
inspiração dos textos antigos, mas também pelo desejo de espaço privado,
em oposição ao espaço comunal, foi o aparecimento da sala de jantar usada
pela família e pelos amigos. Era chamada de saletta ou salotto, ou mais
raramente triclinio, e representou o primeiro passo para o abandono de um
estilo de vida que garantia privacidade apenas no quarto ou camera, sendo o
outro aposento a sala pública, um espaço compartilhado de estar e de jantar.
Foi também o passo inicial na direção do sistema de apartamentos que está
no centro do planejamento arquitetônico para interiores domésticos no
Renascimento. Passava a existir uma nova seqüência de aposentos: a sala,
que deveria acomodar a família e seus convidados em recepções, jantares e
entretenimentos; a saletta abrindo-se para ela, de uso privado; e, para cada
membro da família, uma camera, precedida por uma antecâmara.30
O livro De re aedificatoria, do grande arquiteto renascentista Alberti, foi
escrito por volta de 1450. É o primeiro tratado sobre arquitetura desde a
Antigüidade e foi publicado em 1486, traduzido para o italiano em 1546 e
para o francês em 1553. O estabelecimento da vila como novo tipo
arquitetônico durante o Quattrocento pode em grande parte ser atribuído à
sua influência. Nele a sala de jantar fez seu début na seguinte passagem:
O acesso à sala de jantar deve ser pelo interior da casa. Como exige o uso, cumpre haver uma
para o verão, outra para o inverno e uma para as estações intermediárias, digamos assim. As
principais exigências de uma sala de jantar de verão são água e vegetação; de uma sala de
inverno, o calor de uma lareira. Ambas devem, preferencialmente, ser espaçosas, alegres e
esplêndidas.31

A isso ele acrescentava a advertência de Vitrúvio contra a decoração do


teto da sala de jantar de inverno, para evitar os estragos da fumaça.
Embora Platina, escrevendo logo depois da década de 1460, não
recomendasse uma série de salas separadas, ele claramente tinha esta idéia
na cabeça ao sugerir que as refeições se realizassem em lugares diferentes
segundo as estações:
Deve-se pôr a mesa de acordo com a época do ano: no inverno, em lugares fechados e
quentes; no verão, em lugares frescos e abertos. Na primavera, devem-se arrumar flores na
sala de jantar e na mesa; no inverno, o ar deve estar impregnado de perfumes; no verão, o
chão deve estar coberto de brotos perfumados de árvores, de parreiras e de salgueiros, que
refrescam a sala de jantar; no outono, deve-se ter uvas, pêras e maçãs maduras penduradas ao
teto.32

Já vimos a resposta a esta recomendação nos banquetes encenados na


corte dos Este, mas ao final do século XV, novas vilas com lugares
especiais para jantar começaram a ser construídas no campo italiano.
Reviver o estilo das vilas da Roma Antiga exigia não apenas
conhecimento arquitetônico, mas uma atitude diferente em relação ao
campo, simbolizada pelos termos humanistas negotium e otium. O primeiro
representava a vida agitada da cidade, o segundo a vida no campo, para
aonde os tensos moradores da cidade podiam se retirar e se permitir a
contemplação filosófica e a busca do lazer. Era possível construir vilas no
campo para satisfazer esse novo ideal graças à estabilidade na península.
Esse clima estável chegou ao fim em 1494, quando começaram as longas
guerras italianas. Mas nem mesmo os conflitos restringiram seriamente o
novo estilo de vida, exceto durante um período após o saque de Roma, em
1527. Com o tratado de Cateau-Cambrésis, em 1559, a paz voltou, e a
península, não mais perturbada pelas batalhas, assistiu à proliferação das
vilas.
Uma das primeiras delas gabava-se dos mais extraordinários arranjos no
que dizia respeito aos jantares. Em 1487 o arquiteto florentino Giuliano da
Maiano desenhou-a para Afonso II de Aragão, em Poggio Reale, nas
proximidades de Nápoles.33 Vamos dar a palavra a Sebastiano Serlio, que
descreve este palazzo de prazeres:
… no ponto situado bem ao meio, … os homens descem por um par de escadas para um lugar
de comer muito belo, no qual o rei e seus senhores costumavam banquetear-se e comer
agradavelmente; ali ele fazia com que certos lugares secretos se abrissem, e assim, num piscar
de olhos, o lugar se enchia de água: e também, ao prazer do rei, toda a água era esvaziada da
sala, mas não havia mudas de roupas para serem usadas, nem ricas e custosas camas para
deitar-se, onde pudessem descansar.34
Só mais tarde, no Cinquecento, é que esta combinação de jantar e giochi
d’acqua (jogos d’água) iria se transformar numa característica essencial de
todas as vilas. Primeiro foi desenvolvida a loggia, ou varanda.
Embora as primeiras vilas suburbanas, elaboradas a partir de casas de
fazenda, já apresentassem tipos primitivos de loggia, foi a Vila Belvedere,
do arquiteto Lazzari Bramanti, que recriou pela primeira vez o espaço para
o jantar de verão na Antigüidade clássica.35 A Vila Belvedere, erguida por
volta de 1485, foi no começo um pavilhão de recuperação para o papa
Inocêncio VIII. Aos poucos, no entanto, passou a incorporar muitas das
delícias da antiga vila romana. Sua situação geográfica, no cume do monte
Santo Egídio, por trás do Vaticano, parecia uma réplica dos textos clássicos
e proporcionava uma vista magnífica. A estrutura primitiva — um pavilhão
com varandas — destinava-se a repastos à tarde ou no começo da noite.
Vasari relata que fora decorada por Pintoricchio: “cheia de paisagens, ali
eram retratadas, à maneira dos flamengos, Roma, Milão, Gênova, Florença,
Veneza e Nápoles”. Desta forma, estabeleceu-se um precedente para a
decoração da varanda de jantar na vila renascentista. Suas paredes deveriam
ser pintadas com afrescos de paisagens e vistas topográficas, numa ilusão
complementar aos panoramas das paisagens naturais vistas do lado da
loggia aberto para o campo. A escolha dos temas era uma resposta direta
aos livros de Vitrúvio e Alberti, publicados havia pouco. O primeiro,
publicado em Veneza no ano de 1486, registra que as alamedas cobertas nas
vilas eram adornadas com paisagens, “copiando as características de locais
definidos. Nessas pinturas há portos, promontórios, praias, rios, fontes,
estreitos, templos, arvoredos, montanhas, rebanhos, pastores …”. Alberti
endossava o repertório.36
Há uma boa descrição das refeições na varanda de Vila Belvedere numa
carta a Isabella d’Este, duquesa de Mântua. Em 1510 seu jovem filho,
Federico Gonzaga, refém na corte papal, ficou hospedado na vila. O agente
mantuano em Roma escreveu para a mãe de Federico relatando como
Federico vivia ali, dizendo que “ele comia numa bela loggia dando para
toda a planície, um lugar que pode ser chamado verdadeiramente de
Belvedere…”. Mais tarde, em junho de 1511, descreveu um banquete na
vila:
Todos os tipos de iguarias foram levados à mesa. Um jovem se adiantou e foi apresentado ao
senhor Federico, … e recitou alguns versos para todos os serviços.… Após o jantar
apresentou-se outro, que tocou o monocórdio muito bem; veio então um músico, e tocaram
violino e cantaram. Após essa adorável diversão ergueram-se da mesa — e foram para fora,
para aproveitar os agradáveis gramados.37

Ainda mais impressionante que a Vila Belvedere foi sua sucessora, a


Vila Farnesina, construída pelo banqueiro papal Agostino Chigi a partir de
desenhos de Baldassare Peruzzi.38 Ficava às margens do Tigre, e sua
construção se deu entre 1505-8 e 1510. Dinheiro não era problema.
Também ali havia uma varanda para jantar, desta vez no lado nordeste do
jardim e separada da casa. Em alguns aspectos, lembrava uma varanda
construída nas proximidades pelo cardeal Farnese uma década antes,
também um pavilhão em arcos e aberto. Mas havia uma diferença. Agora o
cenário antigo destinado aos jantares situava-se no topo de outra recriação
do passado clássico, uma gruta. Em 1520 Chigi recebeu nela o papa Leão X
e os cardeais, exibindo sua riqueza de maneira ostensiva. Ao fim de cada
serviço as travessas de prata eram jogadas no rio. (Ele não revelou que
debaixo d’água havia redes escondidas para recolhê-las.)
A vila, propriamente, tinha uma varanda que era parte da entrada
principal, muitas vezes também usada para jantares — sua decoração conta
a história de Cupido e Psiché, culminando no banquete nupcial. A Vila
Farnesina foi cenário de muitos dos mais extravagantes festejos de Roma
nos anos que precederam o saque de 1527. Em agosto de 1512, por
exemplo, Leão X e 12 cardeais foram recebidos na Sala delle Prospettive, e
ao final o papa casou o anfitrião com sua amante. Em outra ocasião o papa
e sua comitiva foram recebidos num salão coberto de tapeçarias que, ao
final do evento, soube-se que eram os novos estábulos desenhados por
Rafael. (Nessa ocasião, algumas travessas de prata desapareceram durante a
festa. Chigi deu ordens para que não se mencionasse o assunto.)
Em meados do Cinquecento, a varanda de jantar havia se tornado parte
essencial de todas as vilas. Está presente, por exemplo, em edificações
notáveis tanto em Roma como no norte da Itália, como a Vila Madama
(1516-27), desenhada por Rafael e Giulio Romano, no Palazzo del Tè, em
Mântua (1525-32), também desenhado por Giulio Romano, e na Vila Giulia
(1550-9), construída por Vignola e Ammanati para o papa Júlio II.39 Em
alguns casos, no entanto, as instalações para o jantar eram tão mais
elaboradas que merecem consideração em separado.
A Vila Farnese, em Caprarola, é um desses casos.40 Em 1556, o cardeal
Alessandro III Farnese encarregou Vignola de retomar os trabalhos no
palazzo. Profusamente decorado com afrescos pela família Zuccari, ele foi
terminado em 1573. Aqui, o que era especificamente uma varanda de jantar
ocupava o centro da fachada no primeiro andar — o piano nobile —, de
onde os comensais podiam avistar abaixo, através de cinco grandes arcos, a
pequena cidade e o campo até o horizonte. A parede interna tinha um
conjunto de arcos pintados que emolduravam as paisagens das quatro
estações; as outras paredes, mais uma vez seguindo o Belvedere de
Bramanti, mostravam vistas topográficas dos territórios dos Farnese, com as
cidades de Parma e Piacenza como pontos focais. Numa das extremidades
da varanda havia um elemento tirado inspirado nos refeitórios de mosteiro,
o lavabo ou pia de água, mas este era cercado por crianças e um Cupido
adormecido. Acima dele, um relevo de estuque retratava Enéas e Roma,
através da qual corria o rio Tibre. É interessante observar que, quando
visitou a vila em setembro de 1578, o papa Gregório XIII jantou na Salla
della Cosmografia imediatamente adjacente, e não na varanda. Sem dúvida
o tempo não era favorável — o dia foi marcado por pancadas de chuva.
O formato decorativo de Caprarola foi repetido pouco depois, na década
de 1560, na Vila Lante, em Bagnaia, também desenhada por Vignola. O
proprietário era o cardeal Francesco Gambara, bispo de Viterbo e parente
do cardeal Farnese.41 Lante tinha uma varanda de jantar num pavilhão ao
rés do chão, mas as paredes, como as da Vila Fornese, eram decoradas com
vistas topográficas. Era, porém, uma propriedade modesta. Muito mais
interessantes eram as grandiosidades da Vila d’Este, em Tivoli,42 um
estupendo bloco de edifícios desenhado pelo arqueólogo Pirro Ligorio para
o cardeal Ippolito d’Este II, patrono das artes e ávido colecionador de
antigüidades. Os trabalhos começaram ali em 1565 e prosseguiram por duas
décadas, incorporando instalações para jantar em grande escala. Iniciada
naquele mesmo ano na parte sudoeste do terraço em frente ao palácio, a
varanda de jantar consistia de três grandes arcos, cada um voltado para uma
paisagem estupenda, fosse a do famoso jardim, com suas fontes incríveis,
fosse a do campo. Do lado do terraço uma porta se abria para um corredor
que dava diretamente nas cozinhas. Na Vila d’Este, as pinturas ilusionistas
limitavam-se ao salotto interior, decorado segundo um esquema que repetia
exatamente o de Caprarola. Também tinha um lavabo. Colunas jônicas
retorcidas, frutas e guirlandas de flores emolduravam paisagens das várias
vilas do cardeal, enquanto no teto se via uma festa dos deuses. Destinava-se
a ser usada no verão, portanto não havia lareira.
A multiplicação de aposentos para as refeições, associada ao novo estilo
de vida, não tinha equivalente no resto da Europa. Incluía casas em árvores,
em grutas e pavilhões espalhados pelos terrenos e bosques que cercavam a
vila. O arquiteto da Vila d’Este, por exemplo, desenhou um pavilhão para o
papa Paulo IV incorporando elementos da coleção papal de antigüidades.
Retratava uma gruta de ninfas, um pátio oval com uma fonte ao centro,
ladeada por dois pavilhões menores, com varandas onde o papa, seus
amigos e família podiam jantar à sombra das árvores, refrescados pelas
leves brisas.43 Os jardins da Vila Lante também possuíam instalações para
jantar, entre elas duas varandas equipadas com mesas de pedra. Mais
espetacular era a fonte da mesa, construída num terceiro terraço. Essa mesa,
que se estendia por todo o terraço e tinha uma calha no centro por onde
corria água, inspirava-se diretamente na descrição de Plínio dos pratos
flutuantes em sua vila toscana. Também em Caprarola os cenários de jantar
multiplicavam-se. O chamado barchetto, construído em 1584 entre as
árvores de uma colina e ao qual se chegava por uma gruta, uma catena
d’acqua e jardins, proporcionava uma maneira alternativa de jantar, a uma
distância confortável das pompas do palazzo.44
Uma construção como o barchetto captava exatamente o espírito da
fantasia maneirista comum nos locais onde se jantava na segunda metade do
século, e eventualmente se torna para nós um exemplo permanente do que
foi criado apenas como decoração temporária para os banquetes. Não muito
longe da Vila Lante está o mais bizarro de todos os jardins maneiristas, o
Sacro Bosco, em Bomarzo. A entrada era pela boca do inferno, que levava a
uma câmara.45 Do lado de fora, a ameaça de narinas de onde saía fogo e de
olhos arregalados e enlouquecidos, com uma inscrição que nos desafia:
“Deixai todas as preocupações, vós que entrais.” No entanto, um desenho
datado de 1604 mostra uma mesa dentro desta sala, com um homem
comendo, enquanto a um canto um músico toca alaúde. Trata-se, na
verdade, de um lugar para jantar que deve ter oferecido uma extraordinária
combinação de estímulos psicológicos contrastantes, horror externo com
delícias sensuais internas. Havia uma gruta de jantar semelhante na vila
florentina de Pratolino, criada por Bernardo Buontalenti para o grão-duque
Francesco na década de 1570.46 Nela, uma mesa octogonal tinha orifícios
por onde copos e garrafas eram mergulhados na água fria da fonte que
borbulhava por baixo. (Infelizmente para os comensais, o borbulhar não
parava aí. Enquanto estavam distraídos com uma apresentação de
autômatos, jatos ocultos vindos de baixo os encharcavam com a mesma
água da fonte.)
Plínio o Velho, em sua Historia naturalis, descreve o nidium, ou ninho
do imperador Calígula, construído nos galhos de um plátano, que podia
acomodar 15 convidados e os servos necessários. Na Vila di Castello dos
Médici, na década de 1540, o arquiteto Niccolò Tribolo duplicou essa
maravilha num carvalho ao qual se chegava por uma escada coberta de
hera. Os assentos no interior eram feitos de folhagens vivas. Mais tarde, em
1570, Buontalenti criou outro nidium em Pratolino, desta vez equipado com
uma escada dupla que levava a um aposento com uma mesa de jantar,
bancos e “brincadeiras aquáticas”.47
As vilas de Andrea Palladio no Vêneto não ofereciam tais excessos
fantásticos.48 Na verdade refletiam a preocupação dominante com a
hierarquia e os postos. Isso se representava no salão central, ou sala, um
grande espaço concebido para entretenimentos como casamentos e
banquetes. Não faltavam varandas nas vilas de Palladio, mas o ambiente de
jantar assumia outras formas, uma das quais foi evocada num óleo de
Benedetto Caliari, da década de 1570 ou 1580. No primeiro plano vê-se um
ancoradouro num canal. Nele uma senhora está prestes a entrar numa
gôndola. Outra está sentada num banco, pescando. O ancoradouro fecha
uma perspectiva que se estende por uma pérgola enfeitada com folhagens a
um jardim, e daí a uma vila clássica. A pérgola destinada aos jantares é
aberta dos lados para atrair as mais leves brisas e protegida do calor do sol
por um teto coberto de plantas e uma cortina num dos lados, que pode ser
erguida ou abaixada, conforme a hora do dia. Nela vê-se uma mesa coberta
com uma toalha branca e um servo arrumando-a. Nenhum outro quadro
condensa tão vivamente a revolução no jantar provocada pela vila
renascentista.
Infelizmente ao norte dos Alpes a história era muito diferente. Afinal, o
clima ali não favorecia tais delícias ao ar livre. Além disso, países como a
Holanda e a França, devastados pelas guerras religiosas no final do século
XVI, dificilmente teriam condições para uma vida à maneira das vilas
italianas. Os castelos franceses do Renascimento foram construídos com
uma salle haute, na qual só as pessoas do mesmo nível aristocrático tinham
permissão para comer. Chegava-se a ela diretamente por uma escada
externa. Embaixo havia uma copa, onde os criados comiam, a salle basse.49
Porém, nos séculos XVI e XVII, os servos de nascimento nobre — o
maître d’hôtel e os écuyers — passaram cada vez mais a se opor a comer na
salle basse com os outros criados. Por conseguinte ganharam uma mesa na
salle haute ou numa sala separada. Olivier de Serres, em Le théâtre
d’agriculture et mesnage des champs (1601), recomenda outro arranjo,
colocando a cozinha no primeiro andar, perto da entrada, e depois “uma
pequena sala de jantar pela qual todos eles tivessem de passar quando
fossem à cozinha; desta maneira [o mestre seria] nobremente servido, sem
se misturar com o resto da criadagem, e [manteria] todos eles
trabalhando”.50 No final de século XVI, muitas famílias nobres preferiam
jantar numa sala separada de seu próprio chambre, chamada sallette; em
poucas décadas esse costume havia se espalhado bem longe na escala
social, e logo a expressão salle à manger ou sallette à manger começou a
circular.
A Inglaterra dos Tudor, que não fora devastada por guerras internas,
oferece um material muito mais interessante sobre o desenvolvimento dos
arranjos de jantar.51 No século XVI a copa, embora ainda lugar de refeição
dos servos, tornou-se passagem para um novo aposento, a great chamber,
ou, como algumas vezes era chamado, a great dining chamber. Esta, como
o salone central de uma vila paladiana, era um espaço multifuncional, mas
manteve até o começo do século XVII sua posição de cenário dos jantares
cerimoniais do proprietário. Ali o lorde e sua lady sentavam-se
pomposamente sob um pálio, atendidos pelo mordomo (encarregado de
conduzir os convivas a seus assentos), o trinchante e o escanção.
À medida que o século avançava, isso acontecia apenas em ocasiões
especiais, embora essas ocasiões às vezes fossem realmente cerimoniosas.
“Em grandes festas”, diz um documento intitulado Algumas regras e ordens
para o governo da casa de um conde, do reinado de Jaime I, “quando o
serviço do conde se dirigir para a mesa, eles [os músicos] devem tocar
cornetins, trombetas, sacabuxas e outros instrumentos de sopro. Na hora das
refeições devem tocar violinos, violas e músicas lentas.” A comida seria
levada em procissão pela copa (os que ali estavam deveriam se erguer
quando ela passasse) e depois seguir pela escada principal até a great
chamber.
No entanto, no final do século XVI as coisas tinham mudado. Na década
de 1590 William Cecil, visconde de Wimbledon, comia em seu parlour
[sala de visitas]. Este aposento — e a casa poderia ter mais de um —
situava-se no andar térreo. Passou a ser a sala de estar e de jantar da família
e o lugar onde os convidados mais importantes eram recebidos. Em meados
do século XVI as camas já haviam desaparecido desse aposento familiar.
Foi quando surgiu o termo dining parlour. A casa de sir Thomas Lovell, em
Londres, já tinha um em 1524. Mais tarde, ainda no mesmo século,
encontramos parlours especiais para o inverno perto da cozinha por causa
do aquecimento. No começo comiam ali a família e os criados graduados.
Mais tarde, quando estes se tornaram muito numerosos, a família migrou
para sua própria sala de jantar privada. Isso não significa que fossem
aposentos menores ou com maior privacidade. No que diz respeito a
banquetes, a Inglaterra ainda daria uma notável contribuição à arquitetura
de jantar do Renascimento. Mas essa discussão deve esperar por nossa
exposição sobre a resposta única do país a um novo fenômeno — o
banquete de açúcar.

O CONVIVIUM REVIVIDO
Já vimos como Platina argumentava que o prazer sensual decorrente do
consumo de alimento poderia, nas circunstâncias corretas, ser visto como
honesta, ou seja, honrado. Os humanistas — entre os quais, é claro, se
incluía Platina — muito fizeram para trazer o banquete ao palco central.52 O
grande humanista florentino Marsílio Ficino chegou a compor um pequeno
tratado, De sufficientia, onde o celebrava como uma das mais completas e
equilibradas formas de experiência humana, em que as funções do corpo e
da mente se uniam: “Apenas a refeição em comum [convivium] alcança
todas as partes do homem, pois … restaura os músculos, renova os
humores, revive a mente, refresca os sentidos, sustenta e aguça a razão”.53
Assim, o jantar à mesa era concebido como um microcosmo da boa
sociedade, em que as relações sociais eram forjadas, trocavam-se idéias de
maneira civilizada e estabelecia-se o respeito mútuo. Convivium, como os
humanistas constantemente lembravam ao leitor, era uma palavra derivada
do verbo convivere, viver junto.
O fundamento para tal elogio se encontrava naturalmente nos clássicos.
Homero, por exemplo, dá testemunho sobre o valor simbólico do banquete
grego em termos políticos, sociais e culturais. Platão, nas Leis, atribui ao
banquete um papel importante como parte da educação de qualquer
cidadão. Para os atenienses, era um modo de controlar o prazer, pois à mesa
o homem estaria a meio caminho entre dois extremos, a razão e o delírio.
Encorajado por esses textos, o banquete passou a representar um ideal
filosófico da Renascença, o equilíbrio entre opostos.
Michel Jeanneret, autor do único estudo importante sobre o papel do
banquete no pensamento renascentista, resume:
… a festa como lugar de prazer e de plenitude tem uma multidão de ressonâncias no
simbolismo da Renascença. Pela festa se expressa a confiança de uma época na qual se
acreditava que, com a graça de Deus, era possível para as pessoas crescer em harmonia com a
natureza, mesmo vivendo no coração da sociedade.54

Em termos renascentistas, o banquete era um modelo pelo qual a


sociedade ligava os homens aos deuses, demonstrava seu lugar no mundo
natural e reforçava a interdependência social. Montaigne cita O jantar dos
sete homens sábios, de Plutarco, onde está escrito que remover a mesa da
casa é causar sua destruição, condenando os moradores à solidão, acabando
a hospitalidade e ameaçando “o primeiro ato e o mais humano de comunhão
entre homem e homem”.55
A ressonância simbólica da mesa de jantar se deslocou durante o
Renascimento. Até a Idade Média, a principal referência era sempre e
fundamentalmente a Última Ceia e sua reencenação no sacrifício da missa.
Com a Reforma no século XVI, protestantes e católicos travaram um feroz
debate sobre a natureza da eucaristia.56 Uma das conseqüências foi a
diminuição do número de representações visuais e simbólicas da Última
Ceia. Em seu lugar aparecem os banquetes dos deuses pagãos ou as festas
nupciais mitológicas, como as de Cupido e Psiché e de Peleu e Tétis. A
natureza das imagens também se tornou muito diferente e passou a
apresentar espetáculos culinários não de restrição, mas de abundância, com
cornucópias de frutos, flores, baixela esplêndida e comida rica, que
pareciam incorporar todas as formas de prazeres sensuais.
Outra coisa que distingue a mesa do Renascimento de sua predecessora
medieval é a conversa.57 Em seu comentário sobre o Simpósio de Platão,
Ficino relembra como, provavelmente em 1478, a Academia platônica
revivida na Vila Médici, em Careggi, promovia um banquete para celebrar o
nascimento e a morte de Platão no dia 7 de novembro.58 Durante o evento,
os comensais liam e encenavam textos de Platão que forneciam evidências
clássicas sobre o papel central da refeição como arena do intelecto e ocasião
para discursos e discussões cultas. Em um trabalho acadêmico sobre a vida
na Vila d’Este vemos, por exemplo, como no jantar, quase certamente no
salotto coberto de afrescos do andar térreo, o cardeal Ippolito d’Este
conduziria uma conversa erudita. Em dias muito quentes, após a refeição,
liam-se as Odes de Horácio “até que o calor diminuísse”.59 Um exemplo
ainda mais antigo dessa prática vem da corte de outro humanista, o rei da
Hungria, Matias Corvinus (c.1443-90):
Sempre há debates durante esses banquetes, ou são proferidos discursos sobre assuntos
honrados ou prazerosos, ou cantam-se poemas. Há também tocadores de cítara (cithoroedi)
que narram em sua língua nativa os feitos dos heróis, cantando à lira na mesa de jantar. Este
era o costume dos romanos, que de nós se propagou até os húngaros.60

Essa nova ênfase na arte da conversa inevitavelmente fez com que a


comida passasse a segundo plano. O extenso relato sobre as maneiras
clássicas à mesa apresentado por Plutarco em Conversa à mesa e O jantar
dos sete homens sábios insistia em que o prazer dos comensais não deveria
derivar do comer e do beber, mas apenas da conversa séria e do cerimonial
da festa. Em Conversa à mesa, por exemplo, Plutarco se concentra em
tópicos como “os tipos de entretenimento mais apropriados” para
banquetes.61 Esses precedentes antigos podem explicar por que os relatos
das festas renascentistas raramente descrevem a comida. É uma atitude que
já podemos perceber em 1539, na festa nupcial de Cosimo I de Médici com
Eleonora de Toledo: “O número de pratos no banquete foi infinito, assim
como muitos tipos de iguarias em cada serviço. Não descrevo os
particulares para não perder tempo com uma coisa tão sem importância…”62
Ao tomar conhecimento de todo um grupo de autores clássicos,
incluindo não apenas Plutarco, mas outros como Cícero e Macróbio, os
renascentistas elevaram o nível do jantar que, de uma satisfação puramente
sensual, se transformou em arena na qual a razão podia ser exercida pelo
diálogo. Claro, isso acontecia apenas nas mesas de humanistas e estudiosos,
mas refletiu-se também nos hábitos das classes estabelecidas e das
emergentes. E também foi introduzido o cultivo da conversa fútil e
elegante. Aos antigos valores medievais de cavalheirismo heróico juntaram-
se então as exigências de educação e boas maneiras. A arte de falar como
concretização da arte de viver era o centro do programa educacional
humanista. A conversa bem informada à mesa era considerada um veículo
para apagar as diferenças e dissolver a hierarquia por meio de respostas
leves e espirituosas. Surgiram assim as regras de conversação. Escolhiam-se
apenas os assuntos para os quais todos poderiam contribuir. As duas faltas
condenáveis num jantar eram garrulitas e taciturnitas — garrulice e
taciturnidade.63
Mais adiante, no século XVI, Montaigne escreveria: “Nenhum preparo é
tão doce para mim, nenhum molho é tão apetitoso quanto aquele que deriva
da sociedade.… Alcebíades, um conhecedor no que se refere à alegria,
baniu até mesmo a música da mesa, para que ela não perturbasse os
prazeres da conversa.”64 Embora Montaigne falasse para homens cultos, que
encaravam a conversação à mesa como meio de trazer a filosofia para a
terra, em roupagens cortesãs ela rapidamente descambou para a vacuidade
polida. Num incidente descrito no quarto livro de Stefano Guazzo, La civil
conversazione (1574), um manual de comportamento cortesão, a nobreza
provinciana se reúne para um festejo em homenagem ao duque Vespasiano
Gonzaga. Nenhuma referência há à comida, pois seria vista como algo
vulgar. Em vez disso, toda a atenção se volta para o exercício extremamente
artificial de maneiras sofisticadas à mesa e as conversas fúteis.
O humanismo e o renascimento do classicismo também teriam um
grande impacto sobre as maneiras.65 No que se refere ao comportamento à
mesa, a publicação mais importante foi De civilitate morum puerilium, de
Erasmo, livro no qual, entre outras coisas, o maior humanista da
Renascença ao norte da Europa indica o que é e o que não é aceitável à
mesa no fim do período medieval, conforme a perspectiva filosófica mais
ampla do conceito renascentista de homem.66 As boas maneiras, afinal de
contas, colocam os seres humanos civilizados acima do mundo animal e dos
camponeses. Desta forma, elas podiam ser vistas como uma base de retidão
moral, substituindo o código da cortesia cavalheiresca. Erasmo argumenta
em favor do novo conceito de civilitas, as boas maneiras como um aspecto
da boa cidadania. A prática dos modos corretos poderia elevar socialmente
uma pessoa. Assim, é fácil ver o apelo da civilitas para o que naquele
período era uma classe média que se expandia rapidamente. Embora
Erasmo tivesse uma predileção por comida e bebida, pregou moderação em
ambas, bem como na fala e nos gestos.
Durante três séculos De civilitate morum puerilium reinou como manual
clássico. No ano em que apareceu em separado pela primeira vez, em 1530,
teve 12 edições. Sua influência por toda a Europa pode ser avaliada pelas
traduções: inglês (1532), alemão (1536), francês e checo (1537), neerlandês
(1559), sueco (1620), holandês (1660) e finlandês (1670). O imenso sucesso
dessa obra menor mostra como as boas maneiras eram uma preocupação
urgente não apenas para Erasmo, mas para a sociedade contemporânea. Seu
capítulo mais longo é dedicado ao comportamento adequado ao comer.
Junto com muitos outros, o livro de Erasmo chegou num momento que
testemunhou a dissolução da velha sociedade feudal e o surgimento das
cortes absolutistas.67 Assim, essas cortes tornaram-se os berçários das boas
maneiras. Numa visão mais ampla, o refinamento ali promulgado era um
aspecto do surgimento de uma nova figura, o cortesão, ele também filho do
movimento humanista na Itália.68 Esse fenômeno foi institucionalizado num
livro famoso, O cortesão (1528), de Castiglione, que estabelece os atributos
esperados em tal personagem: urbanidade, cultura, versatilidade, destreza
na arte da conversa e prática inconsciente de todas as graças sociais,
inclusive maneiras impecáveis à mesa. As boas maneiras também aparecem
em outro manual famoso, Galateo (1555), de Giovanni della Casa. Neste
livro descreve-se como o bispo de Verona entreteve um certo conde
Ricciardo, “gentilissime cavaliere e di bellissime maniere” que — coitado!
— mostrara-se inadequado à mesa. (Estalava os lábios ruidosamente.) O
bom bispo, ansioso em corrigir a falha social, enviou Galateo para instruir o
conde.
Tais publicações eram devoradas por toda a Europa, pois incentivavam o
progresso pessoal por meio da prática do auto-aprimoramento. De repente
despertou uma consciência aguda de que as boas maneiras realmente
tinham importância. Ao mesmo tempo tornou-se cada vez mais difícil saber
o que desagradava, ou o que fazer e o que não fazer, à medida que a corte
desenvolvia formas de etiqueta cada vez mais complexas. Podemos ver tal
processo de auto-aprimoramento numa descrição de Cosimo, o primeiro
duque de Florença, comendo em público. Sentado sob um pálio à cabeceira
da mesa, ele comia pouquíssimo, mas exibia ao mesmo tempo as mais
sofisticadas maneiras.69 Os Médici eram banqueiros, mas em seu novo papel
como governantes autocráticos da Toscana cultivavam ansiosamente
qualquer coisa que os colocasse à parte dos meros mortais.

O BANQUETE DO RENASCIMENTO
A partir da herança borgonhesa do final da era medieval, o banquete do
século XVI iria se transformar num evento altamente elaborado.70 Comida e
sabor não tinham qualquer importância naquela demonstração de
superabundância e luxo, os únicos indicadores de poder e status político na
nova era das cortes. O hóspede devia ser ator-espectador num tipo particular
de ritual, governado por regras específicas e com um único propósito:
glorificar o anfitrião. Grandes acontecimentos, como a visita de um
governante a outro ou um casamento dinástico, eram marcados primeiro
pelo espetáculo público de uma parada triunfal, e depois pelo espetáculo
privado de um banquete no palácio, programa que ainda sobrevive na Grã-
Bretanha de hoje. Inicialmente mantinha-se a privacidade do banquete, mas
aos poucos, à medida que se evidenciou o seu poder de impressionar,
tornou-se costume admitir espectadores.
Em meados do século XVII, Giacomo Colorsi, mordomo do cardeal
degli Albizi, escreveu que “o homem que prepara um banquete tem tanto a
fazer quanto aquele que comanda um exército…”.71 Práticas que já vimos
surgir na corte de Este espalharam-se não apenas para outras cortes
italianas, mas também para o norte dos Alpes. Cada corte agora devia ter
algum tipo de mestre-de-cerimônias, responsável (como Messisbugo em
Ferrara) por todos os aspectos da festa, da decoração ao cardápio. Tal
funcionário variava — podia ser o mordomo, o maestro della casa, o scalco
ou mesmo o trinciante. Em qualquer dos casos ele era como o maestro de
uma orquestra, com autoridade sobre todos, dos fornecedores de
ingredientes à equipe da cozinha e aos moços que levavam os pratos — os
scudieri ou camarieri, ajudados pelos incontri e paggi. O acontecimento
final era uma coreografia em grande estilo.
Independentemente do revestimento alegórico superposto à festa, suas
partes componentes permaneciam constantes. Agora é tempo de analisá-las.
Elas começavam com a seleção de um local e sua decoração. Os materiais
sobre esse assunto são abundantes nos arquivos da corte de Gonzaga, que,
como a de Este, mais do que tudo desejava impressionar.72 Quem visita o
palácio ducal em Mântua logo percebe que não se tratava apenas de decorar
um único grande salão para a ocasião; havia um conjunto bastante
extraordinário de salas capazes de acomodar acontecimentos importantes. A
família interessava-se vivamente por todos os detalhes, afinal, era com tais
ostentações que ela apresentava uma imagem de si própria aos convivas.
Francisco II, por exemplo, escolheu tapeçarias com a história de Tróia para
a sala que abrigou o banquete nupcial para o casamento da irmã Elizabeth
com Guidobaldo di Montefeltro, duque de Urbino. A mulher de Francisco,
Isabella d’Este, que poderia ser apropriadamente definida como uma vítima
da moda renascentista, era obcecada pelos menores detalhes de todas as
festas. Por ocasião de uma homenagem à duquesa de Ferrara e Prospero
Colonna, em 1513, ela não só quis ver a descrição completa da decoração,
mas também uma demonstração do que seria tocado e cantado, a exata
distribuição dos lugares e o cardápio. Para os Gonzaga, tratava-se de
ocasiões de prestígio, administradas, no caso, pelo maestro della casa. A
maior de todas foi o banquete dado pelo marquês Federico em 1530, pouco
depois de ter sido feito duque por Carlos V. A morada clássica dos
Gonzaga, o palácio do Tè, concebida e construída como um grande cenário
dinástico, foi palco de uma opulência tão esplêndida que deixou sem fôlego
os que dela tomaram parte.
Naquele período, ainda mais do que no final da Idade Média, as festas
eram pretexto para uma exposição estonteante de objetos valiosos, expostos
no que, dependendo do país, era chamado de credenza — aparador — ou
dressoir.73 Esse tipo de decoração já altamente desenvolvido na corte
borgonhesa seria adotado e adaptado em termos de sua própria arte pela
Itália renascentista. O historiador Vasari descreve a credenza no afresco de
Giulio Romano no palácio do Tè, retratando o banquete de Cupido e Psiché,
como carregada de “bizarros vasos, bacias, jarras, taças … em várias
formas e estilos fantásticos”. A pintura de fato transmite uma viva
impressão de como eram arrumados aqueles aparadores para uma festa ao
ar livre. Uma mesa com prateleiras, coberta por toalha de linho branco,
aparece emoldurada por uma latada com folhagens artificiais. Os elementos
sobre a mesa são combinações extremamente exóticas de motivos clássicos,
vegetação e monstros fantásticos. Sabemos que os objetos não são
puramente imaginários, porque sobreviveram desenhos de Giulio Romano
para a família Gonzaga, e eles são exatamente do mesmo tipo.74
Um exemplo extremo de tal exibição foi o casamento de Maria de
Médici, sobrinha do grão-duque da Toscana, com Henrique IV, em 1600. O
banquete foi encenado na Sala del Cinquecento do antigo palácio da
Signoria. Uma vasta credenza na forma de um lírio carregado de jóias —
referência tanto ao lírio da cidade de Florença como à flor-de-lis francesa
— tinha por cima um pálio de tecido de prata, coroando uma exibição de
cerca de dois mil pratos de ouro, prata e prata dourada. Havia também
pratos de pietre dure, bem como parte da coleção ducal de peças em bronze,
em particular o conjunto de Giambologna dos 12 trabalhos de Hércules.75
Tais exibições nunca tinham função utilitária, embora isso seja difícil de
provar. Benvenuto Cellini lembra em sua autobiografia uma encomenda do
cardeal de Salamanca, um jarro para água, descrevendo-o como do tipo
usado apenas para decoração em aparadores.76 O fato de que conjuntos de
pratos fossem feitos especialmente para exibição, e não simples conjuntos
desencontrados de peças valiosas, sustenta tal afirmativa. A cidade de Paris
presenteou duas rainhas da França, Catarina de Médici, em 1549, e
Elizabeth da Áustria, em 1571, com tais conjuntos por ocasião de sua
chegada triunfal. O de Catarina consistia de 27 peças de prata dourada
salpicada de flores-de-lis.77 Um inventário dos pratos de Felipe II de
Espanha feito em 1554 traça uma clara distinção entre peças para uso e
peças para exibição.
A moda dos conjuntos combinados de pratos para exibição refletiu-se em
outra novidade revolucionária, a introdução de novas e muito mais luxuosas
formas de cerâmica. Elas não apenas mudaram radicalmente a aparência da
mesa, mas também implicaram a produção de serviços feitos apenas para
serem exibidos. O mais antigo foi encomendado por Isabella d’Este,
duquesa de Mântua, em 1524: um imenso serviço de faiança pintado por
Nicolò da Urbino com as armas e divisas da duquesa e outros temas
escolhidos por ela.78 Um serviço desses era muito mais caro que os de prata
e destinava-se a ser exposto no aparador, de maneira a ser visto pelos
convivas como quadros numa galeria. Os temas de tais conjuntos eram
quase sempre pictóricos e geralmente tirados de textos clássicos,
particularmente as Metamorfoses, de Ovídio.
Isabella ditou a moda. À medida que o século avançava, serviços desse
tipo passaram a ser um dos presentes mais requintados que um príncipe
italiano podia dar a um estrangeiro importante. Um serviço — do qual ainda
sobrevivem várias peças — parece ter sido encomendado pelo papa Paulo
III como presente para Anne de Montmorency em 1553, em gratidão pela
ajuda na eleição papal. Decorado com cenas das Metamorfoses, incluía
pratos, travessas, castiçais e jarras, e era uma obra importante da oficina de
Guido Durantini de Urbino. Outro serviço do mesmo artista foi para o
chanceler da França, cardeal Antoine Duprat. Mais tarde Felipe II foi
presenteado com um serviço ainda mais grandioso, adornado com cenas da
vida de Júlio César desenhadas pelo pintor Taddeo Zuccaro. Na França, ao
final do século XVI, Bernard Palissy produzia elaboradas peças de cerâmica
apenas para serem exibidas no aparador. E serviços semelhantes eram feitos
em vidro.
A produção italiana de cerâmica iria mudar a aparência da mesa, e a
travessa substituiu o prato de trinchar como recipiente para a comida no
jantar. Isso aconteceu primeiro na Itália, onde, durante o século XV, a
técnica da faiança decorada de azul cobalto e com brilho metálico foi
importada da Espanha. Essa técnica foi transmitida pelos árabes durante a
ocupação do sul da península Ibérica e difundiu-se para o norte até alcançar
a ilha de Majorca (daí o outro nome comum para a cerâmica, maiólica).79
Os italianos rapidamente aprenderam a produzi-la, e por volta de 1480
haviam criado um estilo próprio. Este incluía tanto os serviços
suntuosamente decorados, para serem exibidos, como cerâmicas para uso
comum. Sua maior disponibilidade na Itália fez com que a prática de
partilhar vasilhas à mesa desaparecesse gradualmente; quando viajavam
para os territórios ao norte dos Alpes, os italianos mostravam-se
horrorizados ao deparar com o que passaram a encarar como uma barbárie
social.
No final do Quattrocento, Lorenzo de Médici tinha um serviço de
viagem com cerca de 40 peças em sua vila de Correggio. Em 1518 Clarissa
Strozzi encomendou um serviço de 48 peças alla porcellana. Os dois casos
nos indicam a multiplicação das vasilhas à mesa. Faenza, que iria se tornar
um grande centro de produção, desempenhou papel fundamental na
constante elaboração de objetos de mesa promovida pela corte de Este. Em
uma das festas de casamento de 1565, por exemplo, foram usados 12 mil
pratos de maiólica decorados com as cores da duquesa.80 Um inventário do
palácio paladiano de Montano Barbaran, em 1592, mostra que a coleção de
maiólica desse aristocrata veneziano incluía 18 candelabros e 181 peças
grandes e pequenas, todas decoradas com as armas de Barbaran. E era
muito bonita — num diário há o registro de um jantar na vila “com muitos
outros nobres e oficiais; o serviço de jantar era da mais bela maiólica…”81
Tais pratos tinham em geral uma borda larga para a comida e uma
concavidade no centro para o molho. Esses serviços devem ter contribuído
muito para a unidade visual da mesa, algo desconhecido na Idade Média.
Não que o uso da maiólica escapasse à preocupação dominante com a
hierarquia. Nos acontecimentos mais importantes, travessas de ouro e prata
continuariam a ser usadas na mesa alta, com a maiólica presente nas mesas
baixas. A multiplicação dos objetos de mesa também significava que cada
comensal tinha seu próprio recipiente de bebida; já não se dividia o mesmo
copo.

Uma credenza ao ar livre, carregada de pratos. Detalhe de um afresco de Giulio Romano, palácio do
Tè, Mântua, c.1524-35.

No meio de toda esta mudança surgiu o garfo.82 O viajante elisabetano


Thomas Coryat fala desses implementos na década de 1590 com um certo
espanto:
Aqui mencionarei uma coisa … que não é usada em qualquer outro país que eu tenha
conhecido em minhas viagens, nem creio que em qualquer outra nação da cristandade se use,
mas apenas na Itália. Os italianos, e também a maioria dos estrangeiros que estão na Itália,
sempre, em suas refeições, usam um pequeno forcado quando cortam a carne. Pois enquanto
com a faca, que seguram com uma mão, eles cortam a carne no prato, enfiam o forcado que
seguram com a outra mão no mesmo prato, de modo que qualquer um que, sentado na
companhia de outros na refeição, toque com os dedos a carne, de que toda a mesa vai cortar,
dará motivo de ofensa à companhia, por ter transgredido as leis das boas maneiras, de tal
forma que, por seu erro, todos farão caras feias, se não o repreenderem com palavras. Essa
forma de comer eu entendo que é geralmente usada em todos os lugares da Itália.… A razão
para isso é sua curiosidade, porque o italiano não suporta de maneira alguma que seu prato
seja tocado com os dedos, posto que os dedos dos homens não são todos igualmente limpos.
Dessa forma julguei de minha parte que seria bom imitar a moda desta maneira de cortar a
carne com a ajuda do forcado, não apenas quando estava na Itália, mas também na Alemanha,
e muitas vezes na Inglaterra, desde que vim para casa… 83
A associação do advento do garfo com uma súbita consciência de higiene
alimentar feita por Coryat é na verdade equivocada, pois a adoção do garfo
tem mais a ver com a hierarquia. Ele oferecia mais uma oportunidade para
as classes altas se distinguirem do campesinato. Na verdade, comer com os
dedos sempre foi perfeitamente higiênico. O comensal segurava o seu
próprio pedaço de carne firmemente com dois dedos da mão esquerda
enquanto o cortava com a faca segura pela mão direita. A técnica era muito
prática, e isso explica por que levou tanto tempo para que os garfos fossem
adotados ao norte dos Alpes. Membros da corte de Luís XIV ainda usavam
os dedos na década de 1660.
Na verdade os garfos não eram muito difundidos na Itália durante o
Quattrocento, embora se saiba que já existiam — em 1492 Lorenzo de
Médici possuía 18 deles.84 As evidências sugerem que inicialmente eram
usados apenas para iguarias especiais, como saladas e doces, em particular
para frutas em calda. Seu aparecimento mais espetacular num quadro foi
registrado numa pintura feita por Botticelli de um banquete nupcial, num
dos painéis casone para o casamento de um parente da família Médici,
Giannozzo Pucci, com Lucrezia Piero di Giovanni Bini, em 1483. Baseada
numa história de Boccaccio, a cena mostra duas mesas, uma para as damas,
outra para os cavalheiros. São as mulheres que elegantemente têm garfos
entre os dedos. Uma referência explícita a seu uso aparece em 1536, no
grande banquete de boas-vindas para o imperador Carlos V. Cada conviva
— está registrado — tinha faca, colher e garfo. Só em 1563 os garfos
aparecem de novo, desta vez na grande tela de Veronese, Bodas de Caná
(no Louvre). Representa uma grande e principesca festa renascentista no
estágio da sobremesa. À esquerda, a um canto da mesa, uma senhora chupa
o garfo pensativamente. No entanto, em 1549, Messisbugo, no Banchetti, já
falava deles como se fossem comuns. Tal aumento de uso talvez tenha um
pouco a ver com o aparecimento da massa como parte da culinária italiana
durante o Cinquecento. Henrique III descobriu o garfo quando voltava da
Polônia para a França pela Itália, e introduziu-o na corte francesa; mais
tarde os garfos seriam citados como símbolo da decadência dos Valois.85
Outra inovação italiana foi a cadena de prata. Michel de Montaigne, em
seu diário italiano, afirma haver visto cadenas num jantar dado pelo cardeal
de Sens, em Roma, em 1580:
… em frente àqueles a quem se desejava prestar honras especiais, e que estavam sentados
diante do senhor, colocam-se grandes quadrados [isto é, cadenas] de prata, nos quais ficavam
seus saleiros, do mesmo tipo dos que são postos diante dos grandes na França. Por cima
coloca-se um guardanapo dobrado em quatro, e sobre este guardanapo, pão, faca, garfo e
colher. No topo há outro guardanapo, que é para seu uso.86

Como conseqüência dessa mudança, aquela glória da festa medieval, a


naveta, foi reduzida a mero objeto de exibição.
As mesas sobre cavaletes continuaram em uso por todo o Renascimento
italiano.87 Os cavaletes eram em forma de “V” invertido na frente, mas
tinham apenas uma perna vertical atrás, facilitando o sentar-se daquele lado.
Tais mesas tinham a grande vantagem da flexibilidade — podiam ser
montadas rapidamente em qualquer lugar. No entanto, à medida que a sala
de jantar privada ia ficando corriqueira, as mesas permanentes passaram a
ser mais comuns. O primeiro desenho publicado de uma mesa dobrável
apareceu em 1550, em Orléans, e sugere que esse tipo de móvel já existia
havia algum tempo, mas não esclarece se foi inventado na Itália ou ao norte
dos Alpes.
Um dos maiores rituais de qualquer grande festa era pôr as toalhas de
mesa.88 Platina escreveu que elas deviam ser brancas. Caso contrário,
acreditava ele, o apetite diminuiria. Já no banquete nupcial de Costanzo
Sforza com Camilla de Aragão, em 1475, as toalhas foram trocadas várias
vezes na mesa alta e duas vezes nas demais. Em geral os tratados do século
XVI especificam três cobertas de mesa sobrepostas: uma que se encontrava
ao chegar, a segunda revelada no meio da refeição e uma terceira para a
sobremesa. Na edição de Fusoritto de Il trinciante (1593), aprendemos que
havia uma camada de couro entre as toalhas para evitar que qualquer
líquido as atravessasse e manchasse. No relato da festa de casamento de
Giulio Thiene, conde de Scandiano, há uma referência à troca de toalhas:
“Logo que as pessoas lavaram as mãos, e a toalha de cima, que era bordada
de flores, foi retirada, revelou-se outra toalha, trabalhada com flores e
pássaros”.89
A chegada do garfo. As damas da mesa à esquerda estão usando garfos de sobremesa. Banquete
nupcial de Storia de Nastagio degli Onesti, celebrando o casamento de Giannozzo Pucci com
Lucrezia Piero di Giovanni Bini em 1483. Pintura atribuída a Sandro Botticelli.

Uma senhora chupa o garfo ao canto da mesa, durante a sobremesa. Detalhe de Bodas de Caná,
1562-3, de Paolo Veronese.

Se as toalhas de mesa tiveram um papel no espetáculo visual e na


surpresa, maior ainda foi o dos guardanapos. Eles passaram a ser
engomados e exibidos como uma forma de arte próxima à escultura de
papel. Uma referência antiga a essa prática aparece na descrição de um
banquete dado em Roma em 1513, em honra de Giuliano e Lorenzo de
Médici, em que os guardanapos foram dobrados de maneira a engaiolar um
passarinho. Quando a peça era aberta pelo conviva, o pássaro saía voando.
Messisbugo sempre se refere aos guardanapos “divinamente feitos”
(divinamente fatte), em formatos variados, como chamas e pássaros.
Fusoritto descreve um banquete em 1581, pelo casamento de Guglielmo
Gonzaga, duque de Mântua, e Margherita Farnese, em que “os guardanapos
… eram deliciosamente esculpidos, dobrando-se em colunas, arcos e troféus
muito belos de se ver, assim como a multidão de bandeiras com as armas de
todos os senhores presentes à festa”.90 Em 1639, Mattia Giegher estava em
condições de publicar um Trattato ilustrado sobre a arte.
Os guardanapos acabaram por se tornar puramente decorativos e não
eram usados de modo algum, mas durante o Renascimento passaram a ser
constantemente empregados para limpar colher, garfo ou taça. Em geral os
cavalheiros colocavam o guardanapo sobre o ombro esquerdo. Um retrato
que hoje está na National Portrait Gallery, em Londres — celebrando a vida
de sir Henry Unton, diplomata elisabetano e pintado em data próxima à sua
morte, em 1596 —, mostra uma festa em que alguns dos comensais do sexo
masculino (todos de chapéu) têm guardanapos jogados no ombro esquerdo.
Muitas outras fontes visuais comprovam esse costume. Não obstante, tanto
no quadro de Unton como nos demais, não há sinal de guardanapo em
muitos outros comensais masculinos. Devemos concluir que em tais casos
estava posto no colo, como acontecia com as senhoras.
Aparadores, utensílios de mesa, toalhas e guardanapos definem a cena
para a ação da festa, que não devia variar muito de corte para corte, embora
os italianos estivessem na vanguarda de qualquer apresentação nova. Na
verdade o ritual era padronizado. Para ilustrar esse fato não conheço
descrições mais informativas dos banquetes de corte em ação que os
desenhos feitos por ocasião do casamento de Alexandre, duque de Parma,
filho da filha do imperador Carlos V, Margaret, regente da Holanda, com
Maria de Portugal.91 A regente promoveu as núpcias em Bruxelas, no ano
de 1565, numa escala magnífica, e a revivescência dos esplendores da
Borgonha do século XV era uma tentativa de reforçar a lealdade por parte
de uma aristocracia inquieta com as políticas repressivas de Felipe II da
Espanha. É interessante ver até que ponto o estilo de festa da Itália havia
avançado para o norte. Quase todas as damas de companhia de Margaret de
Parma eram italianas, bem como um de seus três mordomos. A encenação
dos festejos foi feita como teria sido em Ferrara, pelo mordomo, o escanção
e o trinchante. Havia três banquetes no total, um no dia do matrimônio, o
segundo, a própria festa nupcial, uma semana depois, e o terceiro, oferecido
pela cidade de Bruxelas ao casal, no encerramento de um grande torneio em
honra do evento. Destes, o mais esplêndido foi o segundo, realizado no
grande salão do palácio, a 18 de novembro.
A arte de dobrar guardanapos. Duas gravuras do Trattato de Mattia Giegher, de 1639, registrando
um vasto repertório de formatos possíveis.

Por sorte, além dos desenhos existentes, um bolonhês chamado De


Marchi escreveu um relato detalhado do acontecimento. A sala foi coberta
de tapeçarias, e num dos lados ficava a mesa alta sobre uma plataforma a
que se chegava por três degraus. Ali, sob um pálio, ao centro, sentaram-se a
noiva e o noivo, ladeados pela mãe do noivo, a regente e, do outro lado, o
embaixador espanhol, representando Felipe II. O elevado status de cada
figurante daquela mesa é confirmado pelo fato de que estavam sentados em
cadeiras. Três mordomos, junto com 30 cavaleiros e muitos outros mais,
atendem às necessidades dos comensais da mesa alta. Embaixo, no corpo do
salão e no nível do chão, sentaram-se 112 senhoras e 40 cavalheiros. A
ilustração mostra uma mesa em forma de “L” ocupada apenas por homens,
de modo que, nesse sentido, seu registro do festejo deve ser considerado
apenas aproximado. Mas eles são mostrados — com precisão, percebe-se
— sentados em bancos, indicação de sua inferioridade social. Perto da mesa
alta, à esquerda, há um cercado onde foram colocados os músicos da corte
para tocar durante o banquete. No primeiro plano vê-se um mordomo
segurando o bastão de ofício e supervisionando a entrada do serviço,
precedido por trombetas e tambores, num cortejo que passa ao lado do
aparador, colocado sob um pálio e carregado de travessas.
Nosso observador italiano anotou vários detalhes interessantes não
captados pelo desenho. Um deles foi a presença do que estimou em pelo
menos dois mil espectadores. Outro foi o fato de que os guardanapos
haviam sido dobrados pelo “maestro Giovanni Milanese”, prova da
migração desse requinte italiano para o norte da Europa. Giovanni dobrou
os guardanapos da mesa alta de maneira a formar dois castelos completos,
com artilharia, infantaria e fogos de artifício (o noivo era um importante
comandante militar), e desfraldando as costumeiras flâmulas heráldicas.
Finalmente De Marchi observa que cada um dos oito serviços consistia de
pratos vindos de províncias específicas dos Países Baixos, como Flandres
ou Brabante, o que dava ao banquete uma conotação política, além de
culinária. Antes de deixarem a mesa, os convivas assistiram a uma
mascarada com oito crianças da nobreza escoltadas por músicos e tocheiros.
A apresentação terminou com a distribuição de ramalhetes de flores
artificiais contendo sonetos em várias línguas para os personagens mais
importantes. Depois o salão foi esvaziado e seguiu-se o costumeiro baile da
corte.
Nesse relato podemos reconhecer elementos familiares das fêtes dos
duques de Borgonha no século anterior, mas eles estão fundidos sob uma
nova feição italiana. Além disso há uma deliberada ênfase na
internacionalidade da ocasião, em termos da comida e das línguas usadas.
Espanhóis, italianos, flamengos e portugueses estão lado a lado. É evidente
nesse banquete a maneira como as modas na culinária e no estilo cerimonial
migraram de corte para corte, particularmente as direta ou indiretamente
ligadas aos Habsburgo.
Tais banquetes eram claramente o microcosmo da sociedade. O
governante e os principais convidados ficavam em estrados elevados. O
assento de honra podia ficar no centro da mesa alta ou numa extremidade
(como no desenho da primeira das três festas de Bruxelas), mas a hierarquia
sempre era observada tanto nos lugares como nas diferenças de nível.
Algumas vezes havia uma sala separada. Na Itália empregava-se uma sala
chamada tinello para acomodar aqueles cuja posição era considerada muito
inferior na escala social para estarem presentes na reunião principal. Ser
indicado para essa sala podia ser considerado uma afronta séria. Quando
alguns dos franceses que acompanhavam Henrique III em Ferrara, em 1574,
foram rebaixados ao tinello, reclamaram amargamente. Foram obrigados a
comer em serviços rústicos de cerâmica, sem facas ou garfos, “servidos por
vilões que puxavam e jogavam os pratos, e não por criados”.92
Um grande banquete da corte, por ocasião do casamento de Alexandre, duque de Parma, com Maria
de Portugal. O cenário é o grande salão do palácio real em Bruxelas, a 18 de novembro de 1565.
Iluminura flamenga, final do século XVI.

O status também se refletia no assento destinado ao conviva. Cadeiras


estofadas e de braços eram reservadas aos príncipes, grandes senhores e,
ocasionalmente, às senhoras. A seqüência descia a uma cadeira com
encosto mas sem braços, ao tamborete e finalmente ao banco, muito
inferior. As sutilezas dos assentos e as gradações da hierarquia se tornaram
cada vez mais complexas. Bastam dois exemplos. Na série de festejos
encenados para o grande casamento dos Médici em 1600, em Florença,
quando Henrique IV casou-se por procuração com Maria de Médici,
imediatamente após a cerimônia no Duomo seguiu-se um jantar. A noiva do
grão-duque, que até então jamais recebera um lugar importante na mesa,
tornou-se rainha da França. Como num passe de mágica a metamorfose foi
imediata. A nova rainha foi escoltada até seu lugar na Salla delle Statue do
palácio da Signoria pelo embaixador francês, que, de acordo com a praxe,
lhe entregou o guardanapo (uma honra que seria contestada em outras
cortes). Ela sentou-se sozinha sob um pálio no que, embora grandioso, não
passava de um jantar em família:
O grão-duque [seu tio] sentou-se a dois braços de distâncias da rainha, à sua direita, com a
grão-duquesa do outro lado; abaixo dele vinha a duquesa de Bracciano, numa cadeira, depois
o marido desta, signor don Virgínio. Em frente a eles estavam o excelentíssimo signor
Giovanni e o signor Antonio de Médici, tio e irmão, respectivamente, da rainha. Mas eles
sentavam-se em tamboretes e eram servidos em pratos abertos [diferente dos pratos cobertos
para os de posição mais elevada, uma proteção contra a contaminação] e suas taças não
estavam em sotto coppe [nas bandejas que os outros tinham]. Como na França, ninguém
bebia se a rainha não o fizesse…93

Quase 30 anos depois, Henrietta Maria, esposa de Carlos I e filha de


Maria de Médici, celebrou o aniversário em sua residência de Londres,
Somerset House, com a apresentação de uma peça teatral seguida por uma
ceia. A ocasião não era pública, mas certamente constituía um
acontecimento da corte. Vemos aqui mais uma vez que se fazia de tudo para
preservar as distinções sociais. Uma sala separada servia de tinello, onde
“as senhoras inferiores e as damas de honra” sentavam-se a uma mesa
comprida com os servidores do embaixador francês. Na sala principal, o rei
e a rainha, junto com o embaixador, sentavam-se à mesma mesa com vários
senhores e senhoras. Desta vez o que chama a atenção é a posição dos
convivas em torno da mesa:
O rei e a rainha no meio, e à esquerda deles (com a distância de um assento) sentou-se o
embaixador, e à sua mão direita (com a mesma distância), a senhora marquesa de Hamilton, e
assim o resto dos senhores e senhoras em volta da mesa, exceto apenas do lado oposto de suas
majestades (onde foi deixado lugar) para seu trinchante, escanção etc.94

Desta maneira, Carlos I e Henrietta Maria ficaram isolados do resto do


grupo, de tal maneira que a conversação, na melhor das hipóteses, deve ter
sido bastante difícil.
O surgimento do scalco e do trinciante apenas serviu para acentuar todas
as nuances da gradação social. O papel do mordomo era manter olho vivo
sobre os pratos que chegavam e garantir que sua quantidade fosse adequada
à posição dos comensais. A função do trinchante era trinchar e servir a
carne também de acordo com a hierarquia, sendo que as partes melhores
deveriam ser reservadas para os que estivessem na mesa alta, enquanto
pedaços como miúdos eram encaminhados para as de baixo.

Banquete dado em honra de Cristiano III, rei da Dinamarca, por Bartolomeo Colleoni. O rei está
sentado sozinho à cabeceira da mesa, com seu trinchante servindo-o. Em deferência à sua posição,
está isolado dos outros comensais pela distância. Pintura de Marcello Fogolino, década de 1530.

Todas essas minúcias de etiqueta eram elaboradas a partir de aspectos já


presentes no final da Idade Média. O que havia de novo na Itália
renascentista era a mudança na estrutura efetiva da refeição. No
Quattrocento, a seqüência seguida era a do norte da Europa, que se abria
com sopas de vegetais ou de carne, lasanha, tortellini in brodo, todos os
tipos de carnes guisadas e recheadas servidas com molho; em seguida vinha
o serviço de carnes assadas ao forno ou ao fogo, com molhos picantes;
depois um outro de alimentos fritos, mortadela, tortas e empadões servidos
com os clássicos molhos branco, verde e de mostarda; finalmente uma
sobremesa, consistindo de frutas cozidas ou açucaradas, doces, nozes com
anis.95 Durante o Cinquecento ocorreram duas grandes mudanças. A
primeira, como veremos, foi que o último serviço em qualquer ocasião
aparatosa se separou e passou a ser um grande conjunto apresentado numa
sala separada.
A outra grande mudança envolveu a própria comida e a seqüência em
que era servida.96 A refeição do Renascimento italiano passou a usar muito
mais hortaliças, enquanto a nova seqüência de serviços se relacionava com
a credenza, a mesa lateral em que se expunham e serviam pratos frios. A
preferência deslocou-se para as carnes brancas, como vitela e caça,
indicadoras de status aristocrático; os comensais podiam se imaginar como
um grupo de nobres caçadores consumindo o que haviam matado. A
estrutura da refeição tal como surgiu no Cinquecento desenvolveu-se no que
se tornou o muito admirado servizio all’italiana, no qual os pratos frios —
servizi di credenza — eram apresentados em seqüências variadas,
alternando-se com pratos quentes — servizio di cucina. Por exemplo, uma
refeição poderia começar com antipasti da credenza, com iguarias como
saladas e carnes frias, tortas de frutas frescas, gelatinas, melão, uvas e
biscoitos especiais mergulhados em vinho Malvasia ou Trebbiano.
Seguiam-se um ou mais serviços de carnes assadas, fritas ou recheadas (em
dias de jejum, peixes e crustáceos) preparados na cozinha. Essa parte da
refeição podia incluir rissoles, fricassês, empadões de carne, crostate (uma
espécie de torta), salsichas, ravióli, lasanha, macarrão, nhoque, pappardelle
(uma forma de macarrão), ganso e capão recheado. Era nessa estrutura que
se encontrava a enorme elaboração da culinária registrada em Opera, de
Bartolomeo Scappi. Ela é muitas vezes quase opressiva por sua riqueza e
pela tendência para coisas que hoje acharíamos profundamente repugnantes,
como crostate de olhos e orelhas de cabrito ou testículos assados de
carneiro. Depois disso vinha outro serviço da credenza, com legumes crus
ou cozidos, tortas e pastéis, queijos, ostras e cremes à base de leite.
Finalmente (se eram servidos na mesa, e não em outro lugar) candite
confettioni, coisas doces como frutas em calda e sementes açucaradas. A
seqüência não era imutável. Romoli, Il Pununto, por exemplo, não alternava
seqüências quentes e frias, mas organizava a refeição — como uma que ele
preparou para dias de peixe — com duas seqüências frias e duas quentes
entre elas.
De maneira geral, o que era visto como servizio al’italiana alternava
serviços quentes e frios — frios da credenza, quentes da cucina. É uma
seqüência que já está clara em Platina, em meados do século XV. Mesmo
quando os serviços se multiplicavam, como ocorria nas grandes ocasiões, o
ritmo era mantido. Basta um único exemplo como ilustração. Em maio de
1583 o papa Clemente VII deu uma festa em honra aos três filhos de
Guilherme V, duque da Bavária, no castelo de Santo Ângelo.97 Com muito
destaque, o cardápio incorporou todas as fixações alimentares do banquete
renascentista. Entre os pratos que consideraríamos repugnantes estava o
segundo serviço, que tinha um pintinho para cada conviva acompanhado
por um pastel com recheio de crista de galo, testículos e groselha, grandes
tortas recheadas com olhos, orelhas e testículos de cabritos, e cabeças de
bezerro desossadas e recheadas. No quarto serviço, os maiores destaques
eram um prato de testículos de capão e uma salada de pés de cabra.
Ainda mais típica era a maneira como se exibiam todas essas iguarias. A
qualidade dos ingredientes e o gosto cediam lugar à necessidade de
ostentação como parte da infindável ladainha de homenagens à coroa. (A
procissão de apresentação dos pratos num desfile deslumbrante tinha como
resultado, é claro, que eles invariavelmente estavam tépidos ou frios ao
chegar à mesa.) As mais espetaculares peças de exibição, no caso do
banquete papal para os bávaros, incluíam “pavões brancos em suas penas,
adornados com pérolas, corais e folhas de ouro e prata, com brincos nas
orelhas e perfume no bico”, um Hércules de marzipã brandindo sua clava
contra uma hidra de massa recheada de vitela picada, gemas de ovos
cozidas, pinhões, e “leões compostos de carne de lebre em grandes tortas”.
O finale foi um modelo do próprio castelo de Santo Ângelo, de onde saíam
“faisões com o bico vermelho, vestidos de roupas de ouro e prata, pequenas
lebres e coelhos brancos com colares de pequenos sinos em volta do
pescoço e corais nas patas perfumadas”. Havia um rei mouro montado num
elefante com um castelo nas costas cheio de pássaros vivos, uma hidra que
vomitava arganazes e toupeiras vermelhas, um cavalo de cuja boca voavam
pintassilgos em tranças de prata, um touro enfeitado de flores que era um
autômato e andava pela mesa, e um navio de velas abertas, cheio de doces
de Bérgamo. A culinária da festa era internacional, à maneira de Scappi.
Havia biscoitos de Pisa, tortas da Inglaterra, carnes cozidas à moda
florentina e francesa, tortellini recheados de queijo e presunto ao estilo
alemão e marmelada de Portugal.
Podemos ver como era uma destas mesas em dois quadros de Brueghel
de Veludoa que estão no museu do Prado, datados das primeiras décadas do
século XVII. Ambos pretendem louvar os sentidos: um celebra o paladar, e
outro o paladar, a audição e o tato. Brueghel é um brilhante pintor de
naturezas-mortas que transmite plenamente o luxo da mesa de banquete
renascentista, seus atrativos em termos de textura e cor, suas formas
contrastantes. Há uma torta com penas das quais se projeta uma cabeça de
pavão, e outra com as asas, a cabeça e o pescoço dourado de um cisne.
Vemos lagostas, cascatas de ostras, a pele untada e brilhante de aves assadas
em pratos de estanho e, num dos quadros, um espantoso prato composto
com flâmulas heráldicas flutuando sobre um ramo de folhagens. Mais do
que qualquer outra fonte, exceto Bodas de Caná, de Veronese, estas
pinturas captam a essência do banquete renascentista como espetáculo.
No quadro dedicado aos três sentidos, uma mulher toca alaúde, evocando
um elemento que já vimos ser central em qualquer grande banquete na corte
de Este, a música. Ficino acreditava que a música era importante num
banquete por sua maneira de combinar os opostos, num apelo direto aos
sentidos simultaneamente ligado à harmonia sobrenatural do cosmo.98 A
integração entre comida e música em Ferrara era imitada por outras cortes
européias amantes da música. Uma delas era a corte do pai dos jovens
príncipes bávaros festejados em Roma em 1583, Guilherme V da Bavária.
Em 1568 o duque casou-se com Renée de Lorraine, em Munique. A festa
teve lugar no castelo e foi notável pela integração do jantar com a música.
As celebrações foram abertas com um concerto de instrumentos de sopro
que durou uma hora. Então os convidados começaram a comer os antipasti
ao som de uma obra em oito partes composta pelo organista da corte e um
moteto em seis partes de Orlando di Lasso, tocado por um conjunto de
cornetins e trombones:
Imediatamente [depois] foi trazido da cozinha o segundo serviço, ao som de trombetas e
tímpanos.… Os músicos ducais tocaram várias composições de seis partes.… Durante o
quarto serviço ouviu-se uma excelente peça a 12 vozes, … com seis instrumentos de corda,
cinco sacabuxas, um cornetim e um órgão, … com o quinto serviço, … o conjunto
acompanhou seis cantores tocando viola da gamba num tom abaixo do normal, [junto com]
seis flautas e um instrumento de teclado. Com o sexto serviço … os instrumentos, que
soavam da maneira mais agradável, eram um clavicêmbalo, uma sacabuxa, uma flauta, um
alaúde — tocado magistralmente por um virtuoso, … uma gaita de foles, um cornetim, uma
viola da gamba, e um pífano.… O sétimo serviço: o conjunto consistia de 12 músicos,
divididos em três coros, ou seja, quatro violas da gamba no primeiro, quatro grandes flautas
no segundo [e] um dulzino, uma gaita de foles, um pífano e uma trompa doce [em surdina] no
terceiro.99

Deve ter sido uma noitada esplêndida.

Os sentidos do paladar, audição e tato evocados pelo banquete. Detalhe de um quadro de Brueghel
de Veludo, começo do século XVII.

DA FESTA À FANTASIA
Um dos mais influentes livros de todo o Renascimento apareceu em Veneza
em 1499. Hypnerotomachia poliphili, de Francesco Colonna, é uma
romança alegórica com uma diferença, pois o herói buscava sua amada
Polia em viagem por uma clássica e humanista terra dos sonhos. Um dos
incidentes nesta fantasmagoria era um banquete de sete serviços dado por
uma rainha.100 Não apenas os convivas trocavam de roupa para cada
serviço, como os criados também trocavam de libré. Cada serviço era
prenunciado pela entrada de um estupendo bufê sobre rodas, “cuja frente
tinha a forma de barco ou taça, e a parte de trás a forma de uma carruagem
triunfal”. Todo novo estágio do banquete era acompanhado por música.
“Desta maneira”, diz o texto, “sempre se estava ouvindo música adorável,
escutando gentis harmonias, dando ouvidos a deliciosas melodias,
respirando deleitáveis perfumes e recebendo as mais prazerosas satisfações
do apetite.” Assim, por exemplo, uma roupa de seda púrpura (que Platina
certamente não aprovaria) salpicada de rosas era seguida por uma veste
amarela mosqueada de lírios do vale e narcisos. As iguarias variavam de
pastéis coloridos com açafrão e imersos em água almiscarada a peito de
pavão com molho agridoce. O finale envolvia cinco criados vestidos de
seda azul pontilhada de ouro, distribuindo frutas tiradas de um arbusto de
coral, seguidos por uma fonte móvel salpicada de jóias que girava e
molhava os convivas. Finalmente vinha um balé interpretado por 32
dançarinos vestidos como reis e rainhas.
O que Colonna invocava em sua imaginação estava na verdade muito
pouco distante da realidade. Festejos com nível de complexidade próximo a
este eram um fato na vida das cortes italianas ao final do Quattrocento. O
Hypnerotomachia poliphili foi imensamente popular em outros lugares,
tendo sido elegantemente traduzido para o francês por Jean Martin em 1546
(embora reduzido a um quarto), e para o inglês por sir Robert Dallington,
em 1592 (que parou bruscamente nos dois quintos do caminho). Mas o
estilo de banquete que descreve deve ter impressionado seus leitores do
norte da Europa pelo estilo muito diferente a que estavam habituados. O
efeito seria reforçado pelo fato de que o livro era cheio de ilustrações que
deviam muito aos trabalhos da arqueologia renascentista e aos estudos
clássicos. No caso da festa, estamos mais uma vez imersos numa recriação
imaginativa dos banquetes da Antigüidade. Já encontramos esse tipo de
festa — com sua preocupação com a cenografia e a coreografia de tipo
extremamente complexo — organizada por Messisbugo e seus sucessores
na corte de Ferrara. É nada menos que o banquete como uma produção
teatral unificada, de um tipo jamais alcançado no sinuoso vaudeville da
corte borgonhesa, em que se fixa um tema único, e tudo, da decoração e
librés às iguarias figurativas e ao entretenimento, está submetido a ele.
Bufê em forma de carruagem triunfal, do livro Hypnerotomachia poliphili, de Francesco Colonna,
1499.

O primeiro banquete com uma mise-en-scène elaborada e coordenada


desta forma deve ter sido o que celebrou o casamento de Eleonora de
Aragão, filha de Ferdinando I de Nápoles, com Ercole I, duque de
Ferrara.101 As festividades que marcaram o enlace se estenderam por três
meses no verão de 1473. Ercole e a corte de Este viajaram para Nápoles
para buscar a noiva, que fez então uma viagem triunfal até seus novos
domínios, parando pelo caminho em vários lugares, particularmente Roma.
Ali foi-lhe oferecido um estupendo banquete por um dos “sobrinhos”
(muitas vezes um eufemismo para filhos ilegítimos) de Xisto IV, o cardeal
Pietro Riario, a principal força nos círculos humanistas romanos por trás da
revivescência do teatro e do drama antigos. Foi realizado diante do palácio
cardinalício, na praça dos Santos Apóstolos. Uma varanda temporária foi
erguida e dividida em três aposentos cobertos de tapeçarias, ricos tecidos e
engalanados com flores e folhagens. A própria praça foi protegida do sol
por um teto de tecido, um valerium, e no centro uma fonte jorrava água
perfumada, cuidada por um jovem vestido de folhas douradas. Duas mesas
com dez convidados cada uma ocupavam a maior das varandas, e num
palco à sua frente encenava-se uma série de entreatos nos intervalos dos
serviços do jantar.
O que coloca esse acontecimento à parte é que, em lugar dos
disparatados carros alegóricos e dos acidentes que podiam ocorrer nos
jantares de uma festa medieval, temos pela primeira vez um cenário que
abarcava todo o acontecimento, que durou cerca de sete horas. Os quatro
entreatos no palco estavam relacionados aos quatro serviços. Após cada um
deles as mesas eram limpas e a toalha era retirada, revelando outra de
diferente cor, combinando com as librés, também trocadas, dos servos. O
faqueiro mudava de um serviço para outro, de prata para ouro. As iguarias
eram típicas do final do período medieval, com uma luxuosa abundância de
dourados, mesmo no pão, e o costumeiro desfile de pássaros e animais
reconstituídos. Na dinâmica do banquete integrava-se uma série de
entreatos mitológicos que se referiam à noiva e ao noivo — Atlanta e
Hipomenes, Jasão e Medéia, Hércules e Dejanira, Baco e Ariadne. Os
cumprimentos corteses feitos no palco sob a forma de diálogos, mímicas e
canções ecoavam na mesa no serviço final de sobremesa, um banquete de
açúcar representando três dos trabalhos de Hércules (numa referência ao
noivo, Ercole) e castelos cujos pedaços eram jogados para a multidão que a
tudo assistia. Depois uma montanha sobre rodas entrou em cena, e dela
surgiu um homem que se dirigiu aos espectadores, seguido por Vênus,
deusa do amor, num carro puxado por dois cisnes. Isso levou a uma
reencenação da história de Hércules e o dragão no Jardim das Hespérides. O
finale foi uma dança por oito casais mitológicos rudemente interrompida
por centauros carregando escudos e clavas. Foi o pretexto (mais uma vez
em homenagem ao duque) para uma encenação da batalha entre Hércules e
os centauros — que, é claro, Hércules venceu.
Essa festa parece ter estabelecido o estilo para toda uma série de outras
similares no final do Quattrocento, criando assim o que só pode ser descrito
como um novo gênero, o banquete alegórico. Dois anos mais tarde, no
casamento de Costanzo Sforza com Camila de Aragão, em Pesaro, o
banquete nupcial foi supervisionado pelos habitantes do Olimpo, e os
serviços quentes foram servidos sob a égide do deus do sol, Apolo, e os
frios sob a deusa da lua, Diana.102 Em 1489, no casamento de Isabel de
Aragão com Gian Galeazao Sforza, Jasão estendeu seu velocino de ouro
sobre a mesa nupcial, Mercúrio apresentou um bezerro e Diana, um
veado.103
Um manuscrito na Pierpont Morgan Library, em Nova York, compilado
por um cozinheiro napolitano em algum momento da última década do
século XV, registra em detalhes toda uma série de banquetes. De longe o
mais importante foi o dado por Ascanio Sforza, nomeado cardeal em 1484,
em honra ao príncipe de Cápua.104 Consistiu de oito serviços, cada um dos
quais apresentado por um membro da hierarquia do Olimpo: Vênus, Júpiter
e Juno trouxeram o serviço dos assados; Diana e suas ninfas, o da caça;
Netuno, num carro marinho, o dos peixes; Jasão e três sereias, as geléias;
Pan, o de coalhadas e laticínios, em cestas douradas; e Pomona, o de frutas
e doces com hipocraz. Vassouras douradas limpavam o que havia sido
jogado aos cães.
Há uma clara ligação entre essas festas tão extremamente organizadas e
o tipo de ceia imaginada por Messisbugo e seus sucessores com que abri
este capítulo. Já vimos como, ao longo do século, aquele formato passou a
ser o padrão para as grandes ocasiões na corte de Este. Mas tais espetáculos
não se limitavam a Ferrara. Dois outros exemplos mostram como a festa
alegórica difundiu-se nas cortes italianas à medida que a era renascentista
dava lugar ao barroco. O primeiro foi talvez o banquete mais espetacular
desse tipo jamais dado. Realizou-se em 1600, por ocasião das núpcias de
Maria de Médici e Henrique IV.105 A festa marcou um triunfo diplomático
da mais alta ordem, o casamento do rei da França com a jovem de uma
família que, um século antes, formava um mero clã de banqueiros. A
máquina publicitária sempre funcionou nos festivais dos Médici,
produzindo livros e gravuras comemorativos. O ano de 1600 não foi
exceção. Já descrevi a gigantesca credenza, mas na ocasião foi criada em
torno dela, na Sala del Cinquecento, uma decoração arquitetônica. Era
composta por estátuas douradas e exibia retratos da noiva e do noivo, bem
como de seus predecessores e protótipos, Henrique II e Catarina de Médici.
Duas grutas também tiveram seu lugar. A nova rainha e a família,
juntamente com os principais hóspedes, sentavam-se no alto, numa das
extremidades da sala; abaixo deles, três mesas, cada uma com cem damas,
eram servidas por cavaleiros. Os alimentos abarcavam todas as fantasias
maneiristas. Na mesa alta havia dois carvalhos aparentemente feitos de neve
com folhas brancas e guirlandas prateadas. Sob seus ramos acontecia uma
caçada. Na mesa central das damas, um leão rampante arrancava lírios do
peito, enquanto, simultaneamente, se metamorfoseava em águia imperial.
Em certo momento da festa a mesa alta dividiu-se em duas, que se
separaram e transformaram em vasos. Enquanto isso, do chão emergiu uma
mesa com a sobremesa sob a forma de uma paisagem de inverno. Um
conviva deixou registrado que, nesse ponto, a iluminação diminuiu,
enfatizando dramaticamente o efeito do que estava por acontecer. Duas
nuvens brotaram lentamente das grutas laterais, pairando sobre a cabeça dos
comensais, e ao se abrirem revelaram os carros dourados e cravejados de
jóias das deusas Juno e Minerva, que compareceram para agraciar aquele
“sobre-humano banquete dos deuses”. Essas aparições aéreas debateram
então sobre qual seria a presença mais representativa, resolvendo-se
finalmente a contenda com a eleição do próprio casamento, quando um
imenso arco-íris arqueou-se na sala. Depois disso a rainha e suas damas
dirigiram-se para a mesa do centro, que mais uma vez foi objeto de uma
transformação milagrosa. Usando horizontalmente e com destreza o
periaktoi (molduras giratórias empregadas verticalmente no palco para
mudanças de cena), a superfície da mesa girou, revelando primeiro espelhos
que refletiam as pinturas do teto glorificando os Médici, e depois um jardim
de açúcar com pássaros canoros e outras criaturas. A rainha presenteou suas
damas com eles, enquanto os cavaleiros ofereciam-lhes frutas e flores do
jardim de açúcar.
A festa utilizou todos os recursos da corte dos Médici. Giovan Battista
Guarino escreveu os poemas para o debate das deusas, Emilio Cavalieri, a
música. O resto coube aos talentos combinados do multifacetado arquiteto e
desenhista Bernardo Buontalenti, o pintor Jacopo Ligozzi e o escultor
Giambologna. Este último, junto com seus assistentes, até mesmo desenhou
a escultura de açúcar para as mesas
O segundo exemplo é bem mais tardio, de 1645. A 10 de fevereiro
daquele ano, madame Reali, filha de Henrique IV e duquesa de Sabóia,
celebrou seu aniversário no castelo de Rivoli com um banquete alegórico.106
O acontecimento também estava carregado de significado político:
celebrava a restauração do equilíbrio político do ducado após anos de
dissensão interna. Como todos os festivais da corte de Sabóia, foi dirigido
por um homem, um cortesão e conselheiro de Estado chamado Filippo
d’Aglié, que por 30 anos projetou os cenários para torneios, balés e festejos.
O banquete foi oferecido pelo filho da duquesa Cristina, o jovem duque
Carlos Emanuel, em honra à mãe e encenado em quatro salas diferentes,
uma após a outra. Cada sala representava uma diferente província do
ducado, com as paredes adornadas com painéis e os tetos com os brasões
pertinentes. Para enfatizar a natureza patriótica da festa, como no caso da
festa de casamento de Alexandre Farnese em Bruxelas, em cada uma das
salas foram servidas iguarias associadas à respectiva província.

A festa como teatro. A duquesa de Sabóia e família presidem um banquete alegórico, de um


camarote situado acima, 1645. Iluminura italiana, século XVII.

Para nossa sorte, um notável registro visual de todas as festas de Sabóia


sobreviveu nas pinturas de um certo Tommaso Borgonio. Basta olhar para a
que descreve a província de Sabóia para sentir todo o sabor do
acontecimento. A duquesa, com seus véus negros de viúva, está sentada
entre as duas filhas, Adelaide e Margherita. Elas ocupam um camarote ou
pavilhão elevado ao qual se chega por uma escada dupla. São servidas,
entre outros, pelo scalco, o trinciante e o coppiere (escanção) da duquesa.
Abaixo 20 convidados sentam-se a uma mesa que se estende até a credenza,
com sua exibição de pratarias. Há dois conjuntos de servos, um de libré
marrom escuro e carmesim com franjas douradas, e um segundo de preto
com meias vermelhas. O primeiro parece tratar da bebida, e o segundo, da
comida. Atrás do bufê ergue-se uma decoração em forma de montanha,
encimada por uma estátua de Sabóia, enquanto na parede mais comprida há
uma vista da fortaleza de Mommeliano. Esta, é claro, é apenas a primeira
sala; seguem-se mais três, dedicadas sucessivamente a Turim e Piemonte,
Nice e finalmente Monferrato. Após a refeição, todos foram para a sala del
balletto, onde dançarinos vestidos com as roupas típicas das diferentes
províncias apresentaram uma dança. No texto que acompanha suas pinturas,
Borgonio enfatiza o tema da festa — que os presentes se unam em defesa
do ducado com suas armas e suas artes, e também com devoção de mente e
espírito.
Os festejos alegóricos eram em geral mais característicos das cortes
italianas do que da aristocracia do norte dos Alpes. Ali as tradições da
Borgonha continuaram sendo observadas por todo o século XVI, e os
festejos eram seguidos por uma invasão de mascarados, como os presentes
no banquete nupcial de Alexandre Farnese em 1565. Um raro registro
inglês desse tipo de acontecimento aparece no retrato de sir Henry Unton,
na National Portrait Gallery, em Londres. Sir Henry, a mulher e convidados
estão sentados em volta de uma mesa, enquanto no primeiro plano vemos
avançarem a deusa Diana e um grupo de ninfas. Mercúrio, o mensageiro
dos deuses, parece estar declamando para lady Unton, a uma extremidade
da mesa. Esse tipo de conjunção íntima entre festejo e entretenimento de
corte deveria ser rompido no século seguinte, quando a mascarada precisou
dispor de uma sala própria e um palco. Comida e fête, tão intimamente
aliadas por toda a Idade Média, finalmente se separaram.
Há uma exceção. Não é de surpreender que tenha sido francesa e
ocorrido sob a égide de uma Médici, Catarina. Aconteceu em Bayonne, na
fronteira franco-espanhola, a 24 de junho de 1565,107 como parte de uma
estonteante série de festividades envolvendo membros de ambas as cortes.
No caso, era a rainha quem convidava. Os convivas embarcaram num navio
construído como um castelo e desceram o rio Adour, onde passaram por
várias deidades marinhas, até desembarcar numa ilha. Ali foram saudados
por dois músicos vestidos como Lino e Orfeu. Três ninfas cantaram a paz
entre os reinos, enquanto o grupo caminhava por uma aléa verde até um
pavilhão de banquetes octogonal, construído em torno de um carvalho. Ao
pé do carvalho, uma fonte borbulhava numa gruta. O pavilhão era dividido
em oito alcovas, cada uma com uma mesa para oito pessoas. Uma mesa
oval elevada destinava-se ao grupo real. Seguiu-se a festa, exatamente à
maneira italiana, acompanhada por músicos colocados nas entradas do
serviço. Cinco pastores e dez pastoras vestidos com roupas de ouro e prata
serviam os comensais. Uma vez terminada a festa, nove ninfas dançaram ao
som de música tocada por sátiros mascarados.
A filha de Catarina, Margarida de Valois, futura primeira esposa de
Henrique IV, descreve a ocasião em suas memórias. Ela se refere a detalhes
não registrados em outras partes, como por exemplo o fato de que os
pastores estavam vestidos com roupas das diferentes províncias da França
— uma alusão política — e que caiu uma tempestade. Mas mencionar o
acontecimento em suas memórias sugere exatamente que o considerou
incomum. E na verdade era. Uma manifestação tão rigorosamente
coordenada não era típica do Renascimento no norte da Europa.

Uma majestosa mascarada encabeçada por Mercúrio e Diana faz sua entrada num banquete do final
da era elisabetana. Detalhe de Memorial Picture of sir Henry Unton, c.1596.
Existem evidências de que nem todos eram tão facilmente seduzidos
pelo dramático crescimento de prodigalidade em tais espetáculos culinários.
Na península Ibérica ocorreu uma forte reação contra a adesão do
imperador Carlos V aos excessos e espetáculos borgonheses. O grande
inquisidor Torquemada, em seus Coloquios satiricos (1553), elogia a
“antiga frugalidade e a simplicidade espanhola”, em contraste com as mesas
servidas àla flamande. Quando estava na Espanha, o imperador tinha o
cuidado de não exibir qualquer ostentação.108
Giorgio Vasari, em sua biografia do escultor florentino Giovan
Francesco Rustico, nos apresenta um outro ponto de vista crítico.109 Rustico
formou um grupo que se autodenominava Companhia do Caldeirão e que
encenava banquetes. Cada membro podia convidar quatro pessoas e deveria
levar um prato. O resultado parece ser uma paródia deliberada da decoração
e da comida de um grande banquete da corte dos Médici. Numa dessas
reuniões, os comensais foram colocados em volta do que parecia ser um
enorme caldeirão, de tal maneira que pareciam estar sobre a água fervendo.
Os pratos eram versões infames das comidas figurativas da corte:
Na sua vez, Rustico apresentou um caldeirão feito de massa, em que Ulisses assava o pai para
rejuvenescê-lo, sendo que as duas figuras eram capões em forma de gente.… Andrea del
Sarto [o pintor] apresentou uma igreja octogonal como a de são João, mas apoiada em
colunas. O pavimento era feito de gelatina, parecendo um mosaico multicolorido; as colunas,
que pareciam de porfírio, eram salsichões; as bases e capitéis, queijo parmesão; as cornijas
eram de massa e açúcar, e os aposentos, de marzipã. No meio havia uma estante de música
feita de vitela fria, com um livro de massa, sendo as letras constituídas de grãos de pimenta.
Os cantores eram tordos assados com os bicos abertos, usando sobrepelizes de redanho de
porco, e atrás deles havia dois grandes pombos como base e seis cotovias como soprano…

Rustico era membro de outra companhia, a da Desempenadeira, que


também encenava festas desse tipo durante a segunda década do
Cinquecento. Cada jantar tinha um tema. Um deles era arquitetônico, e os
convivas, vestidos de pedreiros e trabalhadores, deviam construir um
edifício com a comida, que ao final era devorada. O jantar mais memorável
da Desempenadeira foi uma versão minuciosamente invertida da festa
alegórica típica das cortes italianas ao final do Quattrocento. O tema era
Ceres procurando a filha Proserpina no Mundo Inferior, e embora Plutão se
recusasse a abrir mão dela, convidava a todos para o banquete nupcial. Os
convidados entraram por uma porta com forma de boca de serpente:
… e se encontraram numa sala redonda iluminada por uma luz fraca ao meio, de modo que
mal podiam reconhecer um ao outro. Um demônio horrível com um tridente levou-os a seus
lugares na mesa coberta de negro, e Plutão ordenou que, em honra ao casamento, os
sofrimentos do inferno cessassem enquanto eles estivessem ali. Havia pinturas descrevendo
os defeitos dos condenados e seus tormentos; quando uma luz lhes era dirigida, surgiam
chamas que mostravam a natureza do tormento. As viandas tinham a forma de animais com a
mais repulsiva aparência, mas por debaixo eram feitas de carnes delicadas de vários tipos. Os
exteriores eram serpentes, sapos, lagartos, aranhas, rãs, escorpiões, morcegos e coisas assim,
com as mais deliciosas viandas por dentro. Eram colocadas diante de cada conviva com uma
pá, e um demônio servia vinhos escolhidos, mas de um feio chifre feito de vidro.… Em vez
de frutas, seguiram-se ossos de gente, … mas eram de açúcar.

E assim continuou a encenação até que, em certo momento, tudo isso foi
levado: “Foram trazidas luzes, e uma cena régia tomou o lugar, com servos
decentes trazendo o restante de um banquete magnífico.” É difícil não
acreditar que os artistas responsáveis por essas paródias eram os mesmos
que criaram os maravilhosos eventos cortesãos ali caricaturados. Poderiam
eles ignorar à custa de quem estavam tendo noitadas tão agradáveis?

A REFEIÇÃO DE AÇÚCAR E O BANQUETE


Ainda não falei das conseqüências da introdução de um ingrediente, o
açúcar, que daria nascimento a um gênero próprio de refeição, em que
coisas doces e açucaradas eram servidas à parte o banquete. A devastadora
paixão pelo açúcar que varreu toda a sociedade mudou a composição da
comida e deu um novo ímpeto à prática de modelar ingredientes naturais
em formas figurativas. Nada o eclipsaria com esta finalidade.
O açúcar era pouco conhecido ou usado na Grécia e na Roma antigas.110
No século VI, os árabes o levaram da Índia para o Oriente Médio, e de lá
ele penetrou o Mediterrâneo via Chipre, Creta, Sicília e Espanha. No final
da Idade Média o açúcar chegou ao norte da Europa vindo do leste por
Veneza, mas era ainda uma mercadoria relativamente rara. Tudo isso iria
mudar subitamente em meados do século XV, quando o cultivo da cana-de-
açúcar, sob a égide dos portugueses, foi da Espanha e da Sicília para a ilha
da Madeira e as Canárias, em cujo clima floresceu. No século seguinte foi
introduzido no Novo Mundo — no Brasil e no Caribe —, e a Europa passou
a dispor de uma oferta abundante do produto. Os portos principais de tal
comércio foram inicialmente Gênova e Veneza, o primeiro desenvolvendo a
especialidade de frutas cristalizadas, e o segundo, todos os tipos de
confeitos e pastelarias, inclusive esculturas de açúcar. Mas Gênova e
Veneza logo seriam eclipsadas por Lisboa e Antuérpia. O açúcar conquistou
as cortes renascentistas graças a propriedades tidas como de grande valor
terapêutico. Considerado “quente” em primeiro grau, supunha-se que, entre
outras qualidades, auxiliava o estômago, curava “doenças frias” e aplacava
queixas pulmonares.
Já encontramos esculturas de açúcar, primeiro na festa dada em 1457 por
Gaston de Foix, e depois nos dois casamentos de Ercole I d’Este, em 1473 e
1491. Em ambos os casos, carregadas em procissão, elas encerravam os
festejos. Seu propósito era não apenas proporcionar um espetáculo, mas
prestar tributo tanto aos anfitriões como aos convidados, numa bajulação
simbólica. As peças eram feitas de duas maneiras. O açúcar podia ficar
maleável como cera e modelado, ou, quando derretido, podia ser posto em
moldes, e, depois que endurecia, trabalhado com goivas. Daí o
envolvimento dos grandes escultores do Renascimento. Em si mesmo o
açúcar tinha cor marrom, por não ser refinado, e os objetos feitos com ele
— conhecidos como trionfi — muitas vezes eram pintados e dourados.
O exemplo da corte dos Este foi rapidamente imitado.111 No casamento
de Costanzo Sforza com Camila de Aragão, em Pesaro, em 1488, foram
apresentados castelos de açúcar aos embaixadores. No mesmo ano, no
casamento de Guidobaldo da Montefeltro com Elisabetta Gonzaga, em
Urbino, as esculturas de açúcar incluíam não apenas castelos, mas cidades,
fontes, pássaros e animais, bem como dez árvores em tamanho natural. Nas
núpcias de Cosimo I, duque de Florença, em 1539, os festejos terminaram
com a deusa Flora cercada por cinco ninfas carregando presentes para os
convivas, “feitos de açúcar e pintados com uma cor natural. Também de
açúcar eram as travessas, bacias e outros recipientes com os presentes. Cada
um era colorido de prata, ouro ou de outro tom, conforme apropriado”.112
Gradualmente a seqüência de açúcar separou-se e tornou-se um
acontecimento particular, encenado numa sala à qual os convivas eram
levados após o banquete e o baile. Há um registro notável de um desses
eventos, parte da grande seqüência de festejos encenados em Binche por
Maria da Hungria, regente dos Países Baixos, no ano de 1549.113 As
festividades tinham como propósito dar as boas-vindas ao futuro Felipe II,
herdeiro de Carlos V, que também estava presente, junto com a rainha da
França. À meia-noite, após o baile na corte, a regente conduziu o grupo real
ao que foi chamado de a salle enchantée, uma câmara cujo teto era um céu
artificial através do qual se moviam nuvens ao vento, revelando estrelas sob
a forma de lâmpadas que queimavam óleo perfumado. De um lado da sala
jorravam diferentes tipos de vinho de uma rocha, enquanto no centro
erguiam-se quatro pilares de jaspe maciço. Um desenho da cena mostra as
três seqüências da refeição descendo simultaneamente entre os pilares. Na
verdade elas chegavam uma de cada vez; à medida que uma tocava o chão,
a seguinte era baixada entre raios, trovões e chuva de granizo feita de
dragées delicieuses de açúcar cândi. A primeira mesa a descer era de
porcelana, e nela havia todos os tipos de conserva de tous les fruits
imaginables. O que não se consumiu foi pilhado pelos espectadores assim
que o grupo real se retirou. A mesa seguinte era de cristal e vidro, com
doces de diferentes cores e cem tipos de conservas, todas brancas. A última
mesa a baixar estava coberta apenas de esculturas de açúcar: um veado, um
javali, pássaros, peixes e, no meio, uma rocha de açúcar vermelho, tendo
em cima cinco loureiros com folhas douradas e prateadas e frutos de açúcar.
Eram enfeitados com as armas dos domínios da antiga herança borgonhesa
e a eles amarrou-se um esquilo com uma corrente de prata.

O banquete de açúcar na salle enchantée, em Binche, 1549. Desenho, meados do século XVI.

Dezesseis anos depois, no casamento de Alexander Farnese, houve duas


dessas refeições após o banquete nupcial.114 A primeira, parte da celebração
da corte, oferecia todas as formas imagináveis de confeitos (como em
Florença em 1539). Era ainda mais notável pelo fato de que não apenas
todos os pratos, travessas e copos eram de açúcar, mas também facas,
garfos, candelabros e até mesmo o pão. Só a toalha de mesa não era. Diz-se
que os convivas cercavam a mesa apontando para as coisas e rindo. No
entanto, tratava-se apenas de uma preliminar ao principal acontecimento,
um presente da cidade de Antuérpia. O observador italiano Marchi escreve
que só no casamento de Alessandro de Médici em 1536, em Nápoles, tinha
visto esculturas comparáveis. Nada menos que três mil esculturas
descreviam a jornada da noiva de Lisboa até os Países Baixos e sua
recepção ali. Na representação, a viagem fora pontuada por tempestades,
baleias e monstros marinhos. Uma efígie de Alessandro esperava o
desembarque da noiva em Middelburg. A descrição registrava ainda o
desfile triunfal do cortejo por várias cidades antes de chegar a Bruxelas.
Cada convidado pegou um pedaço de escultura como lembrança.
Basta mais um exemplo. Em 1571 a cidade de Paris deu um banquete
seguido por um espetáculo de açúcar por ocasião da chegada de Elizabeth
da Áustria.115 A festa aconteceu no salão do palácio episcopal, em meio a
uma extraordinária decoração esotérica imaginada pelo humanista Jean
Dorat e executada pelo pintor Niccolo dell’Abate. Dorat foi também quem
concebeu as seis grandes esculturas de açúcar desenhadas pelo escultor da
corte, Germain Pilon. Elas ocupavam lugar de honra entre cerca de 300
esculturas menores imitando cristal veneziano. Descritas como “grandes
pièces de relief … du sucre dorée et enrichy”, as grandes esculturas tinham
como tema a história da deusa Minerva, comparada à formidável figura da
rainha-mãe, Catarina de Médici, e se relacionavam ao que Elizabeth da
Áustria vira nos arcos triunfais que em sua honra haviam se erigido nas
ruas. Elas profetizavam um poderoso império ocidental para seu marido
Carlos IX.
Um único desenho mostrando uma dessas refeições de açúcar do final do
século XVI sobrevive. É uma gravura que representa a encenação preparada
para o casamento de Johann Wilhelm, herdeiro do duque de Jülich-Cleve,
com Jakobea de Baden, em 1587. A escala não está certa: as figuras que
passeiam no primeiro plano fazem com que os elementos da mesa pareçam
enormes. Os pratos colocados na beira da mesa dão uma noção mais
verdadeira. Mas a representação é, apesar de tudo, grandiosa e imponente
— as árvores, os animais heráldicos, um elefante com um castelo no dorso,
um unicórnio, um urso, um pavão, um camelo, uma girafa, um caçador, um
pelicano rasgando o peito para alimentar os filhos e, no meio de tudo isso, o
castelo ducal com suas bandeiras ao vento e a figura do duque no interior.
Na história dos jantares, a refeição de açúcar representa um exemplo de
algo novo e único imaginado na Inglaterra pela primeira vez.116 Ali o
costume do fim do período medieval de passar para outra sala onde os
convivas se regalavam com vinho e especiarias após o jantar evoluiu para
algo mais complicado. Durante o século XVI, como vimos, os servos
comiam na copa, e a família e seus convidados, na great chamber, nas
ocasiões mais formais, ou numa sala de jantar, nas menos formais. Mudar
de cenário tornou-se costume para aumentar as delícias do que, na
Inglaterra, passou a ser chamado de banquet. E isso precipitou a invenção
da casa de banquetes.117

Refeição de açúcar por ocasião do casamento de Johann Wilhelm, herdeiro do duque de Jülich-
Cleve, 1587. As pessoas no primeiro plano foram reduzidas ao tamanho de pigmeus. Gravura, final
do século XVI.

Entre 1549 e 1553, sir William Sharington construiu uma torre com duas
salas de banquetes, cada qual com uma mesa para sete pessoas, em Lacock
Abbey, Wiltshire. Perto dali, em Longleat House, no começo do período
elizabetiano, sir John Thynne pontilhou o telhado de sua mansão com
pequenos quartos como vasos de pimenta. Ali os hóspedes podiam
combinar os prazeres do próprio banquete com os do ar fresco e a paisagem
do campo.
No reinado de Elisabeth essas características arquitetônicas eram de dois
tipos: salas de perspectiva, como as construídas em Hardwick Hall,
Derbyshire, pela condessa de Shrewsbury na década de 1590, ou edifícios
completamente separados no terreno da propriedade, como a casa de
banquetes desenhada por Robert Lyminge para Blicking Hall, Norfolk, no
período jacobiano. Francis Bacon, filósofo e chanceler, tinha “uma curiosa
casa de banquetes em arquitetura romana, com chão de mármore preto e
branco”, numa ilha. Como uma edícula comum às grandes mansões, tais
casas de banquetes deveriam durar até o século XVIII.
A palavra banquet passou a ser usada na Inglaterra na década de 1530,
para estabelecer a diferença com o termo feast.118 Ela conota também o
desejo humanista de reviver a arte da conversação. Em 1539 sir Thomas
Elyot publicou The Bankette of Sapience, um compêndio de ditos
espirituosos e aforismos que associava a forma de banquetear entre os
Tudor com a arte revivida do discurso. Quanto às iguarias, embora o
banquete tenha se iniciado com elementos importados, como cascas de
frutas cítricas em conserva, geléias de marmelo e conservas de frutas
macias, logo seriam acrescentadas, como era típico do norte da Europa com
seus laticínios, alimentos como leite com canela, gelatinas cremosas e água
de rosas com queijo. Eram servidos com vinhos doces do sul da Europa e
uma elaborada variedade de biscoitos. Gervase Markham, em seu The
English Huswife (1615), explica como preparar uma dessas refeições com
“um prato de exibição apenas”, de tipo figurativo, e todos os outros pratos
arranjados em volta.
O mais completo relato de um banquete de açúcar elizabetiano, capaz de
rivalizar com os das cortes italianas, descreve a recepção oferecida à rainha
Elizabeth I em Elvetham, em 1591, pelo conde de Hertford, que estava
ansioso por cair em suas graças.119 Enquanto a rainha e seu séquito, ocultos
numa galeria construída para a ocasião numa colina, admiravam um lago
artificial iluminado por fogos de artifício, 200 cavalheiros escoltados por
cem tocheiros lentamente encaminhavam-se em procissão, colina acima,
levando o banquete. A procissão tinha à frente as armas da rainha e da
nobreza e era seguida por uma variedade de objetos associados com a
guerra — castelos, canhões e soldados. (Naquele momento os ingleses
estavam em guerra com a França.) Depois vinham “quadrúpedes”, “tudo o
que pode voar”, “todos os tipos de vermes” e “todos os tipos de peixes”. O
marzipã era apresentado em todos os formatos, e depois vinham frutas
frescas e uma variedade de gelatinas, conservas, confeitos e balas.
Durante o período jacobiano o banquete se tornou indispensável nas
noites em que se realizavam mascarada.120 Após a ceia e a mascarada, o rei
Jaime I levava os convidados a uma sala no palácio Whitehall para o
banquete. O que acontecia depois nem sempre era edificante. Em 1605 o
ataque às mesas foi tão feroz que elas desabaram sob o massacre. Em 1613,
por ocasião do casamento da filha única do rei, Elizabeth, com o eleitor
Palatino, havia “mesas compridas com milhares de confeitos”. Não
obstante, “num minuto tudo foi vorazmente devorado”.
Ben Jonson escreveu mais de um roteiro para os banquetes de seu
patrono William Cavendish, conde de Devonshire e mais tarde duque de
Newcastle.121 O mais delicioso é o que está ligado aos dois acontecimentos
ocorridos no castelo de Bolsover em 30 de julho de 1633, na presença do rei
Carlos I e Henrietta Maria em sua viagem para o sul após a coroação na
Escócia. O elegante roteiro de Jonson celebrava a bênção nupcial do par
real, ligando-o à harmonia do reinado e do cosmo:
Quando os sentidos estão em tão boa ordem
Colocados?
A Vista, o Ouvido, o Olfato,
o Tato e o Paladar,
Todos num mesmo Banquete.

A resposta é que o amor havia realizado esse banquete: “o Amor vai


festejar o Amor!”, num verdadeiro banquete para os sentidos, lembrando os
quadros de Brueghel de Veludo que evocavam a opulência das iguarias
renascentistas. Depois, terminado o primeiro banquete, o rei e a rainha
retiravam-se, para ainda serem entretidos com um diálogo irônico que
satirizava o arquiteto da corte, Inigo Jones, como coronel Vitruvius, e uma
dança de autômatos. Em seguida vinha o segundo banquete, muito mais
ambicioso, pois era “trazido das Nuvens, por dois Amores”.

REFEIÇÕES E O MISTÉRIO DA MONARQUIA


Loue’s Welcome to Bolsover usa uma refeição como veículo para celebrar a
divindade da realeza numa época em que se acreditava no direito divino dos
reis. Durante a Idade Média e o Renascimento, os monarcas raramente
apareciam em público e menos ainda comiam em público. Quando o
faziam, num banquete de coroação, por exemplo, aquele era um
acontecimento tão importante para os que tinham o privilégio de presenciá-
lo quanto uma liturgia esotérica, embora ainda mais raro. No século XVI,
por toda a Europa o culto às dinastias ditou um movimento na direção do
absolutismo. Isso teve inevitavelmente grande impacto sobre a tradição
herdada das refeições reais e contribuiu para aumentar os rituais que
enfatizavam a divindade daquele que usava a coroa.122 Num banquete
oficial na corte papal, por exemplo, o papa comia sozinho no centro do
salão, sobre um estrado quadrangular com algumas polegadas de altura. Se
o imperador estava presente, também comia sozinho, em outro estrado,
localizado num dos lados. De lá ele descia para oferecer ao papa a bacia
para lavar as mãos, como um símbolo explícito da subordinação do regnum
ao sacerdotium. Durante esse ritual todos ficavam ajoelhados. Cada vez que
o papa bebia, todos também tinham de se ajoelhar, como se estivessem
honrando a elevação do cálice na missa.123
Não há estudos sobre o desenvolvimento desse fenômeno, mas é claro
que a freqüência com que os governantes jantavam em público variava de
corte para corte, e que o costume se espalhou durante o século XVI. Na
década de 1560, havia alcançado as cortes bávaras, e na década de 1580, a
Toscana, onde assumiu um aspecto fortemente religioso. Sua introdução, na
verdade, avançou junto com a tendência crescente para que a corte tivesse
um local fixo no palácio, aprofundando sua definição como um mundo à
parte, um recinto sagrado em que as regras preservavam e incrementavam a
distância social.
A vinculação entre o jantar do rei em público e a cerimônia da missa, já
muito desenvolvida na corte borgonhesa, foi construída pelos descendentes
lineares daquela corte, os imperadores e reis Habsburgo. Inicialmente o
imperador Carlos V só cumpria o ritual borgonhês quando jantava em
público. Ele entrava à frente de uma procissão. As facas eram arrumadas na
mesa com a forma da cruz borgonhesa. Suas mãos eram lavadas enquanto
os pratos eram descobertos para que os escolhesse. Depois que o mais alto
prelado presente abençoava a comida, o imperador sentava-se sozinho à
mesa, tendo um pálio sobre si. O espetáculo era encenado apenas quatro
vezes por ano, nas quatro grandes festas litúrgicas de Natal, Páscoa,
Pentecostes e Todos os Santos.
Em 1548 tudo isso mudou quando Carlos V introduziu a etiqueta
borgonhesa completa na casa do filho, o futuro Felipe II.124 Em
conseqüência disso, o número de serviçais na casa dobrou, e depois de
semanas de ensaio com toda a panóplia da velha corte borgonhesa Felipe
jantou em público no estilo que seria mantido até o final do domínio dos
Habsburgo. Como antes, a cerimônia acontecia apenas quatro vezes por
ano, mas a Epifania — a Festa dos Reis — substituiu o dia de Todos os
Santos. Em Etiquetas de corte (1561), o cortesão espanhol Sebastian
Gutierrez de Parrega descreve o novo ritual. Começava com a mesa sob o
pálio sendo posta pelo ugier de sala na antecâmara da sala do trono. A mesa
era colocada sobre um estrado, de modo que os espectadores tivessem uma
visão melhor. Um mordomo (um grande aristocrata) dirigia os trabalhos;
seu privilégio mais zelosamente guardado era apresentar o guardanapo ao
rei. O principal mordomo de Felipe era um grande soldado, o duque de
Alba. Quando Felipe foi à Inglaterra em 1554 para se casar com Mary
Tudor, os ingleses rapidamente arranjaram uma festividade do tipo
borgonhês, mas cometeram o erro de designar outra pessoa para apresentar
o guardanapo ao rei. Alba ficou mortalmente ofendido. Os jarros de vinho e
de água assumiam um significado especial na cerimônia espanhola. O
escanção devia fazer uma genuflexão cada vez que punha vinho na taça do
rei.
Os paralelos com a missa são muito claros aqui. Vistos no contexto da
Inglaterra pós-Reforma, onde o cerimonial eclesiástico quase havia sido
abolido, eles ficam ainda mais evidente.125 A etiqueta estabelecida por
Henrique VIII para o jantar real sobreviveu até o século XVIII. No reino de
Henrique, qualquer forma de jantar público se dava na Câmara da Presença,
também conhecida como a câmara de jantar ou câmara de honra. O rei em
geral comia em seu gabinete privado, onde o cerimonial também era
elaborado. Ao final da refeição, por exemplo, o rei ficava de pé, enquanto
um criado de joelhos removia qualquer migalha das dobras de sua roupa (o
rei, é claro, jantava sozinho sob um pálio e sobre um estrado). Então o
mordomo e um cavaleiro levavam-lhe do local da água uma toalha e a
colocavam na extremidade da mesa, à direita do rei. Um criado inseria uma
vara sob a toalha e a desdobrava na mesa, fazendo uma reverência ao passar
pelo rei. No lado oposto, o mordomo, de joelhos, esticava-a. Gestos
semelhantes se seguiam enquanto eles faziam reverências e se retiravam.
Então dois nobres levavam a jarra e a bacia para o rei se lavar. Os mesmos
movimentos do mordomo e do criado eram feitos no sentido inverso, para
remover tudo — inclusive a mesa — e deixar o rei de pé sob o pálio. Temos
uma noção bastante precisa dessa seqüência graças a um desenho do final
do século XVI, no qual Henrique está sentado sozinho com uma multidão
de criados servindo-o, tendo um aparador ao lado.
Henrique VIII jantando em seu gabinete privado. Desenho atribuído a Hans Holbein, c.1540.

Tudo isso fica ainda mais interessante no reinado de Elizabeth, sua filha.
Embora ela jamais comesse em público, o ritual do jantar diante dos
cortesãos era encenado todos os dias, como se eles lá estivessem. Visitantes
estrangeiros testemunharam e descreveram o acontecimento. Paul Hentzner,
por exemplo, fez em 1598 um relato de um acontecimento quase surrealista:
Um cavaleiro entrou na sala levando uma vara e junto com ele um outro, com uma toalha de
mesa; depois que os dois se ajoelharam três vezes com a mais profunda veneração, a toalha
foi estendida na mesa; ajoelhando-se outra vez, ambos se retiraram. Então vieram outros dois,
um, mais uma vez, com a vara, o outro com um saleiro, um prato e pão; e após se ajoelharem
como os anteriores, e colocarem na mesa o que traziam, também se retiraram com as mesmas
cerimônias realizadas pelos primeiros. Finalmente entrou uma dama solteira (disseram-nos
que era uma condessa) e junto com ela outra dama casada, trazendo uma faca de prova; a
primeira estava vestida de seda branca; depois de se prostrar três vezes da maneira mais
graciosa, aproximou-se da mesa e esfregou os pratos com pão e sal com tanto cuidado como
se a rainha estivesse presente. Após algum tempo de espera, o comandante da guarda entrou,
de cabeça descoberta, vestido de escarlate, com uma rosa dourada nas costas, trazendo de
cada vez um serviço de 24 pratos servidos em travessas em sua maioria douradas; estes pratos
foram descobertos por um cavaleiro na mesma ordem em que foram trazidos e colocados na
mesa, enquanto a dama encarregada de provar dava a cada guarda um bocado do prato que ele
havia trazido, por medo de veneno. Enquanto estes guardas traziam o jantar, 12 trombetas e
dois timbales faziam o salão tremer por meia hora.126

Ao final de tudo, duas damas de honra apareceram, cerimoniosamente


pegaram os pratos da mesa, levaram-nos para a rainha no gabinete privado,
“e, depois que ela escolhia, o resto ia para as damas da corte”. Essa exibição
extraordinária deve ser considerada no contexto de um país onde não havia
mais altares nem a presença de Cristo no pão e no vinho. O altar, em certo
sentido, se transformou na mesa real, e a missa, no jantar real.
Carlos I e a família jantando em público. Pintura de Gerrit Houckgeest, 1635.

Jaime I, que proclamou abertamente a divindade dos reis, voltou a jantar


em público todas as semanas. Existe também uma pintura em que Carlos I
faz o mesmo.127 O cenário é uma sala clássica imaginária, de um tipo que
ele adoraria ter possuído. De uma parte elevada, com balaustrada de
colunas, as pessoas olham a cena. A mesa real está posta diante da lareira,
como na Idade Média, mas não há pálio (provavelmente uma licença
artística); a mesa, com uma toalha franjada de ouro, está coberta de pratos.
Nela sentam-se Carlos, Henrietta Maria e o jovem príncipe de Gales. Diante
do casal real, o trinchante, com o guardanapo ao ombro, está em ação,
enquanto o mordomo coloca uma travessa diante do rei. Atrás do grupo real
vê-se outro, formado de cortesãos e funcionários da casa, de cabeça
descoberta. Dois aparadores — um para comida e outro para bebida —
ladeiam um arco sob o qual recipientes cobertos são carregados em
procissão. O escanção com um jarro de vinho aparece no primeiro plano.
Se a relação entre esses procedimentos e a liturgia da pré-Reforma ainda
necessita de mais algum reforço, basta avançarmos um pouco no tempo até
a década de 1660 e observar a gravura de Wenceslas Hollar que representa a
grande festa da Ordem da Jarreteira no salão Saint George, em Windsor. Ali
a organização à maneira eclesiástica é enfatizada por uma divisão coberta
de um pano, parecendo um parapeito de comunhão e criando o que é na
verdade um “santuário”, com um “altar”, atrás do qual o rei está sentado,
jantando. Sua santidade é comprovada pela figura ajoelhada oferecendo-lhe
vinho.
Ritual semelhante existia na corte francesa, como atesta uma gravura de
1633, de Abraham Bosse, sobre a festa da Ordem do Espírito Santo, em
Fontainebleau. Mas na França o serviço de jantar para o rex
christianissimus iria tomar um aspecto muito mais sobrenatural do que em
qualquer outra parte. Ali, em meados do século XVI, as refeições haviam se
tornado parte integrante dos ritos fúnebres reais, com serviço para o corpo
do rei morto e sua efígie.128 As raízes dessa prática singular remontam à
Idade Média. Era costume nos mosteiros, após a morte de um monge,
continuar a servir seu prato por 30 dias em seu lugar habitual à mesa, sendo
a comida dada aos pobres. Algo parecido foi feito nos funerais papais do
começo do século XV, durante os quais era servida uma refeição, depois
distribuída aos penitentes. Mas os ritos fúnebres da monarquia francesa
iriam se tornar muito mais surpreendentes.
A primeira referência segura ao costume é de 1498, ano da morte de
Carlos VIII, quando foi servida uma refeição “como até então o fora para o
rei quando estava vivo”. Em 1547, no falecimento de Francisco I, a
cerimônia foi elaborada sob a influência das idéias humanistas e inspirada
nos ritos mortuários da Roma imperial. A descrição de Herodes dos ritos
realizados para o imperador Septimus Severus diz que sua efígie foi exibida
e servida como se ele ainda estivesse vivo. A cena prosseguiu até que, em
certo momento, um médico declarou-o morto. As cerimônias fúnebres de
Francisco I começaram logo após sua morte com uma refeição servida à
urna funerária. Enquanto isso era feita uma efígie em cera do rei, o que não
representava uma novidade — durante a Idade Média era comum fazer
efígies e colocá-las sobre o féretro na procissão fúnebre. Mas o que
aconteceu em 1547 foi muito diferente. Tratava-se de uma efígie articulada,
que foi posta sentada numa salle d’honneur coberta de tapeçarias, para ser
ritualmente servida como se estivesse viva. Então de repente tudo foi
retirado, e a refeição terminou. O féretro do rei, sem efígie, foi exposto
numa salle de deuil coberta de tapetes negros.
Quando Carlos IX morreu, em 1574, por 40 dias deram de comer à
efígie: “na hora do jantar e da ceia, as formas e maneiras de serviço foram
observadas e cumpridas como era costume durante a vida do rei…”. Mas a
prática não durou. A última referência é de 1610, nos ritos pelo assassinado
Henrique IV. Dela restaram apenas vestígios. O caixão ficava na galeria do
coro da igreja real de Saint-Denis. Numa sala contígua estava a mesa de
jantar da garde du corps, na qual era mantido um lugar de honra vago para
o rei. Nas horas das refeições, um arauto proclamava três vezes “Le roi est
servi!”, seguido por um silêncio, e depois “Le roi est mort!”. Essa prática
continuou durante todo o Ancien Régime e acabou, com muitas coisas mais,
com a Revolução Francesa. Entre aquela época e este último
acontecimento, no entanto, estava por acontecer o ponto supremo na aliança
entre a comida e o poder, o reinado do Rei Sol.

As classes aristocráticas descobrem as alegrias da informalidade. O jantar de ostras, de Jean-


François de Troy, 1735.
aPieter Brueghel III (1568-1625), conhecido como Brueghel de Veludo, era o segundo fi lho de
Brueghel, o Velho.
5
Da Corte para a Sala Particular

A s três maiores paixões de Luís XV eram comida, caça e mulheres. Em


Jeanne
Antoinette Poisson, marquesa de Pompadour, encontrou uma amante em
quem os três vícios coincidiam. Educada, preparada e bonita, tinha não
apenas inteligência, mas supremo bom gosto. Assim, foi capaz de criar e
manter em torno do rei um mundo privado no qual as aventuras da caça e
do amor podiam florescer — e também em que seu gosto pelas delícias da
comida se realizava numa nova forma de refeição, o souper intime.1
As memórias do duque de Croÿ descrevem várias dessas refeições, que
em geral aconteciam depois das caçadas do rei. Qualquer um dos cortesãos
que o acompanhasse podia solicitar um convite, embora não houvesse
garantia alguma de que seria admitido. Os solicitantes, muito nervosos,
eram instruídos a esperar do lado de fora dos aposentos reais, até um
empregado trazer a lista com os nomes dos cavalheiros que o rei desejava
ver. Os não favorecidos simplesmente tinham de suportar a humilhação.
Muitas vezes de Croÿ saiu desapontado, mas na noite de 30 de janeiro de
1747 ele foi um dos felizardos aos quais for permitido subir as escadas de
Versalhes até les petits cabinets.2
Aqueles eram os aposentos privados do rei, bem distantes dos
apartamentos grandiosos anteriormente ocupados por seu bisavô, Luís XIV,
onde o ritual público do jantar real continuava a ser encenado. Os convivas
reuniam-se na galeria das Chasses, para uma pausa antes de entrar na sala
de jantar. Para de Croÿ, tudo “era delicioso, e a ceia extremamente
agradável e amena”. O rei apareceu assim que seus convidados se reuniram,
trazendo consigo as damas, sempre em número menor que os homens.
Daquela vez eram quatro, entre as quais madame de Pompadour. De Croÿ
observa que o rei estava fort amoureux dela. No total, 18 pessoas
apertavam-se em torno da mesa circular, mas o rei, a despeito da atmosfera
espontânea, preservou sua grandeur, colocando a Pompadour à sua direita,
e a grande amiga dela, a condessa d’Estrades, à esquerda. Os restantes
sentaram-se desordenadamente, sem qualquer preocupação de precedência.
Havia apenas dois ou três criados que se retiraram logo após servir,
permitindo uma liberdade de conversação ainda maior.
Ficamos duas horas na ceia, tranqüilos e à vontade, mas sem qualquer excesso. Então o rei se
dirigiu para o petit salon, onde coou café; não havia criados, de modo que nós mesmos nos
servimos. Ele organizou uma mesa de comete [um jogo].… o rei gostava bastante daquele
joguinho, mas madame de Pompadour parecia odiar jogos, e tentou afastá-lo da mesa.…
finalmente, às duas horas, ele se levantou e lhe disse, de maneira um pouco disfarçada, e, me
pareceu, bem alegre: “Venha, vamos para a cama.” As mulheres fizeram uma reverência e
saíram, ele cumprimentou e foi para seus petits cabinets. O resto de nós saiu pela escada de
madame de Pompadour e deu a volta pelos salões para presenciar o coucher público do rei,
que aconteceu imediatamente.

O relato feito por de Croÿ deixa claro que estamos a séculos de distância
da alegoria e da coreografia do banquete do Renascimento. A refeição ainda
era um exercício de discriminação social, mas de tipo muito diferente. Ter o
nome marcado pelo rei era o ápice da aspiração social, permitindo entrar em
outro mundo e deixar os que não eram premiados com inveja e
possivelmente com bastante ressentimento.
Mas entrar em outro mundo pressupõe um mundo existente. Percebemos
que a esfera pública permanecia intacta e funcionando quando somos
informados de que, depois da ceia, o rei dirigia-se a seu quarto de dormir
oficial para o ritual público do coucher. Os grands appartements não foram
substituídos pelos aposentos conhecidos como petits cabinets ou petits
appartements, onde em geral tinham lugar os soupers intimes; pelo
contrário, estes foram deliberadamente construídos para que o rei pudesse
escapar ao rígido protocolo da vida em público. Ele se mudara para lá em
1738. O formato das ceias não cerimoniosas fora introduzido três anos antes
sob a égide do cardeal Fleury, ministro do rei, que com elas queria ajudar o
monarca a vencer a timidez. Ceias semelhantes só haviam sido dadas pelo
tio de Luís, Felipe, duque d’Orléans, no Palais Royal em Paris. Neste caso,
o objetivo tinha sido em grande parte a gula (Orléans havia aprendido a
cozinhar na Espanha) e a sedução (apareceram os afrodisíacos). Esta
também se tornou parte do cenário de Luís XV quando duas de suas primas,
mademoiselle de Charolais e a condessa de Toulouse, promoveram petits
soupers aos quais as damas eram convidadas. Foi num destes eventos que o
rei encontrou sua primeira amante, madame de Mailly, uma ligação que
precipitou diretamente a criação dos petits appartements e também as petits
voyages que começou a fazer para os castelos de La Muette e Choisy,
cenários dos outros jantares informais. Ali ele podia deleitar-se na caça e
depois entregar-se a festas íntimas com os camaradas de caçada e um grupo
seleto de mulheres encabeçadas pela Pompadour.
Estes soupers intimes não se pareciam nada com o que encontramos até
agora. São na verdade a refeição arquetípica do século XVIII, que buscava
banir o ritual e era destituída de mensagens simbólicas. Tratava-se de uma
atmosfera de alta moda, flertes, agudeza de espírito e mexerico. O uso da
mesa redonda poupava os comensais das complicações de precedência. A
ausência de criados em grande parte da refeição não apenas desinibia a
conversa como também o livre fluxo de vinho; este era colocado, junto com
os copos, diretamente sobre a mesa. O jantar de ostras (1735), de Jean
François de Troy, que foi pintado para a première salle à manger de
Versalhes, embora desprovido do frisson da companhia feminina, sugere o
ambiente jovial de tais reuniões. Ali a mesa redonda está coberta com uma
toalha branca. Sobre ela podemos ver os pequenos seaux (potes) chineses
ou japoneses cheios de água, nos quais as taças estão emborcadas para
serem lavadas. Um comensal se inclina para pegar uma garrafa de vinho.
Enormes guardanapos estão dobrados no colo dos convidados. No primeiro
plano há um esfriador de vinho com garrafas no gelo e prateleiras para
pratos. Todo mundo está se divertindo a valer.
Em Choisy a privacidade era levada ao extremo. Os criados podiam ser
virtualmente eliminados, porque um mecanismo especial fazia com que o
centro da mesa de jantar se abaixasse e depois subisse trazendo a nova
seqüência.3 Na sala propriamente dita, quatro aparadores permitiam que
pratos e taças ficassem à mão, e também tinham penas, tinta e papel para
que os convivas escrevessem o que queriam beber. O toque de um sino
minúsculo produzia as mudanças milagrosas.
A tendência à privacidade acarretou outra inovação, o cardápio, uma
listagem por escrito da seqüência dos pratos a serem servidos. Os únicos
cardápios do século XVIII que sobreviveram são de ceias acontecidas em
Choisy, 67 no total (32 em 1751 e 35 em 1757).4 Alguns são retangulares,
outros redondos; como existem duplicatas, pode ser que várias cópias
fossem colocadas à mesa. Descrevem pratos para algo como 31 ou 36
convivas, de espécies muito diferentes daqueles da mesa renascentista. Em
primeiro lugar havia menos serviços, apenas quatro, mais a sobremesa. No
entanto, é bem claro que tais cardápios marcavam um intenso interesse dos
convidados pelo que iam efetivamente comendo. Estava começando a idade
do gourmet. A refeição iniciava-se com sopas e ragus ou oilles, passava
para uma imensa variedade de entradas, depois para os assados e finalmente
para os petits entremets. Nessa estrutura havia uma nova progressão, do
picante ao doce. E também, o que é notável, incluíam-se pratos atribuídos a
certas pessoas, ou que lhes levavam o nome, como Dindon du mareschal de
Richelieu ou Pâté de madame la Marquise de Pompadour. O que isso quer
dizer? Será que esses importantes personagens realmente cozinhavam tais
pratos, ou eles eram a spécialité de suas maisons? O que certamente
podemos ver é que refletem uma culinária de complexidade até então
desconhecida.
Um caminho extraordinário foi percorrido desde o início do século
XVII. Chegamos a refeições nas quais a hierarquia era posta de lado, os
convidados se serviam, o foco estava nos discursos e nas inter-relações
sociais descuidadas e elegantes. Nessas refeições, a arte da culinária tornou-
se um interesse tão central que os convidados queriam saber por escrito o
que lhes seria servido. Parece que estamos bem perto de nossa própria
experiência à mesa. Como isso aconteceu? O simples fato de ter ocorrido
sugere que foi meramente uma violenta reação ao sufocante e antigo estilo
de comer das classes altas, por parte daqueles aprisionados em suas
formalidades. Na verdade a mudança é um fenômeno muito mais complexo.
Os soupers intimes de Luís XV jamais poderiam ter acontecido sem novos
fatores. Um deles foi a perda de fé na antiga cosmologia renascentista das
correspondências. Outro foi o aparecimento dos ideais sociais dos
philosophes do Iluminismo. E outro, ainda, foi o eclipse da crença inocente
na verdade do que se vê, princípio subjacente à idéia da mesa como veículo
para o cerimonial e a alegoria.
Nada disso aconteceu do dia para a noite, nem simultaneamente em
todos os países da Europa Ocidental. Foi necessário que a maneira
cerimonial de comer alcançasse o ápice de uma grandeza tão opressora que
era imperativo livrar-se dela. Em termos estilísticos, o caminho é o que vai
do barroco ao rococó. Mas devemos começar pelo barroco. E mesmo ele
tem suas ironias, pois — precisamente no momento em que uma nova
culinária aparecia na França — o aparato do banquete na Itália em sua fase
barroca estava desenvolvendo uma aberração estética ímpar: a arte da
comida figurativa, primeiro orquestrada na corte dos Este, em Ferrara, no
Quattrocento, e agora culminando na escultura culinária da Roma de
Bernini.

O TRIUNFO DA ILUSÃO
Em janeiro de 1687, Roger Palmer, marquês de Castlemaine, embaixador
do rei Jaime II na Santa Sé, encenou um banquete espetacular no palácio
Pamphili, em Roma, para homenagear cerca de 80 cardeais e outros
dignitários eclesiásticos.5 Felizmente conhecemos bem esse magnífico
acontecimento; o camareiro do marquês, o pintor John Michael Wright, que
estudou em Roma, fez uma descrição detalhada do banquete publicada em
italiano e em inglês. A edição inglesa apareceu apenas um mês antes de
Jaime II ser forçado a fugir do reino, por isso existem poucas cópias. A
maioria foi destruída porque o volume belamente ilustrado registrava o que
a Inglaterra protestante considerava uma afronta mortal — uma embaixada
enviada para homenagear o papa.
Aquela foi uma comitiva oficial imensamente cara. Embora tivesse
chegado a Roma na Páscoa de 1686, passaram-se meses antes que
Castlemaine fizesse sua entrada ritual na cidade e prestasse homenagem ao
papa. Tanto esta como a festa que se seguiu, em janeiro, foram realizadas à
maneira italiana, e em ambas Castlemaine utilizou os serviços de dois dos
maiores expoentes do estilo barroco, Ciro Ferri e seu ajudante Lenardi. Na
noite da festa, os convidados subiram as escadas para o piano nobile do
palácio e viram-se no primeiro dos três salões. Ali, na sala dos Palafrenieri,
havia duas mesas do comprimento do salão, onde as sobremesas haviam
sido arrumadas, “maravilhosas quantidades de frutas, doces, queijos
parmesãos e outras iguarias”. Nas paredes do salão seguinte havia também,
uma diante da outra, duas credenze sob pálios, uma delas carregada de
pratos de prata, a outra com vasos preciosos de cristal. Membros da guarda
suíça e 20 infantes as protegiam.
O banquete propriamente dito acontecia no terceiro salão, uma gloriosa
galeria com afrescos de Pietro da Cortona no teto. As paredes eram
enriquecidas com tapeçarias trazidas da Inglaterra. Havia outra credenza
com uma exposição de pratos ingleses e, a meio caminho da mesa, sob um
pálio, um retrato de corpo inteiro de Jaime II no trono. Oitenta cadeiras
douradas estavam arranjadas em volta da mesa, em grupos de quatro, e um
criado e um trinciante serviam cada grupo. Vinte e um pratos foram
apresentados antes que se trouxessem as sobremesas do primeiro salão. O
que mais impressiona na gravura é a decoração da mesa. Junto à borda há
guardanapos dobrados em forma de pedras e, no cercado central, uma
variedade de animais heráldicos, os leões e unicórnios das armas reais,
feitos de açúcar. Todas essas criaturas eram subsidiárias do maciço painel
no centro da mesa, com 11 grandes esculturas de açúcar. O relato de Wright
inclui gravuras dessas esculturas, ou trionfi, realmente impressionantes.
Quatro mostravam os elementos em disfarces mitológicos, outras quatro
eram de grupos representando virtudes reais, duas mostravam palmeiras
(em referência ao nome de família de Castlemaine, Palmer), e finalmente a
mais alta — de quase dois metros — era uma alegoria do retorno da
Inglaterra à fé católica. Acima de uma auréola está a figura da Santa Igreja
vendo o Tempo revelar a verdade, enquanto um herói alado vence a Fraude,
a Discórdia e uma hidra “que representa o fim da Rebelião” (a rebelião em
questão é a do duque de Monmouth). O livro nos conta que todo o conjunto
foi montado e aberto à visitação pública por dois dias antes do evento, e que
“os curiosos puderam participar do entretenimento”. Após a festa, essas
belas e transitórias obras-primas do barroco romano foram presenteadas a
grandes damas de Roma.
Não existe nada exatamente como o banquete oficial do Seicento
italiano, um fim de linha culinário em que a cozinha inovadora de Scappi
foi substituída por qualquer coisa que encantasse os olhos e evocasse
opulência, excesso e grandiosidade.6 As realizações da cozinha
renascentista ficaram subordinadas às do scalco e do trinciante. Onde
Scappi, no final do século XVI, havia mantido a integridade de cada prato,
os livros de cozinha escritos por seus sucessores exploraram todas as
formas de efeitos visuais que pudessem ser alcançadas com a manipulação
da comida. Esse desejo dominante de transformar tudo que fosse comestível
em alguma outra coisa alcançou o clímax em Lo scalco moderno (1692), de
Antonio Latini, com uma vasta seção dedicada aos trionfi do tipo que
encontramos no banquete de Castlemaine. Isso incluía guardanapos
dobrados em formatos ainda mais complexos, esculturas de manteiga e
composições arquitetônicas e figurativas feitas de marzipã, massa folheada
e açúcar. No entanto, a despeito de sua perversão, a forma alcançava um
certo nível estético. Em nenhum outro momento da história da mesa a
comida foi capaz de assumir seu lugar, para pior ou para melhor, junto às
grandes artes decorativas de uma época, em particular pequenas
composições esculturais em bronze e prata.7 Os contemporâneos estavam
bem cientes do fato; uma das críticas levantadas contra a grande estátua
eqüestre do imperador Constantino, de Bernini, era que “o cavalo parecia
um trionfo de marzipã e merengue”. Tal acusação é compreensível quando
levamos em conta que a cozinha do Vaticano incluía uma sala chamada
stanza dei trionfi, dedicada exclusivamente à manufatura de tais peças. Elas
podiam muito bem ser desenhadas pelos principais artistas da época.
Sabemos com certeza que o próprio Giovanni Lorenzo Bernini desenhou
uma série de trionfi para um banquete dado pela princesa Aldobrandini em
homenagem ao cardeal de Médici em 1668.

A Bretanha retorna à fé católica. Trionfo do banquete encenado por lorde Castlemaine, 1687.
Gravura de 1688.

Além das gravuras de Castlemaine, há dois outros conjuntos de desenhos


de Pierre Paul Sevin, um pensionista da Academia Francesa, reproduzindo
mesas de banquetes em Roma ao final da década de 1660.8 Um grupo
registra o extraordinário quadro da Quinta-Feira Santa, montado todos os
anos, em que o papa lavava os pés de 12 padres pobres, imitando Cristo.
Após esse ritual era costume dar aos padres um jantar que, em 1675, nas
palavras de um relato, incluía “trionfi, esculturas de açúcar e guardanapos
elegantemente dobrados”.9 O bizarro para os olhos modernos é ver mesas
de jantar exibindo esculturas de alimentos sob a forma de Cristo carregando
a cruz, a agonia no Jardim de Getsemani e anjos com os instrumentos da
Paixão nas mãos. Entremeados a isso há vasos de flores, árvores com frutos
e um tempietto sustentando as armas da família do papa. Criações como
estas podem ser perturbadoras, mas não se pode descartá-las; nelas grandes
artistas experimentavam temas que jamais eram encomendados de forma
mais permanente.
Os desenhos de Sevin vão além e registram a notável aparência de
diversas festas mais seculares. Um em particular nos dá uma incomparável
vista aérea de uma dessas ocasiões. A festa não foi identificada, mas deve
datar, como os outros desenhos, do final da década de 1660. O anfitrião é
um cardeal, e a figura à sua esquerda deve ser a rainha Cristina da Suécia,
com suas famosas roupas masculinizadas. Num dos lados da sala, o
anfitrião e os principais convidados estão sentados a uma mesa semicircular
sobre um estrado, e nas duas extremidades há um trinciante ocupado em
sua função, enquanto um criado, carregando um prato, aproxima-se do
centro. Por trás das cadeiras dos convidados estão o que parecem ser
criados pessoais. Abaixo, no corpo principal do salão, outros convivas
sentam-se em redor de mesas compridas, um diante do outro, e no centro há
uma série de credenze, uma para servir a mesa principal e duas com
queimadores de incenso para disfarçar o cheiro da comida, e assim por
diante. Sobre elas há uma quantidade de peças de prata e iguarias. No
primeiro plano é trazida uma seqüência de pratos liderada por um scalco ou
maestro della casa, com o bastão do ofício. Outros criados carregam os
pratos de serviços anteriores em padiolas. À esquerda um pequeno grupo de
espectadores, inclusive uma mulher, observa o espetáculo. O que não vemos
deve estar na outra parede, alguma espécie de bottigliera para servir
bebidas.

Festa na Quinta-Feira Santa no Vaticano, com trionfi figurativos. Desenho de Pierre Paul Sevin,
1668.
A provável presença da rainha Cristina da Suécia é uma lembrança de
que em 1655 foram encenados alguns dos mais complexos de todos os
banquetes barrocos italianos, quando ela viajou pela Itália até Roma, em sua
conversão.10 Quanto mais perto chegava da cidade, mais elaborados
tornavam-se os aparatos que celebravam o acontecimento. Tal era a
importância atribuída a eles que o mais famoso confeiteiro da época, Luigi
Fedele — que aprendera o ofício na corte de Gonzaga, em Mântua, antes de
ser chamado a Roma por Inocêncio X —, viajava na comitiva. Em Forli os
trionfi eram tão espantosos que foram recebidos com uma salva de palmas
igual à que homenageou a rainha. Em Imola a decoração da festa incluía,
entre outras maravilhas feitas de marzipã, a religião calcando a heresia,
Palas Atena em seu carro e anjos carregando uma coroa acima das armas da
rainha. Em Mântua, a 27 de novembro, a rainha viu um “Monte Olimpo
com o altar da fé. No cume, dois putti seguravam uma coroa real acima da
cota das armas de sua majestade”. Em volta estavam agrupados quatro
vasos de prata de onde cresciam laranjeiras feitas de gelatina e galerias com
arcadas em que guerreiros e homens virtuosos se misturavam a animais
fabulosos. Sabe-se que Cristina jamais havia visto coisa igual, pois em
Assis pediu que todos os trionfi fossem levados a seu quarto para que ela
pudesse estudá-los. Isso provocou uma grande confusão, porque um deles já
havia sido dado e teve de ser recuperado.
Mas nem mesmo os trionfi poderiam eclipsar os arranjos quase grotescos
precipitados pela decisão de Alexandre VII de conceder à rainha a honra de
jantar com ela em público. O evento teve lugar a 26 de dezembro, um dia
depois que a presença de Cristina foi confirmada, e fornece um
surpreendente exemplo das complexidades protocolares que poderiam
surgir numa festa no século XVII. O papa era a personificação terrena do
poder espiritual. Sempre comia sozinho, e jamais na presença de uma
mulher. Uma complicação adicional era o status da rainha: ela havia
abdicado, de modo que não era mais soberana, o que significava que não se
qualificava para uma cadeira com braços. Bernini recebeu a encomenda de
projetar uma cadeira sem braços que ao mesmo tempo parecesse tê-los. O
criador das esculturas de açúcar foi Giovanni Paulo Schor, o mais
importante desenhista da arte decorativa da Roma barroca. Sobreviveram
dois de seus desenhos para os trionfi, um com uma fênix, emblema de
Cristina. Eram fundidos em açúcar e depois pintados e dourados. Outros
artífices também trabalharam neles, inclusive um certo Niccolò Perretti, que
fez “um carro triunfal de cidra [cristalizada] representando Aurora e o
cavalo Licaseo”, e “uma árvore de marzipã com o pedestal de madeira
entalhada”. Para termos uma idéia da sua aparência devemos nos deslocar
13 anos adiante, para um segundo jantar dado em homenagem a Cristina,
desta vez por Clemente IX, a 9 de dezembro de 1668. O evento foi
realizado no palácio Quirinal e para todos os propósitos deve ter sido uma
reencenação da ocasião anterior. Sevin fez um desenho que nos dá uma
impressão nítida do esplendor. As duas mesas estão carregadas de trionfi,
inclusive um para a mesa da rainha: uma coroa no meio de espigas de trigo,
alusão às armas dos Vasa. As duas mesas e estrados estão colocados em
níveis diferentes, mas cobertos por um gigantesco pálio suspenso. Os
espectadores, apenas homens, são mantidos atrás de uma balaustrada, e as
mulheres presentes estão escondidas pelas tapeçarias e espiam por frestas.
Todos os movimentos são coreografados. O papa entra por uma porta, a
rainha por outra, o mordomo oferece ao papa um guardanapo, que a rainha
pega e entrega a ele. Quando este faz um brinde à rainha, todos se ajoelham.
A conversa se dá por intermédio de um monsignore colocado entre os dois.
Quando termina o serviço principal, os trionfi são removidos e voltam
cheios de doces.
Tais espetáculos continuaram na Itália no século XVIII, mas não por
muito tempo.11 O advento da porcelana vítrea decretou o fim dos trionfi.
Porém, o mais importante foi a mudança de espírito. A eleição do puritano
Clemente XI em 1700 significou o fim da era de ouro do banquete barroco
romano, inaugurando o que se tornou conhecido como a “longa quaresma
romana”. Já nessa época o revolucionário livro Le cuisinier françois (1651)
havia aparecido na Itália, sendo publicado com o nome de Il cuoco francese
em 1682. Por essa época o estilo da mesa começava a ser estabelecido pela
corte do Rei Sol.
Banquete encenado para a rainha Cristina da Suécia. Desenho de Pierre Paul Sevin, final da década
de 1660.

A rainha Cristina janta com o papa Clemente IX. Desenho de Pierre Paul Sevin, 1668.

UMA REVOLUÇÃO CULINÁRIA


O século XVII foi marcado por grandes transformações gastronômicas,
refletidas pela chegada de novos pratos e mudanças de gosto, mas acima de
tudo por uma revolução na própria culinária.12 Para a França, este
representou le grand siècle, e aquele país que por quase dois séculos
contribuíra tão pouco para a culinária foi subitamente responsável por
desenvolvimentos radicais, tanto no estilo da cozinha como na estrutura e
apresentação das refeições — conhecida como service à la française.a
Nenhum país na Europa Ocidental ficou imune a tais progressos que se
deram entre 1650 e 1670 — precisamente o período em que a encenação da
corte francesa, tal como representada em Versalhes, tornou-se o modelo
universal.
O gosto da comida se modificou. O consumo de pássaros exóticos, como
pavões e cisnes, grous e garças, saiu de moda, junto com lampreias e
baleias. A partir daí o porco só aparecia sob a forma de leitão ou presunto, e
o restante foi relegado aos recheios — como picadinho — e ao toucinho. As
carnes preferidas eram de boi, vitela e carneiro (cordeiro era considerado
insípido), e no que diz respeito às aves, galinhas em todas as variedades,
patos, marrecos, pombos e pássaros de caça. A caça em geral, até a
Revolução Francesa, permaneceu uma prerrogativa da aristocracia, portanto
continuou a ser um símbolo de status. O peru era servido apenas em festas.
O peixe era consumido em imensas quantidades — nos países católicos os
velhos dias de jejum continuavam vigorando —, mas os preferidos eram os
peixes de água doce, como salmão e truta. (Peixes do mar, como linguado,
plaice e pescada, estiveram em grande moda no século XVIII.)
Aquela foi a era dos triunfos horticulturais em Versalhes, do grande
jardineiro de Luís XIV, Jean de la Quintinie. Ocorreu uma enorme
multiplicação nas variedades de frutas e vegetais; graças ao
desenvolvimento das estufas, iguarias como aspargos e cerejas já podiam
ser cultivados nos rigores do inverno. Cogumelos de todos os tipos, trufas,
alcachofras cultivadas ou selvagens, alface e especialmente ervilha
passaram para a linha de frente da culinária. Receitas e cardápios indicam
que os vegetais ocuparam o lugar de honra, como entremet. As saladas, que
tiveram seu epítome no ensaio de John Evelyn, Acetaria (1699), tornaram-
se imensamente populares, servidas simplesmente com um molho
vinagrete, um pouco de ervas aromáticas e algumas vezes violetas e borago.
Quanto ao vinho, no último quarto do século XVII foi inventado o
méthode champenoise, e o consumo de champanhe decolou. Por volta de
1784 eram fornecidas anualmente a Luís XIV 1.735 garrafas de champanhe
e 5.230 garrafas de borgonha. Champanhe e borgonha, os vinhos preferidos
pelas classes aristocráticas, eram chamados vins de table (os consumidos
pelas classes mais baixas chamavam-se vins de suite). No século XVII
também entraram em moda todos os tipos de licores, águas perfumadas e
bebidas geladas.
A isso podemos acrescentar três novidades de significado ainda maior:
chocolate, chá e café.13 O chocolate vinha da América do Sul e já era uma
bebida popular na Espanha no século XVI. Tal popularidade espraiou-se no
século seguinte, chegando à corte francesa junto com a noiva espanhola de
Luís XIV, cuja serviçal tinha como tarefa mais importante preparar o
chocolate da rainha. A bebida foi adaptada ao gosto europeu,
acrescentando-se um adoçante, mel ou açúcar, além de baunilha, canela e
algumas vezes pimenta-do-reino para realçar o sabor. Na década de 1670 o
cultivo do cacau foi introduzido na colônia francesa da Martinica, o que fez
seu preço cair; em 1682 o jornal Mercure Galant registrava que se servira
chocolate em todas as grandes festas de Versalhes.
Mas o chocolate jamais teve o mesmo impacto que o café, responsável
até pela criação de um novo cenário de convívio para a sociedade cortês
emergente, a casa de café. Os holandeses foram os primeiros a iniciar a
exploração comercial do produto, que chegou à Europa a partir de 1637. Na
década de 1660 já havia um grande comércio de grãos de café. Como o chá,
a bebida “pegou” inicialmente porque se acreditava que ela tivesse
propriedades medicinais. Em termos de alta moda, o hábito foi estabelecido
em Versalhes pela embaixada do sultão turco Maomé IV, que serviu café à
corte à maneira oriental. O fato de em meados do século seguinte Luís XV
preparar seu próprio café fala muito sobre o status desse produto.
O chá, que chegou à Europa também introduzido pelos holandeses, em
1610, jamais alcançaria na França a popularidade que obteve na Inglaterra.
Embora na década de 1650 se tomasse chá em Londres, e na década de
1680 sua ampla aceitação houvesse levado ao uso de mesas especiais, foi no
século XVIII que tomar chá iria se tornar um ritual das classes altas. Ele
passou a simbolizar a sociedade elegante, a família e os amigos reunidos em
torno de uma mesa bem provida, com um bule e uma vasilha de chá feitos
de prata e xícaras de porcelana.
Todas essas novidades foram significativas, mas ficaram eclipsadas pelo
que representou uma reinvenção do método culinário na França durante a
década de 1650.14 As raízes da mudança provavelmente se estendem muito
mais longe no passado, mas em meados do século apareceu subitamente
uma variedade de livros franceses de receitas. Introduziam um novo sistema
de cozinhar que incorporava um repertório integrado de técnicas usando
certas misturas básicas e materiais crus preparados de acordo com uma série
de regras. Essa preocupação em sistematizar até mesmo a arte da culinária
era mais uma expressão de uma sociedade obcecada por descobrir e impor
ordem em todas as esferas da atividade humana. (O mesmo fenômeno pode
ser visto na fundação da Académie de France em 1635, que tinha a intenção
de governar e purificar a língua.) A nova culinária, diga-se de passagem,
exigia alto grau de alfabetização: houve nada menos que 230 edições de
livros franceses de receita publicados entre 1651 e 1789.
Quais fatores convergiram para precipitar essa mudança tão profunda?
Algumas foram triviais, outras mais complexas. Entre as primeiras, a
simples substituição da fatia de pão medieval por pratos sólidos, de
cerâmica, estanho ou prata, tornou possível servir misturas líquidas. Além
disso, tais vasilhas ofereciam uma superfície firme sobre a qual a faca podia
cortar — e em que, mais tarde, o garfo podia enfiar seus dentes. Artigos de
cutelaria começaram a se tornar lugar-comum entre as classes altas. Os
convidados já não chegavam com suas facas — a mesa encontrava-se
completamente equipada. A maior variedade e a melhor qualidade dos
produtos certamente devem ter contribuído para as mudanças, inspirando os
cozinheiros a experimentarem. A isso devem ser acrescentadas as melhorias
na mecânica da própria cozinha, com o desenvolvimento de meios mais
sofisticados de controlar o calor.
Contudo houve também razões sociológicas. O fato de a nova culinária
difundir-se por intermédio de livros indica que qualquer cozinheiro
importante deveria saber ler. O número de volumes também reflete um
novo interesse pela cozinha e pela comida entre as classes altas —
provavelmente o mais alfabetizado segmento da sociedade. No entanto,
mesmo esse interesse era complicado por considerações sociais. Uma nova
culinária só poderia dominar se satisfizesse uma necessidade profunda. No
caso da França, tratava-se de estabelecer a hierarquia num período de aguda
divisão social. A aristocracia buscava um estilo de cozinha que a colocasse
à parte das camadas inferiores, pois embora as condições dos camponeses
piorasse cada vez mais, havia um crescente número de burgueses abrindo
caminho. Graças à expansão do comércio e da indústria, e à ascensão das
profissões, a burguesia aproximou-se da aristocracia, decidida a imitá-la. A
resposta foi, como era de se esperar, tornar ainda mais elaborado o estilo de
culinária e mais uma vez cerrar fileiras contra os intrusos.
O que tornou o rompimento com a culinária renascentista e medieval tão
decisivo, contudo, foi o abandono do contexto cosmológico. Durante
séculos os alimentos estiveram indissoluvelmente ligados à astrologia, à
alquimia e à medicina. O século XVII testemunhou a gradual dissolução do
velho universo oculto em favor de uma versão mecanicista do mundo.
Libertada desse contexto, a culinária aos poucos se tornou mais que uma
arte. O processo deve ter começado muito cedo na França. Embora a mania
de colorir a comida de dourado — com suas associações alquímicas e
astrológicas — persistisse na Inglaterra até 1700 e durasse ainda mais na
Itália, Espanha e Alemanha, já havia desaparecido completamente da
França no século XVI. O movimento no sentido de um universo
mecanicista na segunda metade do século XVII, além disso, foi favorecido
pelos seguidores do atomismo de Epicuro, filósofo para quem a comida era
um aspecto da vida voluptuosa. Daí o termo epicurista. Isso não significa
que a culinária renascentista fosse desprovida de tons sensuais, mas a
sensualidade era firmemente mantida sob controle, e os antigos tons
espirituais permaneciam inamovíveis. Assim que eles se foram, a culinária
ficou livre para ser não apenas sensual, mas também profana, com o
objetivo primário de estimular o desejo.
O novo estilo tomou o aspecto salgado e ácido da culinária renascentista
e adaptou-o, fundindo os vários ingredientes de modo a criar um todo. No
novo esquema, o sal teve grande proeminência. Em meados do século
XVIII era adicionado a quase a todos os pratos. Ao mesmo tempo, o sabor
adocicado — principalmente obtido acrescentando-se açúcar e que antes era
uma característica de quase todas as seqüências numa refeição —, em 1700,
limitou-se na França à seqüência da sobremesa. Em países como a
Inglaterra, que até hoje se destaca por uma predileção pelo açúcar, o antigo
sistema predominou por mais tempo. Assim, em meados do século XVIII, a
progressão clássica do ácido para o doce, ainda fundamental na culinária da
Europa Ocidental, já estava estabelecida.
É claro que o açúcar ainda era consumido em grandes e crescentes
quantidades. Na verdade seu consumo levou os departamentos da casa a se
dividirem entre cuisine, que preparava os principais pratos da refeição, e
office, cuja responsabilidade era um império sempre em expansão de
complexas iguarias e gelados para a sobremesa, inclusive a preservação de
frutos e flores. Suas atividades também abarcavam a elaborada decoração
das mesas com esculturas de açúcar.15
Outra grande mudança foi um deslocamento do foco primário, que
passou de agradar aos olhos para satisfazer o paladar. Os pratos figurativos
aos poucos desapareceram. No máximo encontraram uma vida residual nos
formatos de caça, peixe ou vegetais usados para decorar as novas vasilhas
de porcelana e de prata em que a comida era servida. Esta, em si, tinha
gosto e aparência muito diferentes, em parte pelo uso das novas técnicas,
como a marinada, e a reinvenção de outras mais antigas, como cozinhar no
vapor e lardear a carne. E também pelo amplo uso de laticínios típicos do
norte da Europa, a manteiga e o creme. No coração do novo sistema
culinário estavam os bouillons básicos que, junto com certas liaisons,
recheios, ervas e misturas de temperos, eram aplicados a quaisquer
ingredientes sazonais disponíveis. A cozinha medieval e renascentista
dependera do uso irrestrito de todo um conjunto de temperos exóticos como
indicadores da posição social. Esses temperos foram abandonados em favor
de ervas aromáticas, alho, cebola, salsa, hortelã, labaça e alecrim. É claro
que todas elas eram conhecidas e vinham sendo usadas desde a Idade
Média, mas nunca com tal destaque. Agora assumiam seu lugar numa
culinária cujo uso de ingredientes aparentemente simples era tão sofisticado
que se tornava inacessível fora de um espectro bastante restrito da
sociedade. Outras ervas — como cerefólio, estragão, manjericão, tomilho,
louro, cebolinha — vinham na mistura, com o objetivo de dar um sutil
realce ao sabor. No geral o movimento era da quantidade para a qualidade,
como a nova expressão da hierarquia.
O livro que marcou a época foi Le cuisinier françois (1651), de François
Pierre La Varenne. Tornou-se o primeiro livro de cozinha a romper
definitivamente com a Idade Média, começando com receitas do bouillon,
caldo de carne ou peixe que servia como base ou fonds para o repertório de
pratos que se seguiam e era o alicerce do novo sistema. A publicação foi
complementada por um segundo livro que geralmente se atribui a La
Varenne, Le pâtissier françois (1654), sobre pratos de massa e ovos — para
tortas, wafers, waffles, bolos, omeletes e biscoitos. Um terceiro volume
intitulado Le parfaict confiturier (1667) tratava dos trabalhos do office.
Le cuisinier françois foi reimpresso ao longo do século XVIII, mas na
década de 1660 já se fazia acompanhar de outros livros de Nicolas
Bonnefons — premier valet du roi —, de Pierre de Lune e vários outros
escritores anônimos. O movimento era sempre em direção a uma
complexidade maior. Após um intervalo apareceu um livro de um autor não
identificado L.S.R., L’Art de bien traiter, ouvrage nouveau, curieus et fort
galant (1674), especificamente dirigido à aristocracia. Inspirado pelas
magníficas fêtes em Versalhes, nas quais a comida desempenhava papel
importante, ensinava o leitor a se abastecer para as colations d’hyver, os
bailes, as assemblées et galanteries de Carnival, sociétés, régales e outras.
A decoração era bem analisada, juntamente com uma seleção sofisticada de
pratos e sua elegante apresentação aos convidados.
Em 1691 La Varenne foi finalmente substituído por François Massialot,
com seu Le cuisinier roial et bourgeois (embora pouco houvesse sobre este
último, apenas algumas frases de desprezo). Era um livro escrito para os
cozinheiros da aristocracia e o primeiro a organizar as receitas em ordem
alfabética. Foi reimpresso em nova edição com dois volumes em 1712 e
1714, e a partir daí tornou-se o grande clássico da culinária no século
XVIII. Todos esses livros tinham como objetivo criar uma culinária para os
aristocratas, colocando-os em outro mundo em termos de decoração,
ambiente e serviço — e encorajando a pura extravagância na comida.
À medida que o século avançava, no entanto, essa prodigalidade passou
a contrariar o âmago do Iluminismo e levou a uma reação. Podemos ver isto
na atitude de Émile, no livro homônimo de Rousseau. Ele não apreciava
pratos caros, mas “gosta de boas frutas, bons legumes, bom creme e boas
pessoas”. No entanto, embora a nouvelle cuisine pregasse austeridade, a
verdade era muito diferente. O livro que resume a realidade contemporânea
é Les dons de Comus ou les délices de la table (1739 e 1740), de François
Marin, que diferenciava a cuisine moderne da cuisine ancienne. Para Marin,
a moderna culinária era parente da química, mas uma química que podia
empregar, por exemplo, mais de dois quilos de vitela, um quarto de
presunto, mais uma galinha, tutano de boi, cebolas e cenouras brancas —
sem mencionar o trabalho de muitos cozinheiros — para produzir com
precisão o supra-sumo de quintessência. Dificilmente se pode dizer que isso
é simplicidade.
Assim, não é de surpreender o sucesso instantâneo de um livro que
respondia ao desejo de simplicidade: La cuisine bourgeoise (1746), de
Menon — era precisamente o que o título diz, um livro de receitas para a
esposa burguesa. Suas indicações, por um lado, evitavam os excessos
aristocráticos; por outro, iam além da rude vulgaridade camponesa. Um de
seus princípios básicos era a economia. Com efeito, a edição de 1774
afirmava que o livro se destinava àqueles d’une condition ou d’une fortune
médiocre. Dessa forma, lá por 1789, os clássicos elementos centrais da
culinária francesa estavam firmemente no lugar: haute cuisine e cuisine
bourgeoise.
Assim como na Renascença os cozinheiros e os livros de cozinha
italianos haviam sido responsáveis por divulgar o novo estilo, no final do
século XVII e no século XVIII foi a vez dos franceses.16 Na Inglaterra, que
tinha uma culinária baseada no campo, e não na corte, a tradição medieval
continuava. La Varenne foi traduzido para o inglês em 1653, e seguiram-se
outras traduções, compensadas por uma torrente constante de livros
produzidos domesticamente. Começaram com The Accomplisht Cook, or
the Art and Mystery of Cooking (1660), de Robert May, que resolutamente
impulsionou a “boa comida do campo inglês” ao longo do século XVIII.
(Ela ainda estava sendo servida na corte de Jorge II em 1740.) Os escritores
ingleses recusaram-se firmemente a abrir mão de sua comida e apenas
assimilaram o que consideravam apropriado. Na verdade a existência de tal
sentimento culinário antifrancês sugere que havia considerável interesse
pela nova culinária entre algumas parcelas da classe alta. Se não, por que a
famosa diatribe de Hannah Glasse em The Art of Cookery Made Plain and
Easy (1747): “É tanta a loucura desta era o fato de que as pessoas preferiam
sofrer a imposição de um palerma francês que encorajar um bom cozinheiro
inglês!?”. Na Inglaterra, ao contrário da França, o estilo culinário não
expressava uma casta. Era partilhado por aristocracia, pequena nobreza e
classe média, e baseava-se em ingredientes que a propriedade rural média
produzia. Mas apesar disso as idéias culinárias francesas ganharam terreno.
William Verrall, que aprendera seu ofício com o cozinheiro francês do
duque de Newscastle, “monsieur de St. Clouet”, baseava seu A Complete
System of Cookewry (1759) em princípios franceses.
O livro de Verrall revela o que acontecia em outros países onde a
culinária francesa fora modificada e introduzida no interior do que era
consuetudinário. Os cozinheiros franceses viajavam por todos os lugares.
Há registros deles trabalhando nas cortes de Hanover, Prússia e Saxônia, na
Alemanha e também na Itália, onde a nova cozinha foi adotada pela
aristocracia e pelas classes médias no século XVIII. Em 1724 o livro de
Massialot apareceu com o título Il cuoco reale e cittadino; o famoso volume
de Menon foi traduzido no primeiro ano de sua publicação como Cuoco
piemontese perfezionato a Parigi e teve 22 edições até o começo do século
XIX. Nenhuma cozinha da Europa escapou ao que acontecia na França,
como ninguém tampouco escaparia à mudança daí decorrente para os
arranjos da mesa e a apresentação da comida.
SERVICE À LA FRANÇAISE E UTENSÍLIOS DE
MESA
Uma das conseqüências da revolução na culinária foi a nova seqüência e o
novo método de servir os pratos, num estilo conhecido como service à la
française.17 A moda refletia a preocupação do século XVII com a ordem, o
equilíbrio, o bom gosto e a elegância. O número de pratos para cada serviço
era calculado segundo uma relação fixa entre pratos e comensais. Uma
refeição de quatro serviços para 25 pessoas, por exemplo, significava cem
pratos. Podia-se multiplicar ou dividir a partir daí. Aumentar o número de
convivas não significava, como hoje em dia, simplesmente produzir uma
quantidade maior dos mesmos pratos. Pelo contrário, exigia mais pratos
diferentes. O resultado era que, embora os alimentos grandes e robustos,
como os assados, mantivessem seu lugar, eles tendiam a servir como
âncoras numa mesa, cercados por uma miríade de outras iguarias.
As refeições vinham em serviços — dois, três ou quatro, embora no caso
da ceia pudesse ser apenas um, mais a sobremesa. A produção de qualquer
refeição usava dois departamentos bem separados na casa: a cuisine, para a
maioria dos pratos, e o office, para a sobremesa. La Chapelle apresenta
tanto um plano para a mesa como um cardápio para uma ceia de dois
serviços na edição de 1742 de Le cuisinier moderne. Um exame dos dois
será útil para nos orientar.18 Dezesseis pratos de prata estão arranjados em
torno de uma mesa retangular, e todos os recipientes para os alimentos
também são de prata. (Na década de 1770 seriam de porcelana.) No centro
há uma travessa oval para um quarto de vitela, ladeada por um par de
esplêndidas sopeiras e um par de terrinas. Nos quatro cantos da mesa há
quatro entrées de galinha e, entre elas, mais uma vez arranjados
simetricamente, mais seis pratos, dois pequenos e quatro grandes, com
vários hors d’oeuvres, costeletas de carneiro com chicória, um prato de
peito de frango e enguias glaçadas com molho italiano. Durante esse
serviço as duas sopeiras eram removidas e substituídas por dois relevés, um
linguado e um salmão, exatamente na mesma posição, para manter o
equilíbrio estético da composição. O segundo serviço repete o padrão, mas
com novos pratos, incluindo um presunto como peça central e bolos, onde
anteriormente estavam o linguado e o salmão. A mesa era então limpa para
o serviço preparado pelo office, sempre um grande espetáculo. Podia incluir
queijos, frutas em conserva e em calda, sorvetes, sorbets e pudins,
subordinados a um elaborado ponto focal, talvez uma escultura de açúcar e
flores.
Por volta de 1700 os livros de cozinha ilustrados estavam repletos dessas
disposições de mesa, todas, sem nenhuma exceção, simétricas. Numa casa
aristocrática, o padrão de apresentação era tarefa do maestro della casa,
maitre d’hôtel ou mordomo, mas qualquer que fosse a mudança, o novo
sistema representava um rompimento definitivo com a prática medieval e
renascentista de definir o lugar e a escolha da comida de acordo com a
hierarquia do comensal. Até certo ponto a nova igualdade era ilusória,
porque diferentes membros da casa comiam em diferentes lugares. Mas
onde quer que fosse, todos comiam exatamente a mesma coisa.

Service à la française. Gravura do livro de Vincent La Chapelle, Le cuisinier moderne, 1742.

Essa maneira de organizar a refeição podia ser muito elegante, como se


pode ver num detalhe do quadro de Martin van Meytens retratando um
banquete realizado em 1764, em Frankfurt, por ocasião da coroação do
arquiduque José como rei dos romanos.19 A mesa em questão, já posta para
o primeiro serviço, destinava-se aos eleitores subsidiários. Cada um dos 12
lugares tem um prato de prata ladeado por outra novidade — uma
abundância de talheres. À direita de cada prato há uma faca; à esquerda,
dois garfos, um com dois dentes e o outro com três; em frente a cada prato
há uma colher virada para baixo. Todo prato tem um guardanapo
cuidadosamente dobrado escondendo o pão. O centro da mesa é formado
por um surtout, belo objeto rococó contendo, no nível mais baixo,
galheteiros de açúcar e garrafas de azeite e vinagre, e acima, uma tigela
com frutas e flores. Em volta do surtout, na toalha de damasco branca,
podemos ver três conjuntos de vasilhas de prata, todos arrumados em ordem
especular. As quatro maiores são sopeiras, pots à oilles; as quatro menores
são terrines, e há quatro saleiros. Também se vê uma grande colher de
servir, para uso dos próprios convidados.

A elegância do service à la française. Detalhe de Banquete por ocasião da coroação do rei dos
romanos, Martin van Meytens, Frankfurt, 3 de abril de 1764.

Podemos avançar um pouco mais com esses arranjos básicos num


segundo quadro, desta vez uma ceia, un repas nocturne à luz de velas,
oferecida pelo príncipe Nicolas-Léopold de Salm-Salm na década de
1770.20 Estão sentadas em volta da mesa 17 pessoas, o anfitrião no
tradicional lugar de honra medieval, de costas para a lareira, embora seja
verão. Entre os convidados há duas senhoras, mas os demais são clérigos ou
oficiais. Grandes guardanapos estão enfiados nas gravatas ou numa casa de
botão dos homens e no decote das senhoras, caindo em amplas dobras sobre
o colo. A refeição está em andamento, e os assados acabaram de ser
colocados na mesa. Podemos notar que nessa época a prata já havia dado
lugar à porcelana. Facas e garfos estão em ação (supõe-se que as colheres
foram retiradas junto com o primeiro serviço de sopas e oilles). Mais uma
vez tudo está disposto num padrão cuidadoso, com dois candelabros
funcionando como âncoras. O ponto central do serviço é um leitãozinho
ladeado por um galheteiro e uma molheira, quatro saleiros e mais quatro
pratos, dois de caça e dois de verduras, um dos quais certamente uma
salada. O maître d’hôtel está ao lado da chaminé, no papel de supervisor, e
os criados servem bebidas. Não se colocavam copos nas mesas do século
XVII e XVIII. Quando um comensal queria beber, chamava um criado
(como vemos aqui), que trazia uma bandeja com uma garrafa de vinho e um
jarro de água, caso se quisesse diluir a bebida. Ao pé de algumas cadeiras
há baldes de porcelana para refrescar o vinho, e um maior com seis garrafas
no primeiro plano. À esquerda está uma mesa de servir, com pilhas de
pratos e uma variedade de copos. A sobremesa que ainda está por vir fica
em outra mesa, pronta para ser trazida no momento apropriado; inclui um
extraordinário arranjo floral em forma de templo, à maneira do mestre dos
pasteleiros, Joseph Gilliers.
Os homens que servem são criados, o que marca outra mudança. Na
Idade Média e no Renascimento muitos papéis domésticos eram
desempenhados por homens de bom nascimento, ansiosos para garantir um
lugar próximo ao príncipe ou ao senhor. Na França de 1700, não apenas
essa prática havia terminado, como a criadagem se reduzira em 50 %.21 A
equipe média de um castelo francês do século XVIII era de 15 a 20 pessoas,
supervisionadas pelo maître d’hôtel ou cuisinier. Mais ou menos o mesmo
aconteceu do outro lado do Canal da Mancha, na Inglaterra.22 Ali o antigo
ritual de procissão havia desaparecido quase inteiramente. Onde ainda
continuava em uso, como na casa do duque de Chando, em Cannons, na
década de 1720, era encenado apenas aos domingos, e cada serviço entrava
com o principal mordomo à frente, carregando o bastão de ofício. Quase
todos os outros lugares haviam acabado com os serviços desempenhados
por cavaleiros e nobres — o trabalho era considerado degradante. O século
XVIII assistiu à sua substituição por um novo tipo de criado, o lacaio.
Inicialmente o lacaio tinha por obrigação correr ao lado do cavalo ou
carruagem do senhor ou senhora, mas aos poucos passou a servir a mesa.
Nas últimas décadas do século XVIII, o grande espetáculo para
impressionar os convidados era o aparecimento do primeiro ou segundo
mordomo chefiando um pequeno exército de lacaios com librés imaculadas.
Nos casos mais requintados, o efeito de um service à la française devia
ser quase o de um balé. Como os pratos não ficavam na mesa muito mais
que 15 minutos, havia um panorama em constante mutação à medida que as
travessas eram levadas, outras chegavam e os pratos usados eram
substituídos por pratos limpos. Realçava-se ainda mais o impacto por uma
outra introdução do service à la française, o aparelho de jantar — o
conjunto de vasilhas criadas para levar a comida à mesa. Assim como
ocorreu com a distribuição simétrica na mesa, houve uma ênfase cada vez
maior no efeito visual, por meio do uso de recipientes harmônicos para os
vários tipos de alimento.23 Isso teve início na França, na década de 1670,
com o aparecimento de uma nova vasilha, o pot-à-ouille, ou terrina oval.
Essas importantes peças da arte da prataria eram conduzidas isoladamente e
desempenhavam o papel de peças de centro, ou vinham em pares e eram
colocadas a cada lado da mesa. Gradualmente os objetos inovadores se
multiplicaram. A mais antiga referência a uma terrine ocorreu em 1719,
quando muitas outras peças novas eram introduzidas, à medida que as
sobremesas ficavam cada vez mais elaboradas. Os inventários deixam claro
que Luís XIV tinha diversos aparelhos, um para cada ocasião, a maior parte
deles do final do século XVII, em estilo barroco, embora a decoração de
cada peça variasse, em lugar de compor conjuntos iguais. Mas é claro que
itens como “Vaisseille qui sert dans les offices de la Maison du Roy” ou
“Vaisseille faite pour le service du Roy à Versailles et Marly” devem ter
sido aparelhos.
O que Versalhes estabelecia como moda o resto do mundo logo seguia.
As outras cortes encomendavam aparelhos diretamente aos prateiros reais
ou copiavam os modelos franceses. Quase todos os aparelhos de jantar do
final do século XVII e início do século XVIII eram feitos na França ou na
Inglaterra. Mas foi a França, sob a égide de Luís XV, que produziu os
aparelhos exportados para as cortes da Rússia, Áustria, Espanha e Portugal.
A prata real francesa desapareceu, parte fundida para pagar os custos altos
das guerras, parte durante a Revolução. Mas podemos ter uma idéia precisa
de sua magnificência pelos aparelhos que sobreviveram em outros países,
feitos por Germain, Ballin, Durand e Auguste.
O estilo estabelecido pela corte logo foi copiado pelas classes altas. A
chegada do aparelho de jantar de prata marcou uma mudança fundamental
na mesa de jantar. Até então o aparador em prateleiras era o lugar de
exposição ostentatória dos pratos. Agora a exibição migrava para a mesa, e
os comentadores mediam o esplendor de uma refeição pela quantidade de
prata nela exposta. Na Inglaterra, por exemplo, na década de 1720 a tônica
eram as grandes exibições de pratos de prata dourada ou prata barroca num
aparador lateral, com um balde para resfriar o vinho embaixo. Uma década
depois as peças usadas na mesa incluíam terrinas, molheiras, galheteiros de
açúcar, saleiros, épergnes e surtout. Na década de 1740 aparelhos inteiros
foram encomendados pela aristocracia e pela nobreza do campo. As classes
emergentes seguiam a tendência, montando seus serviços de mesa peça por
peça.

Um jantar à luz de velas oferecido pelo príncipe de Salm-Salm. Pintura, c.1770.

Depois da terrina, a novidade mais surpreendente foi o surtout. Esse


esplêndido objeto apareceu em 1692, durante os festejos pelo casamento do
duque de Chartres no Palais Royal, onde foi assinalado como “uma grande
peça de prata de recente invenção”.24 Inicialmente servia para reunir num só
lugar objetos até então espalhados na mesa — candelabros, açucareiros,
potes para mostarda, azeite, vinagre e até mesmo (como vimos) uma vasilha
onde se colocavam flores e frutas. A inovação deu certo, chegando à
Inglaterra em 1715 e tornando-se comum na mesa européia do século
XVIII. Gradualmente o espírito de praticidade deu lugar ao puro excesso
decorativo. Particularmente na fase rococó das décadas de 1740 e 1750, o
surtout como centro de mesa decorativo tornou-se de rigueur; foi a era de
artefatos como o serviço marinho de Frederico, príncipe de Gales, com o
surtout coroado por um Netuno reclinado, celebrando o poderio naval
britânico. Simultaneamente apareceram as épargnes, cestas de metal
trançado para frutas e doces.
Essa explosão de prata e prata dourada era para os ricos. Para o resto
havia estanho ou cerâmica na forma de louça esmaltada, faiança e mais
tarde porcelana.25 O significativo é a ascensão gradual dessas cerâmicas às
mesas da aristocracia. A necessidade de economia também desempenhou o
seu papel nesse fenômeno. Na Espanha, por exemplo, a escassez de prata
levou Felipe III a restringir seu uso em 1601. Por conseguinte a nobreza
espanhola passou a encomendar serviços de mesa de cerâmica de Talavera.
Na França, de maneira ainda mais chocante, os custos ruinosos das guerras
de Luís XIV provocaram éditos em 1689 e 1709 ordenando que todos os
vasos de ouro e prata fossem fundidos. Em suas memórias, Saint-Simon
escreveu: “Numa semana todos os homens de algum status ou
responsabilidade passaram para a faiança.” Novas manufaturas satisfizeram
a demanda por serviços de banquete com divisas heráldicas para as mesas
principescas. Ao mesmo tempo a mania da porcelana chinesa tomou a
Europa, sendo seguida, quando os europeus dominaram a técnica, por uma
pletora de novos trabalhos de porcelana sob a liderança de Meissen (1710) e
Sèvres (1756). Esta última tinha por trás de si o prestígio da monarquia
francesa, e logo imensos aparelhos de jantar de porcelana, enviados como
presentes ou especialmente encomendados, começaram a trilhar o caminho
das cortes de Viena, Estocolmo, Copenhague e São Petersburgo.
No entanto, quando chegou a hora do aparelho de jantar feito de
cerâmica, não foi a França que abriu o caminho, mas a Alemanha, graças à
fábrica de Meissen, patrocinada por Augusto, o Forte, da Saxônia. Em 1710
Augusto encarregou o prateiro de sua corte de “possibilitar a produção de
objetos de mesa, algumas vezes em quantidades extremamente grandes, e
outros tipos de objetos artísticos”. A escolha de um prateiro para o trabalho
vincula o “aparelho” de porcelana a seus antecedentes. O próprio termo,
aplicado a um conjunto de objetos combinados para a mesa, passou a ser
originalmente usado na França do século XVII, referindo-se a um conjunto
de pratos e vasilhas de servir feitos de prata, colocados sobre a mesa e
destampados simultaneamente. Como sugere a ordem de Augusto, o
formato dos primeiros aparelhos de jantar de porcelana derivava dos
antecedentes de prata. No entanto, só a partir da década de 1730 é que
Meissen realmente começou a produzir os grandes aparelhos. Um deles foi
feito para o conde Brüh, com 2.200 peças. Após 1750 outras fábricas
começaram a imitá-los, com variantes produzidas em diferentes países. Os
ingleses, por exemplo, tinham preferência por vasilhas no formato de
vegetais ou — para uso nos jantares de caça — de animais.26
Tanto a prata como a cerâmica constituem imensos campos de estudo.
Basta dizer que a nova moda dos objetos de mesa serviu para mudar a
maneira como o jantar médio era realizado. O impacto visual da refeição
em 1750 era completamente diferente do século anterior.27 Podemos
identificar uma série de pinturas onde essas mudanças ocorreram, nas quais
o efeito visual dependia sucessivamente da comida, da prataria e finalmente
da porcelana. Ligava-se a isso a importância cada vez maior do office, com
sua confeitaria altamente especializada. Era a equipe do office que punha a
mesa.
Em meados do século XVII o grande problema do desenho da mesa era
criar efeitos verticais — à parte os candelabros — na superfície plana. A
solução foi o service en pyramide, que se tornou a forma mais característica
de apresentação dos alimentos até o final do primeiro quarto do século
XVIII. O arranjo era particularmente usado para apresentar a sobremesa,
em geral servida numa sala diferente, embora às vezes ficasse no centro da
mesa durante toda a refeição. Complexos arranjos de frutas em conserva
com flores e folhas artificiais eram empilhados em prateleiras de tamanhos
decrescentes, tendo entre elas as chamadas porcelaines, pratos de prata,
estanho ou cobre, muitas vezes disfarçados com folhas para impedir que
desabassem. As numerosas gravuras das grandiosas refeições na corte de
Luís XIV mostram infinitas variações do service en porcelaine.
A apresentação piramidal foi substituída por desenhos vistos nos quadros
do banquete de Frankfurt, composições simétricas de prata em torno de uma
terrina ou surtout. Mas em meados do século XVIII, particularmente em
ocasiões importantes, durante toda a refeição a sobremesa ficava no lugar,
como um grande parterre (ou tabuleiro) no centro da mesa. Nessas
espantosas criações ocorria um complexo casamento entre as artes de
prateiro, ceramista e pâtissier. Este último usava pastas de açúcar, massa de
biscoito, cera, papelão, fios de seda e açúcar colorido para construir templos
e portos, caixas e estatuária, muitas vezes colocados sobre espelhos para
aumentar a luz pelo reflexo. Joseph Gilliers, pâtissier do rei Estanislau da
Polônia, escreveu o livro definitivo sobre o assunto, um guia completo para
a construção destas cidades de brinquedo dos sonhos rococós. Le
canneméliste français (1751) é cheio de gravuras com todos os tipos de
efeitos, inclusive mesas inteiras arranjadas como tabuleiros rococós
completos, com estátuas e vasos. Em outras circunstâncias poderiam passar
por um desenho de jardins de verdade. No entanto, lá pelo terceiro quarto
do século, as criações de açúcar do pâtissier foram substituídas pelas
versões permanentes feitas em porcelana. Em 1790 a corte dinamarquesa
possuía nada menos que 850 peças de porcelana e biscuit, representando
cascatas e rochas, navios de guerra e pavilhões, afora os eternos vasos e
estátuas.28

A mesa de jantar como parterre. Gravura em Joseph Gilliers, Le canneméliste français, 1751.

Nesse contexto, passemos a palavra a Parson Woodforde, um inglês


residente na província e autor de um diário que chegou até nossos dias. Em
1728 ele foi a um jantar de gala dado pelo bispo de Norwich e descreveu o
que via ainda como novidade: “um jardim artificial muito bonito … que
permaneceu durante o jantar e depois dele, uma das coisas mais belas que
jamais vi, com cerca de uma jarda (um metro) de comprimento e 18
polegadas (45 centímetros) de largura, no meio do qual havia um grande
templo redondo apoiado em pilares redondos, e os pilares tinham flores
artificiais entrelaçadas — de um lado uma pastora, do outro um pastor,
várias urnas muito belas, decoradas também com flores artificiais etc.”29 O
parterre afrancesado levou 30 anos para alcançar o leste da Inglaterra
georgiana.
A SALLE À MANGER E AS SALAS DE REFEIÇÃO
A mais remota referência do termo salle à manger aparece no projeto de
uma casa, num livro francês de arquitetura publicado em 1647.30 A criação
de uma sala separada para as refeições foi decorrência direta do que vinha
acontecendo nas casas parisienses da aristocracia nas décadas precedentes.
À antiga seqüência básica de sala de recepção com múltiplos propósitos, a
salle seguida por uma série de apartamentos, consistindo de uma
antecâmara e um quarto de dormir, foram acrescentados novos aposentos
arranjados en enfilade para se ter uma elegante vista de interior de inúmeras
portas duplas. Entre a salle e o apartamento foram introduzidos a salle à
manger para as refeições e o salon para a conversa. À medida que avançava
o século XVII, essa seqüência de aposentos enfileirados desenvolveu-se
ainda mais, começando com o vestíbulo, depois uma antecâmara onde os
criados ficavam a postos, uma segunda antecâmara em que as pessoas se
reuniam e também servia como salle à manger, o salon para receber as
visitas de determinada categoria (mas também usado para jantar em
ocasiões de gala) e finalmente os quartos de dormir.
O que mais chama a atenção nisso é o fato de salas separadas serem
dedicadas às duas funções de comer e conversar. Essa divisão surgiu da
forma de vida social iniciada pelas précieuses, um grupo de damas
extremamente finas liderado por Catarina de Vivonne, marquesa de
Rambouillet, que remobiliou sua mansão em 1619. As précieuses foram
responsáveis pelo início de uma nova sensibilidade social, em que a
conversa culta misturava-se à galanteria e a reverência ao amor platônico.
Os jantares de gala característicos do período renascentista e medieval,
seguidos por um baile, não eram para elas. Preferiam a interação das
mentes, conversas educadas com os convidados sob o comando de um outro
fenômeno novo, a anfitriã. Daí o aparecimento do salão, outro passo na
direção de revestir áreas de espaço privado com significados e funções
específicos.
Na década de 1640 o salão já havia entrado num longo apogeu. Sua
importância crescente refletiu-se no fato de o arquiteto Le Vau, na década
de 1650, passá-lo do piano nobile para o rés-do-chão e torná-lo a peça mais
importante de qualquer castelo. Nessa medida viria a ser a principal sala de
recepção, o lugar de desfile e, em ocasiões de gala, cenário de grandes
jantares. Na verdade isso serviu para reduzir o papel da refeição na vida
social. Enquanto numa época anterior o máximo do entretenimento era um
jantar elegante, em meados do século XVIII o que um anfitrião tinha a
oferecer de melhor a seus convidados abrigava-se na nova sala, o salão,
com suas múltiplas atividades — conversa, música, jogos. A sala de jantar
tornou-se relativamente pequena perto do salão, e a refeição era apenas um
episódio subordinado ao que acontecia no lugar mais importante. Os novos
arranjos refletiam admiravelmente os ideais da sociedade iluminista.
As salas de jantar, muitas da quais sobrevivem até hoje, em geral eram
equipadas com um belo aparador de mármore para o serviço e a exibição da
prataria, e muitas vezes com uma fontaine para lavar as taças e um forno de
porcelana para aquecer o ambiente. Tudo isso representava um eco distante
de séculos anteriores. Já em meados da década de 1650 o aparador em
prateleiras saíra de moda, e aqueles elaborados para exibição da baixela
tornavam-se raros; em ocasiões especiais, precisavam ser expressamente
construídos.31 O aparador ou mesa lateral tinha usos práticos e também
exibia as sobremesas. Já os encontramos no quadro do jantar de gala do
príncipe de Salm-Salm; dois aparadores temporários foram montados no
que deve ter sido o salão, um para serviço, incluindo a bebida, e outro para
as sobremesas. Mais uma característica da sala de jantar era o balde de
vinho, ou refraîchissoir cheio de gelo, se disponível, ou senão com água
adicionada de cânfora ou salitre para diminuir a temperatura.
Os franceses definiam o que deveria se tornar padrão nas ocasiões
sociais em toda a Europa continental. A prática inglesa era um pouco
diferente. Ali, embora o conceito da sala de jantar houvesse surgido na
década de 1630, seu uso efetivo iria permanecer incerto por boa parte do
século XVIII. A principal novidade foi a multiplicação das salas onde as
pessoas comiam em diferentes circunstâncias. Na década de 1660, a casa de
lorde Craven, em Hamstead Marshall, tinha um “little parlour ou sala
comum de comer”, uma “withdrawing roome ou sala para o lorde comer”, e
ainda a great parlour”. Do lado oposto ao vestíbulo havia uma “sala para os
cavalheiros comerem” e uma “sala para os criados comerem”.
A última sala mencionada nos dá a chave do desaparecimento, em 1700,
dos criados para os cavalheiros.32 Como o serviço passou a ser feito por
empregados, era necessário criar um outro ambiente para eles comerem. Na
França as famílias faziam suas refeições na mesma mesa que secretários,
governantas e tutores; os criados principais, valets e femmes de chambre,
presididos pelo maître d’hôtel, numa segunda mesa e todos os outros
criados, de cozinheiros a arrumadeiras, presididos pelo cuisinier, ainda em
outra, cada uma das três em lugar diferente. Por volta de 1700, mais ou
menos o mesmo havia acontecido na Inglaterra, com uma redução
semelhante nas dimensões da criadagem. Por volta de 1700 a norma ali era
uma sala separada para os criados. Se a casa era grande, podia demandar
mais de uma. Na década de 1720, em Cannons, a grande casa de campo do
duque de Chandos, os criados principais comiam na sala do capelão, os
seguintes na sala do escudeiro e os restantes na cozinha ou na copa. Daí em
diante, apenas em grandes ocasiões, como um casamento, uma
emancipação ou o Natal, o salão assumia sua função medieval. Dessa forma
o espaço arquitetônico era usado para separar e definir a ordem de uma
sociedade estratificada.
Na Inglaterra a expressão dining-room apareceu oficialmente pela
primeira vez em 1755, no dicionário do dr. Johnson, embora na verdade já
tivesse um século de uso.33 Em Graphice (1658), William Sanderson refere-
se a dyning-roome na discussão sobre onde pendurar quadros,
recomendando que nela figurassem os retratos do rei e da rainha, junto com
os de dois ou três membros da família e da nobreza, “para acompanhar suas
principescas pessoas”.34 Quase 30 anos antes de Johnson, Narford Hall já
tinha “uma bela sala de jantar pintada de branco e dourado”. Mas foi o
arquiteto Robert Adam quem destacou a diferença fundamental entre
franceses e ingleses quanto às salas de jantar. Na França todos se erguiam
ao final da refeição e iam conversar no salão. Na Inglaterra, em 1700, os
homens continuavam na sala de jantar para conversar, beber e, se
quisessem, quando as senhoras se afastavam, para usar um urinol
discretamente instalado.35 Essa peça às vezes era guardada num pequeno
armário, mas os aparadores no estilo Sheraton da década de 1790 e depois
incluíam um pequeno armário ao lado para acomodá-la.36 Em 1773 Adam
escreveu que as salas de jantar deveriam portanto “ser consideradas os
aposentos da conversa, em que podemos passar boa parte do tempo.
Recomenda-se que sejam mobiliadas com elegância e esplendor, mas num
estilo diferente daquele dos apartamentos. Em vez de serem cobertas de
damascos, tapeçarias etc., devem sempre ser revestidas de estuque e
adornadas com estátuas e pinturas, para não reter o cheiro dos alimentos”.37
Partindo dessa premissa, Adam argumentava que era essencial para o
arquiteto ter controle total sobre a mise-en-scène, até mesmo sobre cortinas
e prataria.
Quando hoje visitamos uma casa de campo do século XVIII esquecemos
que na última metade daquele século o jantar era servido às quatro ou cinco
horas; ainda era dia, o que explicava a escolha de uma decoração em tons
claros.38 Apenas no século seguinte, quando as horas de jantar foram
ficando cada vez mais tardias, é que as cores escuras entraram na moda. Na
mesma época em que Adam escrevia, as revistas femininas desenvolviam a
idéia de que certas áreas da casa se relacionavam a um sexo ou outro. A
sala de jantar, graças ao costume inglês de as senhoras se retirarem, era
considerada masculina.39
Muito embora um aposento especial para comer fosse característica
estabelecida no começo do século XVIII, não se deve pensar que a mesa
estivesse permanentemente montada.40 Na Inglaterra isso só aconteceu após
1780, com a invenção das mesas com abas, que podiam ser abertas ou
dobradas de acordo com o número de comensais. As cadeiras ficavam
encostadas na parede e eram trazidas para junto da mesa na refeição.
Anteriormente havia longas mesas sólidas no salão que sobreviveram no
século XVI ou começo do XVII, em lugares como Hatfield House ou
Hardwick Hall. Mesas com pesadas pranchas removíveis eram usadas pelas
famílias para jantar nos salões. Porém em geral os criados carregavam
mesas de abas dobráveis para qualquer sala onde se quisesse servir o jantar.
A popularidade das mesas redondas e ovais com abas e pernas dobráveis
no final do século XVII refletia um novo desejo de informalidade. As
inovações nas cadeiras revelavam esse movimento.41 Até cerca de 1675, a
forma mais comum era a cadeira adequada à saia-balão, basicamente um
banquinho com encosto. Originalmente essa cadeira estava a meio caminho
de uma seqüência decrescente de importância, começando com a cadeira de
braços, a cadeira sem braços e depois o banquinho sem encosto, que podia
inclusive ter alturas ligeiramente diferentes, dependendo da importância
social do convidado. Após essa data, conjuntos de cadeiras com assento de
palhinha, idênticos, exceto quanto aos entalhes, tornaram-se a norma na
França e na Inglaterra. Como as pessoas de mesma importância social
comiam na mesma mesa, mas em salas separadas, já não havia necessidade
de uma hierarquia de cadeiras.

DAS BOAS MANEIRAS À ETIQUETA


Até o cataclisma de 1789, as boas maneiras relacionavam-se às regras
observadas nas cortes.42 O que começou na Renascença como um sistema
de comportamento levando homens de diferentes classes sociais a
partilharem um padrão de intercâmbio social tornou-se, nos séculos XVII e
XVIII, um meio de preservar as castas. As boas maneiras não eram mais um
veículo de inclusão, mas de exclusão. A aristocracia, é claro, estava sob a
permanente pressão das classes comerciais e profissionais em expansão e
do acesso à torrente de livros que descreviam os labirintos dos
comportamentos na corte. A maior parte desses livros era, já no século XV,
pouco mais que tratados de cortesia, longas listas de proibições e
recomendações, tais como se lembrar de sentar-se empertigado e não
colocar os cotovelos à mesa. Mas embutidas nelas havia nuances que
apontavam para mudanças no mores do jantar, decorrentes tanto da nova
culinária como da multiplicação dos talheres e do uso cada vez mais
difundido do garfo. A mudança prática mais significativa foi a
individualização do ato de comer. Pela primeira vez cada comensal formava
uma unidade com seu próprio prato, guardanapo e talheres; já não tinha que
dividi-los. Mas podemos perceber uma transformação ainda maior, embora
menos tangível: o aparecimento do gosto como novo indicador de status
social. O que definia o gosto era o discernimento estético e intelectual, o
que, por sua vez, era visto como um atributo inato que encontrava
expressão numa sociedade cada vez mais orientada para o consumo. O
gosto, além do mais, englobava o julgamento sobre a comida.
Tais mudanças são confirmadas pelo Nouveau traité de la civilité (1671),
de Antoine de Courtin, que depois do livro de Erasmo é o mais influente
guia de boas maneiras jamais escrito, tendo inúmeras edições. Nele
aprendemos que no final do século XVII as abluções cerimoniais antes das
refeições passaram a envolver apenas os principais convidados; cuspir já
não era aceitável; os homens tiravam o chapéu quando se davam graças,
quando serviam uma dama ou um superior lhes fazia um brinde. Os garfos
passaram a ser considerados imprescindíveis: “Deve-se cortar a carne no
prato e levá-la à boca com o garfo. Digo com o garfo porque é … muito
indecente tocar alguma coisa gordurosa, ou com molho, ou no xarope etc.,
com os dedos; além do mais, isso obriga-nos a cometer mais duas ou três
indecências.” Estas “indecências” incluíam limpar os dedos no guardanapo,
deixando-o como uma “toalha de cozinha”, no pão ou, pior ainda, lamber os
dedos, “que é a maior das impropriedades”.
Mas o que o livro dizia que devia fazer e o que realmente se fazia eram
duas coisas muito diferentes. Luís XIV continuava a usar os dedos para
comer carne. Ainda em 1737 um livro holandês de boas maneiras, De
hofsche Wellevenntheid, incorporava o que Courtin escrevera sobre
maneiras à mesa, mas substituía as referências de Courtin sobre a faca e o
garfo por “faca, colher ou outro”. Um estudo revelou que em meados do
século XVIII, na área de Gand, Flandres, os garfos eram usados até pela
pequena burguesia, ainda que apenas aos domingos, mas sua ausência na
tradução do livro indica que não era certo que existissem.43 Facas e garfos
aparentemente eram a norma nas classes altas, mas entre as classes médias
os garfos continuaram sendo peças de prestígio guardadas junto à prataria,
tirados e usados apenas em ocasiões especiais. Sua adoção em toda a
Europa foi um processo lento, que só aos poucos desceu a escala social, e
mesmo assim apenas até as classes médias. No entanto, à medida que o
século XVIII avançava, seu domínio significou um declínio no número de
guardanapos, pois já não era necessário sujar os dedos. Portanto, a
afirmação de Jean-Baptiste de la Salle em Les règles de la bien-séance et de
la société chrestienne (1729), de que “é completamente contrário às boas
maneiras tocar a carne e, pior ainda, a ‘sopa’ com os dedos”, podia fazer
sentido na sociedade da corte, mas não fora dela.
Havia, é claro, variações na prática dos diferentes países: o que era
considerado boa educação num país podia ser grosseria em outro. Jean
Gailhard, em The Complete Gentleman (1678), observa algumas diferenças
entre a França e a Inglaterra:
Na Inglaterra é de bom-tom o dono da casa entrar antes do estranho. Isso passaria por grave
incivilidade na França. Aqui a senhora da casa costuma sentar-se à parte superior da mesa,
que na França é reservada aos estranhos; se somos muitos à mesa, não temos escrúpulos de
beber todos de um copo ou caneca, o que os franceses não costumam fazer; e se um criado
lhes oferecer um copo sem ser lavado a cada vez que bebem, eles ficam muito aborrecidos.

Outras fontes mostram o que acontecia na mesa inglesa.44 No raro livro


da sra. Alice Smith, Art of Cookery (1758), encontramos uma relutância tão
forte em aceitar os hábitos franceses à mesa quanto em adotar sua culinária.
Ela aprovava o “bom e velho costume inglês” da dona da casa trinchar e
servir os convidados, que deveriam provar de todos os pratos. A prática
então mais recente, em que “todos se serviam do que queriam” e só comiam
o que escolhiam, era vista por ela como lamentável.
A evolução das boas maneiras antes de 1789 pode ser descrita como uma
perpétua reinvenção. Assim que o indivíduo que aspirava a subir na escala
social aprendia a imitar seus superiores, estes prontamente mudavam os
hábitos. Já existiam as técnicas de comer que hoje nos são familiares: o uso
do guardanapo, faca, garfo e colher; mas um couvert completo com
abundância de talheres e baixelas deve ter sido prerrogativa de
relativamente poucos. Os modos camponeses de comer continuaram mais
ou menos imutáveis desde a Idade Média.
Um hiato social abriu-se em torno do horário das refeições.45 Na Idade
Média, o jantar, a principal refeição do dia, era na mesma hora, não
importando a classe. Depois a elite social passou a jantar cada vez mais
tarde, afastando-se das classes comercial e trabalhadora. O mesmo
deslocamento aconteceu com o aparecimento de uma classe urbana ociosa;
o jantar sempre foi servido mais tarde na cidade que no campo. Em 1740,
em Bulstrode (a casa de campo da duquesa de Portland), o jantar era às duas
horas, o chá às oito e a ceia às dez. Em contraste, na década de 1770, o
jantar em Londres havia passado para as quatro e meia ou cinco horas. O
campo continuava atrasado, mas naquela data o jantar estava sendo servido
às três ou quatro horas. O mesmo aconteceu na França. Seguindo a moda
ditada pela sociedade parisiense elegante, Maria Antonieta e seu círculo
jantavam às quatro ou cinco horas quando estavam no Petit Trianon.46
Todos os domingos, ainda presa pela etiqueta formal de Versalhes, a rainha
devia voltar ao palácio e submeter-se às formalidades do jantar público au
grand couvert, sem comer e sequer se preocupar em desdobrar o
guardanapo.
Uma vez estabelecidas, as maneiras tornaram-se etiqueta. O primeiro
livro a usar tal palavra foi o anônimo The True Gentleman’s Etiquette,
publicado em 1776. Mas com a etiqueta nós antecipamos a era burguesa,
ainda por vir. Até a Revolução Francesa a história da comida e da mesa
continuou a se dar em torno das cortes — e de uma corte em particular,
Versalhes. É para esse extraordinário fenômeno que devemos agora voltar a
nossa atenção.

MESSIEURS, AU COUVERT DU ROI!


O ato de comer inseria-se na própria estrutura das cortes absolutistas dos
séculos XVII e XVIII. Essa foi uma era que testemunhou intensa
elaboração do cerimonial, das maneiras, do gosto e da conversação, tudo
originado na corte e apresentado com um propósito — impor a existência
de uma estrutura imutável de poder. Tal objetivo foi alcançado pela criação
de um complexo sistema que governava os graus de admissão à presença do
monarca.47 Versalhes, à medida que evoluía em torno do Rei Sol, de 1660
em diante apresentava ao mundo externo um espetáculo de magnificência
sem paralelo, no qual comer em público passou a ser um ritual
indispensável, encenado diariamente pelo rei.48
De três a cinco mil pessoas alimentavam-se diariamente em Versalhes,
numa hierarquia de mesas.49 Toda a operação era responsabilidade da
chamada maisonbouche, que englobava sete diferentes departamentos, com
uma equipe de cerca de 500 pessoas, mais 160 garçons. Todos obedeciam
ao grand maistre de France, cargo que era privilégio hereditário de um
membro da casa de Condé. A essa época os outros cargos medievais ligados
ao comer real, o grand panetier e o grand échanson, haviam se tornado
sinecuras cerimoniais, mas os príncipes de Condé presidiram a maison-
bouche até a queda da monarquia. Abaixo do maistre vinha o premier
maître d’hôtel, com um delegado e uma equipe que seguiam uma escala de
serviço. Essa organização era responsável pelas mesas do rei e dos príncipes
de sangue, bem como dos soberanos ou embaixadores em visita.
A produção da maison-bouche era encabeçada pelo contrôleur général,
que administrava as finanças e se encontrava com os outros funcionários
três vezes por semana para examinar as despesas. Dos sete departamentos,
apenas dois, o gobelet e a cuisine, efetivamente proviam a mesa real. Dos
outros cinco, três proviam os funcionários da corte. O próprio gobelet era
subdividido em duas seções, cada qual com seu próprio chef e 12 chefs
assistentes. Uma das seções cuidava de pão, sal, toalhas e frutas, a outra da
água, dos vinhos, licores, café, gelados e refrescos. A cuisine-bouche, que
preparava apenas a comida da família real, tinha uma equipe rotativa de 55
pessoas. A ela também pertenciam todas as baixelas, tanto as de ouro como
de prata, e mais tarde as de porcelana.
No começo Luís XIV jantava e ceava em público, ação encerrada na
expressão au grand couvert. Na década de 1690, o jantar ao meio-dia
deixou de ser um evento público, exceto para os grandes dias de festa, como
Páscoa, Pentecostes, Ano-Novo e alguns domingos. O jantar passou a
acontecer privadamente, au petit couvert. Isso, por sua vez, foi mais tarde
desdobrado em duas outras formas distintas, le très petit couvert e les jours
de médecine. Le petit couvert significava que o rei comia sozinho numa
mesa posta em seus aposentos de gala.50 Após a morte da rainha, algumas
vezes comia na antecâmara dos aposentos da delfina. Mas depois que ela
também morreu, voltou a seus próprios apartamentos. Durante o petit lever
o rei, cujo apetite era grande, como o de todos os Bourbon, dizia o que
queria comer. Quando chegava a hora de jantar ele era chamado pelo
primeiro cavalheiro da Câmara, que também o servia na ausência do grande
camarista. Sentar-se sozinho à mesa não significava que o rei estivesse
literalmente só; além dos criados, um grupo de nobres e funcionários da
corte sempre ficava de pé, a alguma distância, assistindo a tudo.
Tampouco havia qualquer sugestão de informalidade na refeição. Nada
menos de 15 pessoas eram necessárias para carregar a carne do rei em
procissão, do grand commun, onde a comida era feita, até os aposentos
reais. “Primeiro entravam dois guardas. Seguiam-se então o porteiro da
sala, o mordomo com seu bastão, o cavalheiro encarregado da despensa
real, o contrôleur général, seu ajudante, e então os funcionários carregando
a carne, o camarista da cozinha e o encarregado da porcelana real. Dois
guardas reais fechavam a procissão.”
A palavra couvert significava que os pratos eram cobertos, numa
tentativa de mantê-los quentes. O termo sobrevive até hoje, designando um
lugar preparado numa mesa de refeições.
Caso o rei desejasse beber, o cavalheiro que estivesse agindo como
escanção gritava “Àboire pour le roi! “, curvava-se e dirigia-se ao aparador,
onde o copeiro-chefe lhe entregava uma bandeja de ouro com duas garrafas
de cristal, uma com vinho e outra com água, e uma taça coberta com um
guardanapo. O copeiro-chefe, seu assistente e o cavalheiro que estivesse
atuando como copeiro iam então até a mesa real e curvavam-se
profundamente, antes de provar os conteúdos das garrafas em copos de
prata dourada. Curvando-se mais uma vez, o cavalheiro copeiro devolvia a
bandeja ao copeiro-chefe, que a levava de volta ao aparador.
A ceia era sempre au grand couvert às dez horas da noite.51 No começo
do reinado de Luís XIV, seguia o ritual que fora estabelecido para Henrique
III, em que funcionários hereditários desempenhavam seus papéis
cerimoniais sob a direção do maître d’hôtel, e a grande naveta era colocada
sobre a mesa.52 Em 1674 o ritual mudou. Os nobres passaram a servir no
lugar dos funcionários hereditários, e a naveta — que àquela altura havia
adquirido um status quase místico, como símbolo da soberania —
desapareceu da mesa. Daí em diante, quando não era colocada num dos
aparadores existentes na sala da guarda, era posta num armário
envidraçado. Todos que passavam diante dela tinham de se ajoelhar.
Até a morte da delfina da Baviera em 1690, a ceia au grand couvert
acontecia na antecâmara dos aposentos da rainha. Depois disso passou para
a antecâmara do rei, e até 1789 acontecia num desses dois aposentos. A essa
refeição compareciam não apenas o rei, mas também a rainha e outros
príncipes e princesas da família real. Dependendo de onde a refeição fosse
realizada, a cozinha variava. Se fosse na antecâmara do rei, a comida vinha
da bouche du roi. Se fosse na da rainha, o rei e seus convidados sentavam-
se num dos lados da mesa, a rainha e seus convidados no outro, e cada lado
era servido com comida de sua própria bouche.
Tratava-se de uma ocasião governada por um protocolo muito exato.
Como tudo mais em Versalhes, a refeição era regulada até o último detalhe
pelo próprio rei, que decidia exatamente quem era suficientemente
qualificado para sentar-se à mesa com ele. Em março de 1710 Saint-Simon
registrou em seu diário que o rei havia decretado que “princesas de sangue
não deveriam comer au grand couvert. Após a ceia, não seguiriam o rei até
seus aposentos; tal honra cabia apenas aos filhos e filhas, netos e netas da
França. As princesas seriam convidadas apenas em ocasiões especiais,
festas de casamento na família real ou outros acontecimentos
excepcionais”.53 Em Versalhes as gradações hierárquicas eram assiduamente
estudadas até o menor detalhe.
Para entender tal questão é crucial conhecer a seqüência de aposentos
onde transcorria a existência da monarquia francesa até o seu colapso.54 O
sistema não permitia qualquer privacidade. Quando o palácio de Versalhes
foi originalmente construído, na década de 1670, a seqüência dos aposentos
reais era a seguinte: chegava-se pela escada dos Ambassadeurs, passava-se
por duas salas de recepção (os salões de Vênus e de Diana), a sala da
guarda (o salão de Marte), a antecâmara ou sala do trono (o salão de
Mercúrio), os aposentos de gala (o salão de Apolo), o gabinete, a sala do
conselho (o Grande Gabinete) e finalmente chegava-se ao quarto de dormir
privado do rei, com alguns gabinetes menores ao redor. As refeições au
grand couvert aconteciam no salão de Mercúrio. Isso foi alterado no final
do século XVII, quando o rei se mudou para outra ala do palácio, à qual se
chegava pela escadaria da rainha. Esta levava diretamente à sala da guarda
real e à que era chamada antecâmara do grand couvert, e então à
antecâmara de l’Oeil de Bouef, que até 1701 abrangia os aposentos de gala
do rei, onde ele dormia, e uma antecâmara menor.
O cerimonial da refeição au grand couvert começava quando dois
porteiros da antecâmara gritavam “Messieurs, au couvert du roi!”, batiam à
porta da sala da guarda e pediam a um oficial que descesse com os dois
porteiros até o gobelet. De lá formava-se uma procissão trazendo o
necessário para pôr a mesa real, que incluía um criado levando a tocha, o
chefe da paneterie-bouche com a naveta real e dois guardas a seu lado.
Diante da naveta todos descobriam a cabeça. Quando chegavam à sala da
guarda, duas mesas eram postas. Uma, o pequeno buffet du gobelet, com o
jarro e a bacia necessários para lavar as mãos, jarros de vinho e de água,
taças e guardanapos. Na mesa maior, a table du prêt, colocava-se a naveta,
cortava-se o pão e davam-se os retoques finais nos pratos antes que fossem
levados à mesa do rei. Quando este jantava au grand couvert na antecâmara
da rainha o número de aparadores dobrava.
Depois que a sala da guarda estava arrumada a mesa real era posta na
antecâmara vizinha, no mesmo lugar que ocupava na Idade Média, com o
rei de costas para a lareira. A mesa era na verdade bem pequena. Um
cavalheiro e o chef de la paneterie estendiam a toalha e punham a mesa.
Um diagrama datado de 1702 mostra exatamente como ela deveria ser
posta.55 Nessas ocasiões o rei sentava-se sozinho de um lado, tendo seis
outros membros da família real, um de frente para o outro, à sua direita e à
sua esquerda. Dois candelabros com dois saleiros eram colocados no centro,
emoldurando a pessoa do rei. Na própria mesa, o primeiro serviço era
arrumado num padrão simétrico, à maneira do service à la française. Os
príncipes e princesas tinham apenas um prato à frente, presumivelmente os
talheres e o pão dentro do guardanapo. No caso do rei os arranjos eram mais
complexos. À sua frente ficava “o guardanapo real”, à esquerda, dois outros
pratos, um denominado “a porcelana do rei, onde ele molha o pão na sopa”,
e outro “o prato pequeno especial do rei”. À direita ficava um objeto
retangular chamado “cadenas”.
Já havia cadenas na mesa do cardeal arcebispo de Sens em Roma, na
década de 1580.56 Tais objetos parecem ter sido uma invenção
especificamente francesa, um meio adicional para evitar envenenamento.
Substituíram a naveta, pois combinavam uma área retangular em que a faca
e a colher reais, no caso de Luís XIV, eram colocadas, junto com uma
pequena caixa com sal e pimenta. Originalmente deviam ficar trancadas,
para evitar que qualquer substância envenenada fosse acrescentada a seus
conteúdos (a palavra cadenas atualmente quer dizer cadeado em francês). A
primeira menção a uma peça dessas na França ocorreu no reinado de
Henrique II. Não era um objeto tão exclusivo quanto a naveta, pois no
século XVII não apenas o rei e a rainha as tinham, mas também príncipes
de sangue e duques.
Quando a mesa estava posta, o porteiro batia à porta da sala dos guardas
mais uma vez e gritava: “Messieurs, à la viande du roi!”. Então o rei
descia, acompanhado de três guardas, ao office-bouche, onde encontrava o
maître d’hôtel do dia e o controlador à sua espera, com o primeiro serviço
já testado. Formava-se outra procissão (eram mais de 500 metros da
cozinha até a mesa real) encabeçada por um porteiro carregando uma tocha,
o maître d’hôtel levando o bastão de ofício, dois gardes du corps com rifles
ao ombro, dois outros levando a comida e finalmente mais dois guardas. Ao
chegar à sala da guarda a comida era posta na table du prêt e provada uma
segunda vez, levada para a antecâmara e colocada à mesa real. O ritual era
repetido a cada serviço.
Logo que o primeiro serviço era posto, o maître d’hotel avisava ao rei,
enquanto um escudeiro prevenia príncipes e princesas. Dependendo de onde
o rei estivesse, podia levar até 15 minutos para chegar à mesa. Um bom
tempo antes, às nove horas, os que já haviam sido formalmente
reconhecidos ou tinham a forma correta de recomendação já começavam a
se reunir, na esperança de serem admitidos à câmara. Na verdade não era
difícil entrar; existem relatos que expressam um certo espanto com a
composição da assembléia. As princesas, duquesas e outras damas com
direito ao tabouret sentavam-se em semicírculo, tendo atrás outras damas e
os cavalheiros. As mulheres deviam usar vestidos de corte com cauda. A
precedência era estritamente observada até mesmo na mesa real; o rei usava
uma cadeira de braços, e os príncipes e princesas sentavam-se em tabourets.
Atrás do rei, à direita, ficava o primeiro cavalheiro da Câmara, e à
esquerda o capitão da guarda ou seu substituto, o premier maître d’hôtel.
Um padre, um médico e um cirurgião também mantinham-se a postos. O
serviço se fazia sob a direção de um dos maîtres d’hôtel da quinzena. A
refeição começava com o padre dando graças, e depois vinha a ablução das
mãos. Então o chef de la paneterie entrava levando o guardanapo real num
prato de ouro, que era entregue ao rei pelo maître d’hôtel; mas se estivesse
presente um príncipe de sangue ou algum outro grande personagem, a tarefa
lhe era atribuída. Sob Luís XV, passou a ser costume o delfim e a filha mais
velha apresentarem o guardanapo ao rei e à rainha, respectivamente.
Havia três serviços além da sobremesa. Cada qual era apresentado por
cinco ou seis cavalheiros, que colocavam os pratos à mesa, descobriam-nos
e retiravam-nos. Quando o rei pedia uma bebida, o cavalheiro designado
para o papel de mordomo gritava “Àboire pour le roi!”, e encenava-se o
procedimento já descrito para o petit couvert, desta vez envolvendo o
cavalheiro mordomo, o chef d’echansonnerie e o aide du gobelet.
Durante a refeição os príncipes e princesas falavam dois a dois; o rei e a
rainha conversavam com alguma das pessoas que os serviam. É
extraordinário que essa encenação tenha prosseguido virtualmente sem
mudanças até 1789. Um toque de leveza era dado pela música, porque Luís
XIV ordenava que os petits violons de son cabinet tocassem peças de Lully
e de Lalande.57 A música desapareceu com Luís XV e voltou com Maria
Antonieta. Este rei passou o teste da bebida para o aparador, e a volta da
música com Maria Antonieta pôs fim ao grito de “Àboire”. Mas estas eram
mudanças pequenas. O ritual durava no total cerca de uma hora, terminando
— imagina-se que com alívio de todos — lá pelas 11 horas.
Saint-Simon, em 1710, dá uma descrição exata do que acontecia depois:
Quando se levantava da mesa, o rei costumava ficar por menos um quarto de hora com as
costas na balaustrada do quarto de dormir, onde todas as damas que haviam estado presentes à
ceia esperavam de pé, em semicírculo; todas exceto as que tinham tamboretes. As damas de
tamborete saíam da sala da ceia atrás dos príncipes e princesas de sangue [que haviam estado
na mesa com o rei], avançavam uma a uma para fazer um profundo cumprimento e então
completavam o semicírculo de damas de pé com os homens atrás delas. O rei se divertia por
algum tempo admirando vestidos, rostos e as cortesias mais graciosas; dizia uma ou duas
palavras aos príncipes e princesas e então, curvando-se à direita e à esquerda para as outras
damas e repetindo o gesto uma ou duas vezes com uma majestade inigualável, dirigia-se para
o gabinete de fora. Ficava ali durante um tempo para dar suas ordens e então seguia para o
gabinete de dentro. Ali, com todas as portas escancaradas, sentava-se numa cadeira de
braços…58

Ao seu lado e um pouco atrás ficavam as mulheres da família sentadas em


tabourets; os membros masculinos, inclusive os bastardos, mantinham-se de
pé. As portas permaneciam escancaradas para que todos pudessem ouvir o
que se dizia. Após essa reunião familiar o rei se dirigia para seu coucher
público.
Nenhum outro soberano estava sujeito a tal exposição. Em outras áreas
da Europa continental, o sistema borgonhês-espanhol preservava a
privacidade do monarca, traçando uma distinção clara entre vida privada e
pública. A refeição em público era restrita a certos dias no ano. Em geral os
governantes comiam nos aposentos de dormir ou na sala particular,
privadamente. Nas cortes austríaca e bávara comia-se em público no
Ritterstube (ou sala de cerimônia do palácio) quatro vezes ao ano, quando o
imperador jantava com os cavaleiros do Velocino de Ouro, no Natal, na
Páscoa, no Pentecostes e na festa de santo André.59 Além disso, aos
domingos, dias de gala e certos dias de festa ele jantava sozinho com a
imperatriz no Ratstube, na presença dos cortesãos. Na Espanha o rei comia
uma vez por semana na presença de seus cortesãos.60 Mas apenas em certos
grandes festivais religiosos ele e a rainha jantavam em público, sentados a
uma mesa elevada num estrado sob um pálio, enquanto os arautos, vestidos
com mantos, ficavam no canto. Em Munique o eleitor da Baviera
normalmente comia privadamente, mas em certos feriados e dias de gala a
família ducal comia em público, sentada a uma mesa, com os cortesãos em
outra. A regra era observar em silêncio.61

À medida que o século XVIII avançava, esse tipo de ritual tornou-se cada
vez mais anacrônico e desconfortável para seus participantes. Em alguns
países caiu em desuso. A Inglaterra é um exemplo disso.62 Carlos II, após a
restauração em 1660, reviveu a prática. John Evelyn anotou em seu diário a
17 de agosto de 1667: “Agora sua majestade janta na Câmara de Presença,
segundo os ritos antigos, com música e todas as cerimônias da corte que
haviam sido interrompidas desde a última guerra.” Mas o renascimento teve
curta duração, sendo logo suspenso durante o reinado da sobrinha de Carlos
II, a rainha Ana, que, após a morte do marido, o príncipe Jorge da
Dinamarca, retirou-se do olhar público. Seu sucessor, o hanoveriano Jorge
I, opôs-se frontalmente a isso, mas o filho, o futuro Jorge II, tentou
restabelecer o jantar em público, numa busca deliberada de popularidade.
Jorge I, como sempre às turras com o príncipe, por algum tempo foi forçado
a reviver a prática. Mas isto também não durou, pois não foi visto com boa
vontade pela monarquia constitucional. Jorge III e a rainha Carlota, famosos
pela frugalidade, jantavam a sós.
Mais ou menos o mesmo aconteceu na Dinamarca, onde por um breve
período houve uma tentativa de instituir o jantar real após uma visita de
Cristiano VII a Versalhes.63 Quando ele voltou, em 1769, o formato da mesa
real mudou para retangular, no centro foi instalado um aparato de
confeitaria à maneira de Gilliers e os pratos passaram a ser levados em
procissão. Mas isso acabou em 1771, e o jantar real tornou-se puramente
pessoal.
Um quadro, mais que qualquer outro, evoca como devia ser o jantar real
em alto estilo público, embora numa corte menor, a de Gustavo III da
Suécia.64 A ocasião registrada é uma ceia au grand couvert no dia de Ano-
Novo de 1779. Embora muito distante da grandeza de Versalhes, capta a
qualidade misteriosa e um pouco alucinatória de tais eventos na era das
cortes. Atrás de uma longa mesa retangular o rei está sentado com os dois
irmãos à direita e a rainha-mãe, a rainha e a irmã à esquerda. Na mesa,
pratarias na última moda neoclássica (alguns objetos ainda existem) estão
arrumadas junto a figuras de porcelana sobre uma placa de espelho
conhecida como chemin de table. Os candelabros e castiçais, além dos
cinco lustres em estilo rococó, conferem uma bruxuleante beleza à cena.
Diante de cada personagem real há um couvert consistindo de um prato de
ouro, faca, garfo, colher e pão. O quadro registra o primeiro serviço, pois as
peças mais importantes da mesa são duas magníficas terrinas
simetricamente localizadas, uma das quais sem a tampa e com o cabo da
concha de servir projetando-se para fora. No centro está o mestre-de-
cerimônias encarregado do serviço, e à direita uma figura que deve ser o
senescal, acompanhado por três escudeiros da bouche. À esquerda, um
escudeiro da bouche avança carregando uma travessa. Deve-se concluir que
os cortesãos espectadores tenham sido realocados, pois normalmente
estariam de pé, onde está o pintor. Todos vestem-se com a libré da corte, e
algumas damas que têm o privilégio do tabouret, esposas de conselheiros e
embaixadores, encontram-se sentadas. É difícil acreditar que faltava apenas
uma década para a Revolução Francesa.
Família real dinamarquesa ceando em público no dia de Ano-Novo, em 1779. Pintura de Pehr
Hilleström, 1779.

COMIDA E FESTIVAL EM VERSALHES


Na primeira metade do reinado de Luís XIV, o palácio de Versalhes era
freqüentemente agitado por festivais. Com tais exibições o rei revivia as
tradições da corte dos Valois, na qual os festivais realizavam-se em cenários
denominados magnificences. O banquete alegórico promovido por Catarina
de Médici em Bayonne, em 1565, foi um desses eventos. O objetivo era
impressionar não apenas a corte e a nação, mas o resto da Europa, com a
riqueza e a sofisticação cultural da coroa francesa. Assim, durante a década
de 1664-1774, Luís XIV encenou três fêtes cujo esplendor tratou de garantir
que fosse conhecido, pois cada uma foi tema de um belo volume ilustrado
com gravuras registrando-a nos menores detalhes. E em cada ocasião a
comida desempenhou uma parte importante nas celebrações.
Em maio de 1664 os espetaculares jardins de Le Nôtre, em Versalhes,
implantados havia pouco e ainda em processo de formação, foram
inaugurados com o festival chamado de Les Plaisirs de l’Île Enchantée.65 O
evento celebrava o tratado de Aix-la-Chapelle e era ostensivamente
dedicado à rainha-mãe e à rainha, embora a verdadeira heroína de Les
Plaisirs fosse a nova amante do rei, Louise de la Vallière. Os festejos
estenderam-se por duas semanas e incluíram carroussels (torneios), balés,
espetáculos pirotécnicos e peças de Molière. Houve também um banquete
alegórico logo após o torneio de abertura, ao qual o rei compareceu
fantasiado de Roger, personagem de Orlando furioso, de Ariosto (fonte de
muitos cenários das fêtes). A festa, encenada na mesma edificação que o
torneio, foi aberta com uma grande procissão de carros alegóricos
encabeçados por Apolo, com um séqüito composto de figuras representando
as estações do ano e os signos zodiacais. Seguiu-se a festa em si, com a
participação de quatro grupos de 12 pessoas fantasiadas representando as
estações: jardineiros com cestas verdes e prateadas, cestas vermelhas para
os ceifeiros, rústicas para os colhedores de uvas, e finalmente velhos com
peles nos ombros e carregando cestas que pareciam de gelo. Uma das
gravuras mostra alguns desses serviçais no primeiro plano, com imensos
pratos na cabeça empilhados en pyramide. Uma enorme mesa semicircular
estende-se pela metade da arena, e os cavaleiros que haviam lutado poucos
minutos antes continuam por ali com suas armaduras e elmos emplumados,
acrescentando maior esplendor à cena.
Quando o jantar aconteceu já era noite, mas uma pequena floresta de
candelabros pintados de prateado e verde e 200 homens mascarados
carregando tochas produziram uma “claridade quase tão brilhante quanto o
dia”. A festa em si foi de “uma suntuosidade que ultrapassou qualquer coisa
que se possa descrever, tanto por sua abundância como pela delicadeza das
coisas servidas”. O jornal Mercure de France relatou que “parecia tratar-se
de um banquete dos deuses, com o parque de Versalhes transformado em
seu Olimpo”.
O comentário do Mercure era arguto; resumia com clareza o objetivo
artístico de tais fêtes, que era transformar o cenário de tal maneira que
ninguém soubesse onde terminava a realidade e começava a fantasia.
Quatro anos depois, outra série de festivais foi realizada para celebrar a
conquista de Flandres, mas dessa vez em apenas uma noite, 18 de julho,
começando às seis da tarde e continuando até de manhã.66 Novamente uma
equipe de artistas e artesãos transformou os jardins numa série de cenários
dedicados aos vários espetáculos. A noite se abriu com o rei e seu séqüito
examinando as fontes e o terraço de água recentemente construídos, após o
que foram servidos refrescos numa estufa pentagonal no vértice de cinco
allées. A gravura mostra a sebe com um jet d’eau de dez metros de altura
no centro. Em volta dele são visíveis duas das cinco mesas, “carregadas
com todos os tipos de coisas que compõem uma magnífica refeição”.
Tratava-se de comida figurativa na variedade italiana mais extremada: um
aparador sustentava uma montanha com grutas cheias de carnes frias, e
outro mostrava a fachada de um palácio de marzipã e glacê. Havia imensas
pirâmides de frutas em conserva e todos os tipos de licor. Depois que o rei,
a rainha e as damas comeram o que quiseram, “o rei abandonou as mesas à
pilhagem das pessoas que o seguiam”.
Depois disso o grupo real dirigiu-se ao eixo central dos jardins. Ali havia
sido erigido um teatro temporário, onde se realizou o balé Les fêtes de
l’amour et Bacchus, com música de Lully, seguido por uma peça de
Molière. Veio então a ceia, servida num pavilhão octogonal desenhado por
Henri Gissey. Ainda existem vários desenhos do pavilhão, com 16 metros
de altura e um telhado de treliça de onde caíam guirlandas de gaze prateada
e flores. Os oito lados eram em arco, e dois deles, um diante do outro,
foram transformados em aparadores para uma maciça exibição de baixelas
de prata. Entre os arcos havia fontes e tocheiros; os frisos, iluminados por
mangas de cristal, tinham pinturas descrevendo as estações e as horas do
dia, numa referência ao deus do Sol Apolo, contrapartida mitológica de
Luís XIV. O Rei Sol era apresentado em outra apoteose na decoração do
centro do pavilhão, que mostrava Apolo assistido pelas nove musas no
monte Helicon, com o cavalo Pégaso no alto e correntes de água
serpenteando. A mesa da ceia foi posta em torno disso, com uma coleção de
travessas que incluía a naveta do rei, vasos de flores e outras decorações. A
ceia consistia em cinco serviços, cada um com 56 pratos carregados por
membros da guarda suíça. A sobremesa incluía 16 grandes pirâmides de
frutas em conserva. O que a gravura não mostra são as outras mesas no
interior e fora do octógono que acomodaram o resto dos comensais. A noite
terminou com um baile e com a iluminação do palácio, quando o rei e seu
séquito tomaram o caminho de volta.

Pavilhão da ceia para as fêtes em Versalhes, 1668. Gravura, 1678.

O último grande conjunto de fêtes celebrou a conquista do Franco-


Condado.67 Nessa ocasião, os vários eventos espalharam-se pelos meses de
julho e agosto de 1674 e incluíram a costumeira mistura de ópera, peças
teatrais, fogos de artifício, passeios de gôndola no canal e várias refeições.
Destas, a mais extraordinária sem dúvida foi a ceia chamada media-noche,
realizada em 28 de julho na alameda de Mármore, o pequeno pátio do
castelo original construído por Luís XIII, após uma reencenação da Les
fêtes de l’amour et Bacchus, de Lully. Os convidados dirigiram-se ao pátio
e lá viram a fonte central, embora em funcionamento, encapsulada numa
vasta estrutura que subia de um aparador octogonal para consoles em
imitação de lápis-lazúli. Estes sustentavam figuras tocando instrumentos
musicais e, por sua vez, ficavam sobre uma coluna toscana de seis metros
coroada por um vaso. Tudo isso era pontilhado por centenas de velas
acesas. A gravura de Le Pautre mostra as janelas escancaradas com
espectadores e uma multidão sendo mantida à distância pela guarda. Na
mesa-aparador havia uma refeição de açúcar, imensas pirâmides de frutas
em conserva misturadas com flores, vasos de gelo e pirâmides de doces
gelados.
A mais deliciosa dessas refeições no jardim talvez tenha sido a que
aconteceu em Chantilly, em agosto de 1688, quando o príncipe de Condé
recebeu o delfim, conhecido como Monseigneur.68 O desenhista Jean Bérain
criou um terraço de frutas no meio de um labirinto. Paredes arquitetônicas
de folhagem formavam o segundo plano dos costumeiros pares de
aparadores, um diante do outro, desta vez carregados de melões e pratos de
porcelana, e outros aparadores menores nos cantos, com baixelas e vasos de
porcelana cheios de flores. No centro havia uma mesa com um parterre
simétrico, formado de cestas de prata cheias de frutos, uma laranjeira
coberta de flores, frutos e pequenos vasos de flores. A ausência de qualquer
forma de luz indica que esses deliciosos refrescos foram consumidos à luz
do dia.
Por volta de 1688 a opressiva rotina de Versalhes começava a cobrar seu
preço até mesmo de Luís XIV, que primeiro tentou escapar dela no Trianon
de Porcelana. Mais significativo ainda para a história da mesa seria o
castelo de Marly.

A BUSCA DE INFORMALIDADE
Em 1678 o rei, então no auge do poder e da popularidade, virou-se
subitamente contra o próprio mundo que havia criado e procurou um lugar
pequeno e isolado para onde pudesse escapar da cerimônia e grandeza de
Versalhes. O lugar que escolheu foi Marly, um pequeno castelo com dez
pequenos pavilhões de cada lado para seus convidados, dando para terraços
que desciam a uma pièce d’eau com fontes. Marly desde o início foi
privativo e reservado. Ser convidado para lá era sinal máximo de favor,
buscado com sofreguidão. Ali a formalidade se dissolvia em meio a uma
sucessão constante de caçadas, concertos, piqueniques e outras diversões.
Desde 1685 até sua morte, em 1715, Marly tornou-se a obsessão de Luís
XIV.
No castelo as refeições reais eram tão diferentes dos padrões seguidos
em Versalhes que o ritual barroco tendia a ser solapado e destruído.69 A ceia
era servida em duas mesas ovais, cada uma com dois serviços de cada vez.
Numa delas sentava-se o rei, na outra Monseigneur. O restante dos
comensais eram mulheres, preservando-se assim um antigo princípio
hierárquico — de que o rei não se sentava na mesma mesa com homens,
exceto se fossem membros de sua própria família. O rei e Monseigneur
escolhiam as princesas e outras damas nobres que desejavam ter a seu lado,
e os demais convidados ocupavam os lugares disponíveis da melhor
maneira possível. Todos sentavam-se em tabourets, e o código de
vestimentas era menos formal que em Versalhes. Havia alguma gradação na
qualidade da baixela: o rei era servido em prata dourada, as princesas em
prata e o resto em travessas antigas do palácio. Mas não se viam a naveta
nem as cadenas. Foram abandonados todos os rituais observados no petit
couvert e no grand couvert. O premier maître d’hôtel servia o rei, os outros
eram servidos pelo controlador geral e pelo controlador ordinário,
auxiliados por funcionários do gobelet. Essas ceias eram ocasiões de
pândega. O rei jogava pão nas damas, que também retribuíam o gesto.
Maçãs e laranjas voavam sobre a mesa, e em certa ocasião uma convidada
atirou um prato de salada na direção do rei. Por sugestão da duquesa de
Borgonha, esposa do neto do rei, que estava bem a par das novidades nos
salões da moda de Paris no começo do século XVIII, foi introduzida uma
mesa carregada de pratos, taças, vinho e água, tornando possível dispensar
os criados durante quase toda a refeição.
Vemos a corte não mais criando, mas seguindo um estilo. Nas primeiras
décadas do século XVIII havia um desejo geral de informalidade. Nos
hôtels de Paris, um novo requinte e uma facilidade maior nos contatos
acompanhavam a pretensão de simplicidade. As convenções eram
deliberadamente desprezadas, ignorando-se as regras da hierarquia na
designação dos lugares à mesa, embora tais distanciamentos jamais fossem
além do superficial. As refeições eram vistas cada vez mais como ocasiões
para namoros. A linha de descida que começa com a cena de abertura deste
capítulo — Luís XV e sua amante, a marquesa de Pompadour, presidindo
um souper intime nos apartamentos particulares do rei — se completa; basta
olhar a gravura de Jean-Michel Moreau, o Jovem, A ceia elegante,
publicada em Paris em 1781, para ver como foi grande a mudança no
período de um século. A ceia chegou ao fim e não é difícil imaginar como a
noite vai terminar. Não há criados presentes e duas pequenas mesas
auxiliares têm garrafas de vinho, um balde de gelo, um rafraîchissoir, taças
e travessas ao alcance da mão. No centro da mesa um grupo de Graças em
biscuit carrega um abacaxi. Em volta, vasos floridos. Um ramo de flores e
uma carta estão no chão ao lado de um laço que só pode ter sido tirado de
um corpete de mulher. A atmosfera é de franca sensualidade, lembrando a
aliança entre comida e sexo que encontramos registrada nas memórias de
Casanova.70
Para onde quer que olhemos quando avançamos século adentro, a
refeição cerimonial da era barroca transforma-se cada vez mais num
anacronismo, encenado apenas em certas ocasiões de gala. Na década de
1720, na corte bávara, o eleitor e as damas ocupavam os lugares que lhes
eram reservados, mas os outros comensais sentavam-se onde quisessem ou
tiravam os lugares à sorte. Muitas vezes, quando o eleitor jantava
privadamente, sentava-se à mesma mesa que seu séqüito. Em 1774 o eleitor
Maximiliano III José estendeu o princípio da livre escolha aos membros de
sua família.71 Mesmo em Versalhes, Maria Antonieta tentou mudar as
coisas; seus soupers de société permitiram que pela primeira vez ela e as
princesas se sentassem ao lado de homens que não eram da família.72
O antigo ritual do grand couvert em Versalhes já havia sido
substancialmente destruído.73 Enquanto o Rei Sol viveu, foi mantido. Seu
neto, o duque de Borgonha, jantava em público com a mãe desde os quatro
anos de idade. Mas as coisas mudaram com Luís XV. Durante a Regência
ele morou em Paris. Embora restabelecesse o antigo cerimonial quando
retornou a Versalhes, em 1722, aos 12 anos, e até mesmo o ampliasse
quando se casou em 1725, com a chegada das amantes e especialmente de
madame de Pompadour, o movimento se inverteu. O grand couvert passou
a ser encenado apenas duas vezes por semana, às terças-feiras e domingos.
Cabia à rainha e ao delfim manter vivo o ritual. Com Luís XVI e Maria
Antonieta o espetáculo era feito apenas uma vez por semana; o costume de
comer em público aos domingos e dias de festa reduziu-se ao casal real,
com uma cerimônica bastante simplificada.

A ceia elegante. Gravura de Jean-Michel Moreau, o Jovem, 1781

Informalidade à la chasse. Detalhe de uma pintura de Carel van Loo, 1737.


A busca de um novo estilo de comer mais informal é visto claramente
nas inúmeras telas do século XVIII mostrando piqueniques realizados em
geral durante as caçadas, da autoria de artistas como Nicolas Lancret, Carel
van Loo e Jean-François de Troy. O desjejum de caça, de De Troy, por
exemplo, faz parte de uma série encomendada para decorar a sala de jantar
de Luís XV nos petits appartements. Homens e mulheres misturam-se em
volta de uma mesa comendo e bebendo em alegre informalidade. Na tela de
Van Loo retratando um piquenique de caça, os cavalheiros servem as damas
e os casais sentam-se ao chão em volta de uma toalha coberta de travessas
cheias de presunto, caça e garrafas de vinho. Um homem e uma mulher
olham-se nos olhos. O espírito é nitidamente amoroso, sensual, um mundo
distante da época em que a refeição era uma expressão de poder.

Jantar de gala vitoriano. Uma convidada míope procura seu lugar. Gravura, c.1870.
aO service à la française não significa o nosso “servir à francesa”, mas, como se verá adiante, um
modo de se dispor a comida à mesa, bem como sua apresentação. (N.T.)
6
O Jantar Está Servido

O akly Park é uma bela casa neoclássica bem ao norte de Ludlow,


Shropshire, na fronteira entre Inglaterra e País de Gales.1 Em 1852
nela moravam Robert Henry Clive, descendente direto do famoso Clive da
Índia, e a esposa, lady Harriet Windsor, filha mais nova do conde de
Plymouth. No dia de Ano-Novo de 1852 eles deram um jantar para uma
família norte-americana que havia alugado a mansão de Moor Park, perto
de lá. Um dos membros dessa família era Anna Maria Fay, jovem muito
observadora de 23 anos que, nas cartas que escrevia, tinha o hábito de fazer
relatos muito vívidos de suas experiências na sociedade rural vitoriana. Sua
descrição do jantar talvez seja única, pois enumera os costumes de um país
para seus correspondentes do outro lado do oceano.
Anna Maria esperara o acontecimento com alguma ansiedade. Tinha
ouvido dizer que lady Harriet era uma “grande personagem, muito alta,
digna, e fria como o oceano Ártico”. Mas vamos deixar que a jovem fale
por si mesma:
… Portanto, foi com o coração disparado que me encontrei na porta do salão. Dois lacaios de
libré — calças vermelhas, casaco azul e botões de prata — e o mordomo de preto receberam-
nos no vestíbulo, onde tiramos as capas. O dignitário de preto precedeu-nos pelo salão e,
abrindo a porta, anunciou o sr. e sra. Fay, as srtas. Fay e o sr. Fay. Entramos numa grande e
bela biblioteca, e um elegante círculo de damas e cavalheiros levantou-se para nos receber.
Lady Harriet recebeu-nos com grande dignidade, e embora ninguém fosse apresentado todos
falaram conosco. Só no final da noite soubemos quem compunha o grupo, e vocês não
imaginam em que companhia distinta jantamos. Quando a refeição foi anunciada, o sr. Clive
levantou-se e ofereceu o braço à viúva, condessa de Powis, uma mulher muito bonita.…
Claro que sua posição lhe dava precedência sobre tia Catherine, e lady Harriet solicitou ao sr.
Robert Clive, herdeiro da casa, que a conduzisse à mesa.… Então tio Richard seguiu-os, com
lady Lucy Herbert.… Ela precedeu lady Harriet Herbert e um certo sr. Clive. … Elas são
filhas da condessa de Powis e irmãs do marquês de Powis. Depois deles seguiu Maria com o
honorável sr. Herbert. … Lady Harriet solicitou que o honorável William Herbert me levasse;
veio então a srta. Clive e o sr. Longworth, vigário de Bromfield [a aldeia local]; depois
Richard e a srta. Mary Clive; e finalmente lady Harriet e o marquês de Powis…
Passamos agora para uma grande sala de jantar coberta de quadros.… Sentamos a uma
bela mesa num círculo familiar, o que torna a cortesia ainda maior. À cabeceira da mesa,
comprida e larga, sentaram-se o sr. Clive e lady Powis. À direita tia Catherine e ao lado dela o
sr. Robert Clive; depois Maria e o sr. Herbert; depois o sr. Clive e lady Harriet Herbert; então
Richard e a srta. Mary Clive. Do outro lado da mesa estavam o conde de Powis e lady Harriet.
Tio Richard ficou à esquerda de lady Harriet e ao lado dele lady Lucy Herbert; depois uma
moça tímida cujo nome não sei; depois o jovem filho dos Clives, o honorável sr. William e
eu. A srta. Clive sentou-se perto de mim e o sr. Longworth à esquerda da condessa. Foi assim
que nos distribuímos na mesa depois da ação de graças proferida pelo sr. Longworth.
Agora vou descrever a arrumação da hospitaleira mesa. No centro havia um prato dourado
e em cima dele dois imensos candelabros ornamentados de figuras de porcelana. Nas duas
extremidades estavam dois candelabros de formato semelhante, porém menores que os do
prato. O efeito produzido pelos quatro candelabros cheios de velas de cera e a luz que eles
lançavam sobre todos eram muito agradáveis. O imponente mordomo de calças brancas e
casaco e gravata pretos, o porteiro e mais meia dúzia de criados de libré, calças vermelhas e
casacos azuis davam grande elegância a todo o conjunto. Não lembro quantos tipos de sopa
havia, só sei que a minha era deliciosa. Seguiram-se então diversas variedades de peixe. O
linguado foi colocado diante do sr. Clive. Depois vieram pequenas entrées, patês deliciosos e
costeletas de cordeiro, bem servidos. Na mesa auxiliar havia todas as espécies de carnes —
peru, galinha, qualquer coisa que se imaginasse. Passados esses pratos vieram as caças. Devo
dizer que os vegetais eram pepinos e aspargos. O serviço era inteiramente de prata. O
aparelho de sobremesa, de porcelana, bonita, mas nada excepcional. Gelados, geléias e outros
pratos, muito bem arranjados e deliciosos, foram colocados na mesa. A sobremesa era
composta de frutas, laranjas, pêras, uvas etc.…
Ficamos sentadas algum tempo depois da sobremesa, até que lady Harriet deu o sinal para
nos levantarmos e deixarmos a sala, com lady Powis à frente do seu lado da mesa e tia
Catherine do outro. Passando pelo salão entramos na grande e elegante sala de visitas. Veio o
café, e as senhoras distribuíram-se em volta da sala.… Eu disse à srta. Clive que havia ouvido
falar muito bem de seus desenhos e que estava ansiosa para vê-los, e ela, de maneira muito
gentil, trouxe sua pasta.
Quando os cavalheiros entraram, lady Harriet Herbert tocou uma bela peça de Blumenthal.
… Maria e Richard cantaram umas canções alemãs. Depois disso, o que vocês acham que
pediram nesse círculo aristocrático? Músicas de Negro!!!! …
Esqueci de mencionar a cerimônia de passar uma grande taça pelos cavalheiros no final do
jantar. Foi trazida uma caneca grande com duas asas, cheia de cerveja preta, e o cavalheiro a
quem foi passada tomou um longo gole, depois o lacaio passou-a para o cavalheiro seguinte, e
assim por diante.2

Mais de um século havia decorrido desde a souper intime de Luís XV


com a amante e os camaradas, seu descaso pela hierarquia e tal
informalidade que o rei até fez café. O que mais chama a atenção é que as
coisas parecem ter andado para trás. Embora esse jantar numa casa de
campo sem muita importância tenha acontecido em plena idade burguesa,
na verdade é quase contemporâneo da apoteose da vida vitoriana, tem uma
formalidade e pompa que nos levam de volta à idade barroca. A hierarquia
determina tudo. o jantar está servido

Mesa de jantar posta em Attingham Park, Shropshire. Aquarela de lady Hester Leeke, entre 1848 e
1861.

Os comensais, controlados pelo anfitrião e pela anfitriã, eram


conduzidos em estrita ordem hierárquica à sala de jantar, onde os lugares se
distribuíam segundo a hierarquia. Tudo era preparado para impor aos
convidados o esplendor, a magnificência e o status dos anfitriões — os
lacaios de libré na chegada, a mesa de jantar carregada de prata, os imensos
e flamejantes candelabros, a elegância da comida (que inclui aspargos,
pepinos e uvas, muito fora de estação em janeiro), o desfile da criadagem.
O relato de Anna Maria é pontilhado de detalhes raramente registrados:
ninguém foi apresentado na chegada, as mulheres saíram da sala, ainda
sobrevivia o velho costume de uma rodada de cerveja na mesma caneca —
o loving cup —, ainda se dizia a ação de graças (se bem que talvez em razão
da presença de um clérigo) e o jantar foi servido àla française, no estilo de
moda introduzido na década de 1820 entre as classes altas. Mas, em
essência — e isso impressionou Anna Maria —, foi um jantar familiar, a
despeito de toda a pompa e circunstância. Naquela época, a casa
representava o relicário das virtudes domésticas. Embora os anfitriões e o
cenário fossem aristocráticos, a ética mostrava-se burguesa e tratava-se de
um período em que o maior cumprimento que se podia fazer a qualquer
estranho era admiti-lo à mesa familiar. Na década de 1850 o jantar havia se
tornado uma expressão de solidariedade de classe, uma demonstração de
que o convidado tinha o mesmo status social que o anfitrião e a anfitriã.
Levando isso em consideração, não é de surpreender que os Fays tivessem
ficado desconcertados vendo-se recebidos tão amigavelmente por um grupo
fechado que constituía a então chamada sociedade.
Mas não vamos nos precipitar. Há perguntas que devem ser respondidas
primeiro. Por que o jantar de gala, uma instituição culinária ainda viva e
vigorosa no século XXI, chegou a assumir esse lugar central? O que
governou sua forma e etiqueta? A Inglaterra, até então à margem das
inovações nos festejos, iria desempenhar um papel importante, mesmo que
o principal foco da inovação culinária permanecesse do outro lado do Canal
da Mancha, na França. Mas por que a Inglaterra?
Um fato fundamental é o seguinte: foi a Inglaterra que primeiro sofreu o
impacto da industrialização e da urbanização, as marcas da Europa no
século XIX. Em nenhum outro lugar o êxodo maciço do campo para a
cidade ocorreu em escala tão extraordinária, nem tão cedo. Quando cidades
como Londres, Birmingham, Manchester e Liverpool explodiram em
tamanho, surgiu pela primeira vez uma economia de mercado que substituiu
totalmente o velho sistema produtivo de subsistência. As famílias deixaram
de ser auto-suficientes e passaram a depender do mercado de alimentos. O
mesmo aconteceu em Paris. Novos esquemas de transporte significavam
que as dietas haviam deixado de se basear na produção regional, e por volta
de 1900, graças ao aparecimento da indústria alimentícia, das técnicas de
conservação e refrigeração, os alimentos passaram a circular
internacionalmente. Essas mudanças radicais afetaram a todos e alteraram
radicalmente a natureza da culinária. Mas o que levou o jantar de gala aos
píncaros da escala social de onde ele jamais sairia foi algo muito mais
profundo — a enorme e crescente expansão das classes médias, fenômeno
peculiarmente britânico.
Por toda a Europa no século XIX novas fortunas foram se criando. Após
a Revolução Francesa e as Guerras Napoleônicas a velha aristocracia
passou a viver sob um perpétuo ataque vindo de baixo. Seu mecanismo de
sobrevivência representou a criação de um novo conjunto de critérios para
admissão em suas fileiras. Depois da limpeza e da modéstia, as maneiras à
mesa tornaram-se um teste fundamental. Os aspirantes a um lugar mais alto
aprenderam a distanciar-se da cozinha e de tudo que tivesse a ver com o
processo de cozinhar (exceto decidir o cardápio). Impunha-se uma sala de
jantar separada para as refeições. Acima de tudo, era preciso saber oferecer
jantares de gala em que a escolha dos convidados — bem como a
parafernália e a comida — reforçasse sua própria reivindicação a membro
da sociedade.
Tudo isso já estava estabelecido na década de 1850, mas ninguém que
tivesse sido atropelado pelos cataclísmicos acontecimentos de 1789 e pelo
que veio depois poderia prever o que iria ocorrer. O efeito a longo prazo da
Revolução Francesa sobre os costumes à mesa poderia ter tido um resultado
muito diferente. Nenhum outro acontecimento na história moderna, nem
mesmo a Revolução Russa de 1917, teve repercussões tão grandes quanto a
Revolução Francesa. Ela redefiniu todas as aspirações e atos humanos,
inclusive aqueles ligados à comida. Na verdade, durante os vertiginosos
dias em que o fervor revolucionário alcançou seu apogeu, qualquer coisa
que remotamente se parecesse com um jantar de gala do tipo descrito por
Anna Maria teria sido vista como inaceitável e contra-revolucionária. No
alvorecer da era da liberdade, igualdade e fraternidade, a refeição deveria
ser algo completamente diferente da anterior presunção cerimonial.

DA REVOLUÇÃO AO RETORNO DO RITUAL


Em julho de 1789, poucos dias depois da tempestade sobre a Bastilha, o
marquês Charles de Villette propôs que o novo ideal de fraternidade talvez
pudesse ser alcançado com um jantar comunitário nas ruas. “Os ricos e os
pobres se uniriam, e todas as ordens se misturariam.… a capital, de uma
ponta a outra, seria uma imensa família, e um milhão de pessoas se
sentariam à mesma mesa.” Então, colocando de cabeça para baixo a
tradição do Ancien Régime da família real jantando au grand couvert,
Villette continuava: “Nesse dia, a Nação terá o seu grand couvert.”
Ironicamente, é claro, a proposta teria representado uma manipulação maior
da refeição a serviço do Estado que qualquer coisa já realizada em
Versalhes.3
Esse flerte com a refeição comunitária é emblemático de uma nova era
de igualdade e fraternidade, e iria continuar num fluxo e refluxo pelos
primeiros e mais extremados anos da Revolução. A 14 de julho de 1790,
primeiro aniversário da queda da Bastilha, foi encenado um Festival da
Federação, precedido no dia anterior por uma “refeição patriótica” ao ar
livre no Palais Royal, quando dois mil espectadores assistiram a uma
refeição dos membros da Assembléia Nacional. No próprio dia o general
Lafayette convidou participantes do festival vindos das províncias a
festejarem numa das “mesas sem fim”, distribuídas sob as árvores do
parque de la Muette. As sobras desse fraternal repasto foram depois dadas
aos pobres.
Três anos se passariam antes que um festejo comunitário como este
viesse à tona outra vez.4 A 10 de agosto de 1793, o pintor David promoveu
uma das mais espetaculares fêtes da França revolucionária, no aniversário
da queda da monarquia. Uma imensa procissão dirigiu-se à Place de la
Révolution, na qual havia sido erigida uma imensa estátua da Liberdade.
Parte do cerimonial era uma refeição ritual, durante a qual se fez “um
brinde de renovação”. Seguiu-se um “repasto frugal” no solo do Champ de
Mars.
A idéia de Villette de um banquete fraternal ganhou tom oficial.
Nenhuma expressão de solidariedade cívica era considerada mais aceitável
que os grandes e pequenos comendo e bebendo juntos na mesma gamelle
politique, a mesma refeição ao ar livre. Todos os passantes eram convidados
a entrar. Em julho de 1794 refeições comunitárias em mesas postas nas ruas
de Paris haviam se tornado obrigatórias. Até que Bertrand Barère de
Vieuzac, um radical famoso, denunciou-as como farsas, exibições
superficiais que davam aos aristocratas não-convertidos a possibilidade de
reivindicar “fraternidade” simplesmente gritando “Vive la République”.
Barère achava melhor que algumas famílias fossem convidadas a partilhar
uma refeição frugal, e não aquela verdadeira saturnália nas ruas, com os
dois sexos misturando-se licenciosamente. Os textos clássicos apoiavam
esse apelo à modéstia e à frugalidade, que por sua própria natureza
representava a antítese da prodigalidade da culinária aristocrática francesa
pré-revolucionária.
Em poucos anos tudo iria se transformar em pó, mas o que aconteceu no
período pós-1789 formou, em suas bases, a evolução relativa à mesa até os
nossos dias. Um efeito essencial foi dissolver a equação entre culinária e
classe. Daí em diante, certo tipo de culinária vista como prerrogativa da
realeza e da nobreza estaria disponível a qualquer um que pudesse pagar
por ela. Essa mudança profunda teve como representação máxima uma
nova instituição, o restaurante, à qual voltarei em breve. Outro efeito menos
óbvio foi a relação entre público e privado. A política revolucionária —
evidenciada no caso da refeição em torno de uma mesa comunitária sem
classes, posta na rua — era a extinção deliberada da divisão entre as esferas
públicas e privadas da vida. Mas o ataque à privacidade — vista como
prerrogativa dos ricos e admitida pela intervenção do Estado entre 1789 e
1794 — a longo prazo produziu uma reação em direção oposta. A
conseqüência acabou sendo a criação de um espaço doméstico privado,
essência da era burguesa que estava por vir. Da mesma forma, as esperanças
revolucionárias de emancipar as mulheres derrubando a existente ordem
sexual “natural” também saíram pela culatra; a reação foi realocá-las como
deusas domésticas na esfera privada da vida, que há pouco entrara na moda.
E no centro dessa esfera estava o jantar de gala que tais deusas iriam
comandar.
Assim, o efeito da Revolução sobre as classes alijadas do poder na
França e ameaçadas nos outros lugares foi fazê-las pôr em ação um
renascimento de tudo o que a Revolução tinha buscado destruir. O desejo
que os monarcas e aristocratas pré-revolucionários tinham de agir e viver
como cavalheiros comuns deu lugar a novos impulsos na direção da
hierarquia e do esplendor. Na França, por exemplo, vemos Napoleão
Bonaparte progredir de primeiro-cônsul a imperador, presidindo o
renascimento da corte. Seu grand maître des cérémonies era Luís Felipe,
conde de Ségur, um homem plenamente capacitado a voltar ao passado,
pois além de adorar o imperador e a etiqueta, conhecera Versalhes em toda
a sua glória pré-1789. Nesse papel, Ségur promulgou a Étiquette du palais
impérial, um documento que instaurava a versão napoleônica do grand
couvert.5 o jantar está servido
Embora o próprio Napoleão fizesse suas refeições em dez minutos, numa
mesa alta sobre a qual se estendia um guardanapo, ele reviveu os jantares
públicos em oito ocasiões de gala. Mais tarde, no exílio de Elba, iria
lamentar não ter ressuscitado o grand couvert exatamente como era
praticado por Luís XVI, dando ao povo — em razão da livre admissão à
presença real de quem estivesse vestido adequadamente — acesso ao
imperador e construindo um círculo de alianças mais amplo para a causa
imperial.
O maior desses acontecimentos realizou-se em 2 de abril de 1810,
quando Napoleão se casou com Maria Luiza de Habsburgo. Só os membros
da corte ou quem tinha convite foram admitidos. A família imperial sentou-
se en tableau a uma mesa em forma de ferradura sobre um estrado. A mesa
era coberta com uma toalha com franjas de ouro e bordada com a letra N e
águias. Sobre ela pousava um chemin de table de vidro espelhado com
figuras neoclássicas em biscuit e duas urnas de flores artificiais misturadas
a candelabros de prata dourada. Em cada extremidade havia uma pequena
mesa com o ícone da monarquia francesa, a naveta. O pintor Casanova
captou com precisão a qualidade quase alucinatória desse retorno a um
mundo que todos consideravam desaparecido. Nos lados do quadro, no que
parecem ser camarotes de um teatro, membros da corte, cobertos de jóias,
tentam assistir ao ritual. A Étiquette de Ségur descreve em detalhe todas as
ações apropriadas a um evento destes, da ablução das mãos sob os auspícios
do camarista-mor à exigência de que cada guardanapo, depois de usado,
fosse jogado no chão. Por trás da mesa imperial vêem-se as fileiras de
oficiais da corte necessários para servir a refeição. É impressionante quando
nos damos conta de que 20 anos depois da Revolução reencenava-se uma
versão viva de algo inventado pela corte de Borgonha no século XV. Além
disso, o mesmo ritual foi exibido em todos os lugares da Europa em que
Napoleão estabeleceu um Estado com um membro da família como
governante.
Com a restauração da monarquia Bourbon, após a queda de Napoleão
Bonaparte em 1815, a corte francesa entrou num de seus grandes períodos.6
Durou até 1830, e ao longo desse tempo Carlos X ocasionalmente encenou
o grand couvert. No entanto, ao contrário de Napoleão, mandou fazer uma
espécie de passarela para que as pessoas pudessem vê-lo de perto, junto ao
delfim e à sua esposa. De cada lado sentavam-se damas da corte, enquanto
os músicos tocavam. Apenas com o advento do Rei Cidadão, Luís Felipe, é
que o grand couvert finalmente caiu no ostracismo. Mas àquela altura já
havia completado 300 anos de vida.
A história não acaba aqui, pois o mundo das cortes viveu um notável
renascimento durante o século XIX, especialmente nas décadas que
precederam a Primeira Guerra Mundial. Luís Felipe, por mais avarento que
fosse, pode ter abandonado o grand couvert, mas conhecia o valor de um
convite para jantar em palácio.7 Na verdade seus jantares criaram um
cenário que permanece hoje. A 30 de maio de 1830, por ocasião do
casamento do duque de Orléans, foi dado um banquete para 500 pessoas na
Galeria des Glacês, em Versalhes. A ele compareceram todas as camadas da
sociedade, e esta era a grande mudança. Em vez de olhar para a família real
de longe, membros das classes estabelecidas, ministros, políticos e
representantes dos emergentes nouveaux riches viram-se sentados à mesa
real. O banquete oficial como formato continua a existir. Sobreviveu à
abolição das monarquias e ao advento da república. Comprovou ser uma
manifestação infinitamente flexível de comida e poder em regimes
politicamente diferentes como os da China e dos Estados Unidos. Em
nações onde sobrevive a monarquia, essas paradas de gala — esplêndidas,
como se o mundo não houvesse mudado — revisitam o passado e
entrelaçam-no com o presente. Tal é o poder da pompa na manutenção de
uma expressão pública da unidade social.

Banquete nas Tulherias por ocasião do casamento de Napoleão com Maria Luiza, 1810. Quadro de
Alexandre Dufay, chamado Casanova, 1812.

O SÉCULO DE CARÊME
Numa noite de julho de 1829, lady Morgan, romancista, viajante inveterada
e mulher da sociedade, foi convidada para jantar em Paris pelo barão de
Rothschild em seu castelo de Boulogne. “Os jantares na França”, escreveu
ela, “têm dois objetivos; sociabilidade e gastronomia.”8 O jantar foi servido
num pavilhão de mármore erguido no meio de um bosque de laranjeiras, e
ela sentou-se no lugar de honra, à direita do anfitrião. A mesa era enfeitada
“com as belas e pitorescas sobremesas”, e o barão chamou a atenção para o
que designava como pièce montée, “uma coluna de confeitaria das mais
engenhosas, onde meu nome estava escrito em algodão doce.… Com menos
genialidade do que a empregada na composição deste jantar, os homens
escreveram poemas épicos.” Era uma efusão surpreendente para uma época
em que se tornava difícil encontrar qualquer reação escrita à comida.
Lady Morgan estava consciente de que tinha sido convidada para um
evento gastronômico de primeira ordem, e foi assim que o registrou:
Para fazer justiça à ciência e à pesquisa envolvidas na produção de um jantar assim servido,
seria preciso um conhecimento da arte igual ao de quem o produziu. Ele se caracterizava por
estar de acordo com a estação, com o seu tempo, dentro do espírito da época; não havia
qualquer perruque em sua composição, traço algum da sabedoria de nossos ancestrais em
nenhum prato; nenhum molho muito temperado, caldo marrom escuro, gosto de pimenta-do-
reino ou da Jamaica, nenhuma tintura de tomate ou picles, qualquer ação visível desses
elementos vulgares do cozinhar, dos velhos e bons tempos — fogo e água. Destilações das
viandas mais delicadas extraídas num “orvalho de prata” com precisão química, “em nuvens
tépidas de vapor”, formavam o fonds de tudo. De todas as carnes evolava seu próprio aroma
natural; todos os vegetais tinham seu próprio tom de verdura.9

O homem que evocou este panegírico foi Antonin de Carême.


Carême é uma destas pessoas na história da culinária — como
Taillevent, Scappi ou La Varenne — depois de quem nada continua o
mesmo.10 Até a chegada da nouvelle cuisine, na década de 1960, ele seria a
fonte da culinária dominante na Europa, a cuisine classique. Nascido em
1783, filho rejeitado de um operário parisiense, Carême foi aprendiz de um
dos melhores pâtissiers da época, Sylvain Bailly. Em 1803 já tinha se
estabelecido como pasteleiro especialista em grandes eventos, e desde então
sua carreira progrediu brilhantemente. Trabalhou para luminares como
Talleyrand, Jorge IV e o czar da Rússia.
Embora considerasse seu estilo culinário novo, e a culinária aristocrática
do século XVIII fora de moda, Carême pode ser visto sob muitos aspectos
como o último de uma linha de profissionais que se estende muito longe,
até La Varenne. O que ele fez foi transmitir uma versão do estilo tradicional
para os nouveaux riches. Transformou a gastronomia numa síntese das artes
— incluindo arquitetura, escultura, pintura, literatura e poesia — e das
ciências — compreendendo física, química, economia política e comércio.
Quando a serviço de Talleyrand, estabeleceu uma reputação sem par como
mestre estilista. Sabia como controlar todos os aspectos de um grande
evento culinário, não apenas em termos da escolha dos pratos e aparência
visual, mas também de como a mesa devia ser posta e a sala devia ser
decorada e iluminada.
O orgulho e a alegria de Carême eram as pièces montées do tipo que lady
Morgan descreveu, resultado do tempo gasto estudando plantas
arquitetônicas na Bibliothèque Nationale. Faziam parte do tabuleiro de
sobremesas que ocupava o centro da mesa e ali ficava durante toda a
refeição. Conhecido como o “Palladio da pâtisserie”, Carême povoava a
mesa com imitações em miniatura de um jardim anglo-chinês da segunda
metade do século XVIII: ruínas, templos clássicos, colunatas e outras
estruturas, numa variedade de estilos grego, romano, mourisco, indiano e
chinês. Num banquete para o então ainda regente Jorge IV, dado em 15 de
janeiro de 1817, suas criações incluíam as ruínas de Antióquia, um
eremitério sírio, as ruínas de uma mesquita turca e um eremitério chinês.
Para construí-las usava qualquer coisa, de pedaços de toucinho a algodão-
doce, e elas transformavam a paisagem da mesa.
Essas peças de exposição também representavam um retorno à comida
figurativa, uma viagem de volta a uma era anterior, igualmente obcecada
por transformar todos os ingredientes em algum formato reconhecível.
Exatamente como nas eras do maneirismo e do barroco, a comida nos
jantares de gala no século XIX teria muito pouca relação com seu
ingrediente cru inicial. Era sempre transformada em alguma forma
arquitetônica ou escultural, avivada ainda mais pela adição de cor e de
decoração em papel.11 Nesse eterno oscilar do pêndulo da simplicidade à
complexidade, a aparência da comida reflete os ciclos da história dos
estilos, à medida que o rococó deu lugar ao neoclassicismo, e a Art
Nouveau ao modernismo.

Retorno da comida figurativa. Gravura de Carême, Livre de pâtisserie, 1854.

Carême foi de grande importância, pois não apenas elevou a profissão de


chef a novas alturas — sendo cortejado tanto pela realeza como pelos novos
ricos —, como também criou inúmeros livros ilustrados que colocaram em
forma impressa os primeiros relatos detalhados da cuisine classique. O mais
importante é o livro em cinco volumes L’Art de la cuisine française au dix-
neuvième siècle (1833), cujos dois últimos volumes (1843-44) foram
escritos por um discípulo, Plumery, chef do conde de Pahler. Entre outras
coisas Carême reformou a feitura dos molhos, estabelecendo três tipos
básicos como fundamento de um grande número de variações. Esses
volumes seriam as bíblias da cuisine classique até sua substituição pela obra
de Escoffier no início do século XX.
Na cozinha, o século XIX foi uma era de grandes mudanças técnicas e
progressos significativos. Já no final do século anterior os fornos haviam se
desenvolvido, de modo que era possível controlar a temperatura, questão de
importância fundamental para os suflês, sautés e molhos mais complicados.
Na década de 1840 o gás tornou-se disponível em restaurantes, clubes e
casas maiores, embora grande parte da população continuasse usando
combustíveis sólidos, com todos os problemas que eles traziam. Por volta
de 1900 os refrigeradores começaram a proliferar. Todos esses progressos,
no entanto, não devem disfarçar o fato de que a cozinha se beneficiou muito
pouco da rápida mecanização de tantas outras áreas da sociedade.
Realmente não cabia poupar trabalho na cozinha, uma vez que a mão-de-
obra era tão barata.
Graças a Carême a cozinha francesa, mais ainda do que no século
anterior, iria dominar a cena européia. Ela difundiu-se tanto por meio de
uma corrente constante de livros de receitas — os mais importantes dos
quais foram traduzidos — como pela migração de cozinheiros franceses
para os palácios e palacetes do resto da Europa.12 O primeiro grande livro
sobre a cuisine classique foi Le cuisinier impérial (1806) de A. Viard, que,
como as obras de Carême, continuou sendo reeditado por todo o século. No
entanto, como gênero, a novidade apresentada pelos livros de cozinha nessa
época foi que eles começaram a se classificar entre os destinados ao chef
profissional e os dedicados ao grande e novo público burguês, nascido com
a industrialização e a expansão das cidades. A divisão reflete-se no título do
livro de Louis Eustache Audot, La cuisinière de la campagne et de la ville
(1818), obra que também passou por inúmeras edições e terminou o século
três vezes mais volumosa do que quando começou. Para os chefs, as obras
principais eram La cuisine classique (1856), de Urbain Dubois e Emile
Bernard, e Livre de la cuisine (1867), de Jules Gouffé. O pilar da culinária
doméstica burguesa era Les secrets de la cuisine (1856), livro que
enfrentava efetivamente uma das grandes preocupações das cozinheiras
numa sociedade burguesa — o que fazer com as sobras. (Essa questão
nascida com a urbanização tornou-se obsessiva e mais tarde deu origem a
livros que tratavam exclusivamente de como aproveitar os restos de outras
refeições.)
Se Carême foi a figura de destaque na culinária de todo o século XIX,
Georges Auguste Escoffier iria dominar o século XX até o advento da
nouvelle cuisine na década de 1960. Seu Guide culinaire (1903) foi durante
décadas o principal texto usado na formação dos chefs. Ele próprio chef do
Ritz Hotel em Paris, e mais tarde do Savoy em Londres, seguia a tradição
clássica, embora sua culinária atendesse a uma nova busca de luxo e
novidade por parte dos ricos internacionais da década de 1880 e 1890.
Tratava-se de uma comida para os restaurantes dos novos e opulentos hotéis
e estabelecimentos exclusivos povoados pelo beau monde nas décadas que
antecederam 1914 (lugares onde pela primeira vez mulheres da classe alta
podiam comer em público). Escoffier também respondia a uma outra
questão que estava no ar — a velocidade, já que começava a era do
automóvel e do telefone. Em resposta a essa aceleração da vida, Escoffier
dissolveu a divisão secular entre cuisine e office, acabando por abolir
também suas antigas subdivisões. Como resultado disso, as antigas
distinções artesanais desapareceram, e os pratos para uma refeição
estruturada em vários serviços podiam ser produzidos muito mais
rapidamente e apresentados sem demora.
Em todos os lugares, nessa época, encontrava-se a influência da França.
Na Itália, a obra de Audot apareceu como La cuciniera della citá e di
campagna (1845) e teve 65 edições.13 Os livros italianos de receitas,
escritos tanto por um dos chefs das muitas cortes italianas como por um
cozinheiro que se dirigisse à classe média, tinham seu modelo no norte dos
Alpes. Isso mudou com a unificação do país, quando a busca de uma nova
identidade coletiva afetou até mesmo a culinária. O livro de Pellegrino
Artusi, La scienza in cucina e l’arte di mangiar bene (1891) é uma
publicação marcante, na qual aquilo que constituía essencialmente uma
série de culinárias regionais foi reunido numa única publicação. Artusi
jamais poderia prever que em menos de um século a culinária italiana,
ajudada por sua adequação às modernas descobertas dietéticas, iria ameaçar
o domínio da França.
Na Grã-Bretanha a história foi muito diferente.14 A unidade política da
ilha havia se completado já em 1707, de modo que não era necessário
amalgamar uma culinária nativa. Na verdade, a que existia no século XVIII
passou por um declínio radical no século XIX por duas razões. Uma delas
foi a urbanização, fenômeno com o qual as pessoas perderam a ligação
direta com o solo, e portanto com uma tradição culinária que havia sido
expressão da propriedade da terra. A outra razão, tão ou mais poderosa, foi
o fato de que as classes altas adotaram a culinária francesa. O século
principiou com a tradição inglesa ainda intacta em publicações como A New
System of Domestic Cookery (1806), de Maria Rundall, e The Cook’s
Oracle (1817), do dr. William Kitchiner. Mas já em 1813 os ingleses foram
apresentados à culinária da corte de Luís XVI com The French Cook, de
Louis Eustache Ude. Este, que havia sido chef em Versalhes, tornou-se
mestre-cuca do conde de Sefton e mais tarde chefiou as cozinhas de
Crockford, um clube de jogo em St. James. Em 1835 o gourmet Abraham
Howard podia apresentar uma longa lista de cozinheiros franceses que
trabalhavam para aristocratas na Inglaterra. Por volta de 1850 a hegemonia
gaulesa sobre as mesas reais e da classe alta era completa, com Charles
Esmé Francatelli a serviço de ninguém menos que a própria rainha Vitória.
O livro de Francatelli, The Modern Cook (1845), ensinava as classes altas a
comer elegantemente à francesa. O domínio da França era igualmente
ilustrado pela carreira de Aléxis Soyer, um chef na tradição de Carême que
trabalhava em Londres, especializado em banquetes. Ele iria produzir um
fluxo constante de livros, inclusive The Gastronomic Regenerator (1846),
“adequado à renda de todas as classes” e, refletindo o zelo reformista da
época, A Shilling Cookery Book for the People (1854).
Os livros de Soyer são aborrecidos e prosaicos, exemplos do triste estado
da culinária inglesa. A comida tornou-se enfaticamente igual à classe, sendo
os escalões superiores da sociedade uma categoria à parte, graças ao seu
hábito de empregar cozinheiros franceses. Até mesmo os cardápios eram
em francês. A grande maioria da classe média alta e média baixa praticava
uma versão adulterada da tradição nacional. Os livros que supriam esse
grande segmento da sociedade em expansão revelavam paladares sem
sofisticação. Também demonstravam uma obsessão com a economia, e a
culinária básica girava em torno do pernil assado e uma semana de sobras
recicladas. Em 1900 os ingleses haviam se esquecido totalmente de que
haviam tido uma tradição à mesa e aceitavam que, no tocante às artes
culinárias, eram inferiores.
Embora o livro de Eliza Acton, Modern Cooking for Private Families
(1845), em que ela expõe pratos da Inglaterra e do resto do mundo, tenha
alcançado ampla circulação, nenhuma publicação eclipsou as mil páginas
de The Book of Household Management (1861), de Isabella Beeton. Seu
sucesso dependia basicamente do fato de seu ponto de partida ser a
descrição da dona-de-casa como “comandante de um exército”, com
atributos que definiam seu status como uma dama nos termos de meados da
era vitoriana. Aquele espírito de valorizar acima de tudo as aspirações
sociais e a manutenção das aparências pode ser claramente percebido no
abismo entre os cardápios dos jantares festivos propostos pela sra. Beeton
— o principal indicador da posição social de uma família — e a frugalidade
das refeições familiares baseadas nas inevitáveis sobras. Pratos franceses
estão excluídos do livro, e só se pode dizer que as receitas são enfadonhas e
sem inspiração. Interessam apenas pela novidade de informar as medidas
exatas dos ingredientes, o tempo que um prato levava para cozinhar e
quantas porções rendia. Pode ser anacrônico observar que não mostrava
qualquer conhecimento nutricional ou preocupação alguma com a
importância de frutas e vegetais frescos ou saladas.
As estampas coloridas da sra. Beeton, um registro da forma figurativa
que até mesmo seus pratos sem graça podiam assumir, devem ter sido uma
atração à parte. Aquele foi um século no qual os livros de receita saíam em
grande número dos prelos, ajudados pelas novas técnicas de impressão em
grandes tiragens e novas formas de ilustração. Neles testemunhamos a
mudança da transmissão das várias tradições culinárias da forma oral para a
escrita.

O século XIX assistiu ao nascimento de um novo lugar público para se


comer, o restaurante.15 Embora as tabernas e casas de pasto existissem havia
séculos, elas não ofereciam pratos variados à escolha do freguês. O
restaurante seria uma experiência inteiramente diferente, pois rompeu o
monopólio da elite no que dizia respeito à comida fina, tornando-a acessível
a qualquer um que pudesse pagar. Os primeiros restaurantes surgiram antes
de 1789, e eram lugares onde as pessoas de alta sensibilidade, respondendo
à nova consciência iluminista da importância da dieta, iam tomar um caldo
restaurador e bem saudável. Gradualmente ampliaram seu espectro de
pratos até criar algo bastante novo. O inventor do primeiro restaurante
“saudável” foi Mathurin Roze de Chantoiseau, em 1766, mas o primeiro
grande restaurateur no sentido moderno do termo foi Antoine Beauvilliers,
que abriu seu estabelecimento no Palais Royal em 1790. A Revolução
acelerou o desenvolvimento, deixando desempregados muitos chefs da
decadente aristocracia. O próprio Beauvilliers havia se empregado nas
cozinhas do conde de Provence e do príncipe de Condé. Seu cardápio, que
listava 168 itens distintos, incluindo 32 diferentes pratos de aves e caça,
refletia esse trajeto aristocrático. Outro estímulo para o florescimento dos
restaurantes foi a extinção das guildas de comércio, que, com todas as suas
práticas restritivas, haviam sido varridas pela Revolução. Mas os
restaurantes permaneceriam durante algum tempo um fenômeno
especificamente parisiense; só na década de 1850 começaram a se
transformar em elemento da vida urbana nas outras cidades da Europa
Ocidental.
O restaurante iria mudar a maneira que as pessoas tinham de perceber a
comida. Fez com que aqueles que jamais haviam pensado nela se tornassem
pela primeira vez conscientes da arte de cozinhar. Ao lerem um cardápio de
restaurante, não podiam deixar de se conscientizar das dúzias de diferentes
maneiras de preparar um único ingrediente. Tal variedade existira no
passado, mas apenas em círculos extremamente restritos. O consumidor
médio não percebia isso e provavelmente jamais havia visto um livro de
receitas. Fazer uma escolha num cardápio significava saber, por exemplo,
como se fazia um poulet à la Marengo — ou então descobrir o que era.
Assim, comer num restaurante tornou-se um processo de aprendizagem e
um meio de ganhar e exercitar um atributo muito valorizado pelo
Iluminismo, o paladar.
Os restaurantes também contribuíram muito para transformar “a arte de
bem comer”, a gastronomia, numa arena de debate estético crítico.16
Alexandre-Balthazar-Laurent Grimod de la Reynière foi o primeiro
comentador de comidas, inventor da avaliação dos restaurantes em seu
famoso Almanach des gourmands, publicado entre 1803 e 1812. Le manuel
des amphitryons (1808) foi igualmente celebrado. Tais livros serviam para
levar o conhecimento de elite a qualquer um que soubesse ler,
democratizando assim o gosto e pressionando os restaurantes a serem
inovadores e a preservarem os padrões, sob pena de perderem os clientes. O
restaurante era também o terreno de um novo personagem, o gourmet,
aquele que se orgulhava de seu conhecimento da boa comida e do bom
vinho. O maior deles foi sem dúvida Jean-Anthelme Brillat-Savarin, cujo
livro La physiologie du goût (1826) tornou-se a bíblia dos gourmets.
Esses fatos refletiam coletivamente um recuo do impulso inicial da
política revolucionária francesa, que havia se imiscuído nos menores
detalhes da vida privada — inclusive no ato de comer. Na era napoleônica
tal interferência cessou, e as artes da mesa tornaram-se finalmente
separadas da política e do Estado. Comer tornou-se um assunto privado. A
refeição arquetípica do século XIX seria o jantar festivo familiar, um ponto
central da aceitação social e da respeitabilidade numa era de rápidas
mudanças. o jantar está servido

A PROLIFERAÇÃO DAS SALAS DE JANTAR E


A MUDANÇA DE HORÁRIO DAS REFEIÇÕES
Como vimos, quase nada, nem mesmo comer, foi poupado na tentativa dos
revolucionários franceses de reverter a ordem aceita das coisas, de obliterar
as posições sociais e a deferência e de questionar os papéis seculares dos
sexos. Muito do que aconteceu foi precisamente uma reação a essa
tentativa. No caso das mulheres, a Revolução simplesmente acelerou um
processo que havia começado antes de 1789 — sua limitação à esfera
privada, ao lar, em contraste com o papel masculino no mundo público.
Em lugar algum esse esquema foi mais evidente que na Inglaterra. A
industrialização e a urbanização criaram novas camadas sociais que
substituíram para sempre a velha divisão dual da sociedade.17 Aos antigos
profissionais liberais da classe média, tais como advogados e médicos,
somou-se uma série de outros — industriais, banqueiros, corretores,
engenheiros, arquitetos e muitos mais. Eles abriram caminho na década de
1830 e 1840, e na década de 1850 formavam um grupo tão grande que a
classe média se subdividiu em categorias internas.
Essa profunda mudança na estrutura da sociedade caminhou lado a lado
com a exaltação das virtudes domésticas encerradas na vida privada e na
descoberta da felicidade no interior da família. Quem orquestrava o novo
esquema de coisas era a dona-de-casa, e a definição de seu papel e deveres
deu origem à literatura européia exemplificada em Manuel de la maîtresse
de la maison (1821), da sra. Pariset, e na obra da sra. Beeton. Nesse novo
padrão da existência cotidiana, a refeição familiar e o jantar festivo viriam a
ser as expressões máximas das bênçãos domésticas e também do status
social. A pintura do século XIX, tipificada pela obra dos impressionistas,
por exemplo, celebra sem cessar a centralidade da mesa de jantar.
O novo significado atribuído às refeições familiares explica a rápida
adoção, por parte de amplas camadas da sociedade (que previamente não
haviam se preocupado com o lugar onde comiam), de uma sala separada
para o jantar. No século XVIII, mesmo entre as classes altas, um ambiente
destinado apenas às refeições ainda constituía certa novidade. Na verdade a
mesa ainda era montada e desmontada a cada refeição, e as cadeiras
encostadas de novo nas paredes da sala, de frente para o espaço vazio ao
centro. Na década de 1850, no entanto, quem tivesse pretensões a algum
cachet social devia possuir uma sala de jantar. Os livros de arquitetura
voltados para as classes emergentes descrevem essas salas com detalhes
luxuriantes — e nos dão uma riqueza de informações inexistentes em
períodos anteriores.
Na Inglaterra, John Claudius Loudon, em The Suburban Gardener and
Villa Companion (1838), afirma que a sala de jantar “tem de ser … de
importância masculina”, com um aparador para exibir a prataria aos
convidados de honra, cadeiras forradas de couro carmesim, uma mesa
quadrada, redonda ou extensível, papel de parede vermelho e cortinas
escarlate ou cor de gerânio. A essa época a mesa havia se tornado um
elemento permanente no meio da sala; Loudon refere-se à nova moda de
“colocar as cadeiras, ou algumas delas, mesmo quando não estiverem em
uso, em volta da mesa, e não mais encostadas nas paredes”.18 Já em 1820 a
lâmpada Argand a óleo estava sendo substituída pelo gás, e na década de
1830 os lustres a gás haviam surgido, gerando uma claridade cada vez
maior depois que escurecia. As velas nunca desapareceram, mas aos poucos
a possibilidade de iluminar bem um aposento à noite deixou de ser
prerrogativa dos ricos. Além disso, tornou possível um jantar cada vez mais
tardio.
Na década de 1850, o número de salas para refeições multiplicou-se
ainda mais, num processo que havia começado no final do século XVIII. O
livro de Robert Kerr, The Gentleman House (1864), fala de uma sala de
jantar, uma sala de almoço e até mesmo uma sala para jantares de gala. “As
salas de jantar”, escreve ele, “devem estar voltadas para o norte ou para o
nordeste, ser espaçosas e sempre relativamente luxuosas”, com um belo
aparador e mesas laterais, portas para os convidados e para os criados. Na
verdade, a essa época a coreografia do jantar festivo havia se tornado uma
grande preocupação para os arquitetos, que tinham consciência da
necessidade de criar um caminho para a procissão que ia da sala de visitas à
sala de jantar sem cruzar com os criados.19 À medida que o século se
aproximava do fim houve uma reação à escuridão pomposa do período
vitoriano, com um movimento na direção do novo culto da moda, “a doçura
e a luz”.20 Mas nem isso afetou o planejamento básico dos aposentos.
Na França a ênfase sempre esteve no salão, mais do que na salle à
manger, mas também ali as salas de jantar proliferaram, como parte da nova
mise-en-scène essencial ao status da burguesia. Anastase Garnier, em
Tapissier décorateur (1830), descreve uma sala de jantar parisiense
equipada com uma mesa redonda que podia ser rebaixada, cadeiras com
assentos de palhinha ou estofados de crina, um aquecedor, mesas laterais
chamadas servantes, um aparador, um relógio e uma campainha para
chamar os criados.21 Na Alemanha, a idéia de uma sala de jantar separada
chegou às classes médias vinda da Inglaterra e da França, na década de
1850. Ali também a sala devia estar voltada para o norte e devia incluir uma
mesa retangular de dobrar, um aparador lateral, luz de lâmpadas de petróleo
e, mais tarde, bicos de gás.22
A sala de jantar era um símbolo claro de distinção de classe, da
separação entre a família dos proprietários e os criados. Tornava-se um
ambiente para a ostentação e continuaria a reinar nas casas suburbanas de
classe média até o terceiro quarto do século XX, quando as mudanças nos
hábitos de comer e as reduções no espaço de moradia mostraram o absurdo
que era dedicar um aposento inteiro ao uso de algumas horas por dia. Mas
no século XIX a sala de jantar tinha todo o entusiasmo dos novos
fenômenos. Comer finalmente deixara de ser um ato migratório e
encontrara o seu pouso numa sala que lhe era especialmente dedicada.
Essa circunstância não foi a única a particularizar o século XIX. Os
horários das refeições também mudaram muito. A principal refeição do dia
foi ficando cada vez mais tardia. Até então sempre houvera uma distinção
clara das horas de refeição entre as classes ociosas e os que trabalhavam
para viver. Tal diferença começou a dissolver-se em decorrência da
urbanização e do aparecimento de horas fixas de trabalho. Em 1914 os
horários de comer até mesmo das classes altas refletiam as novas regras de
organização da produção.23
Na Inglaterra do século XVIII fazia-se o desjejum entre 10 e 11 horas,
uma refeição leve após o trabalho já realizado. Aos poucos, na década de
1820 e 1830, ele começou a se adiantar, primeiro para as 9 horas, e cerca de
1860 para as 8 ou 8:15. Sua característica também mudou, tornando-se uma
refeição que se fazia antes de sair para o trabalho — chá, bolinhos, um
prato quente. Ao mesmo tempo, na década de 1830, uma outra refeição
surgiu: o almoço. A própria palavra era nova, embora Samuel Johnson já se
referisse a ela em seu Dictionary (1755) como “algumas vitualhas comidas
entre as refeições”. Era a princípio uma refeição informal, composta de
pratos frios, feita pela dona da casa e por quem estivesse com ela. Em 1859
encontramos uma referência a um “almoço festivo”. Tal forma de
entretenimento normalmente acontecia na cidade às 14 horas, e no campo
às 13:30. As senhoras mantinham-se de chapéu à mesa (prática que
persistiu até depois da Segunda Guerra Mundial), e os cavalheiros levavam
os chapéus até a sala de visitas. Um livro de etiqueta de 1885 descreve o
almoço como uma “refeição sem cerimônia, inconseqüente”. O chá, um
repasto separado, chegou na década de 1840, e 40 anos depois assumiu vida
própria, particularmente nas grandes casas no campo, onde era servido às
17 horas.
Mas a refeição do dia par excellence era o jantar. Em sociedade,
observou a sra. Beeton, a ceia desaparecera, “já que as pessoas jantam numa
hora que afasta a possibilidade de uma ceia”. No final do século XVIII o
jantar acontecia entre 15 e 17 horas; anfitrião e convidados trocavam os
trajes habituais da primeira parte do dia por uma roupa mais formal. Na
década de 1820 e 1830, no entanto, a hora do jantar estava ainda se
adaptando aos padrões do dia médio, que mudavam rapidamente. Algumas
pessoas prenderam-se ao horário anterior, outras atrasaram-no. Finalmente,
na década de 1850, com o dia de negócios estabelecido entre 9 horas às
17:30, o horário do jantar ficou entre 19 e 20 horas. Em 1900 os convites
para um jantar informal tranqüilo indicavam 19:30 ou 19:45, e para um
jantar mais solene, 19:45 ou 20 horas. No século XX, nos círculos mais
sofisticados, o horário atrasou-se mais, porém não muito, geralmente entre
20 e 20:30.
Na França aconteceu mais ou menos o mesmo deslocamento na hora do
jantar. O desjejum no sentido inglês nunca aconteceu, o premier déjeuner
era feito ao acordar e consistia de leite, café, chá ou chocolate, uma flûte
(pão comprido e fino) ou uma torrada. O chamado deuxième déjeuner ou
déjeuner à la fourchette acontecia às 10 horas ou ao meio-dia, uma refeição
familiar na qual a comida fria era posta na mesa e cada um se servia. Mas o
jantar seguiu o mesmo caminho, passando de 17 horas na primeira década
para 19:30 em 1900.
Mas chegou a hora de voltarmos nossa atenção para uma avaliação
detalhada do jantar festivo.

O JANTAR FESTIVO
Foi Brillat-Savarin quem compôs, em La physiologie du goût, a descrição
do jantar festivo ideal que continua sendo a mais celebrada. Vale a pena
citar seus critérios para lembrarmos dessa agradável perfeição, antes que o
luxo e a pretensão do século XIX nos dominem:
Que o número de convidados não exceda uma dúzia, para que a conversa possa se generalizar
o tempo todo.
Que eles sejam escolhidos com muito cuidado, que suas profissões sejam diferentes mas os
gostos semelhantes, e com tais pontos de contato que ninguém tenha de recorrer à odiosa
formalidade das apresentações.…
Que a sala de jantar esteja luxuosamente iluminada, a toalha esteja na mais perfeita
limpeza, e a temperatura entre 18 e 20 graus.
Que os homens sejam inteligentes mas não pretensiosos, e as mulheres encantadoras mas
não vulgares.
Que a escolha dos pratos seja refinada mas restrita em número, e os vinhos de primeira
qualidade, os melhores de seu tipo.
Que a ordem dos pratos vá dos mais substanciais para os mais leves, e dos vinhos, dos
mais leves aos de bouquet mais forte.
Que a velocidade no comer seja moderada, uma vez que o jantar é a última atividade do
dia, e que os convivas se comportem como viajantes que desejam chegar juntos ao mesmo
destino.…
Que os convidados se prendam pelo prazer da companhia e sejam estimulados pela
esperança de que a noite não termine sem outros prazeres.24

Este seria o jantar num mundo ideal! O que Brillat-Savarin


evidentemente não registra é o que acontecia na realidade, ou o que se
tornava realidade. Pois o jantar festivo seria um dos grandes símbolos de
prestígio da época, um indicador de bom gosto, de capacidade de
selecionar, de uma conta bancária e contatos.25 Era uma ocasião para o
anfitrião exibir sua esposa e filhas, especialmente as casadouras. Tratava-se
de um exercício de relações públicas, uma exposição do grau de
requintamento da família e da elegância de suas maneiras. A decoração, as
roupas, o número e a qualidade dos criados, os arranjos da mesa, a escolha
dos convidados e dos pratos, tudo era planejado para impressionar. O jantar
festivo representava também um lugar, na nova era do comércio, onde se
combinavam prazer e lucro — quando as senhoras deixavam a sala e o
anfitrião falava de política e de negócios com os outros homens. Enquanto
isso, na sala de visitas, as mulheres tagarelavam sobre modas e tratavam de
arranjar casamentos. Dar um jantar era um ato visível de status de classe
média, e oferecê-lo uma vez por mês tornou-se a norma. Para as classes
altas, uma vez por semana era o mais comum.
A luta para abrir caminho na sociedade é descrita em cores vivas num
livro de J.E. Panton intitulado From Kitchen to Garret (1888). Foi escrito
especialmente para a “arraia-miúda” com rendas entre 300 e 500 libras por
ano (atualmente 15 mil a 25 mil) e apenas uma empregada. Panton descreve
como, com alguma economia, um casal poderia ocasionalmente produzir
um jantar festivo para seis pessoas a um custo de uma libra, um xelim e
quatro penies. (equivalente a cerca de 55 libras hoje). Percebemos aqui a
preocupação espraiando-se entre a classe média baixa.
Não é surpresa que aqueles que tinham ambições sociais ficassem
obcecados pelo jantar festivo. Ter sucesso num jantar destes significava ser
admitido numa burguesia coesa. No século XVIII os jantares não tinham tal
papel, eram em geral prelúdio de algum outro entretenimento. Agora o
próprio jantar se transformava em entretenimento, funcionando como porta
de entrada pela qual os aspirantes deviam passar, como convidados e como
anfitriãos.
O romancista William Makepeace Thackeray, em O livro dos esnobes
(1847), ilustra muito bem como se tornou importante oferecer um jantar
festivo no final da década de 1840, caçoando maldosamente dos que tinham
esperanças de fingir o que não eram, com criados temporários e comida
comprada pronta:
Suponhamos que você compre comida barata na pastelaria e contrate um casal de
quitandeiros ou faxineiros para fingir de lacaios, dispensando a honesta Molly que serve nos
dias comuns; e engalane a mesa (normalmente ornamentada com louça de barro fingindo
porcelana chinesa) com pratos baratos de Birmingham. Suponha que você se faça de mais
rico e mais importante do que realmente é — aí você será um esnobe que dá jantares.26

Na segunda metade do século XIX o jantar atingiu sua apoteose. Um


mundo de livros de etiqueta e administração doméstica ensinava os que
desejavam realizar uma escalada social e imitar a classe na qual queriam
ingressar. “Jantar é um privilégio da civilização…”, escreveu
orgulhosamente a sra. Beeton em 1861: “A nação que aprendeu a jantar
aprendeu a principal lição do progresso.”27 Os livros de etiqueta descreviam
as vantagens sociais desse ato. Oferecer jantares é um “caminho direto para
alcançar um lugar na sociedade.… não existe passaporte melhor ou mais
seguro para a boa sociedade que a reputação de dar bons jantares.” Daí
Manners and Tone of Good Society and Solecisms to be Avoided, by a
Member of the Aristocracy (1885).28 Ou, para citar a sra. Humphry, a ubíqüa
“Madge” da revista Truth: “A dona-de-casa que dá bons jantares
seguramente terá sucesso na vida social, e quase certamente casará as filhas
bem.”29 Os motivos para dar jantares são quase explícitos ou, no caso de
Etiquette for Ladies (1894), são explícitos. O autor escreve que receber um
convite para jantar é um “reconhecimento inequívoco de que você pertence
à mesma classe que seus anfitriões. Todo país tem um teste particular desse
tipo, e na Inglaterra o convite para jantar é a marca da igualdade social”.30
Se na classe média o jantar significava um modo de abrir o mundo
privado da família e do lar para estranhos considerados de igual posição
social, para as classes altas era muito mais. No final do século, em
conseqüência das pressões sociais vindas de baixo, as classes estabelecidas
haviam cerrado fileiras e formado o que era conhecido como “sociedade”.
Imensamente ampliada no decurso do século, na Inglaterra consistia de
cerca de quatro mil famílias. (Na Alemanha seu equivalente compunha
1,5% da população.) Tratava-se de um novo corpo social criado e
preservado por sua própria e imensa riqueza. Era competitiva, pretensiosa,
parvenue, orgulhosa, algumas vezes vulgar e media as coisas pelo dinheiro.
Uma vez admitido em seu exclusivo recinto, a tarefa de cada um era manter
a vigilância sobre os futuros candidatos. Isso envolvia a criação — por meio
de rituais, detalhes de estilo, maneiras e gosto — de uma série de obstáculos
que todos os aspirantes deveriam transpor. Receber um convite para jantar
era uma barreira tão grande quanto dar um jantar. E ainda é.

DO SERVICE À LA FRANÇAISE AO SERVICE À LA


RUSSE
Ao final do século XVIII o tradicional serviço à francesa, tal como evoluíra
no período barroco, já se encontrava sob pressão.31 Quando começou a ser
adotado, esse modo de servir era bastante razoável. Punha-se um conjunto
de pratos na mesa, e as pessoas se serviam deles sozinhas ou auxiliadas por
criados. Tudo se organizava em perfeita simetria: quando terminava um
serviço os pratos eram retirados e substituídos pelos próximos, arranjados
igualmente de forma simétrica. A regra de que os pratos deveriam ser
multiplicados por 12 de acordo com o número de convidados significava
que uma mesa podia acabar com cem pratos de cada vez, mas apenas de
dois tipos, terrinas e pot d’oille, ovais ou redondos. Em 1800, no entanto, a
variedade de recipientes e outros utensílios de mesa havia aumentado
consideravelmente, de modo que a mesa parecia uma floresta de baldes para
refrescar vinhos e taças, molheiras, galheteiros para azeite e vinagre, potes
de mostarda, creme e açúcar, colheres para açucareiros, tigelas de sorvete,
cestas de pão, pratos para entremets, réchauds, caixas de temperos e
também uma quantidade infinda de cutelaria. E tudo isso era orquestrado
para formar um serviço que combinasse. Uma boa quantidade de pratos
voltava portanto intocada; ou, pior ainda para os comensais, a comida
chegava inevitavelmente fria ou na melhor das hipóteses morna.
Isso quanto aos jantares de gala, mas mesmo numa escala muito mais
modesta o sistema era igual. Uma aquarelista amadora chamada Ellen Mary
Best registrou o primeiro serviço de um jantar, antes da chegada dos
convidados, na casa de um cirurgião de York, em 1838.32 Toda a comida já
está posta na mesa. Trata-se de uma versão do sistema francês conhecida
como service à l’anglaise, em que a anfitriã serve a sopa e o anfitrião
trincha o pernil. A terrina de sopa pode ser vista numa das extremidades,
com uma pilha de pratos ao lado. A anfitriã serve a sopa e o prato é
entregue ao comensal por um criado. Depois que todos tomam a sopa,
retira-se a tampa do assado, na outra extremidade da mesa, e o anfitrião
começa a trinchar. Nesse ponto as tampas são removidas simultaneamente
das outras terrinas. Mais uma vez os criados ajudam a servir. Pratos quentes
são trazidos da cozinha ou servidos num aquecedor de pratos na lareira. A
aquarela mostra as terrinas e travessas quentes sobre descansos de mesa,
para não marcar o tampo, e cada couvert com pão e um guardanapo,
ladeado por uma faca e um garfo apenas (estranhamente, estão faltando não
só as colheres de sopa como também os pequenos pratos laterais). O
reinado da rainha Vitória tinha apenas um ano.
Jantar numa casa em York. Aquarela de Ellen Mary Best, 1838.

Em jantares mais elaborados, servia-se o peixe junto com a sopa, e um


remove de carne assada no forno ou na brasa era trazido como segundo
prato. A cada serviço subseqüente trocavam-se os pratos até que finalmente
a toalha era retirada e trazia-se a sobremesa. Quando o comensal já havia se
servido de tudo o que queria de um prato em especial, colocava a faca e o
garfo paralelos sobre o prato (ainda se faz isto hoje, só que na Europa
continental os talheres são cruzados); um criado retirava o conjunto e
colocava outros talheres.
Esse tipo de jantar dominical provinciano já estava considerado fora de
moda pela classe alta, que ansiosamente buscava mudanças originárias da
França.33 Em junho de 1810, numa recepção em Clichy, próximo a Paris, o
príncipe Borisovitch Kourakine, diplomata russo, serviu seus convidados de
maneira inteiramente nova. Quando eles entraram, em vez de encontrarem a
comida en tableau, nada viram sobre a mesa. Pelo contrário, o centro estava
enfeitado com um chemin de table, candelabros, vasos e étagères, ramos de
flores artificiais (até cerca de 1850 achava-se que o aroma das flores
prejudicava o cheiro da comida), frutas e doces que seriam servidos mais
tarde como sobremesa. Quando os convidados se sentaram, uma surpresa
ainda maior. Um lacaio apresentou a cada comensal uma travessa da qual
devia se servir, tudo já preparado, fatiado ou cortado em pedaços,
combinado com molho, guarnição ou acompanhamento apropriados. Uma
série de pratos foi servida dessa maneira, todos eles vindos da cozinha já
prontos; ou, no caso dos pratos maiores, eram rapidamente trinchados pelos
criados em mesas laterais. A comida chegava muito mais quente, e pela
primeira vez todos tiveram a chance de provar de tudo. Essa nova forma de
apresentação da comida passou a ser conhecida como service à la russe.
Gradualmente espalhou-se por toda a Europa Ocidental, embora levasse um
século inteiro para se firmar.
Podemos ver que o novo serviço, com todas as suas oportunidades de
exibição ostentatória, começou a ganhar aceitação porque o grande ourives
Pierre-Philippe Thomire já estava fazendo sourtouts à la russe, em 1810.
Carême, no entanto, não era a favor do service à la russe, e o método
tradicional àla française continuou em voga até a década de 1850. Para
Carême, era “plus élégant et plus somptueux” a fascinante exibição
simétrica de pratos em torno de suas legendárias pièces montées. Essa
apresentação inicial incluía sopa, hors d’oeuvres, entrées e relevés. A
importância de cada jantar era medida pelo número de entrées. Todas eram
retiradas e punha-se a mesa outra vez com o assado e os entremets.
Finalmente tudo era tirado de novo para o serviço de gelados, bombons,
petits fours, frutas e queijos.
Na França, o service à la russe esperaria até a última década do século
XIX para se tornar norma. Mesmo então, em jantares de cerimônia e
ocasiões importantes, o service à la française se manteria, pelo seu efeito
espetacular. Servia-se àla russe sobretudo nas reuniões mais ou menos
profissionais, se o objetivo era conversar à vontade. Apenas quando o
service à la russe foi universalmente adotado Escoffier estabeleceu a
seqüência de pratos habitual nos dias de hoje: hors d’oeuvre ou sopa, peixe,
carne com legumes, digestivos e sobremesa.

Na Inglaterra a passagem para o novo método de servir também foi lenta. O


service à la française continuou até a década de 1870 e 1880, com os dois
grandes serviços costumeiros seguidos pela sobremesa. A imensa maioria
das bill of fare da sra. Beeton destinava-se a esse sistema, mas ela também
se referia ao novo:
Num dinner à la russe os pratos são cortados no aparador e apresentados aos convidados, e
cada prato pode ser considerado um serviço. A mesa para um dinner à la russe deve ter flores
[1861 já eram naturais] e plantas em belos vasos no centro, juntamente com alguns dos pratos
da sobremesa. Um menu ou bill of fare deve ser posto ao lado de cada comensal.34

O efeito do service à la russe, afora a comida quente, foi multiplicar os


pratos, mas ele resultou numa bem-vinda redução do tempo gasto à mesa.
No sistema antigo a refeição podia durar horas. O jantar àla russe durava
uma hora e meia no máximo. Na Inglaterra das décadas de 1870 e 1880, a
seqüência era a seguinte: hors d’oeuvre na mesa, ao entrar, duas sopas, uma
leve e outra espessa, peixe, a entrée, o pernil ou pièce de résistance, um
sorbet, o assado e uma salada, verduras, um doce quente, sorvete,
sobremesa, café e licor. Isso significava 12 serviços, mas já na década de
1890, em resposta às novas idéias sobre a dieta, este número foi reduzido a
oito.
Como tudo o mais que tenha a ver com o jantar festivo do século XIX, o
estilo de serviço era levado em conta. “O jantar àla russe”, escreveu a sra.
Beeton, “raramente é apropriado para pequenos estabelecimentos, pois
exige um grande número de criados para trinchar e servir os convidados.” E
também exigia uma fartura em faqueiros e porcelanas. The Habits of Good
Society, sem data, mas provavelmente da década de 1850, referia-se a isso
como “um costume estrangeiro recentemente introduzido neste país…”.35
Seu triunfo também estava ligado ao surgimento de uma nova classe média
extremamente rica. A oportunidade de uma exibição ostentatória e a
necessidade de um pequeno exército de criados tornaram o service à la
russe uma escolha possível apenas para os que podiam pagar. Além disso,
ao utilizar empregados domésticos para trinchar e servir, esse estilo deixava
mais claras as distinções sociais — ninguém na mesa tinha qualquer coisa a
ver com a manipulação da comida. E também possibilitava o renascimento
da arte de pôr a mesa e decorá-la, ou melhor, o retorno às glórias do secular
aparador. Como antes, tudo girava em torno da exibição — mostrar as
riquezas do proprietário em objets como centros de mesa e candelabros de
prata, sofisticados arranjos de flores, frutas e doces arrumados como
naturezas-mortas… Em suma, exercícios de riqueza e bom gosto.

O RITUAL E A ETIQUETA DO JANTAR


O século XIX testemunhou uma mudança de comportamento tão
fundamental quanto a que motivara o discurso de Erasmo sobre boas
maneiras três séculos antes.36 A nova sociedade urbana gerada pela
indústria exigia uma reestruturação da etiqueta. Na Inglaterra, após a
ampliação do direito de voto em 1832, os costumes da antiga era
aristocrática finalmente evoluíram para o que chamamos de boas maneiras,
um conjunto de regras definidas por classes em que um dos objetivos
básicos era preservar a casta dos admitidos e manter de fora os não
reconhecidos. As boas maneiras falavam uma língua elaborada e impunham
uma disciplina a ser aprendida por quem desejasse ascender a um nível
mais elevado na sociedade. Aqueles que já pertenciam ao círculo mágico
exibiam boas maneiras sem qualquer piedade, como uma forma de
exclusão, seja cristalizando códigos de comportamento para indicar sua
própria superioridade, seja mudando-os a seu bel-prazer, para tornar ainda
mais difícil aos nouveaux a tarefa de chegar lá.
O jantar festivo era um longo exercício de boas maneiras. Graças a isso
nasceu uma pletora de livros destinados a apresentar aos ignorantes um guia
detalhado sobre todas as sutilezas e formalidades exigidas em tal ocasião.
Esses manuais de etiqueta, ao buscar os mínimos detalhes, nos dão mais
informações sobre a mesa do que as que tínhamos nos períodos
precedentes. O que não sabemos é a precisão com que registram a
realidade. Foi a Inglaterra — onde a pressão social vinda de baixo era mais
poderosa — que abriu o caminho nesse gênero. Os livros ingleses eram
muito influentes no exterior, especialmente na Alemanha. Vistos de maneira
geral, tornavam-se inevitavelmente repetitivos. Portanto vamos sintetizar
seus comentários para retratar o convidado de um jantar entre a década de
1850 e a eclosão da guerra em 1914. O cenário, de uma maneira geral, era o
que se descreve a seguir.37
Duas ou três semanas antes enviavam-se os convites impressos em
cartões adequados. (No caso de um convidado de honra muito importante, o
convite devia ser enviado seis semanas antes.) Todos os jantares
começavam com uma análise a respeito do número e do tipo de
participantes. Seis, oito ou dez eram considerados os números ideais, pois
facilitavam a conversa à volta da mesa. No entanto, admitia-se que a festa
incluísse até 20 pessoas. Os convidados deveriam ser de mesma posição
social, partilhar os pontos de vista e manter o mesmo estilo de vida. Um
livro escrito em 1850 relaciona as várias profissões, inclusive medicina,
exército e marinha, consideradas presenças aceitáveis em mesas de jantar,
juntamente com artistas, arquitetos e escultores, “mas nem sempre suas
famílias”. Isso denota que o homem poderia ser convidado sem a esposa,
caso ela fosse considerada socialmente inaceitável. Os convites não eram
entregues pelo correio, mas em mãos, por intermédio de um criado.
As mulheres sempre se vestiam com mais esmero em tais situações, mas
a codificação dos trajes masculinos para a noite, tal como sobrevive hoje, só
foi fixada ao final da década de 1860.38 Cassell’s Household Management,
publicado naquela época, observa: “Para o cavalheiro, o traje usado num
jantar de gala é estritamente casaca com colete aberto e laço branco no
pescoço.” Até a década de 1830 não havia qualquer sinal de código de
roupas específico para a noite, mas gradualmente tornaram-se norma as
calças pretas de seda ou lã abotoadas no tornozelo para deixar a perna mais
elegante. A passagem para o que atualmente chamamos de “gravata branca”
deve ter sido lenta, mas todos os elementos já estavam firmes em seu lugar
na década de 1870: paletó preto, colete branco, colarinho, peitilho da
camisa engomado, cartola, capa e cravo na lapela. Esse conjunto sobreviveu
quase sem qualquer mudança para as ocasiões de gala, como um jantar
formal no palácio de Buckingham ou na Royal Academy de Londres. Na
década de 1890 o preto foi adotado pelos criados como uniforme para a
noite, sem dúvida para evitar a confusão produzida pelo surgimento do
smoking semiformal e mais comum, ainda usado em nossos dias.
A hora de chegada dos convidados era, como já vimos, entre 19:45 e 20
horas, ou entre 20 e 20:15. Quando eles chegavam, os criados guardavam
chapéus e casacos. As mulheres usavam luvas. Os convidados, sozinhos,
em pares ou grupos, eram levados até o salão pelo mordomo ou por outro
criado e anunciados ao entrarem na sala. As damas sempre entravam à
frente dos cavalheiros, e o casal e os anfitriões apertavam-se as mãos. O
costume era as mulheres se sentarem e os cavalheiros ficarem de pé. Eram
feitas as apresentações, e os homens se curvavam, mas não trocavam
apertos de mão. O anfitrião dizia a cada cavalheiro que dama ele deveria
acompanhar até a mesa.
A reunião na sala de visitas não demorava muito. Não se serviam
bebidas, embora na França às vezes se oferecesse um aperitivo. Quando o
mordomo anunciava o jantar, formava-se uma procissão. John Trusler, em
seu Honours of the Table (1788), registra como novidade imprópria a
colocação dos sexos alternadamente em torno da mesa, o que logo passaria
a ser a norma e exigiria algum tato de combinação. O que havia sido a
chegada um tanto aleatória na sala de jantar (que continuava a acontecer na
França) evoluiu para uma procissão formal encabeçada pelo anfitrião de
braço com a dama mais importante, seguidos em ordem hierárquica por
uma série de pares, terminando com a anfitriã de braço com o principal
convidado masculino.
A preocupação com a precedência permanecia viva. O anfitrião e a
anfitriã geralmente sentavam-se em extremidades opostas, ou, caso
houvesse muitos comensais, no meio, tendo à direita os convidados
principais (na França era à esquerda). Os anfitriões diziam aos convidados
quais eram seus lugares ou colocavam cartões com os nomes. O uso deste
recurso ia e vinha com a moda. “Madge” observou: “É constrangedor,
nestes dias de vista fraca e salas pequenas, ver vários casais andando para lá
e para cá tentando decifrar seus nomes nos pequeninos cartões.”
Gwen Raverat, ao relatar sua infância em Cambridge no final do período
vitoriano, nos dá uma descrição muito viva da imbecilizante formalidade
dos jantares governados pela precedência:
Tanto os jantares formais como os comuns eram muito importantes em Cambridge. Em nossa
casa as festas reuniam geralmente 12 ou 14 pessoas, e todos que tinham status eram chamados
estritamente por turnos.
Os convidados sentavam-se de acordo com o protocolo, e os diretores segundo as datas de
fundação dos colleges, exceto o vice-chanceler, que sempre vinha antes de todos. Após os
mestres vinham os professores de cátedras fundadas pela realeza, por ordem de temas, sendo
teologia a primeira de todas; e os outros professores, segundo a data das cátedras, e assim por
diante, por todos os graus da hierarquia.39

A mesa era em si um monumento à opulência, especialmente se o jantar


fosse servido àla russe. A decoração tornava-se um desafio para a anfitriã.
Na década de 1850, o que em épocas anteriores havia sido raro e incomum,
graças à manufatura em massa, ficou disponível em grande quantidade a
todos os que tinham meios: cutelaria, vasos, flores artificiais, épergnes e
qualquer tipo de centro de mesa — de prata ou prateados, tudo o que
pudesse ser usado para enfeitar uma mesa. Dessa forma, o status já não
podia ser medido apenas pela exibição de uma abundância de parafernálias
dispendiosas. Os novos critérios eram muito menos óbvios e mais difíceis
de satisfazer — bom gosto e estilo. Embora a sala de jantar continuasse
sendo um domínio definitivamente masculino, a mesa era feminina.
Assim, a decoração das mesas era inevitavelmente uma confusão à
medida que a moda flutuava. Um livro brada contra “chinelos [de prata]
como vasos de flores numa mesa de jantar. A associação de sapatos com
comida não é uma idéia muito agradável”.40 Um outro, publicado em 1904 e
dedicado às artes do lar, denuncia o mau gosto: “flores de arame retorcidas
nas posições mais impossíveis, com folhas tortuosas dando laçadas,
guarnecidas de pássaros empalhados e borboletas falsas, acompanhadas de
objetos de porcelana e corujas com velas na cabeça.”41 No caso do service à
la russe, esses objetos bizarros tinham de incorporar tudo o que fosse
servido depois como sobremesa. Várias vezes os livros chamaram a atenção
para a necessidade de os convidados poderem se ver por sobre a mesa, sem
serem tapados por um ramo de trigo e de flores. Depois da década de 1850,
quando as flores naturais substituíram as artificiais, não surpreende que a
decoração se tornasse um problema constante. As mutáveis dunas da moda
pareciam ter se transformado em areia movediça na qual uma anfitriã
emergente mas pouco observadora podia afundar.

A ida para o jantar. Do livro English Society at Home, 1880, de George du Maurier.

Quanto à iluminação, as velas deram lugar ao gás e finalmente, por volta


de 1900, à eletricidade. Quando cada um dos novos métodos se tornava
comum, as classes emergentes iam adiante, chegando ao final do período de
volta onde haviam começado: ao jantar à luz de velas. Após um século isso
ainda permanece.
As tentativas de classificar as pessoas segundo o gosto nunca cessaram.
A sra. Loftie, pioneira da revista House Beautiful, escreveu um livro
chamado The Dining-Room (1878) em que dá o que chamava de
“informações aos ignorantes e ajuda aos que progrediam”. Levantava as
mãos em horror para as flores que se assemelhavam aos vasos de meados
do período vitoriano, preferindo os botões jogados cuidadosamente sobre a
mesa. Censurava também os “assustadores pesadelos produzidos pelos
fabricantes de porcelana, e enquanto as pessoas gostarem de ter nos pratos
lagostas vermelhas escarrapachadas, borboletas, caramujos, lagartas ou
cacatuas, elas ficarão satisfeitas.”42 O bom gosto na mesa era um campo
minado.
Uma grande variedade de talheres, taças, toalhas e guardanapos esperava
o convidado. Sobre a toalha branca adamascada e engomada que continuava
sendo uma característica insubstituível e admirável, porque refletia a luz,
era colocada uma bateria de talheres.43 O conjunto típico consistia em duas
facas grandes, faca e garfo de prata para peixe, uma colher de sopa e três
garfos grandes. No século XVIII os talheres não eram tão abundantes;
costumava-se retirá-los, lavá-los e trazê-los de volta quando os pratos eram
trocados durante o jantar. Mas agora todo o necessário para a refeição —
exceto para a sobremesa — ficava pronto para ser usado. Começava-se de
fora para dentro. Variava-se a posição das lâminas das facas (voltadas para
fora ou para dentro) e dos dentes do garfo (para cima ou para baixo).
Apareceram tipos especiais de cutelaria, como facas de peixe;
anteriormente o peixe era comido apenas com o garfo, ajudado por um
pedaço de pão. Acreditava-se que o ácido das frutas corroía as lâminas de
aço, o que criou os serviços especiais de sobremesa em prata, prata dourada
ou ouro. Tudo era multiplicado e categorizado, um exercício típico do amor
vitoriano pela classificação das coisas.
Por volta de 1900, em conseqüência da produção em grande escala,
possuir uma fileira de talheres já não era suficiente para distinguir alguém.
Aqueles que criavam moda adotaram novos métodos de usá-los. A faca, por
exemplo, desenvolveu uma lâmina arredondada, não mais em ponta, pois a
comida já podia ser espetada no prato com o onipresente garfo. “Madge”,
na década de 1890, escrevia que a regra mais segura era jamais usar colher
ou faca quando um garfo fosse suficiente. Assim completamos finalmente o
ciclo do tempo em que o garfo, pouco mais que uma ostentação periférica,
assumiu seu papel como instrumento mais importante para levar comida à
boca. O triunfo foi tão completo que hoje em dia vivemos a era do garfo.
Mas era preciso tomar cuidado. Comer podia ser traiçoeiro para a
posição social. A infatigável “Madge” escrevia de novo, por exemplo, que o
queijo devia ser cortado em pequenos pedaços, colocado num pedaço de
pão ou de biscoito e então levado à boca. “Muito poucas pessoas continuam
a comê-lo à maneira antiga, levando-o à boca com a faca.” (Ela nos mostra
de relance uma maneira de comer queijo que era antes inteiramente
aceitável.) Charles Day, em Etiquette and Usages of Society, de 1840,
declarava que comer qualquer coisa com a faca era “horrivelmente vulgar”.
Facas deviam ser usadas para costeletas, aves e caças; garfo e faca para
aspargos; todos os pratos deviam ser comidos com garfo, os doces também,
exceto as frutas, que podiam ser comidas também com colher. O que se
percebe aí é que apenas neste século segurar e usar garfo e faca com ambas
as mãos finalmente se tornou uma norma plenamente aceitável. (No
entanto, não de maneira universal, pois nos Estados Unidos a faca é posta
no prato enquanto a comida é levada à boca com o garfo.)
Outros refinamentos nos usos à mesa surgiram à medida que a barreira
da repugnância continuava a crescer. Na Inglaterra de 1840 lavar a boca à
mesa já era considerado um “hábito imundo”.44 Nessa data ainda era
aceitável na França, e na Alemanha continuou sendo até a década de 1860.
Por volta de 1900 essa prática, junto com os palitos, havia sido banida das
mesas educadas dos três países. Os costumes também mudaram. Na
Inglaterra, por exemplo, o velho costume de
o anfitrião ou um convidado tomar vinho com outro comensal, uma
espécie de brinde mútuo, caiu em desuso na década de 1850.
Como se os talheres não fossem desafio suficiente, o comensal
inexperiente encontrava à esquerda um prato lateral com um guardanapo
dobrado embrulhando uma fatia de pão, e à direita um pequeno exército de
taças. À frente havia um cardápio e, próximo, um saleiro. Tratar dessas
coisas era simples, exceto talvez as taças.45 Geralmente eram três, uma para
o xerez, outra para o hock (como o vinho branco alemão era chamado) e
uma terceira para champanhe. Copos sem pé para água ficavam no aparador
e eram trazidos por um criado, quando pedidos. No século XVIII as taças
não ficavam na mesa; um criado trazia-as e depois levava-as de volta para
serem lavadas. Mas o vidro tornara-se tão farto que os copos passaram a
fazer parte dos adereços da mesa na Inglaterra desde 1800, e na França a
partir de 1820. À medida que o século avançava, as taças desenvolveram
seus próprios tamanhos e formatos particulares para cada tipo de bebida.
Em alguns casos — o hock, por exemplo — podiam ser de vidro colorido.
O número de criados necessários para um jantar dependia
inevitavelmente do tamanho do evento. Uma refeição para dez exigia
mordomo e dois copeiros. Todos os criados eram homens; criadas à mesa
eram vistas como prática totalmente déclassé. Dessa forma, quem tinha
poucos criados era obrigado a promover o jardineiro ou até mesmo a
contratar o verdureiro da vizinhança (como sugere Thackeray). O serviço
em si percorria toda a mesa, começando pelas pessoas sentadas à direita do
anfitrião e anfitriã. As senhoras, ao sentar, tiravam as luvas.
A essência do jantar era a conversa. Funcionava segundo um princípio
pendular, iniciando com o anfitrião a falar com a senhora à sua esquerda.
Um tópico era absolutamente proibido: qualquer comentário sobre a comida
era considerado além dos limites. Mas conversar bem era considerado vital,
e todos os livros de etiqueta tratam disso extensivamente. Na verdade o
jantar festivo deu nascimento a uma nova figura, o conversador. O poeta
Robert Browning, por exemplo, era considerado “uma das mais instrutivas
e interessantes conversas ao jantar em toda a Londres”. Assim, o culto ao
jantar inaugurou uma nova arena de competição social, em que o sucesso
dependia de recrutar os melhores conversadores — convidados educados,
informados e inteligentes, mas que em hipótese alguma falariam de coisas
como religião e darwinismo, capazes de provocar dissensões.46
O jantar seguia com uma sucessão de pratos e vinhos de maneira fixa e
previsível: xerez após sentar à mesa, vinho branco com o peixe e
champanhe após a primeira entrée (e até a sobremesa). A essa altura
retiravam-se os pratos, e um prato de sobremesa era colocado diante de
cada comensal. (Se fossem servir gelados seria incluído um recipiente de
gelo.) No prato ou pratos havia uma lavanda sobre um guardanapo para
enxugar os dedos, uma colher de ouro ou de prata para o sorvete e uma faca
e um garfo de sobremesa. O comensal pegava os talheres e colocava-os ao
lado dos pratos, e a lavanda à sua frente. Ao mesmo tempo eram postas as
taças para xerez e clarete, e uma jarra de clarete e duas garrafas de xerez
ficavam diante do anfitrião. As cestas de frutas eram então trazidas do meio
da mesa.
Terminada a sobremesa, a anfitriã olhava para a convidada principal e as
damas se erguiam, calçavam de novo as luvas e deixavam a sala. Na Europa
continental, convidados e convidadas levantavam-se juntos, mas na
Inglaterra continuava a separação de sexos, costume que na década de 1850
já tinha alcançado as classes médias. Depois que as mulheres saíam, os
homens juntavam mais as cadeiras em volta da mesa para tomar clarete e
fumar charutos e cigarros. A conversa assumia um caráter mais masculino,
e, após algum tempo que variava entre um quarto e três quartos de hora, os
homens se levantavam e iam ao encontro das senhoras na sala de estar.
Enquanto isso as damas se serviam de café, que então era levado para a
sala de jantar, para os cavalheiros. Quando eles finalmente apareciam, às
vezes servia-se chá; as conversas se generalizavam e muitas vezes alguém
cantava ou tocava. Tudo isso demorava uma hora no máximo, significando
que às 22:30 o evento havia terminado. O anfitrião então acompanhava as
principais convidadas femininas até suas carruagens. No começo do século
era costume os criados se colocarem em fila para uma gorjeta, mas em
meados do século isso foi considerado “extremamente vulgar e malvisto”.
Havia um pequeno finale por acontecer: os convidados deveriam retribuir o
convite numa semana. Mas então os anfitriões já estavam imersos no
planejamento da próxima festa, e todo o processo recomeçava.

ONDE ESTAMOS AGORA?


Onde nos encontramos, com a Europa às vésperas de uma guerra
devastadora? Colocado na perspectiva dos séculos pelos quais viajamos, o
jantar festivo ainda representa compromisso, um curioso amálgama da
hierarquia pré-1789 e da igualdade pós-1789. Todos se sentam agora à
mesma mesa, de uma maneira prevista pelos revolucionários, mas os
comensais se posicionam em ordem de precedência. Embora o nascimento
não determine mais se a pessoa deve ou não ser convidada, ainda restam
testes — alguns sutis, outros óbvios — pelos quais se deve passar antes de
ser admitido. Por outro lado, desigualdades como a mesa alta (exceto em
lugares onde ela sobrevive como um arcaísmo), mesas separadas para as
mulheres e comida diferente segundo a posição social desapareceram
completamente. O esnobismo de classe e as divisões sociais estão
firmemente no lugar, mas temperados pela possibilidade de qualquer um ser
admitido. Podemos ainda estar distantes da democracia de rua da Revolução
Francesa, onde todos podiam se juntar à mesa comunal, mas chegamos, de
uma maneira ou outra, à mesa de nossa própria época. Acho que se pode
dizer com alguma precisão que, após a invenção do jantar festivo, o resto da
história dos festejos é pouco mais que uma nota de rodapé.
Pós-escrito: O eclipse da mesa

O banquete de coroação de Eduardo VII, em agosto de 1902, pode ser


visto como o fim de uma era. Por toda a Europa, nas duas décadas
anteriores a 1914, crescera o esplendor do ritual nas cortes européias para
enfrentar o aparecimento do socialismo. O chef real Gabriel Tschumi,
escrevendo em 1954, percebeu o significado da ocasião ao olhar para o
passado:
É pouco provável que um banquete desses seja realizado outra vez, e pelos padrões atuais
[após o racionamento de alimentos da Segunda Guerra Mundial], parece muito extravagante e
esbanjador. O linguado que servimos foi cozido no Chablis e guarnecido com ostras,
camarões e outros tipos de frutos do mar. Servimos uma codorna por pessoa e um terço de
galinha assada muito gorda, além dos aspargos ao molho holandês, rosbife e narcejas que
também compunham o cardápio. Um banquete como este sempre deve terminar com algo
saboroso, como o soufflé parmesan servido em 1902. Usamos 40 gemas de ovo para 250
convidados, um quilo de farinha de trigo e meio de queijo ralado, acrescentando as claras bem
batidas. E não existe sobremesa mais atrativa para um banquete de coroação do que a caisse
de fraises Miramare [um doce de cerejas que Tschumi descrevera antes e que exigiu dos
confeiteiros três dias para fazer as cestas de açúcar que continham o doce, e dos cozinheiros,
mais três para preparar a mistura de geléia de cerejas e o creme de baunilha] … Muitas
decorações da mesa também eram de açúcar. Havia laços e flores de açúcar, e os confeiteiros
fizeram uma grande placa de açúcar com o timbre real que o rei Eduardo adotou. Todos os
convidados ao banquete ganharam de lembrança uma pequena coroa de açúcar.1

Sem dúvida alguma isso está mais próximo do espírito das festas da
Renascença e do período barroco que de qualquer aspecto da vida do século
XX. Mas a eclosão da Primeira Guerra Mundial e o advento do
racionamento universal de alimentos efetivamente decretaram o fim da
cuisine classique e da tradição gloriosa dos banquetes de corte.
O fim da guerra e a abolição da monarquia na Alemanha, Áustria e
Rússia apenas acentuaram a mudança. A tradição secular de grandeza e
opulência já havia desaparecido na França. A Inglaterra era exceção, mas
mesmo aí podemos ver seu triste declínio. Em 1914 a rainha Mary, esposa
de Jorge V, havia limitado seu desjejum de oito pratos a dois. Após 1918 o
jantar foi reduzido de 14 para dez pratos. Em 1932, com o colapso do
padrão ouro, grande parte da equipe da cozinha real tornou-se redundante.
Em 1947, após outra guerra mundial — que deixou a Inglaterra arruinada
—, o desjejum comemorativo do casamento da atual rainha Elizabeth teve
apenas quatro pratos modestos: filet de sole Mountbatten, perdreau en
casserole com haricots verts, pommes noisettes e salade royale, seguida de
bombe glacée princesse Elizabeth e sobremesa. Em meio século uma
grande história havia praticamente acabado.2
Outros fatores também iriam abalar os padrões das refeições das classes
alta e média.3 Depois de 1918, aos poucos os criados foram se tornando
coisa do passado. Depois de 1945 quase deixaram de existir. Um grande
benefício ocorreu no entanto: a mecanização da cozinha. Ao avanço cada
vez maior da geladeira, após a metade do século XX, juntaram-se o fogão a
gás e elétrico, a lavadora de pratos e uma grande variedade de implementos
que trituram, picam, moem e misturam ingredientes. A estes podemos
acrescentar o freezer e o forno de microondas. Novas formas de comércio e
de transporte internacional passaram a oferecer as frutas mais exóticas no
auge do inverno. As estações foram banidas, é possível obter aspargos e
cerejas tanto em dezembro como em junho. Comer fora passou a ser uma
opção para todas as classes da sociedade, à medida que aumentou o número
de restaurantes e se multiplicaram as redes, primeiro nacionais e depois
internacionais. A culinária, que no passado havia sido puramente local,
tornou-se global, com restaurantes indianos, chineses, malaios, libaneses,
japoneses e outros surgindo em todas as grandes cidades.
O século XX foi uma era de grande variedade (ou mesmo cacofonia)
alimentar, mas também de temores culinários. Já em 1900 a nutrição havia
começado a surgir como questão de interesse, passando a ser levada a sério
na década de 1920 — e daí em diante cada vez mais obsessivamente. A
conexão entre dieta e saúde continua a ser uma fixação, para não falar na
obsessão com o emagrecimento, que se transformou em indústria. O século
encerrou-se com as doenças produzidas pela dieta, como obesidade e
anorexia, pressionando-nos de um modo que teria assustado nossos
antepassados.
A história da comida no século XX é confusa, falta-lhe a clareza dos
séculos anteriores e talvez esteja próxima demais para que possamos ter
qualquer grau de objetividade com relação a ela. O próprio termo “festejo”
não parece mais ser pertinente. A mesa, este ícone que acompanhamos ao
longo de dois mil anos de história, tem hoje um significado muito reduzido.
No ritual da missa e da comunhão, nas igrejas cristãs, ela ainda é central
como reencenação da ceia do século I. Nas comunidades religiosas
percebemos ecos de uma maneira de comer que remonta ao final da
Antigüidade e à Idade das Trevas. Comunidades seculares, como empresas
urbanas e antigas universidades, ainda mantêm a estrutura do jantar
medieval, com uma mesa alta, exibição maciça de travessas no aparador e
rituais como a passagem de uma vasilha com água de rosas para as
abluções. E em qualquer grande banquete formal ainda assistimos à entrada
processional em ordem de precedência e revivemos muitas cerimônias das
cortes absolutistas.
Mas tudo isso é uma sobrevivência de outras eras que perdura
inseguramente no que vou chamar de sociedade pós-mesa. Na década de
1980 diminuiu drasticamente o número de ocasiões em que duas ou mais
pessoas sentavam-se juntas à mesa para fazer uma refeição. Na década de
1990 entramos na era da comida rápida. Tudo indica que, para a grande
maioria da população, se foi para sempre a idéia de que pelo menos uma
refeição por dia é uma experiência compartilhada. A mesa não desempenha
mais o papel sociocultural determinante que teve na evolução da sociedade
ocidental. Para todos os propósitos e intenções, os rituais seculares das
refeições foram desconstruídos e substituídos pelo espetáculo de uma figura
solitária mastigando diante de uma tela de TV. Pelo menos entre as classes
mais requintadas o jantar festivo ainda vive. Devemos ser gratos a isso.
Porém, na maioria das vezes, hoje ele acontece num restaurante, tirando
dos anfitriões todo o trabalho de receber em casa. O jantar numa casa
particular, pedra de toque da aceitabilidade social pelos séculos XIX e XX,
na verdade foi substituído por um tipo diferente de filtragem social,
exercida pelo restaurante. Essas instituições determinam quem pode e quem
não pode reservar uma mesa em reuniões que incluem os considerados
gliterati da época. E assim vemos a meritocracia substituir a aristocracia,
numa mistura dos nascidos na idade da mídia, estrelas do palco e das telas,
ídolos pop, estilistas de moda e jogadores de futebol. Ser visto jantando em
tal companhia é outro marco na longa história da admissão à mesa. Assim,
num certo sentido, transportada do palácio, da casa aristocrática e da
mansão burguesa, a mesa que se partilha continua a exercer, mesmo hoje,
seu poder como indício de aspiração, privilégio e aceitação sociais.
Notas

1. Convivium: em Roma… (p.11-43)


1. As citações são de Petrônio, Satyricon, P. G. Walsh, Clarendon (org.), Oxford, 1993, p.12-66.
Para as discussões sobre o texto e sobre o festejo, ibid, “Introdução”; Eugenia Salza Prina Ricotti,
L’arte del convito nella Roma antica, Bretschneider, 1983, p.117-50; Antoinetta Dosi e François
Schnell, A tavola con i romani antichi, Edizioni Quasar, 1984, p.275-80; dos mesmos autores, I
romani in cucina, vita e costumi dei romani antichi, Museo della Civiltà Romana, 1992, p.85-90;
Andrew Dalby e Sally Grainger, The Classical Cookbook, British Museum Press, 1996, p.97-100.
2. Ricotti, p.11-18; Heleen Sancisi-Weerdenburg, “Persian Food. Stereotypes and Political
Identity”, in John Willeins, David Harley e Mike Dobson (orgs.), Food in Antiquity, University of
Exeter Press, 1993, p.286-302; Francis Joannes, “The Social Function of Banquets in Earliest
Civilisations”, in Jean-Louis Flandrin e Massimo Montanari, (orgs.), Food. A Culinary History,
Columbia UP, 1999, p.32-45.
3. Homero, The Odyssey, Loeb Classical Library, 1919, I, p.303.
4. A pesquisa mais importante sobre comida e vinho na Grécia Antiga, a que este relato muito
deve, é Siren Feasts. A History of Food and Gastronomy in Greece, de Andrew Dalby, Routledge,
1996. Ver também Massimo Montanari, “Food Systems and Models of Civilisation”, in Flandrin and
Montanari (orgs.), p.69-78; Marie-Claire Amoureti, “Urban and Rural Diets in Greece”, ibid, p.79-
89; James Davidson, Courtesans and Fishcakes. The Consuming Passions of Classical Athens,
Fontana Press, 1997, p.3-35; Gianni Race, La cucina nel mondo classico, Edizioni Scientifiche
Italiane, 1999, parte I; e os artigos in Willeins, Harley e Dobson (orgs.).
5. Dalby e Grainger, p.19-21; Dosi e Schnell, I Romani in cucina, p.22-5.
6. Elizabeth Craik, “Hippokratic Diaita”, in Willeins, Harley e Dobson (orgs.), p.343-50; Vivian
Nutton, “Galen and the Travellers”, ibid, p.359-70; Innocenzo Mazzini, “Diet and Medicine in the
Ancient World”, in Flandrin e Montanari (orgs.), p.141-52; Mark Grant, Galen on Food and Diet,
Routledge, 2000.
7. Andrew Dalby, “The Banquet of Philoxenus: A New Translation with Culinary Notes”, Petits
propos culinaires, 26, 1987, p.28-36; Dalby e Grainger, p.42-55.
8. Andrew Dalby, “The Wedding Feast of Caranus the Macedonian”, Petits propos culinaires, 29,
1988, p.37-45.
9. Dalby e Grainger, p.11-13.
10. A obra definitiva sobre o banquete cívico é de Pauline Schmitt Pantel, La cité au banquet.
Histoire des repas publics dans les cités grecques, Écoles Françaises de Rome, 1992. Ver também
Louise Bruit, “The Meal at the Hyakinthjia: Ritual consumption and Offering”, in Oswyn Murray
(org.), Sympotica. A Symposion on the Symposion, Oxford, 1994, p.162-74; Pauline Schmitt Pantel,
“A Civic Ritual”, in Flandrin e Montanari (orgs.), p.90-5; da mesma autora, “Sacrificial Meal and the
Symposion: Two Models of Civic Institutions in the Archaic City?”, in Murray (org.), p.14-33; da
mesma autora, “Symposion: banquets, orgies et transgressions. Introductions au débat sur
l’Antiquité”, in Martin Aurell, Olivier Dumoulin e François Thélamon (orgs.), La sociabilité à table.
Commensalité et convivialité à travers les âges, Actes du Colloque de Rouen, Publications de
l’Université de Rouen, 178, p.49-53; Peter Garnsey, Food and Society in Classical Antiquity, CUP,
1999, p.131-6.
11. Eurípides, Íon, Allen & Unwin, 1954, p.85-6.
12. O relato sobre o symposion é de Oswyn Murray, “Sympotic History”, in Murray (org.), p.3-13;
Birgitta Bergquist, “Sympotic Space: A Functional Aspect of Greek Dining-Rooms”, ibid, p.37-65;
Frederick Cooper e Sarah Morris, “Dining in Round Buildings”, ibid, p.66-85; R.A. Tomlinson, “The
Chronology of the Perachora Hestiatorium and its Significance”, ibid, p.95-101; John Boardman,
“Symposion Furniture”, ibid, p.122-31; Jan N. Bremmer, “Adolescents, Symposion, and Pederasty”,
ibid, p.135-48; Ezio Pellizer, “Outlines of a Morphology of Sympotic Entertainemnent”, ibid, p.177-
84; Burkhard Fehr, “Entertainers at the Symposion”, ibid, p.185-95; François Lassarague, “Around
the Krater: An Aspect of Banquet Imagery”, ibid, p.196-209; do mesmo autor, The Aesthetics of the
Greek Banquet. Images of Wine and Ritual, Princeton UP, 1990, esp. p.3-18 e 123-39; Massimo
Vetta, “The Culture of the Symposion”, in Flandrin e Montanari (orgs.), p.96-105; Oswyn Murray,
“Les Règles du Symposion ou comment problématiser le plaisir”, in La Sociabilité à table, p.65-9;
Davidson, p.43-9.
13. Xenofonte, Anabasis … and Symposion and Apology, Loeb Classical Library, 1922, p.373ss.
14. A obra fundamental é de Jacques André, L’Alimentation et la cuisine à Rome, Les Belles
Lettres, Paris, 1981. Ver também Ricotti, p.219-34; Dosi e Schnell, A tavola con i romani antichi,
p.18ss; dos mesmos autores, I romani in cucina; Garnsey, p.122ss.
15. The Attic Nights of Aulus Gellius, Loeb Classical Library, 1927, II, p.65-67.
16. Race, p.172-3.
17. J.P.V.D. Balsdon, Life and Leisure in Ancient Rome, The Bodley Head, 1969, p.44.
18. Florence Dupont, “La consommation du pourri et la sociabilité alimentaire à Rome”, in Aurell,
Dumoulin e Thélanom (orgs.), p.29-32.
19. Balsdon, p.39-40; Ugo Enrico Paoli, Rome. Its People, Life and Customs, Longmans, 1963,
p.97; Apício, Cookery and Dining in Imperial Rome, Joseph Dommers Vehling (org.), Dover, 1977,
p.24-6; Dosi e Schnell, A tavola com i romani antichi, p.291-6; dos mesmo autores, I Romani in
cucina, p.32ss.
20. Para edições de Apício, ver Barbara Flower e Elisabeth Rosenbaum, The Roman Cookery
Book, Harrap, 1958; John Edwards, The Roman Cookery of Apicius, Rider Books, 1988; Apício,
Cookery and Dining in Imperial Rome. Para estudos sobre ele, ver Race, p.191-229; Ricotti, p.207-
18; Carol A. Dery, “The Art of Apicius”, in Cooks and Other People, Proceedings of the Oxford
Symposium on Food and Cookery, 1995, Prospect Books, 1966, p.11-17; Dalby e Grainger, p.13-16;
Jon Solomon, “The Apician Sauce: Ius Apicianum”, in Willeins, Harley e Dobson (orgs.), p.115-31.
21. Sobre a estrutura das refeições diárias em Roma, ver Paoli, p.92-6.
22. Sobre a frugalidade, ver Emily Gowers, The Loaded Table. Representations of Food in Roman
Literature, Clarendon, 1993, p.16-19.
23. Cicero, Two Essays on Old Age and Friendship, Londres, Mackmillan & Co., 1927, p.69.
24. Dupont, in Aurell, Dumoulin e Thélamon (orgs.), p.29-32. Sobre o convivium em geral, ver
Georges Duby e Philippe Ariès (orgs.). A History of Private Life, I, Paul Beyne (org.), From Pagan
Rome to Byzantium, Harvard UP, 1987, p.186-9. (Ed. bras.: História da vida privada 1, Do Império
Romano ao ano mil, São Paulo, Companhia das Letras, 1990.)
25. Sobre origem e desenvolvimento, ver Annette Rathje, “The Adoption of the Homeric Banquet
in Central Italy in the Orientalising Period”, in Murray (org.), p.279-88; Garnsey, p.136-8.
26. Lilian M. Wilson, The Clothing of the Ancient Romans, Johns Hopkins UP, Baltimore, 1938,
p.78-83 e 169.
27. Marcial, Epigrams, D.R. Shackleton Bailey (org.), Loeb Classical Library, 1993, I, p.423(7).
28. The Roman History of Ammianus Marcellinus, Bohn’s Classical Library, 1894, p.489.
29. Plínio o Moço, Letters and Panegyricus, Loeb Classical Library, 1969, I, p.97.
30. Citado em Gowers, p.26.
31. Ver John d’Arms, “The Roman Convivium and the Idea of Equality”, in Murray (org.), p.308-
20.
32. Sobre hierarquia na comida, ver Mireille Corbier, “The Broad Bean and the Moray: Social
Hierarchies in Food in Rome”, in Flandrin e Montanari (orgs.), p.128-40.
33. Cícero, Letters to Atticus, Loeb Classical Library, 1918, III, p.214.
34. Plínio, Letters and Panegyricus, ed. cit., I, p.96-7.
35. Marcial, Epigrams, ed. cit., I, p.245.
36. John d’Arms, “Slaves at Roman Convivia”, in W.J. Slater (org.), Dining in a Classical
Context, Ann Arbor, 1991, p.171-83.
37. Sobre o triclinium, ver Rave, p.151-4; Paoli, p.64-5; Dosi e Schnell, A tavola com i romani
antichi, p.48-9; Katherine M.D. Dunhabin, “Triclinium and Stibadium”, in Slater (org.), p.121-48.
38. Dosi e Schnell, A tavola com i romani antichi, p.314-22.
39. Suetônio, The Twelve Caesars, Penguin, 1957, p.229.
40. J. Carcopino, Daily Life in Ancient Rome, Routledge, 1941, p.272-3.
41. Idem.
42. Alan Booth, “The Age for Reclining and its Attendant Perils”, in Slater (org.), p.105-20.
43. Para a cena, ver W. Warde Flower, Social Life in Rome in the Age of Cicero, Macmillan,
Londres, 1909, p.2.276-82; Carcopino, p.263-76; Race, p.170-2; Ricotti, p.18-25; Paoli, p.92-6;
Florence Dupont, “The Grammar of Roman Dining”, in Flandrin e Montanari (orgs.), p.113-27;
Gowers, cap. 1; Andrew Dalby, Empire of Pleasures: Luxury and Indulgence in the Roman World,
Routledge, 2000, p.243-57; Dosi e Schnell, A tavola com i romani antichi, p.43-7 e 52-69; Balsdon,
p.632-41.
44. Macróbio, The Saturnalia, Columbia UP, 1969, p.229 e 248.
45. Ibid, p.55.
46. Cícero, De officiis, Loeb Classical Library, 1913, p.135-41.
47. Plínio, Letters, op. cit. I, p.473.
48. Cícero, Letters to Friends, Loeb Classical Library, 2000, III, p.196-7.
49. The Attic Nights of Aulus Gellius, op.cit., I, p.99.
50. Marcial, Epigrams, op.cit., I, p.237 (50).
51. Em geral ver Balsdon, p.46-7; Richard C. Beacham, Spectacle Entertainments of Early
Imperial Rome, Yale UP, 1990, p.197ss.
52. Christopher P. Jones, “Dinner Theater”, in Slater (org.), p.185-98.
53. Dosi e Schnell, A tavola con i romani antichi, p.299-328; Paul Veyne, Bread and Circuses.
Historical Sociology and Political Pluralism, Penguin, 1990, p.220-1.
54. Stanislaus Mrozek, “Caractère hiérarchique des repas officiels dans les villes romaines du
Haut-Empire”, in Aurell, Dumoulin e Thélamon (orgs.), p.181-5.
55. Race, p.393ss.
56. Suetônio, p.273-4.
57. Beacham, p.221-2; Tácito, The Annals of Imperial Rome, Penguin, 1959, p.351; Dio’s Roman
History, Loeb Classical Library, 1961, VIII, p.109-10.
58. Ibid, VIII, p.335-6; Phyllis P. Brober, “The Black or Hell Banquet”, in Fasting and Feasting,
Oxford Symposium on Food and Cookery, 1990, Prospect Books, 1990, p.55-7.
59. Jeremy Rossiter, “Convivium and Villa in Late Antiquity”, in Slater (org.), p.199-214. Para os
textos, ver Sidônio, Poems and Letters, Loeb Classical Library, 1936, I, p.427 e 453-7.
60. Antimo, On the Observance of Foods, Mark Grant (org.), Prospect Books, 1996.
61. The Works of Luitprand of Cremona, Routledge, 1930, p.241, 247 e 254; para a tradição
bizantina, ver Ewald Kislinger, “Christians of the East. Rules and Realities of the Byzantine Diet”, in
Flandrin e Montanari (orgs.), p.194-206.
62. Citado em Andrew Dalby, “Christmas Dinner in Byzantium”, in Food on the Move,
Proceedings of the Oxford Symposium on Food and Cookery, 1996, Prospect Books, 1997, Harlan
Walker (org.), p.75-83.
63. Ibid, p.80.

2. Interlúdio: banquete e jejum (p.45-67)


1. H.E. Butler (org.), The Autobiography of Giraldus Cambrensis, Cidade do Cabo, 1937, p.70-2.
2. Ibid, p.72.
3. Massimo Montanari, “Romans, Barbarians, Christians. The Dawn of European Food Culture”,
in Jean-Louis Flandrin e Massimo Montanari (orgs.), Food. A Culinary History, Columbia UP, 1999,
p.165-7.
4. Dos mesmos autores, “Production Structures and Food Systems in the Early Middle Ages”,
“Peasants, Warriors, Priests. Images of Society and Styles of Diet” e “Toward a New Dietary
Balance”, ibid, p.168-75, 178-85 e 247-50. Também Antoni Riera-Melis, “Society, Food and
Feudalism”, ibid, p.251-60.
5. T. Sarah Peterson, Acquired Taste. The French Origins of Modern Cooking, Cornell UP, 1994,
cap.1.
6. Para o que se segue, ver Robin Lane Fox, Pagans and Christians, Viking, 1986, p.395-6;
especialmente Veronika E. Grimm, From Feasting to Fasting. The Evolution of a Sin. Attitudes to
Food in Late Antiquity, Routledge, 1996; e também Bridget Henisch, Fast and Feast. Food in
Medieval Society, Pennsylvania State UP, 1976, cap.1, passim.
7. Cardeal Casquet, The Rule of St. Benedict, Chatto & Windus, 1925. Para o monasticismo e o
surgimento das boas maneiras, ver Leo Moulin, Les liturgies de la table. Une histoire culturelle du
manger et du boire, Fonds Mercator, Albin Michel, 1989, p.187-90.
8. Wolfgang Braunfels, Monasteries of Western Europe. The Architecture of the Orders, Thames
& Hudson, 1972, p.12-19 e 147-51.
9. Ver Riera-Melis, “Society, Food and Feudalism”, in Flandrin e Montanari (orgs.), p.260s;
Philippe Ariès e Georges Duby (orgs.), A History of Private Life, II, Georges Duby (org.),
Revelations of the Medieval World, Harvard UP, 1988, p.44-55. (Ed. bras.: A história da vida privada
2, Da Europa feudal à Renascença, São Paulo, Companhia das Letras, 1990.)
10. John Goodall, “How the Monks of Fountains Sat Down to Eat”, Country Life, 29 de novembro
de 2001, p.58-61.
11. Henisch, cap.1.
12. Marjorie A. Brown, “The Feast-Hall in Anglo-Saxon Society”, in Martha Carlin e Joel T.
Rosenthal (orgs.), Food and Eating in Medieval Europe, The Hambledon Press, 1998, p.1-13.
13. Régis Boyer, “‘Dans Upsal ou les Jarls boivent la bonne bière’: rites de boisson chez les
vikings”, in Martin Aurell, Olivier Moulin e François Thélemon (orgs.), La Sociabilité à table.
Commensalité et convivialité à travers les ages, Actes du Colloque de Rouen, Publications de
l’Université de Rouen, no 178, 1994, p.83-9.
14. P.E. Schramm, A History of the English Coronation, Clarendon, 1937, p.3, 62-3; Zeer
Gourarier, “Modèles de cour et usages de table: les origins”, in Versailles et les tables royals en
Europe XVIIe-XIXe siècle, Musée National des Châteaux des Versailles et de Trianon, catálogo de
exposição, 1993-4, p.16-17.
15. Ver Elisa Acanfora, “La tavola”, in Sergio Bertelli e Giuliano Crifo (orgs.), Rituale,
cerimoniale, etichetta, Bompiani, 1985, p.53-66.
16. Gerd Althoff, “Obbligatorio mangiare: pranzi, banchetti e feste nella vita sociale del
Medioeveo”, in Jean-Louis Flandrin e Massimo Montanari (orgs.), Storia del’alimentazione, Laterza,
1997, p.234-42.
17. A. J. Grant (org.), Early Lives of Charlemagne by Einhard and the Monk of St Gall, De la
More Press, 1905, p.39.
18. Janet L. Nelson, “The Lord’s Anointed and the People’s Choice: Carolingian Royal Ritual”, in
David Cannadine e Simon Price (orgs.), Rituals of Royalty. Power and Cerimonial in Traditional
Societies, CUP, 1987, p.172-5; M. Rouche, “Le repas de fête à l’époque carolingienne”, in Denis
Menjot (org.), Manger et boire au Moyen Age, Actes du Colloque de Nice, 1982, Publications de la
Faculté des Lettres et Sciences Humaines de Nice, no 27, 1a série, Les Belles Lettres, 1984, p.265-96.
19. Ariès e Duby (orgs.), II, p.71-5.
20. Elizabeth Lamond, Walter of Henley’s Husbandry, Longmans, Green & Co., 1890, p.121ss.
21. William Michael Rossetti, Italian Courtesy Books, EETS, 1869.
22. Ibid, p.112.
23. Ibid, p.144-5.
24. Jacques le Goff, “Saint Louis à table: entre commensalité royale et humilité alimentaire”, in
Aurell, Dumoulin e Thélemon (orgs.), p.133-44.
25. Natalis de Wailly (org.), The Life of Saint Louis by John of Joinville, Sheed & Ward, 1955,
p.47-8.
26. Ibid, p.196-7.

3. Aos olhos do espectador (p.69-111)


1. O texto está publicado tanto no catalão original como numa tradução em Plaisirs et manières de
table aux XIVe et XVe siècles, catálogo de exposição, Toulouse, Musée des Augustins, 1992, p.308-9.
2. Sobre o surgimento dos livros de receita, ver Stephen Mennell, All Manners of Food. Eating
and Taste in England and France from de Middle Ages to the Present, Basil Blackwell, 1986, p.49-
54; Bruno Laurioux, Le Moyen Age à table, Paris, Adam Biro, 1989, p.110-12; do mesmo autor,
“Entre savoirs et pratiques: le livre de cuisine à la fin du Moyen Age”, Médiévales, XIV, 1988, p.60-
9; Carole Lambert (org.), Du manuscrit à la table, University of Montreal Press, 1992; Odile Redon,
Françoise Sabban e Silvano Serventi, A tavola nel medioevo con 150 ricette dalla Francia e
dall’Italia, Editori Laterza, 1995, p.7-11; Terence Scully, The Art of Cookery in the Middle Ages,
Woodbridge, Boydell Press, 1995, p.4-6. Para a contribuição italiana, ver Emilio Faccioli (org.), Arte
della cucina. Libri di Ricette. Testi sopra lo scalco il Trinciante e i vini, Milão, Il Polifilo, 1966.
3. Terence Scully (org.), The Viandier of Taillevent. An Edition of all Extant Manuscripts,
University of Ottawa Press, 1988; Plaisirs et manières de table, p.13-15; Terence Scully, The
Viandier. A Critical Edition with English Translation, Prospect Books, 1997; Bruno Laurioux, Le
Règne de Taillevent. Livres et pratiques culinaires à la fin du Moyen Age, Publications de la
Sorbonne, 1997; A.S. Weber, “Queu du Roi, Roi des Queux: Taillevent and the Profession of
Medieval Cooking”, in Martha Carlin e Joel T. Rosenthal (orgs.), Food and Eating in Medieval
Europe, Hambledon Press, 1998, p.145-6.
4. Eileen Power, The Goodman of Paris (Le ménagier de Paris), George Routledge & Sons, 1928;
Georgina Brereton e Janet Ferrier (orgs.), Le ménagier de Paris, Clarendon, 1981; Plaisirs et
manières de table, p.9-11; Nicole Grossley-Holland, Living and Dining in Medieval Paris, University
of Wales Press, Cardiff, 1996; Alan Davidson, The Oxford Companion to Food, OUP, 1999,
Ménagier de Paris.
5. Constance B. Hiett e Sharon Butler (orgs.), Curye on Inglysche. English Culinary Manuscripts
of the Fourteenth Century, EETS, 1985, p.20-1. Ver também Lorna Sass, To the King’s Taste. Richard
II’s Book of Feasts and Recipes Adapted for Modern Cooking, John Murray, 1976. Para manuscritos
ingleses de receitas do final do período medieval, ver Constance B. Hieatt, “Listing and Analysing
the Medieval English Culinary Recipe Collections: A Project and its Problems”, in Du Manuscrit à
la table, pp.15-26; Thomas Austin (org.), Two Fifteenth-Century Cookery Books, EETS, 1888, e
Constance B. Hieatt, An Ordinance of Pottage, Prospect Books, 1988.
6. Terence Scully (org.), Chiquart’s “On Cookery”. A Fifteenth-Century Savoyard Culinary
Treatise, American University Studies, série IX, History, 22, Peter Lang, 1986.
7. Ibid, p.XVIII-XXV; Scully (org.), The Viandier of Taillevent, p.204; Scully, Art of Cookery,
p.40ss.
8. O que se segue sobre alimentos e bebidas medievais é uma destilação do que já se tornou uma
literatura considerável, da qual as seguintes referências são as mais pertinentes: Redon, Sabban e
Serventi, Plaisirs et manières de table; Scully, Art of Cookery; Laurioux, Le Moyen Age à table,
p.35-50; Laurioux, “Les menus de banquet dans les livres de cuisine de la fin du Moyen Age”, in
Martin Aurell, Olivier Dumoulin e Françoiose Thélemon (orgs.), La Sociabilité à table.
Commensalité et convivialité à travers les ages, Actes du Colloque de Rouen, Publications de
l’Université de Rouen, 1990, p.273-9; Laurioux, “Cucine medievali (secoli XIV e XV)”, in Jean-
Louis Flandrin e Massimo Montanari (orgs.), Storia dell’alimentazione, Roma-Bari, Editori Laterza,
1996, p.356-70; P.W. Hammond, Food and Feast in Medieval England, Alan Sutton, 1993; Barbara
Ketcham Wheaton, Savoring the Past. The french Kitchen and Table from 1300 to 1789, Simon &
Schuster, 1996, p.1-26; Claudio Benporat, Storia della gastronomia italiana, Mursia, Milão, 1990,
p.13-81; Bruno Laurioux, Le règne de Taillevent, Publications de la Sorbonne, 1997; D. Eleanor
Scully e Terence Scully, Early French Cookery. Sources, History, Original Recipes and Adaptations,
Ann Arbor, 1995; Jean-Louis Flandrin e Carol Lambert, Fêtes gourmands au Moyen Age, Paris,
Imprimerie Nationale, 1998; Phyllis Bray Bober, Art, Culture and Cuisine, University of Chicago
Press, 1999, p.230-7.
9. Plaisirs et manières de table, p.21-5.
10. Ibid, p.27-31.
11. Scully, Art of Cookery, p.207-17. Ver também Constance B. Hieatt, “Sorting through the Titles
of Medieval Dishes: What Is, or Is Not, a “Blanc Manger”, in Melitta Weiss Adamson (org.), Food in
the Middle Ages. A Book of Essays, Garland Publishing, 1995, p.25-43.
12. Scully, Art of Cookery, cap.6; Redon, Sabban and Serventi, p.22-4.
13. Hieatt, An Ordinance of Pottage, p15-16.
14. Weber, in Carlin e Rosenthal (orgs.), p.156.
15. Johann Maria van Winter, “Interregional Influences in Medieval Cooking”, in Adamson (org.),
p.61-81.
16. Hall, Chronicle, citada in William Edward Mead, The English Medieval Feast, Londres, Allen
& Unwin, 1967, p.203.
17. Benporat, p.56-9.
18. Barbara Santich, “The Evolution of Culinary Technique in the Medieval Era”, in Adamson
(org.), p.61-81.
19. Laurioux, “Cucine medievali”, in Flandrin e Montanari (orgs.), p.36-61; Plaisirs et manières
de table, p.63-5; Scully, Art of Cookery, p.28ss.
20. Hieatt e Buttler (orgs.), Forme of Cury, p.10-12; Laurioux, “Cucine medievali”, p.362; Jocelyn
Gledhill Russell, The Field of the Cloth of Gold, Nova York, Barnes & Noble Inc., 1969, p.146.
21. Brenda S. Rose, “Aspects of Visual Art in the Gastronomy of Fifteenth-Century France”, in
Harlan Walker (org.), Look and Feel. Studies in Texture, Appearance and Incidental Characteristics
of Food, Proceedings of the Oxford Symposium on Food and Cookery, 1993, Prospect Books, 1994,
p.174-80; Mireille Vincent-Cassy, “La vue et les mangeurs: couleurs et simulacres dans la cuisine
médiévales”, in Banquets et manières de table au Moyen Age, Centre Universitaire d’Études et de
Recherches Médiévales d’Aix, Sénéfiance, nº 38, 1996, p.161-72; ver também, sobre as cores,
Plaisirs et manières de table, p.67-8; Scully, Art of Cookery, p.104-5.
22. C. Anne Wilson, “Ritual, Form and Colour in the Medieval Food Tradition”, in The Appetite
and the Eye, Food and Society, nº 2, University of Edimburgh Press, 1991, p.16-26; T. Sarah
Peterson, Acquired taste: The French Origins of Modern Cooking, Cornell UP, 1994, cap. 1 e 2.
23.Ver o relato em L’Historia de Milano (1557), de Corio, publicado em Benporat, p.39-40.
24. R. Fabyan, The New Chronicles of England, Londres, 1811, p.599-601; Austin (org.), p.XIV.
25. George Cavendish, in Roger Lockyer (org.), Thomas Wolsey, late Cardinal, his Life and
Death, Londres, Folio Society, 1962, p.102-3.
26. O que aparece nesta seção e na próxima é tratado de maneira geral nas seguintes obras:
Bridget Ann Henisch, Fast and Feast. Food in Medieval Society, Pennsylvania State UP, 1976, cap.6;
Madeleine Pelner Cosman, Fabulous Feasts. Medieval Cookery and Ceremony, Nova York, George
Braziller, 1976, p.12-17; Mark Girouard, Life in the English Country House, Yale UP, 1978, p.22ss.;
Laurioux, Le Moyen Age à table, p.95-105 e 119-40; Redon, Sabban e Serventi, p.19ss; C. Anne
Wilson, “From Medieval Great Hall to Country-House Dining Room”, in The Appetite and the Eye,
p.28-37; Zeev Gouranier, “Le ‘banquet’ medieval (XIVe-XVIe siècles)”, in Les Français et la table,
catálogo de exposição, Musée National des Arts et Traditions Populaires, 1985-86, p.149-61.
27. Plaisirs et manières de table, p.52-3.
28. Scully, Art of Cookery, p.66.
29. Hammond, p.120-2.
30. Scully (org.), Chiquart’s “On Cookery”, pp.1-6.
31. Plaisirs et manières de table, p.277. Outros casos em que as quantidades de alimentos são
listadas em detalhe são os da festa dada em 1467 por ocasião da posse de George Neville como
arcebispo de York, J. Leland, in T. Hearne (org.), Collectanea, 1744, VI, p.2ss.; Richard Warner,
Antiquitates Culinariae, Londres, 1791, p.93-101; Mead, p.33; a festa da entronização de William
Warham como arcebispo de Canterbury, Warner, Antiquitates, p.107-24; o banquete do prefeito de
1505, The Babees Boke … The Bokes of Nurture of Hugh Rhodes and John Russell, Frederick
Furnivall (org.), Londres, EETS, 1868, p.378-80.
32. Scully, Art of Cookery, p.236ss.
33. Cavendish, p.46-8.
34. The Babees Boke, p.310ss.
35. Ver Olivier de la Marche, L’Estat de la Maison du duc Charles de Bourgogne, dit le Hardy
(1474), in Richard e Poujoulat (orgs.), Nouvelles collections des mémoires pour servir à l’histoire de
France, 1a série, III, Paris e Lyon, 1850.
36. The Babees Boke, p.61-73; ver também John Russell, The Bokes of Nurture, p.129-30, e
Wynken de Worde, The Boke of Kervynge, p.266. Ver também R.W. Chambers (org.), A Fifteenth-
Century Courtesy Book, EETS, 1914, p.11.
37. Piers Langland, Piers Plowman, Texto B, Passus X, p.97-101.
38. Mark Girouard, Life in the French Country House, Cassell, 2000, p.53ss.
39. Leland, Colectanea, VI, p.2ss.
40. Russell, p.160-3.
41. R. Vaughan, Philip the Good, Longmans, 1970, p.56-7.
42. Ibid, p.49-50.
43. Para a evolução do dressoir, ver R. W. Lightbown, Secular Goldsmith’s Work in Medieval
France: A History, Reports of the Research Committee of the Society of Antiquaries of London, nº
XXXVI, 1978, p.16-17 e 39ss.
44. Ibid, p.40.
45. Mémoires d’Olivier de la Marche, in Richard e Poujoulat (orgs.), Nouvelles collections des
mémoires pour servir à l’histoire de France, 1a série, III, Paris e Lyon, 1850, p.521.
46. Lightbown, p.40.
47. Sydney Anglo, Spetacle, Pageantry and Early Tudor Policy, Clarendon Press, 1969, p.130.
48. Para o que se segue a respeito de baixelas, ver Charles Oman, English Domestic Silver, A &
C. Black, 1934, p.18ss.; Françoise Robin, “Le luxe de la table dans les cours princières (1360-1480)”,
Gazette des Beaux-Arts, 86 (1975), p.1-16; Les fastes du gothique. Le siècle de Charles V, catálogo
de exposição, Paris, Grand Palais, 1981-2, p.204-6 e 220-4; Lightbown, passim; Plaisirs et manières
de table, p.216-21.
49. Lightbown, p.37.
50. Ibid, p.78ss.
51. Lightbown, p.19.
52. Ver Charles Oman, Medieval Silver Nefs, Victoria & Albert Museum, HMSO, 1963.
53. Oman, Domestic Silver, p.29-32; Lightbown, p.29.
54. Ibid, p.11 e 43-5; Les fastes du gothique, p.236.
55. Plaisirs et manières de table, p.103-9, 181-3 e 199.
56. Russell, p.161.
57. Em geral, para os aspectos abordados nesta seção, ver Cosman, p.39-74; Redon, Sabban e
Serventi, p.24-35; quanto às fontes visuais, M. Closson, “Uses et coutumes de table du XIIe siècle au
XVe siècle à travers les miniatures”, in Denis Menjot (org.), Manger et boire au Moyen Age, Actes
du Colloque de Nice, 15-17 out 1982, Publications de la Faculté des Lettres et Sciences Humaines de
Nice, nº 27, 1a série, Les Belles Lettres, 1984, II, p.21-32.
58. Weber, in Carlin e Rosenthal (orgs.), p.147.
59. Ver Flandrin e Montanari (orgs.), p.240 e 241.
60. Sobre o desenvolvimento da hierarquia, ver A.R. Myers (org.), The Household Book of
Edward IV. The Black Book and the Ordinance of 1478, Manchester UP, 1959, p.24; A. Planché, “La
Table comme signe de la classe. Le témoignage du roman du comte d’Anjou (1316)”, in Manger et
boire, I, p.239-60.
61. Austin (org.), p.XI-XII e 55-8; Janet Lawrence, “Royal Feasts”, in Feasting and Fasting,
Proceedings of the Oxford Symposium on Food and Cookery, 1990, Prospect Books, 1990, p.138-42.
62. Giovanna Bonardi, “Manger à Rome. La Mensa pontificale à la fin du Moyen Age. Entre
Cérémonial et alimentation”, in Banquets et manières de table, p.440-2.
63. James Gairdner (org.), William Gregory’s Chronicle of London em The Historical Collections
of a Citizen of London, Camden Society, 17, 1879, p.22-3.
64. Daniele Alexandre-Bidon, “Banchetto d’immagini e ‘antipasti miniati’”, in Flandrin e
Montanari (orgs.), p.417-23.
65. Bruno Laurioux, “Table et hiérarchie sociale à la fin du Moyen Age”, in Carole Lambert
(org.), Du manuscript à table, Universidade de Montreal, 1992, p.87-108; Allen J. Grieco, “Food and
Social Classes in Late Medieval and Renaissance Italy”, in Jean-Louis Flandrin e Massimo
Montanari (orgs.), Food. A Culinary History, Columbia University Press, 1999, p.302-12.
66. A. Rucquoi, “Alimentation des riches, alimentation des pauvres dans um ville castillane au
XVe siècle”, in Manger et boire, I, p.297-312.
67. The Regulations and establishment of the household of Henry Algernon Percy, the 5th Earl of
Northumberland, 1512, Londres, 1770.
68. Frances E. Baldwin, Sumptuary Legislation and Personal Regulation in England, Johns
Hopkins Press, Baltimore, 1926, p.47.
69. Raphaela Averkorn, “L’Organisation et le déroule des banquets dans les villes du Nord de
l’Allemagne au Bas Moyen Age”, in Banquets et manières de table, p.13-34.
70. Hieatt, Ordinance of Pottage, p.18.
71. William Gregory’s Chronicle of London, in Gairdner (org.), p.113-14.
72. Baldwin, p.167.
73. Hammond, p.103-5.
74. The Babees Boke, p.lXXX-lXXXVI.
75. Ver relatos in ibid, p.132-3 e 322-3.
76. Ibid, p.196, 322 e 324-5.
77. Lightbown, p.30.
78. Maria José Palla, “Manger et boire au Portugal à la fin du Moyen Age — textes et images”, in
Banquets et manières de table, p.105-6.
79. Russell, p.160.
80.The Babes Boke, p.140-52, 374-5.
81. Scully, Art of Cookery, p.171; The Babes Boke, p.120.
82. Hammond, p.131-4.
83. Sobre este tópico, ver Scully, Art of Cookery, p.126ss.; Plaisirs et manières de table, p.276;
Cosman, p.20ss.; Cury on Inglysch, p.4-5; Redon, Sabban e Serventi, p.17-19; Jean-Louis Flandrin,
“Structure des menus français et anglais au XIVe et XVe siècle”, in Du Manuscrit à la table, p.173-
92. O debate a respeito da seqüência da refeição deverá ser tema de um livro do prof. Ken Albala, a
quem sou grato.
84. Hieatt e Butler (orgs.), p.40-1, também com um glossário precioso.
85. Para o que se segue, ver Alfred Franklin, La vie privée d’autrefois, Paris, 1889, p.168-87; do
mesmo autor, La civilité, l’étiquette, la mode, le bon ton du XIIe au XIXe siècle, Paris, 1908, I,
passim; William Michael Rossetti, Italian Courtesy-Books, EETS, 1869, p.8-32; Norbert Elias, The
Civilising Process. The History of Manners, Blackwell, Oxford, 1978, p.60-70; Henisch, cap.7;
Scully, Art of Cookery, p.174ss.; Hammond, p.103-4; Jean de la Croix, “Un art des belles manières
de table en Lombardie au XIIIe siècle: De quinquaginta curialitatibus ad mensam (1288) de
Bonvensin de la Riva”, in Banquets et manières de table, p.71-91; Marie-Geneviève Grossel, “La
table comme pierre de touche de la courtoisie: à propos de quelques Chastoiements, ensenhamen et
autres contenances de table”, ibid, p.181-95; Daniela Romagnoli, “‘Guardano sil vilan’. La buone
maniere a tavola”, in Flandrin e Montanari (orgs.), p.396-408; Jonathan Nicholls, The Matter of
Courtesy. Medieval Courtesy Books and the Gawain Poet, D.S. Brewer, 1998, p.7.
86. Ffiona Swabey, “The Household of Alice de Breyne, 1412-13”, in Carlin e Rosenthal (orgs.),
p.33-44.
87. The Babes Boke, p.6.
88. Citado em Redon, Sabban e Serventi, p.9.
89. Le livre du fais et bonnes moeurs du sage roy Charles, citado em Franklin, La Civilité, p.306.
90. Citado em Henisch, Fast and Feast, p.217.
91. The Babees Boke, p.373.
92. H. Aliquot, “Les epices à la table des papes d’Avignon au XVe siècle”, in Manger et boire, I,
p.132-44.
93. Lightbown, p.18-19.
94. Mireille Vincent-Cassy, “La Gula Curiale ou les débordements des banquets au début du
règne de Charles VI”, in Aurell, Dumoulin e Thélemon (orgs.), p.91-102.
95. Mennell, p.41-42; Benporat, p.37.
96. Para o que se segue sobre o desenvolvimento do entremet, ver Benporat, p.38-9; Cosman,
p.31-5; Henisch, cap.8; Agathe Lafortune-Martel, Fête noble em Bourgogne au XVe siècle. Le
Banquet du Faisan (1454): Aspects publiques, sociaux et culturels, Montreal, Institut d’Etudes
Médiévales, Universidade de Montreal, 1984, p.25-54; da mesma autora, “De l’entremets culinaires
aux pièces montées d’un menu de propagande”, in Du manuscrit à table, p.121-9; Terence Scully,
“The Medieval French Entremets”, Petits propos culinaires, 17, 1984, p.44-56; Danielle Queruel,
“Des entremets aux intermèdes dans les banquets bourguignons”, in Banquets et manières de table,
p.143-57; Scully, Art of Cookery, p.104-9; Wilson, “Ritual, Form and Colour in the Medieval Food
Tradition”, p.13-16.
97. Lightbown, p.44.
98. Lafortune-Martel, p.45ss.
99. Vaughan, p.111-12.
100. Chiquart’s “On Cookery”, p.30-7.
101. Vaughan, p.143.
102. Mémoires d’Olivier de la Marche, p.526ss.
103. Ibid, p.548-9. Ver também “Account of the Ceremonial of the Marriage of the Princess
Margaret, Sister of King Edward de Fourth to Charles, Duke of Burgundy…”, Archeologia, 31, 1846,
p.336-7.
104. Sobre as sutilezas, ver Two Fifteenth-Century Cookery Books, p.67-9; Hammond, p.142-3;
Glynne Wickham, Early English Stages 1300-1660, I, 1300 to 1576, Routledge & Kegan Paul, 1980,
p.211, 381.
105. Robert Fabyan, The New Chronicles of England and France, Londres, 1811, p.586.
106. Ver Bertram Wolffe, Henry VI, Eyre Methuen, 1981, p.50-1; The Minor Poems of John
Lydgate, H.N. MacCracken (org.), EETS, 1934, II, p.623-4. Para as sutilezas na entronização de
George Neville, 1465, e de William Warham, 1504, ver Warner, Antiquitates, p.97-8, 113ss.
107. The Babes Boke, p.376-7.
108. Hammond, p.144-8.
109. Reinhard Strohm, The Rise of European Music 1380-1500, CUP, 1993, p.7-13, 313-19; do
mesmo autor, Music in Late Medieval Bruges, Clarendon Press, 1985, p.92-101.
110. Wickham, I, p.213.
111. The Chronicles of Froissart translated … by … Lord Berners, Londres, David Nott, 1902,
p.281-2.
112. Palla, “Manger et boire au Portugal”, p.107-8.
113. Vaughan, p.143.
114. Minor Poems of John Lydgate, II, p.668-701.
115. Anglo, p.101-3; Gordon Kipling, The Triumph of Honour. Burgundian Origins of Elizabethan
Renaissance, Sir Thomas Browne Institute, Universidade de Leiden, 1977, p.102ss.
116. Para a Festa do Faisão, ver Mémoires d’Olivier de La Marche, p.478-88; Lafortune-Martel; F.
Alberto Gallo, Music of the Middle Ages, II, CUP, 1985, p.102-27; M. Santucci, “Nourritures et
symbols dans le Banquet du Faisan et dans Jehan de Sainté”, in Manger et boire, I, p.429-40.
117. Vaughan, p.144-5.
118. Ibid, p.178.
119. G. Hyvernat-Pou, “Un repas princière à la fin du XVe siècle d’après le Roman de Jehan de
Paris”, in Manger et boire, I, p.261-4.
120. R. Vaughan, Charles the Bold, the Last Valois Duke of Burgundy, Longmans, 1973, p.179.
121. Lafortune-Martel, p.72ss.

4. O ritual renascentista (p.113-79)


1. Cristoforo Messisbugo, Banchetti, composizioni di vivende e apparecchio, Neri Pozza, Veneza,
1960, p.31-42; Adriano Cavicchi, “Nel Parnasso dei sensi tra spettaculo, simbolo e storia”, in
Jadranka Bentini, Alessandra Chiappini, Giovanni Battista Panatta e Anna Maria Visser Travagli
(orgs.), A tavola con il principe, catálogo de exposição, Castello Estense, Ferrara, Gabriele Gorbo,
1988-9, p.387-400; Michel Jeanneret, A Feast of Words. Banquets and Table Talk in the Renaissance,
Polity Press, 1991, p.52-4. Para o cardeal Ippolito d’Este, ver Mary Hollingsworth, “Ippolito d’Este:
A Cardinal and his Household”, The Court Historian, 5, 2, 2000, p.105-26.
2. Uma das mais citadas é a festa dada por ocasião da primeira apresentação de La cassaria, de
Ariosto, em 24 de janeiro de 1529; ver Susan Weiss, “Medieval and Renaissance Weddings and
Other Feasts”, in Martha Carlin e Joel T. Rosenthal (orgs.), Food and Eating in Medieval Europe,
Hambledon Press, 1998, p.172.
3. Esse relato de Ferrara baseia-se em Werner L. Gundersheimer, Ferrara. The Style of a
Despotism, Princeton UP, 1973; Sergio Bertelli, Franco Cardini e Elvira Garbero Zorzi, Italian
Renaissance Courts, Sidgwick & Jackson, 1986, p.65-73; Le muse e il principe. Arte de corte nel
Rinascimento padano, catálogo de exposição, Franco Cosimo Panini, 1991. Sobre os aspectos
culinários e festivos da cultura renascentista de Ferrara, ver Luigi Alberto Gandini, Tavola, cantina e
cucina della corte di Ferrara nel Quattrocento, Módena, 1889; Angelo Solerti, Ferrara e la corte
estense, Citta di Castello, 1891, p.lXXIXlXXXI; Emilio Faccioli, “Scenita dei banchetti estensi”, in
Il Rinascimento nelle corti padane. Società e cultura, De Donato, 1977, p.597-606; Giuseppe
Montovano, “Il banchetto rinascimentale: arte, magnificenza, potere”, in A tavola con il principe,
p.46-63; Jadranka Bentini, “Per ricostruzione del banchetti del principe. Documenti figurativi e fonti
manuscritti e a stampa”, ibid, p.269-82; Anna Maria Fioravanti Baraldi, “Gli ‘apparamenti’ del
banchetto”, ibid, p.321-32.
4. Citado in Gundersheimer, p.188.
5. Thomas Tuohy, Herculean Ferrara. Ercole d’Este, 1471-1505, and the Invention of a Ducal
Capital, CUP, 1996, p.272, nota 215.
6. Ibid, p.273, nota 219.
7. Para esse tema, ver Messisbugo, Banchetti; Luciano Chiappini, La corte estense alla meta del
Cinquecento. I compendi di Cristoforo di Messisbugo, Belriguardo, 1984, p.39-80; Giovanni Battista
Panatta, “La mensa del principe”, in A tavola con il principe, p.89-91; Luciano Chiappini, “Lo scalco
ideale: Cristoforo da Messisbugo”, ibid, p.311-13; Claudio Benporat, Storia della gastronomia
italiana, Mursia, 1990, p.113-20; “Les banquets princiers de Christoforo di Messisbugo”, in Adelin
Charles Fiorato e Anna Fontes Baratto (orgs.), La table et ses dessous. Culture, alimentation et
convivialité en Italie (XIVe-XVIe siècles), Cahiers de la Renaissance Italienne, 4, Presses Sorbonne
Nouvelle, 1999, p.223-37.
8. Giacomo Grana, Descrizione del banchetto nuziale per Alfonso II duca di Ferrara e Barbara
principessa d’Austria…, Domenico Taddei, Ferrara, 1869.
9. Benporat, p.124-31.
10. F. Sabban e S. Serventi, A tavola nel Rinascimento, Laterza, 1991, p.7; June de Schino, “The
Triumph of Sugar Sculpture in Italy, 1500-1700”, in Harlan Walker (org.), Look and Feel, Studies in
Texture, Appearance and Incidental Characteristics of Food, Proceedings of the Oxford Symposium
on Food and Cookery, Prospect Books, 1994, p.205.
11. Para o que se segue, ver Luigi Firpo (org.), Gastronomia del Renascimento, Turim, Unione
Tipografico, 1974; Jeanneret, p.78-88; Benporat, p.53-148; The Splendours of the Table. The Art and
Pleasure of the Renaissance Banquet, Seville Universal Exhib., Ragione Lazio, 1992, p.15-24 e 31-8;
T. Sarah Peterson, Acquired Taste: The French Origins of Modern Cooking, Cornell University Press,
1994, caps. 3-8; Bruno Laurioux, “Les livres de cuisine italiens à la fin du XVe et au début du XVIe
siècle: expressions d’un syncrétisme culinaire méditerranéen”, in La Mediterrania area de
convergencia de systemes alimentari (sigees V-XVIII), XIV, Journades d’Estudis Historics Locals,
Palma, l996, p.73-8; Sabban e Serventi.
12. Ver Benporat, p.56-60; do mesmo autor, Cucina italiana del Quattrocento, Leo. S. Olschi,
1996; Maestro Martino, in Luigi Ballerini e Jeremy Parzen (orgs.), Libro de arte coquinaria, Milão,
Guido Tommasi, 2001.
13. Ibid, p.60-4; Gillian Riley, “Platina, Martino and their Circle”, in Cooks and Other People,
Proceedings of the Oxford Symposium on Food and Cookery, 1995, Prospect Books, 1996, p.214-19;
Platina, On Right Pleasure and Good Health, Mary Ella Milham (org.), Medieval and Renaissance
Texts and Studies, 168, Arizona, Tempe, 1998.
14. Ver nota 8.
15. Ver Sabban e Serventi, p.8.
16. Ver K.T. Butler, “An Italian’s Message to England in 1614: Eat More Fruit and Vegetables”,
Italian Studies, II, 1938, p.1-18; Firpo (org.), p.32-3 e 131-76; Giacomo Castelvetro, The Fruit,
Herbs and Vegetables of Italy, Viking, B.M. Natural History, 1989.
17. Ver Sabban e Serventi, p.42-4.
18. Para estas idiossincrasias, ibid, p.22-8; Benporat, p.89ss.
19. Ver Firpo, p.21-6 e 39-92; Bartolomeo Scappi, in Giancarlo Roversi, Arnoldo Forni Editori
(orgs.), Opera [dell’arte del cucinare]; Testi Antichi di Gastronomia, 12, 1981; Benporat, p.93-106;
Sabban e Serventi, p.28-32.
20. Benporat, p.120-3.
21. Sobre isso, ver Arte della cucina, Emilio Faccioli, Il Polifilo, Milão, 1975, p.345ss; Benporat,
p.120-3. Sobre toda a evolução do trinchante, ver Cristiano Grotanelli, “Cibo, instinti, divieti”, in
Sergio Bertelli e Giuliano Crifo (orgs.), Rituale, ceremoniale, etichetta, Bompiani, 1985, p.37-40;
Giuseppe Montovano, “Il banchetto rinascimentale: arte, magnificenza, potere”, in A tavola con il
principe, p.48-50; Benporat, p.133ss.
22. Benporat, p.120-3.
23. Firpo, p.26-9 e 98-129; Benporat, p.133-6.
24. Barbara Ketcham Wheaton, Savoring the Past. The French Kitchen and Table from 1300 to
1789, Simon & Schuster, 1996, p.27-34; Alain Girard, “Du manuscript à l’imprime: le livre de
cuisine en Europe aux XVe et XVIe siècles”, in Jean-Claude Margolin e Robert Sauzet (orgs.),
Pratiques et discours alimentaires à la Renaissance, Actes du Colloque de Tours, março de 1979,
Centre d’Études Supérieures de la Renaissance, p.197-27.
25. Philip Hyman e Mary Hyman, “Printing the Kitchen: French Cookbooks, 1480-1800”, in Jean-
Louis Flandrin e Massimo Montanari (orgs.), Food: A Culinary History, Columbia UP, 1999, p.394-
6; Jacqueline Boucher, “L’Alimentation en milieu de cour sous les derniers Valois”, in Margolin e
Sauzet (orgs.), p.161-76.
26. Launcelot de Casteau, Overture de cuisine, De Schutter, Antuérpia/Bruxelas, 1983,
reimpressão.
27. The Letters of Pliny the Consul, Londres, 1810, p.85-95.
28. Ibid, p.210-24.
29. Vitrúvio, The Ten Books on Archicteture, Nova York, Dover Pub., s.d., p.179, 181 e 209.
30. Peter Thornton, The Italian Renaissance Interior, 1400-1600, Weindenfeld & Nicolson, 1991,
p.285ss.
31. Leon Battista Alberti, On the Art of Building in Ten Books, Cambridge, Mass., MIT Press,
1988, p.147.
32. Platina, On Right Pleasure and Good Health, p.115.
33. Margherita Azzi Visentini, La villa in Italia. Quattrocento e Cinquecento, Electa, 1995, p.71-
2.
34. Sebastiano Serlio, The Five Books of Archicteture, Nova York, Dover Pub., 1982, p.70-1.
35. Existe uma vasta literatura sobre as vilas italianas. Para os presentes propósitos usei Visentini,
p.74ss; e David Coffin, The Villa in the Life of Renaissance Rome, Princeton UP, 1974, p.73ss.
36. Vitrúvio, p.211; Alberti, p.299.
37. Coffin, p.83.
38. Ibid, p.87ss; Visentini, p.87-92.
39. Coffin, p.150-74 e 244-56; Visentini, p.95ss, 116ss e 159ss.
40. Coffin, p.281ss; Visentini, p.185ss.
41. Coffin, p.340ss; Visentini, p.195ss; Claudia Lazzaro, The Italian Renaissance Garden, Yale
UP, 1990, p.243ss.
42. Coffin, p.311ss; Visentini, p.173ss; Lazzaro, p.215ss.
43. Coffin, p.267ss; Lazzaro, p.106-8.
44. Ibid, p.142 e fig.137.
45. Ibid, p.137 e fig.128.
46. Ibid, p.137.
47. Ibid, p.55-6.
48. Para as vilas de Palladio usei Donata Battilotti, The Villas of Palladio, Electa, 1990 e Paulo
Hoberton, Palladio’s Villas. Life in the Renaissance Countryside, John Murray, 1990.
49. Mark Girouard, Life in the French Country House, Cassell, 2000, p.92-101.
50. Citado in Wheaton, p.64-7.
51. Para a Inglaterra dos Tudor, ver Mark Girouard, Life in the English Country House, Yale UP,
1978, p.88, 103; Nicholas Cooper, Houses of the Gentry 1480-1680, Yale UP, 1999, p.289-93; Sara
Paston-Williams, The Art of Dining. A History of Cooking and Eating, National Trust, 1993, p.123ss.
52. O que se segue deve muito a Michel Jeanneret, A Feast of Words. Banquets and Table Talk in
the Renaissance, Polity Press, 1991.
53. Citado in ibid, p.20.
54. Ibid, p.15.
55. Plutarch’s Moralia, Loeb Classical Library, 1928, II, p.417.
56. Para uma discussão sobre a representação das mesas, ver Hélène Albani, “Repas sacrés, repas
profanes dans la peinture italienne du XVIe siècle”, in Adelin Charles Fiorato e Anna Fontes (orgs.),
La Table et ses dessous, culture, alimentation et convivialité en Italie (XIVe-XVIe siècles), Cahiers de
la Renaissance Italienne, 4, Barotto, Presses de la Sorbonne Nouvelle, 1999, p.279-95. Outra
conseqüência da divisão religiosa foi o ataque protestante às festas, seguido mais tarde por um ataque
da Contra-Reforma católica. Ver Marc Vennard, “La Fraternité des banquets”, in Pratiques et
discours, p.137-45.
57. Jeanneret, passim.
58. Ibid, p.21.
59. Coffin, p.335.
60. Reinhard Strohm, The Rise of European Music 1380-1500, CUP, 1993, p.315-6.
61. Plutarch’s Moralia, Loeb Classical Library, 1961, IX, p.77.
62. Andrew C. Minor e Bonner Mitchell, A Renaissance Entertainment. Festivities for the
Marriage of Cosimo I, Duke of Florence, in 1539, University of Missouri Press, 1968, p.36.
63. Jeanneret, p.91-197.
64. The Complete Works of Montaigne, Hamish Hamilton, 1958, p.846 e 849.
65. No geral, ver Esther B. Aresty, The Best Behaviour, Simon & Schuster, 1970, p.63-9; Norbert
Elias, The Civilising Process. The History of Manners, Blackwell, Oxford, 1978, p.533ss (ed. bras.:
O processo civilizador, v.1, Uma história dos costumes, Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1995); Cardini
Bertelli e Zorzi, p.190ss; Jeanneret, p.40ss.
66. De civilitate morum puerilium (On good manners for boys), in J.K. Sowards (org.), Collected
Works of Erasmus, University of Toronto Press, 1985, XXV, p.269ss e p.280-6 sobre maneiras à
mesa. Ver também Franz Bierlaine, “Erasme, la table et les manières”, in Pratiques et discours,
p.147-60.
67. James W. Holme, “Italian Courtesy Books of the Sixteenth Century”, Modern Language
Review, V, nº 2, 1910, p.145-66.
68. Sydney Anglo, “The Courtier. The Renaissance and Changing Ideals”, in A.G. Dickens (org.),
The Courts of Europe. Politics, Patronage and Royalty 1400-1800, Thames & Hudson, 1977, p.33-
53.
69. Elisa Aconfora, “La Tavola”, in Bertelli e Crifò (orgs.), p.53-66.
70. Ver Bertelli, Cardini e Zorzi, p.164-6 e 194-201; Jacques Heers, La vita quotidiana nella
Roma pontifica ai tempi dei Borgia e dei Médici 1420-1520, Rizzoli, 1986, p.108-11; Benporat,
p.137-43; Jeanne Allard, “Les grands banquets à la cour de Charles Quint”, in La sociabilité à table.
Commensalité et convivialité à travers les âges, Actes du Colloque de Rouen, Martin Aurell, Olivier
Dumoulin e Françoise Thélemon, 1990, Publications de l’Université de Rouen, nº 178, 1990, p.145-
53; The Splendours of the Table. The Art and Pleasure of the Renaissance Banquet, Seville Universal
Exhibition, Regione, Lazio, 1992; Giovanni Attolini, Teatro e spettaculo nel Renascimento, Editori
Laterza, 1997, p.180-4.
71. Citado in Bertelli, Cardini e Zorzi, p.28.
72. Giancarlo Malacarne, Sulla mesa del principe. Alimentazione e banchetti alle corti dei
Gonzaga, Il Bulino, Edizione d’Arte, 2000, p.51-89 e 164-8.
73. Para a fase renascentista do aparador, ver Le dressoir du prince. Service d’apparat à la
Renaissance, catálogo de exposição, Musée Nationale de la Renaissance, Château d’Écouen, 1995.
74. David Chambers e Jane Martineau (orgs.), Splendours of the Gonzaga, catálogo de exposição,
V & A Museum, 1982, nos 188-93.
75. L. Zorzi, M. Fabbri, E. Garbero Zorzi e A. M. Tofani (orgs.), Il luogo teatrale a Firenze,
catálogo de exposição, Florença/Milão, Tofani/Electa, 1975, p.102-3.
76. Autobiography of Benvenuto Cellini, Everyman, 1907, p.29-30.
77. I.D. McFarlane, The Entry of Henry II into Paris 16 June 1549, Medieval and Renaissance
Texts and Studies, 7. Binghamton, 1982, no texto de L’Entrée de la royne à Paris, p.35; Victor E.
Graham e W. McAllister Johnson, The Paris Entries of Charles IX and Elizabeth of Austria 1571,
University of Toronto, 1971, p.83-5.
78. Splendours of Gonzaga, p.175-8.
79. Sobre maiólica, ver Timothy Wilson, Ceramic Art of the Italian Renaissance, B.M. Pubs,
1987; Le dressoir du prince, p.23-4.
80. Ver Elena Corradini, “I servizi nell’‘apparecchio della tavola’ del principe”, in A tavola con il
principe, p.345-54.
81. Howard Burns, Andre a Palladio 1508-1580, catálogo de exposição, Arts Council, 1975, p.49.
82. Sobre o garfo, ver Pasquale Marchese, L’invenzione della forchetta, Rubbertino Editore, 1989,
p.72ss.
83. Thomas Coryat, Coryat’s Crudities …, Glasgow, Maclehose & Sons, 1905, I, p.236-7.
84. Malacarne, p.59-66.
85. Wheaton, p.52-6, citando Description de l’isle des Hermaphrodytes, de Thomas Artus.
86. The Complete Works of Montaigne, p.940.
87. Thornton, p.205-6.
88. Sobre o ritual da toalha de mesa, ver Elvira Gerbero Zorzi, “Ceremoniale e spettacolitá. Il
tovagliolo sulla tavola del principe”, in Bertelli e Crifò (orgs.), p.6-83.
89. Burns, Andrea Palladio, p.51.
90. O texto aparece em Benporat, p.140.
91. Para o tema, ver Giuseppe Bertini, Le nozze di Alessandro Farnese. Feste alle corti Lisboa e
Bruxelles, Skira, 1997. Para o relato de Marchi, ver p.106-8.
92. Bertelli, Cardini e Zorzi, Italian Renaissance Courts, p.196.
93. Ibid, p.197-8.
94. Albert J. Loomie (org.), Ceremonies of Charles I. The Note Books of John Finet 1628-41,
Fordham UP, 1987, p.75
95. Benporat, p.73.
96. Ibid, p.102-3; Sabban e Serventi, p.46.
97. Para isto, ver The Splendours of the Table, p.7-14, em que é apresentada uma tradução do texto
de Fusoritto.
98. Jeanneret, p.20.
99. Edmund A. Bowles, Musical Ensembles in Festival Books 1500-1800. An Iconographical &
Do cumentary Survey, UMI Research Press, Ann Arbor, 1989, p.59-61.
100. Hypnerotomachia Poliphili, Thames & Hudson, 1999, p.106-19.
101. Fabrizio Cruciani, Teatro nel Rinascimento. Roma 1450-1550, Bulzoni Editore, 1983, p.151-
64; Benporat, p.74-8.
102. Bertelli, Cardini e Zorzi, p.166.
103. A descrição aparece em L’ordine de la imbandisone se hanno a dare a cena, Milão, Il
Collizionista, 1983.
104. Benporat, p.64-8.
105. Angelo Solerti, Musica, ballo e drammatica alla corte medicea dal 1600 al 1637, Florença,
1905, p.235-8; A.M. Nagler, Theater Festivals of the Medici, Yale UP, 1964, p.94; Feste e apparati
medicei da Cosimo I a Cosimo II, catálogo de exposição, Giovanna Gaeta Bertela e Annamaria
Petrioli Tofani, Leo S. Olschki. Florença, 1969, p.96ss: Il luogo teatrale a Firenze, p.102-3; Sara
Marmone, “Feste e spettacoli a Firenze e in Francia per le nozze di Maria de Medici e Enrico IV”, in
Il teatro dei Medici, Quaderni di Teatro II, nº 7, 1980, p.206-28.
106. Mercedes Viale Ferrero, Feste delle Madame Reali di Savoia, Istituto Bancario San Paolo di
Torino, 1965, pranchas VI e VII.
107. Victor E. Graham e W. McAllister Johnson, The Royal Tour of France by Charles IX and
Catherine de Medici. Festivals and Entries 1564-66, University of Toronto Press, 1979, p.44, 317-18
e 378-9.
108. Jeanne Allard, “Les grands banquets à la cour de Charles Quint”, in La sociabilité à la table,
p.145-53.
109. As citações que se seguem são de Giorgio Vasari, in William Gaunt (org.), The Lives of the
Painters, Sculptors and Architects, Everyman, 1963, II, p.32-7.
110. Para o açúcar, ver Alan Davidson, The Oxford Companion to Food, OUP, 1999, verbete
sugar; J. Materne, “Anvers comme centre de distribution et d’affinage d’épices et du sucre depuis la
fin du XVème jusqu’au XVIIème siècle”, in L’Europe à table, catálogo de exposição, Antuérpia,
1993, p.49-60.
111. A melhor história é a de Katharine J. Watson, “Sugar Sculpture for Grand Ducal Weddings
from the Giambologna Workshop”, Connoisseur, CIC, 1978, p.20-6. Ver também Tuohy, p.274.
112. Bowles, p.23-5.
113. A. van de Put, “Two Drawings of the Fêtes at Binche for Charles V and Philip (II)”, Journal
of the Warburg and Courtland Institutes, III, 1939-40, p.49-55; Calvete de Estrella, Le très-Heureux
Voyage fait par très-haut et très-puissant prince Don Philippe, Bruxelas, Olivier, 1883, IV, p.151-3.
114. Bertini, Le nozze di Alessandro Farnese, p.110-12.
115. Graham e McAllister Johnson, p.83-5 e 391-5; Frances A. Yates, Astraea. The Imperial
Theme in the Sixteenth Century, Routledge & Kegan Paul, 1975, p.140-4; Wheaton, p.51-2.
116. C. Anne Wilson, “The Evolution of the Banquet Course: Some Medicinal, Culinary and
Social Aspects”, in C. Anne Wilson (org.), Banquetting Stuffe. The Fare and Social Background of
the Tudor and Stuart Banquet, Edinburgh UP, 1986, p.9-35.
117. Ver Girouard, Life in the English Country House, p.104-16.
118. Ver Jennifer Stead, “Bowers of Bliss: The Banquet Setting”, in Wilson (org.), p.115-57; Peter
Brears, “Rare Conceites and Strange Delights: The Practical Aspects of Culinary Sculpture”, ibid,
p.60-114; Lynette Hunter, “‘Sweet Secrets’ from Occasional Receipts to Specialised Books: the
Growth of a Genre”, ibid, p.36-59. Há também um relato confuso, no qual festa e banquete nem
sempre são diferenciados, em Alison Sim, Food and Feast in Tudor England, St Martin’s Press,
Nova York, 1997, p.134-57.
119. Jean Wilson, Entertainments for Elizabeth I, D.S. Brewer, 1980, p.114-15, 165.
120. E.K. Chambers, The Elizabethan Stage, Clarendon Press, 1923, I, p.206-7, III, p.235.
121. Ben Jonson, C.H. Herford, Percy e Evelyn Simpson (org.), Clarendon Press, 1941, VII,
p.805-14.
122. Werner Paravicini, “The Court of the Dukes of Burgundy: A Model for Europe”, in Ronald
Asch e Adolf Birke (orgs.), Princes, Patronage and Nobility. The Court at the Beginning of the
Modern Age c.1450-1650, OUP, 1991, p.69-102.
123. Bertelli, Cardini e Zorzi, p.21-2 e 28-30; Sergio Bertelli, Il corpo del re. Sacralità
nell’Europa medievale e moderna, Ponte alle Grazie, 1995, p.167-88; Sergio Bertelli, “Rex et
Sacerdos: The Holiness of the King in European Civilisation”, in Alan Ellenius (org.), Iconography,
Propaganda and Legitimation, European Science Foundation, Clarendon Press, 1998, p.141.
124. Bertelli, “Rex et Sacerdos”, p.141; The Princely Courts of Europe. Ritual, Politics and
Culture under the Ancien Regime 1500-1750, John Adamson (org.), Weidenfeld & Nicolson, 1999,
p.46-7.
125. Simon Thurley, The Royal Palaces of Tudor England. Architecture and Court Life 1460-
1547, Yale, UP, 1993, p.122-5; Peter Brears, All the Kings Cooks. The Tudor Kitchens of King Henry
VIII at Hampton Court Palace, Souvenir Press, 1999, p.163ss; Adamson (org.), p.104-5.
126. Paul Hentzner, Travels in England during the Reign of Queen Elizabeth, Cassell & Son,
1899, p.49-51; ver também os relatos em Clare Williams (org.), Thomas Platter’s Travels in England,
Cidade do Cabo, 1937, p.193-4; G.W. Roos, The Diary of Baron Waldstein. A Traveller in
Elizabethan England, Thames & Hudson, 1981, p.80-1.
127. Eat, Drink and Be Merry. The British at Table 1600-2000, Philip Wilson, 2000, p.52-3,
fig.34.
128. Ralph E. Giesey, The Royal Funeral Ceremony in Renaissance France, Travaux
d’Humanisme et Renaissance, XXXVII, Genebra, Libraire E. Droz, 1960, p.145-6 e 164-74; do
mesmo autor, Le Roi ne meurt jamais, Flammarion, 1987, p.240-3 e 254-6.

5. Da corte para a sala particular (p.181-227)


1. Sobre o aparecimento do souper intime, ver Béatrix Saule, “Tables à Versalhes 1682-1789”, in
Versalhes et les tables royales en Europe XVIIème-XIXème siècle, Musée National des Châteaux de
Versailles et de Trianon, catálogo de exposição, 1993-4, p.58-60.
2. Ver De Grouchy e Paul Cottin (orgs.), Journal inédit du duc de Croÿ (1718-1784), Flammarion,
1906, I, p.71-2. Ver também Jacques Levron, Daily Life at Versailles in the Seventeenth and
Eighteenth Centuries, Allen & Unwin, Londres 1968, p.157-61; Nancy Mitford, Madame de
Pompadour, Londres, Hamish Hamilton, 1968, p.109.
3. Saule, in Versailles et les tables royales, p.60,
4. Sobre o aparecimento do cardápio, ver Zeer Gouranier, “L’Histoire du menu”, in Martin Murell,
Olivier Dumoulin e Françoise Thélamon (orgs.), La sociabilité à la table. Commensalité e
convivialité à travers les âges, Actes du Colloque de Rouen, Publications de l’Université de Rouen,
1992, p.307-13; Versailles et les tables royales, p.272-3 (nos 54-5).
5. Sobre a embaixada de Castlemaine, ver Margery Corbett, “John Michael Wright: An Account
of His Excellence Roger Earl of Castlemain’s Embassy …”, Antiquaries Journal 70, 1990, p.117-20;
Alain Gruber, “Le festin offert par Roger earl of Castlemaine”, Gazette des Beaux-Arts, sér.6, 126,
1995, p.99-110; Roberto Valeriani, “Fasto nobiliare. Il gusto e l’etichetta”, in Marcello Fagiolo (org.),
La festa a Roma dal Rinascimento al 1870, catálogo de exposição, Umberto Allemani & Co., 1997,
p.120-3, 228-9; Timothy Clifford, Designs of Desire. Architectural and Ornamental Prints and
Drawings 1500-1850, catálogo de exposição, National Gallery of Scotland, 1999, p.170-3 (nos 76-7);
Stefanie Walker e Frederick Hammond (orgs.), Life and the Arts in the Baroque Palaces of Rome,
catálogo de exposição, Yale UP, 1999, p.224-5 (nos 81-2); para um relato de outro banquete desse
tipo, embora com data mais recente (1638), ver Peter Bietberger, “Prince Eckenbergh Comes to
Dinner: Food and Political Propaganda in the Seventeenth Century”, Petits propos culinaires, 15,
1983, p.45-54.
6. Para esse período na Itália, ver Claudio Benporat, Storia della gastronomia italiana, Mursia,
1990, p.163-244.
7. Sobre o tema, ver Katherine J. Watson, “Sugar Sculpture for Grand Ducal Weddings from the
Giambologna Workshop”, Connoisseur, CIC, 1978, p.20; Maurizio Fagiolo Dell’Arco e Silvia
Carandini, L’effimero barocco. Strutture della festa nella Roma del ’600, catálogo de exposição,
Roma, Bulzoni, 1977-8, II, fig.195-7; Jennifer Montagu, Roman Barroque Sculpture. The Industry of
Art, Yale UP, 1989, p.190ss; Peter Brown e Ivan Day, Pleasures of the Table. Ritual and Display in
the European Dining Room 1600-1900, catálogo de exposição, York, Fairfax House, 1997, p.10-12.
8. Para os desenhos de Sevin, ver Christina, Queen of Sweden, catálogo de exposição,
Nationalmuseum, Estocolmo, 1966, p.310-16 (nos 710-17); Per Bjurström, Feast and Theatre in
Queen Christina’s Rome, Estocolmo, 1966, p.142 (nos 56-7) e 143 (nos 62-7); Georgina Masson,
“Food as Fine Art in the Seventeenth Century”; Apollo, 83, 1966, p.338-41; Guilia Fusconi, Disegni
decorativi del barocco romano, catálogo de exposição, Gabinetto dei Disegni e delle Stampe, Roma,
Villa La Farnesina alla Lungara, 1986, p.29-36 (nos 1-7); Peter Fuhring, Design into Art. Drawings
for Architecture and Ornament. The Lodewijk Houthakker Collection, Philip Wilson, 1989, II, p.678-
89 (nos 1006, 1008, 1009, 1014, 1016, 1019).
9. Montagu, p.22, nota 100.
10. Sobre os banquetes para Cristina, ver Georgina Masson, “Papal Gifts and Roman
Entertainments in Honour of Queen Christina’s Arrival”, in J. Magnus von Platen (org.), Queen
Christina of Sweden. Documents and Studies, Analecta Reginensa, I, 1966, p.244-61; Bjurström,
p.47-69; Fagiolo Dell’Arco e Carandini, II, p.207ss; June di Schino, “The Triumph of Sugar
Sculpture in Italy 1500-1700”, in Harlan Walker (org.), Look and Feel. Studies in Texture,
Appearance and Incidental Characteristics of Food, Proceedings of the Oxford Symposium on Food
and Cookery, Prospect Books, 1997, p.204-5; da mesma autora, “Queen Christina and the Triumph of
the Baroque Banquet in Italy”, in Harlan Walker (org.), Food on the Move, Proceedings of the
Oxford Symposium on Food and Cookery, p.97-101; Valeriani, “Fasto nobiliare”, in Fagiolo (org.),
p.224-6.
11. Ver, por exemplo, Edward J. Olszewski, “Decorating the Palace: Cardinal Pietro Ottoboni
(1667-1740) in the Cancelleria”, in Life and Arts in the Baroque Palaces of Rome, p.93-111.
12. Para o que se segue, ver Marie-France Noël-Waldteuffel, “Manger à la cour: alimentation et
gastronomie aux XVIIe et XVIIIe siècles”, em Versailles et les tables royales, p.69-71; Benporat,
p.167-73.
13. Gunther Schiedlausky, Tee, Kaffe, Schokolade, Munique, Prestel Verlag, 1961; Barbara
Ketcham Wheaton, Savoring the Past: The French Kitchen Table from 1300 to 1789, Simon &
Schuster, 1996, p.87-94; Frédéric Mauro, Histoire du café, Paris, Éditions Desjonquères, 1991; L.
Swaelen, “Le chocolat: une histoire culinaire”, in L’Europe à la table, catálogo de exposição,
Antuérpia, 1993, p.61-73; Alain Huetz de Lemps, “Colonial Beverages and the Consumption of
Sugar”, in Jean-Louis Flandrin e Massimo Montanari (orgs.), Food. A Culinary History from
Antiquity to the Present, Columbia UP, 1999, p.383-93.
14. Esther B. Aresty, The Delectable Past, Allen & Unwin, 1965, caps. 6 e 7; Alain Girad, “Le
triomphe de ‘la cuisinière bourgeoise’. Livres culinaires, cuisine et société en France au XVIIe et
XVIIIe siècles”, Revue d’histoire moderne et contemporaine, XXIV, 1977, p.497-523; Philip e Mary
Hyman, “La Chapelle and Massialot: an 18th Century Feud”, Petits propos culinaires, 2, 1979, p.44-
54; dos mesmos autores, “Vincent La Chapelle”, ibid, 8, 1981, p.35-40; Stephen Mennell, All
Manners of Food. Eating and Taste in England and France from the Middle Ages to the Present,
Basil Blackwell, 1986, p.64-82; T. Sarah Peterson, Acquired Taste. The French Origins of Modern
Cookery, Cornell UP, 1994, p.163ss, 183ss; La Varenne, in Jean-Louis Flandrin e Philip e Mary
Hyman (orgs.), Le Cuisinier français, Montalba, Paris, 1995, p.12-99; Wheaton, caps. 6 e 8; Jean-
Louis Flandrin, “Dietary Choices and Culinary Technique 1500-1800”, in Flandrin e Montanari
(orgs.), p.403-417; do mesmo autor, “The Early Modern Period”, ibid, p.349-73; Philip e Mary
Hyman, “Printing the Kitchen. French Cookbooks 1480-1800”, ibid, p.394-402.
15. Sobre isso e sobre o desenvolvimento de gelados e confeitaria, ver Wheaton, p.180-5, 192-33.
16. Sobre a disseminação e a resistência ao estilo francês, ibid, p.160-6; Mennell, p.83-133;
Benporat, p.184-9 e 248-54; Stephen Mennell, “Food at the Late Stuart and Early Hanoverian
Courts”, Petits propos culinaires, 17, 1984, p.22-9; Sara Paston-Williams, The Art of Dining. A
History of Cooking and Eating, National Trust, 1993, p.163ss, 231-2.
17. Para o service à la française, ver Wheaton, p.138-48; Noël-Waldteuffel, in Versailles et les
tables royales, 74-6; Claudine Marenco, Manières de table. Modèles de moeurs 17ème-20ème siècle,
Éditions de L’E.N.S., Cachan, 1992, p.41-56; Peter Brears, “Àla française …”, in C. Anne Wilson,
Alan Sutton (orgs.), Luncheon, Nuncheon, and Other Meals, Stroud, 1994, p.91-116; Alan Davidson,
Oxford Companion to Food, OUP, 1999, “service à la française”.
18. Wheaton, p.140.
19. Alain Gruber, “Le cérémonial de table dans les cours européennes”, in Versailles et les tables
royales, p.150 e 300 (nº 141).
20. Ibid, p.300-1 (nº 40).
21. Mark Girouard, Life in French Country House, Cassel, 2000, p.248.
22. Do mesmo autor, Life in the English Country House, Yale UP, 1978, p.136-48.
23. A história da prata é um tema em si. O que se segue são apenas alguns elementos que
encontrei nas sínteses que fiz: Carl Hernmarck, The Art of the European Silversmith 1430-1830,
Nova York e Londres, Sotheby Parke Bernet, 1977, I, p.176ss; James Lomax, “Silver for the English
Dining Room 1700-1800”, in A King’s Feast. The Goldsmith’s Art and Royal Banqueting in the 18th
Century, catálogo de exposição, Kensington Palace, 1991, p.118-33; Gerard Mabille, “Germain,
Duran, Auguste: The Art of the French Gold- and Silversmith in the Age of the Enlightenment”, ibid,
p.78-9; do mesmo autor, “Orfèvrerie de table royale sous Louis XIV et Louis XV”, in Versailles et
les tables royales, p.94-105; Yves Cartier, “L’Orfèvrerie de table de Louis XVI”, ibid, p.106-9;
Léonor d’Orey, “L’Histoire des services d’orfèvrerie française à la cour du Portugal”, ibid, p.165-70.
24. Para o surtout, ver Hernmarck, I, p.182-5; Brown e Day, p.15-25.
25. A história da cerâmica, como a da prata, é vasta e está fora do âmbito deste livro. No contexto
dos grandes aparelhos de jantar de porcelana cuja moda foi lançada pelos reis franceses ver David
Peters, “Les services de porcelaine de Louis XV et Louis XVI”, in Versailles et les tables royales,
p.110-23; Dorothée Guillème Brulon, “Les services de porcelaine de Sèvres, présents des rois Louis
XV et Louis XVI aux souverains étrangers”, ibid, p.184-7.
26. Peter Wilhelm Meister e Horst Reber, European Porcelain of the 18th Century, Oxford,
Phaidon, 1993, p.101-11.
27. Para a evolução da decoração da mesa, ver Georgiana Reynolds Smith, Table Decoration
Yesterday, Today & Tomorrow, Charles E. Tuttle Co., 1968; Stefan Burrsche, Tafelzier des Barock,
Munique, Editions Schneider, 1974; Alain Charles Gruber, “Le décor de table éphémère aux XVIIe et
XVIIIe siècles”, Gazette des Beaux-Arts 73, 1974, p.285-300; Brown e Day, p.26-35; Joop
Witteveen, “Of Sugar and Porcelain. Table Decoration in the Netherlands in the 18th Century”, in
Feasting and Fasting, Proceedings of the Oxford Symposium on Food and Cookery, 1990, Prospect
Books, 1990, p.212-21.
28. Ibid, p.30-1; Oleg Villumsen Krog, “Usages et objets de table à la cour du Danemarck”,
Versailles et les tables royales, p.173; Meister e Reber, p.111-13.
29. James Woodforde, The Diary of a Country Parson 1758-1802, OUP, 1972, p.212.
30. Para o desenvolvimento da sala de jantar na França ver Peter Thornton, Seventeenth-Century
Interior Decoration in England, France and Holland, Yale UP, 1978, p.282-93; do mesmo autor,
Authentic Decor. The Domestic Interior 1620-1920, Weidenfeld & Nicolson, 1984, p.18-25, 50-60 e
93-4; Jean-Pierre Babelon, Demeures parisiennes sous Henri IV et Louis XIII, Hazan, 1991, p.199-
200; Girouard, Life in the French Country House, p.92-101, 120-44 e 191ss.
31. Thorton, Seventeenth-Century Interior Decoration, pp.238-43.
32. Girouard, Life in the English Country House, p.136ss; do mesmo autor, Life in the French
Country House, p.250.
33. Para a sala de jantar na Inglaterra, ver Charles Saumarez Smith, Eighteenth-Century Interior
Decoration. Design and Domestic Interior in England, Harry N. Abrams Inc., 1993, p.39ss, 76 e
215ss.
34. Willian Sanderson, Graphice, Londres, 1658, p.26-7. Devo esta referência a Ann Buddle.
35. Girouard, Life in the English Country House, p.204-5.
36. Thorton, Authentic Decor, p.39 e nota 29.
37. Robert Adam, Works, I, V, citação de John Fowler e John Cornforth, English Decoration in the
18th Century, Barrie & Jenkins, 1974, p.67.
38. Fowler e Cornforth, p.68-8.
39. Saumarez Smith, p.234.
40. Para mesas, ver Thornton, Seventeenth-Century Interior Decoration, p.226-3; Fowler e
Cornforth, p.68.
41. Thornton, Seventeenth-Century Interior Decoration, p.183 e 187.
42. Para o que se segue sobre boas maneiras, ver Algred Franklin, La vie privée d’autrefois, Paris,
1889, p.214-83 (para os textos); Esther B. Aresty, The Best Behavior, Nova York, Simon & Schuster,
1970, p.101ss; Norbert Elias, The Civilising Process. The History of Manners, Basil Blackwell,
Oxford, 1978, p.92-7 para os textos (ed. bras.: O processo civilizador, v.1, História dos costumes,
Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1995); Jean-Louis Flandrin, “Distinction through Taste”, in Philippe
Ariès e Georges Duby (orgs.), A History of Private Life, III, Roger Chartier (org.), Passions of the
Renaissance, Harvard UP, 1989, p.265-307 (ed. bras.: História da vida privada 3, Da Renascença ao
século das Luzes, São Paulo, Companhia das Letras, 1991); Zeer Gouranier, “Modèles de cour et
usages de table: les origines”, in Versailles et les tables royales, p.28-9; Marenco, p.31-9.
43. C. Terryn, “Simplicité et délicatesse: norme et réalité des bonnes manières à la table gantoise
du XVIIIème siècle”, in L’Europe à la table, p.74-82.
44. “‘The John Trot Fault’: An English Dinner Table in the 1750s”, Petits propos culinaires, 15,
1983, p.55-9; The Art of Carving Excepted from a Work Entitled The Honours of the Table (1788),
Cambridge University Press, 1932, p.1-8.
45. Fowler e Cornforth, p.67.
46. Beatrix Saule, “Tables royales à Versailles 1682-1789”, in Versailles et les tables royales,
p.60-1.
47. Ver John Adamson, “The Making of the Ancien-Regime Court 1500-1700”, in John Adamson
(org.), The Princely Courts of Europe. Ritual, Politics and Culture Under the Ancien Regime 1500-
1750, Weidenfeld & Nicolson, 1999, p.7-41.
48. Para a corte francesa, ver Jacques Levron, Daily Life at Versailles in the Seventeenth and
Eighteenth Centuries, Allen & Unwin, 1968; Olivier Chaline, “The Valois and Bourbon Courts”, in
Adamson (org.), p.67-93.
49. Saule, “Tables Royales à Versailles”, p.41-6.
50. Levron, p.46-8.
51. Para le grand couvert, ver Wheaton, p.135-7; Saule, “Tables royales à Versailles”, p.47-52;
Versailles et les tables royales, p.255ss (nos 13-15); Samuel John Klingensmith, The Utility of
Splendor. Ceremony, Social Life, and Architecture at the Court of Bavaria 1600-1800, University of
Chicago Press, 1993, p.122-5.
52. Ver Hernmarck, The Art of the European Silversmith, I, p.172-3; Versailles et les tables
royales, p.97.
53. Citação de Levron, p.39.
54. Para a seqüência das salas, ver Hugh Murray Baillie, “Etiquette and the Planning of the State
Apartments of Baroque Palaces”, Archaeologia, CI, 1967, p.169-99; Klingensmith, p.11-12, 115ss e
125-44.
55. Les tables royals en Europe, p.255 (nº 14).
56. Para as cadenas, ver Hernmarck, The Art of the European Silversmith, p.173-4; Versailles et
les tables royales, p.257 (nos 18-20), 262 (nº 30), 269-70 (nos 44-5), 289 (nº 94).
57. Jérôme La Gorge, “Musiques de table à Versailles”, in Versailles et les tables royales, p.91-3,
255 (nº 13).
58. Saint-Simon, in Lucy Norton (org.), Memoirs, II, 1710-1715, Prion Books, 2000, p.40.
59. Para a corte imperial, ver Jeroen Duindam, “The Court of the Austrian Habsburgs c.1500-
1750”, in Adamson (org.), p.165-87.
60. Para a Espanha, ver Maria del Carmen Sinon, “La théâtricalité des repas dans l’Espagne des
XVIe et XVIIe siècles”, in Aurell, Dumoulin e Thélamon (orgs.), p.159-68; Glyn Redworth e
Fernando Chesa, “The Courts of the Spanish Habsburgs 1500-1700”, in Adamson (org.), p.43-65.
61. Klingensmith, p.159-69.
62. Para a Inglaterra, ver John M. Beattie, The English Court in the Reign of George I, CUP, 1967,
p.26ss; Philippa Glanville, “Dining at Court, from George I to George IV”, in A King’s Feast: The
Goldsmith’s Art and Royal Banqueting in the Eighteenth Century, catálogo de exposição, Kensington
Palace, 1991, p.106-17; da mesma autora, “Protocole et usages de table à la cour d’Angleterre”, in
Versailles et les tables royales, p.159-69; John Adamson, “The Tudor and Stuart Courts 1509-1714”,
in Adamson (org.), p.95-117.
63. Para a Dinamarca, ver Ole Villumzsen Krog, “The Royal Table in the 18th Century”, in A
King’s Feast, p.134-44; do mesmo autor, “Usages et objets de table à la cour du Danemarck”, in
Versailles et les tables royales, p.171-9.
64. Para a Suécia, ver Gruber, in Versailles et les tables royales, p.150; Bo Vahlne, “La table du
Palais Royale de Stockholm”, ibid, p.180-7 e 301 (nº 142).
65. Para o festival de 1664, ver Wheaton, p.129-32; Sabine du Crest, Les fêtes à Versailles. Les
divertissements de Louis XIV, Aux Amateurs de Livres, 1990, p.4-21; Versailles et les tables royales,
p.250 (I).
66. Sobre 1668, ver Bursches, p.66-9 (para o texto); du Crest, p.22-37; Versailles et les tables
royales, p.250-1 (nos 2-4).
67. Sobre 1674, ver Bursches, p.69-71 (para o texto); Versailles et les tables royales, p.251 (nº 5).
68. Versailles et les tables royales, p.352 (nº 8).
69. Saule, “Manger à la cour”, p.60-1.
70. Thorton, Authentic Decor, p.171 (215); Maria Attilia Fabbri All’Oglio e Alessandro Fortis, Il
gastronomio errante Giacomo Casanova, Ricciardi & Associati, 1998.
71. Klingensmith, p.165-6.
72. Saule, “Tables royales à Versailles”, p.60-1.
73. Ibid, p.35-40.
6. O jantar está servido (p.229-61)
1. Christopher Hussey, “Oakly Park, Shropshire”, Country Life, 1º mar 1956, p.380-3 e 426-9;
John Cornforth, English Interiors 1790-1848, Barrie & Jenkins, 1978, p.20.
2. Ana Maria Fay, Victorian Days in England. Letters of an American Girl 1851-1852,
Cambridge, Houghton Mifflin, Riverside Press, 1923, p.79-84.
3. Ver Emmett Kenedy, A Cultural History of the French Revolution, Yale UP, 1989, p.336;
Marcel David, Fraternité et la Révolution Française 1789-1799, Aubier, 1987, p.157-9.
4. Rebecca Spang, The Invention of the Restaurant. Paris and Modern Gastronomic Culture,
Harvard UP, 2000, p.94-105.
5. Para Napoleão, ver Philip Mansel, The Eagle in Splendour, Napoleon I and his Court, George
Philip, 1987, p.50 e 59; do mesmo autor, The Court of France 1789-1830, CUP, 1988, p.67-8; Jean-
Pierre Samoyault, “La table impériale”, in Versailles et les tables royales en Europe aux XVIIe-XIXe
siècles, Musée National des Châteaux de Versailles et de Trianon, catálogo de exposição, 1993,
p.199-206; do mesmo autor, “L’Orfèvrerie de table de la couronne sous le Premier Empire”, ibid,
p.207-15.
6. Mansel, The Court of France, p.150ss.
7. Daniel Meyer, “La table royale sous le règne de Louis-Philippe”, in Versailles et les tables
royales, p.225-9.
8. Elizabeth Suddaby e P.J. Yarrow (orgs.), Lady Morgan in France, Oriel Press, 1971, p.228-39.
9. Ibid, p.237.
10. Para Carême, ver L’Art culinaire au XIXe siècle. Antonin Carême, Delégation à l’Action
Artistique de la Ville de Paris, 1784-1984, Mairie du IIIe Arrondissement, Orangerie de Bagatelle,
1984; Stephen Mennell, All Manners of Food. Eating and Taste in England and France from the
Middle Ages to the Present, Basil Blackwell, 1986, p.144-9; Barbara Ketcham Wheaton, “Antonin
Carême: The Food, the Bad, the Useful”, in Harlan Walker (org.), Cooks and Other People,
Proceedings of the Oxford Symposium on Food and Cookery, 1995, Prospect Books, 1966, p.290-5.
11. Sobre o efeito desse retorno à comida vitoriana, ver Valerie Mars, “Kitsch Culinary Icons: The
Cultural Roots of Changes in Nineteenth-Century Dinner Cuisine”, in Harlan Walker (org.), Look
and Feel. Studies in Texture, Appearance and Incidental Characteristics of Food, Proceedings of the
Oxford Symposium on Food and Cookery, 1993, Prospect Books, 1994, p.108-18.
12. Esther B. Aresty, The Delectable Past, Allen & Unwin, 1965, p.126-59; L’Art culinaire au
XIXe siècle, p.71ss; Mennell, p.149-77.
13. Claudio Benporat, Storia della gastronomia italiana, Mursia, 1990, p.319ss.
14. Aresty, p.160-80; Mennell, p.150-6 e 213ss; Sarah Freeman, Mutton and Oysters. The
Victorians and Their Food, Victor Gollancz, 1989, p.110-77; Dena Attar, “Keeping up Appearances:
The Genteel Art of Dining in Middle-Class Victorian Britain”, in C. Anne Wilson (org.), “The
Apetoite and the Eye.” Visual Aspects of Food and Its Presentation within Their Historic Context,
Edimburgo UP, 1991, p.12-40; Peter Brears, Maggie Black, Gill Corbishley, Jane Renfrew e Jennifer
Stead, A Taste of History. 10.000 Years of Food in Britain, English Heritage, 1993, p.263ss. Sobre
Francatelli, ver Ann M. Currah (org.), Chef to Queen Victoria. The Recipes of Charles Esmé
Francatelli, William Kimber, 1973. Sobre Isabella Beeton, ver Sarah Freeman, Isabella and Sam.
The Story of Mrs. Beeton, Victor Gollancz, 1977, p.186-217; sobre Alexis Soyer, F. Volant e J.R.
Warren (orgs.), Memoirs of Alexis Soyer, Cooks Books, Rottingdean, 1985; Helen Morris, Portrait of
a Chef. The Life of Alexis Soyer, CUP, 1938; Elizabeth Ray, Alexis Soyer. Cook Extraordinary,
Southover Press, 1991.
15. Sobre o aparecimento do restaurante e suas conseqüências, ver Pierre Andrieu, Fine Bouche. A
History of the Restaurant in France, Cassel, 1956; L’Art culinaire au XIXe siècle, p.38-9, 47-54;
Mennell, p.135-44; Jean-Robert Pitte, “The Rise of the Restaurant”, in Jean-Louis Flandrin e
Massimo Montanari, Food. A Culinary History from Antiquity to the Present Day, Colúmbia UP,
1999, p.471-80; e especialmente Spang.
16. Mennell, p.266-90; Giles MacDonogh, Brillat-Savarin. The Judge and His Stomach, John
Murray, 1992.
17. Anne Martin-Fugier, “Bourgeois Rituals”, in Philippe Ariès e Georges Duby (orgs.), A History
of Private Life, IV; Michelle Pivrot (org.), From the Fires of Revolution to the Great War, Harvard
UP, 1990, p.261-337 (ed. bras.: A história da vida privada 4, Da Revolução Francesa à Primeira
Guerra, São Paulo, Companhia das Letras, 1995).
18. J.C. Loudon, The Suburban Garden and Villa Companion, Londres, 1838, pp.86-95.
19. Robert Kerr, The Gentleman’s House, Londres, 1864, p.101-18 e 201-2.
20. Mrs. Loftie, The Dining-Room, Londres, Macmillan, 1878.
21. Peter Thornton, Authentic Decor. The Domestic Interior 1620-1920, Londres, Weidenfeld &
Nicolson, 1985, p.145, 151, 157 e 210ss.
22. Hans-Jurgen Teuteberg, “The German Bourgeois Family at the Dining Table: Structural
Changes of Meal Manners 1880-1930”, in Food and Material Culture, 4th Symposium on Food
History, Prospect Books, 1991, p.133-70.
23. Sobre o horário das refeições, ver Jean-Paul Aron, Le mangeur du XIXe siècle, Éditions Robert
Laffont, Paris, 1973, p.207-16; Arnold Palmer, Moveable Feasts. Changes in English Eating Habits,
OUP, 1984; Freeman, p.178ss; John Bennett, “Time, Place and Content: The Changing Structure of
Meals in Britain in the Nineteenth and Twentieth Centuries”, in Food and Material Culture, p.116-
31.
24. Brillat-Savarin, La Physiologie du goût, Paris, Pierre Waleffe, 1967, p.149-50.
25. Ver John Burnett, Plenty and Want. A Social History of Diet in England from 1815 to the
Present Day, Thomas Nelson & Sons, 1966, p.186-7; Claudine Marenco, Manières de table, modèles
de moeurs XVIIème-XXème siècles, Édition de l’E.N.S..-Cachan 1992, p.106-38.
26. W.M. Thackeray, The Book of Snobs (1847), in Works, Londres, Smith, Elder & Co., 1889,
XIX, p.79.
27. Mrs. Beeton’s Book of Household Management, Londres, 1861, Chancellor Press Reprint,
1986, p.904.
28. Manners and Tone of Good Society and Solecisms to be Avoided, by a Member of the
Aristocracy, 12a ed., Frederick Warne & Co., 1885, p.77-103.
29. Mrs. Humphry (“Madge” of Truth), Manners for Womem, s.d., Pryor Publications, 1993, p.71.
30. Citado por Valerie Mars, “Àla Russe: The New Way of Dining”, in Luncheon, Nuncheon and
Other Meals, 7th Symposium on Food History, Prospect Books, 1994, p.117-44.
31. Hans Ottomeyer, “Service à la française and Service à la russe: or the Evolution of the table in
the Eighteenth and Nineteenth Centuries”, in Food and Material Culture, 4th Symposium on Food
History, 1991, p.107-83; Peter Brears, “Àla française: The Waning of a Long Dining Tradition”, in
Luncheon, Nuncheon and Other Meals, p.91-116.
32. Caroline Davidson, The World of Mary Ellen Best, Londres, Chatto & Windus, 1985, p.107 (nº
103).
33. Para toda a questão da mudança para o serviço àla russe, ver L’Art culinaire au XIXe siècle,
p.59-60; Mars, in Luncheon, Nuncheon and Other Meals; Burnett, p.176ss; D.J. Oddy, “Food, Drink
and Nutrition”, in F.M.L. Thompson (org.), The Cambridge History of Britain 1750-1950, 2, People
and their Environnment, CUP, 1990, p.258-9; Freeman, p.184ss.
34. Mrs Beeton’s Book of Household Management, p.954.
35. The Habits of Good Society (década de 1850), p.220.
36. Esther B. Aresty, The Best Behavior, Nova York, Simon & Schuster, 1970, p.129ss; Mennell,
p.206-11; Leonore Davidoff e Catherine Hall, Family Fortunes: Men and Women of the English
Middle Class 1780-1850, Hutchinson, 1987, p.399-400; Teuteberg, in Food and Material Culture;
Leonore Davidoff, The Best Circles. Society, Etiquette and the Season, Londres, Croom Helm, 1973,
p.13ss; Andrew St George, The Descent of Manners. Etiquette, Rules and the Victorians, Chatto &
Windus, Londres, 1993, caps. 1 e 2.
37. A seleção aqui utilizada é: The Habits of Good Society: A Handbook of Etiquette for Ladies
and Gentlemen, Londres, James Hogg & Sons, (s.d., década de 1850), p.300ss; Cassell’s Household
Guide, Cassell (década de 1860), III, p.243ss; ed. De 1911, Londres, Waverly Press, p.447-51;
Manners and Tone of Good Society, cap. V; Mrs. Humphry (“Madge”of Truth), Manner for Men,
James Bowden, 1897, Pryor Publications, reedição 1994, p.55-82; da mesma autora, Manners for
Women, Pryor Publications, reedição 1993, p.71ss; Etiquette of Good Society, edited and revised by
Lady Colin Campbell, Cornell & Co. Ltd., 1902, cap. XI (primeira edição 1872). Ver também
Freeman, p.184ss; Sara Paston-Williams, The Art of Dining. A History of Cooking and Eating,
National Trust, 1993, p.244ss.
38. Ver Davidoff, p.107 e nota 54; Farid Chenoune, A History of Men’s Fashion, Flammarion,
1993, p.95 e 109-12.
39. Gwen Raverat, Period Piece. A Cambridge Childhood, Faber & Faber, s.d., p.78.
40. Humphry, Manners for Women, p.80.
41. H.C. Davidson (org.), The Book of the Home, Londres, Gresham Publishing Co., 1904, VI,
p.251ss.
42. Loftie, p.84ss.
43. Thomas Shurrmann, “Cutlery at the fine Table: Innovations and Use in the Nineteenth
Century”, in Food and Material Culture, p.171-83.
44. Aresty, The Best Behavior, p.174-8.
45. Fabienne de Sèze e Dany Sautot, “Du verre au cristal: une noblesse acquise”, in Versalhes et
les tables royales, p.230-1.
46. St. George, p.49.

Pós-escrito: O eclipse da mesa (p.263-5)


1. Gabriel Tschumi, Royal Chef. Recollections of Life in Royal Households from Queen Victoria
to Queen Mary, William Kimber, 1954, p.97.
2. Ibid, cap.VIII.
3. Para o século XX, ver Jean-Louis Flandrin e Massimo Montanari, Food. A Culinary History
from Antiquity to the Present, Colúmbia UP, 1999, p.435ss; Hans-Jürgen Teyteberg, “The German
Bourgeois Family at the Dining Table: Structural Changes of Meal Manners, 1880-1930”, in Food
and Material Culture, 4th Symposium on Food History, 1991, p.13-70; Claudine Marenco, Manières
de table, modèles de moeurs XVIIème-XXème siècles, Éditions l’E.N.S.-Cachan,1992, p.139ss.
Lista das ilustrações

Afresco de Pompéia, Museo Nazionale, Nápoles p.10


Pintura de vaso, Grécia, c.480 a.C., Ashmolean Museum, Oxford p.19
Pintura de vaso, British Museum p.22
Iluminura, Biblioteca Apostólica, Vaticano p.33
Mosaico romano, Museu Gregoriano Profano, Vaticano p.35
Detalhe de Beata umilitas, Pietro Lorenzetti, Galleria degli Uffi zi, Florença
p.44
Detalhe de A ceia de são Guido, afresco, abadia em Pomposa p.51
A Última Ceia, Domenico Ghirlandaio, igreja dos Umiliati, Florença p.54-5
A Última Ceia, mosaico em São Apolinário Novo, Ravena p.56
Iluminura de uma Vida de Cristo, Pierpont Morgan Library, Nova York, Ms
44 folio 6v. p.57
Detalhe de tapeçaria de Bayeux, Musée de la Tapisserie, Bayeux p.58
Iluminura em Le lante de Méliacin, Bibliothèque Nationale, Paris, Ms Fr
1633, folio 4 p.59
As bodas de Caná, Duccio di Buoninsegna, Museu dell’Opera
Metropolitana, Siena p.60
Última Ceia, Duccio di Buoninsegna, Museu dell’Opera Metropolitana,
Siena p.61
Detalhe de iluminura em Les très riches heures de Jean duc de Berry,
Musée Condé, Chantilly p.68
Iluminura alemã, Bibliothèque Nationale, Paris, Ms Lat 511, folio 43 p.71
Painel As bodas de Caná, do tríptico Os milagres de Cristo, mestre
flamengo anônimo, National Gallery of Victoria, Melbourne p.83
Iluminura em Luttrell Psalter, British Library, Londres, Ms Add 42130,
folio 208 p.92
Iluminura italiana em Prose Tristan, Bibliothèque Nationale, Paris, Ms.
616, folio 67 p.93
Iluminura flamenga, Bodleian Library, Oxford, Ms Douce, 374 folio 17
p.95
Iluminura francesa em Le livre de la chasse, Bibliothèque Nationale, Paris.
Ms 616, folio 67 p.97
Iluminura flamenga, Bibliothèque de l’Arsenal, Paris, Ms 5070, folio 314
p.101
Iluminura francesa em L’Histoire du Alexandre le Grand, Museu do Petit-
Palais, Paris, Ms, folio 86r p.103
Iluminura francesa em Grandes chroniques, Bibliothèque Nationale, Paris,
Ms 2813, folio 473 p.109
Iluminura francesa em L’Histoire du Alexandre le Grand, Museu do Petit-
Palais, Paris, Ms, folio 298r p.110
Pintura de Benedetto Caliari, Academia Carrara, Bergamo p.112
Detalhe de afresco, Giulio Romano, palácio do Tè, Mântua p.143
Pintura atribuída a Sandro Botticelli, em Storia de Nastagio degli Onesti,
coleção particular p.146-7
Detalhe de Bodas de Caná, Paolo Veronese, Louvre, Paris p.148
Gravuras em Trattato, de Mattia Giegher p.150
Iluminura flamenga, Sala de Gravuras, Biblioteca da Universidade de
Varsóvia, Varsóvia p.152
Pintura de Marcello Fogolino, Castelolo, Malpaga p.154-55
Detalhe de O paladar, a audição e o tato, de Brueghel de Veludo, Museu do
Prado, Madri p.158
Ilustração de Hypnerotomachia Poliphili, de Francesco Colonna p.159
Iluminura italiana de Tommaso Borgonio, Biblioteca Reale, Turim p.163
Memorial Picture of Sir Henry Unton, autor anônimo, National Portrait
Gallery, Londres p.165
Desenho de autor anônimo, Bibliothèque Royale Albert I, Bruxelas p.169
Gravura de Franz Hogenberg, coleção particular p.171
Desenho atribuído a Hans Holbein, Departamento de Gravuras e Desenhos,
British Museum,
Londres p.175
Pintura de Gerrit Houckgeest, The Royal Collection © HMQ Elizabeth II
p.177
Detalhe de O jantar de ostras, Jean-François de Troy, Musée Condé,
Chantilly, p.180
Gravura de John Michael Wright em Ragguaglio della solenne comparsa
fatto in Roma, Victoria & Albert Museum, Londres, p.185
Desenho de Pierre Paul Sevin, Museu Nacional, Estocolomo p.187
Desenho de Pierre Paul Sevin, Museu Nacional, Estocolmo p.189
Desenho de Pierre Paul Sevin. Museu Nacional, Estocolmo p.190-91
Gravura de Le cuisinier moderne, de Vincent de La Chapelle, Schlesinger
Library, Radcliffe Institute, Universidade Harvard p.199
Detalhe de pintura de Martin van Meytens, em Banquete por ocasião da
coroação do rei dos romanos, Palácio de Schönbrunn, Viena p.200
Pintura de autor desconhecido, Prefeitura de Raon-l’Etape p.203
Gravura de Joseph Gilliers (o Velho), em Le canneméliste français,
Bibliothèque des Arts Decoratifs, Paris p.206
Pintura de Pehr Hilleström, Museu Nacional, Estocolmo p.219
Gravura de Jean le Pautre, Bibliothèque des Arts Decoratifs, Paris p.222.
A ceia elegante, gravura de Jean-Michel Moreau, em Le monument de
costume p.225
Detalhe de O piquenique na caça, de Carel van Loo, Louvre, Paris p.226
Gravura de autor desconhecido p.228
Aquarela de lady Hester Leeke, coleção particular p.231
Pintura de Alexandre Dufay, chamado Casanova, Palácio de Versalhes
p.236-7
Gravura de Carême, em Livre de pâtisserie p.240
Nossa sala de jantar em York, aquarela de Mary Ellen Best, coleção
particular p.251
Gravura em English Society at Home, de George du Maurier p.257

Fontes fotográficas
Bridgeman Art Library, Londres, p.58, 59, 68, 83, 146-7, 148, 152, 180,
200, 206, 222, 225, 226, 236-7, 240, 251. Angelo Hornak Library, p.231.
Hulton Archive / Getty Images, p.228, 257. Photothèque des Musées de la
Ville de Paris, p.103, 110. Scala, Florença, p.10, 35, 44, 51, 54-5, 56, 57,
60, 61, 112, p.154-5. Studio Fotografico Giovetti, Mântua, p.143.
Índice remissivo

Os números de páginas em itálico indicam ilustrações e legendas

A
abadias, ver mosteiros e abadias
Abate, Niccolo dell’, 1
ablução das mãos, 1, 2
Academia Platônica em Careggi, 1
Académie de France, 1
Acton, Eliza, Modern Cooking for Private Families, 1
Acton, Essex, 1
açúcar, aumento do gosto pelo, 1;
esculturas barrocas, 1;
na culinária francesa dos séculos XVII e XVIII, 1, 2;
na Inglaterra, 1;
no banquete de coroação de Eduardo VII, 1;
no Renascimento, 1-2, 3, 4-5, 6;
propriedades salutares, 1
Adam, Robert, 1
Adriano, imperador romano, 1
Afonso, príncipe de Portugal, 1
Afonso II de Aragão, rei de Nápoles,1
Afonso V, rei de Aragão, 1
Aglié, Filippo d’, 1
Agnes, santa, 1
Agostinho, santo, A cidade de Deus, 1
Aix-la-Chapelle, tratado de (1664), 1
Alba, Fernandez Álvaro de Toledo, duque de, 1
Alberti, Leone Battista, De re aedificatoria, 1, 2
Alberto I, rei da Áustria, 1
Albizi, cardeal degli, 1
Alcebíades, 1, 2
Aldobrandini, princesa, 1
Alemanha, salas de jantar na, 1
Alexandre I, czar da Rússia, 1
Alexandre VII, papa, 1
almoço, 1
alquimia, 1, 2-3
América, ingredientes da, 1
Amiano Marcelino, 1
Ammanati, Bartolomeo, 1
Ana, rainha da Inglaterra, 1
Ana da Bretanha, 1
anglo-saxões, 1
Antigüidade, redescoberta no Renascimento, 1-2, 3-4, 5
Antimo, 1-2, 3
Antuérpia, 1
Apício, M. Gabio, De re coquinaria, 1-2, 3, 4, 5, 6
árabes, culinária, 1, 2;
e a alquimia, 1;
e cor da comida, 1;
na Europa, 1
Aragão, Enrique de, marquês de Villena, 1
Arquestrato, 1
Artusi, Pellegrino, La scienza in cucina e l’arte di mangiar bene, 1
Assurnarsipal II, rei da Assíria, 1
astrologia e magia astral, 1, 2-3
Ateneu de Neucrates, Os deipsnosofistas, 1, 2, 3, 4
Átila, o huno, 1
Attingham Park, Shropshire, 1
Audot, Louis Eustache, La cuisinière de la campagne et de la ville, 1
Augusto, imperador romano, 1-2
Augusto, o Forte, rei da Saxônia, 1-2
Aulos Gellius, Noctes atticae, 1
Avicena (Ibn Sina), 1
Avignon, 1, 2

B
Babbes Book, The, 1
babilônios, 15 Baco (divindade), 1
Bacon, Francis, 172 Bailly, Sylvain, 1
Balduíno II, imperador, 1
banquete, o termo na Inglaterra, 1-2
banquetes de coroação, 1, 2
Breyne, Alice de, 1
Bárbara da Áustria, 1
Barbaran, Montano, 1, 2
bárbaros, cultura alimentar, 1, 2
Barère, Bertrand, 1
barroco, 1-2, 3-4
Bavária, eleitores da, 1;
refeições informais, 1, 2
Bavária, Guilherme V, duque da, 1, 2
Bavária, Renée de Lorraine, duquesa da, 1
Bayeux, tapeçaria de, 1, 2
Beauvilliers, Antoine, 1
Beeton, Isabella, The Book of Household Managment, 1, 2, 3, 4
Belfiore, palácio, 1
Bellini, Jacopo, 1
Belvedere, Vila, 1-2
Bento, Regra de São, 1, 2, 3
Beowulf, 1
Bérain, Jean, 1
Bernini, Giovanni Lorenzo, 1, 2, 3
Berry, Jean, duque de, 1;
Les três riches heures, 1, 2, 3
Bertand du Guesclin, 1
Best, Ellen Mary, 1, 2
Bíblia, 1
Bini, Lucrezia Piero di Giovanni, 1, 2-3
Bizâncio, 1, 2-3
Blicking Hall, Norfolk, 1
boas maneiras, 1-2, 3-4;
ver também etiqueta; maneiras à mesa
Bodas de Caná, As (pintura anônima), 1
Boke of Curtaysye, The (c.1460), 1
Bolsover, castelo, 1
Bona de Sabóia, rainha da Polônia, 1
Bonifácio VIII, papa, 1
Bonleo, Sotio, 1
Bonnefons, Nicolau, 1
Bordeaux, vinhos de, 1
Borgonha, banquetes na, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7;
cozinhas da corte da, 1, 2;
entremet na, 1, 2, 3;
etiqueta na, 1-2, 3-4, 5, 6, 7, 8;
falta de livros de receitas medievais, 1;
vinhos, 1-2
Borgonha, Carlos, o Audaz, duque da, 1, 2, 3
Borgonha, Felipe, o Bom, duque de, 1, 2
Borgonha, Isabel de Portugal, duquesa de, 1
Borgonio, Tommaso, 1
Bosse, Abraham, 1
Botticelli, Sandro, A história de Nastagio degli Onesti (pintura), 1, 2-3
Bramanti (Bramanti Lazzari), 1, 2
Bretanha, ver Inglaterra; Escócia
Brillat-Savarin, Jean-Anthelme, La physiologie du goût, 1, 2-3
brindes, na Roma antiga, 1-2;
viking, 1
Britânico, 1
Browning, Robert, 1
Brueghel de Veludo, 1, 2, 3
Bruges, 1
Bruxelas, 1
Bulstrode (casa), Buckinghamshire, 1
Buontalenti, Bernardo, 1

C
cadeiras, 1, 2
cadenas, 1, 2, 3
café, 1
Caliari, Benedetto, 1
Calígula, imperador de Roma, 1, 2
Camila de Aragão, 1
Campo do Tecido de Ouro, 1, 2, 3
Cannons (casa), Hertfordshire, 1, 2
Canterbury, abadia de Santo Agostinho, 1-2, 3
Caprarola, 1-2
Carano, rei da Macedônia, 1
Carême, Antonin de, 1-2, 3;
L’Art de la cuisine française au dix-neuvième siècle, 1;
Livre de pâtisserie, 1, 2
Carlos, o Audaz, ver Borgonha, duque de
Carlos I, rei da Inglaterra, 1, 2, 3, 4
Carlos II, rei da Inglaterra, 1
Carlos IV, imperador, 1, 2, 3
Carlos V, imperador, 1-2, 3, 4, 5, 6
Carlos V, rei da França, 1, 2, 3, 4, 5
Carlos VI, rei da França, 1, 2, 3, 4-5
Carlos VII, rei da França, 1
Carlos VIII, rei da França, 1, 2
Carlos IX, rei da França, 1
Carlos X, rei da França, 1
Carlos Magno, imperador, 1-2, 3
Carlota, esposa de Jorge III, 1
carne, e distinções de classe, 1-2;
na França do século XVII, 1;
seca, 1
Cartago, 1
Casa, Giovanni della, Galateo, 1
casa de banquetes, 1-2
casamento, e festejo, 1
Casanova (Alexandre-Benoit-Jean Dufay), 1, 2-3
Casanova de Seingalt, Jacques, 1
Cassell’s Household Management, 1
Casteau, Lancelot de, Ouverture de Cuisine, 1
Castello, Vila di,
Castelvetro, Giacomo, 1
Castiglione, Baldassare, O cortesão, 1
Castlemaine, Roger Palmer, conde de, 1-2, 3
Catarina de Aragão, esposa de Henrique VIII, 1, 2
Catarina de Médici, rainha da França, 1-2, 3, 4, 5, 6, 7
Catarina de Valois, esposa de Henrique V, 1
Cateau-Cambrésis, tratado de (1559), 1
cavalheirismo, 1, 2, 3-4
Cavalieri, Emilio, 1
Cavendish, George, 1, 2-3, 4
Ceccano, Annibale de, cardeal, 1
Cellini, Benvenuto, 1
cena (festejo romano), 1-2, 3, 4
cerâmica, para a mesa, 1-2, 3, 4, 5-6
Cervio, Vincenzo, Il trinciante, 1, 2
Cesar, Júlio, 1, 36 chá, 2-3
champanhe, 1
Chandos, James Brydges, 1º duque de, 1, 2
Chantoiseau, Mathurin Roze, 1-2
Charolais, mademoiselle de, 1
Chartres, Felipe, duque de, 1
Chaundler, João, bispo de Salisbury, 1
Chigi, Agostino, 1-2
Chiquart, mestre, 1, 2, 3, 4
chocolate, 1
Choisy, França, 1
Cícero, 1, 2, 3;
De officis, 1-2
Cisterciense, Ordem, 1
Clarence, Jorge, duque de, 1
Classe (social), associação com comida e etiqueta, 1-2, 3-4, 5;
e a carne, 1-2;
e as maneiras francesas de comer do século XVII, 1-2;
e boas maneiras, 1-2;
e o vinho, 1-2
e os horários das refeições, 1;
na era vitoriana, 1-2, 3-4, 5-6;
na Itália renascentista, 1;
Cláudio, imperador romano, 1
Clemente VI, papa, 1, 2
Clemente VII, papa, 1
Clemente IX, papa, 1, 2-3
Clemente XI, papa, 1
Clive, Robert Henry, 1-2
Cluny, Borgonha, 1, 2, 3
Código cortês, e etiqueta, 1-2
Colheres, 1, 2-3, 4-5, 6, 7, 8-9, 10
Colle, Francesco, Refugio del povero gentiluomo, 1-2
Colleoni, Bartolomeo, 1
Colônia, 1
Colonna, Francesco, Hypnerotomachia Poliphili, 1, 2
Colonna, Prospero, 1
Colorsi, Giacomo, 1
Condé, príncipes de, 1
Constantino, imperador romano, 1, 2
Contra-Reforma, 1, 2
Conventos, 1
Conversa, à mesa, 1-2, 3-4
Convivium, na era clássica, 1, 2, 3-4, 5-6, 7;
revivido, 1
Cor, na comida, 1, 2-3, 4-5, 6, 7
Cordiais, 1
Cortona, Pietro da, 1
Coryat, Thomas, 1
Cossa, Francesco, 1
Courtin, Antoine de, Nouveau traité de la civilité, 1
Craven, William, marquês de, 1
Criados e serviços, e apresentação das refeições, 1-2;
em jantares de gala, 1;
em Versalhes, 1-2;
gorjeta aos, 1-2
hierarquia e deveres, 1-2, 3-4, 5-6, 7, 8, 9, 10, 11-12, 13, 14-15;
na Idade Média, 1-2, 3-4;
cristandade, como religião romana ofi cial, 1-2;
conversão, 1, 2;
dias de jejum, 1, 2-3, 4, 5;
festas religiosas, 1;
regulamentação da dieta e da comida, 1 2, 3, 4, 5-6;
ver também mosteiros e abadias
Cristiano III, rei da Dinamarca, 1
Cristina, duquesa de Sabóia, 1
Cristina, rainha da Suécia, 1-2, 3, 4-5
Cristina de Pisan, 1, 2
Croÿ, duque de, 1-2
Cuisine classique, 1
D
Dallington, sir Robert, 1
David, Jacques Louis, 1
Day, Charles, Etiquette and Usage of Society, 1
De Marchi (cronista bolonhês), 1, 2
Desempenadeira (companhia), 1
desjejum, 1, 2-3
despenseiro, 1
Devonshire, William Cavendish, 1º marquês de, 1
dieta, e saúde, 1-2;
medieval, 1-2;
no mundo antigo, 1, 2-3
Dinamarca, jantar público real na, 1-2, 3
Dio Cássio, 1
Dioniso (divindade), 1, 2
direito divino dos reis, 1-2, 3, 4
Domiciano, imperador romano, 1, 2-3
Dorat, Jean, 1
Dubois, Urbain e Emile Bernard, La cuisine classique, 1
Duccio di Buoninsegna, As bodas de Caná, 1;
A Última Ceia, 1
Du Maurier, George, English Society at Home, 1
Duprat, cardeal Antoine, 1
Du Prez, Josquin, 1

E
Eduardo I, rei da Inglaterra, 1
Eduardo II, rei da Inglaterra, 1
Eduardo III, rei da Inglaterra, 1
Eduardo IV, rei da Inglaterra, 1, 2, 3, 4
Eduardo VII, rei da Inglaterra, 1
Egito Antigo, 1
Einhard, 1
Eleanor de Toledo, 1
Elizabeth, princesa, 1
Elizabeth I, rainha da Inglaterra, 1, 2
Elizabeth II, rainha da Inglaterra, desjejum de casamento, 1
Elizabeth da Áustria, rainha da França, 1, 2
Elyot, sir Thomas, The Bankette of Sapience, 1
Emereciana, santa, 1
entremets, 1-2, 3-4, 5, 6-7, 8
Epicuro, 1
Erasmo, De civilitate morum puerilium, 1-2, 3, 4
ervas, aromáticas, 1-2;
na Itália renascentista, 1
na Roma Antiga, 1;
Escócia, 1
Escoffier, Georges Auguste, 1-2, 3;
Guide culinaire, 1
escravos, na Roma Antiga, 1-2, 3-4
Espanha, objetos de mesa na, 1
Este, Borso d’, 1
Este, cardeal Ipolito d’, 1, 2
Este, cardeal Ipolito II d’, 1
Este, cardeal Luigi d’, 1
Este, família e corte de, 1-2, 3, 4, 5, 6, 7;
ver também Ferrara
Este, Lionello d’, 1
Este, Lucrezia, d’, 1
Este, Vila d’, 1, 2
Estrades, condessa de, 1
etiqueta, desenvolvimento das boas maneiras, 1-2;
dos jantares de gala, 1;
e códigos de vestimenta, 1;
e monarquias, 1-2;
livros de, 1;
livros vitorianos de, 1-2;
medieval, 1-2;
mudanças no século XV, 1-2;
na corte borgonhesa, 1, 2, 3-4, 5, 6;
no Renascimento, 1-2, 3-4;
sob Napoleão, 1-2;
ver também boas maneiras; maneiras à mesa
Etiquette for Ladies (1894), 1
etruscos, 1
eucaristia, 1
Eurípides, Íon, 1
Evelyn, John, 1;
Acetaria, 1
exibição e ostentação, de Carême, 1-2, 3;
medieval, 1-2;
no Renascimento, 1-2, 3-4, 5-6, 7;
ver também entremets

F
facas (de mesa), 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12
Farnese, Alexandre, 1, 2
Farnese, cardeal Alessandro III, 1, 2-3
Farnesina, Vila, 1-2
Fay, Anna Maria, 1, 2-3, 4
Fedele, Luigi, 1
Felipe II, rei da Espanha, 1-2, 3, 4-5
Felipe III, rei da Espanha, 1
Felipe IV, o Belo, rei da França, 1
Felipe V, o Longo, rei da França, 1
Feltre, Vittorino da, 1
Ferdinando I de Aragão, rei de Nápoles, 1
Ferrante, rei de Nápoles, 1
Ferrara, Afonso I d’Este, duque de, 1, 2
Ferrara, Afonso II d’Este, duque de, 1, 2
Ferrara, ducado de, 1
Ferrara, Eleanora de Aragão, duquesa de, 1, 2
Ferrara, Ercole I d’Este, duque de, 1-2, 3-4
Ferrara, Ercole II d’Este, duque de, 1
Ferri, Ciro, 1
festas sagradas (cristãs), 1-2
festas seculares, 1-2, 3-4, 5
feudalismo, 1-2
Ficino, Marsílio, De sufficientia, 1
Filoxeno de Leucas, “O banquete”, 1
Flanders, Luís, conde de, 1
Fleury, cardeal André Hercule, 1
flores, como decoração de mesa, 1, 2
Fogolino, Marcello, 1
Foix, Gastão IV, conde de, 1-2, 3-4, 5, 6, 7-8
Forme of Cury, The, 1
Fountains, abadia, Yorkshire, 1
França, desenvolvimento e influência da culinária na, 1-2, 3-4;
e apresentação dos pratos, 1, 2-3;
edificações na, 1-2;
rituais de corte na, 1;
salas de jantar na, 1;
vinhos, 1-2, 3;
ver também Versalhes
Francatelli, Charles Esmé, The Modern Cook, 1
Francisco I, rei da França, 1, 2, 3, 4-5
Frederick, príncipe de Gales, 1
Froissart, Jean, 1

G
Gailhard, Jean, The Compleat Gentleman, 1
Galeno, 1, 2, 3
Gália, 1-2
Gambara, cardeal Francesco, 1
garfos, e maneiras à mesa, 1, 2-3, 4
na França, 1;
na Idade Média, 1;
na Roma Antiga, 1;
reintroduzidos no Renascimento, 1-2, 3-4, 5;
gás, aquecimento a, 1
Gaveston, Piers, 1
Ghirlandaio, Domenico, A Última Ceia (pintura), 1-2
Giambologna (Giovanni Bologna), 1
Giegher, Mattia, Trattato, 1, 2
Gilliers, Joseph, Le canneméliste français, 1, 2, 3
Giovanni Milanese, 1
Giraldo Cambrense, 1-2
Gissey, Henri, 1
Glasse, Hannah, The Art of Cookery Made Plain and Easy, 1
Godofredo de Bouillon, 1, 2
Gogue, Antoine, Les secrets de la cuisine, 1
Gonzaga, corte de (Mântua), 1, 2-3
Gonzaga, duque Vespasiano, 1
Gonzaga, Federico, 1
Gonzaga Elisabetta, 1
Gouffé, Jules, Livre de la cuisine, 1
Grana, Giacomo, 1-2
Granado, Diego, Libro del arte cozina, 1
Grécia Antiga, banquetes, 1, 2-3;
culinária, 1-2, 3;
estrutura social na, 1-2
influência na alimentação romana, 1, 2-3;
papel e ritual da refeição na, 1-2;
Gregório XIII, papa, 1
Gregório de Tours, 1
Grosseteste, Robert, bispo de Lincoln, 1
guardanapos, em banquetes renascentistas, 1-2, 3-4, 5
na Roma Antiga, 1-2;
Guarino, Giovan Battista, 1
Guazzo, Stefano, La civil conversazione, 1
Guerra das Rosas, 1
Guerra dos Cem Anos, 1
Gustavo III, rei da Suécia, 1-2
Guyenne, duque de, 1

H
Habits of Good Society, The (c. 1850), 1
Hainault, Balduíno VI, conde de, 1
Hall, Edward, Chronicle, 1
Hamstead Marshall, (casa), Berkshire, 1
Hardwick
Hall, Derbyshire, 1
Hatfield House, Hertfordshire, 1
Heliogábalo, 1
Henrietta Maria, esposa de Carlos I da Inglaterra, 1, 2, 3, 4
Henrique I, rei da Inglaterra, 1
Henrique II, rei da França, 1, 2, 3
Henrique II, rei da Inglaterra, 1, 2
Henrique III, rei da França, 1, 2
Henrique IV, rei da França, 1, 2, 3, 4
Henrique IV, rei da Inglaterra, 1
Henrique V, rei da Inglaterra, 1, 2
Henrique VI, rei da Inglaterra, 1, 2, 3
Henrique VII, rei da Inglaterra, 1
Henrique VIII, rei da Inglaterra, casamento com Catarina de Aragão, 1
e etiqueta, 1-2, 3;
e hierarquia, 1;
no Campo do Tecido de Ouro, 1, 2;
Hentzner, Paul, 1
Herculano, 1, 2
Herodes, 1
Hertford, Edward Seymour, conde de, 1
hierarquia ver classe (social); precedência, ordem de Hilleström, Pehr, 1
Hipócrates, 1
Hipoloco, 1
Holanda, ver Países Baixos Holbein,
Hans, 1
Hollar, Wenceslas, 1
Homero, 1, 2
homossexualidade, na Roma Antiga, 1
Hoofsche Wellevenheid, De, 1
Houckgeest, Gerrit, 1
Howard, Abraham, 1
Humberto II de Valois, delfi m, 1
humores (os quatro), 1, 2, 3
Humphry, sra. (“Madge” da revista Truth), 1, 2, 3

I
Ilíada, 1
Iluminismo francês, 1, 2
informalidade, ver soupers intimes
Inglaterra, arrumações de jantar, 1-2;
declínio culinário no século XIX, 1-2;
industrialização e urbanização, 1, 2;
livros de receitas, 1, 2-3;
resistência à culinária francesa, 1-2
salas de jantar, 1-2;
salões de banquete na, 1-2, 3;
Inocêncio VIII, papa, 1
Inocêncio X, papa, 1
Itália, 1-2
J
Jaime I, rei da Inglaterra (Jaime vii da Escócia), 1, 2, 3
Jaime II, rei da Escócia, 1
Jaime II, rei da Inglaterra, 1-2
jantar, como refeição principal, 1-2
jantar festivo, boas maneiras e etiqueta dos, 1-2, 3;
desenvolvimento do, 1, 2-3, 4, 5-6, 7-8, 9;
sobrevivência moderna, 1
jantares de gala, 1, 2-3, 4, 5-6, 7-8
Jeanne, rainha da Borgonha, 1
Jeanne de Bourbon, esposa de Carlos V, 1
Jeanneret, Michel, 1
jejum e jejuar, na tradição cristã, 1-2, 3-4, 5
jentaculum, 1
João XXII, papa, 1, 2
João da Napoli, 1
Johann Wilhelm de Jülich-Cleve, 1, 2
Johnson, Samuel, 1, 2
Joinville, João de, 1-2
Jones, Inigo, 1
Jonson, Ben, 1
Jorge, príncipe da Dinamarca, 1
Jorge I, rei da Inglaterra, 1
Jorge III, rei da Inglaterra, 1
Jorge IV, rei da Inglaterra, 1
José, rei dos romanos, 1
judeus e judaísmo, e o jejum, 1
Júlio II, papa, 1

K
Kerr, Robert, The Gentleman’s House, 1
Kitchiner, William, The Cooks Oracle, 1
Kourakine, príncipe Borisovitch, 1
Kuchenmeisterei, 1

L
L.S.R., L’Art de bien traiter, ouvrage nouveau, curieus et fort gallant, 1
La Chapelle, Vincent, Le cuisinier Moderne, 1, 2
La Marche, Olivier de, 1
La Riva, Bonvesin de, Cinque volgari, 1
la Vallière, Louise de, 1
La Varenne, François Pierre, Le cuisinier françois, 1, 2;
Le parfaict confiturier, 1;
Le pâtissier françois, 1
lacaios, 1-2
Lacock, abadia, Wiltshire, 1
Lafayette, Marie Joseph Paul du Motier, marquês de, general, 1
Lancerio, Sante, 1
Lancret, Nicolas, 1
Lando, Ortensio, Commentario delle piu notabili e mostruose cose d’Italia
e altri lughi, 1
Langland, William, Vision of Piers Plowman, 1
Lante, Vila, 1-2
Lasso, Orlando di, 1
laticínios, 1, 2
Latini, Antonio,, Lo scalco moderno, 1
Le Nôtre, André, 1
Leão III, papa, 1
Leão X, papa, 1
leis suntuárias, 1-2
Lenardi (ajudante de Ferri), 1
Leonardo da Vinci, 1
Leôncio, bispo, 1
Leto, Giulio Pomponio, 1
Ligorio, Pirro, 1
Ligozzi, Jacopo, 1
livros de receita, gregos, 1-2;
medievais, 1-2, 3-4, 5-6;
na França, século XIX, 1-2;
na França dos séculos XVII e XVIII, 1, 2-3;
na Inglaterra, 1-2;
no Renascimento, 1-2, 3-4;
romanos, 1-2
Loftie, sra., The Dining Room, 1
Longleat House, Wiltshire, 1
Loo, Carel van, 1
Lorenzetti, Pietro, Beata umilitas, 1
Loudon, John Claudius, The Suburban Gardener and Villa Companion, 1-2
Lovell, sir Thomas, 1
Lúcio Vero, 1
Lúculo, Licínio, 1
Luís IX, são Luís, rei da França, 1-2
Luís XIII, rei da França, 1
Luís XIV, rei da França, comer em público, 1-2;
cozinheiros, 1;
em Versalhes, 1, 2-3, 4-5
e o desenvolvimento da comida e do comer, 1-2, 3, 4;
fêtes, 1-2, 3;
jantar informal em Marly, 1-2;
maneiras à mesa, 1;
uso do garfo, 1;
Luís XV, rei da França, 1-2, 3, 4, 5, 6, 7
Luís XVI, rei da França, 1, 2
Luís d’Anjou, rei de Nápoles e de Jerusalém, 1, 2
Luís Felipe, rei da França, 1
Luitprand, bispo de Cremona, 1
Lully, Jean-Baptiste, Les fêtes de l’amour et Bacchus, 1
Lune, Pierre de, 1
Luttrell Psalter, 1
Lydgate, John, 1, 2
Lyminge, Robert, 1

M
Macróbio, Saturnalia, 1, 2
Madama, Vila, 1
“Madge”, ver Humphry, sra. Maiano, Giuliano da, 1
Mailly, Louise Julie, condessa de, 1
maiólica, 1, 2
maneiras à mesa, convenções dos séculos XVII e XVIII, 1-2
em jantares festivos, 1-2;
livros sobre, 1-2;
medievais, 1, 2-3, 4-5;
na Regra de São Bento, 1;
Manners and Tone of Good Society and Solecisms to be Avoided, by a
Member of Aristocracy (1885), 1
Mantegna, Andrea, 1
manteiga, 1;
ver também laticínios
Mântua, 1, 2
Mântua, Francesco Gonzaga II, duque de, 1
Mântua, Guglielmo Gonzaga, duque de, 1
Mântua, Isabella d’Este, duquesa de, 1, 2, 3
Mântua, Margherita Farnese, duquesa de, 1
Maomé IV, sultão otomano, 1
Marchi, 1
Marcial, 1-2, 3;
Epigramas, 1
Marco Aurélio, imperador romano, 1
Margaret, regente dos Países Baixos, 1
Margaret de York, duquesa de Borgonha, 1, 2
Margarida de Valois, primeira esposa de Henrique IV da França, 1
Maria, esposa de Jorge V, 1-2
Maria I (Tudor), rainha da Inglaterra, 1
Maria Antonieta, esposa de Luís XVI da França, 1, 2, 3, 4
Maria da Hungria, regente dos Países Baixos, 1
Maria de Médici, segunda esposa de Henrique IV da França, 1, 2, 3
Maria de Portugal, 1, 2
Maria Luiza, imperatriz, esposa de Napoleão I, 1, 2-3
Marin, François, Les dons de Comus ou les délices de la table, 1-2
Marin-Grimano, cardeal, 1
Markham, Gervase, The English Housewife, 1
Marly (castelo), 1
Martin, Jean, 1
Martinho, bispo de Tours, 1
Martino, maestro, ver Rossi, Martino de Massialot, François, Le cuisinier
roial et bourgeois, 1, 2
Matthias Corvinus, rei da Hungria, 1
Maximiliano III José, eleitor da Bavária, 1
May, Robert, The Accomplisht Cook, 1
Médici, Alessandro de, 1
Médici, cardeal Leopoldo de, 1
Médici, Cosimo I de, 1, 2, 3
Médici, família, 1-2, 3, 4-5, 6-7
Médici, Giuliano de, 1
Médici, Lorenzo de, 1, 2
medieval, período, banquetes, 1-2, 3, 4 5, 6, 7-8;
dietas, 1-2
livros de receitas, 1-2;
mediterrânea, dieta e alimentos, 1-2;
Meissen, fábrica de porcelana, 1
ménagier de Paris, Le, 1, 2, 3, 4
Menon, La cuisinière bourgeoise, 1-2
Mercure de France (jornal), 1
mesas, decoração, 1-2;
forma e arranjos para sentar, 1-2, 3, 4, 5, 6-7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15,
16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23-24
simbolismo da, 1
Mesopotâmia, 1
Messisbugo, Cristoforo da, 1-2, 3, 4, 5, 6;
Banchetti, composizioni di vivende e apparecchio, 1, 2-3, 4
Meytens, Martin van, Feast on the Occasion of the Coronation of the King
of the Romans, 1, 2
molhos, de Carême, 1
na Roma Antiga, 1-2;
Molière, Jean-Baptiste Poquelin, 1-2
monarquia, mistério e rituais da, 1-2;
ver também comer em público
Monmouth, James Scott, duque de, 1
Montaigne, Michel Eyquem, seigneur de, 1, 2, 3
Montefeltro, Guidobaldo da, 1
Montigny, Guy de, 1
Montmorency, Anne de, 1
Moreau, Jan Michel, o Jovem, A ceia elegante, 1, 2
Morgan, Sydney, lady, 1
mosteiros e abadias, 1-2, 3-4, 5, 6, 7-8
mulheres, e a mesa de Luís XIV, 1-2;
efeito da Revolução Francesa sobre, 1;
em banquetes medievais, 1-2;
em orgias romanas, 1;
em refeições romanas, 1-2;
e o salão, 1-2;
posição na mesa, 1-2, 3, 4;
separadas dos homens após as refeições, 1, 2
música, em banquetes medievais, 1-2, 3, 4;
em Versalhes, 1, 2;
na Renascença, 1, 2, 3-4, 5

N
Napoleão Bonaparte, imperador, 1-2, 3-4, 5
Nápoles, 1, 2
Narford Hall, Norfolk, 1
Narni, Fusorito da, 1
Natal, como festa da Igreja, 1
navetas, 1, 2, 3-4, 5, 6
neoplatonismo, 1
Nero, imperador romano, 1, 2, 3, 4
Neville, George, arcebispo de York, 1
Nicéforas Focas, imperador bizantino, 1
Nola, Robert di, Libro de cocina, 1-2
Norfolk, John Howard, 1º duque de, 1
Northumberland, Henry Percy, 5º marquês de, 1
nouvelle cuisine, 1

O
Oakly Park, Shropshire, 1
Odilo, abade de Cluny, 1-2
Odisséia, 1
Odoacer, rei da Itália, 1
offi ce, 1-2, 3, 4, 5
Opimius, 1
Orléans, Felipe, duque de, 1
Orléans, Ferdinand-Philippe, duque de, 1
Orléans, Luís, duque de (1372-1407), 1
Os estatutos da ordem napolitana do Espírito Santo, 1
Oto III, imperador, 1
Ovídio, Metamorfoses, 1

P
Países Baixos, edificações nos, 1-2;
introduzem o café e o chá, 1
Palissy, Bernard, 1
palitos, na Roma antiga, 1
Palladio, Andrea, 1
Pamphili, palácio ver Roma (moderna)
Panton, J. E., From Kitchen to Garret, 1
papas, cerimônia de consagração, 1;
comendo sozinhos em banquetes de gala, 1
papoula, óleo de, 1
Pariset, madame, Manuel de la maîtresse de la maison, 1
Parma, Alexandre, duque de, 1-2, 3
Parrega, Sebastian Gutierrez de, Etiquetas de corte, 1-2
Páscoa, como festa da Igreja, 1
pastelaria (massa), 1
Paulo, são, 1
Paulo III, papa, 1, 2, 3
Paulo IV, papa, 1
Pedro IV, rei de Aragão, 1
Perretti, Niccolò, 1
Persa, Império, 1
Peruzzi, Baldassare, 1
Petrônio Arbiter, Satyricon, 1-2, 3
philosophes, 1
Picatrix (tratado árabe), 1
Pilon, Germain, 1
Pinturicchio (Bernardino di Betto de Biagio), 1
Pio V, papa, 1
Pisanello (Vittorio Pisano), 1
Platão, 1;
Leis, 1;
Simpósio, 1, 2
Platina, Bartolomeo, De honesta voluptate,1, 2, 3, 4, 5
Plínio, o Moço, 1-2, 3, 4-5
Plínio, o Velho, Historia naturalis, 1
Plumerey (chef), 1
Plutarco, Conversa à mesa, 1
O jantar dos sete homens sábios, 1-2;
Pollio, P. Veddius, 1
Pompadour, Jeanne Antoinette Poisson, marquesa de, 1-2, 3
Pompéia, 1, 2
porcelana, 1, 2
prandium, 1-2, 3
prata, para objetos de mesa, 1-2, 3, 4, 5-6
Pratolino, 1
pratos, serviço de, 1-2, 3-4, 5-6
precedência, ordem de, em banquetes de gala modernos, 1-2;
ignorada sob Luís XV, 1-2;
na Idade Média, 1-2, 3, 4;
Renascimento, 1, 2-3;
ver também classe (social); etiqueta
précieuses, 1
Primeira Guerra Mundial, 1
privacidade, ao comer, 1, 2-3
provar, rito de, 1
público, comer em, e monarquia, 1-2, 3, 4-5;
medieval, 1;
Napoleão Bonaparte, 1-2, 3-4
Pucci, Giannozzo, 1, 2-3

R
Rambouillet, Catherine de Vivonne, marquesa de, 1
Raphael Sanzio, 1
Ravena, São Apolinário Novo, 1, 2
Raverat, Gwen, 1
refeições, horário das, 1, 2-3
refrigeradores, 1
reis, ver monarquia
religião, e controle de dieta, 1-2;
ver também cristandade
Renascimento, banquetes, 1-2, 3-4, 5-6, 7, 8, 9, 10, 11-12, 13;
culinária, 1-2, 3;
estrutura da refeição, 1-2;
redescoberta da Antigüidade, 1, 2-3, 4;
vilas na, 1-2
René, rei de Anjou, 1
restaurantes, 1-2, 3-4
Revolução Francesa, 1-2, 3, 4
Rhodes, Hugh, The Boke of Nurture, 1, 2
Riario, cardeal Pietro, 1
Ricardo II, rei da Inglaterra, 1, 2-3, 4
Ricardo III, rei da Inglaterra, 1
Roberti, Ercole, 1
rococó, 1
Roma (moderna), estilo barroco, 1-2, 3-4;
festa no palácio Pamphili, 1-2;
no Renascimento, 1-2;
saqueada, 1
Roma, Antiga, banquetes públicos e imperiais, 1-2;
culinária na, 1-2;
deuses e altares, 1-2;
dieta e culinária, 1-2;
distinções de classe em, 1;
dualidade de valores, 1-2, 3-4;
escravos na, 1-2, 3-4;
festejos na, 1-2, 3-4, 5-6, 7;
fim do Império, 1-2;
ordem das refeições na, 1;
regulamentação dos entretenimentos, 1-2;
roupas na, 1;
utensílios, 1-2;
vilas e locais para comer, 1-2
Roman de Jehan de Paris, 1
Romano, Giulio, 1, 2, 3
Romoli, Domenico, (Il Pununto), La singolare dottrina dell’ufficio dello
scalco, 1, 2
Rômulo, Augústulo, imperador romano, 1
Rossetti, Biagio, 1
Rossetti, Giovan Battista, Dello scalco, 1
Rossi, Martino de (maestro Martino), Libro de arte coquinaria, 1-2
rotas de comércio, 1
Rothschild, Amschel Mayer, barão de, 1
roupas, para jantares festivos, 1
Rousseau, Jean-Jacques, Emile, 1
Rumpolt, Max, Ein neues Kuchbuch, 1
Rundall, Maria, A New System of Domestic Cookery, 1
Rustico, Giovan Francesco, 1

S
Sabóia, Amadeu VIII, duque de, 1
Sabóia, Carlos Emmanuel, duque de, 1-2
Sabóia, Cristina, duquesa de, 1, 2
Sabóia, Humberto, duque de, 1
Sacro Bosco (jardim), Bomarzo, 1
Saint Denis, mosteiro de, França, 1
Saint-Simon, Louis de Rouvroy, duque de, 1, 2, 3
Sainte-Chapelle, Paris, 1
sal, 1
salão, 1-2
salas de jantar, 1-2, 3, 4-5, 6, 7
Salle, Jean-Baptiste de la, Les Règles de la bienséance et de la société
chrétienne, 1
salles à manger, 1-2;
ver também salas de jantar
Salm-Salm, Nicolas-Léopold, príncipe de, 1, 2, 3
Sanderson, William, Graphice, 1
Santo Galo, 1
Saturnália, 1
Saumur, França, 1
scalco (mordomo italiano), 1-2, 3-4, 5-6, 7, 8-9
Scandiano, Giulio Thiene, 1
Scappi, Bartolomeo, Opera, 1, 2, 3, 4-5
Schor, Giovanni Paulo, 1
Ségur, Louis-Philippe, conde de, 1-2
Sêneca, 1
Sens, cardeal de, 1
Septimius, Severus, imperador de Roma, 1
Serlio, Sebastiano, 1
Sermini Gentile, 1
Serres, Olivier de, Le théatre d’agriculture et mesnages des champs, 1
service à l’anglaise, 1-2, 3
service à la française, 1, 2-3, 4, 5, 6-7, 8, 9-10
service à la russe, 1, 2-3
service en pyramide, 1
Sevilha, Confraria de Todos os Santos, 1-2
Sevin, Pierre Paul, 1-2, 3, 4, 5
Sèvres, porcelana de, 1
Sforza, Camilla (de Aragão), 1, 2
Sforza, cardeal Ascanio, 1
Sforza, Costanzo, 1, 2, 3
Sforza, Gian Galeazzo, 1
Sforza, Isabella (de Aragão), 1
Sharington, sir William, 1
Shrewsbury, Elizabeth Talbot, condessa de, 1
Sidônio Apolinário, bispo de Averna, 1, 2
Sigismundo, imperador, 1
Smith, Alice, Art of Cookery, 1
sociedade (grupos de classe), 1
soupers intimes, 1-2
Soyer, Aléxis, A Shilling Cookery Book for the People, 1
The Gastronomic Regenerator, 1;
Strozzi, Clarissa, 1
Stucki, Johann Wilelm, Antiquitatem convivialium libri III, 1
Suetônio, 1, 2, 3-4
Suffolk, Mary, duquesa de, 1-2
surtout, 1, 2
sutilezas, 1
symposion, 1-2, 3

T
taças (à mesa), 1
Tácito, 1
Taillevent ver Tirel, Guillaume de Talleyrand, Charles Maurice de, 1
Tannhäuser, Courtly Breeding, 1
Tè, palácio do, 1-2, 3
temperos, Antimo sobre, 1;
em receitas medievais, 1; na culinária francesa do século XVII, 2-3;
na Grécia Antiga, 1;
na Itália renascentista, 1-2, 3-4
na Roma Antiga, 1;
virtudes médicas, 1;
Teodorico, o Ostrogodo, 1-2
terrina, 1
Tertuliano, 1
Teuderico, rei dos francos, 1
Thackeray, William Makepeace, O livro dos esnobes, 1, 2
Thomire, Pierre-Philippe, 1
Thynne, sir John, 1
Tibério, imperador romano, 1-2, 3
Tiburtino Loreio, 1
Tigellino, 1
Tirel, Guillaume de, Viandier de Taillevent, 1, 2, 3, 4, 5, 6
toalhas de mesa, 1, 2-3
Tommasino di Circlaria, Der Wälsche Gast, 1
Tonantio Ferreolo, 1
Torquemada, Tomás, Colloques satiriques, 1
Toulouse, condessa de, 1
Tours, o banquete do conde de Foix em 1457, 1-2
Trevas, Idade das, 1, 2, 3
Trevisan, cardeal, 1
Triboli, Niccolò, 1
triclínio, 1, 2-3, 4
Trimálquio (personagem de ficção de Petrônio), 1-2, 3, 4, 5, 6, 7
trinchantes (trincianti), 1, 2-3, 4-5, 6
Troy, Jean-François de, 1;
O jantar de ostras, 1, 2
True Gentleman’s Etiquette, The (anônimo), 1
Trusler, John, Honours of the Table, 1
Truth (revista), 1
Tschumi, Gabriel, 1

U
Ude, Louis Eustache, The French Cook, 1
Udine, Eustachio Celebrino da, Opera nova che insegna apparechiar, 1
Última Ceia (bíblica), 1, 2-3, 4, 5-6, 7, 8, 9
Unton, sir Henry, 1, 2, 3
Urbino, Guidobaldo II, duque de, 1, 2
Urbino, Nicolò da, 1
utensílios e objetos de mesa, 1, 2-3, 4-5, 6-7, 8, 9-10, 11-12, 13

V
Varro, Marcus, 1
Vasari, Giorgio, 1, 2, 3
Vaticano, 1
vegetais, em Versalhes, 1-2
no Renascimento, 1;
Venâncio Fortunato, bispo, 1
Venceslau, rei da Boêmia, 1
veneno, prova de, 1
Veronese, Paolo, Bodas de Caná, 1, 2, 3
Verrall, William, A Complete System of Cookery, 1
Versalhes, comida e festival em, 1-2, 3, 4;
imitação de, 1;
jardins de frutas e de vegetais, 1-2;
Marie Antonieta em, 1;
organização e protocolo em, 1-2, 3-4
vesperna, 1
viandier de Taillevent ver Tirel, Guillaume de Viard, A., Le Cuisinier
impérial, 1
Vignola (Giacomo Barocchio), 1
vikings, 1
vilas, na Itália renascentista, 1-2
Villette, marquês Charles de, 1
vinho, alemão, 1;
comércio de, 1;
doce, 1;
em refeições medievais, 1;
francês, 1, 2;
na Grécia Antiga, 1;
na Itália renascentista, 1;
na Roma Antiga, 1, 2;
refrescadores de, 1;
vocabulário de, 1
Vinidário, 1
Visconti, Violante, 1
Visonti, Galeazzo II, 1
Vitélio, imperador romano, 1-2
vitorianos, livros de cozinha, 1-2;
Vitrúvio, 1, 2
W
Warwick, Thomas de Beauchamp, marquês de, 1
Weyden, Roger van der, 1
Whitehall, palácio, Londres, 1
Wimbledon, William Cecil, visconde, 1
Winchester, 1
Windsor, lady Harriet (lady Harriet Clive), 1-2
Wolsey, Thomas, cardeal, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7
Woodforde, rev. James, 1
Worcester, John Tiptoft, marquês de, 1
Worde, Wynken de, 1
Wright, John Michael, 1-2

X
Xenofonte, O banquete, 1
Xisto III, 1

Z
Zeus Soter (divindidade), 1
Zólio, 1
Zuccari, família, 1
Zuccaro, Taddeo, 1
Título original:
Feast
(A history of grand eating)

Tradução autorizada da primeira edição inglesa


publicada em 2002 por Jonathan Cape,
de Londres, Inglaterra

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Capa: Miriam Lerner


Imagem da capa: Detalhe de pintura anônima
do séc. XVIII, © Corbis

ISBN: 978-85-378-0535-0

Edição digital: junho 2011

Arquivo ePub produzido pela Simplíssimo Livros

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