Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Mariana de Althaus
À minha filha
Alba, 50 anos
Basílio, 50 anos
Alice, 40 anos
Martín, 42 anos
Daniela, 45 anos
Paz, 15 anos
I.
DANIELA: (lendo) “Alice dava voltas em sua cabeça, fazendo projetos para afugentar
o tédio. Havia desejado que acontecesse algo extraordinário, mas se levantou,
conformando-se com apenas perambular pelo bosque em busca de flores. Uns
minutos depois, viu a seu lado, como num passe de mágica, um coelho branco.”
Batem à porta. Daniela não ouve e se põe a escrever em seu computador. Alba vai
abrir a porta. É Basílio. Eles se dão um frio beijo na boca.
ALBA: Vai me dizer que diabos você tem? Faz uma semana que foge de mim. (Pausa)
O que foi, Basílio.
Pausa.
Basílio entra no banheiro. Alba olha a porta do banheiro fechada. Dá uma olhada ao
redor e descobre um quadro de um coelho branco.
Pausa.
II.
Alice entra no quarto. Acompanha Martín. Nenhum dos dois vê Basílio nem Daniela.
Alice começa a beijá-lo e trata de tirar-lhe a roupa enquanto o conduz para a cama.
Chegam a ela depravadamente. Caem e seguem se beijando. De repente, ele se
afasta e se senta na beira da cama. Ela o olha sem entender.
Pausa.
ALICE: Não quer ter um filho! Para que me fez perder tempo todos estes meses?
Diga-me a verdade, por favor.
Pausa.
Pausa.
Pausa.
Pausa.
Alice vai ao banheiro e se fecha lá dentro. Martín fica sentado na beira da cama a
ponto de cair.
III.
DANIELA: (Ao telefone) Rodrigo, me liga, por favor. Tem de vir pegar sua filha no
Hotel Wonderland.
Daniela desliga e volta ao trabalho. Entra Paz. Deixa sua mochila ao pé da cama e se
joga nela.
Daniela sorri para Paz. Paz a olha com uma expressão de desdém.
PAZ: Este hotel é uma merda. Não tem sala de televisão, nem internet, nem piscina.
DANIELA: A única coisa que precisava era de uma escrivaninha.
PAZ: Não entendo qual é a ideia de vir a um hotel. Podia terminar em sua casa,
desconectar os telefones e pronto.
DANIELA: É uma questão psicológica. Além do mais, esta noite seria impossível
escrever com a festa dos vizinhos. Me escuta, Paz: tenho de entregar isto segunda.
Só vou poder parar para comer e ir ao banheiro. Suponho que seu pai vai atender ao
celular amanhã, então, lhe diremos para que te pegue. Enquanto isso, você pode
escutar música, mas não alto. Ou pode ler, trouxe um livro?
Pausa.
Paz olha Daniela com ódio. Logo tira de sua mochila uma carteirinha, a pendura, abre
a porta e sai. Daniela faz um gesto de raiva. Logo se senta à escrivaninha. Daniela
começa a escrever. Em pouco tempo, para. Olha a porta pela qual Paz saiu,
preocupada.
IV.
Martín segue sentado na beira da cama, sempre a ponto de cair. Daniela retoma seu
trabalho no laptop. Basílio segue sentado na poltrona. Alba sai do banheiro. Olha para
Basílio.
Alba sai do quarto. Basílio cai sentado na poltrona. Alice para de chorar.
V.
Martín vai ao telefone. Olha o menu noturno que está sobre a mesa.
DANIELA: (Escreve) Pode me dizer como se sai daqui? Estou cansada de tanto nadar.
MARTÍN: (Para Alice) Peço para você ravióli com molho vermelho?
Alice assente.
MARTÍN: (Ao telefone) Por favor, um espaguete com molho pesto e um ravióli com
molho vermelho para o 302. (...). E uma garrafa de vinho tinto. (…). Está bem. (…).
Obrigado.
VI.
DANIELA: Alô (...). Ahn!? (…). Só um momento, não sou a Paz, sou sua mãe, quem é
você? Ouve!
Telefone toca.
MARTÍN: Sim? (...). Como? (...). Não acredito. Ouça, supõe-se que este hotel inclua o
serviço de quarto!
ALICE: O que aconteceu?
MARTÍN: (Para Alice) O cozinheiro teve um ataque de nervos e foi embora para casa.
(Ao telefone) E não há ninguém mais que possa preparar algo? (...). Vou denunciá-los,
me ouviu? Vou fazer a denúncia pela manhã mesmo. (Desliga furioso) A recepcionista
disse que não sabe cozinhar.
ALICE: Amanhã tomamos um bom café da manhã.
MARTÍN: Por que diabos viemos para cá?
ALICE: Não sei.
MARTÍN: Viu esta decoração? Parece tirada de uma mistura de um romance de
Bukowski e um de Corin Tellado. Não poderia encontrar algo menos afrodisíaco.
Toca o telefone.
VII.
Pausa.
Silêncio.
DANIELA: Verdade?
DANIELA: Luciano.
PAZ: Sou uma boba. Todas as minhas amigas já transam faz tempo. Eu só fiz uma
vez.
Pausa.
DANIELA: Suponho que já se deu conta de que sexo sem amor não tem muito
sentido.
Daniela pega sua mão, mas Paz a tira. Paz se aproxima do laptop e lê o que sua mãe
escreveu. Alice, por sua vez, assiste à televisão.
Paz segue lendo no laptop. Martín sai do banheiro. Olha para Alice, que está na cama
assistindo à televisão.
ALICE: (Para Martín) Uma astróloga me disse faz anos que teria um filho aos
quarenta, te contei? Hoje é meu último dia para conceber. Se não ficar grávida esta
noite, terei quebrado uma ordem estelar.
MARTÍN: Desde quando acredita em astrologia? É estupidez.
ALICE: (OFF, da televisão de Alice) “Estou perdida. O que será de mim? Estava muito
melhor em casa. Lá, eu sempre tinha o mesmo tamanho e vivia mais tranquila, sem
me incomodar com coelhos e ratos.”
ALICE: Quero cuidar de alguém. A vida não tem sentido se não cuidamos de alguém.
PAZ: (Para Daniela) Por que cresce tanto?
ALICE: Agora, espero mais do amor.
DANIELA: Alice caiu na toca e chegou a um país estranho. Sente que tem de aprender
algo para ir embora.
PAZ: O quê?
DANIELA: Não sei. Por exemplo, que não se é grande ou pequeno. Senão que
mudamos de tamanho segundo as circunstâncias.
PAZ: Que besteira. Você sempre vai ser maior que eu.
DANIELA: Nem sempre. Às vezes, é mais inteligente que eu, e isso te faz maior.
PAZ: É verdade. Cada vez que briga com meu pai, se torna uma menininha tonta.
ALICE: Não penso em desafiar as estrelas.
ALICE (OFF, da televisão de Alice) Se ficar aqui, sempre serei uma menina.
PAZ: (Lê com desprezo) “Se ficar aqui, sempre serei uma menina”.
Alice desliga a televisão. Martín se joga na cama. Paz se atira na cama, aborrecida.
Marca um número em seu celular, espera um momento, desliga. Daniela olha com
tristeza sua filha, volta a sentar-se à escrivaninha e trata de se concentrar.
ALICE: Creio que o que te incomoda é que tudo isso te põe à prova.
MARTÍN: À prova?
ALICE: Põe à prova seu sêmen, sua capacidade de me inseminar, sua velhice, sua
capacidade de assumir a responsabilidade de uma vida.
MARTÍN: Pode ser.
ALICE: Não está passando na prova.
Pausa.
MARTÍN: Vou buscar algo para comer, talvez haja algo aberto por perto.
DANIELA: Caralho.
ALICE: (Ao telefone) Mãe, está bem? (…). Calma, mãe (…). ok, ok… Marta está por
aí? (…). Fala para a Marta fazer uma “mazamorra”1 para você. (…). Diga que coloque
mais açúcar, então. (...). Eu não posso ir agorinha, mãe, estou ocupada, pede para
Marta fazer “mazmorra” e vai ver como se sente melhor. (...). Sim, estou com Martín.
(...). Sim, mãe, vou amanhã cedinho. (...). Fique na cama e se agasalhe bem. Tchau,
mãe. Até amanhã.
VIII.
Daniela está paralisada pela angústia. Entra Alba. Basílio, que tinha ficado pensando o
tempo todo sentado na poltrona, se arruma ao vê-la.
ALBA: Me disse que não queria ter filhos. Me disse faz anos, quando ainda podíamos
tê-los. Me disse que seria bom que alguns humanos se abstivessem de procriar para
não contribuir com a superpopulação mundial.
BASÍLIO: Estou repensando minha teoria.
ALBA: Muito conveniente.
BASÍLIO: Além do mais, não foi planejado. Foi um acidente.
ALBA: Que acidente mais oportuno. Te salva de uma velhice sem filhos que cuidem de
você, de quebra, te salva de um casamento gasto e de uma mulher com rugas.
BASÍLIO: Não tem nada a ver contigo, é…
ALBA: E me deixa, velha e solitária, quando já não tenho possibilidades de ter
descendentes.
BASÍLIO: Espera aí. Você também decidiu. Não fui só eu. Você estava de acordo em
não procriar. Pensava que seu trabalho era o mais importante, e que uma mãe nunca
1
Tipo de alimento feito à base de milho, comum nos países latino-americanos.
poderia se dedicar realmente a sua carreira; que as verdadeiras artistas, as que
tinham passado à história, não tiveram filhos ou os tinham abandonado, e tudo isso.
Não se lembra? Teve a opção e decidiu pela sua profissão.
ALBA: E não me arrependo! Não teria gravado quinze discos nem teria cantado em
mais de mil shows se tivesse de cuidar de bebês.
BASÍLIO: Aí está.
ALBA: Mas, no plano, estava incluído você. A ideia era envelhecer juntos, construir
nossas carreiras juntos, morrer juntos.
BASÍLIO: Eu também queria que fosse assim.
ALBA: E? O que aconteceu? Se deu conta de que não conseguiria a transcendência
por si mesmo e optou por transcender por meio da procriação?
BASÍLIO: O que está insinuando?
ALBA: Seu plano era deixar um aporte transcendental na filosofia, mas só conseguiu
ser um professor universitário.
Silêncio.
ALBA: Você não é do tipo que perde a razão por um par de tetas, Basílio. Você é dos
confiáveis, dos que permanecem. Eu deveria confiar em você. Eu poderia desconfiar
dos meus amigos, do meu gerente, do meu talento, da minha mãe, até de mim mesma
poderia desconfiar, mas não de você, Basílio. Em você, eu confiava. Você era a única
certeza em minha vida, o único estável e certo, Basílio... O que aconteceu?
Pausa. Alba esconde sua cara no peito de Basílio, que está imóvel. Logo Alba se
separa dele, se recompõe e limpa as lágrimas dignamente. Basílio a olha, angustiado.
A luz se apaga.
IX.
Alba começa a tomar uma nova taça de vinho. Entra Martín com um saco de batatas
fritas. Vê que Alice não está. A procura no banheiro. Vai até o telefone.
MARTÍN: (Ao telefone) Senhorita, saiu uma mulher que estava no 302? Uma magra,
de cabelo comprido, um pouco achinesada. (...). Sim. Pode mandar uma cerveja ao
302? (...). Mas a cerveja não precisa preparar, só tem de pegar na geladeira! (...).
Traga você mesma, então! (...). Vou te denunciar, juro que vou fazer isso.
Martín desliga, abre o saco de batatas fritas e começa a comer lentamente. Assiste à
televisão.
X.
Volta a luz.
Daniela escrevendo. Alba está no chão. Trata de se levantar, mas torceu o tornozelo.
ALBA: Ajuda!
Batem à porta.
Martín entra.
MARTÍN: Senhora?
Entra Alice no quarto, vai ao banheiro para ver se Martín está lá, volta a sair.
Pausa.
Pausa.
Pausa. Se olham.
Pausa.
ALBA: Por que estou te falando essas coisas? Só faltava me humilhar na frente de um
jovem admirador.
MARTÍN: Não está se humilhando na minha frente, senhora. Mostrou-me as feridas da
sua alma, isso só me enche de respeito e agradecimento.
ALBA: É um rapaz especial ou um bom sedutor. Tem sorte essa namorada que está te
esperando.
MARTÍN: Já tenho que ir. Se voltar a sentir-se mal, estou no quarto ao lado.
Se olham.
Entra Basílio. Carrega um presente envolto com um laço. Vê Martín sentado ao lado
de sua mulher na cama.
Martín sai. Alba e Basílio se olham. Basílio tem um aspecto lamentável, como se
tivesse corrido durante horas.
BASÍLIO: (Para Alba) Amanhã, saio de casa. Vou passar cedo para pegar minhas
coisas.
ALICE: Fui te procurar.
ALBA e MARTÍN: Me perdoe.
BASÍLIO e ALICE: Não tenho nada para te perdoar.
Pausa.
ALBA: Anda, compra uma pomada anti-inflamatória, por favor, está doendo este
tornozelo do demônio.
BASÍLIO: Não quer ir para a Emergência?
ALBA: Não.
BASÍLIO: Talvez fosse melhor fazer uma radiografia...
ALBA: Anda, compra uma pomada e uma faixa, Basílio. Por favor.
Pausa. Basílio, angustiado, levanta e sai do quarto. Alba fica quieta na cama, olhando
um ponto fixo.
MARTÍN: Parece como se, de repente, tivesse se aberto uma porta enorme entre mim
e você. Você está fora, e eu fiquei dentro.
ALICE: Ao contrário. Eu fiquei dentro, e você saiu.
MARTÍN: O que devo fazer para entrar?
DANIELA: (Escreve) Se houvesse uma porta entre nós, teria sentido sua pergunta. Se
estivesse dentro e chamasse, eu abriria para que pudesse sair ou vice-versa.
ALICE: O amor, às vezes, é voluntário. Quando quiser amar de verdade, me chame.
Tomara que ainda seja capaz de ter filhos.
Alice se joga na cama e se deixa dormir de costas para Martin. Martín a olha sentindo-
se impotente.
XI.
ALBA: Roberto, é Alba, pode passar para Kika? (...). Ele dorme tão tarde? Mas que
hora dormem as crianças de três anos? (...). Não, tudo bem, só queria falar... Pode
dizer para ela me ligar quando Felipito dormir? (...). Ok, obrigada. (…). Ah, que bom.
Obrigada, Roberto, tchau. (…). Kika, esse diabo já dormiu? (…). Deus é grande.
Escute, já conseguiu a turnê? (…). Mas falou com Dubois? (…). Eugênia
Vallegrande? Seu último disco é um lixo. (…). Não posso acreditar que preferem
Eugênia Vallegrande, ela está fora de moda. Mandaram para ele meu disco? (...).
Muito escuro? Muito “escuro”, te disseram? (...). Dubois usou esta palavra, “escuro”?
(…). Você acha escuro, Kika? Me diga a verdade. (…). Acha escuro, meu disco? Por
que não me disse? (…). Se acha escuro, por que não me disse? (…). Claro que sua
opinião me importa, sempre importou. (...). Mas, deixe-me ver, por que acha escuro,
por que, me diga. (...). Bom, não importa, então já não há turnê, minha carreira
internacional acabou. E o concerto no Municipal, vai ou não vai? (…). Ou seja, não há
concerto no Municipal este ano. (…). E o patrocínio da Telefônica? (…). Já. (…). KiKa,
por que me diz só agora? (...). Por que esperou que eu te ligasse para me dizer que
não vou fazer turnê pela Europa, que não há concerto no Municipal e que acha meu
disco escuro, por quê? (...). Ahn? (…). Mas esse menino, por que não dão um
sonífero?! (…). Não vou dormir! Não dá vontade de ir dormir! (…). Não, me desculpe,
vai, vai. (...). Sim, falamos depois. (…). Tchau.
Alba desliga e deixa o telefone de lado. Fecha os olhos. Daniela marca um número no
telefone.
DANIELA: (Ao telefone) Paz... Por que desligou o telefone? Retorne agora mesmo, por
favor. É muito tarde. (Pausa) Fui um pouco dura com seu texto, me desculpe. Fui
torpe. O primeiro que me mostra, e eu o chuto. Muito mal. Deve ter sido difícil mostrar
para mim. Não quis te causar mal. Vem, por favor.
Daniela desliga o telefone e fica pensando. Alba permaneceu dormindo. Entra Basílio
com pomada e faixas nas mãos. Olha a esposa dormir. Enche o tornozelo dela de
pomada, fazendo-lhe suaves massagens circulares. Logo coloca a faixa com
delicadeza. Percebe que já fez isso muitas vezes. Daniela se levanta e volta para o
laptop.
ALBA: (Com os olhos fechados) Obrigada.
BASÍLIO: Pensei que estivesse dormindo.
Silêncio. Basílio olha Alba. A acaricia. Logo a beija com carinho. Alba se deixa beijar.
Quando Basílio já começa a tirar-lhe a roupa, Alba o detém.
Pausa.
Pausa.
ALBA: Não é uma vingança. Sério. Só preciso estar sozinha. Falamos amanhã.
Martín segue acordado. Alice, que estava há um longo tempo de costas para ele, volta
para ver se ele dorme, e ambos se olham. Alice volta a ficar de costas.
MARTÍN: O decorador disso deve estar mal da cabeça. (Pausa) Ainda que a cor das
paredes não esteja mal. Vamos amanhã comprar tinta para o quarto da televisão?
Talvez uma cor assim possa ficar melhor. Combina com a da poltrona.
Toca o telefone.
MARTÍN: Caralho. (Atende) Sim? (…). Sim, senhorita, me diga. (…). Como? (…). Não,
não espere. Não, continue. Pode comer todo o seu pedido, não se preocupe, obrigado.
(Desliga. Para Alice) A recepcionista pediu comida japonesa e estava me oferecendo
um pouco. Para compensar o dano, disse.
A luz relampagueia.
ALBA: Kika. (...). Dormiu? (…). Já. Não, não se preocupe… Tive um dia ruim. Olha,
fiquei sabendo que Basílio tem uma amante e que vai ter um filho com ela. (...). Já
sabia que tinha uma amante? (...). Quê? (…). Não posso acreditar. (…). Você sabia e
não me disse. Desde quando sabe? (…). Não, eu não sabia! O que te faz pensar que
eu sabia? Se eu soubesse, teria me divorciado dele, não acha? Desde quando sabe,
Kika? (…). TRÊS ANOS!?! (Se debilita. Pausa) Faz três anos que está com ela? (…).
Três? (…). Faz três anos que me engana com outra mulher, você sabia e não me
disse? (…). Não, Kika, eu nunca soube. Acabo de saber.
ALBA: Uma casa no céu/ Um jardim no mar/ Um sabiá em seu peito/ Um voltar ao
começo/ Um desejo de estrelas/ Um bater de pardal/ Uma ilha em sua cama/ Um pôr
do sol/ Tempo de silêncio/ Gritos e cantos/ Céus e beijos/ Voz e quebranto/ Nascer em
seu riso/ Crescer em seu pranto/ Viver em suas costas/ Morrer em seus braços... (1)
DANIELA: Senhorita, a luz acabou! (…). Ahn? (…). Não há eletricidade em todo o
quarto, não é só a lâmpada! (...). Quê? (…). Senhorita, se o eletricista está com um
ataque de nervos, deixe de fumar seu cachimbo, pegue a lista telefônica e chame
outro! (...). O quê? Ouça, eu me aborreço se me dá vontade, além do mais, eu
paguei... (Pausa. Se acalma). Por amor de qualquer coisa, senhorita. Chame um
eletricista, faça algo, te peço. Preciso de luz!
Alba para de cantar. Ouvimos o clímax do ato sexual entre Alice e Martín.
DANIELA: Maldita seja.
XIII.
Volta a luz.
DANIELA: Aleluia.
Daniela volta para o laptop. Alba abre os olhos. Logo se levanta, manca até o espelho
e se olha nele. Alice e Martín estão nus sob os lençóis. Ela está furiosa.
XIV.
ALBA: Javier, é a Alba. (…). Preciso que venha aqui. (…). Sim, agora mesmo, estou
no Hotel Wonderland. (...). Wonderland, sim. (…). Não aconteceu nada, quer dizer,
sim, aconteceu, quer dizer que estou em um estado crítico. (...). Muito crítico. (…). Não
respondo por meus atos nas próximas horas, de tão crítico. (...). Descobri que meu
marido me engana faz três anos com uma jovenzinha e que vai ter um filho com ela,
justo no momento em que minha carreira afunda. (...). Afunda sim, Javier, afunda. E
ninguém quer me ver cantar. Saí de moda, tenho de aceitar, me tornei feia, velha e
monotemática, todas as minhas músicas são sobre desamor e lágrimas, imagine,
tremenda velha falando de desamor e lágrimas, ninguém quer ir ver uma velha
cantando canções de desamor, todos querem ver cantoras de vinte anos, com
silicone, que não param de dar saltos por todo o palco, não importa se cantam, o que
importa é que saltem muito no palco... (...). Javier, me perdoe, não deveria ter te
ligado, você está em casa com sua mulher, na tranquilidade de sua vida conjugal, e
não tem por que ouvir uma paciente que te liga para chorar suas mágoas, não, é sério,
não vou me matar, te prometo, prometo seguir vivendo a vida, esta que tenho, pelo
menos até nossa sessão de quarta-feira. É uma promessa, sim, não se preocupe
comigo, tomo um Diazepam, me jogo na cama e pronto. Desculpa. Até quarta.
ALICE: O quê? (Se suaviza) Ah, mãe, é você. (...). Não, estou bem… Só que já estava
indo dormir. (...). Você fez a pilha? E Marta? (…). Diga à Marta, mãe, que é para isso
que eu a pago, para que te atenda! (...). Passe para Marta, mãe! (…). Passe! (…).
Marta, deixou minha mãe molhada? (…). Ahn, já… deu seus remédios? (…). Meu
irmão foi hoje visitá-la? (…). Nem ligou? (…). Ok, passe para ela, por favor. (…). Mãe,
Marta já te limpou, para que me ligou? (…). Sim, mãe. (…). Sim. (…). Sim, mãe. (…).
Não estou grávida, não. (…). Ok, mãe, foi só um sonho… (…). Sim, mas, mãe, temos
de falar disso agora? São mais de nove horas. (...). Não estou grávida, mãe. (...). Você
não vai morrer antes de ser avó, te prometo, agora anda, vai dormir. (...). Ok, amanhã
vou à sua casa almoçar, sim. Amanhã é meu aniversário, por acaso. (...). Sim, já sabia
que ia esquecer. (...). Não se preocupe, mãe, amanhã nos vemos. (…). É sério, não se
preocupe, mãe, anda, vai dormir. (…). Não chore, mãe, até amanhã.
Alice desliga. Batem à porta. Alice vai abrir. É Paz, que traz uma cerveja.
ALICE: O quê.
Alice pega a cerveja, abre e a toma toda, sem respirar. Devolve a garrafa vazia.
ALICE: Obrigada.
PAZ: Quer que eu leia seu futuro?
ALICE: Ahn?
PAZ: Leio tarô.
ALICE: Não, obrigada.
PAZ: É grátis.
ALICE: É um serviço do hotel?
PAZ: Não. (Pausa) Minha mãe está no 301. Não quer que eu a interrompa. Neste
lugar, todos parecem estar loucos. Gostaria de um tempinho com alguém normal.
Alice olha Paz, que se vê bastante frágil. Paz tira de sua carteirinha um maço de
cartas de tarô. Alice a deixa entrar. Paz olha a seu redor para encontrar um lugar
apropriado para sua sessão de tarô. Decide acomodar suas cartas sobre a cama. Alice
a olha.
Paz dispõe as cinco cartas que Alice escolheu. Alba, maquiada e penteada, se olha
triste no espelho. Batem à porta. Alba olha para a porta e caminha mancando até ela
muito lentamente.
Alba abre a porta. É Martín. Tem o casaco mal vestido, está despenteado e muito
cansado. Alba o olha em silêncio, o faz entrar e fecha a porta.
Paz assente.
PAZ: Uma briga, o fim da relação. Ele é muito imaturo para você.
Martín se aproxima de Alba para beijá-la. Ela o detém com delicadeza, e faz um gesto
de carinho no rosto.
Alice escolhe uma carta do tarô. Paz a olha. Martin abraça Alba. Ela o acolhe,
maternal.
Pausa.
ALICE: Quando?
PAZ: Aos quarenta anos.
ALICE: Já tenho quarenta!
PAZ: Sério? Não parece tão velha.
ALICE: Faço 41 amanhã!
PAZ: Então, já deve estar grávida.
ALICE: Já? (Pega na barriga)
PAZ: Provavelmente.
ALICE: Como vou ter um filho sem Martín! Ele é o pai, não podemos nos separar!
PAZ: Estas são apenas as tendências do seu destino. Se você quiser, pode mudá-lo.
ALICE: Não é uma caloteira, não?
PAZ: O futuro não existe. Esse bebê sim. Não tenha medo.
Alba se desfaz do abraço de Martín, o penteia com cuidado, limpa uma lágrima e
finalmente o beija na testa.
Alice, vencida, desliga o celular. Martín olha para Alba e sai do quarto. Alba vai se
sentar na poltrona e bebe de sua taça de vinho.
ALICE: Sou muito idiota. As poucas vezes que conheço alguém, o assusto. No
primeiro encontro, arruíno tudo. Ou começo a falar coisas legais ou políticas a noite
toda ou, de nervosa, tomo muitas taças e acabo beijando o cara e declarando meu
amor eterno no carro. Vou aos extremos. Apenas termino uma relação, meu ex se
torna meu melhor amigo e se casa. Fui a todos os casamentos dos meus ex, a todos
os batizados de seus filhos, e sempre me pergunto quando será dos meus. Agora,
acabo de afugentar outro namorado. Quando o conheci, pensei que ele fosse para
mim. Estou cansada de estar sozinha.
PAZ: Eu tenho um problema parecido. Sou como a Branca de Neve, se vem um
príncipe me beijar, eu entrego meu coração.
ALICE: Sua mãe sabe que está no meu quarto?
PAZ: Não.
ALICE: Por que estão hospedadas aqui?
PAZ: É seu esconderijo literário. Meu pai me deixou plantada, tinha de me pegar para
passar o fim de semana com ele. Não atende ao telefone. Minha mãe não teve opção,
a não ser me trazer com ela. Odeio os dois por me trazerem ao mundo e logo fazerem
eu me sentir um obstáculo para seus planos.
ALICE: Ser mãe não deve ser fácil.
PAZ: Ser filha da minha mãe é pior.
ALICE: E do seu pai, não?
PAZ: Ele é uma vítima da minha mãe, como eu. Ela o deixou, e ele ficou louco. Talvez
me ligue mais tarde e me tire deste hotel de merda.
Batem à porta. Ninguém se mexe. Entra Martín. Alice e Martín se olham. Martín vê
Paz.
ALICE: Por favor, não vá. Mudei muitas vezes esta noite. Agora, que já recuperei meu
tamanho normal, me dou conta de que te amo.
MARTÍN: Não quero ter um filho. Essa é a verdade. Não vejo sentido em trazer uma
criança a este mundo. O ser humano, em geral, me parece depreciável. Se eu tivesse
um filho e ele, chorando, reclamasse um dia porque eu o trouxe a este mundo de
merda, não saberia o que responder, e nunca poderia me perdoar por esse erro.
XV.
Alba segue tomando vinho. Paz entra no quarto de Daniela, que deixa de escrever e a
olha.
Paz, sem olhar para sua mãe, entra no banheiro. Ouve-se o som da água do cano
correr. Daniela volta ao trabalho.
ALICE: Este mundo de merda, como o chama, precisa de mais gente boa como você.
O mundo precisa que gente como você tenha filhos bons para seguir tendo esperança.
Pausa.
MARTÍN: Você quer dar esperança ao mundo ou quer dar esperança a você mesma?
(Pausa) É muito perigoso forçar a chegada de um filho. O sentido da vida pode
depender da chegada de um filho. O sentido da vida não pode descansar na vida de
outro ser humano, porque é injusto para ele, é exigir-lhe demais.
ALICE: (Dá a mão a Martín) Tem razão.
MARTÍN: (Solta a mão) Estava tudo tão bem. Tínhamos nosso apartamento, nossos
trabalhos, nossos planos. E, de repente, fico sabendo que você me considera um
ignorante e um retardado mental.
ALICE: Não disse isso.
MARTÍN: Sim, você disse, em outras palavras.
DANIELA: (Escreve) Alice fica calada. Senta, esconde a cara entre as mãos, e se
pergunta...
ALICE e DANIELA: Quando tudo voltará a ser normal?
MARTÍN: Não sei, Alice. Já não sei.
Martín pega as chaves no bolso de Alice e sai do quarto. Ela fica sentada.
XVI.
Pausa.
PAZ: (Atua como se fosse uma entrevistadora tonta) Senhora Daniela Hériz, o que
leva em conta para eleger um tema para uma obra? (Deixa o microfone e põe uns
óculos de sol. Atua como se fosse Daniela) O tema queria ir de férias ao Caribe, e eu
pretendo levá-lo para conhecer a gaveta de minhas roupas sujas.
DANIELA: Paz...
PAZ: (Como a entrevistadora) Sempre elegeu segundo esse critério ou alguma vez fez
uma concessão? (Como Daniela) Uma vez levei uma obra à praia e me joguei como
se fosse uma puta. Meu namorado de plantão ficou muito contente com o resultado.
DANIELA: Já pode parar, Paz.
PAZ: (Como a entrevistadora) O que acontece quando vê uma obra sua e não gosta
de representação?
DANIELA: Paz.
PAZ: (Como Daniela) Soltei um peido e vou ao bar da esquina tomar um daiquiri.
DANIELA: Já basta, Paz! Preciso de silêncio!
PAZ: Li em um artigo de uma revista que muitas pessoas elegem os nomes de seus
filhos com base nas próprias expectativas do que o filho vai resolver ou para
compensar uma falta. Por isso, há pessoas que se chamam “Milagre”, “Glória” ou
“Socorro”.
DANIELA: (Enquanto escreve) Sim?
PAZ: Não te serviu colocar o meu de Paz, sinto muito.
DANIELA: (Deixa de trabalhar) Em um sentido, sim. Me trouxe muitíssima paz. Em
outro não, me trouxe um furacão.
PAZ: Por que precisava de paz?
Paz ri.
Pausa. Daniela, ferida, vai ao banheiro e bate a porta com força. Paz fecha os olhos,
como se lhe doesse o coração. Logo marca um número em seu celular, espera.
Paz desliga.
XVII.
ALBA: Graciela, olá. Sou Alba. Deve estar dormindo. Queria saber como está. Me
lembrei de você e disse... caramba, faz tanto tempo que não falo com minha irmã. Não
te liguei em seu aniversário, me desculpe. Me desculpe por ser uma irmã mais velha
tão má. Dê um beijo no Jorge e nos meninos. Me liga, se puder. Um beijo.
Alba desliga. Paz segue com os olhos fechados. Daniela sai do banheiro, alterada.
DANIELA: Vomitou!
PAZ: Não!
DANIELA: Vomitou tudo o que comeu!
PAZ: A comida caiu mal.
DANIELA: Por que não me disse?
PAZ: Porque não tem importância.
DANIELA: Desde quando vomita?
PAZ: Ahn?
DANIELA: Desde quando é bulímica!
PAZ: Não sou bulímica.
DANIELA: Por isso está tão fraca.
PAZ: Não!
DANIELA: Como não! Isso explica tudo, os litros de sorvete que desaparecem tão
rápido! E teu peso... apesar de...
Paz olha com ódio para sua mãe, contendo a vontade de chorar. Finalmente, pega sua
carteirinha e sai do quarto, batendo a porta. Daniela fica paralisada. A luz acaba. Do
televisor, sai uma voz.
VOZ: “E, naquele instante, se produz uma apoteose. Todas as cartas, como um
castelo que desmorona, se esparramaram, caindo sobre ela. Alice gritou presa ao
pânico e indignada ao mesmo tempo, tratando de separá-las como se fossem abelhas
com um ferrão à mostra”. Alice grita.
XVIII.
A luz volta. Alice olha para um ponto fixo. Daniela, desesperada, vai ao telefone.
DANIELA: Senhorita, saiu uma adolescente do hotel? (...). Se vir, a impeça de sair, por
favor. (Desliga)
ALICE: (Em OFF, da televisão) Neste mundo, nada existe sem moral. Só precisa
saber encontrá-la.
ALICE: (Em OFF, da televisão) “A moral é, neste caso... É o amor que faz girar o
mundo.”
Alice desliga a televisão. De repente, Alba começa a cantar uma canção muito
suavemente. Daniela, como se a escutasse, cantarola em voz baixa. No fim, Alice
também incorpora o coro.
ALBA: Já se acaba a tarde/ A última que fica/ E nossos olhos/ Que estão calados/
Choram de pena/ Sem nada o que dizer/ Ficamos em silêncio/ Depois que tanto
falamos/ De nós/ Quisera/ Como quisera/ Dizer que te amo/ Me dê a mão/ E verás,
sem dúvida/ Ainda que você vá/ Eu te direi/ Sim, te direi/ Te amo. (2)
Daniela sai do quarto. Alice pega o celular. Espera. Desliga. Daniela, fora de si, entra
no quarto de Alba. Alba não a vê. Daniela olha Alba cantar. De repente, Alba vê a
intrusa. Deixa de cantar.
ALBA: Tranquilo. Tudo vai ficar bem. Talvez, ninguém tenha te dito isso durante anos,
mas precisa que alguém diga: tudo vai ficar bem.
Daniela assente.
ALBA: Eu acreditei que estava grávida aos 26. Estava começando minha carreira. Não
queria que um filho detivesse tudo. Ao fim, foi só um atraso. Essa poderia ser a
primeira cena.
DANIELA: Quando tento me aproximar dela, causo dano. O amor é estranho. Acho
que me odeia.
ALBA: Te odeia porque te ama mais que ninguém no mundo.
DANIELA: Muitas vezes me perguntei como seria minha vida se não tivesse tido ela.
ALBA: Provavelmente, muito mais triste.
Paz entra no quarto. Fica surpresa que sua mãe não esteja nele.
PAZ: Mãe?
DANIELA: Há dias que são fáceis, mas há outros nos quais luto todo o tempo contra a
tentação de me jogar no chão e ficar ali quieta, esperando recuperar a serventia.
ALBA: Eu me faço as mesmas perguntas inúteis. O que teria sido de mim se tivesse
sido mãe? Teria seguido cantando? Seria feliz? Meu marido teria me abandonado?
DANIELA: São perguntas inúteis. Suponho que Paz permitiu que, em minhas peças,
saia só o melhor de mim. O único que vale a pena. Suponho.
ALBA: Já eu, tão concentrada em mim mesma, só me saíram canções de desamor e
lágrimas.
DANIELA: Não há nada que possa causar tanto dano a uma pessoa como a própria
mãe. Se dá conta disso? Nem todas as pessoas estão prontas para criar um filho.
Nem todas as pessoas têm de ter filhos. Não importa se tem filhos ou não. É muito
mais importante chegar ao fim da vida com uma sensação de dever cumprido por ter
se entregado a algo, por ter amado até o fim.
Silêncio.
XIX.
Entra Martín. Alice o olha. Ele vai direto para a cama. Alba procura seu celular e liga.
MARTÍN: Não tem táxi nem nada aberto ao redor. Estou preso.
Martín tira a calça e se joga na cama. Fica de costas para Alice e fecha os olhos.
ALBA: (Ao telefone) Basílio, não posso acreditar que ainda está acordado. Quantas
vezes já pegou a aluninha? (...). Nenhuma! Pobre menina, deve estar decepcionada!
(…). Não, é sério, ligo em sinal de paz. Tive uma catarse dessas e me dei conta de
que tudo isso está bem, é um fim apoteótico, justo, dramático, eficaz. Ahn? Espere,
não me interrompa, que depois esqueço o que ia te dizer (...). Não tomei, não, o vinho
está intacto. Já sei que me engana faz três anos. (…). Basílio? (…). Basílio, está aí ou
desmaiou? (…). Um passarinho. Não importa quem, o que importa é que já sei.
Gostaria de saber pela sua boca, mas a essa altura já não sou exigente. Saber a
verdade é como ter ganhado na loteria para mim, já que fui durante três anos a única
tonta que não sabia que meu marido tinha uma amante... (...). Não, Basílio, não me
interessam suas explicações, não me interessam em nada, é sério. Só queria te dizer
que isso era a única coisa que precisava para deixar de te amar por completo... Ahn?
(...). No quarto de baixo? Que merda faz no quarto de baixo, não estava na casa da
sua aluninha? (...). Ok.
Basílio se senta junto de Alba na poltrona e bebem em silêncio o que sobrou do vinho.
Pausa.
MARTÍN: Agora há pouco me jogou um trapo sujo na cara. Por mais que consiga
entender o porquê de ter feito isso, doeu. Não posso evitar minha vontade de te
devolver o trapo.
ALBA: Já chega, Basílio.
BASÍLIO: Me odeia?
ALBA: Claro que sim.
BASÍLIO: Assim é o amor.
ALBA: Não, querido. Assim não é o amor. O amor é outra coisa. Mas, o que vamos
fazer? Talvez você e eu o tenhamos visto, um dia, e ele nos sorriu de longe. Mas não
soubemos seguir suas pistas.
ALICE: Por quê?
MARTÍN: Não sei. Estava incomodado.
ALICE: Se não aconteceu nada, por que me contou?
MARTÍN: Não sei.
ALICE: Não vou te abandonar, Martín. Eu não vou fazer o que sua mãe fez.
Toca o telefone. Martín não se move. Depois do terceiro toque, Alice o atende.
ALICE: Sim? (...). Não, obrigada, senhorita, já não temos fome. (...). Não, obrigada.
(...). Já. (Desliga o telefone. Volta a olhar Martín)
MARTÍN: O cozinheiro já se recuperou dos ataques de nervos.
Alice abraça Martín: ele se deixa abraçar. Logo ele também a abraça.
XX.
Alba vai mancando muito lentamente até a porta. Daniela entra no quarto. Paz abre os
olhos e olha para Daniela.
Pausa.
Alice e Martín desfazem seu abraço e relaxam. Alba chega finalmente à porta e a
abre, convidando Basílio a sair. Basílio, logo em alguns segundos, se põe em pé e vai
até a porta. Basílio e Alba se olham.
ALBA: Eu, sim, te admirava. Admirava sua humildade. Sua generosidade. Sua
inteligência. Sua serenidade. Admirava sua honestidade, Basílio. Sua honestidade.
BASÍLIO: Me perdoe.
Basílio e Alba se olham com tristeza. Basílio vai embora. Alba fica sozinha.
Martín e Alice juntam suas coisas para irem embora. Alba vê o presente e vai abri-lo.
PAZ: Também disse que vai escrever uma peça de teatro com música, um musical ou
algo assim. Com uma cantora ou bailarina.
DANIELA: Uma cantora?
PAZ: E que sua carreira vai dar um grande salto por isso.
Daniela sorri.
ALICE: Vamos?
MARTÍN: Vamos passar a noite aqui.
ALICE: Não, vamos, quero passar um tempinho na casa de minha mãe.
MARTIN: A essa hora?
ALICE: Tenho algo para dizer.
MARTIN: São quase dez.
ALICE: Poderia morrer a qualquer momento. Tenho de dizer algo antes.
ALBA: Alice dormiu demais. Acorda. Acorda.
FIM