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ASSOCIAÇÃO EDUCACIONAL DE VITÓRIA

FACULDADES INTEGRADAS ESPÍRITO - SANTENSES


CURSO DE GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO SOCIAL
PUBLICIDADE E PROPAGANDA

WILLIAM SHIGUETO ROCHA KUROKI

WATCHMEN (1986) E ASTERIOS POLYP (2009):


INFLUÊNCIAS DO TEMPO NA NARRATIVA GRÁFICA

VITÓRIA
2016
ASSOCIAÇÃO EDUCACIONAL DE VITÓRIA
FACULDADES INTEGRADAS ESPÍRITO - SANTENSES
CURSO DE GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO SOCIAL
PUBLICIDADE E PROPAGANDA

WILLIAM SHIGUETO ROCHA KUROKI

WATCHMEN (1986) E ASTERIOS POLYP (2009):


INFLUÊNCIAS DO TEMPO NA NARRATIVA GRÁFICA

Relatório de Pesquisa do Trabalho de Conclusão


de Curso de Comunicação Social, com ênfase em
Publicidade e Propaganda, apresentado às
Faculdades Integradas Espírito-Santenses, sob
orientação do professor Felipe Tessarolo.

VITÓRIA
2016
RESUMO

Pelo fato das histórias em quadrinhos tradicionalmente usarem o papel como


suporte, se tornou corriqueiro o olhar sobre como se adaptaram ao advento do
computador e da internet, frutos da chamada pós-modernidade. É uma
abordagem de como um período histórico e social influenciou na forma que se
produz quadrinhos e como sua linguagem se adaptou ao meio digital. Não tão
comum assim, é a discussão de como esse período influenciou a linguagem
dos quadrinhos no seu clássico território de origem, o meio impresso, que
inclusive está longe de ser extinto. Para colaborar e enriquecer essa
abordagem, esse trabalho avalia as contribuições do design gráfico na
construção da narrativa de Watchmen (1986) e Asterios Polyp (2009), duas
obras impressas produzidas em momentos cronológicos distintos. Uma na
efervescência da década de 80, outra nos anos 2000, em plena manifestação
da pós-modernidade.

PALAVRAS-CHAVE:
História em quadrinhos, design gráfico , semiótica
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO................................................................................................01
2 METODOLOGIA.............................................................................................04
2.1. TÉCNICADE ANALISE DE CONTEÚDO...................................................07
2.2. FERRAMENTAS DE ANALISE DE CONTEÚDO......................................07
3. HISTÓRIA EM QUADRINHOS......................................................................08
3.1.CONCEITOS................................................................................................08
3.2 HISTÓRIA....................................................................................................12
3.2.1. Nascimento das graphic novels...........................................................18
3..3.QUADRINHOS EM CONTEXTO................................................................20
3.4.ELEMENTOS CONSTITUINTES DA NARRATIVA GRÁFICA...................25
3.4.1Como se constrói o ritmo e a passagem do tempo..............................37
4. DESIGN GRÁFICO........................................................................................46
4.1. CONCEITOS E RELAÇÃO DO DESIGN COM OS QUADRINHOS..........46
4.2. ELEMENTOS DO DESIGN GRÁFICO.......................................................49
4.2.1. Tipografia................................................................................................50
4.2.2.Cor............................................................................................................54
4.2.3.Imagem....................................................................................................61
4.2.4.Layout......................................................................................................63
4.3.CONTEXTO HISTÓRICO DAS OBRAS ANALISADAS.............................67
4.3.1.Década de 80...........................................................................................68
4.3.2. Anos 2000...............................................................................................72
5. SEMIÓTICA...................................................................................................77
5.1. LIBERAÇÃO DO TEXTO EM RELAÇÃO AO OBJETO............................77
5.2.SEMIÓTICA SINCRÉTICA..........................................................................79
5.2.1.Nível fundamental...................................................................................82
5.2.2.Nível narrativo.........................................................................................85
5.2.3.Nível discursivo......................................................................................86
5.3.ANÁLISE SEMIÓTICA E O CONTEXTO DAS OBRAS..............................87
6. ANÁLISE DE ASTERIOS POLYP.................................................................89
1. INTRODUÇÃO

Pegue um pouco da antiga 3ª arte1, que abrange a pintura e o desenho, e foi


desenvolvida pelos consagrados grandes gênios da antiguidade, como Leonardo da
Vinci e Michelangelo. Adicione generosas pitadas da 6ª arte, a escrita, alvo de estudo
de importantes campos do saber, como a linguística e a literatura. Misture um pouco
esses dois ingredientes. Até que no final, não teremos nada.
Não parece contraditório e insensato? Pois bem, foi assim que as histórias em
quadrinhos eram vistas, pelo menos até o final da década de 60 (MAZUR E DANNER,
2014, p.8). Até esse período, em geral eram considerados um “material de consumo
infantil, com desenhos ruins, barato e descartável.” (MCCLOUD, 2005, p.3). Não se
pensava na técnica inerente à construção de narrativas usando imagens estáticas,
muito menos que esse produto, feito de forma artesanal, fosse digno de uma
abordagem teórica.
No entanto, a partir da década de 70, os quadrinhos deixaram de ser um produto
genérico, feito para agradar o maior público possível, e passaram a ser vistos como um
meio de expressão. Isso fez com que a arte visual e a escrita, que desde muito tempo
tiveram a atenção acadêmica separadamente, passassem a ser estudadas juntas nas
histórias em quadrinhos. (EISNER, 2010).
A partir daí, a chamada 9ª arte ganhou visibilidade e importância. Atualmente
inclusive, serve de material de inspiração para a produção cinematográfica (a 7ª arte) e
ainda, obras de literatura consagradas, como Macbeth, de Shakespeare, e A
metamorfose, de Kafka, foram produzidos na forma de quadrinhos.
Guimarães (1999) descreve as histórias em quadrinhos com sendo uma
narrativa composta por uma sequência de imagens. O autor ainda comenta sobre a
junção dos componentes verbal e visual, mas destaca a importância do segundo sobre
o primeiro. E para ele, é isso que faz com que os quadrinhos sejam considerados
pertencentes às artes visuais, e não à literatura.
Para melhor compreender essa importância do componente visual nos
quadrinhos, é válido lembrar que, a melhoria das ferramentas de produção e dos

1
Manifesto das sete artes, publicado em 1923 por Ricciotto Canudo. (BARRETTO, 2011)

1
materiais fez os quadrinhos passarem pelas cavernas, telas de pintura, papel, e
finalmente chegar ao computador. Junto com essa evolução, ocorreu também o
incremento da construção do saber em relação a imagem e a comunicação visual. O
estudo do design, surgido após a revolução industrial, foi uma das principais teorias a
pesquisar otimizações no uso da imagem (SAMARA, 2010).
O design gráfico é, assim, uma das mais importantes ferramentas da
comunicação visual, e pode ser caracterizado como a organização de componentes
imagéticos básicos, como formato, tipografia, foto/ilustração e cor; usado para
transmitir uma mensagem unificada, com um objetivo comunicacional específico
(SAMARA, 2010).
Diante disso, destaca-se que a proposta do trabalho é analisar a evolução do
aspecto visual na narrativa das histórias em quadrinhos impressas. Essa consideração
será feita por meio do uso de conceitos fundamentais do design gráfico (cor, tipografia,
imagem e composição) e como eles contribuem para a adição de conteúdo simbólico à
parte pictórica que compõe a novela gráfica; reforçando ou expandindo a história que é
narrada. Para tal, serão usados dois trabalhos gráficos, elaborados em épocas
distintas: Watchmen (1986) e Asterios Polyp (2009).
Tratam-se de duas obras ganhadoras do prêmio internacional The Will Eisner
Comic Industry Awards2, na categoria Melhor Álbum Gráfico, de seus respectivos anos.
Essa premiação é a principal honraria da indústria dos quadrinhos internacional, e é
tido, inclusive, como o “Oscar dos quadrinhos” (site ComicCon).
Assim, é claro que esse trabalho é uma ótima oportunidade para o
aprofundamento em conceitos de comunicação visual e semiótica. No entanto, sua
principal relevância reside no fato da análise ser desenvolvida a partir do uso de 2
obras escritas com uma diferença de mais de 20 anos entre elas. Com isso, será
possível verificar como a linguagem se constitui nesses dois recortes de tempo.

2
Essa premiação surgiu em 1988, inicialmente independente, e atualmente é realizada pela Comic-Com
International (empresa organizadora do evento de cultura pop Comic Con, sediado nos Estados Unidos,
mas com versões em diversos lugares do mundo, inclusive no Brasil) consiste de 29 categorias no total,
com 5 indicados para cada uma delas. E a decisão dos ganhadores fica ao encargo de 5 juízes
especializados.

2
Watchmen, de 1986, é tido um marco das novelas gráficas, pois renova a visão
de histórias de super heróis ao incluí-las em um contexto político pós guerra fria da
época. Além de levantar questões sobre direitos humanos, retrata heróis que
apresentam falhas e apresentam conflitos humanos. Já Asteryos Polip, de 2009,
mostra-se como uma obra de vanguarda dos quadrinhos americanos. Não aborda a
temática “super-herói”, mas sim dramas humanos cotidianos, como crises pessoais e
postura diante da realidade muitas vezes decepcionante. Sua qualidade pode ser
atestada pela conquista de prêmios especializados como os americanos Eisner e
Harvey e o francês Angoulême. (ASSIS, 2011)
Apesar de estudos já terem sido feitos sobre essas obras, um dos principais
diferenciais é a relativização entre ambas, já que nenhum estudo compara os seus
aspectos visuais. Além disso, também não foi feita, com esse recorte, a construção de
um raciocínio para verificar relação dessas diferenças com as possibilidades narrativas.
Assim, a ênfase será dada para os aspectos imagéticos dessas 2 novelas gráficas,
como os elementos do design gráfico foram empregados na construção do enredo das
obras, e na identificação de mudanças desse uso ao longo do tempo que se encerra
entre essas duas histórias.
Para a avaliação da contribuição dos elementos gráficos na narrativa, será
usada a semiótica greimasiana, que se constitui como um referencial teórico-
metodológico para a análise da significação do discurso sincrético; ou seja, formado
por duas linguagens distintas, a verbal e a visual. Essa teoria, também chamada assim
de semiótica sincrética, analisa a organização de elementos semânticos que compõe
um texto, que no caso, são as histórias em quadrinhos, com a finalidade de esclarecer
como o conteúdo e a forma de expressão formam a narrativa contada.

3
2. METODOLOGIA

A metodologia desse trabalho tem por objetivo afastá-lo do senso comum, situar
a análise no contexto acadêmico e conferir credibilidade ao estudo das obras. Para a
construção metodológica, será elaborado, assim, um sistema lógico constituído por
técnicas já referendadas por outros trabalhos acadêmicos da área. (GIL, 2008). O
design gráfico vai ser usado para avaliar elementos básicos do componente visual das
histórias em quadrinhos; e a semiótica, para verificar a contribuição desses elementos
para a narrativa.
Segundo a concepção de Gil (2008) sobre a classificação das pesquisas, trata-
se de um estudo qualitativo, pelo envolvimento de variáveis não exatas, e conclusiva
descritiva, por ter como objetivos descrever características e também identificar
relações entre elas.
Já a construção do mecanismo de análise passa pela compreensão de Lakatos
e Marconi (2009) acerca da metodologia de análise de conteúdos. Segundo os autores,
essa é uma técnica que visa a abordagem de qualquer material intelectual, como
filmes, peças de teatro, livros, quadrinhos, dentre outros. Pode ser dividida em 3 tipos:
análise das características do conteúdo, do produtor e dos motivos para a criação de
tal conteúdo, e questões relativas aos efeitos do conteúdo sobre a audiência.
Levando em consideração os objetivos almejados, esse estudo se adequa
melhor à meta de analisar as características do conteúdo, já que, segundo Selltiz
(1965), citado por Lakatos e Markoni (2008 p.117), essa metodologia se presta à:
“descrever tendências gerais do teor dos comunicados, registrar o desenvolvimento da
cultura, examinar o teor da comunicação em confronto com objetivos e descobrir traços
estilísticos.” Finalidades essas, que se aproximam muito dos objetivos deste trabalho.
Deve-se ponderar que, o foco do estudo serão os elementos visuais das
histórias em quadrinhos. No entanto, mesmo não fazendo parte do objetivo do trabalho,
não se pode afastar completamente da história contada pela escrita, até porque, a
construção da narrativa nos quadrinhos se faz pela sinergia imagem/texto (TEIXEIRA
2009). Assim, ela também será analisada para contextualizar e justificar o exame da
imagem. A ressalva que deve ser feita, é que não se tem nenhuma ambição de

4
adentrar o campo da linguística e apreciar a construção de sentido por meio exclusivo
da palavra, que Marconi e Lakatos (2008) chamam de análise semântica quantitativa.

2.1.TÉCNICA DA ANÁLISE DO CONTEÚDO

Segundo Lakatos e Marconi (2009), o conteúdo não pode ser abordado de


forma arbitrária, sendo necessária a padronização da ferramenta de análise e
especificação do objeto de estudo. Para adequação a essa determinação, serão
analisados os componentes visuais das novelas gráficas, Watchmen, de 1986 e
Asterios Polyp, de 2009. Essa duas obras foram escolhidas em função do período de
tempo que as separa, e pelo fato de terem participado e vencido o prêmio Will Eisner,
na mesma categoria (Melhor Álbum Gráfico), cada uma em seus respectivos anos. A
participação e a vitória, são pontos em comum, que servem assim, para reforçar a
amarração da escolha das duas obras.
A análise do material em si, seguirá os seguintes critérios: será feita uma
apreciação geral de como a imagem é usada no conjunto das duas obras e
posteriormente, a análise de uma amostra. Esse grupo amostral é constituído pelo
design dos protagonistas em cada uma das obras, e de trechos que constituem a
subtrama, que trata do amor nas duas obras. Esse segundo recorte será feito, pois é
um conteúdo comum às duas graphic novels, e portanto, será possível fazer um
pareamento entre os dois discursos que tem um nível narrativo comum: o amor.

2.2. FERRAMENTAS DE ANÁLISE DO CONTEÚDO

Feitas essas considerações, tem-se que o referencial teórico para a análise será
dado pela semiótica. E os aspectos específicos da massa visual a serem estudados
serão fornecidos pelo design gráfico. A adequação de usar o design gráfico nesse
estudo reside na concepção de sintaxe visual estipulada por Donis A. Dondis. Para a
autora “tudo o que vemos e criamos compõe-se dos elementos visuais básicos que
representam a força visual estrutural” (DONDIS, 2007 p. 22). Assim, se na linguística,
as diferentes ordenações das palavras, elementos básicos da comunicação escrita,

5
possibilitam a construção de diversas frases; a disposição ordenada das partes de um
produto visual também cria uma variedade de imagens.
Nesse raciocício, destaca-se que o design gráfico não será exatamente um
método, mas fornecerá credibilidade acadêmica à seleção desses componentes
sintáticos básicos, constituintes da porção visual dos quadrinhos. Serão, assim,
analisados os seguintes elementos visuais: imagem (que nos quadrinhos são as
ilustrações), cor e a tipografia (SAMARA, 2010).
A ordenação dessas partes básicas que formam tudo que diz respeito ao visual,
recebe o nome específico de composição (AMBROSE E HARRIS, 2012). Logo, a
composição que forma o layout de uma página também é um ítem que será avaliado.
Esses elementos não serão avaliados internamente, dentro de seus próprios
conceitos estudados pelo design gráfico. Salvo quando essa análise for relevante para
a narrativa como um todo, ou quando representar algo significativo em relação ao
contexto em que as obras estão inseridas. O que está sendo avaliado, é válido lembrar,
não é a evolução dos elementos do design gráfico, mas sim, como o uso deles, em prol
de uma narrativa, se modificou no intervalo de tempo em questão.
Outra ferramenta metodológica será a semiótica, que estudará esses
componentes fornecidos pelo design gráfico. Nessa concepção, encontra-se a principal
justificativa para o uso da semiótica, já que ela é um esforço em padronizar a análise
fenomenológica (GOMES, 2015).
A análise da narrativa seguirá os moldes da semiótica sincrética, criada pelo
linguista Julius Greimas. Essa escolha é justificada pelo fato dessa semiótica estudar a
construção semântica em textos que apresentam interações entre duas ou mais
linguagens heterogêneas. Nos quadrinhos, essas formas de expressão diferentes são
duas, o desenho e a escrita. A semiótica greimasiana explica essa relação da seguinte
forma. Quando combinadas, essas linguagens se neutralizam, não no sentido de
anulação e extinção, mas se fundem, para a constituição de uma nova, que no caso é a
linguagem das histórias em quadrinhos. (FIORIN, 2016).
Unindo os dois conceitos, deve-se destacar que será estudado o uso do design
gráfico no plano da expressão, a partir da apreciação do plano do conteúdo; por meio
da produção de sentido ao longo da narrativa. Esse caminho do sentido, segundo

6
Morato (2010), como percurso gerativo de sentido e se constitui de patamares de
profundidade semântica diferentes, de acordo com seu grau conotativo. Deve ficar
claro, que o plano da expressão se relaciona com o plano do conteúdo. A expressão é
influenciada pela história contada, e traduz visualmente o que é comunicado pelo
conteúdo. (PIETROFORTE, 2006)
Nessa lógica, ao observar uma página de uma história em quadrinhos, o design
gráfico é o elemento captado pelo sentido da visão do receptor da mensagem, é a
interface de contato com o leitor da obra. Visto assim, o design é um elemento
denotativo. No entanto, o uso de um elemento visual no discurso narrativo não se dá
com essa literalidade com que se apresenta aos sentidos. Ele está à serviço da história
contada, e por isso, apresenta significados conotativos, que são evidenciados pela
análise semiótica sincrética. (TEIXEIRA, 2009)
É preciso considerar, porém, que na semiótica greimasiana o discurso serve de
referencial para as interpretações dos simbolismos do texto. Essa teoria não tem como
ponto focal, o contexto histórico, e sim a narrativa. Dessa maneira, por mais que não
ignore por completo esse aspecto, é fundamental destacar que possíveis explicações
históricas serão pontuadas, mesmo que a semiótica sincrética não contemple esse
aspecto. Para tal, a análise de cada obra será precedida, já na etapa de
fundamentação teórica, por uma breve contextualização histórica e cultural, para que
se tenha um panorama geral do cenário em que se inserem. (FIORIN, 2006)
A importância desse raciocínio está no fato de que, o entendimento do momento
no qual foram concebidas contribuirá para uma interpretação menos intuitiva dos
elementos dessas obras, portanto mais assertiva e em conformidade com a realidade
nas quais as obras se inserem (MATTE; LARA, 2009).

3. HISTÓRIA EM QUADRINHOS

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3.1. CONCEITOS

Antes de estender o olhar sobre os conceitos mais elaborados das histórias em


quadrinhos, deve-se entender, inicialmente, o contexto no qual essa forma de
comunicação está inserida. Pensar nessa questão, invariavelmente implica em
compreender que o propósito inicial dos quadrinhos é narrar, sejam eventos ou uma
construção fictícia. E que contar uma história, independente da forma como isso é feito,
apresenta características e funções gerais comuns. Para Eisner contar histórias é um
modo de “ensinar o comportamento dentro da comunidade, discutir morais e valores,
ou satisfazer curiosidades. Elas dramatizam relações sociais e os problemas de
convívio, propagam ideias ou extravasam fantasias.” (EISNER, 2013, p. 11).
Mas ainda segundo Eisner (2013), nem todo relato ou texto ficcional é uma
história. Para ser reconhecido como tal, precisa respeitar um esqueleto de início, meio,
fim e eventos encadeados entre si, de forma a fazerem sentido no todo. Essa estrutura
é muito útil para se manter o controle sobre a história.
O autor destaca ainda, que contar história exige um conteúdo para ser
propagado e conhecimento sobre a ferramenta através do qual será contada. Claro,
com o passar do tempo e com a evolução tecnológica, o jeito de narrar se transformou.
Com as histórias em quadrinhos não foi diferente. A atualmente conhecida como
nona arte, passou por um percurso de progresso que se iniciou a muito tempo atrás,
ainda na época dos homens das cavernas. Mas antes de abordar os quadrinhos pelo
viés histórico, é imperativo que primeiro se defina história em quadrinhos, para assim,
facilitar sua identificação ao longo dos períodos históricos.
Will Eisner, um dos teóricos pioneiros nessa tarefa, foi quem definiu os
quadrinhos como “narrativas gráficas” (EISNER, 2010). Essa delimitação é sintética e
eficiente, pois condensa o conceito de uso de elementos gráficos para contar uma
história. O termo foi tão bem aceito, que é usado atualmente como um sinônimo para o
termo histórias em quadrinhos.
O autor aborda as narrativas gráficas, de forma ampla. Para ele, os quadrinhos
podem ser vistos como um novo tipo de linguagem, pois apresentam um vocabulário
próprio, gerado pela fusão da palavra com a imagem. O autor destaca que o produto da

8
relação desses dois fatores, resulta em uma forma híbrida de comunicação; no entanto,
o território em que se estabelece, e a forma de apreensão de seu conteúdo, ocorrem
predominantemente pela via visual (EISNER, 2010 p. 2-3).
Mazzur e Danner (2014) contestam a visão predominantemente gráfica da
narrativa dos quadrinhos, porque os autores “procuraram incorporar o conteúdo literário
nas histórias”. Na busca por maior aceitação, os quadrinhos, que eram vistos como
obras voltadas para crianças, aumentaram a proximidade do cinema e principalmente
literatura. Isso ocorreu principalmente na temática, buscando retratar assuntos sociais,
histórico e de relações humanas, para assim, assimilar um pouco a sua credibilidade
frente ao público adulto.
Cagnin (2014) concorda com Eisner ao considerar a presença de dois elementos
distintos, a parte visual, e o texto. No entanto, Cagnin não afirma que existe um
predomínio da parte visual sobre a escrita. Considera, que os componentes pictórico e
o linguístico-textual tem a mesma importância. É a partir da interpretação simultânea
desses dois elementos que se tem, de fato, a narrativa gráfica.
Ainda assim, não se pode ignorar a relevância do componente imagético nas
narrativas gráficas. Eisner pondera que, até mesmo o texto é lido como imagem. Afirma
que “o letreiramento (manual ou eletrônico), tratado ‘graficamente’ e a serviço da
história, funciona como uma extensão da imagem.” (EISNER, 2010, p. 2)

9
Contrato com Deus (1978)

A página acima, de Contrato com Deus (1978), de Will Eisner mostra, na


segunda cena, o personagem do lado direito e o texto do esquerdo. O texto funciona
como contrapeso para equilibrar a composição visual dessa cena. A ausência do
cenário e o grande texto criam a atmosfera de que nada em volta importa, a não ser o
ato da escrita. Além disso, a fonte tem aspecto manuscrito, já que representa o que
está sendo escrito na carta.
O autor assume, assim, que a maneira como a palavra é escrita, mais
especificamente, sua caligrafia ou desenho da letra, é relevante. Tipografias distintas
guardam significações diferentes. E é nessa esfera do imagético que a linguagem dos
quadrinhos se estabelece.
McCloud (2005) também converge para a concepção de Eisner, da palavra ser
vista enquanto imagem. Para ele, os quadrinhos são “imagens pictóricas e outras

10
justapostas em sequência deliberada destinadas a transmitir informações e/ou a
produzir uma resposta no espectador.” (MCCLOUD, 2005, p.9). Nesse raciocínio, leva-
se em conta que a escrita não integra o grupo das “imagens pictóricas”, por não ser
uma imagem qualquer. Mas como as palavras são consideradas símbolos (NETTO,
2007), ou seja, representam graficamente um conceito, estão inseridas dentro do que,
na definição do autor, foi chamado de “outras imagens”.
McCloud (2005) deixa claro ainda, que a sua definição de história em quadrinhos
foi construída com o intuito de ser o mais abrangente possível, e por isso mesmo,
outras formas de arte como a pintura e a fotografia, podem eventualmente, ser
englobadas nessa concepção. Para tal, basta que pelo menos 2 imagens, que retratam
momentos cronológicos diferentes, sejam postas lado a lado. Essa proximidade cria o
caráter sequencial das imagens nos quadrinhos, uma das principais características
dessa linguagem.
No entanto, uma ressalva deve ser feita, que é modalidade dos cartuns, ou
quadrinhos de um só quadro. Nesse caso, a presença de palavras e figuras no mesmo
espaço, no interior ou não de balões, faz o cartum compartilhar o estilo dos quadrinhos,
mesmo não apresentando caráter sequencial (MCCLOUD, 2005, p.20).
Guimarães (1999), assim como Eisner, evidencia o ineditismo alcançado pelas
histórias em quadrinhos. Segundo o autor, as narrativas gráficas são um novo tipo de
arte, que usa elementos de outras formas de expressão, mas possui uma construção
única. Justamente por isso, não se pode cair no comodismo de usar as definições já
usadas em outras modalidades, como a pintura, ilustração ou literatura, para descrever
os quadrinhos. Dessa maneira, o autor estabelece que, a principal marca identitária é
que “História em Quadrinhos é a forma de expressão artística que tenta representar um
movimento através do registro de imagens estáticas.” (GUIMARÃES, 1999 p. 6)
A questão do movimento sugerido pelas imagens é tão relevante para o autor,
que foi feita uma comparação com o cinema, inclusive com o propósito de diferenciar
um do outro. Tanto na animação quanto no cinema, não há movimento de verdade,
porém existe “uma sequência de folhas passadas rapidamente que dão sensação real
de movimento” (GUIMARÃES, 1999 p.6). Nos quadrinhos, por sua vez, ao invés de
serem mostradas em sequência, as imagens são postas lado a lado, e é claro, o

11
número delas é bem menor. Por meio dessa comparação, fica claro que, enquanto o
cinema tem sua narrativa submetida ao fator tempo, que é trabalhado para que se
tenha a ilusão do movimento, na narrativa gráfica, o fator espaço é o mais importante.
McCloud (2005) também corrobora com essa concepção: “(...) cada quadro de um filme
é projetado no mesmo espaço -a tela-, enquanto, nos quadrinhos, eles ocupam
espaços diferentes. O espaço é para os quadrinhos o que o tempo é para o filme”
(MCCLOUD, 2005 p.7).
Pela abrangência de sua definição, a concepção de McCloud será adotada
nesse trabalho como a referência teórica para responder à questão do que são os
quadrinhos. Isso porque nela, o autor considera os textos dos balões, a sequência de
imagens e inclui experimentações que autores podem fazer nessa linguagem, testando
os limites das narrativas gráficas. (MCCLOUD, 2005)
Apesar de apenas uma definição ser usada, deve-se ponderar, contudo, que não
existem limites para a produção de uma história em quadrinhos. Podem ser usados
textos em prosa ou verso, diversos tipos de materiais, qualquer estilo de ilustração e
narrar o que se bem entender. Essa é uma das maiores potencialidades das narrativas
gráficas, e por isso a definição de quadrinhos é uma construção constante.
(MCCLOUD, 2005)

3.2. HISTÓRIA
A enxurrada de adaptações dos quadrinhos para o cinema nos últimos 10 anos,
pode nos fazer pensar que a narrativa gráfica é uma arte recente. Mas ao olhar para a
história da narrativa gráfica, vemos justamente o oposto: trata-se de uma técnica muito
antiga. Por meio da definição ampla de McCLoud (2005), fica simples entender porque,
segundo Guimarães (2003), o início das histórias em quadrinhos remonta ao período
paleolítico (10.000 a.C.). Nessa época, desenhos rústicos feitos nas paredes das
cavernas retratavam o dia a dia do homem primitivo, por meio de ações decompostas
em imagens sequenciais. Além disso, os quadrinhos também são vistos nos hieróglifos
egípcios, nos quais o cultivo agrícola na margem do Rio Nilo era descrito. Visto
também, na tapeçaria francesa dos anos 1060 D.C. que narra a conquista da
Normandia, em uma peça com mais de 70 metros de arte sequencial.

12
Também é vista em sequências de imagens sacras, nos vitrais das igrejas
góticas do período medieval (séculos V e XV). Como a missa era rezada em latim e a
Igreja sendo a única detentora dos textos religiosos, as imagens dos vitrais auxiliavam
nas explicações de passagens bíblicas, que do contrário, poderia ficar muito abstratas
(MCCLOUD, 2005 p 12 - 17).

Narrativa gráfica pintada em cavernas, período paleolítico (MCCLOUD, 2005).

Narrativa gráfica egípcia. (MCCLOUD, 2005).

13
Vitrais de igrejas da idade média. (MCCLOUD, 2005).

A verdade, porém, é que a popularidade veio somente no século XX, tendo como
um dos principais fatores deflagradores a ideologia do american way of life. Essa
estratégia foi uma tentativa norte americana de expandir seus mercados consumidores
para dar vazão à crescente produção industrial da década de 20 (VICENTINO, 2004,
p.376 - 380). Apesar do duro golpe dado pela crise de 29, essa ideologia foi precursora
para a concepção da cultura ocidental como se conhece hoje, e além disso, motivou a
exportação de produtos culturais norte americanos, desde filmes às histórias em
quadrinhos de super-heróis.
Entretanto, deve-se esclarecer que, por mais que o foco seja a produção norte
americana, os autores das obras analisadas sofreram influências de diversos locais.
Nessa lógica, Mazur e Danner (2014) ponderam que é comum que a criação de
narrativas gráficas de um país influencie outros, principalmente com o progresso dos
meios de comunicação. Visto sob essa perspectiva, a linguagem dos quadrinhos pode
ser posta como um recurso de comunicação intrinsecamente associado ao ser
humano, e não uma exclusividade de um ou outro povo. A partir dessa análise, nota-se

14
também, que apesar de terem sido apresentadas algumas definições, a construção do
que significa a linguagem dos quadrinhos não pode ser visto como algo estático.
Diferentes culturas atuam em sinergia, e com o passar do tempo, novas formas de se
comunicar por meio das narrativas gráficas, fazem com que seja impossível esgotar
esse tema.
Uma vez tendo sido feita essa ressalva, retorna-se ao universo amostral deste
trabalho. Não é por acaso que será dado destaque para a relevância histórica dos
quadrinhos norte americanos para o cenário do quadrinho mundial. Além da
importância geral, pelo fato da produção dos Estados Unidos colaborar para a
popularização dos quadrinhos no mundo, as obras que serão analisadas, Watchmen
(1986) e Asterios Polyp (2009), são produções norte americanas. Soma-se a isso o fato
da publicação de obras americanas no mercado brasileiro sempre ter sido marcante.
Portanto, traçar o panorama histórico relativo aos quadrinhos nos Estados Unidos
contribui para uma compreensão mais ampla dessas duas obras.
É fundamental considerar, que apesar de muito ter acontecido antes da década
de 40, a partir do fim da 2ª Guerra Mundial que os eventos ganham mais importância
para a história dos quadrinhos. É depois dessa data que a narrativa gráfica deixa de
ser vista somente associada ao público infantil e conquista o público adulto. (MAZZUR
E DANNER, 2014).

O trajeto que culmina com o alcance desse patamar, passa antes por uma crise
no gênero de super-heróis, que fez com que estilos de faroeste e terror despertassem o
interesse no público adulto. Esses gêneros, mesmo não tendo a força das histórias de
super-heróis faziam com que os quadrinhos não fossem esquecidos e continuassem no
espectro de interesse do leitor. A realidade é que, o envelhecimento do seu público e a
necessidade de se adaptar a esse novo cenário fez as grandes editoras norte
americanas a buscarem inovação. (MAZZUR E DANNER, 2014).
A temática super-heróis foi ressuscitada depois que a DC Comics, em 1956,
resgatou personagens clássicos, como Batman, Superman e Mulher Maravilha. Soma-
se a isso, outra iniciativa bem recebida pelo público adulto, que foi o estabelecimento
de uma nova identidade da editora Marvel. Seus layouts eram dinâmicos e prendiam o

15
leitor. O lançamento do Homem Aranha (1962), por sua vez, com seus dramas
similares aos dos leitores, como pagar contas e dilemas do dia a dia, despertou a
simpatia do público. (MAZZUR E DANNER, 2014 p 18 -19)
Por volta de 1965 outra mudança foi significativa. Crescia, no território das
faculdades a produção de quadrinhos independentes ou underground. Era um
movimento cuja produção era espontânea, diversa, mas que tinha em comum o fato
dos autores se expressarem em seus desenhos e histórias. O propósito não era
atender uma demanda de mercado, mas sim imprimir um olhar pessoal sobre o mundo.
Na estética, chamava a atenção a produção de desenhos sujos, pesados, e uma
feiura que contrapunha ao respeito à anatomia e realismo, que vinham sendo
produzidos até então pelas histórias de super-heróis. A temática abordava o sexo,
drogas, terror, violência excessiva, e era influenciada pela música, sobretudo o rock.
(MAZZUR E DANNER, 2014).
Obviamente, os autores do mainstream foram influenciados por esse movimento
e passaram a produzir em suas obras, traços e temáticas próximas do underground.
Outra influência que ajudou a reconfigurar os quadrinhos americanos veio do oriente.
Nessa época, o estilo de narrativa gráfica denominada mangá foi incorporado, mesmo
que indiretamente, aos artistas norte americanos. (MAZZUR E DANNER, 2014)
Esses eventos precisam ser elencados, para que se tenha uma visão clara de
como formaram-se as bases para o desenvolvimento do que atualmente é conhecido
atualmente, como quadrinho autoral. Definição essa, na qual a obra Asterios Polyp
(2009) se encaixa muito bem. O movimento underground fez com que se ousasse
extrapolar o desenho acadêmico que era feito até então, além de abrir espaço para
possibilidades de outras temáticas. (MAZZUR E DANNER, 2014)
Levando-se em conta a ordem cronológica dos eventos, a produção pós
underground, que eclodiu em um contexto de público já adulto, influenciou de forma
determinante na produção mainstream de super-heróis. Na década de 70, os
quadrinhos das grandes editoras passaram por uma revolução, vinda principalmente do
ideal de liberdade criativa proposta pelo underground. A indústria passou a se levar a
sério. Como resultado, a temática sofreu influências, a narrativa fantástica e de ficção
científica, embora não tenha sido abandonada, passou a comportar também

16
discussões e dramas mais próximos da realidade. Apesar de ainda vestirem roupas
coloridas e coladas, os heróis passam a mostrar inseguranças e fragilidades. Foi criado
o embrião para o que viria a culminar no que são consideradas as obras absolutas da
desconstrução do gênero de super-heróis: O Cavaleiro das Trevas (1986), e é claro,
Watchmen (1986). (MAZZUR E DANNER, 2014)
O encontro do underground com o mainstream resultou, ainda na década de 70,
no surgimento dos anti-heróis nos quadrinhos e ainda uma produção mista, um meio
termo entre os dois movimentos. Eram obras que apresentavam a estética das histórias
de heróis, mas que tinham suas histórias permeadas por doses de violência, sexo,
drogas e decadência, comuns na temática underground. Paralelamente a isso, ainda
na década de 70, a narrativa gráfica também passa por transformações na Inglaterra,
onde a ficção científica é reinventada, e que viriam a imprimir fortes mudanças tanto
nos quadrinhos norte americanos quanto no resto do mundo. (MAZZUR E DANNER,
2014)
Alan Moore, inglês autor de Watchmen (1986), produz ficções que se mesclam
com outros temas, mais ligados ao cotidiano, como a interseção com a política, feita
em V de Vingança (1982). No entanto, segundo Mazur e Danner (2014), é na década
de 80 que ocorre a invasão inglesa, quando o público norte americano está aberto aos
temas de terror e suspense, tão famosos na década de 40. Em 1986, a americana DC
Comics, responsável também por distribuir no Brasil, lança o trabalho intitulado
Watchmen (1986) . A obra é tida como inovadora, por unir o clima vigente da guerra
fria, a tensão de um conflito nuclear do mundo bipolar e uma equipe de super-heróis
que representam a humanidade; não por simbolizar o que há de melhor nela, mas por
personificarem falhas e problemas comuns das pessoas. Alan Moore inova também ao
brincar com o uso de arquétipos de heróis, comumente usados ao longo da produção
do gênero. O autor os exagera a níveis tais, que criar personagens psicologicamente
caricatos. Moore buscava, pelo exagero, desconstruir o gênero de super-heróis. Outra
característica trazida da Inglaterra foi a narrativa em várias camadas. A história base
comporta uma série de sub tramas, que também se desenrolam junto com a principal.
(MAZZUR E DANNER, 2014 p74-76)

17
3.2.1. O nascimento das Graphic Novels
No período, que vai da metade da década de 60 à início de 70, surge a obra
Blackmark, de Gil Kane, que iniciará a produção do que hoje se denomina graphic
novel, ou novela gráfica. Consistiu de um trabalho divulgado pelo próprio autor como
um “livro de ação”. O roteiro não se diferencia muito das histórias de super-heróis feitas
até então. No entanto, o que diverge desse gênero e justifica a menção, é que, além
dos balões, há a reconfiguração do layout, com o uso de grandes blocos de texto,
próximos às imagens, compostos por uma tipografia feita por máquina. Esse uso de
textos longos e não mais feitos à mão, tinham como objetivo dar mais seriedade e
formalidade à história (MAZZUR E DANNER, 2014 p50).

18
Graphic Novel se afirmou como um estilo de narrativa gráfica com as produções
de Will Eisner, que se inspiravam nas formas literárias para fazer quadrinhos e
conseguiu se solidificar com Maus (1986), de Vladek Spiegelman. A obra, que contava
a história do nazismo nos moldes de uma fábula, lançada em duas partes, 1986 e
1991, ganhou em 1992 o Prêmio Pulitzer de literatura (MAZZUR E DANNER, 2014
p181).

A graphic novel firmou um estilo de quadrinhos que se aproximam da literatura.


Era como se, em termos de mercado e território, os quadrinhos migrassem das bancas
de jornal para as livrarias, e tentassem atingir um público mais amplo. A narrativa
gráfica buscava sair, de uma vez por todas, da sombra de influência gerada pelo
gênero de super-heróis. Embora isso já tivesse acontecido nos nichos e no restrito
cenário alternativo, na indústria de quadrinhos das grades editoras, cujas obras tinham

19
um alcance muito grande, as histórias de heróis ainda eram um ranço que ainda não
havia sido completamente superado.
É válido notar que, apesar de Maus (1986) ter o reconhecimento formal do
Prêmio Pulitzer, não é a única obra que flerta com a literatura. Inclusive, essa é uma
característica já encontrada em Watchmen (1986).
O que se sucedeu ao longo da década de 90 foi a incorporação de elementos da
narrativa do cinema, da literatura e das artes plásticas. Na primeira década de 2000 a
produção de quadrinhos cresceu e diversos autores e estilos passaram a se influenciar,
muitas vezes dificultando a fronteira entre “tradicional e alternativo” (MAZUR E
DANNER, 2014 p293). A modalidade graphic novel, nas quais se incluem as duas
obras a serem analisadas, embora ainda seja alvo de controvérsia na sua definição, se
consolidou como sendo uma obra em quadrinhos completa e autossuficiente. Ou seja,
é uma obra independente, não é precedida por outras edições, nem precisa de outras
histórias, sejam quadrinhos ou mesmo outras graphic novels para ter seu conteúdo
narrativo perfeitamente entendido. Quadrinhos com mais de 100 páginas, só com
narrativas gráficas, sendo ficção ou não, e tendo como público alvo, adultos,
geralmente são definidas, independente da sua temática, como graphic novels.
(MAZZUR E DANNER, 2014).
O posicionamento de McCloud (2005) soma-se a essa concepção. O autor
pontua que não existem limites para a produção de uma narrativa gráfica. Podem ser
usados textos em prosa ou verso, diversos tipos de materiais, qualquer estilo de
ilustração e narrar o que se bem entender. Essa é uma das maiores potencialidades
das narrativas gráficas, e por isso a definição de quadrinhos é uma construção
constante.

3.3. QUADRINHOS EM CONTEXTO

Mas por que estudar histórias em quadrinhos? Para que se encontre uma
resposta para essa questão, é importante considerar o contexto atual onde as
narrativas gráficas estão inseridas, o da indústria do entretenimento.

20
A força da cultura pop é incontestável. Segundo matéria da revista Veja3 de
dezembro de 2015, o evento Comic Con Experience reuniu aproximadamente 120.000
visitantes e teve faturamento médio em torno de R$ 70 milhões. Dentre as atrações,
estavam estandes de filmes como Batman vs Superman (2016) e Vingadores (2012); e
de séries como Legends of Tomorrow (2016), The Flash (2014) e The Walking Dead
(2010). O que elas tem em comum? São produções audiovisuais desenvolvidas a partir
de narrativas gráficas. Isso sem comentar as participações no evento, diretamente
ligadas ao mercado de histórias em quadrinhos, como escritores e desenhistas.
Se antes, a indústria das histórias em quadrinhos conseguia se capitalizar por
meio da venda de revistas nas bancas e ocasionalmente, graphic novels nas livrarias,
atualmente é a parceria com o cinema que geram os maiores lucros. O exemplo
máximo dessa mudança são os filmes do universo cinematográfico da Marvel, ao qual
pertencem os filmes dos Vingadores, filmes solos dos heróis que compõe essa equipe
e Guardiões da Galáxia. Depois 13 filmes, distribuídos ao longo de 8 anos, os longas
dos heróis da Marvel, que iniciaram com Homem de Ferro (2008), somam atualmente,
mais de 10 bilhões de dólares em arrecadação (R$ 35,97 bilhões) ultrapassando outras
franquias consagradas, como Star Wars, Harry Potter, James Bond e Senhor dos Anéis
(KLEINA, 2016).
Evidentemente, como é de se esperar, esse grande número de adaptações para
o cinema e televisão, fortaleceu o crescimento nas vendas. Segundo matéria do jornal
O Globo (2014), nos Estados Unidos, as vendas de quadrinhos até aquele ano
seguiam trajetória ascendente. E no Brasil, inclusive, ao contrário do que se espera do
mercado de revistas em geral, a comercialização de revistas em quadrinhos subiu ao
invés de decrescer (MIRANDA, 2014). Outro aspecto relevante, é que a força do
mercado já foi notada por instituições que originalmente não pertencem a esse
segmento. Na última edição da Feira Internacional de Quadrinhos (FIQ), realizada em
2015, em Minas Gerais, uma parceria do Sebrae MG e Senac MG, promoveu o contato

3
Disponível em < http://veja.abril.com.br/entretenimento/em-sp-comic-con-experience-2015-comeca-com-altas-
expectativas/ > Acesso dia 2 de setembro de 2016

21
de escritores e artistas independentes, com editoras e financiadores. O objetivo era
incentivar a produção e a publicação no setor.4
Dessa forma, estudar os quadrinhos é uma possibilidade de unir um tema de
relevância atual com as matérias ligadas a comunicação visual vistas ao longo do
curso. Inclusive, por ser uma produção constituída de parte verbal e parte imagética,
não é exagero afirmar que o estudo das histórias em quadrinhos pode contribuir muito
para a publicidade, principalmente no que tange à criação.
Para compreender essa afirmativa, é fundamental lembrar que, apesar de
usarem a palavra contida por balões, e esses inseridos em desenhos, não é
exclusividade dos quadrinhos fazer o verbal interagir com o visual. Basta considerar o
contexto amplo em que se insere a relação palavra/imagem, para notar que o estudo
da Publicidade pode se beneficiar do estudo das narrativas gráficas. Nessa lógica,
atenta-se para o fato de que, é o entendimento desse relacionamento que possibilita a
construção de peças publicitárias de qualidade e ricas em plurissignificação. Quando
Celso Fiqueiredo (2005) enuncia a teoria dos títulos ”1+1 = 3”, isso fica claro. Em sua
explicação o autor pontua que nesse caso, a imagem e a palavra se fundem para
formar algo que não foi dito de forma literal por nenhum deles. Nota-se que o estudo
dos quadrinhos pode ser útil, pois também usam esses mesmos elementos para
construir um terceiro elemento, que não existe sem a interação dos dois: a narrativa.
Nas charges (quadrinhos compostos por um só quadro), por exemplo, essa
relação de proximidade entre publicidade e histórias em quadrinhos é mais facilmente
verificável (PAULI e FINGER-KRATOCHVIL, 2009). Dessa forma, eles podem
contribuir para o entendimento de como o trabalho produzido pela direção de arte e
pela redação publicitária atuam em conjunto para resultar em produtos que instiguem o
público leitor/alvo. O cartum do artista Arionauro Santos5 apresenta a estrutura básica
de um anúncio com título, imagem e a produção de sentido humorístico a partir da
leitura dos dois.

4
Disponível em < http://2015.fiqbh.com.br/rodada/ > Acesso em 2 setembro de 2016
5
Disponível em < http://www.arionaurocartuns.com.br/ > Acesso dia 4 de setembro 2016

22
ARIONAURO (2016)

É evidente que os objetivos são diferentes, os quadrinhos narram uma história, e


a publicidade anseia por resolver um problema de comunicação de um cliente. Mas, e
quando resolver um problema de comunicação passa por contar uma história? Bom,
nesse caso, também temos as narrativas gráficas dando sua contribuição. De forma
indireta, ao ajudar na compreensão da construção de uma narrativa seja por meio da
dupla palavra/imagem ou só pela imagem. Seja essa história estática (mídias
impressas) ou em movimento (material audiovisual). E esse entendimento de como
construir histórias pode ser usado, por exemplo, na criação de Branded Content6, por
meio do Storytelling7; A contribuição dos quadrinhos para a publicidade também pode
ocorrer de forma direta e literal, no audiovisual, sob a forma do storyboard.
Para exemplificar como a narrativa gráfica está infiltrada na publicidade, tem-se
como exemplo a campanha para o verão de 2011 das Havaianas, criada pela
AlmpaBBDO. Para aproximar o público do conceito de que as sandálias poderiam ser
usadas em qualquer ocasião, a peça uma construção em 3D de uma sandália cujas
6
Ferramenta de marketing que envolve a produção de conteúdo de entretenimento promovido por uma marca.
(HELENA,2012) marca
7
Usar a força da ação de contar uma história em prol da publicidade: o entretenimento funciona como vetor de
engajamento que aproxima os prossumidores das empresas. (XAVIER, 2015)

23
tiras se alongam, e nela se contam histórias, como pessoas em uma fila para entrar
numa boate, pessoas dançando e se divertindo, já no interior do local.

Campanha Havaianas Top Mix, AlmpaBBDO, 2011

Assim, além de ser trabalhado um tema de grande relevância para o mercado do


entretenimento atual, esse estudo também se apresenta como uma oportunidade para
o aprofundamento em conceitos de comunicação visual e semiótica. E é claro, não se
pode deixar de citar o fato da análise ser feita a partir do uso de 2 obras, escritas com
uma diferença de mais de 20 anos entre elas.
Watchmen, de 1986, é tido um marco das novelas gráficas, pois renova a visão
de histórias de super-heróis ao incluí-las em um contexto político pós guerra fria da
época. Além de levantar questões sobre direitos humanos, retrata heróis que
apresentam falhas e apresentam conflitos humanos. Já Asteryos Polip, de 2009,

24
mostra-se como uma obra de vanguarda dos quadrinhos americanos. Não aborda a
temática “super-herói”, mas sim dramas humanos cotidianos, como crises pessoais e
postura diante da realidade muitas vezes decepcionante. Sua qualidade pode ser
atestada pela conquista de prêmios especializados como os americanos Eisner e
Harvey e o francês Angoulême (ASSIS, 2011).

3.4. ELEMENTOS CONSTITUINTES DA NARRATIVA GRÁFICA

Para Cagnin (2014), os quadrinhos são compostos por imagens, em que se


encontram os desenhos, balões, os quadros; e pela parte de escrita, formada por texto
e onomatopeias. Considera-se que o conhecimento das partes básicas constituintes da
narrativa gráfica, permite um melhor entendimento dos parâmetros que serão
analisados na comparação entre as duas obras. Portanto essas partes serão
explicadas de forma resumida
É consenso entre os teóricos, que apesar da relevância na combinação
imagem/escrita, o elemento visual se sobressai. Por isso, devem ser feitas algumas
considerações sobre a construção das imagens por meio das ilustrações.
McCloud (2005) relaciona o estilo de desenho com a percepção do leitor e como
ele se conecta com a narração. Para ele, o realismo, por sua preocupação em
representar a realidade detalhada, é a técnica que mais tem afinidade com os sentidos,
e é ideal para representar cenários e natureza morta, já o desenho abstrato, é a técnica
alinhada ao conceito, melhor para representar personagens, que desempenham ações
na história. O leitor tende a admirar uma cena detalhada por mais tempo, mas corre-se
o risco de se desconectar da narrativa.
Segundo o autor, quanto mais detalhes se extrai, ou seja, quanto maior a
abstração da ilustração, mais genérico fica o personagem, e mais subjetiva é
impressão que ele provoca no leitor. Assim, mais fácil é para qualquer um, se identificar
com os dramas vividos pelo personagem e assim, se conectar com ele. Dito de outra
forma, o leitor vê o personagem como uma autoimagem dentro da história, e por isso
cria uma empatia maior pela história (McCloud, 2005, p. 36-37).

25
Mas o traço próximo do realismo e a simplificação extrema não são as únicas
formas de desenho. O vocabulário pictórico dos quadrinhos pode ser representado, na
verdade, não por uma reta, mas por um triângulo, que teriam em seus vértices, o plano
das figuras, a realidade e a linguagem. Se no plano da linguagem um círculo contendo
dois pontos e uma reta representam a figura elementar de um rosto, com dois olhos
(pontos) e uma boca (o traço), no plano das figuras o círculo não quer dizer nada, a
não ser ele mesmo. Ele é o que é, e não a representação simbólica de outra coisa
(MCCLOUD, 2005 p 49 - 53). De forma resumida o triângulo se configura a seguir
(MCCLOUD, 2005 p 51):

McCloud (2005)

26
Para o autor, é exemplo de extremo na realidade a arte de Drew Friedman; de
extremo de plano da linguagem, o personagem Bone, de Jeff Smith; e no plano das
figuras, um representante mais exagerado desse estilo seria Mary Fleener.

Drew Friedman

27
Jeff Smith

Mary Fleener

No que se refere às duas obras, o traço de Dave Gibbons em Watchmen (1986)


é bem distante do plano das figuras, ficaria próximo ao lado que se opõe a esse vértice
e se aproxima mais do vértice da realidade.

28
Já o trabalho de David Mazzucchelli em Asterios Polyp (2009), no geral fica
entre o vértice plano das figuras e liguagem, e dadas as simplificações no seu traço,
sendo ligeiramente deslocado para esse último. No entanto, deve-se lembrar que a
maneira de retratar os personagens varia ao longo da história. Em dado momento, se
aproxima mais do vértice do plano das figuras, e outras, ligeiramente no sentido da
realidade. Isso é feito, para sugerir estados emocionais dos personagens, muitas vezes
no mesmo quadro.

29
A cena seguinte, mostra uma exposição de arte. Os coadjuvantes em volta (em
roxo) foram retratados, cada um com um estilo de desenho, representando as
preferências particulares por movimentos artísticos diferentes. Os personagens
centrais, por sua vez deixam transparecer a estrutura do desenho (em azul e magenta),
mostrando o ponto em que a relação deles começou a ser construída. São ainda

30
representados de uma forma que diverge do padrão das personagens de seu entorno.
Nesse momento, o contato entre os dois cria identificação e assume predominância
sobre a exposição.

Asterios Polyp, 2009

É preciso destacar ainda, que a moldura dos quadros e a forma que contêm os
balões também seguem a lógica do desenho, e podem ser feitos em uma linha simples,
ou de formas variadas, para se adequar ao que está sendo narrado. A moldura do
quadro serve para delimitar uma cena, a que acontece no presente da narração. Essa
representação de elementos dentro de quadrinhos foi chamada por Eisner (2010, p40)
de “gramática básica a partir da qual se constrói a narrativa”. Pode ser feita de diversas
formas e tamanhos, para gerar um fluxo de leitura adequado. O autor complementa
ainda, que o enquadramento é uma técnica que permite conduzir o leitor e adicionar
complexidade à narração. Por exemplo, o uso de um close ou um plano geral, para
passar um determinado sentimento (EISNER 2010). No entanto, deve-se ressaltar que
o quadro também possui valor expressivo. Como no exemplo dado por Barros (2016
p.94), no qual se descreve o momento em que o personagem Lanterna Verde está
drogado, dessa forma, as molduras são representadas de forma tortuosa, mostrando o
estado mental do personagem. Se a moldura do quadro não apresenta categorização

31
quanto a forma, o mesmo não pode ser dito dos balões de fala, que apresentam uma
classificação base.

Grandes Clássicos DC: Lanterna Verde e Arqueiro Verde (2006)

Dentre esses tipos morfológicos de balões, destacam-se os balões de fala


tradicionais, balão duplo (2 ou mais balões tradicionais geminados) os balões de
pensamento, balão de chochico (é o balão de fala mas com limites pontilhados) e balão
de berro (BARROS, 2016 37-41). Além desses tipos, existem os balões especiais,
usados como forma de expressão, sendo esses sim, de fundamental importância para
a análise das obras.
Para melhor entender o conceito dos balões especiais, destaca-se a
consideração de Eisner (2010) sobre o uso dos balões. O autor afirma que a variação

32
no formato dos quadrinhos e dos balões de fala é um recurso usado para adicionar
conteúdo simbólico a um personagem ou narrativa. Nesse raciocínio, um personagem
feito dentro de um quadrinho com bordas irregulares e com o balão de fala cujas cores
foram invertidas (fundo preto com letras brancas), guarda uma sensação diferente de
um outro, dentro de um quadrinho com bordas retas, e cujas falas estão encerradas em
balões tradicionais, de fundo branco com letramento preto. Obviamente, essas
ferramentas devem estar alinhadas com as características dos personagens dentro da
narrativa, e não usadas arbitrariamente.

Esse conceito pode ser aplicado nas obras estudadas. Inclusive, um ponto em
comum de Watchmen (1986) e Asterios Polyp (2009) é o uso de balões especiais para
discriminar visualmente a voz de diferentes personagens. Como exemplo, em
Watchmen, Dr Manhattan apresenta balão com borda branca contendo um círculo azul,
e no interior desse, o texto de fala. Já o personagem Rorschach, apresenta balão com
contornos irregulares. Nesse caso, pode-se atribuir uma voz trêmula ou rouca.

Dr Manhattan, Watchmen (1986)

33
Rorschach, Watchmen (1986)

O mesmo ocorre em Asterios Polyp, com o balão com ângulos retos para
Asterios e arredondado para Hana, como na imagem seguinte:

Asterios Polyp (2009)

34
No caso anterior, é possível inferir mais sobre os personagens com base nos balões e
na tipografia e como esses elementos contribuem para a narrativa. Nota-se que o balão
de fala do Asterios possui angulação reta e da Hana é circular. Sobre essas formas, o
autor sobre design gráfico Timothy Samara afirma que o círculo é uma forma contínua,
traduz o infinito, o orgânico, o rotacional e assim, mudança. Já o quadrado é estático,
finito, analítico e matemático (SAMARA, 2010 p33).
Isso se alinha com a trajetória de Hana, uma personagem que passa pela vida
de Asterios, mas não fixa raízes. Como a forma circular de seu balão, não apresenta
pontos de escora ou de fixação. Hana, apesar de saber o que quer, tem mais leveza e
está aberta ao que o mundo oferece, e não se vê obrigada a se prender a
circunstâncias ou relacionamentos, é uma fluida. Já Asterios é um personagem que
perde o seu apartamento, o emprego e o relacionamento com Hana. E dado o pouco
tempo do acontecimento desses eventos, ainda é muito preso ao passado. Além disso,
Asterios é extremamente voltado para si mesmo, e em boa parte da história, demonstra
características rígidas. É voltado para o próprio bem-estar.
Já a tipografia “reflete a tensão contínua entre a mão e a máquina” (LUPTON,
2013 p. 47). Ou seja, dentre as fontes, há a variação entre aquelas que apresentam
ângulos mais extremos e variações mais regulares, como se não fossem feitos pela
mão humana e outras que apresentam formas mais orgânicas. Nesse raciocínio, a
fonte usada para as falas de Asterios, sempre com letras maiúsculas, mais retas,
também está em conformidade com as características suas psicológicas, já que o
personagem se considera superior. A tipografia usada para as falas de Asterios é mais
distante da mão humana, guarda o significado de ser mais rígida, pouco dada a
mudanças. Inclusive a inexistência de variação de altura entre uma letra e outra, reflete
a dificuldade em aceitar as mudanças que lhe foram impostas.

35
A diferença marcante entre as obras é que o balão em Asterios Polyp (2009),
condensa mais significados para narrativa e expande a interação dos personagens
para além do que é mostrado. Isso é exemplificado na figura que segue, em que a
sintonia dos personagens, apesar das evidentes diferenças entre eles (simbolizadas
também pelas formas distintas dos balões), é representada pela intersecção entre os
balões. Como são os balões que se tocam, e não os corpos dos personagens, há a
concepção da sintonia de ideias pela frase dita em uníssono.

36
Asterios Polyp (2009)

Eisner (2010), por sua vez, discute sobre o impacto do desenho nas vendas, já
que eles representam a “embalagem” da história, e o primeiro ponto de contato do leitor
com a obra. Deve ainda, haver cuidado para que o artista não se perca no preciosismo
e fazer sua ilustração competir com a parte escrita, ao invés de atuarem
colaborativamente. O autor destaca ainda, o uso da técnica de perspectiva, no caso de
desenhos mais realistas, na produção de sentidos. Uma cena assume diferentes tipos
de significados de acordo com ponto de vista escolhido para retratá-la. Nessa ótica, o
enquadramento escolhido também é importante, pois repercute na composição e
permite ao artista “esclarecer a atividade, orientar o leitor e estimular a emoção”.
(EISNER, 2010 p.90).

3.4.1. Como se constrói o ritmo e a passagem do tempo

Uma narrativa, para Vieira (2001) permite um estudo estrutural, segundo o qual
se define uma composição morfológica base. Essa conformação é composta por um
esqueleto que apresenta os seguintes pontos elementares: exposição, no qual são
apresentados personagens, local e tempo; tema, que é o objetivo da narrativa; intriga,
que é o que motiva uma ação; e resolução.
Para o autor, integra-se a esse modelo, alguns elementos que contribuem para
que o fluxo narrativo percorra essa composição estrutural. Dizem respeito a como a
história é contada. Assim, a ferramenta mais importante de uma história, e que é

37
comum a todos os enunciados narrativos, é a presença de ordenação cronológica. Isso
porque, entende-se que a alteração na ordem de eventos de um acontecimento,
provoca mudança na forma como a história é compreendida. Isso é diferente de
ordenação lógica entre eventos. Fatores puramente unidos por lógica, mas sem a
especificação de temporalidade terminam por gerar, por exemplo, um texto científico, e
não uma história. Outro elemento importante para a existência da narrativa é a
estrutura interna da história. Ela deve conter um conflito que provoca motivação no
personagem, passando por uma tentativa em resolvê-lo, e que desencadeará em uma
consequência, uma reestruturação no status quo. Dessa forma, histórias descrevem
comportamentos dirigidos para um fim. É por meio desse elemento que se elabora a
noção de tempo psicológico (VIEIRA, 2010).
No entanto, o terceiro elemento básico que compõe um texto deriva da tomada
de consciência da existência do leitor. A partir disso, se considera que o contexto
histórico no qual está inserido, bem como sua bagagem cultural influenciam na forma
como a história é recebida (VIEIRA 2010).
Trazendo essas concepções para o contexto das narrativas gráficas, tem-se
que, para McCloud (2005), a temporalidade é construída por algo chamado Conclusão.
E segundo o autor, esse conceito consiste no “fenômeno de observar as partes mas
perceber o todo” (p.63). Isso é notado quando se tem, por exemplo, dois quadrinhos,
um com o início e a outra com o final de uma ação. O autor pontua, que é comum para
o cérebro, realizar o preenchimento na lacuna existente entre o início e o fim delas. Já
Barros (2010), denomina de Elipse, essa noção de continuidade gerada apesar da
ruptura, chamada hiato por ele, provocada pelas molduras dos quadros. Dessa
maneira, o espaço entre um quadro e outro, que McCLoud (2005) denomina sarjeta, é
preenchido pela imaginação do leitor. Naturalmente, esse fenômeno pressupõe que as
imagens sejam postas fisicamente próximas uma da outra, remontando mais uma vez,
à importância do espaço para a construção da história e da temporalidade nas
narrativas gráficas (MCCLOUD, 2005 p.64-67).

38
Sandman: Prelúdios & Noturnos (2008)

Nesse exemplo anterior da obra Sandman: Prelúdios & Noturnos, de Neil Gaiman
(2008), o primeiro quadro apresenta uma personagem tirando um pão da mão de outro
personagem. Já no segundo, o pão é arremessado. No entanto, o tempo é obliterado, e
a ação de lançar o pão é idealizada pelo leitor.
Para McCloud (2005), esse trabalho do leitor é inversamente proporcional à
quantidade de cenas, ou quadros, usados para descrever uma ação. Nessa lógica, se
tivéssemos uma ação decomposta, não em dois quadros, mas em 10, teríamos um
trabalho menor para imaginar o que aconteceu entre um quadrinho e outro (e uma
proximidade maior com o cinema e com a animação). O tempo omitido entre cada cena
seria menor, e, portanto, o que veríamos seria uma ação muito mais completa, do que
o exemplo composto por apenas 2 quadros. Esse conceito é muito importante, porque
a partir dele se constrói a noção de ritmo nas histórias em quadrinhos. De acordo com
as escolhas do artista, a relação entre quadros pode ser de, mostrar momentos de uma
ação (decompor em etapas), mostrar ações diferentes, temas (condensar mais
elementos e apresentar maior carga simbólica) ou cenários. Os quadrinhos contendo
esses elementos são encadeados deliberadamente, e em quantidades específicas,

39
para produzir uma dada resposta no leitor e conduzi-lo pela narrativa (MCCLOUD,
2005).
O autor classificou essa conexão entre os quadrinhos em 6 tipos. O primeiro é
de momento-a-momento, registra pequenos momentos dentro de uma ação e exige
pouca conclusão. O segundo é de ação-a-ação, que retrata ações diferentes de uma
personagem em cada quadro. O terceiro, sujeito-a-sujeito, que alterna entre uma
personagem e outra, geralmente usado para compor um diálogo. O quarto é o de cena-
a-cena, nesse tipo a conexão entre os quadrinhos se dá por retratar uma diferença
significativa de tempo entre os quadros; no entanto o enforque é sempre na mesma
personagem ou grupo de personagens. O quinto, de aspecto-a-aspecto, mostra
diferentes aspectos, um em cada quadro, de um determinado cenário; é como se
fossem mostrados eventos simultâneos dentro de um mesmo instante, como se o
tempo estivesse paralisado. Já o sexto e último tipo de ligação entre os quadros, é
chamado de non sequitur. Ele retrata imagens aleatórias em cada quadro, sem relação
nenhuma entre uma e outra. Embora não contribuam para construção cronológica da
narração, forçam o leitor a considerar a composição visual dos quadrinhos como um
todo, visam provocar respostas emocionais. É mais usado em quadrinhos
experimentais. (MCCLOUD, 2008 p.13-18)

40
McCloud (2005)

41
Com relação às obras analisadas, nota-se que Watchmen apresenta a grande
maioria das transições entre quadros feitas pela segunda técnica, de ação a ação.
Apresentando também, mas em reduzido grau, a primeira, momento a momento;
e a terceira, de sujeito a sujeito, nos diálogos, e de forma muito reduzida, a quatro, de
cena a cena. Já Asterios Polyp, apresenta essa configuração de ter mais uso de ação a
ação, porém, difere de Watchmen por ter mais cenas de momento a momento, por ter
um tempo narrativo mais lento.

Transição ação a ação em Watchmen(1986)

42
Transição momento a momento em Asterios Polyp (2009)

Essa decomposição da ação em mais etapas também da mais dramaticidade e


melancolia ao personagem. Outra diferença é que em Watchmen os diálogos ocorrem
muito de sujeito a sujeito, com uma personagem em cada quadro, no momento em que
fala, dividindo espaço com seu respectivo balão. Já em Asterios Polyp os diálogos são
mostrados em um único quadro, com as personagens que conversam dividindo o
mesmo espaço. Asterios Polyp apresenta ainda a quinta transição aspecto a aspecto,
que não se vê em Watchmen. Ela é usada para o estabelecimento do estado de
espírito do personagem.

43
Transição aspecto a aspecto. (Asterios Polyp, 2009)

Um conceito que se estende da aplicação da Conclusão é o Timming,


característica fundamental para a compreensão dos quadrinhos (Eisner, 2010 p. 23). O
Timming determina que o sentido de passagem do tempo é dado pelo espaço que os
quadros ocupam e pelos balões de fala, já que nas histórias em quadrinhos o tempo é
medido espacialmente. Assim, o tempo que se leva para ler as falas nos balões, ou
ainda para analisar a complexidade de uma cena desenhada, tem relação com a
duração da ação dentro da história. O autor destaca ainda, a relevância de usar a
duração de eventos do dia a dia, cujo tempo do seu desenrolar já seja de senso
comum, para ajudar a passar uma percepção temporal mais exata para uma dada
cena. Esses elementos que constróem o Timming podem ser manipulados “para a
obtenção de uma mensagem ou emoção específica” (Eisner, 2010 p. 24).

44
Isso é visto, por exemplo, na caminhada de Rorschach a seguir, em Watchmen
(1986). O leitor tem ideia da duração de uma caminhada, e de como se sente ao
caminhar em uma chuva. Com isso, a passagem do tempo está ligada a duração da
caminhada. O leitor cria uma empatia com a cena.

Watchmen (1986)

Dessa maneira, nesse panorama histórico e na breve análise das duas obras, se
verifica a confirmação do pensamento de McCloud (2005), ao pontuar que as histórias
em quadrinhos estão em constante evolução. Watchmen (1986) segue uma linha
criativa em conformidade com o período de questionamento do gênero de super-heróis.
E essa oposição da linha criativa dos quadrinhos pode ser atribuída ao movimento
underground. Isso se refletiu também em Asterios Polyp (2009), que conta com um
enredo que em nada se parece com histórias de super-heróis. Além disso, sua estética
também está na contramão do mainstrean por se aproximar mais do conceito das
fanzines.
Muito se modificou desde os desenhos no interior das cavernas, até o que se vê
atualmente nos quadrinhos on-line. Só que, mais importante do que a mídia no qual a
narrativa gráfica é mostrada, esse trabalho se preocupa em evidenciar o impacto do
tempo na forma de se contar visualmente, histórias por meio dos quadrinhos. A

45
abordagem preferencial dos elementos visuais que constroem os quadrinhos dada a
esse capítulo, reflete esse interesse em focar a análise comparativa das duas obras, na
porção imagética das histórias em quadrinhos.

4. DESIGN GRÁFICO

4.1. CONCEITOS E RELAÇÃO DO DESIGN COM OS QUADRINHOS.

Segundo a Associação dos Designers Gráficos do Brasil, a ADG, “O design


gráfico é um processo técnico e criativo que utiliza imagens e textos para comunicar
mensagens, idéias e conceitos, com objetivos comerciais ou de fundo social.”8
Já para Timothy Samara, o design gráfico usa cores, formas e tipos para
representar visualmente uma ideia, ou condensar um conjunto de ideias. O autor afirma
ainda, que a disciplina tem objetivo de “informar sobre mercadorias, serviços, eventos
ou ideias que alguém acredita ser de interesse do público”. E complementa, que o
design gráfico “busca simplesmente esclarecer a mensagem e transformá-la em uma
experiência emocional”. (SAMARA, 2010 p.6).
De ambas definições, nota-se que o ponto em comum é que o design gráfico é
visto como uma ferramenta de comunicação, já que, por meio do design, se transmite
uma mensagem. Além disso, nota-se que é uma função importante dessa disciplina,
dar forma e visualidade à um conteúdo ou a um conceito. No entanto, Samara (2010)
adiciona uma variável importante, da subjetividade. Isso aproxima o design da
narração, porque atuar na esfera dos sentimentos pode fazer o espectador aumentar
seu envolvimento pela história.
A verdade, porém, é que quando se fala na função, o design gráfico é
frequentemente associado ao mundo corporativo. É tido como uma “poderosa
ferramenta estratégica a que podem recorrer as empresas a fim de conquistar uma
vantagem competitiva.” (RAND, 1987 p. 77). Apesar dessa estreita relação com os
negócios, o design está a serviço de uma grande gama de utilidades.

8
Associação dos Designers Gráficos do Brasil. Disponível em http://www.adg.org.br/institucional/apresentacao -
acesso em 28/09/2016

46
Para promover um olhar mais holístico em relação ao assunto, recorre-se a uma
definição mais ampla, da qual é possível vislumbrar esse amplo espectro das
possibilidades do design. Para o designer Paul Rand, a disciplina se possui a função
de:
Entender o significado do design é compreender os papéis que a
forma e o conteúdo desempenham e perceber que o design
também é comentário, opinião, ponto de vista e responsabilidade
social. Criar um design é formatar ou mesmo editar; é acrescentar
valor e significado, é iluminar, simplificar, esclarecer, modificar,
dignificar, dramatizar persuadir e até mesmo entreter. Design, em
inglês, é tanto um verbo como um substantivo. É o início e o fim, o
processo e o produto da imaginação. (RAND, 2004, apud
SAMARA, 2010, p.6)

Nas histórias em quadrinhos, tanto a forma quanto o conteúdo estão a serviço


da história a ser contada. Se o texto constitui as falas dos personagens e participações
do narrador, os elementos gráficos, ou seja, as imagens, cores e tipografias devem
suportar essa porção verbal e contribuir para o contexto da história, quando não há
palavras. Por isso, nos quadrinhos, o design pode contribuir para a dramatização do
texto
Stolfi (2008) aproxima mais a definição de design dos quadrinhos, ao explicar a
relação do design gráfico com a palavra, por meio de uma analogia com o teatro. O
ator enriquece o texto do roteiro com significados, por intermédio de sua atuação, como
por exemplo, quando faz uso de gestos ou modula sua entonação. Para a autora, a
contribuição do design gráfico para o texto é similar. O design pode estimular a leitura
de um texto, por despertar emoções no leitor e por conduzir a interpretação pelo viés
emocional.
Essa concepção de uso do design não poderia ser mais adequada ao
entendimento de seu uso nos quadrinhos, visto que, o componente visual também tem
o objetivo de despertar emoções no leitor, e adicionar subjetividade às falas dos
balões. (MCCLOUD, 2005). Personagens desenhados nas histórias em quadrinhos
podem ser vistos como uma representação visual das falas, interpretam o roteiro, e
fornecem novas possibilidades subjetivas às falas dos balões.
Sobre isso, Pereira (2012) relaciona a poesia, enquanto arte, com o design; e
exalta a capacidade dessa disciplina em se comportar como uma linguagem conotativa.

47
Para o autor, a poesia e o design compartilham o fato de não terem puramente função
comunicacional, ou seja, serem usadas apenas como meio para levar informação, mas
são uma forma de arte. A poesia transforma a palavra em algo além da escrita, pois
evoca imagens e sentimentos. E o design também o faz, pois sua construção
imagética, mesmo que entrelaçada com o roteiro, não tem uma interpretação única; e
constrói assim, mensagens abertas, que poderão ser entendidas de forma variável de
acordo com o repertório do leitor.
É interessante lembrar, que isso deve ser feito deliberadamente nas histórias em
quadrinhos, para interagir de forma adequada com a parte escrita. Quando feito dessa
forma, o design da página, dos quadrinhos, balões e dos personagens, enriquece o
roteiro estende a compreensão da narrativa, criando o que Eisner (2010 p.48) chamou
de “nível intelectual secundário”. Esse termo é exatamente a adição de conteúdo
simbólico à narrativa, estabelecendo relações entre o repertório do leitor e a história
contada.

48
Sandman Overture 2 (2014)

No exemplo acima, balões de fala com cores diferentes reforçam características


de identidade dos personagens que não foram explicitadas nos textos.

Nesse sentido, “o design também tem um importante papel de transcodificar textos em


linguagem visual” (STOLFI, 2008 p.10). Ou seja, por meio das representações gráficas,
é possível a transmissão de mensagens que não tem equivalentes na linguagem
escrita e falada.

4.2. ELEMENTOS DO DESIGN GRÁFICO


Para melhor estudar uma construção imagética, recomenda-se a decomposição
em partes básicas; e por isso, as duas graphic novels serão analisadas nessa lógica
(DONDIS, 2007). A ótica de análise da massa visual das obras, para esse estudo, será

49
a do design gráfico. Nota-se, que a grande maioria dos autores dessa disciplina
identificam alguns elementos básicos constituintes. Para padronizar o estudo, será
usada a concepção de Ambrose e Harris (2012), que identifica no design gráfico, 4
partes básicas fundamentais: tipografia, cor, imagem e layout. Sendo importante
lembrar ainda, que as definições dos autores sobre esses elementos serão
complementadas com pontos de vista de outros estudiosos no assunto.
Nesse sentido, esses elementos serão identificados na amostra colhida de
Watchmen (1989) e Asterios Polyp (2009), e tidos como unidades básicas da análise
comparativa. A partir dessa etapa, será avaliada a relação da porção visual das
histórias em quadrinhos, com a construção da narrativa.

4.2.1. Tipografia
Segundo Ambrose e Harris, a tipografia “é o meio pelo qual uma ideia escrita
recebe uma forma visual.” (AMBROSE; HARRIS, 2012). Os diferentes desenhos de
tipos despertam os mais diversos sentimentos no leitor. Assim, a tipografia dá forma ao
texto e proporciona enriquecimento de seu significado, já que, por meio do uso
adequado, pode passar mensagens conotativas e não sacrificar a legibilidade.
(SAMARA, 2010).

Os tipos apresentam uma anatomia básica, descrita a seguir:

50
(LUPTON, 2006 p.32)

51
As variações anatômicas nessas estruturas, são responsáveis pela constituição
de diferentes famílias tipográficas. Já as mudanças no peso das fontes geram textos
negrito e de inclinação, em itálico. O texto em negrito é quando uma fonte é
representada com traço mais espesso do que da forma tradicional. Uma fonte em
negrito é dita mais densa e pesada. Deve-se esclarecer que para fazer um texto em
itálico, não basta inclinar as letras, como algumas programas de edição de imagem
fazem. A fonte em itálico tem seu diferencial no fato de se assemelhar com a letra
escrita a mão. Logo, quando se diz que uma família de fontes apresenta itálico, o
alfabeto foi redesenhado com a inclinação necessária, respeitando-se a anatomia da
fonte. (AMBROSE; HARRIS, 2012).
Uma características histórica é que o tipo foi usado como uma ferramenta para
fazer com que os quadrinhos fossem reconhecidos como uma arte a ser levada sério, e
não só como entretenimento infantil. No início da década de 70, Blackmark, de Gil
Kane, com o intuito de aproximar sua obra dos livros, o autor substituiu a tipografia
tradicionalmente usada nos quadrinhos por um tipo próximo ao da máquina de
escrever.

(GIL KANE, 1971)

52
Nos quadrinhos, verifica-se que um balão direcionado a um personagem não é o
único meio de atribuir-lhe uma fala. O uso de uma tipografia diferente para o
personagem também passa mais individualidade e reforça suas características
pessoais. Em Batman: Arkham Asylum (1989), por exemplo, o autor usa uma tipografia
decorativa, para o personagem Coringa, com uma anatomia que remete a manchas de
sangue. Por meio desse artifício, forma-se, por meio da imagem, um conceito de som e
timbre de voz. Cria-se uma ideia de voz deturpada pela insanidade do personagem.

(Batman: Arkham Asylum, 1989)

53
Um caso à parte no uso da tipografia nas histórias em quadrinhos é a
representação de sons. As onomatopeias apresentam particularidades, pois segundo
Ramos (2016), não existe regras para a elaboração de onomatopeias. Isso porque, “o
ruído, nos quadrinhos, mais do que sonoro, é visual” (CIRNE, 1970, apud RAMOS,
2016, p.78). Soma-se a essa liberdade de interpretação visual do som, o fato de que o
autor pode usar a onomatopeia para representar um movimento, funcionando como
uma “linha cinéitca” (RAMOS, 2016, p.81).

Onomatopeia marcando movimento, na série American Flagg (1980) (RAMOS, 2016)

4.2.2.Cor
Para Ambrose e Harris, a cor “acrescenta dinamismo a um design, atrai a atenção e
pode produzir reações emocionais.” (AMBROSE; HARRIS, 2012 p.117). Pode ser
usada como elemento discriminatório, ou seja, separa categoria de informações em
categorias hierárquicas. Além de apresentar uma característica visual física, decorrente
do comprimento de onda de cada cor, também possui uma dimensão psicológica, que
varia de acordo com o repertório cultural do interlocutor e do produtor da mensagem.
Essa propriedade possibilita ao designer despertar reações emotivas no
receptor, e indubitavelmente, pode ser usada na narrativa gráfica para gerar empatia

54
no leitor. Por exemplo, cores quentes, mais próximas ao espectro do vermelho e do
amarelo, são associadas a uma gama de sentimentos (como alegria ou sensualidade);
como as que foram usadas em Ultimate Spider-man (2005), que retrata um beijo. E já
as cores frias, das quais fazem parte tons de azul e verde, fazem referência a outro
grupo de emoções (tristeza, calma e tranquilidade, por exemplo); como utilizado em
Batman: Ano Um (1989), que retrata a morte dos pais do personagem, e, portanto,
transmite uma atmosfera fúnebre e melancólica. (AMBROSE; HARRIS, 2012)

Ultimate Spider-Man (2005)

55
Batman: Ano Um (1987)

A cor pode ser controlada por meio da interferência na matiz, valor e saturação.
Matiz é a identidade da cor, se relaciona diretamente com a propriedade ondulatória da
cor, ou seja, seu comprimento de onda. Mudar a matiz, significa trocar a cor. Valor diz
respeito ao brilho ou ofuscamento da matiz. Sua alteração ocorre com a adição de
branco à matiz, mais brilho, ou seja, valor alto; ou adição de preto, que significa menos
brilho e portanto, valor baixo. Já saturação diz respeito à quantidade de cinza
adicionada a cor. Cores saturadas são puras, já as que possuem uma saturação menor
são adicionadas de cinza, ficam pálidas e suaves. (AMBROSE; HARRIS, 2012)
Nas histórias em quadrinhos, o uso da cor como meio para despertar emoções
no leitor veio somente com o desenvolvimento da tecnologia. Nas histórias de super-
heróis, principalmente da primeira metade do século XX, eram usadas cores
extremamente saturadas, principalmente por causa da baixa qualidade do papel de
impressão na época. A função dessas cores era mais delimitar as formas e separar as
figuras do fundo, do que ter função simbólica. (MCCLOUD, 2005)

56
A imagem anterior exemplifica o uso da cor como recurso de destacar formas.
(MCCLOUD, 2005, p.188)
Por isso os quadrinhos de heróis eram quase sempre coloridos com cores
primarias gritantes. A evolução de impressão e do papel permitiu maior refinamento no
uso das cores, e representar cenas com variações leves de matiz, valor e saturação.
No entanto, um aspecto importante sobre as obras analisadas, é que Watchmen
(1986), apesar de abordar a temática do herói, não se enquadra no grupo das
publicações de gibis mensais de grandes editoras, que trabalham com heróis
consagrados, como Batman, Superman, dentre outros. E ainda, mesmo tendo sido feita
depois do progresso nos meios de impressão, monta uma composição que diverge dos
outros trabalhos que lhe são contemporâneos, e que fazem parte do grupo de Graphic
Novels. Adota sim, uma paleta mais em conformidade com as antigas histórias de
heróis pós Segunda Guerra, e com a produção de gibis da época, conforme visto a
seguir.

57
Superman, década de 40

58
Superman, década de 80

Watchmen (1986)

É importante lembrar, que isso contribuiu de forma significativa para o impacto


que Watchmen(1986) representou nas narrativas de super-heróis. Já que se tratou de
uma história com o teor e enredo de desconstrução do gênero, com heróis decadentes
e desacreditados, com a estética do período áureo desse tipo de histórias.
Outro ponto digno de nota é o fato de Asterios Polyp (2009), apesar de ser feita
em pleno século XXI, não faz uso de um esquema refinado de cores. A obra foi
construída com o uso principal das cores ciano, magenta e amarelo. Sendo comum,
também, o violeta, mas por meio da sobreposição do magenta com o ciano. Isso fica
claro no título da graphic novel, logo na capa. Essa característica, ao contrário de
Watchmen(1986), mais do que alusão histórica, é usada como uma ferramenta para

59
narrativa. No geral, quando narra um momento ocorrido no passado, Asterios é
representado pela cor ciano, Hanna pela cor magenta. E no presente, a cor amarela é
adicionada e o verde aparece apenas no final. É interessante notar, que o sistema de
cor na obra é bem simples, contendo basicamente o ciano, magenta e amarelo. Apesar
da ausência do preto, chama atenção para a semelhança com o sistema CMYK, que
tem seu nome proveniente das primeiras letras desses três cores, Cyan, Magenta,
Yellow, mais o preto, o B, de Black. É um sistema de cores pigmento, usadas com foco
em trabalhos impressos, e são chamadas primárias subtrativas. Isso por que quando
se combina o ciano, magenta e amarelo, forma-se o preto. (AMBROSE; HARRIS,
2012).

Letreiro da capa de Asterios Polyp (2009)

60
Cores diferentes para personagens em Asterios Polyp (2009)

4.2.3.Imagem
Tem a função de representar a identidade visual de um projeto, bem e além de
poder ser usada como uma forma de quebrar uma massa de texto, para equilibrar a
composição, é usada para dar dramaticidade a um trabalho gráfico. Existe uma forma
muito grande de se construir imagens, podendo ser, foto, desenho, construção por
meio de softwares, ou colagens usando-se uma ou mais técnicas combinadas. O que
se nota é que o uso da imagem “É eficaz por que comunicam rapidamente uma ideia
ou instrução, fornecem informações detalhadas ou transmitem uma sensação que o
leitor pode compreender com facilidade.” (AMBROSE; HARRIS, 2012 p.93)
Ambrose e Harris (2012) elencam as principais técnicas de se utilizar a imagem
em um trabalho gráfico. Pode ser usada a colagem, serigrafia, ilustração, colagem e
fotografia. Nas obras analisadas e nos quadrinhos em geral, a imagem é feita por meio
de desenhos. Conforme explicado no capítulo anterior, as características de estilo do
desenho são tais, que pode ser posicionado no interior do triângulo da representação,
proposto por McCloud (2005). Para o autor, existem três tipos básicos de formas de se
desenhar, que são os 3 vértices do triângulo. Trata-se do vértice da realidade, que
consiste de desenhos realistas e detalhados; plano das figuras, que se referem a
desenhos com menos detalhes, nos quais é fácil identificar figuras geométricas

61
básicas: o triângulo, o quadrado e o círculo. Trabalhos cubistas se aproximam desse
conceito. E por fim, o plano da linguagem, que consiste em ilustrações extremamente
simplificadas, com a máxima extração de detalhes. É composta apenas pelo
necessário para comunicar, pois carrega significados fornecidos pela convenção.
É importante destacar que a imagem pode ser usada de forma denotativa, ou
seja, representa o que literalmente o que imagem mostra. Já usada na forma
conotativa, a imagem oferece uma simbologia que vai além da interpretação
denotativa, aborda, assim, sentidos figurados. Conotativamente, a imagem pode
desempenhar função de metáfora, metonímia, símile, sinestesia, ou analogia.
(AMBROSE; HARRIS, 2012)
Metáfora é uma comparação implícita, é usada quando uma imagem apresenta
características similares ao objeto que ela representa. E essas características podem
ser não necessariamente palpáveis e exatas, mas resultado de uma interpretação do
designer que usou a imagem. Ocorre metáfora, por exemplo, quando se usa uma flor
para representar uma mulher. (AMBROSE; HARRIS, 2012)
Metonímia é o uso de uma parte para representar o todo, por exemplo, o Cristo
Redentor usado para representar o Rio de Janeiro. Símile é um tipo de comparação,
que na gramática, se constrói com o uso de comparativos “como”, “que nem”, “tal qual”
e outros. Já no uso das imagens, se faz com o uso de uma imagem para representar
uma categoria diferente. Por exemplo, um foto de uma planta sendo usada por sua
relação de símile com natureza. Ou uma imagem ampliada de uma pétala ondulada,
pode ser usada como símile de odor, no qual as ondulações representam o fluxo da
fragrância pelo ar. Nesse caso temos também uma sinestesia, que é a mistura de
sentidos. No exemplo anterior, a imagem de pétala remetendo a odor. (AMBROSE;
HARRIS, 2012)
Na analogia, por sua vez, uma imagem é usada pela sua correspondência com o
elemento a que ela quer se comparar e evocar. É quando o designer quer estabelecer
uma relação de aproximação entre a imagem e um outro conceito. Por exemplo, se o
que se busca é representar imageticamente uma situação sem saída, pode-se usar a
imagem de uma camisa de força. Claro, uma analogia bem feita exige que o receptor
da imagem partilhe de conceitos do designer. No caso hipotético anterior, se o

62
expectador da imagem não souber o que é uma camisa de força, a analogia não se
forma. (AMBROSE; HARRIS, 2012)
Deve-se lembrar que a mensagem e a construção da narrativa se dá por meio
de um de conceitos comuns, entre o artista e o leitor, e ocorre pela noção do
estereótipo. Nesse raciocínio, o autor, ilustra, por exemplo, um determinado rosto que é
interpretado como sendo de contentamento, ou mal estar; graças a esse repertório
compartilhado. (EISNER, 2010)

(EISNER, 2010 p.112)

4.2.4.Layout
Trata-se da organização de todos os elementos do design dentro do espaço de
um projeto. Montar um layout significa estruturar uma composição com elementos
imagético e textual, levando em conta alinhamento, espaço, simetria e contraste, tudo
isso com o objetivo de influenciar na navegabilidade visual do leitor por todas as
informações do trabalho (AMBROSE; HARRIS, 2012)

A ideia de composição visual remete, inevitavelmente à teoria da Gestalt. Trata-


se de uma teoria da psicologia, fundada no fim do século XIX, que por meio de
experimentos e observações concluiu que o sistema nervoso humano prioriza a
percepção de padrões gerais. (GOMES FILHO, 2009) Vemos, antes de elementos
separados, relações entre componentes, que foram inclusive, catalogadas em 8 leis
básicas: Unidade, segregação, unificação, fechamento, continuidade, proximidade,
semelhança, e a pregnância da forma. Essa última é a Lei Básica da Percepção Visual

63
da Gestalt. Segundo essa lei, uma composição com alta pregnância “tende
espontaneamente para uma estrutura mais simples, mais equilibrada, mais homogênea
e regular. Apresenta um máximo de harmonia, unificação, clareza formal e um mínimo
de complicação visual (...)”. (GOMES FILHO, 2009, p.36).
Nos quadrinhos, a pregnância alta pode ocorrer quando os elementos que os
compõe, como desenhos, balões, onomatopeias e estruturas de quadros, são
facilmente identificados, e permite ao leitor navegar pela página mantendo o fluxo da
narrativa. Nesse conceito aplicado, a pregnância está a serviço da leitura fluida, como
vemos a seguir.

64
Watchmen (1986)

No entanto, usar uma baixa pregnância compositiva pode ser um recurso para
manter o leitor mais tempo na página. A falta de clareza pode ser usada a serviço da
história contada, como na sequência de Asterios Polyp (2009), intitulada “Abstrações”.
Nesse caso, a heterogeneidade e a quebra da estrutura tradicional de quadros, busca
aproximar o leitor do raciocínio do raciocínio abstrato, conforme visto na imagem
seguinte.

65
Asterios Polyp (2009)

Nos quadrinhos, essa composição é formada pela organização dos quadros e balões.
Em Watchmen (1986) isso é feito na forma tradicional, com desenhos sendo
delimitados pela moldura dos quadros. Já em Asterios Polyp (2009), a composição usa
muitos espaços negativos (em branco), e nem sempre os personagens ou balões de
fala respeitam as delimitações dos quadros. Isso ocorre em função do período em que
cada história foi desenvolvida.

66
4.3.CONTEXTO HISTÓRICO DAS OBRAS ANALISADAS.

Para uma melhor analise das duas obras, é importante apresentar um breve
panorama histórico da produção gráfica das respectivas épocas em que as graphic
novels foram escritas.
O design gráfico surgiu junto com a propaganda, no período da Revolução
Industrial no fim do século XVIII. Nesse período inicial, poucos estudos foram
produzidos sobre o assunto, sendo que, um dos primeiros materiais, tido como
pertencente à teoria do design é o manifesto futurista de Marinetti. Nele há a inspiração
no movimento das máquinas e busca-se a desconstrução formal do texto, até então
apresentado pela literatura da época. (ARMSTRONG, 2015)
No período que se seguiu à Revolução Industrial, a teoria do design refletia a
influência dos conceitos de utilidade da indústria. Pensar e produzir o design eram
atividades muito mais impregnadas de concepções atreladas à engenharia do que à
arte. Nesse sentido, exaltava-se a cientificidade do designer. A produção gráfica
deveria ser imparcial, sem que aparecessem indícios do autor. Um grande
representante dessa concepção foi a escola de Bauhaus. Fundada na Alemanha, tinha
como um dos principais estímulos intelectuais, encontrar uma linguagem visual
extremamente elementar e universal, da qual não se pudesse simplificar mais nada.
(LUPTON; MILLER, 2008)
É importante salientar que, no início, o design geral, e não só o gráfico, foi muito
impactado pela relação de forma e função definida por Louis Sullivan (1896), em seu
texto The Tall Office Building Artistically Considered. Nesse trabalho, a autora afirma
que “(...) form ever follows function, and this is the law. Where function does not change
form does not change.” (SULLIVAN, 1896 p.2), ou seja, a forma deveria acompanhar a
função. Assim, a produção de design estava submetida à constituição interna dos
produtos e textos, sob o risco que, do contrário, o objeto não fosse adequado à sua
utilidade, no caso do design de produto e mobiliário; ou o conteúdo não fosse
assimilado adequadamente, no caso do design gráfico.
A partir da década de 20, iniciou-se uma mudança no cenário do design gráfico,
pois o texto voltado para a publicidade começou a ser pensado levando em

67
consideração a subjetividade e o receptor da mensagem. O domínio dos sistemas de
grids, que remetiam ao engessamento do período industrial começou a ruir. Os
excessos gráficos da época foram substituídos pelo minimalismo suíço da escola de
Basel. Essa escola pregava também a experimentação tipográfica e contextação das
regras impostas à criação. (ARMSTRONG, 2015)
Isso culminou no surgimento, no fim da década de 80 no New Wave, que
consistiu no design gráfico usado como provocação. A produção era completamente
avessa aos limites de sistemas tipográficos suíços, e sofria influências do cubismo e da
abstração, adotando, por exemplo, a estética da colagem. Uma característica
importante foi a multidisciplinaridade. Nos trabalho produzidos não se identificava
facilmente influências da Bauhaus ou Basel, já que seus autores pertenciam às artes
plásticas, fotografia ou mesmo literatura. (MCCOY, 1988)
Dentre as características que mais impactam na produção do design atual é a
renovação pela inspiração no trabalho artesanal e a preocupação com o meio ambiente
e sustentabilidade. A internet reestruturou a forma de trabalho do designer,
possibilitando o home office, mas mantendo o trabalho no nível globalizado.
(ARMSTRONG, 2015)

4.3.1.Década de 80
O design gráfico a partir de 1980 tinha frequentemente em sua produção a
exploração da diversidade de texturas, padronagens e cores. Além disso, as formas
geométricas eram exploradas de forma intuitiva e livre, ao contrário da racionalidade
com que os designers da Bauhaus o faziam. Foi nesse período também que a forma
deixou, definitivamente de acompanhar a função, passando inclusive, a ser razão de
existência de alguns projetos. (MEGGS; PURVIS, 2009)
Em 1984, surgiu o Macintosh, o primeiro computador pessoal da Apple. Foi um
dos pioneiros na computação para uso doméstico, e revolucionou a interface
software/hardware, com a introdução do mouse. Isso, junto com os primeiros
programas de pintura digital e o conceito de imagem digital, com o bitmap,
proporcionaram as primeiras experimentações no campo gráfico. (MEGGS; PURVIS,
2009).

68
Um outro aspecto importante, foi que na década de 80, os designers
aprofundaram os estudos e compreensão de suas origens, e por isso, passaram a
apreciar sua história. Surgiu assim, o movimento retrô, iniciado em Nova York, buscava
inspiração no passado, para produzir trabalhos de estética renovada. (MEGGS;
PURVIS, 2009).
Foi assim, um período de grande efervescência no campo do design, no entanto,
não se pode deixar de citar a relevância da década de 80 para o cenário geopolítico
atual. Nessa época a Guerra Fria, alcançou grandes picos de tensão. Esse período
consistiu no mundo bipolarizado entre capitalismo, cujo país líder era os Estados
Unidos, e o comunismo, liderado pela União Soviética. O que despertava grande
incerteza nessa época foi o temor de uma guerra mundial nuclear, já que essas duas
potências tinham esse tipo de armamentos.(VICENTINO, 2004)
Essa tensão foi usada em Watchmen (1989) e personificada nessa graphic
novel, pelo personagem Dr Manhattan. Trata-se de um cientista que foi superexposto a
uma grande dose de radiação e teve seu corpo transformado em fonte de energia
nuclear. Seu temperamento também mudou, e embora não tenha perdido
completamente a humanidade, o acidente impactou na sua sensibilidade. Outro ponto
digno de nota é o medo que o Dr Manhattan desperta nos personagens humanos, bem
como o risco de desenvolvimento de câncer em decorrência de um convívio prolongado
com ele.
Para contextualizar os conceitos históricos e gráficos apresentados até aqui,
seguem algumas imagens de produções da época. É válido lembrar, que não cabe a
esse trabalho, estabelecer uma análise entre entre os trabalhos dos períodos, mas
apenas construir uma breve contextualização das épocas em que Watchmen (1986) e
Asterios Polyp (2009) se inserem.

69
Macintosh de 1984

Logo da Apple na década de 80

70
71
4.3.2. Anos 2000
Nesse período consolidou-se no design gráfico o uso do computador. Embora o
pensamento esteja aberto a múltiplas influências, incluindo o trabalho artesanal, o mais
comum é que a finalização do projeto seja feito em softwares e meio digital.
(ARMSTRONG, 2015)

72
Na virada do século XX para o XXI, a principal mudança é inversão completa do antigo
valor de despersonalização do trabalho gráfico, vigente no período da Revolução
Industrial, quando o design se formou. Na passagem para o século XXI, os designers,
antes tidos exclusivamente como prestadores de serviços, buscaram para si a
característica de autores gráficos. Se afastaram de uma linguagem universal, e
procuram se reinventar, encontrando estílos únicos. (ARMSTRONG, 2015).
Essa busca por um trabalho mais autoral também é notada nos quadrinhos.
David Mazzuchelli, em Asterios Polipy (2009) não buscou se veicular à nenhuma
editora específica da indústria dos quadrinhos. Tal qual ocorreu no design gráfico, o
autor busca o estabelecimento de sua própria voz na obra que desenvolve.
Não se pode deixar de citar, o papel da pós-modernidade como importante
balizador na produção de sentidos, tanto na primeira década dos anos 2000, como
atualmente. Terminologicamente, pós-modernidade foi usada pela primeira vez
associada ao movimento artístico, surgido pós Segunda Guerra, e caracterizada pela
mescla de técnicas artísticas clássicas e modernas, bem como a linguagem do vídeo
clipe.
É bem verdade, que essa linguagem se originou na década de 80, no canal
MTV, porém, só nos anos 2000 que alcançou seu auge na transgressão da
narratividade. Oliva comenta que nesse período “o videoclipe entra no universo da
musica.eletrônica, projetando paisagens visuais por meio de imagem fractais,
ganhando novos contornos diante das possibilidade da arte tecnológica.” (OLIVA, 2013
p.9). Essa linguagem influenciou uma ruptura na linearidade da narração, e assim, a
subjetividade e a fragmentação marcaram a forma de se contar histórias.
Já no contexto social e comportamental, nota-se que algumas características
marcantes da pós-modernidade, são, indivíduos centrados no próprio prazer
(hedonismo), muita informação disponível, negação de autoridade e instituições
tradicionais, como família, igreja e governo, conflito de identidade, bem como
mudanças aceleradas. (GRACIOSO, 2008).

Abaixo, seguem algumas imagens de produções da primeira década dos anos


2000.

73
IMac de 2007

Logo da Apple de 2008 até o momento atual

74
75
Nota-se assim, que usar a lógica de elementos básicos que constituem o design
gráfico contribui para delimitar focos de estudo para comparar elementos entre as duas
obras analisadas. Além disso, em função da diferença cronológica entre Watchmen
(1986) e Asterios Polyp (2009), as obras estão inseridas em contextos culturais
diferentes, que refletem nas expressões gráficas de cada uma. Ou seja, o zeitgeist, que
é exatamente a conjuntura intelectual e cultural, interfere na expressão visual de cada
época.

76
5. SEMIÓTICA

5.1. LIBERAÇÃO DO TEXTO EM RELAÇÃO AO OBJETO

O mundo apresenta muitas informações, das mais variadas categorias, desde


objetos e vitrines, a filmes ou informações produzidas em uma conversa. Analisar essa
realidade que se apresenta aos sentidos, significa lançar um olhar sobre todos esses
fenômenos. No entanto, abordar esse mundo sensível, com todo o leque de qualidades
disponíveis ao olhar é muito complexo, principalmente sem uma diretriz epistemológica
adequada. Nesse contexto que a semiótica se aplica, ou seja, como uma metodologia
que se propõe a organizar a analise dessa realidade de fenômenos. ( SANTAELLA,
2002)
É importante destacar disso tudo, que não só os aspectos materias do ambiente
apreensível são foco de estudo da semiótica, a informação fabricada pelo homem
também faz parte do universo fenomenológico. A convivência do ser humano em
sociedade fez surgir, desde o homem primitivo, a necessidade de comunicar. E
independente de se dar pela forma visual ou sonora, a comunicação acontece pela
transmissão de signos, e se estabelece na forma da linguagem. (SANTAELLA, 2002)
Nessa lógica, nota-se, no que se refere à imagens, que “o mundo das imagens
se divide em dois domínios. O primeiro é o domínio das imagens como representação
visuais: desenhos, pinturas, infográficas. [...] O segundo é o domínio imaterial das
imagens na nossa mente.” (NÖTH; SANTAELLA, 2015 p15). A autora destaca que um
não existe sem o outro, havendo inclusive um certo impasse de gênese entre esses
dois termos.
Verifica-se, que essa concepção da autora Lúcia Santaella, é embasada
predominantemente na teoria de Charles Pierce, cujo ponto de vista para a
interpretação das significações leva em consideração o objeto, material ou não, que
gerou a representação. Para Pierce, um objeto é apreendido pelos sentidos,
interpretado e posteriormente representado pelo sujeito. A essa forma do objeto pós
interpretação, da-se o nome de signo. Daí nasceu a concepção da tríade semiótica de
Pierce, que diagrama a representação dos fenômenos em um triângulo, composto por

77
objeto, signo e interpretante. O interpretante é quem recebe a mensagem e interpreta o
signo. Ele é uma variável importante, pois segundo Santaella, “é só na relação com o
interpretante que o signo completa sua ação como signo” (SANTAELLA, 2012). Nota-
se que se trata de uma teoria semiótica que leva em conta a coisa representada, o
objeto, e por isso, entra no grupo dos semânticos realistas.
No entanto, para Saussure, em seu estudo da linguística, essa composição não
seguiria uma estrutura de tríade, mas de dupla. O autor usa a linguagem escrita e
falada na construção de seu conceito. Para o autor, há a presença da imagem acústica
de um som, chamado significante, e o seu conceito, chamado de significado. É óbvio
que essa conceituação é influenciada pelo fato do campo de estudo do autor ser o da
linguística, porém, é importante notar que ele desconsidera o elemento físico, o som
em si; e também deixa de lado o objeto de origem, que motivou a nominação e
expressão pela fala, ou seja, via sonora. O autor completa “o signo linguístico une não
uma coisa e uma palavra, mas um conceito e uma imagem acústica” (SAUSSURE,
2012 p.106).
Esse raciocínio é a base para a compreensão de que não existe objeto. Claro,
não no sentido literal. Mas o que ocorre, é que Saussure leva em conta a primazia da
mente em relação ao mundo sensível. O objeto puro, literal e bruto, na realidade não é
transmitido tal qual se apresenta, mas sim, é apreendido pelos sentidos, processado
pelo intelecto, e transformado em signo. Para ficar mais claro, não existe objeto, mas a
impressão do objeto. Essa concepção é o ponto em comum com a teoria Pierceana,
que também destacava o papel do sujeito interpretante na decodificação do signo.
(SAUSSURE, 2012)
É válido lembrar que, o signo, chamado por Saussure de signo linguístico difere
do signo pierceano, pois se trata de uma entidade composta por imagem acústica e
conceito, respectivamente, significante e significado. Esses dois últimos termos são
também mais amplos, já que compreende a representação da imagem, e não apenas
da palavra. A fim de evitar confusão, e facilitar o entendimento, é importante deixar
claro que nesse artigo, a terminologia ‘signo’ será usada para designar a representação
de um conteúdo real ou objeto. Ou seja, a palavra ‘signo’ será usada como sinônimo da
palavra ‘significante’, saussuriana.

78
Derrida (1967), citado por Santaella e Noth (2015) corrobora com a concepção
de relegar o objeto a um plano menor, em relação a sua representação e interpretação.
Afirma que o objeto real foi imaginado e só então representado na forma de signo.
Assim, já aí, existe modificação. E quando um outro observador/ouvinte pega o que foi
feito inicialmente por outro interpretante (pessoa que interpreta o objeto) e o reproduz,
mesmo que com intenção de fidelidade, existe outra mudança. Não na forma de
representar o signo (ou significante), mas no significado que esse signo tem para esse
outro indivíduo (como ele imaginou o que já tinha sido imaginado antes, para a
construção de um signo). (NÖTH; SANTAELLA, 2015)

5.2.SEMIÓTICA DISCURSIVA

Compreender a concepção da dupla significado/ significante, é fundamental para


entender a abordagem da semiótica sincrética, que também desconsidera o objeto.
Isso ocorre principalmente, porque seu objeto de estudo, não é, em tese, um objeto
bruto observado na natureza, mas um discurso, algo produzido pelo ser humano, fruto
de um trabalho intelectual. Um discurso é um significante, e ele não apresenta,
semelhança com nenhum objeto anterior, que porventura tenha sido usado como base
para sua elaboração. Na ótica de seus constituintes, o que existe no discurso é um
conjunto de elementos sintáticos, que formam uma cadeia de signos, e essa vista como
um todo, constitui um produto com qualidades semânticas. (FIORIN, 2016)
Deve-se compreender, no entanto, que o discurso é desempenhado por uma
linguagem, e que nem sempre o discurso é constituído de apenas uma linguagem.
E por linguagem, entende-se uma “forma de interação e nos comunicamos, por
enunciados concretos, orais ou escritos, materializados via gêneros discursivos, dentro
de alguma esfera de atividade humana.” (MIQUELETTI; SCOPARO, 2013 p.2)
Quando ocorrem superposições de formas de expressão heterogêneas, que
passam a funcionar como uma só, fala-se na existência da semiótica sincrética.
(FIORIN, 2009). É exatamente isso que acontece nos quadrinhos, já que é composto
por palavras e imagens, ou seja, o sincretismo entre a linguagem verbal e visual; que

79
por sua vez, forma a narrativa. E a composição formada por essa dupla que “confere
ao gênero flexibilidade temática e estilística” (DISCINI, 2009 p.185)
O caráter sincrético da linguagem dos quadrinhos é facilmente verificado quando
se nota os diferentes valores semânticos atribuídos a uma fala em um balão, quando
ela está se relacionando com diferentes ilustrações. Um desenho pode, assim,
proporcionar um dado direcionamento emotivo a um texto. Isso pode ser visto no
exemplo seguinte, no qual a mesma fala assume significações diferentes de acordo
com o rosto ilustrado.

(EISNER, 2010 p.113)

80
Sobre as origens dessa teoria, Morato pontua que a semiótica sincrética é “de
linha francesa, também conhecida como semiótica textual ou greimasiana, que tem
esse nome devido ao seu fundador, o lituano Algirdas Julien Greimas” (MORATO, 2010
p.2).
Para dimensionar a importância da semiótica sincrética como metodologia de
interpretação do discurso, nota-se que o sincretismo está mais presente no cotidiano
do que se pensa. Já que mesmo na conversa cotidiana, que aparentemente é formada
só pela linguagem verbal, há também a presença do que Migueletti e Scoparo
chamaram de “comunicação paralinguística”. Ou seja, a fala nunca se manifesta
sozinha, mas vem acompanhada de gestos e entonações. A fusão, ou sincretismo dos
dois proporciona uma experiência diferende dos dois ocorrendo isoladamente.
(MIQUELETTI; SCOPARO, 2013)
Disso tudo, é fundamental esclarecer que a base da semiótica sincrética tem
influência de dois autores, Saussure e Louis Hjelmslev. “De Saussure, a teoria
greimasiana herdou clássica dicotomia significante e significado, e de Hjelmslev a
também dicotomia conteúdo e expressão” (MORATO, 2010 p.2).
A influência de Ferdinand Saussure já foi abordada, e fornece a base conjectural
mais primordial ao sincretismo, já que para Greimas, o discurso fornece a base para
que seja feita a sua própria análise.
E é na “busca por tornar explícitos os mecanismos implícitos do texto” (FIORIN,
2016 p.10) que se verifica a influência do conceitos conteúdo e expressão, de
Hjelmslev. O plano da expressão, definido por Hjelmslev, foi assimilado à teoria da
semiótica greimasiana como as diferentes formas de se transmitir o conteúdo. Uma
história pode ser contada de formas diferentes, por meio de um livro, filme ou teatro.
Essas são formas de expressões. (FIORIN, 2016)
Já o plano do conteúdo de um discurso tem formação na estrutura básica,
composta pela sucessão de 3 patamares: nível Fundamental, nível narrativo e nível
discursivo. O fluxo da narrativa percorre hierarquicamente esses 3 níveis, do mais
profundo e elementar, o fundamenta, ao mais próximo do interlocutor, o discursivo;
passando, obviamente, pelo nível narrativo, que é o intermediário. É importante

81
lembrar, que o texto é justamente o conjunto de plano do conteúdo e da expressão
(FIORIN, 2016)

5.2.1.Nível fundamental

É a parte mais elementar e abstrato, na qual se localizam as oposições


semânticas que fundam de forma mais geral os conteúdos do texto. A análise se dá
pela oposição de dois conceitos-chave com relação de contrariedade. E o raciocínio
base de análise usado nesse nível é composto por oposição de termos pela lógica.
(MORATTO, 2010)
Por exemplo, a oposição de herói e vilão; e os equivalentes que apresentam
entre si, que apresentam relação de contraditoriedade, não-herói e não-vilão. Assim,
herói e vilão são contrários, e herói e não-herói são contraditórios. Sendo que não-herói
e não-vilão também são contrários entre si, mas para não gerar confusão com a
relação herói/vilão, serão tratados como subcontrários. Já herói e não-vilão, não são
sinônimos, mas são complementares, assim como vilão e não-herói. (RABELLO, 2016)
O raciocínio desse conceito de oposições é que o não-herói não significa ser um
vilão. É o que se verifica, por exemplo, no caso do Comediante, de Watchmen (1986).
Esse personagem não exerce um papel de vilania na trama, porém não se pode afirmar
que o Comediante é um herói. Ele cumpre seu papel de manutenção da ordem e
contenção de violência, no entanto, utiliza métodos muitas vezes violentos. É um
personagem, que nessa lógica, não-herói.
Outro conceito conceito desse nível, é que o discurso semiótico fundamental
representado por essas duas dicotomias (contrariedade e contraditoriedade) não é
estático. Há a transição de um valor até que se chegue ao seu contrário, e passando
pelo contraditório. Ainda tendo como base o exemplo anterior, seria como se, na
narrativa, um personagem que é um vilão se tornasse herói, mas não antes de passar
pelo estado de contraditoriedade, não-herói. Dependendo da forma como isso
acontece, fala-se em valores de euforia, ou seja positivo e disforia, valor negativo.
(FIORIN, 2016)

82
Deve-se destacar, no entanto, que “euforia e disforia não são valores
determinados pelo sistema axiológico do leitor, mas estão inscritos no texto”. (FIORIN,
2016 p.23). Dessa forma,os valores do interpretante vão estipular se algo é positivo ou
negativo. Além disso, euforia e disforia são conceitos que precisam ser relativizados
com relação ao texto que se analisa.
Por exemplo, quando se fala de um grande chefe do crime, que dá vantagens
aos seus opositores relação aos seus opositores, o heroísmo funciona como fator
disfórico. A ação benevolente pode lhe custar sua supremacia no mundo do crime.
É importante lembrar ainda, que a relação de todos esses elementos do nível
fundamental do discurso pode ser representada graficamente por meio do quadrado
semiótico. “O quadrado semiótico “constitui, assim, no nível profundo, a forma primeira
das estruturas que, num nível mais superficial, se desdobrarão em arquitetura
narrativa.” (BERTRAND, 2003, p. 179 apud MORATTO, 2010 p.4).

83
Adaptado de RABELO (2016)9

O primeiro quadrado é o modelo geral, o segundo é a aplicação dos contrários herói e


vilão, usados até aqui como exemplos.

9
Como fazer uma análise semiótica discursiva? Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=bMyZBKvHbGg Acesso dia 28/09/2016

84
5.2.2.Nível narrativo

Um ponto inicial importante, é que o nível narrativo, apesar do nome, pode se


manifestar na sintaxe de um discurso, mesmo quando não se trata de um texto do
gênero narrativo. Para Fiorin, no nível narrativo não se manifesta somente a história
contada, mas também a narratividade, que “diz respeito à transformação situada entre
dois estados sucessivos e diferentes.”(FIORIN, 2016 p.27)
O autor pontua que a narratividade é composta de narrativa mínima, que é a
transição de um estado inicial para um estado final. Destaca, que um discurso pode
conter mais de uma narrativa mínima, que funcionam como etapas que formam o todo.
E ainda, que nem sempre uma narrativa mínima é explícita. Quando se fala, a título de
exemplificação, em um herói que derrotou um vilão, a narrativa mínima que fica
subentendida é a que o cenário final de vitória de um e derrota do outro, pressupõe
uma batalha entre os dois. (FIORIN, 2016)
É no nível da narrativa, que se manifestam as interações do sujeito e do objeto.
Esses termos devem ser vistos como elementos sintáticos, e se referem
respectivamente ao agente da ação à quem a ação se dirige. Logo, sujeito não é
sinônimo de pessoa, muito menos objeto é de coisa. No universo de um conto infantil,
por exemplo, em que objetos inanimados ganham vida, uma coisa é o sujeito da
narrativa. (FIORIN, 2016)
Na semiótica sincrética, há ainda dois tipos de enunciado dentro da sintaxe
narrativa, que são os enunciados de estado e de fazer. Os enunciados de estado
estabelecem uma relação de união (junção) ou afastamento (disjunção) entre o sujeito
e o objeto. Quando se fala que um personagem se sacrificou para salvar uma pessoa,
pode-se dizer que ele entrou em junção com o heroísmo e em disjunção com a vilania.
Já os enunciados de fazer tratam de transformações, ou seja, das passagens de um
estado a outro. (RABELLO, 2016)
Dos enunciados de estado extrai-se dois tipos de narrativas mínimas, de
liquidação e de privação. Nas narrativa de liquidação há um início disjunto e um final
conjunto. O sujeito sai, por exemplo de um estado vilania e entra em conjunção com o

85
estado de herói. Nas narrativas de privação o início é conjunto e o final é disjunto. O
sujeito é privado de um fator positivo.(RABELLO, 2016)
No entanto, Fiorin destaca que os textos não são narrativas mínimas, sendo ao
contrário, narrativas complexas. E em todos os textos, essa narrativa segue a estrutura
geral, composta hierarquicamente por 4 fases (FIORIN, 2016):
- Manipulação: nesse estágio o sujeito age como manipulador, com a meta de
conseguir algo. Numa história, o personagem/manipulador pode alcançar seus
objetivos seguindo algumas formas pré determinadas de manipular: tentação,
intimidação, sedução, provocação.
- Competência: nesse estágio o sujeito reúne habilidades e ferramentas
necessárias à realização de sua tarefa na história.
- Performace: é o estágio em que o sujeito atua transformando o fluxo da
narrativa, e entra em conjunção ou disjunção com um objeto.
- Sanção: é a fase em que ocorre a constatação da mudança implementada pela
performace. Segundo Fiorin, nessa fase “distribuem-se os prêmios e catigos”
(FIORIN, 2016 p. 31)

É importante destacar, que essa estrutura apresenta variações. Segundo Fiorin


(2016), essas fases nem sempre aparecem bem arranjadas, e uma ou outra podem
ficar ocultas, podendo ficar subentendidas. É também levantado pelo autor, que não é
obrigatória a uma narrativa, realizar uma fase de forma completa. E ainda, que uma
fase pode ter importância diferente dentro do nível narrativo.
Deve-se esclarecer que nos objetos de análise, o tanto em Watchmen quanto em
Asterios Polyp,

5.2.3.Nível discursivo

É nele que a linguagem desenvolve sua estrutura mais superficial, e é o nível do


discurso que primeiro se apresenta para o interlocutor. Para Teixeira (2016), esse nível
pode ser compreendido pela observação minuciosa do texto a ser analisado.

86
Esse nível “recobre as estruturas narrativas abstratas, a partir de temas e figuras, além
de compreender as projeções da enunciação no enunciado (tempo, espaço e pessoa),
e as estratégias que o enunciador utiliza para persuadir o enunciatário acerca da sua
verdade.” (MIQUELETTI; SCOPARO, 2013 p.3)
Por exemplo, se no nível narrativo o sujeito entra em conjunção com o heroísmo,
no nível do discurso tem-se o personagem que se sacrifica a própria vida para salvar
sua família. É importante notar ainda, que uma determinada estrutura de nível narrativo
pode se manifestar de formas diferentes no nível do discurso. No mesmo exemplo de
um personagem entrar em conjunção com o heroísmo, isso pode ser contado, no
discurso, das mais variadas formas. (FIORIN, 2016)

5.3.ANÁLISE SEMIÓTICA E O CONTEXTO DAS OBRAS

Um dos maiores estigma da semiótica é fechar-se “na análise das estruturas


enunciadas, independentemente do sujeito da enunciação.” (MATTE; LARA, 2009 p.9)
Assim, é comum o raciocínio de que para a semiótica, o contexto histórico e o narrador
não são muito relevantes para a análise do discurso. (FIORIN, 2009). Isso está
alinhado com a concepção de Derrida, de que o objeto não faz parte da análise do
discurso, visto que a obra basta por si só, como fonte de elementos para estudo.
Contribui para a quebra desse preconceito em relação a disciplina, o fato de
atualmente a semiótica se voltar, além do enunciado, para a dimensão intersubjetiva da
interlocução, e assim, reintroduz o sujeito do discurso. (FIORIN, 2009)
É óbvio que o foco da análise da teoria sincrética não é o contexto histórico.
Matte e Lara pontuam que, a semiótica prioriza a sintaxe e semântica internas do
próprio discurso, no entanto, isso não quer dizer que a semiótica “ignora que o texto é
também um objeto histórico, determinado na sua relação com o contexto (tomado em
sentido amplo). Apenas optou por olhar, de forma privilegiada, numa outra direção.”
(MATTE; LARA, 2009 p3)
As autoras explicam esse conceito, destacando que o período histórico e as
característica do autor, na verdade estão impregnando subjetivamente o discurso,
influenciando na forma final do texto:

87
Para a teoria greimasiana, não se trata de explicar o texto pelas
coerções do contexto (tomado em sentido amplo, como vimos) e
da história, mas de discutir a interpretação de contexto e história
como efeitos da textualização que, em última análise, constituem
a instância que de fato os cria.” (MATTE; LARA, 2009 p.9)

E ainda, para Greimas, um texto só pode ser influenciado por outros textos. Ora,
contudo, deve-se lembrar que “o mundo natural, a partir do momento em que entra no
mundo da linguagem (seja ela qual for: visual, verbal, musical etc), é um conjunto de
textos formando um grande texto. (MATTE; LARA, 2009 p.14). Ou seja, o repertório do
autor influencia na forma e no conteúdo que escrever.
Justamente por isso, os capítulos anteriores apresentaram contextualizações
históricas, no ponto de vista dos quadrinhos e design gráfico. E ainda, no decorrer da
análise das obras, também podem ocorrer correlações com os períodos que as obras
foram escritas. Essa abordagem terá como objetivo elucidar a presença ou ausência de
relação entre a diferença cronológica das obras e a expressão visual.

88
6.ANÁLISE DE ASTERIOS POLYP
6.1.História de Asterios Polyp
A história aborda a jornada de Asterios Polyp em sua conquista do
amadurecimento emocional. Ele é um professor de arquitetura, e apesar de seu vasto
domínio sobre a teoria, nunca construiu nenhum projeto. Suas características
psicológicas mais marcantes são a racionalidade, prepotência e egocentrismo. O
narrador da história é Ignazio, o irmão gêmeo de Asterios que morreu no parto. A
ausência do irmão teve um em Asterios, tanto que ao longo de sua vida ele vê tudo em
dualidades, como vida/morte ou certo/errado. Visualmente, verifica-se que Asterios
sempre é representado de perfil. Existem ainda, dois tempos diferentes no enredo, o
presente, que trata do rumo que a vida de Asterios toma, após sua separação de Hana,
ex-esposa e de seu apartamento ser incendiado por um raio; e o passado, que trata de
como foi o relacionamento do casal.
A narrativa do passado mostra que Asterios sempre foi centrado no próprio
prazer e acostumado a ser o centro das atenções. Já Hana é o oposto, pois desde
criança, nunca foi foco de afeto dos pais, e em seu relacionamento, sempre foi
ofuscada por Asterios. Mais tarde, tudo culmina com Hana se afastando de Asterios,
pelo fato dele não a valorizar. Na narrativa do tempo presente, Asterios perde a casa e
decide recomeçar sua vida em outro lugar. Chega a uma pequena cidade chamada
Apogee, onde conhce Stiff Major, que lhe oferece emprego em moradia. Conhece
também Ursula, esposa de Stiff, com quem aprende a ser mais flexível. Ela e Asterios
tem o excesso de confiança como característica comum, contudo, divergem muito no
que diz respeito à linha de pensamento. Ursula é emocional, altruísta e acredita em
esoterismo e astrologia. Marcas da pós-modernidade são identificadas a partir dos 3
planos (discursivo, narrativo e fundamental) do conteúdo. Como, por exemplo, a forma
caricata como Asterios representa o hedonismo e individualismo, focado no próprio
prazer, sendo indiferente a maneira como outras pessoas se sentiam. Outro aspecto é
a linguagem do videoclipe, típica do período, em que as narrativas do presente e
passado se entrelaçam de maneira não linear com os sonhos de Asterios.

89
6.2.Design em Asterios Polyp

Em Asterios Polyp, não é só o texto no balão que conta história, a parte visual
participa ativamente da narração. O sincretismo é evidente, sendo que a imagem e a
palavra se fundem, seja para direcionar o significado, seja para adicionar conteúdo
simbólico à narrativa. (MIQUELETTI; SCOPARO, 2013)
A imagem nas histórias em quadrinhos são as ilustrações. E é válido destacar,
que em Asterios Polyp, o desenho apresenta a peculiaridade de variar de acordo com
características psicológicas do personagem. Não ficam presos à tentativa de
representar o real nem tampouco a perspectiva é usada como mecanismo de
construção narrativa. (MCCLOUD, 2005) Logo no início do terceiro capítulo, há uma
passagem de texto que representa esse conceito visual: “E se a realidade (como a
percebemos) fosse uma extensão do self?”. Assim, cada personagem tem uma
identidade visual peculiar, e portanto, é desenhado com um estilo de traço diferente.

(Asterios Polyp, 2009)


Isso se estende ao design do balão de fala. O de Asterios, por exemplo, é
quadrado. Uma vez que sua personalidade é mais racional, ele tem pensamento
matemático e avesso à mudança; e são exatamente essas as características

90
associadas ao quadrado (SAMARA, 2010). Já o de Hana é circular, dada sua
maleabilidade.
Em outro caso, verifica-se um balão em forma de cubo, usado para um momento
em que Asterios está constrangido e hesitante, e o texto reflete essa indecisão: “Sim,
hã, não”, na imagem seguinte. Atua diretamente adicionando conteúdo simbólico à
narrativa, acrescenta à ela, um “nível intelectual secundário” (EISNER, 2010 p.48)

(Asterios Polyp, 2009)

É válido destacar que a imagem é usada ainda para transmitir o que não é dito
pelo texto, como a mudança de um estado mental. Isso se verifica na ocasião em que
Hana, inicialmente brava com Asterios, compreende os motivos que o fizeram magoá-
la. Ela sai de configuração visual do seu self, que só apareceu para caracterizar falta
de afinidade com ele, e volta para um traço comum aos dois.

(Asterios Polyp, 2009)

As cores também apresentam essa propriedade de diferenciar personagens.


Originalmente Asterios é ciano e Hana, magenta. Mas quando estão juntos, são
resultado de uma mistura das duas, o púrpura. Porém, isso só se verifica nos trechos

91
que tratam do passado. (AMBROSE; HARRIS, 2012) Uma pista de como as cores são
usadas na história é dada pelas frases, que em português é “E se a realidade (como
percebemos) fosse uma mera extensão do self? Isso não influenciaria o modo com que
cada indivíduo vivencia o mundo?”. Que no original em inglês seria, “What if reality (as
perceived) were simply an extension of the self? Wouldn’t that color the way each
individual experiences the world?” A expressão que foi traduzida na edição brasileira
como “modo com que cada um vivencia o mundo”, porém, na tradução literal do inglês
para o português, seria muito mais próximo de, colorir a forma particular como
experimentamos o mundo. Isso está em total afinidade com as representações de cor
para os personagens principais, Asterios e Hanna.
Na narrativa do tempo presente, bem como nos sonhos que Asterios tem com o
Ignazio, o irmão gêmeo falecido, a paleta de cores é mais amarelada. Aliás, uma
ponderação pode ser feita sobre o uso dessas cores, o ciano, magenta e amarelo, que
fazem parte do esquema CMYK, do esquema de cores subtrativas para impressão.
(AMBROSE; HARRIS, 2012)

Página usando amarelo, presente e outra com ciano e magenta, retrata o passado (Asterios
Polyp, 2009)
Uma observação que pode ser feita é que a cor preta é a única do sistema
CMYK que não aparece na obra, cor essa, que na sociedade ocidental, representa o
luto. Sabe-se que o personagem Asterios passa pela elaboração do luto da perda da
esposa. E ainda, que a cor preta na verdade não é uma cor, mas a ausência de cores,
provocada pela ausência de luz. (SAMARA, 2010) O luto provocado pelo término do

92
relacionamento ronda a história. Asterios, tem que lidar com a ausência de Hana, quem
ainda ama. Na obra, pode-se dizer que essa cor, ou mais precisamente, essa ausência
de cor, chamada preto, também se faz presente em Asterios Polyp pela sua ausência.
Características psicológicas são representadas visualmente por meio da
Tipografia. Um exemplo claro, se verifica na imagem seguinte, em que professores que
lecionam na mesma universidade de Asterios, possuem falas representadas por fontes
com serifa, que depreendem um formalismo, também presente no plano do conteúdo.
Isso remete às fontes antigas, e à formalidade acadêmica. (LUPTON, 2012)

(Asterios Polyp, 2009)

Já em termos de Layout, verifica-se, de forma geral, a configuração de quadros


tradicional nas graphic novels. Porém, nas páginas de Asterios Polyp muitas vezes, a
composição não é organizada no padrão das histórias em quadrinhos comuns, e a
diagramação, por vezes, pode ter um aspecto caótico, com pouca pregnância
(GOMES, 2009). Um dos motivos para isso é o fato de ser uma história autoral, ou
seja, não está veiculada à nenhuma grande editora. Por isso, há uma certa liberdade
para montar a estrutura da página. Isso não ocorre com Watchmen (2009), que segue
uma estrutura geral de 9 quadros por página, e a partir dela, são feitas variações.
(MAZZUR E DANNER, 2014) Nessa história, o layout participa da composição
narrativa. Aqui também é possível notar a influência da desconstrução na linearidade

93
narrativa, algo comum na pós-
modernidade10 e da linguagem de
videoclipe. (PONTES, 2003) Não
existem padrões para a disposição
dos quadrinhos. Algumas vezes, uma
página inteira apresenta apenas um
quadro, outras, os quadros são
circulares, ou mesmo inexistentes. E
ainda, os balões de fala não
respeitam os limites da moldura dos
quadros.
Um exemplo claro disso é da
imagem ao lado. Ela retrata um momento em que Asterios passa sérias dificuldade, e
não tem ninguém a recorrer. Essa solidão do personagem é traduzida pelo branco e a
ausência de borda do quadro. É como se não existisse limite para o vazio sentido por
ele.
Vazio gráfico é diferente do vazio do cenário. Às vezes o vazio gráfico é uma
forma de dar ênfase à ação principal e às falas, outra, representa solidão. Outro
aspecto é que o vazio em Asterios o aproxima do teatro, em que o palco tem apenas os
atores, sem um cenário. O que importa é a atuação do ator para construir, no
imaginário do espectador, o cenário no qual a cena se desenrola. Essa estratégia de
deixar o leitor completar as lacunas deixadas pelo visual e verbal força o envolvimento
do leitor com a história.

6.3.Análise da narrativa sincrética


A análise será da narrativa mínima (FIORIN, 2016) que abrange a relação de
Asterios e Ursula, e como ele se dá conta de que deve abandonar sua postura de
ambivalências, e que ele errou com Hana, sua ex-esposa.

10
Ocorreu a negação de instituições tradicionais, como família, igreja e governo. Soma-se a isso a busca constante
do prazer (hedonismo), um cenário com excesso de informação disponível e mudanças aceleradas, que resultaram
em indivíduos em conflito de identidade. (GRACIOSO, 2008)

94
No nível do discurso, tem-se as conversas de Asterios e Ursula, que sempre
defende a natureza humana múltipla. Para ela, nenhuma teoria científica é superior às
crenças religiosas e o exoterismo, em explicar o ser humano. Já Asterios é sempre
cético e racional. No entanto, ele se dá conta de que precisava rever seus valores pela
seguinte sequência de eventos. Primeiro, quando constrói uma casa na árvore para o
filho de Stiff. Asterios, o professor cruel que humilha seus alunos ao criticar a qualidade
de seus projetos, constrói algo pela primeira vez na vida. E o faz a partir de um projeto
rudimentar, feito por um mecânico com pouco estudo. Outro trecho é uma conversa
com Ursula sobre um santuário japonês milenar, que foi reconstruído integralmente há
algumas décadas, mas que mesmo assim, os japoneses afirmam ser milenar. Aqui,
Asterios já pensa em voltar a procurar Hana, e reconstruir seu relacionamento.
Um trecho em que o fascínio por oposições binárias foi deixado de lado, também
servem de gatilho para sua mudança de pensamento. Numa aula de escultura, Hana
utiliza 2 tijolos idênticos para para explicar a importância do vazio na escultura. Ela os
dispõe lateralmente alinhados, com um vão entre eles, que é exatamente do tamanho
de um tijolo (figura a seguir). Esse vazio evoca a presença de um terceiro tijolo. Tem-se
aí, uma tríade, formada por dois tijolos mais um vazio, que rompe com o pensamento
binário de Asterios.

Isso o impacta, pois ele sente a presença de


Hana pelo vazio que ela deixou, acontecendo o mesmo
com seu irmão. A temática do dualismo versus o
múltiplo (ou hibridismo ou fusão de opostos) é
retomada pelo trecho com o músico Kalvim Kohoutek.
O personagem pontua, quando questionado sobre seu
problema de visão: “nem hipermétrope, nem míope,
mas medíope.”. Ou seja, ele afirma que possui um
problema intermediário, entre os dois. Kalvim destaca
em outra fala: “Simultaneidade - a consciência de muitas coisas acontecendo ao
mesmo tempo - é o aspecto mais saliente da vida contemporânea.” Complementa
sobre a construção colaborativa de conteúdo, mais uma característica em pleno

95
alinhamento com a pós-modernidade, período no qual a obra Asterios Polyp está
inserida: “Numa cacofonia de informações, cada ouvinte, ao se concentrar em certos
tons e fraseados pode se tornar participante ativo na criação de uma experiência
polifônica singular.”
No nível narrativo, por trás desse nível mais superficial é possível evidenciar um
discurso de resignação. Asterios é o sujeito, e o objeto com o qual quer entrar em
conjunção é um novo rumo para sua vida. O anti sujeito, que atrapalha o sujeito a
alcançar o objeto, é o próprio Asterios. Mais precisamente a sua resistência em
abandonar seus dogmas. Ursula atua na etapa de manipulação, provocando Asterios a
ver o mundo de outro jeito. Na fase de competência, Asterios se vê sem opção de
moradia e trabalho. Na fase de performance, inicia sua mudança comportamental,
trabalhando como mecânico, morando de favor e construindo a casa na árvore. Por fim,
na sanção, Asterios finalmente compreende seus erros, resolve procurar Hana de volta
e finalmente é aceito por ela.
No nível fundamental, tem-se que a oposição lógica fundamental é formada
pelos contrários dominação/resignação. (FIORIN, 2016) Isso porque Asterios foi
acostumado a dominar qualquer situação, que sempre foi interpretada por ele como
resultado de um dualismo, uma leitura binária. E sempre conseguiu ser o centro das
atenções para obter o controle. Porém, passou por contratempos, que lhe mostraram
sua falta de controle sobre seu destino, e que a realidade é mais que interações de
fatores pareados. Os seus contraditórios identificados são os sub-contrários não-
dominação/não-resignação, que representam a falta de alinhamento com questões de
poder e controle.

96
O trajeto percorrido por Asterios ao longo dessa narrativa, vai da dominação,
pautado pela ânsia em controlar e no egoísmo; à não-dominação, que abrange o
entendimento de que o controle não é o único critério a ser levado em conta. Para por
fim, chegar à resignação, na qual Asterios constata que o controle, na verdade, não
existe. Tanto que no final da história, a casa onde Asterios e Hana estão é atingida por
um asteroide. Isso, como o raio que inicia o incêndio na casa de Asterios, são
elementos usados para mostrar a importância do acaso. O rompimento do pensamento
polarizado de Asterios é representado graficamente na imagem a seguir, que apresenta
sobreposição de quadros.

97
(Asterios Polyp, 2009)

7.ANÁLISE DE WATCHMEN (1986)

7.1.Diferenciais de Watchmen

Watchmen foi produzida entre 1986 e 1987, dividida em 12 capítulos, consiste


na primeira grande história fruto da invasão britânica, publicada na américa. A obra é
tida como um marco, não só para o gênero de super-heróis, mas para a linguagem dos
quadrinhos como um todo; já que contribuiu enormemente para que a narrativa gráfica
ganhasse credibilidade e não fosse vista apenas como produção ligada ao público
infantil (MAZZUR; DANNER, 2014). E Watchmen conseguiu isso, principalmente por

98
aumentar a proximidade dessa forma de expressão, da literatura, modalidade artística
que na época já era consagrada e vista com prestígio.
Um dos pontos mais marcantes de Watchmen, e que fez a história alcançar toda
a repercussão que obteve, é que a narrativa trata os heróis de forma diferente do que
vinha sido feito até então. Não possuem nenhum código moral rígido compartilhado
com o meio que o cerca. Muito menos ações guiadas por motivações nobres e
princípios altruístas. Ao contrário disso, os heróis em Watchmen apresentam condutas
imorais, questionáveis, e em muitas ocasiões suas motivações pessoais são colocadas
à frente do bem comum.
A história aborda a vida de ex-vigilantes mascarados, após a promulgação de
uma lei que proíbe esse tipo de atuação. A sua narrativa é ambientada no clima da
Guerra Fria, no qual os Estados Unidos de 1985 estavam imersos e a trama principal
gira em torno da morte do personagem chamado Comediante, e como os ex-heróis
mascarados são impactados por esse acontecimento. Rorschach é o personagem que
assume a responsabilidade de investigar a morte de seu companheiro de profissão.
Desconfia de que o aparente contexto de suicídio da cena do crime, foi na verdade,
forjado. Suspeita também, de uma conspiração contra ex-mascarados, e tenta assim,
avisar seus ex-parceiros. Ao longo da história somos apresentados também aos
demais integrantes do antigo grupo de heróis Espectral, cuja mãe também era uma
mascarada; Coruja, parceiro de Rorschach; Ozymandias, o homem mais inteligente do
mundo; e Dr. Manhattan, o único que possui superpoderes;.
É preciso ressaltar dois dos mais importantes diferenciais de Watchmen para os
quadrinhos: o uso de um acontecimento real que se desenrolava enquanto as edições
eram lançadas, e o pressuposto de que a existência de heróis mascarados e seres
superpoderosos iriam interferir significativamente na história. Dessa forma, por possuir
poderes de controlar propriedades atômicas da matéria, o Dr. Manhattan interferiu,
dentro do universo narrativo de Watchmen, no conflito do Vietnam, e garantiu a
superioridade norte americana sobre a União Soviética.
No desenrolar da trama, Dr. Manhattan se exila no planeta Marte, por acreditar
que o seu corpo emite radiação nociva aos seres humanos. Isso desequilibra a paz
armada com os soviéticos, que uma vez sem Dr. Manhattan no caminho, podem atacar

99
os Estados Unidos com armas nucleares. Alheio a tudo isso, Dr Manhattan leva
Espectral para o planeta vermelho. O seu intuito é convencê-la a desistir de lutar pela
Terra, e passar o resto de seus dias, aproveitando juntos, a paz desabitada de Marte.

7.2.Design gráfico em Watchmen

Em termos de imagem, Watchmen é composta por ilustrações que se localizam,


no triângulo da percepção, próximas ao eixo da realidade. Como já foi evidenciado no
capítulo sobre histórias em quadrinhos, o motivo é que, ainda que existam algumas
simplificações, o desenho é mais próximo do realismo (MCCLOUD, 2005).
Um ponto importante, é que o traço ao longo da narrativa principal, feita em
quadrinhos, é uniforme durante quase toda obra. Contudo, mesmo que o estilo de
desenho não seja o principal recurso narrativo, a forma de se compor uma cena
ilustrada é. Nessa lógica, o enquadramento e a perspectiva são táticas amplamente
usadas para conduzir significações ao longo da história, conforme definido por Eisner
(2010). Por exemplo, quando se quer destacar a imponência de um personagem, o
desenho é feito para que ele seja visto de baixo para cima. Ou quando se quer dar
enfoque ao sentimento do personagem em cena, o recurso usado é desenhá-lo em
close, para que os aspectos mais minuciosos de sua expressão facial sejam
mostrados.
Como já foi dito, embora seja muito pouco usado ao longo da história, o uso
narrativo do estilo de desenho é sim empregado na obra. Lança-se mão desse recurso
para representar balões de fala diferenciados, para alguns personagens. Conforme já
mencionado no capítulo sobre histórias em quadrinhos, os balões dos personagens Dr.
Manhattan e Rorschach possuem essa característica. E isso fica muito mais claro
nesse último, para demonstrar a transformação do personagem quando está com e
sem a sua máscara. Em cada um desses dois momentos, ele apresenta balões
desenhados de forma diferenciada.

100
Watchmen (1986)

É preciso ressaltar ainda, que no final de cada um dos 12 volumes, há trechos


de produções gráficas cuja expressão é diferente da linguagem dos quadrinhos. São
simulações de trabalhos de outras modalidades impressas, como livro, jornal e
documentos da época. Para aumentar a imersão no universo construído pela narrativa,
esse material que não é em quadrinhos, segue as características do design gráfico de
cada linguagem que tenta emular. Por exemplo, uma página em produção de um jornal,
tem marcas de corte e locais onde as fotos das matérias precisam ser inseridas. Já
uma ficha criminal tem uma marca de café simulada. Nesse caso, também há
momentos em que o estilo de desenho difere do usado na narrativa principal, em
quadrinhos.

101
Esse material complementa e enriquece a história contada nos quadrinhos,
contudo, tecnicamente, o seu uso não pode ser considerado como uma narrativa
transmidia, pelo fato da mídia ser a mesma ao longo da obra, o papel impresso
(XAVIER, 2015). No entanto, isso não diminui o resultado final, já que, em plena
década de 80, Watchmen realizou uma simulação da narrativa transmidiática, muito
comum atualmente.
Ainda, que em alguns desses materiais seja possível encontrar estilos de
ilustração que divergem do usado na história em quadrinhos, a maior diferenciação é
na tipografia usada. O tipo de fonte empregado nesse material está em alinhamento
com a linguagem que quer simular. Por exemplo, uma ficha criminal apresenta uma
fonte similar a usada nas máquinas de escrever, para reproduzir o contexto do escrivão
de delegacia. Ou ainda, um artigo fictício de revista, de uma entrevista com
Ozymandias, apresenta o título com uma fonte ornamentada, para estar em
conformidade com o assunto da matéria. Todos esses usos têm como função aumentar
a verossimilhança e a imersão do leitor, na história principal contada pelos quadrinhos.
Já quando se direciona o olhar exclusivamente para esse discurso narrativo,
desempenhado na linguagem de histórias em quadrinhos, não se verifica mudanças no
estilo tipográfico.

102
Watchmen (1986)

No que concerne ao uso da cor em Watchmen, não há diferença marcante em


relação à paleta usada tradicionalmente no gênero de super-heróis. Além disso, é
possível inferir que as cores são pouco exploradas do ponto de vista simbólico. O que
se verifica é que comumente é utilizada na reprodução de efeitos físicos de luz e
sombra em um local, para ambientar o leitor no cenário da história.
Um dos poucos casos em que é usada em prol da narrativa, é numa cena em
que um personagem está prestes a ser assassinado com uma estátua. Nessa
passagem, as cores ambiente predominantes são amarelo, roxo e laranja; porém, o
momento em que a estátua é erguida para golpear, é retratado com a cor vermelha.
Isso porque, o ato de golpear, não é mostrado, e essa cor, aglutina uma simbologia de
fúria e violência, que funciona como uma metáfora para a forma como a morte ocorreu.
Nessa passagem, abre-se mão da fidelidade na reprodução da realidade em prol da
dramaticidade gráfica.

103
Watchmen (1986)

Não se pode deixar de comentar, é claro, para as cores do título da obra.


Watchmen é escrito em amarelo, com um fundo preto. Essa configuração cromática é
na verdade, uma analogia ao símbolo de radioatividade, usado na sinalização de alerta
para o risco desse tipo de contaminação. Isso condensa os significados do período
histórico na qual a narrativa está inserida, e a mutação que causa na forma tradicional
de olhar as histórias de super-heróis.

Sinalização indicativa para risco


Logo de Watchmen (1986)
de contaminação radioativa

104
Sobre o layout das páginas, como já foi pontuado, os anexos no final dos
capítulos apresentam uma diagramação característica da produção gráfica que quer
simular. Fora esses casos, na história principal, a disposição dos quadros não participa
do discurso narrativo, conforme destacado por Mazzur e Danner (2014). Funcionam
apenas como janelas através das quais, é possível ver as cenas.
É possível destacar ainda, que o layout geral dos quadros em uma página segue
um certo padrão. Ao longo da história, a estrutura de 9 quadros por página se repete
com frequência. Mesmo as histórias em quadrinhos sendo um texto sincrético, com
interação palavra/imagem, o foco é retirado do componente visual, e recai sobre o ritmo
do fluxo na narração, principalmente a que é criada pela escrita. Isso gera, portanto,
uma estrutura pautada pela repetição, com a qual o leitor logo se habitua.

Estrutura de 9 quadros por página, que se repete ao longo da obra.

105
7.3.Análise do discurso

A amostra analisada abrange a narrativa mínima, ou uma subtrama, que trata da


relação entre a personagem Espectral e o personagem Dr Manhattan. Na passagem,
ela é levada pelo Dr Manhattan ao planeta Marte.
O Dr Manhattan já foi humano, um físico chamado Jon Osterman. Após sofrer
um acidente, esse personagem passou a ter seu corpo formado por pura energia
nuclear. Possui a capacidade de alterar a estrutura atômica da matéria, de se
teleportar, estar presente em mais de um local ao mesmo tempo, e observar
acontecimentos do passado e do futuro. Na história é tratado quase como um Deus. É
o único herói em Watchmen que de fato possui superpoderes, porém, isso de certa
forma lhe custou a humanidade. Ao longo da história esse personagem se demonstra
extremamente analítico e frio; sem demonstrações de afeto claramente evidenciados,
nem pelo desenho de sua expressão facial, nem pelas suas falas.
Já a Espectral é na verdade Laurie, e ao contrário do Dr Manhattan, não possui
superpoder algum. e Combateu o crime em função de seu treinamento em luta
corporal, e pela pressão da mãe, que também era uma heroína. Ao longo da história,
ela se queixa da falta de poder de decisão sobre sua própria vida, e de ter atuado como
vigilante em função do planejamento da mãe, e não da própria vontade.
É fundamental ressaltar, que a análise do discurso seguirá a metodologia
proposta por Teixeira (2009), cuja lógica parte de, inicialmente estudar o que se
apresenta primeiro ao leitor, ou seja, a camada do discurso mais superficial e aparente.
E a partir daí, será promovido o aprofundamento do olhar para os níveis mais
profundos da narração. Dessa forma, a apreciação do percurso gerativo de sentido se
iniciará no nível discursivo, passando pelo narrativo, até chegar ao nível fundamental.
No nível discursivo, o trecho que será usado como amostra, apresenta a
tentativa de Espectral em despertar resquícios de humanidade, latentes no Dr
Manhattan, para que ele interfira no cenário de extrema urgência no qual o mundo está
imerso. Ao longo do desenrolar desse trecho, um embate verbal entre os personagens
é travado. O Dr. Manhattan argumenta que a vida humana não é nada perante a
imponência da paisagem geográfica de Marte, formada pela interação de infinitos

106
fatores naturais, geridos pelo caos aleatório de suas combinações ao longo de eras
(macrocosmos/celestial). Ele destaca assim, com base no vazio do planeta vermelho,
que a humanidade não é condição para gerar beleza. Ao expor seu ponto de vista, por
meio de suas falas (parte verbal), o componente visual é constituído por muitas cenas
de plano geral (EISNER, 2010). O layout do quadro é formado pelos personagens
pequenos em um cenário majestoso. Isso resulta no ganho de evidência da paisagem
marciana e amplia a sensação de grandiosidade sustentada pela fala dentro dos
balões.
Já Laurie, olha para seu conteúdo interno (microcosmos/humano), e tenta
sustentar sua tese pelos exemplos de sua vida pessoal, para provar que a humanidade
não merece ser extinta. Ela carrega em sua história, a mãe que foi estuprada pelo
Comediante, e o fato de se tornar uma combatente do crime por obrigação da mãe.
Para Laurie, as relações humanas são muito mais ricas e complexas do que a aridez
de um mundo desocupado. E é exatamente esse o destino da Terra, caso Dr.
Manhattan não interfira no conflito nuclear iminente. Visualmente, as cenas do passado
da personagem são representadas na forma de flashback, de passagens que
aconteceram anteriormente na vida de Laurie. As páginas têm, no geral, 9 quadros,
cada um ocupado pelo close do rosto do personagem envolvido no diálogo.
No fim dessa passagem, Espectral consegue finalmente fazer com que ele
retorne à Terra, no entanto, isso não ocorre do jeito que ela esperava. Dr. Manhattan,
não se comove por um sentimento de compaixão pela humanidade, mas sim pela
constatação racional de que o caos da vida humana é fascinante o bastante para
merecer continuar existindo. Isso se dá quando Laurie descobre que ela é filha do
Comediante, indivíduo que anos atrás, estuprou sua mãe. Ou seja, até aquele
momento, Laurie abordava o caos e a complexidade dos sentimentos, mas sem
despertar a atenção de Manhattan, justamente por não conseguir tangenciar o assunto
da presença do acaso na vida humana. E esse aspecto era exatamente o alicerce
conceitual do Dr Manhattan para identificar a beleza em um evento.
No nível narrativo, é possível descartar algumas alegorias usadas no nível
discursivo para que assim, se alcance um grau de abstração maior. O sujeito da
Espectral tenta entrar em conjunção com o seu objeto, que é o convencimento do Dr

107
Manhattan, para que ele salve a Terra. Contudo, Dr Manhattan atua como um anti-
sujeito. Ele é um obstáculo ao sujeito nos seus planos de realização pela conjunção
com o objeto almejado, justamente por não partilhar mesma lógica da Espectral. Para
ele a devastação do planeta por uma guerra nuclear em escala global é algo positivo,
pois irá trazer a autêntica beleza para a Terra, similar à aridez de Marte.
Esse quadro se modifica, pois Laurie desempenha uma performance, que é o
seu discurso sobre a importância dos sentimentos humanos. Porém, o que realmente
faz com que Dr Manhattan ceda à argumentação da Espectral é o fato dela descobrir,
na fase da sanção cognitiva, que seu pai é o Comediante. Dá-se aí, a transformação
mais importante na narrativa do trecho amostral. A partir desse ponto que, finalmente o
Dr Manhattan reconhece a beleza na complexidade humana. No fim dessa subtrama,
Dr. Manhattan concede a sanção pragmática, que é a resolução da narrativa mínima. E
decide que voltará à Terra para impedir a guerra nuclear entre EUA e URSS.
No que tange ao design gráfico, é válido lembrar que a técnica de produção dos
desenhos não se altera ao longo do fluxo narrativo. Não há mudanças de traço, quando
por exemplo, há uma passagem em flashback. Mas mesmo que não ocorra variações
quando a Espectral se dá conta de que é filha do Comediante, a imagem é sim usada
de forma sincrética, como recurso de narração. Para tal, lança-se mão da metáfora
visual (AMBROSE; HARRIS, 2009). Essa passagem, que acontece no final da sub
trama, culmina na quebra do castelo de vidro, construído anteriormente pelo Dr
Manhattan. Metaforicamente, representa a mudança de opinião desse personagem.
Aprofundando mais, no nível fundamental é possível identificar a premissa
básica por trás do discurso narrativo da amostra (FIORIN, 2009). Verifica-se, assim,
que o nível do discurso e da narração são manifestações que de uma oposição
fundamental lógica, a relação dos opostos humano/celestial versus o
macrocosmos/microcosmos. O quadrado semiótico teria, portanto, os contrários
humano e celestial, e os subcontrários, não-humano e não-celestial. Esses elementos
representam, dentro do desenrolar dessa narrativa mínima de Watchmen, concepções
filosófico-existenciais.
Lembrando que esse trecho analisado é um embate intelectual e verbal entre os
personagens Espectral e Dr Manhattan, na qual cada um defende sua tese por meio de

108
argumentações. A oposição humano/celestial diz respeito ao olhar para o extraordinário
pautado nos extremos. Esse raciocínio funciona tanto para o universo interno, que
constitui a complexidade da psique, e como ela habita a cronologia da existência
humana; e o universo externo, constituídos pelos planetas, corpos celestes, e atuação
do tempo na escala de eras. Visualmente, essa oposição se traduz na cor. Dr
Manhattan é azul, e Espectral, possui uniforme amarelo. São cores complementares e
opostas no círculo cromático, e portanto, complementares. A cor azul pode ser
relacionada com o sintagma celestial, além de ser cor fria, mais ligada frieza no pensar,
e assim, à razão. Já a amarela, traz o sol em seu simbolismo, sendo relacionada ao
otimismo, emoção e a vida. (SAMARA, 2010)

Watchmen (1986)

Os contraditórios não-humano/não-celestial, por sua vez, dizem respeito a uma


concepção de humano habitando o celestial, e fazendo parte desse universo. Assume
que existe meio termo entre o macro e micro, por permitir o raciocínio de que o celestial
e o humano são regidos por leis comuns. Representa ainda, a saída do simulacro da
discussão humano versus celestial e o tempo, na qual os personagens estão
envolvidos; e foca na vivência do presente. Assim, o quadrado semiótico seguiria a
seguinte estrutura:

109
Tal qual proposto por Rabello (2006), um personagem se modifica ao longo da
narrativa. E o fluxo que o Dr Manhattan percorre ao longo dessa narrativa vai do
Celestial ao não-celestial, para então chegar ao sintagma humano. Diante desse
raciocínio, é sim possível que se levante a possibilidade do par de contrários ser, na
verdade, egoísmo/autruísmo. No entanto deve-se atentar para o fato do Dr. Manhattan
não ter retornado pela empatia com relação à humanidade, mas sim por uma
conclusão lógica do personagem. Aí está também, mais um ponto em que Watchmen
desconstrói uma premissa básica das histórias de super-herói tradicional. O super-
humano Dr Manhattan, que pela capacidade de onipresença, não gastaria nenhum
esforço para impedir a guerra nuclear na Terra, e quando o faz, não é por causa de
empatia pela raça humana, mas por uma conclusão lógica, fruto de um raciocínio frio.

110
8.COMPARAÇÕES DE WATCHMEN E ASTERIOS POLYP
Para melhor visualização das semelhanças e diferenças entre as obras, analisa-se a
tabela comparativa a seguir. Ela apresenta os principais tópicos tratados até aqui:
Watchmen (1986) Asterios Polyp (2009)

Posição no triângulo Próximo ao vértice da realidade. Variável: próximo ao plano das


pictórico11 figuras e da linguagem.

Tipos de transições entre - Momento a momento - Ação a ação


os quadrinhos - Ação a ação - Sujeito a sujeito
- Sujeito a sujeito - Aspecto a aspecto

Forma (imagem) vs Sincretismo, mas com muitos Sincretismo pleno


Conteúdo (texto) momentos de conteúdo
predominando sobre a forma.

Balões Identificam personagens. Caso Formato está alinhado com as


Rorschach, identifica quando características psicológicas do
está mascarado. personagem.

Moldura dos quadros Tenta não ser vista na história. Participa da história e nem
sempre é quadrada.

Onomatopéias Tentam replicar o barulho feito. Redundantes, não replicam o


barulho, mas descreve a ação
mostrada pela imagem.

Tipografia Variação apenas no material Varia de personagem para


entre capítulos. personagem. Acrescenta
conteúdo secundário à narrativa.

Imagem usada Metáfora, Símile e analogia. Metáfora, Metonímia, símile e


conotativamente analogia.

Cores Similares aos quadrinhos de Paleta reduzida, com cores


super-heróis clássicos. Participa interagindo como no esquema
pouco da narrativa. CMYK. Cores participam
ativamente da narrativa e da
adição de simbolismos.

Layout Pregnânica alta. Grid tradicional Baixa pregnância. Pouca


e repetitivo, para passar simetria, rompimento com o grid
despercebido. tradicional. Diagramação
participa da narração.

Contexto Década de 80, Guerra Fria Anos 2000, pós-modernidade,

11
Caracterização do tipo de ilustração, definida por McCloud (2005). Segundo o autor, o tipo de desenho pode
transitar entre 3 pontos, dispostos em um triângulo conceitual: realismo, que é o desenho que busca representar o
mundo sensível de forma fiel; plano das formas, que são as formas puras triângulo, quadrado e esfera; e
linguagem, que é um desenho do qual se extraem os detalhes em tal ponto, que sobra apenas o conceito.

111
internet, cibercultura.

Influência do contexto na Similaridade com histórias Desconstrução do layout


imagem tradicionais. Pouco rompimento tradicional da página,
como tradicional. similaridade com o conceito de
desconstrução e fragmentação
da pós-modernidade.

9.CONSIDERAÇÕES FINAIS

nota-se que em muitos casos, a linguagem dos quadrinho é universal,


independente do período no qual as obras se inserem. Técnicas como as de transição
de quadros, bem como a própria estrutura em quadros e balões, são comuns aos dois
trabalhos. Até mesmo porque, mudanças acentuadas nesses padrões pode significar
saída da linguagem dos quadrinhos para uma outra categoria de linguagem, como o
livro ilustrado, por exemplo.
No entanto, justamente nesse quesito, Asterios Polyp (2009) testa mais os
limites da linguagem dos quadrinhos, do que Watchmen (1986). É evidente que o
espírito das suas respectivas épocas influenciaram nessa configuração, pelo fato de
impactar na forma de expressão visual dessas obras. No caso de Watchmen (1986), a
utilização, na narrativa, do período de Guerra Fria possibilitou uma história tensa e
instigante. Já a crítica ao gênero consagrado de super-heróis, utilizando a própria
linguagem visual desse tipo de história, encantou o público pela engenhosidade do
roteiro e da narrativa. O público que cresceu lendo histórias do gênero, mas que
envelheceu, foi fisgado pelo saudosismo e maturidade de Watchmen (1986).
Já Asterios Polyp (2009), não teme em correr riscos com experimentações em
seu design. Não é pra menos, já que a inserção da obra no contexto da denominada
pós-modernidade autoriza modificações no paradigma visual dos quadrinhos
tradicionais. Lança mão, assim, de desconstruções no layout original das histórias em
quadrinhos, e uma narrativa descontínua, característica do vídeo clipe, que alterna
entre 3 histórias; do presente, passado e do sonho. Tem-se assim, um resultado que
condiz com o período no qual a obras se insere, e com o fato de Asterios Polyp (2009)
ser uma obra autoral.

112
Por fim, sobre o roteiro das duas obras, nota-se que elas tratam
predominantemente da ausência, cada uma à sua maneira. Em Watchmen (1986), a
ausência de um conflito armado entre EUA e URSS se reflete em uma enorme tensão,
que por sua vez, é traduzida graficamente com cenas de a ação, expandindo o grau de
violência já presente nas tradicionais histórias de heróis. Já em Asterios Polyp (2009), a
ausência de Ignazio, irmão de Asterios e de Hana, a esposa, gera isolamento e dúvida
existencial, traduzidos visualmente pelo vazio gráfico, o branco.

113
10.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

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