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Universidade Federal de Santa Catarina

Centro de Filosofia e Ciências Humanas

Departamento de Psicologia

Prof. Magda Zurba e Daniela Ribeiro Schneider

Discente: Carolina Costa da Silva Mendel

RESENHA CRÍTICA
Segundo Husserl, de acordo com Moura, a Fenomenologia representa uma ciência
epistemológica que tem como seu principal objetivo: o estudo da consciência. A partir de
uma relação com o mundo, a consciência atua modificando o objeto tendo em vista a
experiência singular partindo do sujeito. Essa representação do olhar subjetivo e o
atravessamento de sentidos através da consciência constitui um novo direcionamento para
relação do sujeito-objeto, pensamento que difere da concepção de consciência de Descartes.
Enquanto durante a Idade Moderna era atribuída para a consciência a atitude de tornar o
indivíduo pensante (subjetivado), Husserl, então, refere-se que a consciência só se constitui
pelo contato com objeto. Nesse sentido, há um rompimento com compreensão dualista de
corpo e mente da época e a compreensão positivista e reducionista do sujeito e abrem
margem para a observação do fenômeno como um processo concreto, idealizando a
consciência como um objeto de estudo material, focalizando na experiência; ser-no-mundo;
intencionalidade; atitude fenomenológica e; subjetividade. Tendo em vista a obra ‘O Paciente
Psiquiátrico’ (1979), pode-se inferir que o autor divaga em alguns desses conceitos
fenomenológicos listados de forma implícita a partir do sofrimento psíquico do paciente,
podendo, então, ressignificar os sentidos para a sua própria existência.

O Paciente Psiquiátrico (1979)


Durante o primeiro capítulo da obra, observa-se uma passagem do autor relacionado
aos sintomas corpóreos apresentados frequentemente pelo paciente:
‘’As palpitações o estavam torturando já havia bastante tempo. [...] com o
correr do tempo tornaram-se mais frequentes e mais violentas [...] estava sempre
preocupado com o seu coração e precisa manter a mão sobre o peito para certificar
que nada ocorria de anormal’’ (Van Den Berg, 1979, p. 6).
Nesse sentido, é possível observar a partir dos sintomas corpóreos do paciente o
processo de unificação do corpo e mente para explicar a relação da estrutura da consciência
que o compõe, diferenciando-se do pensamento de Descartes. Esses sintomas corpóreos e
psicológicos vivenciados pelo paciente só podem ser apresentados para nós porque somos, de
fato, o nosso corpo (Van Den Berg, 1979) Dessa forma, observa-se, então, que a narrativa
construída pelo paciente revela a experiência do seu viver no mundo, a partir da percepção da
sua consciência em relação às mudanças que se produziram no seu mundo, em seu corpo e na
relação de ser-com-o-outro. Outra perspectiva de análise a partir do trecho retirado da obra é
a relação do mal- estar físico relatado pelo paciente ao longo do texto (pernas estão falhando,
coração acelerado, perdendo o equilíbrio). Dessa forma, relaciona-se com o modo como ele
está enxergando o mundo naquele momento, a sua experiência de ser-no-mundo, inteiramente
ligada com a sua noção de corpo (corpo e mundo interligados).
Pode-se também perceber que o autor expõe uma outra situação frequente relatada
pelo paciente: que as casas são velhas e estragadas e que estão prestes a ceder sobre ele (Van
Den Berg,1979). No entanto, esse é o modo como a rua se apresenta para ele, implicando no
modo como ele vê o mundo, a forma como ele é. Assim, o autor afirma‘‘ É assim que a rua
em que caminha se apresenta para ele. Verdade é que não se parece com a rua como nós a
conhecemos, mas isto apenas significa que o paciente está doente e que nós não estamos.
Nada nos autoriza a afirmar que a nossa observação é mais verdadeira que a do paciente”
(Van Den Berg, 1979, p.29).
Dessarte, compreende-se a importância de acolher o paciente a partir dos relatos
trazidos por ele, de forma a entender a narrativa em torno da sua própria existência e sua
constituição de ser-no-mundo e, não apenas um quadro patologizante. Desse modo, a partir
da análise fenomenológica, atribui a importância do epoché por parte do terapeuta a fim de
distanciar quaisquer referencial que altere a visão trazida pelo paciente, focalizando apenas
nas experiências vividas desse sujeito.
Ademais, a noção de consciência é percebida como uma interferência na realidade do
paciente, uma vez que essa realidade passou a definir as ações naquele contexto mundo. A
relação entre os sintomas descritos ao terapeuta, as experiências apavorantes que apresentava
enquanto estava na rua, a descrição perturbadora das casas prestes a desmoronar, bem como a
descrição confusa das ruas ao mesmo tempo largas e estreitas; revela, possívelmente, uma
falsificação de realidade do personagem em relação a sua noção de consciência. Para tanto, o
autor enfatiza:‘’[...] quando o paciente psiquiátrico conta como seu mundo lhe parece, está a
descrever, sem rodeios e sem enganos, o que ele mesmo é.” (Van Den Berg, 1979, p. 29)
O conceito de intencionalidade na Psicologia Fenomenológica permite compreender a
razão pela qual o paciente está sentindo todas aquelas e outras sensações descritas na obra. É
a partir da intencionalidade que a consciência se dispõe a se direcionar para um objeto,
mesmo que esse objeto não tenha se direcionado para a consciência. Segundo Husserl, a
intencionalidade é a consciência que permeia a vida singular, dessa forma, entende-se o
motivo pelo qual o paciente direcionou a sua consciência para aquele objeto. No caso do
paciente, a impressão do que ele via na rua tornava-se, no ponto de vista cognitivo e
perceptivo dele, algo real. Portanto, as suas percepções já não mais eram diferenciadas das
suas alucinações e, nesse sentido, foi o pontapé inicial para o seu pensamento ilusório
confundir-se com pensamentos de pessoas que possuem alguma doença ou distúrbio. Isso
explica, de fato, o motivo do paciente ter buscado ajuda de profissionais da área da saúde a
fim de identificar o que ele estava sentindo. Logo, percebe-se que a explicação para a
intencionalidade que o paciente construiu do mundo é modificada através da sua própria
alteração de produção de significado com esse mundo.
Há ainda uma passagem intrigante na obra que revela a possibilidade de compreender
a indissociabilidade entre homem e mundo. O autor questiona: ‘’Vejo a garrafa de vinho e
compreendo que meu amigo não virá. Que acontece nesse momento? Ou melhor: Que vejo eu
quando observo a garrafa de vinho? (Van Den Berg, 1979, p.34). Após isso, o autor revela
que, na verdade, estava vendo algo como o desapontamento relacionado ao amigo não
comparecer ou ficar solitário naquela noite e, por isso, não conseguia dizer o que enxergava
quando se referia a garrafa. Nesse viés, entende-se que a intenção do autor ao trazer essa
passagem é mostrar que não é apenas direcionar o conteúdo subjetivo relacionado a uma
perspectiva emocional (solidão, por exemplo) em um objeto; e sim, o contrário, a garrafa se
tornou a solidão. Logo, é possível perceber que mesmo diante a uma condição de sofrimento,
pode-se compreender a indissociabilidade do mundo e do homem como um recurso a
expansão de possibilidades e de ressignificação das experiências humanas.
Por fim, tendo como base a leitura da obra ‘O Paciente Psiquiátrico’ (1979) e os
marcadores fenomenológicos envolvidos, entende-se a responsabilidade da Psicologia
Fenomenológica como uma epistemologia que busca promover novas experiências e obter
respostas aos fenômenos com a intenção de ressignificar o sofrimento do sujeito e, assim,
convidá-lo a encontrar um sentido para o seu ser-no mundo. Logo, entender a individualidade
do sujeito e o modo como esse se dispõe no mundo a partir de uma compreensão
fenomenológica significa, portanto, respeitar o paciente e, principalmente, o seu sentido de
existência no mundo.
Referências bibliográficas
Moura, C. A. R. Husserl: intencionalidade e fenomenologia. Mente,Cérebro &
Filosofia. ISBN 978-85-99535-28- 8, v.5, p.6-15. São Paulo: Duetto
Van Den Berg (1979). O Paciente Psiquiátrico. São Paulo: Ed. Mestre Jou.

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