Você está na página 1de 16

UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA

INSTITUTO DE LETRAS E LINGUÍSTICA


PROF. Dr. ISRAEL DE SÁ

DISCURSO, HISTÓRIA E MEMÓRIA


UM ENCONTRO ATRAVÉS DOS SÉCULOS SOB A IDEOLOGIA BEAT.

WEVERTON CALIXTO MONTEIRO

Uberlândia - MG
2018/2
WEVERTON CALIXTO MONTEIRO
DISCURSO, HISTÓRIA E MEMÓRIA
UM ENCONTRO ATRAVÉS DOS SÉCULOS SOB A IDEOLOGIA BEAT.

Relatório apresentado como requisito


parcial para aprovação na disciplina Análise
do Discurso (GLE074B).

Orientador: Prof. Dr. Israel de Sá.

Uberlândia - MG
2018/2
SUMÁRIO

• JUSTIFICATIVA..........................................................................................................3

• OBJETIVO....................................................................................................................3
• INTRODUÇÃO.............................................................................................................3

• A ANÁLISE DO DISCURSO DE LINHA FRANCESA.............................................5

• MEMÓRIA DISCURSIVA E INTERDISCURSO.....................................................5

• GERAÇÃO BEAT.........................................................................................................6

• LANA DEL REY EM POUCAS PALAVRAS............................................................7

• OBJETO DE ESTUDO.................................................................................................7

• RIDE.............................................................................................................................10

• ANÁLISE.....................................................................................................................10

• CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................15

• REFERÊNCIAS..........................................................................................................15

• JUSTIFICATIVA
O destino conclusivo deste trabalho refere-se a analisar detalhadamente os discursos
atinentes à obra de Lana Del Rey, suas expressões linguísticas, formal e conteudistas pelo prisma
da análise do discurso, explorando e entrelaçando o teor literário e a ideologia presente no
período tecido durante a criação efetiva da geração beat (como os ideais americanos da
contracultura do movimento em evidência nas décadas 50 e 60), transferidos em 2012 para a
formação ideológica da obra da cantora contemporânea.
Por meio deste recolhimento de ideologia a autora, em RIDE, resgata interdiscursos,
insertos em uma rede de memória discursiva. Assim sendo, esse trabalho objetiva-se na análise
de concepções ideológicas, enunciados, do século XX reprisados e renovados no século XIX.

• OBJETIVOS DA DISCIPLINA
Construir uma reflexão teórica e de caráter metodológico, do lugar da Análise do
Discurso, acerca das inter-relações entre História, Discurso e Memória, face às formações e/ou
funcionamentos discursivos e a produção de sentidos que revelam os espaços de enunciação dos
sujeitos.

3. INTRODUÇÃO
Considerando os pressupostos teóricos concebidos sob a escola francesa de análise do
discurso (AD), este trabalho destina-se a analisar os processos de formação, constituição e
sentidos do monólogo exterior do monólogo poético inerente em Ride de Lana Del Rey,
concomitantemente, vislumbrando analogicamente as influências encalcadas no texto oriundas
da gênese do material estruturado na Geração Beat.
Em RIDE, o eu lírico da cantora reside na personagem que a mesma representa,
fundamentando, em seu discurso, tópicos adotados pelos escritores da Geração Beat e, à vista
disso, marca ideologicamente uma memória discursiva.
À vista disso, Del Rey refaz enunciados proferidos em um outro tempo do qual não
pertenceu e esta característica do discurso, Maingueneau (2001 apud BRANDÃO, 2009) irá
asseverar como “dialogismo” e “interação”, indicando que existe, respectivamente, diálogo e
interação entre ambos.

Portanto, ao estudarmos este pressuposto, analisamos tanto a revolução cultural


promovida através da literatura pelo grupo de jovens intelectuais americanos, (escritores, poetas,
dramaturgos e boêmios em geral), que entre meados de 1950 e 1960 do século XX, cansados da
monotonia da vida ordenada e da idolatria à vida suburbana na América do pós-guerra,
resolveram, em meio à inspiração de ambientes permeados pelo jazz, drogas, sexo livre e o
conceito de pé na estrada, (ou seja, a exploração física do território americano) com o objetivo
de se expressarem livremente e contarem sua visão do mundo e suas histórias chamados, em
contraste ao poema Ride de Lana Del Rey, relacionando-os, assim, com a teoria da Análise do
Discurso de Linha Francesa, tal como delineada por Pêcheux.
• A ANÁLISE DO DISCURSO DE LINHA FRANCESA
Constituída em 1960, a Análise do Discurso (AD) interpõe-se na esfera da ideologia,
sociologia e da linguística, sofrendo influência do estruturalismo de Saussure e do projeto
filosófico de Althusser. Nesse campo, a linguística aparece na vertente do estudo da linguagem
para analisar as ideologias sociais.
Pêcheux (2012) não assimila a Análise do Discurso anexada à esfera da Linguística, mas em
outra esfera que delineia indagações relacionada à ideologia e ao sujeito, para ele todo discurso
deve ser estudado de acordo com as condições de produção, de tal forma que, um discurso não
pode ser analisado como um texto, mas é preciso fazer referência a outros discursos possíveis,
tendo como base as condições de produção. Atinamos então a proposta de Orlandi (2001) quando
concentra a ideia de que discurso não é apenas uma transmissão de informação e sim “o efeito de
sentidos entre locutores”.

Portanto, a Análise do Discurso vai além dos campos sintáticos, morfológicos e


semânticos, transcendendo as fronteiras que a Linguística possui abarcando questões ideológicas
e estudos sobre o sujeito e sua posição; neste sentido, proposto por Pêcheux (2012), o sujeito
representa as ideologias do meio social no qual está inserido e não o seu próprio pensamento. O
‘sujeito inconsciente’, proposto por Lacan (1957), não é o sujeito empírico ou sujeito subjetivo,
mas o próprio traço ausente no ‘eu’. Através de lapsos o sujeito inconsciente se revela no e pelo
discurso e, é o sujeito inconsciente (identificado imaginariamente com o traço ausente), e a
ideologia que afetam os discursos e delimitam Formações Discursivas. Compreendemos pelo
ângulo de Lacan (1957) o sujeito dividido entre o consciente e o inconsciente, entretanto,
estruturado a partir da linguagem.

• MEMÓRIA DISCURSIVA E INTERDISCURSO


Segundo Indursky (2011), a memória discursiva está ligada a existência histórica do
enunciado enquanto prática discursiva inserta por aparelhos ideológicos, ou seja, os enunciados
estão dentro das formações discursivas, em que recebem seus sentidos. Para Indursky, se a
memória discursiva se refere aos enunciados que se inscrevem em uma FD, isto significa que ela
diz respeito não a todos os sentidos, como é o caso do interdiscurso, mas aos sentidos
autorizados pela Forma-Sujeito no âmbito de uma formação discursiva. Mas não é só: a memória
discursiva também diz respeito aos sentidos que devem ser refutados. Ou seja: ao ser refutado
um sentido, ele o é também a partir da memória discursiva que aponta para o que não pode ser
dito na referida FD. (2011, p. 87) A memória discursiva, além de consolidar e mover sentidos,
também provoca o esquecimento dos mesmos. Por exemplo, alguns sentidos que em uma
determinada época podiam ser produzidos em uma formação discursiva, não podem mais ser
mencionados, lembrados, por conta das mudanças sociais e ideológicas. O interdiscurso é
fundamental para compreender o discurso, pois o fato de haver um já-dito vai dar a base de todo
o dizer, facilitando o entendimento da relação entre discurso, sujeito e ideologia. Para que as
palavras façam sentido, é necessário que já tenham feito antes. Ainda segundo Orlandi (2001, p.
33), “o interdiscurso é o conjunto de formulações feitas e já esquecidas que determinam o que
dizemos”. Diferente do interdiscurso, a heterogeneidade é compreendida, em termos gerais,
como sendo o discurso atravessado por outros discursos ou pelo discurso do outro. Entre esses
discursos vários, vincula-se a contradição, o confronto, a contemplação ou a dominação. De
acordo com Maingueneau (2008, p. 31), os linguistas definem dois modos da existência do outro
em um discurso: o primeiro se dá por meio da heterogeneidade mostrada, e o segundo mediante a
heterogeneidade constitutiva. Para distinguir uma a outra, Maingueneau afirma que a
heterogeneidade mostrada [...] é acessível aos aparelhos linguísticos, na medida em que permite
apreender sequências delimitadas que mostram claramente sua alteridade (discurso citado, auto-
correções, palavras entre aspas etc....). (2008, p. 31)

• SOBRE A GERAÇÃO BEAT


A Geração Beat é pouco conhecida no Brasil, quase nada fora publicado dos escritores de
prosa, ou poesia. No imaginário médio das pessoas, estes autores eram sinônimo de sujeira. A
cena beat trata de todos os acontecimentos culturais importantes, incluindo álbuns e poetas que
priorizavam que os poemas fossem recitados; a grande tentativa dos poetas beat era de retomar a
tradição oral da poesia. Por se entregarem à cultura das minorias, principalmente, o Jazz que
apresentava ser o meio concreto para este acontecimento, as obras começaram a ser escritas com
a batida das músicas. O verdadeiro “beat” [batida] fazia com que o leitor conseguisse sentir o
ritmo, movimento, embalo e, acima de tudo, a ligação com o corpo e com a sensualidade. Ao
passo que influenciou duas tribos culturais famosas como os Hippies e os Freaks, foi, também,
influenciado originalmente pelo Jazz. O nome beat generation foi criado por Jack Kerouac em
1952 e, vale lembrar, este nunca foi um movimento organizado. Os beats eram inquietos e se
chocavam direto com o conservadorismo americano. Era, verdadeiramente, uma geração em
movimento, seguindo as trilhas da efervescência e contestação que desaguava em num espaço
político, estético e existencial: Os escritores tentavam realizar, com furor, a “ligação direta entre
a arte e a vida”.
Deste modo, os autores de obras oriundas do período literário beat desdenhavam dos
moldes acadêmicos. Apesar de serem extremamente cultos, eles levavam um estilo de vida
diferente; acreditavam no conhecimento provindo das estradas.
Por fim, os beats surgem como uma contracultura do pesadelo vivido na américa pós-
guerra, requerendo, simplesmente, uma espécie de libertação. Criticados por divergentes lados
políticos, tanto direita quanto esquerda, tudo que beats como Allen Ginsenberg, Jack Kerouac,
William Burroughs, dentre outros, desejavam realizar eram prosas e poesias que tivessem um
beat, no sentido musical de batida, um feeling, no sentido literal de sentimento, e um swing, na
estética da dança (uma espécie de ginga, balanço) inalcançável pela ótica conservadora e
conformista da sociedade em que viviam.
Eles tinham ânsia pela liberdade.

• LANA DEL REY EM POUCAS PALAVRAS


Elizabeth Woolridge Grant, conhecida por seu nome artístico Lana Del Rey, é uma
cantora, escritora, compositora e atriz norte-americana. Nascida em Nova Iorque, 21 de junho de
1985, ela é conhecida por sua melodia e composições arrojadas em um estilo das décadas de
1950, 1960,1970, sendo uma referência hipster, indie e vintage nos dias atuais.
Lana Del Rey é considerada a “rainha” do indiepop no século XIX, além de ser
conceituada por críticos como uma das maiores compositoras da atualidade. Suas obras são
marcadas pelos momentos vividos durante o período dos moldes da old Hollywood referenciando
momentos icônicos da história norte-americana. Uma combinação entre o conservadorismo
americano e os bons costumes e o progressista submundo que coexiste nos povos libertários que
não segue tal moldes, refletindo poeticamente, conjuntamente, as inquietudes dos momentos
libertário social do século XX. Os discursos das músicas de Del Rey são formados pelas
condições de produção de uma determinada época e traduzem os pensamentos sociais de
determinados momentos do país.

• OBJETO DE ESTUDO
Ride
Eu estava no inverno da minha vida e os homens que eu conheci ao longo da
estrada foram meu único verão. À noite, eu dormia com visões de mim mesma
dançando, rindo e chorando com eles. Três anos sem rumo em uma turnê mundial sem
fim e lembrar-me deles era a única coisa que me sustentava, meus únicos momentos
reais de felicidade.
Eu era uma cantora, uma não muito popular, que sonhava em um dia ser uma
linda poetisa, mas diante de uma série de lamentáveis acontecimentos vi meus sonhos
serem arruinados e se partirem em milhões de estrelas no céu da noite para as quais eu
fazia novos pedidos [sonhos brilhantes e fragmentados].
Mas, realmente, eu não me preocupava, porque eu sabia que era necessário conseguir
tudo o que você sempre quis e depois perder para saber o que é a verdadeira liberdade.
Quando as pessoas que eu costumava conhecer descobriram o que eu estive
fazendo, como eu estava vivendo, elas me perguntaram:
— Por que?
Mas não adianta falar com pessoas que tem um lar, elas não tem ideia do que é procurar
segurança em outras pessoas. Lar é qualquer lugar onde você consegue descansar sua
cabeça.
Eu sempre fui uma garota incomum. Minha mãe me dizia que eu tinha uma alma
de camaleão, sem senso de moral apontando para o norte, sem personalidade fixa!
Apenas uma indecisão interior tão extensa e tão ondulante quanto o oceano. Porém, se
eu disser que não planejei para que tudo fosse desta forma eu estaria mentindo, porque
eu nasci para ser a outra mulher.
Eu não pertencia a ninguém, mas pertencia a todo mundo; não tinha nada, mas queria
tudo.
Com um fogo tão grande por cada experiência e uma obsessão por liberdade que
me apavorava até não conseguir nem falar sobre isso, o que me levou a um nômade
ponto de loucura que, ao mesmo tempo, me deslumbrava e me deixava tonta.

[início da música]

“Eu estive fora nessa estrada aberta


Você pode ser meu o tempo todo, papai
Branco e dourado
Reclamar tem ficado fora de moda
Você pode ser meu o tempo todo, amor
Quente ou frio
Não me destrua
Eu tenho viajado por muito tempo
Eu tenho tentado muito
Com uma bela canção
Eu ouço os pássaros na brisa de verão, eu dirijo rápido
Eu estou sozinha à meia-noite
Tenho tentado muito não entrar em problemas, mas eu
Eu tenho uma guerra em minha mente
Então, eu apenas sigo em frente
Apenas sigo em frente
Eu apenas sigo em frente
Apenas sigo em frente
Morrendo jovem, e eu estou jogando duro
É assim que meu pai fez de sua vida uma arte
Beber o dia todo, e nós conversamos até escurecer
É assim que os motoqueiros fazem, de manhã até escurecer
Não me deixe agora
Não diga adeus
Não dê as costas
Me deixe protegida
Eu ouço os pássaros na brisa de verão, eu dirijo rápido
Eu estou sozinha à meia-noite
Tenho tentado muito não entrar em problemas, mas eu
Eu tenho uma guerra em minha mente
Então, eu apenas sigo em frente
Apenas sigo em frente
Eu apenas sigo em frente
Apenas sigo em frente
Eu estou cansada de me sentir como se eu estivesse louca pra caralho
Cansei de dirigir até ver as estrelas nos olhos
Isso é tudo que tenho para me manter sã, amor
Então eu apenas sigo, apenas sigo
Eu ouço os pássaros na brisa de verão, eu dirijo rápido
Eu estou sozinha à meia-noite
Tenho tentado muito não entrar em problemas, mas eu
Eu tenho uma guerra em minha mente
Então, eu apenas sigo em frente
Apenas sigo em frente
Eu apenas sigo em frente
Apenas sigo em frente”

[final da música]

Toda noite eu costumava rezar para que eu pudesse encontrar o meu povo e,
finalmente, eu encontrei na estrada aberta. Nós não tínhamos nada a perder, nada a
ganhar. Nada mais que desejássemos, exceto, tornar nossas vidas em uma obra de arte.
Viva rápido, morra jovem. Seja selvagem e divirta-se
Eu acredito no continente que América costumava ser.
Eu acredito na pessoa em que eu quero me tornar.
Eu acredito na liberdade da estrada aberta.
E o meu lema é o mesmo de sempre:

— Eu acredito na bondade de estranhos.


E quando eu estou em guerra comigo mesma, eu sigo. Eu apenas sigo...

Quem é você?
Você está em contato com suas fantasias mais sombrias?
Você criou uma vida para si mesmo onde você está livre para experimentá-la?
Eu criei! Eu sou louca para caralho...
..., mas eu sou livre!

• O CURTA-METRAGEM RIDE
Em Ride, resumidamente, Lana Del Rey tece um monólogo em forma de poema,
anteriormente e posteriormente à canção, traçando um paralelo análogo entre a personagem
narradora, criada e vivida por ela no curta-metragem, com sua pessoalidade, utilizando o artifício
da personagem para aproximar o discurso de suas experiências reais e pessoais. Nesta obra, o eu
lírico claramente carrega com ele também a voz da cantora como um sujeito inconsciente,
marcado ideologicamente.

O vídeo inicia com uma cena onde a personagem se encontra sentada em um balanço de
pneu. Ela é vista com diversos homens, caminhando pelas ruas noturnas e viajando pela estrada
na garupa de uma motocicleta, cercada por um bando de motociclistas vestidos de couro.

Algumas cenas incluem a personagem feliz, envolvendo-se na bandeira norte-americana,


validando o antigo conceito do sonho americano com o “pé na estrada”, grito libertário de Jack
Kerouac. Entre outros episódios a cantora simula diversos affair com homens mais velhos, -
encena cenas de sexo um deles em uma máquina de pinball, assenta nas pernas de um
personagem distinto, viaja com um terceiro e tem seus cabelos penteados em um quarto de Motel
por um outro homem-. A liberdade sexual feminina e a sensualidade são hiperbólicas aqui. A
cantora simboliza elementos que permitem ao espectador deduzir que ela se prostitui, há cenas
onde ela é vista à noite nas ruas parando carros, aparentemente à procura de pretendentes. Em
determinada cena, ela veste um cocar de penas como se fosse nativa-americana, aponta um
revolver para a própria cabeça enquanto diz "eu tenho uma guerra em minha mente", como se
representasse tanto os nativos americanos, quanto os pistoleiros em tempos do velho oeste; ela
une a personificação de herói e do vilão, ao mesmo tempo, em uma só pessoa; uma espécie do
velho conceito da filosofia chinesa Yin Yang (duas energias opostas). Perto do final do vídeo, há
uma série de cenas alternativas que demonstram a cantora rolando na areia em disposição de
êxtase pela liberdade. A cena final serve como ouroboros terminado o filme onde começou, Lana
Del Rey se encontra na mesma circunstância do início do vídeo; ela está sozinha balançando-se
no pneu.

• ANALISE
De acordo com a teoria da Análise do Discurso de linha francesa, analisamos o corpus
com o objetivo de identificar a presença da memória no âmbito do discurso Beat, destacando o
interdiscurso, a repetibilidade e ressignificação, além da heterogeneidade.

Os textos literários são dotados de discursos diversos. Em Ride, o eu lírico carrega com ele
também a voz do autor, de um sujeito inconsciente, marcado ideologicamente. Neste âmbito, a
poetisa Lana Del Rey abastece em suas linhas discursivas questões sociais, políticas e amorosas
da revolução beat referenciando os temas e objetivos difundidos na sociedade norte-americana
durante o final da década de 50 e, consequentemente, durante a década 60, deste modo,
denotamos que o poema está dotado de interdiscursos, insertos em uma rede de memória
discursiva.

Analisar um discurso poético com alicerce na narrativa literária certamente não é tão
simples quanto se parece. O poema de Lana Del Rey tem seus versos escritos como grito de uma
geração batida, possui musicalidade antes mesmo do início da música de fato símir ao poema de
Allan Ginsenberg que possuía o beat no triplo sentido de “batida”, derrotada, mas também
beatificada, além da pulsação do jazz. Lana age como age como um poeta desta geração passada
que desejava liberdade e uma poesia colada à vida no grau máximo, agregando outros traços que
formulam esta rede de discursos.
Quando a autora cita o lema “viva rápido, morra jovem” cunhada por James Dean, que
adiante teve grande peso na geração beat e o complementa com um novo lema “seja selvagem e
se divirta” acarreta na emergência de enunciado que, espontaneamente, rompe com a ideia de
origem, fabricando novas condições;Salientamos que ler um poema pode e deve ir além da
dimensão da estrutura ou do conteúdo do texto. A perspectiva discursiva nos leva a interrogar a
respeito dos sentidos que o poema coloca em funcionamento e isso nos permite contemplar a
determinação histórica dos sentidos, o mesmo e o diferente, a possibilidade de o sentido ser
outro, pois, muito a língua carga resquícios de uma outra época.
histórias de possibilidade. Foucault esclarece: Não à especificação das frases que são
possíveis ou gramaticais, mas à especificação sócio-historicamente-variável de formações
discursivas, aqui detemos sistemas de regras que tornam possível a ocorrência de certos
enunciados que interligam os dois momentos históricos, distintos em determinados tempos,
lugares e localizações institucionais.
Enquanto Lana Del Rey balança-se no pneu, sozinha em meio ao deserto colossal, ela
parece obter sua liberdade desejada, esta cena representa esse limbo abstraído quase como se ela
finalmente tenha se libertado das pressões do mundo e balançasse como se fosse um pêndulo em
favor do escapismo.
“Eu estava no inverno da minha vida e os homens que conheci ao longo da estrada eram
meu único verão. À noite, eu adormecia com visões de mim mesma dançando e rindo e
chorando com elas. Três anos abaixo da linha de estar em uma turnê mundial sem fim,
minhas memórias deles são a única coisa que me sustentou e meus únicos momentos
felizes reais. ”

Esta descontinuidade da história narradas pela protagonista na obra, representa a


sucessão de fases que obedece a uma lógica puramente discursiva, o inverno revela uma gélida
fase impetuosa, ao passo que o verão é uma estação de fuga descontraída da vida.

Ela se encontra verdadeiramente querida com os homens que ela partilha seu bel-prazer
e, desarte, ela age em transgressão com os moldes machistas que são acalcanhados para as
mulheres na sociedade; agindo de forma controversa ela assenhoreia uma posição de não-adesão
aos moralismos e às convenções sociais que lhe são impostas. Com abundantes relações
amorosas ela vive o amor livre, conservando o ideal de liberdade-mor e abandono das normas
sociais, contestando as virtudes do polêmico “lado-B” e renegando o materialismo à semelhança
dos escritores da geração beat. A história escrita por ela perpassa o acontecimento histórico para
o acontecimento discursivo, porém, que não perde o conceito histórico; a escrita de sua história
vivendo a ideologia deste movimento longínquo é uma escrita histórica como processo de
interpretação. Nesta obra, evidentemente, ela se situa como o sujeito do acontecimento
discursivo.

Sua ânsia por esses homens não é tanto uma necessidade prolongada de estar em sua
companhia, mas uma necessidade do que eles forneceram para ela: um sentimento desiludido
para salvá-la de si mesma. Este influxo deles sob ela seria o que Athusser (1970) entenderia
como os aparelhos ideológicos do que viria ser entendido como micropoderes por Focault.
Simbolicamente eles se tornam a forma mais pura do Sonho Americano. A história e a psicologia
afirma direta e indiretamente que os brancos heterossexuais têm direito porque representam a
maioria

Seu refúgio torna-se a estrada aberta e o deslocamento com indivíduos que pensam da
mesma forma que impulsionam a noção de ignorância como felicidade. A estrada aberta torna-se
um símbolo icônico e encapsulante para o Sonho Americano e para o olhar nostálgico de Lana
sobre a beleza da tragédia e a tragédia da beleza, a referencia com um dos mais importantes beat
Jack Kerouac é ampla, o próprio título de seu livro “Pé na Estrada” (On the Road) serve de
refêrencia.
“A pureza da estrada. A linha branca no meio da rodovia desenrolava e abraçava nossa
roda esquerda como se estivesse colada ao nosso groove” KEROUAC (1984)

Lana sintetiza a ideia de uma beleza trágica - uma Marilyn Monroe pós-moderna que,
simultaneamente, é bela e livre, mas também envolvida pelas mesmas construções. Esta
diferenciação se dá por meio de séries enunciativas onde o objeto de discurso “período”
disntigue as duas.
“Eu era uma cantora, não muito popular. Eu já tive sonhos de me tornar um belo poeta.
Mas, após uma infeliz série de eventos, aqueles sonhos se desfizeram e se dividiram
como um milhão de estrelas no céu noturno que eu desejava repetidas vezes - cintilantes
e quebradas. Mas eu realmente não me importo porque sei que é preciso tudo o que
você sempre quis e depois perdê-lo para saber o que é a verdadeira liberdade. ”

Cinematicamente, a cena começa com Lana retratada como uma prostituta de


prostitutas do lado de fora de um motel desprezível. Os motéis representam a coragem da
sociedade americana à medida que atos imorais se desdobram no segredo das salas "sagradas". A
cena justapõe a beleza de Lana no palco com a coragem de seu desvio sexual oculto -
relacionado à forma como Del Rey constantemente manipula a ideia do Sonho Americano com
seu lado escuro correspondente. Ela também toca na violência e na psicose, pois seu desejo de
ser poeta não é respondido especulativamente, de um crime violento que ela comete em busca de
sua liberdade. Isso transmite o custo e a conseqüência de agir como um rebelde sem causa. Qual
é o custo da verdadeira liberdade? Pode levar alguém a um ponto de insanidade onde a única
maneira de alcançar a liberdade é a violência como meio de poder. Interessante notar que o
homem a quem Lana aponta a arma para presumivelmente assassinar não tem rosto nem
identidade. Não importa quem ele é, pois ele é um símbolo de como ela, em um ataque de
comportamento sociopata, comete ações ilegais como um meio de ganhar liberdade e controle.
Ela também não se responsabiliza pela "série de eventos infelizes" e a considera como fatores
externos que estão fora de seu controle, embora ela tenha motivado esses eventos. A afirmação:
"É preciso tudo o que você sempre quis e depois perdê-lo para saber o que é a verdadeira
liberdade" é um discurso correspondente à perda da realidade e à atração gravitacional do desejo,
então, há um princípio de diferenciação que circunscreve o objeto do qual o discurso fala. Ela já
não pode ser o que ela queria se tornar, então ela sucumbe a esse horror enquanto finalmente se
sente livre pela primeira vez. A sequência cinematográfica que segue a "verdadeira liberdade"
mostra Lana na glória da estrada aberta, cruzando com seus companheiros de espírito livre em
uma representação romântica, lenta e ensolarada da estrada. Ela conecta incessantemente
liberdade com mobilidade e mobilidade com liberdade.
“Quando as pessoas que eu conhecia descobriram o que eu tenho feito, como eu vivi,
elas me perguntam por quê. Mas não adianta falar com pessoas que têm uma casa. Eles
não têm idéia de como é procurar segurança em outras pessoas. Para o lar estar onde
quer que você minta a sua cabeça.

A cena constrói tensão à medida que vemos a complexidade dessa mulher


problemática. Ela está perdida no mundo enquanto tenta se encontrar e liberdade. Suas pernas
tremem e sua expressão facial é de exasperação - ambas parecem mais ansiosas do que ligadas à
liberdade. Isso é para mostrar as forças conflitantes no trabalho. Se ela é livre, como ela parece
sobrecarregada e perdida? Ela é uma rebelde sem causa em busca de qualquer tipo de significado
e refúgio onde possa. Ela vive fixada à fixação e define isso como uma noção falsa e errônea de
liberdade. A liberdade não é intrínseca a essa heroína enquanto ela luta para alcançar a ilusão da
liberdade.
“Eu sempre fui uma garota incomum. Minha mãe me disse que eu tinha uma alma
camaleônica. Nenhuma bússola moral apontando para o Norte; Nenhuma personalidade
fixa. Apenas uma indecisão interior que é tão ampla e oscilante quanto o oceano. E se eu
dissesse que não planejei que desse certo, eu estaria mentindo. Porque eu nasci para ser
as outras mulheres. Eu não pertencia a ninguém que pertencia a todos. Quem não tinha
nada, quem queria tudo; com um fogo para cada experiência e uma obsessão pela
liberdade que me aterrorizava a um ponto que eu nem sequer conseguia falar - e me
empurrou para um ponto de loucura nômade que tanto me ofuscou e me confundiu. ”

A conclusão conecta a essência temática ao vermos essa garota problemática afirmar


sua existência. Sua ansiedade na sequência anterior a isso se dissipa com a chegada do homem
no veículo. Ela está segura como ela pode se definir através deste homem e se libertar do
labirinto de sua mente para se envolver em escapismo sexual. Ela sabe o certo do errado, mas
deseja ser essa alma penetrantemente atormentada, sem outro propósito senão experimentar a
emoção de uma vida "nômade". "Eu nasci para ser a outra mulher" é sua armadilha e subjugação
à beleza trágica que ela parece perpetuar. Ela acredita que nasceu para viver esta vida "nômade"
como a outra mulher que nunca poderia obter verdadeira satisfação ou segurança pessoal. Ela
está perdida, mas propaga um engano de decepção e desilusão para fingir liberdade. "Eu não
pertencia a ninguém que pertencia a todos", é um comentário sobre essa obsessão pela satisfação
e a decepção em suas realidades vazias. "Quem não tinha nada e queria tudo" é um comentário
da idéia difundida ao longo do monólogo de que o Sonho Americano ainda define essa
construção da liberdade e a busca que segue na esteira da liberdade. A frase final conecta a ideia
de beleza trágica e liberdade juntos. “… Me empurrou para um ponto nômade de loucura que
tanto me ofuscou como me confundiu”, ressalta seu desejo insaciável de liberdade, mas a
sensação irônica de armadilha que vem com ela e destaca a tragédia na beleza e vice-versa. Ela
está perdida. Ride é sobre sua jornada para se encontrar e encontrar a verdadeira liberdade que
não é definida por sua obsessão pela liberdade, mas definida pela beleza da própria liberdade.

Por não estar posicionada como um indivíduo pertencente ao movimento político de


contracultura beat, e apesar de não falar sobre o movimento durante o poema, ela age como se
acreditasse que ela própria é a “autora do enunciado” PÊCHEUX (1969). Entretanto, o
interdiscurso está sempre presente em outros discursos. Isto se dá por meio da repetição em que
as formações discursivas estão presentes na memória social. Nesse contexto, esse trabalho tem
como objetivo analisar a memória discursiva em RIDE de Lana Del Rey, identificando o
interdiscurso presente nos textos, bem como os efeitos de sentido causados. Além disso, será
verificada o reiteramento dos discursos e a relação da heterogeneidade com o monólogo literário.
Quem é você?
Você está em contato com suas fantasias mais sombrias?
Você criou uma vida para si mesmo onde você está livre para experimentá-la?
Eu criei! Eu sou louca para caralho...
..., mas eu sou livre!

Se confronta inteiramente com o trecho do livro Pé Na Estrada, publicado pela primeira vez em
1957, nos Estados Unidos, onde o heterônimo e eu-lírico de Kerouac diz,
para mim, pessoas mesmo são os loucos, os que estão loucos para viver, loucos para falar,
loucos para serem salvos, que querem tudo ao mesmo tempo, aqueles que nunca bocejam
e jamais dizem coisas comuns, mas queimam, queimam, queimam como fabulosos fogos
de artifício, explodindo como constelações em cujo centro fervilhante — pop — pode-se
ver um brilho azul e intenso até que todos “aaaaaaah!”
A idealização de loucura como formulação discursiva compartilhada por ambos, funciona como
o interdiscurso, a formulação, ou o fio do discurso, enquanto a no interdiscurso nos espelha a
rede de memórias, isto é, o enunciado discursivo imagético de “loucura” partilhado pelos dois
escritores é a palavra, o léxico, que se repete durante a história transcorrida entre um e outro
texto literário, enquanto o interdiscurso é o sentido também partilhado por ambos que com essa
frase renovadamente apresenta.

Concluindo, Ride aquinhoa da arqueologia, ou seja, o arquivo executado como um


conjunto de discursos produzidos efetivamente nesta determinada época, como delimita
Foucault, pertencente às obras literárias e ideologia da Geração Beat e por meio do enunciado,
como segue o sustento da teoria do autor, Lana Del Rey inscreve sua obra na história do
movimento, posiciona seu sujeito, conta com a materialidade, implica a função enunciativa e
usufrui do campo associativo.

• CONSIDERAÇÕES FINAIS
Lana é uma cantora e compositora de grande expressão contemporânea, o discurso das
suas obras está marcado pelas condições de produção da época da geração beat em contraponto
com a atualidade. No decorrer da pesquisa, foi estudado o monólogo presente em Ride, sob a
teoria da Análise do Discurso de linha francesa, em que foi constatada a presença do
interdiscurso nos poemas, ratificando que todo e qualquer discurso é formado a partir de um
outro já dito antes, em outro lugar. Também, notamos a presença da heterogeneidade constitutiva
nos versos de Del Rey, no texto, portanto, apontamos fatos que autenticam o fato de que os
discursos heterogêneos do movimento beat estão presentes em seu poema. Nota-se que o sujeito
é inconsciente e ideológico, a autora repete os discursos, fazendo uso do pré-construído, sem ter
a consciência disso. Ela enquanto narradora e sujeito da obra, acredita que é a dona do seu
próprio discurso, quando na verdade não há controle sobre o dizer (há a ilusão do controle, o
efeito de evidências). Destarte, há é a memória discursiva, marcada pelo social, pela
repetibilidade, como foi verificado nos versos analisados. Foi percebido, também, que os
sentidos podem ser refutados, negados, de acordo com as formações discursivas e a posição-
sujeito. A memória discursiva remete aos sentidos autorizados de acordo com a posição-sujeito
no âmbito de uma formação discursiva. Nesse caso, a memória discursiva regula o que pode e o
que não pode ser dito em uma formação discursiva e, desse modo, os enunciados poéticos de
Lana Del Rey estão dotados de interdiscursos, insertos em uma rede de memória discursiva.
O destino conclusivo deste trabalho foi de explorar o teor libertário presentes nas obras
tecidas durante o período de criação efetiva da geração beat e os traços influentes presentes no
poema da cantora. Devemos, portanto, entender que a análise foi bem-sucedida pois denotamos o
intrínseco discurso nas expressões linguísticas, formal e conteudista eu ambos os movimentos, de
séculos distintos, partilham.

• REFERÊNCIAS
Bueno, André, and Fred Góes. O que é Geração Beat. Brasiliense, 1984.
MALDIDIER, D. A inquietação do discurso: (re)ler Michel Pêcheux hoje. Campinas-
SP: Pontes, 2003
SCHERER, A.E. and TASCHETTO, T.R., 2005. O papel da memória ou a memória do papel
de Pêcheux para os Estudos Lingüístico-Discursivos. Estudos da Língua (gem), (1), pp.119-
123.
Nunes, José Horta, Michel PÊCHEUX, and Pierre ACHARD. "Papel da
memória." Campinas–SP: Pontes (1999).
INDURSKY, Freda. MITTMANN, Solange. FERREIRA, Maria Cristina. Memória e
história na/da Análise do Discurso. 1.ed. São paulo: Mercado de Letras, 2011.
ORLANDI, Eni P. Análise de Discurso: princípios e procedimentos. 3.ed. São Paulo:
Pontes, 2001.
Del Rey, Lana, and Justin PARKER. "Ride." Born to die: the Paradise edition.
Interscope Records (2012).
MAINGUENEAU, Dominique. Gênese dos discursos. 3.ed. São Paulo: Parábola, 2008.
KEROUAC, Jack. Pé na estrada. 1984.

Você também pode gostar