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Fraturas do calcâneo: tratamento cirúrgico

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OSNY SALOMÃO , TÚLIO DINIZ FERNANDES ,
ANTONIO EGYDIO DE CARVALHO JR. , JULIO MARQUES , MARTA IMAMURA3
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RESUMO ção da articulação subtalar como da articulação calcâ-


(3,4,8)
neo-cubóidea .
Os autores analisaram 32 pacientes com 38 fraturas
A proposta do nosso estudo é apresentar os resulta-
intra-articulates do calcâneo. Apresentam os resultados
dos de 32 fraturas intra-articulares do calcâneo tratadas
em 32 fraturas tratadas por via de acesso lateral, com
por redução aberta e fixação interna por via de acesso
redução aberta, fixação interna e mobilização precoce.
lateral.
A indicação cirúrgica foi feita baseada na avaliação da
tomografia computadorizada. Os bons resultados ocor-
reram em 29 pacientes, que se apresentavam sem dor e com MATERIAL E MÉTODOS
mobilidade subtalar satisfatória. Os autores estudaram 38 fraturas intra-articulares
do calcâneo em 32 pacientes, seis com fraturas bilaterais,
SUMMARY sendo 31 do sexo masculino e um do feminino. A média
Fractures of the calcaneus: surgical treatment de idade dos pacientes foi de 37,6 anos, variando de 17
a 55 anos. O lado envolvido mais freqüentemente foi o
The authors analyze 32 patients with 38 intra-articu- direito, com 27 casos, e 11 esquerdos.
lar fractures of the calcaneus. They present the results O mecanismo de trauma principal é a queda de altu-
of 32 fractures treated by lateral approach and open ra, que ocorreu em 30 pacientes. Lesões associadas ocor-
reduction, internal fixation and early mobilization. Sur- reram na coluna, com cinco fraturas de corpo vertebral,
gical indication was based on the CT scan. Good results tálus (2), punho (2), tornozelo (1) e metatarso (l).
free of pain and satisfactory subtalar joint motion were As fraturas foram avaliadas pré e pós-operatória-
observed in 29 patients. mente com radiografias nas incidências de perfil, axial
posterior de Harris e oblíquas de Bróden e com tomogra-
INTRODUÇÃO fia computadorizada nas incidências coronal e trans-
As fraturas do calcâneo permanecem como proble- versal.
ma diagnóstico e terapêutico. A análise dos resultados A indicação cirúrgica foi feita nas fraturas intra-ar-
encontrados na literatura é difícil pela falta de séries com- ticulares com desvio do calcâneo, que apresentam frag-
paráveis entre si. Os tratamentos descritos incluem imo- mento sustentacular ou súpero-medial forte o suficiente
bilização gessada até redução aberta e fixação ou mes- para suportar parafusos de fixação avaliado pela TC.
(1-3,5-7,9-12)
mo artrodese em primeiro tempo .
O estudo criterioso do grau de comprometimento TÉCNICA CIRÚRGICA
da superfície articular talocalcaneana e o tamanho e o
A abordagem da fratura é feita por uma via de aces-
número de fragmentos do calcâneo são pré-requisitos
(8) so lateral. A incisão de pele é iniciada logo atrás do ma-
para a escolha do tratamento adequado . A tomografia
léolo lateral e prolonga-se distalmente ao longo do bor-
computadorizada representa grande avanço no diagnósti-
do superior dos tendões fibulares até o nível da articula-
co das fraturas do calcâneo, permitindo não só a avalia-
ção calcâneo-cubóidea.
Os tendões fibulares são afastados plantarmente,
1. Prof. Assoc. do Dep. de Ortop. e Traumatol. da Fac. de Med. da
Univ. de São Paulo. evitando-se lesar sua bainha. O seio do tarso é então ex-
2. Aux. de Ensino do Dep. de Ortop. e Traumatol. da Fac. de Med. posto e identifica-se a superfície articular posterior, a
da Univ. de São Paulo. cortical lateral e a articulação calcâneo-cubóidea.
3. Méd. Assist. do Hosp. das Clín. da Fac. de Med. da Univ. de São A redução da fratura é feita de distal para proxi-
Paulo, Inst. de Ortop. e Traumatol. mal e os fragmentos são fixados temporariamente com

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O. SALOMÃO, T. D. FERNANDES, A. E. CARVALHO JR., J. MARQUES & M. IMAMURA

fios de Kirschner direcionados para O pós-operatório é feito com


o fragmento sustentacular ou súpero- um compressivo gessado suropodáli-
medial. co por duas semanas e então mobiliza-
Radiografias são feitas para con- ção precoce da articulação subtalar.
firmar a redução e então a fixação A carga é retardada por 12 semanas.
definitiva é feita com pequenos para-
fusos de esponjosa (fig. 1 A, B, C, RESULTADOS
D) ou uma placa em forma de “H” Nessa séie de 38 fraturas, 32 fo-
(fig. 2 A, B, C, D). Não utilizamos ram operadas por redução aberta e
enxerto ósseo para preencher a cavida- fixação interna. Em três casos foi fei-
de criada pela redução da fratura. ta artrodese tripla primária, pela im-

Fig. 1 — Pré-operatório. A) Radiografia de


perfil. B) TC em corte coronal.

Fig. 2 — Pré-operatório. Radiografias de perfil (A) e axial posterior (B).

Fig. 1 — Pós-operatório. Radiografias de per-


fil (C) e axial posterior (D). Fig. 2 — Pós-operatório. Placa em forma de “H” (C e D).

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FRATURAS DO CALCÂNEO: TRATAMENTO CIRÚRGICO

possibilidade de redução dos fragmentos; em outros três, Quando avaliado pela TC, o fragmento sustentacu-
utilizou-se a técnica de Essex-Lopresti. O seguimento va- lar ou súpero-medial forma uma cortical medial forte o
riou de seis a 38 meses, com média de 18,2. suficiente para suportar a colocação de parafusos ou
A avaliação dos resultados foi baseada na qualida- fios de Kirschner.
de da redução, na movimentação da articulação subtalar Muitas vias de acesso têm sido utilizadas no trata-
e nos sinais clínicos. mento das fraturas do calcâneo. McReynolds populari-
zou a via medial partindo da suposição de que o frag-
As superfícies articulates subtalar e calcâneo-cubói-
dea foram restauradas em todos os casos. E não houve mento sustentacular estava desviado e rodado(1,5) . No en-
desvios secundários no seguimento. tanto, a partir dos trabalhos de Gilmer & col. com TC,
comprovou-se que o fragmento súpero-medial permane-
Alguns pacientes (7) apresentaram edema residual. ce alinhado com o tálus e o fragmento tuberositário es-
Nos últimos quatro pacientes, foi feita uma avaliação iso- tá desviado lateralmente .
(3,4,8)

cinética de força muscular e movimentação subtalar pe-


A maioria dos autores prefere a via de acesso late-
la Cybex 350 com um mínimo de seis meses pós-operató- (3,7-9)
ral . Ela permite a redução da articulação subtalar
rio, demonstrando-se bons resultados da movimentação
posterior sob visão direta, a descompressão dos tendões
da articulação subtalar.
fibulares e do nervo sural pela correção do abaulamen-
Bons resultados sem dor e movimentação articular to da cortical lateral e a abordagem da articulação calcâ-
satisfatória foram observados em 29 pacientes. neo-cubóidea.
As complicates foram seis pacientes com necrose Stephenson preconiza a utilização rotineira de uma
superficial de pele e dois que evoluíram para osteomieli- via de acesso lateral seguida da medial
(10,11)
. No nosso
te crônica do calcâneo, sendo que um deles tinha sido estudo, a via medial é usada quando as radiografias in-
submetido a uma artrodese tripla primaria. tra-operatórias mostram que não houve redução adequa-
da da cortical medial. Nessa série, não foi necessária via
DISCUSSÃO medial em nenhum caso.
Nas fraturas em que o fragmento sustentacular é co-
As fraturas intra-articulates com desvio do calcâ-
minutivo, a dificuldade técnica para a redução aumenta.
neo têm sido motivo de muita controvérsia na literatu-
(1,5,6,9-11) Essas fraturas talvez devam ser tratadas de maneira não
ra . As causas mais freqüentemente relacionadas
invasiva. Na nossa casuística, em dois pacientes não foi
com maus resultados são a incongruência da articulação
possível a redução da fratura pela gravidade da comi-
subtalar e artrose, alargamento do calcâneo com impac-
nuição e optou-se por uma artrodese intra-operatoria-
to dos tendões fibulares ou do nervo sural e comprome-
(5,8) mente.
timento da articulação calcâneo-cubóidea .
A utilização de enxerto ósseo e desnecessária, pois
Muitos métodos têm sido utilizados no tratamento
o preenchimento da cavidade criada pela redução dos
dessas fraturas, como a manipulação e imobilização ges- (9)
fragmentos ocorre rapidamente . Nos nossos casos, não
sada, redução com fio percutâneo tipo Essex-Lopresti,
(2,3,5,8-10,12)
houve desvios secundários no pós-operatório, mas o
redução aberta e fixação; e artrodese . apoio deve ser evitado por pelo menos 12 semanas.
As fraturas do calcâneo devem ser tratadas co- As fraturas do calcâneo em geral ocorrem por que-
mo qualquer fratura intra-articular, seguindo os prin- das de altura, levando freqüentemente a edema importan-
cípios de redução anatómica, fixação e mobilização te e flictenas. Por isso, a cirurgia deve ser retardada em
precoce. poucos dias, para prevenir problemas com a pele. Mas
A tomografia computadorizada é fundamental no as fraturas com mais de duas semanas de evolução apre-
diagnóstico dessas fraturas. Ela permite uma avaliação sentam grande dificuldade de redução e a indicação ci-
completa das superfícies articulares subtalar e calcâneo- rúrgica deve ser feita com cuidado.
cubóidea e a identificação do número e tamanho dos frag- Nesta série, houve infecção profunda em dois ca-
(4,8)
mentos da fratura . sos. Atualmente, estamos fazendo antibioticoterapia pro-
As fraturas intra-articulares só podem ser reduzidas filática rotineiramente.
anatomicamente pela via aberta. Assim, o tratamento No seguimento pós-operatório, tivemos 29 pacientes
cirúrgico é indicado nas fraturas que comprometam a com bons resultados. Mas edema residual e algum grau
superfície articular com desvio dos fragmentos alteran- de diminuição da movimentação subtalar são achados
do a altura e largura do osso. clínicos freqüentes.

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O. SALOMÃO, T.D. FERNANDES, A.E. CARVALHO JR., J. MARQUES & M. lMAMURA

CONCLUSÕES 5 . McReynolds, I.S.: Trauma to the os calcis, in Jahss, M. (Ed.):


Disorders of the foot, Philadelphia, W.B. Saunders, 1982. p.
1) A redução aberta e fixação interna por uma via 1497-1542.
de acesso lateral é um bom método de tratamento para 6 . Romash, M.M.: Calcaneal fractures: three-dimensional treatment.
as fraturas intra-articulares do calcâneo. Foot Ankle 8: 180-197, 1988.
2) A tomografia computadorizada é fundamental 7 . Ross, S.D.K. & Sowerby, M.R.R.: The operative treatment of frac-
para a indicação ou não do tratamento cirúrgico das fra- tures of the os calcis. Clin Orthop 199: 132-142, 1985.
turas do calcâneo. 8 . Sanders, R., Hansen, S.T. & McReynolds, I.S.: Fractures of the
3) Enxerto ósseo não foi necessário nesta série. calcaneus, in Jahss, M. (Ed.): Disorders of the foot and ankle,
Philadelphia, W.B. Saunders, 1991. p. 2326-2354.

REFERÊNCIAS 9 . Souer, R. & Remy, R.: Fractures of the calcaneus with displace-
ment of the thalamic portion. J Bone Joint Surg [Br] 57: 413-421,
1 . Burdeax, B.D.: Reduction of calcaneal fractures by the McRey- 1975.
nolds medial approach technique and its experimental basis. Clin 10. Stephenson, J.R.: Displaced fractures of the os calcis involving
Orthop 177:87-103, 1983. the subtalar joint. The key hole of the superomedial fragment.
2 . Essex-Lopresti, P.: The mechanism reduction techniques and re- Foot Ankle 4: 91-101, 1983.
sults in fractures of the os calcis. Br J Surg 39: 395-419, 1952. 11. Stephenson, J.R.: Treatment of displaced of the calcaneus using
3 . Giachino, A.A. & Uhtoff, H.K.: Intra-articular of the calcaneus. medial and lateral approaches, internal fixation, and early mobili-
J Bone Joint Surg [Am] 1: 784-787, 1989. zation. J Bone Joint Surg [Am] 69: 115-130, 1987.
4 . Gilmer, P.W., Herzenberg, J., Frank, J.L., Silverman, P., Marti- 12. Thompson, K.R.: Treatment of comminuted fractures of the cal-
nez, S. & Goldner, J.L.: Computerized tomography analysis of caneus by triple arthrodesis. Orthop Clin North Am 4: 189-191,
acute calcaneal fractures. Foot Ankle 6: 184-193, 1986. 1973.

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