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Índice Plantas trepadeiras 134

Orquídeas138
Se quiser saber mais 141
capítulo 1
A natureza em mudança
capítulo 5
A evolução natural 10
Os cogumelos
Um compromisso natural 18
Natureza e cultura 20 A vida de um cogumelo 147
Se quiser saber mais 28 A estrutura de um cogumelo 149
Os grupos de cogumelos 152
Como se alimentam? 164
capítulo 2
Se quiser saber mais 167
As paisagens
Os tipos de paisagem 35
capítulo 6
As paisagens agrárias 37
O litoral
As manchas de floresta 42
Matos e matagais 45 O mar 170
As paisagens serranas 46 A praia 176
As zonas húmidas 48 A costa rochosa 179
As paisagens costeiras 51 Os sapais  182
Se quiser saber mais 53 As dunas 186
Se quiser saber mais 190
capítulo 3
As árvores e os arbustos capítulo 7
A influência das estações
As folhosas 59
As resinosas 91 Primavera, vida nova… 197
Se quiser saber mais 98 O verão 201
O outono vem aí… 205
Inverno, tempo de repouso 208
capítulo 4
As pequenas plantas e flores silvestres
Fetos, musgos e líquenes 102 Bibliografia aconselhada 214
Ervas e flores dos campos 105 Índice remissivo 216
Flores dos matos e matagais 118 Parques naturais e outros locais de interesse 223
Plantas de zonas húmidas 125 Associações e instituições  224
Plantas carnívoras 131
PORTUGAL NATURAL I AS PEQUENAS PLANTAS E FLORES SILVESTRES

No capítulo anterior descrevemos um conjunto de árvores e • Antes de mais, convém pôr os pontos nos is: os líquenes não são
arbustos que podemos encontrar no nosso país. Não ligámos às flores silvestres e, na verdade, nem sequer são plantas. São só,
plantas mais pequenas, porque lhes havíamos destinado um capí- digamos, “meias plantas”. Na realidade, não são um, mas sim dois
tulo inteirinho, uma vez que são totalmente merecedoras de um organismos, ligados entre si de certa maneira: uma alga e um fungo,
tratamento especial… que vivem conjuntamente numa relação de mútuo benefício, a
que se chama simbiose (veja Como se alimentam?, nas páginas 164
Nessas plantas “mais pequenas” incluímos as herbáceas, a que, e 165). Mesmo assim, resolvemos falar deles, porque, quando são
despreocupadamente, chamaremos ervas; e outras plantas que verdes, passam por plantas aos olhos de muita gente; e, quando
se encontram a meio caminho entre as herbáceas e as lenhosas — não o são, dão nas vistas na mesma. Já alguma vez reparou, por
que não são propriamente arbustos, mas também não são ervas exemplo, numas pequenas manchas vermelho-alaranjadas a fazerem-
(alguns chamam-lhes subarbustos). Mas também não podíamos -se notar, irreverentemente, sobre rochas, troncos de árvores ou
deixar de fora alguns arbustos de flores bonitas e vistosas, que, telhados? Às vezes, estão de tal maneira agarradas às rochas que
por isso mesmo, toda a gente vê mais como flores silvestres do que até parecem fazer parte delas…
como arbustos.
Nenhuma planta se compara
Como a nossa flora é composta por alguns milhares de espécies aos líquenes na capacidade de
diferentes, a seleção, no âmbito de um livro como este, não explorar ambientes agrestes e
foi nada fácil. Por isso, não estranhe se ela lhe parecer uma de suportar condições de secura
miscelânea um pouco incongruente. A verdade é que, acima de extrema e prolongada. Nem
tudo, procurámos que este pequeno passeio de descoberta não mesmo os musgos ou os fetos.
se transformasse numa viagem enfadonha; por isso, preferimos Basta pensar, por exemplo, na
falar das espécies mais úteis e/ou interessantes, ao invés de nos tundra, uma grande região desa-
perdermos em excessivas e maçadoras descrições que pouco bitada que rodeia o Polo Norte
significariam para o leitor… O que não quer dizer que, de vez em e onde os líquenes são quase
quando, não nos detenhamos um pouco mais nos aspetos parti- os únicos “vegetais” existentes,
culares de uma ou outra planta, a fim de o ajudar a reconhecê-la cobrindo vastas extensões de solo
com mais facilidade. gelado. Quando os líquenes se
fixam na rocha nua, retêm a água
que sobre ela escorre e ali ficam,
ao sabor da intempérie. Tal como Líquenes fixos
Fetos, musgos e líquenes acontece com os musgos e os na rocha nua

fetos, deixam, quando morrem, condições — restos orgânicos e


Fetos, musgos e líquenes são bastante diferentes entre si, mas inorgânicos — que permitem que algumas pequenas plantas aí se
possuem uma característica comum muito importante: conseguem estabeleçam. Além disso, pela sua simples presença, são preciosos
instalar-se em locais agrestes e inóspitos, onde poucas plantas com indicadores da qualidade de um determinado ambiente. Por isso
flor podem sobreviver, transformando-os, com o tempo, em lugares são usados, por exemplo, para aferir a qualidade do ar nas cidades.
“habitáveis” por estas. São, por isso, verdadeiros conquistadores
e pioneiros (veja A evolução natural, no capítulo 1, página 10). • Por sua vez, os fetos e os musgos são plantas, mas não têm flor
e por isso são considerados menos evoluídos do que as plantas
Estes representantes da vegetação pioneira podem encontrar-se com flor. Ambos se reproduzem por esporos e não através de
em sítios tão banais como muros, fachada de edifícios, estátuas, sementes. No entanto, os musgos são ainda menos evoluídos do
troncos e ramos de árvores e telhados… mas também na terra, que os fetos, porque nem sequer possuem verdadeiros canais
como qualquer outra planta. condutores de seiva.

102 Na página anterior: campo de papoilas na primavera 103


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• Os musgos são plantas muito pequenas e de cor verde, que, quando para venda e daí o seu nome. Às vezes forma
cobrem o chão, nos proporcionam, sempre que os pisamos, uma grandes aglomerados, que chamamos fetais ou
agradável sensação de macieza. Uma vez instalados sobre um suporte, feteiras, em terras devastadas por um incêndio
vão tecendo pouco a pouco uma espécie de tapete macio, que se ou na sequência de uma queimada. Este feto é,
Musgo ensopa com a água da chuva e aliás, um pioneiro típico de todos os locais devas-
com o orvalho, como se de uma tados pelo fogo.
esponja se tratasse. No tamanho,
são comparáveis aos líquenes, • O feto-macho ou dentebrura aparece frequente-
mas estes têm cores e formas mente nos carvalhais e tem um porte vigoroso.
muito mais variadas e imprevi- O seu desenvolvimento, dos tenros rebentos pri-
síveis. Seja como for, todos nós maveris às frondes majestosas com mais de um
estamos mais ou menos familia- metro de altura, processa-se em poucas semanas. O
rizados com os musgos, quanto rizoma acastanhado deste feto é utilizado, desde a
mais não seja devido às antigas Antiguidade, como antiparasitário. Ao que parece,
tradições natalícias. Durante contém uma substância que exerce um efeito tóxico
muito tempo, o musgo foi um e paralisante sobre a ténia (vulgarmente conhecida
elemento imprescindível no chão como bicha-solitária), facilitando a sua expulsão.
dos nossos presépios de Natal. Curiosamente, as denominações “feto-macho” e
“feto-fêmea” nada têm que ver com o sexo des-
• Os fetos têm folhas muito tas plantas: trata-se, simplesmente, de espécies Frondes jovens do
feto-morangueiro
peculiares, normalmente muito diferentes. A que se devem, então, esses termos?
recortadas, a que se dá o nome Não se sabe muito bem; certo é que eles fazem parte, inclusive,
de frondes. Os esporos são gerados da própria denominação científica destas plantas…
nuns pequenos recetáculos, de
forma mais ou menos redonda,
que podemos encontrar na parte
inferior das folhas. Esses recetá- Ervas e flores dos campos
culos recebem o nome de soros.
Os fetos apenas se dão bem em Escudados neste título, poderíamos referir uma multidão quase
ambientes húmidos e sombrios. infinita de plantas. Por isso, quando falamos de ervas e de flores
Pormenor da folha de Evocam, por isso, locais calmos e dos campos, é importante definir de que campos estamos a falar.
um feto. Os pontos
escuros são os soros
bucólicos, apelativos ao romance
e à inspiração artística. Os fetos são plantas vivazes (veja Um pouco Além dos campos utilizados para fins agrícolas, há ainda os de
de vocabulário, na página 112) com dimensões muito variáveis, pousio, os de cultivo abandonados, os terrenos de pastagem…
quase todos herbáceos, mas ainda existem alguns sobreviventes Enfim, todos os terrenos mais ou menos extensos que se encontram
de porte arbóreo que resistiram ao passar de muitos milhões de cobertos de ervas e de flores. Mas os matos e os matagais não são
anos… A serra de Sintra, por exemplo, goza de grande reputação considerados aqui como campos, mesmo quando estão repletos
nacional e internacional, graças à coleção de fetos arbóreos que se de flores silvestres. É que os protagonistas, nesses cenários, são
encontra, sobretudo, nos Parques de Monserrate e da Pena. sempre as plantas que anteriormente definimos como subarbustos
e os arbustos.
• Um feto muito nosso conhecido é o feto-dos-morangos (também
chamado feto-ordinário e feto-fêmea-das-boticas). As frondes são Um dos tipos de plantas que associamos imediatamente aos cam-
muito utilizadas para acondicionar as pequenas caixas de morangos pos são, sem sombra de dúvida, as plantas herbáceas e as ervas,

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PORTUGAL NATURAL I AS PEQUENAS PLANTAS E FLORES SILVESTRES

algumas das quais podem ser ervas daninhas. Dentro das características que distinguem as gra-
Se esses campos se mantêm como tal, é porque míneas das outras plantas, são muito óbvias as
um pouco de algo importante neles acontece que impede a sua suas flores desconsoladas, desprovidas de cores
vocabulário evolução natural para uma vegetação de maior vivas e, por isso, pouco atraentes para os insetos.
bienal: planta que leva dois anos porte (veja o capítulo 1, nas páginas 10 e seguintes).
a cumprir o seu ciclo de vida. O vento é o agente polinizador e transportador
A floração dá-se apenas no Esse acontecimento pode ser, por exemplo, das suas sementes, que são bastante leves.
segundo ano. o pastoreio de gado ou a ceifa periódica efetuada
cálice: conjunto das sépalas pelo homem. Se essa periodicidade não se veri- Mas, mesmo não sendo atraentes, as gramíneas
(peças florais externas) de uma ficar, acumular-se-ão restos de plantas mortas, não deixam de ser importantes para nós.
flor, as quais são, em geral, que acabarão por criar um terreno favorável ao
verdes e de consistência herbácea. desenvolvimento de plantas lenhosas: subarbustos, São gramíneas, por exemplo, todos os cereais que
capítulo: inflorescência em que as arbustos e árvores. Com o tempo, estes crescem cultivamos, as forragens, a cana-de-açúcar e a
flores (que geralmente são sésseis e criam um ambiente de sombra, onde as plantas relva. Isso significa que o trigo, a aveia, o centeio,
— sem pecíolo, pedúnculo, pé ou
que inicialmente o colonizaram não conseguirão a cevada, o arroz e o milho são gramíneas, o que
suporte) se encontram inseridas
umas ao lado das outras num sobreviver. Ou seja, como explicámos no primeiro mostra a utilidade deste tipo de plantas.
recetáculo achatado, formando capítulo, a natureza retomará os seus direitos,
um grande aglomerado que parece e os campos de ervas e flores deixarão de o ser, Outras, sendo aparentemente pouco úteis, são,
uma só flor. dando lugar a matagais, que mais tarde serão no entanto, bem conhecidas do nosso povo, que
corola: conjunto das pétalas substituídos por matas. não tardou em batizá-las, muitas vezes com nomes
de uma flor. muito curiosos: baracejo, talha-dente, rabo-de-zorra-
espontânea: planta não -macio, linho-de-raposa, estorno, erva-lanar, bole- O bole-bole,
“importada”, originária da região Toda uma vida num só ano… -bole, panasco, cervum, joio… uma gramínea
bem conhecida
em que se encontra e onde vive
há muitas gerações. É sinónimo A maioria das plantas herbáceas ou são plantas
de nativa ou indígena e opõe-se
vivazes, com partes subterrâneas capazes de asse-
a exótica ou introduzida.
gurar a persistência da planta na terra quando a “separar o trigo do joio”
estilete: parte mais ou menos parte aérea desaparece; ou plantas anuais, cujas Em períodos de escassez de trigo, o joio foi usado para fazer pão.
delgada do pistilo (ou carpelo),
sementes amadurecem e se disseminam antes de Curiosamente, as pessoas que comiam pão de joio ficavam, por
entre o ovário e o estigma.
aquelas serem ceifadas pelo homem ou comidas vezes, como que embriagadas, algo delirantes, e não se percebia
fitoterapia: cura através pelo gado. porquê. Só nas primeiras décadas do século passado se descobriu
das plantas. que havia um fungo que parasitava algumas espigas de joio e que os
grãos delas provenientes continham uma substância alucinogénica
gavinhas: extremidade de folhas ou É isso que lhes permite voltar à vida na primavera parecida com o LSD…
de ramos que se transformam em seguinte, como se nada tivesse acontecido.
estruturas filamentosas capazes
de se enrolar em hélice, podendo
fixar as plantas a suportes. No fundo, estas ervas têm um papel pioneiro, tal • Um exemplo de uma paisagem regional típica
como os fetos, os musgos e os líquenes, com a dominada por uma gramínea é o cervunal, que
habitat: local onde vive uma
determinada espécie animal ou diferença de “desbravarem”, preferencialmente, predomina nas grandes pastagens de rebanhos
vegetal. Cada espécie tem o seu ambientes diferentes: umas colonizam terras nuas; da serra da Estrela. O joio, por sua vez, é uma
habitat próprio. outras, rochas e troncos. gramínea anual cujos grãos foram usados, em
herbácea: planta de caule tenro, tempos difíceis, para fazer pão (veja a caixa acima).
não lenhoso. De consistência • Se pensarmos no colorido das flores, dividi- O estorno é uma gramínea muito importante nas
não ou pouco lenhosa e verde. remos as ervas em gramíneas e não gramíneas. dunas, sendo responsável pela fixação das areias

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Estorno, espécie Campo em flor


edificadora das dunas com camomila
primárias

e a formação das dunas, sendo por isso conside- “mal-me-quer, bem-me-quer”


rada a espécie pioneira e edificadora das dunas
Um costume muito popular que hoje parece um
primárias (veja a página 187).
bocado esquecido é o do “mal-me-quer, bem-me-
-quer”. Crianças e adultos enamorados desfolhavam,
• Quanto às não-gramíneas, é mais fácil apelar à pétala a pétala, aquelas flores amarelas no centro e
memória visual para as distinguir entre si, já que brancas à volta que, desde pequeninas, aprendiam
as suas cores são, por vezes, bastante caracterís- a chamar malmequeres. Pela última pétala se
ticas. Por exemplo, o azul suave dos fidalguinhos “depreendia” se o amor era ou não correspondido.
Contudo, na realidade, um malmequer não é uma
ou loios-dos-jardins (uma planta bienal) é bastante flor, mas sim um conjunto de flores (veja “capítulo”,
comum nos campos de trigo. Parecem pequenas em Um pouco de vocabulário, na página 106).
manchas azuis, surgindo frequentemente associa-
das ao vermelho-flamejante das papoilas. Estas
escapam ao apetite devorador dos animais, por • Algumas destas flores dos campos produzem, tal
terem um suco leitoso e amargo. Além disso, como as ervilheiras e os feijoeiros, frutos em forma de
como são mais flexíveis do que os fidalguinhos, vagens. É o caso dos trevos, que, no entanto, são mais
também se adaptaram aos campos abandonados conhecidos pela forma especial das suas folhas, que
e às bermas das estradas. se encontram divididas em três folhas mais pequenas
(ou folíolos). Por isso se diz que são folhas trifoliadas.
• A camomila é um caso semelhante ao da papoila. Como se sabe, encontrar um trevo de quatro folhas
Flores em capítulo Originalmente uma daninha dos campos, acabou é sinal de sorte, por ser uma raridade…
do fidalguinho
por se adaptar a outras paragens. É uma erva de
aroma agradável e de apreciadas qualidades terapêuticas. Usa-se, • As ervilhas-de-cheiro e as ervilhacas têm flores típicas
sobretudo, em fitoterapia infantil, como anti-inflamatório e desin- de cor rosada ou violácea e gavinhas na extremidade Flores violáceas
da ervilhaca
fetante. Possui pétalas brancas à volta de um tufo central de flores do caule e das folhas, que lhes permite agarrarem-se
amarelas, como as margaridas e os malmequeres. às plantas que as rodeiam.

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PORTUGAL NATURAL I AS PEQUENAS PLANTAS E FLORES SILVESTRES

• O amor-perfeito-bravo ou erva-da-trindade pode ter flores brancas,


ervas daninhas e pragas amarelas ou violetas ou mistura destas três cores. Daí provém o
apropriado nome botânico de Viola tricolor. Floresce no verão,
As ervas daninhas e as pragas são, foi crescendo, crescendo… Não há juntamente com os cereais, mas pode voltar a florescer e a frutificar
muitas vezes, plantas que vieram dúvida de que o tapete é bonito, mas
várias vezes depois das colheitas.
de fora. Mas também as plantas muitas plantas espontâneas são assim
nativas podem tornar-se daninhas impedidas de crescer…
quando proliferam e atrapalham o • A bolsa-de-pastor reconhece-se facilmente, graças aos pequenos
esforço humano, por exemplo nas O jacinto-de-água é outra planta que frutos em forma de coração que se dispõem na porção cimeira do
culturas (onde exigem o trabalho se espalhou pelas regiões tropicais caule. Esta erva daninha de flores brancas é uma imigrante originária
adicional de as expulsar); ou onde e subtropicais de todo o mundo, a
da América do Norte, que se foi disseminando um pouco por todo
são visíveis grandes alterações ponto de não se saber ao certo qual
do meio ambiente, resultantes de a sua origem. No século xix já existia o lado (veja também a caixa Ervas daninhas e pragas, à esquerda).
ações humanas: entulhos, beiras nos jardins botânicos da Europa,
de caminhos, jardins e ajardinados, certamente devido às flores lilases
etc. As plantas que se encontram e a outras características exóticas. À espera de que o tempo passe…
nesses locais são chamadas ruderais. No nosso país, a sua presença
As pragas são um caso extremo, foi assinalada pela primeira vez
são espécies invasoras com uma nos anos 30 do século passado. Quase todas as plantas de que falámos até agora são anuais, o que
grande capacidade de colonização Hoje, é vulgar no Tejo e em zonas significa que completam o seu ciclo de vida no decorrer de um
e ocupação do espaço. Qualquer húmidas adjacentes. Forma tapetes ano: as sementes germinam, a planta cresce, floresce e frutifica,
daninha é, em princípio, uma praga em intermináveis à superfície da água, formando novas sementes; depois, a planta morre, e só as semen-
potência. que criam a ilusão de se tratar de terra tes sobrevivem. Essas plantas estão particularmente preparadas
firme. Não se consegue penetrar no
para vingar nos solos trabalhados pelo homem, como os jardins
Um dos melhores exemplos de pragas espaço coberto pelo tapete; impede a
é o chorão, invasor das areias do litoral. luz de chegar ao interior das águas e, e os campos de cultivo. Mas, mal o solo deixa de ser trabalhado,
Como tem flores grandes, cheirosas em consequência, o desenvolvimento desaparecem rapidamente, porque não resistem à concorrência das
e vistosas, terá começado por ser das plantas verdes submersas; plantas vivazes, pois estas enraízam-se e ocupam o solo de forma
utilizado como ornamento de jardins. dificulta a entrada de oxigénio na permanente.
Depois, alguém terá tido a ideia de o água, comprometendo a respiração
plantar num local com areia e o tapete dos animais e plantas aquáticas.
• É o caso da urtiga-maior ou urtigão, a única das nossas urti-
Os pelos das urtigas,
gas que é vivaz. São poucos os que não aprenderam a conhecê- responsáveis pela
-la desde a infância, muitas irritação da pele
vezes à custa de um primeiro
contacto pouco encorajador.
O formigueiro irritante que os
pelos das suas folhas causam
em todas as partes do corpo em
que tocam é difícil de esquecer.
Por isso, depois dessa primeira
experiência “traumática”, todos
aprendemos a evitar esta planta
de folhas peludas em forma de
coração, que pode atingir um
metro de altura e surge em quase
Tapete formado por jacintos-de-água todo o tipo de ambientes, desde
quintais e entulhos a orlas de

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bosques e margens de cursos de água. E, no


um pouco de entanto, trata-se de uma planta cujas virtudes
vocabulário curativas têm sido louvadas desde a Antiguidade.
Só para ter uma ideia, referimos apenas que as
lenhosa: planta de caule duro
urtigas são aconselhadas, entre outras coisas,
e consistente (que tem a
consistência da madeira). para o tratamento de doenças como a ciática,
a diabetes, a leucorreia e a urticária.
nós: pontos do caule onde
as folhas se inserem.
• A artemísia é também um bom exemplo de planta
pétala: cada uma das unidades que vivaz que gosta de terrenos férteis. Atinge cerca de
compõem a corola de uma flor,
um metro de altura e floresce discretamente; as
geralmente coradas ou brancas;
podem encontrar-se parcialmente flores são pequenas e amareladas. Tem a reputação
ou totalmente fundidas. de ser útil no tratamento de insónias e de doen-
perianto: conjunto formado pelo
ças ginecológicas. É uma das plantas medicinais
cálice e pela corola (veja estes mais antigas do mundo. Quando esfregada, liberta
termos na página 106) e que um aroma de especiaria. Também é utilizada nas
rodeia os órgãos sexuais da flor. zonas rurais para proteger os animais, já que,
pioneira: primeira planta a colonizar pendurada nos estábulos, atrai as moscas.
um terreno ou outro substrato sem
qualquer tipo de vegetação. • O tanaceto ou atanásia pertence à mesma família O canabrás,
um bom exemplo da
rizoma: tipo de caule subterrâneo, da artemísia e atinge mais ou menos a mesma inflorescência de uma
com aspeto de raiz, que armazena altura. As folhas são verde-escuras e fazem lembrar umbelas, surgem no verão e atraem muitos insetos, sobretudo planta umbelífera
reservas nutritivas e a partir do as dos fetos. escaravelhos. As folhas são grandes e têm a forma de uma pata
qual se originam raízes e novos de urso, o que lhe valeu a atribuição de outro nome por que é
caules.
O caule termina com um ramalhete de flores conhecida, o de branca-ursina.
ruderal: vegetação ou planta que amarelas. Antigamente, era utilizada, depois de
vive em meios resultantes da
seca, para afugentar alguns insetos do interior das • A milfurada, famosa pelo seu uso em medicina popular (produz
perturbação humana (escombros,
entulhos, estrumeiras, etc.), casas. No entanto, esse uso tem os seus riscos, efeitos sedativos e anti-inflamatórios, entre outros), costuma
caracterizados por elevada já que se trata de uma planta venenosa. encontrar-se também em sebes e à beira dos caminhos. Quando
percentagem de azoto no solo. não está em flor, também se pode identificar graças às suas folhas,
sépalas: folhas modificadas, quase • Ainda não falámos das umbelíferas, que são uma pequenas e sésseis (veja Tipos de folha, nas páginas 74 e 75), pois
sempre verdes, que revestem a família de plantas perfeitamente típicas, muitas delas estas deixam aparecer pequenas manchas translúcidas quando
flor e que formam o cálice. bastante vulgares nos nossos campos. As flores deste observadas a contraluz. As flores são amarelas e dispõem-se não
umbela: tipo de inflorescência em tipo de plantas, geralmente brancas, encontram- muito densamente no cimo do caule.
que as flores crescem sobre pés -se, como o nome indica, agrupadas em umbelas
diferentes, mas partindo todas (veja Um pouco de vocabulário, à esquerda): os pés • O labaçol é um parente das azedas, cujo sabor não é ácido, mas muito
do mesmo ponto, como as varetas das flores fazem lembrar varetas de guarda-chuva, amargo. Tem alguma preferência pelos terrenos húmidos e surge
de um guarda-chuva.
pois partem todos do mesmo ponto. frequentemente em pastagens e junto aos caminhos. As folhas
vivaz: planta que vive mais são grandes e oblongas (veja Tipos de folha, nas páginas 74 e 75).
de dois anos (por oposição às O canabrás ou esfondílio é um bom exemplo. É muito São comestíveis, normalmente em salada ou cozidas.
anuais e bienais), subsistindo
por intermédio de órgãos
fácil de identificar, graças às suas florzinhas brancas
subterrâneos, como os bolbos que encimam caules verdes, viçosos e cobertos Além disso, também possuem propriedades medicinais
e os rizomas. de pelos. As flores, que, como dissemos, formam (tónicas e depurativas, entre outras).

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PORTUGAL NATURAL I AS PEQUENAS PLANTAS E FLORES SILVESTRES

• Os dentes-de-leão são extremamente frequentes nos nossos cam- recebessem o curioso nome de batitestas. Mas, além de estas
pos. São célebres pelas suas “bolas” redondas e translúcidas, que brincadeiras não serem muito “saudáveis” para as plantas, tam-
se formam a seguir à floração e constituem os frutos. Muitas vezes, bém é preciso ter cuidado, pois elas têm tanto de bonito como
quando sopra um vento de final de primavera um pouco mais de venenoso. Sobretudo, nunca se devem levar as flores à boca.
forte, veem-se pequenos “paraquedas” brancos a voar nos campos: A dedaleira é também muito conhecida pela digitalina (Digitalis
são as sementes do dente-de-leão, que se soltam da referida bola purpurea), uma substância utilizada em medicamentos para a
branca e partem ao sabor do vento, “à procura” de um terreno insuficiência cardíaca.
adequado onde possam, mais tarde, germinar.
• A pervinca é uma planta originária das regiões mediterrânicas que
costuma formar, no solo, tapetes sempre verdes, pois mantém as
“o teu pai é careca?” folhas durante todo ano e possui caules rastejantes que ganham
raízes com facilidade. Quando o inverno é suave, as flores, de
As crianças gostam de correr
atrás das sementes dos dentes- cor lilás, surgem logo em fevereiro. Têm sempre cinco pétalas e
-de-leão, que se soltam no ar, cinco sépalas e surgem isoladas umas das outras. Toda a planta é
por ação do vento. É também venenosa, tal como a dedaleira.
costume soprarem nas bolas ainda
intactas da planta, para as ver voar, • A erva-de-são-roberto é muito conhecida, graças às suas celebra-
após dizerem a frase: “O teu pai é
careca?” das propriedades terapêuticas (os ervanários aconselham-na para
o tratamento de aftas, anginas, diabetes, diarreias, hemorragias,
etc.). As flores, formadas por cinco pétalas de um rosa muito vivo
A célebre bola redonda ou com um tom ligeiramente violeta, distinguem-se facilmente no
do dente-de-leão meio das folhas verde-claras, bordejadas, muitas vezes, a vermelho.
O caule também é avermelhado. É uma planta baixa, que raramente
tem mais de 40 centímetros de altura.

Entre a luz e a sombra… Flores em campânula Frutos e flores


da dedaleira Pervinca em flor da erva-de-são-roberto
A meio caminho entre os campos e as zonas de arvoredo mais ou
menos denso existem alguns locais (sebes, valados, bermas de
alguns caminhos, orlas de matas e bosques) onde luz e sombra
se entrecruzam; aí podemos encontrar com mais frequência um
certo tipo de plantas que gostam de um pouco mais de sombra e
humidade do que as dos campos.

• A dedaleira é um bom exemplo. É uma espécie bienal, que só


dá flor no segundo ano de vida. O caule é viçoso e alto. No topo
desse caule solitário surge, entre junho e setembro, um cacho de
flores de cor rosa-púrpura em forma de campânula. Medem três
a cinco centímetros e são uma alegria para quem passa. As crian-
ças, sobretudo, gostam de brincar com essas flores, colhendo-as
por vezes e provocando estalidos ao fazê-las rebentar na mão ou
noutra parte do corpo (na cabeça de um colega, por exemplo).
Nalgumas zonas do país, esse facto levou a que estas plantas

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PORTUGAL NATURAL I AS PEQUENAS PLANTAS E FLORES SILVESTRES

• As violetas, por vezes também chamadas violetas-


-de-cheiro, são, entre as diversas espécies de violeta a propósito da reprodução
existentes, as que possuem o aroma mais delicado.
Na Antiguidade eram utilizadas em coroas entran- A maioria das plantas silvestres apenas apenas possuem estames ou carpelos.
se pode reproduzir por meio de sementes. São as monogâmicas.
çadas, para ajudar a curar as ressacas, e delas
Estas formam-se após a fecundação dos
também se extraía um perfume muito agradável. óvulos contidos nos órgãos de reprodução Algumas espécies, chamadas dioicas,
São fáceis de reconhecer, graças às suas flores de femininos (carpelos) pelos grãos de pólen têm flores masculinas e femininas, mas
cor violeta e às folhas em forma de coração de um produzidos pelos órgãos masculinos em plantas diferentes. Nas monoicas,
verde muito vivo. As flores surgem na primavera. (estames). Em muitas espécies, isso não as flores masculinas e as femininas
traz qualquer problema: os dois tipos existem na mesma planta. Quanto às
A planta raramente tem mais de 15 centímetros
de órgãos encontram-se na mesma espécies poligâmicas — que também
de altura. flor, que, portanto, é bissexuada ou as há —, essas têm, na mesma planta,
hermafrodita. Mas outras têm flores que flores unissexuadas e bissexuadas.
• Semelhante, à primeira vista, ao lírio roxo que
se pode encontrar nos jardins, o lírío-fétido dis-
A FLOR
tingue-se deste porque as suas flores são lilases
e raiadas de amarelo. estigma

O seu nome provém do facto de libertar um cheiro estilete carpelo


As flores da violeta desagradável quando esfregado. É frequente em
todo o país, mostrando, contudo, uma grande
antera
preferência pelos locais húmidos e sombrios.
estame
Jarro-do-campo filete ovário
•  Se conhece os jarros dos jardins, também não
terá dificuldade em reconhecer os jarros-do-
-campo. Estes encontram-se em sebes, bosques
e até em terras cultivadas, desde que gozem de
pétala
uma certa humidade. O mais interessante em
todos os jarros é o tipo de flor, que é diferente
da de quase todas as outras plantas. No cimo sépala
do caule encontra-se um invólucro carnudo de
cor branca ou amarelada — a espata. No cen-
tro desta ergue-se um bastão vertical amarelo,
cujo odor pútrido atrai os insetos — o espádice.
Ambos formam um conjunto, que é a flor do caule, que entretanto adquiriu uma tonalidade
jarro (que, na verdade, não é uma só flor, mas acastanhada, permanece visível, para além do
sim um conjunto de flores). As folhas são gran- espádice. Os jarros florescem na primavera.
des, verdes e têm a forma da ponta de uma seta As bagas vermelhas apenas surgem no verão.
(veja Tipos de folha, nas páginas 74 e 75). Morrem
depois de aparecer a flor. Mais tarde também a • Atraentes e vistosas, as bagas azul-escuras do
espata desaparece, ficando o espádice com um selo-de-salomão são uma tentação. Muitas pessoas
aspeto muito diferente: uma espiga de bagas foram já vítimas de envenenamento, por vezes
vermelhas ou cor de laranja. Estas bagas são fatal, porque essas bagas, apesar do seu aspeto
extremamente venenosas. Nessa altura, só o convidativo, também são venenosas.

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