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2 Observamos, nas bibliotecas, que os livros mais antigos eram classificados nos setores de medicina e
obstetrícia e os mais recentes, sobre o mesmo tema, faziam parte dos setores de enfermagem e
psicologia, o que revela, ao nosso ver, o próprio deslocamento do tema da área médica para outras
disciplinas da área da saúde.
3 Não entraremos aqui na discussão – que nos parece altamente relevante e complexa – acerca do re-
curso ao anonimato como uma das formas de “resolver” questões éticas. Ressaltamos que esta tem
sido a mais corrente no campo da Antropologia, ao contrário dos historiadores(as) que tratam de for-
ma diferenciada os depoimentos coletados em entrevistas.
4 Y diós dijo a la mujer: multiplicaré tus preñeces, multiplicaré tus dolores. Con dolor darás tus hijos a
la luz. Te sentirás atraída com ardor por tu marido. Pero el te someterá (apud SACCHI, 1961).
Se entiende que los métodos del parto sin dolor por analgesia,
por anestesia o por amnésia medicamentosa no tienen nada que
ver com el método psicoprofiláctico. Ya han sido realizado sus
pruebas y los resultados son conocidos: no está en mi espíritu el
discutirlos o disminuir su valor real. Pero es seguro que la utilización
de sustâncias medicamentosas para abolir el dolor del parto comporta,
para la madre y sobre todo para el niño, riesgos tóxicos cuya importancia
como o Dr. Enio, que trabalhou “por cerca de 30 anos num hospital psi-
quiátrico” e que diz: “A gente tinha seis mil pacientes, metade era mulher,
então era muita mulher para atender, operar, tratar. E aprendi muito lá,
aprendi muito”. Além disso, muitos tinham uma interlocução importante
com a psicanálise, particularmente na Argentina (Plotkin, 2001), mas tam-
bém no Brasil e no Uruguai.
Por outro lado, o carro-chefe do PSD eram as técnicas corporais
ensinadas nos cursos e nos livros, entre elas o treino da respiração, exer-
citada para ser usada na hora do trabalho de parto, com vistas a diminuir
as dores das contrações. Notemos os termos utilizados, que denotavam a
ideia de uma educação racional, fundamental na perspectiva soviética, e que
é um dos alvos dos críticos das vanguardas obstétricas que o sucederam,
mesmo que estas também sejam propostas educativas e normativas, que
constroem noções como as de parto natural e saber ancestral feminino muito
particulares (Tornquist, 2004). Ao contrário de uma suposta (e idealiza-
da) espontaneidade e naturalidade com que mulheres dão à luz, ideias-
chave no ideário contemporâneo do parto “natural”, no PSD o caráter
educativo e pedagógico do método era absolutamente declarado.
E era constantemente referido, como nos cursinhos, que eram sem-
pre descritos como aulas a ser ministradas por professores(as) (os profis-
sionais) às suas alunas (as gestantes):
que era o máximo que poderia durar uma contração uterina. En-
tão elas exercitavam até então durar um minuto a contração. (Dra.
Jaqueline, obstetra, Brasil, grifos nossos).
Naquela época muito mais que agora, havia as comadres que dizi-
am faz isso, não faz aquilo, não pode isso, não pode aquilo. Tem
que se cuidar, quarenta dias depois que o bebê nasce a mulher
não pode lavar a cabeça Era por aí, aquelas ideias do que vinha da
tradição das avós, do senso comum. [...] Então eles desbloqueavam
muita coisa e explicavam medicamente [...] a gente ia lá ouvia o que
as colegas diziam era tranquilo, era um grupo pequeno numa sala, deveria
ter uns 5 ou 6... E a gente trazia as dúvidas e tal... (Lea, professo-
ra, Brasil, grifos nossos).
É também o que nos conta o Dr. Pablo, que ministrou alguns cursos:
Era um curso muito informativo é aquela história quanto mais você sabe
menos medo você tem, então era um curso muito informativo, uma
das primeiras etapas era o médico informar as pacientes sobre o
que ia acontecer com elas em tudo. Hoje a gente conta tudo de tudo,
tem câncer, tem isso, antigamente não contava e o parto era a mesma coisa.
Eu dava cinco aulas, acompanhava no parto, tinha moças que
acompanhavam o trabalho de parto das mulheres, faziam partos
completamente sem anestesia, e uma doía mais e outra menos,
dependia de cada uma e dependia do parto (Pablo, obstetra, Bra-
sil, grifos nossos).
Consideramos, para fins desta pesquisa, que o chamado Cone Sul pode
ser entendido como uma comarca, no sentido que Angel Rama lhe atribuiu
(Aguiar & Vasconcellos, 2001) ou seja, como uma região que tem elemen-
tos culturais em comum e que, malgrado as fronteiras políticas e linguísticas
que as dividem em países, compartilham trajetórias e experiências muito
Anos depois [de ter feito o parto sem dor] eu assisti, aqui em Porto
Alegre, uma palestra de um psicanalista argentino muito famoso. Um
nome judeu assim, e ele falava do orgasmo no parto. Que efetiva-
mente, biologicamente ou fisicamente, o nascimento tem tudo
pra provocar do ponto de vista físico, a mesma sensação de um
orgasmo, porque é uma fricção na parede da vagina e tal, não é? E
quando ele falou isso, eu realmente identifiquei, porque a satisfação que dá
da criança nascer, bom a gente imagina que é porque a criança nasceu, mas
se tu não estás supercondicionada de que vai ter que ser uma coisa muito
dolorosa, compreende, de fato dá um enorme de um prazer. Então, de-
pois eu brincava assim com as minhas amigas quando elas faziam cesárea:
te privaste de um orgasmo no parto. [...] Imagina... uma mulher
admitir que tem orgasmo no parto. É muito, muito violento. Seria como
se subvertesse... como que entra um prazer sexual naquela hora,
não podia ser, porque seria ir contra a tal santidade da maternida-
de (Emília, educadora, Brasil, grifos nossos).
parto seria um evento tão prazeroso como um orgasmo, ideia que é subli-
nhada pelo Dr. Moysés Paciornik, um dos adeptos do parto de cócoras
(corrente-filhote do PSD), que se populariza nos anos 1980 (Paciornik,
1979). Pelos dados que coletamos, vê-se quão intensos eram os intercâm-
bios entre os profissionais dos três países entre os anos 1950 e 1980 (Cos-
ta, 1984), isso sem falar nos demais países da América Latina. No Rio
Grande do Sul, a proximidade geográfica facilitou o acesso às informa-
ções na época, através de rádios, jornais e livros, inclusive especializados,
que muitas vezes eram mais facilmente adquiridos nos países vizinhos do
que em outros centros do país, além da familiaridade com que grande
parte da população desse estado tem com o castelhano em função do pró-
prio processo histórico que configurou a região pampeana e suas imedia-
ções (Hartmann, 2006).
No Brasil, segundo Anayansi Brenes (2003), estudiosa da assistên-
cia ao parto no Brasil, não haveria nenhuma relação significativa entre o
PSD e ideologias de esquerda. A autora, que realizou entrevistas com
médicos e profissionais do Sudeste do Brasil, coloca que a simpatia pelo
sistema psicoprofilático se justificaria pela neutralidade do método e da
ciência, como vimos em vários depoimentos acima. No caso do universo
aqui considerado, podemos observar dados que corroboram essa proposi-
ção, ou seja, que a adesão ao método tinha antes a ver com avanços ci-
entíficos, ou mesmo com certas modas no campo da assistência e da
medicina:
Não tinha nada a ver com política porque muita mulher que fez o
parto e [como] doeu pouco, aí ia fazendo a propaganda, iam di-
vulgando em função de tentar diminuir a dor do parto... depois
veio a cesárea. Era a onda naquele tempo, quer dizer... Ficou bem
conhecido aqui em Porto Alegre. Eu diria os médicos mais renomados
todos faziam esse tal do psicoprofilático, os obstetras de fama assim [...].
Uma colega me disse: quem está lá é fulano. E ele é desse pessoal que
faz o parto psicoprofilático. Então eu fiz essa opção. Elas já tinham
passado por esse processo, com esse que eu falei o Dr. Dario, mas
todo mundo falava muito bem do Dr. Roberto, que era uma figura
de referência naquele momento em Porto Alegre (Lea, professora, Brasil,
grifos nossos).
Não tinha nada que ver com comunismo, era um método cientí-
fico, baseado em Pavlov, que era uma unanimidade. Ciência não tem
partido, o que aconteceu é que muita gente achava que tinha que ver, porque
Pavlov era da Rússia! Mas não tinha nada que ver (Dr. Jorge, obste-
tra, Brasil, grifos nossos).
Era al revés: por una aproximación ideológica con la URSS, que eran
médicos de izquierda que estaban muy al tanto con lo que pasaba allá, y ahí
la vinculación y posterior dificultades con la dictadura. Yo creo
que ya tenía una cuestión ideológica más definida, que fue lo que
lo llevo a pensar lo que pasaba con la salud en Unión Soviética
(Susana, Uruguai, grifos nossos).
Considerações finais
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