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NO NEVOEIRO
é incomum e difícil.
marcou gerações e transformou a arte da escrita. Apesar disso, em No
Com sensibilidade e audácia, Mario Augusto Pool rompe Nevoeiro, Mario Augusto
padrões nesta história cheia de sutileza e reviravoltas. Uma Pool supera estas
lufada de neve criativa na fogueira das velhas novidades. dificuldades e consegue
Guilherme Rovadoschi nos seduzir com a
história do menino
Raul e o super laser
Nascido na cidade de Rio Grande, Pra quem já gostava do autor de contos, é uma delícia poder
Ozzy, treinando para
Rio Grande do Sul, em 1964, fazer a leitura de uma história contada, agora, com mais vigor,
as regatas no Guaíba e
Mario Augusto Pool fez da vida como nesta obra. Tal como nas narrativas de Gogol ou J. K.
acadêmica a sua profissão. Lagoa dos Patos.
Rowling, o público poderá saltar do trampolim mais fantasioso
Formado em Pedagogia Multimeios
para as águas mais reais e cotidianas, passando pela inerente
e Informática Educativa, é Doutor Aventura e mistério se
adrenalina da queda livre dessa aventura.
em Educação e atua como gestor sucedem de maneira
educacional no ensino superior. Arthur Menezes envolvente, oferecendo
Casado, pai de três filhos, mora
um clima de suspense
NO NEVOEIRO
em Porto Alegre por adoção e
Nesta narrativa, Mario Pool consegue captar a essência do cativante que vai se
paixão. Como escritor, além de
artigos lançados em periódicos
adolescente e destacar, de forma tênue e sensível, seu poder desenhando desde o
nacionais e internacionais, de transformação, sob a influência do desafio, do medo, início. Impossível evitar
publicou duas importantes obras do inesperado, do sobrenatural, da fé. Em No nevoeiro, empatia com Raul, seus
que tratam do comportamento o leitor fará uma rápida e profunda leitura de si mesmo, objetivos, devaneios e
das juventudes frente às novas independentemente da época, das vivências e das memórias. ansiedades.
tecnologias. Lançou-se como
Jonas Saraiva
escritor ficcional em 2016 a partir O clima adverso que o
da sua formação nos cursos da esporte náutico às vezes
Editora Metamorfose. Publicou proporciona oferece
nas coletâneas “Diálogos” (2016),
nessa novela confrontos
“Anti Heróis” (2017) e “Contos
com desafio, coragem,
de Mochila” (2018). Entusiasta
solidão e humildade aos
dos contos, novelas e romances,
encontra, no desafio da escrita, sua
elementos naturais e
realização máxima, ao dar vida a sobrenaturais. Enfim,
personagens que construíram o www.marioaugustopool.com.br embarcar no Ozzy
seu imaginário e fizeram parte da nas águas do sul se
editora metamorfose
sua jornada. Em “No Nevoeiro”, revela uma aventura
entrega aos seus leitores a sua inesquecível.
primeira novela, inspirada no
seu envolvimento com os esportes
náuticos e no clube de vela em que
Guido Martin
convive com a sua família.
Kopittke
editora metamorfose
MARIO AUGUSTO POOL
NO NEVOEIRO
metamorfose
Revisão (Forma e Estilo) Fotografia da Capa
Jonas Saraiva Tiago Abreu
Revisão (Narrativa) Ilustrações
Arthur Menezes Mario Augusto Pool
Gilberto Fonseca Évelyn Rocha De Araújo
Guilherme Rovadosch
Orientações Técnicas Edição
(Navegação) Marcelo Spalding
Guido Martin Kopittke
Ricardo Paranhos Diagramação
Rogerio Ruschel Marcelo Spalding
Capa Editora
Jorge Fabiano Méndez Metamorfose
CDD B869.3
NO NEVOEIRO
— 2018 —
www.marioaugustopool.com.br
APRESENTAÇÃO
Classificar gêneros é uma das maiores dificuldades
entre teóricos e professores. Acho importanteapresentá-
los a quem quer fazer literatura, para entender as
convenções do que seja um conto, uma crônica, uma
novela, mas ao mesmo tempo acho importante que o
escritor exploda esses conceitos na hora de escrever,
explore seus limites, reinvente. E isso é o que faz Mario
Pool em seu primeiro livro individual de ficção.
Não é possível dizer que No Nevoeiro seja um
conto ou uma novela, apresenta características de
ambos, como a unidade de conflito, protagonista,
tempo, mas narrando sem pressa, com a profundidade
necessária para nos envolver nesse nevoeiro climático
e psicológico. Não é possível dizer que se trata de
realismo mágico, afinal quais são os limites da realidade
e da magia? Tampouco é possível chamarmos a obra
de literatura infantojuvenil, ainda que seu protagonista
seja um jovem e muitos dos conflitos juvenis estejam
representados nesta aventura.
No Nevoeiro é um convite a navegarmos nas
águas paradas, tranquilas e traiçoeiras do nosso Guaíba,
território conhecido e ao mesmo tempo estranho para
a maioria de nós que vivemos na Zona Sul de Porto
Alegre. O espaço é o grande protagonista, o espaço e
suas circunstâncias, aliado e inimigo de nosso jovem
herói. É como se estivéssemos percorrendo as ruas
da Zona Sul com Raul, depois entrando no barco,
sentindo o pé gelado dentro d’água e sendo envolvido
pelo fatídico nevoeiro.
Mario Pool, vale dizer, é ele próprio um professor
cercado de jovens, entusiasta da educação, da leitura,
da literatura e dos jogos. Já publicou um livro sobre
Educação e sei que para além deste está preparando
outros livros de ficção, provocado que foi em nosso
Curso Livre de Formação de Escritores da Metamorfose.
Nesta obra, ainda que seja sua estreia, já percebemos
que o ficcionista e lúdico escritor é quem comanda,
sem didatismo, sem moralismo, uma história para ser
lida à beira de um rio, lago ou mar.
Marcelo Spalding
Esse livro é dedicado ao revisor e amigo
Jonas Saraiva e aos meus colegas do curso
de Formação de escritores da editora Metamorfose,
Adriana, Mauricio, Ezequiel, Paula e Alexandre
em especial ao seu diretor e meu
professor, escritor Marcelo Spalding.
Em dezembro de 1978, ganhei de uma tia um livro
do renomado escritor inglês Frederick Forsyth. Eu tive o
prazer de iniciar e completar a leitura em apenas uma
noite. A partir de então, não só “O PASTOR” passou a
ser um título de referência para mim, como também o
próprio autor e toda a sua obra se tornaram norteadores
dos meus universos literários. Isso porque, embora minha
tia nunca o tenha sabido, o presente daquele aniversário
foi a primeira obra de literatura que despertou em mim
a grande curiosidade pelos textos de mistério, e a paixão
que passei a nutrir pela narrativa ficcional de aventura.
Frederick foi capaz de abrir a caixa de pandora da
literatura (em sentido completamente positivo, é claro)
aos meus olhos. Em 2018, quando o meu primeiro autor
predileto completa seus 80 anos, não posso lhe agradecer
de outra forma que não seja entregando aos seus leitores,
e aos que virão a ser os meus, minha primeira novela.
Ainda que nunca o tenha conhecido pessoalmente, sinto
que a distância e o tempo não o impediram de realizar,
por meio da sua obra, importantes movimentos na minha
carreira literária. Em homenagem a Frederick Forsyth e
sua obra, deixo aqui “NO NEVOEIRO”, uma releitura do
livro da minha juventude.
Mario Augusto Pool
Em agradecimento a um grupo de velejadores
jovens que têm conquistado minha admiração e
deixado boas lições de amizade e de como trabalhar
em equipe.
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H
avia duas coisas que me deixavam feliz.
Mesmo em dias ruins. A primeira delas
era o início de um final de semana. A
escola e a rotina semanal não me faziam mal, mas
eu as considerava como compromissos; segundo
meu pai, eram a parte séria da minha vida. No fim
de semana, então, eu me ligava com o prazer e a
diversão. Era o momento em que eu podia estar
com os amigos. Para mim, uma parte tão “séria”
quanto a outra – e até mais.
A segunda era velejar. A vela era um esporte de
família, desses que passam de pai para filho. Havia
ali uma ligação com a infância, com experiências
da minha memória e também da dos meus pais e
irmãos, até hoje.
Quando bem pequeno, o prazer da vela para
mim era olhar, da margem, os outros meninos
maiores. Ou mesmo, vez ou outra, andar junto com
meu pai por alguns poucos metros, abraçado ao
mastro com toda a força. Meu pai e eu estávamos
sempre presentes nos eventos de vela e nas regatas
que ele tanto gostava de correr pelo nosso clube.
Foi num desses eventos que se fez uma das minhas
melhores memórias da época.
Jamais vou me esquecer daquela tarde de
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Do meu pai, apenas escutei o ronco
costumeiro. Porém, tenho certeza de que, se não
dormisse como um bicho-preguiça, e não fossem
sete da manhã de um sábado, ele teria os mesmos
cuidados e me daria as mesmas recomendações.
Carregando tênis e mochila na mão, desci as
escadas e fui até a cozinha. Precisava comer e ainda
preparar um lanche para o caminho. E levar muita
água, o máximo que pudesse carregar sem que
isso fosse um transtorno a bordo. Enchi pequenas
garrafas de água mineral com quantidade suficiente
para todo o trajeto. Sanduíche e suco no café da
manhã e outros sanduíches e frutas para comer
depois.
No jardim, um silêncio total. Meu cachorro
acordou ao me ver sair e correu na minha direção
para receber os carinhos de bom dia.
– Bom dia, Sadam! E aí, garoto, dormiu bem?
Vou sair, mas tu não pode vir comigo. Fica em casa
e cuida dos outros; volto daqui a pouco.
Conversava com meu cachorro todas
as manhãs, em um diálogo de uma voz com
interlocução de muitos grunhidos e latidos. Depois
de acariciá-lo mais um pouco, acomodei o que
podia na bike e na mochila à prova d’água que
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N
as poucas quadras entre a minha casa
e o clube, havia mais de cem metros de
desnível até chegar à beira da água: um
lugar fácil para andar de bike quando se queria
descer o morro, e um inferno para subir de volta.
Do alto, eu podia observar o céu e sentir os ventos.
Pude perceber o clima que se formava. Havia muita
umidade no ar, e o frio estava aumentando. Um
vento oeste mais quente entrava pela lagoa, mas
havia também a previsão de uma frente fria se
aproximando pelo sul. Iria esfriar rápido ao chegar
na região. Então, duas coisas poderiam acontecer:
ou chover muito ou formar-se um nevoeiro.
Eu precisava andar logo se quisesse ter tempo
de cumprir meu desafio. Pus a mochila firmemente
nas costas e pedalei em direção ao clube, num zig-
zag de quadras e ruas para chegar rápido. Naquele
horário, nenhuma alma andava pela rua; eu podia
correr. Segurei bem os punhos do guidão e deixei
os pedais livres. Minha bike começou a acelerar e,
em pouco tempo, eu estava voando. Uma sensação
que também adorava: correr e sentir a velocidade,
ver tudo passando por mim de forma acelerada.
Fazia curvas fechadas, finalizando com
“cavalinhos de pau” e outras manobras, descia para
a rua e retornava para a calçada, pulando pelas
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rampas das garagens e voltando a saltar bem no
meio do asfalto.
Já próximo do clube, em uma rua mais alta,
dobrei a quadra, fazendo uma curva bem fechada.
Pedalei pela calçada e fiz um contorno para entrar
na rua Bororó. No instante em que venci a curva, me
deparei com uma senhora a minha frente. Ela estava
parada no meio da calçada, usava uma manta preta
que a cobria desde a cabeça até os ombros e braços,
tinha as mãos cruzadas, carregando um livro preto;
com certeza, uma Bíblia. Ela estava imóvel, parada
como se fosse um objeto plantado na calçada.
Com um reflexo mais que apurado, me agarrei
com as duas mãos na direção e puxei os freios.
Senti meu corpo inteiro se projetando para frente,
e a roda traseira empinando por trás das costas.
O rangido dos pneus freando só parou quando
a roda dianteira da bicicleta passou por entre as
pernas da senhora. Por um segundo, vi o pneu da
bike levantar a sua saia e, ao mesmo tempo, aquela
outra saia transparente que as senhoras usam por
baixo (hoje sei que se chama anágua). Se vergonha
e constrangimento matassem, haveria ali um
cadáver. Nos segundos seguintes, fiquei tão imóvel
quanto a pobre velhinha.
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No primeiro momento, me senti aliviado
por não ter causado confusão maior; podia ter
machucado a velha senhora. Também gostei da
afeição e do sentimento dela ao me dizer aquilo.
Ela nem me conhecia. Soltei um sorriso de canto.
Acelerei as pedaladas. Mas eu só compreenderia
plenamente as palavras dela mais tarde, no fim
daquele dia.
Chegando à portaria do clube, parei a bike
na entrada e diminui a adrenalina, respirei fundo,
tomei fôlego e entrei, cumprimentando o segurança
de plantão. Ninguém mais do meu grupo estava
por ali, eu era o primeiro a chegar. Sabia que nem
mesmo os meus amigos estariam dispostos a acordar
tão cedo para se jogar lagoa adentro. Mas eu tinha
um objetivo e queria alcançá-lo. Precisava estar
bem preparado para correr as próximas regatas.
Aquele dia seria lembrado como um dia de esforço
e persistência. Iria testar a minha resistência, meu
equilíbrio emocional, fazer algo que nunca tinha
feito antes. Ainda não havia velejado sozinho e
por tanto tempo dentro de um barco em um lugar
desconhecido.
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sentir no comando, tudo depende do velejador.
Meu pai sempre dizia que havia uma palavra que
garantia a vida: disciplina. Ele dizia que isso servia
para qualquer coisa. Para ele, se houvesse disciplina,
haveria sucesso em toda a atividade que fosse feita.
Tirei Ozzy do hangar e puxei-o para o pátio.
Com a vela panejando, presa no mastro, mas solta
da retranca, pude ver que havia um vento instável,
aos poucos ficando mais forte. Iniciei a montagem,
me certificando de que o bujão estava em seu lugar.
Essa é uma peça pequena, mas muito importante,
uma espécie de tampa, tal como a de uma pia ou
tanque. Fica na popa do barco, abaixo da linha
d’água; se não estivesse no lugar, poderia causar um
acidente, inundando o barco. Montei o velame e
conferi se todos os encaixes, manilhas, mordedores,
alças, moitões estavam funcionando e nos seus
lugares corretos. Empurrei o reboque do barco até a
beira da água – o reboque é onde o barco descansa
quando não está na água, uma espécie de berço
com rodas – e fui me arrumar.
Corri para o vestiário, tinha de colocar um
traje que me protegesse do frio. Pés descalços,
luvas de meio corte nas mãos, long de neoprene
cobrindo todo o corpo, jaqueta corta-vento leve,
um colete salva-vidas, uma bermuda de tala.
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Boné e óculos. Estava pronto para partir. Mesmo
sabendo que meus pés iriam congelar, velejava
descalço. Gostava de tocar o cockpit do barco.
Acostumado desde pequeno, isso me dava mais
firmeza nos movimentos. Acho que, aos quatorze
anos, o frio acabava sendo um detalhe, a adrenalina
de comandar o barco fazia com que qualquer mal-
estar do inverno passasse despercebido.
Entrei na sala de navegação do clube e
entreguei para o encarregado de plantão um plano
de navegação – na verdade, uma planilha contendo
os detalhes do trajeto que eu iria realizar. Apontei
os tempos previstos e a rota de retorno. Era um
procedimento obrigatório. Em caso de acidente ou
desaparecimento, o plano, combinado com outras
análises, como a direção e a velocidade dos ventos,
o horário da saída, a posição das correntes e das
ondulações, tornaria possível um resgate.
As chances de encontrar um velejador perdido
no Guaíba eram sempre boas, e os procedimentos,
quase sempre infalíveis. Já tinha ouvido muitas
histórias, todas com finais felizes. Entrei na sala
de navegação, e lá estava o Edson, um parceiro de
plantão, sempre orientando os velejadores novos e
ajudando os seniores.
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– Oi, Edson, tudo bem?
– E aí, Raul. Tudo certo. Madrugando?
– Tudo de boa! – respondi. – Vou me aventurar
um pouco mais. Este é o meu plano de navegação
pra hoje.
– Me deixa ver.
Com o cuidado que era peculiar a ele, Edson
leu todo o plano e foi fazendo pequenas anotações
com um lápis. Firmemente, eu apenas observava
seus movimentos na leitura atenta do que eu havia
escrito.
– Hum! Vai para o sul com este vento oeste
chegando? – questionou o operador.
– Yeap! – respondi. – Chego de volta às duas
da tarde.
– Seis horas pra ir até a entrada da Lagoa e
retornar? – ele voltou a questionar. – Já pensou na
volta? Se mudar a direção, pode ter contravento!
– É oeste. Vou e volto de través. Preciso tentar!
Acho que tenho uma boa chance. Não acha?
– Sei não! Vento oeste no inverno tem muita
chance de nevoeiro, tu sabe. Tem uma frente fria se
aproximando.
– Sim, mas preciso melhorar meu tempo.
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Meus amigos do Uruguai fazem isso o tempo todo.
Calculei uma hora a mais, é a minha reserva; se o
vento mudar até lá, então venho no contravento e
gasto mais uma hora. O que acha?
– Na teoria, está correto, mas tu sabe... nem
tudo que a gente escreve aqui acontece do jeito que
a gente imagina. Toma. Leva este rádio, tu vai tá
sozinho, e isso não é muito bom.
– Tô levando minha bússola na mochila; se
precisar, eu uso.
– Sem chance, Raul! Se vai sair sozinho, tem
que levar o rádio. Toma, coloca nas tuas coisas.
Qualquer problema, chama pelo canal 16.
– Tá bem, mas fica tranquilo; vou me cuidar!
Abraço, e até daqui a pouco.
Me despedi, guardei o rádio na mochila e
segui em direção à rampa de zarpagem, que ficava
entre os piers do clube. Havia levado o Ozzy para lá
e partiria assim que ele flutuasse.
– Bons ventos! E te cuida, Raul!
Por um breve minuto, me dei conta de que
aquele “te cuida!” havia sido dito, em pouco mais
de meia hora, por três pessoas diferentes, incluindo
a senhora estranha da rua. Mas, de qualquer modo,
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C
omo tinha planejado, naquela manhã eu
queria uma marca ousada. O vento estava
ótimo, tinha dezoito nós na previsão e
aumentando. Poderia chegar a vinte e dois até a
metade da manhã. Era o que eu precisava: fazer
meu laser chegar a dez nós (18,5 km por hora).
Seriam cinquenta e duas milhas entre ida e volta,
e, para isso, eu tinha seis horas. Meu plano de
navegação era partir do clube e ir até a ilha Chico
Manoel, distante umas dezesseis milhas do meu
ponto de partida. Iria velejar entre a costa da ilha
e a ponta dos Coatis e seguir em frente, indo até a
Ilha do Junco e de lá seguiria até a ponta de Itapuã,
fazendo um contorno na entrada da Lagoa dos
Patos e retornando pelo mesmo trajeto.
Se conseguisse, teria, então, navegado vinte
e seis milhas. A partir daí, retornaria, fazendo o
mesmo percurso na volta. Conquistar essa marca
sozinho me deixaria bem à frente dos meus amigos.
Com ajuda do marinheiro do clube, deslizei
o berço, rampa abaixo, até ficar submerso e liberar
o Ozzy para flutuar. Rapidamente subi a bordo,
fixei a caixa do leme na fêmea de popa e assumi o
controle do veleiro. Cacei a vela, e rapidamente o
Ozzy aprumou em direção à saída do farol. Puxei a
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águas do Guaíba. Naquela imensidão aquática, eu
era apenas um pequeno ponto se movendo.
Não queria voltar, mas já estava quase na
hora. Contemplei o farol de Itapuã mais uma vez
e vi que estava próximo do ponto de retorno. Se o
vento mudasse, teria de fazer o caminho de volta a
contravento, o que me atrasaria em algumas horas.
Teria que ir cambando, ou seja, conduzir o barco
em zigue-zague para vencer o vento contrário.
Neste caso, mesmo tendo a minha uma hora de
reserva, não seria o suficiente. O vento sul da frente
fria ainda estava longe e poderia ser fraco, não
podia contar com ele. Precisava voltar e continuar
aproveitando o vento oeste de través. Até ali, tudo
estava indo como o planejado.
Soltei o cabo da retranca e puxei a cana do
leme para bombordo, forçando ao máximo o
barco para contornar à boreste e iniciar o trajeto
de retorno ao clube. Era uma manobra que exigia
cuidados. Ia fazer um jibe: estava a favor do vento
e tinha que virar o barco para o rumo oposto; a
vela do Ozzy não iria panejar, ficaria cheia o tempo
todo e acelerando o barco, mas ela iria mudar de
lado e, do mesmo jeito, eu teria que acompanhar a
manobra rapidamente, trocando de lado também.
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Soltei o meu pé esquerdo da alça de escora e torci
o corpo para a direita, esperando o momento de
pular para o lado oposto, completando a inversão.
Rapidamente o Ozzy começou a inclinar e a
responder à manobra de 180º; a vela iria mudar de
posição rapidamente.
Mas havia um detalhe em que a minha
organização e a minha experiência perdiam para a
ansiedade e para a pouca idade. Eu desconsiderei
o fato de que estava saindo da segurança do relevo
montanhoso do estreito de Itapuã, que agia como
uma barreira de proteção, corrigindo e mantendo
os ventos estáveis e contínuos. Naquele momento
eu estava entrando na imensa lâmina de água da
Lagoa dos Patos, com sua costa plana e seus ventos
dominantes, fortes e invariáveis.
Foi inevitável. Uma rajada de vento muito
forte empurrou a vela na minha direção e, com
uma velocidade muito maior do que eu poderia
imaginar, a retranca foi arremessada contra mim
num movimento rápido e brusco. Não consegui
esquivar. Senti uma única pancada com muita força
na minha cabeça. Fui jogado contra o cockpit do
barco e lá fiquei, desacordado.
•••
48 | NO NEVOEIRO
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Caí em mim. Não fazia a menor ideia de onde
estava. Olhei o relógio e outra surpresa, tão ruim
quanto as anteriores: mais de seis horas tinham
se passado. Eram quatro da tarde. Eu havia ficado
desmaiado todo aquele tempo. Entendi que a
situação era bem mais séria do que imaginava.
A cabeça começou a doer de novo.
De fato, eu ficara desacordado por mais de
seis horas. E o pior, durante todo esse tempo, Ozzy
tinha navegado sozinho, a correnteza e o vento
estavam fortes naquele dia. Eu poderia estar em
qualquer lugar da Lagoa dos Patos, muito longe do
meu plano de navegação. Com certeza, já tinham
iniciado as buscas. Deviam estar a minha procura,
mas, com aquele nevoeiro, como iriam me achar?
– O rádio! – gritei, lembrando da boa alma
experiente do Edson, que me obrigara a trazer. –
Só preciso chamar no canal 16. Mas que referência
eu vou dar? – lembrei que não enxergava nada dez
metros adiante do meu nariz. – Não importa, ao
menos eu falo com alguém e peço socorro, vão
saber que estou vivo.
Virei para um lado e para o outro à procura
da mochila. Dentro dela, estava tudo o que me
manteria vivo: o rádio, a bússola, as roupas secas,
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a comida, a água... Cada segundo sem avistá-la
só piorava o cenário apavorante em que eu estava
metido.
A mochila não estava a bordo. Certamente,
ela havia sido jogada para fora, no acidente, e devia
ter flutuado para longe.
•••
•••
54 | NO NEVOEIRO
E
m algum momento, me abaixei no barco
e fiz algo que não fazia há muito tempo:
rezei. Pedi a Deus que olhasse para baixo
para ver como poderia me ajudar. Raramente eu
ia a uma missa, mas, naquele momento, como
saída a todo aquele que está amedrontado e com
o fantasma da morte rondando, rezar poderia ser
uma alternativa. Vergonhosamente, rezei – digo
vergonhosamente porque era somente por causa
da dificuldade que eu tinha me lembrado de pedir
coisas em oração. Porém, como não sei de nenhum
amigo que tenha rezado durante uma noite com a
garota mais cobiçada do colégio, acredito que, para
os momentos de prazer, Deus sempre fica de fora
mesmo.
Ainda com as mãos unidas junto ao peito,
na posição clássica de prece, depois de balbuciar
algumas palavras para o criador do mar, me pus
novamente a tentar escutar algo. O silêncio era
assustador, mal ouvia o som da água batendo no
casco. Mas ficar em silêncio era tudo o que eu podia
fazer para escutar algo que me desse uma direção.
Como era de se esperar, aquele acidente estava
mexendo comigo. Não é tão fácil abalar o ego
de um garoto de quatorze anos. Mas, em meio à
quietude e à névoa daquele fim de tarde, eu pensava
56 | NO NEVOEIRO
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com a terra fria, no entorno da lagoa, os trilhões
de partículas de umidade do ar se condensaram,
formando um denso nevoeiro que se estendia para
o sul, invadindo uma grande parte dos dez mil
quilômetros quadrados da imensa lagoa.
Além de gastar tempo raciocinando sobre
as explicações científicas da minha situação, não
havia muito o que fazer. Cobri meus pés com a
capa da vela e fui me encolhendo no cockpit para
manter o meu corpo aquecido. O frio chega cedo
na região descampada da lagoa, e a claridade, com
o nevoeiro, se esvaiu rapidamente; a luz do sol
tinha sua penetração praticamente nula. Naquela
situação, gélida e lúgubre, eu percebia que a noite
estava chegando muito rápido, e meus temores
aumentavam. Por mais que tentasse ser forte e
quisesse continuar defendendo mentalmente todo
o meu preparo e experiência, o nevoeiro funcionava
como um espelho; quando eu olhava para ele, via
apenas o reflexo de um menino. O mesmo menino
que talvez nunca devesse ter saído da margem, de
onde observava os demais velejadores.
Por vezes, chorei. Por vezes, tentei buscar
forças, pedindo a Deus que olhasse para mim.
Em outros momentos, só pensei nos meus pais e
58 | NO NEVOEIRO
em como deveriam estar desesperados. Por mais
que pudessem ter esperanças, enquanto não me
enxergassem, ficariam por demais preocupados.
Eles sabiam do risco que é estar perdido na
água. Uma busca noturna, além de perigosa, é
extremamente improvável. É como tentar achar
uma agulha em um palheiro molhado e escuro.
Algumas vezes, eu também cantei. Me ouvir
cantando me deixava mais tranquilo, e havia
também uma chance remota de alguém me escutar.
Só parei quando me peguei cantarolando uma do
Black Sabbath:
•••
60 | NO NEVOEIRO
O
lhei o relógio. As coisas não tinham se
modificado ao longo de quase duas horas.
Não restava mais nada a fazer a não ser
continuar tendo fé. E acreditar que poderia ser salvo.
Por mais duas horas, a correnteza foi me levando a
um rumo desconhecido.
Por um momento, pensei ter ouvido o som de
uma vela panejando. Cheguei a levantar a cabeça
e atentar aos movimentos ao redor. Mas o desejo
de encontrar uma saída e a esperança de que o
nevoeiro desaparecesse eram tão fortes que aquele
som, com certeza, era um delírio.
Continuei encolhido no cockpit, quieto,
pensativo, saudoso e tentando controlar o medo,
que crescia cada vez mais. Porém, novamente,
o som de uma vela ao vento, bem próximo, era
audível e, dessa vez, mais claro. Levantei a cabeça
novamente e escutei. Parecia sim ser outro barco
à vela. Eu podia escutar seus movimentos. Parecia
estar perto. Sentei rapidamente no barco, para tentar
ver melhor. A minha frente, um vulto começou a se
delinear, como uma embarcação se aproximando,
um veleiro pequeno. Escutava o movimento da
água sendo cortada pela proa.
Me levantei num salto e gritei com toda a
força.
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– Olá! Socorro! Estou à deriva! Tem alguém aí?
Silenciei, em seguida, na esperança de ouvir o
retorno. Uma pausa. Nenhuma voz. Porém, o som
da embarcação se aproximando ficava cada vez
mais alto.
– Olá! Aqui é o veleiro Ozzy, meu nome é
Raul! Pode me ouvir?
Nada de resposta. Seria um delírio? Já tinha
escutado muitas histórias de gente perdida que teve
visões. Será que eu estava ficando louco? Com a
mão aberta e estendida, bati no meu ferimento do
pé. Doeu muito. Eu não estava delirando, não. Com
certeza, alguém se aproximava. Mas por que não
respondia aos meus pedidos de socorro?
– Olá! Tem alguém aí? – gritei mais uma vez.
– Estou te escutando! Por favor, diz alguma coisa –
quando eu silenciava, o som e a silhueta do barco se
aproximando ficavam cada vez mais nítidos.
Percebi que o encontro comigo seria inevitável.
Fosse quem fosse, estava vindo a bombordo. Sentei
a boreste e fiquei observando atentamente. O
nevoeiro ainda estava muito denso, e a escuridão
do início da noite não deixava muitas alternativas
para se avistar ao longe. De repente, percebi, entre
a densa névoa, um movimento a pouco menos de
62 | NO NEVOEIRO
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dez metros de onde eu me encontrava. Ao fundo,
consegui vislumbrar o vulto. De fato, estava a
boreste, uns dez metros da popa. Era um veleiro
pequeno, também um monotipo.
– Estou salvo! Estou salvo! – comecei a gritar e
a acenar. – Obrigado, Deus, por me atender. Muito
obrigado, cara!
Não podia deixar de agradecer àquele de quem
eu nunca me lembrava. Parecia que o nevoeiro
realmente havia mexido comigo. Continuei
gritando e acenando. Cada vez mais, as linhas do
casco e da vela branca iam ficando nítidas. Minha
felicidade era enorme, mal continha o riso e a
sensação de alívio. Estava salvo e seria mais uma
história de resgate bem-sucedido.
Aos poucos, o veleiro foi se aproximando e
ficou distante cerca de seis metros. Consegui ver
claramente a embarcação. Era um barco de madeira,
um modelo que eu nunca havia visto antes. Dava
para perceber que era antigo, mas muito bem-
cuidado. A retranca, de grande dimensão, chegava
até o painel de popa; contudo, era um pouco menor
que o mastro que esticava a vela. O leme era apoiado
no painel da popa e tinha uma caixa na parte de cima
onde era encaixada a quilha. Era, na verdade, uma
64 | NO NEVOEIRO
bolina, uma quilha retrátil como a do laser. A parte
inferior era arredondada. Era um veleiro lindo, um
clássico, de madeira envernizada e cockpit branco.
Na vela, não havia nenhuma inscrição; apenas uma
estrela de cinco pontas bem no alto, perto da ponta
do mastro. Também não constava a categoria do
barco. No casco superior, apenas as iniciais “ES”.
O pequeno veleiro passou por mim e começou
a contornar. Percebi que estava ali para me resgatar.
Provavelmente, tinha sido enviado pelo clube ou por
alguma marina próxima de onde eu me encontrava.
Ele fez um trezentos e sessenta em torno do Ozzy,
e eu fiquei ali, maravilhado vendo aquele barco
contornar e velejar como se nenhum problema
estivesse acontecendo. Uma leve brisa começou
a mexer com a minha franja. Percebi que, por um
milagre, uma corrente de vento vinha de popa rasa
de onde eu estava. Ao completar uma volta em
torno do Ozzy, pude ver o velejador. Era também
um garoto, não devia ter mais do que quinze anos,
e sua imagem era bem visível. Usava camisa e calças
brancas, um boné, também branco, parecido com
um quepe, como se fosse um chapéu amassado. Eu
já tinha visto algo parecido em uma festa na colônia
onde havia uma tenda vendendo muitos daqueles.
66 | NO NEVOEIRO
Mario Augusto Pool | 67
Mais uma vez, ele sorriu e não disse uma
palavra. Devia ser surdo. Ou mudo, ou algo assim.
Como minha vontade de sair dali era grande, pouco
importava, naquela altura dos acontecimentos, a
deficiência do sujeito. Depois eu teria tempo para
tentar falar com ele e agradecer.
Comecei a me preparar para segui-lo.
Puxei a adriça e subi a vela. Com um cabo,
amarrei o burro o melhor que pude ao mastro e
aprumei a retranca para começar a me movimentar.
Sentei ao centro do cockpit para equilibrar o Ozzy
e evitar uma virada. Sem bolina, as chances de
acontecer isso eram grandes e não poderia perder
esse tempo. Muito menos perder de vista o meu
resgate. A brisa foi aumentando e se transformou
numa corrente de vento, que foi crescendo e
chegando a uns dez, onze nós. O Ozzy oscilava
muito, me obrigando a fazer muitas manobras e ter
as mãos ocupadas o tempo inteiro. Mesmo assim,
consegui manter a cana do leme reta e traçar meu
rumo, seguindo o meu resgate.
•••
68 | NO NEVOEIRO
P
artimos, navegando lentamente. Por todo
o trajeto, a distância dos nossos barcos não
ultrapassava os dez metros. O nevoeiro
continuava denso, o vento ainda não era forte
o suficiente para dissipá-lo, e aquela distância
que eu mantinha era a margem de segurança
para não perder a minha salvatagem de vista. O
mais estranho de tudo era que aquele monotipo
também parecia não possuir instrumentos de
navegação. Para onde estávamos indo também
era outro mistério. Mas eu percebia que o garoto
era muito experiente. Navegava com segurança e,
sempre atento, mantinha a cabeça erguida, olhando
para um horizonte imaginário. Invisível, naquele
momento, mas que ele parecia saber que estava
lá. Provavelmente, estávamos perto da costa. Isso
me tranquilizava, pois, no centro da lagoa, onde
ficava o canal, havia uma corrente forte. E também
aumentava o risco de colisão.
Uma hora havia se passado. A escuridão da
noite já estava completamente presente, o nevoeiro
continuava a cobrir todos os espaços, e a única
coisa visível era o meu novo amigo e o seu barco
rumando ao desconhecido.
Repentinamente, o garoto virou noventa graus
na minha frente e começou a circundar o Ozzy,
Mario Augusto Pool | 69
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fazendo uma volta completa ao meu redor. Acenou
com o braço direito e apontou para algum lugar
perdido na penumbra do nevoeiro. Acompanhei com
os olhos a direção indicada e surpreendentemente
pude distinguir uma claridade ao fundo.
– Uma luz! Meu Deus, estou salvo! É terra.
– Vibrei de alegria e forcei o barco a contornar,
acompanhando o sentido de onde vinha a claridade
que ainda estava dispersa pelo nevoeiro.
Aos poucos, e com a minha aproximação, a luz
foi ficando mais nítida. Era uma luz de navegação
e estava fixa em algum ponto distante uns trinta ou
quarenta metros dali. Dei um grito de alívio e sorri
para o meu amigo. Ele correspondeu ao sorriso e
fez um sinal para que eu seguisse em frente. Virei
a cana do leme a boreste e rumei em direção à luz.
Queria muito chegar à terra e ligar para os meus
pais. Com certeza, estavam apavorados.
Mantendo o ritmo do vento fraco, fui, aos
poucos, me aproximando daquele lugar. Devia
ser uma marina. A luz que víamos ao longe era a
de um farol de canal, mostrando o caminho para
uma enseada e, logo em seguida, um trapiche com
muitos veleiros ancorados. Não havia ninguém
nos esperando, mas não importava, era um porto
para ancorar.
Mario Augusto Pool | 71
Encostei no píer e puxei uma amarra para
prender o Ozzy. Estava com muito frio. Segurei
no corrimão de acesso, coloquei meu pé ferido
no degrau e dei o primeiro passo. Estava a salvo.
Lembrei-me de olhar para o céu e agradecer
novamente a Deus. Sabia que não merecia, mas o
meu pedido havia sido atendido.
Com alguns passos cuidadosos, cheguei até
um hangar para barcos. Havia uma porta aberta
com caixilhos de metal. O nevoeiro cobria os
prédios, os barcos ancorados e o longo trapiche
que conduzia à sede do lugar. Naquele momento,
lembrei-me do meu salvador. Olhei para a lagoa,
e lá estava ele, com o seu barco, acenando para
mim e, mais uma vez, sorrindo. Acenei de volta e vi
quando o garoto voltou a sentar no cockpit, caçou a
retranca e manobrou o barco para seguir em frente.
Barcos pequenos devem sempre ser retirados
da água. Em temporais, eles são frágeis, podem
ser destruídos facilmente, caso venham a bater
nas colunas do píer. O garoto, certamente, estava
indo guardar o seu barco, já que ele era muito bem
cuidado.
Ao me virar, percebi um vulto vindo ao meu
encontro. Era um homem, um homem velho e com
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barba. Empunhava uma pequena lanterna e vestia
um agasalho amarelo, uma jaqueta marítima.
– Olá, menino! Tudo bem com você? Já está
tarde e perigoso para ficar velejando com este
tempo – comentou ele, com um olhar desconfiado
e curioso; certamente, para saber quem eu era e o
que fazia ali numa noite daquelas.
– Pois é, senhor, tudo bem? Eu sou o Raul e
fiquei sem rumo. Levei uma pancada na cabeça e
acho que desmaiei. Eu saí do Clube Veleiros, às sete
horas da manhã, e, quando acordei, já eram quatro
horas da tarde!
O homem continuava parado, ouvindo,
e mais desconfiado ainda. Aquela história não
parecia muito apropriada. Podia ser um alucinado
querendo contar vantagem ou escondendo algo
que fizera de errado.
– Acho que você realmente bateu a cabeça! –
exclamou o homem, cofiando a barba e me olhando
dos pés até o último fio de cabelo. – Você disse que
saiu do Clube Veleiros de Porto Alegre?
– Sim, eu sou velejador de lá. Estava treinando
quando tudo isso aconteceu – certifiquei, mais uma
vez, a minha versão da história.
– E você tem ideia de onde está?
74 | NO NEVOEIRO
– Pra dizer a verdade, não. Mas eu fui
resgatado por outro garoto; ele deve ser daqui.
Ele me encontrou uma hora atrás e me guiou pela
lagoa. Depois, avistamos o farol de navegação. Ele
está lá atrás, foi guardar o veleiro dele.
Me senti em um inquérito. Porém, como
eu estava sendo acolhido, deveria ter paciência e
responder calmamente às perguntas do homem.
– Bem, meu jovem! Não sei muito bem como
lhe dizer, mas você está em Tapes! – respondeu
firmemente. – Aqui é o Clube Náutico Tapense,
e estamos sem movimento desde o fim da manhã
quando este nevoeiro invadiu a lagoa.
– Tapes? – indaguei com muito espanto. –
Mas isso é longe pra caramba! Eu já tive aqui antes
com o meu pai – completei, impressionado.
– Sim – reafirmou o homem. – Pra chegar
aqui pela lagoa são mais de oitenta milhas. Se
o que você está dizendo for verdade, você foi
arrastado por um vento e uma corrente muito
forte. Se não tivesse parado aqui, com certeza,
você iria morrer de frio ou afogado no canal.
Ninguém resiste a um frio deste ficando tanto
tempo à deriva! – concluiu espantado o homem
de barba. – Venha, você precisa de um banho
•••
78 | NO NEVOEIRO
todo o ambiente. Fez um curativo no corte do
meu pé e cobriu com gaze e esparadrapos. Me
serviu uma sopa quente, muito saborosa. Eu
detesto sopas, mas aquela era a melhor refeição
que eu já tinha comido na vida.
Gentilmente, o zelador emprestou o
seu telefone e pude ligar para os meus pais.
Eles mal puderam acreditar naquela história
completamente incrível. O resultado da narrativa
eram lágrimas dos dois lados da linha. Vários
barcos do clube e de outras partes estavam a
minha procura; a capitania dos portos havia
sido avisada e foi um alívio para todos saberem
que eu estava vivo e que passava bem. As buscas
foram suspensas. Meus pais estavam a caminho
de Tapes. Iria ser resgatado pela segunda vez no
mesmo dia; desta vez, por terra. A sensação era
de muita felicidade. Seria mais um final feliz de
resgate na Lagoa dos Patos.
– Senhor Jorge, eu queria lhe agradecer por
ter se preocupado e me ajudado. Obrigado.
A esposa do zelador estava na cozinha. Eu
levantei um pouco a voz e direcionei meu olhar na
sua direção, embora não pudesse vê-la.
– Obrigado pela sopa, senhora! Está muito boa!
80 | NO NEVOEIRO
pela confortável casa de madeira do zelador. Em
uma das paredes, havia algumas fotos penduradas
por suas molduras. Eram fotos em preto e
branco. Percebi que eram de diferentes épocas
do Clube Náutico Tapense. Parei diante de uma
velha fotografia emoldurada. Estava manchada,
mas suficientemente nítida através do vidro que
a protegia. Mostrava um garoto a bordo de um
veleiro monotipo, do mesmo modelo daquele que
havia me resgatado.
– Quem é o velejador, seu Jorge?
– Que velejador?
Apontei para a fotografia entre as outras.
– Ah, sim. É uma fotografia do inglesinho
Mark, sobrinho de um dos fundadores aqui
do clube.
– Mark? – disse eu, aproximando o rosto para
perto da fotografia a fim de ver mais detalhes.
– Sim, Mark Spencer! – completou. – Era
um bom menino inglês; não falava a nossa língua.
Eventualmente, vinha visitar o seu tio Eddie, um
dos comandantes que dragaram o canal da Lagoa
dos Patos. O comandante Eddie, depois da obra,
ficou morando por aqui; tinha um entreposto neste
terreno e, anos depois, acabou fundando este clube.
Mario Augusto Pool | 81
Este barco pertencia ao Eddie, mas, sempre que
vinha aqui, Mark velejava nele. O tempo todo, o
tempo todo! – repetiu o velho Jorge.
Com os olhos um tanto arregalados, eu
escutava atento a narrativa do zelador. Vez ou outra,
voltava meu olhar para a fotografia e retornava
para Jorge novamente. Algumas coisas começavam
a fazer sentido. As letras na proa do barco, “ES”,
deveriam ser de Eddie Spencer, o dono do barco,
e isso confirmava a existência do meu amigo e
salvador. Ele realmente era um velejador local e
pertencia àquele clube.
– É um bom velejador, com certeza –
murmurei, pensando no que havia feito por mim
naquela noite.
– Muito bom velejador – disse o velho Jorge,
olhando nos meus olhos. – Um menino de ouro,
sempre disposto a ajudar. Um marinheirinho com
muita experiência. Usava o velho monotipo do
Eddie com destreza e boas manobras – completou
Jorge. – Lembro de certa ocasião, em um dia como o
de hoje, um nevoeiro muito denso. Nós recebemos
pelo rádio um pedido de socorro. O chamado vinha
de um barco de pescadores que estava afundando a
algumas milhas daqui. Na época, tínhamos poucos
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recursos e não existiam equipamentos para navegar
à noite no meio daquele clima. – Jorge olhou
para mim. – Estávamos apenas acompanhando
pelo rádio o pedido de socorro e tentando avisar
a Marinha sobre o chamado. Mas Mark não se
convenceu. Quando percebemos, o menino não
estava mais conosco. Zarpou com o veleiro do seu
tio e foi ao encontro do pesqueiro.
– Sério? – questionei, agitando a cabeça.
– Sim. Ele foi em busca do pesqueiro. Algumas
horas depois, retornou com quatro homens a
bordo, todos salvos. Era um menino especial.
Diziam que tinha sentidos apurados, que percebia
o perigo e pressentia a agonia das pessoas presas na
água. Tinha um instinto para encontrar e ajudar as
pessoas – terminou de contar com um sorriso no
rosto e colocou a mão em meu ombro.
– Legal! – murmurei. – Muito legal. Pelo visto,
ele continua ainda ajudando os perdidos – disse e
sorri para Jorge, também colocando minha mão
no seu ombro. – Você poderia chamar o Mark? –
perguntei. – Quero muito agradecer e conhecê-lo
pessoalmente. Também devo a minha vida a ele.
•••
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Livro produzido dentro do Curso Livre de Formação de
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