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Saúde, Ambiente e Cidadania na Bacia do Rio das Velhas

84
mar/19

VALE TUDO?
2 .... EDITORIAL manuelzão // 2019

QUANTO VALE A VIDA?


O O D esastre 4
processo de edição da Revista da impunidade, e da importância da
Manuelzão 84 foi interrompi- educação e da manifestação popular.
do pela tragédia em Brumadi- Após um mês do rompimento da
nho. Todo o conteúdo que havíamos barragem do córrego do Feijão, assis- O Licenciamento 10
elaborado foi atropelado pela ocor- timos a Vale evacuar várias comuni-
rência de mais um mar de lama, agora dades que estão na área de autossal- A s B arragens 12
na bacia do rio Paraopeba. vamento de suas barragens alegando
Diante de tantas vidas perdidas e do riscos de rompimento, sendo que até As C onsequências 13
absurdo que é a repetição deste tipo dois meses atrás todas eram tidas
de crime ambiental e humano, nos de-
dicamos a contar
como seguras. É preciso mudar a his-
tória, uma vez
A s Manifestações 16
essa história, ao que esses cri-
mesmo tempo mes que asso- A I mpunidade 20
em que procu- lam as comuni-
ramos organi- dades próximas A Tragédia social 21
zar e reforçar o às mineradoras
movimento Mar
de Lama Nunca
parece não ha-
ver fim e nem
A I nsegurança 22
Mais, para ga- punição. Pare-
rantir que crimes ce não haver O Papel da Educação 23
como estes nun- chance de jus-
ca mais ocorre- tiça para aque-
rão. les que perdem
No rompimento suas casas, seu coordenação geral

da barragem da sustento, suas Marcus Vinicius Polignano


Thomaz Matta Machado
mina Córrego do famílias. É fun-
Feijão, de res- damental rever conselho editorial

Marcus Vinicius Polignano


ponsabilidade o (im)pacto mi- Carla Wstane
da mineradora nerário. Eugênio Marcos Andrade Goulart
Procópio de Castro
Vale, em 25 de janeiro, identificamos Só para não ficarmos no desalento, Daniela Souza
mais um caso em meio à epidemia de a mobilização social promovida pelo jornalista responsável & reportagens
crimes sociais e ambientais, cuja cau- Gabinete de Crise - Sociedade Civil, Daniela Souza
sa é sempre a mesma: a maximização depois de mais este crime, finalmen- MTE 0019771/MG

dos lucros e subestimação de riscos. te impactou a Assembleia Legislativa diagramação

Procópio de Castro
Este paradigma levou a tomada de do Estado de Minas Gerais, que apro-
Foto da Capa
decisões equivocadas, negligentes e vou uma nova lei sobre segurança de André Tashiro
irresponsáveis que culminaram em barragens do estado, incorporando impressão

eventos criminosos como este. todos os itens colocados no projeto O Lutador

A revista trata do crime da Vale em Mar de Lama Nunca Mais. tiragem

10.000 exemplares
Brumadinho e de suas consequências Por último, gostaríamos de convidar issqn 2178 9363
dentro de uma visão de epidemio- a todos para o lançamento do livro
logia social onde estão descritos os “Mar de Lama da Samarco na Bacia É permitida a reprodução de matérias e
artigos, desde que citados a fonte e o autor.
fatos, identificados o perfil dos atingi- do Rio Doce – Em Busca de Respos-
dos e mortos, demonstrando que eles tas”, no dia 25 de março. A obra foi Universidade Federal de Minas Gerais
não são somente números, mas his- produzida ao longo de dois anos para Av. Alfredo Balena, 190, sl. 813.
Belo Horizonte (MG) | CEP 30130-100
tórias de vida que foram interrompi- fazer o registro da narrativa do crime (31) 3409-9818 / www.manuelzao.ufmg.br
das; o dano sistêmico produzido pelo socioambiental na bacia do rio Doce, manuelzao@manuelzao.ufmg.br
rompimento da barragem, no seu por meio de diversos autores de di- Facebook: @projetomanuelzao
Instagram: @projetomanuelzao
entorno e na bacia do Rio Paraopeba; ferentes áreas do conhecimento e de
toda a rede de causalidade que gerou ONGs, incorporando um pouco da
tamanha tragédia, desde o processo história sobre Brumadinho.
de licenciamento até a repetição do Reverberamos aqui as palavras de
erro no método de construção de Carolina de Moura, do Movimento
barragens. Tratamos da (ir)responsa- Águas e Serras de Casa Branca – Bru-
bilidade das empresas, do governo madinho: “Nossa terra sangra, nosso
do estado e da União, do problema povo chora, nossa luta continua”.
“E aí vem um projeto que se propõe a apresen- “O Ministério Público não aceita que foi um aci-
tar um ganho ambiental a partir de inversão tec- dente. Aqui, você não vai chamar de acidente. Foi
nológica, e nós vamos discutir aqui com base no um crime. Chame como quiser, mas não de aci-
acidente de Mariana. São casos completamente dente”.
diversos. Nós tivemos muita tranquilidade na- André Stern
quele parecer que elaboramos e estamos muito Promotor estadual, em resposta a advogado da Vale em
reunião com moradores de Parque da Cachoeira, em 05 de
seguros em relação a ele” fevereiro
Rodrigo Ribas
Superintendente da Suppri, na ocasião de votação do licencia-
mento da Vale, em Brumadinho, em 11 de dezembro de 2018.
“Isso é um genocídio!”
Alexandre Kalil
Prefeito de Belo Horizonte, em 28 de janeiro
“Eu diria que apesar de ser uma tragédia de di-
mensões enormes, a situação está sob controle.
“Tragédias acontecem por irresponsabi-
As nossas forças estão fazendo o melhor e eu
acompanho pessoalmente” lidade, para economizar, para alcançar
metas. Mas são vidas. Agora, é torcer
Romeu Zema
Governador de Minas Gerais, em coletiva de imprensa, em 26 de para que achem o corpo. Muitos não se-
janeiro rão encontrados, e eu posso até estar in-
cluído nessa [não encontrarem o corpo
“Procuramos sobreviventes, sempre. do meu irmão], mas é o mínimo que se
Mas aqui, a verdade é que estamos nos espera. Esperança de vida não dá, mas ao
guiando pelo cheiro dos corpos ou pelo menos encontrar o corpo”
Carlos Antônio Piedade
o que conseguimos ver.” cujo irmão está desaparecido, 28 de janeiro
Brigadista em Brumadinho, 28 de janeiro

“Doar? Um bandido entra na sua casa, rouba


tudo o que você tem, mata pessoas da sua
“A televisão mostra imagens que faz pare- família, destrói o seu espaço emocional, me-
cer com que o trabalho do resgate é bonito. mórias, depois ele volta e diz que vai deixar
Mas, no local, presenciando pessoas gritan- um dinheirinho para você recomeçar a vida.
do, crianças chorando, postes pegando fogo Que bandido caridoso”
e barro descendo. É uma coisa muito forte. Padre Fábio de Melo
Foi chocante. Não tenho como explicar.” No dia 29 de janeiro, no twitter, ironizando a doação
Diego Dias de R$100 mil da Vale às famílias das vítimas
Socorrista, 28 de janeiro

“Não tem faltado, por parte da empresa


“Nunca vi tanto horror na minha vida. (Vale), neste momento assumir esse compro-
A lama não deixou vestígios. misso. Parece que desta vez eles (Vale) reco-
Ela passou varrendo tudo.” nheceram o erro, apesar do incidente”
Romeu Zema
Silvânia Fonseca Moraes
Governador de Minas Gerais, em encontro com deputados
Professora e voluntária no resgate em Brumadinho, 28 de janeiro
federais, em 12 de fevereiro

“A Vale é uma das melhores empresas que


“Era uma cena surreal. Coisa de filme. Famílias esta-
eu conheci na minha vida. É uma joia bra-
vam atrás da cerca chorando e, de longe, tentavam ver
se era um deles. Hora chegava corpo, hora chegava sileira, que não pode ser condenada por
alguém vivo. Os corpos eram colocados no caminhão um acidente que aconteceu em sua barra-
do IML e levados o mais rápido possível. O caminhão gem, por maior que tenha sido a tragédia”
ia cheio e voltava vazio, como se fosse carga.” Fábio Schvartsman
Marcos Dâmaso Presidente da Vale, em audiência pública na Câmara dos
Fotógrafo, 28 de janeiro Deputados, em 14 de fevereiro
4 .... desastre manuelzão // 2019

VALE CAUSA NOVO DESASTRE EM MINAS GERAIS


Após o silêncio, a busca por
daniela souza As buscas continuam, os números sobreviventes e mortos
Jornalista oscilam, e é provável que nunca se Ambulâncias, helicópteros e equipes de
saiba quantas pessoas morreram resgate foram mobilizados para rastrear
neste crime.
A sexta-feira, 25 de janeiro, começou a lama em busca de sobreviventes. Uma
como um dia comum de trabalho nos es- a uma, as quarenta ambulâncias designa-

206 102
critórios administrativos da Vale, na Mina das pela empresa foram deixando o local
Córrego do Feijão. Tiago Favarini, 33, foi e sendo substituídas por caminhões refri-
para o trabalho em Brumadinho, como gerados. Não havia gente viva para salvar.
fazia todas as sextas. Esse era o único dia No primeiro dia, a contagem oficial anun-
da semana em que ele não trabalhava em Mortos* Desaparecidos ciava nove mortos, dez pessoas a menos
Congonhas. que as que foram encontradas sem vida
* Dado disponível no fechameto da revista, em 18/03/2019. no desastre da Samarco, em Mariana. Mas
Éverton Guilherme Ferreira Gomes, 21,
com o passar dos dias, as buscas revela-
foi à mina para conhecer o novo chefe. com um colega, sem ter para onde correr.
ram o verdadeiro impacto do novo mar
Pelo celular, despediu-se do pai. “Eu te Com a ajuda dele, conseguiu desenterrar
de lama, que atingiu a Região Metropoli-
amo! Fica com Deus”, escreveu. Chegada outro companheiro, que estava soterrado
tana de Belo Horizonte.
a hora do almoço, as mesas de trabalho pelos rejeitos de minério.
foram trocadas pelas do refeitório. Sobre Em 15 segundos, a destruição alcançou os
as cabeças de tantos empregados e ter- prédios administrativos e o refeitório da “Muitos estão olhando o papel
ceirizados da Vale estava uma estrutura empresa, depois seguiu derrubando árvo- sujo, que é o dinheiro, só estão
gigante: a barragem I, cuja segurança era res, tomando casas, inundando a planície olhando os bens materiais. Eles não
garantida pela mineradora de grande cre- do Córrego do Feijão. entendem que o ar puro que eles
dibilidade. respiram é através das reservas,
“Olhei para os lados e não vi mais ninguém.
Próxima à estrutura, Ana Paula da Silva nascentes do rio”, cacique Hãyó
Não havia mais barulho. Parecia um cenário
Mota, 30, dirigia um megacaminhão, car- Pataxó.
de guerra. Foi horrível”, relatou Sebastião.
regado com 91 toneladas de minério. E
Tiago e Éverton foram silenciados pela his-
às 12:28, enquanto alguns trabalhavam,
tória que poucos, como Ana Paula e Sebas-
outros se alimentavam e descansavam, “Após 48 horas de operação, torna-se
tião, sobreviveram para contar.
ela ouviu um grande estrondo, e viu uma muito mais difícil de encontrar vítimas
onda de rejeitos de minério se apossar de O silêncio com vida. Existem relatos de pessoas que
carros, caminhões e trilhos de trem. Onde antes havia um curso d’água, apenas conseguem sobreviver em desabamen-
Com os faróis, Ana Paula sinalizou para barro, peixes mortos e água turva podem tos, mas não com movimento de massa.
que o motorista de outro caminhão fu- ser observados. O que se ouve é o pesado A lama funciona como a água, ocupa to-
gisse dali, e pelo rádio do veículo avisou: silêncio de pelo menos 206 mortos, 102 dos os espaços, e não deixa bolsões de ar,
“Corre, foge, a barragem estourou”. De- desaparecidos, e talvez um número ainda como acontece em desabamentos”, afir-
pois, manobrou o pesado veículo, de ré, maior de vítimas não registradas. Calados mou o porta-voz dos bombeiros de Minas
para fora da área de inundação. pela enxurrada de lama tóxica de minério. Gerais, tenente Pedro Aihara.
Ela nunca teve medo da barragem: “a Vale O silêncio na Mina do Feijão é um eco da Quem são as pessoas sob os rejeitos de
sempre passava muito treinamento de se- negligência da empresa, que sabia que, minério?
gurança. Inclusive, uns três meses antes, em caso de rompimento, seus prédios ad- Um dos desaparecidos, Erídio Dias, havia
tinham feito uma simulação (de evacua- ministrativos seriam atingidos e que onde escapado por pouco do rompimento da
ção de emergência)”, contou Ana Paula. estavam não havia tempo suficiente para barragem de Fundão, que arrasou Ma-
Ao escutar o estrondo, Sebastião Gomes, evacuação. A sirene, que deveria ter toca- riana, em 2015. Desta vez, não conseguiu
53, entrou na caminhonete e tentou fugir do, sucumbiu à força da lama. fugir.
Foto: ANDRÉ TASHIRO Fotos: murilo salazar
manuelzão // 2019 desastre .... 5

Em seu caminho de destruição, os rejeitos


atingiram, principalmente, funcionários
e terceirizados trabalhando para a Vale,
BRUMADINHO: UMA CONSEQUÊNCIA DA CRISE
hóspedes e trabalhadores da Pousada
Nova Estância, e moradores da região.
Várias casas foram soterradas em Parque
MAL RESOLVIDA DE MARIANA
após a expedição das licenças. A empresa
da Cachoeira, e além dos peixes, animais estima que serão aplicados cerca de R$5
como cavalos, bois, cães e galinhas foram Marcus Vinícius Polignano bilhões para efetivar o plano.
engolfados pela lama. Prof. DMPS Faculdade de Medicina - Coord. P. Manuelzão
A decisão, porém, chegou com três anos
Os vizinhos de João Ricardo da Silva, 60, de atraso, e se tivesse sido tomada logo
saíram correndo ao ouvirem o barulho após o rompimento de Mariana, não ha-
das árvores, buscando abrigo em partes Três anos e dois meses após o rompimen-
veria tragédia em Brumadinho. Se este
altas, longe do alcance da enxurrada de to da barragem de rejeitos de minério em
modelo de produção já era tecnicamente
rejeitos. De acordo com ele, pelo menos Fundão, Mariana, vivemos o mesmo do
condenado porque continuou sendo uti-
19 casas em sua rua estão debaixo do mesmo, repetindo erros, tragédias e cri-
lizado? Porque a decisão sobre o uso do
barro. mes. Apenas após o rompimento de mais
modelo de barragem a montante nunca
“Nesses dez anos que moro aqui, eles uma barragem, agora na mina Córrego do
foi motivada por falta de outra tecnolo-
nunca vieram avisar nada. Nunca avisa- Feijão, na bacia do Rio Paraopeba, é que o
gia, mas por uma opção política e eco-
ram que estava em perigo, nada. Uma PL Mar de Lama Nunca Mais se tornou lei.
nômica.
barragem não estoura assim, de uma hora Apesar do número maior de mortos, o cri-
para outra, já trabalhei em mineração e sei Na sequência de eventos, cinco dias de-
me em Brumadinho se assemelha ao de
que elas sempre dão sinal”, conta. pois do rompimento em Brumadinho, a
Mariana. Ambos aconteceram em barra-
A paisagem ao redor é estéril, e os únicos Secretária de Estado de Meio Ambiente
gens a montante, que tinham atestados
traços de vida são os urubus no céu e os e Desenvolvimento Sustentável, em con-
de segurança. Em nenhum dos dois de-
bombeiros que exploram o barro à pro- junto com a Fundação Estadual do Meio
sastres as sirenes, que deveriam alertar os
cura de vítimas para resgatar, com ou sem Ambiente, determinou a descaracteriza-
atingidos, tocaram. As perdas para o meio
vida. O Aluno Bombeiro Militar Inácio tra- ção de todas as barragens de contenção
ambiente foram gigantescas, assim como
balha na região com outros três colegas. de rejeitos de mineração, alteadas pelo
as perdas humanas.
“Eu trabalhei um pouco em Mariana, e método a montante, em Minas Gerais. A
Enquanto em Mariana morreram terceiri- medida abrange não apenas novas barra-
para a gente é bem triste, porque envolve zados da mineradora, assim como pessoas
vidas em geral, animais, pessoas. É bem gens, mas todas as existentes no estado,
de comunidades como Bento Rodrigues, inclusive as inativas. Mais uma medida
desgastante, é uma cena bem triste. Esta- em Brumadinho morreram profissionais
mos unidos para diminuir o sofrimento do com três anos de atraso.
de nível superior, técnicos, operários da
pessoal”, conta. Posteriormente, no dia 18 de fevereiro, a
Vale e terceirizados, empresários, turistas
Agência Nacional de Mineração (ANM)
Danos Irreparáveis e moradores da comunidade do Ribeirão
propôs mudanças no regramento de se-
Enquanto isso, as vidas continuam e os Ferro-Carvão.
gurança de barragem, especialmente no
reflexos do rompimento da barragem Ao longo de três anos, o estado, a união, que diz respeito ao modelo a montante, e
afetam as comunidades. Uns perderam e o setor minerário não aprenderam nada fornece justificativas que merecem um re-
a família, outros o emprego, a terra onde com Mariana. Não há que se falar de aci- gistro histórico, conforme reproduzimos:
trabalhavam, a casa. No caso dos Pata- dente, mas sim de crime ambiental e hu-
xós-hã-há-hães, os peixes, agora mortos, (...) O histórico de acidentes recentes em
mano.
eram uma forma de sustento. barragens de mineração (Herculano Mi-
O Rio Paraopeba, que chamavam de água Por que descomissionar só agora? neração, Samarco Mineração, Mont Polley
bonita – mianga baixu – é agora um re- Após mais este crime, a Vale anunciou (Canadá) e Vale S.A.) mostra que o mode-
flexo da tragédia anunciada, assinada que irá descomissionar dez barragens, lo construtivo a montante era uma opção
pela mineração. Ali pesca já não é pos- como a que se rompeu em Brumadinho. para o setor, largamente adotada entre as
sível, depois que o rio recebeu parte dos O prazo para executar as ações é de no décadas de 70 e 90, onde proporciona-
12 milhões de metros cúbicos de rejeitos mínimo um ano e no máximo três anos, e va a edificação de barragens com menor
os trabalhos devem ter início dois meses custo ao empreendedor.
liberados com o rompimento.

Fotos: murilo salazar Foto: ANDRÉ TASHIRO


6 .... SAÚDE manuelzão // 2019

Fotos: murilo salazar


Contudo, constata-se que este método conhecimento do extinto Departamento
não pode mais ser tolerado na atuali- MARIANA x BRUMADINHO Nacional de Mineração (DNPM), agora
dade, uma vez que crescem os registros Bacia do rio Doce Bacia do rio São Francisco Agência Nacional de Mineração. As fra-
de acidentes relacionados a este método gilidades técnicas do processo de barra-
60 milhões de m³ de rejeitos 12 milhões de m³ de rejeitos mento a montante, os problemas relacio-
construtivo, bem como se observa que
várias destas estruturas já ultrapassam al- Vidas perdidas: 19 Vidas perdidas: estimado nados à fiscalização e às áreas de riscos
gumas dezenas de anos de vida útil, além em 310 também já eram conhecidas.
de terem sido alteadas ao longo dos anos, Perda de 200 hectares de Mata Perda de 150 hectares de Mata As mortes em Brumadinho foram ab-
o que aumentou paulatinamente a carga Atlântica Atlântica surdamente desnecessárias, pois se tais
de rejeitos em suas bacias. Distância atingida no rio: 826 km Distância atingida no rio: 250 km medidas tivessem sido adotadas, esta tra-
(...) O rompimento da barragem de gédia não teria ocorrido. Se o Projeto de
Fundão, no Complexo de Germano, Lei Mar de Lama Nunca Mais tivesse sido
mais próximo e intenso até que tais ações aprovado isto também teria sido evitado.
situado no município de Mariana/MG, sejam concluídas.
alterou profundamente a percepção O crime da Vale em Brumadinho é uma
Em razão do exposto acima, na propos- consequência direta da crise mal resolvida
do DNPM (atual ANM) quanto ao pro- ta de resolução em curso é prevista a
cesso de trabalho de fiscalização da de Mariana, e da ausência de tomadas de
proibição do uso do método construti- decisões efetivas por parte da governança
segurança de barragens de rejeitos da vo a montante definitivamente.
mineração. responsável pelo licenciamento, fiscaliza-
As novas regras da ANM propõe medidas ção e regramento minerário.

vítimas do desatre. fotos: redes socias


(...) O consenso atual quanto a maior como a criação de um setor específico
eficiência de outros métodos de cons- As crises são para serem enfrentadas, pois
para fiscalização de barragens de rejeito, permitem a correção dos erros e as mu-
trução e de alteamento (a jusante e aumento de inspeções nas estruturas, re- danças de paradigmas. A crise pode ser
em linha de centro) evidenciam que o alização de auditorias, a retirada de insta- mãe das mudanças, assim como o seu
método “a montante” se encontra ob- lações com ocupação humana das zonas amortecimento pode ser o caminho para
soleto. Barragens construídas ou alteadas de autossalvamento, entre outras. as desgraças.
a montante, principalmente as mais anti-
gas, cujas características de fundação são O que não se explica? Temos que aprofundar a crise do crime
comumente desconhecidas, devem ser Os argumentos factuais relacionados às da Vale em Brumadinho, pois a sociedade
descomissionadas ou descaracterizadas causas do rompimento de barragens, não aceita mais mineração sem responsa-
mencionadas na nota, já eram de amplo bilidade.
com brevidade e receber monitoramento

Área afetada pelo rompimento da barragem da mina Córrego do Feijão em Brumadinho (MG) Foto: Andre Penner/AP
“Não são só números, são histórias de vida”
A VALE JÁ SABIA!
das, que agregavam grande parte dos tar seu Plano de Ação de Emergência
Marcus Vinícius Polignano
trabalhadores da mineradora Vale e ter- de Barragem de Mineração (PAE-
Prof. DMPS Faculdade de Medicina - Coord. P. Manuelzão
ceirizados, estavam na zona de autossal- BM/2016) para as autoridades. Neste
vamento. Ou seja, era a região a jusante plano são definidas as responsabilida-

P
ara entender o grande número de da barragem onde se considerava não des, cenários em caso de rompimento da
vidas perdidas no rompimento da haver tempo suficiente para uma inter- estrutura – o Dam Break – e as ações a
barragem da mina Córrego Feijão, venção das autoridades competentes serem desenvolvidas.
da Vale, em Brumadinho, é necessário em caso de rompimento. Os prédios es-
O Dam Break estava correto
olhar para o Dam Break, estudo que ava- tavam a 2 km de distância, e o local foi
lia os potenciais impactos da ruptura da alcançado pelos rejeitos em apenas 15 As áreas de impacto previstas no estudo
barragem. As informações no documen- segundos. foram exatamente aquelas comprometi-
to ajudam a compreender por que a bar- das pelo rompimento da barragem. Sen-
A empresa conhecia os riscos do previsível, era possível prevenir. Mas,
ragem, que liberou apenas um quinto do
volume de rejeitos emitidos pela barra- Tanto a Vale quanto o poder público apesar de ter conhecimento dos riscos,
gem rompida em Mariana, foi quase dez conheciam a possível rota da lama de a empresa optou por manter toda a sua
vezes mais fatal. rejeitos, incluindo a informação de que estrutura administrativa e até seu refeitó-
havia pessoas neste caminho, já que toda rio na área de inundação. O que aconte-
A explicação é que as estruturas atingi- mineradora tem a obrigação de apresen- ceu foi crime.

RESPONSABILIDADES DA VALE COMO da para o desenvolvimento do estudo de


REPRODUÇÃO DE TRECHOS DO DOCUMENTO EMPREENDEDOR cenários é definida pelo vale do Rib. Fer-
APRESENTAÇÃO De acordo com a Portaria 526/2013 do ro-Carvão, pertencentes à bacia do Rio Pa-
O Plano de Ação de Emergência de Barra- DNPM o empreendedor é definido como raopeba, que por sua vez integra a bacia
gem de Mineração (PAEBM) consiste em o agente privado ou governamental que federal do rio São Francisco. O mapeamen-
uma importante ferramenta, na qual são explore a barragem para benefício próprio to das áreas potencialmente inundáveis foi
identificados e compilados em um único ou da coletividade ou, na condição de bar- realizado ao longo do vale a jusante até
documento os procedimentos e ações que ragem inativa, que a tenha implantado ou a confluência com o Rio Paraopeba to-
devem ser implementados para mitigar possua o direito real sobre os imóveis onde talizando, aproximadamente, 13,0 km de
riscos e responder com eficiência às situ- se localiza a barragem, sendo também o curso de água. As áreas que têm potencial
ações de emergência que possam com- responsável legal pela segurança da bar- interferência com os cenários avaliados são
prometer a segurança da barragem e de ragem, cabendo-lhe o desenvolvimento descritas a seguir:
sua área de influência. de ações para garanti-la.
- Trechos de área industrial da Vale e
I.2. OBJETIVO V.5. RESPONSABILIDADES NA zona de autossalvamento com presença
De acordo com a Portaria nº 526/2013 do EVACUAÇÃO frequente de pessoas;
DNPM, este Plano de Ação de Emergência O empreendedor é responsável por alertar - Trechos de mata fechada e zona de autos-
tem por objetivo identificar e classificar si- a população potencialmente afetada na salvamento de importância ambiental não
tuações que possam pôr em risco a integri- zona de autossalvamento (ZAS). Nas de- relevante;
dade da estrutura da barragem, estabelecer mais áreas adjacentes às ações serão de-
- Propriedades rurais às margens do cur-
ações necessárias para sanar as situações de sempenhadas e coordenadas pelos órgãos
so d’água, sendo constituídas, porém, de
emergência e fluxo de comunicações com públicos competentes.
pequenas edificações distantes entre si;
os diversos agentes envolvidos, com a fi-
CONSIDERAÇÕES FINAIS - Áreas residenciais com presença fre-
nalidade de minimizar perdas de vidas
humanas. A área a jusante da Barragem I delimita- quente de pessoas;...

Perdas ambientais, econômicas e de vidas no desatre do córrego do Feijão. Foto: Murilo Salazar
10 .... licenciamento manuelzão // 2019

COMO O LICENCIAMENTO AMBIENTAL CONTRIBUIU PARA O DESASTRE


É com base nos conhecimentos de Maria Teresa Corujo que busca-
mos compreender como o licenciamento ambiental contribuiu para
o rompimento da barragem de rejeitos da Vale, em Brumadinho.
Maria Teresa é ambientalista, membro do Movimento pelas Serras e
Águas de Minas, e conselheira na Câmara de Atividades Minerárias,
representando o Fórum Nacional de Comitês de Bacias Hidrográfi-
cas, o FONASC.
Em reunião da Câmara Técnica Especializada de Atividades Minerá-
rias, responsável pelo licenciamento concedido à mineradora para
Foto: Pedro de Filippis

ampliar sua atuação nas minas de Jangada e Córrego do Feijão, em


dezembro de 2018, ela foi a única a votar contra. Em entrevista,
Corujo denunciou os riscos das recentes mudanças no processo de
licenciamento de atividades minerárias no Estado, caracterizadas
pela flexibilização da legislação.

Colegiados sem participação popular Em 40 reuniões, houve apenas um inde-


“É muito violento continuar põem as pessoas e o meio ambiente ferimento, enquanto dezenas de licenças
testemunhando essa situação de em risco foram concedidas”, relata a ambientalista.
irresponsabilidade, de insanidade Nas URCs, espalhadas por todo o terri- “Eles dizem que é uma câmara paritária,
em decisões ambientais”. tório mineiro, os conselhos que votavam mas para que ela seja realmente paritária,
Maria Teresa Corujo pela aprovação de licenciamentos eram deveria ter seis cadeiras reservadas para
diversos e contavam com a participação os interesses econômicos e seis cadeiras
de atores do poder público, da sociedade olhando pelo meio ambiente.”
civil e organizações como a Polícia Am-
O PROCESSO DE LICENCIAMENTO biental e o Ministério Público, que tinham Como funciona a classificação de
empreendimentos para ambiental
um papel esclarecedor em meio às dis-
Como o licenciamento ambiental mu- cussões. Empreendimentos minerário são classifi-
dou em Minas nos últimos anos Porém esses atores foram excluídos das cados, de 1 a 6, de acordo o porte pro-
A partir da aprovação da Lei 21.972 -2016, atividades da Câmara Técnica Especiali- dutivo e o potencial poluidor. Os que são
proposta à Assembleia Legislativa de Mi- zada de Atividades Minerárias, que conta classificados até o nível 4 podem solicitar
nas Gerais (ALMG) em caráter de urgência, com apenas 12 conselheiros. Entre os as- Licenciamento Concomitante, quando a
pelo então governador Fernando Pimen- sentos, seis são reservados ao poder pú- Licença de Prévia, a de Instalação, a de
tel, decretos e deliberações normativas blico e seis para a sociedade civil, que é Operação são concedidas de uma só vez.
tornaram mais fácil a concessão de licen- representada por: Já os projetos de grande porte, classifica-
ciamentos para empreendimentos mine- • Instituto Brasileiro de Mineração – dos como 5 e 6, devem requerer licencia-
rários de grande porte em Minas Gerais. IBRAM; mento trifásico, em que as três licenças
A lei, que foi aprovada depois do rom- • Sindicato da Indústria Mineral do Estado são dadas separadamente. Além disso, é
pimento da barragem de Fundão, em de Minas Gerais –SINDIEXTRA; exigida a elaboração de Estudo e de Rela-
Mariana, tirou o poder de decisão sobre tório de Impacto Ambiental.
• Federação das Associações Comerciais e
licenciamentos das Unidades Regionais
Empresariais do Estado de Minas Gerais - A legislação proíbe a presença de
Colegiadas (URCs), deixando-o a cargo da
Câmara Técnica Especializada de Ativida- FEDERAMINAS; pessoas nas zonas de autossalvamento?
des Minerárias. • Uma ONG de conservação do Meio “Não. A norma do Departamento Nacio-
Outro produto desta Lei é a criação da Ambiente, cadeira ocupada pelo Fórum nal de Produção Mineral (DNPM), agora
Suppri (Superintendência de Projetos Nacional da Sociedade Civil na Gestão de Agência Nacional de Mineração (ANM),
Prioritários), que permite a realização de Bacias Hidrográficas – FONASC; determina que todas as empresas que
licenciamentos em caráter de prioridade – • Uma instituição de ensino, cadeira ocu- têm barragens com pessoas na zona de
como o das minas Jangada e Córrego do pada pelo Centro Federal de Educação autossalvamento devem instalar sirenes,
Feijão, da Vale. Tecnológica de Minas Gerais - CEFET/ MG; fazer um plano de ação emergencial, re-
“Sem sombra de dúvida houve um gran- • Um representante da categoria profis- alizar reuniões com as comunidades, e
de retrocesso no governo anterior de Mi- sional relacionada, ocupada pelo Conse- informar as rotas de fuga”, explica Maria
nas Gerais, que desmantelou o que ainda lho Regional de Engenharia e Agronomia Teresa.
havia de legislação para que se pudesse - CREA-MG; A proibição é uma exigência da nova lei
tratar esses licenciamentos de uma forma “A possibilidade de defesa do meio am- de segurança de barragens, baseada no
mais adequada, considerando que a mi- biente vem apenas do IBAMA, da ONG e Projeto de Lei de iniciativa popular “Mar
neração é uma das atividades econômicas da universidade. Então, os licenciamen- de Lama Nunca Mais”, apresentado à As-
de maior impacto ao meio ambiente e às tos de mineração são automaticamente sembleia Legislativa de Minas Gerais em
pessoas”, afirma Maria Teresa Corujo. aprovados, na grande maioria dos casos. 2016.
manuelzão // 2019 licenciamento .... 11

Quem é quem no licenciamento ambiental


Conselho Estadual de Política Ambiental Conselho Estadual de Recursos Hídricos
Secretaria de Estado de Meio Ambiente e
(COPAM) (CERH)
Desenvolvimento Sustentável
O Copam é um órgão colegiado, normativo, consultivo Promove o aperfeiçoamento dos mecanismos de plane-
(SEMAD) jamento, compatibilização, avaliação e controle dos Re-
e deliberativo, que por meio de suas Câmaras Técnicas
(CTs), e plenaria tem atribuição de deliberar sobre as li- cursos Hídricos do Estado, delibera a outorga hídrica para
cenças ambientais.
Subsecretaria de Gestão e atividades de grande porte, grande potencial poluidor ou
Regularização Ambiental Integrada casos de potencial risco à disponibilidade hídrica.
Câmaras técnicas especializadas
Decidem pelo licenciamento de empreendimentos de Subsecretaria de Controle e Superintendência de Projetos Prioritários
classes 5 e 6 – que têm grande porte e potencial poluidor Fiscalização Ambiental Integrada (SUPPRI)
–, os que serão alocados em áreas prioritárias à conser-
Com sede em Belo Horizonte, atua sobre o licenciamen-
vação, e os que envolvem supressão de maciço florestal
to e fiscalização em todo o estado, para atividades de
de Mata Atlântica. Situadas em Belo Horizonte, elas têm
Instituto Mineiro de classes 1, 2, 3 e 4 consideradas prioritárias em razão da
entre 8 e 12 membros. As atividades de licenciamento
relevância para proteção ou reabiliatação do ambiente,
da mineração são deliberadas na Câmara de Atividades Gestão das Águas
ou para o desenvolvimento social e econômico do Estado.
Minerárias - CMI. (IGAM)

Unidades Regionais Colegiadas Fundação Estadual Superintendências Regionais de Meio Ambiente


(URCs) do Meio Ambiente (SUPRAMs)
São unidades deliberativas e consultivas, que podem ser (FEAM) Concedem Licença Ambiental Simplificada (LAS) para
compostas por 12 a 20 membros. Caso as SUPRAMs não empreendimentos de classes 1 e 2 eletronicamente. De-
concluam os licenciamentos no prazo legal, as URCs as- Instituto Estadual liberam o licenciamento de empreendimentos de classes
sumem a competência sobre eles. São 10, mas podem de Florestas 3 e 4, inclusive na modalidade concomitante (LP+LI+LO).
chegar a 17. (IEF) São 9, mas podem chegar a 17.

O CASO DE BRUMADINHO
No caso da barragem que se rompeu Por que a comunidade se opunha ao li- tavam sendo cumpridas – condições que
em Brumadinho, o complexo minerário cenciamento concedido em dezembro a empresa tem que atender para conti-
sempre foi considerado como empre- de 2018? nuar em funcionamento – eram os argu-
endimento de classe 6. Porém, ele pas- “As comunidades do entorno como Jan- mentos contra o licenciamento.
sou a ser considerado classe 4, devido a gada, Casa Branca e Córrego do Feijão “A comunidade do Parque da Cachoeira,
mudanças na classificação por meio de argumentaram contra o licenciamento de por exemplo, não estava no Estudo de
deliberações normativas, de acordo com novas atividades de ampliação e modifi- Impacto Ambiental (EIA) apresentado em
Maria Teresa Corujo. cação nas minas de Jangada e Córrego do Brumadinho, em 2017, de acordo com o
Assim, a mineradora pleiteou o licencia- Feijão”, conta Teca. parecer técnico da Suppri. A pousada, que
mento concomitante para suas operações Problemas processuais, como incoerên- foi arrastada pela lama da barragem, não
no complexo, o qual foi concedido em 11 cias no Estudo de Impacto Ambiental estava no EIA como área de influência di-
de dezembro de 2018. (EIA), além de condicionantes que não es- reta”, ressaltou.

COMO PROTEGER AS PESSOAS E O MEIO AMBIENTE DE NOVOS ROMPIMENTOS


Quais são as opções viáveis agora Respostas do poder público para o foi isso que a gente viu na resolução
para as comunidades em zonas de rompimento da barragem FEAM/SEMAD, feita depois de uma tra-
autossalvamento? Logo após o rompimento da barragem, a gédia dessa magnitude. Porque só há in-
A interrupção de emissão de rejeitos em Justiça determinou a interrupção de pro- teresse econômico. Tem que ficar muito
todas as barragens que têm pessoas na claro pra população, porque estamos re-
cessos de licenciamento de barragens a
zona de autossalvamento, assim como o féns de um modelo que é louco”, opinou
montante, como as que se romperam em
descomissionamento dessas barragens a ambientalista.
Brumadinho e Mariana. Além disso, em
são as melhores soluções para o pro- uma resolução conjunta, FEAM/SEMAD “A sociedade está tendo iniciativas muito
blema de insegurança dessas estruturas, determinaram a descaracterização dessas mais coerentes, com a gravidade da ques-
apontou Maria Teresa Corujo. barragens de rejeito, com a possibilidade tão das barragens que todos os atores do
setor público e as empresas de mineração.
Ela acredita que todas as pessoas devem de aproveitamento do rejeito, e depois
Um exemplo disso é o Projeto de Lei Mar
ser retiradas da área de risco no processo outra utilidade.
de Lama Nunca Mais, que foi apresentado
de descomissionamento dessas barra-
Para Maria Teresa Corujo, isso não é à Assembleia Legislativa de Minas Gerais,
gens, para que não aconteçam mais ca-
suficiente. com mais de 56 mil votos em 2016 e não
tástrofes com perda de vida humana. A
se transformou em Lei, à época, para
realocação de acomodação dessas pesso- “O próprio processo de descomissiona-
atender aos interesses das mineradoras”,
as deve ser responsabilidade da empresa, mento deveria ser pensado sem ninguém
conclui.
afirmou a representante do FONASC. nas zonas de autossalvamento, mas não
12 .... barragens manuelzão // 2019

BARRAGENS QUE MATAM


Daniela Souza Métodos de construção de barragens
Jornalista
Estrutura inicial
É comum aos três tipos de construção
Os tipos de barragens utilizadas pelas O dique inicial é construído para reter
a lama de rejeitos de minério Rejeitos Dique
mineradoras em Minas Gerais são obso-
Quando o reservatório alcança sua
letos quando comparados às tecnologias de partida
capacidade máxima, outras camadas
de beneficiamento de minério utilizadas, são construídas, o que é chamado de
afirmou o professor de Engenharia de Mi- alteamento
nas da UFMG, Evandro Moraes da Gama,
no UFMG Debate, realizado no dia 6 de
fevereiro. Alteamentos
Montante
Apesar das barragens a montante serem
Alteamento feito em forma de degraus
tecnicamente instáveis, e algumas delas
Usa os rejeitos como material para
terem alto potencial de dano associado, alteamento
elas são utilizadas preferencialmente pe- É o método mais barato Dique
los empreendimentos minerários, como Modelo das barragens de Fundão e do
de partida
os da mineradora Vale. No Chile, principal córrego do Feijão
produtor de cobre do mundo, esse mode-
lo de barragem é proibido.
Após o rompimento da barragem da
Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, Jusante Alteamentos
a empresa anunciou que descomissiona- Dique cresce sobre ele mesmo
Alteamento na direção da corrente de
ria todas as suas barragens deste mode-
rejeitos
lo. Essa decisão, que foi tomada com três Melhora a estabilidade da estrutura
anos de atraso, reafirma que a opção por
esse tipo de método de construção de
barragem nunca foi feita por falta de al- Dique
ternativas tecnológicas, mas por uma de- de partida
cisão econômica das empresas, e política
dos órgãos licenciadores, que permitiram Alteamentos
a existência dessas estruturas. Linha de centro
Degraus do dique construídos uns
“As barragens não evoluíram na sua con-
sobre os outros
cepção técnica. Os lugares onde existiam Eixo de simetria
as barragens com tecnologia de 1960 Método intermediário
continuaram sendo preenchidos com re-
jeitos de tratamento mais sofisticado, em Dique
um local que é altamente frágil”, explicou. de partida
De acordo com o professor, essas estru-
turas são instáveis por conta do seu con-
teúdo, que não tem densidade uniforme,
O QUE CAUSA O ROMPIMENTO DA BARRAGEM?
Reproduzimos parte do Dam Break elabora-
dificultando cálculos, previsões, monito- • Movimentos de assentamento do maciço,
do pela Vale, documento de previsão de ce-
ramento e até mesmo o uso de equipa- nários de emergência que lista, entre outras baixa resistência dos materiais de fundação
mentos considerados úteis em sua manu- coisas, as possíveis causas para o rompimen- ou do maciço, elevação das poropressões ou
tenção, como os piezômetros. to de barragens. eventos sísmicos, que podem gerar trincas,
deformações e recalques, levando à instabili-
Evandro Moraes da Gama defende que os Os principais eventos adversos que podem zação da barragem;
rejeitos de minério sejam tratados como desencadear uma situação de emergência
coprodutos e transformados em material para a Barragem I, estão relacionados prin- • Mau funcionamento do sistema de drena-
para a construção civil, por exemplo, for- cipalmente a: gem superficial e falhas na cobertura dos ta-
talecendo a economia e minimizando o ludes, que podem gerar erosões profundas,
• Obstrução do sistema extravasor, volume levando à instabilização da barragem;
problema das barragens, que seriam des- de amortecimento insuficiente para passa-
necessárias. gem de onda de cheia ou falhas em estru- • Aumento no nível freático no maciço, per-
“A engenharia do Brasil está de luto. A turas de concreto que podem ocasionar o da do comprimento de praia, declividade ex-
gente não sabe minerar, a gente não sabe galgamento da barragem; cessiva nos taludes, perda de resistência por
parte do maciço ou fundação ou eventos
cuidar bem do ecossistema, a gente é ir- • Falhas no sistema de drenagem interna sísmicos, que podem gerar deslizamentos e
responsável em termos de emitir laudo, que podem gerar gradientes hidráulicos ele- escorregamentos dos taludes, levando à ins-
a gente não tem a noção do mal que a vados e percolação não controlada de água tabilização da barragem.
gente pode causar pro outro”, desabafou (piping) no maciço ou na fundação;
manuelzão // 2019 meio ambiente .... 13

A LAMA INTOXICA OS RIOS E AS PESSOAS


Antes Antes
Ainda é cedo para contabilizar o
alcance do dano ambiental causado
pelo rompimento da barragem da
Vale na mina Córrego do Feijão,
em Brumadinho, mas é possível
afirmar que algumas perdas são Depois Depois
irreparáveis

Com o rompimento da barragem da Vale,


no dia 25 de janeiro, o Córrego do Feijão
Da barragem até o encontro com o Rio Paraopeba Ao longo do Rio Paraopeba
foi completamente devastado ao receber Os rejeitos entulharam o leito do Córrego do Feijão, Os rejeitos atingiram o leito do Rio Paraopeba, sem
12 milhões de metros cúbicos de rejeitos assim como preencheram sua planície, tornando-se fonte extravasar para sua planície, mas a água teve alterações
contínua de sedimentos a serem carregados para o Rio de cor, turbidez e qualidade, além de impacto sobre toda
de minério de ferro. Do ponto de vista hi- Paraopeba. a biota do rio.
drográfico, o desastre atinge também a Impacto extremo na paisagem e no ecossistema. A parte mais grosseira do material movimenta-se mais
É necessária a contenção desses rejeitos e a posterior lentamente no fundo do rio, enquanto o material mais
bacia do Rio Paraopeba, um dos afluentes remoção do material. leve avança mais rápido.
do Rio São Francisco.
Dentro do Paraopeba, que é fonte de cap-
tação de água para o abastecimento de
cidades como Pará de Minas e Juatuba, a
lama já percorreu mais de 250 km. Agora,
metais pesados fazem parte da composi-
ção do rio, e o consumo dessa água não é
Foto: ANDRÉ TASHIRO

recomendado para humanos, animais, ou


atividades agrícolas.
Pará de Minas decretou situação de emer-
gência, sem condições de fornecer água
para a própria população, de 100 mil ha- o processo de impactos e danos ambien- linha de raciocínio sobre os impactos para
bitantes. A região metropolitana de Belo
tais gerados pelo rompimento da barra- o curso d’água, para o solo e atividades
Horizonte (RMBH), assim como outros 16
gem da Vale em Fundão, no município de agrícolas, informou Rodrigo Lemos.
municípios captam água no Rio Paraopeba.
Mariana. “Teremos uma análise creditada, bem
Uma área de 292,27 hectares, ou seja,
“O entulhamento do leito fluvial tem sé- feita e totalmente isenta do material libe-
cerca de 300 campos de futebol, foi de-
rias consequências para o sistema ecoló- rado. Com isso poderemos pensar como
vastada pelos rejeitos de minério que
gico do curso d’água, uma vez que mata fazer melhores perguntas e qualificar de
desceram da barragem com velocidade
e altera a dinâmica das comunidades ben- forma mais direta os problemas e desafios
estimada de 80 km/h, até o encontro com
tônicas (organismos que vivem no subs- a serem enfrentados”, afirmou.
o rio Paraopeba. Além da área adminis-
trativa da mineradora, foram diretamente trato de ambientes aquáticos), além de
A lama pode intoxicar a água
atingidos bairros e comunidades próxi- a carga sedimentar matar os organismos
filtrantes (plânctons e outros micro-or- De acordo com Lemos, as análises rea-
mos, uma pousada, áreas de cultivo, pas-
ganismos). A quantidade de sedimentos lizadas no rio Paraopeba já indicam al-
tagens, além de estradas e vias rurais, de
também impede a respiração dos peixes, terações nos níveis de metais pesados.
acordo com a estimativa da Secretaria de
gerando um consequente processo de Esses metais, que estão conectados aos
Estado de Meio Ambiente e Desenvolvi-
mento Sustentável (Semad). mortandade da ictiofauna (conjunto das sedimentos, podem soltar-se na água,
espécies de peixes que existem numa de- tornando-se solúveis. Caso isso aconte-
Da área total impactada, 150,07 hectares ça, a água do rio Paraopeba não poderá
são de vegetação de Mata Atlântica, de terminada região biogeográfica) muito
expressivo e que também foi percebido ser tratada para consumo humano, já que
acordo com o Instituto Estadual de Flo- os métodos de tratamento utilizados não
restas (IEF). O bioma comprometido é rico em campo”, detalhou Lemos.
conseguem desfazer essa solução.
em espécies endêmicas – aquelas que só Monitoramento Ambiental
ocorrem em determinada região. A interação entre a água do rio e os rejei-
O Projeto Manuelzão está envolvido com tos é uma preocupação constante, ressal-
Morte das águas o monitoramento do ecossistema afetado tou Lemos, já que a menor alteração no
Os rejeitos de minério estão sendo cons- pelo rompimento da barragem. A equipe pH da água pode facilitar a solubilização
tantemente carregados pela água do rio de análise captou sedimentos e solo na de metais. Esses metais são tóxicos e bio-
Paraopeba, entulhando seu leito, onde área do desastre, com o intuito de perce- acumulativos, o que significa que não são
os impactos são expressivos e contínuos ber a composição do sedimento e como eliminados pelo organismo. No corpo hu-
para o sistema ecológico, como explica o diferentes materiais podem estar se com- mano, a intoxicação por metais pesados
Doutor em Geografia e Análise Ambiental, portando no processo de carreamento pode causar danos neurológicos e endó-
Rodrigo Lemos. Ele acompanhou também pelo Rio Paraopeba, além de iniciar uma crinos.
14 .... saúde manuelzão // 2019

IMPACTOS DO ROMPIMENTO NA SAÚDE


zika e chikungunya. Além disso, a Fio-
GABI COSTA cruz ressalta a importância e a urgên-
Jornalista
cia em vacinar a população, e destaca
que, inicialmente, 34 mil pessoas são
potencialmente afetadas pelos rejeitos
O impacto do rompimento da escoados.
barragem da Vale na Mina Córrego s Febre Amarela
do Feijão terá consequências A saúde mental escoa
ALTERAÇÃO s Dengue
sobre a saúde da população. A Outro ponto delicado é o que diz res-
Secretaria de Estado de Saúde de BRUSCA NO s Zika
peito à saúde mental da população afe- s Chikungunya
Minas Gerais (SES/MG) alerta para ECOSSISTEMA
tada pelo desastre. Todo o caos dantes-
os riscos do contato com a lama s Perda de
co pode servir de gatilho para doenças,
contaminada, que segue pelo leito Vegetação
caso a pessoa apresente uma predispo-
do Rio Paraopeba.
sição. Um dos autores do estudo da Fio- s Morte de
cruz, Diego Ricardo Xavier, epidemio- predadores
As Secretarias de Saúde e de Meio Am- logista do Instituto de Comunicação e
biente e Desenvolvimento Sustentável s Proliferação e dis-
Informação Científica e Tecnológica em
advertem que qualquer pessoa que persão de vetores
Saúde (Icict/Fiocruz) explica que quem
tenha tido contato, ingerido ou consu- perde casa ou familiares sofre uma alte-
mido alimentos preparados com a água ração biológica, e o risco para a saúde
contaminada pelos rejeitos e que apre- CONTAMINAÇÃO
aumenta. Depois que a mobilização do DA ÁGUA
sentarem náuseas, vômitos, coceiras, resgate acaba, pode haver aumento de
diarreia, tontura ou outros sintomas, alcoolismo, depressão e suicídio. s Rejeitos
deve procurar a unidade mais próxima s Esgoto
de saúde. A recomendação vale desde “Essa conta está chegando só para o se-
o encontro do Rio Paraopeba com o tor público, o resgate, os bombeiros, o s Metais pesados
córrego Ferro-Carvão até a cidade de SUS, e vai se estender por muito tempo.
Pará de Minas. A empresa precisa contribuir com esse
custo”, ressalta Xavier.
O risco de contaminação por metais é
uma realidade até mesmo para as equi- Os resultados do desastre da Samarco
pes do Corpo de Bombeiros. Em nota em Mariana, por exemplo, estão sen- INTERRUPÇÃO DE
divulgada no dia 19 de fevereiro, o do observados de perto pela médica SERVIÇOS PÚBLICOS
governo do estado informou que exa- e professora da Escola de Medicina da
UFMG, Jandira Maciel. s Coleta de lixo
mes de sangue e urina realizados entre
“Especificamente sobre a questão da s Coleta de esgoto
membros da equipe de resgate que tra-
balharam em Brumadinho mostraram saúde, eu diria que a gente costuma es- s Dificuldade de acesso a água
alterações na quantidade de alumínio tar muito atento para os efeitos imedia- potável
em quatro bombeiros, e de cobre em tos do rompimento de uma barragem, s Dispersão de roedores
outro. que são as mortes e os sofrimentos psi-
cossociais. Mas e depois? O que é que
Fiocruz alerta! acontece com as populações que ficam
A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) ali?”, questionou. A professora, que
apresentou um estudo avaliando os acompanha a população do território
impactos imediatos do rompimento da do Rio Doce, em Barra Longa, relata
barragem da Vale na Mina Córrego do que a violência, o alcoolismo e o uso de
Feijão, destacando que a área de Bru- drogas são recorrentes na região, prin-
madinho é endêmica para doenças in- cipalmente por falta de trabalho para os
fecciosas, como febre amarela, dengue, moradores.
manuelzão // 2019 saúde .... 15

Fotos: murilo salazar

A FALTA DO ADEUS
‘Identificar corpo é devolver memória 839 barragens de minério do país te-
à família’, quem afirma é dos princi- mem que, a qualquer momento, uma
pais peritos no país em identificação nova tragédia invada suas rotinas,
s Doenças gastrointestinais/ de corpos e esqueletos, o médico destrua suas perspectivas. O medo se
gastrointerites legista e geneticista forense Samuel alastra antes mesmo da lama.
s Doenças dermatológicas Ferreira, que está em Brumadinho
Estresse pós-traumático
(MG) a convite do Instituto Médico
s Intoxicação por metais pesados Quando analisamos a comunidade
Legal (IML). A falta do reconhecimen-
to ou mesmo do encontro dos corpos afetada pela quebra da barragem,
das vítimas é um dos fatores que con- observamos três grandes grupos. O
tribui para o quadro de estresse da primeiro é formado pelas pessoas
comunidade afetada pelo desastre. que foram atingidas, mas sobrevivera.
Do segundo grupo faz parte os fami-
Para quem fica, o luto é considerado
liares e amigos que lidam com a mor-
um momento de dor e vazio, porém
te dos seus. Por fim, o terceiro grupo
é um processo fundamental para li-
compreende aquelas populações que
dar com a morte. Quando isso não
estão ameaçadas por barragens.
acontece, não há a materialização da
perda e isso gera um estresse pelo O estresse pós-traumático, que atinge
não-encontro, “o que chamamos de o primeiro grupo, é um transtorno de
‘transtorno de ajustamento’, pois não ansiedade causado por um trauma de
há a confirmação da morte e com isso natureza extrema ou evento violento
quem fica não consegue construir ou- que tenha colocado em risco a vida
tra perspectiva de vida, porque ainda da própria pessoa ou de outras pes-
s Hipertensão está vivendo as etapas do luto, fica soas. “As crises de ansiedade e pânico
s Diabetes sempre à expectativa de que a pessoa são provocadas pela revivescência do
pode um dia bater à porta”, explica o trauma sofrido e com isso surge o que
s Problemas renais
professor do Departamento de Saú- chamamos de evitamento, as pessoas
s Doenças mentais de Mental da Faculdade de Medicina passam a evitar tudo aquilo que ela
da UFMG e coordenador do Prismma, acredita que causa a crise para ela”,
ESTRESSE Frederico Garcia. explica o professor Fernando Garcia.
PSICOSSOMÁTICO O professor explica que também há O tratamento do transtorno do es-
s Luto um estado de estresse criado pela tresse pós-traumático é feito com
s Perda de rotina sensação de “quem é o próximo”. As psicoterapia e medicamentos, sobre-
comunidades próximas a uma das tudo antidepressivos.
s Insegurança
s Perdas patrimoniais
16 .... manifestação manuelzão // 2019

DEPOIMENTOS DOS COMITÊS DE BACIAS HIDROGRÁFICAS


Não à flexibilização do licenciamento “A lei foi flexibilizada no sentido de que
“O Córrego do Feijão morreu, não uma licença ambiental pudesse ser feita
Winston Caetano de Souza, presiden-
há a mínima possibilidade, nem simultaneamente. Os documentos são de
te CBH Rio Paraopeba, responsabiliza o
daqui a 100 anos, de recuperar grande profundidade, e mesmo que se
poder legislativo pela negligência às leis
isso”, Winston Caetano de Souza, tivéssemos o triplo do tempo para ana-
ambientais, que fazem parte do processo
presidente CBH Rio Paraopeba. lisá-los, possivelmente não teríamos con-
que culminou no rompimento da barra-
gem da Vale na Mina Córrego do Feijão. dição de identificar eventuais problemas,
Depois de uma visita técnica a Brumadi- tendo em vista a complexidade”, explicou.
“O processo a gente sabe que está há
nho, no dia 30 de janeiro, as equipes dos muito tempo errado. Se tivéssemos se- Visão de futuro
comitês das bacias hidrográficas do Rio guido aquele movimento popular de três
Paraopeba, do Rio das Velhas e do Rio Winston Caetano de Souza acredita que a
anos atrás, o Mar de Lama Nunca Mais, participação dos comitês e da sociedade
São Francisco se pronunciaram sobre o então nós não estaríamos passando por
rompimento da barragem de minério da civil no momento em que questões im-
isso, com tantas perdas de vida, com tan- portantes estão sendo discutidas é essen-
Vale na mina Córrego do Feijão, em 25 de tas histórias e tantas perdas econômicas
janeiro. cial. “Queremos ser protagonistas nisso,
na região”, afirmou. através dos comitês. Vamos trabalhar e
“A perda é para todo mundo, não é só José Antônio da Cunha Melo, que é re- ser protagonistas nessa história, desde o
para o Paraopeba. A bacia, como uma presentante da Associação Brasileira de princípio das ações a serem tomadas do-
unidade integrada, recebeu esse golpe Engenharia Sanitária e Ambiental (ABES ravante à recuperação desse grande crime
mortal. Quando você destrói a biodiver- -MG) junto ao CBH Rio Paraopeba criticou que aconteceu aqui na bacia do rio Para-
sidade de um grande afluente de um rio a flexibilização do licenciamento ambien- opeba”, defendeu.
principal, como é o São Francisco, você tal. Para ele, o licenciamento concomitan-
afeta a biodiversidade da bacia inteira”, Entrevistas: realizadas por Adriana Carva-
te prejudica a avaliação objetiva dos do- lho e Lucas Grossi.
apontou Anivaldo Miranda, presidente do cumentos apresentados pelas empresas.
CBH São Francisco.

0 Manifesto no 58º Fórum Mineiro de Comitês de Bacias Hidrográficas


Os Comitês de Bacias hidrográficas de Minas E o povo vai-se embora com medo de se afo- outras Vale, BHP Billiton e o que é pior, o tex-
Gerais, e de todo o país, se reuniram nos dias gar”. to foi assinado pelo então deputado Federal
12 e 13 de fevereiro, no 58º Fórum Mineiro Com esta canção profética, Sá, Guarabyra e mineiro Leonardo Quintão (MDB), que foi o
de Comitês de Bacias Hidrográficas, em Belo Zé Rodrix previram que trabalhadores, o povo relator do Código e que nas eleições de 2014
Horizonte. Na ocasião, foram discutidos os simples, fossem tragados pela lama e ambi- recebeu dois milhões de reais de mineradoras
impactos do rompimento da barragem da ção desenfreada de lucro desta empresa capi- para a sua campanha. Obviamente que tudo
Vale em Brumadinho e suas consequências. talista (Vale) que não se importa com o meio isso indica uma “relação entre financiado e
Solidários às vítimas, e apoiando o protago- ambiente e também com os seres humanos. financiador” ou como se diz no adágio popu-
nismo do CBH Rio Paraopeba nas ações de lar, “é o mesmo que pedir a cabra para tomar
O problema não foi as sirenes da Vale no Cór- conta do capim”.
revitalização da bacia, os representantes dos rego do Feijão em Brumadinho, o problema
CBHs deixaram claro que entendem o ocor- foi e é nas sirenes do Judiciário, do Legisla- Hoje presido o Comitê dos Afluentes Minei-
rido como um crime. O manifesto de Wilson tivo e do Executivo. As sirenes dos poderes ros dos Rios Preto e Paraibuna, mas quando
Acácio, presidente do Comitê dos Afluentes no Brasil estão constantemente danificadas! aconteceu a “Tragédia de Mariana” eu era
Mineiros dos Rios Preto e Paraibuna, resumiu Mesmo que funcionassem, os ouvidos dos vice-presidente do CBH Caratinga – Bacia do
a preocupação e a indignação dos presentes: seus membros estão constantemente surdos. Rio Doce – e pude acompanhar de perto os
Peço licença para parafrasear Sá, Guarabyra, impactos sócio-econômico-ambientais prati-
Desgraçadamente, as decisões técnicas das cados pela Samarco/Vale/BHP naquela Bacia,
Rodrix em Sobradinho: condições de uma barragem não são defini- matando 19 seres humanos! Imaginei que,
“O homem chega, já desfaz a natureza. Tira das pelos engenheiros daquela barragem e, jamais, crimes desta magnitude iriam aconte-
gente, põe represa, diz que tudo vai mudar. sim, pelo setor financeiro da empresa, bem cer em Minas Gerais e, desgraçadamente, isto
Vai ter barragem em “Brumadinho” como pelo o grupo de acionistas. Será que veio acontecer três anos depois em Bruma-
nos outros países onde a dinho, matando mais de 320 pessoas, desfa-
atua a Vale, ela tem os mes- zendo famílias, patrimônios, sonhos...!
mos procedimentos que
adota aqui no Brasil? Claro Na Foz do Rio Doce (Regência, ES) vi, com
que não! Porque nestes pa- meus próprios olhos, pessoas e crianças cho-
íses, “as coisas funcionam”! rando sem entender o que estava acontecen-
do com as águas vermelhas do rio, como se
Faço aqui uma denúncia: estivessem chorando lágrimas de sangue! E,
segundo a BBC News Bra- nesta área está o TAMAR, maior projeto de
sil, o documento oficial do preservação de tartarugas do mundo. Agora,
Foto: luiz prado

projeto de lei proposto para outras pessoas e crianças choram, na região


o novo Código de Minera- da Bacia do Paraopeba e do São Francisco,
ção foi criado e alterado no pelo que estes novo crime praticado pelos (i)
escritório de advocacia Pi- responsáveis da Vale.
nheiro Neto, que tem como
Wilson Acácio, presidente do Comitê dos Afluentes Mineiros dos Rios
clientes mineradoras, entre BASTA, BASTA, BASTA!
Preto e Paraibuna.
FINALMENTE APROVADA A LEI QUE PODE MUDAR
A HISTÓRIA

Manifestação pela aprovação do PL “Mar de lama Nunca Mais”. Foto: Maurílio Nogueira Jr

O Projeto de Lei “Mar de Lama Nunca


Mais” tem um foco central: evitar que
O QUE ESTABELECE A NOVA LEI?
tragédias como as de Mariana e de
Brumadinho aconteçam.
Um dos destaques do texto da Lei ba- ciamento são feitas exigências especí-
seada no PL “Mar de Lama Nunca Mais” ficas, como a apresentação do Estudo
Em meio à tragédia e ao desespero causado é a exigência de que as empresas ado- de Impacto Ambiental (EIA). Antesm
pelas ameaças de rompimento de barragens tem tecnologias de ponta para a dis- era possível que as três licenças fossem
de rejeitos em Minas Gerais, o meio ambien- posição de rejeitos, e a proibição de emitidas ao mesmo tempo, no licencia-
te e as comunidades ao redor das minerado- barragens a montante, o que garantiria mento concomitante, que ocorreu, por
ras ganharam uma aliada: a Lei 23.291, que mais segurança aos empreendimentos. exemplo, na mina do Córrego do Fei-
institui a política estadual de segurança de Entre as alternativas, estão a disposição jão, em Brumadinho, em 2018.
barragens, sancionada no dia 25 de fevereiro. a seco, a filtragem dos rejeitos areno-
Baseada no Projeto de Lei de iniciativa popu- sos e o espessamento dos lamosos. Na contramão do desejo popular
lar “Mar de Lama Nunca Mais”, a legislação Também é exigida uma caução am- No mesmo dia em que a nova legisla-
estabelece regras mais rígidas para a mine- biental, que ção foi aprovada
ração. Apesar da vitória popular, é impossí- obrigará o por unanimidade
vel ignorar que a aprovação dessa Lei acon- “Foi um texto muito pensado, pela ALMG, foi
empreende-
teceu com, pelo menos, dois anos e meio de muito discutido (...). [É] um decidida, na 41ª
dor a fazer
atraso. marco regulatório mais firme, Reunião Extraor-
uma espécie
democraticamente discutido, e dinária da Câma-
Aprovada por unanimidade pela Assem- de seguro
tecnicamente adequado em nossas ra de Atividades
bleia Legislativa de Minas Gerais, a Lei im- prévio para
Minas Gerais”. Minerárias (CMI),
põe maior rigidez nas normas de segurança arcar com a
Giselle Ribeiro de Oliveira, a aprovação da Li-
para as barragens de rejeitos de mineração, desativação
Promotora de Justiça do MPMG, cença Prévia, con-
exigindo mudanças que resultem na efetiva de barragens
segurança de estruturas destinadas à dispo- e com possí- comitante com a
sição final ou temporária desse material. veis consequ- Licença de Instala-
Desde a tragédia do rompimento da barra- ências socioambientais e socioeconô- ção da AVG Empreendimentos Minerá-
micas que a mineração possa gerar. rios Ltda, que permite que a mineração
gem de Fundão, em 2015, deputados mi- seja retomada na Serra da Piedade.
neiros, representantes da sociedade civil, Um dos pontos mais importantes é a
organizações não governamentais e órgãos proibição de barragens em locais onde A licença foi concedia por sete votos
estatais se movimentaram para que o pro- forem identificadas populações residin- a favor, três contrários e duas absten-
jeto de lei seja aprovado na Assembleia Le- do nas zonas de autossalvamento, que ções. De acordo com nota da Secretaria
gislativa de Minas Gerais (ALMG), onde foi é a área situada imediatamente abaixo de Meio Ambiente e Desenvolvimento
protocolado em 5 de julho de 2016. da barragem, já que em caso de desas- Sustentável (Semad), “o licenciamento
A iniciativa conseguiu mais de 56 mil assina- tres, essas pessoas não têm tempo há- foi exigido devido aos problemas de
turas e, antes de ser aprovada, sofreu várias bil para evacuar o local em segurança instabilidade na área e ao grande pas-
paralisações na sua tramitação, além de ten- frente à rapidez da onda de inundação. sivo ambiental deixado pela Mineração
Brumafer no local. O descumprimento
tativas de desconfigurar ou de afrouxar seu Em relação ao licenciamento das bar- da decisão, por parte da Semad, pode-
texto original. O “Mar de Lama Nunca Mais”, ragens, dividido em Licença Prévia, de ria resultar em multa diária de R$ 100
Projeto de Lei 3695/2016, é uma ação con- Instalação e de Operação, a nova lei mil”.
junta do Centro de Apoio Operacional das exige que as três licenças sempre ocor-
Promotorias de Justiça de Defesa do Meio ram separadamente, e o processo só Vale lembrar que a Serra da Piedade é
Ambiente, Patrimônio Cultural, Urbanismo passaria para a etapa seguinte se as rica em nascentes, tem cavernas pouco
e Habitação (Caoma) do Ministério Público condicionantes impostas na fase ante- estudadas e um dos patrimônios cultu-
de Minas Gerais (MPMG) com a Associação rior fossem cumpridas. rais mais importantes do estado.
Mineira do Ministério Público (AMMP). Em cada uma dessas etapas de licen-
18 .... manifestação manuelzão // 2019

“NOSSA TERRA SANGRA, NOSSO POVO CHORA,


NOSSA LUTA CONTINUA” da Jangada e Córrego do Feijão, que a po-
É em um depoimento emocionado que pulação estava ciente e de acordo com o
Carolina de Moura faz ouvir a voz dos projeto.
atingidos pelo crime ambiental da Vale
Mais uma vez a empresa mentiu na nossa
em Brumadinho, em uma mesa de de-
cara sem o menor pudor. E o mais triste
bates na UFMG, no dia 6 de fevereiro.
foi que o Estado e os conselheiros deste
Representando o Movimento Águas e
Foto: Najara Araujo

órgão colegiado preferiram acreditar na


Serras de Casa Branca - Brumadinho,
empresa e ignorar as diversas manifesta-
ela lê a manifestação do grupo e conta
ções e críticas realizadas pela população.
a história de inúmeras tentativas de di-
É com profunda dor que afirmamos que
álogo com a mineradora, que fechou-
o crime da Vale foi uma tragédia anun-
se para as comunidades ao redor. Carolina de Moura do Movimento Águas e Serras de Casa Bran-
ca - Brumadinho, MG, manifesta na Câmara dos Deputados. ciada. Falamos e não nos deram ouvidos.
Gritamos e, como de costume, eles nos
Somos um movimento popular, livre e pelo corpo técnico da mineradora. Além ignoraram.
autônomo que nasceu em 2010, na co- disso, as atas não refletiam tudo o que ha- Enfrentamos muitos desafios ao longo da
munidade da Jangada, vizinha do com- via sido debatido. caminhada. Entre eles, destacamos a rela-
plexo minerário Paraopeba e do Córrego Neste momento de profunda revolta pe- ção de dependência econômica do muni-
do Feijão, quando chegou água barrenta las vidas perdidas, podemos afirmar sem cípio de Brumadinho com as mineradoras,
em nossas torneiras devido às sondagens medo que existia a intenção de nos “en- o que mantém muitas pessoas e a prefei-
realizadas pela empresa. Desde então rolar”, o que sem dúvida caracteriza má fé tura reféns das empresas, de suas miga-
atuamos no questionamento ao modus por parte da empresa. Desde então nós lhas e empregos precários. Éramos vistos
operandi da companhia, que viola direi- nos recusamos a interagir com a compa- como os “ecochatos” contra o desenvolvi-
tos humanos, desrespeita as comunidades, nhia sem a presença de um ator externo, mento. Esta caracterização não é fortuita
descumpre a legislação ambiental, não im- - ela decorre de uma atuação intencional
como o Ministério Público e/ou outros
plementa adequadamente medidas básicas da própria mineradora, que deslegitima,
órgãos do Poder Executivo e Legislativo.
de segurança e atua com falta de transpa- vulnerabiliza e criminaliza aqueles que
Além da tentativa frustrada de interação
rência. defendem direitos humanos e ambientais
com os representantes da Vale S.A. atuan-
Exigimos, na ocasião da votação da reno- tes em Brumadinho e no Estado de Minas em Brumadinho e em todas as áreas nas
vação da licença de operação da mina de Gerais, procuramos também levar nossas quais atua. Fizemos várias investidas para
Córrego de Feijão, que a companhia se preocupações aos acionistas da empresa esclarecer a população que queremos,
relacionasse com a população diretamen- e aos membros de sua Diretoria Executiva. sim, o desenvolvimento e a prosperidade
te atingida para informar suas atividades Isso foi feito através de nossa participação econômica e social. Acreditamos que o
e pretensões no território e considerar turismo ecológico, rural e gastronômico,
nas Assembleias anuais de acionistas da
a opinião dos moradores a respeito. Foi que viabiliza toda uma cadeia de servi-
empresa, em sua sede global, no Rio de
aprovada então uma condicionante que ços, e a produção de alimentos livres de
Janeiro. Mais uma vez nossas colocações
obrigava a empresa a criar um “Fórum de agrotóxicos é a vocação natural de nosso
apresentadas ali não foram levadas a sério.
Relacionamento com as comunidades da município.
Jangada/Casa Branca e Córrego do Fei- Enfim, temos uma longa história para
Agora, Basta! Chega de impunidade e
jão”. Participamos durante um ano e meio contar... O fato relevante é que existe, há
desrespeito.
de reuniões bimestrais nas dependências anos, um notório conflito entre a comu-
nidade e a Vale, apesar de seus represen- Nosso território é o nosso corpo e nós te-
da Vale S.A. e fomos obrigados a aban-
tantes terem dito durante a reunião do mos o direito de dizer não. Nossas vidas
donar o espaço devido às regras e méto-
Conselho Estadual de Política Ambiental, não têm preço. Nossos valores são inego-
dos definidos pela empresa, à omissão e
no dia 11 de dezembro de 2018, quan- ciáveis.
à manipulação de informações. Não po-
díamos fotografar, filmar e não podíamos do o Estado concedeu a permissão para
Sinclinal Moeda, importante área de recarga hídrica.
ter acesso às apresentações ali realizadas a continuidade das Operações das Minas Foto: Procópio de Castro
manuelzão // 2019 NOTÍCIAS ....19

Desde o rompimento da barragem


da Vale, em Brumadinho, a
SOCIEDADE CIVIL EM AÇÃO
sociedade civil tem se organizado
para exigir providências do poder
público. A resposta popular para o
novo crime ambiental foi clara: não

Foto: pedro de filippis

Foto: Daniela souza


pode haver uma próxima vez.
Foto: Maurílio Nogueira Jr

UFMG DEBATE GABINETE DE CRISE– SOCIEDADE CIVIL:


06 de fevereiro - Um minuto de silên- PLATAFORMA DE INFORMAÇÃO E JUSTIÇA
cio, a luz de velas, marcou uma das ho- SOCIOAMBIENTAL
menagens da UFMG às vítimas do rom- 14 de fevereiro - Com a intenção de
pimento da barragem da Vale, em 25 de acompanhar as ações relacionadas ao
janeiro. O UFMG Debate “Para além do rompimento da barragem de rejeitos da
rompimento: a produção continuada dos Vale na mina Córrego do Feijão, exigir a
desastres com barragens”, realizado na
ATO NA PRAÇA DA LIBERDADE Escola de Medicina, contou com a pre-
punição dos responsáveis e a defesa dos
27 de janeiro - Dois dias após o rom- direitos das vítimas, apoiar e propor me-
sença de professores e representantes da
pimento da barragem da mina Córrego didas que evitem novos desastres e tragé-
sociedade Civil, como Maria Teresa Coru-
do Feijão, em Brumadinho, cerca de duas dias, dar visibilidade aos impactos da mi-
jo, do MOVSAM, e Carolina de Moura, re-
mil pessoas se reuniram na Praça da Li- neração nas comunidades, ecossistemas e
presentante da Articulação Internacional
berdade, em Belo Horizonte, para cobrar segurança hídrica do estado e das alter-
dos Atingidos pela Vale. O Debate integra
providências do poder público. Mais uma nativas a esse modelo, surge o Gabinete
o Programa Participa Ufmg, formado por
vez, os representantes de organizações da de Crise – Sociedade Civil, Plataforma de
professores, servidores e estudantes de
sociedade civil, como o Movimento pelas Informação e de Justiça Socioambiental.
todas as áreas da UFMG. O programa tem
Águas e Serras de Minas Gerais (MOV- como objetivo estruturar grupos de tra- Criado a partir de uma articulação de
SAM), clamaram pela aprovação do Proje- balho para ações de médio e longo prazo diversos cidadãos, movimentos socio-
to de Lei “Mar de Lama Nunca Mais”, pro- na região dos desatres. Em 2015, a UFMG ambientais, pesquisadores e ativistas, o
posto por iniciativa popular, em parceria criou a primeira versão do Participa des- gabinete é uma resposta social para os
com o Ministério Público de Minas Gerais, tinado a realizar ações voltadas à popu- contínuos desastres previsíveis da minera-
em 2016. lação de Mariana, após o rompimento da ção e enfrenta como desafio os vícios des-
barragem local. se modelo de negócio em Minas Gerais.
Foto: Maurílio Nogueira Jr
Foto: Daniela souza

Foto: Luiz prado

ATO NA POSSE DA ALMG 58º FÓRUM MINEIRO DE COMITÊS DE


01 de fevereiro - Munidos com o mes- BACIAS HIDROGRÁFICAS ATO EM FRENTE AO MEMORIAL DA VALE, NA
mo material que usaram nos protestos 12 e 13 de fevereiro - Comitês de PRAÇA DA LIBERDADE
após o rompimento da barragem da Vale Bacias Hidrográficas de todo o país se 24 de fevereiro - Um dia antes que o
em Mariana, os movimentos da socieda- reuniram, em Belo Horizonte, para discutir rompimento completasse um mês, e da
de civil foram à Assembleia Legislativa de os riscos da mineração para os recursos aprovação do Projeto de Lei que endurece
Minas Gerais cobrar dos deputados mi- hídricos e apoiar o CBH Rio Paraopeba as normas de segurança para barragens
neiros a abertura de uma Comissão Par- na revitalização do curso d´água. Frente em Minas Gerais, mais de 400 pessoas
lamentar de Inquérito (CPI) da mineração ao desastre de Brumadinho, os represen- reuniram-se em frente ao Memorial da
no estado. “Não, não, não foi acidente. A tantes dos CBHs discutiram medidas para Vale, na Praça da Liberdade para homena-
Vale mata rio, mata peixe, mata gente!”, impedir novos crimes socioambientais e, gear as vítimas. Vestindo preto, a pedido
cantavam em coro. Cobertos por lama, da sob o som de apitos, os presentes home- dos organizadores do movimento Águas
cabeça aos pés, alguns manifestantes en- nagearam aqueles que não puderam con- e Serras de Brumadinho, os participantes
caravam a multidão, representando as vi- tar com o som de sirenes para salvar as fizeram um minuto de silêncio ao meio-
das perdidas em desastres da mineração. próprias vidas em Brumadinho. dia, e às 12:20 tocaram sirenes simbólicas.
20 .... Impunidade manuelzão // 2019

O CRIME COMPENSA?
rar a biodiversidade
Gabi Costa e Lila Alves alterada. As rupturas
Jornalistas
culturais e a vida de 19
pessoas, são perdas ir-
reparáveis.
“No Bento, perdemos muito! Simone conta que des-
Perdemos história, convívio de criança ouvia o avô
familiar, lembranças, ficou tudo contar a história do
perdido, muito triste ter acabado monstro “lá de cima”,
assim”. Manuel Marcos Muniz, que poderia estourar e

Foto: ibama, 2016.


morador de Bento Rodrigues. destruir a comunidade.
“Mal sabia o meu avô
que 13 anos depois de
Como esquecer a lama? A lama tóxica que sua morte a profecia Rompimento da barragem de Fundão da Samarco, Mariana - MG.
correu, atravessou estados, matou gente iria se cumprir”.
e bicho, pintou de marrom o que era ver- taurados pelo Instituto Brasileiro do Meio
de, afundou histórias e borrou memórias? A Justiça na lama
Ambiente (Ibama) para apurar infrações
A lama engoliu o povoado de Bento Ro- Imediatamente após a queda da barragem ambientais associadas ao rompimento da
drigues (MG) e assassinou o rio Doce. de Fundão, várias multas foram aplicadas barragem de Fundão, totalizando outros
Na tarde do dia 5 de novembro de 2018, à Samarco, dona da estrutura. A expec- R$350,7 milhões em multas. Novamente,
a barragem de Fundão, operada pela Sa- tativa era de que parte considerável dos a Samarco recorreu de todas das decisões
marco (Vale e BHP Billiton), no município R$656,2 milhões impostos como repara- administrativas. Nenhuma das multas
de Mariana (MG), se rompeu liberando ção pelos órgãos de proteção ambiental ambientais foi paga até o momento, por
aproximadamente 45 milhões de metros fossem pagos rapidamente pela empresa conta disso, medidas legais de cobrança
cúbicos de lama e rejeitos de minério de e repassados para a comunidade. estão sendo tomadas, inclusive a remessa
ferro. Essa era a expectativa, a realidade foi bem dos débitos para inclusão na Dívida Ativa
O rompimento da barragem se converteu diferente. Passados três anos do desastre, da União.
na maior tragédia ambiental brasileira e no o governo do Estado só recebeu R$41 A lama passou e se assentou, a ajuda fi-
mais grave acidente da história da minera- milhões, o equivalente a 6,2% do total nanceira não veio, mas a miséria prospe-
ção mundial. Dezenove pessoas morreram devido pela mineradora, e não nada foi rou. Se antes do desastre arrecadação do
na primeira. Meio milhão de pessoas ficou repassado para o município. município girava em torno de R$310 mi-
sem água, outros milhares sem trabalho, Foram lavrados 31 autos de infração lhões ao ano, em 2018 o ano fechou em
228 municípios entre Minas Gerais e Espí- contra a mineradora, somando R$305,8 R$240 milhões. A prefeitura demitiu cerca
rito Santo foram impactados. Casas sumi- milhões em multas, pela Secretaria de Es- de 400 pessoas e somando com as que
ram, junto com nomes que se perderam tado de Meio Ambiente de Minas Gerais trabalhavam para a empresa ou em ter-
num eco mudo de um rio morto. (Semad-MG). A Samarco recorreu e con- ceirizadas, a taxa de desemprego subiu de
A lama poluiu a bacia do rio Doce e o mar seguiu anular cinco delas e apenas uma 3% para 19%.
de Espírito Santo. Em 10 dias, percorreu das penalidades, no valor de R$112,69 A Secretaria de Meio Ambiente do Espí-
cerca de 650 quilômetros, chegou ao milhões, passou por todas as instâncias rito Santo, estado também afetado pela
Oceano Atlântico e formou em uma gran- de questionamento e terá que ser paga. tragédia, multou a Samarco em R$1,2 mi-
de mancha marrom, que se espalhou por Mesmo assim, a Samarco dividiu o débito lhão. Como esperado, a empresa também
cerca de 20 quilômetros mar adentro e 40 em 60 parcelas e só pagou até hoje 16, recorreu e não pagou nada até agora.
quilômetros rumo norte. Depois, a lama além de uma entrada, somando R$41,06 Na Justiça, 21 pessoas respondem por cri-
parou e secou, sobre ela 3,5 milhões de milhões. Para completar, o recurso não me de homicídio doloso e vários crimes
habitantes da região que perderam tudo foi usado para benfeitorias em Mariana, o ambientais, incluindo os de inundação,
ainda choram. Um choro ignorado, es- local diretamente afetado. A liberação do desabamento e lesões corporais graves.
quecido, abafado, como a lama abafou a dinheiro aconteceria entre 2018 e 2020, As empresas Samarco, Vale, BHP Billiton
vida. mas até agora não ocorreu. e VOGBR vão responder por 12 tipos de
“Não tem sido fácil enfrentar esses gigan- Segundo a Semad, os valores arrecadados crimes contra o meio ambiente, que en-
tes. São três anos de lama e de luta, três por descumprimento à legislação am- volvem crimes contra a fauna, a flora, cri-
anos de silenciamento por parte de quem biental são incorporados ao orçamento me de poluição, contra o ordenamento
deveria nos ajudar. Todos os dias a gente anual do órgão e aplicados para financia- urbano e patrimônio cultural.
é injustiçado, criminalizado, e por isso so- mento das ações de fiscalização ambien- A Samarco e a Vale são ainda acusadas
mos obrigados a resistir. Vamos continuar tal no Estado. Cabe, portanto, pressionar de três crimes contra a administração am-
em luta, resistindo pra poder existir”, de- o atual governador, Romeu Zema (Novo), biental. Já a VOGBR e o seu engenheiro
sabafa Simone Silva, moradora de Gestei- para que o repasse dos recursos para a ci- sênior, Samuel Santana Paes Loures, estão
ra, comunidade também afetada. dade aconteça. sendo acusados por apresentação de lau-
Décadas serão necessárias para recupe- Além disso, já se somam 25 processos ins- do ambiental falso.
manuelzão // 2019 barragens ....21

RUPTURAS DE BARRAGENS DE REJEITOS: UM CRIME CONTRA A HUMANIDADE?*


Estamos diante de mais uma inaceitável Os impactos e os cui-
tragédia social envolvendo o mundo do dados à saúde dos
trabalho e o meio ambiente: a ruptura de atingidos exigem uma
barragens de rejeitos minerários do Córre- abordagem amplia-
go do Feijão da mineradora Vale, em Bru- da com o reconheci-
madinho (MG), ocorrida em 25 de janeiro mento e a integração
último. É lamentável dizer que esta não é das dimensões físicas,
a primeira e, ao que tudo indica, não será mentais, sociais e es-
pirituais do processo

Foto: Tarcísio Márcio Magalhães Pinheiro


a última tragédia do gênero. Podemos ci-
tar alguns casos significativos, registrados saúde-doença, numa
nas últimas três décadas, de rompimentos perspectiva individual
de barragens de mineradoras que resul- e coletiva, no curto,
taram em mortes e/ou danos humanos e médio e longo prazos.
ambientais no estado: Grupo Itaminas (Ita- A população atingida,
birito, 1986), Mineração Rio Verde (Nova incluindo trabalhado-
Lima, 2001), Mineradora Rio Pomba Cata- res e voluntários en-
guases (Miraí, 2007), Companhia Siderúrgi- Ruptura da barragem B1 da Vale, no córrego do Feijão, em Brumadinho. volvidos no resgate e
ca Nacional (Congonhas, 2008), Herculano no cuidado imediato
Mineração (Itabirito, 2014) e Samarco/Vale/ daqueles diretamente
BHP Billiton (Mariana, 2015). Nem a empresa nem o Estado parecem impactados pela catástrofe, deve ser su-
ter corrigido suas posturas e práticas para prida nas suas necessidades assistenciais
Em Minas, existem várias barragens clas- reparar os casos antigos e evitar casos fu- e de vigilância em saúde pelo Sistema
sificadas como de alto risco, entre as turos. O Estado, além de continuar com Único de Saúde (SUS).
quais, muitas pertencem à Vale. O mes- grandes falhas na fiscalização, flexibilizou Um “acidente” ampliado do trabalho, que
mo acontece com barragens localizadas a legislação relativa à licença ambiental deve ser sempre entendido como evento
em outros estados brasileiros, a exem- e também a trabalhista, precarizando as evitável e prevenível, tem sua origem num
plo do Pará, Rondônia e Mato Grosso. condições e as relações de trabalho. E determinado ambiente, cujos impactos e
Segundo a Agência Nacional de Águas agora, de novo, vêm à tona destruição, efeitos se estendem para outros ambien-
(ANA), as barragens que se romperam mortes, adoecimentos, sofrimentos, per- tes causando danos humanos, ambientais,
em Brumadinho estavam classificadas na das, danos, desamparo, desinformação, sociais e econômicos. É importante frisar
categoria de “alto dano potencial asso- despreparo, desrespeito, omissões, co- que não haveria tragédia se não houvesse
ciado”. Não podemos esquecer que há nivências, irresponsabilidades, incompe- uma causa e um risco no processo de tra-
pouco mais de três anos a mesma Vale, tências, impunidades e injustiças. O nú- balho da mineradora. Esse entendimento
juntamente com a Samarco/BHP Billiton, mero final dos atingidos em Brumadinho, é importante para que se estabeleçam
foi responsável pelo gravíssimo crime incluindo mortos e desaparecidos, ainda estratégias efetivas de intervenção que
socioambiental da Barragem de Fundão, não está consolidado, mas já se sabe que privilegiem a atuação sobre os determi-
em Mariana, que atingiu todo o território muitos corpos não serão localizados, au- nantes-causas e não só sobre os efeitos.
da Bacia do Rio Doce, matou 19 pessoas mentando em muito o sofrimento daque-
e deixou centenas de desabrigados. O les que sequer terão o direito de velar e Por detrás desse complexo evento, há
tempo decorrido entre as duas tragédias enterrar seus familiares e amigos. um processo histórico de modelo de de-
não foi e nunca será suficiente para ci- senvolvimento econômico e social, com
Pela sua dimensão, o rompimento das diversos atores sociais envolvidos num
catrizar as feridas que estão nos corpos, barragens da Vale em Brumadinho não cenário de contradições e conflitos de
nas mentes, nos corações e nas almas foi mais uma banal, restrita e “acidental” interesses. Nesse sentido, a ideia de cri-
das populações que habitam o território ruptura de barragem. Pelo contrário: já se me contra a humanidade, com a qual se
do Doce. Elas sequer foram tratadas e re- pode observar a presença de gravíssimas inicia esta pequena contribuição ao de-
paradas e já nos deparamos com novo (in)consequências. Mais um avassalador bate, nos parece pertinente. Esse conceito
caso envolvendo a mesma empresa. “mar de lama” foi formado. Centenas de começou a ser formulado para os crimes
A história de recorrências de rompimen- trabalhadores, a maioria da Vale, e outras de guerra e passou a ser gradativamente
tos de barragens em Minas parece de- pessoas morreram, neste que já pode ser ampliado para outras áreas, inclusive para
monstrar que nada ou pouco se aprendeu considerado como o maior acidente de agressões ao meio ambiente a partir de
e se fez a partir das tragédias ocorridas, trabalho do Brasil. Não há dúvida de que 2016 (ecocídio). Um “acidente” do traba-
em particular daquela causada pela Sa- cabe à empresa reparar e arcar com os lho ampliado que gera um ecocídio e um
marco/Vale/BHP Billiton em Mariana. Em danos causados aos atingidos, ao meio ergocídio deveria ser considerado crime
Brumadinho, questões básicas de segu- ambiente e ao Estado. Cabe ao Estado contra a humanidade com todas as suas
rança não foram adotadas ou não funcio- assumir seu papel regulador e fiscalizador implicações jurídicas e penais.
naram: as sirenes não tocaram para alertar das condições de operação das empresas Jandira Maciel da Silva e Tarcísio Márcio Magalhães
trabalhadores e comunidades do entorno; do setor mineral, visando à proteção dos Pinheiro, Professores do Departamento de Medicina
o setor administrativo e o refeitório foram indivíduos e da coletividade. À sociedade Preventiva e Social da Faculdade de Medicina
instalados próximos e à jusante da barra- civil, cabe liderar a luta por condições de *Artigo publicado originalmente no Boletim UFMG,
gem que se rompeu, entre outras. vida e de trabalho dignas para todos. nº 2045, p.2, 4 de fevereiro de 2019.
22 .... barragens manuelzão // 2019

O TERRORISMO DAS BARRAGENS


da mineradora Vale, e seriam atingidas Brumadinho; Laranjeiras, em Barão de Co-
A insegurança é coletiva, já entre 1:27 hora e 5:16 horas, dependendo cais; Taquaras, no distrito de São Sebas-
que nenhuma empresa quer se da localização, em caso de rompimento. tião das Águas Claras (também conhecido
responsabilizar pelo próximo Por isso, a empresa foi obrigada a criar como Macacos, em Nova Lima); e Forqui-
desastre. Quantas comunidades rotas de fuga e fazer simulados com essa lha 1, 2 e 3, em Ouro Preto.
serão arrancadas de seu lar? população.
O fantasma de Maravilhas III
Barragens também ameaçam o A possibilidade de construção de mais
Até janeiro deste ano, antes do rompi- abastecimento de água! uma barragem de rejeitos atormenta os
mento da barragem da Vale, em Bruma- Uma das principais fontes de abasteci- moradores de Itabirito: a estrutura seria
dinho, órgãos públicos e mineradoras ga- mento de água para a Região Metropoli- nove vezes maior que a que da mina Cór-
rantiam a estabilidade das barragens de tana de Belo Horizonte (RMBH), o Rio das rego do Feijão. O projeto da Vale é alvo
rejeitos em Minas Gerais. Porém, depois Velhas também pode ser atingido pelo de protestos judiciais do MPMG desde
do rompimento que pôs fim a centenas conteúdo de barragens de rejeito aban- 2016.
de vidas, instaurou-se uma grande preo- donadas em Rio Acima. O conteúdo da
cupação com as barragens da noite para O órgão público avalia que, em um cená-
estrutura pode ser ainda mais tóxico, já rio de rompimento da barragem, há risco
o dia: várias delas estão sendo classifica- que é resultado da extração de ouro, que
das em situação de risco. não apenas para as comunidades locais,
envolve metais pesados. mas para o abastecimento de água de Re-
Não houve nenhuma mudança significa- Segundo o relatório mais recente publica- gião Metropolitana de Belo Horizonte. Na
tiva no cenário, como grandes chuvas ou do pela Agência Nacional de Mineração zona de autossalvamento, estão três con-
abalos sísmicos. O que mudou foi a postu- (ANM) sobre a situação das barragens de domínios e três propriedades, onde “em
ra de empresas, que não se arriscam mais minério do país, 63,1% do total de barra- caso de um rompimento da barragem,
ao assinar laudos de estabilidade para gens de rejeitos de minério com alto ris- não haverá tempo suficiente para uma in-
essas estruturas. O resultado é um terror co de acidentes no Brasil ficam em Minas tervenção”, destaca o MPMG.
generalizado entre aqueles que moram Gerais. Isso significa que das 19 barragens
perto dessas barragens ou dependem de O licenciamento do projeto, aprovado
em alto risco, 12 estão no estado, sendo pelo Conselho Estadual de Política Am-
cursos d´água que estão próximos a elas. dez delas com alto potencial de dano. biental (Copam), foi suspenso por limi-
O alerta sonoro de mineradoras já foi ou- Além disso, desde outubro de 2018, a nar judicial, em 2017. Porém, a liminar foi
vido em pelo menos quatro cidades mi- Vale tem conhecimento de que oito de suspensa no mesmo ano e, com o rom-
neiras: Barão de Cocais, Itatiaiuçu, Nova suas estruturas de retenção de rejeitos de pimento da barragem em Brumadinho,
Lima e Ouro Preto. minério correm risco de rompimento. É o uma petição do MPMG foi entregue na 1ª
Por que moradores estão sendo que atesta um documento divulgado pelo Vara de Fazenda Pública de Belo Horizon-
retirados de suas casas? MPMG, em 12 de fevereiro. te, solicitando, em caráter de urgência, a
Conforme o relatório da mineradora, as revogação de a decisão judicial anterior,
No dia 08 de fevereiro, as comunidades
barragens em risco são: Capitão do Mato que permitiu a implantação do empreen-
rurais de Barão de Cocais, que ficam abai-
e Dique B, em Nova Lima; Menezes 2, em dimento.
xo da barragem Sul Superior, da mina
Gongo Soco, da Vale, foram evacuadas. O
mesmo aconteceu em Itatiaiuçu, nas re-
giões próximas à mina de Serra Azul, da
ArcelorMittal. A justificativa foi o aumento
do risco de rompimento das barragens.
Dias depois, em 16 de fevereiro, foi a vez
de Macacos (São Sebastião das Águas
Claras), distrito de Nova Lima, que teve
famílias evacuadas pela mesma razão.
Outro motivo para a evacuação das zo-
nas de autossalvamento, logo abaixo das
barragens, é a aceleração do processo de
descomissionamento de barragens. Esse é
o caso de bairros de Ouro Preto e Nova
Lima, vizinhos às barragens Vargem Gran-
de, Forquilha I, Forquilha II, Forquilha III e
Grupo, da Vale, desocupados no dia 20 de
fevereiro.
De acordo com o Ministério Público de O abastecimento de água da população da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) e seu entorno está em permanente
em risco, devido aos outros usos do recurso hídrico, tais como atividades econômicas da agricultura e da indústria. A captação é
Minas Gerais (MPMG), regiões de Itabirito feita entre as cabeceiras dos rios Paraopeba, das Velhas e Doce, onde estão diversas barragens de mineração em situação de alto
também estão ameaçadas por barragens risco de rompimento que, em caso de ocorrência, comprometeriam o abastecimento de mais de 5 milhões de pessoas.
manuelzão // 2019 educação .... 23

EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO DE PROFESSORES:


A URGÊNCIA DO TEMA BARRAGENS NO ENSINO
Daniela Campolina
Doutoranda em Geografia

A sequência de rompimentos de barra-


gens ocorrentes em Minas Gerais, espe-
cialmente os dois últimos gigantescos
provocados pelas mineradoras Samarco-
Vale-BHP em Mariana, em 2015, e pela
Vale, recentemente em Brumadinho, faz
com que os moradores de diversas áreas
do estado se questionem: eu serei um fu-
turo atingido?
É possível afirmar que, de maneira geral,
Foto: Procópio de Castro)

os moradores de MG estão estarrecidos


com as mortes de pessoas, animais, mo-
dos de vida e ecossistemas que foram
atingidos pela lama de rejeitos. Mas, será
que sabemos quais barragens podem
invadir nossa casa, cidade e/ou ameaçar
nosso abastecimento de água e modo de A formação de professores voltada para o tema das barragens de mineração é necessária para possam informar as comunida-
des e instigá-las a refletir sobre os riscos que correm e se posicionarem perante aos licenciamentos e às mineradoras.
vida a qualquer momento? Ou estas per-
guntas só podem ser respondidas por en-
genheiros, técnicos e especialistas? Matemática de Minas Gerais (CECIMIG) d’água e destes em relação ao local que
Considerando as diretrizes educacionais da Faculdade de Educação/UFMG o cur- residiam e/ou escola em que lecionavam.
brasileiras quanto à importância da edu- so: “Questões Controversas no Ensino A percepção dos professores em relação
cação na formação de cidadãos críticos, a em Ciências”. Estruturado e ministrado ao curso foi positiva. E foi destacada a
abordagem das temáticas de mineração e pela doutoranda Daniela Campolina, sob importância da visão interdisciplinar, de
barragens de rejeitos em MG é cada vez orientação do Prof. Dr. Bernardo Oliveira, conhecimentos sobre o sistema de gestão
mais necessária. Estas dialogam com vá- o curso teve objetivo a discussão, análi- ambiental, mecanismos de participação
rios componentes do currículo básico de se e uso de questões sociocientíficas no social, noções de risco e vulnerabilidade,
ensino, em diferentes áreas de formação ensino, tendo a mineração e as barragens no desenvolvimento de atividades didá-
dentre elas geografia, química, biologia, como temática central. ticas.
assim como os temas transversais e a O curso integra a tese de Daniela Campo- Ainda assim, os professores apontam a
educação ambiental. lina, que discute a importância da análise complexidade da aplicação em sala de
As atividades didáticas podem ajudar a e dinâmica espacial, na visão de professo- aula, por conta de currículos extensos, da
entender a dinâmica de formação e ocu- res em relação a questões envolvendo ci- pouca flexibilidade da escola, das limita-
pação dos territórios - especialmente sob ência e tecnologia. Uma das atividades do ções de infraestrutura e da necessidade
a perspectiva das bacias hidrográficas – o curso foi a análise de imagens de satélite do professor dispor de conhecimento e
que é importante para a compreensão de com o uso do software gratuito Google tempo para produzir materiais e ativida-
como e onde as barragens são construí- Earth, no intuito dos professores se po- des a partir de temas complexos como a
das, o porquê dos rompimentos e o per- sicionarem quanto a se sentirem ou não mineração e suas barragens.
curso da lama de rejeitos. vulneráveis em relação a possíveis rompi-
Cursos de formação continuada configu-
mentos de barragens.
Os professores são muito importantes no ram-se em uma das possíveis alternativas
processo de informação e formação, es- Foram utilizadas bases de dados gratuitas no enfrentamento à falta de informação
pecialmente devido ao seu potencial mul- das barragens de MG - construídas pelo em relação ao nível de vulnerabilidade da
tiplicador e de mediação na produção de Movimento pelas Serras e Águas de Mi- população frente às barragens, fortalece
informações locais por meio de atividades nas (MOVSAM), a partir do Inventário de o reconhecimento do território com suas
investigativas e didáticas. Mas, o desen- Barragens de Minas Gerais da FEAM -, da fragilidades e potencialidades, contribuin-
volvimento destas tende a ser desafiador. rede hidrográfica do rio das Velhas e a da do do entendimento do espaço como
delimitação de municípios. Os professo- uma produção política e colaborando
No intuito de auxilia-los nesse processo,
res, a partir das bases, verificaram a dis- para a visão crítica e empoderamento de
foi ofertado, em novembro de 2018, por
tância de barragens em relação a cursos comunidades.
meio do Centro de Ensino de Ciências e
O Gabinete de Crise - Sociedade Civil representa uma articulação de di-
versos movimentos sociais, pesquisadores e ativistas políticos do campo
ambiental em contraposição ao Gabinete de Estado no sentido de reivin-
dicar o controle social das ações desenvolvidas em torno do crime am-
biental promovido pela companhia Vale, no município de Brumadinho
e em toda a bacia do Paraopeba, em 25 de janeiro de 2019, não se es-
quecendo do rompimento de Fundão em Mariana na bacia do rio Doce.

O Gabinete de Crise - Sociedade Civil pretende monitorar as ações e co-


brar as responsabilidades de todos os envolvidos, trazer as versões dos
fatos na visão da sociedade, expor posicionamentos, promover debates
em especial no que se refere à mineração, ao modo de produção, ao
licenciamento ambiental e à segurança de barragens de rejeitos. Trazer
opiniões diversas da sociedade, divulgar agenda dos movimentos, bus-
car a transparência de todos os fatos, divulgar documentos e pesquisas
que auxiliem no debate e acompanhamento das ações, dar voz e vez aos
atingidos com o objetivo estabelecer controle social e promover ações
no campo da mobilização e da política, para que tragédias como esta
nunca mais ocorram no estado de Minas Gerais.

Acesse:
gabinetedasociedade.org

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