B8 | Valor | Terça-feira, 2 de agosto de 2022
Empresas | Serviços&Tecnologia
Educação Aluno busca novos formatos, cursos mais
baratos e voltados para o mercado de trabalho
Sob pressão, ensino
superior privado
debate seu futuro
Beth Koike
De São Paulo
Com o conhecimento mudando
em ritmo acelerado, o ensino su-
perior está sendo pressionado em
várias frentes, levando o setor a de-
bater o seu futuro. Há demandas
de alunos por novos formatos de
aprendizado, empresas de outras
áreas entrando no mercado de
educação, a tecnologia jogando
para baixo o valor das mensalida-
des, ativos como campi perdendo
valor, empregadores dispensando
diplomas de ensino superior e o
ensino técnico ganhando espaço.
Segundo uma pesquisa feita pe-
la consultoria EY-Parthenon com
gestores de universidades de vá-
rios países, a expectativa é que o se-
tor chegue em 2030 bem diferente
do que é hoje. E várias instituições
de ensino não conseguirão sobre-
viver. “Esse prazo de oito anos po-
de ser um pouco mais alongado no
Brasil, uma vez que a população
com diploma de ensino superior é
pequena e ainda há procura”, diz
Eduardo Tesche, sócio da EY-Par-
thenon e líder da área de educação
no Brasil e América Latina.
No Brasil e em vários outros paí-
ses, as mudanças no ensino supe-
rior estão sendo demandadas pela
necessidade de formar um aluno
mais atualizado à realidade do
mercado de trabalho, com capaci-
dade cognitiva para aprender rápi-
do e provido de habilidades so-
cioemocionais. Mas a maior parte
das faculdades não consegue en-
tregar esse aluno após quatro ou
cinco anos de formação.
O descompasso entre a acade-
mia e o mercado é uma queixa an-
tiga, mas o avanço da tecnologia
fez o tema ganhar relevância, em
especial, nas áreas de ciências exa-
tas e de negócios das instituições
de ensino privadas e públicas. “Al-
gumas universidades mais conser-
vadoras ainda têm esse preconcei-
to”, diz Ryon Braga, consultor espe-
cializado em educação. Ele observa
que em cursos de educação de fa-
culdades públicas, por exemplo,
chamam isso de “uberização” da
educação. “Mas as faculdades de
administração, economia e enge-
Na escola, em vez da prova, aluno faz trabalho em grupo
De São Paulo
De olho nas mudanças que es-
tão se desenhando no ensino, as
escolas de educação básica tam-
bém já estão adotando novas me-
todologias de aprendizado. Aque-
las consideradas mais inovadoras
abriram mão das tradicionais pro-
vas, priorizam trabalhos em con-
junto, participação em aula e ou-
tras formas de avaliação para men-
surar o aprendizado do aluno.
Empresas | Tendências&Consumo
.
Heineken cresce 9,7%, impulsionada pelo Brasil
Cerveja
Raquel Brandão
De São Paulo
As vendas globais da cervejaria
holandesa Heineken cresceram
9,7% em volume no segundo tri-
mestre deste ano, para 70,4 mi-
lhões de hectolitros, puxadas por
mercados como o brasileiro, on-
de houve avanço de dois dígitos.
A Heineken só divulga resulta-
do financeiro do semestre. De
acordo com os critérios IFRS, de ja-
neiro a junho deste ano, a receita
líquida cresceu 34,7% ante um ano
nharia já estão 100% integradas ao
setor produtivo”, disse .
Empregadores estão capacitan-
do seus funcionários e empresas
de outros setores criando suas pró-
prias faculdades com novos mode-
los pedagógicos, abrindo concor-
rência às instituições de ensino su-
perior. No Brasil, nesses últimos
dois anos, a XP, a família Esteves,
do BTG, e o empresário Eli Horn,
fundador da Cyrela, lançaram suas
faculdades ou cursos na área de
tecnologia. Este setor enfrenta fal-
ta de mão de obra especializada.
Alguns anos antes, o Hospital Al-
bert Einstein abriu uma faculdade
de medicina. Nesses quatro casos,
há mais alunos do que vagas — rea-
lidade oposta a de várias institui-
ções que sofrem com salas vazias.
Além de se sentirem atraídos
pela proposta pedagógica — que
alia habilidades socioemocionais
como empatia, foco, criatividade e
capacidade de convivência, a aulas
práticas —, muitos estudantes es-
colhem essas escolas porque vis-
lumbram um emprego numa das
empresas patrocinadoras. Estas,
por sua vez, buscam mão de obra
qualificada.
Há ainda uma concorrência
com empresas de tecnologia que
oferecem cursos de curta duração,
com emissão de certificados. Na
área de TI, em que a inovação é
constante, esses “micro diplomas”
estão, muitas vezes, substituindo
os diplomas da graduação de qua-
tro anos. Em outros cursos deve
haver um movimento semelhante
no que diz respeito à comprovação
do conhecimento por etapas.
Daniel Castanho, presidente do
conselho da Ânima, prevê que as
instituições de ensino passarão a
emitir certificados a cada fase da
graduação, que pode ser por se-
mestre ou ano, e não mais após
quatro anos como ocorre hoje.
“Vamos passar por uma mudan-
ça drástica. A proposta de valor da
escola vai ser outra. A ideia não é
ser mais um provedor de conteúdo
e, sim, formar pessoas com visão
crítica, com conhecimentos gerais
e capazes de resolver problemas”,
diz Castanho. Nas faculdades do
grupo a disciplina “contabilidade
Atualmente, esse modelo pe-
dagógico é ofertado basicamen-
te em escolas privadas para o pú-
blico de alta renda como Con-
cept, Red House, Avenue, Hub,
entre outras, cuja mensalidade
chega a R$ 10 mil, dependendo
da praça. “No futuro, não sabe-
mos se haverá vestibular. Esta-
mos preparando jovens questio-
nadores, não para decorar con-
teúdo”, disse Chaim Zaher, fun-
dador e presidente do Grupo
antes, para € 13,48 bilhões de eu-
ros. O lucro líquido foi de € 1,26 bi-
lhão, um avanço de 22,3%.
No Brasil, um dos principais
mercados do grupo e o maior para
a marca Heineken, a receita líqui-
da (antes de itens excepcionais e
amortização) cresceu entre 34% e
36% (“mid-thirties”), “impulsiona-
da por preços acima da indústria,
‘premiumnização’ e crescimento
de volume”, diz a empresa.
O volume de cerveja vendido
superou o mercado, acelerando
seu crescimento no segundo tri-
mestre entre 20% e 23% e crescen-
do nesse mesmo patamar no total
I” foi abolida e passou a ser estuda-
da em casos de “business plan”.
A diretora da área de educação
da Microsoft, Vera Cabral, diz que
os dois modelos devem conviver
lado a lado — os cursos rápidos e as
faculdades. “Os cursos de curta du-
ração de TI são para capacitar em
temas específicos, que mudam
constantemente e precisam de
atualização. O ensino superior
realmente precisa mudar, mas é o
que forma um profissional abran-
gente”, diz a executiva.
Em paralelo, os alunos estão
buscando cursos mais em conta.
No Brasil, o ensino a distância
(EAD), que oferece cursos mais ba-
ratos, atrai mais do que a modali-
dade presencial.
Empregadores
capacitam funcionários
e empresas de outros
setores criam suas
próprias faculdades
A procura por uma faculdade
mais barata não se restringe ao
Brasil. Líderes universitários nos
Estados Unidos e Índia, segundo o
estudo da EY, dizem que “os alunos
podem completar um ou dois
anos no campus e, conforme se
tornam mais autossuficientes, pas-
sam para o regime on-line e se mu-
dam para trabalhar nas suas res-
pectivas áreas”. Nos EUA, muitos
alunos começam sua graduação
em faculdades comunitárias, cuja
mensalidade é mais barata, e na
metade do curso pedem transfe-
rência para faculdades de maior
prestígio, mais caras.
No mercado americano, onde a
população com diploma é relati-
vamente maior do que no Brasil,
pequenas faculdades de artes não
estão conseguindo matricular alu-
nos, tornando-se inviáveis finan-
ceiramente. Com isso, elas estão se
juntando a universidades públicas
ou até mesmo sendo compradas
por empresas de fora do setor de
educação, segundo a EY.
Sobre o formato das aulas, espe-
cialistas apontam o híbrido como
o ideal. “Na graduação, curso 100%
SEB, dono do Colégio Concept.
Instituições de ensino superior
com metodologias pedagógicas
inovadoras como a faculdade de
medicina do Hospital Albert Eins-
tein classificam seus alunos por
meio de provas de conhecimentos
gerais e também com entrevistas e
dinâmicas para avaliar empatia,
sociabilidade, entre outras habili-
dades socioemocionais (ou “soft
skills”). As faculdades XP e Inteli
seguem o mesmo caminho.
do primeiro semestre. Os portfó-
lios ‘premium’ (Heineken) e
‘mainstream’ (Amstel, por exem-
plo) cresceram em volume cerca
de 30%. As linhas de cervejas eco-
nômicas tiveram queda de pouco
mais de 20% (“low-twenties”).
A Heineken reiterou sua proje-
ção para 2022, em que prevê que
sua margem operacional fique
estável ou apresente uma melho-
ra modesta em relação ao ano an-
terior. No semestre, a margem
operacional (excluindo itens não
recorrentes e amortizações) foi
de 16%. Já para 2023, a projeção se
altera, considerando um cresci-
Tesche, da EY-Parthenon, diz que o ensino superior vai mudar muito até 2030 e que muitas faculdades não vão sobreviver
on-line tem pouco valor para a for-
mação. Acredito que é preciso ter
momentos de presencialidade pa-
ra as discussões”, observa Braga.
Diante desse cenário que se de-
senha, Tesche destaca que as insti-
tuições de ensino precisam estar
abertas a pensar cenários imprevi-
síveis. A consultoria faz provoca-
ções, elencando algumas possibili-
dades de mudanças como o custo
da aprendizagem cair para zero
com a digitalização, os alunos es-
colherem o conteúdo que desejam
estudar. Ou as instituições de ensi-
no terem que cobrar mensalidades
conforme o sucesso profissional
obtido pelo aluno — no mundo, já
há iniciativas nessa linha.
Universidades estão fazendo
parceria com empregadores na
criação de cursos que têm como
métrica, por exemplo, o salário do
aluno. A ideia é fazer comparações
entre as instituições de ensino. No
Reino Unido, o governo imple-
mentou um sistema batizado de
Teaching Excellence Framework
(TEF), que mede o retorno finan-
ceiro obtido pelo estudante após a
formatura, taxas de evasão e satis-
fação. As instituições com as me-
lhores classificações podem pedir
maior repasse do governo.
“A insatisfação com o recém-
formado que chega ao mercado
de trabalho é global. Há uma de-
manda por um aprendizado
mais prático, mais atualizado”,
disse Adriana Carvalho, CEO da
Generation Brasil, uma organiza-
ção não-governamental (ONG)
criada em 2014 nos EUA, exata-
mente com o propósito de capa-
citar os jovens para as demandas
do mercado e com habilidades
socioemocionais. No Brasil, os
cursos de capacitação são na área
de TI e em outros países esse tra-
balho é feito também em saúde,
serviços e indústria. Nos 16 paí-
Mesmo colégios tradicional-
mente conhecidos pelos altos ín-
dices de aprovação no vestibular
como Bandeirantes e São Luiz,
ambos em São Paulo, vêm inten-
sificando as “soft skills” em sua
grade curricular.
As escolas, classificadas sob a
nomeclatura de contemporâ-
neas, foram as que implementa-
ram, há alguns anos, o bilinguis-
mo e disciplinas de habilidades
socioemocionais que hoje já es-
mento orgânico de lucro opera-
cional de um dígito médio a alto.
A cervejaria observa que o
atual ambiente inflacionário tem
levado a ações significativas de
precificação e gestão de receitas
em todo mundo, para compen-
sar o aumento na cotação dos in-
sumos e outros custos.
Segundo o grupo, a demanda
do consumidor tem sido resi-
liente no primeiro semestre,
mas há um risco crescente de
que a pressão sobre o poder de
compra afete o consumo de cer-
veja. A empresa diz que sua polí-
tica de preços e gestão de recei-
ses em que atua, a Generation já
formou mais de 50 mil pessoas.
Algumas faculdades já ado-
tam novas formas de ensinar. O
modelo pedagógico mais defen-
dido é o aprendizado por com-
petência (ou projeto). Os alunos
desenvolvem durante o curso
projetos acadêmicos conforme
um problema real trazido do
mercado.
A primeira instituição a traba-
lhar nesse formato foi o centro
universitário UniAmérica por vol-
ta de 2015. Na época, pais de alu-
nos criticaram o modelo que não
exigia provas e memorização de
fórmulas ou conteúdo.
Fundada por Braga, a UniAméri-
ca foi vendida, em 2021, para a gru-
po Descomplica, que tem entre
seus investidores o Softbank. A
Descomplica, que tem 15 mil alu-
nos na graduação e 70 mil na pós,
trabalha com aulas 100% on-line e
defende a emissão de “micro certi-
ficados”, cobrança de mensalidade
por performance do aluno e outros
formatos de aprendizado. “Acredi-
to no uso do entretenimento para
as pessoas aprenderem mais. Aca-
bamos de lançar uma disciplina de
‘soft skills’ com o Porta dos Fundos [
produtora de vídeos de comédia]
porque os alunos conseguem assis-
tir os vídeos até o final e passar nas
provas”, disse Daniel Pedrino, CEO
da Descomplica.
Além da UniAmérica, hoje há
outras instituições como Ânima,
PUC-PR, Unicarioca, Inteli (da fa-
mília Esteves), Faculdade XP, entre
outras, trazendo para dentro da
sala de aula problemas reais para
seus alunos solucionarem. No In-
teli, os estudantes precisam resol-
ver problemas de grandes compa-
nhias, como Ambev, até desenvol-
ver projetos de inteligência artifi-
cial na saúde para a Faculdade de
Medicina da USP. Na Unicarioca, os
tão presentes em colégios volta-
dos à classe média, inclusive com
oferta de sistemas de ensino.
Os investidores têm demons-
trado interesse por esse mercado
de colégios com novas metodo-
logias, que registram margens de
lucro de 30% a 50%, segundo Leo-
nardo Toscano, sócio da consul-
toria Excelia.
Em maio, o grupo inglês Inspi-
red Education adquiriu a Escola
Eleva, voltado ao público pre-
tas tem conseguido compensar
o aumento das commodities,
que começam a sinalizar uma
melhora, mas que há preocupa-
ção em relação ao preço do gás
natural na Europa.
“Nosso programa de produti-
vidade continua em ritmo acele-
rado, elevando o montante pou-
pado para € 1,7 bilhão até o fim
de 2022 em comparação com a
base de custos de 2019. Isso con-
tinuará a compensar as pressões
de custo e a permitir maiores in-
vestimentos em suporte à marca,
nossa transformação digital e
iniciativas de sustentabilidade.”
CAROL CARQUEJEIRO/VALOR.
alunos são inseridos na realidade
de comunidades carentes, no en-
torno da instituição, para criar
projetos viáveis a esse público.
A portuguesa Dreamshaper,
uma empresa de tecnologia volta-
da à educação especializada em
aprendizado por projeto, viu a
procurar pelos seus serviços dispa-
rar. A startup chegou ao Brasil em
2020 atendendo apenas a educa-
ção básica e hoje metade da sua re-
ceita já vem do ensino superior.
As empresas de TI, que por um
lado concorrem com as faculda-
des, também são parcerias das ins-
tituições de ensino fornecendo
suas plataformas educacionais.
“Fornecemos gratuitamente nossa
plataforma para 130 instituições.
Nos ultimos 18 meses, 10 mil alu-
nos usaram nossos simuladores de
laboratórios, entre outros”, disse
Fabio La Selva, líder da Cloud Edu-
cation do Google para a América
Latina. A Microsoft também tem
um trabalho de capacitação de
profissionais de educação em par-
ceria com faculdades e ONGs co-
mo a Generation. “Nosso foco nes-
te próximo ano são as parcerias
com as instituições de ensino”, dis-
se a diretora da Microsoft, que, por
muitos anos, foi da área de ensino.
Outro setor que vem experi-
mentando trabalhos em conjunto
entre universidades e empregado-
res é o de saúde. Recentemente, fo-
ram anunciadas parcerias entre
Yduqs e Hapvida e Ânima com Da-
sa. Os grupos de saúde ofertam aos
alunos conhecimentos de inteli-
gência artificial e funcionamento
do mercado privado na saúde, te-
mas que não são ministrados em
residências em hospitais públicos,
e as empresas podem ter acesso a
cursos de especialização molda-
dos para seu corpo clínico.
Ver também página A4
mium. A transação do colégio,
que tinha entre seus acionistas o
empresário Jorge Paulo Lemann,
foi vendido por cerca de R$ 2 bi-
lhões, segundo fontes. Em 2021,
um grupo de investidores fez um
aporte de R$ 250 milhões na cria-
ção da Great School, que destina
recursos em escolas inovadoras
como a Hub. A Red House, que
está num forte processo de ex-
pansão, recebeu aporte de R$ 110
milhões do fundo Gama. (BK)
Curta
Estée Lauder e Tom Ford
A Estée Lauder negocia a com-
pra da empresa de moda de luxo
Tom Ford, segundo fontes infor-
maram à Dow Jones. A transação
é avaliada em cerca de US$ 3 bi-
lhões e pode representar a maior
aquisição de todos os tempos da
gigante de cosméticos. Com sede
em Nova York, a Estée Lauder
vende principalmente produtos
para cuidados com a pele e per-
fumes. Suas marcas incluem
MAC, Clinique, La Mer e Aveda.
Seu valor de mercado é de quase
US$ 100 bilhões. A Estée Lauder
não é a única na disputa pela
Tom Ford, disse uma das fontes.