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ensino

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Ensino participativo
Um custo maior, mas pode
significar grande diferencial
Paulo Freire, 100 anos
Pedagogia crítica continua
viva e necessária
Aprendizagem
Agora pode ser em casa,
no bar ou na faculdade
ANO 21 • 2021 • Nº 259 • R$ 15.90

Pragmatismo
diminui humanidades
O ensino de filosofia, que ajuda a formar cidadãos
completos, não provoca mais interesse nos alunos
e instituições. E uma grande lacuna se amplia

Entrevista
Lilia M.Schwarcz “Temos recriado um racismo estrutural e institucional”
Ensino participativo

A difícil busca da
sustentabilidade
Num mercado em retração e com grande
concorrência, a implementação do ensino ativo
pode ser essencial para a permanência no negócio,
se for feita uma série de medidas para ajuste da por Guilherme Forma Klafke
receita e da despesa e Marina Feferbaum

Q
uestões financeiras são uma das principais razões alegadas
por instituições para não investir em ensino participativo
(ou ensino ativo). Os motivos e as resistências são legítimos,
não apenas no ensino privado, mas também no ensino superior
público, e de fato há muitas questões que impactam a sustentabilida-
de financeira das instituições na adoção de metodologias ativas. Como
o ensino centrado no estudante é mais significativo e efetivo para a
aprendizagem, restringi-lo apenas a quem estuda em alguns cursos é
injusto e elitista.
As metodologias de ensino estão diretamen- cipativo leva a custos maiores. Em um contex-
te ligadas ao projeto pedagógico do curso e, por to educacional no qual se busca economia de
conseguinte, ao modelo de negócios, que deve escala (turmas grandes e aulas padronizadas),
ser sustentável a longo prazo. É comum entre realmente pode ser mais difícil implementá-lo.
dirigentes a percepção de que o ensino parti- Se a instituição de ensino que sobrevive é aque-

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la que consegue equilibrar despesas e receitas, periódicos, biblioteca e laboratórios para que os
esse é um obstáculo. Posicionamento de merca- estudantes possam executar dinâmicas, simula-
do, marca e tradição também estão intimamente ções e projetos individuais ou em grupos. Mo-
atrelados às escolhas de negócio e à saúde finan- nitores, tutores ou professores assistentes para
ceira das organizações. acompanhar a sala de aula e auxiliar os docentes
Então, de modo prático, como fazer para que e discentes nas dinâmicas e na trajetória de todo
uma instituição de ensino superior seja financei- o curso também podem ser despesas adicionais.
ramente viável adotando essa metodologia mais Para reduzir custos, na concepção da grade
custosa? Analisaremos, primeiro, os fatores que é possível levar a sério a ideia de que turmas
acarretam mais despesas num ensino participa- heterogêneas favorecem a aprendizagem e criar
tivo. Destrinchando tais elementos poderemos disciplinas que combinem estudantes de dife-
redesenhar modelos de negócios possíveis e rentes anos. Softwares de acesso livre ou código
considerá-los na promoção, ao mesmo tempo, aberto e bibliotecas digitais são boas alternativas
da perenidade da organização e, sobretudo, para oferecer preparação aos estudantes em es-
da qualidade do ensino. Depois, apresentamos cala. Programas de monitoria dentro da própria
ideias para o lado das receitas. O objetivo é su- instituição voltados para formação docente (es-
gerir caminhos para viabilizar uma proposta de pecialmente para-graduandos) são uma forma
ensino participativo sustentável. de combinar treinamento, contato entre pessoas
de diferentes anos e aprendizado com menor
O LADO DAS DESPESAS custo. Quanto a trabalhar com turmas menores,
um modelo híbrido, parte online e parte pre-
Não dá para comparar as despesas do en- sencial, pode reduzir despesas, especialmente
sino de massa com as do ensino participativo. por meio do uso de simuladores que dispensam
A conjugação de disciplinas oferecidas a dis- insumos e materiais.
tância com aulas gravadas, grandes turmas para
poucos professores e aulas teóricas sem grande O LADO DAS RECEITAS
necessidade de infraestrutura é resultado justa-
mente da procura por redução de custos e ga- Pensando no viés de receitas, a sustentabi-
nho de escala – sinergias também em despesas lidade financeira está atrelada, em primeiro lu-
com marketing, materiais didáticos e serviços gar, à apresentação de diferenciais competitivos
administrativos, como argumentam Sarfati e
Shwartzbaum, em estudo de 2013 sobre fusões
e aquisições no setor educacional. Métodos ex-
positivos exigem pouco mais do que um profes- É possível levar a sério a ideia
sor e um microfone – e a remuneração, geral-
mente, será por hora ministrada. de que turmas heterogêneas
Um ensino personalizado e transformador
implica mais despesas com professores, para
favorecem a aprendizagem, e
capacitá-los, atualizá-los e dar-lhes condição
para acompanhar a turma e preparar materiais
criar disciplinas que combinem
ao longo do curso – ao contrário da ideia de que estudantes de diferentes anos.
tutoria significa a precarização da posição do-
cente. Também há gastos com estrutura e livros,

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Ensino participativo A DIFÍCIL BUSCA DA SUSTENTABILIDADE

frente a outras organizações para atrair um pú- por exemplo, tem sua própria empresa de ino-
blico disposto a realizar esse investimento. Uma vação, que é sócia, por exemplo, da empresa
proposta de curso prático e significativo, com fundada pelos professores detentores da patente
clareza das vantagens, atrai alunos em um con- da vacina contra o novo coronavírus (atualmen-
texto de concorrência com cursos mais baratos te licenciada para a Astrazeneca). O exemplo
e massificados. Se ele oferecer, junto com o di- mostra, ainda, que além de proporcionar re-
ploma, pequenos certificados conforme trilhas ceita, a execução de projetos pode ter impacto
de aprendizagem cursadas pelo estudante, po- social no meio onde a instituição se insere. Vale
derá apresentar um diferencial para empregabi- lembrar que a Lei de Inovação prevê que insti-
lidade. Se disciplinas de projeto aproximam em- tuições científicas e tecnológicas criem núcleos
presas e estudantes, são maiores as chances de de inovação para gerenciar esses processos.
inserção no mercado de trabalho. A formação
de habilidades interpessoais e outras necessárias VIÁVEL, MAS NÃO PRECARIZADO
para gestão de carreira, como presença digital e
networking, também é bastante atrativa. Tornar mais viável o ensino participativo
Realização de parcerias e disciplinas patroci- sem precarizá-lo é um enorme desafio. As al-
nadas como fonte de financiamento alternativa ternativas enumeradas possivelmente não refle-
para docentes, monitores e elaboração de ma- tem todas as dificuldades nem resolvem todos
teriais contribuem para a concepção de casos, os problemas da realidade das IES brasileiras
videoaulas e traduções que serão utilizados para para tornar esse tipo de ensino financeiramen-
edições posteriores. Um ciclo inteiro de discipli- te viável. Porém, abrem caminho para soluções
nas ou uma trilha de aprendizagem podem ser aplicáveis a grande parte de instituições. Cada
financiados e, neste caso, a elaboração de casos uma terá seus pontos mais sensíveis.
ricos pode ser em detalhes serve para vários do- Com criatividade e inovação, ampliando as
centes em diferentes anos. fontes de captação da instituição, é possível su-
Outra fonte de recursos é um fundo criado perar alguns desses entraves de modo a não per-
pelos próprios ex-alunos, o chamado endown- der qualidade do ensino – nem na metodologia
ment, que sustente cursos ou mesmo estudan- de ensino, nem nos objetivos de aprendizagem.
tes individualmente, principalmente os de baixa Com planejamento e experimentações, pode-se
renda. Nos EUA, por exemplo, as contribuições imaginar arranjos institucionais que possibi-
de egressos não apenas respondem por uma litem a adoção de um ensino mais significa-
parcela significativa dos recursos das universi- tivo com sustentabilidade financeira. No fim,
dades, mas também fomentam a execução de todos saem ganhando: estudantes, educadores
pesquisas com liberdade acadêmica. Essa solu- e sociedade.
ção é mais facilmente implantada se o programa
cria uma identidade comum entre os estudantes Guilherme Forma Klafke, Líder e gestor de
e se abre para essa colaboração. projetos no Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação da
A cooperação para projetos com empresas e FGV Direito SP (CEPI), onde também é professor do programa
institutos não é atrativa apenas para patrocínios. de pós-graduação lato sensu.
Se a organização fomentar uma mentalidade Marina Feferbaum, Coordenadora do Centro
empreendedora entre alunos e professores, ob- de Ensino e Pesquisa em Inovação (CEPI) e da área de
terá recursos com startups incubadas, patentes metodologia de ensino da FGV Direito SP, onde também é
e outros negócios. A Universidade de Oxford, professora dos programas de graduação e pós-graduação.

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