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Ensinar é
também um ato
político
A
superação das fases mais agudas da pandemia de covid-19
no Brasil e no mundo concluiu o acontecimento histórico
de maior magnitude da era digital, responsável por dividir o
cotidiano social em duas normalidades distintas: o velho e o
novo normal, respectivamente aos cotidianos anterior e posterior às
medidas mais rígidas de saúde pública para conter a transmissão do
vírus. A realidade emergiu transformada, não apenas pela presença
constante de máscaras, mas também pelo uso político do sars-cov-2: ao
invés do mundo se unir para combater o inimigo comum, ele se dividiu,
levando a batalha para o discurso, contrapondo ciência e anticiência
sob bandeiras partidárias.
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A polarização em torno da pandemia não foi da comunidade. Nós, educadoras e educadores, te-
inédita nem inesperada. Não foi inédita pois a ma- mos um papel fundamental para o futuro do país, e
nipulação da informação para uso ideológico sem- isso não deve ser ignorado em nossa prática.
pre existiu. Não foi inesperada pois as tecnologias Muitos professores, porém, se recusam a ad-
digitais (em especial as redes sociais) fomentam a mitir que a docência é uma atividade política. Di-
reprodução de todo tipo de ideologia, criando con- zem que seus posicionamentos são neutros, que
dições ótimas para a formação de bolhas. Some-se evitam emitir juízos políticos em aula, que não
a isso o oportunismo político para todo tipo de di- trazem discussões políticas e que ensinam maté-
vergência se tornar uma questão de posicionamen- rias que não são políticas. Paradoxalmente, quan-
to político, por mais objetivo e superado que seja, to mais as universidades se afastam da política,
como o formato esférico do astro que habitamos. mais favorecem a percepção de espaços tecnocra-
Em formas extremas, um discurso ideológico tas e elitistas. Quanto mais se aproximam da polí-
não aceita nada que o contradiga. Se tudo pode se tica, favorecem uma percepção de serem espaços
tornar objeto de disputa, então nada neutro res- partidários e dominados por uma ideologia.
tará no mundo. Se o ensino da não neutralidade Argumentamos que não há como escapar da
é condenável, então o ensino, em si, deve ser eli- política no ensino superior. Como dizia o mes-
minado. O totalitarismo não gosta do pensamen- tre Paulo Freire, educar é um ato político; não há
to crítico: tudo se torna um dogma, uma crença, neutralidade, ao contrário do que comumente se
a ser obedecida conforme a ideologia dominante. acredita. A política, como arte de tomar decisões
A possibilidade de escolha deixa de existir, assim coletivas ou decisões individuais na arena públi-
como o modelo democrático. ca, permeia totalmente a docência. Seis manifes-
Várias teses procuram explicar a ascensão de tações exemplificam essa relação.
regimes que colocam em xeque o modelo de de- 1. A política nas decisões pedagógicas.
mocracia liberal. Jan-Werner Muller, em sua obra O ofício de ensinar exige a realização de esco-
What is Populism? menciona como possibilida- lhas a todo momento: o que ensinamos, como
des uma enorme frustração das pessoas com go- ensinamos, por que, para quem e para quê.
vernos cada vez mais distantes e tecnocratas, um Isso envolve o currículo, o conteúdo, os mé-
sentimento de rancor ou vingança de grupos que todos, os objetivos de aprendizagem, a biblio-
se sentiram colocados de lado nos últimos anos, grafia, a organização da sala de aula, entre ou-
seja por conta dos efeitos da globalização, seja por tros aspectos de um curso. Por trás da escolha
conta de movimentos de inclusão que procuram do que é “fundamental” que um aluno apren-
confrontar privilégios, ou o fracasso das demo- da, existe uma percepção do que a comunida-
cracias de cumprir as suas promessas. de política precisa e de como ele será impor-
Nesse cenário, o ensino superior carrega uma tante para ela;
enorme responsabilidade para a promoção do que 2. A política nos conteúdos de aula. Até
Konrad Hesse chama de “vontade da Constitui- mesmo os conteúdos que parecem mais her-
ção”, ou seja, o desejo das pessoas de seguirem e méticos e “blindados” à política escondem
respeitarem os compromissos fundamentais da uma agenda ou interesses políticos de quem
sociedade escritos na Constituição. É vocação das desenvolve as pesquisas. Conta-se que a esco-
universidades ser um espaço de confronto de ideias, la pitagórica lutou contra o estudo dos núme-
no diálogo, na liberdade de expressão, na tomada de ros irracionais pelo fato de que, para ela, esses
posição, na manifestação pública de ideias, contri- números comprometiam a relação harmônica
buindo para a formação de cidadãos e a construção entre as coisas no mundo;
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Retranca ENSINAR É TAMBÉM UM ATO POLÍTICO
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