Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
https://doi.org/10.15202/1981996x.2019v13n3p76-86
RESUMO
Este artigo tem como objetivo traçar uma análise estruturada dos impactos da Quarta
Revolução Industrial para a sociedade nas próximas décadas, associando-os aos pilares do
desenvolvimento sustentável. Adicionalmente, a conjuntura atual foi relacionada com
perspectivas futuras, que podem gerar tanto um ciclo de benefícios como também de grandes
desafios no que diz respeito aos aspectos econômico, ambiental e social. As novas tecnologias
e seus impactos viabilizam o surgimento de novos modelos de negócios, reformulam sistemas
de produção, consumo, transporte e lazer, por isso esse fenômeno foi estudado à luz da
metodologia proposta, visando uma compreensão bem fundamentada e um entendimento
assertivo sobre o tema analisado.
SEMIOSES: Inovação, Desenvolvimento e Sustentabilidade | Rio de Janeiro | ISSN 1981-996X | v. 13. | n. 3. | jul./set. 2019 76
ABSTRACT
This article aims to draw a structured analysis of the impacts of the Fourth Industrial
Revolution on society in the coming decades, associating them with the pillars of sustainable
development. In addition, the current situation was related to future prospects, which can
generate both a benefit cycle and major economic, environmental and social challenges. New
technologies and their impacts enable the emergence of new business models, reformulate
production, consumption, transportation and leisure systems, so this phenomenon was
studied in the light of the proposed methodology, aiming at a well-founded understanding
and an assertive understanding on the subject analyzed.
1 INTRODUÇÃO
SEMIOSES: Inovação, Desenvolvimento e Sustentabilidade | Rio de Janeiro | ISSN 1981-996X | v. 13. | n. 3. | jul./set. 2019 77
biológico. Da inteligência artificial e da robótica à bioengenharia e nanotecnologia, a Quarta
Revolução Industrial ainda está em seu ponto de partida”. Nas palavras de Schwab (2017)
fundamentalmente o que caracteriza e diferencia essa revolução das demais é a fusão dessas
tecnologias e sua interação entre diversos domínios.
A Quarta Revolução Industrial, ao mesmo tempo que tem proporcionado um ciclo
profundo de benefícios, com perspectivas cada vez mais impactantes nas próximas décadas,
também tem gerado grandes desafios em igual medida. Transformações econômicas, sociais
e ambientais com crescente influência na vida das pessoas geram dúvidas sobre a capacidade
inclusiva e sustentável deste processo, como alterações no mercado de trabalho com
surgimento de novas profissões e desaparecimento de outras, transformações nas cadeiras
produtivas globais através da criação, escala e aplicação de novas tecnologias, possibilidade
de transição de uma economia de alto para baixo carbono - citando apenas algumas delas
(MEIRA, 2017).
Dentro do contexto de desenvolvimento sustentável, além da abrangência dos
aspectos positivos mencionados sobre a Quarta Revolução Industrial, que abre espaço para
consequências com potencial negativo, principalmente no que diz respeito aos pilares sociais
e ambientais. Segundo Martine (2015), “várias fronteiras ecológicas globais estão sendo
ultrapassadas, abrindo a probabilidade de transformações bruscas e incontroláveis na esfera
planetária se não houver mudanças significativas e urgentes”. As novas tecnologias e seus
impactos marcam o surgimento de novos modelos de negócios, reformulam sistemas de
produção, consumo, transporte e lazer. Logo, é preciso pensar sobre como a Industria 4.0
pode ser direcionada para geração de uma sociedade mais desenvolvida, inclusiva e,
principalmente, sustentável.
O presente artigo tem como objetivo apresentar alguns impactos da Quarta Revolução
Industrial sobre o mundo, nas próximas décadas, partindo de Schwab (2017) como referência
central para discussão de seus efeitos na sociedade, mas com enfoque no desdobramento
deste debate nas perspectivas das três dimensões do Triple Bottom Line: econômica, social e
ambiental.
Trata-se de um tema relativamente novo, em crescente discussão, com referências
mais recentes, e que merece aprofundamento. Em meio ao potencial descompasso entre a
velocidade das transformações ocasionadas pela Indústria 4.0 e a capacidade de absorção da
SEMIOSES: Inovação, Desenvolvimento e Sustentabilidade | Rio de Janeiro | ISSN 1981-996X | v. 13. | n. 3. | jul./set. 2019 78
sociedade, uma análise mais estruturada apoiada pela relação com o desenvolvimento
sustentável pode contribuir para o entendimento e explicação deste fenômeno.
SEMIOSES: Inovação, Desenvolvimento e Sustentabilidade | Rio de Janeiro | ISSN 1981-996X | v. 13. | n. 3. | jul./set. 2019 79
debates desenvolveram-se estudos sobre estratégias de economia de recursos e priorização
de finalidades sociais.
Vinte anos após a realização da primeira reunião sobre a temática, a Organização das
Nações Unidas – ONU promoveu a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e
o Desenvolvimento (CNUMAD), mais conhecida como “Rio 92”, “Eco 92” e “Cúpula da Terra”,
realizada no Rio de Janeiro, com a formulação da “Agenda 21” – um programa de intenções
baseado em um novo modelo de desenvolvimento para o século XXI. Esse documento
representou a mais abrangente tentativa já realizada de promover, em escala planetária, um
novo padrão de desenvolvimento sustentável. Em 1997 o Protocolo de Kyoto estabeleceu
metas obrigatórias para que países reduzissem em 5% as emissões, com adesão do Brasil em
2002 (BRASIL, 2019; BRASIL, 2019a).
Em 2015 foi realizado o Acordo de Paris que pretende limitar o aumento da
temperatura da Terra em até 1,5ºC até 2100, conforme informações do Ministério do Meio
Ambiente. No mesmo ano novas metas foram traçadas com a “Agenda 2030” para o
Desenvolvimento Sustentável. Foram acordados 17 Objetivos de Desenvolvimento do Milênio
(ODS) com 169 metas associadas, integradas e indivisíveis. Esses objetivos entraram em vigor
em 1o de janeiro de 2016 e orientarão as decisões a serem tomadas nos próximos 15 anos.
Dentre esses se destacam tornar as cidades mais inclusivas, adotar padrões de produção e
consumo mais sustentáveis e tomar medidas urgentes para combater as mudanças climáticas
e seus impactos (ONU, 2015).
Com a propagação do termo sustentabilidade, o conceito do TBL (Triple Bottom Line)
ou Tripé da Sustentabilidade ganhou grande repercussão no final da década de 1990. O TBL
compreende a viabilidade dos negócios das empresas conforme a dinâmica entre aspectos
econômico, social e ambiental. Esta análise ganhou reconhecimento considerável, sendo
componente das estratégias corporativas na inovação e na geração de valor, como descrito
por seu fundador Elkington (1998). A sustentabilidade visa garantir que as ações e decisões
realizadas no presente não limitem ou inviabilizem a existência saudável de uma empresa no
futuro. O êxito das organizações não deve apenas ser medido pela sua performance
econômica, mas também considerar os benefícios ao meio ambiente e à sociedade como
parte das medidas de desempenho. Dessa forma, a partir de uma relação de interdependência
entre sociedade, economia e ecossistema global, conceitua-se o Triple Bottom Line,
SEMIOSES: Inovação, Desenvolvimento e Sustentabilidade | Rio de Janeiro | ISSN 1981-996X | v. 13. | n. 3. | jul./set. 2019 80
representando três dimensões – a econômica, a social e a ambiental – que atuam como pilares
que sustentam os conceitos de sustentabilidade e de desenvolvimento sustentável (Figura 1).
SEMIOSES: Inovação, Desenvolvimento e Sustentabilidade | Rio de Janeiro | ISSN 1981-996X | v. 13. | n. 3. | jul./set. 2019 81
de cadeias produtivas globais. Já no século XXI a Quarta Revolução Industrial surge com
propostas tão ambiciosas que podem representar inovações ainda maiores do que as já
alcançadas pelas anteriores, que trouxeram a mecanização e a automatização da produção.
Nessa nova revolução, de acordo com Schwab (2017), o escopo é muito mais amplo
que nas anteriores, visto que a fusão de tecnologias e o intercâmbio entre os domínios físico,
digital e biológico a torna fundamentalmente diferente. As tecnologias digitais que têm em
seu núcleo hardwares, softwares e rede de computadores não são novas, mas estão se
tornando cada vez mais sofisticadas e integradas e, por conseguinte, transformando as
sociedades e a economia global.
Segundo Meira (2017), a década de 1990 é reconhecida como a década da internet.
No Brasil, a rede comercial chegou em 1995, se popularizando com smartphones e uso de
dados móveis em meados dos anos 2000. Esta evolução culmina nos dias atuais na internet
das coisas (IoT), que pode ser descrita como o relacionamento entre coisas (produtos,
serviços, lugares, etc.) e pessoas através da integração de várias tecnologias e plataformas, e
cuja dinâmica parece ser uma composição de revoluções das quatro décadas anteriores -
hardware, software, redes e mobilidade. De tal forma, pode ser constatado que a era da
informaticidade, da transição de um modo analógico para o modo digital, está em curso,
conforme SCHWAB (2017).
A expressão “Industria 4.0” foi cunhada na Feira de Hannover, na Alemanha, em 2011,
segundo Schwab (2017). Diversas discussões são travadas para descrever como esse
fenômeno revolucionará a organização das cadeias globais de valor. Ao ativar as "fábricas
inteligentes", a Quarta Revolução cria um mundo no qual sistemas de produção virtuais e
físicos cooperam globalmente entre si de maneira flexível, permitindo a vasta personalização
de produtos e a criação de novos modelos operacionais e de negócio. Esse fenômeno possui
um escopo muito mais amplo do que a conexão entre máquinas e sistemas inteligentes, visto
que abrange avanços em diversas áreas do conhecimento, que vão desde o sequenciamento
de genes à nanotecnologia, desde as energias renováveis até a computação quântica.
Baseado no Fórum Econômico Mundial e no trabalho de vários conselhos de agenda
global, Schwab (2017) elencou as principais tendências tecnológicas a serem observadas em
meio aos direcionadores desta revolução, que podem ser divididas em três categorias: física,
digital e biológica. No contexto das tendências físicas, podem ser destacados os veículos
autônomos, impressão 3D, robótica avançada e o uso de novos materiais, mais leves,
SEMIOSES: Inovação, Desenvolvimento e Sustentabilidade | Rio de Janeiro | ISSN 1981-996X | v. 13. | n. 3. | jul./set. 2019 82
resistentes, recicláveis e adaptáveis. No que diz respeito às várias tendências digitais, são
ressaltadas a internet das coisas (IoT), mencionada anteriormente; e o blockchain, um
protocolo de segurança compartilhado, programável, criptograficamente seguro e que
verifica coletivamente uma transação antes de poder ser gravada e aprovada. Por fim, podem
ser citadas as tendências biológicas, como o sequenciamento de genoma e a biologia sintética,
nas quais a redução dos custos e os avanços no poder computacional proporcionam grande
escala na viabilização de resultados na área de saúde, através de edição, ativação e
customização genética; além da combinação destes com a bioimpressão, através do uso de
impressoras 3D para tecidos vivos com o objetivo de regeneração e reparo; ou ainda o
emprego de dispositivos para monitoramento da atividade corporal e química sanguínea.
No que diz respeito ao aspecto de recuperação e preservação ambiental e sua relação
com os novos paradigmas da Industria 4.0, ainda em Schwab (2017) são destacadas novas
oportunidades para o mundo atingir altos patamares de eficiência energética e uso racional
de recursos naturais, de tal forma que seja possível a criação de novos modelos econômicos
sustentáveis. Neste contexto, são destacados caminhos que podem ajudar a atingir tal
objetivo: em primeiro lugar, Internet das Coisas (IoT) e ativos inteligentes, que permitirão
rastrear materiais e fluxos de energia de tal forma que seja possível novo patamar de
eficiência ao longo das cadeias de valor; em segundo, a transparência e democratização da
informação, no sentido de conscientizar e empoderar os cidadãos no que diz respeito às suas
atitudes frente aos governos e empresas, através da confiabilidade e rastreabilidade trazida
pelo blockchain por exemplo, que pode certificar dados de gastos de governo ou de
monitoramento de desmatamento de florestas; e por fim, a criação de novos modelos
organizacionais e de negócios que possibilitem maneiras inovadoras de criar e compartilhar
valor, como na união entre carros auto dirigíveis e economia compartilhada, que podem gerar
taxas de utilização de ativos muito maiores que as atuais e consequente redução de emissões
de poluentes, ou ainda na substituição de combustíveis fósseis por biocombustíveis e fontes
energéticas de baixo carbono, contribuindo para uma economia mais sustentável.
No tocante às tendências das mudanças no mercado de trabalho, Meira (2017) indaga
quais serão seus impactos nas relações sociais. Como exemplo destaca que, em um futuro
onde máquinas se programam sozinhas, seria difícil dizer se o mercado profissional será
abundante ou escasso para programadores a longo prazo. Conforme suas reflexões, poderá
SEMIOSES: Inovação, Desenvolvimento e Sustentabilidade | Rio de Janeiro | ISSN 1981-996X | v. 13. | n. 3. | jul./set. 2019 83
caber ao homem uma nova realidade, com outras responsabilidades, onde o conceito de
trabalho tenha outra definição.
Recente pesquisa realizada por Harris et al. (2018) analisou três forças principais que
moldarão os anos 2020, são elas: demografia, automação e desigualdade. Governos deverão
rever suas políticas públicas nas áreas de previdência e saúde em razão do aumento do
envelhecimento da população, que também representa declínio da força produtiva nos
mercados. A diminuição da oferta de mão de obra no mercado de trabalho e a busca por maior
produtividade mudam as estratégias empresariais, que cada vez mais recorrem à automação.
Nos estudos foi verificado que a rápida disseminação dessa segunda força pode eliminar 20%
a 25% dos empregos atuais e reduzir salários. Os benefícios da automação beneficiariam
provavelmente apenas 20% dos trabalhadores, ou seja, os bem qualificados, e os donos do
capital. Dessa forma, a automação ampliaria ainda mais a desigualdade, a terceira força
apontada pelos estudos.
Com o crescimento da automação e nova relação do homem com a máquina,
modificações nos postos de trabalho, conflitos intergeracionais e aumento das desigualdades,
as diretrizes das empresas e dos governos precisam ser repensadas para adoção de posturas
que amparem os seres humanos, o meio ambiente e a economia em posição de equilíbrio, de
forma inclusiva e sustentável. Para isso, um diagnóstico bem estruturado e fundamentado
sobre a Quarta Revolução Industrial no que diz respeito aos seus impactos sobre dimensões
econômica, social e ambiental é fundamental para que tais ações sejam assertivas.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
SEMIOSES: Inovação, Desenvolvimento e Sustentabilidade | Rio de Janeiro | ISSN 1981-996X | v. 13. | n. 3. | jul./set. 2019 84
às pessoas por meio de fintechs e blockchain. Por fim, com relação à dimensão ambiental, foi
observada a importância de diretrizes e políticas públicas e privadas que, associadas às novas
tecnologias, acelerem as mudanças dos hábitos de consumo e do uso dos recursos naturais
para padrões sustentáveis.
Portanto, esse artigo apresentou uma reflexão breve sobre a possibilidade da quarta
revolução ser socialmente inclusiva, ambientalmente responsável, e próspera
economicamente. Com a convergência estruturada e do engajamento entre governos,
organizações globais (como ONU, Fórum Econômico Mundial, Banco Mundial e OCDE), grupos
empresariais e a população, parece ser possível que os direcionadores para o
desenvolvimento, decorrentes da Industria 4.0 proporcionem um ciclo positivo de inclusão e
prosperidade, de tal forma que o potencial positivo desta revolução predomine. No entanto,
na ausência da união e confluência de esforços mencionados, existe significativo risco de que
os aspectos negativos levem a uma profunda desigualdade e conflitos que ameacem a
estabilidade e desenvolvimento da humanidade.
REFERÊNCIAS
SEMIOSES: Inovação, Desenvolvimento e Sustentabilidade | Rio de Janeiro | ISSN 1981-996X | v. 13. | n. 3. | jul./set. 2019 85
KNUTSON, C. Designing sustainability into your engineering career. 2016. Engineering
Management Institute. Disponível em:
<https://engineeringmanagementinstitute.org/designing-sustainability-engineering/>.
Acesso em: 08 jul. 2019.
MARTINE; G.; ALVES, J. E. D. Economia, sociedade e meio ambiente no Século XXI: tripé ou
trilema da sustentabilidade? 2015. Revista Brasileira de Estudos de População, Rio de Janeiro,
v. 32. n. 3, p. 433-460, 2015.
MEIRA, S. Gente, Digital: a grande transformação digital e seus impactos para as pessoas, nos
negócios. MuchMore Digital. 2017.
MORIN, E. Os sete saberes necessários à educação do futuro. Lisboa: Horizontes Pedagógicos,
p. 74-75, 2017.
ONU. Organização das Nações Unidades. A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável.
New York. 2015. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030/>. Acesso
em: 25 jun. 2019.
POCHMANN, M. Economia global e a nova Divisão Internacional do Trabalho. IE/Unicamp,
Campinas, 2010.
SACHS, I.; STROH, P. Y. (Org). Caminhos para o desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro:
Garamond, 2002.
SCHWAB, K. The Fourth Industrial Revolution. 1. ed. New York: Crown Business. 2017.
SINGER, P. O meio ambiente. In: _______. Ética prática. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes.
2005.
SEMIOSES: Inovação, Desenvolvimento e Sustentabilidade | Rio de Janeiro | ISSN 1981-996X | v. 13. | n. 3. | jul./set. 2019 86