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BARBOSA, M. C. S.; FARIA, A. LUCIA GOULART DE; MELLO, SUELY AMARAL.

DOCUMENTAÇÃO
PEDAGÓGICA: TEORIA E PRÁTICA. SÃO CARLOS, SP: PEDRO & JOÃO EDITORES, 2017.

O conceito de documentação pedagógica emerge em nosso cenário especialmente a partir da


divulgação da experiência italiana para a Educação Infantil, notadamente aquela desenvolvida
na cidade de Reggio Emilia, coordenada pelo pedagogo Loris Malaguzzi. Tem como foco a ideia
de sistematização de percursos, elaboração da experiência e comunicação. Relatos de
situações, fotografias, produções das crianças constituem material para a documentação, que
implica seleção, organização e elaboração de registros. Destaque para a existência de
diferentes modalidades de documentação, a depender de objetos, objetivos e destinatários: a
documentação pode incidir mais diretamente sobre a criança em seu processo de
pensamento, ou sobre o projeto pedagógico da escola; pode-se documentar para as crianças
(e com elas), para as famílias, ou para os próprios professores (BRESCI et al, 2007).

Em síntese: o registro que o educador faz sobre o seu trabalho pode ser um instrumento da
documentação, entendida como um processo mais amplo de sistematização e construção de
memória sobre o trabalho pedagógico, sobre o processo de desenvolvimento da criança, sobre
a trajetória de um grupo ou de uma escola. A documentação pode estar a serviço do educador
(na reflexão sobre a prática, na avaliação do processo de aprendizagem das crianças, no
planejamento, contribuindo para seu processo de formação e desenvolvimento profissional e
melhoria da ação), das crianças (quando elaboram seu portfólio de aprendizagem,
selecionando produções, imagens, textos que irão compor o documento, construindo, junto
com o educador, a memória de seu percurso de formação), e dos pais (como instrumento de
acesso ao trabalho pedagógico desenvolvido pela escola e à trajetória da criança naquele
grupo).

À luz da bibliografa italiana, a documentação enquanto área de conhecimento pode ser


entendida como uma atividade de elaboração, comunicação, pesquisa e difusão de
documentos (BISOGNO, 1980). A documentação implica as ações de organização e circulação
de informações (BIONDI, 1998), com vistas à socialização de saberes (DI PASQUALE, 2001).
Pasquale (2002) caracteriza a documentação como recuperação, escuta e reelaboração da
experiência por meio da narração de um percurso e da explicitação de pressupostos das
escolhas realizadas.

A documentação pode ser considerada práxis reflexiva sobre o projeto e sobre a vivência,
processo ligado à programação e à avaliação, à experiência, mas dotado de especificidades: a
documentação não é o projeto, nem a experiência; é algo além, a elaboração da experiência
que faz emergir o sentido do vivido, o conhecimento do processo e o referencial teórico-
metodológico da ação. Documentação não apenas como narração, mas como explicitação de
conceitos-chave, escolhas metodológicas, em síntese, um processo de reflexão sobre a prática
e de formação contínua.

Não apenas os educadores produzem documentação, mas também as crianças o fazem como
forma de construir memória de suas experiências e apropriar-se de seu processo de
aprendizagem. A documentação produzida pelo corpo docente, por sua vez, pode ser
endereçada às famílias (como forma de conferir publicidade e visibilidade ao trabalho
pedagógico), a outros educadores, ou à própria equipe, enquanto instrumento de
planejamento e avaliação da ação.
Temos, portanto, neste livro, uma polifonia de vozes que não apenas são investigativas em
seus modos de compreender as crianças, a pedagogia e a escola, como também são muito
propositivas. Este é um livro com caráter de iniciação a um mundo da pedagogia que muito
nos orgulha, pois trata, com muito respeito, da escolha profissional que fizemos e nos convida
a seguir trabalhando, investigando nossa atividade profissional, uma profissão ainda nova e
pouco valorizada no mundo da educação. O texto fala de uma pedagogia do dia a dia, que se
constrói a partir das ações e das práticas cotidianas, do seu registro, da análise e da reflexão
que se faz a partir deste cotidiano que transborda vitalidade, alegria e memória.

Uma outra pedagogia, uma pedagogia que cria vida, onde teoria e prática não se separam,
assim como o saber e a experiência, o pensar e o fazer, o viver e o narrar. Esperamos que
gostem tanto dele quanto nós e que suas indicações possam contribuir para a constituição de
pedagogias democráticas, participativas e contextualizadas. Além disto, cremos que o livro
também toca em duas importantes temáticas educativas, uma delas é da formação continuada
dos professores e professoras. É certo que na formação inicial de professores/as sempre ficam
lacunas, aprender junto aos colegas, organizar grupos de estudos, fazer pesquisa na escola é o
modo mais adequado de construir novas pedagogias.

As universidades, centros de pesquisa, secretarias de educação são pontos de apoio, mas sem
professores/as desejosos/as de aprender, de investigar, de criar novas abordagens educativas
não há como transformar hábitos de pensamento e ação, tão arraigados na escola, que
incidem na exclusão das crianças (dentro ou fora da escola) ou na sua medicalização e na
transformação da docência numa profissão da repetição, da cópia, do fazer sempre o mesmo e
não da invenção e da criação.

E a segunda questão é a da abordagem da didática.

O século vinte construiu uma didática sequencial, linear, onde cada um dos elementos tem seu
lugar na estrutura da organização do trabalho pedagógico. Começamos qualquer trabalho
pedagógico com o planejamento estabelecendo objetivos, definindo os conteúdos, estratégias,
avaliando o produto final, na década de 70, foi introduzido o feedback para mostrar certo
movimento de retorno. Retornamos para começar na mesma ordem. Há uma sequência e
independência entre os elementos que compõe a didática assim como o poder do
planejamento e da decisão está centrada, especificamente, no/a docente.

A documentação pedagógica cumpre o papel de uma outra forma de organização do trabalho


pedagógico.

Menos formal, não linear, mais interativa. A Documentação Pedagógica não é apenas uma
“novidade” na pedagogia. Ela pode ser incluída no longo percurso histórico das pedagogias
progressistas constituindo uma ruptura no modo como se realiza a didática hegemônica. A
documentação pedagógica é um processo que inclui: e vários atores e não apenas o/a
professor/a no processo de reflexão, planejamento e decisão sobre os rumos educativo,
portanto incita a mudança em algumas regras relativas aos lugares do poder ao propor o
diálogo com as famílias e a comunidade; e Inclui a permanente escuta, observação, registro e
compartilhamento do acontecido exigindo, permanente, a reflexão participativa; e o valor
dado aos processos é tão grande quanto aquele destinado ao produto final. Se é que o
produto final será, efetivamente, avaliado como tal; e o processo a ser realizado é
continuamente planejado, executado e replanejado de acordo com sua significância. As
trajetórias podem mudar e a singularidade de cada um tem lugar num processo coletivo; e o
sentido das ações realizadas na escola é fundamental; todas as aprendizagens precisam ser
contextualizadas e significativas; e Há um compromisso social, histórico e singular com a
seleção do trabalho pedagógico, o tempo das crianças e dos/as professores/as tem muito valor
e os processos pedagógicos formam as crianças como sujeitos e estudantes bem como os
professores e as professoras como sujeitos e profissionais; e a experiência educacional
constrói história pessoal e social, memória e possibilita a escolha de percursos de vida
individual e em comum.

Constituir no campo da didática uma virada, que desloque o eixo por onde se constitui toda a
pedagogia escolar parece ser um grande desafio para o qual nos aponta a Documentação
Pedagógica. Um convite. Um convite para repensar aprendizagem, pratica docente, função
social da escola e muitos outros temas que fazem parte de nosso dia a dia educacional.

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