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Achille Mbembe - Políticas Da Inimizade-N-1 Edições (2020)
Achille Mbembe - Políticas Da Inimizade-N-1 Edições (2020)
POLITI IZ A D E
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A reprodução
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ntato com os edit
ores.
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AMBASSADE
DE FRANCE
de Apoio à Public
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Affaires Etrangêre
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1ª ediç ão \ Novembr
o, 20 20
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POLITICAS
DA I N I M I Z A D E
Achille M b e m b e
. ~o Nascimento
tradução Seb astia
Rara F.al:>1~tf Éboussi Boulaga,
rrean-Fran~ê
rrean-Fran~Õis Baya~{l 'r eter L. Geschiere
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-,;·--,i~i~; .
Introdução
11 O rascunho do mundo
Capítulo 1
25 A saída da democracia
Reviramento, inversão e aceleração
O corpo noturno da democracia
Mitológicas
A consumação do divino
Necropolítica e relação sem desejo
Capítulo 2
75 A s_o ciedade da inimizade
O objeto perturbador
O inimigo, esse Outro que eu sou
Os condenados da fé
'
Estado de insegurança
Nanorracismo e narcoterapia
Capítulo 3
111 A farmácia de Fanon
O princípio da destruição
Sociedade de objetos e metafísica da destruição
Medos racistas
Descolonização radical e um festival da imaginação
A relação de cuidado
O duplo espantoso
A vida em seu fim
c a p ít ulo 4
Este meio-d
ia abrasado
r
Impasses do h
un1anis m o
o O u tr o do ser h
u m a n o e as g
o n1undo zero e n e a lo g ia s d o
ob)eto
Anti1nuseu
Autofagia
Capitalismo e
a n im is m o
E m a n c ip a ç ã o
d o s vivos
C o n clu s ã o
205 A ética do p
assante
o RASCUNHO DO MUNDO
Segurar na mão un1 livro não basta para saber tirar proveito dele.
De início, desejáva1nos escrever um que de modo nenhum esti-
vesse envolto e1n mistério . No fim das contas, chegamo s a um
breve ensaio feito de sombrea mentos esboçados, de capítulos pa-
ralelos, de traços mais ou menos descontí nuos, de pinceladas, de
gestos vívidos e súbitos, quando não de sutis movime ntos de re-
cuo seguidos de bruscas reviravoltas.
É verdade que o tema, áspero, em nada se prestava ao som do
violino. Bastaria, pois, sugerir a presença de um osso, de uma ca-
veira ou de um esquelet o no corpo do elemento . Esse osso, essa
caveira e esse esquelet o têm nomes: o repovoa mento da Terra,
o abandon o da democra cia, a sociedad e da inimizad e, a relação
sem desejo, a voz do sangue, o terror e o antiterro r enquant o re-
médio e veneno da nossa era (capítulo s 1 e 2). O melhor meio de
se chegar a esses diferente s esquelet os foi engendr ar uma farma
que não fosse frouxa, mas rija e carregad a de energia. Seja como
for, eis aqui um texto sobre cuja superfíci e o leitor pode deslizar
livremente, sem nenhum controle de documen tos nem visto de
entrada. Pode nele permane cer pelo tempo que quiser, movimen -
tar-se à vontade, entrar e sair a qualquer moment o, por qualquer
porta. Pode seguir em qualque r direção, mantend o em relação a
cada um de seus termos e a cada uma de suas afirmações o mesmo
distancia mento crítico e, se necessár io, uma pitada de ceticismo.
11
aparentemente inocuos do dia a dia, por causa de uma insignifi-
99
INIMIZADE
A SOCIEDAN DA
na America, na Africa do Sul
converter a Europa quanto no Brasil,
a.
ao mesmo
l17 do dia,
indiferente à diferenca:
arcialidade do Estado laico republicano
parc céu aberto que no
aue invoca a torto
ea direito essa putrefação a
mas que se insiste em chamar, na
nenhuma ereçao,
provoca mais
de "direitos do homeme do cidadão".
bom senso,
contramao do respiração, em
t o r n a d cultura e
é o racismo
O nanorracismo e veias da
se infiltrar nos poros
banalidade e capacidade de
sua
embrutecimento generalizado, de
neste momento de
sociedade, em m a s s a . Ogrande
mecânica e de enfeitiçamento
descerebração
saturnais, quando os djinns de hoje,
visceral, é o medo das
temor, mesmos de outrora,
convencer de s e r e m OS
que bem
nos poderiam os árabes,
fendidos, ou seja, os negros,
esses dejetos de cascos
de ser, os judeus
como não poderia deixar
Os muçulmanos e , num
senhores e
transformarão a nação
, tomarão o lugar dos
de imigrantes, gue
, a1dejas de refugiados, aldeias de inserção
a lista não par, o
bser
tos,selvas, albergues, casas do imigrante,
101
A SOCIEDADE DA INIMIZADE
Essa lista inter.
Michel Agier
num
estudo
recente.35
minável
vou Se faz constanteme ente pre-
uma
realidade que
sempre a
remete
grande medida intris
de, com frequencia,
ser em
sível,
sente, apesar analise, banal. Deveriam.
em ultima mos
familiar e,
nara não dizer estutra
nao so se
t o r n o u uma parte rante
reconhecer que o campo
escandalizar. Mais ainda
Ele deixou de
da condição global.
Ele e o noSSO futuro, a nocoo
só é o nosso presente.
campo não
"manter afastado o que perturba,
para conter on re
solução para
humanos, materia orgânica ou re-
jeitar aquilo que, quer sejam
em suma, uma das formas de
síduo industrial, for excessivo",*
governar o mundo.
tapés, cada vez mais brutais uns que os outros, à base tam-
bém de mimetismo, o laicismo e seu inverso especular, o funda-
mentalismo, tudo isso num perfeito cinismo, pois, justamente,
tendo todos os epítetos perdido seus nomes próprios, já não
resta nome algum
para nomear o escândalo, nem linguagem
para enunciar o imundo, pois quase nada mais se mantém de
pe, exceto o ranho que flui das narinas, viscoso e purulento, em*
bora já no haja necessidade de espirrar, nem de apelo ao b o
senso, à boa e velha república, com seu
belo dorso arqueado
derrocado, nem de apelo ao bom e velho
nem de
humanismo froUxO,
apelo a um certo feminismo
aloprado, aos Ol do
102
POLITICAS DA INIMIZADE
igualdade agora ma com o dever-de-fazer-a-
Zer-a-jovem-muçul-
mana-de-v restir-calcinha-fio-dental-totalmente-depilada.3
Como
na época colonial, a
interpretação depreciativa da
aO uegro ou o årabe muçulmano trata "suas mulhe-
forma como
A SOCIEDADE DA
INIMIZADE 103
racismo a serviço de qualquer
variedade
histórias mais ou
de históri
o
menos assassinas
-
história
de es- rias
absurdas e mais ou
menos
em cuja cara as portas de
e de hordas de migrantes
trangeiros
deve ser erguido às nreda
do arame farpado que Ssas,
ser fechadas,
sermos varridos pela
mare de selvagens; stórias
sob pena de com0 se alguma vez s
ser restauradas,
de fronteiras que devem
histórias de nacionais, inclhuind.
vessem chegado a desaparecer;
muito antigas, aos quais se deve sempre
os oriundos de colônias
de intrusos que devem ser caca-
atribuir o epíteto de imigrantes,
ser erradicados, de terroristas que se
dos, de inimigos que devem
de vida que devem
de nós por causa do nosso modo
e
ressentem
altitudes por dispositivos de
ser aniquilados a partir de grandes
humanos convertidos em
voo teleguiado; histórias de escudos
vítimas colaterais dos nossos bombardeios; histórias de sangue,
de degolas, de terra, de pátria, de tradições, de identidade, de
pseudocivilizações sitiadas por hordas bárbaras, de segurança na-
cional; uma variedade de histórias pontuadas por epitetos, esgar-
para espalhar fuligem; histórias
çadas; histórias para se assustar e
intermináveis que são constantemente recicladas na esperança
de enganar os mais crédulos.
E verdade que, tendo fomentado longinquamente a misériae
o decesso, longe do olhar de seus cidadãos, as nações ocidentais
temem agora o retorno da espada, em um desses atos de vingança
piedosa exigidos pela lei do talião. Para se precaverem contra es
sas pulsões vingativas, elas se utilizam do racismo como se fosse
uma cimitarra, suplemento venenoso de um nacionalismo em
frangalhos, reduzido aos seus últimos farrapos, num momento
desnacionalização dos verdadeiros centros decisórios, de offsno
ring das riquezas, de encravamento dos
poderes reais, de mass f-
cação do endividamento e de
zoneamento de territórios pop
e
lações inteiros, subitamente tornados
supérfluos.
m
c o n s u m o
da ;mesma categoria que outroS bens, objetos e mer
da
de
cadorias. Nestes tempos de indecencia, ele é também o recurso
ual simplesmente inexiste a "sociedade do espetáculo"
descreveu. m muitos casos, ele
que Guy
Debord adquiriu um
status suntuário. Passou a ser algo que nos permitimos não por
a greve geral,
abrindo-se espaço para a brutalidade e a sensuali-
dade. Nesta época dominada pela paixão pelo lucro, essa combi-
e sensualidade favorece o processo
nacão de luxúria, brutalidade
de assimilação do racismo pela "sociedade do espetáculo" e sua
consumo contemporâneo.
molecularização pelos dispositivos do
consciência disso. Depois
Ele é praticado sem que se tenha
nos chama a atenção ou nos
fhcamos surpresos quando O outro
adverte. Ele alimenta nossa necessidade de diversão e nos per-
o
ra divertiao e
105
A SOCIEDADE DA INIMIZADE
não nerta
retorno a
uma epoca
em que O racismo
rtencia as
violento
vergonhosas"
de nossas sociedades, aquelas que, se não
s sociedad
"parcelas nos e s t o r ç a v a m o s por
escon
onder.
ao m e n o s
erradicávamos,
serå doravante a nossa
ro
as
racismo
destemido e galhardo upageme,
tornará
sOCiedade se
rebelião surda contra a cada
por causa
dela, a
menos por parte dos rechie
lusos.
vez mais
aberta e veemente, pelo
se m a n t e m
viva. Quem é daqui e
quem
A questão da pertença
aqueles
terra e aquelas que não da
fazem em nossa
não é? O que
Como nos livramos
deles? Mas o que significa
veriam estar aqui?
dos mundos, mas também
do entrelaçamento
"aqui" "lá" na era
e
de fato é uma
rebalcanização? Se o desejo de apartheid
de sua
a Europa real, por sua vez,
das características do nosso tempo,
Nunca mais
nunca mais será como era antes, ou seja, unicolor.
um único centro do mundo.
existirá, se é que alguma vez existiu,
no plural. Será vi-
De agora em diante, o mundo será conjugado
vido no não há absolutamente nada que possa ser feito
plural e
para reverter essa nova condição, que é tão irreversivel quanto
que
a metafísica ocidental por muito tempo nutriu, po
sessão
la alestão do ser e Sua suposta verdade e, por outro.
um
nia da
da vic
vida. De acordo com esse mito, a história seria
ontologia
ela
da essência do ser. Na terminologia heideggeriana.
realização
ente. o O i d e n t e seria o lugar decisivo do
ser
ce
s e
contrapõe ao
contra
0
teria sido o unico a desenvolver essa capacidade de
ser, posto que da condição de ente
O resto não passaria
recomeço.
vivenciar o
desenvolvido essa capacidade de viven-
O Ocidente teria
Ap seria o lugar deciSiVo do ser. Seria isso que
se trata aqui
não é
versal. O universal
de que
ser humano en-
do seria válido
que para qualquer
0 equivalente horizonte ou
meu próprio
sinónimo de ampliar
quanto tal. Nem é finitude. O
universal,
da minha própria
de assumir as condições
vencedores de guerras
dado à violência dos
nesse cas0, é o n o m e confiitos
predação. Mas esses
conflitos de
que são naturalmente onto-históricos,
conflitos
e sobretudo
ae predação são também verdade fatidica.
história c o m uma
pOls neles se desenrola uma
ou da
do aniquilamento
Levada aos seus limites, a fantasia
mastambemou
d c a o não visa apenas a explosão do planeta, aO
extinção. Não
se trata Ap
paccimento do ser humano. sua
em
rta
Cia
o Apocalipse,
seja porque
tal, nem que uma teste
uanto sobrevivente,
a existência de um
de uma
PCSupoe Trata-se
presenciou.
munha cuja tarefa seria contar o que
107
A SOCIEDADE DA
INIMI.AL
concebida
não como uma
catástrofe ser ten
catástrofe aa ser
temida, mas
aniquilação
pelo fogo.
Mas a rificação equivale ao0
purificação equiunl
purificação
como
uma
da
humanidade
atual, o que supostamente ah.
abrirá
aniquilamento
começo de uma outra
outra histó-
outro começo,
para o
caminho para
Portanto, uma
fantasia de ablac p.
humanidade atual.
ria sem a vivemOs, Os indícios de
momento ansiogeno que
Neste
ontológica estão aí. Em decorwrén-
temas da diferença
retorno aos
contra o terror"
e a reboque dos bombardeios aé.
cia da "guerra com o auxilio
execuções extrajudiciais
(de preferência,
reos, das
dos atentados e de outras formas de
de drones), dos
massacres,
ideia de que o Ocidente é
ditam sua cadència, a
carnificina que
compreender e de
a
do mundo capaz de sequer
única província
volta a A cisão da humanidade em
surgir.
instituir o universal
adiantada. Se, com Schmitt ou
nativos e forasteiros está muito
fundamental no passado era encontrar o
Heidegger, requisito
o
basta criá-lo para em seguida se
inimigo e trazê-lo à luz, hoje
de aniquilamento
contrapora ele, oferecendo-lhe perspectiva
a
droits de l'homme",
Dits etderits, V.+
gouvernements, les mos
Paris: Gallimard, x do homem em face dos goverm
1994. F : "Os direitos Pessoa. Rio
de Janeiro
Repersar a
política. Ditos e escritos 6, trad. de Ana Lúcia Paranhos