Você está na página 1de 44

13/09/2022 23:23 Liberalimos de Rawls x comunitarismo: há condições para implantação dos ideais comunitaristas-liberais no Brasil? - Jus.

co…

Este texto foi publicado no Jus no endereço


https://jus.com.br/artigos/64770

Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Liberalismo de Rawls x comunitarismo


Diferenças, compatibilidades e condições para implantação dos
ideais comunitaristas-liberais no Brasil

Liberalismo de Rawls x comunitarismo: Diferenças, compatibilidades e


condições para implantação dos ideais comunitaristas-liberais no Brasil

Eduardo Pereira Nogueira da Gama

Publicado em 03/2018. Elaborado em 03/2018.

Reflexões sobre as principais teorias comunitaristas – que


ressaltam a importância dos laços comunitários para o
exercício dos direitos humanos – em comparação com a teoria
de justiça de Rawls. Estaria o Brasil preparado para abraçar
essas ideias?

1. CONTEXTO HISTÓRICO DE SURGIMENTO[1]

Nas últimas três décadas do século XX, ganhou nova força no mundo o
“liberalismo individualista”[2], na filosofia política, na cultura social e na prática
política de vários povos do mundo, o que acabou provocando um isolamento
excessivo das pessoas em suas sociedades “estatais”. Esse “liberalismo renovado”,
por sua vez, está relacionado com vários fatores: a) a “falência” do modelo de
Estado conhecido como “Welfare State”, que gerou em inúmeros regimes
capitalistas um Estado paternalista, agigantado e deficitário, por ter assumido
inúmeras responsabilidades na satisfação dos interesses e necessidades sociais,
muitas vezes além de suas capacidades; b) a derrocada dos regimes socialistas do
leste europeu, o que fez com que os ideais “individualistas”, associados ao “bloco
capitalista”, passassem a ser mais valorizados, em detrimento dos ideais
integracionistas, associados geralmente ao extinto “bloco comunista”; c) a
intensificação da interdependência entre mercados e do intercâmbio entre
culturas, com o desenvolvimento de redes mundiais de comunicação em tempo
real; a globalização financeira e comercial, informacional e cultural, por sua vez,
leva a uma discussão permanente entre o universal/geral e o regional/particular.

https://jus.com.br/imprimir/64770/liberalismo-de-rawls-x-comunitarismo 1/44
13/09/2022 23:23 Liberalimos de Rawls x comunitarismo: há condições para implantação dos ideais comunitaristas-liberais no Brasil? - Jus.co…

[3] d) a perda de legitimidade das democracias de base representativa/partidária,


com a alienação dos indivíduos da esfera política e consequente hipertrofia da
esfera privada e romântica, enquanto a esfera política é apropriada por grupos de
interesses e elites oligárquicas. [4]

Como reação às distorções sociais provocadas pelo “liberalismo individualista”,


desenvolveu-se, nos Estados Unidos da América, a partir de 1980, o movimento
filosófico-político comunitarista, de caráter teórico-prático, com inúmeras
vertentes doutrinárias[5] e os seguintes postulados básicos: a) a importância dos
valores morais e de laços comunitários, no próprio desenvolvimento da autonomia
dos indivíduos e na busca da justiça social; a questão se explica por as pessoas
dificilmente desenvolverem as capacidades de raciocínio moral e prático,
isoladamente umas das outras; b) o princípio de que a defesa de direitos
individuais deve levar em conta não só os seus custos, mas também as
responsabilidades sociais necessárias/complementares para o respeito desses
direitos;[6] c) a orientação de que as políticas públicas governamentais devem dar
mais atenção às várias instituições e grupos civis (comunidades) que integram o
Estado, e que são diferentes do Mercado e do próprio Governo; d) a recomendação
de que deve haver um estímulo ao desenvolvimento de virtudes cívicas necessárias
entre pessoas e comunidades, promovendo-se uma maior distribuição das
atividades de interesse social e a redução dos processos de atomização
(isolamento) dos indivíduos.

É sobre esse movimento - o comunitarismo - que versa o presente trabalho, o qual


tem como objetivo ressaltar algumas de suas discussões básicas que têm
possibilitado o aprimoramento da doutrina dos direitos fundamentais.

Também procuraremos fazer uma correlação entre o pensamento comunitarista e


a obra de John Ralws, pois foi a partir das discussões retomadas com a publicação
de sua “Teoria da Justiça”, em 1971, que o movimento filosófico-político estudado
se desenvolveu[7]. Discutiremos, por fim, algumas compatibilidades e diferenças
de abordagem entre o pensamento rawlsiano e o pensamento comunitarista, tendo
em vista uma contribuição para a teoria dos direitos fundamentais.

2. O LIBERALISMO COMUNITARISTA

    Thomas Spragens, saindo em defesa de uma visão comunitarista inserida no


legado liberal, observa que liberalismo e comunitarismo não são necessariamente
teorias incompatíveis.[8] Considerado como corrente “contrária” ao liberalismo, o
comunitarismo seria como que herdeiro da tradição cívica do partido republicano
inglês do séc. XVIII, que fazia oposição aos adeptos de uma sociedade liberal
fundada exclusivamente nos mercados e na proteção dos interesses (e direitos)
individuais. [9]

https://jus.com.br/imprimir/64770/liberalismo-de-rawls-x-comunitarismo 2/44
13/09/2022 23:23 Liberalimos de Rawls x comunitarismo: há condições para implantação dos ideais comunitaristas-liberais no Brasil? - Jus.co…

Segundo o Professor, todavia, o ideal comunitarista que defende apenas considera


insuficiente (parcialmente correta, portanto) a visão da sociedade como somatório
de indivíduos na defesa de interesses privados, pois a sociedade abrange inúmeras
esferas de relacionamento, além das inter-individuais, e muitos dos interesses
individuais dependem sobretudo da consecução dos interesses mais importantes
para a sociedade. É fato que os comunitaristas dão ênfase à promoção social de
virtudes cívicas, bem como à criação de um rol de responsabilidades sociais
correlatas aos direitos de cidadania. Mas isso não quer dizer que essas suas
bandeiras sejam incompatíveis com a defesa dos interesses das pessoas e/ou dos
indivíduos.[10]

A visão comunitarista está fundamentada na visão de que uma sociedade bem


organizada abrange inúmeros círculos (ou redes) de ação formados pelas pessoas,
os quais têm maior ou menor abrangência, podendo ser integrados (ou não) a
entidades coletivas/comunitárias. O fato de que os indivíduos podem desenvolver
diferentes capacidades, além daquela de autocontrole, demonstra que eles
também podem desenvolver as qualidades necessárias para a cooperação e o
autogoverno. Para os comunitaristas, toda sociedade deve ser pelo menos em
parte o produto de condutas dirigidas à esfera pública.[11]

Objetivando fazer algumas correções sobre as ditas “visões estanques” do


comunitarismo e do liberalismo, Spragens faz uma retrospectiva dos primórdios
do liberalismo ocidental moderno, nos sécs. XVII, XVIII e XIX. Começa
lembrando que no surgimento histórico do liberalismo, o conceito de liberdade era
de importância central (mas não única) pelo fato de o movimento ter sido
resultante da rejeição histórica à opressão do pensamento, da expressão, das
atividades econômicas e religiosas.[12] A liberdades, como por exemplo a de
comércio e a de religião, estavam intimamente ligadas à idéia de dignidade
humana, além de serem consideradas como instrumentais para outros objetivos
importantes, como maior igualdade, prosperidade, estabilidade social e harmonia
cívica.

A liberdade, portanto, não representava o único valor do liberalismo, constituindo,


porém, o foco de uma estratégia liberal que abarcava um rol complexo de
aspirações, como igualdade política, amizade cívica e desenvolvimento individual.
Saindo do campo normativo, observa-se que no campo filosófico o liberalismo
também se apresentava de forma complexa, inspirando-se na ciência natural
moderna e relacionando-se com idéias racionalistas e empiricistas.[13]   

Ressalta Spragens que, nesse contexto histórico, os liberais originais estavam


implicitamente vinculados aos conceitos morais e filosóficos herdados da tradição
clássica (grega). Tais pensadores eram moralmente mais tradicionais do que se
imagina.[14] Refere-se o professor a Locke, Condorcet e Mill.

https://jus.com.br/imprimir/64770/liberalismo-de-rawls-x-comunitarismo 3/44
13/09/2022 23:23 Liberalimos de Rawls x comunitarismo: há condições para implantação dos ideais comunitaristas-liberais no Brasil? - Jus.co…

A obra de Locke é contemporânea à segunda revolução inglesa (1689), que aboliu


definitivamente o regime de direito divino e instaurou uma monarquia
constitucional na Inglaterra. Para o pensador, que era contrário ao “contrato de
submissão” proposto por Hobbes, o conhecimento humano está ligado ao
empirismo, e a motivação humana inclui valores hedonistas, mas nem por isso a
sua base ideológica era positivista ou materialista. Ele acreditava em Deus, tendo
escrito tratados morais e religiosos; acreditava também nas leis da natureza;
defendia que a educação deveria ser dirigida para o cultivo da virtude.

 Se por um lado essa era uma concepção um pouco burguesa da virtude, nem por
isso era uma celebração de um autointeresse isolado. Seu individualismo político e
econômico era limitado por outros valores e obrigações: assim, por exemplo, os
direitos de propriedade privada estavam vinculados ao esforço (trabalho)
humano; as nossas próprias vidas, sendo propriedade de Deus, não poderiam ser
tiradas nem por nós mesmos; devemos administrar nossas vidas de forma
responsável. [15]

Assim, para Locke, os direitos individuais eram complementados de obrigações


morais, por meio de um compromisso com o bem comum que constituía o
propósito das sociedades. Tratava-se de um teórico procurando um equilíbrio
entre contrato e consenso, entre Direito Natural e direitos naturais; um misto de
liberdade, igualdade legal e moral (não social ou econômica), cooperação social e
promoção da virtude.[16]

Escrevendo um século ou mais adiante, Condorcet e John Stuart Mill também


exibiram uma concepção tradicional de sociedade, ligada a noções sobre as
virtudes humanas, apesar de tanto o primeiro (anticlérico) quanto o segundo
(agnóstico) não ligarem tais noções a quaisquer crenças teológicas. Para eles a
sociedade liberal se justificava por permitir o desenvolvimento moral das
pessoas/cidadãos, evitando-se que os cidadãos exigissem para si mais do que a sua
parte devida (sendo esse excesso chamado pelos gregos de “pleonexia”). O
controle racional sobre as paixões era fundamental para a conduta moral; as
virtudes abrangiam a benevolência, a capacidade de compartilhar dos sentimentos
de outros (compaixão, ou “sympathy”); o compromisso com a verdade. Aliás, esta
última era vista como uma obrigação moral, parte do florescimento humano e
característica de boas sociedades. Tais pensadores podem ter se afastado do veio
principal clássico (a tradição de civilidade), em face de seu secularismo e de seu
otimismo exacerbado sobre a capacidade da ilustração (o conhecimento) de gerar
virtudes. Mas eles sem dúvida estavam inseridos naquela tradição moral, não
eram céticos e nem relativistas morais.[17]

Apartando-se um pouco da tradição moral clássica, tanto Condorcet quanto Mill


passariam a defender um complexo conjunto de bens humanos autenticamente
“liberal”, por estarem centrados na autodeterminação política, civil e econômica.
Todavia, a expansão das liberdades civis e a maximização da igualdade política
eram valorizadas não só como bens em si mesmas, mas como causas eficazes da

https://jus.com.br/imprimir/64770/liberalismo-de-rawls-x-comunitarismo 4/44
13/09/2022 23:23 Liberalimos de Rawls x comunitarismo: há condições para implantação dos ideais comunitaristas-liberais no Brasil? - Jus.co…

criação de outros bens humanos. Dentre estes, podemos citar a criação de uma
união social contra opressões; o aumento da igualdade social, da prosperidade, da
estabilidade e da amizade cívica; o desenvolvimento moral, a solidariedade social e
o senso comunitário. Lembra o Professor Spragens que esse “otimismo” (em
relação ao poder transformador da liberdade e da igualdade), se por um lado era
um pouco exagerado, por outro, estava fundado na convicção de que todos esses
“bens humanos” eram mutuamente causativos.[18]

Essa “fundamentação moral” da sociedade, conforme idealizada pelos pensadores


liberais citados, veio, todavia, a sofrer uma erosão considerável na filosofia, nas
ciências e na cultura, a partir de fins do séc. XIX. O darwinismo pôs em crise o
sentido de natureza fixa que em Hume gerara a noção de uma moralidade
universal (e que viria a influenciar Kant[19]); o relativismo e o historicismo
levaram ao abandono da crença em uma ordem natural e em direitos naturais que
inspirara o liberalismo de Jefferson e Paine; o positivismo e o emotivismo
questionaram a importância cognitiva de todos os postulados morais; o
existencialismo, em sua forma mais radical, propôs que a escolha de um plano de
vida é um ato de vontade totalmente ilimitado. Por fim, o pós-modernismo trouxe
a idéia de que todas as normas sociais são politicamente construídas, arbitrárias e
contingentes (incertas, casuais).  [20]   

O liberalismo contemporâneo estaria situado em um contexto cultural diferente


daquele que nutriu e limitou o liberalismo original,[21] sendo mais secular, mais
materialista, mais agnóstico[22] com relação à boa vida e à virtude humana, tendo
radicalizado a concepção de individualismo político. De se ver que, a partir de fins
do séc. XIX, se por um lado a maximização da liberdade e da igualdade teria
acabado com as desigualdades políticas, por outro, não teria impedido a
concentração de poder econômico e o consequente distanciamento entre as elites e
os trabalhadores.[23]   

No séc. XX, os liberais, orientados para o discurso dos direitos, passaram a


priorizar a liberdade, sendo chamados de “libertarianistas”, ou a igualdade, sendo
denominados de “igualitarianistas”. Ambas as duas vertentes liberais seriam
individualistas, e tendo diferentes premissas morais, todavia não dariam tanta
importância à questão da virtude e dos objetivos da comunidade. Esta não seria
ignorada, mas vista de forma secundária.[24]

Para os liberais “libertarianistas”, como Robert Nozick, os direitos deveriam ser


assegurados aos indivíduos desde que estes respeitassem os direitos de outros.
Milton Friedman fala da incompatibilidade da teoria liberal com as idéias dos
igualitarianistas, por defender que o liberalismo não é uma ética que abrange tudo
e todos, e que o problema ético deve ser resolvido pelo indivíduo. Para a corrente
libertarianista, a virtude de uma sociedade orientada pelo mercado é a redução do
atrito social por não forçar decisões majoritárias sobre a alocação de bens sociais;
ela daria valor à comunidade pois seu sistema não contribui para a sua desordem e

https://jus.com.br/imprimir/64770/liberalismo-de-rawls-x-comunitarismo 5/44
13/09/2022 23:23 Liberalimos de Rawls x comunitarismo: há condições para implantação dos ideais comunitaristas-liberais no Brasil? - Jus.co…

rebelião. Os mercados seriam formados pelas transações consensuais de


indivíduos agindo em interesse próprio, sendo essa a essência da interação social
legítima.[25]

Já para os liberais igualitarianistas, como por exemplo John Rawls e Bruce


Ackerman[26], todos os direitos válidos seriam limitados por uma “norma
superior da igualdade”. A liberdade é importante na vida humana, e liberdades
específicas são permitidas desde que não comprometam as chances de vida dos
cidadãos desafortunados.[27] O plano de vida de cada um deve ser tão valioso
quanto o de qualquer outro. [28] [29]

Como prestam atenção apenas periférica e/ou secundária à comunidade,


libertarianistas e igualitarianistas acabam desenvolvendo visões inadequadas
sobre o que é necessário para criar comunidades, dentro de políticas que
prejudicam laços comunitários. A igualdade entre os cidadãos seria necessária
para eliminar as barreiras ao desenvolvimento da amizade cívica, mas não seria
suficiente, por si só, para desenvolvê-la. Rawls, por exemplo, em seu conceito de
“união social” presume que as pessoas possam aderir a uma concepção comum de
justiça, e se sacrificar por seus concidadãos mesmo que tenham noções
incompatíveis do bem.[30]

Segundo Thomas Spragens, nenhuma das duas correntes fornece uma noção
convincente da “boa sociedade”, por extraírem um elemento de seu contexto e o
oferecerem como objetivo principal da organização política e das políticas
públicas. Ambas têm partes da verdade, perdendo todavia dimensões de uma
sociedade bem ordenada.[31] As críticas trocadas seriam mais sólidas do que cada
registro ou teoria própria: os libertarianistas não percebem que uma sociedade
fundada exclusivamente no mercado leva a desigualdades profundas, gerando
divisões e tensões sociais e preocupações egoístas; os igualitarianistas, por sua vez,
não percebem que o regime estatista, enquanto motor da igualdade, seria por
demais coercitivo, deletério da excelência e da eficiência e estimulador de outras
formas de hostilidade grupal. O professor questiona como a liberdade, vista como
simples “falta de impedimento” (na herança teórica de Hobbes), pode ser a
finalidade essencial de uma sociedade; além disso, questiona também em que
termos se quer uma sociedade “igualitária”, pois seria preferível ocupar uma
posição inferior (e desigual) em uma sociedade próspera, do que ocupar uma
posição igual a todos em uma sociedade pobre.[32] 

Nessa linha, Spragens defende o comunitarismo como uma tentativa de reforma


do liberalismo, resgatando a complexidade normativa e a profundidade moral que
se perdeu nos últimos séculos, ressaltando que não pretende com isso retornar às
teorias do séc. XVII, pois que elas tinham incoerências e fraquezas, como a de
misturar tradições morais com as novas epistemologias, ontologias e
antropologias de então (lembre-se da “tendência natural” da riqueza de gerar a
distribuição de bens sociais...). O cenário político e filosófico do séc. XX (e do séc.

https://jus.com.br/imprimir/64770/liberalismo-de-rawls-x-comunitarismo 6/44
13/09/2022 23:23 Liberalimos de Rawls x comunitarismo: há condições para implantação dos ideais comunitaristas-liberais no Brasil? - Jus.co…

XXI) é diferente, por apresentar inúmeras formas de pensar convivendo entre si; a
realidade contemporânea abrange capitalismo industrial, globalização,
democracia de massas e pluralismo social. [33]

Quando se refere ao resgate da complexidade normativa do liberalismo original, o


Professor tem em mente os três valores fundamentais da revolução francesa,
liberdade, igualdade e fraternidade.[34] As variantes liberais desenvolvidas no séc.
XX ter-se-iam tornado problemáticas por enfatizarem o primeiro ou o segundo
valor em detrimento do último, visto como “amizade cívica em uma comunidade
florescente”. Este deve ser o objetivo último de uma sociedade liberal, desde que
os outros dois valores também sejam garantidos de forma extensiva a todos os
cidadãos.[35]   

Por sua vez, ao se referir ao “resgate da dimensão moral“ do liberalismo, o


Professor Spragens ressalta que ela se perdeu nas teorias contemporâneas muito
em face de seus exageros, não se podendo privilegiar uma doutrina da perfeição
humana. O Estado liberal deve manter a neutralidade ante as várias doutrinas
morais e religiosas, mas não uma neutralidade absoluta, pois há que se diferenciar
os bons cidadãos dos sociopatas. Algumas virtudes cívicas liberais devem ser
reconhecidas e estimuladas, como o autocontrole, a aceitação da legalidade, o
respeito pelos direitos dos outros, a disposição de se engajar em projetos comuns
(defendidas por Mill), sendo essenciais para viabilidade das democracias liberais e
presentes em bons governos. O desenvolvimento moral seria derivado de uma
cidadania democrática, onde existe um “consenso sobreposto” acerca dos pontos
centrais da vida moral.[36] A busca desse “consenso” não pode ser ignorada ou
pressuposta (a não ser em comunidades homogêneas), sendo essencial para uma
organização social integrada com o seu governo.[37]  Isso não significa adotar uma
doutrina sectária do bem e nem interferir nos planos pessoais de cada um, mas
possibilitar que estes se desenvolvam em um ambiente pluralista.[38]

  O resgate da complexidade normativa e da dimensão moral do liberalismo,


dentro da linha do comunitarismo liberal, traria implicações para as políticas
públicas e para a organização social: reconhecendo-se sempre a importância do
Governo e do Mercado na estrutura social, deve-se, todavia, prestar a devida
atenção para as condições dos outros elementos institucionais da Sociedade Civil,
que abrangem comunidades locais, famílias, vizinhanças, igrejas, instituições
educacionais e associações civis. Nesse diapasão, essenciais as políticas públicas
de apoio à saúde dessas instituições civis, promovendo a amizade cívica e um
senso de objetivo comum; limitando o poder excludente e enfraquecedor de
governos ou mercados fortes. Assim, haverá um ambiente produtivo para o
desenvolvimento humano e para a felicidade. [39]

Essa visão comunitarista liberal, reconhecendo a importância dos direitos


individuais na proteção dos cidadãos contra a opressão majoritária, todavia,
entende que quando o confronto jurídico (entre direitos individuais) passa a ser a
forma paradigmática de interação social, a sociedade se torna amarga e dividida, e

https://jus.com.br/imprimir/64770/liberalismo-de-rawls-x-comunitarismo 7/44
13/09/2022 23:23 Liberalimos de Rawls x comunitarismo: há condições para implantação dos ideais comunitaristas-liberais no Brasil? - Jus.co…

que, portanto, devem-se construir formas políticas de mediação, reconciliação e


compromisso, que buscam a síntese criativa de interesses diversos e preocupações
morais divergentes. Em face de tal postura, os comunitaristas tendem a apoiar
políticas públicas e outros projetos que ofereçam a possibilidade de criar laços
entre as usuais fissuras de classe, raça, etnia e religião. [40] Menciona o professor
o “Programa de Serviço Nacional”, dizendo ainda que os comunitaristas
procurarão promover instituições, como escolas públicas, que coloquem pessoas
de diferentes origens, classes e grupos atuando em projetos comuns. A retórica
comunitarista abrangeria termos como “identidade comum” e “inclusividade”.[41]

Nesse contexto, a manutenção e o encorajamento de uma esfera pública


deliberativa é vital na formulação de políticas públicas. [42]A cidadania passa a
ser um conceito mais robusto, as pessoas deixam de ser recebedores passivos de
proteção e benefícios do governo e passam a ter papel ativo nos assuntos de
interesse comum, dividindo responsabilidades pelo bem de todos. Concordamos
com o autor quando este ressalta que, por sua vez, a criação de uma “cidadania
responsável” não deve ser imposta a princípio por se tratar mais de uma questão
cultural do que legal. O desenvolvimento da cidadania, portanto, deve ser em
regra apenas estimulado por meio de educação cívica e de rituais da esfera pública
acessíveis a todos. [43]

Conclui o Professor Spragens que o “comunitarismo liberal” é plenamente possível


e desejável, pois, ao tempo em que abraça as bandeiras tipicamente liberais, como
o compromisso com o governo representativo, a legitimação pelo consenso, o
respeito ao Direito, os direitos e as liberdades civis, todavia também defende uma
concepção da “sociedade boa” fundada em laços comunitários, os quais já eram
valorizados nos textos dos liberais originais. Nesse sentido, o comunitarismo seria
reformador e não substitutivo do liberalismo, agindo contra os efeitos nocivos da
“utopia do mercado“ (do libertarianismo) e da “utopia do Estado de Bem-estar”
(do igualitarianismo). [44]

3. ALGUNS TIPOS DE COMUNIDADES

Discorrendo acerca dos diversos tipos de “comunidades” que existem dentro de


cada sociedade, Robert Fowler enumera três grandes grupos, ressaltando não
serem eles exaustivos: a) as comunidades de idéias, que abrangem os modelos
“participativo” e “republicano”; b) as comunidades de crise, como por exemplo o
movimento de proporções globais (ou quase) nascido da degradação ambiental no
planeta; c) comunidades de memória, que são formadas em torno de ideais
religiosos ou de tradições comunitárias.[45]

https://jus.com.br/imprimir/64770/liberalismo-de-rawls-x-comunitarismo 8/44
13/09/2022 23:23 Liberalimos de Rawls x comunitarismo: há condições para implantação dos ideais comunitaristas-liberais no Brasil? - Jus.co…

Quando se refere a “comunidades de idéias”, Fowler fala primeiramente da


concepção de “comunidade participativa”, isto é, aquela onde as pessoas decidem
juntas, face a face, em um debate público, respeitando-se mutuamente em um
contexto tão igualitário quanto possível. O debate público movimenta um processo
interativo de autolegislação e de criação da comunidade política. A “comunidade
participativa” estimula a autoconfiança das pessoas e o espírito público por meio
de uma unidade e de uma satisfação comunais crescentes. Essa concepção parte
do pressuposto de que as pessoas, em um meio participativo, podem desenvolver
as suas capacidades de pensar, de se informar, de debater e de aprender com a
discussão. Elas querem ser mais do que indivíduos egoístas e se unir a uma
comunidade pública, o que lhes falta é uma oportunidade.[46]

No conceito de “comunidade de idéias”, Fowler fala ainda da “comunidade


republicana”, ressaltando a influência de J.G.A. Pocock no desenvolvimento desse
conceito, que pressupõe apoio às virtudes cívicas entre cidadãos com inúmeras
diferenças em suas posições políticas e sócio-econômicas, o que possibilita a
expansão da participação comunitária a níveis nacionais, indo muito além do
universo pequeno das “comunidades participativas”.[47] Assim, podemos concluir
que, enquanto estas se referem geralmente às reuniões, associações e/ou
agrupamentos em esferas locais, a “comunidade republicana” abrangeria esferas
de discussão mais abrangentes, dentro de um Estado federado ou no âmbito de
toda uma Federação.  

Por sua vez, as “comunidades de crise pública” referem-se àqueles agrupamentos


ou redes associativas que são moldados mais pelos problemas dos tempos atuais
do que necessariamente por idéias intelectuais. A atenção da sociedade a tais
comunidades não significa necessariamente a aprovação delas. Nesse caso, Fowler
refere-se às “comunidades tribais”, baseadas em etnia, nacionalidade, religião,
raça e outros conceitos “tribais”, os quais são utilizados muitas vezes em
verdadeiras “batalhas” por poder e por identidade própria. Nenhuma forma de
comunidade é tão fechada, tão apegada às suas verdades e tão rígida com os
dissidentes ou não participantes da tribo, quanto aquelas baseadas em etnia ou
raça, por exemplo. Deve-se, portanto, ficar atento para que tais comunidades não
sejam um espaço de proliferação da tirania.[48]

No conceito de “comunidades de crise pública” estaria abrangida também a


comunidade ambientalista, cuja abrangência aumenta progressivamente no
sentido de se tornar um movimento global. Muitas vezes, todavia, esse movimento
é obscurecido pela prática de se evitarem discussões sobre meio-ambiente em
certas “ilhas acadêmicas”, ou em certas teorias políticas e filosóficas. De qualquer
forma, os assuntos da pauta ambientalista já fazem parte de nossa rotina, e o
movimento está comprometido em tornar o ambientalismo a metáfora dominante
da vida pública. As formas de organização sugeridas são muitas: “governo
mundial”, “federações”, comunidades participativas e cooperativas, e até mesmo
um sistema de Estados-nação profundamente revisado.[49]

https://jus.com.br/imprimir/64770/liberalismo-de-rawls-x-comunitarismo 9/44
13/09/2022 23:23 Liberalimos de Rawls x comunitarismo: há condições para implantação dos ideais comunitaristas-liberais no Brasil? - Jus.co…

Segundo Fowler, as “comunidades de memória” seriam aquelas que derivam de


sistemas de crença estabelecidos ao longo do tempo e que unem presente e
passado, sendo sobretudo criadas com base na tradição e na religião. Seriam
exemplos de tais tipos a comunidade político-intelectual (influenciada pela cultura
ocidental e por valores gregos aristotélicos e platônicos), a comunidade familiar e
a religiosa. Dessas, a que estaria em maior perigo seria a segunda, que é
justamente a comunidade de memória essencial. O professor, juntamente com
Allan Bloom, associa a desintegração familiar com a desvinculação dos valores
comunitários e da vida pública. No caso das comunidades religiosas, reconhece
que algumas também podem ser consideradas como “comunidades de idéias”, por
frequentemente demonstrarem flexibilidade organizacional e doutrinária.[50]

Fowler questiona como a liberdade e a diversidade podem conviver com a


comunidade, sem que haja uma certa tirania de alguns grupos sobre outros, ou
sobre as pessoas. Ressalta a noção de Walzer de que a comunidade deve ser
baseada no pluralismo, no autocontrole, e contrária a qualquer leve tirania.
Defende que as comunidades devem sempre possuir um “estado de alerta
existencial” (existential watchfulness), como característica e como limite.  Esse
“estado de alerta” leva em conta as alegrias potenciais de uma comunidade, sendo
também dirigido para impedir as possibilidades de que a comunidade termine em
opressão. O mais importante é que a cooperação social se desenvolva, sem que
para isso haja o desperdício da criatividade e o abandono das liberdades de dos
direitos individuais. Trata-se de uma busca pela comunidade acompanhada de
vigilância, sem, todavia, a pretensão de se alcançar um espirito público total ou
abrangente, como no casos da antiga cidadania grega. Essa “busca comunitária”,
por sua vez, não teria prazo para acabar, sendo um processo de construção
interminável, e nunca poderia importar na nulificação das pessoas. [51]

4. A REVISÃO DA CRÍTICA COMUNITARISTA AO


LIBERALISMO

Michael Walzer defende que duas críticas comunitaristas ao liberalismo devem ser
revistas: a) a de que a teoria política liberal representa perfeitamente a prática
social liberal; b) a de que a teoria liberal não representa, em seu fundamento, a
vida real. Com relação à primeira, ressalta que em certas teorias liberais a história
de luta contra a opressão de tradições, comunidades e autoridades anteriores é
esquecida, pois mesmo sendo celebrada, essa história é substituída por outra, a de
que a sociedade se origina de uma criação ex nihilo (isto é, do nada), a qual se dá
no estado de natureza ou na “posição original”. Nesse ponto, afirma Walzer que se
uma sociedade é vista somente como um conjunto de práticas de fragmentação,

https://jus.com.br/imprimir/64770/liberalismo-de-rawls-x-comunitarismo 10/44
13/09/2022 23:23 Liberalimos de Rawls x comunitarismo: há condições para implantação dos ideais comunitaristas-liberais no Brasil? - Jus.co…

onde se vêem apenas conflitos individuais e reivindicações de direitos individuais,


poder-se-ia concluir que a política liberal é a melhor forma de tratar os problemas
gerados pela decomposição social. [52]

Mas isso não seria totalmente verdadeiro, pois a segunda crítica comunitarista ao
liberalismo também teria algum fundamento: a teoria liberal não representa, em
seu fundamento, a vida real. A referência a John Rawls fica mais clara quando fala
da figura mítica da “posição original”[53]: cada indivíduo imagina a si mesmo
absolutamente livre, desimpedido, relegado à sua própria sorte, e entra na
sociedade, aceitando suas obrigações, somente para poder minimizar os seus
“riscos” e maximizar os seus ganhos. Seria da própria natureza da sociedade
humana o fato de as pessoas nascerem já fazendo parte de determinadas
comunidades, que por sua vez possuem determinados valores, padrões de
relacionamento, redes de poder. Esses laços comunitários forjarão a “identidade”
da pessoa, e é a partir dessa “base” que a pessoa poderá se distinguir de suas
comunidades e dos valores que foram herdados.

  Em outras palavras, a ideologia liberal teria o efeito de limitar nosso


entendimento sobre nossos hábitos de afeto e não nos forneceria meios para
elaborarmos as convicções que nos unem enquanto pessoas e que unem as pessoas
em comunidades. Ela tiraria de nós o senso de personalidade e de vinculação, e
explicaria a nossa incapacidade para formarmos redes solidárias coesas,
movimentos e partidos estáveis, os quais poderiam fazer as convicções profundas
da sociedade visíveis e efetivas no mundo; explicaria também o fato de sermos
(enquanto cidadãos) radicalmente dependentes do “Estado Central”. Conclui o
autor que nem a primeira crítica e nem a segunda estão totalmente corretas ou
erradas, pois realmente existe um separatismo liberal, ao tempo em existem
também inúmeros laços comunitários, mas não tão fortes e estáveis. [54]

Walzer analisa o que chama de “as quatro mobilidades” da sociedade norte-


americana: a) a geográfica, caracterizada pela mudança constante de residência
para outras cidades e Estados, entre os cidadãos; b) a social, traduzida pela
mudança da “posição social” da pessoa, que pode ser medida em função de
diferentes critérios, como o nível de renda, de educação, o tipo de trabalho ou
outra posição que tenha “valorização” social; c) a marital, relacionada com
divórcios, separações e novos casamentos, além de mudanças geográficas e
sociais; essa mobilidade é contrabalanceada pela maior probabilidade de homens
e mulheres se unirem mesmo com diferenças de classe, etnia e religião; d) a
política, que se vê na perda da lealdade aos partidos, aos movimentos de liderança
e clubes afins, a qual por sua vez se daria à medida que o local de moradia, a
posição social e a família passam a ocupar lugares menos centrais na formação da
identidade pessoal. Os “cidadãos liberais” seriam votantes independentes, que
nem sempre votam como seus pais votavam ou como votaram da vez anterior. O

https://jus.com.br/imprimir/64770/liberalismo-de-rawls-x-comunitarismo 11/44
13/09/2022 23:23 Liberalimos de Rawls x comunitarismo: há condições para implantação dos ideais comunitaristas-liberais no Brasil? - Jus.co…

aumento desse número poderia gerar instabilidade institucional, especialmente


nos níveis locais de governo, onde, em tempos passados, a organização política
teria servido para reforçar os laços comunitários. [55]

As “quatro mobilidades”, por sua vez, seriam justificadas pelo próprio


Liberalismo, justamente por representarem a atuação da liberdade e a busca pela
felicidade pessoal, mas nem sempre tais mobilidades estão relacionadas com
momentos felizes, sendo por vezes traumáticas. O resultado é que muitos
indivíduos são separados de seus grupos, podendo tornar-se menos afeitos a
compromissos e à moral. Isso, todavia, não parece indicar que a sociedade tenha
perdido sua capacidade para o diálogo, mas que, onde houver relações entre as
pessoas ou entre elas e suas comunidades, poderá haver discordâncias e até
separações. A linguagem dos direitos individuais – associação voluntária,
pluralismo, tolerância, separação, privacidade, liberdade de expressão, carreiras
abertas a talentos – é simplesmente inevitável. O liberalismo seria uma doutrina
“auto subversiva” (self-subverting), necessitando por isso de uma correção
periódica de tempos em tempos.  Nessa linha, seria necessário ensinar às “pessoas
livres” a reconhecerem-se como seres sociais, por meio de um reforço seletivo dos
valores comunitários que existem no íntimo de cada um. [56]

Walzer fala então da necessidade de o Estado patrocinar ou apoiar atividades


associativas[57], tendo em mente que a sociedade liberal, em sua melhor forma,
seria algo parecido com o a União social de união sociais, de John Ralws.[58]
Sustenta que o argumento liberal de que o Estado deve permanecer neutro com
relação às concepções da vida boa é induzido da fragmentação social: os
indivíduos devem poder viver como acham melhor, desde que não prejudiquem os
projetos de vida de outras pessoas. O problema se encontra no fato de que, quanto
mais dissociados ou isolados os indivíduos se encontrarem, mais forte o Estado
tenderá a se tornar, uma vez que será a única ou a mais importante União social.
Assim, é necessário, para a própria sobrevivência do Estado liberal, que este apoie
ou patrocine alguns grupos ou comunidades, nomeadamente aqueles que
apresentem formas e propósitos que sejam compatíveis com os valores
compartilhados de uma sociedade liberal.[59]

Como exemplos de tais políticas públicas, são citadas: a) o apoio a formação de


sindicatos de trabalhadores a partir de 1930, requerendo negociação coletiva com
a empresa sempre que a maioria dos trabalhadores apoiasse o Sindicato de sua
respectiva área de atuação, assim como permitindo a abertura de lojas dos
sindicatos; b) a isenção de impostos ou a utilização de impostos a pagar como
formas de viabilizar que diferentes grupos religiosos estruturem sistemas
extensivos saúde, com clínicas e hospitais, de forma a que se criem sociedades de
bem-estar dentro do Estado de bem-estar. Não que elas sejam a solução para as
deficiências deste, mesmo porque ele continua a ser essencial para possibilitar
uma cobertura adequada e equitativa, mas serão uma forma de fornecer serviços
públicos e promover a solidariedade comunitária; c) aprovação de leis conferindo

https://jus.com.br/imprimir/64770/liberalismo-de-rawls-x-comunitarismo 12/44
13/09/2022 23:23 Liberalimos de Rawls x comunitarismo: há condições para implantação dos ideais comunitaristas-liberais no Brasil? - Jus.co…

proteção – por tempo determinado - a algumas comunidades locais de trabalho e


residência, em face das pressões do mercado para que elas se mudem de suas
vizinhanças e procurem trabalho em outros lugares. Defende ainda o professor o
fortalecimento de governos locais, de forma que pudesse ser encorajado o
desenvolvimento das virtudes cívicas em uma diversidade de estruturas
sociais/comunitárias.[60]

Assim, percebemos que, para Walzer, os ideais liberais também são compatíveis
com os comunitaristas, devendo apenas o Estado promover iniciativas que
estimulem a formação de associações, mormente as que desenvolvam esferas
públicas de discussão, e sejam compatíveis com uma sociedade pluralista. [61]

5. A COMPATIBILIZAÇÃO ENTRE A OBRA DE RAWLS E O


COMUNITARISMO LIBERAL

Como visto anteriormente, comunitaristas como Thomas Spragens e Michael


Walzer defendem que o governo deve estimular o desenvolvimento de
comunidades e associações que contribuam para a construção de um consenso
sobre os valores morais superiores da sociedade.

Essa idéia remete diretamente à idéia de John Rawls sobre a necessidade, nas
democracias liberais constitucionais contemporâneas, de um “consenso
sobreposto por justificação” que assegure padrões mínimos de justiça para a
estrutura básica da sociedade e para a distribuição dos bens sociais. Segundo John
Rawls, nas sociedades contemporâneas existem inúmeras doutrinas morais, gerais
e abrangentes, que estariam em constante contato e atrito. Uma doutrina moral é
geral quando se aplica a uma ampla variedade de temas de apreciação (ou seja,
todos os temas possíveis) e é abrangente quando compreende concepções sobre
aquilo que constitui o valor da vida humana, ideais da virtude pessoal e do caráter
e de tudo o que pertence a essa ordem, que nos deve informar sobre a nossa vida
em conjunto. [62]

Rawls reconhece o “fato do pluralismo”, isto é, o fato de vivermos em uma


sociedade onde existem numerosas doutrinas religiosas e filosóficas que tendem a
ser gerais e abrangentes. Tendo em vista que muitas vezes os conflitos entre as
diferentes doutrinas morais gerais e abrangentes (sobre as concepções do bem)
podem tornar-se insolúveis, o pensador fala de uma concepção política de justiça
como aquela que, além de funcionar como um “quadro” que guia a deliberação e a
reflexão e nos ajuda e alcançar um acordo político que incide pelo menos sobre as
exigências constitucionais essenciais, também contribui para esclarecer nossa
opinião e tornar mais coerentes entre si nossas convicções ponderadas, reduzindo
a distância que separa as nossas diferentes convicções morais. Em outras palavras,
como não se pode estabelecer um único conjunto de concepções do bem como

https://jus.com.br/imprimir/64770/liberalismo-de-rawls-x-comunitarismo 13/44
13/09/2022 23:23 Liberalimos de Rawls x comunitarismo: há condições para implantação dos ideais comunitaristas-liberais no Brasil? - Jus.co…

sendo o conjunto de toda a sociedade, esta deve ser organizada de forma a


possibilitar um consenso mínimo acerca dos valores comuns e basilares entre as
diversas concepções, eliminando-se as divergências de fundamentação e os
impasses dogmatistas. Daí se falar em um consenso por justaposição. [63]

Essa concepção política de justiça deve proteger os direitos e liberdades básicos e


lhes conferir uma prioridade particular. Deve também compreender medidas que
visem a garantir a cada membro da sociedade os meios adequados e polivalentes
que permitam o uso eficaz de suas liberdades e oportunidades básicas. Devem ser
eliminadas da pauta política os problemas mais discutíveis, a incerteza difusa e os
conflitos sociais mais sérios, que não deixarão de minar os alicerces da cooperação
social.[64]

Um regime constitucional, segundo Rawls, estaria calcado em algumas virtudes


superiores: a tolerância, o fato de estar pronto a se juntar aos demais no meio do
caminho, a moderação e o senso de equidade. Quando esse rol mínimo de virtudes
se espalham na sociedade e integram a concepção política de justiça, constituem
um bem público essencial, uma parte do “capital político” da sociedade.[65] Como
a concepção política de justiça defende postulados morais mínimos para que haja
uma cooperação social equitativa baseada no respeito mútuo dos cidadãos como
pessoas livres e iguais, quaisquer valores que entrem em conflito com tal
concepção política e/ou com as suas virtudes subjacentes podem ser normalmente
suplantados, pois inviabilizariam a própria sustentabilidade da sociedade
democrática liberal constitucional. [66]   

Segundo a teoria política de Rawls, deve haver dois “princípios de justiça” a


informar a estrutura básica de uma sociedade democrática e o funcionamento de
suas instituições livres: 1º) todas as pessoas têm igual direito a um projeto
inteiramente satisfatório de direitos e liberdades básicas iguais para todos, projeto
este compatível com todos os demais; e, nesse projeto, as liberdades políticas, e
somente estas, deverão ter seu valor equitativo garantido. 2º) as desigualdades
sociais e econômicas devem satisfazer a dois requisitos: primeiro, devem estar
vinculadas a posições e cargos abertos a todos, em condições de igualdade
equitativa de oportunidades; e, segundo, devem representar o maior benefício
possível aos membros menos privilegiados da sociedade. [67] Rawls, todavia,
reconhece que “o primeiro princípio, que trata dos direitos e liberdades básicos e
iguais, pode ser facilmente precedido de um princípio lexicamente anterior, que
prescreva a satisfação das necessidades básicas dos cidadãos, ao menos à medida
que a satisfação dessas necessidades seja necessária para que os cidadãos
entendam e tenham condições de exercer de forma fecunda esses direitos e
liberdades” (grifamos). [68]

   A teoria da justiça possui, dentro dela, inúmeros fundamentos morais e éticos,


pois está incorporando dentro de si, as seguintes normas:

1. normas referentes às instituições da sociedade (visão macro): 

https://jus.com.br/imprimir/64770/liberalismo-de-rawls-x-comunitarismo 14/44
13/09/2022 23:23 Liberalimos de Rawls x comunitarismo: há condições para implantação dos ideais comunitaristas-liberais no Brasil? - Jus.co…

a) o princípio da democracia, que diz que o governo do Estado deve ter a sua
origem na própria sociedade; 

b) o princípio da autonomia institucional, já que a atuação “livre” das instituições


não significa atuação isolada, mas livre de impedimentos ou interferências que
sejam prejudiciais às finalidades institucionais;

c) o princípio do pluralismo, uma vez que a democracia viável em um Estado de


Direito é a que consegue possibilitar a interação não ruinosa, mas cooperativa,
entre as Instituições lícitas da sociedade, chamem-se entidades, corporações,
associações, comunidades; nesse contexto, necessário que haja uma esfera pública
de discussão aberta aos vários cidadãos e instituições dentro da sociedade, que é
multidimensional;

2. normas referentes à dignidade de cada pessoa humana, que devem ser


obedecidas pela estrutura básica da sociedade:

d) os direitos (ou liberdades) civis: pensamento, expressão, crença religiosa,


associação, dentre outros (v. a intimidade) que visam a garantir a atuação da
pessoa na sociedade, ainda que fora do Estado, devendo ser desenvolvidos sem
impedimentos por parte das instituições sociais e dos outros indivíduos, a não ser
que importem em um prejuízo (material ou moral) a outrem;

e) o direito da igualdade: cada pessoa é igual à outra em importância. Isso se


denota no princípio distributivo de direitos e liberdades, segundo o qual qualquer
direito ou liberdade que seja considerado básico, será garantido a cada um, desde
que compatível com os demais;

f)  as liberdades (ou direitos) da vida política, abrangem o direito de formação de


partidos, e de votar e ser votado para cargos de exercício dos poderes políticos:
legislativo, executivo e em alguns casos, o judiciário, ainda que provisoriamente
(como nos casos de júri popular para os crimes mais graves);

g) o princípio da primazia das liberdades políticas, já que somente estas, deverão


ter seu valor equitativo garantido;

h) um princípio que prescreve a satisfação das necessidades dos cidadãos que


sejam básicas para que eles entendam e tenham condições de exercer de forma
fecunda esses direitos e liberdades;

i)  o princípio da autonomia e da dignidade da pessoa humana (quando fala acerca


das “liberdades especificadas pela liberdade e integridade da pessoa”), que vai
além dos direitos de liberdade e de igualdade, estando relacionada com o mínimo
existencial; 

https://jus.com.br/imprimir/64770/liberalismo-de-rawls-x-comunitarismo 15/44
13/09/2022 23:23 Liberalimos de Rawls x comunitarismo: há condições para implantação dos ideais comunitaristas-liberais no Brasil? - Jus.co…

j)  o princípio do Estado de Direito, quando fala dos demais direitos e liberdades
abarcados pelo império da lei;

k) o princípio do mérito no acesso aos cargos da vida pública/política;

l)  dentre os direitos reconhecidos pela lei, o direito de propriedade e a liberdade


contratual.

A visão de “sociedade bem ordenada” de Rawls é a de “um sistema equitativo de


cooperação social entre pessoas livres e iguais, vistas como membros plenamente
cooperativos da sociedade ao longo de sua vida”. [69

“a noção apropriada de termos equitativos de cooperação depende da


natureza da atividade cooperativa em si: de seu contexto social básico,
dos objetivos e aspirações dos participantes, de como vêem a sim mesmos
e aos outros como pessoas e assim por diante. Os termos que são
equitativos para parcerias e associações, ou para pequenos grupos e
equipes, não são adequados para a cooperação social. Pois, neste último
caso, partimos da percepção da estrutura básica da sociedade como um
todo como uma forma de cooperação. Essa estrutura compreende as
principais instituições sociais – a constituição, o regime econômico, a
ordem legal e sua especificação de propriedade e congêneres, e como
essas instituições se combinam para formar um sistema. O que é
característico da estrutura básica é que ela oferece o quadro para um
sistema autossuficiente de cooperação para todos os objetivos essenciais
da vida humana, objetivos esses realizados pelo grande número de
associações e grupos no interior desse quadro”.[70]

Deixaremos, todavia, para analisar a compatibilidade entre a teoria de Rawls e o


pensamento comunitarista após analisarmos algumas idéias do comunitarismo
autônomo de Amitai Etzioni.

6. O COMUNITARISMO AUTÔNOMO

Outros pensadores preferem ver o Comunitarismo como uma Teoria substitutiva


do Liberalismo, com plataforma política própria. Incluindo-se nesse grupo, Amitai
Etzioni ressalta que alguns liberais se preocupam em proteger os indivíduos do
“Estado ameaçador” e acabam por ignorar que existem certos pré-requisitos
sociais para a manutenção da integridade psicológica, da civilidade e da habilidade
de razão de cada indivíduo.  Esses pré-requisitos estão relacionados com o
conceito de comunidade formada por redes sociais com valores morais.  Quando a

https://jus.com.br/imprimir/64770/liberalismo-de-rawls-x-comunitarismo 16/44
13/09/2022 23:23 Liberalimos de Rawls x comunitarismo: há condições para implantação dos ideais comunitaristas-liberais no Brasil? - Jus.co…

comunidade morre, a psiquê individual é ameaçada e abre-se espaço para o


aumento do poder estatal.  Quando, por outro lado, ela é cultivada, os cidadãos
que os liberais pressupõem existir florescem. [71]

Para o Professor, indivíduo e comunidade estão intimamente relacionados em


suas constituições, que abrangem, ao mesmo tempo, relações de apoio e de
tensão.  Qualquer esforço para priorizar um em detrimento do outro mina os
benefícios de um equilíbrio entre os dois.[72]

Nesse contexto, “comunidade” seria um rol compartilhado de laços sociais, ou


uma “rede social”, indo além de relações interpessoais. Enquanto os laços que
unem uma pessoa a outra muitas vezes são neutros moralmente, por sua vez, em
uma perspectiva mais abrangente, estão vinculados a valores sociais e morais. Por
isso é que o objetivo da comunidade – estabelecer o alcance e o caráter desses
laços sociais e morais – deve ser analisado levando-se em conta as tensões entre
particularismo e universalismo.[73]

Os valores comunitários não podem ser impostos por grupos externos ou por elites
e/ou minorias, devendo ser gerados por diálogo aberto a todos os membros da
comunidade. Nesse contexto, os valores herdados são o ponto de partida para o
debate, e devem ser ajustados às mudanças circunstanciais e às diferentes
composições comunitárias. [74]

Aparta-se o Professor, todavia, da visão de que os valores de uma dada


comunidade são o critério principal para se estabelecer o que é moralmente
apropriado, pois tais valores só serão legítimos caso não desrespeitem os valores
ditos superiores ou centrais da Sociedade (ou poderíamos dizer, Estado).[75]

Quaisquer valores que forem compartilhados pelos diversos tipos de comunidades


deverão respeitar, além desses valores centrais ou universais, também a “natureza
humana”. Etzioni sustenta que comunidades não podem invadir muito a esfera
dos indivíduos pois estes (mesmo os mais condicionados socialmente) sempre
terão atributos universais que não devem ser extintos por um Estado ou por uma
comunidade superprotetores. Em fato, o contrário deve acontecer: é a sociedade
que deve se ajustar à natureza humana e às suas manifestações e efeitos.[76]

Dessa forma, a pessoa tem também importância em relação à comunidade, e por


isso a teoria comunitarista em discussão não vê a comunidade como sendo o
conceito básico da sociedade, sobrepondo-se ao indivíduo.  Esta visão seria tão
reducionista quanto a visão de alguns liberais de que o indivíduo é a peça principal
da sociedade, ocupando esta um papel secundário e posterior uma vez que é
apenas o resultado da união de indivíduos. [77]

O Professor propõe uma teoria comunitarista em que se alcance o meio termo,


uma vez que tanto os indivíduos estão inseridos na sociedade (e não isolados ou
livres dela) quanto as comunidades são formadas por membros com diferentes
individualidades. A pessoa sendo membro de uma comunidade é também uma

https://jus.com.br/imprimir/64770/liberalismo-de-rawls-x-comunitarismo 17/44
13/09/2022 23:23 Liberalimos de Rawls x comunitarismo: há condições para implantação dos ideais comunitaristas-liberais no Brasil? - Jus.co…

“parte integral” dela.  Em outras palavras, indivíduos e comunidade são


interdependentes.  Cada pessoa, em sua “personalidade”, ou “identidade”, é ao
mesmo tempo influenciada pela sua comunidade e dirigida para ela, tendo além
disso uma parcela de identidade própria. Uma sociedade é constituída de forças
“centrífugas” e “centrípetas” pois ao mesmo tempo que os indivíduos têm o
potencial de expandir seus projetos pessoais e sua parcela de identidade,
transcendendo suas comunidades, estas por sua vez tendem a manter suas
influências e a dirigir os indivíduos para os valores e/ou necessidades comuns.[78]

Essa tensão entre indivíduo e comunidade, dependendo da forma como é


encaminhada, pode ser onerosa demais para um ou outro lado, ou para ambos (o
que é pior ainda). A intensidade das forças “centrífugas” e “centrípetas” tem
variado ao longo da história, como nos casos de sociedades totalitárias inclinadas
totalmente para o coletivo e sociedades voltadas excessivamente para o indivíduo,
podendo a sociedade americana atual ser enquadrada neste último tipo. [79]

Sob outro ângulo, todavia, essa tensão entre indivíduo e comunidade pode ser
encaminhada para que se torne fonte de mudança para a sociedade e/ou
comunidade, quando se dá atenção à expressão do indivíduo em sua parte criativa
e não comum. Esse processo tem também o potencial de gerar uma maior
estabilidade psicológica nas pessoas, além de desenvolver nelas virtudes sociais e
pessoais, quando se dá atenção àquela parte de cada um que é compartilhada com
a comunidade e/ou sociedade.[80]

Etzioni explica o seu caminho do meio fazendo uma analogia dele com a imagem
do arco feito de tijolos.  Sem o arco, os tijolos são um monte de entulho.  Sem os
tijolos o arco não existe.  Deve haver uma relação tal entre os tijolos de forma a
construir uma tensão ideal para manter os laços e o arco. Se a tensão é excessiva
ou deficiente, o arco desmorona.[81]  A analogia com a busca aristotélica do meio
termo no alcance da “excelência” é clara.[82] Aliás, Aristóteles, ao definir a justiça
como uma espécie de proporcionalidade, dizia que esta era derivada de uma
ponderação entre o excesso e a falta. Essa ponderação deveria sempre ser dirigida
para o bem comum, daí a justiça ser definida como uma forma de excelência
moral.[83]

Quando fala de comunidades e indivíduos, Etzioni defende que nem um nem


outro tem primazia ontológica ou normativa.  Ambos funcionam e vivem melhor
quando as duas forças são balanceadas.  Aqueles que percebem isso – sejam
críticos sociais, intelectuais, membros da mídia, líderes cívicos, entre outros –
devem conclamar os concidadãos, governantes e técnicos de políticas públicas a
adotar medidas em busca desse equilíbrio. [84]

O conceito de “equilíbrio”, no caso, seria o balanceamento entre direitos


individuais e responsabilidades sociais (também defendido pelos comunitaristas
liberais), como caminho para assegurar as condições sociais para o exercício dos
direitos. Esse “balanceamento” deverá ocorrer sempre que para a realização de um

https://jus.com.br/imprimir/64770/liberalismo-de-rawls-x-comunitarismo 18/44
13/09/2022 23:23 Liberalimos de Rawls x comunitarismo: há condições para implantação dos ideais comunitaristas-liberais no Brasil? - Jus.co…

direito for necessária uma responsabilidade; em outras palavras, sempre que


houver uma complementaridade entre os dois. Por sua vez, o balanceamento
poderá variar, como nos casos de comunidades ou grupos de pessoas menos
favorecidas, que então podem vir a ter menos responsabilidades (e não menos
direitos), ou nos casos em que as necessidades coletivas são tão importantes que
impõem limitações aos direitos individuais. [85]

Os psicólogos e sociólogos têm dito que indivíduos atomizados (sem laços sociais),
vivendo em um mundo liberal de direitos, não têm capacidade de agir livremente. 
Percebe-se, portanto, que os direitos se encontram em perigo sempre que os laços
sociais são rompidos. Aliás, Toqueville chegou a reconhecer que a melhor proteção
contra o totalitarismo é uma sociedade pluralista, forjada por comunidades e/ou
associações voluntárias, ao invés de uma sociedade de detentores de direitos
altamente individualizados.[86]

Etzioni responde às críticas, dirigidas ao comunitarismo, de que este possibilitaria


a ditadura da maioria ou de elites locais; além disso, de que este atribuiria o
fracasso em resolver problemas sociais ao discurso dos direitos constitucionais. 
Elas seriam improcedentes pois a sociedade americana tem defesas
constitucionais e morais contra a ditadura da maioria, as quais devem ser
respeitadas pelos comunitaristas.  Essas defesas trabalham por diferenciação: 
algumas áreas não estão sujeitas à maioria; já outras estão, devendo assim
permanecer.  Cita o exemplo da Carta de Direitos (Bill of Rights) que
complementou a Constituição norte-americana.  Em questões como por exemplo
as referentes à liberdade de expressão, ao direito de voto e ao direito a um
julgamento por um júri (previstas na primeira emenda à constituição), não há
sujeição à vontade da maioria.  Já em outros assuntos, como por exemplo se todos
devem pagar impostos, dirigir somente com permissão e não maltratar as
crianças, há sujeição à vontade da maioria, expressa nas leis.  Nesses casos, não há
fundamento nem legal nem moral para que o indivíduo não cumpra a lei.  Por fim
esclarece que a diferenciação entre as questões de um ou de outro tipo é apoiada
por várias convicções, desde as cortes de justiça até as comunidades em consenso.
[87]

Sobre o conceito de comunidades, entende que são redes de relações sociais que
incluem ideias/significações e valores compartilhados, podendo ou não estarem
relacionadas com algum espaço geográfico. Como exemplos de comunidades, cita
famílias, vilas (ainda que potencialmente) e vizinhanças, além de associações
nacionais, étnicas ou religiosas.  Faz uma crítica à Michael Sandel por este elogiar
qualquer tipo de comunidade, lembrando que as comunidades não são
necessariamente lugares de “virtude” (ou do que seriam virtudes cívicas), muitas
ao longo da história têm sido homogêneas, monolíticas, autoritárias e opressivas;
outras se trancam em valores que a maioria julga serem odiosos, como no caso dos
racistas da Ku-Klux-Klan.[88]

https://jus.com.br/imprimir/64770/liberalismo-de-rawls-x-comunitarismo 19/44
13/09/2022 23:23 Liberalimos de Rawls x comunitarismo: há condições para implantação dos ideais comunitaristas-liberais no Brasil? - Jus.co…

Explica o professor que as comunidades contemporâneas tendem a formar uma


teia pluralista de comunidades.  Nela, as pessoas podem pertencer a várias
comunidades (trabalho, família, bairro, igreja, etc.), e podem usar essa
multiparticipação para se proteger de uma pressão excessiva de uma comunidade. 
Em alguns casos, inclusive, pode haver uma sobreposição de comunidades com
uma se situando dentro de outra, de âmbito maior (vizinhanças, subúrbios,
cidades e regiões).  Há sempre também a possibilidade de interseção com
comunidades étnicas, raciais ou profissionais.[89]

Quanto ao conceito de comunidade, há uma divergência com relação à sua maior


ou menor abrangência. Assim, em sentido amplo, as comunidades podem
abranger todo o povo; em sentido estrito, ou em essência, comunidades são
principalmente as pequenas, onde as pessoas se conhecem de alguma forma, e
acabam possuindo laços mais fortes, permeados por vozes morais.  Deve-se tomar
cuidado, todavia, para que essa ligação mais próxima com nossos vizinhos e
amigos não nos leve a reduzir os objetivos morais dos compromissos sociais, como
no caso da ajuda aos que precisam.[90]

Em fato, a maioria das pessoas pode se comprometer com sua comunidade


imediata e com outras mais abrangentes, na construção de um movimento vertical
de compromissos morais em direção a comunidades mais abrangentes.  Essa seria
a marca registrada de uma comunidade que progride em condições sociais e em
eficiência, tendendo a compartilhar valores de aceitação ampla como paz e justiça
social.  Nesse sentido, questiona o autor como as comunidades desenvolvem
políticas públicas e valores em comum.  Lembra que o espaço de ação da
comunidade é muito mais abrangente do que o do governo.  Este, portanto, seria
ressaltado por construir a história pública, porque oficial, da sociedade.[91]

Justamente nesse ponto, questiona o debate comum sobre o mérito relativo de se


regular coisas pelo Estado ou pelo mercado (v. o laissez-faire).  Todos os sistemas
sociais se misturam.  As perguntas corretas seriam, portanto, quanto de mercado e
quanto de Estado são desejáveis, e qual a melhor forma de combinar os dois.  A
polarização do debate, contudo, entre Estado e mercado, ignora o grande número
de projetos compartilhados pelos indivíduos na esfera comunitária.  A retração do
Estado de bem-estar não significa necessariamente mais espaço para o mercado,
mas pode abrir espaço para instituições comunitárias atenderem as necessidades
sociais, culturais e econômicas das pessoas carentes (vide os novos imigrantes).
[92]

A esfera comunitária tem vários meios de organização e expressão, e o governo, ou


corpo político, é apenas um deles.  Associações voluntárias, redes informais de
comunicação, imprensa local, reuniões escolares e religiosas são alguns exemplos
que nos remetem a uma imagem bem diferente da imagem da pólis grega, onde os
cidadãos gastavam dias deliberando sobre os destinos da cidade porque se tratava
de um modelo baseado na atribuição dos trabalhos aos escravos, servos e
mulheres. A imagem da ação comunitária somente em lentes governamentais é

https://jus.com.br/imprimir/64770/liberalismo-de-rawls-x-comunitarismo 20/44
13/09/2022 23:23 Liberalimos de Rawls x comunitarismo: há condições para implantação dos ideais comunitaristas-liberais no Brasil? - Jus.co…

insuficiente também pelo fato de ser derivada da concepção de indivíduos


racionais, que usam os dados disponíveis de forma lógica em uma decisão
ponderada e razoável.  Isso se explica pois os membros de uma comunidade
desenvolvem seus valores e concepções sobre natureza, mundo e políticas públicas
por meios parcialmente deliberativos.  Isso quer dizer que lideranças locais,
líderes de opinião, expressões de afeto e mobilização de poder também
contribuem consideravelmente nas decisões comunitárias, não necessariamente
em canais cognitivos.[93]

A partir disso questiona como assegurar que tais processos, por serem
parcialmente deliberativos, tornem-se, todavia, democráticos, substancialmente
morais e empiricamente sólidos. Uma primeira condição seria que as decisões das
comunidades fossem baseadas em questionamentos de base empírica, como por
exemplo, se a pena de morte tem reduzido as taxas de criminalidade. Uma
segunda condição seria que os processos deliberativos fossem moralmente
apropriados. Esta condição seria alcançada quando estivesse de acordo com
corretos processos de formação de consenso (pelo “discurso pacífico”, fundado na
razoabilidade e na não- discriminação e não-opressão), e quando não violasse um
conjunto básico de valores supremos.[94]

Põe-se a questão sobre qual deve ser a fonte dos valores supremos que devem
funcionar como limites às decisões comunitárias, bem como o que dá a eles essa
posição superior. Sobre as fontes, faz algumas suposições: a) religião: seriam os
preceitos comuns à Bíblia, à Torá, ao Alcorão e a outros textos sagrados; b) o
Direito natural, constituído por padrões gerais de conduta de acordo com o que é
próprio, honesto, reto, direito, para todas as comunidades; c) valores respeitados
universalmente, como “não matarás”, sendo que nesse caso o fundamento moral é
precário, pois muitos não são universais e há países, como o Irã, em que queimar
livros e matar os seus autores é valorizado; d) a deontologia, composta por deveres
morais vinculantes e incontestáveis (ex. verdade é superior à mentira), presentes
na cultura da sociedade, no estilo proposto por John Rawls, e preferido por
Etzioni; e) o interesse público/social predominante: presunção de legitimidade
dos valores comunitários, a menos que a comunidade nacional demonstre que há
um interesse vinculante/superior em proibir/limitar determinada prática.[95]

Outro limite para a atuação do Estado e da Comunidade seriam os atributos da


natureza humana, vista sobre uma perspectiva ampla. Para Etzioni, a natureza
humana é universal: o homem é o mesmo sob as camadas culturais supostas por
ele. Pessoas em diferentes épocas, sociedades e condições, demonstram as
mesmas inclinações básicas. Não se pode achar na natureza humana qualquer
justificativa para tratar um grupo de pessoas pior do que outro grupo. Ela nos
diria que as pessoas têm necessidade profunda de laços sociais e comunitários, e
de guias morais e normativos. Elas são incapazes de preencher as condições que os
liberais e libertarianistas presumem como verdadeiras, como capacidade de fazer
escolhas racionais, ou separar muitas preferências daquelas que são culturais. Os

https://jus.com.br/imprimir/64770/liberalismo-de-rawls-x-comunitarismo 21/44
13/09/2022 23:23 Liberalimos de Rawls x comunitarismo: há condições para implantação dos ideais comunitaristas-liberais no Brasil? - Jus.co…

indivíduos, para serem “autônomos“, devem ter condições de desenvolver a


capacidade de se distanciar de seu contexto social e cultural e fazer julgamentos do
que foi incutido neles, participando da mudança de valores comuns e dos símbolos
direcionais de seu contexto social e moral. [96]

   Com base nessa capacidade, podemos ver que o fato de a natureza humana ter
certos atributos não significa que precisamos abraçá-los ou aprová-los. Quando há
falta de escolhas racionais, em face de sistemas com menos capacidade racional,
podem ser utilizados equipamentos por meio dos quais se possa decidir
racionalmente. Devemos nos proteger contra os excessos, como o conformismo, os
modismos e as noções injustas que estão inseridas na cultura e que merecem um
exame normativo crítico aberto. [97]

  Em suma, o “eu” comunitário é em parte membro de uma comunidade e em


parte ser autônomo, criativo e crítico. Trata-se de um conceito justificado
empiricamente, a partir do qual a filosofia comunitarista pode traçar suas idéias
construtivamente. [98]

 Não identificamos muitas incompatibilidades entre o pensamento de Etzioni e o


dos demais comunitaristas liberais, pois todos pressupõem o respeito aos valores
comunitários na formação da autonomia dos indivíduos; a necessidade de que
haja um rol de responsabilidades sociais a sustentar as demandas por direitos; o
respeito aos direitos e liberdades que sejam essenciais para o desenvolvimento
dessa autonomia.          

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE O PENSAMENTO


COMUNITARISTA. COMPATIBILIDADE COM A OBRA DE
JOHN RAWLS

Os comunitaristas afirmam que a identidade e a capacidade de auto-realização dos


indivíduos encontram-se intimamente relacionadas com seus laços sociais e
comunitários. As pessoas devem ter condições efetivas de viver em um ambiente
pluralista, onde é possível conviver com as diferenças, e onde as divergências são
discutidas e encaminhadas de forma pacífica, tendo em vista o consenso, ou ao
menos a concordância sobre alguns pontos principais, sem que isso signifique a
discriminação ou a exclusão de grupos com menos voz na sociedade (as chamadas
“minorias”).

 Podemos concluir que algumas das diferenças e semelhanças fundamentais entre


o pensamento de Rawls e os ideais comunitaristas seriam:

https://jus.com.br/imprimir/64770/liberalismo-de-rawls-x-comunitarismo 22/44
13/09/2022 23:23 Liberalimos de Rawls x comunitarismo: há condições para implantação dos ideais comunitaristas-liberais no Brasil? - Jus.co…

a) o fato de que estes (os comunitaristas) dariam mais importância à participação


das inúmeras esferas associativas e/ou comunitárias na distribuição dos bens
sociais e na construção do respeito aos direitos fundamentais;[99]

b) a obra de Rawls geralmente é concebida em “condições ideais de temperatura e


pressão”, isto é, pressupõe que as pessoas participando da discussão sobre os
princípios de justiça são pessoas “livres e iguais”, capazes de ter um senso de
justiça e de possuir concepções particulares acerca do bem; os comunitaristas têm
bases mais empíricas e realistas;

c) ambos os pensamentos reconhecem os direitos e liberdades básicas


tradicionais, em regra protegidos na Constituição;

d) em ambos os pensamentos, há a busca de uma base de valores morais que


seriam necessários para a justiça social e para o respeito aos direitos
fundamentais; a diferença é que na obra de Rawls a concepção política de justiça é
neutra com relação a concepções substanciais do bem, ou da vida boa, que não
sejam referentes ao pluralismo, ao debate democrático, e aos valores da igualdade
e da liberdade; já as concepções comunitaristas estão mais preocupadas em
defender um rol mais extenso de virtudes cívicas, que abrange as defendidas por
Rawls, como tolerância, respeito/confiança mútuos, moderação/autocontrole e
disponibilidade para se juntar aos demais no meio do caminho, mas vai além,
abrangendo também confiança mútua, amizade cívica e solidariedade;[100]

e) a educação deve ser dirigida para o cultivo das virtudes cívicas; a diferença será
na abrangência menor (Rawls) ou maior (comunitaristas) para o rol de virtudes
cívicas a serem estimuladas;[101]

f)  a recomendação comunitarista para que o Estado cuide da saúde das


instituições básicas da sociedade civil diferentes do Governo e do Mercado,
estimulando entidades associativas que nutrem concepções do bem compatíveis
com uma sociedade liberal, democrática e pluralista;

g) os comunitaristas propõem um conceito de cidadania robusto, integrado por


direitos individuais balanceados por responsabilidades sociais; já na obra de
Rawls essa discussão é pressuposta, quando ele fala acerca da cooperação em uma
sociedade bem ordenada, assunto que, todavia, é pouco desenvolvido;

h) os comunitaristas em regra defendem que as responsabilidades sociais, os


deveres cívicos, devem em regra ser estimulados, e não impostos; partem do
pressuposto de que a solidariedade deve ser espontânea e culturalmente
adquirida, e não imposta de cima para baixo;

i)  os comunitaristas defendem o princípio da subsidiariedade, segundo o qual o


Estado deve ajudar ou subsidiar os grupos e comunidades, organizados em suas
respectivas esferas, na participação em políticas públicas de defesa dos interesses
sociais.

https://jus.com.br/imprimir/64770/liberalismo-de-rawls-x-comunitarismo 23/44
13/09/2022 23:23 Liberalimos de Rawls x comunitarismo: há condições para implantação dos ideais comunitaristas-liberais no Brasil? - Jus.co…

Assim, não consideramos que sejam “incompatíveis” a obra de Rawls e o


pensamento comunitarista liberal. Sem dúvida abordam questões de justiça social
de formas diferentes, mas nada impede que a concepção política de Rawls seja
preenchida pelos valores agregados mais substanciais (comunitaristas), de forma a
possibilitar uma teoria da justiça mais realista para com a organização da
sociedade em suas inúmeras esferas associativas.

   Nessa linha, os comunitaristas têm muito a contribuir para o enriquecimento da


doutrina dos direitos fundamentais, não tomando como pressupostos os direitos
humanos já reconhecidos na Declaração Universal de 1948 e nos Pactos
Internacionais de Direitos Civis e Políticos e de Direitos Sociais, Econômicos e
Culturais, de 1966. A elaboração de uma doutrina universal dos direitos
humanos, que realmente tenha o consenso sobre um rol de direitos
mínimos, não pode ser imposta de cima para baixo, mas antes deve
resultar de uma discussão ampla com as inúmeras comunidades que
compõem cada sociedade estatal.

No contexto de tais discussões, poderíamos inclusive lembrar do “mínimo


existencial”[102], o rol prévio de direitos necessários para o desenvolvimento
das potencialidades humanas, que são aqueles direitos básicos que devem ser
garantidos pelo Estado às pessoas, para que elas possam se desenvolver com
dignidade e que assim possam, quando adultas, exercer de forma plena,
consciente e autônoma, os seus direitos civis e políticos (os direitos individuais
tradicionais), que são reconhecidos amplamente pelas teorias estudadas. Esse rol
prévio é composto pelos direitos sociais, econômicos e culturais, cujo
respeito pressupõe o planejamento e a execução orçamentária de
políticas públicas com efetivo dispêndio de recursos públicos dirigidos
para determinadas áreas espaciais (bairros, regiões) onde serão
prestados os serviços de educação, qualificação profissional/técnica,
saúde, cultura, esporte/lazer, infraestrutura comunitária, saneamento
básico etc. Repita-se: sem o respeito a esses direitos sociais, econômicos e
culturais, especialmente em áreas carentes, as crianças e adolescentes não podem
se desenvolver com dignidade para, quando adultas, exercerem de forma plena,
consciente e autônoma, os seus direitos civis e políticos. Não terão acesso à
“igualdade de oportunidades” na linha de partida, como preconizou Rawls.

Assim, com base nos ideais comunitaristas, poderíamos propor uma discussão
sobre alguns “direitos” da realização humana (não necessariamente individuais,
sendo alguns sociais, outros difusos), também relacionados com a virtude cívica
da amizade cívica, ou da solidariedade:

1. direito a explicações sobre atos potencialmente danosos a si, sua família, seus
amigos, sua comunidade, seu país e mesmo o planeta (reforçado pelo princípio da
motivação dos atos administrativos);

https://jus.com.br/imprimir/64770/liberalismo-de-rawls-x-comunitarismo 24/44
13/09/2022 23:23 Liberalimos de Rawls x comunitarismo: há condições para implantação dos ideais comunitaristas-liberais no Brasil? - Jus.co…

2. direito ao atendimento de qualidade pelo serviço público, tendo em vista o


princípio da eficiência administrativa, que gera o princípio do aprimoramento
progressivo e prático dos padrões de desempenho administrativo;

3. direito à observância do princípio da subsidiariedade, que recomenda a


interação pluralista entre diversas entidades coletivas autônomas e locais
(associações sem fins lucrativos, associações comunitárias, fundações etc.) na
distribuição de tarefas de interesse social, mediante delegação e apoio do
Governo;  

4. direito de acesso à sociabilidade: estímulo à associação civil – cada


comunidade/bairro deve ter a sua infraestrutura comunitária garantida pelo
Poder Público, caso não possa ser financiada pela própria comunidade, a fim de
que possa haver um espaço comunitário que transcenda as comunidades que
geram divisão (religiosas, filosóficas, esportivas etc.), assim, haveria um local para
se discutir sobre o que todos tem ou querem ter no bairro, um local para a
participação, por exemplo, no orçamento participativo do município ou região;
nessa infraestrutura comunitária, que poderia ser compartilhada ou não,
conforme o caso, com os alunos da escola pública do bairro, haveria acesso a
espaços coletivos de criatividade, esportes, artes e projetos de cooperação. Deve
ser estimulada a cooperação a nível local nos espaços urbanos e no meio rural. 

5. promoção de um “ecletismo prático”, no seio das comunidades carentes, que se


daria pela conjunção dos saberes e práticas locais, enriquecidos pelo contato com
profissionais de inúmeras áreas;

6. promoção de cursos para a formação de líderes comunitários, principalmente


em comunidades carentes, com vistas a promover a autonomia de tais vizinhanças
explorando o potencial das lideranças naturais da comunidade, aposentados e
desempregados; deveria haver, todavia, o acompanhamento do Ministério Público
e da Polícia Comunitária (via Polícia Militar ou Civil), de forma a se evitarem os
abusos por parte de membros do crime organizado.

8. CONSIDERAÇÕES SOBRE ALGUMAS CONDICIONANTES


PARA A EFETIVAÇÃO LOCAL DAS PROPOSTAS LIBERAIS-
COMUNITARISTAS NO BRASIL     

O abandono das áreas de periferia urbanas pelo Estado é também o abandono,


pela sociedade dominante (ocupante dos cargos de controle da despesa pública-
orçamentária), da sociedade carente que se encontra dentro dos orçamentos, mas
fora das alocações reais (aplicações localizadas de verbas públicas), as quais só
aumentam a concentração da aplicação de recursos públicos nas áreas que já
receberam recursos públicos (fenômeno da Segregação Urbana).

https://jus.com.br/imprimir/64770/liberalismo-de-rawls-x-comunitarismo 25/44
13/09/2022 23:23 Liberalimos de Rawls x comunitarismo: há condições para implantação dos ideais comunitaristas-liberais no Brasil? - Jus.co…

A lei, ao ser aplicada no tempo, parece mudar de “forma objetiva” quando ela é
revogada por outra, a partir de um prazo que foi pré-estabelecido. Mas,
especificamente a lei orçamentária, que é uma lei de efeitos concretos, votada para
ser aplicada em um espaço específico, antes de ser aplicada, muitas vezes, por
pressões da classe dominante, acaba sendo modificada e, com isso, a verba que iria
para uma comunidade carente acaba vindo a ser redirecionada para espaços
públicos que já tinham recebido investimentos públicos bem maiores, no passado,
do que aquela área carente. Com isso, a distância de qualidade de vida entre a área
privilegiada e a área carente só faz aumentar, a cada ano que passa.

Assim, necessária se faz uma postura mais engajada dos operadores jurídicos,
especialmente os juízes e membros do Ministério Público, em cobrar dos
governantes a realização de atos de ofício tendentes a efetivar a institucionalização
municipal da gestão orçamentária participativa, um dos mecanismos mais
importantes da gestão democrática das cidades, mas que não tem recebido
muita  atenção em municípios onde prevalecem as práticas clientelistas e
patrimonialistas e onde os recursos públicos são em maioria alocados nos espaços
urbanos já elitizados, perpetuando a segregação urbana.

Frise-se, aqui, que não se quer propor a imposição de um orçamento participativo,


pois isso iria contra a própria natureza democrática do instituto de gestão
orçamentária defendido. Mas daí a esperar que as próprias comunidades
financiem a organização institucional e administrativa das discussões e
encaminhamentos do orçamento participativo, sem inclusive contar com um
suporte técnico e acadêmico que lhes dê a referência de outras experiências, é
literalmente ter mais uma "lei pra inglês ver”.

É por isso que é tão importante que o estímulo, a estrutura institucional e os


recursos necessários para se promoverem discussões para implantação do
orçamento participativo partam da Câmara de Vereadores e da Prefeitura, que são
os dois órgãos que, juridicamente, controlam mais de perto as despesas públicas,
seja autorizando-as na lei orçamentária (poder legislativo), seja executando as
despesas aprovadas na lei orçamentária (poder executivo).

Mas, por incrível que pareça, o inciso I do art. 52, do Estatuto da Cidade (Lei nº
10257/2001), que previa como ato de improbidade a omissão do prefeito e do
presidente da Câmara em promover os atos necessários à implantação do
orçamento participativo, foi vetado pelo Presidente da República Fernando
Henrique Cardoso, convergindo com os interesses mais conservadores e os lobbies
mais antidemocráticos e elitistas, que não querem o dever de ter que dividir a
gestão local dos recursos públicos com comunidades pobres. Com isso, uma das
normas mais importantes para o pontapé inicial na gestão democrática das
cidades, foi simplesmente excluída do ordenamento jurídico por um ato unilateral
e isolado do Presidente, depois de ter sido aprovada pelo Congresso Nacional.  

https://jus.com.br/imprimir/64770/liberalismo-de-rawls-x-comunitarismo 26/44
13/09/2022 23:23 Liberalimos de Rawls x comunitarismo: há condições para implantação dos ideais comunitaristas-liberais no Brasil? - Jus.co…

  Necessário se faz, portanto, que se reinterprete a lei de improbidade


administrativa, em seu artigo 11, que cuida dos atos de improbidade
administrativa que ofendem os princípios da administração, para enquadrar os
prefeitos e presidentes de câmaras legislativas na prática de ato de improbidade ao
se omitirem em promover atos destinados a implantar e organizar o orçamento
participativo na cidade, ao longo de seus mandatos. A esse respeito, o inciso II do
art. 11 da Lei 8429/92 prevê como ato de improbidade o de “retardar ou deixar de
praticar, indevidamente, ato de ofício”.

Ora, em não havendo a promoção do orçamento participativo pelas autoridades


competentes para tanto,[103] tem-se uma omissão que transgride gravemente os
princípios da legalidade, moralidade, eficiência, previstos no art. 37 da CRFB/88 e
aplicáveis às Administrações Públicas de todas as esferas de governo no Brasil.
Transgride-se absurdamente também o preceito fundamental que integra todas as
leis orgânicas municipais por determinação expressa da Lei Maior (art. 29, XII,
CRFB/88), regendo a gestão política municipal, qual seja, a “cooperação das
associações representativas no planejamento municipal“. Ora, essa cooperação foi
regulada pelo Estatuto da Cidade, e tem seu apogeu na gestão democrática da
cidade.

  Assim, mesmo tendo sido vetado o referido inciso do Estatuto da Cidade, como a
sua norma é tão importante, pode ser extraída de outros trechos de nosso
ordenamento, notadamente a Constituição e a própria lei de improbidade
administrativa, não estando de mãos atadas o Ministério Público, podendo ele
processar por improbidade administrativa os governantes que se omitirem em
promover ou estimular as discussões necessárias à implementação do
planejamento e da gestão orçamentária participativos.

Entendemos também necessária – via reforma legislativa federal e estadual – a


distribuição local imediata, para os municípios, de parte dos impostos federais e
estaduais pagos em seus territórios, porque assim os espaços locais que
imediatamente geram a riqueza tributada não precisam esperar que a riqueza vá
ao centro (para Brasília ou para a capital estadual) para depois esta ser
redistribuída pelas transferências constitucionais/obrigatórias, e por outras,
“voluntárias”, estando estas últimas ainda por cima sujeitas a eventuais retenções
abusivas ou liberações que variam conforme as alianças político-partidárias, e não
conforme as necessidades da sociedade e os acordos ou convênios firmados.

  Os bairros carentes devem ter seus próprios equipamentos urbanos e


comunitários, suas escolas e postos de saúde, praças, centros comunitários.
Cooperativas de crédito e de serviços devem ser facilitadas, e deve haver estímulo
à criação de estações de rádio e/ou canais de televisão comunitários (que
veiculariam programas e seriam uma opção diferenciada aos outros canais e
estações). Há que se falar ainda em direito a políticas públicas localmente
adaptadas, descentralizadas e fiscalizadas quotidianamente pela própria
população que recebe o serviço.

https://jus.com.br/imprimir/64770/liberalismo-de-rawls-x-comunitarismo 27/44
13/09/2022 23:23 Liberalimos de Rawls x comunitarismo: há condições para implantação dos ideais comunitaristas-liberais no Brasil? - Jus.co…

  Gostaríamos, por fim, de ressaltar que inúmeras outras formas de apoio ao


associativismo podem ser lembradas, como por exemplo o financiamento de
projetos sociais executados por Organizações não governamentais em áreas
carentes, com recursos provenientes de empresas e/ou do governo; ou ainda, a
prestação de serviços de interesse social e comunitário por parte de Professores e
alunos de cursos universitários, de forma integrada com as comunidades carentes,
em projetos de extensão universitária, que podem ser financiados por empresas,
por bolsas concedidas por Universidades, Fundações ou pelo próprio Governo.

 Partimos do ponto de vista que, para ter sustentabilidade, os projetos sociais não
devem a princípio estar fundados no trabalho voluntário, a não ser que este não
tome muito tempo das pessoas. Determinados projetos sociais exigem dedicação
integral, e para que sejam estáveis e produzam efeitos de longo prazo, devem
pressupor uma remuneração fixa para os que trabalham nos projetos. Isso
possibilitaria, a longo prazo, uma mudança da cultura e das práticas locais, pela
construção coletiva e espacial da cidadania com seus direitos, liberdades e
garantias correspondentes.

BIBLIOGRAFIA

ACKERMAN, Bruce. Social Justice in the Liberal State. New Haven: Yale
University Press, 1980.

ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos. Brasília: UnB, 1992.

ETIZIONI, Amitai. “Old Chestnuts, new Spurs Communitarian Liberalism”, in


Amitai Etzioni (org.), New communitarian thinking – persons, virtues, institutions
and communities. Charlottesville/London: University Press of Virginia, 1995.

FOWLER, Robert. “Community – reflections on definition”, in Amitai Etzioni


(org.), New communitarian thinking – persons, virtues, institutions and
communities. Charlottesville/London: University Press of Virginia, 1995.

HOLLENBACH, David. “Virtue, the common good and Democracy”, in Amitai


Etzioni, (org.), _________.

ORTEGA, Francisco. Para uma Política da Amizade – Arendt, Derrida, Foucault.


Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2000.

PUTNAM, Robert. “Bowling Alone: America’s Declining Social Capital”. Journal of


Democracy, vol.6, n.1. Baltimore: John Hopkins University Press, 1995.

RAWLS, John. Justiça e Democracia. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

RAWLS, John. Liberalismo Político. 2.ed. São Paulo: Ática, 2000.

https://jus.com.br/imprimir/64770/liberalismo-de-rawls-x-comunitarismo 28/44
13/09/2022 23:23 Liberalimos de Rawls x comunitarismo: há condições para implantação dos ideais comunitaristas-liberais no Brasil? - Jus.co…

SILVA, Ricardo Almeida R. da. “A crítica comunitarista ao liberalismo”, in Ricardo


Lobo Torres (org.), Teoria dos Direitos Fundamentais. Rio de Janeiro: Renovar,
1999.

SMITH, Rogers M. “Citizenship and National Service”, in Amitai Etzioni (org.),


New communitarian thinking – persons, virtues, institutions and communities.
Charlottesville/London: University Press of Virginia, 1995.

SPRAGENS, Thomas A. “Communitarian Liberalism”, in Amitai Etzioni (org.),


________.

TORRES, Ricardo Lobo. “A cidadania multidimensional na era dos direitos”, in


“Teoria dos direitos fundamentais” (org. pelo autor). Rio de Janeiro: Renovar,
1999.

TORRES, Ricardo Lobo. “A Teoria da Justiça de Rawls e o pensamento de


esquerda”. Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, n.5. Rio de Janeiro: Renovar, 1997.

WALZER, Michael. “The communitarian critique of liberalism”, in Amitai Etzioni


(org.), New communitarian thinking – persons, virtues, institutions and
communities, Charlottesville/London, University Press of Virginia, 1995.

NOTAS

[1] O presente artigo foi escrito a partir de trabalho desenvolvido em setembro de


2003, para conclusão da disciplina Teoria dos Direitos Fundamentais, ministrada
pelo Professor Dr. Ricardo Lobo Torres, no mestrado em Direito Público da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro

[2] Adiante tentaremos demostrar que a classificação do pensamento de John


Ralws como “liberalista individualista” não seria totalmente adequada, e que,
portanto, ela talvez se dirija aos liberais libertarianistas, como por exemplo Robert
Nozick. 

[3] V. Ricardo Almeida R. da Silva, “A crítica comunitarista ao liberalismo”, in


Ricardo Lobo Torres (org.), Teoria dos Direitos Fundamentais, Rio de Janeiro,
Renovar, 1999, p. 193-195. 

[4] V. Francisco Ortega, Para uma Política da Amizade – Arendt, Derrida,


Foucault, Rio de Janeiro, Relume Dumará, 2000, pp. 15-ss., onde se refere às
obras de Danilo Zolo: “Segundo a concepção realista da democracia proposta por
Zolo, os sistemas que denominamos democráticos seriam, no fundo, ‘sistemas
autocráticos diferenciados e limitados’, ou seja, oligarquias liberais; a democracia
constituiria simplesmente a alternância das elites oligárquicas [nos governos da

https://jus.com.br/imprimir/64770/liberalismo-de-rawls-x-comunitarismo 29/44
13/09/2022 23:23 Liberalimos de Rawls x comunitarismo: há condições para implantação dos ideais comunitaristas-liberais no Brasil? - Jus.co…

sociedade estatal]. Baseando-se nas análises dos cientistas políticos Schumpeter e


Sartori, Zolo constata como a manipulação da opinião pública dos cidadãos é uma
parte fundamental do processo democrático, em que a propaganda política
serviria como um instrumento que impede toda argumentação fundamentada,
suscetível de despertar a capacidade crítica dos eleitores e seu desejo de
autonomia: ‘A essência da democracia seria, portanto, a aplicação das liberdades
políticas e civis para reprimir a autonomia dos cidadãos’.   Os Comícios eleitorais
constituem apenas um rito que assegura a integração social dos votantes e que,
somente de forma marginal, influi nos conteúdos das decisões políticas. Nesse
processo social, cria-se a ilusão de participação e de contribuição para o destino
político de uma nação (...).” A democracia vista como “ficção de participação e de
decisão” é “conditio sine qua non da existência do principado democrático,
servindo de legitimação às elites oligárquicas em concorrência pelo poder
político”.

[5] V. Ricardo Almeida R. da Silva, op.cit., p. 194, onde o autor menciona diversos
grupos de comunitaristas: a) o dos liberais comunitaristas, com Bruce Ackerman,
Michael Walzer, Charles Taylor, Thomas A. Spragens, Cass Sustein, Amy Gutmann
e Philip Selzinick, dentre outros; b) o dos comunitaristas autônomos, com Amitai
Etizioni e Robert Bellah; c) o dos neorrepublicanos, com Michael Sandel, Michael
Warner e J.G.A. Pocock; d) os dos tradicionalistas (ou conservadores), com Robert
Nisbet, Michael OakShott, Alasdair MacIntyre, Eric Volgelim e Leo Strauss. Este
último grupo, então, já não integrava o “movimento”, tendo inclusive Alasdair
MacIntyre reconhecido não ser um “comunitarista”, em seu artigo “The Virtues,
the Unity of a Human Life, and the Concept of the Good”, in Michael Sandel (org.),
Liberalism and its Critics. New York, New York University Press, 1984.

[6] V. Ricardo Almeida R. da Silva, op. cit., p. 195.

[7] Cf. Ricardo Lobo Torres, “A Teoria da Justiça de Rawls e o pensamento de


esquerda”, Revista Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, n.5, Renovar, 1997, p. 158, quando surgiu na década de 1971, a obra de
John Rawls rompeu com o debate centenário sobre se “a norma emana ou dos
fatos sociais ou de uma outra norma que lhe constitui a condição de validade”, e
trouxe novamente para o debate político uma série de questões, em uma mudança
de paradigmas da filosofia política, que ficou conhecida como a “virada kantiana”:
“o direito volta a se comunicar com a ética no plano teórico, o Estado se funda na
idéia de contrato, a liberdade se torna absolutamente prioritária e a justiça
encontra no imperativo categórico o seu ponto de apoio”.

[8] V. ainda Robert Fowler, “Community – reflections on definition”, in Amitai


Etzioni (org.), New communitarian thinking – persons, virtues, institutions and
communities, Charlottesville/London, University Press of Virginia, 1995, pp. 93-
95; Michael Walzer, “The communitarian critique of liberalism”, in Amitai Etzioni
(org.), op. cit., pp. 54, 59-63.

https://jus.com.br/imprimir/64770/liberalismo-de-rawls-x-comunitarismo 30/44
13/09/2022 23:23 Liberalimos de Rawls x comunitarismo: há condições para implantação dos ideais comunitaristas-liberais no Brasil? - Jus.co…

[9] Cf. Thomas A. Spragens, “Communitarian Liberalism”, in Amitai Etzioni


(org.), op. cit., pp. 37-38, a visão “típica e idealizada” do comunitarismo é a de que
ele seria “substitutivo” do liberalismo, tentando fundar um novo tipo de sociedade.
Existem, todavia, vertentes doutrinárias (nas quais se insere o Professor Spragens)
que se consideram apenas “corretivas” do liberalismo individualista (em suas
distorções), não sendo incompatíveis com os ideais liberais originais, cf. se verá
adiante. 

[10] Idem, ibidem, pp. 37-38.

[11] Idem, ibidem, p. 38. Os comunitaristas, todavia, tomam cuidado em defender


o estímulo à cooperação, e não a imposição de cooperação, como veremos adiante,
uma vez que também respeitam e reconhecem os direitos e liberdades individuais,
bem como o princípio da dignidade da pessoa humana.

[12] Cf. Amitai Etizioni, “Old Chestnuts, new Spurs Communitarian Liberalism”,
in Amitai Etzioni (org.), New communitarian thinking – persons, virtues,
institutions and communities, Charlottesville/London, University Press of
Virginia, 1995, pp. 19-20, Locke, Adam Smith e outros liberais clássicos deram
ênfase ao individualismo pois naquela época a “comunidade” era mais poderosa, o
interesse individual era sobrepujado, em prol dos interesses do Estado ou dos
interesses públicos;  por isso é que lutavam por direitos individuais como os de
expressão, religião e proteção à propriedade privada.   A sociedade americana de
início deu ênfase ao individualismo pois seus fundadores fugiram de sociedades
que impunham muitos encargos sobre os indivíduos, principalmente nas esferas
individuais mencionadas. V. ainda, p. 16, que os tratados liberais não só previam
direitos individuais, como pressupunham fundação comunitária

[13] Cf. Thomas A. Spragens, op. cit., pp. 38-39.

[14] Idem, ibidem, pp. 39-40.

[15] Idem, ibidem, p. 40.

[16] Idem, ibidem, pp. 40-41.

[17] Idem, ibidem, p. 41.

[18] Idem, ibidem, pp. 41-42.

[19] V. Marilena Chauí, “Vida e Obra de Kant”, no volume “Os pensadores”, São
Paulo, Nova Cultural, 2000, p. 05. Kant também seria influenciado por Rousseau,
tomando a sua teoria da “autolegislação” (de cada cidadão na sociedade) e
desenvolvendo uma teoria da autonomia da vontade livre, racional e moral de
cada um como geradora das “leis internas” do “agir universal” em sociedade.

[20] V. Thomas Spragens, op. cit., pp. 42-43.

https://jus.com.br/imprimir/64770/liberalismo-de-rawls-x-comunitarismo 31/44
13/09/2022 23:23 Liberalimos de Rawls x comunitarismo: há condições para implantação dos ideais comunitaristas-liberais no Brasil? - Jus.co…

[21] Cf. Thomas Spragens, op. cit., p. 43, o indivíduo em Locke, Mill, Adam Smith
e Condorcet gozava sua liberdade dentro de um contexto de obrigações e
responsabilidades complementares, derivadas dos laços comunais, dos limites de
uma ordem moral válida e da força da compreensão humana. Para Condorcet e
Adam Smith, a economia era orientada para o mercado, o que gerava maior
igualdade social e econômica. A riqueza teria natural tendência para igualdade;
qualquer desproporção excessiva não poderia existir ou desapareceria
rapidamente se as leis civis não dispusessem de meios artificiais de perpetuar e
unir fortunas, bem como se não restringissem artificialmente o comércio em
outras questões.

[22]  Cf. Aurélio Buarque de Holanda, Dicionário da Língua Portuguesa, Nova


Fronteira, 2001, agnosticismo: 1. segundo Thomas Henry Huxley (1825-1895),
naturalista inglês, posição metodológica que só admite os conhecimentos
adquiridos pela razão e evita qualquer conclusão não demonstrada. 2. atitude que
considera inúteis as discussões sobre questões metafísicas, já que estas tratam de
realidades incognoscíveis.

[23] Cf. Thomas Spragens, op.cit., p. 43.

[24] Idem, ibidem, p. 44.

[25] Idem, ibidem, p. 44.

[26] Bruce Ackerman também foi classificado na vertente “liberal comunitarista”


(nota 2). Além disso, devemos levar em conta a notícia de que o constitucionalista
se filiou ao “Republicanismo”, cf. Ricardo Lobo Torres, “A Teoria da Justiça de
Rawls e o pensamento de esquerda”, Revista Faculdade de Direito da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, n.5, Renovar, 1997, p. 160. Isso
demonstra que essas classificações não são rígidas.

Cf. Ricardo Lobo Torres, op. cit., p. 158, a obra de Rawls foi classificada de
inúmeras formas: liberal contratualista, liberal individualista, neoliberal, liberal
social, antiutilitarista e até neoutilitarista.  

[27] V. Thomas Spragens, op.cit., pp. 44. O Professor faz referência ao “princípio
da diferença”, que integra a segunda parte do segundo princípio de justiça
proposto por Rawls.

Cf. John Rawls, Liberalismo Político, 2.ed.bras., São Paulo, Ática, 2000, pp. 47-49,
deve haver dois “princípios de justiça” a informar a estrutura básica de uma
sociedade democrática e o funcionamento de suas instituições livres: 1º) todas as
pessoas têm igual direito a um projeto inteiramente satisfatório de direitos e
liberdades básicas iguais para todos, projeto este compatível com todos os demais;
e, nesse projeto, as liberdades políticas, e somente estas, deverão ter seu valor
equitativo garantido. 2º) as desigualdades sociais e econômicas devem satisfazer a
dois requisitos: primeiro, devem estar vinculadas a posições e cargos abertos a

https://jus.com.br/imprimir/64770/liberalismo-de-rawls-x-comunitarismo 32/44
13/09/2022 23:23 Liberalimos de Rawls x comunitarismo: há condições para implantação dos ideais comunitaristas-liberais no Brasil? - Jus.co…

todos, em condições de igualdade equitativa de oportunidades; e, segundo, devem


representar o maior benefício possível aos membros menos privilegiados da
sociedade.

Cf. Bruce Ackerman, Social Justice in the Liberal State, New Haven, Yale
University Press, 1980, pp. 269-271, o princípio da diferença proposto por Ralws é
temerário, pois isso excluiria pessoas de outras classes (médias, por exemplo) de
terem um tratamento especial que fosse devido (por ex. os negros de classe média
também são prejudicados pela estrutura social); poderia ainda possibilitar que
inúmeros grupos sociais reivindicassem a condição de “menos favorecidos”. Para
Ackerman, o estadista liberal, ao invés de fazer uma “precisa hierarquia de
degradação”, procurará soluções que reconheçam que todos os grupos têm pleitos
válidos a assistência especial, induzindo-os a reconhecerem que seus pleitos estão
conectados por uma forma de diálogo comum. Não acreditamos, todavia, que o
pensamento de Rawls mereça tais críticas ou que não possa ser utilizado para
obter o diálogo proposto por Ackerman, pois que o autor de Teoria da Justiça
também reconhece o pluralismo social, especialmente quando da discussão sobre
o “consenso sobreposto” sobre os valores que devem orientar as instituições
básicas da sociedade, cf. veremos adiante. 

[28] Idem, ibidem, p. 44. A referência é feita aos dois pensadores.

[29] Bruce Ackerman, Social Justice in the Liberal State, New Haven, Yale
University Press, 1980, passim, desenvolve uma teoria política baseada no
discurso dialógico (“Constrained power talk”), necessária para se discutir a posse e
o uso do poder numa sociedade onde os bens são escassos. Após refutar o
argumento utilitarista, traça alguns princípios do discurso: 1o) Princípio da
Racionalidade: sempre que alguém questiona a legitimidade do poder de
outrem, este deve responder não tentando eliminá-lo do discurso, mas dando uma
razão pela qual ele tem direito ao bem questionado. Pressupõe o teste de
conceivability ­– para ser aceito como razão, uma justificativa não pode ignorar a
possibilidade de o poder ser exercido de forma ilegítima (sem justificação);  2o)
Princípio da Consistência – a razão oferecida pelo detentor do bem/poder em
uma ocasião não pode ser incoerente com a razões dadas para justificar seus
outros bens/poderes; 3o) Princípio da Neutralidade – nenhuma razão é boa
se exige do detentor do bem/poder afirmar que:  a) sua concepção do bem é
melhor do que a de seus concidadãos; b) a par de sua concepção do bem, ele é
intrinsicamente superior a um ou mais de seus concidadãos. A consequência
desses princípios é uma igualdade inicial na distribuição de bens sociais, já que
cada cidadão é tão bom quanto o outro. A distribuição de bens sociais, por sua vez,
obedece a algumas regras racionais: a) Harmonia – os bens a serem distribuídos
não podem exceder os disponíveis; b) Completude – as regras de distribuição
devem  permitir que se saiba o que exatamente caberá a cada cidadão; c)
Diferenciação – qualquer distribuição desigual de bens deve ser justificada em
uma especial característica atribuível à pessoa/classe favorecida, que a diferencia

https://jus.com.br/imprimir/64770/liberalismo-de-rawls-x-comunitarismo 33/44
13/09/2022 23:23 Liberalimos de Rawls x comunitarismo: há condições para implantação dos ideais comunitaristas-liberais no Brasil? - Jus.co…

das demais e justifica o tratamento desigual; d) Compreensividade  - uma regra


diferente de distribuição de bens só pode ser aceita quando tiver mérito com
relação a todas as demais regras propostas para distribuição de bens. Os
princípios de uma sociedade liberal deveriam ser respeitados na esfera pública não
só no que tange a distribuição dos recursos escassos da sociedade, mas
principalmente nos assuntos cruciais da vida humana, como a cidadania, o
nascimento, o controle de natalidade, a diversidade genética, o acesso a recursos
materiais, a família, a educação de primeiro e segundo graus, o mercado livre, o
regime de propriedade, de herança e sucessões, os recursos não-renováveis, a ação
afirmativa.  

Cf. Ricardo A. Ribeiro da Silva, op.cit., p. 222-223, a teoria de Ackerman


pressupõe o diálogo pluralista, e se opõe à concepção dos direitos como
decorrentes de um estado de natureza (os direitos não nascem em árvores) ou de
um contrato social (não se “escolhe” contratar ou não), os direitos são antes de
tudo decorrentes de reivindicações em um meio (a sociedade) onde os recursos e
os bens sociais são escassos. Daí vem a importância de que todas as pessoas (ou
grupos) tenham a mesma oportunidade de reivindicar parcelas de bens ou
recursos em seu benefício. O justo título na distribuição e/ou aquisição dos bens
será resultante da ponderação com os valores, com a cultura e a história da
comunidade onde se dá a distribuição. O justo título poderá ser corrigido, após
ampla ponderação e diálogo, em direção ao bem-estar social detectado no
indivíduo. Todavia, a teoria de Ackerman está fundada na autonomia individual
como direcionadora da interação com os demais indivíduos, deixando em segundo
plano a fundamentação nos valores compartilhados pela comunidade.

De fato, Bruce Ackerman, op.cit., p. 368, afirma que na medida em que é


moralmente melhor respeitar a autonomia moral de cada um do que forçá-lo a
atingir alguma concepção do bem, deve-se ter um compromisso com a
neutralidade. Não é necessário que a autonomia seja o único bem, a ela basta que
seja o maior de todos os bens. À p. 369, diz que o Estado liberal tem quatro “vias
principais”: realismo sobre a corrosividade do poder; reconhecimento da dúvida
como passo necessário ao conhecimento moral; respeito pela autonomia das
pessoas; ceticismo com relação à realidade de sentido transcendental.

[30] Cf. Thomas Spragens, op.cit., pp. 44-45. Veremos que Rawls traça o conceito
de “consenso sobreposto” para tentar superar este impasse.

[31] A referência parece invocar o conceito rawlsiano de “sociedade bem


ordenada”, que veremos adiante. 

[32] Cf. Thomas Spragens, op.cit., pp. 45-46.

[33] Idem, ibidem, pp. 46-47.

https://jus.com.br/imprimir/64770/liberalismo-de-rawls-x-comunitarismo 34/44
13/09/2022 23:23 Liberalimos de Rawls x comunitarismo: há condições para implantação dos ideais comunitaristas-liberais no Brasil? - Jus.co…

[34] Cf. Ricardo Lobo Torres, “A cidadania multidimensional na era dos direitos”,
in “Teoria dos direitos fundamentais”, org. pelo autor, p. 241, “a noção de
fraternidade (...) perdeu o vigor durante os oitocentos. Só no séc. XX é que volta a
integrar a equação valorativa dos direitos fundamentais e da justiça, agora sob a
expressão da solidariedade. Da mesma forma que a igualdade, a solidariedade é
um princípio vazio, pois não traz conteúdos materiais específicos, podendo ser
visualizada ao mesmo tempo como valor ético e jurídico, absolutamente abstrato,
e como princípio positivado nas Constituições. É sobretudo uma obrigação moral
ou um dever jurídico. Mas, em virtude da correspectividade entre deveres e
direitos, informa e vincula a liberdade, a justiça e a igualdade. Sendo conceito
extremamente complexo, porque vazio, a solidariedade encontra adequada
fundamentação através do estudo sobre a cidadania.  

[35] Cf. Thomas Spragens, op.cit., p. 47.

[36] À p. 48, o professor Spragens, op. cit., admite que toma emprestado o termo
cunhado por Rawls. Fala ainda que em sua concepção tais “valores centrais”
seriam simples e “não-contenciosos”, abrangendo alguns dos valores que
aprendemos no jardim de infância.

[37] Cf. Thomas Spragens, op.cit., p. 49-50, “Libertarians would seem for all
practical purposes content to have citizens be strangers as long as they are free.
And egalitarians tend either to ignore the conditions of civic friendship or to
conceive them in very abstract and implausible ways. Moreover, they have in
recent years often championed in the name of diversity policies and ideals that,
whatever their putative virtues, threaten to deepen social divisions.
Communitarians can recognize that pluralism is both a fact of life and - as a
derivative of autonomy and authen­ticity - a valid norm. But they also are aware
that societies devoid of moral consensus or a sense of common purpose have
numerous diffi­culties governing themselves, and they recognize that achieving the
necessary minima in these respects cannot be taken for granted except in the most
homogeneous and compact polities.”

[38] Cf. Thomas Spragens, op.cit., pp. 48, 49-50. As ideias expostas nesse
parágrafo não diferem muito das de Rawls, cf. veremos adiante.

[39] Cf. Thomas Spragens, op.cit., p. 49, “Libertarian liberals have


characteristically focused on the market as the central institution of their ideal
society, understandably so because markets are constituted by the consensual
transactions of self-interested individuals that libertarians see as the essence of
legit­imate social interaction. Egalitarians, on the other hand, have for equally
understandable reasons concentrated on the welfare state as the engine of social
equality. Without denigrating for a moment the importance of state and market,
communitarian liberals insist upon the crucial role of local communities, families,
neighborhoods, churches, educational institutions, and civic associations in
creating a productive environment for human development and happiness. Good

https://jus.com.br/imprimir/64770/liberalismo-de-rawls-x-comunitarismo 35/44
13/09/2022 23:23 Liberalimos de Rawls x comunitarismo: há condições para implantação dos ideais comunitaristas-liberais no Brasil? - Jus.co…

social policies, therefore, should seek to bolster the health of these civic
institutions. Strong markets and strong governments can crowd out or undermine
the role of these institutions, and a wise liberal society would take steps to mitigate
this tendency. lndeed, it is the serious decline in familial and educational
institutions during the past couple of decades in this country that more than
anything has provided the impetus for communitarian ideas.”

[40] Rogers M. Smith, “Citizenship and National Service”, in Amitai Etzioni (org.),
op.cit., p. 257, propõe diversos programas de Serviço Social Nacional, de forma a
enriquecer o conhecimento cívico aproveitando os talentos/capacidades de seus
participantes em novos contextos e formas sociais, estimulando
atividades/serviços em que haja a integração entre diferentes setores, grupos e
comunidades tradicionalmente apartados na sociedade. A proposta é claramente
inclusiva e pluralista, tendente a promover a apreciação das variadas comunidades
que compõem a sociedade norte-americana, bem como a construção de uma
“identidade cívica” nacional

[41] Cf. Thomas Spragens, op.cit., p. 50, “(...) this is one reason that
communitarians tend to like the idea of a national service program, for example.
They will seek to promote institutions, such as the public schools, that bring
people from dif­ferent backgrounds together in common endeavor. And they will
champion a public rhetoric of common identity and inclusiveness.”

[42] Cf. Thomas Spragens, op.cit., p. 59, os comunitaristas têm a mesma


preocupação de Tocqueville de que a dinâmica da democracia liberal possa levar
ao excesso de privatismo e ao esquecimento da esfera pública e do espírito
público.

[43] Idem, ibidem, pp. 50-51. A respeito dos programas de serviço social, Rogers
M. Smith, op.cit., p. 250, faz inúmeros questionamentos para orientar a direção
dos programas: a) Se deveria ser uma opção voluntária para os cidadãos que
sempre tem direitos a escolher seus compromissos, ou se seria uma obrigação
jurídica fundada em suas identidades cívicas; b) se os programas nacionais
deveriam exibir integração étnica, racial, religiosa e econômica em todos os níveis,
ou se seria mais eficaz e justo encaminhar as pessoas para servirem em suas
próprias comunidades de origem; c) se o serviço social nacional deveria apenas
assistir as várias comunidades em suas formas correntes, ou se deveria também
procurar alterá-las ou orientá-las em direções mais democráticas e inclusivas. À p.
236, o Professor reconhece que as propostas de um serviço nacional voluntário e
compensado (mediante algum tipo de remuneração) sem dúvida encontram muito
mais apoio do que as propostas fundadas na imposição, na obrigatoriedade.

[44] Cf. Thomas Spragens, op.cit., p. 51.

https://jus.com.br/imprimir/64770/liberalismo-de-rawls-x-comunitarismo 36/44
13/09/2022 23:23 Liberalimos de Rawls x comunitarismo: há condições para implantação dos ideais comunitaristas-liberais no Brasil? - Jus.co…

[45] V. Robert Booth Fowler, “Community – reflections on definition”, in Amitai


Etzioni (org.), New communitarian thinking – persons, virtues, institutions and
communities, Charlottesville/London, University Press of Virginia, 1995, p. 88.

[46] Idem, ibidem, pp. 88-89.

[47] Idem, ibidem, p. 89. Vide ainda Michael Walzer, “The communitarian
critique of liberalism”, in Amitai Etzioni (org.), New communitarian thinking –
persons, virtues, institutions and communities, Charlottesville/London,
University Press of Virginia, 1995, pp. 67-68, onde fala do renascimento do
republicanismo nos EUA, dizendo que se trata de um movimento
predominantemente acadêmico, uma vez que dentre as comunidades que
integram a sociedade civil raramente se veem associações tipicamente
republicanas. O republicanismo seria uma doutrina integrada e unitária voltada
primordialmente para a esfera política. Seria, portanto, uma doutrina adaptada às
necessidades de comunidades pequenas e homogêneas, nas quais a sociedade civil
é radicalmente indiferenciada. Sustenta que a doutrina republicana deve ser
“estendida”, para a formação na sociedade de uma “república de repúblicas”, em
uma revisão descentralizada e participativa da democracia liberal. Um
fortalecimento de governos locais poderia ser promovido, de forma a encorajar o
desenvolvimento das virtudes cívicas em um contexto pluralista.

[48] Idem, ibidem, pp. 89-90.

[49] Idem, ibidem, pp. 90.

[50] Idem, ibidem, pp. 91-92.

[51] Idem, ibidem, pp. 93-95.

[52] Cf. Michael Walzer, “The communitarian critique of liberalism”, in Amitai


Etzioni (org.), New communitarian thinking – persons, virtues, institutions and
communities, Charlottesville/London, University Press of Virginia, 1995, pp. 54-
55.

[53] Cf. Catherine Audard, glossário in John Rawls, Justiça e Democracia, São
Paulo, Martins Fontes, 2000, p. 380, a posição original é um procedimento
figurativo que permite representar os interesses de cada um de maneira tão
equitativa que as decisões daí decorrentes serão elas próprias equitativas. Rawls
posteriormente modificou esse procedimento, diferenciando entre interesses
racionais (de cada um na concepção e busca de seu próprio bem) e razoáveis
(resultantes da interação com os interesses dos outros), estando estes últimos
ligados ao senso de justiça, bem como a noções de reciprocidade e cooperação. O
razoável passa a condicionar o racional, tendo em vista a prioridade do justo sobre
o bem.  Na posição original, os indivíduos se encontram sob um véu de ignorância,

https://jus.com.br/imprimir/64770/liberalismo-de-rawls-x-comunitarismo 37/44
13/09/2022 23:23 Liberalimos de Rawls x comunitarismo: há condições para implantação dos ideais comunitaristas-liberais no Brasil? - Jus.co…

que lhes impede saber de suas capacidades e talentos pessoais, mas lhes permite
ter um conhecimento geral sobre os fatos da vida humana e sobre as conclusões da
ciência que não sejam controversas.

[54] Cf. Michael Walzer, op.cit, pp. 56-57.

[55] Idem, ibidem, pp. 58-59. À p. 60, todavia, o autor reconhece que ainda hoje a
melhor previsão de como as pessoas votarão nas eleições se dá pela informação de
como seus pais votaram, e isso é verdade inclusive se os pais são votantes
independentes, nesse caso, os filhos também estarão inclinados à tal postura.

[56] Idem, ibidem, pp. 59-62. V. ainda à p. 63: “O liberalismo é distinguido menos
pela liberdade de cada um de formar grupos com base em certas identidades,
como as sociais, étnicas, religiosas, do que pela liberdade de deixar esses grupos e
até mesmo essas identidades para trás.”

[57] Cf. Ricardo Lobo Torres, “A teoria da Justiça de Rawls e o pensamento de


esquerda”, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio
de Janeiro, n.5, 1997, Renovar, pp. 161-164, em sua obra “As esferas da justiça”
(1983), Walzer elabora um regime de “igualdade complexa” na distribuição dos
bens sociais em suas respectivas esferas, elaborado de forma a impedir o uso
tirânico de bens para favorecer o seu detentor (ou prejudicar outros indivíduos)
em outras esferas. Walzer diminui a importância do Estado, que passa a controlar
os monopólios e reprimir novas formas de dominação. Elabora, com isso, uma
espécie de socialdemocracia descentralizada. As próprias comunidades
estabeleceriam os critérios para distribuição dos bens: o poder local, o mercado, o
serviço civil aberto, a escola pública independente, a partilha do trabalho árduo e
do tempo livre, a proteção da vida religiosa e familiar, o controle dos
trabalhadores sobre as companhias, a política de partidos, os movimentos e
debates públicos. Com relação ao poder político, deve haver uma distribuição das
chances de exercê-lo, sendo cada cidadão um participante político potencial. Os
bens sociais devem ser distribuídos por diferentes razões e segundo vários
procedimentos e diversos agentes, as diferenças devem resultar das distintas
compreensões dos próprios bens sociais (análise particularista, histórica e
cultural). Como princípios de distribuição elenca: merecimento, qualificação,
nascimento, amizade, necessidade, livre intercâmbio, a lealdade política e a
decisão democrática. É o significado social dos bens que justifica sua distribuição.
A distribuição deve ser autônoma, procedendo-se de dentro de cada esfera
segundo critérios específicos. Bens sociais como saúde e segurança devem estar na
esfera pública e ser providos. A proposta de Walzer foi criticada, sendo chamada
de formalista, relativista e utópica, pois o papel conferido ao Estado, como um
mero árbitro da obediência - de todos - aos limites de cada esfera da justiça não
seria capaz de assegurar por si só uma distribuição justa dos bens sociais. Para uns
inclusive se tratava de uma nova teoria do Estado mínimo. Walzer posteriormente
reformulou alguns de seus conceitos, e reconheceu ter “superestimado a justiça do
sistema de distribuição e subestimado o Estado enquanto agente da justiça

https://jus.com.br/imprimir/64770/liberalismo-de-rawls-x-comunitarismo 38/44
13/09/2022 23:23 Liberalimos de Rawls x comunitarismo: há condições para implantação dos ideais comunitaristas-liberais no Brasil? - Jus.co…

distributiva”; passa a adotar uma posição mais coerente com seus postulados
sociais-democratas. Mas a intervenção direta do Estado não é necessária,
cabendo-lhe em muitos casos apenas financiar e facilitar o trabalho das
associações beneficentes (Igreja, sindicatos, cooperativas, associações de
vizinhança, grupos de interesses).

[58] Adiante veremos o conceito de sociedade bem ordenada de Rawls.

[59] Idem, ibidem, pp. 63-64. A referência ao conceito de “consenso sobreposto”


de Rawls, é clara, cf. veremos.

[60] Idem, ibidem, pp. 65-66, 68.

[61] Para uma visão ampla da cidadania, v. Ricardo Lobo Torres, “A cidadania
multidimensional na era dos direitos”, in Teoria dos Direitos Fundamentais (org.
pelo autor), Rio de Janeiro, Renovar, 1999, pp. 239-324, na quais defende que a
cidadania abrange as dimensões temporal (direitos civis, políticos, sociais e
econômicos, direitos difusos), espacial (cidadania local, nacional, mundial,
comunitária/européia e virtual), bilateral (que prevê a existência de deveres e de
direitos de cidadania, ainda que em relação assimétrica) e processual (que abrange
participação ativa nos assuntos políticos, nos processos administrativos,
legislativos e judiciais, de acordo com a Constituição e as leis).

[62] Cf. John Rawls, “A idéia de um consenso por justaposição” (1987), in Justiça
e Democracia, São Paulo, Martins Fontes, 2000, p. 272.

[63] Idem, ibidem, pp. 274-275

[64] Idem, ibidem, p. 275. A respeito da eliminação da pauta política dos pontos
inconciliáveis entre diferentes concepções sobre a vida boa, David Hollenbach,
“Virtue, the common good and Democracy”, in Amitai Etzioni, (org.), op.cit., p.
145, alerta que, se por um lado essa postura visa a evitar conflitos e a promover a
harmonia social, por outro pode ameaçar a democracia ao estimular a alienação e
a anomia. Entende, p. 147, que Rawls teme uma teoria compreensiva da vida boa
na esfera pública em face da imagem de tal esfera com o domínio exercido pelo
poder coercitivo do Estado.

[65] Cf. John Rawls, “A idéia de um consenso por justaposição”, (1987), op.cit., p.
275.

[66] Idem, ibidem, p. 276.

[67] Cf. John Rawls, Liberalismo Político, 2.ed. bras., São Paulo, Ática, 2000, pp.
47-49. Às pp. 345 e 352, Rawls enumera as liberdades fundamentais dos cidadãos:
a liberdade de pensamento e de consciência; as liberdades políticas e a liberdade

https://jus.com.br/imprimir/64770/liberalismo-de-rawls-x-comunitarismo 39/44
13/09/2022 23:23 Liberalimos de Rawls x comunitarismo: há condições para implantação dos ideais comunitaristas-liberais no Brasil? - Jus.co…

de associação, as liberdades especificadas pela liberdade e integridade da pessoa; e


os demais direitos e liberdades abarcados pelo império da lei, inclusive o direito de
propriedade e a liberdade contratual.

[68] John Rawls, Liberalismo político, cit., p. 49. V. ainda John Rawls, “A
prioridade do justo sobre as concepções do bem” (1988), in Justiça e Democracia,
São Paulo, Martins Fontes, 2000, p. 302, em que a lista básica de bens primários
citada por Rawls abrange, além dos direitos e liberdades básicos, a liberdade de
circulação e de escolha da ocupação, os poderes e as prerrogativas pertinentes de
certos empregos e posições de responsabilidade nas instituições políticas e
econômicas da estrutura básica; as rendas e a riqueza; as bases sociais do respeito
próprio.

[69] Cf. John Rawls, Liberalismo político, pp. 51, 56, 57 e 58.

[70] Idem, ibidem, p. 355.

[71] V. Amitai Etizioni, “Old Chestnuts, new Spurs Communitarian Liberalism”, in


Amitai Etzioni (org.), New communitarian thinking – persons, virtues, institutions
and communities, Charlottesville/London, University Press of Virginia, 1995, p.
16. Concordamos com o professor, por entendermos que o indivíduo construído
modernamente como “ser”  pensante, autônomo, racional, moral, controlador de
suas paixões em prol do bem comum, não se trata de uma definição do que o
homem é em qualquer caso, mas a definição de um projeto de ser humano
desejável, que todavia depende da existência de determinadas condições de
desenvolvimento e sociabilidade no meio em que cada pessoa nasce, cresce e se
desenvolve. O “homem moderno”, guardadas as devidas correções teóricas
contemporâneas, trata-se no máximo de algo que pode vir a ser. Adiante falaremos
um pouco mais sobre o assunto.

[72] Idem, ibidem, pp. 16-17.

[73] Idem, ibidem, p. 17.

[74] Idem, ibidem, p. 17.

[75] Idem, ibidem, p. 17. Nesse ponto fica clara a remissão aos direitos humanos,
que serão discutidos adiante.

[76] Idem, ibidem, pp. 17-18.

[77] Idem, ibidem, p. 18.

[78] Idem, ibidem, pp. 18-19. De se lembrar que Michael Walzer, “The
communitariam critique of liberalism”, in Amitai Etzioni (org.), “New
Communitarian Thinking...” (op. cit.), p. 70, reconhece que a crítica comunitarista
do liberalismo tende a ressurgir de tempos em tempos, em sociedades liberais
como a norte-americana, sempre que as suas tendências dissociativas superarem

https://jus.com.br/imprimir/64770/liberalismo-de-rawls-x-comunitarismo 40/44
13/09/2022 23:23 Liberalimos de Rawls x comunitarismo: há condições para implantação dos ideais comunitaristas-liberais no Brasil? - Jus.co…

excessivamente as tendências associativas dos indivíduos, na sociedade. À p. 54,


reconhece nos escritos de Marx dos anos 1840 uma das primeiras críticas
comunitaristas ao liberalismo na História.

[79] Idem, ibidem, p. 19. V. ainda o artigo de Putnam, “Bowling Alone: America’s
Declining Social Capital”, Journal of Democracy, vol.6, n.1., Baltimore, John
Hopkins University Press, 1995. Nele Putnam analisa o declínio, na sociedade
norte-americana das últimas décadas do séc. XX, do “capital social”, isto é, aquelas
características de uma dada organização social, como a participação em entidades
civis, a existência de normas e redes de cooperação social e confiança mútua,
essenciais para o bem-estar social.

[80] Cf. Amitai Etzioni, op.cit., p. 19.

[81] Idem, ibidem, p. 19

[82] V. a esse respeito, Ricardo Almeida R. da Silva, op. cit., p. 205.

[83] V. Aristóteles, Ética a Nicômacos, Brasília, UnB, 1992, p. 95: “(...) E já que o
igual é o meio termo, o justo será um meio termo. Ora: a igualdade pressupõe no
mínimo dois elementos; o justo, então, deve ser um meio termo, igual e relativo
(por exemplo, justo para certas pessoas), e na qualidade de meio termo ele deve
estar entre determinados extremos (respectivamente ‘maior’ e ‘menor’); na
qualidade de igual ele pressupõe duas participações iguais; na qualidade de justo
ele o é para certas pessoas.  (...) O justo, então, é uma das espécies do gênero
‘proporcional’ (a proporcionalidade não é uma propriedade apenas das
quantidades numéricas, e sim da quantidade em geral).” Nessa época, todavia, as
considerações de proporcionalidade na distribuição dos cargos de governo, de
dinheiro ou de outras coisas permitidas pela constituição da cidade, estavam
inseridas em um sistema que excluía da cidadania (enquanto participação na
esfera pública/política) inúmeros grupos sociais, como o dos escravos, o dos
estrangeiros e o das mulheres, que dessa forma tinham um “tratamento
proporcional” (isto é, diferenciado/desigual), conforme à posição social
(decorrente da visão preconceituosa) que ocupavam.

[84] Cf. Etzioni, op. cit., p. 20, início, p. 19, in fine. Às pp. 20 e 21, o autor, a título
de exemplo, fala que o direito de ser julgado por seus pares só se torna viável se
houver o dever de servir como jurado. Lembra que muitas vezes o indivíduo quer
se beneficiar de serviços e instituições sociais e/ou comunitários mas não quer
contribuir para eles, como nos casos do pagamento de impostos ou da prestação
de serviços sociais voluntários. Essa exigência só de direitos e não de
responsabilidades (especialmente na organização quotidiana das comunidades
que integram – e/ou extrapolam - uma sociedade estatal) seria “moralmente
indefensável” sempre que os dois elementos fossem interdependentes, caso em
que o não respeito das responsabilidades inviabilizaria o funcionamento dos
serviços e instituições que são essenciais para o respeito aos direitos. 

https://jus.com.br/imprimir/64770/liberalismo-de-rawls-x-comunitarismo 41/44
13/09/2022 23:23 Liberalimos de Rawls x comunitarismo: há condições para implantação dos ideais comunitaristas-liberais no Brasil? - Jus.co…

[85] Idem, ibidem, p. 21. O autor exemplifica (mas sem tomar partido), falando da
hipótese de os motoristas de ônibus escolares serem submetidos a exames para
detectar o consumo de substâncias ilícitas.

[86] Idem, ibidem, p. 22.

[87] Idem, ibidem, pp. 22-23.

[88] Idem, ibidem, pp. 24-25.

[89] Idem, ibidem, p. 25.

[90] Idem, ibidem, p. 25.

[91] Idem, ibidem, p. 25.

[92] Idem, ibidem, p. 26.

[93] Idem, ibidem, p. 27.

[94] Idem, ibidem, p. 28.

[95] Idem, ibidem, pp. 29-30.

[96] Idem, ibidem, p. 33.

[97] Idem, ibidem, p. 34.

[98] Idem, ibidem, p. 34.

[99] Ressalte-se que a utilização do termo “comunidade” no presente estudo não


apresenta o mesmo significado que o termo assume para Rawls, pois para este,
seria uma determinada “sociedade governada por uma doutrina religiosa,
filosófica ou moral abrangente e compartilhada.” V. Rawls, Liberalismo político,
pp. 84-86.

[100] David Hollenbach, op. cit., pp. 150-153, fala da virtude da “solidariedade
expandida”, que se divide nas áreas intelectual, religiosa, artística e social. Ela
pressupõe que as partes pertencentes a diferentes grupos e comunidades estejam
dispostas a levar a sério os outros grupos e pessoas, de forma a viabilizar um
diálogo sobre como o mundo interdependente (tecnologicamente,
economicamente, politicamente, socialmente) que dividimos deveria ser moldado
e estruturado. Há a esperança de que a compreensão substitua a incompreensão e
que até alguns acordos sejam estabelecidos. Essas discussões, todavia, devem
ocorrer não na esfera política governamental, mas na sociedade civil pluralista,
composta pelas comunidades que são os detentores primários dos significados e
valores culturais. As discussões pressupõem também uma educação questionadora

https://jus.com.br/imprimir/64770/liberalismo-de-rawls-x-comunitarismo 42/44
13/09/2022 23:23 Liberalimos de Rawls x comunitarismo: há condições para implantação dos ideais comunitaristas-liberais no Brasil? - Jus.co…

do sentido da vida boa. Defende que as Universidades deveriam ser alguns dos
locais onde discussões reais sobre a adequação ou veracidade de certas concepções
do bem comum deveriam estar ocorrendo. Pressupõem ainda a promoção de
experiências entre setores mais ricos e outros, menos favorecidos. Ressalta o
Professor que o processo de expansão e aprofundamento do consenso deve
continuar se queremos lidar com as novas formas de interdependência social de
fins do séc. XX. As virtudes de solidariedade e responsabilidade mútua entre
cidadãos são pré-requisitos para que essa interdependência seja reconhecida e
orientada para o bem comum em uma democracia pluralista.

[101] Para Rawls, “A prioridade do justo e as concepções do bem”, in Justiça e


Democracia, 2000, pp. 317-318, a educação das crianças deverá comportar o
estudo de seus direitos cívicos e constitucionais, a fim de que elas saibam que a
liberdade de consciência existe em sua sociedade de  forma que possam optar ao
ser tornarem adultos, entre seguir ou não uma determinada concepção religiosa
ou filosófica; além disso, a educação deve prepará-las para serem membros
integrais da sociedade e capazes de autonomia; deve também encorajar as virtudes
políticas a fim de que elas desejem respeitar os termos equitativos da cooperação
social nas suas relações com o resto da sociedade.

[102] Cf. John Rawls, Liberalismo político, cit., p. 49., que na época fez um
aperfeiçoamento em sua Teoria da Justiça, “o primeiro princípio, que trata dos
direitos e liberdades básicos e iguais, pode ser facilmente precedido de um
princípio lexicamente anterior, que prescreva a satisfação das necessidades
básicas dos cidadãos, ao menos à medida que a satisfação dessas necessidades seja
necessária para que os cidadãos entendam e tenham condições de exercer de
forma fecunda esses direitos e liberdades”. Ou seja, seria como se Rawls
reconhecesse a existência de um “princípio zero”, onde a dignidade humana
nasceria. Sem acesso a educação, saúde, cultura, lazer, saneamento básico etc. (e
aqui insiro a convivência comunitária), o ser humano não tem condição de se
desenvolver com dignidade para exercer seus direitos civis e políticos. Afinal, se
não possui saúde, sua liberdade de ir e vir fica prejudicada, se não possui boa
instrução, não conseguirá um bom trabalho nem boa renda, o que também lhe
tolherá a liberdade de ir para outros lugares; se não possui uma instrução de
qualidade e uma cultura razoável em termos de conhecimentos sociais e políticos,
poderá facilmente ser manipulado quando do exercício de seus direitos políticos.
Veja-se, portanto, que todos os direitos estão relacionados, são interdependentes,
mas uns – os direitos sociais, econômicos e culturais – são condicionantes para o
bom exercício dos direitos civis e políticos.

[103] Entendemos dessa forma, pois mesmo nas cidades onde não há orçamento
participativo, é competência privativa do Chefe do Executivo propor iniciativa de
projeto de lei sobre orçamento, e cabe à Câmara, especialmente por seu
presidente, encaminhar o projeto e proceder às votações das leis orçamentárias. E
uma vez que, a partir do Estatuto da Cidade, a implantação do orçamento

https://jus.com.br/imprimir/64770/liberalismo-de-rawls-x-comunitarismo 43/44
13/09/2022 23:23 Liberalimos de Rawls x comunitarismo: há condições para implantação dos ideais comunitaristas-liberais no Brasil? - Jus.co…

participativo passou a ser obrigatória, passou a também integrar uma fase


procedimental necessária do processo orçamentário municipal, que, como visto,
depende de atuação - mediante ato de ofício - dos chefes do Executivo e do
Legislativo para que seja implementada.

Autor
Eduardo Pereira Nogueira da Gama

Delegado de Polícia Civil do DF,


Professor de Direito
Administrativo, Direito Penal e Direito Processual Penal,
Mestre em Direito Público (UERJ-2003),
Especialista em Gestão de Polícia
Civil (UCB-2010),
Bacharel em Direito (UFES-1997)

Site(s):

lattes.cnpq.br/4680960018996543

Informações sobre o texto


Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GAMA, Eduardo Pereira Nogueira da. Liberalismo de Rawls x comunitarismo:


Diferenças, compatibilidades e condições para implantação dos ideais
comunitaristas-liberais no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862,
Teresina, ano 23, n. 5472, 25 jun. 2018.
Disponível em:
https://jus.com.br/artigos/64770. Acesso em: 13 set. 2022.

https://jus.com.br/imprimir/64770/liberalismo-de-rawls-x-comunitarismo 44/44

Você também pode gostar