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Nas últimas três décadas do século XX, ganhou nova força no mundo o
“liberalismo individualista”[2], na filosofia política, na cultura social e na prática
política de vários povos do mundo, o que acabou provocando um isolamento
excessivo das pessoas em suas sociedades “estatais”. Esse “liberalismo renovado”,
por sua vez, está relacionado com vários fatores: a) a “falência” do modelo de
Estado conhecido como “Welfare State”, que gerou em inúmeros regimes
capitalistas um Estado paternalista, agigantado e deficitário, por ter assumido
inúmeras responsabilidades na satisfação dos interesses e necessidades sociais,
muitas vezes além de suas capacidades; b) a derrocada dos regimes socialistas do
leste europeu, o que fez com que os ideais “individualistas”, associados ao “bloco
capitalista”, passassem a ser mais valorizados, em detrimento dos ideais
integracionistas, associados geralmente ao extinto “bloco comunista”; c) a
intensificação da interdependência entre mercados e do intercâmbio entre
culturas, com o desenvolvimento de redes mundiais de comunicação em tempo
real; a globalização financeira e comercial, informacional e cultural, por sua vez,
leva a uma discussão permanente entre o universal/geral e o regional/particular.
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2. O LIBERALISMO COMUNITARISTA
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Se por um lado essa era uma concepção um pouco burguesa da virtude, nem por
isso era uma celebração de um autointeresse isolado. Seu individualismo político e
econômico era limitado por outros valores e obrigações: assim, por exemplo, os
direitos de propriedade privada estavam vinculados ao esforço (trabalho)
humano; as nossas próprias vidas, sendo propriedade de Deus, não poderiam ser
tiradas nem por nós mesmos; devemos administrar nossas vidas de forma
responsável. [15]
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criação de outros bens humanos. Dentre estes, podemos citar a criação de uma
união social contra opressões; o aumento da igualdade social, da prosperidade, da
estabilidade e da amizade cívica; o desenvolvimento moral, a solidariedade social e
o senso comunitário. Lembra o Professor Spragens que esse “otimismo” (em
relação ao poder transformador da liberdade e da igualdade), se por um lado era
um pouco exagerado, por outro, estava fundado na convicção de que todos esses
“bens humanos” eram mutuamente causativos.[18]
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Segundo Thomas Spragens, nenhuma das duas correntes fornece uma noção
convincente da “boa sociedade”, por extraírem um elemento de seu contexto e o
oferecerem como objetivo principal da organização política e das políticas
públicas. Ambas têm partes da verdade, perdendo todavia dimensões de uma
sociedade bem ordenada.[31] As críticas trocadas seriam mais sólidas do que cada
registro ou teoria própria: os libertarianistas não percebem que uma sociedade
fundada exclusivamente no mercado leva a desigualdades profundas, gerando
divisões e tensões sociais e preocupações egoístas; os igualitarianistas, por sua vez,
não percebem que o regime estatista, enquanto motor da igualdade, seria por
demais coercitivo, deletério da excelência e da eficiência e estimulador de outras
formas de hostilidade grupal. O professor questiona como a liberdade, vista como
simples “falta de impedimento” (na herança teórica de Hobbes), pode ser a
finalidade essencial de uma sociedade; além disso, questiona também em que
termos se quer uma sociedade “igualitária”, pois seria preferível ocupar uma
posição inferior (e desigual) em uma sociedade próspera, do que ocupar uma
posição igual a todos em uma sociedade pobre.[32]
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XXI) é diferente, por apresentar inúmeras formas de pensar convivendo entre si; a
realidade contemporânea abrange capitalismo industrial, globalização,
democracia de massas e pluralismo social. [33]
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Michael Walzer defende que duas críticas comunitaristas ao liberalismo devem ser
revistas: a) a de que a teoria política liberal representa perfeitamente a prática
social liberal; b) a de que a teoria liberal não representa, em seu fundamento, a
vida real. Com relação à primeira, ressalta que em certas teorias liberais a história
de luta contra a opressão de tradições, comunidades e autoridades anteriores é
esquecida, pois mesmo sendo celebrada, essa história é substituída por outra, a de
que a sociedade se origina de uma criação ex nihilo (isto é, do nada), a qual se dá
no estado de natureza ou na “posição original”. Nesse ponto, afirma Walzer que se
uma sociedade é vista somente como um conjunto de práticas de fragmentação,
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Mas isso não seria totalmente verdadeiro, pois a segunda crítica comunitarista ao
liberalismo também teria algum fundamento: a teoria liberal não representa, em
seu fundamento, a vida real. A referência a John Rawls fica mais clara quando fala
da figura mítica da “posição original”[53]: cada indivíduo imagina a si mesmo
absolutamente livre, desimpedido, relegado à sua própria sorte, e entra na
sociedade, aceitando suas obrigações, somente para poder minimizar os seus
“riscos” e maximizar os seus ganhos. Seria da própria natureza da sociedade
humana o fato de as pessoas nascerem já fazendo parte de determinadas
comunidades, que por sua vez possuem determinados valores, padrões de
relacionamento, redes de poder. Esses laços comunitários forjarão a “identidade”
da pessoa, e é a partir dessa “base” que a pessoa poderá se distinguir de suas
comunidades e dos valores que foram herdados.
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Assim, percebemos que, para Walzer, os ideais liberais também são compatíveis
com os comunitaristas, devendo apenas o Estado promover iniciativas que
estimulem a formação de associações, mormente as que desenvolvam esferas
públicas de discussão, e sejam compatíveis com uma sociedade pluralista. [61]
Essa idéia remete diretamente à idéia de John Rawls sobre a necessidade, nas
democracias liberais constitucionais contemporâneas, de um “consenso
sobreposto por justificação” que assegure padrões mínimos de justiça para a
estrutura básica da sociedade e para a distribuição dos bens sociais. Segundo John
Rawls, nas sociedades contemporâneas existem inúmeras doutrinas morais, gerais
e abrangentes, que estariam em constante contato e atrito. Uma doutrina moral é
geral quando se aplica a uma ampla variedade de temas de apreciação (ou seja,
todos os temas possíveis) e é abrangente quando compreende concepções sobre
aquilo que constitui o valor da vida humana, ideais da virtude pessoal e do caráter
e de tudo o que pertence a essa ordem, que nos deve informar sobre a nossa vida
em conjunto. [62]
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a) o princípio da democracia, que diz que o governo do Estado deve ter a sua
origem na própria sociedade;
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j) o princípio do Estado de Direito, quando fala dos demais direitos e liberdades
abarcados pelo império da lei;
6. O COMUNITARISMO AUTÔNOMO
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Os valores comunitários não podem ser impostos por grupos externos ou por elites
e/ou minorias, devendo ser gerados por diálogo aberto a todos os membros da
comunidade. Nesse contexto, os valores herdados são o ponto de partida para o
debate, e devem ser ajustados às mudanças circunstanciais e às diferentes
composições comunitárias. [74]
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Sob outro ângulo, todavia, essa tensão entre indivíduo e comunidade pode ser
encaminhada para que se torne fonte de mudança para a sociedade e/ou
comunidade, quando se dá atenção à expressão do indivíduo em sua parte criativa
e não comum. Esse processo tem também o potencial de gerar uma maior
estabilidade psicológica nas pessoas, além de desenvolver nelas virtudes sociais e
pessoais, quando se dá atenção àquela parte de cada um que é compartilhada com
a comunidade e/ou sociedade.[80]
Etzioni explica o seu caminho do meio fazendo uma analogia dele com a imagem
do arco feito de tijolos. Sem o arco, os tijolos são um monte de entulho. Sem os
tijolos o arco não existe. Deve haver uma relação tal entre os tijolos de forma a
construir uma tensão ideal para manter os laços e o arco. Se a tensão é excessiva
ou deficiente, o arco desmorona.[81] A analogia com a busca aristotélica do meio
termo no alcance da “excelência” é clara.[82] Aliás, Aristóteles, ao definir a justiça
como uma espécie de proporcionalidade, dizia que esta era derivada de uma
ponderação entre o excesso e a falta. Essa ponderação deveria sempre ser dirigida
para o bem comum, daí a justiça ser definida como uma forma de excelência
moral.[83]
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Os psicólogos e sociólogos têm dito que indivíduos atomizados (sem laços sociais),
vivendo em um mundo liberal de direitos, não têm capacidade de agir livremente.
Percebe-se, portanto, que os direitos se encontram em perigo sempre que os laços
sociais são rompidos. Aliás, Toqueville chegou a reconhecer que a melhor proteção
contra o totalitarismo é uma sociedade pluralista, forjada por comunidades e/ou
associações voluntárias, ao invés de uma sociedade de detentores de direitos
altamente individualizados.[86]
Sobre o conceito de comunidades, entende que são redes de relações sociais que
incluem ideias/significações e valores compartilhados, podendo ou não estarem
relacionadas com algum espaço geográfico. Como exemplos de comunidades, cita
famílias, vilas (ainda que potencialmente) e vizinhanças, além de associações
nacionais, étnicas ou religiosas. Faz uma crítica à Michael Sandel por este elogiar
qualquer tipo de comunidade, lembrando que as comunidades não são
necessariamente lugares de “virtude” (ou do que seriam virtudes cívicas), muitas
ao longo da história têm sido homogêneas, monolíticas, autoritárias e opressivas;
outras se trancam em valores que a maioria julga serem odiosos, como no caso dos
racistas da Ku-Klux-Klan.[88]
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A partir disso questiona como assegurar que tais processos, por serem
parcialmente deliberativos, tornem-se, todavia, democráticos, substancialmente
morais e empiricamente sólidos. Uma primeira condição seria que as decisões das
comunidades fossem baseadas em questionamentos de base empírica, como por
exemplo, se a pena de morte tem reduzido as taxas de criminalidade. Uma
segunda condição seria que os processos deliberativos fossem moralmente
apropriados. Esta condição seria alcançada quando estivesse de acordo com
corretos processos de formação de consenso (pelo “discurso pacífico”, fundado na
razoabilidade e na não- discriminação e não-opressão), e quando não violasse um
conjunto básico de valores supremos.[94]
Põe-se a questão sobre qual deve ser a fonte dos valores supremos que devem
funcionar como limites às decisões comunitárias, bem como o que dá a eles essa
posição superior. Sobre as fontes, faz algumas suposições: a) religião: seriam os
preceitos comuns à Bíblia, à Torá, ao Alcorão e a outros textos sagrados; b) o
Direito natural, constituído por padrões gerais de conduta de acordo com o que é
próprio, honesto, reto, direito, para todas as comunidades; c) valores respeitados
universalmente, como “não matarás”, sendo que nesse caso o fundamento moral é
precário, pois muitos não são universais e há países, como o Irã, em que queimar
livros e matar os seus autores é valorizado; d) a deontologia, composta por deveres
morais vinculantes e incontestáveis (ex. verdade é superior à mentira), presentes
na cultura da sociedade, no estilo proposto por John Rawls, e preferido por
Etzioni; e) o interesse público/social predominante: presunção de legitimidade
dos valores comunitários, a menos que a comunidade nacional demonstre que há
um interesse vinculante/superior em proibir/limitar determinada prática.[95]
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Com base nessa capacidade, podemos ver que o fato de a natureza humana ter
certos atributos não significa que precisamos abraçá-los ou aprová-los. Quando há
falta de escolhas racionais, em face de sistemas com menos capacidade racional,
podem ser utilizados equipamentos por meio dos quais se possa decidir
racionalmente. Devemos nos proteger contra os excessos, como o conformismo, os
modismos e as noções injustas que estão inseridas na cultura e que merecem um
exame normativo crítico aberto. [97]
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e) a educação deve ser dirigida para o cultivo das virtudes cívicas; a diferença será
na abrangência menor (Rawls) ou maior (comunitaristas) para o rol de virtudes
cívicas a serem estimuladas;[101]
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Assim, com base nos ideais comunitaristas, poderíamos propor uma discussão
sobre alguns “direitos” da realização humana (não necessariamente individuais,
sendo alguns sociais, outros difusos), também relacionados com a virtude cívica
da amizade cívica, ou da solidariedade:
1. direito a explicações sobre atos potencialmente danosos a si, sua família, seus
amigos, sua comunidade, seu país e mesmo o planeta (reforçado pelo princípio da
motivação dos atos administrativos);
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A lei, ao ser aplicada no tempo, parece mudar de “forma objetiva” quando ela é
revogada por outra, a partir de um prazo que foi pré-estabelecido. Mas,
especificamente a lei orçamentária, que é uma lei de efeitos concretos, votada para
ser aplicada em um espaço específico, antes de ser aplicada, muitas vezes, por
pressões da classe dominante, acaba sendo modificada e, com isso, a verba que iria
para uma comunidade carente acaba vindo a ser redirecionada para espaços
públicos que já tinham recebido investimentos públicos bem maiores, no passado,
do que aquela área carente. Com isso, a distância de qualidade de vida entre a área
privilegiada e a área carente só faz aumentar, a cada ano que passa.
Assim, necessária se faz uma postura mais engajada dos operadores jurídicos,
especialmente os juízes e membros do Ministério Público, em cobrar dos
governantes a realização de atos de ofício tendentes a efetivar a institucionalização
municipal da gestão orçamentária participativa, um dos mecanismos mais
importantes da gestão democrática das cidades, mas que não tem recebido
muita atenção em municípios onde prevalecem as práticas clientelistas e
patrimonialistas e onde os recursos públicos são em maioria alocados nos espaços
urbanos já elitizados, perpetuando a segregação urbana.
Mas, por incrível que pareça, o inciso I do art. 52, do Estatuto da Cidade (Lei nº
10257/2001), que previa como ato de improbidade a omissão do prefeito e do
presidente da Câmara em promover os atos necessários à implantação do
orçamento participativo, foi vetado pelo Presidente da República Fernando
Henrique Cardoso, convergindo com os interesses mais conservadores e os lobbies
mais antidemocráticos e elitistas, que não querem o dever de ter que dividir a
gestão local dos recursos públicos com comunidades pobres. Com isso, uma das
normas mais importantes para o pontapé inicial na gestão democrática das
cidades, foi simplesmente excluída do ordenamento jurídico por um ato unilateral
e isolado do Presidente, depois de ter sido aprovada pelo Congresso Nacional.
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Assim, mesmo tendo sido vetado o referido inciso do Estatuto da Cidade, como a
sua norma é tão importante, pode ser extraída de outros trechos de nosso
ordenamento, notadamente a Constituição e a própria lei de improbidade
administrativa, não estando de mãos atadas o Ministério Público, podendo ele
processar por improbidade administrativa os governantes que se omitirem em
promover ou estimular as discussões necessárias à implementação do
planejamento e da gestão orçamentária participativos.
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Partimos do ponto de vista que, para ter sustentabilidade, os projetos sociais não
devem a princípio estar fundados no trabalho voluntário, a não ser que este não
tome muito tempo das pessoas. Determinados projetos sociais exigem dedicação
integral, e para que sejam estáveis e produzam efeitos de longo prazo, devem
pressupor uma remuneração fixa para os que trabalham nos projetos. Isso
possibilitaria, a longo prazo, uma mudança da cultura e das práticas locais, pela
construção coletiva e espacial da cidadania com seus direitos, liberdades e
garantias correspondentes.
BIBLIOGRAFIA
ACKERMAN, Bruce. Social Justice in the Liberal State. New Haven: Yale
University Press, 1980.
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NOTAS
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[5] V. Ricardo Almeida R. da Silva, op.cit., p. 194, onde o autor menciona diversos
grupos de comunitaristas: a) o dos liberais comunitaristas, com Bruce Ackerman,
Michael Walzer, Charles Taylor, Thomas A. Spragens, Cass Sustein, Amy Gutmann
e Philip Selzinick, dentre outros; b) o dos comunitaristas autônomos, com Amitai
Etizioni e Robert Bellah; c) o dos neorrepublicanos, com Michael Sandel, Michael
Warner e J.G.A. Pocock; d) os dos tradicionalistas (ou conservadores), com Robert
Nisbet, Michael OakShott, Alasdair MacIntyre, Eric Volgelim e Leo Strauss. Este
último grupo, então, já não integrava o “movimento”, tendo inclusive Alasdair
MacIntyre reconhecido não ser um “comunitarista”, em seu artigo “The Virtues,
the Unity of a Human Life, and the Concept of the Good”, in Michael Sandel (org.),
Liberalism and its Critics. New York, New York University Press, 1984.
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[12] Cf. Amitai Etizioni, “Old Chestnuts, new Spurs Communitarian Liberalism”,
in Amitai Etzioni (org.), New communitarian thinking – persons, virtues,
institutions and communities, Charlottesville/London, University Press of
Virginia, 1995, pp. 19-20, Locke, Adam Smith e outros liberais clássicos deram
ênfase ao individualismo pois naquela época a “comunidade” era mais poderosa, o
interesse individual era sobrepujado, em prol dos interesses do Estado ou dos
interesses públicos; por isso é que lutavam por direitos individuais como os de
expressão, religião e proteção à propriedade privada. A sociedade americana de
início deu ênfase ao individualismo pois seus fundadores fugiram de sociedades
que impunham muitos encargos sobre os indivíduos, principalmente nas esferas
individuais mencionadas. V. ainda, p. 16, que os tratados liberais não só previam
direitos individuais, como pressupunham fundação comunitária
[19] V. Marilena Chauí, “Vida e Obra de Kant”, no volume “Os pensadores”, São
Paulo, Nova Cultural, 2000, p. 05. Kant também seria influenciado por Rousseau,
tomando a sua teoria da “autolegislação” (de cada cidadão na sociedade) e
desenvolvendo uma teoria da autonomia da vontade livre, racional e moral de
cada um como geradora das “leis internas” do “agir universal” em sociedade.
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[21] Cf. Thomas Spragens, op. cit., p. 43, o indivíduo em Locke, Mill, Adam Smith
e Condorcet gozava sua liberdade dentro de um contexto de obrigações e
responsabilidades complementares, derivadas dos laços comunais, dos limites de
uma ordem moral válida e da força da compreensão humana. Para Condorcet e
Adam Smith, a economia era orientada para o mercado, o que gerava maior
igualdade social e econômica. A riqueza teria natural tendência para igualdade;
qualquer desproporção excessiva não poderia existir ou desapareceria
rapidamente se as leis civis não dispusessem de meios artificiais de perpetuar e
unir fortunas, bem como se não restringissem artificialmente o comércio em
outras questões.
Cf. Ricardo Lobo Torres, op. cit., p. 158, a obra de Rawls foi classificada de
inúmeras formas: liberal contratualista, liberal individualista, neoliberal, liberal
social, antiutilitarista e até neoutilitarista.
[27] V. Thomas Spragens, op.cit., pp. 44. O Professor faz referência ao “princípio
da diferença”, que integra a segunda parte do segundo princípio de justiça
proposto por Rawls.
Cf. John Rawls, Liberalismo Político, 2.ed.bras., São Paulo, Ática, 2000, pp. 47-49,
deve haver dois “princípios de justiça” a informar a estrutura básica de uma
sociedade democrática e o funcionamento de suas instituições livres: 1º) todas as
pessoas têm igual direito a um projeto inteiramente satisfatório de direitos e
liberdades básicas iguais para todos, projeto este compatível com todos os demais;
e, nesse projeto, as liberdades políticas, e somente estas, deverão ter seu valor
equitativo garantido. 2º) as desigualdades sociais e econômicas devem satisfazer a
dois requisitos: primeiro, devem estar vinculadas a posições e cargos abertos a
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Cf. Bruce Ackerman, Social Justice in the Liberal State, New Haven, Yale
University Press, 1980, pp. 269-271, o princípio da diferença proposto por Ralws é
temerário, pois isso excluiria pessoas de outras classes (médias, por exemplo) de
terem um tratamento especial que fosse devido (por ex. os negros de classe média
também são prejudicados pela estrutura social); poderia ainda possibilitar que
inúmeros grupos sociais reivindicassem a condição de “menos favorecidos”. Para
Ackerman, o estadista liberal, ao invés de fazer uma “precisa hierarquia de
degradação”, procurará soluções que reconheçam que todos os grupos têm pleitos
válidos a assistência especial, induzindo-os a reconhecerem que seus pleitos estão
conectados por uma forma de diálogo comum. Não acreditamos, todavia, que o
pensamento de Rawls mereça tais críticas ou que não possa ser utilizado para
obter o diálogo proposto por Ackerman, pois que o autor de Teoria da Justiça
também reconhece o pluralismo social, especialmente quando da discussão sobre
o “consenso sobreposto” sobre os valores que devem orientar as instituições
básicas da sociedade, cf. veremos adiante.
[29] Bruce Ackerman, Social Justice in the Liberal State, New Haven, Yale
University Press, 1980, passim, desenvolve uma teoria política baseada no
discurso dialógico (“Constrained power talk”), necessária para se discutir a posse e
o uso do poder numa sociedade onde os bens são escassos. Após refutar o
argumento utilitarista, traça alguns princípios do discurso: 1o) Princípio da
Racionalidade: sempre que alguém questiona a legitimidade do poder de
outrem, este deve responder não tentando eliminá-lo do discurso, mas dando uma
razão pela qual ele tem direito ao bem questionado. Pressupõe o teste de
conceivability – para ser aceito como razão, uma justificativa não pode ignorar a
possibilidade de o poder ser exercido de forma ilegítima (sem justificação); 2o)
Princípio da Consistência – a razão oferecida pelo detentor do bem/poder em
uma ocasião não pode ser incoerente com a razões dadas para justificar seus
outros bens/poderes; 3o) Princípio da Neutralidade – nenhuma razão é boa
se exige do detentor do bem/poder afirmar que: a) sua concepção do bem é
melhor do que a de seus concidadãos; b) a par de sua concepção do bem, ele é
intrinsicamente superior a um ou mais de seus concidadãos. A consequência
desses princípios é uma igualdade inicial na distribuição de bens sociais, já que
cada cidadão é tão bom quanto o outro. A distribuição de bens sociais, por sua vez,
obedece a algumas regras racionais: a) Harmonia – os bens a serem distribuídos
não podem exceder os disponíveis; b) Completude – as regras de distribuição
devem permitir que se saiba o que exatamente caberá a cada cidadão; c)
Diferenciação – qualquer distribuição desigual de bens deve ser justificada em
uma especial característica atribuível à pessoa/classe favorecida, que a diferencia
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[30] Cf. Thomas Spragens, op.cit., pp. 44-45. Veremos que Rawls traça o conceito
de “consenso sobreposto” para tentar superar este impasse.
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[34] Cf. Ricardo Lobo Torres, “A cidadania multidimensional na era dos direitos”,
in “Teoria dos direitos fundamentais”, org. pelo autor, p. 241, “a noção de
fraternidade (...) perdeu o vigor durante os oitocentos. Só no séc. XX é que volta a
integrar a equação valorativa dos direitos fundamentais e da justiça, agora sob a
expressão da solidariedade. Da mesma forma que a igualdade, a solidariedade é
um princípio vazio, pois não traz conteúdos materiais específicos, podendo ser
visualizada ao mesmo tempo como valor ético e jurídico, absolutamente abstrato,
e como princípio positivado nas Constituições. É sobretudo uma obrigação moral
ou um dever jurídico. Mas, em virtude da correspectividade entre deveres e
direitos, informa e vincula a liberdade, a justiça e a igualdade. Sendo conceito
extremamente complexo, porque vazio, a solidariedade encontra adequada
fundamentação através do estudo sobre a cidadania.
[36] À p. 48, o professor Spragens, op. cit., admite que toma emprestado o termo
cunhado por Rawls. Fala ainda que em sua concepção tais “valores centrais”
seriam simples e “não-contenciosos”, abrangendo alguns dos valores que
aprendemos no jardim de infância.
[37] Cf. Thomas Spragens, op.cit., p. 49-50, “Libertarians would seem for all
practical purposes content to have citizens be strangers as long as they are free.
And egalitarians tend either to ignore the conditions of civic friendship or to
conceive them in very abstract and implausible ways. Moreover, they have in
recent years often championed in the name of diversity policies and ideals that,
whatever their putative virtues, threaten to deepen social divisions.
Communitarians can recognize that pluralism is both a fact of life and - as a
derivative of autonomy and authenticity - a valid norm. But they also are aware
that societies devoid of moral consensus or a sense of common purpose have
numerous difficulties governing themselves, and they recognize that achieving the
necessary minima in these respects cannot be taken for granted except in the most
homogeneous and compact polities.”
[38] Cf. Thomas Spragens, op.cit., pp. 48, 49-50. As ideias expostas nesse
parágrafo não diferem muito das de Rawls, cf. veremos adiante.
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social policies, therefore, should seek to bolster the health of these civic
institutions. Strong markets and strong governments can crowd out or undermine
the role of these institutions, and a wise liberal society would take steps to mitigate
this tendency. lndeed, it is the serious decline in familial and educational
institutions during the past couple of decades in this country that more than
anything has provided the impetus for communitarian ideas.”
[40] Rogers M. Smith, “Citizenship and National Service”, in Amitai Etzioni (org.),
op.cit., p. 257, propõe diversos programas de Serviço Social Nacional, de forma a
enriquecer o conhecimento cívico aproveitando os talentos/capacidades de seus
participantes em novos contextos e formas sociais, estimulando
atividades/serviços em que haja a integração entre diferentes setores, grupos e
comunidades tradicionalmente apartados na sociedade. A proposta é claramente
inclusiva e pluralista, tendente a promover a apreciação das variadas comunidades
que compõem a sociedade norte-americana, bem como a construção de uma
“identidade cívica” nacional
[41] Cf. Thomas Spragens, op.cit., p. 50, “(...) this is one reason that
communitarians tend to like the idea of a national service program, for example.
They will seek to promote institutions, such as the public schools, that bring
people from different backgrounds together in common endeavor. And they will
champion a public rhetoric of common identity and inclusiveness.”
[43] Idem, ibidem, pp. 50-51. A respeito dos programas de serviço social, Rogers
M. Smith, op.cit., p. 250, faz inúmeros questionamentos para orientar a direção
dos programas: a) Se deveria ser uma opção voluntária para os cidadãos que
sempre tem direitos a escolher seus compromissos, ou se seria uma obrigação
jurídica fundada em suas identidades cívicas; b) se os programas nacionais
deveriam exibir integração étnica, racial, religiosa e econômica em todos os níveis,
ou se seria mais eficaz e justo encaminhar as pessoas para servirem em suas
próprias comunidades de origem; c) se o serviço social nacional deveria apenas
assistir as várias comunidades em suas formas correntes, ou se deveria também
procurar alterá-las ou orientá-las em direções mais democráticas e inclusivas. À p.
236, o Professor reconhece que as propostas de um serviço nacional voluntário e
compensado (mediante algum tipo de remuneração) sem dúvida encontram muito
mais apoio do que as propostas fundadas na imposição, na obrigatoriedade.
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[47] Idem, ibidem, p. 89. Vide ainda Michael Walzer, “The communitarian
critique of liberalism”, in Amitai Etzioni (org.), New communitarian thinking –
persons, virtues, institutions and communities, Charlottesville/London,
University Press of Virginia, 1995, pp. 67-68, onde fala do renascimento do
republicanismo nos EUA, dizendo que se trata de um movimento
predominantemente acadêmico, uma vez que dentre as comunidades que
integram a sociedade civil raramente se veem associações tipicamente
republicanas. O republicanismo seria uma doutrina integrada e unitária voltada
primordialmente para a esfera política. Seria, portanto, uma doutrina adaptada às
necessidades de comunidades pequenas e homogêneas, nas quais a sociedade civil
é radicalmente indiferenciada. Sustenta que a doutrina republicana deve ser
“estendida”, para a formação na sociedade de uma “república de repúblicas”, em
uma revisão descentralizada e participativa da democracia liberal. Um
fortalecimento de governos locais poderia ser promovido, de forma a encorajar o
desenvolvimento das virtudes cívicas em um contexto pluralista.
[53] Cf. Catherine Audard, glossário in John Rawls, Justiça e Democracia, São
Paulo, Martins Fontes, 2000, p. 380, a posição original é um procedimento
figurativo que permite representar os interesses de cada um de maneira tão
equitativa que as decisões daí decorrentes serão elas próprias equitativas. Rawls
posteriormente modificou esse procedimento, diferenciando entre interesses
racionais (de cada um na concepção e busca de seu próprio bem) e razoáveis
(resultantes da interação com os interesses dos outros), estando estes últimos
ligados ao senso de justiça, bem como a noções de reciprocidade e cooperação. O
razoável passa a condicionar o racional, tendo em vista a prioridade do justo sobre
o bem. Na posição original, os indivíduos se encontram sob um véu de ignorância,
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que lhes impede saber de suas capacidades e talentos pessoais, mas lhes permite
ter um conhecimento geral sobre os fatos da vida humana e sobre as conclusões da
ciência que não sejam controversas.
[55] Idem, ibidem, pp. 58-59. À p. 60, todavia, o autor reconhece que ainda hoje a
melhor previsão de como as pessoas votarão nas eleições se dá pela informação de
como seus pais votaram, e isso é verdade inclusive se os pais são votantes
independentes, nesse caso, os filhos também estarão inclinados à tal postura.
[56] Idem, ibidem, pp. 59-62. V. ainda à p. 63: “O liberalismo é distinguido menos
pela liberdade de cada um de formar grupos com base em certas identidades,
como as sociais, étnicas, religiosas, do que pela liberdade de deixar esses grupos e
até mesmo essas identidades para trás.”
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distributiva”; passa a adotar uma posição mais coerente com seus postulados
sociais-democratas. Mas a intervenção direta do Estado não é necessária,
cabendo-lhe em muitos casos apenas financiar e facilitar o trabalho das
associações beneficentes (Igreja, sindicatos, cooperativas, associações de
vizinhança, grupos de interesses).
[61] Para uma visão ampla da cidadania, v. Ricardo Lobo Torres, “A cidadania
multidimensional na era dos direitos”, in Teoria dos Direitos Fundamentais (org.
pelo autor), Rio de Janeiro, Renovar, 1999, pp. 239-324, na quais defende que a
cidadania abrange as dimensões temporal (direitos civis, políticos, sociais e
econômicos, direitos difusos), espacial (cidadania local, nacional, mundial,
comunitária/européia e virtual), bilateral (que prevê a existência de deveres e de
direitos de cidadania, ainda que em relação assimétrica) e processual (que abrange
participação ativa nos assuntos políticos, nos processos administrativos,
legislativos e judiciais, de acordo com a Constituição e as leis).
[62] Cf. John Rawls, “A idéia de um consenso por justaposição” (1987), in Justiça
e Democracia, São Paulo, Martins Fontes, 2000, p. 272.
[64] Idem, ibidem, p. 275. A respeito da eliminação da pauta política dos pontos
inconciliáveis entre diferentes concepções sobre a vida boa, David Hollenbach,
“Virtue, the common good and Democracy”, in Amitai Etzioni, (org.), op.cit., p.
145, alerta que, se por um lado essa postura visa a evitar conflitos e a promover a
harmonia social, por outro pode ameaçar a democracia ao estimular a alienação e
a anomia. Entende, p. 147, que Rawls teme uma teoria compreensiva da vida boa
na esfera pública em face da imagem de tal esfera com o domínio exercido pelo
poder coercitivo do Estado.
[65] Cf. John Rawls, “A idéia de um consenso por justaposição”, (1987), op.cit., p.
275.
[67] Cf. John Rawls, Liberalismo Político, 2.ed. bras., São Paulo, Ática, 2000, pp.
47-49. Às pp. 345 e 352, Rawls enumera as liberdades fundamentais dos cidadãos:
a liberdade de pensamento e de consciência; as liberdades políticas e a liberdade
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[68] John Rawls, Liberalismo político, cit., p. 49. V. ainda John Rawls, “A
prioridade do justo sobre as concepções do bem” (1988), in Justiça e Democracia,
São Paulo, Martins Fontes, 2000, p. 302, em que a lista básica de bens primários
citada por Rawls abrange, além dos direitos e liberdades básicos, a liberdade de
circulação e de escolha da ocupação, os poderes e as prerrogativas pertinentes de
certos empregos e posições de responsabilidade nas instituições políticas e
econômicas da estrutura básica; as rendas e a riqueza; as bases sociais do respeito
próprio.
[69] Cf. John Rawls, Liberalismo político, pp. 51, 56, 57 e 58.
[75] Idem, ibidem, p. 17. Nesse ponto fica clara a remissão aos direitos humanos,
que serão discutidos adiante.
[78] Idem, ibidem, pp. 18-19. De se lembrar que Michael Walzer, “The
communitariam critique of liberalism”, in Amitai Etzioni (org.), “New
Communitarian Thinking...” (op. cit.), p. 70, reconhece que a crítica comunitarista
do liberalismo tende a ressurgir de tempos em tempos, em sociedades liberais
como a norte-americana, sempre que as suas tendências dissociativas superarem
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[79] Idem, ibidem, p. 19. V. ainda o artigo de Putnam, “Bowling Alone: America’s
Declining Social Capital”, Journal of Democracy, vol.6, n.1., Baltimore, John
Hopkins University Press, 1995. Nele Putnam analisa o declínio, na sociedade
norte-americana das últimas décadas do séc. XX, do “capital social”, isto é, aquelas
características de uma dada organização social, como a participação em entidades
civis, a existência de normas e redes de cooperação social e confiança mútua,
essenciais para o bem-estar social.
[83] V. Aristóteles, Ética a Nicômacos, Brasília, UnB, 1992, p. 95: “(...) E já que o
igual é o meio termo, o justo será um meio termo. Ora: a igualdade pressupõe no
mínimo dois elementos; o justo, então, deve ser um meio termo, igual e relativo
(por exemplo, justo para certas pessoas), e na qualidade de meio termo ele deve
estar entre determinados extremos (respectivamente ‘maior’ e ‘menor’); na
qualidade de igual ele pressupõe duas participações iguais; na qualidade de justo
ele o é para certas pessoas. (...) O justo, então, é uma das espécies do gênero
‘proporcional’ (a proporcionalidade não é uma propriedade apenas das
quantidades numéricas, e sim da quantidade em geral).” Nessa época, todavia, as
considerações de proporcionalidade na distribuição dos cargos de governo, de
dinheiro ou de outras coisas permitidas pela constituição da cidade, estavam
inseridas em um sistema que excluía da cidadania (enquanto participação na
esfera pública/política) inúmeros grupos sociais, como o dos escravos, o dos
estrangeiros e o das mulheres, que dessa forma tinham um “tratamento
proporcional” (isto é, diferenciado/desigual), conforme à posição social
(decorrente da visão preconceituosa) que ocupavam.
[84] Cf. Etzioni, op. cit., p. 20, início, p. 19, in fine. Às pp. 20 e 21, o autor, a título
de exemplo, fala que o direito de ser julgado por seus pares só se torna viável se
houver o dever de servir como jurado. Lembra que muitas vezes o indivíduo quer
se beneficiar de serviços e instituições sociais e/ou comunitários mas não quer
contribuir para eles, como nos casos do pagamento de impostos ou da prestação
de serviços sociais voluntários. Essa exigência só de direitos e não de
responsabilidades (especialmente na organização quotidiana das comunidades
que integram – e/ou extrapolam - uma sociedade estatal) seria “moralmente
indefensável” sempre que os dois elementos fossem interdependentes, caso em
que o não respeito das responsabilidades inviabilizaria o funcionamento dos
serviços e instituições que são essenciais para o respeito aos direitos.
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[85] Idem, ibidem, p. 21. O autor exemplifica (mas sem tomar partido), falando da
hipótese de os motoristas de ônibus escolares serem submetidos a exames para
detectar o consumo de substâncias ilícitas.
[100] David Hollenbach, op. cit., pp. 150-153, fala da virtude da “solidariedade
expandida”, que se divide nas áreas intelectual, religiosa, artística e social. Ela
pressupõe que as partes pertencentes a diferentes grupos e comunidades estejam
dispostas a levar a sério os outros grupos e pessoas, de forma a viabilizar um
diálogo sobre como o mundo interdependente (tecnologicamente,
economicamente, politicamente, socialmente) que dividimos deveria ser moldado
e estruturado. Há a esperança de que a compreensão substitua a incompreensão e
que até alguns acordos sejam estabelecidos. Essas discussões, todavia, devem
ocorrer não na esfera política governamental, mas na sociedade civil pluralista,
composta pelas comunidades que são os detentores primários dos significados e
valores culturais. As discussões pressupõem também uma educação questionadora
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do sentido da vida boa. Defende que as Universidades deveriam ser alguns dos
locais onde discussões reais sobre a adequação ou veracidade de certas concepções
do bem comum deveriam estar ocorrendo. Pressupõem ainda a promoção de
experiências entre setores mais ricos e outros, menos favorecidos. Ressalta o
Professor que o processo de expansão e aprofundamento do consenso deve
continuar se queremos lidar com as novas formas de interdependência social de
fins do séc. XX. As virtudes de solidariedade e responsabilidade mútua entre
cidadãos são pré-requisitos para que essa interdependência seja reconhecida e
orientada para o bem comum em uma democracia pluralista.
[102] Cf. John Rawls, Liberalismo político, cit., p. 49., que na época fez um
aperfeiçoamento em sua Teoria da Justiça, “o primeiro princípio, que trata dos
direitos e liberdades básicos e iguais, pode ser facilmente precedido de um
princípio lexicamente anterior, que prescreva a satisfação das necessidades
básicas dos cidadãos, ao menos à medida que a satisfação dessas necessidades seja
necessária para que os cidadãos entendam e tenham condições de exercer de
forma fecunda esses direitos e liberdades”. Ou seja, seria como se Rawls
reconhecesse a existência de um “princípio zero”, onde a dignidade humana
nasceria. Sem acesso a educação, saúde, cultura, lazer, saneamento básico etc. (e
aqui insiro a convivência comunitária), o ser humano não tem condição de se
desenvolver com dignidade para exercer seus direitos civis e políticos. Afinal, se
não possui saúde, sua liberdade de ir e vir fica prejudicada, se não possui boa
instrução, não conseguirá um bom trabalho nem boa renda, o que também lhe
tolherá a liberdade de ir para outros lugares; se não possui uma instrução de
qualidade e uma cultura razoável em termos de conhecimentos sociais e políticos,
poderá facilmente ser manipulado quando do exercício de seus direitos políticos.
Veja-se, portanto, que todos os direitos estão relacionados, são interdependentes,
mas uns – os direitos sociais, econômicos e culturais – são condicionantes para o
bom exercício dos direitos civis e políticos.
[103] Entendemos dessa forma, pois mesmo nas cidades onde não há orçamento
participativo, é competência privativa do Chefe do Executivo propor iniciativa de
projeto de lei sobre orçamento, e cabe à Câmara, especialmente por seu
presidente, encaminhar o projeto e proceder às votações das leis orçamentárias. E
uma vez que, a partir do Estatuto da Cidade, a implantação do orçamento
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13/09/2022 23:23 Liberalimos de Rawls x comunitarismo: há condições para implantação dos ideais comunitaristas-liberais no Brasil? - Jus.co…
Autor
Eduardo Pereira Nogueira da Gama
Site(s):
lattes.cnpq.br/4680960018996543
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