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● O Código, nesta medida e à diferença de outros diplomas similares, não possui duas
faces, uma “interna”, centrada em determinações corporativas, e outra “externa”,
voltada para a interação com o público, as outras profissões, a sociedade etc. Em
todos os seus títulos, o Código mantém a integração das suas prescrições com os
seus “princípios fundamentais”.
● Ao ser posta no Código como “valor ético central”, a liberdade funda todos os outros
“princípios fundamentais” (por isto, não é acidental que seja o primeiro): é
imediatamente fundante de sete dos outros (“defesa intransigente dos direitos
humanos”, “ampliação e consolidação da cidadania”, “defesa do aprofundamento da
democracia”, “empenho na eliminação de todas as formas de preconceito”, “garantia
do pluralismo”, “opção por um projeto profissional vinculado ao processo de
construção de uma nova ordem societária”, “exercício do Serviço Social sem ser
discriminado”) e mediatamente dos três restantes (“posicionamento em favor da
equidade e justiça social”, “articulação com os movimentos de outras categorias” e
“compromisso com a qualidade dos serviços prestados à população”).
● Opções como essas infirmam, negam uma visão relativista da liberdade: assumindo o
caráter histórico dos valores que abriga, o Código não os equaliza a outros – situa-os
como melhores e os prioriza, põe-nos como fundamentais e faz deles suportes de
projetos societários (“sem dominação-exploração de classe, etnia e gênero”). Por
outra parte, o Código infirma também a possibilidade de tomar a vida social
contemporânea como fragmentária e segmentar, realidade fundamentalmente
simbólica, resultante dos sentidos que lhe conferem sujeitos singulares. Nestes dois
componentes reside a fronteira entre o espírito do Código e tendências do
pensamento pós-moderno.
● Todavia, o núcleo duro dessa recepção crítica parece-me residir noutro lugar: o
Código assume o princípio da individuação (conquista absolutamente fundamental da
Ilustração), mas expurga da herança ilustrada o individualismo (conexo ao liberalismo
clássico e exacerbado nas suas derivações). Com este expurgo, a concepção de
liberdade que o Código incorpora remete expressamente a indivíduos sociais e, com
isto, alteram-se estruturalmente as condições concretas do exercício da liberdade: os
outros não são limites para a liberdade de cada um, mas a própria possibilidade
dela (correlatamente, o direito de um não se constrange pelo espaço ocupado pelo
direito de outrem – o direito deixa de ser definido negativamente). Por isto, a
liberdade que é, para o Código, “valor ético central”, exige o “respeito à diversidade” e
a “discussão das diferenças”; é liberdade que, para realizar-se, requer a “garantia do
pluralismo”. Também aqui, contudo, o Código evita o grave equívoco de confundir
democracia com liberalismo; a superação das concepções liberais é nítida: o
pluralismo consagrado pelo Código tem fronteiras, uma vez que propõe o “respeito
às correntes profissionais democráticas” (itálicos meus) – exclui-se, portanto,
qualquer “respeito” a correntes afetas a posições fascistas, racistas ou de
qualquer ordem que atentem contra os direitos humanos e aqueles
tradicionalmente constitutivos da cidadania moderna (direitos civis, políticos e
sociais).