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Abstract: The text addresses polarization from the context of the 2021 ecumenical
fraternity campaign. Considering Pope Francis’ message during the fraternity campaign,
he said that sometimes it seems that we are facing a deaf world. In proposing a con-
version to dialogue, we recognize that the basis of dialogue is listening. To reflect on
listening, we offer a concept based on the “lectio divina”. Listening must be lovingly,
for that, we reflect on the gift of the Spirit: kindness (lovingness) according to Pauline
theology, as can be learned in the encyclical letter “Fratelli tutti”. This loving listening
is only possible in the human being since the recognition of his human condition while
the human being is called to “be able” tenderness and only in the Tenderness manifes-
ted by Christ on the Cross does the man / woman find the meaning of his existence
as also from the story itself. With this article we want to contribute to a reflection of
theological anthropology that helps us to recognize values that were evident before in
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Diálogo em ternura: educar para escutar com amorosidade
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interpersonal and social relationships, which, it is necessary to be learned again so that
we can thus carry out processes for the dialogue in tenderness, while, exercise of the
education to listen with love.
Keywords: Listening. Fraternity. Lovingness. Dialogue.
Introdução
Os efeitos da polarização são sentidos não somente nas redes sociais, mas
em todos os âmbitos da sociedade. O atual pontificado do Papa Francisco tem
oferecido uma concepção de Deus, a qual, segundo alguns estudiosos, é uma
volta aos evangelhos2. Reconhecer que o nome de Deus é misericórdia, como
afirmou o Papa Bento XVI, é a ideia central de Deus hoje3. O ano extraordiná-
rio da misericórdia, em 2016, trouxe a tônica de uma evangelização a partir do
Evangelho da Misericórdia.
A Igreja, chamada a ser pobre com os pobres, misericordiosa como um
hospital em campo de batalha, sinaliza para o mundo que, por meio de uma
cultura da misericórdia, é possível fazer uma boa política que recupere a centra-
lidade da dignidade humana na busca do bem comum e, consequentemente, o
cuidado com a natureza em perspectiva de ecologia integral.
Considerando a centralidade da pessoa humana enquanto “imago Dei”,
precisamos considerar a atual cultura do descarte, em que estão inseridos os
jovens e os idosos. O Papa Francisco provoca-nos a um diálogo intergeracional,
contudo pede a nós que, no caminho educacional, realizemos grandes percursos
de diálogo com o mundo4.
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Um mundo surdo
Umberto Eco afirma que as redes sociais deram voz a uma legião de im-
becis7. Apesar da tônica forte, sua intenção é fazer com que escutemos a palavra
“imbecilidade”. O comportamento de muitos nas redes sociais lembra um di-
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vertimento semelhante à luta de gladiadores que ocorria nos circos máximos no
tempo do Império Romano. As lutas expressavam como funcionava o sistema
político em forma de monarquia absoluta8.
Os gladiadores e os prisioneiros faziam parte do divertimento do circo.
Eram expostos ao espetáculo de horrores, e as lutas terminavam com o impe-
rador, que participava da maioria dos jogos solicitando ao público que indicasse
qual seria sua decisão sobre o perdedor. Se o público decidisse com o dedo po-
legar para cima, isso significava que o imperador deveria agir com misericórdia
em relação ao perdedor; se fosse com o polegar para baixo, o perdedor não teria
sorte, e sua morte estava decretada.
Essa postura dos jogos remete ao que estamos considerando em relação
ao termo de Umberto Eco – imbecilidade – no sentido de que, nas redes so-
ciais, ocorre algo semelhante. A própria identidade visual de uma rede social
virtual é um polegar para cima. Nas redes sociais virtuais, no que tange ao
aspecto polarizador, não há espaço para a reflexão e o questionamento, pois a
ética está ausente.
Com certeza não ouviríamos alguém no circo questionar: vocês não perce-
bem que estamos nos divertindo às custas da vida humana? Do mesmo modo, na
polarização promovida nas redes sociais, não há espaço para um questionamento
e/ou mesmo outra consideração a ser feita. Esse movimento lembra a postura das
tribos. O tribalismo, segundo Maffesoli (2006), são comunidades emocionais que
possuem um mínimo de racionalidade da qual o grupo é ciente, mas que não per-
mite ser questionado e muito menos dar espaço para outra fala e razão.
Maffesoli (2006) entende que o nosso tempo pode ser caracterizado como
tempo das tribos, pois há um retorno do dionisíaco (emoção enquanto vibração
do instante), que é uma volta ao arcaísmo. Diz Maffesoli (2006, p. 7): “O progresso
linear e seguro causa e efeito de um bem estar social está a ponto de suceder numa
espécie de regresso que caracteriza o tempo das tribos”. E quanto ao reconheci-
mento de uma espécie de conflito entre Eros (emoção) e Apolo (razão), afirma:
Este “princípio do Eros”, do dionisíaco, está ligado a uma perspec-
tiva do destino, que não é compreendido enquanto construção da
história marcada por objetividade (racional), mas por uma objeti-
vidade (também subjetiva) do interesse comum dos indivíduos – o
importante é sentir a vibração. (MAFFESOLI, 2006, p. 18).
Esse é o movimento que observamos nas redes sociais virtuais, mas que pode
ser verificado, por exemplo, em atitudes de intolerância contra os grupos religiosos
de matriz africana9. O que ocorreu com a Campanha da Fraternidade Ecumênica
deste ano de 2021 é uma expressão do que estamos afirmando. A polarização só fez
crescer ainda mais a cultura de ódio. As críticas feitas ao CONIC/CNBB, mais dire-
tamente à sua postura de diálogo com a sociedade brasileira, revelou o quanto esses
grupos não querem conversar com os outros e são diferentes deles10.
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conversão pastoral, pois, quanto mais o ministro ordenado aprofunda em sua
vida a experiência com a misericórdia de Deus, mais misericordioso tende a se
tornar também e mais cuidadoso com o discernimento a oferecer, reconhecendo
que a decisão é sempre da pessoa. Por fim, deve integrar a fragilidade. Assim, o
agir com misericórdia faz com que a cultura da misericórdia seja sentida na Igreja
e no mundo. O Papa Francisco afirma que a humanidade está ferida e que ela
precisa de misericórdia.
Várias críticas se seguiram à publicação da exortação pós-sinodal Amoris
Laetitia. Mais do que teses contraditórias, o confronto é entre duas óticas di-
versas. Diz Sorge (2018, p. 111):
Quem critica o papa se coloca na ótica típica do homem que olha
a grandeza de Deus criador (juiz e legislador, exigente e severo),
como acontecia sobretudo no Antigo Testamento. O papa Francis-
co, ao contrário, se coloca na ótica de Deus, Pai, infinitamente bom
e misericordioso, que olha com amor o homem e a sua fragilidade,
como se revelou em Jesus no Evangelho.
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à estratégia de ridicularizar (FRANCISCO, 2020a). Por isso, compreende que o
programa espiritual de São Francisco de Assis pode ser uma inspiração para vi-
vermos a fraternidade simples e aberta com todas as pessoas e em generosidade
com a natureza.
No capítulo VI, intitulado “Diálogo e amizade social”, inicia dizendo que,
“entre a indiferença egoísta e o protesto violento, há uma opção sempre possí-
vel: o diálogo” (FRANCISCO, 2020a, s/p). As trocas febris nas redes sociais vir-
tuais não são diálogos, mas monólogos em paralelo. De todos, pode-se aprender
alguma coisa: ninguém é inútil, ninguém é supérfluo. O Papa remete a São Paulo,
que designa um fruto do Espírito com a palavra grega chrestotes (Gl 5,22), a qual
expressa um estado de ânimo não áspero, rude, duro, mas benigno, suave, que
sustenta e conforta. A pessoa que possui essa qualidade ajuda os outros para que
sua existência seja mais suportável. Esse modo de tratar os outros se manifesta
de diferentes formas. “Supõe dizer palavras de incentivo, que confortam, conso-
lam, fortalecem e estimulam”, em vez de “palavras que humilham, angustiam, ir-
ritam, desprezam” (FRANCISCO, 2020a, s/p). Segundo o Papa: “A amabilidade
(amorosidade) é uma libertação da crueldade que às vezes penetra nas relações
humanas, da ansiedade que não nos deixa pensar nos outros, da urgência distraí-
da que os outros também têm direito de ser felizes” (FRANCISCO, 2020a, s/p).
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No século II, Guigo, preocupado com a vida espiritual dos cristãos, ela-
borou um método de exercício espiritual e fez a apresentação orgânica da lectio
divina na célebre carta “ao seu amantíssimo irmão Gervásio”, intitulada também
“A escada de Jacó”. Ele propôs etapas ao que considera como degraus de uma
escada que se eleva da terra ao céu. Assim, compreende que seja possível ao ser
humano cultivar uma vida espiritual a partir de um aprendizado das “lições de
Deus” por meio dos textos bíblicos. Essas etapas são a lectio (nome que dá título
a todo o exercício), a meditatio, a oratio e a contemplatio (COVOLO, 2013).
Na consciência dos padres, a verdadeira lectio é a “doce escuta” de uma pa-
lavra que se dirige pessoalmente ao leitor, que se assemelha ao pedido de Salomão
por um coração que escute. Essa atitude de escuta é amorosa, pois, como vamos
observar nas outras etapas, trata-se do encontro com o Deus que revelou amor
pleno em Jesus Cristo. Na meditatio, segundo a tradição patrística, recolhida por
Guigo, a meditação deve fazer descer a palavra que foi ouvida até o coração. O
coração é a intimidade do ser humano, é onde ele tem nas mãos o seu destino. Vale
para a meditatio das Escrituras o antigo adágio: Cor ad cor loquitur (O coração fala
para o coração). A palavra acolhida e meditada torna-se o veículo da oração. Gre-
gório Magno ensina que a oratio brota espontaneamente do encontro do coração
do homem com o coração de Deus por intermédio das próprias palavras de Deus.
E, por fim, a contemplatio, a recompensa por subir os três degraus, inebria a alma
sedenta com uma rajada de celeste doçura (Carta 12) (COVOLO, 2013).
A experiência da oração é um diálogo amoroso com Deus que é amor. Ele
nos faz saborear a sua doçura. Santo Agostinho também afirma que a experiência
que sente é de saborear a doçura santa. O estar envolvido dessa doçura, verdadeira
candura, é sentir-se amado e amada, isto é, acolhido no seio da Trindade, que é
ternura. Se fomos feitos à imagem e semelhança de Deus, então em nós há ternura
também. Reconhecer que fomos criados para sermos bons, e, para sermos mais,
é preciso compreendermos o chamado à vocação para viver em comunhão com
Deus, na fraternidade e em cuidado generoso com toda a Casa Comum.
À luz da fé, reconhecemos que Logos é Criador e Amor. E sendo Deus a ra-
zão amorosa, compreendemos que em nossas atitudes é possível manifestar essa
bondade e doçura18. A decisão é fruto do discernimento a ser feito, entretanto
podemos escolher escutar com atenção, ou seja, demonstrando querer perceber
como o outro se sente e mesmo se esforçando por compreender a sua percep-
ção, e ainda escutar com amorosidade, isto é, com doçura e ternura.
Segundo o teólogo Carlo Rochetta (2014), a ternura exige, principalmente,
que a pessoa conheça a si mesma, clarificando e colocando ordem no seu modo
de ser, seja no plano psicossomático, sexuado, afetivo, intelectual e moral. A
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o que é belo, não surpreende que tudo se transforme em objeto
de uso e abuso sem escrúpulos”. Pelo contrário, se entrarmos em
comunhão com a floresta, facilmente a nossa voz se unirá à dela e
transformar-se-á em oração: “Deitados à sombra dum velho euca-
lipto, a nossa oração de luz mergulha no canto da folhagem eterna.
Tal conversão interior é que nos permitirá chorar pela Amazônia e
gritar com ela diante do Senhor”. (FRANCISCO, 2020b).
Conclusão
Submissão: 21/02/2021
Revisão: 27/03/2021
Aprovação: 14/04/2021
Notas
1 Doutor em Ciência da Religião pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
E-mail: joseboareto@puc-campinas.edu.br
2 Bartolomeo Sorge reconhece que a ênfase dada à misericórdia pelo Papa Francisco nos põe
diante da realidade de maneira realista, e não com um realismo qualquer, mas com o “realismo
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encontro e, portanto, a amizade social. Neste sentido, afirma que, entre a indiferença egoísta
e o protesto violento, o diálogo é sempre um caminho possível (FRANCISCO, 2020a).
6 Guigo II elaborou uma apresentação orgânica da lectio divina na célebre carta “ao seu amantís-
simo irmão Gervásio”, intitulada também “A escada de Jacó”, largamente difundida e recebida,
igualmente sob os títulos de: “Tratado sobre o modo de rezar”, “Carta sobre a vida contem-
plativa”, “A escada dos monges” e “A escada do paraíso”. Esses diversos títulos do escrito já
exprimem os conteúdos e, conjuntamente, indicam a esperança de frutos espirituais em resposta
à lectio divina. “Um dia ocupado em um trabalho manual”, escreve Guigo II no início da sua carta,
“encontrei-me a pensar na atividade espiritual do homem”. Portanto, exatamente enquanto exe-
cuta uma atividade manual, Guigo percebe que todo trabalho, para ter êxito satisfatório, requer
tempos e ritmos precisos ou – mais exatamente – exige uma série de operações escalares; caso
contrário, parece uma fachada! Então, ele se questiona se, por acaso, também não acontece a
mesma coisa nas atividades do espírito e, em particular, na meditação da Bíblia. E prossegue:
“Apresentaram-se, improvisamente, à minha reflexão quatro degraus espirituais, ou seja, a leitura,
a meditação, a oração, a contemplação. Essa é a escada que se eleva da terra ao céu, composta de
poucos degraus, e todavia, de imensa e incrível altura, cuja base é apoiada na terra, enquanto o
cume penetra as nuvens e perscruta os segredos do céu” (Carta 2). A reflexão de Guigo exige a
nossa atenção, pois nos permite elencar, em ordem, as quatro etapas fundamentais da lectio divina:
a lectio (o nome que dá título a todo o exercício também representa a primeira etapa), a meditatio,
a oratio e a contemplatio (COVOLO, 2013, p. 202-221).
7 Para o escritor e filósofo italiano Umberto Eco, os imbecis que antes falavam apenas em um
bar e depois de uma taça de vinho, sem prejudicar a coletividade, normalmente eram calados, mas
agora eles têm o mesmo direito à palavra de um prêmio Nobel. A TV já tinha colocado o “idiota da
aldeia” em um patamar em que ele se sentia superior, mas o drama da internet é que ela promoveu
o idiota da aldeia e portador da verdade. Essa declaração foi dada durante o evento em que recebeu
o título de honoris causa em comunicação e cultura na Universidade de Turim, norte da Itália.
8 Um texto interessante para compreender o que foi o Império Romano é “Pax Romana: pre-
tensão e realidade”, de Karl Wengst (1991). Ele apresenta, em um estudo minucioso, o que foi o
projeto de pax romana e, consequentemente, oferece uma leitura da realidade social do período
imperial. Com seu estudo, ele pretende oferecer uma análise para olhar “a partir de baixo” a
história do Império Romano, isto é, a partir daqueles que experimentaram o sofrimento, pois “O
olhar ‘a partir de cima’ sobre o brilho de Roma não faz perceber toda a realidade. Ele apresenta
sentido contradito pelas vítimas. Seria importante inverter a perspectiva numa percepção ‘a partir
de baixo’, para que a realidade experimentada como sofrimento não seja entregue ao esqueci-
mento através da glorificação e para que os vencedores da história não triunfem novamente
sobre suas vítimas da descrição da História” (WENGST, 1991, p. 19).
9 Há um aumento exponencial de denúncias por discriminação religiosa no país. Em 2018,
segundo o disque 100, foram 211 denúncias no 1º semestre, enquanto em 2019 esse número
foi de 354 (Cf. Informações do Ministério dos Direitos Humanos e Família). Em 2019, embora
“[...]representem apenas 0,2% da população do Distrito Federal, os adeptos das religiões com
ligações africanas são os que mais sofrem com o preconceito: 59,42% dos crimes de intolerância,
somando todas as religiões, têm esses grupos como alvos” (RIOS, 2019, s/p).
10 Segundo Dom Joel Portela, secretário-geral da CNBB, o clima de polarização da Campanha
da Fraternidade é um reflexo de um fenômeno mundial, mas nem por isso é complacente com
os excessos dos grupos ultraconservadores. Dom Joel afirma que a Igreja não tem ingerência
alguma – a não ser religiosa, com a orientação por padres ou leigos – sobre os grupos de inspi-
ração católica que, por serem associações civis, não há sanções previstas no ordenamento canô-
nico. “Em sua opinião, o ‘único modo de enfrentar esse tipo de atitude é o diálogo, e, no caso
das redes sociais, não compartilhar, não seguir etc.’. Pondera que, numa sociedade democrática,
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interesses. E aqui temos o problema das ideias: elas são por demais abstratas, e a realidade é sem-
pre maior ou menor que elas. Platão diz que o mundo é mal descrito porque o fazemos desde um
ponto de vista “ideal”, e não real. A idealização do outro é pior porque estamos saturados dos
outros (pessoas que pensam de forma diferente de nós que nos são desagradáveis). Amar o outro
quando ele está longe é lindo, maravilhoso, mas, quando ele tem cheiro e hábitos outros, a coisa
complica. A crítica à bobagem do outro ser lindo não significa a defesa da destruição do outro,
mas encararmos os impasses que a convivência com o outro gera para a filosofia e para a vida.
17 George Steiner (2012), no texto “O leitor incomum”, reflete sobre a obra Le Philosophe lisant,
de Chardin (1734), em que procura fazer uma correlação entre a leitura e a pena na tela de Char-
din. Há uma palavra obsoleta na língua inglesa – responsion – que ainda mantém seu significado
original na Universidade de Oxford, usada no plural: é um processo de exames que testam a
compreensão do essencial apreendido. Essa palavra pode ser usada para sintetizar estágios com-
plexos da leitura representados pela pena na tela de Chardin. Diz Steiner (2018, p. 19-22): “A boa
leitura pressupõe resposta ao texto, implica disposição de reagir a ele, atitude essa que contém
dois elementos cruciais: a reação em si e a responsabilidade que isso representa. Ler bem é esta-
belecer uma relação de reciprocidade com o livro que está sendo lido; é embarcar em uma troca
total (‘é estar pronto para um intercurso’, como diz Geoffrey Hill). A dupla incidência da luz na
página e no rosto do leitor evidencia a percepção por Chardin, desse fato primordial: ler bem é
ser lido pelo que se lê. É assumir responsabilidade pelo texto”. Além da responsabilidade que
tem o leitor semelhante ao pintor, também o silêncio é outro estágio tanto da pintura quanto da
leitura: “[...] Uma leitura genuína requer silêncio (Agostinho, em uma passagem famosa, registra
o fato de seu patrão, Amboise, ser o primeiro homem que ele via ler sem mover os lábios). A lei-
tura, como Chardin a representa, é um ato silencioso e solitário. Trata-se de um silêncio vibrante
de emoção e de uma solidão abarrotada de vida. Mas a pesada cortina separa o leitor do resto
do mundo – do que é mundano (palavra esta que, embora desgastada, aplica-se com justeza)”.
18 “A noção de Logos é fundamental na teologia ratzingeriana e aí coloca-se o fundamento do di-
álogo (relação) entre fé e razão: o Deus bíblico, ou melhor, como o Novo Testamento o descre-
ve, é Logos, é Razão Criadora e que se comunica. O Deus que é Logos comunica-se, dialoga com
a humanidade por meio do rosto de Jesus. Esta afirmação oferece condições para um renovado
diálogo entre fé e razão que não implica um repensar o papel da fé cristã no debate da sociedade
plural e secular, mas um resgate da filosofia (e, com ela, da metafísica, consequentemente)”. Para
ele, “a crise da modernidade não é sinônimo de declínio da filosofia”, mas cabe particularmen-
te a esta última compreender a natureza dessa crise, pois a modernidade bem compreendida
implica uma “questão antropológica”; a “modernidade não é um simples fenômeno cultural,
historicamente datado; ela na realidade obriga a uma nova projectualidade, a uma compreensão
mais exata da natureza do homem”. Assim, o alargamento da razão seria “uma nova abertura
à realidade à qual a pessoa está chamada na sua unitotalidade, superando antigos preconceitos
e reducionismos, para se abrir também assim o caminho para uma verdadeira compreensão da
modernidade” (ASSUNÇÃO, 2018, p. 170-176). Sobre esta compreensão mais alargada da razão
– intelectus –, isto é, descobrir o Logos, que é a Razão Criadora (Amorosa), diz o Papa Bento XVI:
“Qual é o bem que nos torna verdadeiros? A verdade torna-nos bons, e a bondade é verdadeira:
tal é o otimismo que vive na fé cristã, porque a esta foi concedida a visão do Logos, da Razão
Criadora que, na encarnação de Deus, se revelou conjuntamente como o Bem, como a própria
Bondade” (BENTO XVI, 2008, s/p).
19 Diz Carlo Rochetta (2014, p. 322-323): “Não somente o encontro com Cristo é evento de
ternura, mas não é possível compreender o significado pleno da ternura senão olhando para a
figura do Crucificado. Manifestando a ternura de Deus-Trindade e consentindo em remontar à
ternura em Deus-Trindade, o mistério da cruz revela a ternura do homem ao homem e o coloca
em uma condição de graça que só lhe permite realizá-la plenamente. A cruz está no centro da
BOARETO, J. A.
Referências
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