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FACULDADE DE HISTÓRIA

DEPARTAMENTO DE CIENCIAS HUMANAS


HISTÓRIA ANTIGA
JOÃO VICTOR PINTO ÁVILA
202128017

Resenha - O Homem Grego

“As palavras de Heraclito demonstram que o sagrado se prolonga numa relação de familiaridade
com os deuses que é muito característica da experiência religiosa grega: a divindade não está
longe nem é inacessível, pode dizer-se que o convívio com ela caracteriza todos os momentos
significativos da existência privada e social; é tão frequente encontrá-la, em imagens, em práticas
culturais específicas, na narração familiar e pública onde se esboçam as tramas densas de uma
simbolização significativa da existência, que parece não ser de perguntar por que é que os
Gregos acreditavam nos seus deuses.” (pag. 231)

Uma religião sem dogmas e sem igrejas

Atualmente é possível perceber um certo padrão nas religiões mais influentes no mundo, a
maioria possui templos, clero especializado e um dogma muitas vezes bem severo, tudo isso não
existia dentro das crenças das cidades gregas. Não existia nem uma palavra própria para o que
mais tarde seria religião, pois essas “religiosidades” eram tão vinculadas a vida dos gregos que
não era necessário uma divisão ou rotulação para a devoção aos deuses.

“Em primeiro lugar, essa religião não se baseia em nenhuma revelação «positiva» dada
diretamente pela divindade aos homens; por conseguinte, não tem nenhum profeta fundador, ao
contrário das grandes religiões monoteístas do Mediterrâneo, e não possui nenhum livro sagrado
que enuncie as verdades reveladas e constitua um princípio de um sistema teológico. A ausência
do Livro implica a ausência de um grupo de intérpretes especializados; nunca houve na Grécia
uma casta sacerdotal permanente e profissional (já que o acesso às funções sacerdotais estava,
em princípio, aberto a todos os cidadãos, e normalmente com carácter transitório), e muito
menos uma igreja unificada, entendida como aparelho hierárquico e isolado com legitimidade
para interpretar as verdades religiosas e oficiar as práticas de culto. Também nunca houve
dogmas de fé cuja observância fosse imposta e vigiada e cuja transgressão desse lugar às
imagens da heresia e da impiedade.” (pag. 232)

“Esta série de considerações negativas torna difícil falar positivamente de uma religião grega,
pelo menos o sentido em que é usado no contexto das tradições monoteístas. Na língua grega
nem sequer existe uma palavra cujo Campo semântico seja equivalente ao termo religião. A que
mais se aproxima, Eusèbeia é definida pelo sacerdote Eutífron, o protagonista do Diálogo
homônimo de Platão, cujo os cuidados são devidos aos Deuses. Portanto, a religiosidade consiste
na observância pontual dos ritos culturais que exprimem o respeito, a veneração e a diferença dos
homens pela divindade e que consistem sobretudo em oferendas sacrificiais e votivas. O
equivalente grego do termo fé também não é muito especial. Na língua corrente a expressão crer
nos Deuses significa mais respeitar, honrar a divindade através das práticas de culto do que está
racionalmente convencido da sua existência (como acontecerá com a linguagem filosófica
posterior) (...)” (pag. 232-233)

“Assim, o elemento central da relação entre homens e divindades da religião e da fé dos gregos
parece consistir na observância dos cultos e dos ritos prescritos pela tradição. Isso não deve,
porém, levar-nos a pensar numa ritualização obsessiva e onipresente o sarcástico retrato da
superstição que o filósofo teofrastus traça no seus caracteres, em finais do século IV a. C., foi
provavelmente inspirado por uma atitude comum: o super supersticioso é aquele que vive
atormentado por um constante receio do poder divino e que, ridiculamente dedica sua grande
parte da sua existência ao esforço de agradar a divindade através dos ritos a tentativa maníaca de
evitar a impiedade de se purificar de qualquer possível culpa. Trata-se porém de um caractere da
comédia: a sátira teofrástica não permite qualquer dúvida será que o fato da Obsessão ritualística
não ser nem comum nem apreciada no contexto da religiosidade grega.” (pag. 233)

O Sagrado

Para os gregos, não havia um aspecto sequer da vida que não era influenciado pelo divino,
qualquer que fosse o evento, desde uma grande guerra até o cair das folhas de uma árvore tinha
influência sobrenatural. Esses pensamentos faziam parte da sociedade grega de forma tão
inerente que eles acreditavam que os deuses caminhavam entre os cidadãos de forma natural.
“A experiência grega do Sagrado em geral (não diferente, neste caso de muitas outras culturas)
talvez tenha nascido da sensação da presença de poderes sobrenaturais em locais secretos
(Florestas, nascentes, grutas, montanhas), em fenômenos misteriosos e temíveis (o raio, a
tempestade), em momentos cruciais da existência (o nascimento, a morte). Essa experiência
primária foi depois divertindo em duas direções, embora não opostas.” (pag. 234)

“Por um lado, O Sagrado adquire uma dimensão territorial ligando-se a locais fortes,
caracterizados por limites precisos da manifestação do Sobrenatural dos pontos esses locais que
passam a ser consagrados a um culto dos poderes que Residem, vão se transformando
progressivamente em santuários, que podem albergar templos dedicados a atividades
propriamente ditas, ou delimitar outros espaços de devoção.” (pag. 234)

“Por outro lado para os gregos, sagrado dessa vez sem sentido difusivo, não intensivo mas
extensivo é tudo que provém dos poderes sobrenaturais e, especificamente, dos desejos divinos.
Por isso, Sagrado é também a ordem da natureza alternância das estações, das colheitas do dia e
da noite; E também o da Ordem imutável da vida social, da sucessão regular das Gerações
assegurados pelos casamentos, pelos Nascimentos, pelos ritos de sepultura e de veneração dos
Mortos, a permanência das Comunidades políticas e do sistema de poder," (pag.234)

“Na consciência Religiosa e moral das Seitas, continuar depois no pensamento filosófico, que
falaremos mais adiante, a ideia da Purificação desenvolve-se em paralelo a concepção da culpa
contaminante que caracteriza a condição humana dos pontos a vida será então entendida como
exercício de purificação da corporeidade e dos vícios que lhes são inerentes, até que o elemento
Salvador do elemento espiritual, alma Se liberte dos seus laços terrenos. Contudo esta evolução
extrema da Concepção do miasma e da kátharsis terá sempre a ver com minorias religiosas
intelectuais marginais, embora influentes relativamente à vida religiosa da sociedade grega".
(pag.236)
Os deuses, os poetas e a cidade.

A construção mitológica grega ganha uma grande ajuda com as poesias épicas, pois vem delas os
diversos mitos acerca das figuras divinas, como por exemplo a Odisseia e a Ilíada. Porém essa
devoção nas poesias estava causando uma certa “cegueira” nos gregos, tanto que Platão até
tentou banir as obras de Homero de Atenas, mas foi impedido pela Eclésia.

“A Poesia Épica nasce seguramente tendo como pano de fundo os relatos míticos tradicionais
Acerca das divindades dos poderes sobrenaturais que habitam o mundo e o domínio. Anônimos,
difusos, repetidos e aprendidos de geração em geração relatos (uma espécie de vasto catálogo do
Imaginário religioso) Consistem todos saber social acerca dos Deuses imediatamente acreditável
e pessoal e persuasivo não questionável, precisamente devido ao seu Anonimato, a sua difusão
no tempo e no espaço a antiguidade e memorável das suas origens. Todavia, e devido a essas
mesmas características, o politeísmo que emerge da massa emaranhada dos relatos míticos é
caótico, confuso, desprovido de uma forma imediatamente compreensível e controlável.” (pag.
237)

“Esse Limiar é imposto pelo caráter protetivo que rege o Imaginário poético criador das
divindades românticas; entendi, porém, a ser constantemente transposto devido ao próprio ato
intelectual que o gerou ponto final o ato que configura o universo Divino permanece artístico,
portanto, em certa medida artificial; a sua origem estatizante e tranquilizadora estabelece uma
relação especular entre a natureza mortal do Herói aristocrático e a natureza Imortal dos seus
Deuses. O Limiar é transposto em primeiro lugar na genealogia, que garante aos heróis uma
descendência e parentesco divinos Graças a frequente União dos Deuses e das deusas com os
mortais, de que provém às famílias da aristocracia grega." (pag. 238)

“O politeísmo antropomórfico, em que a divindade é vista sobretudo com uma


personagem concreta de uma narrativa, depois Tornada visível através da figuração que
ilustra, tem uma série de consequências importantes. Por um lado, exclui a onipotência e,
no certo sentido, também a onisciência tanto das divindades como do seu rei Zeus. Onde
a onipotência não há obviamente narrativa, já que essa existe uma pluralidade de sujeitos
agentes de regular cuja forças e cujas intenções se limitam esse condicionam
alternadamente, criando a intriga narrativa: embora fosse o mais poderoso dos Deuses,
Deus não podia decidir, de imediato sozinho o resultado da guerra de Tróia, sem ser
oposições, estabelecer compromissos, forjar planos complexos” (pag. 239)

A unidade principal do panteão grego focava nas 12 figuras divinas de maior destaque: Zeus, o
soberano senhor dos céus; Poseidon, irmão de Zeus e patrono dos oceanos; Atena, filha predileta
de Zeus e deusa da sabedoria, patrona de Atenas; Apolo e Ártemis, gêmeos filhos de Zeus,
divindades do sol e da lua respectivamente; Dionísio, deus do vinho e das festas; Afrodite, deusa
do amor de fertilidade; Deméter, irmã de Zeus e protetora da agricultura; Hermes, patrono dos
ladrões e dos mensageiros; Hefesto, senhor da forja e do fogo; o panteão se completa com Hera e
Hades, irmãos de Zeus, Hera é esposa do deus dos deuses e protetora da família, enquanto para
Hades sobrou cuidar do reino dos mortos.

“Ainda na época helenística, os contatos com culturas religiosas halógenas, sobretudo a egípcia,
levaram a incluir divindades estrangeiras no panteão grego embora associadas sincreticamente as
que eram tradicionalmente familiares: assim a mão será associado a Deus, por suas vezes
Federado conto pronome, Isis a Deméter e Osíris a Dionísio.” (pag. 242)

“No entanto, as velhas divindades do Olimpo homérico já já tinham passado por outra e decisiva
transformação: tinham sido Integradas no horizonte da pólis, tornando-se representantes de uma
religião cívica e politizada. O aparecimento no horizonte da Grécia clássica de um organismo
social e político abrangente, capaz de restaurar a experiência coletiva e a vida pública e privada,
como foi a Pólis, não podia deixar de se intrometer no tipo de relação entre homens e deuses e no
papel destes na existência humana. As divindades olímpicas são Integradas nos Espaços sociais
da vida pública, chamadas a prestar, como qualquer cidadão ativo, o seu serviço na Pólis dos
homens.” (pag. 242)

“O caráter público, festivo, solar o sacrifício oferecido as divindades olímpicas é ainda mais
realçado por contraste, pelos aspectos dos ritos sacrificiais dedicados os poderes Infernais,
ctônicos, ligados ao mundo dos mortos, que persistem, embora numa posição Marginal, da pólis
clássica. Desenrolam-se normalmente na escuridão noturna, sem o altar erguido é bem visível a
todos mais diretamente na terra nua; em geral, pratica-se o holocausto ou seja, a combustão de
todo o corpo da vítima sacrificial, pelo que não ficam partes disponíveis para o banquete como
um ponto final Por conseguinte globalmente, trata-se mais de um ritual apotropaico de esconjuro
e de aversão do que de contato de pacificação harmoniosa entre um grupo humano e as
divindades que o protegem." (pag. 243-244)

Os mistérios e as seitas.

Para os gregos, Hades não havia templos ou sacrifícios, o deus dos mortos estava longe de ser
louvado e respeitado, aqueles que tinham uma vontade de seguir o deus exilado deveriam
fazer-lo longe da luz do dia, portanto foi criado essas seitas para ocultar Hades, a essas seitas foi
dado o nome de mistérios.

“É dessa necessidade que nasce nos Ministérios (o termo mystèria deriva de mystes, iniciado, e
exprime o secretismo que envolve esses cultos a obrigação que tem os seus participantes, os
iniciados de manter silêncio acerca do que é feito de visto durante os rituais)." (pag.244)

“Portanto, Os cultos misteriosos não são mais restritos do que os cívico; em princípio e também
de fato, são até mais abertos, já que a esfera dos iniciados potenciais e efetivos supera de longe
os limites da Cidadania. Isso significa que se dirige mais ao homem enquanto tal do que a polítes
e que penetram portanto no domínio de experiência mais profundo, mais radical e mais difuso,
do que o que respeita a auto representação e a garantia do corpo cívico da polis.” (pag.244)

“«As coisas vistas, ditas e feitas» nos mistérios segundo a expressão canónica que define o seu
ritual - culminarão portanto numa visão, ou numa série de visões, capazes de evocar, directa ou
simbolicamente, o sexo, a morte, a ressurreição, e de provocar assim uma sensação de terror
primordial nos assistentes (o ponto culmi nante do ritual ocorre de noite, numa caverna
iluminada por archotes) e, em seguida, de eliminar, através da epifania tranquilizante da salvação
e do novo nascimento, essa mesma sensação, de «purificar» os seus espectadores-actores.” (pag
245)

“O movimento órfico do nome de Orfeu, um cantor, poeta e teólogo lendário a quem se atribuía
uma descida aos infernos surge na Grécia do século v a. C. nos mesmos meios culturais e sociais
onde se tinham desenvolvido os cultos dionisíacos e que tinham provavelmente recolhido os ecos
da tradição xamânica oriunda do mundo cítico e também das crenças indo-iranianas acerca da
imortalidade. Do ponto de vista social, esses movimentos religiosos de protesto parecem estar
associados às áreas de exclusão e de mal-estar provocadas pela formação do universo politizado
das cidades: mulheres, estrangeiros, comunidades periféricas, figuras de intelectuais
marginalizados. Do ponto de vista psicológico, os movimentos sectários respondem às
necessidades provenientes dos estratos mais indivi duais e profundos da experiência religiosa,
que também existiam na ritualidade misteriosa, dando-lhes todavia respostas mais explícitas,
mais articuladas tanto no plano religioso como no plano intelectual, surgindo por fim não como
uma complementarização mas como uma alternativa radical à forma da religiosidade olímpica e
citadina.” (pag 245)

“Contudo, em que é que se baseia a recusa da cidade e da sua religião por parte dessas minorias
sectárias, ligadas a grupos sociais e a experiências culturais estranhas à polis? O que se recusa
em primeiro lugar é o carácter violento, o aspecto cruel e homicida que se considera como
elemento essencial da politização da vida. A cidade surge sobretudo ligada à exclusão e à
opressão de grupos sociais inteiros, à guerra entre diferentes comunidades, à stasis e ao pòlemos,
ao assassínio (phonos) que lhe está inevitavelmente associado. Em suma, a cidade está
indissoluvelmente ligada à memória da violência heróica da Ilíada, que a marca mesmo na sua
prática religiosa. De facto, no centro dessa prática, está o sacrificio cruel, a morte do animal, o
derramamento do seu sangue; e nessas formas de religiosidade puritana, destinada, como
veremos, a assumir também formas de teoria, há a consciência difusa de que a possibilidade
latente em cada sacrifício é o homicídio, de que a violência, uma vez desencadeada, não pode ser
sujeita a regras e contida na sua simbolização sacrificial.” (pag.246)

“No horizonte religioso do orfismo, Dioniso desempenha um papel tão importante como Apolo,
ou mesmo mais importante. A relação existente entre o puritanismo ascético e vegetariano do
orfismo e a orgia libertadora dos rituais báquicos próprios do dionisismo constitui um sério
problema interpretativo. Há sem dúvida a referência comum a estratos sociais marginais e a
formas de cultura e de religiosidade de protesto, alternativas às formas de cultura e de
religiosidade <<ofi ciais»> da sociedade da polis. Todavia, para além disso, o orfismo viu
provavelmente em Dioniso o deus da inocência originária e perdida, da pacificação entre os
homens e entre os homens e a natureza, que as violentas sociedades da guerra e da política
tinham posto em crise. É certo que a inocência do dionisismo comporta uma purificação da
condição histórica dos homens que tende para um retorno à inocência natural da animalidade,
enquanto a dos órficos visa sobretudo a recuperação de uma condição divina por parte da alma;
porém, as duas vertentes puderam decerto ser interpretadas como expressões de uma recusa
comum, de uma comum aspiração a uma ordem e a uma paz que a religião da política não podia
assegurar.” (pag.248)

A crítica à religião e a partilha das crenças

A experiência religiosa para os gregos era divida em rotina ritualística e nos contos míticos que
davam sentido às diversas ocasiões da vida nas cidades gregas. Porém essa religiosidade foi
sendo posta à prova por certos filósofos, já que os eventos desses contos começaram a perder
veracidade com o tempo, pois não faziam mais sentido, os principais eventos a serem
contestados foram aqueles que se situavam em tempos e espaços muito distantes dos que os
gregos viviam.

“A crise da crença mítica, o seu conflito com a racionalidade político-filosófica que reina sobre a
vida social dos homens, verificam-se, pelo contrário, quando essa racionalidade tende a invadir o
espaço da crença, ou quando a própria crença se coloca numa dimensão espácio-temporal não
distanciada da dimensão histórica.” (pag.249)

“Se o primeiro conflito entre crenças mítico-religiosas e racionalidade filosófico -política ocorre
quando essa racionalidade, devido ao seu poder de abstracção, invade o espaço remoto das
crenças, o segundo ocorre quando essas crenças, pela sua capacidade de condicionar, através da
educação, a vida histórica dos homens, invadem o espaço ético-político. Como vimos, Platão
receava os efeitos deseducativos da poesia teológica de Homero e dos seus seguidores, e
propunha ao legislador da nova cidade que corrigisse de um modo edificante os textos antigos e
banisse para sempre da polis os poetas. Segundo Platão, enquanto se pensar que «Homero
educou a Hélade e que merece ser aprendido para se poder governar e educar o mundo dos
homens, e a vida de cada um for organizada e vivida segundo as regras desse poeta», não haverá
nem uma boa forma de vida nem uma cidade justa; porque, acrescenta ele, «se admitires a
sedutora Musa lírica ou épica, no teu Estado reinarão o prazer e a dor, em vez da lei e deste
princípio que, de comum acordo, sempre se considerou como o melhor, a razão», isto é, a razão
filosófica (República, 10, 606a sg.). (pag. 250-251)

“A nova cidade não só deve banir a má religião mitológica dos poetas, pelos efeitos perversos
que tem na educação dos cidadãos, como também deve basear as suas próprias instituições e a
sua educação numa nova teologia, que corresponda aos ditames da razão filosófica: tratar-se-á,
segundo as Leis platônicas de uma teologia baseada na crença na divindade dos astros, e na
existência de uma providência divina que garante a ordem do cosmos e é, por isso, normativa em
relação à existência humana. Essa nova teologia filosófica, bastante mais pobre de conteúdos
narrativos e imaginários do que a «poética», mas muito mais exigente em termos de obrigações
normativas e educativas e muito mais rica de asserções dogmáticas, sentir-se-á tentada a dotar-se
de um aparelho de controlo e de coacção, entre o Estado e a Igreja, capaz de impor a ortodoxia e
de punir as transgressões. Assim, Platão pensará dotar a teologia formulada no livro décimo das
Leis de um órgão de controle, o Conselho nocturno, capaz de punir com a morte o crime de
impiedade (Leis, 10, 12); e, no século III a. C., o estóico Cleantes ainda proporá que se julgue
por impiedade perante um tribunal pan-helénico o astrônomo Aristarco, que tinha posto em
dúvida a centralidade da terra (e, consequentemente, dos homens e dos seus deuses) no sistema
dos astros e dos planetas.” (pag. 251)

“Contrariamente ao que poderiam levar-nos a pensar, estes dois processos— que levaram,
porém, os filósofos a adoptar uma atitude de prudência em relação à polis, de tal forma que
Platão, como discípulo de Sócrates, preferiu exilar-se temporaria mente, e Aristóteles chegou a
recear que se repetisse com ele o processo de Sócrates- não significam que na cidade existisse
uma intolerância religiosa que levasse à perseguição das heresias. Tanto o processo de
Anaxágoras como o de Sócrates são sobretudo considerados como episódios da luta política em
curso na cidade: em Anaxágoras queria atingir-se o meio político-intelectual próximo de
Péricles, e Sócrates era um membro eminente do grupo oligárquico chefiado por Crítias que, com
o golpe de Estado de 404, tinha posto em perigo a democracia ateniense. Todavia, mantém-se o
facto de, em ambos os casos, um júri popular, que representava a polis inteira, ter sido levado a
formular um voto de condenação de natureza política com base em motivações religiosas. Isso
significa, em suma, que a observância da religião olímpica e da sua ritualidade era sentida como
associada à própria existência da polis e da sua ordem política: <<acreditar nos deuses»
significava em primeiro lugar não tanto um acto espiritual de fé ou um respeito teológico, mas
uma sensação imediata de se pertencer à comunidade política, e acabava por equivaler a ser-se
um bom cidadão ateniense, ou espartano e assim por diante.” (pag.252)
“Por conseguinte, na consciência dos gregos, o tolerante politeísmo dos mitos e dos ritos,
ressalvadas as exigências políticas e sociais a que estava indissoluvelmente ligado, conviveu
largamente com as mais ousadas experimentações intelectuais no campo teológico, ético e
científico. Pelo menos até à aparição de novas formas religiosas, dotadas de uma forte carga de
ortodoxia teológica e de uma instituição eclesial com poderes coercivos, que atacaram
diretamente tanto esse politeísmo como essas experimentações. Todavia, com tudo isto, estamos
já muito além da experiência religiosa dos Gregos, ainda que os novos monoteísmos, desde o
judaico e cristão até ao islâmico, se tivessem, em medidas diferentes, reclamado das suas
elaborações teológicas e da sua concepção redentora da alma.” (pag.253)

O texto O Homem Grego de Jean-Pierre Vernant aborda a relação dos homens gregos com suas
crenças e consigo mesmos, de forma bem explicativa, e até mesmo repetitiva. Pontuando
questões como o que era sagrado e como tal característica se tornou sagrada, os mistérios e as
seitas, até a fase de declínio dessa mitologia, protagonizada pelos filósofos. Além disso, o texto
deixa bem explícito que quando o assunto são as antigas cidades gregas, é inevitável entrar nos
tópicos religiosos, pois a vida do homem grego era totalmente controlada por esses fatores
místicos, e o texto trás esses fatores de forma clara e didática.

VEGETTI, M. O Homem e os deuses In: VERNANT, J. (dir) O homem grego. Lisboa:


Presença, 2006. p. 229-253.

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