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ROSSI, Teresa Francesa. Manuale di ecumenismo. Brescia: Queriniana, 2012, p. 22-26. Tradução e
adaptação nossa.
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 2
2. O diálogo ecumênico
O diálogo ecumênico é o diálogo entre cristãos, portanto se fundamenta em Cristo,
toma sua própria missão da vontade dele que todos sejam “uma coisa só” (Jo 17,21) e
finaliza-se à plena unidade visível entre as igrejas, capazes de expressar a fé juntas,
celebrar juntas os mistérios da vida de Cristo e os ministérios eclesiais, testemunhar o
evangelho com a vida. Fontes comuns nesta peregrinação rumo à unidade visível são,
antes de tudo, a Bíblia e, secundariamente, a fé e a práxis das primeiras comunidades
cristãs. Isto implica que, embora as igrejas tenham posições diferentes no que diz
respeito à relevância, a interpretação, a normatividade das fontes bíblicas e patrísticas,
todavia, o quadro principal de referência é largamente compartilhado; portanto, a
comum raiz histórico-teológica-eclesial fornece um quadro de referência fundamental,
imprescindível e frutuosamente vinculante.
A finalidade do diálogo ecumênico é naturalmente o esclarecimento e a
aproximação das posições doutrinais, juntamente com a renovação das práxis pastorais
em um processo de conversão que faça redescobrir o vínculo dado pela fé no Cristo
redentor. O vínculo já existe, mas deve manifestar-se em uma plena unidade visível
entre as igrejas cristãs, capazes de professar juntas a fé trinitária, de compartilhar as
formas ministeriais e sacramentais, de testemunhar juntas diante do mundo os valores
do Reino.
Um percurso desse exige uma metodologia apropriada e bem comprovada, que
saiba conciliar a identidade cristã com a capacidade de conjugar as identidades
confessionais, deixando emergir, juntamente com o que elas possuem em comum,
também a medida de sua fidelidade em guardar a herança recebida e da sua vitalidade
na manifestação da salvação. Uma metodologia, portanto, feita de diálogo teorético e
ações concretas, uso de fontes comuns, análise e momento crítico, e sobretudo feita de
um sábio equilíbrio entre inovabilidade e fidelidade.
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3. O diálogo interreligioso.
O diálogo interreligioso é o diálogo entre pessoas e povos seguidores de várias
religiões, que são até muito diferentes uma da outra. No coração do diálogo
interreligioso está a dimensão religiosa inscrita na pessoa humana, a descoberta e a
partilha dos diferentes modos pelos quais o Sagrado se manifestou nas culturas e nas
épocas, tanto como conceito monoteísta de Deus (judaísmo, islamismo, cristianismo)
quanto como presença da divindade, compreendida religiosa ou filosoficamente
(hinduísmo, budismo) ou como sentido do transcendente, que suscita sentimentos
religiosos e códigos éticos (xintoísmo, confucionismo, zoroastrismo) [...].
A finalidade do diálogo interreligioso é o recíproco conhecimento, a compreensão
da inteireza da experiência religiosa em formas diferentes da própria, assim como –
elemento recentemente focalizado e somente nos últimos tempos valorizado – a
cooperação para a defesa e a promoção dos direitos humanos, o empenho para a paz,
a justiça, a dignidade da pessoa. Trata-se de âmbitos que apresentam insídias e
obstáculos, mas também enormes potencialidades [...]. As tentativas de articular e
desenvolver uma teologia entendida justamente como discurso comum sobre Deus são
muito interessantes, mas permanecem ainda às margens; talvez isto seja um obstáculo
intrínseco ou até inextinguível e, contudo, marca a diferença substancial com o diálogo
ecumênico, cuja raiz é a mesma fé no mistério de Deus Uno e Trino e na encarnação
redentora de Cristo, terreno que possibilita articular um diálogo teológico e aspirar a
metas compartilhadas, concretas e visíveis.
As fontes do diálogo são os livros sagrados de cada religião ou o ensinamento
constitutivo transmitido por fontes de diferente natureza. Eles podem constituir um
tesouro de enriquecimento recíproco na medida em que há o empenho a conhecer o
patrimônio espiritual da humanidade, forjado pelas religiões mundiais; contudo não
constituem um patrimônio comum, tampouco vinculante, como no caso das fontes do
diálogo ecumênico.
Conclusão
Dialogo ecumênico e diálogo interreligioso, portanto, são realidades e âmbitos
de pesquisa distintos, apesar alguns pontos de contato. A tradição católica em particular
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 4
tem sempre reiterado tal distinção. O Concílio Vaticano II, com efeito, apresenta dois
documentos distintos a esse respeito: a declaração Nostra Aetate sobre o diálogo
interreligioso e o decreto Unitatis Redintegratio sobre o ecumenismo; por conseguinte
a organização da cúria romana desde o concílio até hoje estabelece, do ponto de vista
organizativo, dois organismos: o Pontifício Conselho para o diálogo interreligioso e o
Pontifício Conselho para a promoção da unidade dos cristãos.
A única realidade que participa de ambas as realidades é o diálogo hebraico-
cristão, visto que do ponto de vista formal pertence ao diálogo interreligioso, e por isso
é abordada no documento Nostra Aetate, mas pelo fato de possuir um significado e um
papel particulares para com o cristianismo é coordenado pela Comissão pelas relações
com os Hebreus como subcomissão autônoma no interior do Pontifício Conselho para a
promoção da unidade dos cristãos.
Um exemplo eloquente é dado pela modalidade pela qual se realizam os
momentos de oração: a altíssima e singular eficácia das reuniões interreligiosas de
oração, com efeito, mantém uma matriz diferente da oração cristã em comum: se por
um lado os cristãos podem e devem se reunir para rezar juntos em nome de Cristo, por
outro, os povos de diferentes religiões podem somente se reunir juntos para rezar cada
qual segundo a própria fé.
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II
ECUMENISMO:
PROBLEMAS DE NOMENCLATURA E LINGUAGEM2
1. Âmbito lexical.
Etimologicamente, o termo deriva da palavra grega oikuménē, cuja raiz ôikós / oikéõ
significa “casa / habitar”, no sentido de “lar”, de onde o significado mais exato de “casa
comum”. O fato que a forma seja um particípio passado (com o sufixo -méne) focaliza o
sentido passivo de algo que se torna casa, e nesse sentido, “casa habitada”, e com um
sentido de universalidade: “terra habitada”, “casa de todos, a casa comum”. Portanto,
o sentido etimológico possui já as coordenadas essenciais do ecumenismo: participação,
partilha, semelhança, familiaridade; todos elementos que conferem uma conotação
qualitativa, mas, ao mesmo tempo, compreendem a ideia de multiplicidade, vastidão,
universalidade, que define a dimensão quantitativa, isto é, espaço-temporal.
2. Âmbito semântico.
O termo não é prerrogativa da teologia contemporânea, muito pelo contrário:
encontra-se em autores gregos como Xenófanes (IV-V séc. a.C); Hérodoto (484-406 a.C.),
Demóstenes (384-322 a. C.), Aristóteles (384-322 a.C.), mas também romanos como
Nero (37-68-d.C.) e Marcos Aurélio (121-180 d.C.), com um significado primeiramente
geográfico, para indicar “toda a terra” até então conhecida. Na época helenística o
termo é utilizado na koinē alexandrina para designar todo o mundo helênico; nesta fase,
quase paradoxalmente, ele adquire – no interior da sua valência universal de
configuração política – uma conotação exclusiva, começando a indicar um inteiro
mundo cultural, o helênico, distinto dos outros (...). Analogamente, o termo é utilizado
no sentido estritamente político para descrever todo o impero romano, universo isolado
respeito a outras realidades sócio-políticas.
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ROSSI, Teresa Francesa. Manuale di ecumenismo. Brescia: Queriniana, 2012, p. 18-21. Tradução e
adaptação nossa.
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3. Âmbito teológico.
O termo hoje em dia é utilizado de modo muito amplo, muitas vezes até
impropriamente, na sua genérica matriz dialógica, como sinônimo de “aberto”,
“abrangente”, “conciliante”, e aplicado a realidades socioculturais e políticas. Embora
nesse sentido seja estranho ao uso teológico dentro do Movimento ecumênico, todavia
este uso pragmático veicula uma ideia do ecumenismo como algo fundamentalmente
social, ligado à multiculturalidade, à pluralidade, à tolerância, ao diálogo, às vezes não
totalmente livre do significado até de compromisso. Com efeito, embora alguns
elementos sociológicos – como por exemplo o acolhimento do pluralismo – estejam
também presentes em modo incisivo nos conteúdos e nas metodologias do Movimento
ecumênico, contudo, não representam a história e a essência imediatamente teológica.
“Ecumenismo”, de fato, é e permanece um termo técnico: refere-se à realidade do
3
Na tradução da LXX, por exemplo: Sal 24,1; Is 10,14.23.
4
Cf. Mt 24,14; Lc 2,1; 4,5; 21,26; At 11,28; 17,6.31; 19,27; Rm 10,18; Heb 1,6; 2,5; Ap 3,10; 12,9; 16,14.
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Movimento ecumênico, a tudo o que diz respeito à busca da unidade dos cristãos
histórica e teologicamente. Neste sentido formal encontra-se a riqueza lexical originária,
na medida em que o Movimento ecumênico se orienta à construção da “casa comum”
dos cristãos, e ânsia para que o testemunho cristão reconciliado possa abrir as portas
desta casa a toda a humanidade. “Ecumênica” é a realidade e a missão da Igreja;
conforme um uma feliz e compartilhada definição, é a inteira tarefa “da Igreja inteira de
levar todo o evangelho ao mundo inteiro”. O esforço ecumênico é próprio e peculiar dos
cristãos, das igrejas e das associações específicas; compreende uma densa rede de
iniciativas, projetos, relações, associações, documentos e estudos relativos ao diálogo
teológicos e eclesial dos cristãos para reconstruir a unidade da Igreja de Cristo. Esta
rede, que poderia ser definida um sistema de relações humanas, de pesquisa científica
e de ação comum, está presente em nível local e internacional, e é comumente conotada
como “Movimento ecumênico” ou “diálogo ecumênico”.
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III
O QUE DIZEM OS DOCUMENTOS DA IGREJA CATÓLICA
SOBRE O ECUMENISMO
• LG 1:
«A luz dos povos é Cristo: por isso, este sagrado Concílio, reunido no Espírito Santo,
deseja ardentemente iluminar com a Sua luz, que resplandece no rosto da Igreja, todos
os homens, anunciando o Evangelho a toda a criatura (cfr. Mc. 16,15). Mas porque a
Igreja, em Cristo, é como que o sacramento, ou sinal, e o instrumento da íntima união
com Deus e da unidade de todo o género humano, pretende ela, na sequência dos
anteriores Concílios, pôr de manifesto com maior insistência, aos fiéis e a todo o mundo,
a sua natureza e missão universal. E as condições do nosso tempo tornam ainda mais
urgentes este dever da Igreja, para que deste modo os homens todos, hoje mais
estreitamente ligados uns aos outros, pelos diversos laços sociais, técnicos e culturais,
alcancem também a plena unidade em Cristo»
• UR 2:
«Gesù Cristo vuole che il suo popolo, per mezzo della fedele predicazione del Vangelo,
dell'amministrazione dei sacramenti e del governo amorevole da parte degli apostoli e
dei loro successori, cioè i vescovi con a capo il successore di Pietro, sotto l'azione dello
Spirito Santo, cresca e perfezioni la sua comunione nell'unità: nella confessione di una
sola fede, nella comune celebrazione del culto divino e nella fraterna concordia della
famiglia di Dio. Così la Chiesa, unico gregge di Dio, quale segno elevato alla vista delle
nazioni (12), mettendo a servizio di tutto il genere umano il Vangelo della pace, compie
nella speranza il suo pellegrinaggio verso la meta che è la patria celeste. Questo è il sacro
mistero dell'unità della Chiesa, in Cristo e per mezzo di Cristo, mentre lo Spirito Santo
opera la varietà dei ministeri. Il supremo modello e principio di questo mistero è l'unità
nella Trinità delle Persone di un solo Dio Padre e Figlio nello Spirito Santo».
• UUS 5:
«Com todos os discípulos de Cristo, a Igreja Católica funda, sobre o desígnio de Deus, o
seu empenho ecuménico de reunir a todos na unidade. De facto, « a Igreja não é uma
realidade voltada sobre si mesma, mas aberta permanentemente à dinâmica
missionária e ecuménica, porque enviada ao mundo para anunciar e testemunhar,
atualizar e expandir o mistério de comunhão que a constitui: a fim de reunir a todos e
tudo em Cristo; ser para todos "sacramento inseparável de unidade"».
• UUS 6:
«A vontade de Deus é a unidade de toda a humanidade dispersa. Por este motivo, enviou
o seu Filho a fim de que, morrendo e ressuscitando por nós, nos desse o seu Espírito de
amor. Na véspera do sacrifício da Cruz, Jesus mesmo pede ao Pai pelos seus discípulos
e por todos os que acreditarem n'Ele, para que sejam um só, uma comunhão viva. Daqui
deriva o dever e a responsabilidade que incumbe, diante de Deus e do seu desígnio,
sobre aqueles e aquelas que, através do Batismo, se tornam o Corpo de Cristo: Corpo
no qual se deve realizar em plenitude a reconciliação e a comunhão».
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 9
• UUS 9:
«O próprio Jesus, na hora da sua Paixão, pediu « que todos sejam um » (Jo 17, 21). Esta
unidade, que o Senhor deu à sua Igreja e na qual Ele quer abraçar a todos, não é um
elemento acessório, mas situa-se no centro mesmo da sua obra. Nem se reduz a um
atributo secundário da Comunidade dos seus discípulos. Pelo contrário, pertence à
própria essência desta Comunidade. Deus quer a Igreja, porque Ele quer a unidade, e na
unidade exprime-se toda a profundidade da sua ágape»
• UUS 20:
«(...) o ecumenismo, o movimento a favor da unidade dos cristãos, não é só uma espécie
de « apêndice », que se vem juntar à atividade tradicional da Igreja. Pelo contrário,
pertence organicamente à sua vida e ação, devendo, por conseguinte, permeá-la no seu
todo e ser como que o fruto de uma árvore que cresce sadia e viçosa até alcançar o seu
pleno desenvolvimento»
• UUS 31:
«O diálogo não só foi iniciado, mas tornou-se uma expressa necessidade, uma das
prioridades da Igreja»
• UUS 99:
«Quando afirmo que para mim, Bispo de Roma, o empenhamento ecuménico constitui
« uma das prioridades pastorais » do meu pontificado, 157 é por ter no pensamento o
grave obstáculo que a divisão representa para o anúncio do Evangelho. Uma
Comunidade cristã que crê em Cristo e deseja, com o ardor do Evangelho, a salvação da
humanidade, não pode de forma alguma fechar-se ao apelo do Espírito que orienta
todos os cristãos para a unidade plena e visível. Trata-se de um dos imperativos da
caridade que deve ser acolhido sem hesitações. O ecumenismo não é apenas uma
questão interna das Comunidades cristãs, mas diz respeito ao amor que Deus, em Cristo
Jesus, destina ao conjunto da humanidade; e obstaculizar este amor é uma ofensa a Ele
e ao seu desígnio de reunir todos em Cristo»
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IV
VISÃO HISTÓRICO-CONCEPTUAL DAS DIVISÕES5
A longa e dolorosa história das divisões pode ser analisada a partir de diferentes
perspectivas, mas a tendência ecumênica se orienta para uma nova narração dos
diferentes momentos históricos, feita conjuntamente pelas igrejas não em deferência a
uma espécie de revisionismo ou "absolvição" recíproca das responsabilidades, mas
como um laboratório para a reconstituição de uma história comum.
2. O século V
Nos primeiros séculos de difusão do cristianismo houve uma espécie de
fragmentação da mensagem cristã em numerosas correntes teológicas, ora em clara
oposição, ora sustentando posições extremistas, até mesmo cismáticas ou heréticas.
Podia-se ler a história dos primeiros concílios e das posições teológicas que deles
exigiam uma resposta, como uma história das divisões dos primeiros séculos e das
tentativas de restabelecer a unidade doutrinal e a configuração eclesial. Muitas
5
ROSSI, Teresa Francesa. Manuale di ecumenismo. Brescia: Queriniana, 2012, p. 205-220. Tradução e
adaptação nossa.
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 11
A história dos últimos anos registrou uma notável aproximação com as igrejas
ortodoxas orientais, até chegar a um consenso com a Igreja Católica - graças à assinatura
de declarações cristológicas, que professam a substancial coincidência das perspectivas
doutrinárias sobre a pessoa de Cristo - seguida de uma reaproximação entre as igrejas
ortodoxas orientais e as igrejas ortodoxas.
3. O ano 1054
Do ponto de vista teológico, as comunidades do Oriente e do Ocidente
desenvolveram diferentes perspectivas doutrinárias e práticas (por exemplo, alguns
costumes litúrgicos, as espécies eucarísticas, alguns aspectos doutrinários como a
inclusão do Filioque na profissão de fé por parte da tradição latina, etc.), mas referentes,
embora em diferentes graus, a uma pluralidade saudável dentro de uma comunhão
sólida; portanto, a diversidade teológica não comprometeu a unidade entre as
comunidades ao longo dos séculos. Por outro lado, papel mais decisivo tiveram os
cismas de maior ou menor dimensão, que a partir do século V pontuaram as relações
entre as duas igrejas, mas também muitas vezes determinados por situações políticas
complexas com consequências jurisdicionais tais de causar tensões. Embora nenhum
deles fosse de molde a provocar uma ruptura definitiva da comunhão, como teria
acontecido em 1054, feriram, no entanto, a identidade de comunhão das comunidades,
sendo seriamente subestimado o desgaste que tais divisões teriam produzido ao longo
do tempo. Mas foi precisamente este distanciamento "afetivo" que teve um papel
preponderante nos acontecimentos de 1054.
O contexto imediato do cisma foi fornecido pela delicada situação política. A divisão
entre Império do Ocidente e Império do Oriente, em 395, por ocasião da morte de
Teodósio, criara uma situação de difícil gestão política, sobretudo pelo fato de a
configuração geográfica de alguns territórios nem sempre coincidir com a pertença
jurisdicional - um exemplo particularmente relevante foi precisamente o caso do sul da
Itália e da área de Ravenna, fisicamente no Ocidente, mas juridicamente sob
Constantinopla.
A distância, a dificuldade de comunicação, os diferentes estilos de vida dificultavam
o controle; e assim, quando os Normandos começaram a invadir a península itálica, o
papa Leão IX, temeroso do perigo iminente de invasão do sul da Itália, iniciou
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4. A Reforma
As divisões continuaram a ser uma realidade inevitável, embora paradoxal, na
história do cristianismo. Alguns séculos depois do cisma do Oriente, aproximava-se o
acontecimento que mudaria radicalmente a fisionomia da Europa cristã: o cisma do
Ocidente. Foi um acontecimento, extremamente articulado e complexo, que
amadureceu durante uma longa fase de gestação, certamente anterior ao aparecimento
do grande pioneiro da Reforma, Martinho Lutero (1483-1546), e dos outros grandes
reformadores Ulrich Zuínglio (1484-1531) e João Calvino (1509-1564 ). O acontecimento
da Reforma Protestante supera a circunstância histórica do "cisma do Ocidente", no
sentido de que as consequências do cisma e a evolução das confissões cristãs criadas no
século XVI constituem uma realidade em construção até hoje. Portanto, antes da
descrição dos acontecimentos históricos, é preciso compreender o mundo evangélico-
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 15
5. O Pentecostalismo.
Uma quarta onda (século XX) marca o início do movimento pentecostal, centrado
na presença do Espírito Santo e seus dons à comunidade. O pentecostalismo segundo
alguns estudiosos e na mesma percepção dos pentecostais, constitui uma relevante
novidade dentro do protestantismo, pois a experiência fundadora do pentecostalismo,
ou seja, o batismo no Espírito Santo, tornou-se uma realidade significativa mesmo fora
do protestantismo; portanto, prefere-se defini-lo como um fenômeno em si, não
atribuível à Reforma.
O século XX assistiu, do ponto de vista sócio-político, ao nascimento de democracias
com o consequente desenvolvimento de novos paradigmas sociojurídicos e, do ponto
de vista cultural, iniciou-se a pós-modernidade, com notáveis repercussões tanto em
nível fenomenológico como epistemológico do sagrado. O critério normativo passa a ser
a subjetividade da experiência, mesmo no campo religioso, com o crescente fenômeno
da privatização da fé. Do ponto de vista da fenomenologia e da sociologia da religião,
torna-se peculiar a transição do modelo das famílias confessionais (ou denominacionais)
para o do network religioso. Central é a figura do sujeito religioso, de sua busca também
pela pertença religiosa, que pode contemplar uma sucessão de pertencimentos
comunitários. A raiz desse fenômeno está certamente na diminuição da importância da
pertença confessional, no enfraquecimento do perfil denominacional, já presente no
“congregacionalismo” e peculiar da terceira onda. A fé é um caminho de busca
individual, uma viagem pessoal, na qual a questão do sentido já não encontra eco nas
palavras "justificação", "santificação", "perfeição", mas em uma experiência pessoal,
individual. O batismo no Espírito é vivenciado como uma potencialização a serviço da
missão e do ministério para o qual o sujeito é chamado, e conjuga o impulso espiritual
dos movimentos da segunda onda com o perfeccionismo dos movimentos da terceira
onda.
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V
ITINERÁRIO HISTÓRICO DO MOVIMENTO ECUMÊNICO6
Uma conferência missionária realizada em Nova York em 1900 vai até se intitular
conferência ecumênica, porque o plano de campanha de evangelização que seus
membros estavam construindo tinha o objetivo de alcançar o mundo todo. Essa
Conferência foi o berço que deu nascimento a Conferência Missionária Mundial de
6
TEIXEIRA F. – DIAS Z. M., Ecumenismo e diálogo interreligioso: a arte do possível. São Paulo: Santuário.
p. 27-56.
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 19
5) Ser membro do CMI não implica que se deva aceitar uma doutrina específica
relativa a natureza e a unidade da Igreja.
formas de cooperação entre as novas igrejas que se iam estabelecendo. Esses líderes
propugnavam por um Protestantismo que resgatasse o Evangelho das estruturas
autoritárias da velha igreja medieval, mas sem romper com as express6es religiosas da
matriz cultural brasileira. Seus esforços no Brasil correspondiam a emulações
semelhantes as de outros cristãos protestantes em diferentes países latino-
americanos.[...].
Cria-se em 1961 a "Junta Latino-Americana de lgreja e Sociedade'', que se torna
conhecida sob a sigla ISAL (Igreja e Sociedade na América Latina). Em princípio, esse
grupo vai ser composto oficialmente por representantes dos departamentos ou setores
das Igrejas do continente que se ocupavam da ação social, ou seja, da inflexão diaconal
das Igrejas no interior das sociedades latino-americanas [...].
Desde o final da década de sessenta e na esteira das frustradas tentativas de
articulação continental das igrejas protestantes através das CEIAS (Conferencias
Evangélicas Latino-Americanas), persistiu o esforço, sempre retomado em alguns
setores eclesiásticos, de busca de uma estrutura supranacional que representasse o
Protestantismo latino-americano no concerto ecumênico das Igrejas da Reforma.
Como resultado, tivemos, na primeira metade da década de setenta, a criação
de uma Comissão Provisória Pró-Unidade da Igreja Evangélica Latino-Americana (UNE-
LAM), cujo principal expoente e condutor executivo foi o pastor metodista uruguaio
Emilio Castro. UNELAM, sob auspícios, apoio e, às vezes, indução do CMI, conseguiu
finalmente a adesão de dezenas de igrejas nacionais à sua proposta de criação de um
organismo latino-americano que representasse e, ao mesmo tempo, fosse um espaço
para trocas de experiências e enriquecimento mútuo. Na Conferência de Oaxtepec
(Mexico, em 1978) foi, finalmente, concretizado o sonho de muitas décadas com a
criação provisória do Conselho Latino-Americano de Igrejas (CLAI), que se tornará
definitivamente constituído em Huampani, Peru, em 1982.
Contando com a participação de representantes de todas famílias eclesiásticas
do Protestantismo latino-americano (dos episcopais-anglicanos aos pentecostais), o
CLAI reúne hoje cerca de cento e vinte igrejas como membros plenos e dezenas de
movimentos e instituições ecumênicas como membros fraternais. Pronunciadamente
referido ao CMl, o CLAI tem sido uma voz importante no cenário sociopolítico do
continente, em defesa de amplos setores marginalizados da sociedade latino-
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 28
APROFUNDAMENTO
7
ANTONIAZZI, Alberto, Missione ed ecumenismo in Brasile, Ad Gentes, ano 2, n. 1, I sem. 1998, p. 20-25.
Tradução e adaptação nossa.
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VI
FUNDAMENTOS BÍBLICOS DO DIÁLOGO ECUMÊNICO8
8
ROSSI, Teresa Francesa. Manuale di ecumenismo. Brescia: Queriniana, 2012, p. 147-152. Tradução e
adaptação nossa.
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 34
notícia; daí brota o imperativo missionário de "ir" pelos caminhos do mundo para
anunciar a reconciliação de Cristo. O apelo à unidade torna-se o vínculo do anúncio da
salvação ao mundo, que é também anúncio à humanidade da verdade sobre si mesmo
e sobre o seu destino de glória, na manifestação do amor divino. Por fim, pertence à
missão salvífica a prerrogativa de dar um anúncio na verdade e na caridade, dimensões
constitutivas do diálogo ecumênico.
2. Um só corpo
do tema, que inclusive abre a carta colocando o apelo à unidade como um dever que
não pode ser negligenciado. De maneira vigorosa e direta, o apóstolo segue
imediatamente a autoridade e o motivo da exortação: “Pelo nome de nosso Senhor
Jesus Cristo”, portanto, ele não fala apenas como um apóstolo digno de autoridade, mas
em nome da vontade do próprio Cristo para a Igreja, em nome daquele que foi
crucificado por eles, em quem foram batizados, que os reconciliou curando toda
separação e que os identifica perante o mundo. É uma passagem saliente, pois a
referência à cruz e ao batismo nos leva a refletir sobre as divisões como negação da fé
cristológica e do próprio querigma. Não menos incisiva do que a abertura é a conclusão
da passagem que, através da forte imagem de Cristo dividido em si mesmo, sublinha a
tolice das facções: "Será que Cristo está dividido?"
VII
FUNDAMENTOS TEOLÓGICOS DO ECUMENISMO
1. Teologia da Koinonia9
A Igreja é o corpo de Jesus Cristo, o Filho de Deus, o Sumo Sacerdote, o Servo
sofredor, o Cordeiro imolado para a redenção do mundo; consequentemente, a missão
da Igreja consiste em confessar a fé em Cristo Senhor e Salvador, oferecer a Deus o
louvor confiando-lhe as orações do povo, servir ao próximo a exemplo dele e
testemunhar no mundo o seu amor redentor: homologhia, leiturghia, diakonia,
martyria. Trata-se de elementos constitutivos e complementares, conotações que
manifestam e reforçam a koinonia, ou seja, a comunhão que Deus Pai, Filho e Espírito
Santo oferece à humanidade e sua resposta ao amor divino. A Koinonia (ou comunhão)
constitui a natureza e a missão da Igreja e expressa o desígnio de Deus desde a
eternidade: a participação na comunhão trinitária.
A divisão entre os seguidores de Cristo, que desintegrou esta comunhão na Igreja,
comprometeu a harmonia e a sinergia entre as dimensões homológica, litúrgica,
diaconal e martirial; por isso o Movimento Ecumênico, em sua intenção de restabelecer
a comunhão entre os cristãos, persegue principalmente o objetivo de refletir sobre a
natureza da Koinonia e sobre suas condições, implicações e possíveis concretizações
entre comunidades cristãs ainda divididas, mas chamadas à unidade plena e visível. Esta
reflexão requer uma investigação sobre a dinâmica da homologhia, leiturghia, diakonia,
martyria tanto positivamente, ou seja, tomando o que ainda constitui o patrimônio da
unidade e sinal da koinonia existente em Cristo, quanto negativamente, ou seja,
9
ROSSI, Teresa Francesa. Manuale di ecumenismo. Brescia: Queriniana, 2012, p. 313-323. Tradução e
adaptação nossa.
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 38
• Koinonia e homologhia
A possibilidade de confessar juntos a fé em Deus é um elemento essencial da
identidade cristã e, consequentemente, a busca de uma forma unívoca de expressar a
fé no Deus trino constitui uma prioridade do próprio diálogo ecumênico. A Igreja indivisa
dos primeiros séculos expressava essa fé nos Símbolos, fazendo da homologhia um
elemento fortalecedor da identidade, sobretudo diante das distorções doutrinárias
dentro da própria Igreja e diante dos inúmeros desafios advindos do ambiente cultural
externo a ela. Do mesmo modo, a busca da unidade e a redescoberta da identidade
comum em Cristo exigem tanto a releitura como a reapropriação da fé apostólica, do
credo confessado pelas primeiras comunidades cristãs. O objetivo é redescobrir no
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 41
• Koinonia e leiturghia
O confronto entre as igrejas quanto à natureza da Igreja, dos sacramentos e dos
ministérios é tão espinhoso quanto incontornável, na medida em que o diferente perfil
eclesiológico e os consequentes entraves ao reconhecimento mútuo dos ministérios
condicionam a partilha sacramental, privando assim a dimensão litúrgica do seu aspecto
comunitário.
A dimensão eclesiológica da reflexão sobre este ponto crucial marcou desde o
início o diálogo ecuménico; temas como o significado profundo e, portanto, o
reconhecimento mútuo do batismo, a teologia eucarística e, portanto, a possibilidade
de intercomunhão, a natureza dos ministérios e, portanto, o reconhecimento mútuo dos
ministros têm estado entre as principais temáticas apontadas pelo Movimento
Ecumênico desde seus primórdios, motivando os especialistas a uma abordagem ampla,
disposta a levar em consideração tanto os estudos bíblicos e patrísticos quanto os
10
Nos últimos anos, contudo, há comunidades eclesiais que, embora compartilhem do mesmo conteúdo
de fé expresso nos Símbolos, são relutantes em utilizar uma fórmula uniforme, prefixada e codificada para
professar uma realidade tão vital como a fé em Cristo.
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 42
litúrgicos e pastorais. É uma reflexão que tem registado, em muitos aspectos, os maiores
êxitos, quer ao nível da capacidade de clarificar posições recíprocas e sublinhar as suas
convergências, quer ao nível da qualidade dos documentos produzidos, quer
finalmente, ao nível de resoluções operativas adotadas por muitas igrejas sobre o
reconhecimento de ministros e sacramentos. No entanto, na medida em que a discussão
é canalizada para a natureza e missão da Igreja, e na medida em que o movimento
ecumênico alarga os limites do seu campo de ação, surgem novas divergências. A
reflexão recente marcou um progresso significativo no uso e significado das imagens e
categorias bíblicas, na formulação convergente dos elementos essenciais da notae da
Igreja - unidade, santidade, catolicidade e apostolicidade - e inaugurou uma discussão
promissora sobre temas como autoridade, episcopado e primado petrino. No entanto,
permanecem inúmeras diferenças, algumas das quais remetem a uma possível e até
legítima diversidade de perspectivas; outras, ao contrário, são potencialmente divisoras
e, portanto, ainda sujeitas a pacientes e acuradas investigações teóricas, como, por
exemplo, os aspectos visíveis e institucionais da Igreja, a interpretação da teologia
sacramental e os critérios e limites da legítima diversidade.
No futuro, o diálogo ecumênico terá necessariamente que continuar o confronto
eclesiológico, tanto para esclarecer posições doutrinárias quanto para articular uma
eclesiologia ecumênica que tire conclusões que possam ser compartilhadas e harmonize
o resultado de diálogos bilaterais e multilaterais. [...]
A discussão sobre o dinamismo koinonia-leiturghia não estaria completa sem a
menção à oração comum entre cristãos de várias confissões, que constitui um
patrimônio de grande importância e junto com ela, a menção de cada esforço individual
e coletivo de encontro e diálogo, de estudo e de experiência promovidos no seio do
Movimento ecuménico, que com razão podem ser equiparados a uma oferta contínua a
Deus, feita de vontade de unidade e de busca da verdade.
• Koinonia e diakonia
A presença cristã no mundo deve ser uma presença incisiva, transformadora,
radical e exemplar: é a conversão à qual os cristãos são chamados. A reflexão acerca da
relação entre a koinonia da qual a Igreja é sinal e a diakonia que ela é obrigada a viver
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 43
• Koinonia e martyria
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 44
A relação entre koinonia e martyria abrange vários aspectos, alguns dos quais já
foram destacados nas páginas anteriores; a martyria, no seu sentido primário de
“testemunho”, inclui tanto a confissão de fé e a oração em comum, como também o
serviço ao mundo. Contudo, tem uma conotação intensiva mais marcada, representada
pelo testemunho prestado com o sangue, com o dom da vida dos cristãos de todos os
tempos e em muitos lugares. No diálogo ecuménico esta é uma área de interesse
recente, dado que no passado tanto as circunstâncias históricas de muitos martírios,
muitas vezes infligidos mutuamente pelas várias igrejas, como a teologia dos mártires
própria às várias tradições (muito diversificada na concepção do papel eclesial das
testemunhas da fé) tornou improvável uma abordagem fecunda do tema. Nos últimos
anos, pelo contrário, o valor ecuménico das histórias de martírio foi descoberto em duas
direções: por um lado, tem havido um foco no valor profundamente unificador do
martírio pela fé prestada pelos cristãos, de qualquer confissão, em situações de
perseguição por ódio à fé, porque deram testemunho de Cristo, indivisamente, e O
deram testemunho da mesma forma, ou seja, até ao ponto de dar a vida e no meio de
sofrimentos indizíveis; por outro lado, na perspectiva da releitura comum das histórias
de divisão e da consequente reconciliação das memórias, as igrejas cristãs têm sabido
assumir honestamente a responsabilidade pelas guerras e perseguições religiosas e
pedir perdão por terem infligido a morte no nome de um credo confessional, muitas
vezes agravado por fatores não teológicos. Hoje são cada vez mais frequentes as
celebrações de perdão, os estudos histórico-teológicos realizados conjuntamente pelas
Igrejas, as publicações ecuménicas que narram a vida dos mártires e dos santos de
diversas confissões como património comum de testemunho de Cristo e, portanto,
como modelos a serem propostos a todos os cristãos.
11
ROSSI, Teresa Francesa. Manuale di ecumenismo. Brescia: Queriniana, 2012, p. 63-67. Tradução e
adaptação nossa.
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 45
• Pneumatologia do diálogo
Cristo morto e ressuscitado, Cristo caminho, verdade e vida, não pode ser
confessado e proclamado senão pela força do Espírito Santo: "Ele me glorificará, porque
tirará do que é meu e vo-lo anunciará" (Jo 16:14). Cristologia e pneumatologia estão
intrinsecamente relacionadas. Crescer no diálogo, na consciência de ser o único corpo
de Cristo, significa abandonar-se ao sopro do Espírito. No trecho bíblico mencionado (Jo
16,4-15) Jesus assegura aos seus discípulos que eles não ficarão sozinhos, que o Espírito
virá iluminá-los, confortá-los, acompanhá-los (cf. Jo 16,7.12-13). Este trecho fica pouco
antes da narração de Jesus que reza pela unidade (cf. Jo 17,21), e é sugestivo lê-la no
contexto das divisões entre os cristãos: se tivesse sido a ruptura interna e a divisão entre
os discípulos o “peso” que não conseguiam carregar? Só o Espírito, portanto, será o
“Consolador” dos cristãos marcados pela divisão. Ele “conduzirá a Igreja a toda a
verdade” e “anunciar-lhe-á as coisas que estão por vir” (Jo 16:13).
Não há diálogo ecuménico que não tenha o selo vivificante do Espírito Santo. Ele
capacita indivíduos e comunidades a proclamarem a boa notícia que não conhece
divisões. Existe uma ligação estreita entre a presença do Espírito Santo e a comunidade
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 46
• Eclesiologia do diálogo
Como comunidade daqueles que guardam e transmitem a mensagem da
salvação em Cristo, o imperativo do diálogo torna-se peremptório, pois a falta de
comunhão mina a própria eficácia do anúncio. A perspectiva eclesiológica do diálogo -
mesmo antes de ser objeto de diálogo em relação a conteúdos específicos - impõe-se
como pré-requisito do próprio diálogo; na verdade, é um confronto entre as
comunidades confessionais, visando alcançar e reorganizar uma proclamação única e
comunitária da verdade salvadora. Cabe às comunidades determinar os critérios pelos
quais podem, ou ainda não, formar uma voz única.
A raiz etimológica do termo diá-logos, “através do pensamento”, tem
justamente o sentido de “atravessar” – no duplo sentido de “percorrer” e “cruzar” –
duas “mentalidades”, dois “modos de pensar", dois "sistemas racionais" que se
verificam quase contemporaneamente. Cada tradição desenvolveu o seu próprio
sistema conceptual, uma estrutura epistémica, um estilo de pensamento, uma práxis
consequente. O diálogo ecuménico aproveita ao máximo esta etimologia, pois pretende
entrar em cada sistema, e em vários sistemas em conjunto, para encontrar elementos
comuns ou dialeticamente opostos, mas que se enriquecem mutuamente. Tudo isto é
possível graças ao que cada tradição partilhou ab origine: a revelação de Deus na Bíblia
e na vida das comunidades cristãs dos primeiros séculos, bem como a tradição escrita e
oral transmitida até aos dias de hoje, que é um elemento partilhado
independentemente do nível de normatividade que lhe é atribuído.
Neste caminho de redescoberta dos pontos comuns e das divergências, torna-se
verdadeiro o valor do diálogo como “troca de dons”. A perspectiva pressupõe a sua
variedade como expressão da riqueza da presença do Espírito em cada comunidade de
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 47
fiéis. Um dos lemas mais citados sobre o propósito do Movimento Ecumênico é: “Uma
unidade que não seja uniformidade e uma diversidade que não seja divisão”. A unidade
e a diversidade são dons do Espírito e o ecumenismo tende propriamente a valorizá-los,
a reconhecê-los como valores a serem tutelados [...].
O critério de Santo Agostinho contém a alma do diálogo ecumênico: “Nas coisas
necessárias deve ter unidade, nas coisas duvidosas deve ter liberdade, em todas as
coisas deve ter caridade”, ou seja, a unidade deve ser rigorosamente preservada nas
realidades necessárias (como, por exemplo, o fulcro da profissão da fé), a liberdade deve
ser mantida nas áreas do crescimento e da diversidade (que são muitas vezes as
questões debatidas histórica e ecumenicamente) e, finalmente, a caridade é o
imperativo supremo, a ser encarnado em todas as circunstâncias, pois nos torna
autênticas testemunhas da mensagem de Cristo.
12
ROSSI, Teresa Francesa. Manuale di ecumenismo. Brescia: Queriniana, 2012, p. 75-82. Tradução e
adaptação nossa.
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 48
• O “método cristológico”.
Por ocasião da III Conferência Mundial de Fé e Constituição, realizada em 1952
em Lund, a reflexão sobre a metodologia de trabalho da Comissão marcou uma viragem
capital: a passagem de um método comparativo ao cristológico. A Comissão já registrara
alguns resultados positivos do trabalho iniciado nas duas décadas anteriores segundo
um "método comparativo": este método - que consiste numa comparação "horizontal"
entre as diferentes posições das igrejas na esfera doutrinária, para destacar aspectos
comuns e divergências - mostrou-se bem-sucedido, mas limitado. Foi portanto
necessário orientar a reflexão para um dinamismo de focalização no fundamento
cristológico das convergências entre as Igrejas, para reforçar o seu valor e, ao mesmo
tempo, fazer do diálogo ecuménico um caminho também espiritual de conversão à
Cristo. A perspectiva cristocêntrica, que ficará na história ecumênica como “método
cristológico”, é considerada um método “vertical” porque assume a forma de um
retorno diacrônico ao fulcro da fé. Eis a formulação:
Vimos claramente que não podemos fazer nenhum progresso real
rumo à unidade se nos limitarmos a comparar as nossas diferentes
concepções da natureza da Igreja e das tradições que a encarnam. Mas
mais uma vez ficou claro que quanto mais nos aproximamos de Cristo,
mais nos aproximamos uns dos outros. Devemos, portanto, superar as
nossas divisões e avançar para uma compreensão mais profunda e rica
do mistério da unidade de Cristo com a sua Igreja, dada por Deus.
(Comissão Fé e Constituição, Relatório - III Conferência mundial – Lund
1952).
se que existe uma ordem ou «hierarquia» das verdades da doutrina católica, já que o
nexo delas com o fundamento da fé cristã é diferente” (UR 11)
O termo latino "ordo" explicita mais precisamente o aspecto formal do princípio,
enquanto, o termo "hierarquia", lido numa chave semântica contemporânea, pode
prestar-se a interpretações enganosas; de fato, não existe uma hierarquia de
importância entre as verdades da fé, não existem categorias de primeira ou segunda
classe na verdade revelada, a imagem não é a de uma pirâmide hierarquicamente
organizada. Há, porém, entre os elementos que constituem o discurso teológico, uma
ligação mais ou menos próxima, mais ou menos direta, com o fulcro da fé, constituído
pelos mistérios de Cristo: a encarnação e a morte-ressurreição.
A unidade visível que o diálogo ecuménico persegue pode, portanto, ser
articulada também segundo um "ordo", que por um lado reconhece a necessidade de
uma plena unidade de fé no querigma da encarnação e da salvação, e nas verdades que
têm uma estreita ligação com esse fulcro constitutivo, por outro, admite a possibilidade
de maior ou menor adesão a conteúdos específicos, dependendo da sua maior ou menor
ligação com o fulcro da verdade da fé.
O príncipio foi sucessivamente reiterado por Paulo VI, em 1964, na encíclica Ecclesiam
suam, que enfatizava a necessidade para a Igreja estar em diálogo, em nível humano e
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 50
• O “princípio de Lund”
O princípio foi elaborado numa Conferência Mundial da Comissão de Fé e Ordem
do Conselho Mundial de Igrejas, realizada em Lund, Suécia, em 1952:
Acreditamos que é a vontade de Deus que estejamos unidos e vejamos
os problemas urgentes e as necessidades desesperadas de todo o
mundo moderno novos apelos e novas oportunidades para ouvir a
palavra unificadora de Deus (...). Devemos fazer juntos tudo o que
pode ser feito juntos e fazer separadamente apenas o que deve ser
feito separadamente" (Lund, n. 1758) .
VIII
O CAMINHO DA IGREJA CATÓLICA
ATÉ A REDAÇÃO DO DECRETO UNITATIS REDINTEGRATIO
13
VILLAR, José R. El decreto conciliar sobre Ecumenismo y la Encíclica Ut unum sint, p. 99-101.
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 53
É bom ressaltar que, desde o século XIX, a reflexão teológica católica tentava superar
uma abordagem apologética da Igreja. Alguns exemplos:
• No dia 25 de dezembro de 1961, João XXIII anunciou que o Concílio que se iniciaria em
1962 seria uma busca de aggiornamento da Igreja, em sua organização, sua doutrina e
sua ação evangelizadora. Isso não é novidade em relação aos Concílios anteriores. O
novo é o fato de o processo de aggiornamento dever acontecer, agora, também numa
perspectiva ad extra, até então praticamente desconsiderada. O Vaticano II tem como
escopo pautar novas relações da Igreja com o mundo, com as outras Igrejas, com as
religiões. Assim, o Concílio foi apresentado também como um convite às Igrejas que,
imbuídas do espírito ecumênico, muito podem colaborar com os trabalhos do Concílio.
• João XIII: “[...] Convidamos também os cristãos separados da Igreja católica [...]
Sabemos, também, que o anúncio do Concílio não só foi por eles acolhido com alegria,
mas não poucos já prometeram oferecer as suas orações para seu feliz êxito, e esperam
14
WOLFF, Elias.. Vaticano II: 50 anos de ecumenismo na Igreja Católica. São Paulo: Paulus, 2014, p. 22-
25.
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 55
• João XXIII sabia que o Concílio não podia propor uma Igreja do diálogo ecumênico,
bem como inter-religioso e intercultural, sem fazer do próprio Concílio um exercício de
diálogo. E isso exigia a presença de interlocutores. O Concílio foi preparado e vivido
também como uma experiência ecumênica. O Secretariado pela Unidade dos Cristãos
(criado para esse fim em 5 de junho de 1960), sob a direção do Cardeal Bea, fez o convite
para que as Igrejas, famílias confessionais e o Conselho Mundial de Igrejas enviassem
delegados observadores ao Concílio.
minhas palavras. A vossa presença aqui enche de emoção a minha alma de pai e de
bispo”.
• “Graças não apenas à lucidez e à prudência, mas também à coragem dos membros do
Secretariado, o grupo dos observadores foi aceito, tomou consistência e sua presença
tornou-se realmente significativa” (Aubert, 1976, p. 181)
• Os representantes das Igrejas eram mais que ilustres visitantes, eram observadores e,
como tal, colaboradores do Concílio. Assistiam às sessões e estavam presentes também
nas congregações gerais. (...) Tinham a possibilidade de comunicar suas impressões
sobre os temas em discussão nas reuniões semanais que realizavam com o Secretariado
para a Unidade, ou quando consultados por comissões, bispos e teólogos.
Esta concepção foi confrontada com a outra, à qual podemos chamar "ecumenismo do
diálogo". E foi esta última que prevaleceu, tanto que o termo ou o conceito de “retorno"
nunca é utilizado no decreto. A ideia de ecumenismo recebida pelo Vaticano II constitui
um enorme salto qualitativo em relação ao passado imediato. Fala-se da "revolução
copernicana".
2) Por um lado UR tende a minimizar o peso psicológico das divisões. Minimizar não
significa, naturalmente, relativizar tampouco banalizar as separações existentes.
Significa tomar consciência que essa situação ambígua acompanha a vida da Igreja desde
sempre. Deve-se ao fato que a Igreja, como instituição humana, não fica isenta do
pecado. Uma realidade, portanto, que deve ser vivida com extrema humildade, presente
em uma Igreja já salvada, mas que deve ser ainda e continuamente salvada. É necessário
reler o problema das divisões a partir do NT. Desde cedo a Igreja apostólica foi lugar de
tensões que de forma paradigmática ela vivenciou sempre de forma criteriosa. Portanto
o problema da unidade da Igreja começa no ato mesmo em que a Igreja vai se formando
como Igreja de Cristo e discípula dele e vai tomando consciência de si mesma.
estar dentro ou fora da Igreja. Isso não significa que o cisma e a heresia cessaram, pois
as divisões permanecem. Contudo UR usa outra categoria para abordá-las, isto é o
conceito de Koinonia. Todos os juízos expressos por UR retomam esta categoria. Desta
forma a diversidade que separa se torna “comunhão não plena e não perfeita”
IX
1. Abordagem geral
O Preâmbulo do decreto começa lembrando o significado do "problema
ecumênico": "única é a Igreja fundada por Cristo Senhor, embora existam muitas
comunhões cristãs que são apresentadas aos homens como a herança de Jesus Cristo”
(UR 1). Esta divisão contradiz a vontade de Cristo; É um escândalo para o mundo e
obstáculo à evangelização. Reconhece que o chamado movimento “ecumênico”, que
busca a unidade, uma graça do Senhor para nossos tempos, e que é movido pelo Espirito
Santo; descreve o desejo de restabelecer a unidade como um "divina vocação e graça”.
Nele participam “aqueles que invocam o Deus Trino e confessam Jesus Cristo como Deus
e Salvador", em alusão implícita á fórmula «base» do Conselho Ecumênico das Igrejas.
O Decreto acrescenta que o desejo de unidade surge nos cristãos, não só
individualmente, mas reunidos em "assembleias nas quais ouvem o Evangelho e que
cada grupo chama de Igreja própria e de Deus" (UR 1). Com estas palavras já apontamos
o que constitui a chave conceitual do Ecumenismo: a relação entre as Igrejas e
comunidades cristãs como tais, em vista da unidade visível.
O Capítulo 1 expõe os “princípios católicos” do Ecumenismo. Sabe-se que na redação
anterior, o decreto falava de "ecumenismo católico". Isto parecia sugerir que havia
“vários ecumenismos”, quando, na realidade, existe um movimento único em busca da
unidade, ao qual cada participa a partir da própria identidade confessional. Esta
identidade (“princípios católicos”) é precisamente o que tenta delimitar o decreto sobre
15
VILLAR, José R. El decreto conciliar sobre Ecumenismo y la Encíclica Ut unum sint, p. 101-119.
Tradução e adaptação nossa.
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 61
também a ele e aos demais Apóstolos a sua difusão e governo (cfr. Mt.
28,18 ss.), e erigindo-a para sempre em «coluna e fundamento da
verdade» (I Tim. 3,5). Esta Igreja, constituída e organizada neste
mundo como sociedade, subsiste na Igreja Católica, governada pelo
sucessor de Pedro e pelos Bispos em união com ele (13), embora, fora
da sua comunidade, se encontrem muitos elementos de santificação e
de verdade, os quais, por serem dons pertencentes à Igreja de Cristo,
impelem para a unidade católica.
a) Os Elementa ecclesiae
Esses elementos de santidade e verdade fundamentam a doutrina da gradualidade
da comunhão na Lumen gentium, já presente “fora do recinto visível da Igreja Católica"
(UR 3). Eles nos permitem falar verdadeiramente comunhão entre os cristãos, embora
imperfeita. Conforme explica João Paulo II:
Com efeito, os elementos de santificação e de verdade presentes nas
outras Comunidades cristãs, em grau variável duma para outra,
constituem a base objetiva da comunhão, ainda imperfeita, que existe
entre elas e a Igreja Católica. Na medida em que tais elementos se
encontram nas outras Comunidades cristãs, a única Igreja de Cristo
tem nelas uma presença operante (UUS 11).
Quais são esses bens da santidade e da verdade? Lumen Gentium lista alguns:
A Igreja vê-se ainda unida, por muitos títulos, com os baptizados que
têm o nome de cristãos, embora não professem integralmente a fé ou
não guardem a unidade de comunhão com o sucessor de Pedro.
Muitos há, com efeito, que têm e prezam a Sagrada Escritura como
norma de fé e de vida, manifestam sincero zelo religioso, creem de
coração em Deus Pai omnipotente e em Cristo, Filho de Deus Salvador,
são marcados pelo Baptismo que os une a Cristo e reconhecem e
recebem mesmo outros sacramentos nas suas próprias igrejas ou
comunidades eclesiásticas. Muitos de entre eles têm mesmo um
episcopado, celebram a sagrada Eucaristia e cultivam a devoção para
com a Virgem Mãe de Deus (LG 15).
E acrescenta:
A Constituição dogmática Lumen gentium liga a doutrina sobre a Igreja
Católica ao reconhecimento dos elementos salvíficos que se
encontram nas outras Igrejas e Comunidades eclesiais. Não se trata de
uma tomada de consciência de elementos estáticos, presentes
passivamente em tais Igrejas e Comunidades. Como bens da Igreja de
Cristo, por sua natureza impelem para a restauração da unidade. Daí
resulta que a procura da unidade dos cristãos não é um acto
facultativo ou oportunista, mas uma exigência que dimana do próprio
ser da comunidade cristã.(UUS 49)
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 65
d) ... separadas
Após ter afirmado o conteúdo positivo tanto da condição individual dos cristãos
separados de Roma, bem como das respectivas Igrejas e Comunidades, o decreto
quer evitar um falso irenismo que ignore o que ainda separa:
Contudo, os irmãos separados, quer os indivíduos quer as suas
Comunidades e Igrejas, não gozam daquela unidade que Jesus quis
prodigalizar a todos os que regenerou e convivificou num só corpo e
numa vida nova e que a Sagrada Escritura e a venerável Tradição da
Igreja professam. Porque só pela Igreja católica de Cristo, que é o meio
geral de salvação, pode ser atingida toda a plenitude dos meios
salutares. Cremos também que o Senhor confiou todos os bens da
nova Aliança ao único colégio apostólico, a cuja testa está Pedro, com
o fim de constituir na terra um só corpo de Cristo. É necessário que a
ele se incorporem plenamente todos os que de alguma forma
pertencem ao Povo de Deus (UR 3).
16
A adequada compreensão do “subsist in” deve sempre honrar as duas vertentes que os padres
conciliares viam nessa expressão: a existência de outros bens de verdade e santidade fora dons confins
visíveis da Igreja Católica e a subsistência nela daquela unidade e unicidade da Igreja de Cristo.
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 66
sentido de favorecer a unidade dos cristãos” (UR 4). Com esta formulação ampla, o
decreto mantém uma abertura e expectativa diante do Espírito Santo, que sopra onde
quer e como quer, embora não seja um "movimento" vago e indefinido, mas sim um
objetivo esperado - a plenitude da unidade - e algumas formas próprias de atuação.
Dirige-se principalmente às comunidades mais do que aos indivíduos; e nele se
participa a partir da identidade confessional, ainda que seja a título pessoal. O Decreto
destaca enfaticamente a importância da participação dos católicos: “Este sagrado
Concilio, portanto, exorta todos os fiéis a que, reconhecendo os sinais dos tempos,
solicitamente participem do trabalho ecuménico”.
O ecumenismo, então, afeta a todos e o decreto aponta algumas implicações gerais
quando se refere a “esforços para eliminar palavras, juízos e ações que, segundo a
equidade e a verdade, não correspondem à condição dos irmãos separados e, por isso,
tornam mais difíceis as relações com eles” (UR 4). [...].
Todos, então, podem e devem ter um protagonismo ecuménico, começando pela
oração e banindo formas de agir que prejudicam sensivelmente a causa da unidade.
Nesse sentido, o decreto lembra que a vida da Igreja Católica deve ser um pôr já em
prática certo “ecumenismo interno”:
Guardando a unidade nas coisas necessárias, todos na Igreja, segundo
o múnus dado a cada um, conservem a devida liberdade tanto nas
várias formas de vida espiritual e de disciplina, como na diversidade de
ritos litúrgicos e até mesmo na elaboração teológica da verdade
revelada. Mas em tudo cultivem a caridade. Por este modo de agir,
manifestarão sempre melhor a autêntica catolicidade e apostolicidade
da Igreja. (UR 4).
com espírito sincero e atento aquelas coisas que na própria família católica
devem ser renovadas e realizadas para que a sua vida dê um testemunho mais
fiel e luminoso da doutrina e dos ensinamentos recebidos de Cristo, através dos
Apóstolos” (UR 4). Mais adiante o decreto dirá: “Lembrem-se todos os cristãos
de que tanto melhor promoverão e até realizarão a união dos cristãos quanto
mais se esforçarem por levar uma vida mais pura, de acordo com o Evangelho.
Porque, quanto mais unidos estiverem em comunhão estreita com o Pai, o Verbo
e o Espírito, tanto mais íntima e facilmente conseguirão aumentar a fraternidade
mútua” (UR 7). Aborda-se, então, a questão da “renovação”, tanto pessoal -a
plenitude da vida em Cristo, “todos os católicos devem tender a ‘perfeição
cristã’” - como institucional. O significado desta renovação: “Toda a renovação
da Igreja consiste essencialmente numa maior fidelidade à própria vocação” (UR
6), fidelidade ao Evangelho para apresentar um testemunho cada vez mais
transparente da “forma” que Cristo deu à sua Igreja.
Em suma, o Decreto convida a olhar os cristãos não católicos não apenas sob a
perspectiva negativa "não católica" (o que é verdade, mas meia verdade), mas também
na perspectiva positiva do “cristão”; não somente sob a perspectiva teológica, pastoral
e espiritual daquilo que “não são”, mas do que “são”, sem ignorar o que ainda separa.
Os princípios apresentados no Decreto e recolhidos por João Paulo II na Encíclica Ut
unum sint querem suscitar um comportamento positivo nos católicos com a convicção
de que a unidade não é possível na desconfiança e no desconhecimento recíproco. O
espírito de compreensão e de benevolência fraterna é a sua condição de possibilidade.
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 69
X
A SITUAÇÃO ECUMÊNICA HOJE17
17
Extrato de uma conferência proferida no dia 04 de junho de 2012.
*
Presidente do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos.
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 70
Intimamente ligado ao que acaba de ser dito está o fato de que, ao longo do tempo, o
objetivo do movimento ecumênico foi se tornando cada vez mais confuso.
Especialmente as Igrejas e Comunidades eclesiais originadas pela Reforma
abandonaram progressivamente o objetivo original da unidade visível na comunhão de
fé, sacramentos e ministérios eclesiais em favor do princípio de um reconhecimento
mútuo das diferentes Igrejas como Igrejas e como parte da única Igreja de Jesus Cristo.
Que este objetivo deve ser considerado insuficiente e contrário aos princípios teológicos
do ecumenismo católico e ortodoxo foi afirmado pelo Papa Bento XVI com palavras
claras: "A busca do restabelecimento da unidade entre os cristãos divididos não pode,
portanto, ser reduzida ao reconhecimento das diferenças mútuas e realização de uma
convivência pacífica: o que ansiamos é aquela unidade pela qual Cristo mesmo rezou e
que por sua natureza se manifesta na comunhão da fé, dos sacramentos, do ministério.
O caminho para esta unidade deve ser percebido como um imperativo moral, resposta
a um chamado específico do Senhor”. Se analisarmos de perto a pretensão cada vez
mais forte dos protestantes por um reconhecimento mútuo, ao qual está ligado o
postulado de uma eliminação imediata de todas as divisões, podemos também
identificar nela uma rejeição espiritual, ou uma falta de vontade de mudar a si mesmos.
Esta recusa de se deixar transformar teológica e espiritualmente no diálogo foi
justamente definida por Cardeal Karl Lehmann "heresia espiritual".
O fato de que até agora não foi possível chegar a um acordo verdadeiramente sólido
sobre o objetivo do movimento ecumênico e que em parte foram questionados
consentimentos parciais alcançados no passado deve-se, fundamentalmente, à
impossibilidade de reconciliar, hoje como ontem, as diferentes concepções
confessionais da Igreja e da unidade da Igreja. Visto que há tantos objetivos ecumênicos
quantas são as eclesiologias confessionais, não é possível passar sem atritos do próprio
conceito de Igreja e unidade da Igreja a um modelo de unidade ecumenicamente
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 73
que corre o risco de perder de vista, no horizonte, o objetivo do itinerário. Quanto mais
a corrida inicial for esquecida e quanto mais confusos ficarem os progressos que
entretanto se produzem, mais correrá o risco de se tornar invisível também o objetivo
da viagem. Isto é verdade sobretudo se acontece o que o ecumenista protestante
Harding Meyer definiu o “perigo do esquecimento ecumênico”, ou melhor, que “o que
já conquistamos no diálogo se torna incerto e nos escapa novamente e o que
conquistamos é disperso e evaporado novamente, como se nunca tivesse acontecido”.
Isso significa, então, que para o ecumenismo de hoje, por um lado, é necessário fazer
um balanço dos resultados já alcançados e aqueles ainda a serem alcançados e, por
outro, refletir, novamente, sobre os fundamentos teológicos que, presentes desde as
origens do movimento ecumênico, isto é, desde a corrida inicial da nossa viagem
ecumênica, constituem a tarefa urgente do ecumenismo de hoje.
merece ser definido como escândalo. O escândalo consiste não apenas no fato
de ainda não podermos celebrar a Eucaristia juntos, mas sobretudo no fato de
que, como Igrejas e como cristianismo, continuamos divididos. A superação
desse escândalo deve continuar sendo o objetivo do trabalho ecumênico. As
fraturas entre as Igrejas devem, de fato, ser consideradas como uma divisão
daquilo que, por sua natureza, não pode ser dividido, ou seja, a unidade do Corpo
de Cristo.
A imagem mais vívida desta realidade nos é oferecida pela túnica intacta e
indivisa de Jesus. A Sagrada Escritura sublinha que era "sem costura, tecida numa
só peça de alto a baixo" (Jo 19,23b). Pessoalmente, sempre me impressionou o
fato de que, na história da Paixão, nem mesmo os soldados romanos ousaram
cortar esta preciosa vestimenta do Jesus terreno: "Não a rasguemos, mas
lancemos a sorte para ver de quem será" (Jo 19,24). Assim, na história cristã, a
túnica de Jesus pode ser verdadeiramente entendida como símbolo da unidade
da Igreja, como Corpo de Cristo. A tragédia deplorável desta história é que os
cristãos fizeram o que os soldados romanos não ousaram fazer. Como observava
com razão o Cardeal Edward Idris Cassidy, ex-presidente do Pontifício Conselho
para a Promoção da Unidade dos Cristãos, a túnica de Jesus hoje parece estar
"rasgada e cortada, dividida em confissões e denominações que na história
muitas vezes lutaram entre si ao invés de cumprir o mandamento do Senhor”.
Como hoje todas as Igrejas e Comunidades eclesiais cristãs têm seus mártires,
devemos falar de um verdadeiro e próprio ecumenismo dos mártires. Além de
seu aspecto trágico, ele contém também uma bela promessa: apesar do drama
das divisões entre as Igrejas, essas firmes testemunhas da fé mostraram que o
próprio Deus mantém entre os batizados a comunhão de fé, testemunhada pelo
supremo sacrifício da vida, em um nível mais profundo. Enquanto nós, como
cristãos e como Igrejas, vivemos nesta terra numa comunhão ainda imperfeita,
os mártires na glória celestial encontram-se desde já na comunhão plena e
perfeita. Os mártires, como o Papa João Paulo II expressou de maneira
significativa, são, portanto, "a prova mais significativa de que todo elemento de
divisão pode ser transcendido e superado no dom total de si mesmo por causa
do Evangelho".
Aprofundamento
107. Nós, católicos, possuímos um tesouro nas Escrituras Sagradas que outras
religiões não aceitam, embora às vezes sejam capazes de as ler com interesse e
inclusive apreciar alguns dos seus conteúdos. Algo semelhante, procuramos nós
fazer face aos textos sagrados doutras religiões e comunidades religiosas, onde
se encontram «preceitos e doutrinas que (…) refletem não raramente um raio da
verdade que ilumina todos os homens». Temos também uma grande riqueza nos
sete Sacramentos, que algumas comunidades cristãs não aceitam na sua
totalidade ou com idêntico sentido. Ao mesmo tempo que acreditamos
firmemente em Jesus como único Redentor do mundo, cultivamos uma profunda
devoção à sua Mãe. Embora saibamos que isto não se verifica em todas as
confissões cristãs, sentimos o dever de comunicar à Amazónia a riqueza deste
ardente amor materno, do qual nos sentimos depositários. De facto, terminarei
esta Exortação com algumas palavras dirigidas a Maria.
108. Nada disto teria que nos tornar inimigos. Num verdadeiro espírito de
diálogo, nutre-se a capacidade de entender o sentido daquilo que o outro diz e
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FRANCISCO, Papa. Exortação Apostólica pós-sinodal Querida Amazônia: ao povo de Deus e a todas as
pessoas de boa vontade. São Paulo: Paulus, 2020.
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faz, embora não se possa assumi-lo como uma convicção própria. Deste modo
torna-se possível ser sincero, sem dissimular o que acreditamos, nem deixar de
dialogar, procurar pontos de contacto e sobretudo trabalhar e lutar juntos pelo
bem da Amazónia. A força do que une a todos os cristãos tem um valor imenso.
Prestamos tanta atenção ao que nos divide que, às vezes, já não apreciamos nem
valorizamos o que nos une. E isto que nos une é o que nos permite estar no
mundo sem sermos devorados pela imanência terrena, o vazio espiritual, o
cómodo egocentrismo, o individualismo consumista e autodestrutivo.
109. Como cristãos, a todos nos une a fé em Deus, o Pai que nos dá a vida e tanto
nos ama. Une-nos a fé em Jesus Cristo, o único Redentor, que nos libertou com
o seu bendito sangue e a sua ressurreição gloriosa. Une-nos o desejo da sua
Palavra, que guia os nossos passos. Une-nos o fogo do Espírito que nos impele
para a missão. Une-nos o mandamento novo que Jesus nos deixou, a busca duma
civilização do amor, a paixão pelo Reino que o Senhor nos chama a construir com
Ele. Une-nos a luta pela paz e a justiça. Une-nos a convicção de que nem tudo
acaba nesta vida, mas estamos chamados para a festa celeste, onde Deus
enxugará as nossas lágrimas e recolherá o que tivermos feito pelos que sofrem.
110. Tudo isto nos une. Como não lutar juntos? Como não rezar juntos e
trabalhar lado a lado para defender os pobres da Amazónia, mostrar o rosto
santo do Senhor e cuidar da sua obra criadora?
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 82
• Básica:
- JOÃO PAULO II. Carta Encíclica Ut unum sint. Sobre o empenho ecumênico. São
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- KLOPPENBURG, Boaventura. Compêndio do Vaticano II: Constituições, Decretos
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- NAVARRO J. Bosch, Para compreender o Ecumenísmo. São Paulo: Loyola, 1995.
- ROSSI Teresa Francesca, Manuale di Ecumenismo, Brescia: Queriniana, 2012.
- WOLFF, Elias. Unitatis Redintegratio, Dignitatis Humanae, Nostra Aetate. Texto
e comentários. São Paulo: Paulinas, 2011.
- _______. Vaticano II: 50 anos de ecumenismo na Igreja Católica. São Paulo:
Paulus, 2014.
• Complementar:
- ANTONIAZZI, Alberto. Missione ed ecumenismo in Brasile. Ad gentes, v. 1, jan-
jun 1998, p. 20-25.
- BRAKEMEIER Gottfried. Ecumenismo: repensando o significado e abrangência
de um termo. Perspectiva Teológica, v. 33, 2001, p. 195-216.
- CELAM. Documento de Aparecida. Brasília: Edições CNBB, 2007.
- CERETI, Giovanni. La missione nei dialoghi ecumenici. Ad gentes, v. 1, ano 2,
jan-jun 1998, p. 20-25.
- CNBB. O que é ecumenismo? Uma ajuda para trabalhar a exigência do diálogo.
São Paulo: Paulinas, 1997.
- FAGGIOLI, Massimo. Ecumenism in Evangelii Gaudium and in the context of
Francis’ pontificate. Perspectiva Teológica, v. 48, jan./abr. 2016, p. 17-35.
- FITZGERALD, Michael L. Ecumenismo, annuncio e dialogo. Ad gentes, v. 1, ano
2, jan-jun 1998, p. 12-16.
- FRANCISCO, Papa. Exortação Apostólica pós-sinodal Querida Amazônia: ao
povo de Deus e a todas as pessoas de boa vontade. São Paulo: Paulus, 2020.
- MIRANDA, Mario de França. Ecumenismo e instituição eclesial. Perspectiva
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- RATZINGER, Joseph. Chiesa, ecumenismo e politica. Cinisello Balsamo: Paoline,
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- ______. Compreender a Igreja Hoje: vocação para a Comunhão. 2.ed.
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- RODRIGUES, Manuel Augusto. Ecumenismo e diálogo inter-religioso: algumas
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- WOLFF, Elias. A unidade da Igreja: ensaio de eclesiologia ecumênica. São Paulo:
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