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Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.

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DIÁLOGO ECUMÊNICO E DIÁLOGO INTERRELIGIOSO1

Um erro no qual fácil e frequentemente se cai é o de confundir ou intercambiar


indiferentemente “ecumênico” e “interreligioso”.

1. Princípios e atitudes comuns


Às vezes ao perguntar a professores, ou catequistas, e até aos religiosos,
seminaristas e agentes de pastoral qual experiências ecumênicas tiveram, ouve-se expor
experiências com pessoas de outras religiões. Isto é compreensível, pois os dois âmbitos
compartilham os fundamentos antropológicos do diálogo: a necessidade de um futuro
caminho de compreensão recíproca entre crentes; o conjunto de princípios que tornam
a pessoa capaz de dialogicidade, de confronto honesto a respeito da própria fé, de
alargamento do próprio horizonte; a busca de um terreno comum; o desejo de derrubar
as barreiras, de comunicar, compreender e ser compreendidos, crescer na consciência
da importância de levar ao mundo uma voz que possibilite a comunhão na esfera
religiosa; e, enfim, a concepção das pessoas como criaturas e membros de uma única
família.
O documento redigido conjuntamente pelo Pontifício Conselho para o diálogo
interreligioso e pela Congregação para a evangelização dos povos em 1991, intitulado
Diálogo e Anúncio, apresenta dois princípios hermenêuticos de grande valor, que
sintetizam o que, em nível de método e de finalidade, aproxima o diálogo ecumênico ao
interreligioso. O primeiro princípio tem a ver com a necessidade de ser fiéis à própria
tradição:
não significa que, ao entrar em diálogo, devam ser postas de lado as
próprias convicções religiosas. Pelo contrário, a sinceridade do diálogo
(...) exige que se entre nele com a integralidade da própria fé. (DA 48).

O segundo princípio tem a ver com a abertura à verdade, também necessária:


Em última análise, a verdade não é algo que possuímos, mas uma
pessoa pela qual devemos deixar possuir. Trata-se, portanto, de um
processo sem fim. Embora mantendo intacta a sua identidade, os

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ROSSI, Teresa Francesa. Manuale di ecumenismo. Brescia: Queriniana, 2012, p. 22-26. Tradução e
adaptação nossa.
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cristãos devem estar dispostos a aprender e a receber dos outros e por


intermédio deles os valores positivos das suas tradições. (DA 49).

Do ponto de vista especificamente teológico, porém, o diálogo ecumênico e o


diálogo interreligioso diferem-se no que diz respeito à fundamentação, às fontes, à
finalidade e à metodologia.

2. O diálogo ecumênico
O diálogo ecumênico é o diálogo entre cristãos, portanto se fundamenta em Cristo,
toma sua própria missão da vontade dele que todos sejam “uma coisa só” (Jo 17,21) e
finaliza-se à plena unidade visível entre as igrejas, capazes de expressar a fé juntas,
celebrar juntas os mistérios da vida de Cristo e os ministérios eclesiais, testemunhar o
evangelho com a vida. Fontes comuns nesta peregrinação rumo à unidade visível são,
antes de tudo, a Bíblia e, secundariamente, a fé e a práxis das primeiras comunidades
cristãs. Isto implica que, embora as igrejas tenham posições diferentes no que diz
respeito à relevância, a interpretação, a normatividade das fontes bíblicas e patrísticas,
todavia, o quadro principal de referência é largamente compartilhado; portanto, a
comum raiz histórico-teológica-eclesial fornece um quadro de referência fundamental,
imprescindível e frutuosamente vinculante.
A finalidade do diálogo ecumênico é naturalmente o esclarecimento e a
aproximação das posições doutrinais, juntamente com a renovação das práxis pastorais
em um processo de conversão que faça redescobrir o vínculo dado pela fé no Cristo
redentor. O vínculo já existe, mas deve manifestar-se em uma plena unidade visível
entre as igrejas cristãs, capazes de professar juntas a fé trinitária, de compartilhar as
formas ministeriais e sacramentais, de testemunhar juntas diante do mundo os valores
do Reino.
Um percurso desse exige uma metodologia apropriada e bem comprovada, que
saiba conciliar a identidade cristã com a capacidade de conjugar as identidades
confessionais, deixando emergir, juntamente com o que elas possuem em comum,
também a medida de sua fidelidade em guardar a herança recebida e da sua vitalidade
na manifestação da salvação. Uma metodologia, portanto, feita de diálogo teorético e
ações concretas, uso de fontes comuns, análise e momento crítico, e sobretudo feita de
um sábio equilíbrio entre inovabilidade e fidelidade.
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3. O diálogo interreligioso.
O diálogo interreligioso é o diálogo entre pessoas e povos seguidores de várias
religiões, que são até muito diferentes uma da outra. No coração do diálogo
interreligioso está a dimensão religiosa inscrita na pessoa humana, a descoberta e a
partilha dos diferentes modos pelos quais o Sagrado se manifestou nas culturas e nas
épocas, tanto como conceito monoteísta de Deus (judaísmo, islamismo, cristianismo)
quanto como presença da divindade, compreendida religiosa ou filosoficamente
(hinduísmo, budismo) ou como sentido do transcendente, que suscita sentimentos
religiosos e códigos éticos (xintoísmo, confucionismo, zoroastrismo) [...].
A finalidade do diálogo interreligioso é o recíproco conhecimento, a compreensão
da inteireza da experiência religiosa em formas diferentes da própria, assim como –
elemento recentemente focalizado e somente nos últimos tempos valorizado – a
cooperação para a defesa e a promoção dos direitos humanos, o empenho para a paz,
a justiça, a dignidade da pessoa. Trata-se de âmbitos que apresentam insídias e
obstáculos, mas também enormes potencialidades [...]. As tentativas de articular e
desenvolver uma teologia entendida justamente como discurso comum sobre Deus são
muito interessantes, mas permanecem ainda às margens; talvez isto seja um obstáculo
intrínseco ou até inextinguível e, contudo, marca a diferença substancial com o diálogo
ecumênico, cuja raiz é a mesma fé no mistério de Deus Uno e Trino e na encarnação
redentora de Cristo, terreno que possibilita articular um diálogo teológico e aspirar a
metas compartilhadas, concretas e visíveis.
As fontes do diálogo são os livros sagrados de cada religião ou o ensinamento
constitutivo transmitido por fontes de diferente natureza. Eles podem constituir um
tesouro de enriquecimento recíproco na medida em que há o empenho a conhecer o
patrimônio espiritual da humanidade, forjado pelas religiões mundiais; contudo não
constituem um patrimônio comum, tampouco vinculante, como no caso das fontes do
diálogo ecumênico.

Conclusão
Dialogo ecumênico e diálogo interreligioso, portanto, são realidades e âmbitos
de pesquisa distintos, apesar alguns pontos de contato. A tradição católica em particular
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tem sempre reiterado tal distinção. O Concílio Vaticano II, com efeito, apresenta dois
documentos distintos a esse respeito: a declaração Nostra Aetate sobre o diálogo
interreligioso e o decreto Unitatis Redintegratio sobre o ecumenismo; por conseguinte
a organização da cúria romana desde o concílio até hoje estabelece, do ponto de vista
organizativo, dois organismos: o Pontifício Conselho para o diálogo interreligioso e o
Pontifício Conselho para a promoção da unidade dos cristãos.
A única realidade que participa de ambas as realidades é o diálogo hebraico-
cristão, visto que do ponto de vista formal pertence ao diálogo interreligioso, e por isso
é abordada no documento Nostra Aetate, mas pelo fato de possuir um significado e um
papel particulares para com o cristianismo é coordenado pela Comissão pelas relações
com os Hebreus como subcomissão autônoma no interior do Pontifício Conselho para a
promoção da unidade dos cristãos.
Um exemplo eloquente é dado pela modalidade pela qual se realizam os
momentos de oração: a altíssima e singular eficácia das reuniões interreligiosas de
oração, com efeito, mantém uma matriz diferente da oração cristã em comum: se por
um lado os cristãos podem e devem se reunir para rezar juntos em nome de Cristo, por
outro, os povos de diferentes religiões podem somente se reunir juntos para rezar cada
qual segundo a própria fé.
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II
ECUMENISMO:
PROBLEMAS DE NOMENCLATURA E LINGUAGEM2

O termo “ecumenismo” tornou-se já familiar para muitas pessoas, mas com


frequência possui-se uma ideia vaga ou inexata. É importante, portanto, esboçar uma
reconstrução, embora sintética, dos seus âmbitos: lexical, semântico e teológico.

1. Âmbito lexical.
Etimologicamente, o termo deriva da palavra grega oikuménē, cuja raiz ôikós / oikéõ
significa “casa / habitar”, no sentido de “lar”, de onde o significado mais exato de “casa
comum”. O fato que a forma seja um particípio passado (com o sufixo -méne) focaliza o
sentido passivo de algo que se torna casa, e nesse sentido, “casa habitada”, e com um
sentido de universalidade: “terra habitada”, “casa de todos, a casa comum”. Portanto,
o sentido etimológico possui já as coordenadas essenciais do ecumenismo: participação,
partilha, semelhança, familiaridade; todos elementos que conferem uma conotação
qualitativa, mas, ao mesmo tempo, compreendem a ideia de multiplicidade, vastidão,
universalidade, que define a dimensão quantitativa, isto é, espaço-temporal.

2. Âmbito semântico.
O termo não é prerrogativa da teologia contemporânea, muito pelo contrário:
encontra-se em autores gregos como Xenófanes (IV-V séc. a.C); Hérodoto (484-406 a.C.),
Demóstenes (384-322 a. C.), Aristóteles (384-322 a.C.), mas também romanos como
Nero (37-68-d.C.) e Marcos Aurélio (121-180 d.C.), com um significado primeiramente
geográfico, para indicar “toda a terra” até então conhecida. Na época helenística o
termo é utilizado na koinē alexandrina para designar todo o mundo helênico; nesta fase,
quase paradoxalmente, ele adquire – no interior da sua valência universal de
configuração política – uma conotação exclusiva, começando a indicar um inteiro
mundo cultural, o helênico, distinto dos outros (...). Analogamente, o termo é utilizado
no sentido estritamente político para descrever todo o impero romano, universo isolado
respeito a outras realidades sócio-políticas.

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ROSSI, Teresa Francesa. Manuale di ecumenismo. Brescia: Queriniana, 2012, p. 18-21. Tradução e
adaptação nossa.
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O uso do termo em âmbito religioso, primeiro hebraico e depois cristão, ressalta os


mesmos significados: o sentido geográfico de “terra habitada” ou “terra inteira”
(prevalentemente no Antigo Testamento3, mas também no Novo) e o politico de
“império”, sobretudo com referência ao Império Romano (exclusivamente no Novo
Testamento4).
Nos primeiros séculos do cristianismo, o termo é ainda utilizado no sentido
geopolítico na Carta de Clemente (170 d.C.), no Martírio de São Policarpo (após o ano
167 d.C.), contudo o uso do termo com conotação religiosa começa com Origenes (185-
254 d.C.), Basílio (320-379 d.C.) e depois Agostinho (354-430 d.C.) para indicar a nova
Igreja. Nesta mesma perspectiva se coloca também a terminologia dos Concílios de
Niceia (325 d.C.) e de Constantinopla (481 d.C.), onde “universal” começa a assumir o
significado de “válido para todos”, justamente pelo fato de ser comum a todos. O termo
é assim associado para sempre ao mistério da salvação e da Igreja, e à história dos
concílios e dos Padres – como por exemplo, Basílio, Gregório de Nazianzo (329-389 d.C.)
e João Crisóstomo (347-407 d.C.) – cujos ensinamentos são digno de autoridade. Enfim,
o utilizo do termo , em 449, é também com referência ao patriarca como autoridade
universal.

3. Âmbito teológico.
O termo hoje em dia é utilizado de modo muito amplo, muitas vezes até
impropriamente, na sua genérica matriz dialógica, como sinônimo de “aberto”,
“abrangente”, “conciliante”, e aplicado a realidades socioculturais e políticas. Embora
nesse sentido seja estranho ao uso teológico dentro do Movimento ecumênico, todavia
este uso pragmático veicula uma ideia do ecumenismo como algo fundamentalmente
social, ligado à multiculturalidade, à pluralidade, à tolerância, ao diálogo, às vezes não
totalmente livre do significado até de compromisso. Com efeito, embora alguns
elementos sociológicos – como por exemplo o acolhimento do pluralismo – estejam
também presentes em modo incisivo nos conteúdos e nas metodologias do Movimento
ecumênico, contudo, não representam a história e a essência imediatamente teológica.
“Ecumenismo”, de fato, é e permanece um termo técnico: refere-se à realidade do

3
Na tradução da LXX, por exemplo: Sal 24,1; Is 10,14.23.
4
Cf. Mt 24,14; Lc 2,1; 4,5; 21,26; At 11,28; 17,6.31; 19,27; Rm 10,18; Heb 1,6; 2,5; Ap 3,10; 12,9; 16,14.
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Movimento ecumênico, a tudo o que diz respeito à busca da unidade dos cristãos
histórica e teologicamente. Neste sentido formal encontra-se a riqueza lexical originária,
na medida em que o Movimento ecumênico se orienta à construção da “casa comum”
dos cristãos, e ânsia para que o testemunho cristão reconciliado possa abrir as portas
desta casa a toda a humanidade. “Ecumênica” é a realidade e a missão da Igreja;
conforme um uma feliz e compartilhada definição, é a inteira tarefa “da Igreja inteira de
levar todo o evangelho ao mundo inteiro”. O esforço ecumênico é próprio e peculiar dos
cristãos, das igrejas e das associações específicas; compreende uma densa rede de
iniciativas, projetos, relações, associações, documentos e estudos relativos ao diálogo
teológicos e eclesial dos cristãos para reconstruir a unidade da Igreja de Cristo. Esta
rede, que poderia ser definida um sistema de relações humanas, de pesquisa científica
e de ação comum, está presente em nível local e internacional, e é comumente conotada
como “Movimento ecumênico” ou “diálogo ecumênico”.
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III
O QUE DIZEM OS DOCUMENTOS DA IGREJA CATÓLICA
SOBRE O ECUMENISMO

• LG 1:
«A luz dos povos é Cristo: por isso, este sagrado Concílio, reunido no Espírito Santo,
deseja ardentemente iluminar com a Sua luz, que resplandece no rosto da Igreja, todos
os homens, anunciando o Evangelho a toda a criatura (cfr. Mc. 16,15). Mas porque a
Igreja, em Cristo, é como que o sacramento, ou sinal, e o instrumento da íntima união
com Deus e da unidade de todo o género humano, pretende ela, na sequência dos
anteriores Concílios, pôr de manifesto com maior insistência, aos fiéis e a todo o mundo,
a sua natureza e missão universal. E as condições do nosso tempo tornam ainda mais
urgentes este dever da Igreja, para que deste modo os homens todos, hoje mais
estreitamente ligados uns aos outros, pelos diversos laços sociais, técnicos e culturais,
alcancem também a plena unidade em Cristo»

• UR 2:
«Gesù Cristo vuole che il suo popolo, per mezzo della fedele predicazione del Vangelo,
dell'amministrazione dei sacramenti e del governo amorevole da parte degli apostoli e
dei loro successori, cioè i vescovi con a capo il successore di Pietro, sotto l'azione dello
Spirito Santo, cresca e perfezioni la sua comunione nell'unità: nella confessione di una
sola fede, nella comune celebrazione del culto divino e nella fraterna concordia della
famiglia di Dio. Così la Chiesa, unico gregge di Dio, quale segno elevato alla vista delle
nazioni (12), mettendo a servizio di tutto il genere umano il Vangelo della pace, compie
nella speranza il suo pellegrinaggio verso la meta che è la patria celeste. Questo è il sacro
mistero dell'unità della Chiesa, in Cristo e per mezzo di Cristo, mentre lo Spirito Santo
opera la varietà dei ministeri. Il supremo modello e principio di questo mistero è l'unità
nella Trinità delle Persone di un solo Dio Padre e Figlio nello Spirito Santo».

• UUS 5:
«Com todos os discípulos de Cristo, a Igreja Católica funda, sobre o desígnio de Deus, o
seu empenho ecuménico de reunir a todos na unidade. De facto, « a Igreja não é uma
realidade voltada sobre si mesma, mas aberta permanentemente à dinâmica
missionária e ecuménica, porque enviada ao mundo para anunciar e testemunhar,
atualizar e expandir o mistério de comunhão que a constitui: a fim de reunir a todos e
tudo em Cristo; ser para todos "sacramento inseparável de unidade"».

• UUS 6:
«A vontade de Deus é a unidade de toda a humanidade dispersa. Por este motivo, enviou
o seu Filho a fim de que, morrendo e ressuscitando por nós, nos desse o seu Espírito de
amor. Na véspera do sacrifício da Cruz, Jesus mesmo pede ao Pai pelos seus discípulos
e por todos os que acreditarem n'Ele, para que sejam um só, uma comunhão viva. Daqui
deriva o dever e a responsabilidade que incumbe, diante de Deus e do seu desígnio,
sobre aqueles e aquelas que, através do Batismo, se tornam o Corpo de Cristo: Corpo
no qual se deve realizar em plenitude a reconciliação e a comunhão».
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• UUS 9:
«O próprio Jesus, na hora da sua Paixão, pediu « que todos sejam um » (Jo 17, 21). Esta
unidade, que o Senhor deu à sua Igreja e na qual Ele quer abraçar a todos, não é um
elemento acessório, mas situa-se no centro mesmo da sua obra. Nem se reduz a um
atributo secundário da Comunidade dos seus discípulos. Pelo contrário, pertence à
própria essência desta Comunidade. Deus quer a Igreja, porque Ele quer a unidade, e na
unidade exprime-se toda a profundidade da sua ágape»

• UUS 20:
«(...) o ecumenismo, o movimento a favor da unidade dos cristãos, não é só uma espécie
de « apêndice », que se vem juntar à atividade tradicional da Igreja. Pelo contrário,
pertence organicamente à sua vida e ação, devendo, por conseguinte, permeá-la no seu
todo e ser como que o fruto de uma árvore que cresce sadia e viçosa até alcançar o seu
pleno desenvolvimento»

• UUS 31:
«O diálogo não só foi iniciado, mas tornou-se uma expressa necessidade, uma das
prioridades da Igreja»

• UUS 99:
«Quando afirmo que para mim, Bispo de Roma, o empenhamento ecuménico constitui
« uma das prioridades pastorais » do meu pontificado, 157 é por ter no pensamento o
grave obstáculo que a divisão representa para o anúncio do Evangelho. Uma
Comunidade cristã que crê em Cristo e deseja, com o ardor do Evangelho, a salvação da
humanidade, não pode de forma alguma fechar-se ao apelo do Espírito que orienta
todos os cristãos para a unidade plena e visível. Trata-se de um dos imperativos da
caridade que deve ser acolhido sem hesitações. O ecumenismo não é apenas uma
questão interna das Comunidades cristãs, mas diz respeito ao amor que Deus, em Cristo
Jesus, destina ao conjunto da humanidade; e obstaculizar este amor é uma ofensa a Ele
e ao seu desígnio de reunir todos em Cristo»
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IV
VISÃO HISTÓRICO-CONCEPTUAL DAS DIVISÕES5

A longa e dolorosa história das divisões pode ser analisada a partir de diferentes
perspectivas, mas a tendência ecumênica se orienta para uma nova narração dos
diferentes momentos históricos, feita conjuntamente pelas igrejas não em deferência a
uma espécie de revisionismo ou "absolvição" recíproca das responsabilidades, mas
como um laboratório para a reconstituição de uma história comum.

1. Para uma “história ecumênica” das divisões.


É conhecida a sucessão de acontecimentos que determinaram as divisões dentro da
Igreja e as dinâmicas que originaram e desenvolveram os perfis denominacionais. Aqui,
portanto, o tema é abordado de forma mais hermenêutica do que estritamente
histórica, e o processo de reconciliação das memórias históricas, cujo procedimento
consiste em isolar os fatores não teológicos (ou não doutrinários) de divisão, será
utilizado como chave ecumênica de acesso às divisões. Concretamente, isso significa que
o aspecto puramente histórico é mencionado apenas brevemente para oferecer o
evento-chave que está na origem das divisões, mas não constitui o eixo da
apresentação, que visa, ao contrário, enuclear os aspectos relevantes do ponto de vista
ecumênico para uma interpretação comum do passado e uma chave de leitura para o
futuro. Para uma abordagem completa dos aspectos históricos, consultem-se as
monografias específicas.

2. O século V
Nos primeiros séculos de difusão do cristianismo houve uma espécie de
fragmentação da mensagem cristã em numerosas correntes teológicas, ora em clara
oposição, ora sustentando posições extremistas, até mesmo cismáticas ou heréticas.
Podia-se ler a história dos primeiros concílios e das posições teológicas que deles
exigiam uma resposta, como uma história das divisões dos primeiros séculos e das
tentativas de restabelecer a unidade doutrinal e a configuração eclesial. Muitas

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ROSSI, Teresa Francesa. Manuale di ecumenismo. Brescia: Queriniana, 2012, p. 205-220. Tradução e
adaptação nossa.
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divergências teológicas foram dissipadas justamente graças aos esclarecimentos


conciliares, ou pelo menos foram reduzidas a proporções mínimas a ponto de serem
irrelevantes para a história das divisões da Igreja, até os concílios de Éfeso (431 d.C.) e
Calcedônia (451 d.C.), que são de particular importância quanto à origem de algumas
divisões até agora não sanadas, embora se tenham feito enormes progressos no
esclarecimento teológico e nas relações entre as igrejas.
O Concílio de Éfeso sancionou a verdade sobre Maria como Theotókos, mãe de Deus,
contra o Nestorianismo, que negava a comunicação entre as duas naturezas, humana e
divina, de Cristo. Um grupo de cristãos assírios, embora compartilhando a veneração
por Maria como mãe de Deus, temia que tal formulação pudesse ameaçar a fé na
divindade de Cristo, enfatizando sua natureza humana. Assim, formou-se o que viria a
ser a Igreja Assíria do Oriente, presente até hoje no Oriente, mas principalmente na
diáspora.
O ano 451 marca uma data importante na história da cristologia com as afirmações
solenes do Concílio de Calcedônia sobre a communicatio idiomatum: Jesus Cristo,
verdadeiro Deus e verdadeiro homem, uma só Pessoa em duas naturezas distintas e não
confusas; no entanto, marca também mais uma grave divisão no seio da Igreja: alguns
grupos de cristãos, maioritariamente residentes nas províncias orientais do império,
consideraram inaceitáveis as decisões do concílio, considerando-as como uma possível
ameaça à afirmação da verdadeira divindade de Cristo, e deram origem a igrejas
autônomas, chamadas Igrejas Orientais Ortodoxas ou Antigas Igrejas Orientais. São elas:
a Igreja Ortodoxa Copta, a Igreja Ortodoxa Siríaca de Antioquia, a Igreja Siro-Ortodoxa
Malankarense, a Igreja Apostólica Armênia, a Igreja Ortodoxa Etíope Tewahdo, a Igreja
Ortodoxa Eritreia Tewahdo, a Igreja Ortodoxa Siro-Malankara.
Durante séculos, essas igrejas foram separadas do resto da cristandade, pois
acreditava-se que professassem convicções cristológicas incompatíveis. O empenho no
processo de reconciliação das memórias pôde, no entanto, ajudar as igrejas a desfazer
muitos dos nós relativos às circunstâncias em que ocorreu a divisão e a evidenciar que
a doutrina cristológica, na realidade, não é um elemento constitutivo da separação
doutrinária, pois todas as igrejas sempre acreditaram e confessaram que Cristo é
verdadeiro Deus e verdadeiro homem. A discussão sobre a natureza de Cristo envolveu,
também, as escolas teológicas mais famosas: Alexandria, defensora da necessidade de
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enfatizar a divindade de Cristo, e Antioquia, afirmadora convencida da necessidade de


enfatizar a veracidade da encarnação e, portanto, do fato que o Logos foi verdadeira e
indissoluvelmente unido à humanidade de Cristo. As duas perspectivas eram
certamente complementares e não alternativas. As causas da separação, portanto,
encontram-se em fatores não teológicos, de natureza cultural e política: em primeiro
lugar, o complexo processo de convocação dos concílios em questão, hoje objeto de
cuidadosa revisão histórica, gerou um estado de confusão que influenciou o desenrolar
do processo preparatório e das sessões.
A razão ainda mais fundamental para as controvérsias pós-conciliares, entretanto,
reside na diferente interpretação da linguagem e das categorias conceituais utilizadas
pelos concílios. Com efeito, o Concílio de Calcedônia, ao definir o dogma cristológico,
utilizou categorias conceituais familiares à cultura latina e grega, como homoúsios e
phýsis. A tradição oriental difundida nessas áreas já havia desenvolvido uma linha
teológica própria, baseada em categorias hermenêuticas próprias, expressas em
diferentes formas, que hoje são reconhecidas como uma verdadeira e própria
"tradição", denominada "siríaca" (de cunho semítico), ao lado das latina e grega, que
são mais conhecidas. A falta de esclarecimento do significado dos conceitos teológicos
por trás dos termos utilizados e o uso de categorias de pensamento de difícil
compreensão deixavam passar a ideia de uma separação necessária para a preservação
da doutrina correta.
Ao lado de tudo isto, devem-se mencionar também fatores políticos importantes.
Estas igrejas, de fato, encontravam-se na periferia do Império Romano ou em territórios
limítrofes, conquistados a alto preço, onde a memória de sangrentas conquistas e duras
perseguições ainda estava viva e mantinha aceso o ódio para com a autoridade. O tempo
havia suavizado apenas parcialmente os atritos, mas um forte descontentamento
permanecia; sentiam-se excluídos da vida cultural e política do império, mal toleravam
a interferência do imperador em assuntos que lhes diziam respeito, tendiam a rejeitar
qualquer pronunciamento vindo da autoridade central. Sendo que as decisões de
Calcedônia haviam sido ratificadas pelo próprio imperador, segundo a práxis de toda
decisão conciliar, essas províncias não as aceitaram, mais por motivos políticos do que
religiosos.
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A história dos últimos anos registrou uma notável aproximação com as igrejas
ortodoxas orientais, até chegar a um consenso com a Igreja Católica - graças à assinatura
de declarações cristológicas, que professam a substancial coincidência das perspectivas
doutrinárias sobre a pessoa de Cristo - seguida de uma reaproximação entre as igrejas
ortodoxas orientais e as igrejas ortodoxas.

3. O ano 1054
Do ponto de vista teológico, as comunidades do Oriente e do Ocidente
desenvolveram diferentes perspectivas doutrinárias e práticas (por exemplo, alguns
costumes litúrgicos, as espécies eucarísticas, alguns aspectos doutrinários como a
inclusão do Filioque na profissão de fé por parte da tradição latina, etc.), mas referentes,
embora em diferentes graus, a uma pluralidade saudável dentro de uma comunhão
sólida; portanto, a diversidade teológica não comprometeu a unidade entre as
comunidades ao longo dos séculos. Por outro lado, papel mais decisivo tiveram os
cismas de maior ou menor dimensão, que a partir do século V pontuaram as relações
entre as duas igrejas, mas também muitas vezes determinados por situações políticas
complexas com consequências jurisdicionais tais de causar tensões. Embora nenhum
deles fosse de molde a provocar uma ruptura definitiva da comunhão, como teria
acontecido em 1054, feriram, no entanto, a identidade de comunhão das comunidades,
sendo seriamente subestimado o desgaste que tais divisões teriam produzido ao longo
do tempo. Mas foi precisamente este distanciamento "afetivo" que teve um papel
preponderante nos acontecimentos de 1054.
O contexto imediato do cisma foi fornecido pela delicada situação política. A divisão
entre Império do Ocidente e Império do Oriente, em 395, por ocasião da morte de
Teodósio, criara uma situação de difícil gestão política, sobretudo pelo fato de a
configuração geográfica de alguns territórios nem sempre coincidir com a pertença
jurisdicional - um exemplo particularmente relevante foi precisamente o caso do sul da
Itália e da área de Ravenna, fisicamente no Ocidente, mas juridicamente sob
Constantinopla.
A distância, a dificuldade de comunicação, os diferentes estilos de vida dificultavam
o controle; e assim, quando os Normandos começaram a invadir a península itálica, o
papa Leão IX, temeroso do perigo iminente de invasão do sul da Itália, iniciou
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negociações com eles, realizando formalmente um ato de interferência nas questões


políticas dos territórios do Império do Oriente . A situação ficou tensa também devido a
outras resoluções - como a anexação do Arcebispado grego do sul da Itália ao latino -
que levaram o imperador do Oriente Constantino IX a solicitar um esclarecimento oficial.
Uma delegação deixou Roma, chefiada por Umberto da Silvacandida, com destino a
Constantinopla para resolver a tensão política e amenizar as dificuldades com o
patriarca Miguel Cerulário. A situação, devida tanto às causas remotas acima referidas,
como às causas contingentes - entre as quais o temperamento passional dos
protagonistas, pouco inclinados a uma verdadeira equânime explicação - fez com que,
mesmo antes de iniciar o colóquio, as duas delegações já tivessem sancionado a ruptura
e se excomungassem mutuamente, colocando o ato de excomunhão no altar da igreja
de Santa Sophia em Jerusalém. O ato formal de excomunhão tornou, ao longo do tempo,
a separação não só política, mas teológica, irreconciliável, não mais temporária, mas
definitiva. Causou uma ferida muito profunda no cristianismo, que só foi curada graças
ao gesto inspirado do Papa Paulo VI e do Patriarca Atenágoras em Constantinopla, em
1964, com o cancelamento das excomunhões e a condenação ao esquecimento das
mesmas. A memória histórica de uma divisão tão amarga e prolongada permaneceu
ardendo nos corações por muito tempo, e requer um longo e delicado tempo coletivo
de cura interior.

4. A Reforma
As divisões continuaram a ser uma realidade inevitável, embora paradoxal, na
história do cristianismo. Alguns séculos depois do cisma do Oriente, aproximava-se o
acontecimento que mudaria radicalmente a fisionomia da Europa cristã: o cisma do
Ocidente. Foi um acontecimento, extremamente articulado e complexo, que
amadureceu durante uma longa fase de gestação, certamente anterior ao aparecimento
do grande pioneiro da Reforma, Martinho Lutero (1483-1546), e dos outros grandes
reformadores Ulrich Zuínglio (1484-1531) e João Calvino (1509-1564 ). O acontecimento
da Reforma Protestante supera a circunstância histórica do "cisma do Ocidente", no
sentido de que as consequências do cisma e a evolução das confissões cristãs criadas no
século XVI constituem uma realidade em construção até hoje. Portanto, antes da
descrição dos acontecimentos históricos, é preciso compreender o mundo evangélico-
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 15

protestante como um movimento em contínuo desenvolvimento, cujo dinamismo


interno é mais basilar do que nomes e datas, descrições.
O princípio teológico que orienta toda a Reforma e o mundo evangélico-
protestante é o da necessidade da Igreja vigiar continuamente sobre si mesma,
examinar-se à luz do Evangelho, verificar a própria fidelidade à mensagem de Cristo,
submeter-se a uma contínua renovação: "Ecclesia semper reformanda est - A Igreja deve
ser sempre reformada". A consciência deste imperativo, o zelo em estudar e aplicar
novos caminhos de fidelidade ao Evangelho provocou, e ainda provoca, a criação de
novas comunidades denominacionais. Da mesma forma, assegura uma continuidade
básica, uma identidade "protestante" comum a muitas denominações, embora tenham
desenvolvido diferentes teologias e práticas. O mundo protestante une igrejas,
comunidades, congregações muito diversas, mas conscientes de compartilhar o mesmo
patrimônio histórico-teológico. Historicamente, podem ser identificadas três fases
principais, ou "ondas" do protestantismo, que se caracterizam por origens e
desenvolvimentos diversos, e embora dentro de certos limites, até autônomos. Uma
primeira onda (século XVI) marca o nascimento do movimento da Reforma, ligada aos
acontecimentos das figuras históricas dos reformadores: M. Lutero, U. Zwingli, G.
Calvino, com as chamadas "igrejas históricas" do protestantismo, Luterana e
Reformada-Calvinista. O nascimento do anglicanismo também é atribuído a esta fase,
como consequência dos conhecidos eventos biográficos protagonizados pelo rei
Henrique VIII em suas relações com Roma. A segunda (século XVII-XVIII) e a terceira onda
(século XIX) do protestantismo surgem, dentro das igrejas históricas, pela necessidade
de voltar à pureza da mensagem. Também neste caso, profundas mudanças histórico-
políticas evidenciaram a exigência de uma mudança, uma renovação no modo de pregar
o Evangelho.
Todo o acontecimento da Reforma insere-se num quadro histórico-político de
grande renovação: a Europa encontrava-se num equilíbrio precário entre uma estrutura
feudal centrípeta que ainda lhe pertencia e as novas instâncias centrífugas que se
fortaleciam; quebrava-se sob o peso dos crescentes desequilíbrios socioculturais e
político-econômicos. As instâncias de novidade abrangeram, portanto, tanto o quadro
político (sobretudo as reivindicações nacionalistas de muitos povos), quanto o eclesial
(a libertação de Roma) como o cultural (a descoberta do novo mundo e o humanismo
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 16

renascentista). Essas características se entrelaçaram, fundindo-se em um misto de força


inovadora, que primeiro investiu o ordenamento eclesiástico, para depois se expandir
para o sacramental-doutrinário. A invenção da tipografia, em si mesma um
acontecimento revolucionário, adquirirá um significado ainda mais forte do ponto de
vista eclesial, na medida em que se tornará veículo de uma nova cultura, capaz de
escapar aos monopólios eclesiais da Idade Média; o próprio fato de o primeiro livro
impresso ter sido a Bíblia se tornará um símbolo de grande importância para a
mensagem da Reforma: a Palavra de Deus nas mãos dos fiéis, não mais mediada pela
autoridade da Igreja e, em particular, pela as expressões eclesiais ligadas a Roma.
Nesse contexto, é bem compreendida a ampla difusão de novas ideias sobre o
sacerdócio comum dos fiéis, a respeito de uma igreja com perfil ministerial menos
formalizado. A questão teológica fundamental de Lutero na origem de sua reflexão
teológica, isto é, de que modo alguém pode ser "justificado", encontra resposta no
princípio teológico inspirador da sola gratia, sola fides, sola Scriptura, ou do solus
Christus, como a teologia reformada irá resumir.
A questão de Lutero sobre a centralidade da justificação torna-se gradualmente
uma questão sobre as condições para alcançar a "santificação" e, portanto, a
"perfeição": o elemento que caracteriza os movimentos da segunda e da terceira onda,
portanto, é a tentativa de responder a esta questão urgente: a santidade persegue-se
através de métodos particulares de oração (metodismo) ou através de uma resposta
pessoal e madura, garantia de uma vida íntegra, dada no batismo (Movimento Batista
com batismo de adultos), ou a perfeição é alcançada através da prática da caridade e da
busca da comunhão (Discípulos de Cristo), ou através de regras morais e de vida que
ajudam a alcançar a perfeição (os chamados movimentos perfeccionistas: Adventistas,
Exército de salvação, Movimento de santidade, e assim por diante)
O anglicanismo, pela natureza da divisão e pelo desenvolvimento histórico
flutuante nos seus primeiros anos, apresenta um panorama mais heterogéneo, com
franjas no seu interior próximas da doutrina católica (a chamada “igreja alta”, High
Church ), do pensamento protestante clássico ( a chamada "igreja baixa", Low Church),
e nas instâncias da reforma mais radical (a chamada "igreja ampla", Broad Church); essas
diferentes "almas" do anglicanismo encontraram, no entanto, uma plataforma
doutrinária unitária no chamado "quadrilátero", ou seja, os quatro pilares em torno dos
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 17

quais a doutrina anglicana é estruturada: a Sagrada Escritura, o Credo Apostólico, os


sacramentos do batismo e da Eucaristia, o episcopado histórico.

5. O Pentecostalismo.
Uma quarta onda (século XX) marca o início do movimento pentecostal, centrado
na presença do Espírito Santo e seus dons à comunidade. O pentecostalismo segundo
alguns estudiosos e na mesma percepção dos pentecostais, constitui uma relevante
novidade dentro do protestantismo, pois a experiência fundadora do pentecostalismo,
ou seja, o batismo no Espírito Santo, tornou-se uma realidade significativa mesmo fora
do protestantismo; portanto, prefere-se defini-lo como um fenômeno em si, não
atribuível à Reforma.
O século XX assistiu, do ponto de vista sócio-político, ao nascimento de democracias
com o consequente desenvolvimento de novos paradigmas sociojurídicos e, do ponto
de vista cultural, iniciou-se a pós-modernidade, com notáveis repercussões tanto em
nível fenomenológico como epistemológico do sagrado. O critério normativo passa a ser
a subjetividade da experiência, mesmo no campo religioso, com o crescente fenômeno
da privatização da fé. Do ponto de vista da fenomenologia e da sociologia da religião,
torna-se peculiar a transição do modelo das famílias confessionais (ou denominacionais)
para o do network religioso. Central é a figura do sujeito religioso, de sua busca também
pela pertença religiosa, que pode contemplar uma sucessão de pertencimentos
comunitários. A raiz desse fenômeno está certamente na diminuição da importância da
pertença confessional, no enfraquecimento do perfil denominacional, já presente no
“congregacionalismo” e peculiar da terceira onda. A fé é um caminho de busca
individual, uma viagem pessoal, na qual a questão do sentido já não encontra eco nas
palavras "justificação", "santificação", "perfeição", mas em uma experiência pessoal,
individual. O batismo no Espírito é vivenciado como uma potencialização a serviço da
missão e do ministério para o qual o sujeito é chamado, e conjuga o impulso espiritual
dos movimentos da segunda onda com o perfeccionismo dos movimentos da terceira
onda.
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 18

V
ITINERÁRIO HISTÓRICO DO MOVIMENTO ECUMÊNICO6

0 Movimento Ecumênico de origem protestante, mas que posteriormente


englobara a participação das Igrejas Ortodoxas e contara, após o Concílio Vaticano II
(que finaliza suas atividades em 1965), com a colaboração da Igreja Cat6lica Romana,
vai expressar-se durante o século X como resultado de uma série de movimentos que se
desenvolvem, a partir de meados do século XIX, em torno de três eixos essenciais a
vivencia das Igrejas: a missão, a ação e a doutrina. Essas manifestações tendentes a
unidade vão dar-se em ordem cronol6gica e na forma de conferencias sucessivas entre
as quais uma comissão de continuidade assegura a permanência do trabalho e a
preparação da etapa seguinte.

1. 0 sonho de unidade a partir dos campos missionários


Em seu liIvro EI Movimiento Ecumênico, Norman Goodall conta uma hist6ria
interessante acerca dos primeiros sonhos ecumênicos:
0 "pai das miss6es modernas", William Carey (missionário batista inglês),
prop6s em 1806 convocar uma reunião de todos os crist5os no Cabo da Boa
Esperança, aproximadamente para o ano de 1810, que seria seguida de
reuni6es semelhantes a cada dez anos. Carey fez essa sugestão numa carta a
seu amigo Andrew Fuller, secretário da Sociedade Missionária Batista. Mas
Fuller não viu a ideia com entusiasmo. "Isso não passa de um dos agradáveis
sonhos do irmão Carey'', escreveu. Não é de se espantar que a perspectiva
ecumênica tenha começado a ser vislumbrada os campos missionários.
Porque foi exatamente que as diferentes denominações tiveram de se
enfrentar, todas com os tremendos desafios lançados por contextos culturais,
sociais e religiosos, os mais diferentes e estranhos (para os missionários
ocidentais!). A partir da metade do século XIX, os representantes das mais
diferentes iniciativas missionárias começaram a reunir-se para buscarem
juntos um mínimo de unidade de propósitos.

Uma conferência missionária realizada em Nova York em 1900 vai até se intitular
conferência ecumênica, porque o plano de campanha de evangelização que seus
membros estavam construindo tinha o objetivo de alcançar o mundo todo. Essa
Conferência foi o berço que deu nascimento a Conferência Missionária Mundial de

6
TEIXEIRA F. – DIAS Z. M., Ecumenismo e diálogo interreligioso: a arte do possível. São Paulo: Santuário.
p. 27-56.
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 19

Edimburgo em 1910, em que foram tratados os seguintes temas: como levar o


Evangelho ao mundo; a Igreja nos campos missionários; país de origem e país missão;
mensagem missionária e religiões não cristãos; formação de missionários; missões e
governos; cooperação e promoção da unidade. Nessa ocasião o termo "ecumênico" foi
evitado. O encontro foi essencialmente protestante. Nem os católicos romanos nem os
ortodoxos foram convidados. Como resultado dessa conferência foi criado em 1921, em
Lake Mohonk (Nova York) , o Conselho Missionário Internacional.
É de se notar que as lgrejas latino-americanas não tenham sido convidadas para
participar dessa Conferência. Isso porque para seus promotores a América Latina era
considerada um território cristão, já que havia sido evangelizada pela lgreja Católica
Romana. Essa atitude contrariou sensivelmente os missionários protestantes que
atuavam no continente e que não reconheciam a Igreja Romana como uma Igreja cristã.
Em reação, portanto, à Conferência de Edimburgo, as sociedades missionárias norte-
americanas, ativas no continente, convocaram um Congresso Missionário para tratar da
temática da Missão nas terras latino-americanas. Esse congresso passou i história como
Congresso de Panamá, pois foi realizado nesse país em 1916.
A partir de sua criação, o Conselho Missionário Internacional vai promover uma
série de Conferências sobre a mesma temática da Missão e da Unidade até se integrar
definitivamente ao Conselho Mundial de Igrejas. Uma dessas conferências foi em
Jerusalém (1928), onde são tratadas, entre outras, as questões seguintes: a relação
entre Igrejas-mães e as Igrejas jovens e as questões raciais, rurais e industriais. Em
Tambaram (Índia), realiza-se outra Conferência missionária em 1938, em que se discute,
preponderantemente, a questão das relações entre Igreja e Estado e a problemática da
evangelização. Em Witby (Canada, 1947) realiza-se a próxima Conferência, em que se
discutem as quest6es relativas a Segunda Guerra Mundial e, particularmente, a
responsabilidade das Igrejas. Na Conferência seguinte, em Willigen (Alemanha, 1952),
uma contundente declaração fez com que, a partir da próxima conferência realizada em
Achimota (Gama, 1958), se tornasse irresistível a decisão do Conselho Missionário
Internacional de se integrar ao Conselho Mundial de Igrejas, o que vai acontecer na 3a
Assembleia deste realizada em Nova Delhi (Índia, 1963). Dentre outras coisas a
declaração de Willingen dizia o seguinte:
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 20

0 amor de Deus em Cristo suscita uma tríplice resposta: a adoração, a unidade


e a missão. Estes três aspectos da resposta da Igreja são interdependentes.
Corrompem-se quando os isolamos uns dos outros. A divisão da Igreja
distorce seu testemunho, frustra a sua missão e contradiz a sua própria
natureza. Se a Igreja deve demonstrar o Evangelho em sua pr6pria vida, e não
apenas em sua pregação, deve manifestar algo do poder de Deus de derrubar
todas as barreiras e estabelecer a unidade da Igreja em Cristo. Cristo não está
dividido (...). Cremos que através do Movimento Ecumênico Deus está
reunindo todo o seu povo em um, para que sejamos capazes de discernir com
maior clareza as contradições em nossa mensagem e as barreiras para a
unidade, que também são obstáculos para o cumprimento de um
testemunho eficaz no mundo. Já não podemos aceitar as divis6es da Igreja
como se fosse um fato normal. Cremos que no Movimento Ecumênico Deus
dispôs de um remédio para a cooperação no testemunho e no serviço e,
também, um meio para que possamos tirar de nossa vida como Igreja muito
daquilo que prejudica o testemunho e o serviço.

2. Buscando a unidade na ação pela justiça e pela paz


A partir da Primeira Guerra Mundial, muitas Igrejas do hemisfério norte mostravam-se
preocupadas com suas responsabilidades pela paz e pela justiça no mundo. Em 1914 foi
fundada em Constança (Alemanha) a Aliança Universal para a Amizade Internacional
através das Igrejas. Ao termino da guerra, essas Igrejas passaram a se preocupar em
contribuir para o restabelecimento de uma paz justa e durável e a formular uma
resposta cristã à situação econômica, social e moral do pós-guerra. 0 resultado foi que
noventa delegados de quinze países se reuniram em Genebra, em 1920, sob a direção
do Arcebispo luterano de Uppsala (Suécia), Nathan Söderblom, apoiado, dentre outros,
pelo metodista norte-americano John R. Mott, para organizarem uma conferência
mundial sobre essas quest6es. Trata-se da Conferencia sobre "Cristianismo Prático" que
deu t]origem ao Movimento de "Vida e Adão" e que se realizou em Estocolmo (Suécia)
em 1925. A Igreja Católica Romana declinou do convite que recebeu para também
participar, mas os ortodoxos se mostram muito interessados. Sob o lema de que "a
doutrina divide mas o serviço une", pensava-se, então, que se poderiam enfrentar de
forma "prática" os desafios da situação mundial. A partir do "crack" da Bolsa de Nova
York em 1929 e da crise econômica que se seguiu, do totalitarismo crescente, da
influência da teologia de Karl Barth na Europa e da de Reinhold Niebuhr nos Estados
Unidos, assim como da renovação do pensamento ortodoxo promovida, entre outros,
por Serghei Bulgakov e Nicolas Berdiaeff, foi ficando cada vez mais claro, como
assinalaram o arcebispo William Temple e o secretário do Conselho Missionário
Internacional, Joseph H. 0ldham, que o "Cristianismo Prático" não poderia realmente se
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 21

deslanchar sem um fundamento teológico mais consistente. A isso se dedicam seus


protagonistas na sua segunda Conferência realizada em Oxford, em 1937, em que o
otimismo idealista do início cedeu lugar a uma visão mais profunda e, teologicamente,
mais sedimentada da realidade que então se enfrentava.

3. Procurando uma base doutrinária comum


Desde meados do século XIX a comunidade das Igrejas Anglicanas se mostrava
preocupada e interessada em propor que todas as Igrejas se reunissem sobre uma base
doutrinal comum. Em 1886 a Igreja Anglicana norte-americana tinha formulado em
quatro artigos os elementos essenciais dessa base: 1) As Santas Escrituras do Antigo e
do Novo Testamentos; 2) Os Sfmbolos de Niceia-Constantinopla; 3) Os dois Sacramentos
do Batismo e da Eucaristia; 4) 0 episcopado histórico. Dois anos mais tarde, a terceira
Conferência de Lambeth adotou essa formulação, juntando o Credo Apostólico ao
segundo artigo. Assim surgiu o hoje famoso Quadrilátero de Lambeth, que
desempenhou um papel controvertido no processo de aproximação doutrinária entre
as Igrejas. Para umas, parecia exíguo demais, especialmente quanto a questão do
episcopado, enquanto que, para outras, essa quádrupla formulação era tida como
excessivamente ampla.
Depois da 6ª Conferencia de Lambeth em 1920, o artigo 4º foi reformulado para
uma maior aceitação entre as lgrejas não episcopais, ficando assim expresso: "Um
ministério reconhecido pelas Igrejas como não procedendo apenas da vocação interior
do Espírito, mas também do mandato de Cristo e da autoridade de todo o corpo
eclesiástico".
No começo do século XX preocupações semelhantes começaram a se
desenvolver no interior das Igrejas Ortodoxas. Entre 1902 e 1904 o Patriarca de
Constantinopla pronunciou-se a favor de uma colaboração com as Igrejas não
ortodoxas. Em 1920, o mesmo Patriarcado, através de uma carta de Monsenhor
Strenopoulos Germanos, e assinada pelos membros do Sínodo, propunha a criação de
uma "Liga das Igrejas" nos moldes da "Liga das Nações", proposta pelo Presidente
Wilson, dos Estados Unidos. Segundo o Dr. A. Visser't Hooft, primeiro Secretário-geral
do CMI, este projeto de convocação das Igrejas Cristãs em todo o mundo para um
esforço de unidade, anunciado na abertura do Santo Sínodo da Igreja de Constantinopla,
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 22

em 10 de janeiro de 1919, pelo seu presidente, o Metropolita Dorotheos de Brussa,


significou uma iniciativa sem precedentes na hist6ria da Igreja. Desde então as Igrejas
Ortodoxas passaram a participar de diferentes atividades junto com cristãos não
ortodoxos até se tornarem membros do CMI em 1961.
A Igreja Anglicana continuou perseguindo seu objetivo de convocar uma
conferência consagrada às questões relativas à fe e à eclesiologia. Uma comissão
presidida pelo bispo Charles H. Brent, da Igreja Anglicana norte-americana, organizou
uma conferência que se realizou em Lausanne, em 1927, sob o título de "Fé e Ordem"
(também conhecida como Fé e Constituição), reunindo 400 participantes representando
127 Igrejas. Essa foi a primeira de uma série de conferências consagradas aos seguintes
temas: Doutrina e prática do Batismo e da Eucaristia; Ministério Ordenado; Unidade da
Igreja, Intercomunhão; Escritura e Tradição; Ordenação de Mulheres; Significados das
Confissões de Fé; Fatores Não teológicos etc. Integrado em 1948 ao Conselho Mundial
de Igrejas, o movimento "Fé e Ordem" produziu muitos documentos importantes,
dentre eles o chamado Documento de Lima (1982), o BEM (Batismo, Eucaristia e
Ministério), que propõe uma base de concordância para as Igrejas quanto a sua natureza
e missão.

4. A Constituição do Conselho Mundial das Igrejas


Depois de existirem independentes por um tempo os movimentos conformados pela
Conferência Mundial do Cristianismo Prático (Movimento de Vida e Ação), pela
Comissão de Fé e Ordem, pela Aliança Mundial para a Amizade Internacional através das
Igrejas, pela Associação Cristã de Moços(as) e pela Federação Mundial de Estudantes
Cristãos, começaram, nos inícios da década de trinta, a expressar seu desejo de se
integrarem num único organismo. Várias iniciativas começaram a ser tomadas nesse
sentido. Em 1932 o Movimento de Vida e Trabalho e a Aliança para a Amizade
Internacional passaram a ter um único Secretário-geral. Em 1933 o Movimento de Vida
e Trabalho propôs à Comissão de Fé e Ordem a criação de um grupo especial que fizesse
a ponte entre ambos movimentos. Mas a iniciativa não prosperou. Ainda nesse ano, por
proposta de William Adams Brown, secretário administrativo de "Vida e Trabalho", foi
convocada uma reunião, pelo arcebispo de York (William Temple, importante figura de
"Fé e Ordem" e um dos principais líderes de todos os movimentos acima mencionados),
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 23

com os representantes do Conselho Internacional de Missões. Avanços significativos


foram feitos na discussão acerca das características estruturais de um futuro e desejado
movimento ecumênico. Sua real natureza era o foco principal das discussões. 0
desenvolvimento do Nacional-Socialismo na Alemanha e as dificuldades que se
colocavam para as Igrejas cristãs nesse país tornavam-se problemas para toda a
cristandade. As relações entre Igreja e Estado tornaram-se decisivas nesse momento. 0
processo de discussão - que então se deslanchou - fez emergir a figura de I. H. 0ldhan,
que vai passar a desempenhar um papel decisivo para a constituição do Conselho
Mundial de Igrejas. Em 1937 a Comissão de Fé e Ordem reúne-se em Edimburgo
(Escócia), e o Movimento de Vida e Ação se reúne em Oxford (Inglaterra). Ambas
Conferências tratam, por diferentes caminhos, da criação de um Conselho Mundial de
lgrejas. 0 grande temor era a constituição de uma ``superigreja" ou a criação de urn
organismo que fosse normativo para as Igrejas. Depois de longas e intrincadas
discussões, foi formado um comitê de catorze membros (sete de cada movimento),
presidido pelo Arcebispo William Temple, que se reuniu em Utrecht (Holanda) em 1938
e preparou as bases constitucionais para a formação de um "Conselho Ecumênico de
Igrejas". Durante esse período preparatório, que se estendeu mais do que se havia
planejado por causa da eclosão da Segunda Guerra Mundial, a Aliança Mundial para a
Amizade Internacional através das Igrejas juntou-se aos dois movimentos. Em 1946 foi
fundado o Instituto Ecumênico de Bossey (Genebra, Suiça). No dia 23 de agosto de 1948,
os três movimentos se reuniram em assembleia na cidade de Amsterdam (Holanda) e
decidiram pela criação definitiva do Conselho Mundial de Igrejas. Mais tarde, outros
movimentos juntaram-se a esses três, como o Conselho Internacional de Missões e o
Conselho Mundial de Educação Cristã. Em Amsterdam 147 Igrejas Protestantes,
Anglicanas e Ortodoxas aceitaram reunir-se sob a seguinte base comum: "0 Conselho
Mundial de Igrejas é uma associação fraterna de Igrejas que aceitam nosso Senhor Jesus
Cristo como Deus e Salvador". Os objetivos e as funções atribuídos a esse Conselho
foram assim expressos:
a) Dar continuidade ao trabalho desenvolvido pelos dois movimentos mundiais de "Fé e
Ordem" e "Vida e Trabalho".
b) Criar facilidades para a ação comum das Igrejas.
c) Promover o estudo em comum.
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 24

d) Desenvolver a consciência ecumênica dos fiéis de todas as Igrejas.


e) Estabelecer relações com as alianças confessionais de caráter mundial e com os
demais movimentos ecumênicos.
f) Convocar, quando as circunstancias o exigirem, conferencias mundiais que estão
autorizadas a publicar suas próprias conclusões.
g) Sustentar as Igrejas em seus esforços de evangelização.

Finalmente, ficou estabelecido que "nas questões de interesse de todas as Igrejas


e que forem da alçada do movimento de Fé e Ordem, o Conselho procederá sempre em
conformidade aos princípios que constituíram a base das Conferências de Lausanne em
1927 e de Edimburg em 1937". Esses princípios visavam respeitar as posições teológicas
das diversas Igrejas.
A assembleia de Amsterdam reuniu 351 delegados representando 147 Igrejas
provenientes da Europa e da América do Norte. Este número tem aumentado desde
então. Atualmente o CMI reúne 344 Igrejas provenientes dos cinco continentes e inclui
a grande maioria das denominações Protestantes, dos Patriarcados Ortodoxos e dos
Velhos-Católicos, além de muitas Igrejas Pentecostais e Igrejas Africanas independentes.
A base de concordância que reúne as Igrejas-membro do CMI, adotada em
Amsterdam, sofreu uma série de alterações e complementações. Em 1950, o Comitê
Central do CMI, reunido em Toronto, no Canada, elaborou uma declaração intitulada A
Igreja, as Igrejas e o Conselho Mundial de Igrejas, tendo por subtítulo "A significação
eclesiológica do Conselho Mundial de Igrejas". Esse texto, hoje conhecido como
Declaração de Toronto, dentre outras coisas, declara:
1) 0 CMI não é nem deve vir a ser uma super-Igreja.
2) 0 objetivo do CMI não e o de negociar união entre as Igrejas, pois isto só pode
ser feito por elas mesmas e por sua própria iniciativa.
3) 0 CMI não pode e não deve estar baseado numa concepção particular de
Igreja. Ele não prejulga a questão eclesiol6gica.
4) Ser membro do CMI não supõe que uma Igreja considere sua própria
concepção de Igreja como relativa, nem que cada Igreja deva considerar as outras Igrejas
como Igrejas no sentido pleno e verdadeiro do termo.
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 25

5) Ser membro do CMI não implica que se deva aceitar uma doutrina específica
relativa a natureza e a unidade da Igreja.

A "Declaração de Toronto" abriu espaço se não para a participação, pelo menos


para a colaboração da Igreja Católica Romana com alguns organismos do CMI, e agradou
em cheio aos Ortodoxos [...].
Em termos de organização, o CMI tem sua sede em Genebra e se compõe de uma
assembleia-geral dos delegados de suas Igrejas-membros que se reúne a cada sete ou
oito anos. Essa Assembleia-geral elege um Comitê Central composto de cerca de 145
membros e elege um Presidium de seis ou sete Presidentes os quais, com outros
membros do Comite Central, constituem um Comitê Executivo de 27 pessoas, ao qual
se agrega o Secretário-Geral, escolhido pelo Comite Central [...].
No ano de seu cinquentenário (1998) o Conselho Mundial de Igrejas celebrou sua
8ª Assembleia Geral em Harare (Zimbabwe). Sua primeira assembleia no século XXI, a
nona de sua história, foi realizada em Porto Alegre (Brasil), em 2006, sendo também a
primeira no continente latino-americano.

5. A Igreja Católica Romana une-se aos esforços ecumênicos de Protestantes e


Ortodoxos.
Até a constituição do CMI, a Igreja Católica Romana manteve-se, oficialmente, alheia
aos movimentos pró-unidade das Igrejas conduzidos por Protestantes e Ortodoxos. Mas
nem por isso deixou de acompanhar o processo. Os primeiros sinais de mudança dessa
atitude começaram a aparecer em 1949, quando foi promulgado um documento do
Santo Oficio intitulado Ecclesia Sancta. Nessa declaração, reconhecia-se a legitimidade
dos esforços ecumênicos das demais Igrejas. Dentre outras coisas, afirmava-se nesse
documento que se tratava de um movimento "inspirado pelo Espirito Santo e fonte de
alegria no Senhor para os filhos da verdadeira Igreja".
A grande mudança de atitude, no entanto, virá com a convocação, em 1959, pelo
Papa Joao XXIII, do Concílio Vaticano II. Já no anúncio dos objetivos do concílio,
sublinhava-se que se tratava de um Concílio para o aggiornamento da lgreja e sua
abertura ao ecumenismo e ao mundo. No ano seguinte é criado o Secretariado Romano
para a Unidade dos Cristãos. A partir da terceira assembleia do CMI (Nova Delhi, Índia,
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 26

em 1961), observadores oficiais da Santa Sé passaram a participar em cada uma de suas


assembleias gerais. Em 1964, Paulo VI promulga o Decreto conciliar sobre o ecumenismo
Unitatis Redintegratio, que amplia o horizonte eclesiológico da Igreja. Como assinala
Bosch Navarro:
Não se trata de princípios do ecumenismo católico, mas dos princípios
católicos do ecumenismo. Em outras palavras, a lgreja Católica reconhece que
não há ecumenismo católico em contraposição a um ecumenismo
protestante ou ortodoxo. Ha um único movimento ecumênico, ao qual vão
aderindo as diferentes lgrejas, cada uma a partir de sua própria índole e de
suas posições doutrinais.

A partir de então se estreitam, por meio de diferentes instrumentos, os laços


entre Roma e Genebra. Em 1965 é criado o Grupo de Trabalho Conjunto", comissão
mista de teólogos católicos nomeados pelo Vaticano e teólogos protestantes e
ortodoxos nomeados pelo CMI que, desde então, vêm trabalhando em temas
doutrinais. A partir da quarta assembleia do CMI (Uppsala, Suécia,1968), um grupo de
12 teólogos católicos romanos passa a integrar, em pé de igualdade com os demais, a
Comissão de "Fé e Ordem". De 1965 a 1980 passa a funcionar uma comissão mista, que
se ocupa das questões relativas à sociedade, ao desenvolvimento e à paz. Será
conhecida pela sigla SODEPAX.
Mas talvez os gestos mais significativos por parte da Igreja Católica Romana para
testemunhar seu interesse e apreço aos esforços ecumênicos representados pelo CMI
tenham sido as duas visitas papais realizadas à sede do Conselho, em Genebra. A
primeira, por Paulo VI em 1969, e a segunda, por Joao Paulo II em 1984.

6. O Movimento Ecumênico na América Latina.


0 que acontecia na Europa e na América do Norte tinha ressonância nas Igrejas da
América Latina, além do fato intrínseco de a obra missionária em nossas latitudes
suscitar inquietações e questionamentos entre muitos de seus agentes diretos a
respeito da unidade cultural imposta em grande parte pelo Catolicismo Romano frente
a desagregadora diversidade oferecida pelas inúmeras igrejas evangélicas que
missionavam na região. 0 ex-padre José Manuel da Conceição (convertido no primeiro
pastor presbiteriano brasileiro) e, mais tarde, os pastores Erasmo Braga e Epaminondas
M. do Amaral foram destacados líderes evangélicos que, em momentos diferentes, não
só não aceitavam o divisionismo denominacionalista como lutavam para encontrar
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 27

formas de cooperação entre as novas igrejas que se iam estabelecendo. Esses líderes
propugnavam por um Protestantismo que resgatasse o Evangelho das estruturas
autoritárias da velha igreja medieval, mas sem romper com as express6es religiosas da
matriz cultural brasileira. Seus esforços no Brasil correspondiam a emulações
semelhantes as de outros cristãos protestantes em diferentes países latino-
americanos.[...].
Cria-se em 1961 a "Junta Latino-Americana de lgreja e Sociedade'', que se torna
conhecida sob a sigla ISAL (Igreja e Sociedade na América Latina). Em princípio, esse
grupo vai ser composto oficialmente por representantes dos departamentos ou setores
das Igrejas do continente que se ocupavam da ação social, ou seja, da inflexão diaconal
das Igrejas no interior das sociedades latino-americanas [...].
Desde o final da década de sessenta e na esteira das frustradas tentativas de
articulação continental das igrejas protestantes através das CEIAS (Conferencias
Evangélicas Latino-Americanas), persistiu o esforço, sempre retomado em alguns
setores eclesiásticos, de busca de uma estrutura supranacional que representasse o
Protestantismo latino-americano no concerto ecumênico das Igrejas da Reforma.
Como resultado, tivemos, na primeira metade da década de setenta, a criação
de uma Comissão Provisória Pró-Unidade da Igreja Evangélica Latino-Americana (UNE-
LAM), cujo principal expoente e condutor executivo foi o pastor metodista uruguaio
Emilio Castro. UNELAM, sob auspícios, apoio e, às vezes, indução do CMI, conseguiu
finalmente a adesão de dezenas de igrejas nacionais à sua proposta de criação de um
organismo latino-americano que representasse e, ao mesmo tempo, fosse um espaço
para trocas de experiências e enriquecimento mútuo. Na Conferência de Oaxtepec
(Mexico, em 1978) foi, finalmente, concretizado o sonho de muitas décadas com a
criação provisória do Conselho Latino-Americano de Igrejas (CLAI), que se tornará
definitivamente constituído em Huampani, Peru, em 1982.
Contando com a participação de representantes de todas famílias eclesiásticas
do Protestantismo latino-americano (dos episcopais-anglicanos aos pentecostais), o
CLAI reúne hoje cerca de cento e vinte igrejas como membros plenos e dezenas de
movimentos e instituições ecumênicas como membros fraternais. Pronunciadamente
referido ao CMl, o CLAI tem sido uma voz importante no cenário sociopolítico do
continente, em defesa de amplos setores marginalizados da sociedade latino-
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 28

americana, e tem contribuído para a criação de um rico espaço de intercâmbio,


testemunho e aprendizado mútuo de suas igrejas-membro. Entretanto, seu
posicionamento ecumênico aberto e alinhado com o CMI tem criado fricções com
setores eclesiásticos mais conservadores e impedido a expansão do diálogo,
especialmente, com os setores pentecostais majoritários em nosso país.
Na década de oitenta, no Brasil, talvez como fruto das diversificadas e
significativas experiencias ecumênicas experimentadas nos anos anteriores e da
consolidação em algumas igrejas de uma convicção ecumênica mínima, assistimos,
quase que em concomitância com o processo que levou a criação do CLAI, a formação
do Conselho Nacional de Igrejas Cristas (CONIC), incluindo a Igreja Católica Romana e
seis denominações evangélicas.
Apesar de existir há mais de três décadas, o CONIC ainda está longe de responder
a demanda que causou sua criação. E isso tem relação direta com a realidade de seus
representados. As igrejas evangélicas que dele fazem parte não nutrem maiores
compromissos entre si, e todas juntas não detém nem 300/o do peso político, social e
cultural da Igreja Católica Romana (se é que isso se pode quantificar!) . Esse desequilíbrio
interno, por um lado, e a hegemonia católico-romana, por outro, ainda que involuntária,
exigem uma postura mais criativa por parte desse organismo que ainda não se fez
presente. Isto, no entanto, não quer dizer que o CONIC não tenha sentido. Ao contrário,
no campo religioso brasileiro, simbolicamente, ele é uma novidade promissora que pode
vir ainda a desempenhar um papel de grande significação, desde que seja capaz de
articular, interna e externamente, as potencialidades de seus diferentes componentes.
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APROFUNDAMENTO

MISSÃO E ECUMENISMO NO BRASIL7

1. A Missão contra o Ecumenismo


Na história brasileira, é costume distinguir entre “protestantismo de imigração” e
“protestantismo de missão”. Ambos começam no século XX. Em um país inteiramente
católico, durante o 1800 chegaram imigrados alemães, de confissão evangélica luterana,
que se estabeleceram no Sul do Brasil e, poucos, no estado do Espírito Santo. Jamais
fizeram proselitismo, tampouco se afastaram muito – pelo menos até poucos anos atrás –
de suas raízes alemães. Nem tiveram dificuldade, depois do Concílio Vaticano II, em
tecer relações de colaboração com os católicos. No censo de 1890 representavam cerca
1% da população. Hoje em dia, a porcentagem dos luteranos na população brasileira não
é diferente. O “protestantismo de missão”, ao invés, cresceu muito. Além de algum
anglicano ou episcopaliano, na segunda metade de 1800 chegaram missões norte-
americanas de metodistas, presbiterianos e batistas. No final do século, o seu número era
insignificante. Hoje são mais do dobro dos luteranos e representam cerca 2,5% da
população. Sucessivamente, a partir de 1910, começaram a se difundir as Igrejas
pentecostais, também elas de origem norte-americana, mas sustentadas por outros
missionários [...]. Portanto, há mais de 150 anos de missões protestantes, evangélicas ou
pentecostais, no Brasil. Elas trabalharam a partir do pressuposto que o Brasil católico
fosse um país de missão, que o catolicismo fosse uma idolatria e conduzisse ao inferno,
que nenhum diálogo fosse possível com a Igreja “romana”. De fato, até hoje, só um
pequeno número de Igrejas ou de fiéis evangélicos do “protestantismo de missão” aceita
o ecumenismo e participa de ações ecumênicas. Afinal, a maioria destas Igrejas não
apenas recusa o diálogo com a Igreja católica, mas rejeita também o Conselho Ecumênico
das Igrejas e o ecumenismo protestante. Não há dúvida que a missão protestante no Brasil
e na América Latina surgiu sem uma perspectiva ecumênica; aliás, se colocou
objetivamente contra o ecumenismo.

7
ANTONIAZZI, Alberto, Missione ed ecumenismo in Brasile, Ad Gentes, ano 2, n. 1, I sem. 1998, p. 20-25.
Tradução e adaptação nossa.
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2. A missão inspirada pelo Ecumenismo


Embora a situação acima apresentada seja a mais comum, isto não exclui que haja
também exemplos contrários. A urgência da missão cristã diante de certos aspectos da
sociedade brasileira levou a criar iniciativas ecumênicas. É o caso das numerosas
situações de miséria que mancham o país, relativamente rico, mas caracterizado por
extrema desigualdade de renda e de condições de vida. Assim a ação social de inspiração
cristã levou a fundar uma Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE).
A luta pela defesa dos direitos humanos viu unidos católicos, luteranos e grupos de
cristãos de outras confissões, convencidos que esta luta faz parte da missão da Igreja. Um
exemplo notável foi dado pela “Comissão Pastoral da Terra”, um organismo de defesa
dos camponeses pobres e dos posseiros (ocupantes de terras sem título legal) criado pela
Igreja católica, a partir de 1975, que, sucessivamente, acolheu muitos luteranos, até
chegar a ter um vice-presidente luterano por algum tempo.
Também no âmbito da educação religiosa, especialmente nas regiões com maior
presença protestante (como, no Sul, o estado de Santa Catarina), a missão de educar as
crianças e adolescentes levou, já desde 1970, a uma forma estável de colaboração entre
várias Igrejas cristãs (católica, grego-ortodoxa, luterana, presbiteriana, metodista,
Assembleia de Deus, e, mais recentemente, batista e Igreja do Evangelho Quadrangular).
Reunidas em um Conselho reconhecido pelo Estado, as Igrejas elaboraram programas
daquilo que foi chamado de “ensino religioso ecumênico” e obtiveram a ajuda financeira
do Estado até para a formação dos professores [...].
Até os recentes pronunciamentos das Igrejas cristãs sobre a situação nacional e os
mais urgentes problemas sociais do país foram feitos, frequentemente pelo Conselho
Nacional das Igrejas Cristãs (CONIC), que reúne a Igreja católica, a ortodoxa, a anglicana
(ou episcopaliana), a luterana, a metodista e um grupo presbiteriano minoritário
dissidente [...].
Enfim, ao lado destas iniciativas “oficiais”, promovidas pelas hierarquias
eclesiásticas, existe, um ecumenismo popular, espontâneo, que leva os fiéis católicos –
sobretudo das comunidades eclesiais de base – a colaborar com protestantes e
pentecostais em ações sociais, principalmente de defesa dos pobres, mas algumas vezes
também no estudo comum da Bíblia ou em encontros de oração. O ativo “Centro de
Estudos Bíblicos”, já há anos, vê uma intensa colaboração de católicos e luteranos, ao
serviço do apostolado bíblico popular. O ecumenismo de base é, por outro lado,
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 31

contrastado pela forte tendência, - dentro da Igreja católica – a contrastar a ação


ecumênica.
Após o entusiasmo pós-conciliar, diante do crescimento dos pentecostais e das
“seitas”, a hierarquia católica tem reduzido, silenciosamente, sua pequena atividade
ecumênica. Uma pesquisa da CNBB, em 1994, constatou que nenhuma diocese
considerava o ecumenismo uma prioridade pastoral. O proselitismo, sobretudo dos assim
chamados neopentecostais, se tornou para os católicos uma razão para frear o
ecumenismo, embora haja sinais de uma nova guinada, favorável à perspectiva
ecumênica, reforçada pela Tertio milênio ineunte.

3. Macro ecumenismo e novos horizontes da Missão


Há alguns anos, nos ambientes católicos, difundiu-se uma nova sensibilidade,
chamada de “macro ecumenismo”. Embora seja, por enquanto, um fato restrito, ele parece
ser destinado a se difundir e a modificar notavelmente as perspectivas ecumênicas. O
fato nasce da preocupação – hoje presente um pouco em todo lugar do mundo – do diálogo
com as outras religiões. Contudo, no Brasil possui conotações particulares, que o tornam
mais agudo e, talvez, de solução mais difícil (...).
Houve um longo período de “integração”, por um lado forçada pelo portugueses, por
outro contrastada e contornada pelos índios, pelos negros e brancos pobres, que levou a
uma mistura de raças e de culturas. Do ponto de vista religioso, desde o século XVII são
numerosos os cultos que associam, em medida diferente, tradições indígenas, africanas e
católicas. Desde o fim do século XIX, existe, também, uma forte influência do
espiritismo, especialmente, na versão francês de Allan Kardec. Existem, hoje, cerca de
um milhão e meio de brasileiros adultos que se dizem ligados a cultos afro-brasileiros e
muitos católicos que frequentam estes cultos esporadicamente. Do ponto de vista teórico,
o debate envolve o conceito de “sincretismo” (...).
Os mais corajosos reivindicam uma postura oposta àquela que prevalecia entre os
missionários na época colonial e na Igreja católica, postura esta que reduzia as religiões
indígenas e africanas, ou afro-brasileiras, a criações do demônio.
Se reconhecemos que o Espírito age também fora da Igreja católica e das Igrejas
cristãs, o ecumenismo não pode reduzir-se ao âmbito cristão, mas se torna “macro”, maior
e mais aberto, para caminhar rumo a uma comunhão com todos os que sinceramente
buscam a Deus [...].
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 32

Este “macro ecumenismo” pode constituir para a missão um incentivo a redescobrir


suas raízes, por meio da conversão ao Evangelho, no qual a comunidade cristã se despoje
de uma herança de injustiça, quando não de crueldade, e se revista novamente do intenso
desejo do Reino de Deus e da sua paz “para todos os homens que Deus ama” (Lc 2,14).
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 33

VI
FUNDAMENTOS BÍBLICOS DO DIÁLOGO ECUMÊNICO8

O perdão, a reconciliação, a comunhão fazem parte do desígnio de Deus desde o


início e, portanto, estão recorrentemente presentes na Sagrada Escritura e em toda a
auto-revelação de Deus à humanidade. Portanto, é difícil apresentar de forma exaustiva
o fundamento bíblico da reconciliação e a espiritualidade comunitária do ecumenismo.
No entanto, podem-se identificar algumas passagens paradigmáticas e fundacionais na
busca da unidade para dar testemunho ao mundo do amor de Deus. preocupação do
dinamismo: a vontade de Cristo para a sua Igreja (Jo 17,20-21), o enraizamento da
unidade no amor do Pai (1Jo 4,20-21), a natureza da unidade como nota eclesial e,
consequentemente, a escândalo das divisões (1Cor 1,10-13), a exigência da variedade e
da complementaridade como dom do Espírito de Cristo (1Cor 12,12-27) e, finalmente, a
visibilidade da comunhão na Igreja na terra (Ef 4 , 4-6). A primeira dessas passagens
apresenta a unidade como sinal de uma maior unidade na humanidade; para outros é a
unidade da Igreja como corpo de Cristo.

1. A unidade das Igrejas para a unidade da humanidade.

• A oração de Cristo: Jo 17,20-21.


Este texto joanino é considerado o mais significativo para os propósitos do
ecumenismo, pois contém em poucas linhas a meta e o paradigma do Movimento
Ecumênico, fundando-o no contexto solene da oração de Cristo ao Pai, na vigília de sua
morte. Contém o imperativo ecuménico, que convida sobretudo os seguidores de Cristo
a «rezar» pela unidade, a exemplo de Cristo; além disso, identifica na Trindade o modelo
de unidade a ser perseguido: “um” como o Deus trinitário é Um, na distinção das Pessoas
divinas, que legitima e encoraja a diversidade na unidade.
O contexto imediato menciona três aspectos importantes na perspectiva
ecumênica, missão, verdade, caridade (cf. Jo 17:17-19). A missão das pessoas do Verbo
e do Espírito é funcional à salvação do gênero humano que espera o anúncio desta feliz

8
ROSSI, Teresa Francesa. Manuale di ecumenismo. Brescia: Queriniana, 2012, p. 147-152. Tradução e
adaptação nossa.
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 34

notícia; daí brota o imperativo missionário de "ir" pelos caminhos do mundo para
anunciar a reconciliação de Cristo. O apelo à unidade torna-se o vínculo do anúncio da
salvação ao mundo, que é também anúncio à humanidade da verdade sobre si mesmo
e sobre o seu destino de glória, na manifestação do amor divino. Por fim, pertence à
missão salvífica a prerrogativa de dar um anúncio na verdade e na caridade, dimensões
constitutivas do diálogo ecumênico.

• A raiz da unidade: 1Jo 4,20-21


A Primeira Carta de João - cuja teologia não difere muito do Evangelho joanino,
do qual é quase contemporânea - ostenta uma autoridade moral, que a tem distinguido
como um dos textos mais sugestivos para a verdade existencial de altíssimo valor e de
expressiva beleza. A carta, dirigida à comunidade da Ásia ameaçada por heresias,
apresenta o amor ao próximo como componente necessário da relação com Deus:
porque Deus está em nós, e Deus é amor, podemos e devemos amar os nossos irmãos
e irmãs; a habitação divina se expressa no amor ao próximo, que também é um
mandamento da mesma forma que o amor a Deus (cf. 1Jo 4,11-12). O quarto capítulo
da carta afirma que Deus é a fonte do amor, dele vem a nossa capacidade de amar como
expressão de pertença e conformação a Cristo (1Jo 4,7). No contexto tipicamente
joanino de polarização entre os que são de Deus e os que são de Satanás, o medo opõe-
se ao amor (cf. 1 Jo 4,18). O mandamento de amar a Deus, por sua vez, brota da
contemplação do que Ele fez por nós em Cristo Jesus (cf. 1Jo 4,14).
O significado desta passagem para o diálogo ecumênico é claro: se o amor ao
próximo é a realização do amor a Deus, a unidade e a reconciliação entre os cristãos é a
prova da fé em Cristo Salvador.

2. Um só corpo

• A insensatez das divisões: 1Cor 1,10-13


A carta trata de muitas questões cruciais para os primeiros cristãos de Corinto;
escrita aproximadamente no ano 57 d.C., revela-se altamente atual na história das
divisões. O trecho citado é introduzido por um verbo fortíssimo (para-kaléo), que
expressa um sentimento intenso, urgente, premente. Isso nos alerta para a seriedade
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 35

do tema, que inclusive abre a carta colocando o apelo à unidade como um dever que
não pode ser negligenciado. De maneira vigorosa e direta, o apóstolo segue
imediatamente a autoridade e o motivo da exortação: “Pelo nome de nosso Senhor
Jesus Cristo”, portanto, ele não fala apenas como um apóstolo digno de autoridade, mas
em nome da vontade do próprio Cristo para a Igreja, em nome daquele que foi
crucificado por eles, em quem foram batizados, que os reconciliou curando toda
separação e que os identifica perante o mundo. É uma passagem saliente, pois a
referência à cruz e ao batismo nos leva a refletir sobre as divisões como negação da fé
cristológica e do próprio querigma. Não menos incisiva do que a abertura é a conclusão
da passagem que, através da forte imagem de Cristo dividido em si mesmo, sublinha a
tolice das facções: "Será que Cristo está dividido?"

• Diversidade e complementariedade dos carismas na Igreja: 1Cor 12,12-27


Os exegetas frisam que a peculiaridade desse trecho não está na comparação
com o corpo, apesar de ser bastante recorrente, mas no fato de que, nesse contexto,
ele não tem função de metáfora, mas expressa a realidade das coisas. A ênfase é
colocada no Espírito Santo recebido no batismo, vivificador do único corpo e, portanto,
associado à imagem da água viva da qual beber; de fato, a insistente recorrência da
expressão "um só espírito" indica a eficácia e a força de uma realidade vivida, existencial,
viva. O seguinte crescendo de exemplos descreve a dinâmica da "troca de dons" e é
particularmente apropriado para o ecumenismo: há diferentes funções no corpo,
nenhuma delas pode atuar eficazmente sem as outras, precisamente porque na sua
diferenciação cada uma é útil e insubstituível. O organismo assim constituído exclui a
possibilidade de um membro desempenhar a função de outro, ao mesmo tempo que
admite a sinergia desejada pela Providência inscrita no desígnio divino e vivificada pelo
mesmo Espírito. Os dons são distintos, diferenciados, distribuídos por todo o corpo. A
natureza, o princípio do corpo e, portanto, também do corpo místico, exige que haja
cooperação entre as partes. Contudo, somente a diversificação de papéis, tarefas e
funções pode garantir essa cooperação. Portanto, compreende-se que cada fiel/Igreja é
irrepetível e insubstituível em si mesmo, mas deve tornar-se empático e colaborativo,
responsável e positivo para com os outros cristãos. A distinção e distribuição dos dons
é a forma como o Espírito Santo, de alguma forma, chama e “obriga” a ver a imagem de
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 36

Deus nos outros; na verdade, as pessoas/igrejas são fundamentalmente diferentes umas


das outras, mas todas semelhantes a Deus e, portanto, em última análise, entre si. Para
assimilar esta verdade da vida cristã, que se evidencia desde a primeira página do
Génesis, o caminho é longo, e exige aceitar e escutar a pedagogia de Deus.

• A dimensão trinitária da unidade: Ef 4,4-6


A Carta aos Efésios - que faz parte das cartas provavelmente escritas por Paulo
durante seu cativeiro em Roma entre 61 e -63 d.C., e destinada aos crentes em geral,
não especificamente aos de Éfeso - oferece uma bela síntese de muitos temas paulinos,
além de oferecer um esplêndido apanhado de teologia ecumênica. O cap. 4 abre com a
exortação ética a comportar-se de maneira digna da vocação recebida (cf. 4,1) e a
conservar a unidade do Espírito (cf. 4,3); apelos seguidos imediatamente pela ilustração
do seu fundamento (cf. 4,4-6): a unidade é dom do alto, brotando da unicidade de Deus
e não se baseia em vínculos terrenos, mas na esperança escatológica que abraça toda a
humanidade, redimida em Cristo (cf. 4,7); é precisamente a ideia da unidade como dom
que é o eixo de cunho ecumênico específico da passagem. Nem a Igreja nem a
comunidade são mencionadas neste trecho, mas acabam sendo o verdadeiro sujeito,
como corpo de Cristo, confessando o mistério trinitário, unificado no batismo, vivificado
pelo Espírito. Os exegetas observam o ritmo numérico simbólico que está associado à
estrutura trinitária: Espírito Santo (corpo, Espírito, esperança), Cristo (Senhor, fé,
batismo) e Pai (acima de, por meio de, em todos).
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VII
FUNDAMENTOS TEOLÓGICOS DO ECUMENISMO

Um é o corpo de Cristo, uma é a Igreja de Cristo: a Koinonia entre os cristãos é a


expressão visível deste aspecto constitutivo da Igreja. O dom da unidade da Igreja de
Cristo não pode ser destruído pelas divisões históricas, mas permanece real; a unidade
está apenas arranhada, rachada, defeituosa, imperfeita, incompleta. Dentro das várias
confissões, inclusive, as dificuldades da falta da Koinonia perfeita são vividas de maneira
diferenciada, em particular no que diz respeito à partilha da vida sacramental.

1. Teologia da Koinonia9
A Igreja é o corpo de Jesus Cristo, o Filho de Deus, o Sumo Sacerdote, o Servo
sofredor, o Cordeiro imolado para a redenção do mundo; consequentemente, a missão
da Igreja consiste em confessar a fé em Cristo Senhor e Salvador, oferecer a Deus o
louvor confiando-lhe as orações do povo, servir ao próximo a exemplo dele e
testemunhar no mundo o seu amor redentor: homologhia, leiturghia, diakonia,
martyria. Trata-se de elementos constitutivos e complementares, conotações que
manifestam e reforçam a koinonia, ou seja, a comunhão que Deus Pai, Filho e Espírito
Santo oferece à humanidade e sua resposta ao amor divino. A Koinonia (ou comunhão)
constitui a natureza e a missão da Igreja e expressa o desígnio de Deus desde a
eternidade: a participação na comunhão trinitária.
A divisão entre os seguidores de Cristo, que desintegrou esta comunhão na Igreja,
comprometeu a harmonia e a sinergia entre as dimensões homológica, litúrgica,
diaconal e martirial; por isso o Movimento Ecumênico, em sua intenção de restabelecer
a comunhão entre os cristãos, persegue principalmente o objetivo de refletir sobre a
natureza da Koinonia e sobre suas condições, implicações e possíveis concretizações
entre comunidades cristãs ainda divididas, mas chamadas à unidade plena e visível. Esta
reflexão requer uma investigação sobre a dinâmica da homologhia, leiturghia, diakonia,
martyria tanto positivamente, ou seja, tomando o que ainda constitui o patrimônio da
unidade e sinal da koinonia existente em Cristo, quanto negativamente, ou seja,

9
ROSSI, Teresa Francesa. Manuale di ecumenismo. Brescia: Queriniana, 2012, p. 313-323. Tradução e
adaptação nossa.
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 38

avaliando o que é afetado e enfraquecido pela divisão e requer um paciente trabalho de


reconstrução através do diálogo em vista da unidade.

1.1 Raízes bíblicas da koinonia


O substantivo Koinonia e o adjetivo koinonós são encontrados no grego clássico com
o significado de empreendimento comum, ou relacionamento amigável, e este é o
sentido primário da palavra também no Antigo Testamento: um relacionamento
particular, uma realidade que une os seres humanos entre si, ou os seres humanos com
as divindades em sentido amplo, embora nunca se refira especificamente à relação dos
seres humanos com Deus. Os principais textos de referência encontram-se em Ex 26,6;
Eclo 9,4; Ml, 2,14 e no Sal 119,63, não particularmente relevantes para a perspectiva
ecumênica. Muito mais frequentes e ricas em nuances de significado - além de
ecumenicamente relevantes - são as recorrências dos termos no Novo Testamento, pois,
na perspectiva neotestamentária, a boa nova trazida por Jesus Cristo é propriamente o
anúncio da "comunhão" com Deus, ou seja, da participação da humanidade à comunhão
trinitária e ao destino de vida eterna que espera homens e mulheres, e da "comunidade"
dos fiéis que se incorporam a Cristo no único baptismo e se constituem no seu corpo.
"Comunhão" na identidade cristã, que envolve a vida comunitária no amor e na verdade,
na oração e no serviço, na "participação" na filiação divina e na comunhão trinitária, que
é dom de Deus, e que se torna vocação e compromisso para as comunidades e para
cristãos individuais: acolher, viver plenamente e aumentar esta Koinonia
"compartilhando-a" com toda a humanidade.
O quadro de referência da eclesiologia ecumênica é, antes de tudo, a Koinonia em
Deus Trindade - poderia ser definida como uma "Koinonia vertical" - que sempre
esperou a humanidade, porque Deus é fiel à sua promessa e realiza seu desígnio de
comunhão com Ele . Esta Koinonia encontra a sua expressão visível na Igreja, na
comunhão e na unidade dos fiéis em Cristo, numa dimensão que se poderia definir como
"profunda", que conota a Igreja no tempo e no espaço e a torna a única Igreja de Cristo,
o seu corpo, a Una Sancta, uma koinonia que não foi destruída, nem pelas infidelidades
humanas nem pelas divisões, porque é um dom de Deus, embora a sua visibilidade tenha
sido riscada pelas lacerações do corpo de Cristo infligidas pelas divisões confessionais.
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 39

A natureza da Igreja é constituída pela Koinonia real e indelével que é enraizada em


Deus, e sua missão de homologhia, leiturghia, diakonia, martyria constitui o que une os
cristãos sincrônica e diacronicamente e torna verdadeiro o dom e o chamado recebido;
porém, sendo esta koinonia incompleta e imperfeita, porque rompida pela divisão, as
dimensões acima mencionadas também são vividas de modo imperfeito e, portanto,
constituem outras tantas metas do diálogo ecumênico.
O anúncio do querigma, ou seja, a proclamação da salvação oferecida por Deus aos
homens individual e comunitariamente, e a confissão da fé em Cristo Senhor e Salvador
no poder do Espírito Santo, configuram a identidade dos cristãos e define sua missão;
neste sentido, a homologhia é a primeira dimensão que une os cristãos (cf. At 4,12; Rm
1,16; 1 Tm 2,5-6) e constrói por si mesma a Koinonia; a dimensão comunitária da
salvação, de fato, depende do reconhecimento de Cristo como Senhor, da inserção no
seu corpo, e esta enxertia constitui uns e outros membros do mesmo corpo vivificados
pelo Espírito (cf. Ef 4, 16; 4, 25; 5,23), razão pela qual São Paulo pode usar o conceito de
Koinonia para indicar a relação, a amizade dos crentes em Cristo (cf. 1Cor 1,9; 9,23;
12,12; 1Tess 4,17 ) .
Ser membro do corpo de Cristo significa também estar associado ao mistério da
sua morte e ressurreição (cf. Rm 6,4.6.8; 2Cor 1,5; 7,3; Ef 2,6; Fl 3,10; 1Pd 4 , 13), um
acontecimento que coloca os crentes em total contraste com a mentalidade do mundo
e que os convida a tomar consciência da sua assimilação à vida do Mestre.
Não é sem importância que o termo Koinonia, entendido como a relação dos fiéis
entre si, só aparece nas páginas do Novo Testamento depois do evento de Pentecostes,
que constitui a comunidade confessante; Pentecostes, de fato, vivifica os corações e as
mentes dos crentes, impulsiona-os ao anúncio perante o mundo, constitui-os como
comunidade assídua na oração e atenta às necessidades dos irmãos, transformando
Koinonia em diakonia na unidade, na mutualidade, na solidariedade e na generosidade
material (cf. Rm 15,26; 2Cor 8,4; 9,13; 1Jo) e espiritual, e fazendo com que os crentes
vejam o próprio Deus nos outros, até torná-los capazes de perdão na medida em que
receberam (Ef 4,32-5,2; 1Jo). A diakonia brota da koinonia, mas por sua vez a alimenta,
a aumenta, a corrobora; de fato, o serviço ao próximo denota a vida da comunidade
cristã, a vocação dos "santos de Deus" que se reconhecem e se saúdam com o sinal da
paz, unindo as mãos no vínculo da paz e da comunhão (cf. At 2,42; Gl 2,9). Um vínculo
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 40

sagrado manifestado e celebrado também através do crescimento na comunhão, na


partilha do cálice e do pão eucarísticos e na oração a Deus em adoração e contemplação,
ou, numa palavra, na leiturghia (cf. 1Cor 1,10-13; 11, 17-20; Fl 2,1), que exterioriza e
cimenta a koinonia no seu aspecto mais espiritual e místico como manifestação do
anseio de tornar viva e ativa aquela koinonia "vertical" que faz tender para o Pai.
Brotando deste dinamismo vital da fé anunciada, da caridade doada e do culto
prestado a Deus com os irmãos, revela-se a martyria da Igreja: as palavras de Cristo:
"Disto sois testemunhas" (Lc 24,48) estigmatizam uma herança a ser vivida em todos os
aspectos da vida de fé, desde o anúncio aos de perto e aos de longe, até uma conduta
que torna transparente a mensagem evangélica, até, se necessário, o testemunho
extremo do derramamento de sangue pelo nome de Cristo, como comprovado pela
história das comunidades cristãs, desde os tempos antigos, non nossos dias e até o fim
dos tempos.

1.2. O percurso ecumênico rumo a plena e visível Koinonia


Os elementos fundadores do caminho rumo à unidade encontram-se
precisamente nos referidos contextos neotestamentários que, delineando as
características da comunidade confessante, orante, diaconal e testemunhante, chegam
a constituir os elementos sobre os quais se desenvolve, por parte das igrejas divididas,
a busca da comunhão na confissão de fé, na vida sacramental comum, no testemunho
perante o mundo.

• Koinonia e homologhia
A possibilidade de confessar juntos a fé em Deus é um elemento essencial da
identidade cristã e, consequentemente, a busca de uma forma unívoca de expressar a
fé no Deus trino constitui uma prioridade do próprio diálogo ecumênico. A Igreja indivisa
dos primeiros séculos expressava essa fé nos Símbolos, fazendo da homologhia um
elemento fortalecedor da identidade, sobretudo diante das distorções doutrinárias
dentro da própria Igreja e diante dos inúmeros desafios advindos do ambiente cultural
externo a ela. Do mesmo modo, a busca da unidade e a redescoberta da identidade
comum em Cristo exigem tanto a releitura como a reapropriação da fé apostólica, do
credo confessado pelas primeiras comunidades cristãs. O objetivo é redescobrir no
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 41

Símbolo da fé a razão de ser e a força motriz do chamado à unidade, para poder


confessar juntos a totalidade da fé cristã e para poder reconhecer-se, reciprocamente,
como Igreja una, santa, católica e apostólica. Do ponto de vista da concretização destas
intenções, a comum profissão do Credo tornou-se uma prática difundida, constituindo
um feliz "ponto sem volta”.10
A comum profissão de fé recebida da Igreja primitiva e transmitida ao longo dos
séculos não é apenas um ato intrinsecamente ligado à apostolicidade da Igreja, mas
também à sua catolicidade. Antigamente celebrava-se a traditio-redditio Symboli: o
catecúmeno "recebia" a fé da Igreja e depois era chamado a testemunhá-la
publicamente, à semelhança da própria Igreja que "recebeu" a feliz notícia da salvação
para toda a humanidade e é chamada, por sua vez, a anunciar a verdade salvífica. A
universalidade do Kerygma e, portanto, do conteúdo do Símbolo da fé, expressa a
catolicidade da Igreja. As Igrejas separadas devem assumir a responsabilidade de
salvaguardar e transmitir este evangelho: a traditio, que receberam, deve tornar-se uma
redditio imbuída de caminho de unidade ou, pelo menos, já agora, da busca da koinonia.

• Koinonia e leiturghia
O confronto entre as igrejas quanto à natureza da Igreja, dos sacramentos e dos
ministérios é tão espinhoso quanto incontornável, na medida em que o diferente perfil
eclesiológico e os consequentes entraves ao reconhecimento mútuo dos ministérios
condicionam a partilha sacramental, privando assim a dimensão litúrgica do seu aspecto
comunitário.
A dimensão eclesiológica da reflexão sobre este ponto crucial marcou desde o
início o diálogo ecuménico; temas como o significado profundo e, portanto, o
reconhecimento mútuo do batismo, a teologia eucarística e, portanto, a possibilidade
de intercomunhão, a natureza dos ministérios e, portanto, o reconhecimento mútuo dos
ministros têm estado entre as principais temáticas apontadas pelo Movimento
Ecumênico desde seus primórdios, motivando os especialistas a uma abordagem ampla,
disposta a levar em consideração tanto os estudos bíblicos e patrísticos quanto os

10
Nos últimos anos, contudo, há comunidades eclesiais que, embora compartilhem do mesmo conteúdo
de fé expresso nos Símbolos, são relutantes em utilizar uma fórmula uniforme, prefixada e codificada para
professar uma realidade tão vital como a fé em Cristo.
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 42

litúrgicos e pastorais. É uma reflexão que tem registado, em muitos aspectos, os maiores
êxitos, quer ao nível da capacidade de clarificar posições recíprocas e sublinhar as suas
convergências, quer ao nível da qualidade dos documentos produzidos, quer
finalmente, ao nível de resoluções operativas adotadas por muitas igrejas sobre o
reconhecimento de ministros e sacramentos. No entanto, na medida em que a discussão
é canalizada para a natureza e missão da Igreja, e na medida em que o movimento
ecumênico alarga os limites do seu campo de ação, surgem novas divergências. A
reflexão recente marcou um progresso significativo no uso e significado das imagens e
categorias bíblicas, na formulação convergente dos elementos essenciais da notae da
Igreja - unidade, santidade, catolicidade e apostolicidade - e inaugurou uma discussão
promissora sobre temas como autoridade, episcopado e primado petrino. No entanto,
permanecem inúmeras diferenças, algumas das quais remetem a uma possível e até
legítima diversidade de perspectivas; outras, ao contrário, são potencialmente divisoras
e, portanto, ainda sujeitas a pacientes e acuradas investigações teóricas, como, por
exemplo, os aspectos visíveis e institucionais da Igreja, a interpretação da teologia
sacramental e os critérios e limites da legítima diversidade.
No futuro, o diálogo ecumênico terá necessariamente que continuar o confronto
eclesiológico, tanto para esclarecer posições doutrinárias quanto para articular uma
eclesiologia ecumênica que tire conclusões que possam ser compartilhadas e harmonize
o resultado de diálogos bilaterais e multilaterais. [...]
A discussão sobre o dinamismo koinonia-leiturghia não estaria completa sem a
menção à oração comum entre cristãos de várias confissões, que constitui um
patrimônio de grande importância e junto com ela, a menção de cada esforço individual
e coletivo de encontro e diálogo, de estudo e de experiência promovidos no seio do
Movimento ecuménico, que com razão podem ser equiparados a uma oferta contínua a
Deus, feita de vontade de unidade e de busca da verdade.

• Koinonia e diakonia
A presença cristã no mundo deve ser uma presença incisiva, transformadora,
radical e exemplar: é a conversão à qual os cristãos são chamados. A reflexão acerca da
relação entre a koinonia da qual a Igreja é sinal e a diakonia que ela é obrigada a viver
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 43

no mundo tem sido objeto de estudo e diálogo desde os primórdios do Movimento


Ecumênico.
No vocabulário ecumênico, a diakonia oferecida ao mundo é frequentemente
indicada com o termo técnico de "testemunho comum" e inclui todas as ações e
iniciativas, projetos e processos nos quais os cristãos podem trabalhar juntos para a
difusão e crescimento do reino de Deus, traço fundamental da missão da Igreja.
Oferecer ao mundo um testemunho comum para difundir a paz, a justiça e a
solidariedade significa crescer e colocar-se a serviço do Reino, confessar e celebrar
Cristo e anunciar com palavras e obras, em todos os cantos da terra, a verdade de que
Ele é o Senhor da história. É uma vocação que exige o abandono da lógica do mal e que
convida os cristãos a assumir esta responsabilidade e a torná-la operante para além dos
confins das Igrejas historicamente divididas, para responder ao dinamismo missionário
e à vocação primeira da Igreja: estar ao serviço dos os irmãos "para que o mundo creia"
(Jo 17,21). Na lógica do Reino inaugurado por Cristo, reinar significa servir, portanto,
testemunhar a diaconia manifesta a própria realeza do povo de Deus e é uma
participação na função real de Cristo comunicada aos fiéis com o batismo.
Nesta perspectiva, a busca de um testemunho que também possa ser
reconhecido socialmente é uma exigência teológica, na medida em que expressa a fé
cristológica; assumindo essas expectativas, as igrejas também devem esclarecer
inequivocamente o fundamento e as implicações dessa diakonia, para que não seja
percebida como uma mera ação filantrópica, ou até mesmo como um fácil ativismo
social. Ela deve permanecer como o rosto da fé cristã, expressão clara de uma atitude
batismal. As divergências e divisões ainda existentes limitam a possibilidade de um
testemunho plenamente comum em todos os setores, e a natureza ainda transitória do
movimento pela unidade torna o testemunho comum uma página às vezes difícil de
escrever. No entanto, as igrejas cristãs, e as organizações ecumênicas em particular,
mantêm a atenção para crescer em todas as áreas possíveis de cooperação, conscientes
de que fazer o bem juntos é sinal de que a Fonte desse trabalho é uma só: Deus, o Bem
supremo.

• Koinonia e martyria
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 44

A relação entre koinonia e martyria abrange vários aspectos, alguns dos quais já
foram destacados nas páginas anteriores; a martyria, no seu sentido primário de
“testemunho”, inclui tanto a confissão de fé e a oração em comum, como também o
serviço ao mundo. Contudo, tem uma conotação intensiva mais marcada, representada
pelo testemunho prestado com o sangue, com o dom da vida dos cristãos de todos os
tempos e em muitos lugares. No diálogo ecuménico esta é uma área de interesse
recente, dado que no passado tanto as circunstâncias históricas de muitos martírios,
muitas vezes infligidos mutuamente pelas várias igrejas, como a teologia dos mártires
própria às várias tradições (muito diversificada na concepção do papel eclesial das
testemunhas da fé) tornou improvável uma abordagem fecunda do tema. Nos últimos
anos, pelo contrário, o valor ecuménico das histórias de martírio foi descoberto em duas
direções: por um lado, tem havido um foco no valor profundamente unificador do
martírio pela fé prestada pelos cristãos, de qualquer confissão, em situações de
perseguição por ódio à fé, porque deram testemunho de Cristo, indivisamente, e O
deram testemunho da mesma forma, ou seja, até ao ponto de dar a vida e no meio de
sofrimentos indizíveis; por outro lado, na perspectiva da releitura comum das histórias
de divisão e da consequente reconciliação das memórias, as igrejas cristãs têm sabido
assumir honestamente a responsabilidade pelas guerras e perseguições religiosas e
pedir perdão por terem infligido a morte no nome de um credo confessional, muitas
vezes agravado por fatores não teológicos. Hoje são cada vez mais frequentes as
celebrações de perdão, os estudos histórico-teológicos realizados conjuntamente pelas
Igrejas, as publicações ecuménicas que narram a vida dos mártires e dos santos de
diversas confissões como património comum de testemunho de Cristo e, portanto,
como modelos a serem propostos a todos os cristãos.

2. Teologia do diálogo ecumênico11


• Cristologia do diálogo
A verdade que está no centro do diálogo ecuménico, que se revela assim que se
aceita entrar neste universo, é que o que as igrejas cristãs partilham é muito mais do
que aquilo que as divide, e tem um valor incomparavelmente maior: é o mistério do

11
ROSSI, Teresa Francesa. Manuale di ecumenismo. Brescia: Queriniana, 2012, p. 63-67. Tradução e
adaptação nossa.
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 45

próprio Cristo. . É a fé na Trindade, na providência criadora do Pai, na encarnação, morte


e ressurreição do Filho, nosso Salvador, no poder vivificante do Espírito Santo. Bastaria
fazer uma pausa para meditar sobre a grandeza destes mistérios para compreender
quão inestimável é a verdade que une os "santos de Deus" que acreditam em Cristo -
para usar a bela expressão paulina -, em comparação com as diatribes teológicas ou
asperezas confessionais que os dividem. João Paulo II, na sua encíclica sobre o
compromisso ecuménico, como que para sublinhar a natureza inelutável do diálogo,
afirma solenemente: “Acreditar em Cristo significa querer a unidade; querer a unidade
significa querer a Igreja; querer a Igreja significa querer a comunhão de graça que
corresponde ao desígnio do Pai desde toda a eternidade. Este é o significado da oração
de Cristo: « Ut unum sint »” (UUS 9).
Cristo, portanto, é “o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14,6) do Movimento
Ecuménico, e não é por acaso que a fé cristológica constitui o incipit de todas as
instituições envolvidas no diálogo, tal como as afirmações cristológicas são a base de
todos os documentos do diálogo.

• Pneumatologia do diálogo
Cristo morto e ressuscitado, Cristo caminho, verdade e vida, não pode ser
confessado e proclamado senão pela força do Espírito Santo: "Ele me glorificará, porque
tirará do que é meu e vo-lo anunciará" (Jo 16:14). Cristologia e pneumatologia estão
intrinsecamente relacionadas. Crescer no diálogo, na consciência de ser o único corpo
de Cristo, significa abandonar-se ao sopro do Espírito. No trecho bíblico mencionado (Jo
16,4-15) Jesus assegura aos seus discípulos que eles não ficarão sozinhos, que o Espírito
virá iluminá-los, confortá-los, acompanhá-los (cf. Jo 16,7.12-13). Este trecho fica pouco
antes da narração de Jesus que reza pela unidade (cf. Jo 17,21), e é sugestivo lê-la no
contexto das divisões entre os cristãos: se tivesse sido a ruptura interna e a divisão entre
os discípulos o “peso” que não conseguiam carregar? Só o Espírito, portanto, será o
“Consolador” dos cristãos marcados pela divisão. Ele “conduzirá a Igreja a toda a
verdade” e “anunciar-lhe-á as coisas que estão por vir” (Jo 16:13).
Não há diálogo ecuménico que não tenha o selo vivificante do Espírito Santo. Ele
capacita indivíduos e comunidades a proclamarem a boa notícia que não conhece
divisões. Existe uma ligação estreita entre a presença do Espírito Santo e a comunidade
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 46

reunida em nome de Cristo. Na narração do acontecimento de Pentecostes (cf. At 2, 1-


13) o Espírito desce sobre os apóstolos e torna-os testemunhas, mas não desce sobre
eles apenas como indivíduos, de algum modo já eram uma comunidade de pessoas
«persistentes e unanimes na oração" (At 1,14), e no dia de Pentecostes "estavam todos
juntos no mesmo lugar" (At 2,1), juntos por medo e por fé, e como comunidade
receberam o poder de o Espírito que os tornou capazes de dar testemunho de Cristo até
aos confins da terra e até à morte.

• Eclesiologia do diálogo
Como comunidade daqueles que guardam e transmitem a mensagem da
salvação em Cristo, o imperativo do diálogo torna-se peremptório, pois a falta de
comunhão mina a própria eficácia do anúncio. A perspectiva eclesiológica do diálogo -
mesmo antes de ser objeto de diálogo em relação a conteúdos específicos - impõe-se
como pré-requisito do próprio diálogo; na verdade, é um confronto entre as
comunidades confessionais, visando alcançar e reorganizar uma proclamação única e
comunitária da verdade salvadora. Cabe às comunidades determinar os critérios pelos
quais podem, ou ainda não, formar uma voz única.
A raiz etimológica do termo diá-logos, “através do pensamento”, tem
justamente o sentido de “atravessar” – no duplo sentido de “percorrer” e “cruzar” –
duas “mentalidades”, dois “modos de pensar", dois "sistemas racionais" que se
verificam quase contemporaneamente. Cada tradição desenvolveu o seu próprio
sistema conceptual, uma estrutura epistémica, um estilo de pensamento, uma práxis
consequente. O diálogo ecuménico aproveita ao máximo esta etimologia, pois pretende
entrar em cada sistema, e em vários sistemas em conjunto, para encontrar elementos
comuns ou dialeticamente opostos, mas que se enriquecem mutuamente. Tudo isto é
possível graças ao que cada tradição partilhou ab origine: a revelação de Deus na Bíblia
e na vida das comunidades cristãs dos primeiros séculos, bem como a tradição escrita e
oral transmitida até aos dias de hoje, que é um elemento partilhado
independentemente do nível de normatividade que lhe é atribuído.
Neste caminho de redescoberta dos pontos comuns e das divergências, torna-se
verdadeiro o valor do diálogo como “troca de dons”. A perspectiva pressupõe a sua
variedade como expressão da riqueza da presença do Espírito em cada comunidade de
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 47

fiéis. Um dos lemas mais citados sobre o propósito do Movimento Ecumênico é: “Uma
unidade que não seja uniformidade e uma diversidade que não seja divisão”. A unidade
e a diversidade são dons do Espírito e o ecumenismo tende propriamente a valorizá-los,
a reconhecê-los como valores a serem tutelados [...].
O critério de Santo Agostinho contém a alma do diálogo ecumênico: “Nas coisas
necessárias deve ter unidade, nas coisas duvidosas deve ter liberdade, em todas as
coisas deve ter caridade”, ou seja, a unidade deve ser rigorosamente preservada nas
realidades necessárias (como, por exemplo, o fulcro da profissão da fé), a liberdade deve
ser mantida nas áreas do crescimento e da diversidade (que são muitas vezes as
questões debatidas histórica e ecumenicamente) e, finalmente, a caridade é o
imperativo supremo, a ser encarnado em todas as circunstâncias, pois nos torna
autênticas testemunhas da mensagem de Cristo.

3. Princípios teológicos e epistemológicos do diálogo ecumênico12.


O diálogo, em nível humano, implica o conhecimento e a aplicação de alguns
princípios orientadores que permitem canalizar correta e fecundamente os esforços dos
sujeitos envolvidos; da mesma forma, no nível teológico, é necessário definir alguns
critérios que fixem as coordenadas dentro das quais colocar as problemáticas e
desenvolver as argumentações. São pressupostos que permeiam a especulação
teológica como um todo, mas que se delineiam particularmente no âmbito da teologia
ecumênica, pela sua relevância na busca da unidade [...].
Podem deduzir-se quatro princípios básicos, todos eles tornados património comum
no ecumene, apesar de alguns terem sido formulados no contexto da "Fé e
Constituição", enquanto outros diretamente nos documentos da Igreja Católica. São
enunciados da seguinte forma:
- o “método cristológico”;
- a “hierarquia das verdades”;
- a relação entre conteúdo de verdade e expressão formal;
- o “princípio de Lund”.

12
ROSSI, Teresa Francesa. Manuale di ecumenismo. Brescia: Queriniana, 2012, p. 75-82. Tradução e
adaptação nossa.
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 48

• O “método cristológico”.
Por ocasião da III Conferência Mundial de Fé e Constituição, realizada em 1952
em Lund, a reflexão sobre a metodologia de trabalho da Comissão marcou uma viragem
capital: a passagem de um método comparativo ao cristológico. A Comissão já registrara
alguns resultados positivos do trabalho iniciado nas duas décadas anteriores segundo
um "método comparativo": este método - que consiste numa comparação "horizontal"
entre as diferentes posições das igrejas na esfera doutrinária, para destacar aspectos
comuns e divergências - mostrou-se bem-sucedido, mas limitado. Foi portanto
necessário orientar a reflexão para um dinamismo de focalização no fundamento
cristológico das convergências entre as Igrejas, para reforçar o seu valor e, ao mesmo
tempo, fazer do diálogo ecuménico um caminho também espiritual de conversão à
Cristo. A perspectiva cristocêntrica, que ficará na história ecumênica como “método
cristológico”, é considerada um método “vertical” porque assume a forma de um
retorno diacrônico ao fulcro da fé. Eis a formulação:
Vimos claramente que não podemos fazer nenhum progresso real
rumo à unidade se nos limitarmos a comparar as nossas diferentes
concepções da natureza da Igreja e das tradições que a encarnam. Mas
mais uma vez ficou claro que quanto mais nos aproximamos de Cristo,
mais nos aproximamos uns dos outros. Devemos, portanto, superar as
nossas divisões e avançar para uma compreensão mais profunda e rica
do mistério da unidade de Cristo com a sua Igreja, dada por Deus.
(Comissão Fé e Constituição, Relatório - III Conferência mundial – Lund
1952).

Se quiséssemos visibilizar este dinamismo, poderíamos utilizar um princípio de


geometria, segundo o qual a distância entre os pontos de uma circunferência diminui à
medida que o raio da própria circunferência diminui. Nesta analogia, o ponto inicial do
raio é o centro da circunferência, o próprio Cristo, enquanto os pontos da circunferência
são as igrejas. Quanto mais se aproximam de Cristo, imitando o seu estilo de comunhão
e esforçando-se por viver e aderir à sua mensagem com a sua vida, mais as diferenças
diminuem.

• A “hierarquia das verdades”


O decreto conciliar sobre o ecumenismo, Unitatis Redintegratio, afirma um
princípio teológico fundamental para o diálogo ecumênico, de tamanha relevância que
tornou-se essencial pata a teologia em geral: “Na comparação das doutrinas, lembrem-
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 49

se que existe uma ordem ou «hierarquia» das verdades da doutrina católica, já que o
nexo delas com o fundamento da fé cristã é diferente” (UR 11)
O termo latino "ordo" explicita mais precisamente o aspecto formal do princípio,
enquanto, o termo "hierarquia", lido numa chave semântica contemporânea, pode
prestar-se a interpretações enganosas; de fato, não existe uma hierarquia de
importância entre as verdades da fé, não existem categorias de primeira ou segunda
classe na verdade revelada, a imagem não é a de uma pirâmide hierarquicamente
organizada. Há, porém, entre os elementos que constituem o discurso teológico, uma
ligação mais ou menos próxima, mais ou menos direta, com o fulcro da fé, constituído
pelos mistérios de Cristo: a encarnação e a morte-ressurreição.
A unidade visível que o diálogo ecuménico persegue pode, portanto, ser
articulada também segundo um "ordo", que por um lado reconhece a necessidade de
uma plena unidade de fé no querigma da encarnação e da salvação, e nas verdades que
têm uma estreita ligação com esse fulcro constitutivo, por outro, admite a possibilidade
de maior ou menor adesão a conteúdos específicos, dependendo da sua maior ou menor
ligação com o fulcro da verdade da fé.

• A relação entre conteúdo da verdade e expressão formal


Na tradição católica este princípio foi formulado com autoridade e de maneira exaustiva,
e declaradamente orientado em chave ecuménica, por João XXIII no seu discurso Gaudet
Mater Ecclesia, na abertura do Concílio Vaticano II:
Mas da renovada, serena e tranquila adesão a todo o ensino da Igreja,
na sua integridade e exatidão, como ainda brilha nas Atas Conciliares
desde Trento até ao Vaticano I, o espírito cristão, católico e apostólico
do mundo inteiro espera um progresso na penetração doutrinal e na
formação das consciências; é necessário que esta doutrina certa e
imutável, que deve ser fielmente respeitada, seja aprofundada e
exposta de forma a responder às exigências do nosso tempo. Uma
coisa é a substância do « depositum fidei », isto é, as verdades contidas
na nossa doutrina, e outra é a formulação com que são enunciadas,
conservando-lhes, contudo, o mesmo sentido e o mesmo alcance. Será
preciso atribuir muita importância a esta forma e, se necessário,
insistir com paciência, na sua elaboração; e dever-se-á usar a maneira
de apresentar as coisas que mais corresponda ao magistério, cujo
caráter é prevalentemente pastoral.

O príncipio foi sucessivamente reiterado por Paulo VI, em 1964, na encíclica Ecclesiam
suam, que enfatizava a necessidade para a Igreja estar em diálogo, em nível humano e
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 50

teológico, interno e externo, com os cristãos, os seguidores de outras religiões, o


mundo. O texto merece ser citado inteiramente:
Descobre-se no diálogo como são diversas as vias que levam à luz da
fé, mas como apesar disso é possível fazê-las convergir para o mesmo
fim. Ainda que sejam divergentes, podem tornar-se complementares,
levando o nosso raciocínio para fora das sendas comuns e obrigando-
o a aprofundar as investigações e a renovar os modos de expressão. A
dialética deste exercício de pensamento e de paciência far-nos-á
descobrir elementos de verdade mesmo nas opiniões alheias, obrigar-
nos-á a exprimir com grande lealdade a nossa doutrina, e tornar-nos-
á merecedores, já só pelo que nos custou expô-la às objeções e à
assimilação lenta de quem nos ouve. Tornar-nos-á sábios, far-nos-á
mestres. Mas quais as formas com que apresentaremos o diálogo da
salvação? São múltiplas as formas do diálogo da salvação. Obedece a
exigências ensinadas pela experiência, escolhe os meios convenientes,
não se prende a vãos apriorismos nem se fixa em expressões imóveis,
quando estas tenham perdido o poder de interessar e mover os
homens.
Apresenta-se nesta altura uma questão espinhosa: a adaptabilidade
da missão da Igreja à vida dos homens num dado momento, ou lugar,
numa dada cultura e situação social. (Ecclesiam suam, 48-49).

O conteúdo deste princípio foi amplamente aplicado na história da Igreja e da


teologia, inclusive na elaboração da doutrina do desenvolvimento do dogma. A verdade
revelada, ou o depósito da fé, não muda de conteúdo, nem poderia mudar, mas pode
mudar a sua recepção, o modo como é compreendida, expressa e tornada significativa
para cada contexto histórico-geográfico particular. A expressão, portanto, da verdade
da fé pode e deve responder às necessidades espaço-temporais, à capacidade dos fiéis
de receber e transmitir o conteúdo da sua fé, segundo o princípio epistemológico de
toda a tradição aristotélico-tomista de que tudo é recebido de acordo com as
modalidades do destinatário ("quidquid recipitur, ad modum recipientis recipítur"). No
entanto, isso não afeta nem destrói o conteúdo da verdade.
A este respeito, vale a pena recordar um texto publicado em 1983 pelo grupo de
trabalho misto entre a Igreja Católica e o Conselho Ecuménico de Igrejas: «Diante da
renovação cristã, existem diferentes julgamentos sobre os costumes e práticas
tradicionais, tão ligados à vida de cada Igreja que corre o risco de ser identificada com a
própria substância da fé”.
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 51

Na perspectiva ecuménica, esta distinção é extremamente significativa, pois


permite-nos aceitar, e de facto acolher positivamente, uma diversidade e multiplicidade
de formas de expressar o mesmo conteúdo. A variedade das formulações teológicas,
das articulações doutrinárias, das práticas, dos sistemas teológicos torna-se o sinal
visível da riqueza da própria mensagem e da presença do Espírito Santo que vivifica e
orienta o povo de Deus à compreensão da fé, na variedade de dons; o conteúdo
revelado, porém, na sua imutabilidade de verdade de fé, não só garante, mas exprime a
profunda unidade daqueles que colocam a fé revelada como núcleo da sua existência e
da sua crença religiosa.

• O “princípio de Lund”
O princípio foi elaborado numa Conferência Mundial da Comissão de Fé e Ordem
do Conselho Mundial de Igrejas, realizada em Lund, Suécia, em 1952:
Acreditamos que é a vontade de Deus que estejamos unidos e vejamos
os problemas urgentes e as necessidades desesperadas de todo o
mundo moderno novos apelos e novas oportunidades para ouvir a
palavra unificadora de Deus (...). Devemos fazer juntos tudo o que
pode ser feito juntos e fazer separadamente apenas o que deve ser
feito separadamente" (Lund, n. 1758) .

A intencionalidade do princípio é forte, mais do que pode emergir da sua


formulação: é um convite urgente dirigido às igrejas para agirem juntas, nas áreas em
que o testemunho comum é possível; concordar em testemunhar juntos os valores do
Reino (paz, solidariedade, justiça). sem se deixar levar pela lentidão, pela incerteza, pela
indiferença [...].
O princípio de Lund é importante pois traduz a comunhão de fé que existe entre
as igrejas em critério operativo, e convida a expressar concretamente os aspectos de
koinonia real.
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 52

VIII
O CAMINHO DA IGREJA CATÓLICA
ATÉ A REDAÇÃO DO DECRETO UNITATIS REDINTEGRATIO

1. A Igreja Católica e o ecumenismo antes do Vaticano II13

Pio XI escreveu a encíclica «Mortalium animos», poucos meses depois do encontro em


Lausanne da Conferência Mundial sobre "Fé e Ordem", em 1927. Ele abordou algumas
ideias referentes à unidade da Igreja, presentes no início do movimento ecumênico, e
proibiu a participação em encontros ecumênicos.

A própria palavra "ecumenismo" despertou suspeita por causa de sua cunhagem


protestante. O movimento ecumênico portanto, foi recebido com ressalvas, seja pela
ambiguidade para a fé católica das abordagens do momento, seja pela novidade do
tema específico do “diálogo”: uma perspectiva diferente da habitual, a da
"controvérsia".

Devido aos problemas doutrinários iniciais do movimento ecumênico, a posição da


Igreja Católica, como reação ao que considerava equívoco - não sem razão - estava longe
do passo dado posteriormente pelo Concílio Vaticano II. Por outro lado, a teologia
católica abordava o assunto nos termos clássicos vindos da “teologia da controvérsia”.

O quadro teológico e pastoral da época diante do problema da desunião já se reflete


nas palavras de Leão XIII (um Papa muito preocupado com a unidade dos cristãos):
"promover a reconciliação dos dissidentes com a Igreja". Portanto, para se referir ao
fruto esperado da união, falava-se do "retorno dos dissidentes".

Além da terminologia é importante retomar o documento oficial pré-conciliar sobre o


ecumenismo (treze anos antes): a Instructio ad Locorum Ordinarios de Motione
oecumenica de 20 de dezembro de 1949, o que significava, de certa forma, uma
avaliação positiva do fato ecumênico e uma orientação mais aberta ao diálogo.

13
VILLAR, José R. El decreto conciliar sobre Ecumenismo y la Encíclica Ut unum sint, p. 99-101.
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 53

Em 1948, ocorreu a fundação do Conselho Ecumênico de Igrejas em Amsterdã, que se


definiu como uma "comunidade de Igrejas que reconhecem Nosso Senhor Jesus Cristo
como Deus e Salvador", entendendo-se não como uma “super-igreja”, mas como
instrumento ao serviço da unidade.

Na Instrução de 1949 afirma-se que a Igreja Católica não participa do movimento


ecumênico organizado, embora esteja interessada na união dos cristãos, e reza pelos
esforços direcionados nesse sentido. Considera esse "movimento" em busca da unidade
como algo originado pelo Espírito Santo na alma dos "dissidentes". Ao mesmo tempo,
entende que as tentativas realizadas com a boa intenção de "reconciliar os dissidentes
com a Igreja Católica" apresentam alguns perigos: o indiferentismo (considerando todas
as posições como igualmente legítimas); o irenismo (considerando apenas o que une,
sem atender ao que separa); ou o relativismo (adiar algumas verdades de fé qualificadas
de "secundárias"). Somente com as devidas garantias se poderia participar nessas
reuniões ecumênicas.

É bom ressaltar que, desde o século XIX, a reflexão teológica católica tentava superar
uma abordagem apologética da Igreja. Alguns exemplos:

- Johann Adam Möhler (1796-1838) dá ênfase aos temas da unidade e do aspecto


místico da Igreja, valorizando a interioridade das estruturas visíveis da Igreja, o recurso
aos Padres e às Escrituras, o que favorece o diálogo com os evangélicos (A Unidade,
1825; Symbolica, 1832).

- John Henry Newmann (1801-1890) explicita a estrutura sacramental da Igreja,


continuadora da vida da graça. Sua eclesiologia baseia-se na noção de santidade,
vitalidade e concreção mística (Apologia pro vita sua, 1864).

No século XX temos já os pioneiros da teologia ecumênica:


Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 54

- Yves Congar (1904-1995), aborda a divisão dos cristãos e propõe “princípios de um


ecumenismo católico” (Chrétiens Désunis, 1937).

- K. Rahner (1904-1984), H. U. Balthasar (1905-1988), J. Daniélou (1905-1974)

O Vaticano II vai acolher a reflexão desses teólogos, mudando a ideia de “ecumenismo


católico” para “princípios católicos” do ecumenismo

2. O Concílio Vaticano II como fato ecumênico14

• O Concílio não apenas reconhece o valor do movimento ecumênico, mas o acolhe


como algo próprio da Igreja católica, torna-o “um imperativo da consciência cristã” (UUS
14) e integra os católicos definitivamente nos esforços de busca da unidade dos cristãos.
O próprio Concílio foi um “fato ecumênico”, como se constata em seus objetivos, no seu
ensino, na presença dos observadores das Igrejas.

• No dia 25 de dezembro de 1961, João XXIII anunciou que o Concílio que se iniciaria em
1962 seria uma busca de aggiornamento da Igreja, em sua organização, sua doutrina e
sua ação evangelizadora. Isso não é novidade em relação aos Concílios anteriores. O
novo é o fato de o processo de aggiornamento dever acontecer, agora, também numa
perspectiva ad extra, até então praticamente desconsiderada. O Vaticano II tem como
escopo pautar novas relações da Igreja com o mundo, com as outras Igrejas, com as
religiões. Assim, o Concílio foi apresentado também como um convite às Igrejas que,
imbuídas do espírito ecumênico, muito podem colaborar com os trabalhos do Concílio.

• João XIII: “[...] Convidamos também os cristãos separados da Igreja católica [...]
Sabemos, também, que o anúncio do Concílio não só foi por eles acolhido com alegria,
mas não poucos já prometeram oferecer as suas orações para seu feliz êxito, e esperam

14
WOLFF, Elias.. Vaticano II: 50 anos de ecumenismo na Igreja Católica. São Paulo: Paulus, 2014, p. 22-
25.
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 55

enviar representantes de suas comunidades para seguirem de perto os trabalhos. Tudo


isso é para nós motivo de grande conforto e esperança”

• O ecumenismo não só condiz com os esforços de atualização da Igreja, mas também é


uma exigência dessa atualização. A busca da unidade dos cristãos é a busca que a Igreja
faz de si mesma, no aprofundamento de sua natureza, identidade e missão. E João XXIII
entendeu que isso só seria possível refletindo sobre a condição da Igreja católica na
relação com as demais Igrejas.

• O ecumenismo tornou-se, assim, “um dos principais propósitos do sagrado Concílio


Ecumênico Vaticano II” (UR 1).

• O objetivo ecumênico fez do Concílio uma verdadeira escola de ecumenismo para os


bispos. Muitos deles desconheciam as questões relativas ao ecumenismo, pelo fato de
a Igreja católica não estar integrada no movimento ecumênico de então. Entendiam-no
como um fenômeno generalizado de consciência coletiva que vê na divisão dos cristãos
um mal a ser superado de alguma forma.

• João XXIII sabia que o Concílio não podia propor uma Igreja do diálogo ecumênico,
bem como inter-religioso e intercultural, sem fazer do próprio Concílio um exercício de
diálogo. E isso exigia a presença de interlocutores. O Concílio foi preparado e vivido
também como uma experiência ecumênica. O Secretariado pela Unidade dos Cristãos
(criado para esse fim em 5 de junho de 1960), sob a direção do Cardeal Bea, fez o convite
para que as Igrejas, famílias confessionais e o Conselho Mundial de Igrejas enviassem
delegados observadores ao Concílio.

• Na primeira sessão participaram 48 observadores. Na segunda 59, 70 na terceira, 90


na quarta. Inédito! Após séculos de separação, hostilidades e inclusive guerras de
religião, cristãos de diferentes Igrejas se encontram com os bispos católicos na basílica
de São Pedro para acompanhar seus trabalhos e oferecer colaboração. Em audiência
especial em 16 de outubro, durante a primeira sessão do Concílio, o Papa João XXIII disse
aos observadores: “Procurai ler no meu coração, encontrareis aí muito mais que nas
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 56

minhas palavras. A vossa presença aqui enche de emoção a minha alma de pai e de
bispo”.

• “Graças não apenas à lucidez e à prudência, mas também à coragem dos membros do
Secretariado, o grupo dos observadores foi aceito, tomou consistência e sua presença
tornou-se realmente significativa” (Aubert, 1976, p. 181)

• Os representantes das Igrejas eram mais que ilustres visitantes, eram observadores e,
como tal, colaboradores do Concílio. Assistiam às sessões e estavam presentes também
nas congregações gerais. (...) Tinham a possibilidade de comunicar suas impressões
sobre os temas em discussão nas reuniões semanais que realizavam com o Secretariado
para a Unidade, ou quando consultados por comissões, bispos e teólogos.

3. Preparação do decreto Unitatis Redintegratio

•Durante a I sessão (1962), os Padres conciliares receberam três documentos sobre


ecumenismo, elaborados por três comissões pré-conciliares: um texto sobre a unidade
da Igreja elaborado pela Comissão das Igrejas Orientais; um texto sobre ecumenismo
elaborado pela Comissão Teológica e um decreto preparado pelo Secretariado para a
União dos Cristãos.

Aprovou-se a proposta de fazer destes três documentos um só Decreto a ser elaborado


pelo Secretariado para a União dos Cristãos, apresentado aos Padres Conciliares no dia
18 de novembro de 1963.

O esboço do decreto discutido na segunda sessão conciliar seguia ainda o “ecumenismo


do retorno”: a Igreja Católica falava do ecumenismo a partir de si mesma, considerada
como o centro; as outras Igrejas e comunidades foram comparadas com sua "plenitude"
e julgadas quantitativamente (isto é: uma comunidade separada era julgada pelo
número de elementos católicos romanos que ainda possuia ou descartou).
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 57

Esta concepção foi confrontada com a outra, à qual podemos chamar "ecumenismo do
diálogo". E foi esta última que prevaleceu, tanto que o termo ou o conceito de “retorno"
nunca é utilizado no decreto. A ideia de ecumenismo recebida pelo Vaticano II constitui
um enorme salto qualitativo em relação ao passado imediato. Fala-se da "revolução
copernicana".

Segundo o novo esquema preparado sobretudo por teólogos bélgicos, franceses e


holandeses, o decreto não devia ser um manual de teologia, tampouco um tratado de
direito canônico, mas um documento pastoral que possibilitasse aos católicos uma
maior compreensão do movimento ecumênico.

Conforme o relatório do esquema: «A questão do ecumenismo é absolutamente nova;


na verdade, nenhum dos Concílios anteriores jamais tratou disso. Mesmo na teologia,
essa questão só foi levantada recentemente. Ela abrange muitos problemas que ainda
não encontraram uma resposta satisfatória. No entanto, apesar dessas dificuldades, a
questão é de tal importância que o nosso Concílio não pode de forma alguma ignorá-la.
A necessidade de sua abordagem deriva da nova situação espiritual da atualidade»
O relatório prosseguia dizendo que não é necessário nem útil continuar a repetir o
conjunto de oposições doutrinárias bem conhecidas; o mais necessário na atualidade é
a busca de uma base comum, a partir da qual possa iniciar o diálogo que nos leva a ver
as diversidades atuais sob uma nova perspectiva. Foi a assimilação da conhecida lição
do Papa João XXIII de enfatizar o que une, ao invés do que divide.

A discussão do projeto de decreto viu reaparecer as várias correntes. Uma minoria


combativa considerava o ecumenismo indigno de ser discutido em um concílio, porque
o considerava contrário às leis de prudência com que a Igreja protege os seus fiéis;
denunciava-o como causa de indiferentismo entre os católicos e proselitismo entre os
"hereges".

Mas a esmagadora maioria das intervenções mostrou que o caminho do diálogo


ecumênico percorrido pelo concílio era um ponto sem volta. Da discussão muito franca
e de alto nível, material valioso emergiu para a reformulação do esquema.
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 58

O decreto foi preparado pelo Secretariado para a União dos Cristãos.


Foi votado no dia 21 de novembro de 1964.
Votos favoráveis: 2137 / votos contrários: 11
Com a promulgação deste decreto, o Vaticano II inaugurou, oficialmente, a participação
da Igreja Católica ao ecumenismo.

4. Algumas pistas hermenêuticas para a leitura de Unitatis Redintegratio

1) Em UR nunca se fala de ecumenismo em termos de conceito ou definição


doutrinal. Usa-se sempre a expressão “movimento ecumênico”, para significar que o
ecumenismo é abordado no mesmo ato da sua história experiencial e entrou na
consciência responsável da Igreja não por dedução de doutrina e, sim, por graça, como
dom de Deus. É dom da misericórdia de Deus. Isso não significa que por ser dom de Deus
fica isento de uma averiguação crítica da Igreja. O Espírito que o suscita é o mesmo que
obriga a Igreja ao discernimento desta nova experiência (ecumênica).

2) Por um lado UR tende a minimizar o peso psicológico das divisões. Minimizar não
significa, naturalmente, relativizar tampouco banalizar as separações existentes.
Significa tomar consciência que essa situação ambígua acompanha a vida da Igreja desde
sempre. Deve-se ao fato que a Igreja, como instituição humana, não fica isenta do
pecado. Uma realidade, portanto, que deve ser vivida com extrema humildade, presente
em uma Igreja já salvada, mas que deve ser ainda e continuamente salvada. É necessário
reler o problema das divisões a partir do NT. Desde cedo a Igreja apostólica foi lugar de
tensões que de forma paradigmática ela vivenciou sempre de forma criteriosa. Portanto
o problema da unidade da Igreja começa no ato mesmo em que a Igreja vai se formando
como Igreja de Cristo e discípula dele e vai tomando consciência de si mesma.

3) A linguagem de UR caracteriza-se por um abandono dos termos “cisma” e


“heresia”. Não se trata de mero irenismo. A razão é que tal linguagem e sua
conceituação são de ordem teológico – jurídica, para indicar se se está dentro ou fora
da Igreja Católica, mas que ao longo da história passou a significar de forma radical o
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 59

estar dentro ou fora da Igreja. Isso não significa que o cisma e a heresia cessaram, pois
as divisões permanecem. Contudo UR usa outra categoria para abordá-las, isto é o
conceito de Koinonia. Todos os juízos expressos por UR retomam esta categoria. Desta
forma a diversidade que separa se torna “comunhão não plena e não perfeita”

4) UR não dá instruções aos fiéis para organizarem um movimento ecumênico por


conta própria, mas convida os católicos a se unirem aos esforços comuns pela unidade:
“Este sagrado Concílio verifica com alegria que a participação dos fiéis na ação
ecuménica aumenta cada vez mais. Recomenda-a aos Bispos de todo o mundo, para que
a promovam com interesse e prudentemente a dirijam” (UR 4)

5) UR não pretende traçar um programa ecumênico para todo o Cristianismo, nem


ser a “carta magna” de todo o movimento ecumênico. Muito mais modestamente, como
explica o proêmio, o decreto dirige-se apenas aos fiéis católicos e com uma finalidade
pastoral: quer ajudá-los a servir a causa da unidade, inserindo-se no movimento
ecumênico. Com isso, desaparecem os temores, suscitados pelo esquema discutido na
segunda sessão, de que a Igreja Católica pretenda assumir o movimento ecumênico,
tentando transformá-lo em um movimento centrado em Roma.

6) O ecumenismo, segundo UR, é constituído por três elementos indissociáveis:


uma atitude benevolente de respeito mútuo, o diálogo - doutrinal e prático - e a
conversão de todos a Cristo. Esses elementos não são simplesmente aproximados, mas
se requerem mutuamente e se fundamentam uns nos outros. Não pode haver diálogo,
de fato, sem uma aceitação benevolente do outro; e não se pode ver o outro em sua
verdadeira luz se não se colocar Cristo no centro e se dirigir para ele.
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 60

IX

OS PRÍNCIPIOS CATÓLICOS DO ECUMENISMO15

O Decreto Unitatis redintegratio possui uma introdução (Preâmbulo) e três


capítulos, nos quais trata dos fundamentos dogmáticos da Ecumenismo (cap. I); da
prática do ecumenismo (cap. II) e as características de diálogo com as Igrejas do Oriente
e com as Comunidades surgidas da Reforma (cap. III). É importante lembrar que o
Decreto pressupõe a doutrina conciliar sobre a Igreja 11, já exposta em Lumen Gentium.
Aqui veremos o capitulo I.

1. Abordagem geral
O Preâmbulo do decreto começa lembrando o significado do "problema
ecumênico": "única é a Igreja fundada por Cristo Senhor, embora existam muitas
comunhões cristãs que são apresentadas aos homens como a herança de Jesus Cristo”
(UR 1). Esta divisão contradiz a vontade de Cristo; É um escândalo para o mundo e
obstáculo à evangelização. Reconhece que o chamado movimento “ecumênico”, que
busca a unidade, uma graça do Senhor para nossos tempos, e que é movido pelo Espirito
Santo; descreve o desejo de restabelecer a unidade como um "divina vocação e graça”.
Nele participam “aqueles que invocam o Deus Trino e confessam Jesus Cristo como Deus
e Salvador", em alusão implícita á fórmula «base» do Conselho Ecumênico das Igrejas.
O Decreto acrescenta que o desejo de unidade surge nos cristãos, não só
individualmente, mas reunidos em "assembleias nas quais ouvem o Evangelho e que
cada grupo chama de Igreja própria e de Deus" (UR 1). Com estas palavras já apontamos
o que constitui a chave conceitual do Ecumenismo: a relação entre as Igrejas e
comunidades cristãs como tais, em vista da unidade visível.
O Capítulo 1 expõe os “princípios católicos” do Ecumenismo. Sabe-se que na redação
anterior, o decreto falava de "ecumenismo católico". Isto parecia sugerir que havia
“vários ecumenismos”, quando, na realidade, existe um movimento único em busca da
unidade, ao qual cada participa a partir da própria identidade confessional. Esta
identidade (“princípios católicos”) é precisamente o que tenta delimitar o decreto sobre

15
VILLAR, José R. El decreto conciliar sobre Ecumenismo y la Encíclica Ut unum sint, p. 101-119.
Tradução e adaptação nossa.
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 61

o Ecumenismo, sempre em referência à constituição Lumen gentium. Na verdade, a


identidade a identidade confessional dos interlocutores é pressuposto para o diálogo.
Caso contrário, careceria de objeto o próprio ecumenismo. Não obstante, a exposição
da própria doutrina deverá ser feita nas condições que o decreto explicará mais adiante.
Os "princípios" concentram-se na compreensão católica de: unidade e unicidade da
Igreja (UR 2); a situação dos irmãos separados (U 3); o Ecumenismo à luz do que está
assim estabelecido (UR 4).

2. A unidade e unicidade da Igreja


O Decreto parte do desígnio divino de unidade. No tempo anterior à Paixão, a
unidade é a finalidade da encarnação, o objeto da oração de Jesus e do mandato da
caridade; é o efeito da Eucaristia, assim como da promessa do Espírito Santo, pelo qual
Jesus chamou e reuniu o povo da Nova Aliança, que é a Igreja, na unidade de fé,
esperança e caridade" (UR 2). O Papa João Paulo II, na encíclica Ut unum sint, comenta
a esse propósito que “esta unidade, que o Senhor deu a sua Igreja e na qual ele quer
abraçar a todos, não é acessória, mas está bem no centro do seu local de construção.
Não equivale a um atributo secundário da comunidade dos seus discípulos. Pertence, ao
invés, ao próprio ser da comunidade. Deus quer a Igreja, porque quer a unidade, e na
unidade se exprime toda a profundidade de seu ágape” (US 9).
O próprio Deus deu os fatores de unidade. Na Igreja existem elementos da unidade
invisível (o Espírito Santo como princípio de unidade que habita nos crentes, unindo-os
a Cristo e, por Ele, ao Pai); e também visível (o ministério apostólico). O Colégio dos Doze
é o depositário da missão apostólica; dentre os Apóstolos, destacou Pedro, a quem Jesus
confiou um ministério particular. Sem dúvida, Jesus será sempre a pedra angular e
pastor de almas (sentido lógico de Cristo do ministério):
Para estabelecer esta Sua Igreja santa em todo mundo até à
consumação dos séculos, Cristo outorgou ao colégio dos doze o ofício
de ensinar, governar e santificar. Dentre eles, escolheu Pedro, sobre
quem, após a profissão de fé, decidiu edificar a Sua Igreja. A ele
prometeu as chaves do reino dos céus e, depois da profissão do seu
amor, confiou-lhe a tarefa de confirmar todas as ovelhas na fé e de
apascentá-las em perfeita unidade, permanecendo eternamente o
próprio Cristo Jesus como pedra angular fundamental e pastor de
nossas almas (UR 2).

Finalmente, o decreto aborda o momento sucessivo no "tempo


Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 62

da Igreja", enraizada na vontade de Jesus:


Jesus Cristo quer que o Seu Povo cresça mediante a fiel pregação do
Evangelho, administração dos sacramentos e governo amoroso dos
Apóstolos e dos seus sucessores os Bispos, com a sua cabeça, o
sucessor de Pedro, sob a ação do Espírito Santo; e vai aperfeiçoando a
sua comunhão na unidade: na confissão duma só fé, na comum
celebração do culto divino e na fraterna concórdia da família de Deus
(UR 2).

A exposição termina referindo-se à raiz, fonte e modelo trinitário da unidade.


Tudo isto é afirmado tendo em conta o que a Lumen gentium já estabeleceu no que diz
respeito à doutrina do Colégio Episcopal e do primado papal, de especial relevância
ecumênica. O decreto se move no âmbito da “eclesiologia de comunhão": a Igreja é um
todo orgânico de vínculos espirituais (fé, esperança, caridade) e vínculos visíveis
(profissão de fé, economia sacramental, ministério pastoral), cuja existência culmina no
mistério eucarístico, que é expressão da unidade da Igreja. A Igreja está lá onde há os
Apóstolos, a Eucaristia e o Espírito.

3. A situação dos “irmãos separados”


Apesar de serem fortes os elementos da unidade, a fraqueza dos homens contrariou
o desígnio divino, "às vezes não sem culpa de ambas as partes” (UR 3). Este
reconhecimento da fraqueza humana foi enfatizado por João Paulo II quando convidou
todos os cristãos para uma "purificação necessária da memória histórica", para
“reconsiderar juntos seu doloroso passado” e “reconhecerem juntos, com sincera e total
objetividade, os erros cometidos e os fatores contingentes que estiveram na origem das
suas deploráveis separações” (UUS 3). Não é por acaso que a palavra “juntos” se repete
aqui e em outros trechos: parece que o Papa está bem consciente de que o ecumenismo
é um caminho que deve ser percorrido juntos em todos os seus momentos, com passos
uníssonos, construindo pontes, sem censuras unilaterais ou sem levantar queixas
históricas recíprocas.
Contudo, com estas rupturas, a única Igreja não evaporou ou dividido em vários
fragmentos [...]. O Decreto leve em conta, para essa questão decisiva, a afirmação da
Lumen gentium n. 8:
Esta é a única Igreja de Cristo, que no Credo confessamos ser una,
santa, católica e apostólica; depois da ressurreição, o nosso Salvador
entregou-a a Pedro para que a apascentasse (Jo 21,17), confiando
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 63

também a ele e aos demais Apóstolos a sua difusão e governo (cfr. Mt.
28,18 ss.), e erigindo-a para sempre em «coluna e fundamento da
verdade» (I Tim. 3,5). Esta Igreja, constituída e organizada neste
mundo como sociedade, subsiste na Igreja Católica, governada pelo
sucessor de Pedro e pelos Bispos em união com ele (13), embora, fora
da sua comunidade, se encontrem muitos elementos de santificação e
de verdade, os quais, por serem dons pertencentes à Igreja de Cristo,
impelem para a unidade católica.

a) Os Elementa ecclesiae
Esses elementos de santidade e verdade fundamentam a doutrina da gradualidade
da comunhão na Lumen gentium, já presente “fora do recinto visível da Igreja Católica"
(UR 3). Eles nos permitem falar verdadeiramente comunhão entre os cristãos, embora
imperfeita. Conforme explica João Paulo II:
Com efeito, os elementos de santificação e de verdade presentes nas
outras Comunidades cristãs, em grau variável duma para outra,
constituem a base objetiva da comunhão, ainda imperfeita, que existe
entre elas e a Igreja Católica. Na medida em que tais elementos se
encontram nas outras Comunidades cristãs, a única Igreja de Cristo
tem nelas uma presença operante (UUS 11).

Quais são esses bens da santidade e da verdade? Lumen Gentium lista alguns:
A Igreja vê-se ainda unida, por muitos títulos, com os baptizados que
têm o nome de cristãos, embora não professem integralmente a fé ou
não guardem a unidade de comunhão com o sucessor de Pedro.
Muitos há, com efeito, que têm e prezam a Sagrada Escritura como
norma de fé e de vida, manifestam sincero zelo religioso, creem de
coração em Deus Pai omnipotente e em Cristo, Filho de Deus Salvador,
são marcados pelo Baptismo que os une a Cristo e reconhecem e
recebem mesmo outros sacramentos nas suas próprias igrejas ou
comunidades eclesiásticas. Muitos de entre eles têm mesmo um
episcopado, celebram a sagrada Eucaristia e cultivam a devoção para
com a Virgem Mãe de Deus (LG 15).

b) Os cristãos não católicos


Unitatis Redintegratio n. 3, a partir dos princípios acima mencionados, enfoca,
primeiramente, a questão dos cristãos não católicos que agora nascem nessas Igrejas e
comunidades. Estes: 1. não são culpados pela separação passada; 2. fé e batismo os
incorpora em Cristo e, portanto, na Igreja, embora esta comunhão não seja plena por
vários motivos; 3. São cristãos autênticos, amados pela Igreja e reconhecidos como
irmãos. Volta a lembrar novamente que os bens de santidade e a verdade neles
existentes já são verdadeiros elementos de comunhão, embora imperfeita:
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 64

a palavra de Deus escrita, a vida da graça, a fé, a esperança e a caridade


e outros dons interiores do Espírito Santo e elementos visíveis. Tudo
isso, que de Cristo provém e a Cristo conduz, pertence por direito à
única Igreja de Cristo. Também não poucas ações sagradas da religião
cristã são celebradas entre os nossos irmãos separados. Por vários
modos, conforme a condição de cada Igreja ou Comunidade, estas
ações podem realmente produzir a vida da graça. Devem mesmo ser
tidas como aptas para abrir a porta à comunhão da salvação (UR 3).

c) As igrejas e comunidades cristãs...


Os bens da salvação chegam aos cristãos não católicos por serem membros
membros dessas Igrejas e comunidades. São estas Igrejas e comunidades cristãs
enquanto tais que
embora creiamos que tenham defeitos, de forma alguma estão
despojadas de sentido e de significação no mistério da salvação. Pois
o Espírito de Cristo não recusa servir-se delas como de meios de
salvação cuja virtude deriva da própria plenitude de graça e verdade
confiada à Igreja católica (UR 11)

O fundamento desta mediação salvífica não é, obviamente, a separação em si. A razão


está no fato que os elementos da única Igreja de Jesus Cristo preservado neles
pertencem à economia da salvação. Referindo-se a estes princípios, João Paulo II afirma:
Trata-se de textos ecuménicos da maior importância. Para além dos
limites da Comunidade Católica, não existe o vazio eclesial. Muitos
elementos de grande valor (eximia), que estão integrados na Igreja
Católica na plenitude dos meios de salvação e dos dons de graça que
a edificam, acham-se também nas outras Comunidades cristãs (UUS
13).

E acrescenta:
A Constituição dogmática Lumen gentium liga a doutrina sobre a Igreja
Católica ao reconhecimento dos elementos salvíficos que se
encontram nas outras Igrejas e Comunidades eclesiais. Não se trata de
uma tomada de consciência de elementos estáticos, presentes
passivamente em tais Igrejas e Comunidades. Como bens da Igreja de
Cristo, por sua natureza impelem para a restauração da unidade. Daí
resulta que a procura da unidade dos cristãos não é um acto
facultativo ou oportunista, mas uma exigência que dimana do próprio
ser da comunidade cristã.(UUS 49)
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 65

d) ... separadas
Após ter afirmado o conteúdo positivo tanto da condição individual dos cristãos
separados de Roma, bem como das respectivas Igrejas e Comunidades, o decreto
quer evitar um falso irenismo que ignore o que ainda separa:
Contudo, os irmãos separados, quer os indivíduos quer as suas
Comunidades e Igrejas, não gozam daquela unidade que Jesus quis
prodigalizar a todos os que regenerou e convivificou num só corpo e
numa vida nova e que a Sagrada Escritura e a venerável Tradição da
Igreja professam. Porque só pela Igreja católica de Cristo, que é o meio
geral de salvação, pode ser atingida toda a plenitude dos meios
salutares. Cremos também que o Senhor confiou todos os bens da
nova Aliança ao único colégio apostólico, a cuja testa está Pedro, com
o fim de constituir na terra um só corpo de Cristo. É necessário que a
ele se incorporem plenamente todos os que de alguma forma
pertencem ao Povo de Deus (UR 3).

Temos portanto os seguintes princípios fundamentais para a compreensão


católica do Ecumenismo:
1° A Igreja de Cristo subsiste na Igreja Católica Romana (LG 8; UR 4)16.
2° “Fora do seu recinto visível” (UR 3), existem verdadeiros bens de santidade e de
verdade (“elementa sua bona Ecclesiae”);
3º Para estes bens, as Igrejas e as Comunidades são verdadeiras mediações de salvação
(na realidade, é a única Igreja de Cristo que atua através destes bens salvíficos);
4° No entanto, falta-lhes unidade visível querido por Cristo, e seus membros estão em
comunhão imperfeita ou não plena;
5° Ao nível dos “cristãos separados” individualmente, o decreto quer dar uma ênfase
positiva ao substantivo "cristão": fé e batismo como elementos da comunhão cristã,
reais e existentes, embora imperfeitos por causa da separação.

4. O ecumenismo à luz destes princípios


Uma vez explicados os princípios doutrinários, o decreto entra naquele "motus" que
"por inspiração do Espírito Santo" se espalha em muitas partes do mundo: o movimento
ecumênico. Entende como tal: “as atividades e iniciativas, que são suscitadas e
ordenadas, segundo as várias necessidades da Igreja e oportunidades dos tempos, no

16
A adequada compreensão do “subsist in” deve sempre honrar as duas vertentes que os padres
conciliares viam nessa expressão: a existência de outros bens de verdade e santidade fora dons confins
visíveis da Igreja Católica e a subsistência nela daquela unidade e unicidade da Igreja de Cristo.
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 66

sentido de favorecer a unidade dos cristãos” (UR 4). Com esta formulação ampla, o
decreto mantém uma abertura e expectativa diante do Espírito Santo, que sopra onde
quer e como quer, embora não seja um "movimento" vago e indefinido, mas sim um
objetivo esperado - a plenitude da unidade - e algumas formas próprias de atuação.
Dirige-se principalmente às comunidades mais do que aos indivíduos; e nele se
participa a partir da identidade confessional, ainda que seja a título pessoal. O Decreto
destaca enfaticamente a importância da participação dos católicos: “Este sagrado
Concilio, portanto, exorta todos os fiéis a que, reconhecendo os sinais dos tempos,
solicitamente participem do trabalho ecuménico”.
O ecumenismo, então, afeta a todos e o decreto aponta algumas implicações gerais
quando se refere a “esforços para eliminar palavras, juízos e ações que, segundo a
equidade e a verdade, não correspondem à condição dos irmãos separados e, por isso,
tornam mais difíceis as relações com eles” (UR 4). [...].
Todos, então, podem e devem ter um protagonismo ecuménico, começando pela
oração e banindo formas de agir que prejudicam sensivelmente a causa da unidade.
Nesse sentido, o decreto lembra que a vida da Igreja Católica deve ser um pôr já em
prática certo “ecumenismo interno”:
Guardando a unidade nas coisas necessárias, todos na Igreja, segundo
o múnus dado a cada um, conservem a devida liberdade tanto nas
várias formas de vida espiritual e de disciplina, como na diversidade de
ritos litúrgicos e até mesmo na elaboração teológica da verdade
revelada. Mas em tudo cultivem a caridade. Por este modo de agir,
manifestarão sempre melhor a autêntica catolicidade e apostolicidade
da Igreja. (UR 4).

5. A atitude e as disposições diante do ecumenismo


O resto do capítulo I contém os princípios pelos quais os católicos devem orientar
sua participação. Não se trata, portanto, das atividades (a “prática do ecumenismo” do
Cap. II), mas das disposições e atitudes pelas quais os católicos acessam o movimento
ecumênico.
1) A própria renovação como base do ecumenismo: “É, sem dúvida, necessário
que os fiéis católicos na empresa ecuménica se preocupem com os irmãos
separados, rezando por eles, comunicando com eles sobre assuntos da Igreja,
dando os primeiros passos em direção a eles” (UR 4). Agora, o Concílio recorda
que, a par desta preocupação para os irmãos: “Sobretudo, porém, examinam
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 67

com espírito sincero e atento aquelas coisas que na própria família católica
devem ser renovadas e realizadas para que a sua vida dê um testemunho mais
fiel e luminoso da doutrina e dos ensinamentos recebidos de Cristo, através dos
Apóstolos” (UR 4). Mais adiante o decreto dirá: “Lembrem-se todos os cristãos
de que tanto melhor promoverão e até realizarão a união dos cristãos quanto
mais se esforçarem por levar uma vida mais pura, de acordo com o Evangelho.
Porque, quanto mais unidos estiverem em comunhão estreita com o Pai, o Verbo
e o Espírito, tanto mais íntima e facilmente conseguirão aumentar a fraternidade
mútua” (UR 7). Aborda-se, então, a questão da “renovação”, tanto pessoal -a
plenitude da vida em Cristo, “todos os católicos devem tender a ‘perfeição
cristã’” - como institucional. O significado desta renovação: “Toda a renovação
da Igreja consiste essencialmente numa maior fidelidade à própria vocação” (UR
6), fidelidade ao Evangelho para apresentar um testemunho cada vez mais
transparente da “forma” que Cristo deu à sua Igreja.

2) “In necessariis unitas, in dubiis libertas, in omnibus caritas”. A unidade não


implica a uniformidade. Catolicidade significa assumir e integrar a diversidade
legítima na expressão da fé; nos rituais, piedade e espiritualidade; nas línguas e
formas de expressão; nas categorias de pensamento e sistemas culturais; no
regime canônico, nas formas de vida na Igreja. É a “graça multiforme de Deus”
(1Pd 4,10). Trata-se de “não impor mais encargos do que o essencial” e
salvaguardar a unidade como necessária. Quem acredita que na Igreja Católica
subsiste a plenitude do "sacramento universal da salvação" compreenderá a
importância de que estas diversas formas nunca representam um obstáculo à
unidade.

3) Reconhecer os bens dos demais cristãos. “É mister que os católicos reconheçam


com alegria e estimem os bens verdadeiramente cristãos, oriundos de um
património comum, que se encontram nos irmãos de nós separados” (UR 4).
Tudo o que é verdadeiramente cristão não pode opor-se à fé: apreço pela Bíblia,
insistência na gratuidade da graça, a relevância do sacerdócio comum, a fé
pessoal que deve animar as celebrações sacramentais, etc. Certamente os
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 68

elementos cristãos devem ser objeto de um reconhecimento positivo. Inclusive,


“Nem se passe por alto o fato de que tudo o que a graça do Espírito Santo realiza
nos irmãos separados pode também contribuir para a nossa edificação. Tudo o
que é verdadeiramente cristão jamais se opõe aos bens genuínos da fé, antes
sempre pode fazer com que mais perfeitamente se compreenda o próprio
mistério de Cristo e da Igreja” (UR 4).

Em suma, o Decreto convida a olhar os cristãos não católicos não apenas sob a
perspectiva negativa "não católica" (o que é verdade, mas meia verdade), mas também
na perspectiva positiva do “cristão”; não somente sob a perspectiva teológica, pastoral
e espiritual daquilo que “não são”, mas do que “são”, sem ignorar o que ainda separa.
Os princípios apresentados no Decreto e recolhidos por João Paulo II na Encíclica Ut
unum sint querem suscitar um comportamento positivo nos católicos com a convicção
de que a unidade não é possível na desconfiança e no desconhecimento recíproco. O
espírito de compreensão e de benevolência fraterna é a sua condição de possibilidade.
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 69

X
A SITUAÇÃO ECUMÊNICA HOJE17

Kurt Cardeal Koch*


(Tradução e adaptação: F. Sorrentino)

Se olharmos para os últimos cinquenta anos de engajamento ecumênico, talvez


notamos que o ecumenismo pode ser comparado a uma viagem de avião. Após longos
e intensos preparativos, esta viagem começa com uma corrida rápida na pista e com
uma decolagem igualmente rápida. No entanto, após a aeronave atingir a altitude e
continuar voando no céu, pode-se ter a impressão de que ela não esteja mais se
movendo ou que esteja se movendo lentamente. Contudo, cada passageiro deve
permanecer absolutamente confiante de que o avião chegará com segurança ao seu
destino (...). Para ter uma visão geral, voltemos à imagem da viagem aérea ecumênica e
tentemos fotografar de cima a paisagem ecumênica que se transformou muito nos
últimos anos e décadas. Aqui teremos que nos limitar a mencionar cinco mudanças
fundamentais que ocorreram na situação ecumênica.

1. Mudanças de paradigmas na teologia ecumênica.


No geral, podemos notar com alegria, satisfação e gratidão que para muitos cristãos o
ecumenismo não é mais uma palavra desconhecida, que inspira medo. Pelo contrário,
tornou-se uma realidade concreta. Este ecumenismo da vida é de fundamental
importância, embora muitas vezes seja mal interpretado como contrário aos esforços
teológicos que visam superar questões confessionais controversas ou como um
contraste entre o ecumenismo no nível da comunidade dos fiéis, por um lado, e o
ecumenismo no nível da teólogos e altos responsáveis eclesiais por outro. O bispo de
Erfurt, Joachim Wanke, vê justamente neste fenômeno um "bloqueio autoprovocado
do ecumenismo, devido à cisão entre o ecumenismo 'de cima' e o ecumenismo 'de
baixo'”. Não é incomum notar que aqueles que acusam o diálogo teológico no
ecumenismo de ser apenas um argumentar sobre sutilezas teológicas receberam de

17
Extrato de uma conferência proferida no dia 04 de junho de 2012.
*
Presidente do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos.
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 70

maneira insuficiente os resultados positivos do diálogo teológico. De fato, o


acolhimento destes resultados é um importante desafio ao qual se deve dar maior
atenção na formação ecuménica dos fiéis e dos pastores de almas; representa um
pressuposto fundamental para um ecumenismo responsável e é justamente solicitado
pelo Diretório Ecumênico.

Em nível teológico, o diálogo ecumênico tem alcançado muitos resultados interessantes,


graças, também, ao método utilizado, que é marcadamente orientado para o consenso
e que, mais precisamente, articula-se em torno da busca de um "consenso
diferenciado". De acordo com este método, por um lado, o consenso alcançado no
diálogo sobre um conteúdo fundamental de uma doutrina no passado controversa é
formulado e articulado conjuntamente; por outro, mencionam-se de forma igualmente
clara as diferenças que permanecem, mostrando que elas não prejudicam o consenso
alcançado e já não são diferenças que causam uma divisão entre as Igrejas, mas devem
ser ulteriormente aprofundadas no diálogo teológico futuro. Sem esse método
ecumênico, não teria sido possível chegar a documentos importantes como, por
exemplo, o estudo "Lehrverurteilungen-kirchentrennend?" (“Condenações da doutrina
– Divisões da Igreja?”) elaborado pelo grupo de trabalho ecumênico de teólogos
protestantes e católicos entre 1986 e 1994; a "Declaração Conjunta sobre a Doutrina da
Justificação” de 1999 e o Relatório "Kirche und Kirchengemeinschaft" (Igreja e
comunidade eclesial) de 2009 da Comissão Internacional de Diálogo Católica – Veterano
católica.

Nos últimos tempos, o método ecumênico do consenso diferenciado foi criticado em


muitos aspectos, proclamou-se o fim do chamado ecumenismo do consenso e foi
postulada uma mudança de paradigmas, que sancionaria a substituição do ecumenismo
do consenso com um ecumenismo da diferença. Intimamente ligada a esse método está
a ideia, já presente no teólogo protestante Gerhard Ebeling, da "diferença fundamental"
que existiria no ecumenismo católico-protestante e que não poderia ser superada.
Contudo, além do fato de que o chamado modelo da diferença não trouxe até agora
resultados que tenham feito avançar as coisas, é inimaginável que o modelo de
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 71

consenso diferenciado possa ser substituído, sobretudo se animado pela hermenêutica


da confiança recíproca, sem a qual o trabalho ecumênico estaria fadado à paralização.

2. Nova busca da própria identidade confessional


Por trás dessa mudança de paradigmas na metodologia ecumênica se esconde mais uma
transformação da paisagem ecumênica. Depois da considerável aproximação que
ocorreu entre as confissões ao longo das últimas décadas, hoje, em quase todas as
Igrejas, voltou com força a busca da própria identidade confessional. Este fenômeno se
resume de maneira particularmente clara no conceito divulgado pelo bispo protestante
Wolfgang Huber de um "ecumenismo dos perfis", que, segundo sua própria lógica
interna, tende a delinear sua própria identidade em contraste com a das outras Igrejas
e tem, por exemplo, a pretensão de ser a "Igreja da liberdade". A reflexão sobre a
própria identidade confessional é certamente compreensível e desejável, pois o
encontro e o diálogo pressupõem a existência e a consciência de uma própria e clara
identidade e significam "enriquecimento e desafio", pois o elixir da longa vida do
ecumenismo consiste precisamente na "troca de dons". Mas essa busca torna-se difícil
ou perigosa quando, no lugar da convicção, que amadureceu progressivamente nas
últimas décadas, de que o que já nos une é maior do que o que ainda nos divide,
prevalece unicamente a tendência de enfatizar sobretudo a diferença.

A procura intensa da própria identidade confessional deve ser considerada tão


importante quanto a busca comum da unidade dos cristãos. Contudo, pode dificultar a
reaproximação ecumênica quando antigos preconceitos e animosidades, que se
consideravam já superados, continuam a pesar muito, ainda hoje, nas relações entre as
Igrejas cristãs. Um importante passo em frente poderia ser dado se todas as Igrejas e
Comunidades cristãs, juntas, reconhecessem ter suas próprias irritações ecumênicas e,
assim, evitassem lançar acusações unilaterais. De fato, a reflexão sobre a própria
identidade confessional é um processo que se encontra hoje não apenas em Igrejas
específicas, mas em quase todas as Igrejas e Comunidades eclesiais. Somente se todos
admitirem juntos que estão fazendo essa reflexão, então ela não será mais um obstáculo
ao ecumenismo, mas uma oportunidade de compreensão e enriquecimento mútuos. A
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 72

honestidade nas relações ecumênicas, tanto na crítica quanto, sobretudo, na


autocrítica, é de fato a conditio sine qua non para o sucesso do ecumenismo.

3. A controversa identificação do objetivo ecumênico.

Intimamente ligado ao que acaba de ser dito está o fato de que, ao longo do tempo, o
objetivo do movimento ecumênico foi se tornando cada vez mais confuso.
Especialmente as Igrejas e Comunidades eclesiais originadas pela Reforma
abandonaram progressivamente o objetivo original da unidade visível na comunhão de
fé, sacramentos e ministérios eclesiais em favor do princípio de um reconhecimento
mútuo das diferentes Igrejas como Igrejas e como parte da única Igreja de Jesus Cristo.
Que este objetivo deve ser considerado insuficiente e contrário aos princípios teológicos
do ecumenismo católico e ortodoxo foi afirmado pelo Papa Bento XVI com palavras
claras: "A busca do restabelecimento da unidade entre os cristãos divididos não pode,
portanto, ser reduzida ao reconhecimento das diferenças mútuas e realização de uma
convivência pacífica: o que ansiamos é aquela unidade pela qual Cristo mesmo rezou e
que por sua natureza se manifesta na comunhão da fé, dos sacramentos, do ministério.
O caminho para esta unidade deve ser percebido como um imperativo moral, resposta
a um chamado específico do Senhor”. Se analisarmos de perto a pretensão cada vez
mais forte dos protestantes por um reconhecimento mútuo, ao qual está ligado o
postulado de uma eliminação imediata de todas as divisões, podemos também
identificar nela uma rejeição espiritual, ou uma falta de vontade de mudar a si mesmos.
Esta recusa de se deixar transformar teológica e espiritualmente no diálogo foi
justamente definida por Cardeal Karl Lehmann "heresia espiritual".

O fato de que até agora não foi possível chegar a um acordo verdadeiramente sólido
sobre o objetivo do movimento ecumênico e que em parte foram questionados
consentimentos parciais alcançados no passado deve-se, fundamentalmente, à
impossibilidade de reconciliar, hoje como ontem, as diferentes concepções
confessionais da Igreja e da unidade da Igreja. Visto que há tantos objetivos ecumênicos
quantas são as eclesiologias confessionais, não é possível passar sem atritos do próprio
conceito de Igreja e unidade da Igreja a um modelo de unidade ecumenicamente
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 73

compatível. Uma ulterior dificuldade reside na percepção, ainda fraca, desta


problemática elementar. Mas como não pode haver nenhuma eclesiologia e
ecumenismo neutrais do ponto de vista confessional, isso significa que a reflexão
esclarecedora sobre o conceito de Igreja e unidade eclesial deve ser o primeiro ponto
na pauta das futuras discussões ecumênicas.

4. Novas controvérsias éticas


Há outra mudança na paisagem ecumênica que não deve ser esquecida. Ao longo dos
últimos anos e nas últimas décadas, no ecumenismo surgiram tensões e divergências
muito fortes no campo ético. Estas tornaram-se particularmente visíveis dentro da
Comunhão Anglicana mundial, levando-a à beira de uma divisão dolorosa e obrigando
grupos inteiros de fiéis, juntamente com seus pastores e bispos, a entrar na Igreja
Católica. Respostas divergentes aos desafios bioéticos e de ética social, por um lado, e à
problemática ética da homossexualidade, por outro, seja se trate da admissão de
homossexuais praticantes aos ministérios eclesiais, seja diga respeito à benção das
uniões homossexuais, estão presentes também em outras Igrejas e Comunidades
eclesiais, nas quais a abordagem acontece de maneira marcadamente polarizada. O
problema fundamental que subjaz a esse fenômeno é entender se e até que ponto as
Igrejas cristãs em seus padrões éticos podem se adaptar ou devem se opor ao espírito
dos tempos.

Parece paradoxal que, embora tenhamos conseguido superar antigas oposições


confessionais sobre as posições de fé ou pelo menos atuar aproximações recíprocas,
hoje, sobretudo, estejam surgindo grandes divergências em questões éticas. Enquanto
em uma fase precedente do movimento ecumênico vigorava o lema: "A fé divide e a
ação une", hoje parece ser exatamente o contrário: é sobretudo a ética que divide,
enquanto a fé une. Mas se as Igrejas e Comunidades cristãs não conseguirem falar a uma
só voz diante dos grandes problemas éticos do nosso tempo, então isso prejudicará a
credibilidade do próprio ecumenismo cristão na sociedade hodierna. Sendo que por trás
desses problemas éticos se escondem questões relativas ao conceito de homem, a
grande tarefa do futuro, que pertence ao ecumenismo, será a de elaborar uma
antropologia cristã comum.
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 74

5. Novos interlocutores ecumênicos.


À fundamental mudança da paisagem ecumênica contribuíram sobretudo os novos
interlocutores ecumênicos. Hoje os encontros ecumênicos já não acontecem apenas
entre as grandes Igrejas históricas, sobretudo do Ocidente. Desde a grande virada na
Europa em 1989, as Igrejas Ortodoxas tornaram-se cada vez mais presentes na
responsabilidade ecumênica. Estas Igrejas, do ponto de vista da profissão de fé e da
eclesiologia, estão muito próximas de nós católicos; no entanto, do ponto de vista
histórico e cultural, eles parecem estar mais longe de nós do que as Igrejas e
Comunidades eclesiais nascidas da Reforma. Ouvir a voz da ortodoxia é contudo
necessário se quisermos dar mais passos adiante também para superar os problemas
relativos à divisão da Igreja no Ocidente (...).

A mudança mais evidente na paisagem ecumênica reside, sem dúvida, na crescente


importância adquirida pelas chamadas Igrejas livres, que anteciparam cada vez mais
claramente aquele futuro que espera até as Igrejas históricas, ou seja, o fim do
cristianismo herdado do tempo de Constantino e a liberdade e independência do
Estado. Particularmente significativo é o rápido crescimento das comunidades
pentecostais, que constituem, em termos numéricos, a segunda comunidade cristã do
mundo, depois da Igreja Católica. Embora muitas vezes tenham posições abertamente
antiecumênicas e uma postura anticatólica, o diálogo com elas é importante sobretudo
quando nos deparamos com um fenômeno de tamanha expansão para justificar o termo
"Pentecostalização do Cristianismo". Essa representa um grande desafio sobretudo para
a Igreja Católica, especialmente nos Países latino-americanos onde as comunidades
pentecostais atraem muitos católicos para si. A Igreja Católica, de forma autocrítica,
deve se questionar sobre o motivo pelo qual tantos católicos migram para esses
movimentos, sem cair na tentação de recorrer aos mesmos métodos pentecostais de
evangelização, que são em parte problemáticos.

Com isso, mencionamos as principais mudanças que marcaram a paisagem ecumênica


nos últimos anos e que foram fotografadas de cima durante nosso voo ecumênico.
Vimos sobretudo que, durante esta longa viagem, você se acostuma tanto com a altitude
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 75

que corre o risco de perder de vista, no horizonte, o objetivo do itinerário. Quanto mais
a corrida inicial for esquecida e quanto mais confusos ficarem os progressos que
entretanto se produzem, mais correrá o risco de se tornar invisível também o objetivo
da viagem. Isto é verdade sobretudo se acontece o que o ecumenista protestante
Harding Meyer definiu o “perigo do esquecimento ecumênico”, ou melhor, que “o que
já conquistamos no diálogo se torna incerto e nos escapa novamente e o que
conquistamos é disperso e evaporado novamente, como se nunca tivesse acontecido”.
Isso significa, então, que para o ecumenismo de hoje, por um lado, é necessário fazer
um balanço dos resultados já alcançados e aqueles ainda a serem alcançados e, por
outro, refletir, novamente, sobre os fundamentos teológicos que, presentes desde as
origens do movimento ecumênico, isto é, desde a corrida inicial da nossa viagem
ecumênica, constituem a tarefa urgente do ecumenismo de hoje.

Conclusão: Um balanço da situação ecumênica.


O Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos dedicou-se à primeira
tarefa levando a termo o projeto "Harvesting the Fruits", que resume os resultados dos
diálogos ecumênicos com os luteranos, os reformados, os anglicanos e os metodistas, a
fim de iniciar novas conversas com os interlocutores ecumênicos e chegar a
"declarações” que reafirmem as convergências que já alcançamos e que não podem ser
mais revogadas. Este seria, sem dúvida, um passo promissor para uma futura Declaração
Conjunta sobre a Igreja, a Eucaristia e os ministérios eclesiais, análoga àquela sobre a
Doutrina da Justificação, uma Declaração que abriria decisivamente o caminho para a
comunhão eclesial visível. É igualmente importante a segunda tarefa, que exige uma
nova consolidação dos fundamentos teológicos do ecumenismo a respeito dos quais
queremos formular algumas diretrizes.

a) Superação do escândalo da divisão do Corpo de Cristo.


O ponto de partida do movimento ecumênico na Igreja Católica foi a sensível e
solidária consciência da situação profundamente anormal do cristianismo
dividido. O fato de os cristãos que creem em Jesus Cristo como o Redentor do
mundo e são batizados em seu Corpo continuarem vivendo em Igrejas separadas
é espetáculo deplorável que o cristianismo ainda hoje oferece ao mundo e que
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 76

merece ser definido como escândalo. O escândalo consiste não apenas no fato
de ainda não podermos celebrar a Eucaristia juntos, mas sobretudo no fato de
que, como Igrejas e como cristianismo, continuamos divididos. A superação
desse escândalo deve continuar sendo o objetivo do trabalho ecumênico. As
fraturas entre as Igrejas devem, de fato, ser consideradas como uma divisão
daquilo que, por sua natureza, não pode ser dividido, ou seja, a unidade do Corpo
de Cristo.

A imagem mais vívida desta realidade nos é oferecida pela túnica intacta e
indivisa de Jesus. A Sagrada Escritura sublinha que era "sem costura, tecida numa
só peça de alto a baixo" (Jo 19,23b). Pessoalmente, sempre me impressionou o
fato de que, na história da Paixão, nem mesmo os soldados romanos ousaram
cortar esta preciosa vestimenta do Jesus terreno: "Não a rasguemos, mas
lancemos a sorte para ver de quem será" (Jo 19,24). Assim, na história cristã, a
túnica de Jesus pode ser verdadeiramente entendida como símbolo da unidade
da Igreja, como Corpo de Cristo. A tragédia deplorável desta história é que os
cristãos fizeram o que os soldados romanos não ousaram fazer. Como observava
com razão o Cardeal Edward Idris Cassidy, ex-presidente do Pontifício Conselho
para a Promoção da Unidade dos Cristãos, a túnica de Jesus hoje parece estar
"rasgada e cortada, dividida em confissões e denominações que na história
muitas vezes lutaram entre si ao invés de cumprir o mandamento do Senhor”.

Se a fratura da Igreja de Jesus Cristo é o verdadeiro e próprio escândalo que


contradiz a essência da Igreja una e santa, então nós cristãos devemos nos
perguntar, com espírito crítico, se, realmente, ainda percebemos esse escândalo
da divisão do Corpo indivisível de Cristo ou se, ao contrário, já nos acostumamos
com essa situação ou até estamos satisfeitos com ela. Pessoalmente, estou
profundamente convencido de que seremos capazes de dar novos impulsos ao
ecumenismo somente se tivermos a coragem de encarar o escândalo até agora
existente. O que mais me faz sofrer na atual situação ecumênica é que muitos
cristãos não sofrem mais com essa profunda anomalia do cristianismo, como, ao
invés, deveriam fazer. De fato, onde a divisão do único Corpo de Cristo não é
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 77

mais considerada deplorável e já não causa dor, o próprio ecumenismo já não


faz sentido.

b) O coração espiritual do ecumenismo


Encarar este escândalo e tentar superá-lo pressupõe a promoção de um
ecumenismo espiritual. Só poderemos progredir no ecumenismo se voltarmos
às suas raízes espirituais. No início do movimento ecumênico havia a ideia de
uma semana de oração pela unidade dos cristãos, que foi promovida por Paul
Wattson, anglicano americano que mais tarde passou para a Igreja Católica, e
por Spencer Jones, membro da Igreja Episcopal, e foi estendida a toda a Igreja
Católica pelo Papa Bento XV e depois desenvolvida pelo Padre Paul Couturier,
um pioneiro apaixonado do ecumenismo espiritual. Nisto não devemos apenas
ver um começo no sentido histórico que podemos deixar para trás, mas um
começo que deve sempre nos acompanhar em nosso caminho, pois ainda hoje o
trabalho ecumênico precisa de um aprofundamento espiritual, definido pelo
Concílio Vaticano II como "a alma de todo o movimento ecumênico".

Com a oração pela unidade, nós cristãos testemunhamos nossa convicção de fé


de que não podemos fazer a unidade nós mesmos, nem definir sua forma e o
momento em que ela se realizará, mas só podemos recebê-la como um dom,
como observou o Papa Bento XVI: "O apelo perseverante à oração pela plena
comunhão entre os seguidores do Senhor manifesta a orientação mais autêntica
e profunda de toda a busca ecuménica, porque a unidade, antes de tudo, é um
dom de Deus". A oração pela unidade nos lembra que nem tudo, mesmo no
ecumenismo, é factível e que devemos deixar espaço para a ação livre do Espírito
Santo, confiando nele, pelo menos tanto quanto confiamos em nossos próprios
esforços.

Nos anos passados, o Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos


Cristãos se concentrou intensamente no ecumenismo espiritual e publicou os
frutos deste trabalho no volume "Ecumenismo espiritual. Orientações para sua
atuação". Infelizmente, deve-se reconhecer que esta iniciativa não se instalou
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 78

suficientemente na vida quotidiana das Igrejas. Portanto, o nosso Conselho


deverá refletir sobre como lançar uma nova iniciativa para fortalecer as raízes
espirituais do compromisso ecumênico na vida eclesial (...).

c) O ecumenismo dos mártires.


Somos chamados hoje a engajar-nos numa forma especial de diálogo de caridade
devido ao fato de que em nosso mundo a fé cristã é a religião mais perseguida.
Com efeito, hoje, 80% de todos os que são perseguidos por causa de sua fé são
cristãos. O Cristianismo tornou-se, novamente, no final do segundo milênio e
início do terceiro, uma Igreja de mártires: isso representa um grande desafio
para o ecumenismo cristão, chamado a mostrar solidariedade compassiva, pois
todos os cristãos são chamados a prestar uma ajuda eficaz aos cristãos
perseguidos no mundo de hoje, a denunciar publicamente as situações de
martírio e a comprometer-se em prol do respeito da liberdade religiosa e da
dignidade humana. Nisto reside a responsabilidade urgente dos cristãos de hoje,
responsabilidade que deve ser assumida na comunhão ecumênica.

Como hoje todas as Igrejas e Comunidades eclesiais cristãs têm seus mártires,
devemos falar de um verdadeiro e próprio ecumenismo dos mártires. Além de
seu aspecto trágico, ele contém também uma bela promessa: apesar do drama
das divisões entre as Igrejas, essas firmes testemunhas da fé mostraram que o
próprio Deus mantém entre os batizados a comunhão de fé, testemunhada pelo
supremo sacrifício da vida, em um nível mais profundo. Enquanto nós, como
cristãos e como Igrejas, vivemos nesta terra numa comunhão ainda imperfeita,
os mártires na glória celestial encontram-se desde já na comunhão plena e
perfeita. Os mártires, como o Papa João Paulo II expressou de maneira
significativa, são, portanto, "a prova mais significativa de que todo elemento de
divisão pode ser transcendido e superado no dom total de si mesmo por causa
do Evangelho".

No ecumenismo dos mártires de hoje se renova a convicção da Igreja primitiva,


a saber, que o sangue dos mártires é a semente da Igreja. Ainda hoje, como
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 79

cristãos, devemos reviver na esperança de que o sangue dos mártires do nosso


tempo se torne um dia a semente da plena unidade do Corpo de Cristo. Com esta
esperança, devemos e queremos continuar nosso voo ecumênico que iniciamos
há quase cinquenta anos em nossa Igreja e que certamente chegará ao destino,
pois estamos convencidos de que o Espírito Santo, o piloto fiel e confiável do
avião ecumênico, nos mostrará o caminho e nos dará muito mais do que
esperamos e talvez ousemos sonhar. Cabe a nós, portanto, continuar a contribuir
para esta obra do Espírito com aquela paixão que deve dar prova de si na
paciência, pois esta, como diz Charles Péguy de forma bela e significativa, é "a
irmã menor da Esperança".
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 80

Aprofundamento

A CONVIVÊNCIA ECUMÊNICA E INTERRELIGIOSA NA AMAZÔNIA18

106. Numa Amazónia plurirreligiosa, os crentes precisam de encontrar espaços


para dialogar e atuar juntos pelo bem comum e a promoção dos mais pobres.
Não se trata de nos tornarmos todos mais volúveis nem de escondermos as
convicções próprias que nos apaixonam, para podermos encontrar-nos com
outros que pensam de maneira diferente. Se uma pessoa acredita que o Espírito
Santo pode agir no diverso, então procurará deixar-se enriquecer com essa luz,
mas acolhê-la-á a partir de dentro das suas próprias convicções e da sua própria
identidade. Com efeito, quanto mais profunda, sólida e rica for uma identidade,
mais enriquecerá os outros com a sua contribuição específica.

107. Nós, católicos, possuímos um tesouro nas Escrituras Sagradas que outras
religiões não aceitam, embora às vezes sejam capazes de as ler com interesse e
inclusive apreciar alguns dos seus conteúdos. Algo semelhante, procuramos nós
fazer face aos textos sagrados doutras religiões e comunidades religiosas, onde
se encontram «preceitos e doutrinas que (…) refletem não raramente um raio da
verdade que ilumina todos os homens». Temos também uma grande riqueza nos
sete Sacramentos, que algumas comunidades cristãs não aceitam na sua
totalidade ou com idêntico sentido. Ao mesmo tempo que acreditamos
firmemente em Jesus como único Redentor do mundo, cultivamos uma profunda
devoção à sua Mãe. Embora saibamos que isto não se verifica em todas as
confissões cristãs, sentimos o dever de comunicar à Amazónia a riqueza deste
ardente amor materno, do qual nos sentimos depositários. De facto, terminarei
esta Exortação com algumas palavras dirigidas a Maria.

108. Nada disto teria que nos tornar inimigos. Num verdadeiro espírito de
diálogo, nutre-se a capacidade de entender o sentido daquilo que o outro diz e

18
FRANCISCO, Papa. Exortação Apostólica pós-sinodal Querida Amazônia: ao povo de Deus e a todas as
pessoas de boa vontade. São Paulo: Paulus, 2020.
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 81

faz, embora não se possa assumi-lo como uma convicção própria. Deste modo
torna-se possível ser sincero, sem dissimular o que acreditamos, nem deixar de
dialogar, procurar pontos de contacto e sobretudo trabalhar e lutar juntos pelo
bem da Amazónia. A força do que une a todos os cristãos tem um valor imenso.
Prestamos tanta atenção ao que nos divide que, às vezes, já não apreciamos nem
valorizamos o que nos une. E isto que nos une é o que nos permite estar no
mundo sem sermos devorados pela imanência terrena, o vazio espiritual, o
cómodo egocentrismo, o individualismo consumista e autodestrutivo.

109. Como cristãos, a todos nos une a fé em Deus, o Pai que nos dá a vida e tanto
nos ama. Une-nos a fé em Jesus Cristo, o único Redentor, que nos libertou com
o seu bendito sangue e a sua ressurreição gloriosa. Une-nos o desejo da sua
Palavra, que guia os nossos passos. Une-nos o fogo do Espírito que nos impele
para a missão. Une-nos o mandamento novo que Jesus nos deixou, a busca duma
civilização do amor, a paixão pelo Reino que o Senhor nos chama a construir com
Ele. Une-nos a luta pela paz e a justiça. Une-nos a convicção de que nem tudo
acaba nesta vida, mas estamos chamados para a festa celeste, onde Deus
enxugará as nossas lágrimas e recolherá o que tivermos feito pelos que sofrem.

110. Tudo isto nos une. Como não lutar juntos? Como não rezar juntos e
trabalhar lado a lado para defender os pobres da Amazónia, mostrar o rosto
santo do Senhor e cuidar da sua obra criadora?
Teologia do Ecumenismo/2023 – F. Sorrentino (org.) 82

BIBLIOGRAFIA PARA O CURSO DE


TEOLOGIA DO ECUMENISMO:

• Básica:
- JOÃO PAULO II. Carta Encíclica Ut unum sint. Sobre o empenho ecumênico. São
Paulo: Paulinas, 1996.
- KLOPPENBURG, Boaventura. Compêndio do Vaticano II: Constituições, Decretos
e Declarações. 29.ed. Petrópolis: Vozes, 2000.
- NAVARRO J. Bosch, Para compreender o Ecumenísmo. São Paulo: Loyola, 1995.
- ROSSI Teresa Francesca, Manuale di Ecumenismo, Brescia: Queriniana, 2012.
- WOLFF, Elias. Unitatis Redintegratio, Dignitatis Humanae, Nostra Aetate. Texto
e comentários. São Paulo: Paulinas, 2011.
- _______. Vaticano II: 50 anos de ecumenismo na Igreja Católica. São Paulo:
Paulus, 2014.

• Complementar:
- ANTONIAZZI, Alberto. Missione ed ecumenismo in Brasile. Ad gentes, v. 1, jan-
jun 1998, p. 20-25.
- BRAKEMEIER Gottfried. Ecumenismo: repensando o significado e abrangência
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- CELAM. Documento de Aparecida. Brasília: Edições CNBB, 2007.
- CERETI, Giovanni. La missione nei dialoghi ecumenici. Ad gentes, v. 1, ano 2,
jan-jun 1998, p. 20-25.
- CNBB. O que é ecumenismo? Uma ajuda para trabalhar a exigência do diálogo.
São Paulo: Paulinas, 1997.
- FAGGIOLI, Massimo. Ecumenism in Evangelii Gaudium and in the context of
Francis’ pontificate. Perspectiva Teológica, v. 48, jan./abr. 2016, p. 17-35.
- FITZGERALD, Michael L. Ecumenismo, annuncio e dialogo. Ad gentes, v. 1, ano
2, jan-jun 1998, p. 12-16.
- FRANCISCO, Papa. Exortação Apostólica pós-sinodal Querida Amazônia: ao
povo de Deus e a todas as pessoas de boa vontade. São Paulo: Paulus, 2020.
- MIRANDA, Mario de França. Ecumenismo e instituição eclesial. Perspectiva
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- RATZINGER, Joseph. Chiesa, ecumenismo e politica. Cinisello Balsamo: Paoline,
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- ______. Compreender a Igreja Hoje: vocação para a Comunhão. 2.ed.
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- RODRIGUES, Manuel Augusto. Ecumenismo e diálogo inter-religioso: algumas
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- WOLFF, Elias. A unidade da Igreja: ensaio de eclesiologia ecumênica. São Paulo:
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- ______. Caminhos do ecumenismo no Brasil. São Paulo: Paulus, 2002.
- ______. O ecumenismo no Brasil: introdução ao pensamento ecumênico da
CNBB. São Paulo: Paulinas, 1999.
- ______. O ecumenismo no horizonte do Concílio Vaticano II. Atualidade
Teológica, v. 15, set./dez. 2011, p. 403-428.

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