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Culto & Contextualização

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uando, em 1871, Edward B Tylor (1920, p. 13) cunhou o termo


“cultura” pela primeira vez no campo científico da antropologia,
inaugurou um processo de tentativas de conceituação do termo cujo
consenso é inexistente até os dias de hoje. Há quem diga ser
impossível tal consenso pois, assim como um organismo vivo, a cultura
muda, transformando-se cotidianamente (CARSON, 2012, p. 13)..
Tão complexa quanto a definição do termo, é o relacionamento das igrejas batistas
brasileiras com a cultura deste país tão multicultural. Esta multiculturalidade torna
mais desafiadora a prática de uma inter-relação relevante e fiel aos valores Bíblicos,
desafio reconhecido entre os missólogos da Antropologia Missionária (AM) e
teólogos desde a década de 50 (SANCHES, 2019, p. 2). Com o passar dos anos os
estudos teológicos e missionários foram sendo aprofundados até chegar-se ao
consenso de que a necessidade de inter-relação entre cultura e evangelho não trata-
se apenas de uma opção, mas é uma necessidade urgente e iminente (NICHOLLS,
2013, p. 27). Acompanhando as tendências antropológicas a teologia passou a
refletir seriamente acerca da necessidade de se contextualizar a transmissão do
Evangelho, de modo a torná-lo inteligível às culturas que o recebem.

Muitos foram os teólogos, missionários e cientistas sociais que, com o passar do


tempo, contribuíram para que a contextualização para melhor transmissão do
Evangelho fosse massificada. Contudo, se há um consenso entre a grande maioria
dos pesquisadores é o de que ninguém influenciou tanto o meio quanto H. Richard
Niebuhr e suas 5 classificações apresentadas em seu livro Cristo e cultura (1951), a
saber: 1) Cristo contra a cultura, 2) O Cristo da cultura, 3) Cristo acima da cultura, 4)
Cristo e cultura em paradoxo e 5) Cristo, o transformador da cultura (1951, p. 49 a
226). A maioria dos livros encontrados e utilizados por esta pesquisa citam,
concordando ou não, estas 5 classificações. Entre os que as discutem de maneira a
atualizá-la está a obra Cristo & cultura: uma releitura, de D.

A. Carson (2012), cujas ponderações vão ao encontro com a linha teológica e

necessidades conceituais deste trabalho, especialmente com a designação de


existência de uma porção supracultural, explicada por Nicholls (2013, p. 16) como
“fenômenos culturais relacionados a crenças e comportamentos que têm origem da
cultura humana. Realidades de âmbito espiritual [...]”.
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Décadas de pesquisa frutificaram em diversas propostas práticas para a


contextualização missionária, e é através das reflexões e ferramentas oriundas da
AM que esta pesquisa está estabelecida, pois propõe-se a fornecer sugestões de
ações funcionais para a realização de uma contextualização litúrgica relevante e fiel
para as igrejas batistas brasileiras do século XXI. O assunto, como há de se esperar, é
complexo e está longe de fornecer modelos perenes, por isso esta matéria não
promete um método permanente, mas propõe-se a oferecer reflexões oriundas da
prática ministerial dos diversos autores inseridos no processo de contextualização da
mensagem do Evangelho e, por consequência, fomentar o mesmo interesse aos que
entrarem em contato com esta produção.

A liturgia protestante é objeto de observações críticas muitas vezes fundamentadas


em gostos pessoais ou tradicionalismos. Há também os que banalizam o assunto,
permitindo-se flertar com as tendências culturais sem um aprofundamento científico
necessário. O resultado são ou igrejas descontextualizadas e que não exercem
grande influência na comunidade na qual estão inseridas, ou igrejas super atuais,
cheias dos recursos audiovisuais e aparato tecnológico, mas pouca ou quase
nenhuma consistência teológica. Em ambos os casos há prejuízos para o Reino de
Deus pois, no caso das igrejas descontextualizadas o Evangelho obterá pouco
alcance, o que dificultará seu crescimento potencial, e no caso das igrejas
“atualizadas” seu crescimento numérico será notório, porém o aprofundamento
bíblico e o comprometimento real de seus participantes com a vida cristã será
questionável.

A crítica aos extremos existentes é pertinente, contudo há de se refletir acerca do


modus operandi com que parte das igrejas que não estão num extremo ou outro
vem estabelecendo seu processo de contextualização. Questões são levantadas
quando há a humilde auto análise acerca dos métodos e princípios utilizados.
Questiona-se: Há um equilíbrio saudável no processo de contextualização litúrgica?
Se há, quais são seus princípios e modelos? Há muitas perguntas e pouquíssimas
respostas.

No ramo da liturgia, poucos são os materiais disponíveis que venham a propor um


caminho conciliador entre a cultura local e a verdade bíblica, mas há um ramo da teo-
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-logia que vem estudando os fenômenos multi-culturais tanto urbanos como


campestres e a necessidade de interação equilibrada com essas culturas para a
proclamação inteligível do Evangelho de Cristo trata-se da Antropologia Missionária
(AM). Cientistas e missionários do mundo inteiro debruçam-se sobre as questões
mais complexas do processo de contextualização, e é nos resultados mais atuais que
podem-se encontrar caminhos pelos quais a contextualização litúrgica venha a ser
realizada equilibradamente.

Na primeira parte deste capítulo serão apresentadas as linhas conceituais da AM


utilizadas nesta pesquisa como ferramenta na elaboração de uma proposta final de
contextualização litúrgica. Na segunda parte será relatado um breve histórico da
evolução litúrgica protestante, sob a perspectiva da contextualização.

OS PRINCÍPIOS DE CONTEXTUALIZAÇÃO DA
ANTROPOLOGIA MISSIONÁRIA
Diante da vasta literatura sobre o assunto, este trabalho utilizará conceitos
devidamente experimentados por missionários pesquisadores cuja experiência tem
sido reconhecida e cujo trabalho científico de pesquisa obtêm posição de
proeminência no espaço acadêmico especializado, como Ronaldo Lidório, Barbara
Burns e outros.

As propostas formuladas pela maioria dos pesquisadores segue um padrão que é


apresentado nesta pesquisa como a seguinte fórmula: COMUNICAÇÃO +
CONTEXTUALIZAÇÃO = APRENDIZADO, o que será explicado

a seguir.
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Os elementos da comunicação

Um dos primeiros objetos de observação por parte dos estudiosos da AM quando


consideram elaborar estratégias de contextualização na explanação do evangelho, é
a comunicação e seus 3 elementos: informação (mensagem), interpretação (processo
de decodificação) e associação (aplicação da mensagem). Sobre cada uma delas
Lidório explica:

Há uma clara diferença entre informação, interpretação e associação. A informação é


uma mensagem transmitida a outro, de forma verbal, não verbal, escrita ou
encenada. [...] Apesar de ser, em si, uma informação, não significa que será
processada e compreendida devidamente, pois só compreendemos informações que
possuam paralelo com um valor já estabelecido ou a associamos a um valor próximo
que conhecemos. [...] A interpretação - ou a decodificação da informação - dá-se a
partir de códigos conhecidos em nossa cultura. Quando a informação passada se
assemelha a algo que conhecemos, conseguimos decodificá-la, usando os códigos
que já possuímos e utilizamos no dia a dia. [...] A associação se dá quando, após a
informação ter sido recebida, compreendida e interpretada, o receptor percebe um
espaço em sua vida ou em sua sociedade no qual a informação pode lhe ser útil. A
associação, portanto, é a aplicação dos elementos compreendidos e interpretados da
informação. (LIDÓRIO, 2011, p. 51 e 53)

Para Lidório, o processo de comunicação do evangelho, que não visa apenas a


explanação mas a sua encarnação por aqueles que o recebem, há códigos sociais e
culturais que precisam ser conhecidos e utilizados para que a aplicação da
mensagem seja possível, e esta é uma informação muito importante em se tratando
do culto, pois a boa ou má utilização desses códigos determinará a efetividade do
processo comunicador chamando-os de códigos de receptores, e considerando que
apesar de existirem códigos receptores universais, existem “códigos particulares, que
definem nossa identidade social, grupal ou étnica. [..] Entendo que os códigos
receptores envolvem especialmente a língua, cultura e o ambiente.” (LIDÓRIO, 2011,
p. 53).
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Habitualmente, em se tratando de culto batista brasileiro, a língua representa pouco


obstáculo no processo comunicativo, o que não pode-se dizer da cultura e do
ambiente. Normalmente são os ítens sócio-culturais que causam complexidade no
processo de contextualização litúrgica. Por isso a necessidade de se oferecer uma
proposta que sirva de bússola conceitual para a prática eficaz da utilização dos
códigos receptores sem que, com isso, perca-se a primazia teológica. A própria AM já
oferece ferramentas para a descoberta dos códigos receptores. São questionários
úteis que levam o missionário ao aprofundamento na relação com a comunidade
local. A maioria dessas ferramentas são perfeitamente aplicáveis para os líderes da
[1]

área litúrgica, precisando de uma ou outra adequação .


Aula 2

Os níveis da
contextualização
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Os níveis da contextualização
Para melhor compreensão do assunto, é necessário explicitar que todas as
estratégias utilizadas pela Antropologia Missionária atual são fruto de erros e acertos
concernentes à prática missional mundial desde o surgimento das missões
modernas. No começo do séc. XIX prevalecia o conceito de que “todas as culturas
fora do mundo ‘civilizado’ eram más” (BURNS, 2011, p. 139), conceito sustentado nos
séculos anteriores e que motivou a corrida evangelizadora (e colonizadora) da igreja
católica desde a era medieval. Com o passar dos anos e o surgimento das ciências
sociais passou-se a questionar e posteriormente a rejeitar práticas missionárias cujo
modelo siga os padrões colonizadores, mais conhecidos no meio religioso por
catequese. Sobre o mesmo, Lidório explica:

Por catequese, refiro-me não apenas ao modelo tradicional católico romano, mas a qualquer
modelo - cristão ou não cristão, católico ou evangélico - que se baseie: 1) na imposição de valores,
não em sua exposição; 2) nos códigos comunicacionais de quem transmite, não de quem recebe; 3)
na proposta da relação do grupo-alvo com a igreja-instituição não com a igreja-pessoas; 4) no alvo
de adequar o ouvinte e uma forma religiosa nominal; 5) na perspectiva de não ajudar o ouvinte a
compreender o sentido do evangelho.[...] A catequese é impositiva e distanciada, pois ocorre no
ensino não dialogado e num ambiente de transmissão sem conversação, quase puramente litúrgico.
(LIDÓRIO, 2011, p. 43)
Em oposição ao conceito colonialista da catequese, o Dr. Donald [2] McGavran
promoveu o conceito do Princípio da Unidade Homogênea (PUH), onde crê-se que
“95% da cultura de qualquer povo é boa, e apenas 5% dela precisa ser modificada
pelo evangelho” (BURNS, 2011, p. 139) e “não existe forma sagrada na Bíblia [...] ao
transmitirmos significados bíblicos para outras culturas, podemos e devemos mudar
qualquer forma, sem exceção” (BURNS, 2011, p. 140).

É importante observar que tanto o princípio da Catequese quanto o PUH


representam extremos opostos que, quando aplicados no processo de
contextualização litúrgica poderão causar irrelevância e desconexão (catequese) e
desequilíbrio e perda dos valores bíblicos, por isso toda e qualquer proposta de
contextualização litúrgica só poderá ser considerada saudável se buscar o equilíbrio

Aula 2 Culto & Contextualização Dia: / /

equilíbrio entre as visões e estabelecer ao mesmo tempo contato relevante com a

cultura local e parâmetros inegociáveis que manterão seu compromisso com a

verdade bíblica.

Ainda na busca por compreender os níveis de contextualização, Burns elencou 6

níveis considerados pertinentes, sem, contudo, ambicionar oferecer conceitos

fechados e precisos, pois cada um dos níveis encontra variáveis durante sua prática.

São níveis progressivos conhecidos como C1 a C6, onde C significa comunidade.

Com o mesmo objetivo, Lima (BURNS, 2011, p. 246) apresenta outros 3 níveis de

contextualização (suas características e resultados) que, se colocados em paralelo

com Burns, podem formar a seguinte associação de interação com a cultura local

(costumes, mitos, velhas crenças, rituais, histórias, canções, tradições, arte, música e

outro), como pode-se observar na tabela 1:

Níveis segundo Burns Níveis segundo Lima

C1 - Impõe formas culturais, linguísticas Rejeição da contextualização (Negação do velho)

e eclesiásticas.

O evangelho é estrangeiro: é rejeitad

C2 - Impõe formas culturais e O velho permanece oculto:


eclesiásticas. sincretismo

Contextualização crítica

(Negação do velho(lidando com o velho)

C3 - Há contextualização nas formas Reúne informação acerca do velh

culturais, linguísticas e eclesiásticas Estuda a Bíblia sobre o velh

biblicamente coerentes. Avalia os fatos à luz da Bíbli

Cria uma nova prática crist

O evangelho contextualizado
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C4 - Usam formas culturais, linguísticas


e eclesiásticas locais como processo
para formação da igreja cristã.

Contextualização acrítica (aceitação


acrítica do velho)
C5 - Rejeitam quase todas as formas
tradicionais bíblicas e do cristianismo.

- Sincretismo livre

C6 - Nenhuma identidade com o


cristianismo (especialmente utilizado
em países com perseguição aos
cristãos).

FONTE: BURNS (2011, p. 140), LIMA (BURNS, 2011, p. 246).

De acordo com a tabela 1, esses paralelos são estabelecidos à partir das


características e resultados semelhantes entre as etapas de ambas as propostas,
ainda que no caso de Burns, haja uma subdivisão mais detalhada, especialmente nos
níveis de Rejeição da contextualização (C1 e C2), e da contextualização acrítica (C4,
C5 e C6).

O nível de contextualização crítica (C3), por possuir características e resultados mais


aproximados da proposta de contextualização litúrgica fundamentada nas normas de
avaliação reveladas na Bíblia (BURNS, 2011, p. 138), é o objeto sobre o qual este
artigo se fundamenta, já que corresponde com a cosmovisão eclesiástica e teológica
na qual a cultura, a sociedade e seus fenômenos, deve ser julgada à partir da Bíblia, e
não o contrário, para que não haja a derrocada de se perder no que Lidório (2011, p.
125) chama de “perigo sociológico”, quando, no processo de contextualização, as
demandas sociais e os apelos culturais tornam-se mais importantes do que a verdade
Bíblica, invertendo seu papel de juíza para ré.
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Os níveis do conhecimento e aprendizagem

Além dos códigos receptores comuns a uma cultura específica, há um outro nível de

estudo determinante para que no processo comunicativo haja a aprendizagem do

conteúdo. Nos elementos da comunicação fornecidos por [3] Lidório observa-se o

processo de assimilação como sendo um resultado natural do processo anterior de

interpretação, contudo, o que se observa na maior parte das comunidades é que a o

caminho entre ambos não é necessariamente natural, visto que algumas pessoas têm

acesso ao conteúdo, conseguem interpretá-lo sem, no entanto, encarná-lo. Sabe-se

que no caso da conversão ou do convencimento acerca do conteúdo, há a

intervenção sobrenatural do Espírito Santo, (como explicado por Jesus em João

16.8), no entanto há de se avaliar se a transmissão da mensagem entre a

interpretação e a assimilação tem sido humanamente eficaz, não sendo o meio

comunicador o que possa impedir a compreensão da mensagem.

Para isso, a AM propõe que há comunidades mais propensas a assimilar o evangelho

caso este seja apresentado de maneira racional, expositiva e objetiva, enquanto

outras precisam de experiências práticas e sensoriais para que haja completude no

processo de encarnação. Ao primeiro grupo, Lima chama de filosófico, enquanto ao

segundo grupo chama de integrado, como explica:

Os três níveis do conhecimento - Culturas filosóficas valorizam muito a

cognição enquanto as culturas integradas valorizam mais a experiência

prática do saber. Sendo assim é bom tentar perceber quando a convicção

chega ao coração do ouvinte. O processo de aquisição de conhecimentos

começa no nível cognitivo, passa pelo nível avaliativo e atinge o nível da

convicção pessoal. Expressando isso de outro modo, observa-se três passos

em sequência: a) conhecer a verdade - cognição: ver, ouvir, ler, assistir; b)

compreender por quê é a verdade - reflexão: avaliar, pensar, ponderar; c)

adotar e amar a verdade - compromisso: crer, adotar para si, assumir que,

acatar. (BURNS, 2011, p. 242)


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É determinante para a assimilação que as estratégias de contextualização utilizadas


no passo da cognição sejam assertivas, para que o restante do processo seja
humanamente viável, abrindo espaço natural para que o Espírito Santo atue
livremente, como lhe apraz.

Jesus mais uma vez apresenta tal preocupação quando faz sua oração sacerdotal,
como descrita em João 17.8 (BÍBLIA DE ESTUDO NAA, 2018, p. 1943): “[...] porque
eu tenho lhes transmitido as palavras que me deste, e eles as receberam,
verdadeiramente reconheceram que saí de ti e creram que tu me enviaste.” Pode-se,
neste caso, observar claramente o processo de aprendizagem tendo sido
apresentado de maneira coerentemente sequencial, iniciando pelo recebimento da
mensagem transmitida, depois pelo reconhecimento (fruto da reflexão) e, por fim, da
crença no conteúdo apresentado. É bom lembrar que neste caso, a mensagem não
foi apenas transmitida oralmente, de maneira expositiva, mas ensinada no dia a dia,
através de gestos, atitudes e experiências. Jesus sabia que os discípulos precisavam
ver, ouvir e tocar, e deu-lhes a oportunidade de fazê-lo.

Trazendo a questão para a contextualização litúrgica, é coerente a reflexão do


quanto os cultos batistas brasileiros têm se preocupado em proporcionar tal
interação. Na maioria dos casos vê-se uma dinâmica expositiva, priorizando tão
somente a reflexão intelectual direta, com pouca experiência sensorial. Ainda assim
espera-se que os frequentadores saiam do culto com a palavra encarnada. Para
alguns isso será fácil, mas para a grande maioria, não. Por isso que o processo de
contextualização litúrgica é relevante, pois deverá proporcionar processos de
aquisição do conhecimento cognitivamente coerentes com a grande maioria dos
participantes, desde que haja uma intenção real de contato com essas coletivas

Um exemplo são os métodos ANTROPOS (para culturas mais remotas) e


URBANOS (para centros urbanos), elaborados pelo missionário Ronaldo Lidório e
disponíveis no site da Agência Presbiteriana de Missões Tranculturais - APMT:

<http://instituto.antropos.com.br/v3/index.phpoption=com_content&view=article&id=71:urbanos-pesquisa
sociocultural&catid=40:consultoria-antropologia&Itemid=9>.

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Donald A. McGavran (1897–1990) foi Deão e Professor Senior de Crescimento


da Igreja na Escola de Missões Mundiais, o Fuller Theological Seminary, na
Pasadena, California, EUA. Era filho de missionários na Índia e depois, ele próprio
se tornou um missionário. (WIKIPEDIA, 2018

Já apresentados no ítem 1.1 Os elementos da comunicação

Mais uma vez os métodos e ferramentas de pesquisa sociocultural são úteis para
a otimização dessa intenção, como explicado anteriormente.
Aula 3

Colonização
Protestante e seus
efeitos litúrgicos

Aula 3 Culto & Contextualização Dia: / /

A colonização protestante no brasil e seus

efeitos litúrgicos para as igrejas batistas

brasileiras.
Há um marco na história dos batistas brasileiros que, quando observado

criticamente, explica com muita objetividade a tendência de certos líderes

eclesiásticos que optam por afastar-se de estratégias de contextualização. Trata-se

da primeira igreja batista constituída em solo brasileiro, fundada em 10 de setembro

de 1871 pelos colonos norte-americanos fugidos da guerra de Secessão que

instalaram-se no município de Santa Bárbara, São Paulo. Segundo Pereira (1979, p.

89), a igreja batista em questão realizava “seus cultos, em língua inglesa,

destinavam-se apenas aos colonos. Não tinha a igreja objetivos missionários, não

visava à evangelização dos arredores.” Conformada e distanciada da realidade local, a

igreja chegou a solicitar à convenção batista norte-americana que enviasse

missionários para o trabalho de evangelização dos nativos, mas sem muito resultado.

Como consequência, o trabalho batista da igreja de colonos sobreviveu por pouco

tempo, vindo a extinguir-se totalmente. Sayão observa:

Tradicionalmente vistos como agentes da modernidade e de secularização

quando comparados com os católicos, os protestantes, na sua maioria, se

posicionaram com um sentimento de superioridade e de ruptura com a

cultura brasileira comum. Trazendo herança puritana, espiritualidade pietista,

ênfase individualista (relacionada à doutrina da salvação individual), os

protestantes percebiam a latinidade e cultura católica como marco de atraso,

pobreza e inferioridade social. O protestantismo foi marcado pela

modernidade, valorizava o trabalho, a repressão das paixões, a

intelectualidade produtiva e a tranquilidade econômica da posteridade.[...]

Todavia, a excessiva negação do mundo, a alienação política e social e o

fundamentalismo marcam certa distinção entre o protestantismo evangélico

brasileiro e o protestantismo clássico progressista analisado por Max Weber.

(SAYÃO, 2012, p. 133)

Sayão observa a concepção de que a cultura nativa brasileira era atrasada, pobre e

inferior e conclui que tal visão determinou a implantação de um protestantismo

“atrasado”, distante do caráter progressista do protestantismo clássico que funda-


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mentou o surgimento da ascensão da burguesia européia. De certa maneira, a idéia

de inferioridade cultural presente nos dias atuais entre vários círculos culturais e

inclusive religiosos, têm nessa origem colonizadora católica e protestante, parte da

explicação de sua existência.

Após o surgimento da primeira igreja batista do Brasil, organizada em 15 de outubro

de 1882 pelos casais de missionários norte-americanos William e Ann Bagby e

Zachary e Kate Taylor, juntamente com o ex padre católico Antônio Teixeira de

Albuquerque (convertido ao evangelho através do estudo pessoal das escrituras e

batizado pelo pastor colono Robert Thomas), os batistas brasileiros logo passaram a

desenvolver seu ardor missionário, abrindo novas igrejas em regiões cada vez mais

distantes e, grandemente auxiliados por outros missionários estrangeiros,

solidificaram a denominação no Brasil (PEREIRA, 1999, p. 89-101).

Motivados pela evangelização do Brasil, alguns pontos de contato com a cultura

brasileira foram logo aderidos pois ficava cada vez mais claro que sem a remoção de

algumas barreiras, seria impossível comunicar a Palavra de Deus. Por isso a língua

portuguesa foi sendo aprendida pelos muitos missionários aqui alojados e logo

foram nascendo as traduções dos hinos cantados nos seus países de origem. A forma

litúrgica do culto batista norte-americano e europeu foi utilizada como modelo de

culto nas diversas igrejas batistas brasileiras, o que pode-se ser considerado natural,

visto que era a forma usual com a qual os missionários estavam melhor

familiarizados. Sayão (2012, p. 134) resume as características do protestantismo

colonizador da seguinte maneira:

>>>
Aula 3 Culto & Contextualização Dia: / /

PROTESTANTISMO EVANGÉLICO IMPLANTADO NO BRASIL

Características gerais Elementos positivos Elementos negativos

Bibliocentrismo Crescimento rápido Perfil colonialista

Salvação pela fé e pela Agente de modernização, de “Anglocentrismo”


graça educação e de progresso

Exclusividade de Cristo -------- Pragmatismo exacerbado

-------- Adaptação tranquila --------

Influência iluminista -------- Individualismo

Aliança com o progresso “Nacionalização” intensa Tendência a divisões


nas últimas cinco décadas
Perfil anticatólico
Mensagem voltada aos “sem Formação de subcultura

Centralidade da pregação esperança”


Carência de
Valorização dos leigos Crítica moral: vícios e espiritualidade “social”

prostituição Tendência à microética

Evangelização Liberdade e democracia --------

Ênfase mais
Ênfase no individual -------- fundamentalista e
metafísica
Repressão das paixões -------- --------

FONTE: SAYÃO, 2012, p. 134.


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A problemática da herança litúrgica deixada pelos missionários estrangeiros não

está, em absoluto, no zelo pela preservação das verdades bíblicas mas revelou-se

quando o modelo herdado ganhou um significado doutrinário, cuja manutenção das

formas e padrões passou a significar a própria identidade da igreja batista brasileira,

apesar de possuir pouquíssima influência da cultura nacional. O culto da igreja

batista brasileira tornou-se a cópia do culto norte-americano, promovendo um

processo de aculturação cujas consequências são sentidas até os dias de hoje. Silva

faz coro aos que criticam essa aculturação quando declara:

Alguns se preocuparam tanto com a preservação da pureza do evangelho e

das suas formulações doutrinárias, que têm sido insensíveis aos padrões de

pensamento e comportamento culturais das pessoas às quais proclamam o

evangelho. Supõem que é possível transmitir o evangelho puro da Bíblia

diretamente ao ouvinte, sem o transportador modificá-lo. (SILVA, 1996, p. 18)

Apesar de não oficializar qualquer modelo litúrgico, a Convenção Batista Brasileira,

impulsionada pelo desejo de produzir formação ministerial de qualidade através de

seus seminários, importou dos Estados Unidos o modelo do curso de Música Sacra,

cujo conteúdo e a maioria estrangeira dos docentes contribuiu para a unificação do

modelo litúrgico, transformando-o em parâmetro de identidade batista, como

explica Kammer (2011, p. 19): “Histórica e oficialmente, nós batistas não temos uma

liturgia rígida ou uma ordem fixa para os cultos coletivos nas igrejas locais, mas

utilizamos alguns modelos.” A grande maioria das igrejas batistas enviavam seus

músicos para os Seminários a fim de tornarem-se “Ministros de Música”, e estes

passaram a reproduzir o conceito e a forma baseada na visão do profeta Isaías, como

explica Kammer :

“Muitas igrejas seguem o padrão baseado na visão do profeta Isaías (Isaías 6.1-9), o

qual é ensinado em nossos seminários nos cursos de Música Sacra [...] Segue uma

estrutura sugerida para um culto com base em Isaías 6

Processional ou entrada (entrada dos participantes do culto)


Aula 3 Culto & Contextualização Dia: / /

Saudação pastoral (avisos, apresentação de visitantes) ADORAÇÃO E LOUVO


Prelúdio, instrumentos (orando e percebendo a presença do Senhor
Oraçã
Leitura bíblica em unísson
Cantos congregacionais (HCC, CC ou cântico avulso
Oração de adoraçã
Solo

CONFISSÃO E PERDÃ
Leitura bíblica (sobre confessar os pecados, as falhas e a certeza do perdão
Cor
Oração silencios
Canto congregacional (alguns cânticos ou estribilhos de hinos conhecidos que

falem sobre a alegria cristã que vem da certeza do perdão de Cristo) INTERCESSÃO OU GRATIDÃ
Leitura bíblic
Canto congregacional (HCC, CC ou cântico avulso
Momento de intercessão e gratidão (pode ser feito junto ou em dois momentos
Coro

PROCLAMAÇÃO OU EDIFICAÇÃO OU COMUNHÃO OU EXORTAÇÃ


Mensage
Canto congregacional (HCC, CC ou cântico avulso
Dedicação (momento de consagração das nossas vidas e ofertas ao Senhor ou

apresentação de bebês
Bênçã
Poslúdio, instrumentos (sentados, orando e consagrando a vida ao Senhor
Recessional ou saída (saída do culto transformados para servir em nome do
Senhor). (KAMMER, 2011, p. 20)
Dia: / / Culto & Contextualização Aula 3

Não há dúvidas de que a herança estrangeira na liturgia brasileira contribuiu

positivamente em inegáveis aspectos, como os parâmetros de que a atividade

litúrgica segue a premissa de que “a revelação precede a resposta”, comparando-a a

um drama teatral cujo enredo parte da ação de Deus e termina com o

comprometimento humano (HUSTAD, 1986, p. 166). Além dessa herança, a hinódia

utilizada pelos missionários que serviram neste país trouxe identificação da fé

protestante e evangélica mundial.

Com o passar dos anos alguns aspectos litúrgicos dessa herança foram perdendo sua

relevância no que tange à eficácia em estabelecer contato com a cultura local e

nesta hora, quando torna-se propícia e necessária a reavaliação da forma, os apelos

de identificação com a tradição batista têm feito alguns retrocederem em seu

intento contextual, aderindo ao comodismo insípido, o que poderá acarretar no que

Schaeffer (2010, p. 68) chama de “suicídio”, pois “a igreja tem seu lugar, mas o

perderá caso se fossilize”. Ele explica:

A recusa de considerar a possibilidade de mudanças sob a orientação do Espírito Santo é

um problema espiritual, não intelectual. O apego à moda antiga pode se manifestar de

maneira positiva ou negativa. Em termos positivos, algumas coisas nunca mudam porque

são verdades eternas. Devemos nos apegar firmemente a elas e não abrir mão de nada.

Existe, porém, o aspecto negativo. [...] Logo, se nós, como evangélicos, nos tornamos

antiquados, não no sentido positivo, mas no negativo, devemos entender que não se

trata de um problema intelectual, mas espiritual.

Mostra que perdemos o rumo. Perdemos contato com a direção do Espírito Santo, que

nunca faz nada à moda antiga no sentido negativo.

A igreja tem seu lugar no mundo até a volta de Cristo. É preciso, porém, encontrar o

equilíbrio entre forma e liberdade com referência à organização e à prática da

comunidade na igreja. Também é necessário que a liberdade seja exercida sob a direção

do Espírito Santo, a fim de mudar o que precisa ser mudado e ir ao encontro das

necessidades variáveis de determinado lugar e momento. De outro modo, não creio que

haja lugar para a igreja como igreja viva. Ela se tornará fossilizada e excluiremos Cristo da

igreja. O senhorio de Cristo e a liderança do Espírito Santo se tornarão apenas palavras.

(SCHAEFFER, 2010, p. 69-70)


Aula 3 Culto & Contextualização Dia: / /

O equilíbrio na busca pela contextualização atribui relevância sociocultural à igreja


local, sem que com isso a mesma precise flexibilizar valores bíblicos. Diante dos
desafios do séc. XXI tais como a globalização, o pluralismo religioso, a cultura de
massa e os avanços tecnológicos que diuturnamente influenciam os pontos de
contato entre a igreja e a sociedade, há de se defender que toda a igreja local
precisa, sempre que possível, reavaliar sua eficácia na transmissão do conteúdo
inerrante da Palavra de Deus.

A “sacralização” da forma litúrgica antiga é uma heresia que precisa ser extirpada dos
arraiais batistas, pois entorpece os sentidos da igreja impedindo-a de influenciar a
cultura e a sociedade como lhe é cabido. Vale também ressaltar que essa
sacralização é um atentado à própria identidade brasileira. É a confirmação da
ideologia de dominação e superioridade de uma cultura sobre a outra, já
abandonada pelos mais sérios pesquisadores da antropologia missional, como
explicam Burns, Azevedo e Carminati.

“Cultura civilizada” e “cultura primitiva” são expressões comuns que designam os dois
principais tipos de cultura humana, não em termos negativos, mas simplesmente em
função do grau de desenvolvimento para industrialização de cada grupo. Geralmente a
cultura chamada civilizada tem uma maior variedade de escolhas, todas aceitáveis
dentro de uma sociedade. [...] Mas convém frisar aqui que não é pelo fato de uma cultura
ser primitiva ou pré-letrada (termo que usaremos como sinônimo de “primitiva”; estes
povos não têm sua língua escrita) que ela é errada ou inferior à nossa. Em certos aspectos
ela dispõe de menos alternativas que a nossa, não se desenvolve para a industrialização
ou invenções que melhoram sua vida e não tem língua escrita. O problema, então, é que
pelo fato de outras culturas não terem esses aspectos, nós as desprezamos e as
consideramos inferiores. Isto é grave. Muitas vezes, em alguns aspectos, tais culturas têm
conhecimentos muito mais profundos do que nós, sem que nunca tenha sido necessário
passarem pelos nossos sistemas de escolaridade. (BURNS; AZEVEDO; CARMINATI,
1996, p. 21)

As igrejas batistas brasileiras ainda sentem os reflexos da influência desse


pensamento de supremacia trazido, mesmo que inconscientemente, pelos
missionários estrangeiros que aqui introduziram o evangelho de Cristo. Tal suprema-
Dia: / / Culto & Contextualização Aula 3

cia trazido, mesmo que inconscientemente, pelos missionários estrangeiros que aqui

introduziram o evangelho de Cristo. Tal supremacia permanece no status quo

litúrgico dos batistas, o que traz dificuldades ao processo de compreensão dos

limites possíveis para um contato equilibrado entre cultura local e liturgia batista

brasileira. A contextualização, apesar de vital, continua representando um grande

desafio, como sustenta Sayão:

[...] a tradição protestante evangélica merece críticas em seu processo de

estabelecimento na realidade brasileira. Parte de sua herança histórica e sua ineficácia

de contextualização solicitam maior reflexão para o futuro. As principais lacunas [...]

merecem reavaliação e serão mais urgentes diante da realidade da pós-modernidade.

(SAYÃO, 2012, p. 135)

Para que o movimento intencional em busca da contextualização litúrgica dê-se de

maneira relevante não apenas culturalmente mas, e em especial, biblicamente, não

basta apenas o domínio de argumentos culturalmente sólidos e ferramentas eficazes.

É preciso o estabelecimento de um relacionamento profundo do líder com a

comunidade na qual o projeto de contextualização será aplicado, o que justifica o

estudo final deste capítulo focado em um modelo bíblico de interação ministerial

baseada em bons relacionamentos estabelecidos em amor e conceitos bíblicos que

diferem de qualquer modelo de gestão empresarial, como exposto a seguir.


Aula 4

Teologia na prática

ministerial

Dia: / / Culto & Contextualização Aula 4

Teologia da prática ministerial focada em

relacionamentos.

Um dos maiores desafios para a contextualização litúrgica dá-se no campo dos

relacionamentos. A igreja, formada de pessoas de épocas e, portanto, cosmovisões

diferentes, pode tornar-se um ambiente hostil e resistente ao projeto de

contextualização. Neste quesito tantas questões diferentes quanto há igrejas

diferentes, pois cada uma possui sua gama de complexidades que, se mal

administradas, transformam-se em muros difíceis de serem subjugados. Mas já há,

graças aos pesquisadores das áreas de gestão e administração eclesiástica,

propostas práticas para que tais muros transformem-se em pontes, ligando pessoas

antes afastadas por diferentes maneiras de pensar. São passos biblicamente

coerentes e estrategicamente saudáveis, que visam auxiliar para que o processo de

contextualização litúrgica (ou outros projetos eclesiásticos) dê-se de maneira

saudável.

O primeiro passo: buscar a orientação de Deus sobre o projeto de

contextualização que Ele deseja implantar.

Não haverá sucesso caso o início do processo não tenha sido promovido pelo

próprio Deus, pois é Ele o dono da igreja e, portanto, o maior interessado em sua

saúde e desenvolvimento. Neste caso, o papel da liderança será o de promover não

um plano próprio, mas algo revelado pelo Espírito Santo de Deus como sendo o

caminho certo a seguir. Gostos pessoais e desejos humanos serão deixados de lado

em prol de um sonho divino, e uma vez em processo de implantação do projeto, o

próprio Deus capacitará a todos para que aconteçam mudanças, como fez ao

revelar-se a Zorobabel através de Zacarias: “Ele prosseguiu e me disse: - Esta é a

Palavra do Senhor a Zorobabel: ‘Não por força nem por violência, mas pelo meu

Espírito’, diz o Senhor dos Exércitos.” (Zacarias 4.6). Acerca disso Piragine

testemunha:

Para mim, a verdadeira contextualização nasce deste sentimento de impotência e até

mesmo de incompetência, pois é através dele que Deus começa a quebrar as fortalezas

que se instalam em nossa mente e que nos impedem de ser flexíveis, primeiro à vontade
Aula 4 Culto & Contextualização Dia: / /

de Deus e depois em metodologias que nunca foram sacrossantas em si

mesmas. Todo líder que se vê em uma situação assim só tem uma saída:

buscar com uma intensidade maior o discernimento divino e uma inteira

submissão ao que o Senhor revelar. (PIRAGINE JR., 2003, p. 89)

Submissão, humildade, discernimento, intimidade com Deus: características

necessárias para que o sonho de Deus não se torne um pesadelo humano,

desvirtuamento possível caso a liderança não assuma uma posição de subserviência

a Deus e acabe tentando transformar o Reino de Deus no reino de um homem. As

expectativas humanas precisam estar subjugadas à vontade do Espírito, o que

confirma a premissa de que todo processo de contextualização é altruísta, e não

egoísta. Diante dos apelos seculares que são lançados sobre a liderança das igrejas, é

cada vez mais vital que esta liderança avalie o caminho escolhido para conduzir seus

ministérios. Em tempos de complexidade estrutural eclesiástica, fruto do

crescimento das igrejas, pelo aumento de seus patrimônios, número de funcionários

e outras características antes presentes apenas no mundo corporativo, a busca por

conhecimento no ramo de gestão e administração tem sido crescente entre pastores

e líderes. Não há qualquer problema nas estratégias de gestão em si, pois são fruto

de estudos científicos importantes para a administração do caráter humano da igreja

de Cristo, contudo, a supervalorização das estratégias, em muitos casos, tem

afastado algumas lideranças eclesiásticas dos valores básicos do evangelho,

transformando suas igrejas em empresas, pastores em [1]CEO´s e membros em

consumidores.

O caminho comum e o caminho do reino

A reflexão é importante pois o modelo da gestão ministerial corporativa não

corrobora com a visão de gestão ministerial na qual esta pesquisa é construída, e

suas discrepâncias podem ser facilmente compreendidas através da explanação de

Hoag, Rodin e Willmer, que estão expostas de maneira simplificada no quadro a

seguir:

>>>
Dia: / / Culto & Contextualização Aula 4

DOIS CAMINHOS

O CAMINHO COMUM O CAMINHO DO REINO

Liderança guiada pela produçã Liderança baseada na mordomi

Recrutam pessoas com habilidades Focados na fidelidade e obediênci

compatíveis com um processo Dependem de Deus para produzi

contínuo de expansã Motivados pelas recompensas eterna

Cercam-se de pessoas semelhante Atribuem a Deus as vitórias

Valorizam os fins, e não os meios

Estratégias baseadas na expansã Estratégias focadas na fidelidad

Elaboram estratégias baseadas na Elaboram estratégias que reflitam os

expansã valores cristão

Valorizam a superprodução e horas Entendem que os resultados são fruto

extras de trabalh da ação do Espírito Santo

Valorizam mais os altos funcionários

e minimizam o desempenho dos

demais

Medição orientada por princípios


Medição orientada por princípios eterno
terreno

Critérios mais qualitativos do que


Utilizam sistemas associados às
quantitativo
estratégias de expansã
Busca o crescimento do Reino de
Avaliam o desempenho geral de
Deus, e não somente da igreja local
acordo com o alvo dominante,

geralmente quantitativo
Aula 4 Culto & Contextualização Dia: / /

Gestão baseada em resultado Gestão baseada em relacionamento

Definem sucesso como o alcance do Priorização das relações interpessoais,


objetivo final, desvalorizando o preferindo o processo ao resultad
processo caso o alvo não seja Não almejam proeminência e
alcançad incentivam o crescimento de seus
liderado
Atividades periféricas são Valorizam todos os participantes,
consideradas menores independente da atividade que
executam

Visão utilitária dos recurso Visão dos recursos guiada pela mordomi

Consideram os recursos financeiros Relação de mordomia com o dinheiro,


e humanos como bens ativo e não de propriedad
Exigem fluxo interminável de Confiam em Deus, e não nos recurso
matéria-prima, para que os alvos São generosos e desprendidos
sejam alcançados
FONTE: HOAG, RODIN, WILLMER, 2016, p, 29 - 35.

A escolha sobre qual caminho tomar determinará o processo e o resultado da


contextualização litúrgica, pois caso um ministério opte por utilizar o caminho
comum, provavelmente seus objetivos serão alcançados, contudo serão fruto de
uma visão unilateral, baseada em gostos pessoas e pouco relevante para a formação
cristã dos envolvidos. Provavelmente os voluntários serão vistos como peças de uma
engrenagem e serão avaliados conforme seu desempenho. Este modelo pode
funcionar muito bem para o meio corporativo, mas não para o povo de Deus, como
anunciado em Isaías 1.11-17:

Dia: / / Culto & Contextualização Aula 4

O Senhor diz:

“De que me serve a multidão dos sacrifícios que vocês oferecem?

Estou farto dos holocaustos de carneiros e da gordura de animais cevados. Não me

agrado do sangue de novilhos, nem de cordeiros, nem de bodes.

Quando comparecem diante de mim, quem requereu de vocês esse pisotear dos meus

átrios?

Não me tragam mais ofertas vãs! O incenso é para mim abominação, e também as

Festas da Lua Nova, os sábado e a convocação das assembleias. Não posso suportar

iniquidade associada à reunião solene.

As Festas da Lua Nova e as solenidades, a minha alma as odeia; já são um peso para

mim; estou cansado de suportá-las.

“Quando vocês estendem as mãos, eu fecho os meus olhos; sim, quando multiplicam as

suas orações, não as ouço, porque as mãos de vocês estão cheias de sangue.

Lavem-se e purifiquem-se! Tirem da minha presença a maldade dos seus atos; parem

de fazer o mal!

Aprendam a fazer o bem; busquem a justiça, repreendam o opressor; garantam o

direito dos órfãos, defendam a causa das viúvas.”

No texto acima Deus deixa muito claro que os padrões pelos quais mede a eficiência

das obras de seu povo não são humanas. Não são mensuradas por padrões externos,

sem, contudo, rejeitá-los. Deus, segundo o texto exposto, não condena as atividades

em si, mas rejeita-as quando realizadas sem a motivação correta e sem a busca por

um caráter aprovado daqueles que as efetuam. Também condena as atividades que

são realizadas com excelência mas que desvalorizam as necessidades humanas,

representadas aqui pelos “órfãos e viúvas”. Fica claro que para Deus, mais

importante que as realizações são as intenções, a obediência e o altruísmo, aspectos

negligenciados no caminho comum de gestão corporativa.

Os enganos: controle, idolatria e orgulho


Aula 4 Culto & Contextualização Dia: / /

A escolha de gestão do caminho do reino deveria ser fácil, mas para muitos não é, e

Hoag, Rodin e Willmer (2016, p, 45 - 55) explicam as razões utilizando o texto de 1

João 2:15-17 , extraindo do texto o que chamam de “as três tentações que todos

nós enfrentamos”:

Não amem o mundo nem as coisas que há no mundo. Se alguém amar o mundo, o

amor do Pai não está nele. Porque tudo o que há no mundo — os desejos da carne, os

desejos dos olhos e a soberba da vida — não procede do Pai, mas procede do mundo.

Ora, o mundo passa, bem como os seus desejos; mas aquele que faz a vontade de Deus

permanece para sempre.

O primeiro engano os autores chamam de “controle” (concupscência da carne), e

reflete o desejo natural por autonomia, administrando os próprios interesses e

determinando o próprio destino. O principal perigo deste engano, para os autores, é

o de se entregar a Deus apenas parte do controle da vida, a espiritual, e manter-se

no controle da vida ministerial e profissional. Este é um pecado recorrente entre

muitas lideranças eclesiásticas que impedem ou atrapalham o progresso da gestão

pelo caminho do Reino, ainda que haja a intenção de fazê-lo, pois opõe-se à

premissa de dependência total de Deus, valor inegociável do caminho do Reino.

O segundo engano é o da idolatria (a concupiscência dos olhos), quando não há uma

fé destemida envolvida no processo e passa-se a confiar somente no que se vê. Há

supervalorização do dinheiro e, sem ele, a obra fica paralisada, pois não há uma

consciência espiritual madura para experimentar as ações sobrenaturais de Deus, o

dono de todos os bens. O grande perigo deste pecado é a crença de que precisa-se

prioritariamente dos recursos humanos para que a obra de Deus na terra seja

realizada, e sem eles, tudo se paralisa. Este pecado opõe-se claramente ao conceito

de liderança baseada na mordomia do caminho do Reino, pois considera os recursos

num sentido de propriedade humana, e não de Deus.

O terceiro engano é o do orgulho (a soberba da vida), quando a motivação

impulsionadora é a de alcançar reconhecimento próprio e a aceitação de seus pares.

Normalmente esta postura é resultado de problemas de auto estima e falta de

consciência de identidade em Deus. O engano é manifesto através da vaidade e do

espírito de competitividade.
Dia: / / Culto & Contextualização Aula 4

O grande perigo deste pecado é o do não envolvimento na formação de liderança e

a supervalorização de resultados. Um líder que cultiva este pecado dificilmente

permitirá que seus pares se desenvolvam, sob o temor de que alcancem destaque

maior do que o deles. Há, portanto, oposição direta à gestão guiada por

relacionamento do caminho do reino, caracterizada pelo altruísmo e pela formação

de liderança capaz de substituir e até mesmo superar o líder que os forma.

A fim de concluir suas propostas, Hoag, Rodin e Willmer oferecem dois quadros que

refletem uma síntese da proposta de liderança baseada na mordomia e de um

ministério cristocêntrico. O resumo da proposta está nos quadros a seguir:

AS SETE MARCAS DO LÍDER MORDOMO

Líderes-mordomos compreendem que sua vida

não lhes pertence. São mordomos em cada área

da vida e resistem à tentação de desempenhar o


1
papel de senhor. Diariamente tomam a postura de

ouvir a direção de Deus e responder-lhe com

alegre obediência.

Líderes-mordomos buscam intimidade com Deus

como sua vocação mais elevada. Eles priorizam as

atividades que alimentam essa intimidade e


2 rejeitam a tentação de permitir que assuntos

urgentes os afastem dela. Seguem a direção de

Deus, independentemente de onde ela possa

levá-los no ministério.

Líderes-mordomos são seguros de sua identidade

em Jesus Cristo. Permanecem firmes nessa

segurança e rejeitam a tentação de desejar


3
afirmação ou aplauso de qualquer outra fonte.

Isso lhes dá condições de absorver as críticas e se

desviar do louvor.
Aula 4 Culto & Contextualização Dia: / /

Líderes-mordomos veem aqueles com quem

lideram e servem como companheiros de

peregrinação. Evitam a tentação de usar os outros


4 para promover seus interesses

Consequentemente, incentivam o crescimento

pessoal e espiritual de seus liderados e de seus

parceiros de serviço.

Líderes-mordomos consideram todos os recursos

como bênçãos de Deus. Resistem à tentação de

acumulá-los e desperdiçá-los. Ao contrário,


5
colocam-nos em ação de forma consciente com as

instruções da Palavra de Deus e a direção do

Espírito Santo; e o fazem para a glória de Deus.

Líderes-mordomos reconhecem a batalha

espiritual na qual estão, enquanto se esforçam

para liderar como mordomos fiéis num mundo de


6
pessoas que desempenham papel de senhores.

Falam a verdade, o que liberta as pessoas do

cativeiro para que possam experimentar a vida

abundante.

Líderes-mordomos aprenderam que a vitória

começa na rendição. Põem de lado a tentação da

7 autossuficiência e se vestem do manto do líder

que não possui reputação. Somente depois de

abandonar tudo, um mordomo pode liderar

eficazmente.

FONTE: HOAG, RODIN, WILLMER, 2016, p, 159.


Dia: / / Culto & Contextualização Aula 4

DEZ MARCAS DE UM MINISTÉRIO CENTRADO EM JESUS

(1) Submissão ao Pai, (2) Ser cheio, guiado

Liderança baseada na mordomia


e empoderado pelo Espírito Santo

(3) Planejamento estratégico baseado na

Estratégias focadas na fidelidade oração, (4) Captação de recursos para o

Reino

(5) Prestação de contas ministerial, (6)


Medição orientada por princípios eternos
Administração financeira transparente

(7) Servir às pessoas com humildade, (8)

Gestão baseada em relacionamentos Fazer tudo com amor

(9) Mobilizar pessoas com dons espirituais,


Visão dos recursos guiada pela mordomia
(10) Generosidade cristã radical

FONTE: HOAG, RODIN, WILLMER, 2016, p, 163.

>>>
Aula 4 Culto & Contextualização Dia: / /

O segundo passo: a compreensão do papel da contextualização litúrgica para a visão


da igreja local.

Neste sentido, Piragine orienta que:

A visão é o futuro desejado que antevemos pela fé. Os valores são alicerces sobre os
quais edificaremos o futuro. O contexto é o solo onde os alicerces são fincados.
Algumas pessoas imaginam que contextualização é apenas adaptar-se à realidade
existente, isto é, conformar-se com o mundo ao nosso redor. Contextualização,
entretanto, é saber como usar a realidade existente para, com base nela, construir a
realidade desejável ou uma nova visão. [...] No processo de contextualização, acontece
o mesmo: construímos uma realidade desejável e analisamos com cuidado o solo que
Deus nos deu, para então, aprofundar os valores. Com certeza, descobriremos que o
solo cultural de uma congregação não é uniforme. Alguns valores serão facilmente
assimilados, outros demandarão mais tempo e trabalho para serem fincados, de forma
que suportem o peso de uma nova edificação. (PIRAGINE JR., 2018, p. 72, 73)

Como observado, antes da dar-se início à contextualização há se de construir uma


“realidade desejável ou uma nova visão”, ou seja, a contextualização é fruto de um
projeto bem maior, uma visão de futuro e de cumprimento da missão da igreja local,
e não somente uma adequação ou “atualização” artística, de estilo ou midiática.
Contextualizar não pode ser o alvo principal da igreja, mas deve ser compreendido
como uma ferramenta útil para que a igreja alcance alvos e sonhos previamente
estabelecidos. Todo processo de contextualização litúrgica desligado de um projeto
maior, que o sustente, o defina e o justifique, está fadado a promover uma
“conformação” com as estruturas vigentes, atribuindo juízo de valor aos elementos
culturais à partir de gostos pessoais ou modismos, fugindo de seu propósito
principal: o de promover o reino de Deus de maneira inteligível e bíblica.

O terceiro passo: a compreensão de que o processo de contextualização exige


identificação

A resistência diante de mudanças é algo natural ao ser humano, e precisa ser vista
com um realismo otimista durante a contextualização litúrgica, por mais que
provoque certas situações que impeçam ou atrapalhem a realização do projeto em
Dia: / / Culto & Contextualização Aula 4

em questão. Por isso é sempre bom lembrar que quanto mais aqueles que propõem
a inovação estiverem integrados, conectados e possuírem a confiança da igreja, mais
facilmente vencerão as dificuldades que se levantarem, como explica Piragine :

Para um pastor, identificação significa mais do que conhecer o seu povo; significa sentir
com ele seus problemas e medos, tratar suas feridas e tornar-se instrumento de Deus
para fortalecê-lo espiritualmente. É por meio dessa santa identificação que surge a
verdadeira autoridade da liderança pastoral. [...] A partir de tal identificação é que o
projeto poderá dar certo. (PIRAGINE JR., 2018, p. 63)

Martinho Lutero, precursor de todo processo de contextualização litúrgica


protestante, ao perceber que as mudanças apresentadas por ele não seriam de
aceitação imediata nem tão facilmente assimiladas pela maioria dos cristãos
protestantes, principalmente diante do alto grau de analfabetismo, entendeu que
toda contextualização precisa estar aliada ao processo de educação, informação e
justificativa pois, cria ele, “Uma vez que as pessoas compreendessem que o objetivo
do culto era serem alimentados com o Evangelho, eles próprios receberiam com
prazer as mudanças.” (BUSS, 2011, p. 22). A demonstração de paciência de Lutero
diante do desafio de discernir acerca da velocidade com que mudanças deveriam ser
feitas é um mais uma de suas facetas que precisam ser trazidas à tona,
principalmente em dias intempestivos e acelerados como os atuais. Ele
compreendeu que toda contextualização faz parte de um projeto maior, e que, por
isso, deve ser conduzida como um processo, com etapas definidas e sempre
respeitando a maturação da congregação diante das inovações, como explica Buss:

A Reforma Radical era biblicista, mas Lutero examinou como algumas das antigas práticas
se enquadravam no todo e que mensagem passavam. Ele sabia que algumas eram
relativamente recentes, dos dias medievais, e não tinham mandato das Escrituras, mas
poderiam ser aceitas, desde que não estorvassem. O mesmo princípio foi aplicado na
visitação das igrejas da Saxônia em 1527-28. Os que foram visitar as paróquias foram
lembrados de que era importante ter uma teologia da Santa Ceia orientada pelo
Evangelho. Entretanto, os clérigos locais também foram orientados a ser pacientes e
ensinar quando as pessoas estivessem ainda relutantes em receber o cálice, mesmo já
tendo se passado tanto tempo. Quanto a outras práticas litúrgicas, deixou-se a cargo dos
visitadores a decisão de considerar o estado espiritual dos leigos antes de recomendar o
que poderia permanecer e o que deveria ser descartado. (BUSS, 2011, p. 23
Aula 4 Culto & Contextualização Dia: / /

É missão da igreja de Cristo o resgate da cultura e das artes, mas não sem julgar a
mesma cultura biblicamente, apropriando-se da contextualização crítica e definindo
os passos com que este resgate poderá ser realizado. Este zê-lo é uma
demonstração do amor com que uma liderança possui por sua congregação, pois
preferir a saúde da igreja em detrimento aos anseios pessoais de modernização é,
acima de tudo, um ato de amor. Amor que líderes como Lutero, nutriram e nutrem
pelo Povo de Deus.
Aula 5

Aula 5

Contextualização

litúrgica na prática

Aula 5 Culto & Contextualização Dia: / /

Contextualização litúrgica na prática

Os conceitos apresentados nesta matéria não cumpririam seu propósito se não

culminassem com uma proposta de contextualização litúrgica prática para

comprovar a viabilidade dos argumentos defendidos anteriormente. É importante

ressaltar que, a partir deste momento do trabalho, serão apresentados relatos de

experiência em sua maioria para ilustrar as reflexões e teorias levantadas,

apresentadas em 3 etapas: Desafios brasileiros, Como pensar o culto e, por fim,

Como contextualizar.

DESAFIOS E SOLUÇÕES

A grande maioria da literatura cristã disponível que trata de cultura contemporânea

e seus desafios para a igreja foram escritos fora do Brasil. Muitos desses livros estão

citados nesta pesquisa, mas tratando-se de contextualização é mister que a reflexão

acerca das associações culturais existentes ou não entre os conceitos externos e a

realidade brasileira se aprofunde. Nem todos os desafios são iguais. Alguns agravam-

se em solo brasileiro enquanto outros ainda nem chegaram por aqui, por isso, nesta

etapa da pesquisa, a presença de arcabouço teórico nacional é vital para a coerência

das propostas a seguir sem, contudo, abandonar a contribuição estrangeira que

corresponda com a realidade da sociedade e da cultura das igrejas urbanas

brasileiras. Os desafios são grandes, como afirma Borges:

O problema central que procuro debater é a relação que essa fragmentada, mestiça,

sincrética, mercantilista e teologicamente desnutrida igreja evangélica brasileira (há

quem diga que tal coisa não exista) mantém com a cultura nacional. Para os nossos

detratores, não dá para ser evangélico e ser brasileiro. Uma coisa anularia a outra. Será

mesmo? Vamos ver. (BORGES, 2016, p. 9)

Aula 5 Dia: / / Culto & Contextualização Aula 5

A acusação de Borges é grave, contudo levanta questões importantes e dignas de

análise. Seria necessário, por exemplo, questionar suas definições acerca do que é

ser evangélico e ser brasileiro, além de outras questões profundas demais para esta

pesquisa. No entanto há que se concordar com um argumento dado pelo autor: a

relação entre igreja e cultura brasileira não é das melhores e está longe de ser fácil.

O Brasil, com suas dimensões continentais, não possui uma só cultura que o

identifique. Há tantas diferenças que, enquanto nação, poucas coisas servem como

objeto unânime de identidade brasileira, e no meio dessa diversidade está a igreja

tentando equilibrar-se culturalmente, já que representa um outro reino, um outro

povo e nação. Mas que nação é essa? Qual sua cultura?

Na visão de João em Apocalipse 5.9,10, ele ouviu um cântico celeste que celebrava

Jesus, o Cordeiro digno de abrir o livro. Ele relata:

E cantavam um novo cântico, dizendo: Digno és de tomar o livro, e de abrir os seus selos;

porque foste morto, e com o teu sangue nos compraste para Deus de toda a tribo, e

língua, e povo, e nação; E para o nosso Deus nos fizeste reis e sacerdotes; e reinaremos

sobre a terra.

Segundo o texto, Cristo trouxe para o reino de Deus pessoas de todas as nações não

apenas salvando-as, mas dando-lhes autoridade sobre a terra. Esta não seria a

descrição do Reino de Deus? Sua igreja multicultural, espalhada pelos cantos do

mundo anunciando os valores de Deus através de suas próprias línguas e

identidades culturais? Se a resposta é sim, então esta pesquisa possui sentido e

razão, caso contrário (caso haja uma só cultura humana que deva ser utilizada para a

proclamação do Reino de Deus, e para isso deva ser reproduzida por todas as igrejas

do mundo), não há razão em falar de contextualização. Contudo, há os que crêem no

resgate cultural como sendo uma missão do Reino de Deus, e é por este motivo que

a reflexão se alavanca.

Os desafios brasileiros não são apenas geográficos e multiculturais, mas há também

certas divergências teológicas que produzem embaraço no processo de

contextualização litúrgica, e faz-se necessário refletir acerca da influência dessas

divergências na relação entre culto e cultura brasileira.


Aula 5 Culto & Contextualização Dia: / /

Polarização

Divergências não são novidade para a igreja cristã. Desde seus primórdios vê-se os

efeitos da inaptidão em relacionar-se com a diversidade na igreja e seus efeitos,

como advoga Reimer acerca da primeira igreja cristã em Jerusalém:

Naturalmente Jerusalém não era uma cidade puramente judia. Ali viviam pessoas de

todos os cantos do Império Romano. É claro que muitos eram judeus que voltavam do

exílio, mas na massa da população de Jerusalém também havia muitas pessoas de fala

grega e disposição helenista. E a igreja também os alcançava. Eles também chegavam à

fé. E o trabalho social de caridade da igreja também os beneficiava. É significativo que o

primeiro conflito da igreja tenha ocorrido justamente em cima desses limites culturais. As

viúvas de fala grega eram ignoradas durante o cuidado diário (At 6.1). E é ainda mais

significativa a forma que a igreja encontrou para solucionar esse problema. Ela cria uma

estrutura, a instituição dos diáconos, algo até então desconhecido entre os judeus. E

chama pessoas de origens diversas para esse cargo tão sensível do ponto de vista social e

cultural (At 6.5).

A situação das viúvas de fala grega foi contornada deixando claro à igreja que haviam

valores diferentes a serem seguidos pelos cristãos e que para Deus não havia mais

diferença entre judeus e gregos. Essa mensagem de equidade era dura demais para cristãos

judaizantes que criam em Jesus mas que mantinham o ideal de adaptar a fé cristã à cultura

judaica, o que, segundo Reimer, causou a decadência da igreja de Jerusalém:

A igreja de Jerusalém era uma igreja socialmente relevante? Sim, e como! Sua principal e

primordial preocupação era construir o reino de Deus nos seus arredores. Isto incluía

todas as áreas da vida social. [...] Ela continua assim? Não. Logo começam a surgir na

igreja de Jerusalém algumas tendências que levam à judaização da igreja. Em vez de

permanecer uma força transformadora da sociedade, a igreja, sob a liderança de Tiago, é

sugada cada vez mais pela força da lei judaica. As tentativas dos legalistas de impor a lei

de Moisés mesmo aos gentios convertidos (At 15.2) rapidamente se transformam em uma

exigência (At 21.20) que a liderança da igreja não consegue mais evitar. Mas toda essa

aproximação com a sinagoga não trouxe benefício algum à igreja. Em poucos anos a

igreja em Jerusalém perderá sua influência, seu significado e sua força espiritual. E virá a

crise. Para alguns observadores, esta crise se assemelhará a uma mudança de

paradigmas. (REIMER, 2011, p. 64,65)


Aula 5 Dia: / / Culto & Contextualização Aula 5

Para o autor, a força interna pela manutenção dos costumes judaicos enfraqueceu a

igreja de Jerusalém, apesar de todo o potencial multicultural existente naquela

cidade. De qualquer maneira, certamente a intenção dos cristãos judaizantes era a

de manter os costumes considerados sagrados, afastando a igreja das influências

pagãs. Sob este ponto de vista e considerando o fato de eles não disporem da

revelação completa do cânon Bíblico, a atitude zelosa desses irmãos pode ser

considerada perfeitamente normal, passiva de correção doutrinária e ensino

amoroso, como o realizado pelos apóstolos. A grande questão é que, passados mais

de 2 milênios, a igreja evangélica brasileira continua sofrendo com polarizações

acerca de liturgias, estilos musicais e artísticos que, no fundo, são conflitos

socioculturais. Para Stetzer e Queiroz, as demandas sobre o assunto tem se tornado

verdadeiras “guerras da adoração”:

Decisões devem ser tomadas. Estilos e metodologias devem ser escolhidos. Sendo assim,

como alguém decide? As guerras da adoração atuais têm dois lados. Um é motivado por

aquilo que se acredita ser relevante. Qual tipo de estilo musical vai permitir que nos

conectemos com as pessoas que estamos tentando alcançar e incentivar uma adoração

verdadeira? O outro lado é representado por aqueles que sentem que a reverência é o

elemento-chave da adoração. O primeiro grupo está tentando puxar a igreja para a

frente; o segundo está tentando empurrar a igreja de volta a um estilo mais reverente. O

puxa-empurra é que é o problema. Não existe lado certo ou errado. Na maioria dos casos

os que puxam e empurram perdem o foco. Além disso, tantos os que empurram quanto os

que puxam estão causando uma divisão desnecessária na igreja e danificando o

testemunho dos cristãos. Todos devemos relembrar que a adoração é tão atemporal

quanto o próprio Deus. [...] As pessoas de ambos os lados da questão expressam

convicções que são, na verdade, moldadas por preferências pessoais.

(STETZER;QUEIROZ, 2017, p. 158, 159)

Equilíbrio é a palavra. Esta matéria se baseia na busca deste equilíbrio, acreditando

que as igrejas não precisam assimilar modelos herméticos, nem tentar conceituar seu

modelo de culto com apenas um estilo. O equilíbrio existe quando cada igreja

desenvolve o seu estilo próprio, levando em consideração a sua história, a sua

realidade e o seu potencial de relevância.

Aula 5 Culto & Contextualização Dia: / /

Polarização nas igrejas batistas brasileiras

Na Convenção Batista Brasileira realizada na cidade de Natal em janeiro de 2019, a


AMBB - Associação dos Músicos Batistas do Brasil, reunida em congresso, facultou
o espaço para que diversos ministros de música relatassem

acerca dos desafios enfrentados em suas igrejas. Nesta ocasião foram expostas
situações desconhecidas até então das maiorias dos ministros presentes. Na
verdade, devido a número de relatos constatou-se a existência de uma tendência
entre vários pastores batistas brasileiros, especialmente do eixo sul-sudeste: a
utilização do Princípio Regulador do culto[2] como justificativa para proibir práticas

tão comuns entre as igrejas batistas como cantatas, a utilização de linguagens


artísticas como teatro e outros. A razão para alguns pastores batistas brasileiros
assumirem uma postura nunca antes utilizada pelos batistas certamente vem em
reação ao extremo utilizado por outros grupos que, buscando a contextualização
acrítica acabam por retirar completamente os princípios de reverência que o culto a
Deus requer. Realmente há uma guerra da adoração, como afirmam Stetzer e
Queiroz, mas há duas maneiras pelas quais as arestas podem ser reduzidas: a
primeira é informação, e a segunda é proposição.
Para auxiliar acerca da informação, Stetzer e Queiroz explicam:

Uma das principais polarizações quanto ao que deve fazer parte ou não de um culto de
adoração ao Senhor pode ser observada nos pontos de vistas contrários daqueles que
defendem os chamados Princípio Regulador e Princípio Normativo do culto. De maneira
geral, os que defendem o Princípio Regulador afirmam que só devemos ter no culto o que
a Bíblia claramente prescreve (como louvor, exposição da Palavra, oração, prática do
batismo e da ceia). Já os que defendem o Princípio Normativo a acreditam que podemos
ter no culto tudo o que a Bíblia não proíbe, desde que se obedeça a outros princípios
regentes, tais como a decência e ordem. As divergências são bem mais complexas do que
pensamos, pois, embora os defensores de ambas as correntes concordem, por exemplo,
que o louvor deve fazer parte do culto, a controvérsia em relação aos estilos musicais
existe desde os primórdios da história da igreja. (STETZER;QUEIROZ, 2017, p. 156)
Aula 5 Dia: / / Culto & Contextualização Aula 5

Diante dos relatos dos ministros de música, pode-se constatar que há entre os

pastores batistas brasileiros hoje tanto regulativistas (defensores do princípio

regulador) quanto normativistas (defensores do princípio normativo), o que acirra a

polarização. De qualquer maneira, historicamente os batistas brasileiros sempre

assumiram uma postura neutra acerca da liturgia (como já apresentado no capítulo

1) e este sempre foi um trunfo para que a cultura regenerada pudesse fazer parte da

vida da maioria das igrejas batistas espalhadas pelo Brasil. É na certeza de que ainda

há mais normativistas do que regulativistas que este trabalho assume uma postura

propositiva de busca por equilíbrio entre a missão de redenção do ser humano e de

sua cultura e o zelo pela supremacia da Palavra de Deus como principal fonte

normativa. A prática litúrgica da PIB Curitiba (Primeira Igreja Batista de Curitiba)

segue o princípio normativo, traduzido através de um dos valores ministério de

Adoração “Toda arte é para a glória de Deus”. A igreja tem assumido seriamente a

missão de resgatar o propósito da arte e do artista para seu lugar de origem, ou seja,

a presença de Deus, Sua glória e a proclamação de suas verdades. São diversos os

ministérios atuando com as linguagens culturais mais comuns como dança, teatro,

cinema e outros além da música. Alguns de seus eventos artísticos evangelísticos

fazem parte do calendário de eventos da cidade de Curitiba e recebem milhares de

espectadores todos os anos. Vez por vez a igreja vem desafiando a cultura a

adequar-se aos valores Bíblicos e às expectativas divinas.

No entanto, é importante frisar que resgatar a cultura para Deus não significa inserir

todos esses elementos no culto congregacional. Este é um processo gradativo que

requer as habilidades mencionadas no capítulo 1 de avaliação crítica da linguagem.

Por exemplo, o ministério de dança da PIB Curitiba existe há mais de

10 anos, mas apenas há 2 anos esses grupos vem participando do culto

congregacional através de performances artístico-musicais chamadas de

ministrações especiais. Nunca houve por parte da igreja qualquer objeção à dança, e

ela sempre foi bem vinda nos eventos especiais, mas no culto congregacional levou

certo tempo para que fosse bem quista por questões culturais e filosóficas por parte

de alguns membros. Foi somente quando observado que a resistência diminuíra

drasticamente que a atividade passou a ser incorporada aos poucos no culto. No

ano de 2020 o ministério de dança participará dos cultos a cada 2 meses, ficando

livre para realizar suas atividades evangelísticas e artísticas durante o intervalo.


Aula 5 Culto & Contextualização Dia: / /

Quando os grupos artísticos são orientados a utilizar seu potencial evangelístico


fora do culto congregacional, descobrem que não precisam ensaiar apenas para
dançar a cada 2 meses, mas a cada semana possuem desafios missionais servindo a
Deus e à sociedade através de sua arte. Na PIB de Curitiba todos os grupos
possuem tam liberdade desde que, organicamente, estejam presentes nas atividades
artísticas da igreja. Este é um processo construído através de uma liderança forte e
presente, que entende o desejo artístico de seus participantes e canaliza-o para a
missão, e não para a performance litúrgica.
Aula 5

Aula 6

Conflitos Geracionais
Aula 6 Culto & Contextualização Dia: / /

Conflitos geracionais
Este talvez seja o desafio mais observado nas igrejas e, com o surgimento do modelo

mental pós-moderno, das inovações tecnológicas e demais avanços culturais, a crise

tende a piorar. Antes de tudo é preciso compreender que esta é ainda o início do

século XXI e a maioria dos conceitos acerca de pós-modernidade e sua influência no

culto cristão estão ainda em fase de construção. A verdade é que a fluidez do

pensamento contemporâneo e sua tendência fragmentadora dificulta a elaboração

de um prognóstico exato do futuro, restando a todos a tentativa de, com a Graça de

Deus, fazer suposições.

Independente disso, é preciso compreender que o pensamento milleniuns, MCM

têm cumprido seu papel em globalizar e incutir a todas as pessoas, das mais diversas

gerações e culturas, os valores pós-modernos, como já exposto no Capítulo 2. As

igrejas estão cheias de pessoas criadas na cultura moderna mas que lutam com o

pensamento pós-moderno disseminado de todas as formas pela cultura. Ao mesmo

tempo, há jovens pós-modernos que assimilam acriticamente essa cultura. Todos

eles estão nos cultos dominicais das igrejas e lidar com toda essa diversidade não é

tarefa fácil, como explicam Stetzer e Queiroz:

A igreja tem brigado por causa da música ao longo de toda a história. Dos cantos

gregorianos, passando pelo Messias de Händell e chegando ao rock gospel, temos

batalhado por questões pessoais e emocionais na hora de escolher músicas. As pessoas

abraçam seu estilo preferido com grande paixão. A idéia de que sempre haverá guerras

ligadas à adoração é desanimadora. A missão do diabo é fazer com que as pessoas

perdidas continuem perdidas - e levar-nos a não prestar atenção na Glória de Deus é uma

estratégia engenhosa. Quando a música se confunde com adoração, Satanás vence. O

desejo por transformação é substituído pelo desejo por satisfazer o gosto musical, numa

troca bem danosa. O fato é que toda geração tende a repudiar a música da geração

anterior ou da seguinte. Assim, existe uma tensão constante entre pelo menos três

gerações sobre suas preferências musicais. Porém, se os homens brigam por causa de

estilo musical, Deus usa todos os tipos de música para a sua glória e honra. Estamos

brigando por causa de formas culturais quando deveríamos nos envolver em conteúdo

bíblico. Deus usa formas diferentes? Sim. Lembre-se: a adoração é uma questão de

coração. E, com base no registro bíblico, não encontramos essa coisa de “música cristã” e

“música secular”, mas apenas letras cristãs ou não


Aula 5 Dia: / / Culto & Contextualização Aula 6

A convivência pacífica entre as gerações só é possível quando é estabelecido um


diálogo saudável, franco e aberto entre as partes o que, na maioria das vezes, precisa
ser fomentado pelas lideranças mais velhas por entender-se serem mais maduras e
possuírem uma visão global da igreja, não apenas departamentalizada. Para
Cassiano, a igreja precisa preocupar-se com sua sustentabilidade. Ele explica: “[...]
sem um relacionamento sustentável entre as gerações, comprometemos a transição
e, com certeza, a unidade da igreja.” (DULCI, 2016, p. 28).

A perda da sustentabilidade causada pela falta de diálogo entre as gerações


prejudica o potencial de relevância das igrejas locais, diminuindo ou até mesmo
anulando a possibilidade de que essas igrejas tornem-se agentes de transformação
comunitária nas diversas áreas possíveis Cassiano disserta:

Tal processo inicia-se com o desinteresse da geração mais jovem em relação à tradição
que os líderes mais experientes não conseguem transmitir. Somando a isso, existe a
pressão de uma cultura de resultado, isto é, a necessidade de tornar o trabalho visível
para os outros. Isso faz que o processo de discipulado seja comprometido, uma vez que
isso é algo que precisa ser feito por um líder servo com poucas pessoas - o que não
interessa ao evangelho da visibilidade, no qual, para ter sucesso é preciso aparecer
“servindo” à multidão. O auge dessa distorção ocorre quando alguns indivíduos
transformam seu nome em uma marca que precisa ser vendida, divulgada e submetida às
leis do mercado gospel. Ou seja, ao que parece, o que estamos vendo são líderes que
procuram apenas viabilizar o seu projeto ministerial, o que compromete a continuidade
da própria iniciativa, uma vez que essa postura não permite deixar legado algum.

A trajetória parece estar recheada de medo. Medo de perder a posição, a influência, o


alcance ou, pior, o emprego - que, infelizmente, é como muitos encaram o ministério. [...]
Por causa desse medo e dessa incapacidade de transpor a si mesmos, muitos líderes
eclesiásticos têm morrido sozinhos. [...] A razão desse fenômeno é simples: não existiu
transição e, por isso, a sustentabilidade foi comprometida. A situação é péssima nesse
aspecto. Os líderes mais jovens da Igreja crescem observando a solidão de um líder
autoritário que não constrói processos de transição. Isso só perpretará a
insustentabilidade desses relacionamentos e desses ministérios. (DULCI, 2016, p. 28)
Aula 6 Culto & Contextualização Dia: / /

Engana-se quem pensa que o problema da sustentabilidade não afeta o culto

dominical da igreja. A maioria dos conflitos geracionais acerca de estilos musicais é

dirimida quando há uma atmosfera, um sentimento de respeito e amor mútuo

preconizado pelo pastor e pela liderança da igreja. Essa atmosfera torna-se

contagiante e promove um sentimento compartilhado de respeito às diferenças e

até valorização das mesmas. Para o jovem “contaminado”, trata-se de um ato de

honra aos mais velhos cantar os hinos mais antigos, enquanto que para o mais velho,

cantar cânticos contemporâneos representam a alegria de presenciar jovens

(inclusive seus filhos e netos) adorando a Deus na igreja, enquanto muitos não o

fazem. Importa ressaltar que tal compreensão não surge naturalmente pois,

infelizmente, é natural do ser humano procurar a satisfação própria. Essa unidade é

produto do Espírito Santo que, encontrando lugar nos corações dos líderes, passa a

convencer os demais membros da congregação.

Realizar uma liturgia dominical em uma igreja “contaminada” pela atmosfera da

unidade torna-se prazeroso, ao contrário do desafio penoso enfrentado por muitos

líderes semanalmente. O culto sempre será o resultado de sua igreja, e se há

intencionalidade na busca por relacionamentos sustentáveis entre as gerações nos

demais dias da semana, o culto refletirá o resultado dessa intencionalidade.

Para Cassiano, há solução para os conflitos geracionais da igreja, e está nos

relacionamentos saudáveis, como explica:

Se a falta de contato entre as gerações é o problema, insistir no relacionamento entre elas

é a solução. Relações verdadeiras, sinceras, intencionais, dispostas e, principalmente,

maduras são os primeiros passos para um evangelicalismo mais harmônico no Brasil.

Promover o relacionamento para tratar a distância geracional demanda esforço pelo

vínculo da paz que Paulo menciona em Efésios - vínculo que valoriza os aspectos

invisíveis, o subjetivo, a disposição para o desgaste: “Assim como o ferro afia o ferro, o

homem afia o seu companheiro” (Pv 27.17). [...] Geralmente, grande parte da igreja está

tão condicionada a avaliar resultados e funcionalidades que se esquece de mensurar os

ganhos na parte “invisível”, subjetiva. [...] Nesse caso, vale a pena nos questionar se

usamos nossos relacionamentos para realizar eventos, ou usamos os eventos como

pretexto para valorizar os relacionamentos. Se nos dedicarmos a essa percepção, então

passaremos a adotar uma cultura mais relacional em nossas avaliações. (DULCI, 2016, p. 32, 33)
Aula 5 Dia: / / Culto & Contextualização Aula 6

Contextualizando para a experiência ministerial da PIB Curitiba, o outro valor que


norteia a prática é “As pessoas são mais importantes que as coisas”, ou seja durante a
vivência ministerial as necessidades humanas são consideradas superiores às
artísticas, e isso se dá de diversas formas. Em relação às questões geracionais,
algumas experiências têm alcançado êxito. No culto dominical, por exemplo, não se
faz qualquer diferenciação entre hino e cântico. Ambos são executados com o
mesmo aparato técnico (orquestra, banda, coro, bacs) e muitas vezes são dispostos
em formato medley, juntando partes de hinos e cânticos em um mesmo arranjo. A
intenção em executar estilos diferentes sem ressaltar suas diferenças é exatamente a
de auxiliar na atmosfera de unidade geracional sob a qual a igreja estabelece suas
relações durante a semana, revelando ser, o culto dominical, uma experiência da
igreja toda, e não de um grupo específico.

Na área de coros também houve uma alteração filosófica que ajuda na interação
geracional. Até o ano de 2018, todos os coros da igreja seguiam o modelo graduado
(separado por faixas etárias), contudo percebeu-se uma mudança drástica no
interesse de adolescentes e jovens na prática coral. O modelo estava obsoleto para
os adolescentes, chegando ao ponto de encerrarem-se as atividades do coro de sua
faixa etária. Ao mesmo tempo, os jovens adultos já possuíam idade mais avançada
mas não compartilhavam do gosto musical erudito realizado pelo coro de adultos,
permanecendo no coro de jovens. Diante das realidades específicas, o ministério
optou por trabalhar com coros graduados de crianças a adolescentes, sendo que o
modelo coral dos adolescentes foi atualizado, incorporando coreografia, teatro e
outras atividades, tornando-se um coro multidisciplinar e artístico. Os coros de
jovens e adultos sofreram alteração filosófica passando a serem considerados coro
de estilo contemporâneo e coro de estilo erudito, ambos abertos para pessoas de
qualquer idade. As mudanças foram bem recebidas pela igreja e logo houve grande
adesão de interessados em todos os coros. Há também o grande coro da igreja,
composto da junção de todos os demais e aberto a outras pessoas que desejarem
participar dos eventos específicos de páscoa e natal. Neste coro a interação
geracional já é uma realidade há alguns anos e seus efeitos positivos sobre o
propósito de unidade da igreja são notórios.
Aula 6 Culto & Contextualização Dia: / /

O conflito entre questões de preferência e questões de


verdade

Muitos dos conflitos existentes em relação ao culto cristão baseiam-se no que Adler
chama de “questões e preferência” e “questões de verdade” (ADLER, 1990, p. 2). Ao
mesmo tempo em que o pluralismo pós-moderno tenta flexibilizar a verdade
absoluta do evangelho, o contrário também ocorre quando preferências e gostos são
imputados como verdades absolutas. Suplantar este conflito é vital para que haja
contextualização litúrgica bíblica e esta é uma tarefa que o líder eclesiástico
responsável pela liturgia não pode abdicar.

Apesar de ser um fenômeno anterior à pós-modernidade, os conflitos sobre


preferência e verdade são agravados com a massificação da cosmovisão secular pós-
moderna que estrapola o aspecto geracional. O poder massificador dos MCM (como
apresentado no Cap. 2) vem adestrando mentes de todas as idades de uma maneira
jamais vista anteriormente, por isso é de certa maneira comum encontrar pessoas
que, por sua idade biológica, deveriam possuir uma consciência mais voltada para a
busca da verdade sobre as coisas, mas que acabam sucumbindo a um pseudo
pluralismo cristão mantendo-se distante da racionalidade e priorizando seus gostos
pessoais.

Apesar do grande desafio, Zacharias considera algumas janelas de oportunidade


para a comunicação do evangelho em meio à cosmovisão pós-moderna:
Em primeiro lugar, o pós-modernismo talvez seja um dos padrões de pensamento mais
oportunos já apresentados a nós para a propagação do evangelho [...] Todas as disciplinas
perderam sua “autoridade final”. As esperanças que a modernidade ressaltou - o trunfo da
“Razão” e da “Ciência”, que muitos acreditam que traria a utopia - falharam em quase
todos os aspectos. Mesmo com com todos os nossos benefícios materiais, ainda existe
uma fome pelo espiritual. [...] Em segundo lugar, resta o suficiente da cosmovisão
moderna para que a razão ainda tenha uma porta de entrada. Mas precisamos usar esse
conhecimento com sabedoria. Não podemos oferecer uma overdose de argumentos. Em
terceiro lugar, há na mente pós-moderna uma busca tremenda por comunidade. [...] A
adoração ao Deus vivo é o que, em última análise, une as várias inclinações do coração e
lhes confere foco. E uma comunidade que adora aglutina a diversidade da nossa cultura,
Aula 5 Dia: / / Culto & Contextualização Aula 6

da nossa educação, das nossas experiências e nos reúne em uma expressão coletiva de

adoração. Um dos apelos mais poderosos à mente pós-moderna é a comunidade

adoradora. Em quarto lugar, devemos estar atentos à intervenção de Deus na história. [...]

E por fim, [...] A ausência de significado não vem do fato de o ser humano estar cansado

da dor, mas sim cansado do prazer. Temos nos exaurido nesta cultura tolerante. [...] Com

tudo isso que o terreno cultural nos apresenta, a máxima de que “para se encontrar, é

preciso se perder” contém uma verdade que qualquer um em busca de realização pessoal

precisa compreender. A igreja também deve manter isso em mente. As janelas de

oportunidade são da maior importância. Quem tem ouvidos, ouça o que o Senhor nos

tem proporcionado. (CARSON, 2015, p. 29-31)

Importante observar na fala de Zacharias que o culto cristão comunitário possui

grande importância e potencial na cultura pós-moderna, mas precisa passar por

constante avaliação de forma a fim de conectar-se com as expectativas comunais

pós-modernas. O culto dominical sempre foi considerado uma das principais

atividades cristãs ocidentais, mas sua permanência nessa posição requer uma análise

crítica, como fazem Jensen e Payne:

A essa altura, muitos leitores podem estar pensando: “Mas não vamos à igreja para

basicamente adorar a Deus? E não é isso que o domingo nos oferece e que a atividade

paraeclesiástica da semana não consegue oferecer?”. O fato de essa visão ser tão comum

entre os evangélicos hoje é testemunho tanto da nossa falta de de envolvimento sério

com o que a Bíblia de fato diz sobre a igreja quanto da nossa memória histórica curta.

Escrevemos como evangélicos anglicanos, cuja denominação tem sido basicamente

destruída por essa visão de igreja e adoração ao longo dos últimos 150 anos. Quando

ouvimos evangélicos afirmar que a igreja é adoração e que nossos prédios são santuários,

sendo a mesa do Senhor um altar, é bastante perturbador, sobretudo pelo fato de ser

muito errado biblicamente. [...] Ainda adoramos na igreja - mas somente no sentido de

que nela respiramos. Não vamos à igreja para adorar, assim como não vamos à igreja para

respirar. O propósito da igreja é a comunhão com o povo de Deus em torno da Palavra de

Deus. Adoramos em cada aspecto da nossa vida, a cada dia, ao oferecermos nossos

corpos como sacrifícios vivos a Deus. Confundir as duas coisas, como a maioria dos

evangélicos parece fazer hoje, é um erro drástico. (CARSON, 2015, p. 221)

Aula 6 Culto & Contextualização Dia: / /

Apesar de tratar-se de uma realidade norte-americana, o relato cabe bem para a

realidade brasileira pois também ouve-se por aqui frases como “vamos para a igreja”

ao invés de “somos a igreja” ou “este é o momento de adoração do culto” ao invés de

“continuemos a adorar a Deus, mas agora com músicas e em comunhão uns com os

outros.”. A minimização da importância do discurso tem mantido o status quo anti-

bíblico na vida cristã de muitos brasileiros, por isso as questões de culto precisam

transicionar de questões de preferência para questões de verdade o mais rápido

possível, a fim de redimir as próximas gerações dos erros mantidos até agora.

O culto pós-moderno tenderá a tornar-se mais comunal, visto que a maioria dos

indivíduos busca espaços de convivência legítima, onde pessoas revelam na vida

prática e na liturgia algo verdadeiro fruto de relacionamentos reais e saudáveis. O

que mais, além da igreja pode oferecer esta experiência? O culto precisará cada vez

mais refletir esta dinâmica, revelando, definitivamente, o estilo de vida dos que dele

participam. Acerca disso, Fernando afirma:

Se nossa atitude para com não cristãos é de amizade, nosso estilo de vida no meio deles é

de serviço. Creio que esse estilo de vida é umas das respostas mais poderosas para a

acusação de arrogância e intolerância. [...] Nesta era pós-moderna em particular, dá-se

grande valor às provas subjetivas para a validade de uma religião. As pessoas estão

menos interessadas em saber se uma religião é verdadeira. Querem saber se funciona. Em

um ambiente desses, o estilo de vida de servo adotado pelos cristãos pode ser a chave

para abrir portas e apresentar o evangelho de um Salvador singular. (CARSON, 2015, p.

139, 140)

Na experiência da PIB de Curitiba, a contextualização litúrgica e a inclusão de

elementos culturais no culto são realizados através de um processo simples mas que,

em sua maioria promovem a sublimação das questões de preferência e de verdade,

pois retira o elemento a ser incluído do aspecto do gosto pessoal e coloca-o como

objeto de observação acerca de sua validação bíblica, sua relevância contextual e sua

aceitabilidade pela congregação. O processo pode ser compreendido da seguinte

forma:
Aula 5 Dia: / / Culto & Contextualização Aula 6

Validação BÍBLICA: O objeto, com base nos princípios normativos, passa por um

processo de avaliação de veracidade Bíblica, ou seja, uma examinação à luz das

escrituras para elucidação acerca da aprovação ou não de sua utilização pela Palavra

de Deus. É importante observar que, em face do distanciamento cultural ser muito

grande entre a Bíblia e a cultura brasileira contemporânea, caso o objeto não seja

encontrado literalmente no texto bíblico passa-se a observar se sua utilização

poderá ferir algum princípio Bíblico de modo geral, o que leva sua avaliação para o

próximo passo.

A relevância contextual avalia o papel que aquele objeto exerce na sociedade

secular, a maneira com que comumente é utilizado na cultura e suas

ramificações. É feita uma pergunta neste estágio que facilita o processo :”Quando se

pensa nisso (objeto), que imagens e sentimentos brotam automaticamente?”

Normalmente, esta pergunta feita a um grupo de avaliadores proporcionará diversas

respostas que, quando colocadas em conjunto trarão algumas similaridades. Essas

similaridades revelarão quase que inequivocadamente a associação do objeto na

cultura vigente. Neste caso, quanto mais distante dos valores Bíblicos estiver a

associação do objeto, mais desafiadora será sua utilização, sendo necessário uma

reconstrução de sua identidade antes de sua utilização.

Um exemplo que pode ser utilizado acerca desse processo é o ministério Doadores

D´Alegria composto por clownn, ou seja, pessoas que assumem uma personagem

cômica caracterizada com elementos semelhantes a palhaços de circo. Esta espécie

de linguagem artística é pouco conhecida no Brasil, a não ser por sua atuação no

processo de humanização e, no caso da PIB Curitiba, evangelização de pessoas

doentes em hospitais. Há, no entanto, diferenças básicas entre um palhaço de circo e

um clown, o que dificulta bastante sua utilização pela igreja em outras atividades. No

caso do Doadores D´Alegria, sua linguagem não encontrou qualquer impedimento

Bíblico esbarrando na questão da relevância contextual. Todas as pessoas que

responderam à pergunta de avaliação associaram os clowns mais à atividade

circense do que qualquer outra atividade, deixando clara a confusão existente em

relação às características reais desse ministério. Havia duas opções ministeriais a

seguir:
Aula 6 Culto & Contextualização Dia: / /

a) Manter o ministério em suas atividades de capelania sem, contudo, esclarecer à

igreja tanto sua identidade quanto sua relevância e b) Expô-lo à congregação de uma

maneira a iniciar um processo de aceitabilidade e compreensão. No ano de 2019 a

igreja decidiu por utilizar a opção “b”, o que leva ao próximo passo.

Aceitabilidade pela congregação é, talvez, no processo de avaliação do objeto o

passo mais desafiador pois requer estratégia e sabedoria em sua efetivação. Não é

lícito expor um objeto ou linguagem cultural à liturgia congregacional sem que haja

profunda preparação da liderança, especialmente do pastor da igreja, pois

normalmente o primeiro contato não realiza-se sem certa rejeição de alguns. No

caso dos clowns, um ministério que existe hà mais de 10 anos da PIB de Curitiba,

sua inclusão foi planejada de maneira a não exercer grande protagonismo, sendo

incluído como figuração em um roteiro de Páscoa. Aos poucos foram alcançando

mais espaço saindo da figuração para papéis com fala. Eles ainda não participam da

escala de cultos como um grupo fixo e nem desejam isso, mas a visibilidade

proporcionada a eles trouxe grandes benefícios ministeriais, especialmente no que

tange ao interesse de pessoas a ingressar em seu ministério ou apoiar de alguma

maneira suas atividades evangelísticas.

Às vezes vale a pena arriscar algo mais ousado quando se objetiva ressignificar uma

linguagem artística, mas não sem avaliação dos prós e contras, como no caso do

aniversário de 30 anos de ministério do pr. Paschoal Piragine, pastor sênior da PIB

Curitiba. Sua chegada foi recepcionada pelos clowns e caracterizaram-no como um

apenas para que fossem tiradas algumas fotos divertidas antes do culto, mas o pr.

Paschoal Piragine ficou tão interessado em dar maior visibilidade ao ministério deles

que decidiu entrar na igreja vestido de clown. O pastor Paulo Davi, ministro de

adoração, que o acompanhava também entrou na brincadeira e ambos surgiram

caracterizados, provocando um espanto positivo na congregação que os aplaudiu de

pé enquanto ria. Antes de iniciar propriamente o culto, ambos retiraram seus ítens

de fantasia e fizeram uma menção de agradecimento pelo trabalho realizado pelo

ministério Doadores D´Alegria. É importante deixar claro que a rejeição também

existiu manifesta através de 2 e-mais ao gabinete pastoral, mas diante de uma

quantidade tão ínfima de manifestação negativa, percebeu-se que houve a aceitação

da maioria da congregação. Apesar do resultado positivo, clowns continuam atuando


Aula 5 Dia: / / Culto & Contextualização Aula 6

ministerialmente em suas visitas hospitalares e, vez por outra, surgem como

elementos litúrgicos, quando necessário.

A tabela abaixo ajuda na compreensão do processo de avaliação de algum objeto

cultural a ser inserido na liturgia congregacional:

PROCESSO DE AVALIAÇÃO

Passo 1: Passo 2: Passo 3:

Objeto Validação Relevância Aceitabilidade da

Bíblica contextual congregação

Aceita como Durante Idade A maioria dos

DANÇA manifestação Média passou a ser membros das

alegre de louvor e considerada igrejas corrobora

adoração a Deus sensual e foi com a associação

proibida pelo da dança à


cristianismo da sensualidade,

época. A tornando sua

associação da utilização litúrgica

dança à
um grande desafio

sensualidade tanto de

permanece e é ressignificação

massificada pela
quanto de

cultura ocidental aceitabilidade

midiática.

FONTE: ROCHA;ROCHA, 2009, p. 489.

Após a realização do processo de avaliação passa-se a planejar a inclusão do objeto

na liturgia. Este planejamento também é realizado em etapas distintas, como

apresentado no próximo ponto.


Aula 6 Culto & Contextualização Dia: / /

PRINCÍPIOS PRÁTICOS

Após a avaliação ainda há um caminho a ser percorrido antes da inclusão do objeto

cultural na liturgia. A importância da fase avaliativa é grande, pois o líder em questão

terá levantado substanciais argumentos para a implementação do mesmo, contudo,

nem todas as pessoas envolvidas na liturgia congregacional conhecem ou estão

dispostas a concordar com os argumentos levantados. Nesta hora o líder precisa

estar intimamente conectado com a vontade de Deus para discerni-la frente às

tantas vozes movidas pelas questões de preferência que irão surgir. Ainda que o

objeto em questão tenha sido aprovado no processo avaliativo isso não quer dizer

que o ambiente eclesiástico esteja pronto para absorvê-lo, por isso esta fase da

contextualização requer paciência e abertura ao diálogo com as demais lideranças.

Uma conversa com o pastor ou alguns líderes pode revelar a vontade de Deus para

aquele momento, prevenindo o líder interessado na inclusão do objeto de que essa

inclusão pode ser mais nociva do que benéfica. A contextualização não pode ser

realizada abruptamente pois, em muitos casos, poderá incitar divisões na igreja. A

unidade da igreja está acima do interesse em resgatar a cultura e ressignificá-la, e

esta unidade precisa ser encarada como prioridade. Caso o líder entenda que Deus

está autorizando a inclusão, certamente o ambiente de receptividade será maior por

parte da liderança e da congregação, e isso é perceptível aos líderes que gastam

tempo analisando o perfil e o ânimo de sua congregação. Sem tal discernimento é

impossível contextualizar a liturgia sem deixar grandes feridas pelo caminho.

Seguem algumas sugestões de princípios utilizados pela liderança da PIB de Curitiba

em seu processo de contextualização que vem ajudando a igreja a manter-se unida

sem perder sua relevância no processo de resgate cultural:

Princípio 1 - Seguir os movimentos naturais da igreja: observar que linguagens

culturais e artísticas estão brotando naturalmente dentro da congregação. Esta

observação é muito importante pois foge da expectativa pessoal de alguém por

incluir um objeto ao culto e passa a ser uma reação orgânica da igreja. Às vezes a

chegada de um profissional em determinada área artística pode iniciar um

movimento fluido de desenvolvimento ministerial dessa área, e o líder precisa


Aula 5 Dia: / / Culto & Contextualização Aula 7

observar com carinho essa realidade como uma oportunidade, um sinal de que Deus

está ampliando o potencial ministerial artístico da igreja. Acerca dessa fluidez e da

necessidade de percepção, Gire escreve:

Alcançamos Deus de muitas maneiras. Pela escultura e pela escrita. Pela pintura e pela

oração. Pela literatura e pela adoração. E por todos esses meios Deus nos alcança. A

busca divina começa com algo que ele diz. A nossa começa com algo que ouvimos. A

busca de Deus começa com algo

que ele mostra. A nossa começa com algo que vemos. Buscamos a Deus,

e ele nos busca e as duas experiências se cruzam nas janelas de nosso cotidiano. Essas

são as janelas da alma. De certa forma, é como a disciplina espiritual para os

espiritualmente indisciplinados. É também a mais rigorosa das disciplinas: a disciplina da

percepção. É preciso que estejamos sempre olhando e prestando atenção para

enxergarmos as janelas e ouvirmos no que por elas está sendo dito. [...] Em todos os

lugares para onde olhamos, há quadros que na verdade não são quadros, mas sim,

janelas. (GIRE, 2003, p. 20, 21).

Normalmente ministérios criados do nada, formados apenas para sanar a expectativa

estética de um ou de outro líder causam mas malefícios do que benefícios. Observar

o crescimento orgânico torna o trabalho mais fácil e natural, pois respeita o

surgimento de ações que provém da própria comunidade eclesiástica.

No caso da PIB de Curitiba, todos os ministérios artísticos existentes nasceram

primeiro dentro da congregação, com pessoas interessadas em exercê-lo. A igreja

deseja expandir suas atividades para linguagens que ainda não foram alcançadas,

como escultura, pintura, cinema e outros, mas para isso a liderança continua

esperando os sinais de interesse surgirem do próprio povo de Deus, bem como

acontecido com os demais.

Princípio 2 - Aproximação intencional: quando observado o potencial orgânico é

imperativo que o líder interaja em todas as fases de desenvolvimento do novo

grupo, mesmo que este seja composto por membros antigos da igreja. Este precisa

estabelecer um vínculo saudável de interação, aberto às discussões acerca das

principais questões que normalmente surgem neste momento, especialmente tra-


Aula 6 Culto & Contextualização Dia: / /

tando-se de questões de preferência e questões de verdade. Acerca dessa interação.

Gibbs explica:

Líderes de igrejas devem aprender que pessoas precisam ser liberadas para usar os dons

de Deus em resposta ao chamado de Deus. A tarefa do líder é servir em uma relação de

mentoreamento de responsabilidade mútua, de maneira que o discernimento possa ser

exercido para identificar a verdadeira motivação da pessoa que está sendo mentoreada,

enquanto ministra conselhos sábios e suporte espiritual. Mas pessoas devem estar livres

para tomar suas próprias decisões e carregar a responsabilidade do curso da ação à qual

se comprometem. Líderes que operam em uma estrutura hierárquica veem ser papel

como sendo de delegar e conceder permissão. Pessoas que funcionam dentro de uma

rede capacitam e concedem recursos àqueles ao seu redor, sem tentar exercer controle.

Controladores trazem uma mentalidade de suspeita e inibem os indivíduos de exercerem

iniciativa. Assim, eles privam os outros da oportunidade de crescer e amadurecer através

do aprendizado, através de ter sua fé testada enquanto chegam ao improvável e

aparentemente impossível. (GIBBS, 2012, p. 87)

No texto acima Gibbs acrescenta a questão de controle que sendo mais um desafio a

ser vencido. Acostumados a estabelecer uma relação puramente hierárquica, líderes

eclesiásticos encontram muita dificuldade em tornarem-se mentores e não chefes.

Apesar da dificuldade, é mister compreender que o modelo de gestão hierárquico,

desprovido de interação está em declínio inclusive nas corporações privadas, sendo

substituído pelo modelo de rede, ou seja, um modelo baseado na interação e na

sinergia das partes. A mente pós-moderna tende para a melhor aceitação do modelo

de rede e neste princípio de contextualização, estabelecer interação e sinergia é vital

para o bom funcionamento da proposta. Nunca desejou-se tanto líderes-mentores

como agora! (GIBBS, 2012, p. 87).

Na PIB de Curitiba a mentoria dos líderes de artes é uma premissa ministerial. O

ministério está dividido entre 5 ministros auxiliares, além do pr. titular que, à partir

de suas ênfases de atuação trabalham como pastores de um rebanho específico.

Além de encontros quinzenais individuais com os líderes, há encontros, reuniões,

cursos e diversas outras atividades que estabelecem o vínculo da mentoria direta.


Aula 5 Dia: / / Culto & Contextualização Aula 6

Princípio 3 - Alinhamento de visão: é importante lembrar que uma linguagem

artístico-cultural recém chegada à igreja carrega consigo conceitos opostos aos

valores bíblicos massificados pela cosmovisão secular, fazendo-se necessário um

processo de ressignificação da mesma. Este processo dá-se através do investimento

na formação espiritual, teológica e ministerial do grupo interessado e a reconstrução

conceitual do significado da linguagem. A prática ministerial do grupo só deve ser

elaborada após este processo de alinhamento. Acerca desse processo formativo,

Gibbs acrescenta:

Organizações de rede treinam pessoas no trabalho. Os melhores modelos garantem que

teoria e aplicação andem de mãos dadas. A teoria informa a prática, mas igualmente

importante, a prática desenvolve a teoria. Essas teorias podem então ser testadas de

forma rigorosa para verificar sua ampla validade. Conhecimento e sabedoria devem

seguir juntos, pois se nosso conhecimento superar nossa sabedoria, pode se tornar um

constrangimento ou uma ameaça. Discernimento é a combinação de conhecimento e

sabedoria. As pessoas são equipadas na medida em que desenvolvem competências nas

áreas do ministério por meio desse processo interativo. Igrejas comprometidas em

desenvolver suas próprias lideranças devem reconhecer as limitações da abordagem

interna de aprendizado.[...] Para uma igreja operar como uma presença missionária

transformadora em qualquer sociedade, seja ela tradicional, moderna ou pós-moderna,

líderes precisam de preparação teológica e missiológica, bem como o desenvolvimento de

habilidades de ministério. (GIBBS, 2012, p. 106)

Na experiência da PIB de Curitiba, notou-se a necessidade de complementar a

formação ministerial de seus líderes artísticos há cerca de 05 anos, proporcionando-

lhes cursos específicos de liderança e, em vários casos, encaminhando-os ao curso

de Bacharelado em Teologia. Estabeleceu-se que no perfil dos líderes do ministério

de adoração e artes da PIB Curitiba devem estar presentes 3 características básicas:

paixão, vocação e competência. Entende-se paixão como uma afeição profunda por

Deus, por sua presença e por sua palavra. O líder deve ser um exemplo aos fiéis em

piedade, vida santa e conhecimento de Deus. Por vocação espera-se que o líder

possua um chamado específico de Deus para liderar na igreja, ou seja, que ele

conheça seus dons espirituais e esteja ciente da missão dada por Deus a ele e seu

ministério. Competência são as habilidades inatas ou adquiridas para o exercício

ministerial. O líder precisa ser uma referência de domínio da linguagem artística que

lidera.
Aula 6 Culto & Contextualização Dia: / /

A ordem das características também representa seu grau de importância sendo a

paixão a mais importante, seguida da vocação e finalmente da competência. Esta

diferença entre elas existe como resultado da compreensão de que é muito mais fácil

tornar um bom crente um bom artista do que o contrário. Adquirir habilidades

artísticas é algo muito mais simples do que desenvolver uma paixão genuína por

Jesus e compreender sua vocação. Por isso, é capaz que um líder não tão

competente seja absorvido por ser um crente piedoso e vocacionado, tendo em vista

o seu potencial e interesse em desenvolver-se tecnicamente. O contrário é muito

mais difícil e nunca aconteceu satisfatoriamente na experiência da igreja.

Princípio 4 - Conhecer o potencial e o perigo da arte: Conhecimento é vital. É

impossível estabelecer qualquer relação justa com o objeto artístico-cultural sem um

mínimo de domínio acerca de suas características. O líder eclesiástico que pretende

realizar a inclusão de um objeto artístico-cultural na liturgia precisa conhecer ao

máximo o potencial agregador do objeto bem como seu potencial desagregador,

afinal toda arte possui a habilidade de produzir reações longe de serem aceitáveis na

liturgia cristã. Para Reimer, é preciso “entender o mundo e quisermos construir nele,

e isso vale especialmente para o caso de o objetivo ser transformar este mundo”

(REIMER, 2011, p 208). Ele acrescenta:

Como posso querer mudar se não sei o que precisa ser mudado? Do contrário, é muito

grande o perigo de mudar o que não precisa ser mudado e deixar intocado aquilo que

precisa se uma transformação urgente. [...] Portanto precisamos entender o mundo ao

nosso redor se quisermos que nossa teologia tenha relevância e que a igreja que

implantamos seja entendida e aceita no contexto das pessoas, de forma a transformar a

sua vida. (REIMER, 2011, p. 208, 209)

Por exemplo, uma das críticas feitas comumente às músicas congregacionais

utilizadas em muitas igrejas é acerca da ênfase dada às repetições melódicas e letras

curtas. Algumas críticas chegam a classificar este estilo de “mantra gospel”, o que

configura um perigo para a o culto cristão, para muitos. Se alguma linguagem foge do

princípio Bíblico de inteligibilidade apresentado em 1 Coríntios 14.15: “Que farei,

pois? Orarei com o espírito, mas também orarei com a mente; cantarei com o

espírito, mas também cantarei com a mente.”, tal prática está ultrapassando os limi-
Aula 5 Dia: / / Culto & Contextualização Aula 6

tes Bíblicos aceitáveis. Uma das ciências responsáveis pelo estudo do efeitos das

artes na psiquê humana é a arteterapia, e Forestier, um de seus principais

pesquisadores advoga:

O envolvimento do espírito ou do psiquismo na atividade artística visa a restauração e a

reeducação de capacidades mentais alteradas ou deficientes. A arte envolve o ser

humano, todas as suas funções arcaicas com o mecanismo de expressão voluntária

voltados para a estética. Assim, estima, afirmação, confiança em si e experiência,

estrutura e impulso corporal são elementos legítimos que permitem ao ser humano viver

conscientemente e ter uma experiência concreta de sua existência. É o que entendemos

sob o termo existencial. Podemos dizer que a qualidade está imbricada com a experiência

e com o desenvolvimento adequado das faculdades humanas. Nesse caso, trata-se de

uma boa qualidade existencial. (FORESTIER, 2011, p. 198)

Termos como “expressão voluntária”, “conscientemente” e “concreta” parecem fazer

coro ao texto do apóstolo Paulo supracitado, ainda que o cientista que os tenha

utilizado não comungue da fé cristã. Há consenso, portanto, entre os arteterapeutas

que as artes contribuem para a saúde mental desde que sua experiência não fuja do

controle volitivo de quem é exposto à mesma. Há, porém,

uma compreensão científica importante que precisa ser destacada: expressão

voluntária, consciente e concreta não quer dizer apenas intelectual. Este é um

paradigma já explicado anteriormente nesta pesquisa mas que retorna ao foco da

discussão justamente por seu teor polêmico. Razão, emoção e corpo podem

manifestar-se juntos sem que se perca a consciência. Segundo o autor, sim. A esse

fenômeno ele chama de “qualidade existencial”.

Apesar de não se tratar do movimento filosófico existencialista, o conceito é

praticamente o mesmo: enxergar a existência como um todo do ser indivisível, com

elementos interdependentes: corpo, alma e espírito. À essa observância da

totalidade do ser também denomina-se holística. Acerca disso, Gibbs explica:


Aula 6 Culto & Contextualização Dia: / /

A ordem das características também representa seu grau de importância sendo a

paixão a mais importante, seguida da vocação e finalmente da competência. Esta

diferença entre elas existe como resultado da compreensão de que é muito mais fácil

tornar um bom crente um bom artista do que o contrário. Adquirir habilidades

artísticas é algo muito mais simples do que desenvolver uma paixão genuína por

Jesus e compreender sua vocação. Por isso, é capaz que um líder não tão

competente seja absorvido por ser um crente piedoso e vocacionado, tendo em vista

o seu potencial e interesse em desenvolver-se tecnicamente. O contrário é muito

mais difícil e nunca aconteceu satisfatoriamente na experiência da igreja.

Princípio 4 - Conhecer o potencial e o perigo da arte: Conhecimento é vital. É

impossível estabelecer qualquer relação justa com o objeto artístico-cultural sem um

mínimo de domínio acerca de suas características. O líder eclesiástico que pretende

realizar a inclusão de um objeto artístico-cultural na liturgia precisa conhecer ao

máximo o potencial agregador do objeto bem como seu potencial desagregador,

afinal toda arte possui a habilidade de produzir reações longe de serem aceitáveis na

liturgia cristã. Para Reimer, é preciso “entender o mundo e quisermos construir nele,

e isso vale especialmente para o caso de o objetivo ser transformar este mundo”

(REIMER, 2011, p 208). Ele acrescenta:

Como posso querer mudar se não sei o que precisa ser mudado? Do contrário, é muito

grande o perigo de mudar o que não precisa ser mudado e deixar intocado aquilo que

precisa se uma transformação urgente. [...] Portanto precisamos entender o mundo ao

nosso redor se quisermos que nossa teologia tenha relevância e que a igreja que

implantamos seja entendida e aceita no contexto das pessoas, de forma a transformar a

sua vida. (REIMER, 2011, p. 208, 209)

Por exemplo, uma das críticas feitas comumente às músicas congregacionais

utilizadas em muitas igrejas é acerca da ênfase dada às repetições melódicas e letras

curtas. Algumas críticas chegam a classificar este estilo de “mantra gospel”, o que

configura um perigo para a o culto cristão, para muitos. Se alguma linguagem foge do

princípio Bíblico de inteligibilidade apresentado em 1 Coríntios 14.15: “Que farei,

pois? Orarei com o espírito, mas também orarei com a mente; cantarei com o

espírito, mas também cantarei com a mente.”, tal prática está ultrapassando os limi-
Aula 5 Dia: / / Culto & Contextualização Aula 6

Algumas igrejas que estão alcançando a Geração X assemelham-se às igrejas “sensíveis

aos que buscam” da década de 80 em alguns aspectos, mas ainda vão além delas em

informalidade, no estilo relacional de comunicação e no estilo de culto contemporâneo

atualizado. Em outros aspectos são muito diferentes. Elas combinam antigas formas de

adoração com as modernas, variando no estilo desde o canto gregoriano até o hip hop, e

usando ícones, velas e incenso como auxílio para o culto, além de luzes estroboscópicas e

gelo seco. Existem variações regionais e culturais a essas tendências no estilo de

adoração. As novas tendências são menos evidentes nas igrejas que estão alcançando

representantes mais velhos da Geração X. [...]Embora isso possa permanecer verdade

para pessoas que têm muitas lembranças de cultos tediosos, não é verdade para um

número cada vez maior de jovens que foram criados com pouca ou nenhuma referência à

igreja. Alguns se tornaram fascinados por estilos de adoração e técnicas de meditação

das religiões não cristãs e vêm com uma atitude aberta e um desejo de experiências. A

abordagem a Deus que eles encontram na igreja cristã precisa ser igualmente holística.

[...] O objetivo da experiência da adoração não é provocar um estado alterado de

consciência como forma de os devotos se desprenderem das experiências mundanas da

vida diária. Não é uma atividade escapista, mas fortalecedora

- toda a vida é permeada com um senso da presença de Deus. (GIBBS, 2012, p. 147,

148)

Segundo Gibbs, há necessidade de que se reflita acerca da busca existencialista pós-

moderna, no entanto o culto cristão não pode equiparar-se às experiências

extrasensoriais orientais e de outras religiões não cristãs. O que o ser humano busca

não são os extremos, mas o equilíbrio, ou seja, uma experiência existencial, holística,

que alcance-o globalmente de maneira a mentê-lo sob controle e saudável. O

escapismo não cabe ao culto cristão, mas uma liturgia voltada apenas o intelecto

também não. Se uma igreja, temerosa dos movimentos pós-modernos manter-se

inerte frente às necessidades de experiências holísticas reais desta geração, está

fadada a perder sua relevância para com a mesma, como afirma Gibbs:

A busca espiritual da Geração X não consiste principalmente em uma busca intelectual.

Essa não é uma geração em busca de respostas a questões filosóficas que preocupam os

apologistas cristãos, como argumentos da existência de Deus, a origem do universo, a

credibilidade dos milagres ou até a divindade de Cristo. Não estão interessados em ouvir

pessoas que presumem ter todas as respostas. Em vez disso, querem encontrar pessoas

que tenham uma relação transformadora com Deus. (GIBBS, 2012, p. 156)
Aula 6 Culto & Contextualização Dia: / /

Levando-se em conta o afirmado acima, uma liturgia contextualizada não é aquela

que mais utiliza recursos midiáticos, elementos artísticos ou outras ferramentas.

Todas essas coisas perdem a eficiência caso não venham acompanhada e não

resultem de uma realidade comunal perceptível, visível e relevante, como continua

afirmando Gibbs: “A geração X também vai nos desafiar a transformarmos nossa

ortodoxia em ORTOPRAXIA (um termo que significa viver o que dizemos acreditar.”

(GIBBS, 2012, p. 150). Neste sentido as artes mantém-se como ferramentas

auxiliadoras da experiência holística, e não como o objeto de destaque da liturgia,

como, infelizmente, ainda há líderes que defendem.

A crise entre a ortodoxia e a ortopraxia é real. No caso do ministério de adoração e

artes da PIB de Curitiba, uma estratégia utilizada com os grupos artísticos é

incentivá-los a promoverem atividades sociais, ministeriais e missionárias próprias,

de maneira a não ficarem aguardando apenas a oportunidade litúrgica de se

“apresentarem” à igreja. Pode-se dizer que todos os grupos desenvolvem uma

agenda particular que, submetida à aprovação da liderança do ministério, reflete o

desejo por desenvolverem experiências práticas de evangelismo e ação social, além

das atividades ministeriais comuns. Individualmente, no entanto, a crise entre

conhecimento e prática que ainda existe é refletida na perspectiva de um grupo de

voluntários que ainda crê ser mais eficaz trazer um visitante ao culto ou a um evento

litúrgico do que exercer influência direta através de um estilo de vida cristão capaz

de atrair, influenciar e auxiliar na transformação dessa pessoa.

Neste sentido a igreja vem procurando auxiliar no esclarecimento individual de seus

membros sobre a responsabilidade e o potencial de cada um como “agente” do Reino

de Deus nos diversos redutos. O que é uma necessidade para a geração X, segundo

Gibbs, ainda é um desafio de conscientização às anteriores, Esta espécie de conflito

saudável é uma das razões de se continuar acreditando na importância da igreja e de

seus ministérios que, em sua maioria, quando bem conduzidos, promovem

crescimento à partir de cada conflito, e não colhem a inércia fruto dos que temem

trabalhar as diferenças de maneira Bíblica.


Aula 5 Dia: / / Culto & Contextualização Aula 6

Princípio 5 - Ressignificar para resgatar: Este talvez seja o princípio mais desafiador

de todos, pois requer do líder impulsionado a resgatar algum objeto cultural no culto

um passo anterior fundamentado no estudo Bíblico, na sensibilidade cultural e no

conhecimento de sua congregação: a ressignificação do objeto. Ressignificar não é

apenas importante mas vital para que o resgate cultural dê-se de maneira coerente

com os valores divinos, caso contrário não passará de reprodução. Reproduzir não é

resgatar. Reproduzir é copiar. Resgatar é dar novo significado, é ressignificar. Acerca

disso, Almeida advoga:

Insisto que precisamos limpar nossas janelas. Não podemos mais falar do assunto “fé

cristã e cultura contemporânea” sem apresentar uma nova abordagem do que é

identidade brasileira - e isso envolve assumir que estamos aqui há muito tempo e somos o

que somos porque aqui estamos. Nos últimos cem anos e, principalmente, depois da

Semana de Arte Moderna de 1922, o conceito de identidade nacional foi elaborado por

uma elite não cristã e, em certos círculos, anticristã. Eles olhavam para os crentes em

Jesus como “os outros”. Mas agora precisamos pedir para “os outros”, nós, os cristãos, que

construam essa abordagem. Qual brasilidade será contada por esses que crêem? Como

será o Brasil de dentro “dos outros”? [...] Chegou a hora de nos redescobrirmos! Talvez o

que nos separe quanto ao engajamento cultural sejam as ideologias que não provêm da

nossa regra de fé nem da nossa tradição. Um time de intelectuais brasileiros com grande

atuação pública durante todo o século

20 inventou o Brasil a partir de uma ótica que não dá conta da complexidade da vida

conforme ela é apresentada pelo evangelho [...]. Não poucas vezes, quando lemos os

relatos desses intelectuais, nos sentimos estrangeiros em nosso próprio país, como se

fizéssemos parte de um outro Brasil. De fato, existe um outro Brasil. O Brasil que abriga

“os outros”. E “os outros” somos nós. (DULCI, 2016, p. 106, 107)

Não há vergonha alguma em fazer parte de “os outros”, desde que haja clareza

acerca de que cultura é defendida por esses, se a mentirosa, forjada ideologicamente

para afastar o Brasil do cristianismo (como afirma Almeida), ou se a original, sonhada

pelo Deus Criador de todas as coisas para o Seu deleite e para o benefício humano.

Só a igreja pode ressignificar de maneira a resgatar a essência das artes e da cultura

que, ainda que caídas também são divinas.


Aula 6 Culto & Contextualização Dia: / /

Não é incomum encontrar os que defendem a ressignificação e o resgate cultural.

Incomum, no entanto, é encontrar os que estejam realizando-o efetivamente de

maneira sistemática, observando processos e apresentando soluções. Esta pesquisa

é uma tentativa de apresentar exemplos de ressignificação e resgate realizados pelo

ministério de Adoração e Artes da PIB de Curitiba, mas certamente esta não é a

única igreja a realizá-lo. Faltam, no entanto, documentos que sirvam de subsídio

científico para auxiliar as demais igrejas a construírem seu processo de

ressignificação, por isso esta pesquisa fornece dois exemplos práticos de

ressignificação e resgate realizados pela PIB de Curitiba, intitulados “Valores para

boas práticas de utilização de mídias sociais no ministério de adoração” e “A

mensagem dos vitrais”.

O primeiro exemplo surgiu da necessidade de ressignificação das mídias sociais

utilizadas pelos artistas da PIB Curitiba, especialmente por ocasião da enorme

polarização política, fenômeno que dominou todos meios de comunicação de massa

no período de eleição presidencial de 2018. Na ocasião observou-se que, sob o

pretexto de se defender esta ou aquela ideologia, tornou-se comum, mesmo entre os

crentes a divulgação de material ofensivo, indecente e sem qualquer proximidade

com os valores cristãos. Observando isso a liderança ministerial produziu um manual

que, como observado, não contém regras, mas valores Bíblicos a serem observados

por todos, a partir daquele momento. É importante dizer que, para que os valores em

questão fossem aderidos, o manual não foi o único recurso utilizado. Seguindo o

conselho divino de Deuteronômio 6.6-9, esses valores passaram a ser regularmente

lembrados através de recursos visuais, conversas e diversos outros recursos para

assimilação.

Abreviação do termo em inglês Chief Executive Office, utilizado no meio

corporativo para identificar os presidentes das grandes empresas

Interpretação Calvinista acerca do modelo litúrgico

Nascidos entre 1980 e 2003, também conhecidos como geração Y e geração da

internet

Nascidos entre 1990 e 2010, também chamados de nativos digitais.


Aula 5

Aula 7

CONCLUSÃO
Aula 7 Culto & Contextualização Dia: / /

Conclusão

A cultura brasileira é tão rica quanto desafiadora em se tratando de contextualização

litúrgica, pois essa riqueza possui nuances oriundas tanto da herança divina

concedida aos homens quanto da natureza pecaminosa existente nos mesmos. Até

hoje parece que na luta entre ambas as nuances tem tido uma vencedora: a natureza

pecaminosa, contudo a existência desta pesquisa nasce da convicção de que há

chance de se virar o jogo, desde que as igrejas cristãs fiéis às Escrituras passem a

encarar a transformação como missão, e não mais como uma simples opção. Para

Stetzer e Queiroz, o compromisso com a missão de transformação é marca das

igrejas relevantes, que revelam sua paixão por pessoas através de ações práticas

(STETZER; QUEIROZ, 2017, p 76).

No caso do culto congregacional, a dinâmica não resume-se a ir “a lugares

específicos”, mas trazê-los para a vida da igreja através da contextualização litúrgica,

e isso é um dos grandes paradigmas da atualidade. Por muito tempo as igrejas. Dulci

aborda a dinâmica da cultura que entra e sai da igreja através da metáfora das

janelas, vitrais e quadros. Ele diz:

Essa arquitetura de janelas, vitrais e quadros comunica muita teologia. [...] As igrejas com

amplas janelas ensinam que não precisamos ficar enfurnados entre quatro paredes, como

se somente dentro do templo a presença de Deus fosse real. Pelo contrário, precisamos

ser vistos pelo mundo. Também não podemos nos esquecer de ver este mundo, tão cheio

da presença de Deus. Não podemos nos isolar do que Deus comunica fora das nossas

quatro paredes. Nossas janelas não podem ser pequenas, nem em pouca quantidade,

como nas igrejas românticas. A fé evangélica ortodoxa, católica e apostólica não é

dualista, não sustenta que apenas dentro de nossos escuros salões de reuniões está a

graça de Deus. Existe muita luz lá fora, e as janelas marcam essa unidade sobre toda a

vida humana que a Trindade sustenta. Um vitral, por sua vez, comunica o mesmo que a

janela, mas acrescenta cores, formas e imagens às luzes que entram na igreja. Seria como

dizer que a luz que entra, ou mesmo o conteúdo que sai da igreja, não se faz de qualquer

forma. Essa luz passa pelas cores, pelas formas e pelas cenas que a Escritura nos revela e

é moldada pelos desenhos que dão formato à nossa fé. Ou seja, os vitrais funcionam

como as primeiras lentes interpretativas que os cristãos tiveram para enxergar o mundo
Aula 5 Dia: / / Culto & Contextualização Aula 7

lá fora, além de servir de filtro para o mundo espiar o que acontece dentro da igreja. Os

quadros, por sua vez, não poderiam ser aquelas cenas que vimos pelas janelas da igreja

que precisam ser eternizadas? As pinturas e telas que ocupam as paredes de algumas

catedrais são uma espécie de leitura fixada no tempo, que os cristãos não podem

esquecer de forma alguma. Mesmo que o céu esteja nublado e fornecendo pouca luz para

o interior da igreja, os quadros imortalizam imagens que também auxiliam na leitura da

História, da fé e do mundo. Assim como os credos e as confissões na teologia, nas

pinturas está a pressuposição de que o passado é importante e que outras pessoas antes

de nós já se ocuparam com as mesmas dificuldades que temos hoje. Junto aos vitrais,

cumprem a função de transmitir esteticamente as formas tradicionais de enxergarmos o

mundo dentro e fora da igreja. [...] Precisamos recuperar a teologia das janelas, dos vitrais

e dos quadros em nossas igrejas evangélicas. (DULCI, 2016, p. 109 e 110)

Ao que se observa diante dos conceitos apresentados nesta matéria, a metáfora

utilizada por Dulci cabe positivamente na proposta de contextualização litúrgica que

pode ser considerada como a tentativa de se “ampliar as janelas” das igrejas batistas

brasileiras afim de que permitam o intercâmbio saudável dos objetos atístico-

culturais de fora para dentro e de dentro para fora do ambiente litúrgico eclesiástico.

A metáfora dos vitrais é ainda mais audaciosa, pois prevê não apenas o intercâmbio,

mas a ação representativa da igreja através da ressignificação da janela, impondo-lhe

signos artísticos que apresentam a beleza do conteúdo do Evangelho. Janelas abrem

o espaço, mas os vitrais ressignificam esse espaço e reconstroem conceitos

aplicando conteúdo e valores, processo necessário quando se objetiva utilizar

qualquer objeto artístico-cultural na liturgia.

A metáfora dos quadros trazem à tona que a contextualização litúrgica não trata

apenas da relação com a cultura, mas da igreja consigo mesma, com suas

características históricas e comunitárias. Os quadros mantém o conteúdo vivo

quando não há luz nas janelas ou vitrais, assegurando assim que a igreja mantenha-

se fiel às Escrituras, a despeito dos movimentos externos.

Aula 7 Culto & Contextualização Dia: / /

Tanto janelas, quanto vitrais e quadros são necessários para a contextualização

litúrgica pois representam dinâmicas distintas, a saber: interação, ressignificação e

fidelidade. Essas dinâmicas, na proposta desta pesquisa, apresentam-se de maneira

prática através de 3 princípios básicos para que a contextualização litúrgica aconteça

satisfatoriamente, sendo estes a interação crítica com a cultura, a ressignificação e a

contextualização.

A interação crítica da cultura, conceituada pela Antropologia Missionária de Burns

como “Nível C3 de contextualização” (BURNS, 2011, p. 140) e de Lima como

“Contextualização crítica” (BURNS, 2011, p. 246), ambos abordados no capítulo 1,

consta do processo avaliativo do objeto artístico-cultural tomando por base as

Escrituras Sagradas, visto que “Nem toda criação é uma nobre expressão de arte.

Nem tudo o que é feito pelo ser humano é intelectual ou moralmente bom.”

(SCHAEFFER, 2010, p. 45). Já que nem tudo é bom, é preciso que tudo seja

observado com cautela e zêlo para que os valores fundamentais das Escrituras não

venham a ser postos à prova, afinal, “O objeto da implantação é, antes de tudo, a

igreja de Deus. Não se trata das igrejas europeias, norte-americanas, africanas ou

asiáticas, mas da igreja de Deus na Europa, África e Ásia. Nada menos que isso.”

(REIMER, 2011, p. 215)


A ressignificação não é a construção de uma sub-cultura evangélica também

chamada de “cultura da arca” (BORGES, 2016, p. 61), mas reconstruir a essência do

objeto artístico-cultural que, depois da interação crítica, apresentou elementos

contraditórios às Escrituras. O purismo de alguns artistas cristãos que não apoiam a

necessidade de ressignificar a arte, especialmente no culto congregacional, revela a

tendência de se elevar a arte a um nível superior, como se equivalesse a um ídolo

intocável. Essa postura prejudica o movimento necessário de conscientização das

igreja batistas brasileiras, mas o discurso e a prática da ressignificação não podem

ser tolidos, afinal “Adorar a arte é um erro; produzi-la, não.” (SCHAEFFER, 2010, p.

20). Produzir arte ressignificada não é apenas uma estratégia de contextualização,

mas uma missão das igrejas que assumem seu papel missional no mundo.

(SCHAEFFER, 2014, p. 11).


Aula 5 Dia: / / Culto & Contextualização Aula 7

A contextualização propriamente dita está diretamente ligada à comunicação do

Evangelho de maneira inteligível e significativa para a comunidade que se reúne em

liturgia. Schaeffer explica: “[...] uma forma (ou estilo) de arte que não seja mais capaz

de portar conteúdo não pode ser usada para transmitir a mensagem cristã. Não

estou dizendo que o estilo em si é errado, mas que ele possui limitações.”

(SCHAEFFER, 2010, p. 66, 67). Como uma forma e estilo qualquer exerce relação

distinta de relevância de uma congregação à outra, a contextualização não pode

propor um modelo hermético a ser repetido de uma igreja para outra, mas um

compromisso da igreja local em produzir uma liturgia autêntica, que revela tanto seu

compromisso Espiritual e Bíblico quanto o resultado legítimo das características

artístico-culturais da comunidade que a realiza.

Longe de finalizar a questão, esta pesquisa levanta algumas proposições acerca das

características de uma liturgia contextualizada que seja um reflexo de relevância

cultural e da fidelidade às Escrituras

O culto contextualizado requer planejamento, antecipação de informações para

que haja eficácia na elaboração nos momento litúrgicos bem como a construção

do discurso litúrgico de maneira geral. Schneider-Harpprecht delimita os tipos de

informações prévias necessárias para o processo de planejamento:

Para se moldar a liturgia, é preciso conhecer com segurança: sua estrutura, o significado e

os possíveis lugares de cada parte dentro dessa estrutura, a hierarquia entre as partes

(saber o que é imprescindível e o que é apenas útil), a maneira correta de combinar essas

partes e de realizá-las no culto. A moldagem litúrgica dependerá: do motivo ou ocasião

especial da celebração, do assunto ou tema do culto (normalmente indicado pelas

leituras bíblicas), do lugar e do tempo em que ele se realizará, da duração prevista e das

características da comunidade celebrante. Ou seja, antes de se moldar liturgia é preciso

clarear muito bem a situação específica do culto em questão, com a ajuda das clássicas

questões: por quê?, o quê? onde?, quando?, quem?. A partir da situação específica assim

estabelecida, molda-se a liturgia: montando a estrutura geral, definindo os diversos

elementos e formas para cada parte. (SCHNEIDER-HARPPRECHT, 1998, p. 135).


Aula 7 Culto & Contextualização Dia: / /

O planejamento realizado com base nas respostas às perguntas feitas por Schneider-

Harpprecht tem grande chance de promover a elaboração de uma liturgia

contextualizada, que realmente conecte-se com os celebrantes.

A contextualização litúrgica tanto reforça quanto ressignifica a relevância do

culto cristão comunitário, pois a insubstituível experiência de presenciar a o

mover de Deus em meio a seu povo torna-se mais real quando experimentado

através de signos de comunicação melhor conectados com a assistência. O culto

mantém seu propósito máximo de conduzir pessoas a Deus (STETZER;QUEIROZ,

2017, p. 151), contando com o benefício acrescentado de realizá-lo através de

um discurso litúrgico autêntico e relevante culturalmente

A contextualização litúrgica só possui valor teológico se estiver comprometida

com a Verdade Bíblica, por isso o primeiro passo do processo contextual é uma

avaliação, quando o objeto artístico-cultural é submetido ao julgamento da

Palavra de Deus. Se a avaliação for ignorada, a contextualização litúrgica não

passará de conformação com as tendências atuais de entretenimento,

transformando o culto em tudo menos em uma experiência verdadeiramente

espiritual. Só a Palavra de Deus “[...] penetra até o ponto de dividir alma e

espírito, juntas e medulas, e é apta para julgar os pensamentos e propósitos do

coração.” (Hb 12.4 NAA), ou seja, ela discerne os “sistemas simbólicos ou veículos

para certos tipos de cosmovisões ou mensagens.” (SCHAEFFER, 2010, p. 64) de

maneira espiritual muito mais eficazmente do que o bom senso humano é capaz

de realizar. Arte e cultura não podem ser vistas com ingenuidade (SCHAEFFER,

2010, p. 68).

Como explicado no capítulo 3 desta pesquisa, a abordagem do Princípio Normativo

do culto prevê a utilização de objetos artístico-culturais que não recebam

desaprovação direta das Escrituras, contando com o bom senso humano para sua

aplicação litúrgica, no entanto esta pesquisa considera que ao bom senso humano

deve-se acrescentar profundo relacionamento com Deus para que se compreenda o

momento vivido pela igreja e o impacto que a contextualização por vir a causar na

congregação. Como já afirmado, a igreja de Deus está acima das necessidades

culturais que se apresentem. A unidade da igreja é premissa para qualquer processo

intencional realizado em seu seio, e caso um líder entenda a necessidade


Aula 5 Dia: / / Culto & Contextualização Aula 7

de contextualizar algo, esse processo deve ser conduzido pelo próprio Deus, como

explicitado no capítulo 2

A contextualização litúrgica considera seriamente o “dom da expressividade

emocional do povo brasileiro” (STETZER/QUEIROZ, 2017, p. 169), elemento por

muito tempo ignorado nas liturgias da maioria das igrejas batistas brasileiras.

Alegria, espontaneidade e expressividade estão naturalmente presentes em

muitas práticas coletivas brasileiras, como nas torcidas dos jogos de futebol ou

eventos ao ar livre mas raramente são estimulados nos cultos, revelando o

quanto a colonização protestante brasileira norte-americana e européia impôs,

ainda que inintencionalmente, a idéia de que essa faceta do povo brasileira não é

“santa”, como explicado no capítulo 1. Stetzer e Queiroz se posicionam dizendo:

De fato, em muitas igrejas de origem americana e europeia, esse medo de expressar emoções

não tem sido uma boa resposta aos erros e desvios da igreja brasileira. Afinal, pode significar uma

luta inglória contra um traço tão belo que o Criador deu ao povo brasileiro: o dom da

expressividade emocional. E, se falta sensibilidade a essa realidade cultural, pode-se estar pondo

obstáculos ao desenvolvimento saudável de igrejas teologicamente firmes e coerentes que

também sejam culturalmente relevantes para os lugares onde estão plantadas. Nossa pesquisa

identificou que tanto igrejas contemporâneas quanto tradicionais que podem ser chamadas de

transformacionais valorizam a expressividade emocional nos cultos, pois são sensíveis a essa

marca da cultura brasileira. (STETZER/QUEIROZ, 2017, p. 172)

O discurso parece ir de encontro ao que se ouve comumente já que as igrejas de

liturgia mais contemporâneas vem sendo acusadas de apelarem para o

sentimentalismo inócuo, contudo, os mesmos que acusam raramente propõem

soluções práticas para que se possa fazer a distinção entre sentimentalismo e

emoções corretas. Esta pesquisa também não traz consigo a solução para esse

impasse, mas faz coro ao discurso supracitado argumentando que a falta de

ferramentas para se medir as emoções do indivíduo não pode ser razão para a não

valorização das mesmas no culto, especialmente na cultura brasileira marcada pela

miscigenação entre povos tanto menos expressivos quanto altamente emotivos.

Mais uma vez será a Palavra de Deus, capaz de “dividir alma e espírito” (Hb 4.12

NAA), aliada ao bom senso humano e à orientação do Espírito Santo que poderá

definir os níveis aceitáveis de expressão emocional para cada congregação.


Aula 7 Culto & Contextualização Dia: / /

A contextualização litúrgica visa o equilíbrio entre “palavra, emoção e vontade”

(GIBBS, 2012, p. 201), ou seja, não exclui qualquer um destes elementos mas

busca a coexistência sinérgica dos mesmos no culto. Neste sentido há interesse

em pensar-se o culto como algo realizado por pessoas, e pessoas são um todo,

uma complexidade de nuances que juntas dão significado à existência. Apesar de

bastante abordado no Capítulo 3, vale trazer novamente à tona a visão holística

do culto contextualizado, especialmente porque “a pessoa pós-moderna não irá

tolerar qualquer separação de corpo, mente e vontade.” (GIBBS, 2012, p. 201,

202).

O culto contextualizado relevante não reflete apenas os aspectos espirituais da

liturgia, também as preocupações da igreja com o tempo do culto, com o local, com

os demais ministérios de apoio que funcionam paralelamente… Há interesse, por

parte da liderança, em colaborar com a congregação em todos os aspectos de seu

ser, e não apenas com o espiritual

O culto contextualizado estimula a criatividade e não se conforma com a

imitação. Nele, a busca pela conexão artístico-cultural com a comunidade local

leva à busca por produção própria de elementos litúrgicos, como canções, roteiro

de cantatas e outros. Quanto mais legítimo, mais próximo o culto estará de

refletir uma resposta sincera da congregação. Quanto mais aberta à criatividade

de seus membros, mais autêntica será a igreja e mais contextualizado será seu

culto, seja este de estilo tradicional ou contemporâneo. Contextualizar não

significa aderir às tendências contemporâneas de jovialização, mas expressar as

características reais da comunidade. Um culto pode ser tradicionalmente

contextualizado, desde que revele a autenticidade dessa tradição como elemento

natural da igreja, e não como mera reprodução do tradicionalismo herdado da

colonização protestante brasileira. Da mesma maneira, uma igreja

contemporânea pode parecer contextualizada e não ser, caso seus elementos

“joviais” sejam fruto de mera repetição, uma cópia da experiência de outras

comunidades. O culto autêntico exala criatividade, pois a enxerga como marca da

presença de Deus entre os homens, como explica Card:

Aula 5 Dia: / / Culto & Contextualização Aula 7

A criatividade é adoração, conquanto seja, em sua essência, uma resposta. Eu ouço a

Palavra e respondo com música, com silêncio, em reverência e apreciação, quando

apanho a bacia e a toalha. É uma resposta romântica a essa Pessoa a quem adoro.

Ele é belo! Não quero nada mais senão estar em sua presença. Eu o amo! Por isso

canto e escrevo. Se eu pudesse pintar ou dançar, faria isso também. Perdôo alguém

que não teria a menor preocupação em ser perdoado. Tento estender minhas mãos e

cruzar a enorme distância entre mim e meu irmão ou irmã. Por se tratar de uma

resposta, ela não tem origem em mim. Ele fala. Ele se move. Ele é belo. Nós

respondemos. Nós criamos. Nós adoramos. Talvez tenhamos dificuldade em ver a

ligação entre adoração e o chamado para sermos criativos exatamente porque eles

estejam intimamente relacionados. Esquecemo-nos de que o chamado para a

criatividade é um chamado para a adoração. (CARD, 2004, p. 30)

Parafraseando Card, não apenas a criatividade é um chamado como também a

contextualização, afinal permitir a criatividade é abrir caminho para que a

comunidade molde seu culto de maneira Bíblica e autêntica, relevante não apenas

Espiritualmente mas holisticamente. Além de um chamado, a contextualização é um

desafio. Um desafio necessário, importante e vital para as igrejas que desejam

manter ou elevar sua expressão como agentes do Reino de Deus no mundo. Mas o

mundo é grande, por isso a missão da igreja local é alcançar o mundo enquanto

alcança a sua comunidade, ressignificando não apenas a arte e a cultura, mas a

própria existência humana enquanto primícia de tudo o que foi criado por Deus. A

arte e a cultura ressignificados e contextualizados são ferramentas poderosas para o

resgate da humanidade, mas continuam sendo apenas ferramentas. O maior trunfo

da igreja continua sendo a sua mensagem, e quando esta é apresentada de maneira

inteligível e significante, seu propósito se cumpre poderosamente. Isto é a

contextualização litúrgica, a apresentação inteligível e significante da mensagem de

Cristo, traduzindo-a de maneira fiel para o tempo e o lugar em que é apresentada. É

um caminho. Não é único nem perfeito, mas, conforme defendido por esta pesquisa,

ainda é o melhor caminho para os cultos das igrejas batistas brasileiras do Século

XXI.
Aula 5
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