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Currículo, Docência e seus Antagonismos no Espaço Iberoamericano

Rosanne Evangelista Dias1


Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil.

Resumo

O ano de 2021 foi projetado, no âmbito da região Iberoamericana, como marco


para o desenvolvimento de políticas que deem conta de buscar a superação do
quadro de desigualdades no campo educacional. Ao longo dos anos de 2000
diversas publicações vêm apontar na direção de políticas que envolvem a
docência e o currículo como de fundamental importância para a melhoria da
qualidade da educação em diferentes níveis e modalidades. Essas produções vêm
sendo disseminadas por organismos internacionais como a UNESCO e a OEI,
envolvendo ministros de educação de Estados-Nação como também importantes
lideranças da comunidade educacional na região. Um dos focos destacados das
metas que estão sendo planejadas está na formação e na atuação docente,
envolvendo de modo central o currículo e suas relações com a avaliação.
Desenvolvemos neste artigo, apoiada na Teoria do Discurso de Ernesto Laclau, a
análise dos antagonismos que envolvem as políticas de currículo e docência no
espaço Iberoamericano. Destacamos a presença da ambivalência nos discursos
disseminados sobre a docência e currículo.

Palavras-chave: Política de currículo - Docência- Antagonismo - Iberoamérica

Currículo, Docencia y sus Antagonismos en el Espacio Iberoamericano

Resumen

Se proyectó el año de 2021, en el ámbito de la región Iberoamericana, como una


marca para el desarrollo de políticas que logren buscar la superación del cuadro
de desigualdades en el campo educacional. A lo largo de los años 2000
innumeradas publicaciones apuntan hacia las políticas que tienen la docencia y el
currículo como de fundamental importancia para mejorar la calidad de la
educación en diferentes niveles y modalidades. Se están diseminando esas
producciones por organismos internacionales como la UNESCO y la OEI,
involucrando ministros de educación de Estados-Nación como también
importantes liderazgos de la comunidad educacional en la región. Uno de los

1
Professora da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro/Brasil). Bolsa Jovem Cientista do Nosso Estado da Fundação Carlos Chagas Filho
de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ). rosanne_dias@uol.com.br
Revista Investigación Cualitativa
Dias, R. (2017). Currículo, Docência e seus Antagonismos no Espaço Iberoamericano. Investigación Cualitativa, 2(2) 100-114.
DOI: http://dx.doi.org/10.23935/2016/02028
Dias, Currículo, Docência e seus Antagonismos no Espaço Iberoamericano

enfoques que se destaca en las metas que se proyectan están la formación y la


actuación docente, teniendo en cuenta de modo central el currículo y sus
relaciones con la evaluación. Desarrollamos en este artículo, apoyados en la
Teoría del Discurso de Ernesto Laclau, los análisis de los antagonismos que
involucran las políticas de currículo y la docencia en el espacio Iberoamericano.
Destacamos la presencia de la ambivalencia en los discursos que se diseminan
sobre la docencia y el currículo.

Palabras-clave: Política de currículo – Docencia – Antagonismo – Iberoamérica

Curriculum, Teaching and theirs Antagonisms in the Iberoamerican Space

Abstract

In the Iberoamerican context, the year of 2021 was projected as a milestone for
the development of policies that succeed in overcoming the inequalities in the
educational field. All through the 2000's different publications pointed toward
policies that understand teaching and the curriculum as the fundamental aspects to
improve the quality in educations on different levels and modalities. These
productions are being disseminated by international organizations (such as
UNESCO and OEI) and involving nation-state education ministers as well as
important leaders of the educational community in the region. Teachers training
and practice, as well as the curriculum and their relations with evaluation are the
highlighted focus of the goals in those documents. This article is developed based
on three aspects: Ernesto Laclau's Theory of Discourse, an analysis of the
antagonisms that involve curriculum policies and teaching within the
Iberoamerican space. We emphasize the presence of ambivalence in discourses
disseminated about a teaching and curriculum.

Key-words: Curriculum Policies - Teaching - Antagonism - Ibero-America

Introdução

No curso das últimas duas décadas podemos verificar a intensificação de um discurso


voltado para o alcance de êxito na educação, parte dele acentuando o resultado de testes e
avaliação em diferentes escalas, especialmente globais, de modo a conferir a qualidade nesse
processo. Agrega-se ao discurso do sucesso educacional a existência de professores que venham
a garantir o alcance desse objetivo e a definição de currículos que possam orientar tais
resultados.

Na região Iberoamericana, textos políticos vêm sendo produzidos e disseminados


buscando construir consensos em torno da qualidade da educação para a educação básica. Nesse
contexto, a Organização dos Estados Ibero-Americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura
(OEI) e a Oficina Regional para a América Latina e o Caribe da Organização das Nações Unidas
para a Educação, a Ciência e a Cultura (OREALC/UNESCO) têm alcançado o protagonismo

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como importantes catalisadoras de políticas para a região na produção de orientações políticas


(Dias e López, 2006). Outro aspecto importante na análise da produção de discursos de
organismos internacionais é o de que nos provocam a pensar sobre as concepções que vem
circulando nos diferentes países, nas vozes de diferentes lideranças acadêmicas, nas disputas de
sentidos e nos processos de articulação em torno do currículo e da docência. Assumo a condução
das análises dos textos políticos selecionados pela teoria do discurso de Ernesto Laclau e Chantal
Mouffe (2015). Destaco nesta análise os textos políticos: Relatório Jacques Delors da UNESCO
(Delors, 2001); Antecedentes y Criterios para la Elaboración de Políticas Docentes en América
Latina y el Caribe (UNESCO, 2012); Miradas sobre la Educación en Iberoamérica. Desarrollo
profesional docente y mejora de la educación (OEI, 2013); e, Miradas sobre la Educación en
Iberomerica: avance en las Metas Educativas 2021 (OEI, 2016).

No escopo deste artigo, interpretamos os discursos que são disseminados pela OEI e
OREALC/UNESCO em duas diferentes dimensões: a de representações de ministros de Estado
da Educação dos países envolvidos e a de lideranças do campo da formação de professores nos
textos políticos disseminados pelas publicações desses organismos internacionais. Assim,
entendo discurso como ―uma prática articulatória que constitui e organiza as relações sociais‖
(Laclau e Mouffe, 2015, p. 167). Considerando esse papel na produção e disseminação de
políticas, influenciando e sendo influenciado por discursos de Estados-Nação, organizações não-
governamentais, comunidades epistêmicas entre outros atores políticos atuam na produção das
políticas em diferentes escalas. Considero fundamental analisar a produção dos organismos
internacionais como importante dimensão para o entendimento das políticas. Para compreender
como esse discurso vem sendo forjado analisamos essa produção, no período de 2001 a 2016,
focalizando os vínculos que estabelece entre currículo e docência e os antagonismos presentes na
articulação discursiva. Reconhecemos a impossibilidade de representação de todas as posições
expressas nesses textos políticos dada a expressão das diferenças, marcados pela contingencia e
precariedade das proposições que se fazem presentes na articulação da política, como nos faz
compreender a teoria do discurso de Laclau (1996, 2005). Portanto, na interpretação dos
discursos disseminados pelos textos políticos selecionados buscamos entender a heterogeneidade
constitutiva do campo discursivo que ―atraviesa toda identidad, todo elemento, demanda, etc.;
cruza el campo de representación en cuanto tal, limitándolo‖ (Biglieri, 2017, p.253).

Ao analisar os discursos dos textos políticos podemos identificar a responsabilização do


professor pelo êxito da aprendizagem de seus alunos e uma perspectiva de controle no
desenvolvimento curricular e no trabalho docente como modo de garantir o sucesso da educação.
Contudo, as tentativas de controle se confrontam com as contingências dos processos de
articulação política e a expressão de diferenças apontam para o antagonismo dessas políticas de
currículo que pretendem atingir melhores resultados.

Devemos, portanto, olhar cuidadosamente para os sentidos que vêm sendo produzidos
pelos antagonismos que mobilizam as políticas voltadas ao currículo e à docência. Um deles se
reporta ao modelo curricular para a formação de professores ao defender modalidades de
integração curricular a partir de uma oposição ao currículo disciplinar, muito presente nos cursos
das universidades. Ainda podemos verificar o antagonismo que se expressa na relação entre
desempenho dos alunos e dos professores, associando o bom professor como aquele que garante
o êxito em contraposição aquele que não demonstra o desempenho compatível com as
expectativas do sistema educacional. Na defesa do protagonismo docente também identificamos

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como se opera o antagonismo ao se colocar em xeque o papel do professor no contexto


contemporâneo, ora um sujeito autônomo e criativo, ora um sujeito no qual cobram resultados
pelo desempenho escolar. Entendemos que os discursos produzidos pelos organismos
internacionais são marcados pelo antagonismo em relação às diferentes demandas (Laclau e
Mouffe, 2015; Laclau, 2005), expressas por diferentes influências no âmbito econômico,
cultural, político, social e científico-acadêmico (Dias e López, 2006; Lopes, 2004) no processo
de defesa de propostas que tencionam a construção de hegemonia para a formação de
professores.

Nesse cenário das políticas de currículo envolvendo a docência podemos destacar a


relevância que assume o controle da aprendizagem a partir de mecanismos de avaliação que
focalizam o desempenho. Embora seja mais presente na educação os processos de avaliação por
desempenho dos alunos nas escolas, via exames locais, nacionais e internacionais, a avaliação do
desempenho de professores tem assumido centralidade nos discursos para a região
Iberomericana. Em artigo anterior, desenvolvi análise de como a região vem tentando constituir
mecanismos de controle da formação e da atuação docente a partir de processos de avaliação
centralizada e padronizada de modo a ―fixar uma suposta ideia de desempenho como algo a ser
mensurado e verificado para um possível controle da qualidade da educação‖ (Dias, 2016, p.
592). Para Biesta (2012), a ―tendência recente de focalizar as discussões na área quase
exclusivamente na mensuração e na comparação de resultados educacionais‖ (p.808), tem
esvaziado a discussão sobre as finalidades da educação e empobrecido o debate sobre currículo e
formação. A ênfase no que o autor vem a denominar de ―cultura da mensuração educacional‖
(p.810) produz exposições de performances em rankings para a divulgação dos resultados do
desempenho na avaliação, acirrando os processos de competição em diferentes escalas e
fortalecendo a padronização. Em vista da obtenção de tais resultados, os mecanismos de controle
assumem destaque em defesa da qualidade da educação e como modo de supostamente garantir
eficácia no processo de ensino-aprendizagem.

Organizamos neste artigo a discussão em duas seções. Iniciamos com o foco na


produção das políticas de currículo e docência tomando como base as propostas forjadas no
âmbito da região Iberoamericana, em suas demandas e articulações discursivas na busca de
significação de um projeto para a região, compreendendo as relações global-regional-local. As
articulações entre OEI e UNESCO buscam a construção de consensos para a educação
disputando projetos hegemônicos para a região. Em um segundo momento, voltamos a análise
para os discursos antagônicos que se constituem nas disputas discursivas sobre o currículo, a
docência e suas relações. Nesta seção, analisamos como o antagonismo presente nos discursos
Iberoamericanos projeta novos cenários de formação e atuação dos professores, expressando a
multiplicidade de posições existentes e em circulação.

OEI e UNESCO produzindo políticas para o currículo e docência na Iberoamérica

Venho desenvolvendo pesquisas sobre a região Iberoamericana2 na tentativa de


compreender as articulações discursivas produzidas entre os países e entre a comunidade

2
Processos de articulação e produção de sentidos nas políticas curriculares de formação de professores (2010-2013);
Discursos nas políticas curriculares para a formação de professores no espaço ibero-americano (2013-2017) e
Discursos sobre Avaliação nas Políticas de Currículo para a Formação e o Trabalho Docente no Espaço Ibero-
americano (2016-2018). Todas com financiamento público do CNPq e da FAPERJ.
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epistêmica educacional, com ênfase no campo do currículo e da docência. Ao longo das duas
décadas do século XXI, Conferências foram realizadas no âmbito da região e políticas vêm
sendo forjadas normatizando o currículo e a docência, tendo como demanda a universalização da
educação básica de qualidade com a garantia de equidade, com o lema: ―una educación con
inclusión social y de calidad para todos‖ (OEI, 2016, p.9). O enunciado das Metas para a região
tem como horizonte o ano de 2021 ―la educación que queremos para la generación de los
Bicentenarios‖, com o argumento de que nesse ano, a maior parte dos países da região estará
comemorando o bicentenário de suas independências. Em avaliação mais recente, a OEI redefine
sua agenda visando a ―ampliar la mirada más allá de los plazos originalmente previstos e iniciar
una reflexión sobre las prioridades y estrategias para la concreción de las Metas en el periodo
2021-2030‖ (OEI, 2016, p.9). Tal decisão foi adotada para acompanhar a UNESCO em sua
Agenda da Educação 2030 no contexto dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS),
após a Conferência Mundial nas Nações Unidas, em setembro 2015. Um arco mais amplo de
alianças se constitui a partir de então na tarefa de atender as Metas para a região.

Um conjunto de textos políticos vem difundindo os consensos possíveis a que vem


chegando as representações dos 21 Estados-nação e as autoridades no campo educacional no
espaço da Iberoamérica. Esses diversos textos políticos disseminam suas ideias em torno dessas
demandas, influenciando a produção das políticas. Processos de globalização contribuem para a
difusão das políticas favorecendo, de certo modo, convergências em inovações políticas, nos
mais diversos países, em todo o mundo. Tal aspecto tem sido reconhecido e documentado em
grande número de estudos. Esses processos de convergência são muitas vezes favorecidos, via
promoção de seminários como estratégia para a produção de consensos. Entretanto, conforme
analisado por Melo (2004) a circulação de estudos também pode vir a pôr fim ao consenso
construído simbolicamente por conta de discursos deslegitimadores que são vinculados pelas
organizações promotoras.

No que tange ao movimento das lideranças da área educacional, venho analisando sua
atuação como parte de comunidades epistêmicas (Antoniades, 2003; Lopes, Dias, Abreu, 2011)
que se organizam em processos de articulação em torno de demandas com o propósito de
constituir propostas hegemônicas (Laclau, 2005). As comunidades epistêmicas atuam em
processos de formação de agenda e difusão de conhecimento, em escala global/regional/local, em
especial, na produção de consenso como base para a coordenação de políticas, extrapolando o
conhecimento técnico-científico. Essas comunidades são também conhecidas como coletivos de
pensamento (Carvalheiro, 1999). Comunidades epistêmicas difundem de vários modos as ideias
sobre determinada política em seminários, conferências, consultorias, publicações, acesso à
mídia, debates, palestras e aulas públicas, entre outras atividades (Antoniades, 2003; Ball, 1998).
Os organismos internacionais se constituem em conhecidas estruturas institucionais que
sustentam a disseminação das ideias políticas, em suas redes sociais e políticas.

Diferentes demandas sobre profissionalização, protagonismo docente, centralidade da


prática e modelo de integração curricular, uso das Tecnologias da Comunicação e Informação,
entre outras, têm orientado as Metas para as políticas dos países da região. Entendemos a
demanda social analisada neste artigo como expressão de solicitações e expectativas de grupos
sociais (Laclau, 2005). Algumas vezes elas são prontamente atendidas, em outras não, vindo a
constituir reivindicações em processos de articulação política, aglutinando outras demandas
insatisfeitas. Operamos com as demandas ―como categoría de unidad de análisis. No se trata pues

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de trabajar a partir de individuos o grupos ya constituidos, sino de comprender a estos últimos


como efectos de articulaciones discursivas‖ (Biglieri, 2017, p.256). Na complexidade da
interpretação dos discursos das políticas destacamos a potência de operarmos com as demandas,
pois

(...) la configuración misma de una demanda está en relación con otro, siempre es
relacional. No se trata de átomos de sentido o de considerar a la demanda cerrada y dada
en y por sí misma. Sino de elementos relacionales que, desde el vamos, están atravesados
o contaminados por la otredad‖ (Biglieri e Perelló, 2007, p.23).

A UNESCO tem se destacado nas proposições encaminhadas pelo organismo em


reuniões globais ou regionais, como por exemplo, a Conferência Mundial Sobre Educação para
Todos, em Jomtien (Tailândia), em 1990 como importante agente catalisador de políticas, na
discussão de agendas políticas para a educação nas últimas décadas tendo como texto político
central o Relatório Delors3 ―Educação: um tesouro a descobrir. Relatório para a UNESCO da
Comissão Internacional sobre educação para o século XXI‖ (2001). Ainda deve ser enfatizado o
papel de destaque conferido pela UNESCO às comunidades epistêmicas que atuam com o
conhecimento especializado ou derivado de um determinado campo, que pode inclusive estar
intimamente ligado, ou não, a um setor da política pública. Outro texto político influente na
discussão do currículo e docência é ―Antecedentes y Criterios para la Elaboración de Políticas
Docentes en América Latina y el Caribe‖, publicado em 2012 pela Oficina Regional para a
América Latina e Caribe, com proposições regionais, no marco do ―Proyecto Estrategico
Regional sobre Docentes para America Latina y el Caribe‖ (p. 8). Esse projeto encontra-se
vinculado ao contexto mundial de uma estratégia da UNESCO, ―Profesores para uma Educación
para Todos‖. As proposições são apresentadas junto a um Estado da Arte sobre a formação e o
trabalho docente, a partir de uma equipe que contou com ―actores representativos de los ámbitos
gubernamental, académico y sindical (...) compatibilizando criterios de representatividad
subregional y de acumulación de experiencias de políticas educativas‖ (UNESCO, 2012, p.8). A
produção está organizada em duas partes: Estado da Arte e Critérios e orientações para a
elaboração de políticas docentes organizadas em três dimensões: estabilidade, coerência e
qualidade, tendo o Estado da Arte o propósito de ser um texto diagnóstico (UNESCO, 2012).

Na discussão sobre as políticas de currículo e docência da Iberoamérica ao trabalhar com


textos políticos busco não apenas na OEI como também na UNESCO interpretar o
entrecruzamento das propostas dos países que integram as duas regiões, os processos de
articulação discursiva e as demandas em disputa. Tal decisão tenho assumido antes mesmo da
OEI assumir a mesma agenda da UNESCO, em setembro de 2015, pois entendo que ambos os
organismos têm aproximações em torno das ações no campo educativo envolvendo também, em
muitos casos, os mesmos países.

Os textos políticos da OEI mobilizam a ideia de um projeto para a superação do quadro


de desigualdades da região operando com a ideia de uma educação que garanta a qualidade e
responsabilidade daqueles que atuam nas escolas e nos sistemas educacionais. Qualidade e
responsabilidade assumem significações centrais na constituição desse projeto hegemônico
Iberoamericano.
3
Para ter acesso ao Relatório Delors e a outros documentos da UNESCO, o site para acesso é o seguinte:
http://www.unesco.org.br/publicacoes/
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A OEI também atua orientando e influenciando as políticas em arenas de negociação de


sentidos, em contextos marcados pela dinâmica de complexidade sempre contingente e
provisória (Laclau, 1996). Em ―Miradas sobre la Educación en Iberoamérica: avances en las
Metas Educativas 2021‖, da OEI (2016), Paulo Speller, Secretário Geral, anuncia a finalidade do
documento de ―la revisión y actualización de los indicadores que permiten dar seguimiento a uno
de los proyectos centrales de la educación ibero-americana: Metas Educativas 2021‖ (p.7).
Speller reconhece, tomando como base documentos de 2014, o desafio para o alcance das Metas
diante da ―existencia de notables diferencias y desigualdades entre los países y al interior de cada
país en gran parte de los indicadores selecionados‖ (p. 8), embora também aponte para a
potencialização das Metas a partir da articulação entre a OEI e UNESCO em favor da
convergência de propostas. Visando o alcance das Metas e Objetivos definidos para a região, foi
constituído o Instituto de Evaluación y Seguimiento de las Metas Educativas (IESME) com o
propósito de acompanhar e avaliar a realização das propostas. Nesse instituto que, segundo a
OEI, pretende também produzir consensos, participam de forma colegiada: diretores dos
institutos de avaliação dos respectivos países ou representantes dos Ministérios da Educação para
essa atividade; 2) o secretário-geral da OEI e especialistas de avaliação educacional dos
diferentes países. Em 2013, um texto político dirigido à docência foi produzido pela OEI com a
finalidade de analisar a situação da avaliação do desempenho da formação e atuação dos
professores da Iberoamérica. No processo de articulação em torno de um projeto educacional de
qualidade ampliam-se as agendas políticas e as arenas de negociação como podemos ver na
aglutinação das propostas da OEI com a UNESCO.

―Educación 2030‖ toma en cuenta las lecciones aprendidas, derivadas muchas de


ellas de articulaciones insuficientemente resueltas entre los objetivos de la Educación
para Todos (EPT) y los Objetivos de Desarrollo del Milenio (ODM). De este modo,
se considera una lección clave la afirmación de que ―la agenda de educación global
debe funcionar dentro del marco general de desarrollo internacional en lugar de junto
a él‖ (como sucedió con la separación de los objetivos de la EPT y los ODM). (...)
―Educación 2030‖ pretende ser una apuesta crítica por el cambio de las prácticas
educativas actuales, por lo que se insiste en la convicción de que ―seguir como
siempre no llevará la educación a todos‖ (OEI, 2016, p. 27).

Ressalto o impacto importante da atuação da OEI e UNESCO no que tange à produção de


políticas na região Iberoamericana. Defendo a reflexão sobre as relações de influência entre
global/regional/local, considerando não apenas os organismos que atuam propondo e difundindo
concepções para as políticas de currículo e docência em diferentes escalas, mas também os
sujeitos e grupos que atuam nesses diferentes espaços com sua produção de discursos em busca
de legitimação das suas ideias e propostas em processos de disputa de poder. Esse cenário
dinâmico e multifacetado nos convida a pensar a pesquisa sobre as políticas como lutas pela
significação (Lopes, 2006). Lutas essas que estão vinculadas a visões do mundo e modos de vida
singulares e assimétricos, com ―cruzamentos de temporalidades e contextos, de novas sínteses,
sempre provisórias, tensas, incertas‖ (Lopes, J. 2007, p. 37) que de modo algum favorece a
produção de propostas que visem à homogeneização, daí então o permanente campo de disputas
na direção das opções sobre as significações e de sua legitimação.

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Currículo, docência e seus antagonismos

O conhecimento tem se destacado como um eixo de importância nos discursos


produzidos e difundidos na contemporaneidade. Em diversos textos políticos é enfatizado o
discurso de um mundo globalizado e em permanente mutação como desafio para as condições de
produção de conhecimento levando a uma ―nova‖ concepção de conhecimento e de ensino.
Embora o conhecimento venha a assumir protagonismo na educação contemporânea podemos
identificar sua vinculação ao caráter instrumental, quando tenta responder a questão da utilidade
de sua utilização que tem permeado o discurso sobre currículo e docência.

Como apresentado em trabalhos anteriores, a organização curricular e o conteúdo da


formação têm assumido centralidade no debate que envolvem os discursos das políticas de
currículo para a docência das últimas décadas, (Dussél, 2001; Medrano e Vaillant, 2011; Pogré,
2006). Nos textos políticos para a formação docente têm sido privilegiados os modelos
curriculares integrados, entre os quais o interdisciplinar e os baseados nas competências, este
último, defendido como mais voltado para o processo de profissionalização. Verificamos que na
disputa entre os modelos curriculares integrados e disciplinares podemos ver mobilizado o
discurso da sociedade do conhecimento ou uma ―civilização cognitiva‖ (Delors, 2001, p.89) que
se antagoniza com o modelo disciplinar e pretende consagrar outras formas de ensino-
aprendizagem assim como outro modo de constituir a docência. Coloca-se em questão o lema
―aprender a aprender‖, deflagrado pelo Relatório Delors (2001) ao difundir um discurso
propagador de mudanças que visam a romper com práticas e princípios da educação. Segundo o
texto político, essas práticas e princípios oriundos do ensino tradicional, não encontram mais
espaço na atual perspectiva de um mundo em constante mudança e para tanto faz-se necessário
um ―novo‖ paradigma para a educação. Esse discurso de um ―novo‖ paradigma para a educação
busca legitimar-se antagonizando-se em relação ao modelo curricular disciplinar. Ao defender o
modelo curricular das competências, o Relatório Delors, assume ser esse modelo curricular a
base para a educação poder transmitir, ―de forma maciça e eficaz, cada vez mais saberes e saber-
fazer evolutivos‖ (2001, p.89) e, simultaneamente, prover aos indivíduos e grupos as condições
materiais necessárias para a sua inserção na sociedade do conhecimento em que

Las mayores exigencias a la profesión docente, enraizadas en último término en los


cambios seculares condensados en la fórmula ―sociedad globalizada-sociedad del
conocimiento‖, presionan directamente a los actores fundamentales del campo de las
políticas —el gobierno y los sindicatos docentes—, a generar respuestas acordes a las
nuevas condiciones, lo que demanda nuevas políticas y renovados modos de relación
entre la profesión y el Estado. (UNESCO, 2012, p. 16)

Já não é possível pedir aos sistemas educativos que formem mão-de-obra para
empregos industriais estáveis. Trata-se, antes, de formar para a inovação pessoas
capazes de evoluir, de se adaptar a um mundo em rápida mudança e capazes de
dominar essas transformações. (Delors, 2001, p. 72)

A ideia de formação para o trabalho encontra-se ressignificada e coloca em questão a


necessidade de um suposto ―novo‖ modelo para a aprendizagem dos alunos e docentes que esteja
pautado em valores agregados ao discurso da sociedade do conhecimento. Um discurso que
pretende construir a hegemonia apoiada na cultura da performatividade (Lyotard, 2002). Essa

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cultura pode ser sintetizada como um princípio de eficácia que atua como uma forma de controle
indireto ou à distância, que substitui a intervenção e a prescrição pelo estabelecimento de
objetivos, pela prestação de contas, pela comparação e pelo desempenho – da reciclagem
permanente, do aprender a aprender, dos processos de formação continuada dirigidos à docência,
tão defendidos nos textos políticos da Ibeoamérica. A cultura performática utiliza-se de métodos
de mensuração e controle e os discursos de responsabilidade que, a despeito de permitirem maior
controle social de uma determinada política, na verdade, colaboram para a instauração de
métodos de vigilância e controle sobre o conhecimento e seus usos na sociedade, especialmente
nas instituições educacionais. Assim, importa menos (apesar do discurso em contrário) o
conteúdo ou a informação, em constante mudança no mundo, do que a aplicabilidade do
conhecimento.

Nesse cenário, podemos perceber o aumento na exigência sobre os professores pelo


excesso de inovações e a intensificação do trabalho docente, apontando para mecanismos de
controle da sua atuação em âmbito global, como enuncia o texto da OEI (2016) supondo desse
modo modelos de padronização dos processos de avaliação da aprendizagem. O discurso do
―aprender a aprender‖ está presente nas discussões sobre a formação de professores, promovendo
o caráter de adaptação do professor aos contextos de mudança da sociedade contemporânea, na
busca do êxito acadêmico e do aperfeiçoamento da própria produtividade, em complexos
processos de avaliação a que estão submetidos, marcados pela competitividade e pela
responsabilização, como medida de prestação de contas.

la importancia del profesorado para la calidad de la enseñanza. El cambio educativo,


la innovación y las reformas futuras, la calidad de la enseñanza, en síntesis, depende
de la preparación y del compromiso de los docentes. (OEI, 2013, p. 9)

Na constituição de um projeto hegemônico para a região Iberoamericana, os discursos em


defesa de políticas para o currículo e a docência disputam diferentes sentidos na complexa rede
de negociação. Na busca de um consenso que possa representar as demandas para a região
podemos ver defendida uma totalidade impossível no que tange ao projeto de formação
profissional docente partindo da fixação do que consiste esse trabalho em relação aos resultados
da aprendizagem dos alunos e do sucesso escolar, envolvendo a busca de parâmetros
―transparentes‖ sobre o que se espera de ―um bom professor e um bom aluno‖ assim como as
fixações do currículo, no seu conteúdo e modo de operar como podemos ver a seguir

En términos ideales, los procesos de formación deberían responder a un conjunto de


estándares o marcos claros y explícitos de qué se espera de un ―buen alumno‖ y un
―buen docente‖ y, en consecuencia, de una claridad sobre ―qué y cómo aprender‖ y
―qué y cómo enseñar‖ de manera coherente con estas expectativas de la buena
enseñanza aprendizaje. La realidad en algunos de los países de Iberoamérica es que
existe una falta de acuerdos sobre lo que constituiria ese marco para la buena
enseñanza; en consecuencia, los esfuerzos de formación continua, em vez de
constituirse en subsistemas coherentes que respondan a estas expectativas y
favorezcan sus resultados en el aula, configuran un espectro desarticulado de cursos,
talleres, seminarios, conferencias, coloquios y foros, entre otras instancias, con una
orientación poco clara. (OEI, 2013, p.159)

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As tentativas de controle a partir de medidas de padronização supostamente ―claras‖ do


que venha a constituir a docência e os modos de ensinar e aprender visam capturar um consenso
impossível e refletem as diferenças existentes na região. Embora os textos políticos, como o
citado acima, defendam a pluralidade de experiências curriculares e de trajetórias profissionais
dos professores se produz um discurso antagônico que pretende apagar essas diferenças na busca
de padronizações de currículos e desempenhos dos professores e alunos, na produção de modelos
de aprendizagem. Concordamos com Mendonça (2009), que o ―antagonismo, tomado em seu
sentido mais estrito, resulta na própria impossibilidade da constituição objetiva e necessária de
uma totalidade discursiva.‖ (p. 161)

Na busca de medidas de padronização nos confrontamos com o que Biesta (2012)


denomina cultura da mensuração que produz ―um impacto profundo sobre a prática educacional,
desde os mais altos escalões das políticas educacionais em nível nacional e supranacional até as
práticas locais de escolas e professores‖ (p.812). Destaca-se entre as Metas declaradas para
sucesso escolar a necessidade da revisão dos currículos de formação inicial e a realização de
investimentos em formação continuada e avaliação desses processos de formação. A existência
de um suposto consenso em torno da necessidade de alteração curricular, seja pelo argumento
apoiado nas mudanças intensas na sociedade do conhecimento, seja no novo papel do professor
diante do trabalho nas escolas, entre outros, se faz presente nos textos políticos analisados. No
entanto, como são significadas as necessidades de alteração curricular, como essas demandas se
diferenciam? Em oposição a que outras propostas se colocam? Essas e outras questões não
podem ser ignoradas no processo de negociação das políticas. Ao advogar pelas alterações
curriculares os discursos antagonizam-se com posições sobre a formação curricular provocando
o debate sobre os diferentes projetos em disputa na Iberoamérica.

Em trabalhos anteriores (Dias, 2013, 2016), pude verificar na produção discursiva dos
organismos internacionais Iberoamericanos, posições distintas sobre modelos de organização
curricular e processos de avaliação da formação e do trabalho docente. Em algumas dessas
posições a presença de um discurso que atribui grande responsabilização ao professor no
desempenho de seus alunos, associado a uma meta de responsabilização docente aos resultados
da educação, cada vez mais apoiada em exames de avaliação de larga escala nos diferentes
países. Nesses discursos entendemos que se projetam papéis para a docência envolvendo não
apenas o cotidiano do trabalho, como currículos para a sua formação inicial e continuada.
Embora alguns desses textos políticos se dediquem centralmente à crítica do currículo da
formação de professores inicial e continuada entendo que ao buscar formas de controle da
atuação docente também fica afetado o currículo da escola básica, especialmente quando o
professor sofre constrangimentos e pressões para desenvolver o currículo em um contexto de
avaliação padronizada.

La teoría y la práctica de la educación indican que uno de los elementos que más
incide en el processo de aprendizaje de niños y jóvenes tiene que ver con lo que
creen, pueden y están dispuestos a hacer los docentes. Minimizar o tratar con ligereza
este punto supone restringir y, de hecho, desviar la comprensión del problema y la
búsqueda responsable de soluciones. (Medrano e Vaillant, 2011, p. 11)

Además de los avances cualitativos requeridos en materia de formación inicial y


continua, supone, desde las políticas públicas, alcanzar un equilibrio entre la

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Dias, Currículo, Docência e seus Antagonismos no Espaço Iberoamericano

confianza en la labor de los maestros y la responsabilización por su desempeño, entre


grados crecientes de autonomia y el monitoreo y apoyo para que tal autonomía sea
utilizada de la manera más conveniente para el aprendizaje de los estudiantes.
(MacBeath, 2012 apud UNESCO, 2012, p. 112)

Nos discursos sobre políticas de currículo para a formação docente está presente o
antagonismo que, impede a fixação de sentidos, o que significa dizer a impossibilidade de
fechamento completo de um determinado sentido do discurso (Mendonça, 2003), acentuando a
presença de posições diferentes que pretendem se legitimar e constituir a hegemonia. A presença
do antagonismo, portanto, nos coloca diante das questões que envolvem disputas no campo da
significação da política. Nos perguntamos: a que vem se antagonizando os discursos sobre
modelos de organização curricular e processos de avaliação do trabalho docente nos textos
políticos analisados? Entre as possibilidades de expressar o antagonismo nessas políticas
podemos destacar os excertos a seguir

Explorar diseños de carrera profesional, cuyo eje central sea la calidad del
desempeño docente. La experiencia y el perfeccionamiento relevante y de calidad
deben ser valorados en la medida en que se traduzcan en aprendizajes profesionales.
Es importante, en consecuencia, evaluar y luego recompensar el desempeño
profesional efectivo, tanto en el aula como en su institución educativa, como eje del
ascenso en la carrera. Organizar la carrera docente en torno al desempeño implica
poner atención en los mecanismos de evaluación de la labor profesional, cuestión
ciertamente compleja pero indispensable de abordar. (UNESCO, 2012, p. 138)

El estudio destaca el caso de Finlandia, pais que se ha convertido en estos anos en el


símbolo de la calidad de la educacion, donde no solo no existe evaluacion externa de
docentes o centros, sino que es un tema que ni siquiera esta en debate. El sistema
educativo finlandês se basa en la confianza sobre el docente y su profesionalidad, asi
como en el buen hacer de los centros educativos (UNESCO, 2006 apud UNESCO,
2012, p. 88).

En la actualidad, la evaluación de los docentes despierta mucho interés en todos los


sistemas educativos. Hay consenso en que el trabajo de los maestros es crucial para
la calidad de los aprendizajes que alcancen los estudiantes, pero identificar a los
maestros eficaces, distinguiéndolos de manera confiable de los que no lo son, sigue
siendo una tarea no resuelta. (OEI, 2013, p. 225)

No discurso Iberoamericano que aponta para a centralidade da docência como garantia


para o alcance de melhores resultados na educação se confronta com outro que critica as
condições de formação e de trabalho docente que não estariam de acordo com as necessidades da
educação básica, contrapondo-se muitas vezes a uma formação curricular disciplinar. Critica-se a
pouca ênfase dos currículos de cunho generalista, às estratégias voltadas às metodologias ou o
―como fazer’ na aprendizagem escolar, ao saber-fazer.

O campo da docência nos apresenta muitas questões que que merecem debate em
diferentes níveis e por diferentes atores políticos. Concepções de atuação docente, presentes nos
textos políticos interpretados, nas quais o professor é apresentado como protagonista para

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Dias, Currículo, Docência e seus Antagonismos no Espaço Iberoamericano

assegurar o sucesso escolar, o alcance de metas de qualidade na educação estão pari passu a
concepções que entendem ser necessário capturar um determinado modo de exercer a docência e
de garantir a qualidade da formação e atuação do professor, fixando-o a partir de processos de
padronização e de avaliação do desempenho. Embora no discurso se valorize a formação
continuada no espaço escolar e do conhecimento da prática há um silenciamento sobre a
importância dessa formação se pautar no conhecimento das experiências dos professores nas
escolas e comunidades nas quais atuam. Tais posições discursivas configuram o quadro de
ambivalências sobre as políticas de currículo para a formação e atuação dos professores no
espaço Iberoamericano.

Considerações Finais

Defendemos a necessidade de se avançar na compreensão de como o discurso das


políticas curriculares de formação de professores vêm se constituindo a partir das diferentes
demandas e atores políticos que buscam nos processos de articulação, marcadas por
antagonismos, significar seus projetos educacionais.

Os discursos Iberoamericanos interpretados nos textos políticos da OEI e UNESCO


revelam na centralidade da docência a hipertrofia do seu trabalho para assegurar o êxito escolar
dos alunos, projetando nos processos de formação inicial e, principalmente a continuada, a
superação dos problemas da educação, ao se afirmar que professores bem formados garantem o
sucesso escolar. Mesmo quando esses próprios discursos reconhecem aspectos que atuam na
produção do sucesso e do fracasso escolar que estão para além da atuação do professor e da
escola, eles ficam secundarizados na retórica sobre as políticas de currículo e docência. O
antagonismo presente nos discursos Iberoamericanos nos aponta para a possibilidade de novos
cenários no campo da formação curricular de professores, expressando a multiplicidade de
posições existentes e em circulação. Também convida a participarmos de posicionamentos e
manifestarmos nossas concepções em torno do que se propõe, articulando com outras demandas
que na luta política podem vir a constituir um projeto hegemônico.

Entendo a potência no questionamento das propostas curriculares que vêm sendo


disseminadas como inexoráveis, tomando posição em relação às finalidades da educação escolar
em um cenário que nos aponta para preocupações da ordem dos resultados e da pretensão de uma
possibilidade de homogeneização e padronização ainda que associado ao ―argumento de justiça
social que diz que todos devem ter acesso à educação de mesma qualidade‖ (Biesta, 2012, p.810-
811).

A ideia de conferir legitimidade e qualidade à formação e atuação docente pretende


constituir hegemonia, a partir de processos de avaliação de docentes e de acreditação de
instituições formadoras. Esses discursos buscam responder às demandas sociais que cobram
melhores resultados na educação. Mas devemos problematizar a defesa de processos de
avaliação de desempenho docente vinculado ao desempenho dos alunos para auferir resultados
que avalizem global, regional e localmente o sucesso da educação, o que nos remete à ênfase na
responsabilização dos professores deslocando de outras áreas sociais a co-responsabilidade no
processo educacional. Tais proposições nos fazem pensar no quanto se torna suscetível ao
controle a formação e a atuação do professor nas perspectivas apontadas pela UNESCO e a OEI.

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Um aspecto importante que explicita o antagonismo presente no discurso da avaliação


como Meta para a formação e atuação docente é expresso no documento Miradas (OEI, 2013,
2016) quando reconhece as diferentes experiências e trajetórias na formação inicial dos
professores assim como de sua carreira nos diferentes países. Reconhecemos que, de algum
modo, esses discursos influenciam e pretendem controlar a significação da docência e, por vezes,
assumem diretamente o compromisso de vir a reconfigurar ―a identidade profissional do
professor‖ (UNESCO, 2004, p. 33) como se ela não fosse constituída em processos contingentes.
Os antagonismos presentes nos discursos dos textos políticos Iberoamericanos tendem a
posicionar o professor em relação às políticas de currículo e as expectativas sobre os sentidos do
currículo e o de ser professor a partir de representações que pretendem universalizar no momento
da avaliação, desconsiderando as singularidades. Mas, diante disso, devemos ficar atentos ao
surgimento de discursos alternativos que disputam sentidos com aqueles que pretendem ―apagar‖
as diferenças no modo de constituir-se profissionalmente a docência na região Iberoamericana.
Essa luta por padronização e homogeneização como possibilidade de controle de uma suposta
qualidade e uma identificação docente se faz presente no discurso antagônico. Encerro com uma
questão. O que as tentativas de controle da docência nos provocam a pensar, parafraseando
Mendonça (2003): sobre quem é esse docente antagonizado como parte do processo de
significação?

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