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Capa:

Dept º de Art e da TAQ

( Reprodução do quadro "A m ort e do rei Art ur" - Galeria de Art e de Manchest er)

1ª edição, 1988

1ª reim pressão, 1989

Dados de Cat alogação na Publicação ( CI P) I nt ernacional

( Câm ar a Brasileira do Livr o. SP. Brasil)

A Dem anda do Sant o Graal: m anuscrit o do século XI I I /

t ext o sob os cuidados de Heit or Megale. - - São Paulo:

T.A. Queiroz : Edit ora da Universidade de São

Paulo, 1988.

"Breve bibliografia art uriana".

1. Graal I . Megale, Heit or, 1940 -

88- 0570 CDD- 398.46

Í ndices para cat álogo sist em át ico:

I . Graal: Lit erat ura folclórica 398.46

2. Sant o Graal: Lit erat ura folclórica 398.46 .

I SBN 85- 85008- 74- 1

© do t ext o: Heit or Megale

Direit os dest a edição reservados

T. A. Queiroz, Edit or, Lt da.

Rua Joaquim Floriano, 733 – 9º

04534 São Paulo, SP

1989

I m presso no Br asil
Est a edição da Dem anda é dedicada
a Ant onio Candido, para m ar car a
lem brança do Cu rso de Teoria Lit erária
e Lit erat ura Com parada, de 1967,
quando, t rat ando do t em a "Realidade e
irrealidade na ficção" , t rabalhou a
Dem anda do sant o Graal no prim eiro
sem est re e, no segundo,
os rom ances do ciclo da
cana- de- açú car de José
Lins do Rego.
Sua m ão de m est re lançou a sem ent e
dest e t rabalho, a produzir frut o vint e
anos depois.

H.M
PREFÁCI O

Os dois docum ent os m ais ex pr essiv os da v ida sent im ent al e do m undo im aginário na Baix a I dade Média
são, sem dúv ida, a poesia lírica dos t r ov ador es - que t ev e com o cent r o de ir r adiação o sul da França - , e a
lit er at ur a nar r ativa, prim eir o em ver so e post er ior m ent e em pr osa, das novelas de cavalaria. Corr espondiam às
duas idéias- for ça m ais r epr esent at ivas no t em po: o Am or e a Lut a. O m undo encant ado dessa época est ev e
fundam ent alm ent e cent r ado nest as duas m anifest ações. A lit er atur a her óica da Fr ança set ent r ional ( canções de
gest a) , cont am inada no século XI I pela cor t esia, der iv a par a o r om ance cor t ês, que, após a exper iência de
Chr étien de Tr oy es no século XI I , em pr eende um a r enovação em dois sent idos: na for m a de expr essão,
subst it uindo o v er so' pela pr osa; no seu cont eúdo, desenv olv endo a v er t ent e m íst ica que o pr ópr io Chr étien de
Tr oy es hav ia im pr esso no seu últim o r om ance: o Per cev al.

O cr uzam ent o das duas for m as de ficção, em que ao sent im ent o da glór ia pessoal ( dos cant ar es
gést icos) se associa o r it ual do am or cor t ês ( da lírica dos t r ov ador es) , t or nou m ais atr aente a liter at ur a
nar r ativ a, que conseguiu assim m ant er a sua vit alidade na pr efer ência do público at é o século XVI I , quando
Cer v ant es lhe dá um golpe m or t al com a sua genial car icat ur a do Quix ot e. A der iv ação par a a pr osa, ut ilizada
pela pr im eir a v ez no v ast o conj unt o Lancelot - Gr aal na alt ur a de 1225, cont r ibuiu poder osam ent e par a t or nar
m ais fácil e côm oda a leit ur a das nov elas cav aleir escas, est im ular a sua difusão, além de fom ent ar a t r adução
nas out r as línguas.

Sucedidas e suplant adas pelo r om ance m oder no, as nov elas de cav alar ia só m ais t ar de conseguir am
r econquist ar o seu antigo pr est ígio, t or nando- se alv o de inv est igação filológica e lit er ária, com as inúm er as
edições cr ít icas sur gidas na pr im eir a m et ade dest e século. Elas r enascem im pulsionadas pelo m ov im ent o de
r eabilit ação da I dade Média, 'ent r e cuj os líder es não podem os esquecer os nom es de Johan Huizinga, Edgar
Br uyne, Valdem ar VedeI , Gust av o Cohen, Hem i Focillon e out r os t ant os que brilhar am nas tr ês décadas de
1920 a 1950.

Av iv ado o gost o dest a lit er at ur a cav aleir esca, ao lado da descober t a de m anuscr it os e da elabor ação de
edições cr ít icas, com eçar am a sur gir tr aduções par a a língua m oder na, adapt ações, par áfr ases em pr osa dos
t ex t os poét icos, t r anscr ições m oder nizadas, et c., t udo no int uit o de pôr em v oga essa m at ér ia fascinant e da
lit er at ur a m ediev al. Da Chanson de Roland, quant as e quant as adapt ações e m oder nizações se fi zer am , em
pr osa liv r e ou rit m ada, em pr osa ent r em eada de ver sos, ou m esm o em poesia ( sem cont ar as inúm er as
v er sões que j á hav iam apar ecido t am bém na segunda m et ade do século XI X) : em pr osa liv r e, a t r adução de
Joseph Bédier , em 1922, que em 1924 publica t am bém um a v er são em pr osa m oder na do Rom an de Tr ist an et
I seut , obr a pr em iada pela Academ ia Fr ancesa; não obst ant e a t r adução bedier iana da Chanson de Roland
houv esse sido com pulsada por Henr i Cham ar d, quando de sua v er são da m esm a gest a, a obr a de Bédier
apar eceu depois; a de Cham ar d, em v er sos r im ados, baseada no m anuscr it o de Ox for d, v ier a a lum e t r ês anos
ant es, em 1919.

Do poem a do Cid, out r as t ant as v er sões se r ealizar am , desde a de Pedr o Salinas de 1924, em v er sos de
dezesseis silabas par t idos em hem ist íquios, at é à de Alfonso Rey es na Coleção Austr al, em pr osa liter ária, à de
José Ber gua em 1944, num a t r adução lit er al v er so a v er so ( sem a pr eocupação do sent ido) , à v er são em
v er sos oct ossílabos, de Luis Guar ner , em 1940, baseada em cr it érios filológicos, cr it érios esses que for am
adot ados m ais t ar de, em 1955, por Fr ancisco López; Est r ada, pr ofessor da Univ er sidade de Sev ilha, na sua
v er são pr im or osa do Poem a dei Cid, publicada pela Edit or a Cast alia. Est a Edit or a, na sua coleção Odr es Nuev os,
pr ocur ou lev ar ao leit or de hoj e, ao gr ande público, os m onum ent os da lit er at ur a m ediev al espanhola: Libr o de
Apolonio, Ley endas épicas m ediev ales, Fer nán Gonzáles et c. E assim o ex t r aor dinár io poem a de Rodr igo Díaz
de Viv ar , o Cid, deix ou de ser leit ur a ex clusiv a de filólogos.

Tais em pr eendim ent os edit or iais denot am , sem dúv ida, o int er esse de um pú blico que, par a desfr ut ar o
fascínio das cr iações lit er ár ias da I dade Média, pr ecisa ler t ais t ext os num t ecido lingüíst ico difer ent e e
despoj ado da er udição das not as elucidat iv as e dos glossár ios ex uber ant es.

Na Fr ança, desde 1923 com eçam a sur gir as pr im eir as v er sões e t r aduções em língua m oder na de La
Quest e dei saint Gr aal, com Pauphilet , Lot - Bor odine et Schoepper le, Pierr e Moisy em 1946, Alber t Béguin em
1945. Sim , pois o m anuscr it o da Quest e exist ent e no Museu Real Br it ânico j á hav ia sido t r asladado por
Fr ederick Fur niv all em 1864; e os m anuscr it os ex ist entes nos ar quiv os e bibliot ecas da Fr ança, edit ados em
Par is pelo pr ópr io Pauphilet em 1923.

Em Por t ugal, onde a m at ér ia da Br et anha com eçou a penet r ar pr ov av elm ent e em m eados do século XI I I ,
a nov elíst ica br et ã apar ece r epr esent ada sobr et udo pelo ciclo de nov elas do qual a m ais con hecida é a
Dem anda do sant o Gr aal, cuj as duas pr im eir as par t es são o Liv r o de José de Ar im at éia e o Mer lim . Sobr e o ciclo
ar t uriano do Gr aal, é subst ancial o est udo que o Pr ofessor Heit or Megale apresent a com o int r odução ao Seu
t r abalho, dispensando- nos por t ant o de qualquer infor m ação.
Quando em 1944 o Pe. August o Magne S.J. lev av a a cabo a sua edição da Dem anda do sant o Gr aal,
t r anscr ição do códice v ienense da nov ela por t uguesa, j ulgáv am os t er a edição definit iv a de um a obr a que
desafiou os m ais abalizados lusit anist as e inv est igador es da lit er at ur a m ediev al - desde os alem ães Ot t o KI ob,
Fer dinand Wolf e Karl Von Reinhar dst oët t ner ao br asileir o Fr ancisco Adolfo Var nhagen, passando por Edwar d
Wechssler , que acabou desist indo da em pr esa com eçada. Ent r et ant o, as r est r ições que v ár ios filólogos fizer am
à edição de Magne j ust ificar am o apar ecim ent o da edição fac- sim ilar em dois v olum es, publicada em 1955-
1970, saindo o pr im eir o v olum e ainda em v ida do Pe. August o Magne.

A publicação dos t r ês v olum es da Dem anda de 1944 j á hav ia enfr ent ado ent r av es edit oriais desde 1 924,
quando Car olina Michaelis solicit ar a a Joaquim de Car v alho, ent ão dir et or da I m pr ensa da Univer sidade de
Coim br a, gest ões par a a publicação da nov ela, at é às pu blicações que for am saindo em fascículos na Revist a de
Língua Por t uguesa, ent r e 1927 e 1929 ( ano em que foi int err om pida essa edição) . I m agine- se, nos dias de
hoj e, a publicação da m esm a nov ela, ainda que dest inada a um gr ande público. E de louv ar um
em pr eendim ent o edit or ial dest a or dem , cuj as dim ensões m at er iais com pet em com o esfor ço dispendido pelo
Aut or dessa av ent ur a.

Heit or Megale, ent r et ant o, r eunia as condições necessár ias à ex ecução de um a t ar efa que dem anda
conhecim ent o segur o dessa pr odução, boa for m ação filológica, sensibilidade especial par a ident ificar - se com o
espír it o do t ex t o, e um t ipo de per sev er ança m onást ica par a chegar ao fim de um t r abalho dessa nat ur eza.
Mem br o da Sociét é lnt er nat ionale Ar t hur ienne, cuj o Bullet in Bibliogr aph ique, v olum e XXXI I I , est am pa r esenha
de sua t ese de dout or am ent o defendida em 1980 na Univ er sidade de São Paulo - "O j ogo dos ant epar os: A
Dem anda do sant o Gr aal, a est r ut ur a ideológica e a const r ução da nar r at iv a" - , o Pr ofessor Hei t or Megale
r ealizou agor a v er dadeir o t r abalho de ar t esanat o, na t ent at iv a de conseguir o obj et iv o fundam ent al em v er sões
desse t ipo: lev ar ao alcance do público de hoj e a fr uição de um a obr a ex t r aor dinár ia com o é a Dem anda, sem
desv ir t uar o prim it iv o sabor de sua linguagem .

Em nada, por t ant o, o m oder nizador da Dem anda do sant o Gr aal pr ej udicou a legitim idade do t ex t o, que
pode ser lido agor a com fluência, sem os const ant es t r opeços de sua int elecção, beneficiando- se assim aqueles
que desej am conhecer um a das nar r at iv as m ais fascinant es da lit er at ur a m ediev al. Deix ou, pois, de ser leitur a
ex clusiv a de filólogos ou de conhecedor es do por t uguês ar caico. A v er são m oder nizada do t ex t o da Dem anda
do sant o Gr aal apr esent ada pelo Pr ofessor Heit or Megale ( baseada não só no códice v ienense do século XV,
at r av és da edição fac- sim ilar de August o Magne, m as cot ej ada com os in- folios da edição de Reinhar dst oët t ner
e calafet ada nas suas lacunas com o r ecur so das v er sões espanhola e fr ancesa) não const it ui um at ent ado à
pur eza lingüíst ico- liter ária da obr a. Ant es pelo cont r ário: t r at a- se de pr ocedim ent o de r ot ina nos m eios cult os
da inv est igação filológica. Alber t Pauphilet , - j á v im os - , depois de sua obr a m onum ent al publicada em 1921,
Ét udes sur I a Quest e dei saint Gr aal at t r ibuée à Gaut ier Map, e de em 1923 publicar a sua não m enos
m onum ent al edição de La Quest e dei saint Gr aal, r om an du XI I I èm e. siècle ( baseado nos m an uscr it os da
Bibliot eca Nacional de Par is e no m anuscr it o do Palais des Ar t s de Ly on) , j á em 1925 publicav a um a t r adução
da nov ela, r eedit ada m ais t ar de em 1949.

Heit or Megale com plet ou, por t ant o, aquilo que falt av a no caso por t uguês, além de obv iar agor a a
r ar idade da espécie no com ér cio liv r eir o. Ox alá, ent ão, que os leit or es de hoj e, cult os ou sim plesm ent e áv idos
de ex celent es leitur as, est udant es de let r as e pr ofessor es de lit er at ur a, se disponham a usufr uir as belezas
dessa nov ela, pov oada de av ent ur as m ar avilhosas, env olt a num sim bolism o fant ást ico cr iado pelo m undo
célt ico, e - quem sabe - anunciador a de um m undo m ais per feit o que o nosso: a er a do Espír it o Santo...

São Paulo, Cor pus Chr ist i, 1987

Segism undo Spina.


I N TROD UÇÃO

É possív el que nenhum a out r a pr odução lit er ár ia t enha sido t ão difundida na I dade Média com o a
cham ada m at ér ia da Br et anha, um v ast íssim o com plex o de t ex t os em v er so e em pr osa cent r ados na figur a de
Ar t ur e de seus cav aleir os da t áv ola r edonda. As m ais r em ot as m enções de Ar t ur , no ent ant o, ser iam
pr ov enient es de obr as de cunho hist oriogr áfico. No século VI I I , Nennius, em sua Hist or ia Br it onum, apr esent a
Ar t ur com o um chefe guer r eir o de at uação m ar cant e na resist ência br et ã às inv asões sax ônicas do século VI .
Por v olt a de 1125, William of Malm esbur y , em Gest a r egum anglor um , fala de Ar t ur com o um gr ande guer r eir o,
chega a r efer ir - se a seu sobr inho Galv ão e r efut a cr enças em m essianism o ar t ur iano, que diz ex istirem ent r e os
br et ões. Geoffr ey of Monm out h, em Hist or ia r egum Br it anniae, t er m inada t alv ez em 1136, m ais t ar de t r aduzida
par a o anglo- nor m ando, faz de Art ur um r ei e o descr ev e com o um hom em cheio de v ir tudes, pr incipalm ent e
de liber alidade. A est a Hist or ia, acr escent ou Monm out h Pr ophet ia Mer lini, e é t am bém de sua aut or ia Vit a
Mer lini, o poem a que, pela pr im eir a v ez, na m at ér ia da Br et anha, cit a Av alon, a ilha das m açãs, par a onde
lev am Ar tur ferido par a ser t r at ado por Mor gana.

Apenas pelas r efer ências de Nennius, de William of Malm esbur y e de Geoffr ey of Monm out h, per cebe- se o
im br icam ent o da r ealidade com a ficção. É ex at am ent e com o diz Er ich Köhler : "Pode- se dizer da I dade Média,
num sent ido m uit o pr eciso e par t icular , o que car act er iza ger alm ent e t oda pr et ensão de gr upos ou de
indivíduos que desem penham um papel hist ór ico, ist o é, que os hom ens ex per im ent am desde sem pr e a
necessidade de im aginar que o ideal, obj et o de sua busca no pr esent e, ex ist iu com o r ealidade num passado
r em ot o.” Or a, hist ór ica e polit icam ent e, lut av am os br et ões, assim com o out r os celt as, pela busca de unidade e
ex pansão. Est es obj et iv os, por ém , não f or am conseguidos. Repr im idos por inv asor es sax ões, v ir am - se for çados
a r efugiar - se na Ar m órica, na Escócia e no país de Gales. Sobr ou- I hes o desej o da r ev anche, que só foi possív el
lev ar a cabo no plano ficcional. A gr andeza passada alim ent av a lendas de esper ança do r et or no de Ar t ur , o dux
bellor um der r ot ado no século VI . Os r eis nor m andos, descendent es de Guilher m e, o Conquist ador , t endo
der r ot ado ant igos senhor es sax ões, t ent ar am at r air a sim pat ia dos br et ões encor aj ando a div ulgação lit er ár ia
de suas lendas. A inv enção do t úm ulo de Ar t ur em Glast onbur y , nos fins do século XI I , abalou as esper anças
br et ãs, m as acabou por colabor ar ainda m ais na difusão das lendas. O antigo chefe guerr eir o passa a r ei
cober t o de t ant os pr edicados e de t ant as v ir t udes, que sua aut or idade não se faz sent ir .

No Rom an de Br ut , de Wace, escr it o em fr ancês, fica m uit o v isív el a influência de Monm out h, por
ex em plo, nest a descr ição de Ar t ur , depois de cor oado sucessor de seu pai Ut er Pandr agão:

Jouv ençal ét ait de quinze ans,


Mais pour son âge, for t et gr and.

e j á apar ece a t áv ola r edonda:

Pour les nobles bar ons qu' il êut


Dont chacun le m eilleur se cr ut ,
Ar t hur cr éa I a r onde t able,
Dont les br ét ons disent m aint e fable.

O chefe guer r eir o t or nado r ei at inge um dom ínio consider áv el, chegando m esm o a der r ot ar o
im per ador de Rom a, m as logo t em que v olt ar por que a not ícia da t r aição de Mor der et e o aflige.

Chr étien de Tr oy es, por volt a de 1162, cria seu prim eir o r om ance art uriano intit ulado Érec et Énide.
Seguem - se: Cligès ou I a fausse m or t e, 1164; Lancelot ou le chev alier à I a char r et t e, 1168;

Yv ain ou le chev alier au ly on, 1173; e deix ou inacabado Per cev al ou le cont e du Gr aal. Logo sur gir am
as cont inuações dest e últim o. Ainda que Chr étien tenha conduzido o her ói Per siv al a um a dolor osa confissão
par a um er m it ão, não se pode dizer que sua obr a t enha um car át er m íst ico ou cr ist ão. A ligação da lenda
ar t uriana com o cr ist ianism o pr incipiou, v ia ev angelhos apócr ifos, com Rober t de Bor on que, no final do século
XI I , escr eveu em ver so um a t r ilogia, da qual subsist em apenas Le r om an de l'est oir e dou Gr aal e 502 v er sos da
segunda par t e, Le liv r e de Mer lin. Da t er ceir a par t e, t em os apenas um a v er são em pr osa conhecida com o o
Didot - Per cev al. Há quem cont est e que a aut or ia do Didot sej a de Bor on, com o há quem j ulgue qu e apenas a
par t e final, que narr a a m or t e de r ei Ar t ur , não sej a de seu punho. O que se t em com o cer t o é que Bor on
com pôs um Per cev al, e o t ex t o do Didot é pr óx im o dest e ar quét ipo. Na pr im eir a par t e, Le r om an de l'est oir e
dou Gr aal, a est ór ia com eça em José de Ar im at éia, aquele que colocou Cr ist o no t úm ulo, r azão pela qual o liv r o
é t am bém conhecido com o Joseph. Ar im at éia recolhe no cálice as últim as got as do sangue de Cr ist o.
Per seguido e apr isionado pelos j udeus, é v isit ado por Crist o na pr isão e só é liber t ado pelo im per ador
Vespasiano, depois que est e f oi cur ado de lepr a com o v éu da Ver ônica. Liv r e, José de Ar im at éia instit ui a m esa
do Gr aal, pois se t or nar a guar dador da sant a r elíquia. Quando v elho, confia a guar da do sant o Vaso a Br on, seu
cunhado, o qual segue com seus doze filhos par a a I nglat er r a. O Mer lin, int egr alm ent e apenas conhecido pela
t r anscr ição em pr osa cham ada Vulgat a do Mer lin, por que em v er so su bsist iu t ão som ent e um com eço, cont a o
nascim ent o do m ago, filho de um diabo e de um a donzela. A bondade de sua m ãe pr ev alece em Mer lim , que
her da de seu diabólico pai apenas a m agia da v isão do fut ur o. Pr om ov e a sedução de Y gem e por Ut er
Pandr agão. Dest a união nasce Ar t ur , de quem Merlim se t or na fiel conselheir o. A t er ceir a par te, o Didot -
Per cev al, é um a dem anda do sant o Gr aal, t endo com o her ói a per sonagem t ítulo, que conquist a o sant o Vaso
pela cast idade absolut a super ando os v alor es pur am ent e hum anos.

Out r o r om ance em pr osa de fins do século XI I é Le Per lesv aus. I nicia no pont o em que ficou
int er r om pido o Per cev al de Chr ét ien de Tr oy es. Cont a com o Per lesv aus ( Per siv al) cont r ibuiu par a a ex pansão do
cr ist ianism o na I nglat er r a. Ex alt a a espirit ualidade guer r eir a de um her ói cast o e insist e no crist ianism o que
designa com o nov a lei.

Com post o segur am ent e ant es de 1210 por Wolfr am v on Eschenbach, Par sifal é um poem a que
pr et ende apoiar - se num t ex t o pr ov ençal at r ibuído a Ky ot , m as há sér ias cont r ov ér sias a r espeit o da ex ist ência
de Ky ot . Par t e do Par sifal confer e com o Per cev al inacabado de Chr ét ien de Tr oy es, m as o poem a foge, por
out r o lado, do v eio ar t uriano de que se t er ia or iginado. Assim é que o Gr aal em Eschenbach é um a pedr a
confiada a Tit ur el e seus descendent es. Sobr e est a pedr a, fênix r enasce e na sex t a- feir a sant a um a hóst ia
consagr ada v inda do céu pousa sobr e ela.
Por v olt a de 1220, na r egião de Meaux , na Fr ança, iniciou- se um pr ocesso de pr osificação dos r om ances
ar t urianos em gr andes com pilações de car át er cíclico, cuj o obj et iv o par ece t er sido dar for m a definit iv a à lenda.
Essas com pilações são especificam ent e duas: a Vulgat a e a Post - Vulgat a.

A Vulgat a da m at ér ia da Br et anha é o ciclo do pseudo Gautier Map t am bém cham ado Le Lancelot -
Gr aal que, a j ulgar pelo núm er o elev ado de m anuscr it os, at ingiu popularidade consider áv el. Seus t ex t os são
div er sificadíssim os: v er sões cur t as ou m ais desenv olv idas, alt er ações de episódios, de com por t am ent o de
per sonagens e. de aspect os ideológicos. Est e ciclo de enor m es pr opor ções pr incipia a est ór ia com a chegada de
José de Ar im at éia, o guar dador do Gr aal, à I nglat er r a, e a conclui com a m or t e do r ei Ar t ur . Com põe- se dos
seguint es livr os: L 'est oir e dei saint Gr aal/ , L 'est oir e de Mer lin, Le liv r e de Lancelot dei lac, em t r ês par t es; La
quest e Del saint Gr aal e La m or t le r oi Art us. L 'est oir e del saint Gr aal r elat a as or igens ev angélicas do sant o
Vaso e a chegada de José e de seus com panheir os à I nglat er r a; L 'est oir e de Mer lin at inge os pr im eir os anos do
r einado de Ar t ur e t er m ina com o desapar ecim ent o do m ago por m agia da m ulher a quem am av a e a quem
confiar a seus segr edos; Le liv r e d'Ar t us, só t ar diam ent e incluído no ciclo, pr eenche um a lacuna ent r e o Mer lin e
o Lancelot . Le Lancelot nar r a os am or es adúlt er os da r ainha Genev r a com Lancelot e m ost r ando que, por m ais
per feit o que sej a com o cav aleir o, t or na- se, por est es er r os, indigno da r ev elação do Gr aal. Pr ov ocado por um
encant am ent o, ele faz na filha do r ei do Gr aal, im aginando est ar com Genev r a, um filho que ser á m er ecedor de
t oda a gr aça da r ev elação do Gr aal: Galaaz, o bom cav aleir o que dar á cabo às av ent ur as do r eino de Logr es. La
quest e dei saint Gr aal é um r om ance pr ofundam ent e r eligioso. De t odos os cav aleir os que saem em busca do
Gr aal, apenas Galaaz e Per siv al, por que v ir gens, e Boor z, por que cast o, conseguem a gr aça de v er o sant o
Vaso. Lancelot e, por que se ar r ependeu e renunciou a Genev r a, t em um a r ev elação par cial. Todos os dem ais
ficam sem est a r ev elação, por t er em se apegado dem ais aos v alor es pur am ent e t er r enos. La m or t le r oi Ar t us é
o m undo ar t ur iano depois que o Gr aal foi ar r ebat ado aos céus. São r ev elados os am or es adúlt er os da r ainha
com Lancelot e e lut as int est inas pr ecipit am os acont ecim ent os finais. Tr aído pelos seus, Ar t ur enfr ent a, por fim ,
seu sobr inho Mor der et e, na v er dade seu f ilho incest uoso, que m or r e de um a lançada sua, não sem ant es fer i- lo
m or t alm ent e. Depois de fazer Gilfr et e j ogar sua Ex calibur num lago, de cuj as águas sai um punho que a pega e
pux a par a o fundo, Ar t ur é lev ado num a bar ca par a Av alon.

A Post - Vulgat a da m at ér ia da Bret anha é o ciclo do pseudo Rober t de Bor on, um a com pilação da qual
não se conser v ou a ver são or iginal com plet a. O pr im eir o t ex t o dest e ciclo a ser im pr esso foi o m anuscr it o Hut h
Mer lin. Ao edit á- lo em 1886, em par cer ia com Ulr ich, Gast on Par is declar ou que est e Mer lin er a a segunda par t e
de um a t r ilogia cuj a últ im a par t e ent r ev ia na Dem anda por t uguesa, em 1887, ao t om ar conhecim ent o da
edição par cial de Reinhar dst oet t ner . Consider ou- se, a par t ir de ent ão, que o ciclo do pseudo Bor on com punha-
se de um a Est oir e de Joseph d'Ar im at hie, de um Mer lin com sua Suit e e de um a Quest e deI saint Gr aal
t er m inada com um a br ev e Mor t d'Art hur . Est e ciclo de t r ês liv r os, a j ulgar pelos escassos m anuscr it os de
fr agm ent os fr anceses subsist ent es, não t er á t ido em seu país de or igem a m esm a aceit ação do Lancelot - Gr aal.
O Hut h Mer lin e m anuscr it os com o F. fr . 343, do século XI V, e F. fr . 112, de 1470, não pr eenchem o ciclo t odo.
As hipót eses de Gast on Par is, não em sua t ot alidade, m as no que t inham de essencial, for am lev adas m ais
longe por Fanni Bogdanow que, apoiada por Eugene Vinav er , pesquisou inúm er os m anuscr it os com difer ent es
v er sões, confer iu t r aduções e cópias de t r aduções de difer ent es épocas e definiu o cor pus da Post - Vulgat a par a
o qual pr opôs a denom inação de Rom ance do Gr aal. A r espeit o da t eor ia de Fanni Bogdanow, I v o Cast r o em it iu
a seguint e not a:

"A designação de Rom ance do Gr aal, pr opost a por Fanni Bogdanow e r elut ant em ent e aceit e por
alguns ar t ur ianist as, aplica- se a um a r em odelação feit a em 1230- 1240 do cham ado ciclo da Vulgat a,
r em odelação essa que hoj e só é possív el r econst it uir a par t ir de fr agm ent os e de t r aduções com o o José de
Ar im at éia ( m s. 643 da Tor r e do Tom bo) e a Dem anda por t uguesa de Viena, que cor r esponde à Quest e e à Mor t
Ar t u, par t es finais do Rom ance."

Cont em por âneos dest as duas com pilações há out r os r om ances que, em bor a não especificam ent e
ar t ur ianos, cont êm , em m aior ou m enor pr opor ção, m at ér ia da Br et anha, com o Palam edes et I a bêt e
glat issant e, Guir on le cour t ois e Tr ist an, sendo que est e últ im o, por sua r elação com a Dem an da por t uguesa
m er ece ser com ent ado.
Le r om an de Tr ist an ou Le Tr ist an en pr ose ult r apassa os lim it es da m at ér ia ar t ur iana, por que seu
assunt o cent r al é Tr ist ão, m as a nar r at iv a t r az em seu boj o um a Quest e seguida de u m a su cint a Mor t Ar t u. O
r om ance inser e a hist ór ia dos am or es de Tr ist ão e I solda no univ er so ar t ur iano e a r elaciona com a t áv ola
r edonda e o Gr aal. Escr it o no segundo quar t el do século XI I I , alcançou um sucesso ex t r aor dinár io. Conser v am -
se m ais de oit ent a m anuscr it os e conheceu logo a im pr ensa em sucessiv as edições, cont ando- se oit o ent r e
1489 e 1533. Em 1554, saiu um a edição m oder nizada, que foi m uit as v ezes r eim pr essa. Reconheciam - lhe os
cr ít icos duas v er sões, consider ando a pr im eir a delas or iginal ou, ao m enos, m ais f iel a um fat o pr im it iv o. Hoj e
com pr ov a- se que m esm o a ent ão consider ada pr im eir a v er são é int er polada. Em alguns m anu scr it os são
nom eados com o seus aut or es Luce deI Cast e Hélie de Bor on, sendo est e últ im o, cer t am ent e, um nom e for j ado
com a com binação de Rober t de Bor on e de m est r e Hélie, per sonagem pr ofét ica do Lancelot .

A hist ór ia int er m ináv el dest a obr a cíclica pr incipia com os ant epassados de Tr ist ão per filando um a
linhagem com int r incados incest os e cr im es. Depois do nascim ent o de Tr ist ão na flor est a, a narr at iv a ex t ensa e
m or osa cont a a infância do her ói; sua for m ação par a a cav alar ia sob a or ient ação de Gouv er nal, a quem Mer lim
o confiar a; o conhecim ent o de I solda; a per cepção do int er esse de Palam edes por ela e a conseqüent e
r iv alidade ent r e os dois. A com plicação m aior das r elações do her ói com I solda ocor r e na cir cunst ância em que
am bos bebem o filt r o do am or ant es do casam ent o de I solda com o r ei Mar s, t io de Tr ist ão. O her ói encont r a,
v ez por outr a, alguns cav aleir os da t áv ola r edonda e, com algum at r aso, ent r a na dem anda do sant o Gr aal.
Segue- se um a Dem anda, que per faz apr ox im adam ent e um quint o de t odo o r om ance na pr im eir a v er são e
m ais de um t er ço na segunda. Pick for d consider a est a Quest e do Tr ist an um a v er são abr ev iada da Quest e da
Vulgat a. Fanni Bogdanow apont a com o font e da Quest e do Tr ist an um a r em odelação da Quest e da Vulgat a, a
que, na falt a de m elhor nom e, denom ina Quest e da Post - Vulgat a. Em m anuele Baum gar t ner ader e à m aior
par t e das conclusões de Fanni Bogdanow , m as consider a que a cham ada pr im eir a v er são do Tr ist an não
r epr oduz um a v er são pr im it iv a do r om ance, por que se r ev ela lar gam ent e int er polada pelo ciclo do pseudo
Bor on e t er á sido r edigida o m ais cedo por v olt a de 1240. Aler t ando par a a necessidade de se adot ar um a
at it ude m uit o pr udent e na at r ibuição de or igem a m at ér ias, Colet t e- Anne Van Coolput pr efer e consider ar a
Quest e do Tr ist an um a com pilação que conj uga t r ês v ozes super post as: a da Quest e Map, a do pseudo Bor on -
Post - Vulgat a - e a da pr im eir a v er são do Tr ist an.

Não conv ém deix ar de lem br ar que Guir on le cour t ois, obr a que ult r apassa em ex t ensão Tr ist an en
pr ose e descr ev e um m undo absur do e cr uel, no qual a cav alar ia, com poucas ex ceções, par ece não t er out r o
obj et iv o senão o r oubo, a car nificina e a conquist a de m ulher es, t am bém t er á par ent escos com a Post - Vulgat a,
conseqüent em ent e com a Dem anda, que cont ém , aliás, t r adução quase lit er al de fr agm ent os dele.

Consider a- se hoj e que os t ex t os ar t ur ianos da península ibér ica são t r adução da Post - Vulgat a ou
pseudo Bor on ou Rom ance do Gr aal não em sua pr im eir a, m as num a segunda v er são. Na Espanha, além dos
fr agm ent os das t r ês par t es do ciclo no m s. 1877 da Bibliot eca Univ er sit ár ia de Salam anca, ant er ior m ent e m s.
11- 794 da Bibliot eca de Palácio, em Madr id, m ais ant igam ent e de cot a 2- G- 5 da m esm a bibliot eca, há duas
edições do Baladr o dei sabio Mer lin con sus pr ofecias, a de Bur gos, de 1498; e a de Sev ilha, de 1535, sendo
que est a faz par t e de La Dem anda dei sanct o Gr ial con los m ar av illosos fechos de Lanzar ot e y de Galaz su hij o,
edit ada em Toledo, em 1515, e em Sev ilha, em 1535. Esses t ex t os de 1535 for am r eedit ados por Bonilla y San
Mar t in em 1907. Em Por t uguês, há um Liv r o de José de Ar im at éia, m s. 643 do Ar quiv o da Tor r e do Tom bo, em
Lisboa, e um a Dem anda do sant o Gr aal, m s. 2594 da Bibliot eca Nacional de Viena. O Liv r o de José de Ar im at éia
é cópia feit a no século XVI de um or iginal do início do século XI V. A Dem anda do sant o Gr aal é um a cópia do
t em po de D. Duar t e ( 1420- 1438) , não t endo sido conser v ada a t r adução que poder ia r em ont ar à m et ade do
século XI I I .
Est a é a gênese e est es são os par ent escos da Dem anda por t uguesa de Viena, no pé em que est ão
hoj e as pesquisas acer ca da m at ér ia da Br et anha. Colet t e- Anne Van Coolput , a ar t ur ianist a belga, em obr a j á
cit ada, chegou a ex pr essar que, salv o um a descober t a sensacional de m anuscr it os, ficar em os sem pr e no
dom ínio da especulação. E descober t as de m anuscr it os ocor r em , bem com o r eclassificação de m anuscr it os
conhecidos.

Nossa Dem an da é o códice 2594 da Bibliot eca Nacional de Viena, cuj a im por t ância só t em cr escido
desde o final do século passado. Est e códice v ienense const a de 199 fólios escr it os em let r a gót ica, em duas
colunas, na fr ent e e no v er so. Com par ando as par t icular idades or t ogr áficas e filológicas da cópia, assegur ou
Ot t o Klobque, salv o engano, poder iam t er colabor ado nela t r ês copist as. Em 1856 e em 1859, deu n ot ícia dest e
m anuscr it o F. Wolf, que dele pu blicou ex cer t os, em 1865, em Denk schr ift en der Kaiser lichen Akadem ie der
Wissenschaft en, Philosophische- Hist or ische Classe, de Viena. Var nhagen fez cur iosas r efer ências ao códice em
duas obr as que publicou: um a em 1870 e out r a em 1872.

A pr im eir a edição do códice, em bor a par cial, dev e- se ao lusófilo alem ão Kar l V on Reinhar dst oet t ner ,
que edit ou os 70 pr im eir os fólios - o t ot al é 199 - em 1887, num v olum e de 142 páginas. Em 1900, Ot t o Klob
publicou dois fr agm ent os da par t e inédit a da obr a. José Leit e de Vasconcelos infor m a que, em 1900, Klob e
Wechssler copiar am cada um de per si o t ex t o e pr om et er am r ealizar um a edição com plet a, m as não lev ar am a
cabo seu int ent o.

Em 1892, Henr y R. Lang fez cr ít icas de nat ur eza filológica à edição de Reinhadst oet t ner , lam ent ando
que o t r abalho não est iv esse com plet o, con dição indispensáv el par a a per feição de suas not as. Em 1907, Alber t
Pauphi1et est abeleceu o par ent esco ent r e o t ex t o por t uguês e o m s. 343 da Bibliot eca Nacional de Par is. No
m esm o ano Osk ar Som m er apr ox im ou os t ex t os espanhol e por t uguês dos m anuscr it os 343, 112 e 340 da
Bibliot eca Nacional de Par is e de div er sos m anuscr it os do Tr ist an. Em 1924, Joaqu im de Car v alho, dir et or da
I m pr ensa da Univ er sidade de Coim br a, sob a sugest ão de Car olina Michaelis de Vascon celos, ofer eceu a
August o Magne, que dois anos ant es pr incipiar a um a per m anência par a est udos em Viena, a opor t unidade de
edit ar a Dem anda, a ex pensas daquela inst it uição. Sem t er aceit o a pr opost a, v olt ou Magne par a o Rio de
Janeir o em 1925. Em 1928, a I m pr ensa da Univ er sidade de Coim br a com eçou sua im pr essão, que não chegou
a concluir . No ano ant er ior , a Rev ist a de Língua Por t uguesa est am pou um fr agm ent o do t ex t o Magne r elat iv o à
m or t e de Ar t ur . Est a publicação foi int er r om pida e apenas r et om ada em set em br o do ano seguint e, sem
cont udo ir m uit o longe. Encer r a- se em set em br o de 1929, não t endo est am pado, ao t odo, senão 63 f ólios.

Em 1944, quando publicou, pelo I NL, a pr im eir a edição com plet a do códice 2594 da Bibliot eca
Nacional de Viena, cópia única da Dem anda do sant o Gr aal em língua por t uguesa, August o Magne confessou,
no pr efácio, que a publicação er a r esult ado de 20 anos de m et iculoso t r abalho, "r ealização concr et a do
im pr udent e pr opósit o de 1922". I m pr udent e, ex plicou Magne, "pois ao t om á- lo bem longe est av a eu de
suspeit ar a int r incada r ede de dificuldades que, por m uit os anos, hav ia de baldar um int ent o dest a n at ur eza" .

Sabem os que depois v olt ou ao t ex t o, lev ando em cont a, sob seu cr it ér io, as r ecensões de em inent es
filólogos que apont ar am defeit os, alguns m uit o gr av e, de sua edição.

Em 1955, sem pr e pelo I NL, saiu o pr im eir o v olum e da m onum ent al edição fac- sim ilar . E August o
Magne m or r eu em 1966, sem v er o cor oam ent o de seu ingent e esfor ço. Apenas em 1967 saiu o pr im eir o
v olum e do Glossár io da Dem anda do sant o Gr aal - "A" a "D" em t am anho igual ao da nov a edição do t ex t o,
sendo que nos infor m ou; há anos, o pe. Lem e Lopes S.J., confr ade seu, que o segundo v olum e dest e glossár io
est av a em pr ov as t ipogr áficas no I NL, onde j á est av am ent r egues os or iginais do t er ceir o. Som ent e em 1970
com plet ou- se a edição fac- sim ilar com a publicação do segundo v olu m e.

Um dos m elhor es conhecedor es dos t ex t os ar t ur ianos em por t uguês, Már io Mar t ins, em dezem br o de
1945, afir m ou que a edição de August o Magne "no fr agor dest a guer r a m aldit a, passou desper cebida m esm o
em Por t ugal. A j ulgar pelas cr ít icas de Pier r e Dav id, de Joseph Mar ie Piei e de Manuel Rodr igues Lapa aqui j á
r efer idas ( v . not a 43) e lev ando em cont a out r os ar t igos que se publicar am , f ica ev ident e que a edição de 1944
pr ov ocou int er esse t r aduzido em elogios, cr ít icas e anot ações, t endo- se t or nado igualm ent e obj et o de
pesquisas e est udos.

Com base nesse t ex t o, Mar ia Leonor Carv alhão Buescu fez um a edição abr ev iada int er calando
r esum os seus de longos ent r echos ent r e fr agm ent os m uit o cur t os da novela. Foi t am bém a edição de 1944 o
cor pus da t ese de dout or am ent o de Alm ir de Cam pos Br unet i, na Univ er sidade de São Paulo, em 1970, tese
que se publicou em Lisboa, quat r o anos m ais t ar de.

A v ist a dist o, e cer t am ent e algo t er á escapado, calculam os poder t r ansfer ir a obser v ação de "t er
passado desper cebida" par a a edição fac- sim ilar . De fat o, em 1971, Pr esença da Lit er atur a por tuguesa - Er a
m ediev al, 4º edição r ev ist a e am pliada, em not a bibliogr áfica, m enciona a edição de 1944 e o Glossár io da
Dem anda do Sant o Gr aal, I , ( A- D) , m as não r egist r a da edição fac- sim ilar nem o v olum e de 1955, nem o de
1970 (v . not a 46) ; em 1973, Lições de lit er at ur a por t uguesa - Época m ediev al, 8ª edição r ev ist a e
acr escent ada, m enciona apenas o v olum e de 1955 da r epr odução fac- sim ilada e t r anscr ição "m oder na" do
códice de Viena, não infor m ando acer ca da ex ist ência do segundo v olum e. Ainda em 1976, J. B. H. Box , em seu
ensaio "The Cont e dei br ait and t he hispanic Dem an da dei sanct o Gr ial" , em Medioev o Rom anzo, I I I , à página
450, na not a 6, j ust ifica est ar usando a edição de 1944 "because Magne's secon d edit ion is st ill in pr ogr ess; t he
fir st v olum e appear ed in 1955". Obser v ações com o essas com pr ov am que, se o v olum e de 1955 andou sem pr e
escasso, o de 1970 ficou pr at icam ent e desconhecido.

Duas r azões nos levar am a pr epar ar a pr esent e edição. A pr im eir a é o fat o de andar em , há t em po,
esgot adas as edições Magne. A de 1944 foi gener osam ent e dist r ibuída pelo ent ão Minist ér io da Educação e
Saúde às bibliot ecas. A de 1955- 70 dev e t er t ido um a t ir agem m uit o infer ior à daquela e const it ui v er dadeir a
r ar idade. A segunda r azão é o r econhecim ent o de que o t ex t o, ainda que m uit o m oder nizado em r elação ao
m anuscr it o, é de acesso ext r em am ent e r eduzido, dada a dif iculdade que ofer ece ao público a leit ur a da língua
ar caica. Foi necessár io est abelecer cr it ér ios de nat ur eza filológica que facilit assem a leit ur a, com v ist as a
colocar ao alcance de m aior público a lenda do Gr aal, t om ando t odo o cuidado par a t r ansm it ir , ao m esm o
t em po, a beleza lit er ár ia do t ex t o, sem dist or cer as for m as de m ent alidade e de sensibilidade que se ex pr im em
no or iginal.

Ser iam inint eligív eis, sem o r ecur so a glossár ios especializados, v ocábulos com o âm edes, ancar ,
ant ecoant e, asinha, er as, eix eco, or j o, v egada e m uit os out r os. Vocábulos com o est es for am sim plesm ent e
t r aduzidos par a a língua usual de hoj e. Sir v a de ex em plo est a pequena list a:

adur - dificilm ent e afolar - enlouquecer


afolar - enlouquecer
âm edes - padiola
ancar - j á, im ediat am ent e
ant ecoant e - quant o ant es
asinha, aginha, azinha - depr essa
assuar - r eunir
av eziboõ, av iziboõ - v ent ur oso, feliz
áv ol- insensat o, m au
bast ir - ur dir , t r am ar , const r uir
caj om , acaj om , acaij om , ocaj om , aqueij om , oqueij om , casiom ,
caisiom , caj am , caj iam - desv ent ur a, m á sor t e, dano, ocasião
er as - am anhã
dom aa - sem ana
eix eco - cont enda
eix er dar - deser dar
env idos, aenv idos - cont r ar iado, cont r a a v ont ade
febr e - fr aco
fis - leal, v er dadeir o
guar icir , guar ir , guar ecer , gor ecer - cur ar
j aiam - gigant e
ogano - est e ano
oim ais - dor av ant e, daqui em diant e
or j o - cev ada
oussia - abside
pr ofaçado - desonr ado
pur idade - segr edo
segr e - século, m undo pr ofano em oposição à v ida m onást ica
senhos - num er al dist r ibut iv o, p. ex .: " deit ar om - se a senhas par t es" - deit ar am - se cada
um em seu lugar ( 206)
siir a - alent o, ânim o
vegada - vez
v er ça - hor t aliça, v er dur a, er v as
veir o - velho, ant igo

Os galicism os ar caicos, t ant os lex icais com o sint át icos, for am desfeit os: " m al m enado" ( 1 20) ,
m alt r at ado; " se t r abalhou m uit o de" ( 383) , esfor çou- se m uit o par a; "fazia sem br ant e de" ( 279) , fin gia; "hav ia
m uit os de hom ens boõs" ( 272) , hav ia m uit os hom ens bons; "se nom v eessem per i dos cav aleir os da m esa
r edonda" ( 308) , se não v iessem por lá cav aleir os da m esa r edonda; "t ant o per dido do san gue" ( 337) , per dido
t ant o sangue. Há const r uções t ipicam ent e fr ancesas com o est a, que a língua por t uguesa abandonou: "com
pav or que sa sobr if ia o nom decobr isse" ( 277) , com pav or de que sua sobr inha o descobr isse; " ao luar que
fazia m ui boõ" ( 255) , ao luar que est av a m u it o bom . Há o em pr ego do en e do y : "agr adoulhe em m uit o"
( 286) , agr adou- lhe m u it o; " se por m ulher em nunca sair " ( 326) , se por m ulher daqui nunca sair ; " assaz falou
em " ( 327) , assaz falou a r espeit o; " se v os em m al v eesse" ( 333) , se disso v os v iesse m al. Há r egências v er bais
e algum as nom inais: "pensou de f icar " ( 299) , pensou ficar ; " pensou de nom com er e de se dar sem pr e acoit a"
( 299) , pensou em não com er e se dar sem pr e ao sofr im ent o; "com eçou o cor açom de chor ar " ( 331) , com eçou
o cor ação.a chor ar ; "ser ia gr ã v ilania de lhi m ais buscar m os" ( 536) , ser ia gr ande v ilania m ais o buscar m os;
"guisado de v os defender " ( 557) , pr epar ado par a v os defender .

Colocam os o ar t igo em cont ex t os com o est es: "ar m ado de t odas ar m as" ( 305) , ar m ado de t odas as
ar m as; " pela fé que dev eis a t oda cav alar ia" ( 305) , pela fé que dev eis a t oda a cav alar ia; "j ur ou sobr e t oda
cr ist andade" ( 319) , j ur ou sobr e t oda a cr ist andade; "t e liv r ou de t odos per igos" ( 558) , t e liv r ou de t odos os
per igos; " que lhe cr eceu vont ade de a haver contr a r azon" ( 323) , que lhe cr esceu a vont ade de a haver cont r a
a r azão.

Um a negação foi elim inada nos casos de negação dupla: "nem j am ais nom hav er ia com panha" ( 2 98) ,
e j am ais t er ia com panhia; " sou aquele que per nehua guisa nem per nehua r azon nom m e com bat er ei" ( 305) ,
sou aquele que de m odo algu m e por nenhum a r azão com bat er ei; "ninguu nom m e dev e poer culpa" ( 337) ,
ninguém dev e m e culpar ; "pr om et o a Deus que j am ais nom folgar ei at á que saiba" ( 529) , pr om et o a Deus que
j am ais descansar ei at é que saiba. Há casos em que nunca não é negação, m as é o nunc lat ino agor a, em
qualquer ensej o, a qualquer hor a, algum a v ez, algum dia, em qualquer época: "est a é ua das m ais v ilaãs
donzelas e das m ais noj osas que eu nunca achei, e pr azer - m e- ia m uit o, se ela quisesse, de seer m os liv r es da
sua com panha" ( 203) , est a é um a das m ais v ilãs donzelas e das m ais abor r ecidas que algum a v ez achei e m e
agr adar ia m uit o, se ela quisesse, ficar m os liv r es de sua com panhia; "o m elhor cav aleir o de t odos que nunca
t r oux er om ar m as no r eino de Logr es nem que pois pós el v er r ám " ( 210) , o m elhor cav aleir o de t odos os que
at é agor a t r oux er am ar m as no r eino de Logr es e dos que depois dele v ir ão; "v ist es nunca t am sandeu
cav aleir o?" ( 368) , v ist e algum a v ez t ão sandeu cav aleir o?; " se nunca em v ós houv e cor t esia ou bondade
algum a, acor r ede- m e" ( 255) , se algum a v ez em v ós houv e algum a cor t esia ou bondade, socor r ei- m e.

Det er m inadas r egências nom inais e v er bais est ão at ualizadas: " lhe fez v est ir " ( 16) , fê- I o v est ir ;
"pr egunt ou- o" ( 63) , per gunt oulhe; "av ent ur a de que lhe apr ouguesse" ( 182) , av ent ur a que lhe apr ouv esse; "foi
v est udo nas ar m as" ( 191) , foi v est ido das ar m as; "ousar am a m at ar " ( 295) , ousar am m at ar ; "nom é cor t esia
de pr egunt ar " ( 375) , não é cor t esia per gunt ar ; "quando v iu que a r ogav am " ( 293) , quando viu que lhe
r ogav am ; "quando lhe v iu seu doo fazer " ( 301) , quando o v iu fazer seu pr ant o; "com eçou a fugir t ant o que lhe
ouv iu" ( 693) , com eçou a fugir assim que o ouv iu; "depois que houv e cada uu o que houv e m est er " ( 25) , depois
que t ev e cada um o de que houv e m ist er .

Passam à for m a inv ar iáv el os par t icípios passados que ainda com t er e hav er concor dav am em gêner o
e núm er o com o obj et o: "E na cadeir a siia uuí hom em ( .. .) que se lhe a cor nom houv esse m udada" ( 210) , e na
cadeir a sent av a- se um hom em ( ...) que se lhe a cor não t iv esse m udado; "alt a v ent ur a que Deus nos a
guisada" ( 409) , alt a v ent ur a que Deus nos pr epar ou ( t em pr epar ado) ; "aquele senhor que m uit o fr em oso
m ilagr e e m uit as fr em osas v ir t udes hav ia feit as" ( 412) , aquele Senhor que m uit o f or m oso m ilagr e e m uit as
for m osas v ir t udes hav ia feit o; "ca I his sem elhou que hav iam a dem anda acabada" ( 586) , por que I h es par eceu
que hav iam acabado a dem anda; "e disser om que hav iam feit a m uit o gr ã per da" ( 617) , e disser am que hav iam
sofr ido m uit o gr ande per da. Em casos com o est e, em sit uação de m uit o clar a com pr eensão, pr eser v am os a
concor dância ar caica: "m et uda ey m inha esper ança em Nosso Senhor " ( 4) , post a hei m inha esper ança em
Nosso Senhor , significan do: t enho m inha esper ança post a em Nosso Senhor .

Om e, hom e, hom em nem sem pr e é o subst ant iv o m asculino singu lar hom em . Com m uit a fr eqüên cia é
um pr onom e indefinido: "se er a cousa que hom em pudesse saber " ( 279) , se er a cousa que alguém pudesse
saber ; "nem hom em foi t eúdo por t am ast r oso" ( 301) , nem alguém foi t ido por t ão desgr açado; "er a peçonha
t am for t e que nom há no m undo hom em que a bev esse" ( 480) , er a peçonha t ão for t e que não há no m undo
quem a bebesse; "nom que a hom em abr isse" ( 587) , não que alguém a abr isse; "aquele r ei er a br av o e desleal
m ais que hom em do m undo" ( 620) , aquele r ei er a br av o e desleal m ais que qualquer out r o do m undo; "neguu
nom sej a ousado que passe Lançalot nem hom em de sa com panha" ( 640) , ninguém ouse deix ar passar
Lancelot e nem alguém de sua com panhia.

U, onde, unde tem m ais signif icados e em pr egos do que o at ual onde: "onde acont eceu que" ( 287) ,
por isso acont eceu que; "e lem br ou- lhe de sa ir m aã onde lhe nom podia" ( 301) , e lem br ou- lhe sua ir m ã de
quem lhe não podia; "e quando v eo o t er ceir o dia u andav a assi coit ado" ( 317) , e quando chegou ao t er ceir o
dia em que andav a assim sofr ido; "onde conv ém que v os v ades v eer a dona" ( 397) , pelo que conv ém que
v ades v er a m ulher ; "av eo- lhe uü dia, u ia pola for est a Gast a, que achou a bescha ladr ador " ( 581) , acont eceu-
lhe um dia, quando ia pela flor est a Gast a, que achou a best a ladr ador a; "E onde Galaaz v iu o cast elo,
conhoceu- o" ( 585) , e quando Galaaz v iu o cast elo, r econheceu- o; "Unde Lucam , que est av a pr et o dele" ( 665) ,
Por isso Lucão, que est av a per t o dele.

Det er m inadas conj unções iludir iam o leit or m enos av isado, dada a ev olução de sua for m a e de seu
sent ido: "Todav ia, disse Mer augis, v os r ogo" ( 281) , Ainda assim , disse Mer augis, v os r ogo; "em per o t ant o fez
per sa pr oeza" ( 284) , t odav ia t ant o fez por sua pr oeza; "Mer augis lhe quer ia t odav ia t eer com panha" ( 288) ,
Mer augis lhe quer ia ain da t er com panhia; " per o que o nom hav ia em cost um e" ( 323) , ainda que o não t iv esse
por cost um e; "m ais per o nom de t am gr andes golpes" ( 339) , não por ém com t ão gr andes golpes; "t odav ia
hav ia o cor açom t am aficado" ( 341) , ainda t inha o ânim o t ão fir m e; "per o eu nom quer o que saibam que t u es
m eu fI lho, nom t e am o eu por ém m enos" ( 360) , ainda que não queir a que saibam que és m eu fI lho, não t e
am o por isso m enos; "j am ais nom hav er á paz com igo, em per o que é o hom em do m undo a que eu m ais dev ia
a per doar " ( 654) , j am ais t er á paz com igo, em bor a sej a o hom em do m undo a quem eu m ais dev ia per doar .

Elim inou- se a int egr ant e repet ida: "e j ur ou que se Deus o guar dasse de m al e o guiasse, que
m ant er r ia est a dem anda" ( 38) , e j ur ou que se Deus o guar dasse do m al e o guiasse, m ant er ia est a dem anda;
"eu am o t ant o uü dest es cav aleir os andant es, que aqui som , que se o nom houv er aa m inha v ont ade, que nom
chegar ei a cr as" ( 111) , eu am o t ant o um dest es cav aleir os andant es que aqu i est ão que, se o não t iv er a m inha
v ont ade, não chegar ei a am anhã; "Tanas, sem falha, quando v iu que hav ia feit a t am gr ã m ala- v ent ur a, pensou
que se m ais v iv esse na t er r a e o soubesse r ei Ar t ur , que o just içar ia" ( 358) , Tanas, sem falha, quando v iu que
hav ia feit o t ão gr ande desgr aça, pensou que, se m ais v iv esse na t er r a e r ei Ar tur v iesse a saber do ocor r ido, o
j ust içar ia. Em alguns casos, ex ige- se um a r eor denação de t er m os das or ações em quest ão par a se elim inar a
int egr ant e r epet ida: " ca bem v ia que, se Galaaz v iv esse, que passar ia" ( 18) , por que bem v ia que Galaaz, se
v iv esse, passar ia;

"Em est a par t e, diz o cont o que, pois as donzelas veer om aa font e, que elas com eçar om a cat ar Er ec"
( 328) , nest a par te diz o cont o que as donzelas, depois de chegar em à font e, com eçar am a olhar Er ec; "cont a a
est or ia que, depois que Er ec se par t iu de Galv am que derr ibar a ant e uü hom em boõ, assi com o o cont o há j á
dev isado, que cav algou t odo aquel dia t ant o" ( 314) , cont a a est ór ia que Er ec, depois que se separ ou de Galv ão,
que der r ubar a ant e um hom em bom , assim com o o cont o há j á r ev elado, cav algou aquele dia t ant o.

Out r a r eor denação de t er m os foi necessár ia par a que o ant ecedent e per t inent e pr ecedesse o r elat iv o:
"E pois foi desar m ado, t olheu a sela e o fr eo ao cav alo e deit ou- se sob uü car v alho por folgar , que est av a ant e
a por t a da er m ida" ( 176) , E depois que ficou desar m ado, t ir ou a sela e o fr eio ao cav alo e deit ou- se sob um
car v alho, que ficava diant e da por t a da er m ida, par a folgar ; "Eu o achei, disse el, oont em em est a fr uest a, u
ar r est r av a üa donzela a coa de seu cav alo, que m at ar a pouco hav ia" ( 259) , eu o achei, disse ele, ont em , nest a
flor est a, quando ar r ast av a na cauda de seu cav alo um a donzela, que m at ar a, pouco hav ia.

O t ex t o, por sua nat ur eza m uit o r epet it iv a, f acilit a a conser v ação de ex pr essões m u it o ao gost o da
época: "que m ar av ilha", "que m ar av ilha er a", "cuida que", "bem cuidav a", " desam av a m or t alm ent e", "t em
m er cê", "t er eis o galar dão", " o desam or de am bos", " m et er m ão", "ar m ado de t odas as ar m as", "dem andar
j ust a", "dar v ozes", "não t e é out or gado", "se t e não out or gas", "desar m ar am - se", "far ei t odo m eu poder ",
"r ogo- vos por Deus e por cor t esia" , e m uit as out r as que apenas event ualm ent e apar ecem t r aduzidas. Par a
im ediat a com pr eensão e por coer ência com o em pr ego isolado da palavr a cim a, t r aduzim os a m ais consagr ada
ex pr essão da nov ela: "dar cim a": dar cabo, lev ar a t er m o.

O polim or fism o j á ex em plificado at inge nom es pr ópr ios com o Lançar ot ( 104 ocor r ências, um as poucas
abr ev iado ou com - e final) , Lancelot ( 59) , Lançalot ( 252) e Lanzelot ( um a só ocor r ência) ; Gilfr et , Glifr et , Gir flet
e Giflet . Consider am os m ais adequado a um a edição m oder nizada unifor m izar est es e out r os nom es em sua
for m a usual: Lancelot e, Gilfr et e, Gaer iet e, Mor der et e, Cam alot e, Genevr a, Nascião, Galv ão, Heit or et c. Os
nom es das peças da ar m adur a, das hor as m ediev ais e out r os ar caísm os insubst it uív eis apar ecem dev idam ent e
ex plicados no Glossár io do f inal do v olum e.

Quant o às int er r upções do códice, for am dadas as seguint es soluções: na do nº 335, acat am os o
adit am ent o que Magne foi buscar na Dem anda espanhola, capít ulos 165- 168, páginas 224- 225; na do nº 509,
adot am os par cialm ent e o cr it ér io de Magne, buscando na Dem anda espanhola os capít ulos 285 a 287, páginas
269- 270, e na Quest e, edição Pau philet ( cf . not a 12) as páginas 246- 247, incluindo, por ém , um gonzo no final
do adit am ent o: "Or a deix a o cont o a falar de cast elo Felão, por que assaz falou dele, e v olt a a Lancelot e,
quando na r iba de Mar coisa, fazia or ações a Nosso Senhor por que não caísse em desesper ança" - ex at am ent e
a sit uação em que Lancelot e hav ia ficado em sua últ im a at uação, à alt ur a do n? 220, dest e m odo elim inam os a
r epet ição de quase t odo o pr im eir o dos par ágr afos que Magne foi buscar na Quest e; na do n? 5 19, não se
per cebe por que r azão Magne não volt ou à Dem anda espanhola e pr efer iu buscar na Quest e m enção de
avent ur as que o apógr afo por t uguês om it e ou r elat a em out r as ocasiões, per dendo assim a seqüência
desej áv el; deix am os, pois, de lado o adit am ent o de Magne e buscam os na Dem anda espanhola, capít ulos 292-
296, páginas 271- 273, o ent r echo que cai com o luv a ligando a pont a int er r om pida com o n? 520; na do n? 569,
acat am os int egr alm ent e o acr éscim o que Magne faz no pr ópr io t ex t o ent r e colchet es, à página 358 do v olum e
11 da edição fac- sim ilar , r esum o de ent r echo buscado na Dem anda espanhola, capít ulo 347, página 292,
por que est e enxer t o elabor ado por Magne dir im e a cont r adição ent r e "t or r e do gigant e" ( t ext o por t uguês) e
"t or r e de dom I v ã" ( t ex t o espanhol) . Em cada caso, par a se per ceber que se t r at a de enx er t os, v em o t ex t o em
it álico.

Não há por que est r anhar tr uncam ent os, alt er ações, inv er sões ou om issões de cenas nos t ex t os
ar t ur ianos da Post - Vulgat a. O t ex t o espanhol, de que nos ser v im os par a pr eencher clar os do apógr afo
por t uguês, apr esent a lacunas m or m ent e de episódios de car át er sim bólico, o que lev ou Bohigas Balaguer a
concluir que "o car át er sim bólico da Dem anda espanhola desapar eceu quase t ot alm ent e, f icando som ent e
aquelas av ent ur as de ar m as de car át er pr ofano" . O cot ej o de div er sos t ex t os com o Pauphilet , Bonilla y San
Mar t in e Magne r evelam lacunas, inver sões e alt er ações ou adapt ações de episódios por abr eviam ent o ou por
am plificação. A pr esent e edição t em pr eenchidas t ão som ent e as int er r upções do códice 2594 da Bibliot eca
Nacional de Viena, de m odo que a leit ur a não sofr a solução de cont inuidade. É um t ex t o cont ínuo e
m oder nizado, que não subst it ui a m onum ent al edição fac- sim ilar de August o Magne, por isso m ant em os os
núm er os de seqüência por ele est abelecidos desde 1944. Conser v am os as aber t ur as de capít ulos em núm er o de
88, com o fez Magoe na edição de 1944, por consider ar ex cessiv os os 102 da fac- sim ilar . I gualm ent e com o fez
Magne nas duas edições, m ant em os os t ít ulos onde exist em no m anuscr it o, m uit o em bor a h aj a edições
est r angeir as em língua m oder nizada ou m esm o ar caica que os elim inem .

Por m ais que se t enha pr ocur ado ev it ar , m u it o da beleza or iginal t er - se- á per dido nas páginas que
seguem . O leit or , por ém , que sent ir que vale a pena e insist ir em " dar cim a às avent ur as do r egno de Logr es",
com algum esfor ço, poder á sem pr e ir à font e.

Heit or Megale

Nenniu s, Hist ór ia Br it onum , in: Edm ond Far al, La légende ar t hur ienne. Ét udes et docum ent s, lèr e. par t ie: Les plus ancien s
t ex t es. Par is, Honoré Cham pion, 1929, p. 38 : "Tunc Ar t h ur pu gnabat cont r a ilI os i n iI I is diebu s cum r egibus b r it onum , sed
ipse er at dux bellor um . "
Geoffr ey of Monr nout h, Hist or ia r egum Br it anniae, v ar iant v er sion edit ed fr om m anuscr ipt s by Jaco b Ham m er .
Massach usset s, The Mediaev al Academ y of Am er ica, 195 I , t ex t C, liber I X, § I , p. 151- 2: "Def unct o igit ur Ut her
Pendr agom , conv ener unt ex div er sis pr ov incns pr ocer es br it on um in civ it at em Cilcest r iae, Dabr ucio, Ur bis legionum
ar chiepiscopo su gger ent es, ut Ar t hur um filium eius in r egem consecr ar et . ( . .. ) Dubr icius er go, calam it at em pat r iae dolens,
associat i sibi episcopis, Ar t h ur um r egni diadem at e insigniv it . Er at Ar t hur us qui ndecim annor um , innaudit ae v ir t ut is at que
lar git at is. I n quo t ant am gr at iam innat a bo nit as pr aest it er at ut a cu nct i s fer e populi s am ar et ur . "
Er ich Köhler , L'av ent ur e chev aler esque. Par is, Gallim ar d, 1974, p. 7- 8, cit ando H. Onk em , ao final de sua afir m ação.

Wace, Le r om an de Br ut p ublié d'apr ès les m anu scr ipt s des bi bliot hèques de Par is par Le Roux de Lincy , Rou en, 183 6. O
pr ópr io poem a, no final se dat a: " Mil et cen t ci nquan t e cinq ans / Fit m aît r e Wasse ce r om an. "
Rober t de Bor on, Le r om an de I 'est oir e dou Gr aal édit é par William A. Nit ze. Par is, Honor é Cham pion, 1927.
The Didot - Per cev al edit ado por William Roach de acor do com os m anuscr it os de Módena e de Par is, Philadelph ia, 1941. Há
t am bém est a edição: The r om ance of Per cev ai in pr ose, a t ranslat ion of t he E m anuscr ipt of The Didot - Per cev al, by DeU
Sk eels, Seat le, London, Univ er sit y of Washingt on Pr ess, 19 66. Est e m anuscr it o E é o de Módena; o D é de Par is, t am bém
conhecido com o o m anuscr it o Didot , do nom e de Fir m in Didot , seu ant igo possuidor .
A v er são em prosa foi publicada por Geor ge Weidner : Der pr osar om an v on Joseph v on Ar im at hia m it einer einleit ung ueber
die handschr ift liche ueber liefer ung. Oppeln, Eugen Fr anck 's Bu chha ndlun g, 18 81.
Mer lin, r om an en pr ose du XI I I èm e siècle, publié av ec I a m ise en pr ose de Robcr t de Bor on, par Gast on Par is et Jacob
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Wolfr am v on Eschen bach, Par sifal, edit ado por Kar l Bar t sch, Leipzig, F. A. Br ock ans, 1 87 7. Edi ção de fr agm ent o s escol hidos,
por Andr é Mor et : Wolfr am v on Eschenba ch, Par siv al, m or ceaux choisis. Par is, Aubier , 195 3.
Edição dest a Vulgat a: Osk ar Som m er , The Vulgat e Ver sion o f t he Ar t hur ian Rom ances. Washingt o n, The Car negie I nst it ut e
of Washingt o n, 19 08- 19 16. Os oit o v olum es da edição est ão assim dist r ibuído s: v . I : L'est oir e deI saint Gr aal; v . 11:
L'est oir e de Mer lin; v . 11 1 - V: Le liv r e de Lancelot deI Lac; v . VI : Les av ent ur es ou I a quêt e deI sai nt Gr aal et I a m or t le
r oi Ar t us; v . VI I : Supplém ent : Le liv re d'Ar t us; v . VI I I : lndex of nam es and places. Est a edição padece de um a classifica ção
m et ódica dos m anuscr it os, além de lim it ar - se apenas aos de Londr es, que, aliás, não per t encem t odos a um a m esm a
fam ília.
Além da edição do v. VI da Vulgat a de O. Som m er, há a edição de F. J. Fur niv all, La quest e deI saint graal, Londr es
Rox bur ghe Club, 1864, que é r epr odução ex at a do m s. Roy al 14. E. I I I do Museu Br it ânico. Mais conhecida é a edição Alber t
Pauphllet , La quest e deI saint Gr aal, Par is, Honor é Cham pion, 1972 ( a pr im eir a edição é de 1923) . I m por tant e par a a
com pr eensão da Quest e é est e est u do: Alber t Paup hilet , Ét udes sur I a que st e deI saint Gr aal, Par is, Honoré Cham pion,
196 8 ( a pr im eir a edição é de 1921) . Abr e o liv r o a t r adição m anuscr it a e o est abelecim ent o do t ex t o da Quest e at r ibuída 1\
Gaut ier Map, que o edit or lev ou a t er m o n. a edição de 1 92 3.

Gast on Par is. "Com pt es- r endus, I . Mer / in, rom an en pr ose du XI lle. siecle publié avec I a m ise en pr ose du r om an de Mer / in
de Rober t de Bor on, d'apr es le m anuscr it appar t enant à M. Alfr ed H. Hut h, par Gast on Par is et Ja cob Ulr ich. Par is, Didot ,
188 6. 11. A hist ór ia dos cav a/ / eir os da m esa r edonda e da dem anda do sant o Gr aa/ / , hand schr ift n? 259 4 der K. K.
Hofbibliot hek zu Wien, zum er st en m ale v er õffent licht v on Kar l Von Reinhar dst oet t ner . Er st er Band. Ber lin, Haack , 1887. " I n
Rom ania, XVI , 188 7, p. 58 2- 586.

Pier r e Dav id. "August o Mag ne. A Dem anda do sant o Gr aal". I n: Bullet in des ét udes por t ugaises et de l'I nst it u t fr ançais au
Por t ugal, nouv elle sér ie, t . X, fasc. 1, 19 45, p. 235 - 23 9.
Fanni Bogdanow . The r om ance of t he Gr ail, Manchest er , Manchest er Univ er sit y Pr ess, 1 966, p. 1.
I v o Cast r o. "Quando foi copiado o Liv r o de José de Ar im at éia?" I n: Bolet im de Filologia, 1. x xv ( 1976- 1 97 9 ) , fase. 1- 4,
Lisboa, 197 9, p. 1 73- 18 3.

Le r om an de Tr ist an, le r om an de Palam ede et I a com pilat ion de Rust icien de Pise. Analy se cr it iq ue d'apr es de s m anuscr it s
de Par is, par Eiler t Lõset h, Par is, 1890, Bibliot heque de l'Ecole Pr at ique des Haut es Et ude s, 82. Reim pr. Genev e, Slatk ine,
197 4. Renée Cur t is iniciou a edição do r om ance: Le r om an de Tr ist an, t or ne I , Munich, 196 3; t or ne 1 1, Ley de, 197 6; t or ne
m , Cam br idge, 1985.
Colet t e- Anne Van Coolput . Av ent ur es quer ant et le sens du m onde, Leuv en, Leuv en Univ er sit y Pr ess, 198 6.

Em m anuelle Baum gar t ner . Le Tr ist an en pr ose. Essai d'int er pr et at ion d'un r om an m édiév al, Genev e, Dr oz, 1975 .
"Cy com m ence I a gr ant y st oir e de m ons. Tr ist ar n, que m isser e Luces du Gail et m issir e Hely s de Bur on t r anslat er ent de
lat in en r om anz, por ce qe iI v eoient qe nus n'ent r epr enoit a t r anslat er si haut e y st oire com e de celui qi fu le m eillor
chev alier qi oncq ues f ust en I a Gr ant Br et aigne, ne dev ant le r oi Ar t u s ne apr es, for s Galaad seulem ent . Et apel ent cest liv r e
li Br et , por ce q'iI est m aist r e sor t oz les liv res qui oncq ues f ur ent fuit de I a t able r onde et dei saint Gr aal. Et com m ence
pr em ier em ent m issir e Luces d u Gail, qui br iefm ent par loit , t ant com e iI v esqui, et dist en t elle m anier e. " ( Le r om an en
pr ose' de Ti'ist an, le r om an de Palam ede et I a com pilat ion de Rust icien de Pise. AnalY5'e cr lt l. que d'apres les m anuscr it s de
Par is, par Eiler t Lõset h, Par is, 1890, Bibliot heque de l'Écolc Pr at ique des Haut es Ét u des, 82. Reim pr . Genev e, Slatk ine,
197 4, p. I , pr ologue, § 1. )
Colet t e- Anne Van Coolput . Av ent ur es quer ant et le sens du m onde, Leuv en, Leuv en Univ er sit y Pr ess, 198 6, p. 1 16.
Cedr ic Edw ar d Pick for d, L 'év olut ion du r om an ar t hur ien en pr ose, Par is, Nizet , 19 60, p. 1 07 : "lI est pr esq ue cer t ain que le
r edact eur du Tr ist an en pr ose i nt r oduísit une v er sion abr egée de I a Quest e de Map dans son r om an. "
Fanni Bogdanow , The Rom ance of t he Gr ail, Manchest er , 1 966, p. 10- 11.
Em m anuele Baum gar t ner , Le Tr ist an en pr ose. Essai d'int er pr ét at ion d'un r om an m édiév al, Genev e, Dr oz, 1975, p. 52.
Colet t e- Anne Van Coolput , Av ent ur es quer ant et le sens du m onde, Leuv en, Leuv en Univ er sit y Pr ess, 198 6, p. 1 19.
Guir on le cour t ois, ét u de de I a t r adit ion m anu scr it e et analy se cr it ique, par R. Lat huiller e, Genev e, Droz, 196 6.
Est e có dice t ev e sua edição paleogr áfica em 1 96 7: Henr y Har e Car t er , The Por t uguese Book of Josep h ab Ar im at hea,
paleogr aphical edit ion, Chapel Hill, The Univ er sit y of Nor t h Car olina Pr ess, 196 7. A r espeit o da dat a ção do códice 6 43 da
Tor r e do Tom bo, v er I v o Cast r o, ( cf. not a 1 6) que pr epar ou sua edição cr it ica.
Colet t e- Anne Van Coolput . Av ent ur es quer ant et le sens du m onde, Leuv en, Leuv en Univ er sit y Pr ess, 198 6, p. 1 18.
A r espeit o dest as po ssibilidades e da s últ im as ocor r ências, ler : Fan ni Bogdanow , "Deux m anuscr it s ar t hur iens et leur
im por t ance pour l'hist oir e t ex t uelle de I a Quest e dei saint Graal: Ox for d Blodeian Libr ary , m ss. Add. A 268 et Douce 379. "
I n: Rom ania, t om e 98 ( 197 7) , fase. 2, p. 145- 16 7, et fase. 3, p. 289- 30 5; Cer idw en Lloy d- Mor aan, "A hit her t o unnot i ced
fr agm ent of La Quest e dei saint Graal. " I n: Bullet im i bibliogr aphique de I a Sociét é I nt er nat ionale Ar t hur ienne, v . XXXI ,
197 9, p. 2 07- 215 ; I dem , I bldem , v . XXXVI I , 1985, p. 29 2- 2 98: "Anot her m anuscr ipt of t he Post - Vulgat e Quest e: m s.
Raw linson D. 874"; Am adeu J. Sober anas, "La v er sion galaico- por t u gaise de 1 0 Suít e du Mer lin. " 10: Vox Rom anica, v . 38,
197 9, p. 1 74- 19 3.
Ot t o KI ob, "Dois episódios da Dem anda do sant o Gr aal, in: Rev ist a Lusit ana, v . VI , fase. 4 ( 1900- 190 1) , p. 332 - 34 6. Refere
o aut or que I os. Mone, no An zeiger für Ku nde der t eut schen Vor zeit , VI I , p. 551, diz que o códi ce par ece t er sid o escr it o por
duas m ãos.
Fer dinand Wolf, Pr im av er a y flor de r om ances, o Colección de los m ás v iej os y popular es rom ances, 1856, I . p. XXXI V, nº
28 e lI , 1 46- 148. I dem , St udien zur Geschi cht e der spanischen und por t ugiesi sche n nat ional Li t t er at ur , Ber lin, 1859, p. 50 2.
Var nhagen, Cancioneir inho de t r ov as ant igas, Viena, Ty p. da Cor t e, 1870, p. 164 - 1 70, not a LI : "Ser v iço gr ande far ia às
let r as por t uguesas a cor por ação ou o lit er at o que t om asse a si a p ublicação de t ão cur ioso liv r o, que v ir á r epar ar em par t e a
par t e do t ex t o ant igo. " ( 1 65) "O m anu scr it o da Táv ola Redonda ex ist ent e em Viena co nsist e ( sem pr incípio) em par t e do
Cont o ou Rom anço de La nçar ot e t ir ado da cópia fr an cesa de Elie de Bor on, segun do co nst a do m esm o t ex t o. Par ece que o
códice, que é um v olum e gr osso, fazia par t e de um a coleção m aior com pr eendendo o Br ado de Mer lin e a Est ór ia de
Tr ist am . " ( 168) "Em t odo o caso, o m s. de Viena é m ui im por t ant e com o espécim en de um a fiel am ost ra de linguagem do
século XV ( 16 9) Por fim , diz que, par a pr eencher a par t e ex tr av iada do t odo, o m s. Aa 103, acabado de escr ev er em 24 de
out ubr o de 14 14 ( Madr id) , t alv ez fosse m ais út il do que qualq uer edição fr ancesa e poder iam ser aux iliar es as edições de
Veneza ( de Tr am ezzino) de 1 55 7 e 155 8 e a de Bologna, de 18 64.
Kar l Von Reinhad st oet t ner , A hist ór ia do s cav alleir os da m esa r edonda e da dem anda do sa nt o Gr aall, handschr ift nº 25 94
der K. K. Hofbibliot hek zu Wien, Ber lin, A. Haack , 1887.
Ot t o Klob, "Dois episódios da Dem anda do sant o Gr aaf', in: Rev ist a Lu sit ana, v . VI , fasc. 4 ( 1 90 0- 1 90 1) , p. 3 32 - 34 6. São os
fólios 1 83 v a 1 85 v - b e 19 2 v - b a 1 96 r - b, que cont am r espect iv am ent e "As t r ês m ar av ilhas da flor est a de Cor ber ic" e "A
m or t e do r ei Ar t ur ", subt ít ulos dados pelo edit or . Der am t am bém est am pa a fr agm ent os da obr a dir et am ent e do
m anuscr it o: José Leit e de Vasco ncelos, Tex t os Ar caicos, 3. e. , lisboa, 1922, p. 4 3- 4 4: "Episódio cav aleir esco", fl. 164, col. 1
e 2; Ma nuel Rodr igues Lapa, Lições de Lit er at ur a Por t uguesa - Épo ca m ediev al, 8. e. r ev ., Coim bra, Coim br a Edit or a, p. 237-
238, um ex cer t o do capo 2 5, e p. 24 2- 2 47, os capo 10 6 a 1 16. I dem , Cr est om at ia ar caica - Tex t os liter ár ios, Belo
Hor izont e, I tat iaia, 1960, p. 45- 5 2, fl. 1. José Joaquim Nunes utilizou com o font e os fr agm ent os edit ados po r Ot t o Klob,
Flor ilégio da lit er at ur a por t uguesa ar caica, Lisboa, 1932, p. 8 1- 8 2, a um ex cer t o que int it ula "A dona da capela ". Buscar am
ex cer t os na edição de Reinhadst oet t ner , ent r e out r os: José Joaq uim Nu nes, Cr est om at ia ar caica, 3. e. , Lisboa, 1943, p.
104 - 10 8: "Episódio cav aleir esco" , e Cor rêa de Oliv eir a Luís Saav edra Machado, Tex t os por t ugueses m ediev ais, 5. e.,
Liv r ar ia Popular de Fr ancisco Fr anco, 19 74, p. 5 07- 51 1.
José Leit e de Vasco ncelos, Tex t os ar caico s, 3. e. , Lisboa, 1922, p. 43- 44.
Henr y R. Lang, "Tex t ver besser ungen zur Dem anda do sant o Gr aal'. I n: Zeit schr ij t für Rom anische Philologie, V. XVI ( 189 2) ,
p. 217 - 22 2.
AI ber t Pauphilet , "La quêt e d u sain t Gr aal du m s. BNFr . 3 43". I n: Rom ania, v . XXXVI ( 19 07) , p. 69 1- 6 09.
Osk ar Som m er , "The quest e of t he holy Gr ail forr oing t he t hir d par t of t he t r ilogy indicat ed in t he suit e du Mer li n Hut h". I n:
Rom ania, v . XXXVI ( 1 907 ) , p. 36 9- 402 e 5 43- 59 0.
Augu st o Magne, "A Dem anda do sant o Gr aal, m s. 2594 da Bibliot eca Nacional de Viena, fólios 1 92 v º a 196 r º . " I n: Rev ist a
de língua por t uguesa, nº 45 ( Jan. 19 27) , p. 33- 56. A pu blicação do fr agm ent o é pr ecedida de hist ór ico, de algum as
indicações da nat ur eza filológica, de um a bibliogr afia específica e de out r a m uit o br ev e a respeit o da m at ér ia do Gr aal. Na
m esm a r ev ist a, nº 46 ( m ar . 19 27) , p. 17- 34, saiu o t ex t o dos fólios 19 6 r º a 199 v º , cor r espondent es ao final d a nov ela.
Augu st o Mag ne, "A dem anda do san t o Gr aal, códice 2 59 4 da Bibliot eca Nacional, ex - palat ina, de Vien na de Áu st r ia - I . " I n:
Rev ist a de Língua por t uguesa, nº 56 ( set . 19 28) , p, 81 - 1 14, fólios 1 a 1 2b. Em br ev e int r odução r elem br a os fr agm ent os
est am pados e as nor m as est abelecidas no ano a nt er ior ( por engano, m enciona duas v ezes 192 6) . Sem pr e na m esm a
r ev ist a: nº 57 ( j an. 1929) , p. 81- 1 16, fólios 12 c a 23d; nº 5 9 ( m aio 1929) , p. 11- 3 8, fólios 24a a 33c; nº 6 0 ( j ul. 1929) , p.
61- 78, fólios 33 d a 40a; nº 6 1 ( set . 19 29) , p. 55- 98, fólio s 4 0b a 56a.
A Dem anda do sant o Gr aal, por August o Magne, Rio de Janeir o, Minist ér io da Educação e Saúde, I NL, I m pr ensa Nacional,
194 4. ( Dois v olum es de t ex t o e um de glossár io. )
A Dem anda do sant o Gr aal, por August o Magne. Rio de Janeir o, Minist ér io da Educação e Saúde, I NL, I m pr ensa Nacional,
194 4, v . I , p. 34.
Pier r e Dav id, "August o Magne - A Dem anda do sant o Gr aal". I n: Bullet in des ét udes por t ugaises et de l'inst it ut fr ançais au
Por t ugal, nouv elle sér ie, t om e X, fase. I , 1945, p. 2 35- 9. O au t or afir m a na p. 23 8 q ue os er r os são num er osos e m ais de
um a v ez t or nam a passagem inint eligív el. Quant o às m odificações do t ex t o em r elação ao m anuscr it o, per gunt a- se se t odas
ser iam necessár ias. Ao lado de obser v ações que int eressam ao est abelecim ent o do tex t o, denuncia abusos de u m escr úpulo
inex plicáv el, por que, afI nal, diz ele, a pr im eir a condição de um a edição cr ít ica é não m ut ilar o t ex t o.
Joseph Mar ie Piei, "Anot ações cr ít icas ao t ex t o da Dem anda do sant o Gr aaf'. I n: Biblos, XXI , 194 5, p. 1 75 - 206.
Declar a o aut or não ser seu int uit o apr eciar por m enor izadam ent e a obr a levada a bom t erm o, nem pr oceder a um a análise
m inuciosa dos v ár ios pr oblem as de nat ur eza m et ódica e cient ífI ca que levant a. No que cham a de ligeir as not as - 95
cor r eções, at ingindo um a quase v int e linhas, e 54 supr essõe s suger idas de acr éscim os do edit or - t r az not áv eis
esclar ecim ent os ao est udioso int er essado. Apont a com o causa da m aior par t e das insufI ciências do t ex t o o ex cesso de
espír it o cr it ico em pr esença de passagen s obscur as e a ex ager ada im por t ância dada à v er são cast elhana.
Manuel Rodr igues Lapa, "Aug ust o Mag ne - A Dem anda do sa nt o Gr aal'. I n: Nuev a Rev ist a de Filología Hispânica, lI ,
194 8 p. 2 85- 28 9. Est e ar t igo foi incor por ado m ais t ar de ao liv r o do m esm o aut or : Miscelânea de língua e lit er at ur a
por t uguesa, Rio de Janeir o, Minist ér io da Educação e Cult ur a, I NL, 1965, p. 296- 30 2. Lam ent a o aut or que t enha sido
publicada est a edição com alt er ações ar bitr ár ias do t ex t o e t r uncam ent os por m ot iv os que nada t êm de cient ífI co. Lim it a- se
a com ent ar pouco m ais de duas dezenas de passagens do pr im eir o v olum e que perm it em com paração com as fot ocópias do
fI nal do v olum e.
A Dem anda do sant o Gr aal, r epr odução fac- sim ilar e t r anscr ição cr it ica do códice 25 94 da Bibliot eca Nacio nal d e Viena, por
Augu st o Mag ne, Rio de Janeir o, Minist ér io da Edu cação e Cult ur a, I NL, 195 5.
Augu st o Mag ne nasceu na Fr ança em 1 88 7, com 1 7 anos est av a no Br asil, on de se nat ur alizou em 1 91 9. Jesuít a de v ast a
pr odução int elect ual. Ver Ver bum , t om o XXXI I I ( seI . 1966) , fase. 3, Rio de Janeir o, Univ er sidade Cat ólica.
Augu st o Magne, Glossár io da Dem anda do Sa nt o Gr aal, v . I "A" a "D", Rio de Janeir o, Minist ér io da Educação e Saúde, I NL
196 7. Muit o clar a est a not a a r espeit o da edição do Glossár io: Segi sm undo Spina, Pr esença da lit er at ur a por t uguesa. Er a
m ediev al, 4. e. , r ev. e am pl., São Paulo, Difel, 1971, p. 63: "O I NL est á pu blicando em t r ês v olum es o Glossár io da
Dem anda do sant o Gr aal, que cor responde ao t er ceir o v olum e da obr a ant er ior de August o Magne, t endo saído o v . I ( A- D),
Rio, 1967, e pr est es a sair o 1 1 ( B- M) . "
A Dem anda do sant o Gr aal, r epr odução fac- sim ilar e t r anscr ição cr ít ica do códice 25 94 da Bibliot eca Nacio nal d e Viena, por
Augu st o Mag ne, Rio de Janeir o, Minist ér io da Edu cação e Cult ur a, I NL, 197 0.
Már io Mar t ins, "A Dem anda do sa nt o Gr aal' I n: Br ot ér ia, I . 41, dez. 19 45, p. 554 - 5 61.
Além de um folhet o laudat ór io e ensaíst ico: Thier s Mar t ins Mor eir a, A Dem anda do sant o Gr aal, da coleção Cur sos e
Confer ências, n? 4, Rio de Janeir o, Minist ér io da Educação e Saúde, Serv iço de docum ent ação, 1944, houv e duas out r as
r ecensões: Alex andr e Am ar al, em Rev ist a de Por t ugal, VI , 194 5, p. 2 29 - 23 5; e Walt er J. Sch nner , em Hispanic Rev iew , XVI ,
194 8, p. 8 6- 8 9. Agr adecem os a i nfor m ação dest a últ im a a Har v ey L. Schar r er , que nos pr esent eo u com sua pr eciosa
publicação: A Cr it ical Bibliogr aphy of Hispa nic Ar t hur ian Mat er ial, London, Gr ant & Cut ler , 19 77. Há ensaios especializados:
Massaud Moi sés, "O pr ocesso dialét ico- nar r at iv o na Dem anda do sant o Gr aal", in: I nv est igações, São Paulo, ano 11I , fev .
195 1, nº 26, p. 6 5- 6 9; Massa ud Moisés, "A Dem anda do sant o Gr aal" , in: Rev ist a de Hist ór ia, São Paulo, ano lI , abr . - j un.
195 1, n? 6, p. 275- 2 81; Massaud Moisés, "A concep ção m ediev al da v ida ex pr essa na Dem anda do sant o Gr aal", in:
I nv est igações, São Paulo, ano I I I , j un. 1951, nº 30, p. 99- 110; Már io Mar t ins, Est udos de lit er at ur a m edieval, Br aga, Liv r.
Cr uz, 195 6, é um liv r o, em cuj o capít ulo I I , o aut or r et om a seu ar t igo de 19 44 r ev ist o e am pliado.
A dem anda do Gr aal, por Mar ia Leonor Car v alhão Buescu, Lisboa, Ver bo, 1 968. Na i nt r odução, à p. 15, diz a aut or a que
int r oduziu "algum as m odifi cações, por est ar lon ge de ser um a edição defI nit iv a e sat isfat ór ia, pelo m enos segun do os
cr it ér ios at uais de edição".

Alm ir de Cam pos Br unet i, A lenda do Gr aal no cont ex t o het er odox o do pensam ent o por t uguês, Lisboa, Sociedade de
ex pansão cult ur al, 1 97 4.
V. not a 3 4. Obser v e- se que o fr ont ispício da edi ção assi nala t r anscr ição " cr ít ica".

La dem anda dei sanet o Gr ial. Pr im er a par t e: EI baladr o dei sabio Mer lin. Segunda par t e: La dem anda dei sanet o Gr ial con
los m ar av illosos fechos de Lanzar ot e y de Galaaz su hij o. Libr os de caballer ias. Pr im er a par t e: Ciclo ar t úr ico, por Bonilla y
San Mar t in. Nuev a Bibliot eca de Aut or es Españoles, 6, Madr id. 190 7. ( Reim pr essão do Baladr o e da Dem anda d e 153 5. )
Per e Bohigas Balaguer , Los t ex t os espafloles y gallego- por t ugueses de I a dem anda dei sant o Gr ial, Rev ist a de Filología
Espanola, Anej o VI I , Madr id, I m pr ent a Clásica Espanola, 1 92 5, p. 6 7.
Est e pr ocedim ent o j á foi adot ado por Fanni Bodganow : "The r elat ionship or l he por t ug uese and spani sh Dem andas t o t he
ex t ant fr ench m anuscr ipt s of t he Post - Vulgnle Que st e dei Saint Gr aar ' I n: Bullet in of Hispani c St udies, LH, 197 5, p. 13- 3 2,
nole I : "My quot at ions fr om t he por t uguese Dem anda ar e dir ect ly t ak en fr om t he m anuscr lpl, but m y r efer ences cor r espond
t o t hose of Mag ne's edit ion. " A num er ação de 19 44 é a q ue conv ém , por que ev it a núm er os r epet idos com "a" que ocor r em
na de 1 95 5- 1 97 0, em conseqüên cia da subdiv isão de capít ulos.
I
Ga la a z é a r m a do ca v a le ir o

1. Vésper a de Pent ecost es, houv e m uit a gent e r eunida em Cam alot e, de t al m odo que se puder a v er m uit a
gent e, m uit os cav aleir os e m uit as m ulher es de m uit o bom par ecer . O r ei, que est av a por isso m uit o alegr e,
honr ou- os m uit o e fez ser vi- los m uit o bem e t oda coisa que ent endeu que t or nar ia aquela cor t e m ais sat isfeit a
e m ais alegr e, t udo m andou fazer .
Aquele dia que v os digo, ex at am ent e quando quer iam pôr as m esas, - ist o er a hor a de noa - acont eceu
que um a donzela chegou m uit o for m osa e m uit o bem vest ida; e ent r ou no paço a pé, com o m ensageir a. Ela
com eçou a pr ocur ar de um a par t e e de out r a pelo paço; e per gunt ar am - lhe o que buscav a.
- Busco, disse ela, dom Lan celot e do Lago. Est á aqui? - Sim , donzela, disse um cav aleir o. Vede- o: est á
naquela j anela falando com dom Galv ão.
Ela foi logo par a ele e saudou- o. Ele, assim que a v iu, recebeu- a m uit o bem e abr açou- a, por que aquela
er a um a das donzelas que m or av am na ilha da Lediça a quem a filha Am ida do r ei Peles am av a m ais que a
donzela da sua com panhia.

2. Com o a donzela disse a Lancelot e que fosse com ela.


- Ai, donzela! disse Lancelot e, que v entur a v os t r oux e aqui?
Que bem sei que sem r azão não viest es.
- Senhor , ver dade é; m as r ogo- v os, se vos apr ouv er , que vades com igo àquela flor est a de Cam alot e; e
sabei que am anhã, à hor a de com er , est ar eis aqui.
- Cer t am ent e, donzela, disse ele, m uit o m e agr ada, pois t enho obr igação de v os ser v ir em t udo que puder .
Ent ão pediu suas ar m as. E quando o r ei viu que se fazia ar m ar com t ant a pr essa, dir igiu- se a ele com a
r ainha e disse- lhe:
- Com o? Deix ar - nos quer eis em t al fest a, quando cav aleir os de t odo o m undo v êm à cor t e, e m uito m ais
ainda por v os v er em que por out r o m ot iv o: uns par a v os v er em , e out r os por t er em v ossa
com panhia?
- Senhor , disse ele, não v ou senão a est a flor est a, com est a donzela que m e pediu, m as am anhã, à hor a
de t er ça, est ar ei aqui.

3. Com o Lancelot e se foi com a donzela. Ent ão saiu Lancelot e do paço e m ont ou seu cavalo, e a donzela, seu
palafr ém , e hav iam ido com a donzela dois cav aleir os e duas donzelas. E quando ela v olt ou a eles, disse- lhes:
- Sabei que consegui aquilo por que v im : dom Lancelot e do Lago há de ir conosco.
Ent ão puser am - se a an dar e ent r ar am na flor est a, e não andar am m uit o por ela que chegar am à casa do
er m it ão que cost um ava falar com Galaaz. E quando ele viu Lancelot e ir e a donzela, logo soube que ia par a
fazer Galaaz cav aleir o, e deix ou sua er m ida par a ir ao m ost eir o das m ulher es, por que não queria que Galaaz
fosse ant es que ele o v isse, por que bem sabia que se ele par tisse dali, não v olt ar ia, por que lhe convir ia, assim
que fosse cav aleir o, ent r ar nas av ent ur as do r eino de Logr es. E por isso lhe par ecia que o hav ia perdido e que
o não v er ia am iúde e t em ia, pois t inha por ele m uit o gr ande est im a, por que er a sant a cousa e sant a cr iat ur a.

4. Com o Lancelot e chegou à abadia. Quando chegar am à abadia, lev ar am Lancelot e a um a câm ar a e o
desar m ar am . E v eio a ele a abadessa com quat r o m ulher es, e t r oux e consigo Galaaz, t ão for m osa pessoa que
m ar av ilha er a. E andav a t ão bem v est ido que não podia m elhor . E a abadessa chor av a m uit o com pr azer ,
assim que viu Lancelot e, e disse- lhe:
- Senhor , por Deus, fazei nosso nov o cav aleir o, por que não quer íam os que fosse cav aleir o por m ão de
out r o; por que m elhor cav aleir o que v ós não o pode fazer cav aleir o; por que bem cr em os que ainda ser á t ão
bom , que v os achar eis bem por isso, e ser á v ossa a honr a de o fazer des, e se ele v os ist o não pedisse, v o- lo
dev er íeis fazer , pois bem sabeis que é v osso filho.
- Galaaz, disse Lancelot e, quer eis ser cav aleir o?
E ele respondeu vivam ent e:
- Senhor , se v os apr ouv esse, bem o quer ia ser , por que não
há cousa no m undo que eu t ant o desej e com o a honr a de cav alar ia. e ser cav aleir o da v ossa m ão, por que de
out r o o não queria ser , que v os ouço t ant o louv ar e pr ezar de cav alar ia, que ninguém , no m eu ent ender , podia
ser cov ar de e m au, que v ós fizésseis cav aleir o. E ist o é um a das cousas do m undo que m e dá m aior esper ança
de ser hom em bom e bom cav aleir o.
- Filho Galaaz, disse Lancelot e, est r anham ent e v os fez Deus for m osa cr iat ur a. Por Deus, se não cuidásseis
ser bom hom em ou bom cav aleir o, assim Deus m e aconselhe, sobej o ser ia gr ande dano e gr ande desv ent ur a
não ser des bom cav aleir o, por que sobej o sois for m oso.
E ele disse:
- Se m e Deus fez for m oso, dar - m e- á bon dade, se lhe apr ouv er , por que de out r o m odo v aler ia
pouco. E ele quer er á que eu sej a bom e coisa que sem elhe m inha linhagem e aqueles de quem eu venho e
post a hei m inha esper ança em Nosso Senhor ; e por isso v os r ogo que m e façais cav aleir o.
E Lancelot e r espondeu:
- Filho, pois v os apr az, eu v os far ei cav aleir o. E Nosso Senhor , assim com o a ele apr ouv er e o poder á fazer ,
v os faça t ão bom cav aleir o com o sois for m oso.
E o er m it ão r espondeu a ist o:
- Dom Lan celot e, não t enhais dúv ida de Galaaz por que v os digo que em bondade de cav alar ia, os m elhor es
cav aleir os do m undo passar á.
E Lancelot e r espondeu:
- Deus o faça assim com o eu quer ia.
Ent ão com eçar am a chor ar de pr azer quant os no lugar est av am .

5. Com o Galaaz pr om et eu ao er m it ão o que lhe pedia. Aquela noit e, ficou Lancelot e ali e fez Galaaz v igília na
igr ej a. E o er m it ão, que sobej o am av a Galaaz, v elou t oda aquela noit e e não par ou de chor ar por que v iu que
hav ia de separ ar - se dele. Quando v eio a m anhã, disse a Galaaz:
- Filho, coisa sant a e honr ada, flor e louv or de t oda a m ocidade, out or ga- m e, se t e apr az, que t e faça
com panhia por t oda a m inha v ida enquant o t e puder seguir , desde que par t ir es da cor t e de r ei Ar tur , por que
bem sei que não dem or ar ás lá m ais que um dia, por que a dem anda do sant o Gr aal com eçar á, assim que lá
chegar es. E eu t e peço t ua com panhia, assim com o t u ouv es que conheço t ua sant a v ida e t ua bondade, m ais
que t u m esm o. E não conheço no m undo coisa que t ant o pudesse confor t ar - m e, de hoj e em diant e, com o v er
t ão sant o cav aleir o com o t u ser ás e v er as m ar av ilhas com o t u v er ás e a que dar ás cabo. Por que Deus que t e
fez nascer em t al pecado com o sabes, par a m ost r ar seu gr ande poder e sua v ir t ude, t e out or gou, por sua
piedade e pela v ida boa que com eçast e desde a infância at é aqui, poder e for ça e bondade de ar m as e br av ur a
sobr e t odos os cav aleir os que, em qualquer época, t r oux er am ar m as no r eino de Logr es; assim dar ás cabo a
t odas as out r as m ar av ilhas e av ent ur as em que t odos os out r os falhar am e falhar ão. E por isso quer o t odos os
t eus feit os saber , a que dar ás cabo t u, que fost e feit o em t al pecado, e a que os outr os não puder am chegar
que for am feit os em leal casam ent o. Eu t e quer o fazer com panhia, por que sei que em nosso t em po nunca fez
t ão for m osos m ilagr es Nosso Senhor , nem t ão conhecidos, com o far á por t i. I st o quer o eu m elhor saber , por
v er as gr andes av ent ur as e m ilagr es que Deus por t i far á. E por ei por escr it o t odas as m ar av ilhas que Deus
m ost r ar á por t eu am or nest a dem anda. Filho, out or ga- m e o que t e peço. Que Deus t e faça hom em bom .
E Galaaz lho out or gou.

6. Com o Lancelot e fez Galaaz cav aleir o. Aquele dia, hor a de pr im a, r ezada a m issa, fez Lancelot e cav aleir o seu
filho Galaaz, assim com o er a cost um e. E sabei que quant os lá est av am agr adav am - se de sua apar ência; e não
er a m ar av ilha, por que naquele tem po não se podia achar em t odo o r eino de Logr es donzel t ão for moso e t ão
bem feit o; por que em t udo er a t al que não se podia achar nada em que o censur asse, ex cet o que er a m eigo
dem ais em seu m odo de ser . E sabei que, quando Lancelot e o fez cav aleir o, não pôde cont er - se de chor ar ,
por que sabia que em t oda par t e er a de gr ande pr est ígio que não podia m aior ser ; e v ia t ão pobr e fest a e t ão
pequena alegr ia em sua cav alaria; nem ele podia j am ais cogit ar que pudesse chegar a t al gr andeza com o
depois chegou. O cor po t inha bem feit o e o m odo de ser er a m eigo.

7. Com o Lancelot e viu Boor z e Leonel que vier am at r ás dele. Depois que Lancelot e fez quant o a cavaleir o
conv inha, disse:
- Filho Galaaz, agor a sois cav aleir o. Deus m ande que sej a a cav alar ia t ão bem em pr egada em v ós, com o
em nossa linhagem . Agor a dizei: ir eis à cor t e do r ei Ar t ur par a onde m uit os hom ens bons de t odas as par t es
do m undo v êm e onde t odos os cav aleir os do r eino de Logr es est ão r eunidos nest a fest a de hoj e?
E ele disse:
- Senhor , ir ei, m as não conv osco; out r em m e guiar á at é lá.
- E quando? disse Lancelot e.
E out r os cav aleir os que com ele andav am disser am :
- Senhor , pois j á cav aleir o é, ir á m ais cedo à cor t e do que v ós cuidais, por que est ar á lá m uit o cedo.
- Pois encom endo- v os a Deus, disse Lancelot e, por que quer o ir à cor t e, pois à hor a de t er ça, hei de lá
est ar .
Ent ão t om ou suas ar m as e cav algou; e, quando quer ia sair do m ost eir o, v iu, na fr ent e de um a câm ar a,
Boor z e Leonel ar m ados, que t am bém quer iam cavalgar ; e assim que eles o vir am , dir igir am se par a ele e ele
lhes disse:
- Que v entur a v os t r oux e aqui? Cuidav a que est iv ésseis na cor t e.
- Senhor , disser am eles, v iem os por pav or de v ossa m or t e, por que não par t ir íeis senão por algum a aflição
m uit o gr ande. Por isso v iem os at r ás de v ós at é aqui e nos ocult am os o m elhor que pudem os. Quando
soubem os que quer íeis volt ar à cor t e, ar m am o- nos par a volt ar conv osco, e não por out r a r azão.
- Ent ão cavalgai e vam o- nos, disse ele.

Ent ão cav algar am e, indo pelo cam inho, per gunt ou Boorz: - Senhor , quem é est e cav aleir o que ora fizest es?

- Logo o saber eis, disse Lancelot e. Deix ai por isso agor a a per gunt a.
Tam bém disse Leonel:
- Quem quer que sej a, é o m ais for m oso que algum a v ez v i na sua idade e, se for t ão bom cav aleir o com o é
for m oso, m uit o bem lhe far á Nosso Senhor .

II
N a cor t e do r e i Ar t ur

8. Com o Lancelot e e Boor z e Leonel chegar am à cor t e. Assim falando, chegar am a Cam alot e, e sabei que
quant os na cor t e est av am ficar am com isso m uit o alegr es, por que m uit o ser ia a fest a m enor e m ais pobr e, se
eles nela não est iv essem . O r ei foi ent ão ouv ir m issa na Sé em com panhia de t ant os cav aleir os que ficar íeis
m ar av ilhado de os v er . E ele t r aj av a t ão r ica v est im ent a que m ar av ilha er a. E com a r ainha iam t ant as donas e
donzelas, que er a gr ande m ar avilha. E ela e eles ouvir am m issa e for am par a o paço. E acont eceu, ent rem
ent es , que, pr ocur ando os assent os da t áv ola r edonda, achar am : "Aqui dev e ser fulano e aqui fulano." E
quando chegar am ao assent o per igoso, encont r ar am let r eir o r ecent em ent e escr it o que dizia: "A quat r ocent os e
cinqüent a e t r ês anos cum pr idos da m or t e de Jesu s Cr ist o, em dia de Pent ecost es, dev e hav er est e assent o
senhor ."
- Por Deus, disse Lancelot e, quando est a m ar av ilha ouv iu: pois hoj e dev e hav er senhor , por que da m or t e
de Jesus Cr ist o a est e Pent ecost es há quat r ocent os e cinqüent a e t r ês anos. E bem quer er ia, se pudesse, qu e
est e let r eir o ninguém v isse, at é que v iesse aquele que o há de acabar .
E eles disser am :
- Nós guar dar em os bem .
Ent ão cobr ir am o assent o com um pano de seda v er m elha, assim com o os out r os est av am cober t os.
Quando o r ei v eio da igr ej a, a r ainha foi par a a câm ar a com t odas as suas donzelas e com panhia. E o r ei
per gunt ou se er a hor a de com er .
- Senhor , disse Quéia, j á t em po é de com er , pois j á est á per t o de m eio dia; m as se v osso cost um e, que
m ant iv est es at é aqui em t odas as gr andes fest as, quer eis m ant er , não m e par ece que com er possais, por que
em t ão gr ande fest a com o est a não acont eceu ainda av ent ur a nenhum a; e enquant o av ent ur a não vos
acont ecesse, não cost um áv eis com er em nenhum a gr ande fest a.
- Ver dade é, disse o r ei; est e m eu cost um e m ant iv e sem pr e desde que fui r ei e m ant er ei enquant o viver . E
pelas gr andes av ent ur as que na m inha cor t e acont ecem , cham am - m e r ei av ent ur oso; e por isso m ant er ei as
av ent ur as, por que, a par t ir da época em que deix ar em de acont ecer , bem sei que a Nosso Senhor não
agr adar á que m uit o eu r eine daí em diant e. Mas assim com o as av ent ur as cost um av am acont ecer nas fest as
gr andes, nest a sei bem que no dia de hoj e não falt ar ão, ant es acont ecer ão as m aior es e as m ais m ar av ilhosas
que nunca acont ecer am , pois adiv inha m eu cor ação ist o. Não m e incom odo de esper ar m os u m pouco, poi s
bem sei v er dadeir am ent e que nossa fest a não ser á hoj e sem av ent ur a, m as t iv e t ão gr ande pr azer com a
vinda de Lancelot e e de seus coir m ãos, que m e esquecia o cost um e.

9. Com o o cav aleir o caiu da j anela br adando. Enquant o o r ei ist o dizia, dom Lancelot e e m uit os out r os
cav aleir os olhav am par a um as j anelas que dav am par a um r egat o e v ir am lá est ar um cav aleir o que er a
nat ur al de I r landa, m uit o fidalgo e bom cav aleir o de ar m as, de m uit o gr ande fam a e m uit o bem v est ido. E
est av a pensando t ant o, que ninguém o podia acor dar de seu pensar , de m odo que não pr est av a at enção à
fest a nem à cor t e. E quando est av a assim pensando, deu um gr it o:
- Ai! desgr açado de m im , est ou m or t o!
E deix ou- se cair da j anela e quebr ou- lhe o pescoço. E os cavaleir os que lá est avam f or am at é ele par a ver o
que er a e achar am que lhe saía pela boca e pelas nar inas cham a de fogo t ão for t e com o se fosse de um fom o
aceso, e t inha em suas m ãos um a car t a que lhe escapou. Os cavaleir os pegar am a car t a, e o r ei chegou lá com
seus cav aleir os par a v er aquela m ar avilha. E por que er a com panheir o da t áv ola r edonda, quando o r ei v iu que
est av a m or t o, m andou que o lev assem for a do paço, por que não quis que sua cor t e fosse per t ur bada com ele.
E ent ão o lev ar am par a for a com m uit o gr ande dificuldade, por que queim av a t ant o que t oda a r oupa t inha
vir ado cinza, e não se podia a ele chegar ninguém que não se queim asse, e, post o ele for a do paço,
nov am ent e com eçar am sua alegr ia com o ant es e m uit o t inham gr ande pesar t odos do cav aleir o, por que er a
m uit o est im ado. Ao r ei, m uit o pesav a, m as não o ousav a m ost r ar par a não ficar a cor t e m ais tr iste. E depois
que soube que est ava na igr ej a, disse:
- Cav aleir os, agor a podeis com er , por que j á por av ent ur a m ar av ilhosa não deix ar eis de com er , pois m e
par ece m uit o est r anha est a aventur a.

10. Com o o escu deir o disse ao r ei as nov as da pedr a. E eles dist o falando, eis que vem um escudeir o que disse
ao r ei:
- Senhor , eu v os t r ago as m ais m ar av ilhosas nov as de que ouv ist es falar .
- E que nov as são? disse o r ei, dizei-no- las.
- Nest e v osso paço, apor t ou agor a um a pedr a de m ár m or e, na qual est á m et ida um a espada, e sobr e est a
pedr a, no ar , est á um a bainha. E eu v os digo que v i a pedr a nadar sobr e a água, com o se fosse m adeir a.
E o r ei, que o t ev e por chufa, disse- lhe se podia v er est a pedr a.
Ent ão disse o escudeir o:
- Já est ão lá m uit os cav aleir os da v ossa com panhia par a v er aquela m ar av ilha.
E o r ei, assim que ist o ouv iu, foi logo par a lá com sua com panhia de hom ens bons. E Lancelot e, apenas
soube o que er a, logo foi par a lá at r ás deles; e Heit or e Per siv al, que j á haviam vist o, quer iam ver , ent r e t ão
gr ande com panhia com o lá est av a r eunida, se hav er ia alguém que desse cabo agor a daquela av ent ur a.
Quando o r ei chegou à r ibeir a e viu a pedr a e a espada que nela est av a m et ida, pelo encant am ent o de
Mer lim , assim com o o cont o j á r efer iu, e um a bainha que est av a per t o dela no m eio do ar , e o let r eir o que
Mer lim fizer a, ficou t odo espant ado.
- E, am igos, disse ele, nov as v os dir ei. Or a, sabei que por est a espada ser á conhecido o m elhor cav aleir o
do m undo, por que est a é a pr ov a pela qual se há de saber ; e nenhum , se não for o m elhor cav aleir o do
m undo, poder á sacar a espada dest a pedr a.

11. Com o o r ei disse a Lancelot e que t ir asse a espada da pedr a e Lancelot e não quis. Quando os cav aleir os
ouv ir am ist o, afast ar am - se quase t odos os que quer iam t ent ar sacá- la. E o r ei disse a Lancelot e:
- Dom Lancelot e, t ir ai est a espada, por que ela é v ossa, por t est em unho de quant os aqui est ão que v os
t êm pelo m elhor cav aleir o do m undo.
E quando ist o ouv iu, ficou m uit o env er gonhado e r espondeu:
- Senhor , est es m e t êm pelo m elhor cavaleir o do m undo; cer t am ent e, não sou eu que est a espada devo
t er , por que m uit o m elhor cav aleir o do que eu a t er á e pesa- m e que não sou t ão bom com o v ós o cuidais.
Dist o que Lancelot e disse, t iv er am m uit os pesar , .e m ais os da linhagem de r ei Bam , que o t inham pelo
m elhor cav aleir o do m undo. O r ei, que per cebeu que hav ia algum pesar , disse:
- Pr ov ar v os conv ém . Por que assim não sois pois culpado se, por v ent ur a, fr acassar des.
- Senhor , disse ele, apesar de v ossa gr aça, não m e chegar ei aí, por que, assim Deus m e v alha, não v alho
eu t ant o que dev a pôr a m ão em ar m a de t al hom em com o aquele ser á que est a espada há de t r azer.

12. Com o Galv ão pr ov ou a espada por or dem do r ei. Ent ão disse o r ei a Galv ão:
- Sobr inho, pois Lancelot e r eceou a espada, pr ov ai- a v ós e v er em os o que acont ecer á.
- Eu, senhor , disse ele, pr ov a- la- ei par a cum pr ir v ossa or dem , m as sei que nada é que eu possa
conseguir , por que bem sabeis v ós e quant os aqui est ão que, quando dom Lancelot e deix a algum a coisa por
m íngua de cavalar ia, eu nada nist o conseguir ei, pois ele é m uit o m elhor cavaleir o do que eu.
- E ainda assim , disse o r ei, pr ov a- la- eis, por que assim m e apr azo
Ent ão apr ox im ou- se Galv ão e pegou a espada pelo punho e pux ou- a o m ais que pôde, m as nunca t ant o
que a pudesse sacar da pedr a, e deix ou- a ent ão e disse ao r ei:
- Senhor , agor a podeis buscar quem a pr ov e, por que eu não por ei m ais a m ão, pois bem v ej o que Deus
não m a quer out or gar .
- Dom Galv ão, disse Lancelot e, o r ei fez seu pr azer , pois que v o- la m andou pr ov ar , m as nest a av ent ur a
não dev eis ent r ar , por que não pode dem or ar m uit o que não haj ais m al por isso, pois r eceber eis o m aior golpe
ou fer im ent o pelo qual t er eis pav or da m or t e ou m or r er eis.
- Am igo, disse ele, não pude m ais, por que se aqui cuidasse m or r er , não deix aria de cum pr ir a or dem do
r ei.
- Pois feit o est á, disse o r ei, não é culpa, apenas m íngua. E ent ão per gunt ou a t odos os out r os:
- Am igos, há aqui alguém que queir a pr ov ar est a espada? E calar am - se t odos. E quando o r ei v iu que não
faziam m ais quest ão, disse:
- Agor a v am os alm oçar , por que j á é hor a, e Deus nos dê quem a est a av ent ur a dê cabo, pois cer t am ent e
m uit o m e agr adar ia que chegasse logo.

13. Com o os clér igos achar am let r eir os em dois assent os. Depois dist o, chegar am ao paço e m andar am pôr as
m esas. E os clér igos, que se esfor çav am por cuidar dos assent os da t áv ola r edonda, o que hav iam de fazer ,
andar am de um a par t e e da out r a. E achar am ent ão que em dois assent os não hav ia let r eir o com o ant es,
senão out r o r ecent e. Num assent o est av a escr it o o nom e de Er ec, e er a o assent o daquele cav aleiro que for a
m or t o com o o cont o j á r efer iu. E o out r o.t inha sido de um cav aleir o da Escócia que t inha nom e Dr agão, a
quem Tr ist ão m at ar a naquela sem ana diant e da Joiosa Guar da, por que aquele Dr agão pedir a am or à r ainha
I solda. Mas ist o não r elat a agor a. a est ór ia do sant o Gr aal, por que não t oca a seu liv r o, m as a gr ande est ór ia
de dom Tr ist ão o cont a no seu liv r o.

14. Com o Er ec e Elaim t iv er am os assent os. Quando os clér igos v ir am os assent os guar necidos de nov os
nom es, sou ber am logo que aqueles a quem haviam per t encido t inham m or rido e ent ender am que a Deus
agr adar ia que out r os ent r assem no lugar deles. E achar am nos assent os out r os nom es, de Er ec e de Elaim , o
br anco. Ent ão for am at é o rei e disser am - lhe o que hav iam achado. E o r ei agr adeceu m uit o a Nosso Senhor
que t ant o lhes dav a conselho na r ealização do sant o Gr aal e da t áv ola r edonda. E com Erec e Elaim t am bém
ficar am t odos m uit o felizes. Mas bem sabei que de Elaim , o br anco, t iv er am t odos os da linhagem de r ei Bam
m uit o gr ande pr azer , por que Elaim er a filho de Boor z de Gaunes e fizer a- o naquele dia cav aleir o o r ei Ar tur .
Rei Ar t ur , que m uit o am av a Er ec e o pr ezav a de cav alar ia pela fam a que dele ouv ir a, que não prezav a
t ant o nenhum cav aleir o da sua idade, quando v iu que est a honr a lhe v ier a, disse feliz e com m uit o pr azer :
- Er ec, m eu am igo, filho do r ei Lac, que nest a cor t e de sua idade não se dev ia m ais pr ezar m ancebo de
cav alar ia, vinde a m im e v os conduzir em os à gr andeza que Nosso Senhor v os deu, que a out r em não.
Ent ão foi buscá- lo à câm ar a da r ainha, onde est av a falando com as donzelas. E depois, t om ou- o o r ei pela
m ão e conduziu- o ao assent o da t áv ola r edonda no qual seu nom e est av a escr it o e disselhe, ao assent ar - se:
- Er ec, Deus v os faça de hoj e em diant e t ão bom cav aleir o com o fost es at é aqui.
Depois dir igiu- se a Elaim , o br anco, e disse- lhe:
- Filho, m uit o sois for m oso, m as Deus, por sua bondade, v os faça sem elhar em cav alar ia à v ossa linhagem
de r ei Bam .
Quando v ir am que assim ganhar a ele o assent o da t áv ola r edonda por bondade de Nosso Senhor , ficar am
m uit o felizes à m ar av ilha. E disse Lancelot e:
- Elaim ainda sair á a gr andes feit os.
E saibam t odos que est e cont o ouv ir em que aquele Elaim , o br anco, foi filho de Boor z de Gaunes e o fez
num a filha do r ei da Gr ã-Br et anha. Mas ant es que ist o acont ecesse, pr om et er a Boor z a Nosso Senhor lhe
guar dar sua v ir gindade. Mas t ão logo ela o v iu, gost ou dele desde ent ão e am ou- o; e depois enganou- o por
encant am ent o, e dor m iu com ela e fez ali aquela noit e aquele que foi depois im per ador de Const ant inopla. E se
Boor z quebr ou aquilo que pr om et eu, não foi por sua vont ade, m as pelo encant am ent o que lhe a donzela fez; e
depois cor r igiu aquilo que fez, pois t odos os dias de sua v ida m ant ev e cast idade.

III
O a sse nt o pe r igoso
Ga la a z a ca ba a a v e nt ur a da pe dr a
Tor ne io e m Ca m a lot e

15. Com o os que pr ocur av am os assent os os achar am . Aquele dia que v os digo, que Er ec e Elaim for am post os
nos assent os da t áv ola r edonda, m andou o r ei pôr as m esas, por que j á er a t em po de com er em . E o r ei foi
sent ar em seu alt o assent o. E depois os com panheir os da t áv ola r edonda for am sent ar cada um em seu lugar .
E os out r os, que não er am de t ão gr ande fam a, sent ar am cada u m onde dev ia.
Aquela hor a, ant es que lhes dessem de com er , m andou o r ei cont ar quant os com panheir os da t áv ola
r edonda t inham v indo àquela fest a e os que ainda falt av am . E os que os cont ar am achar am t odos os cent o e
cinqüent a assent os ocupados, m enos dois, e disser am no ao r ei. O r ei est endeu as m ãos ao céu e disse: "Jesu s
Cr ist o, Pai e Senhor de t odas as coisas, bendit o sej as t u que m e deix ast e t ant o v iv er que v isse cheia a t áv ola
r edonda, que não falt assem senão dois. "
Ent ão disse àqueles que os assent os hav iam de olhar :
- Quais são esses dois que falt am ?
- Senhor , disser am eles, Tr ist ão e o assent o per igoso que não est á ocu pado.
- Não v os pese, disse o r ei, que logo est ar á ocupado, por que por out r a r azão não fiz vir t ant a gent e à m inha
cor t e, senão par a v er em as m ar avilhas que acont ecer ão a est a m esa, por que hoj e ser á a m inha cor te cham ada
par a sem pr e cor t e av ent ur osa.

16. Com o Galaaz ent r ou no paço e acabou o assent o per igoso. Eles nist o falando, olhar am e v ir am que t odas
as por t as do paço se fechar am e t odas as j anelas, m as não escur eceu por isso o paço, por que ent r ou um t al
r aio de sol, que por t oda a casa se est endeu. E acont eceu ent ão um a gr ande m ar av ilha, não houv e quem no
paço não per desse a fala; e olhav am - se uns aos out r os e nada podiam dizer , e não houv e alguém t ão ousado,
que disso não ficasse espant ado; m as não houv e quem saísse do assent o, enquant o ist o dur ou. Acont eceu que
ent r ou Galaaz ar m ado de lor iga e br afoneir as e de elm o e de duas div isas de v eludo v er m elho; e, depós ele,
chegou o er m it ão, que lhe r ogar a que o deix asse andar com ele, e t r azia um m ant o e um a gar nacha de veludo
ver m elho em seu br aço.
Mas t ant o v os digo que não houv e no paço quem pudesse ent ender por onde Galaaz ent r ar a, que em sua
v inda não abr ir am por t a nem j anela. Mas do er m it ão não v os digo, por que o v ir am ent r ar pela por t a gr ande. E
Galaaz, assim que chegou ao m eio do paço, disse de m odo que t odos ouv ir am :
- A paz est ej a conv osco.
E o hom em bom pôs as v est es que t r azia sobr e um t apet e, e foi ao r ei Ar t ur e disse- lhe:
- Rei Ar tur , eu te t r ago o cav aleir o desej ado, aquele que v em da alt a linhagem do r ei Dav i e de José de
Ar im at éia, pelo qual as m ar av ilhas dest a t er r a e das out r as t er ão fim .
E com ist o que o hom em bom disse, ficou o r ei m uit o alegr e.
E disse:
- Se ist o é v er dade, sede bem - v indo. E bem sej a v indo o cav aleir o, por que est e é o que há de dar cabo às
avent ur as do sant o Gr aal. Nunca foi feit a nest a cor t e t ant a honr a com o lhe nós far em os; e quem quer que ele
sej a, eu quer er ia que lhe fosse m uit o bem , pois de t ão alt a linhagem v em com o dizeis.
- Senhor , disse o er m it ão, cedo o v er eis em bom com eço. Ent ão fê- lo v est ir os panos que t r azia e foi
assent á- lo no assent o per igoso. E disse:
- Filho, agor a v ej o o que m uit o desej ei, quando v ej o o assent o per igoso ocupado.
E quando v ir am Galaaz no assent o, logo t odos os cav aleir os t iv er am poder de falar , e br adar am t odos a
um a v oz:
- Dom Galaaz, sede o bem - v indo, pois j á seu nom e sabiam , por que o er m it ão o nom ear a j á ali.

17. O cav aleir o de quem Mer lim e t odos os pr ofet as falar am . O r ei, assim que v iu no assent o per igoso o
cavaleir o de quem Mer lim e t odos os pr ofet as falar am na Gr ã- Br et anha, ent ão bem soube que aquele er a o
cavaleir o por quem ser iam acabadas as avent ur as do r eino de Logr es, e ficou com ele t ão alegr e e t ão feliz,
que bendisse a Deus:
- Deus, bendit o sej as t u que t e apr ouv e de t ant o v iv er eu que, em m inha casa, v isse aquele de quem
t odos os pr ofet as dest a t er r a e das out r as pr ofet izar am , t ão longo t em po há j á. Agor a falt a, disse ele, da
t áv ola r edonda, dom Tr ist ão, e nenhum out r o. Mas m aldit a sej a a beleza de I solda, por que o assim t em os
per dido, por que se ela não fosse, não deix ar ia ele, de m odo algum , de v ir a est a fest a t ão gr ande.

18. Com o um donzel deu nov as à r ainha de Galaaz. Assim falav a o r ei de Tr ist ão, com m uit o gr ande pesar de
que não v inha à cor t e; m as os out r os não t inham disso pesar , ant es est av am m uit o alegr es, por que o assent o
per igoso est av a acabado, e honr av am e ser v iam Galaaz quant o podiam , que não podiam m ais, por que bem
sabiam que est e hav ia de dar cabo às m ar av ilhosas av ent ur as do r eino de Logr es; m as sobr e t odos est av a
Lancelot e m ais alegr e, por que bem via que, se Galaaz vivesse, passar ia em bondade e em cavalar ia t odos os
do r eino de Logr es. Est as nov as for am de um a par t e e da out r a, de m odo que chegar am à r ainha, por que um
donzel lhe disse:
- Senhor a, m ar avilha gr ande acont eceu agor a no paço.
- E que m ar av ilhas são? disse a r ainha, dizei-no- las.
- Senhor a, disse ele, o assent o per igoso est á ocu pado. Um cav aleir o sent a nele.

- Sim ? disse ela. Por Deus, for m osa av ent ur a Deus deu. Por que de m uit os que j á sent ar am , nunca um
houv e que não m or r esse. E de que idade pode ser ? disse a r ainha.
- Senhor a, disse ele, de dezoit o anos.
E ela m ar av ilhou- se das m ar av ilhas que a r espeit o ouv iu; depois disse:
- Mar av ilha pode daí adv ir e nada eu nunca soube. E sabes de qual linhagem é?
E o donzel disse que não, apenas que dizem t odos que par ece ser da linhagem de r ei Bam , m ais que de
out r a. E ela com eçou a pensar e logo cuidou em seu cor ação que er a filho de Lancelot e, por que lhe disser a
Heit or que er a j á Galaaz m oço feit o e logo ser ia cav aleir o; e disse a r ainha ao cav aleir o:
- Donzel, sabes com o t em nom e?
- Senhor a, disse ele, t em nom e Galaaz.
E ela, quando ouviu o nom e, logo soube com cer t eza que er a filho de Lancelot e, por que t em po havia que
ela sabia com o t inha nom e. Ent ão disse par a as m ulher es que com ela est avam :
- Est ai cer t as, se ele é o bom cav aleir o, não m e m ar av ilho m uit o, por que de t odas as par t es v êm bons
cav aleir os, que não pode er r ar que não sej a m elhor do que out r o cav aleir o.
- Senhor a, disser am elas, quem é bom sobr e t odos? - Vós o saber eis, disse ela, m as não por m im .

19. Com o Galaaz acabou a av ent ur a da pedr a. Aquele dia foi gr ande a alegria entr e eles. E o r ei m andou que
lhes dessem de com er . Tão logo com er am , per gunt ou o r ei a quant os est av am no paço:
- Que v os par ece do que nos acont eceu? Por que a m im t al hor a foi, ant es que chegasse Galaaz, que não
pude falar .
E t odos disser am que bem assim acont ecer a a eles.
- Por Deus! disse o r ei, gr ande m ar av ilha foi est a. E podeis ent ender por que foi?
- Não, disser am eles.
- Por Deus, disse ele, m uit o m e pesa.
Gr ande foi a alegr ia e o pr azer que t odos t iv er am . E o r ei se er gueu da m esa e foi à m esa onde sent av a
Galaaz, e viu lá seu nom e escr it o, e ficou m uit o alegr e e disse a Galv ão:
- Sobr inho, agor a podeis v er Galaaz, o m uit o bom cav aleir o sobej o, que t ant o esper am os e t ant o
desej am os v er .
E os da t áv ola r edonda falav am m ais am iúde do que t odos os out r os. E diziam :
- Pois no- lo Deus t r oux e, sir v am o- lo e honr em o- lo enquant o estiv er ent r e nós, por que não v iv er á m uit o
conosco por causa da dem an da do sant o Gr aal que com eçar á logo.
- Assim Deus m e aj ude, disse Galv ão, bem o dev em os ser v ir , por que Deus no- lo env iou por nos liv r ar a
t er r a das gr andes m ar av ilhas e das est r anhas av ent ur as que t ão am iúde acont ecem e desde t ão longo t em po.
Ent ão v eio o r ei a Galaaz e disse- lhe:
- Senhor , sede bem - v indo, por que m uit o t em po há que v os desej ei v er ; e gr aças a Deus e a v ós, quisest es
aqui v ir .
- Senhor , disse ele, v im aqui, por que m e conv inha, por que daqui hão de par t ir agor a t odos aqueles que à
dem anda do sant o Gr aal queir am ir e bem sei que logo ser á com eçada.
- Senhor , disse o r ei, v ossa v inda nos é m ui m ist er por m uit as av ent ur as m ar avilhosas a que não
podem os dar cabo. E v o- lo digo por um a que nos hoj e acont eceu; ide- a v er , se v os apr ouv er .
E Galaaz disse que ir ia de m uit o bom gr ado. Ent ão o pegou o r ei pela m ão e lev ou- o à m ar gem do r io,
onde a pedr a est av a. E os do paço for am t odos com ele, par a v er em o que poder ia ser . E quando a r ainha viu
que o r ei lev av a Galaaz pela m ão à pedr a, saiu ela com gr ande com panhia de donas e donzelas. E o r ei disse a
Galaaz:
- Quer eis sacar est a espada dest a pedr a? Pois a não quer ninguém pr ov ar de quant os aqui est ão, por que
dizem que a av ent ur a não é deles. Pr ov ai- a, se v os apr ouv er , por que se o não pr ov ais, não achar em os
cav aleir o que o pr ov e.
Ent ão pegou Galaaz a espada pelo punho e pux ou- a t ão facilm ent e, com o se não est iv esse pr esa a n ada.
E depois, pegou a bainha e m et eu- a dent r o e cingiu- a logo, e disse ao r ei:
- Senhor , agor a t enho j á a espada, m as o escudo não t enho. - Am igo, disse o r ei, pois Deus e a v ent ur a v os
a espada deu,não t ar dar á m uit o o escudo.

20. Com o a donzela disse as nov as ao r ei. Eles nist o falando, v ir am v ir pela r ibeir a um a donzela sobre um
palafr ém br anco; e quando chegou a eles, per gunt ou se est ava aí Lancelot e. Ele est ava diant e dela e disse-
lhe:
- Donzela, que vos apr az? Disse ela:
- Eu t e t r ago as m ais m ar av ilhosas nov as que v ist e, t em po
há, e não de t eu pr azer , m as de t eu pesar ; e sabe que t ens t eu nom e desonr ado desde hoj e de m an hã,
por que quem ont em t e cham av a, por que er as, o m elhor cav aleir o do m undo, t e dizia a v er dade; m as agor a
não é assim . E ist o podes bem v er por pr ov a dest a espada, por que v ês que m elhor cav aleir o que t u a ganhou.
- Donzela, disse ele, v ós não m e dizeis nada que eu por v er dade não soubesse, t em po há, por que j á out r a
vez vi est a espada e não ousei pr ov á- la.
E ent ão t or nou a donzela ao r ei e disse- lhe assim :
- Rei Ar tur , m anda- t e dizer o er m it ão que, nest e dia de hoj e,
t e acont ecer á a m aior m ar av ilha e honr a que t e nunca acont eceu. E não vir á por t i, m as por out r em .
E assim que ist o disse, v olv eu a r édea ao palafr ém e v olt ou. E m uit os houv e que quiser am m ais saber
dela, m as não quis ficar por r ogo de ninguém , nem dizer m ais de seus feit os.

21. Com o r ei Ar t ur fez ar m ar o t orneio no cam po de Cam alot e. Ent ão disse o r ei aos que est av am per t o dele:
- Am igos, assim é que a dem anda do sant o Gr aal é sinal v er dadeir o de que ir eis daqui logo; e por que sei
ver dadeir am ent e que j am ais vos ver ei r eunidos em m inha casa, com o agor a vej o, quer o que naquele cam po
de Cam alot e sej a agor a com eçado um t or neio t al que, depois de m inha m or te, sej a cont ado e no qual haj am
que r eferir nossos her óis.
E concor dar am com isso t odos. E v olt ar am à cidade e pedir am suas ar m as e ar m ar am - se e v olt ar am ao
cam po. E o r ei não fizer a ist o, senão par a v er algum a coisa da cav alar ia de Galaaz, por que bem sabia que não
est ar ia m uit o em Cam alot e.

22. Com o Galaaz j ust av a, e com o o r ei par t iu par a aquele t or neio. Aquele dia, r ogou Lancelot e a seu filho
Galaaz que tr oux esse ar m as naquele t or neio com div isas da linhagem de r ei Bam . E ele o fez de m uit o bom
gr ado, por que não há nada que ele r eceasse, que lhe seu pai m andasse; m as não quis tr azer escudo. Depoi s
que for am r eunidos no cam po de Cam alot e, com eçar am a se fer ir com lanças, de m odo que m uit os v er íeis cair ,
e m uit os havia que o faziam m uit o bem . E Galaaz, que ent r ou no cam po, com eçou as lanças a quebr ar e a
der r ubar cav aleir os, e a fazer t ant as m ar av ilhas, que t odos diziam que nunca v ir am t ão bom cav aleir o de
j ust a. Por que, sem falha, nunca ele alcançav a cav aleir o hábil, por m ais v alent e que fosse, que o não m et esse
em t er r a; e fez disso t ant o, que t odos aqueles que o v ir am , disser am que nunca t ão alt am ent e com eçar a
cav aleir o a der ribar cav aleir os. E bem apar ecia no que naquele dia fizer a, por que, de t odos aqueles que er am
com panheir os da t áv ola r edonda, não ficar am senão poucos que ele não der r ibasse.
Est e t or neio dest a j ust a dur ou at é hor a de v ésper as. Ent ão m andou o r ei que par assem , por qu e se t em ia
acont ecer algum a desav ença. E disse- lhes que se fossem desar m ar , e fez t ir ar o elm o a Galaaz e deu- o a
Boor z de Gaunes, que o segur asse, por que aquele er a em quem tinha confiança m uit o gr ande, que sem pr e
for a em sua honr a e em sua aj uda.

IV
Tr ist ã o
A Gr a ça do sa nt o Gr a a l
A de m a nda

23. Com o o r ei e os cav aleir os v ir am v ir Tr ist ão. Ainda o pr eit o não est av a acabado nem decidido, quando
v ir am v ir um cav aleir o pelo fundo da r ibeir a, sobr e um cav alo t ão bom , que poucos hav ia no cam po m elhor es;
e v inha t ão depr essa, com o se t odos os diabos do infer no v iessem depós ele. E não t r azia t odas as ar m as,
apenas a espada e o escudo. E o r ei olhou o escudo e m ost r ou- o a Lancelot e, que per t o dele est ava, e disse-
lhe:
- Agor a est ou alegr e e t enho m uit o gost o, por que v ej o aqui v ir Tr ist ão, o sobr inho de r ei Mar s de
Cor nualha, por que bem conheço aquele escudo que não v i desde que m e fez m uit o pesar .
E Lancelot e com eçou a fer ir o cavalo com as espor as e foi em dir eção dele, e disse- lhe, de t ão longe com o
pôde ent ender que o poder ia ouv ir :
- Dom Tr ist ão, sede bem - v indo.
E Tr ist ão; que o r econheceu, saudou- o e abr açou- o. E depois per gunt ou:
- Am igo Lancelot e, é v er dade que v eio Galaaz, o m ui bom cav aleir o, à cor t e, aquele que há de acabar o
assent o per igoso e há de dar fim às av ent ur as do r eino de Logr es?
- Com cer t eza, am igo, disse Lancelot e, ele veio à cor t e e acabou o assent o per igoso e deu cabo da
av ent ur a de um a espada, em que nenhum cav aleir o da t áv ola r edonda ousou pôr a m ão. Mas com o soubest es
que ele, no dia de hoj e, aqui havia de est ar ?
- I st o v os dir ei eu, disse ele, m as em out r a opor t unidade, não agor a.
Enquant o ist o, eis que o r ei saiu em dir eção a ele, por que m uit o est av a alegr e com sua v inda, e disse- lhe:
- Dom Tr ist ão, sede bem - v indo.
E Tr ist ão saudou- o m uit o educadam ent e. E o r ei disse- lhe: - Dom Tr ist ão, est ou m uit o alegr e com v ossa
v inda, por que não falt av a nenhum dos com panheir os da t áv ola r edonda, senão v ós.

24. Com o o r ei falav a com Tr ist ão e da alegr ia dos cav aleir os. Quando os cav aleir os v ir am que aquele er a
Tr ist ão com quem o r ei falav a, for am par a lá m uit o alegr es e com gr ande pr azer da sua v inda, por que m uit o
pr ezav am sua cav alar ia e sua cor t esia. E assim que v ir am o escudo, disser am ent r e si:
- Enganados fom os nout r o dia, por que est e er a o cav aleir o que lev av a a m ulher , e o que der r ibou os
cav aleir os daqui.
Gr ande foi a alegria e o pr azer que t odos com Tr ist ão t iv er am . E ele r ogou ao r ei que lhe m ost rasse
Galaaz, o m ui bom cav aleir o, e o r ei lhe disse que hav ia ido par a a cidade com alguns da linhagem de r ei Bam .
- Ai, senhor , disse Tr ist ão, fazei que o v ej a, por que por out r o m ot iv o não vim aqui.
- De bom gr ado, disse o r ei.
Ent ão se for am par a o paço e descer am . E quando ent r ar am no paço, achar am Galaaz com sua linhagem ,
que j á se desar m ar am . E o r ei pegou Tr ist ão e levou- o a ele e disse- lhe:
- Am igo Tr ist ão, v edes aqui o que buscais.
- Em nom e de Deus, disse Tr ist ão, bem sej a ele v indo, por que com sua v inda est ou m uit o alegr e.
Ent ão ficou de j oelhos diant e dele e disse- lhe:
- Senhor , abençoado sej a o dia em que nascest es, quando v os Deus deu t al gr aça.
Galaaz não lhe quis per m it ir que ficasse assim a seus pés; e depois er gueu- o e beij ou- o em significado de
com panheir ism o e de fr at er nidade. E bem ouv ir a j á dizer que aquele er a o m ais afam ado e o m elhor cav aleir o
da t ávola r edonda, com ex ceção de Lancelot e apenas.

25.Com o os da m esa r edon da t iv er am a gr aça do sant o Gr aal. Gr ande foi a alegr ia e o pr azer que os cav aleir os
da t áv ola r edonda t iv er am aquele dia, quando se v ir am t odos r eunidos. E sabei que, desde que a t áv ola
r edonda com eçou, nunca t odos assim for am r eunidos, m as aquele dia, sem falha, acont eceu que est av am lá
t odos, m as depois, nunca de nov o est iv er am .
Cont r a a noit e, depois de v ésper as, quando se assent ar am às m esas, ouv ir am v ir um t r ov ão t ão gr ande e
t ão espant oso, que lhes sem elhou que t odo o paço caía. E logo depois que o t r ov ão deu, ent r ou um a t ão
gr ande clar idade, que t or nou o paço dois t ant os m ais clar o que er a ant es. E quant os no paço est av am
sent ados, logo t odos for am r eplet os da gr aça do Espír it o Sant o e com eçar am a olhar uns aos out r os, e v ir am - se
m uit o m ais for m osos, m uit o m ais do que cost um av am ser , e m ar av ilhar am - se m uit o do que acont eceu e não
houv e quem pudesse falar por m uit o gr ande t em po, ant es est av am calados e olhav am - se uns aos ou t r os. E
eles assim est ando sent ados, ent r ou no paço o sant o Gr aal, cober t o de um v eludo br anco; m as não houv e um
que v isse quem o t r azia. E assim que ent r ou, foi o paço t odo r eplet o de bom odor , com o se t odos os per fum es
do m undo lá est iv essem . E ele foi par a o m eio do paço, de um a par t e e da out r a, ao r edor das m esas. E por
onde passav a, logo t odas as m esas ficav am r eplet as de t al m anj ar , qual em seu cor ação desej av a cada um . E
depois que t ev e cada u m o de que houv e m ist er a seu pr azer , saiu o sant o Gr aal do paço que ninguém soube o
que for a dele, nem por qual por t a saír a. E os que ant es não podiam falar , falar am ent ão. E der am gr aças a
Nosso Senhor , que lhes fazia t ão gr ande honr a e os confor t ar a e abundar a da gr aça do sant o Vaso. Mas sobr e
t odos aqueles que alegr es est av am , m ais o est av a r ei Ar t ur , por que m aior m er cê lhe m ost r ar a Nosso Senhor
que a nenhum r ei que ant es r einasse em Logr es. Dist o for am m ar av ilhados quant os lá est av am , por que bem
lhes par eceu que se lem br ar a Deus deles, e falar am m uit o disso. E o r ei disse aos que per t o dele est av am :
- Com cer t eza, am igos, m uit o dev íam os est ar alegr es, que Deus nos m ost r ou t ão gr ande sinal de am or ,
que em t ão boa fest a com o hoj e, de Pent ecost es, nos deu a com er de seu sant o celeir o.

26. Com o Galv ão com eçou a dem anda do sant o Gr aal. Galv ão que sent av a diant e do r ei, disse:
- Senhor , ainda há out r a cousa que não im aginais. Sabei que não há cav aleir o no paço que não houv esse
de com er o que pensou cada um em seu cor ação. E ist o nunca houv e em nenhum a cor t e, senão na casa do r ei
Peles. Mas t ant o fom os enganados que o não v im os senão cober t o. Quant o em m im é, pr om et o agor a a Deus e
a t oda cav alar ia que, de m anhã, se m e Deus quiser at ender , ent r ar ei na dem anda do sant o Gr aal, assim que a
m ant er ei um ano e um dia e, por v ent ur a m ais; e ainda m ais digo: j am ais volt ar ei à cor t e, por cousa que
acont eça, at é que m elhor e m ais a m eu pr azer vej a o que or a vi; m as se não puder ser , volt ar ei então.

27. Com o os da m esa r edonda com eçar am a dem anda do sant o Gr aal. Quando os cav aleir os da t áv ola r edonda
ouv ir am que aquele er a Galv ão e v ir am o que disse, par ar am at é de com er ; m as assim que as m esas for am
t ir adas, for am t odos ant e o r ei e fizer am aquela pr om essa que fizer a Galv ão, e disser am que j am ais deix ariam
de andar at é que vissem a t al m esa e t ão sabor osos m anj ar es e t ão bem pr epar ados, com o er am aqueles que
aquele dia com er am , se er a cousa que lhes out or gada fosse por dificuldade e por esfor ço que sofr er pudessem .

28. Com o o r ei disse a Galv ão m al. E quando o r ei viu que t odos hav iam feit o est a pr om essa, t ev e gr ande
pesar e gr ande am ar gur a em seu cor ação por que v iu que não podia fazê- los v olt ar at r ás de m odo algum . E
disse a Galv ão:
- Vós m e hav eis m or t o e escar necido por que por est a pr om essa que fizest es, m e t ir ast es a m elhor
com panhia e a m ais leal que nunca houv e no m undo - a com panhia da t áv ola r edonda; por qUe, depois que
par t ir em daqui, sei bem que não t or nar ão t ão cedo, ant es m or r er ão m uit os nest a dem anda, por que não t er á
t ão cedo fim com o cuidais; e por isso m e pesa, por que sem pr e lhes fiz honr a de t odo m eu poder , e lhes quis
bem e quer o, com o se fossem m eus ir m ãos ou m eus filhos. E por ist o m e é gr av e sua par t ida, e quando eu,
que os cost um av a v er e t er sua com panhia, os não v ir , gr ande dor sofr er ei e gr ande pesar .
Depois que ist o disse, o r ei com eçou a pensar m uit o; e ele pensando, com eçar am - se- lhe ir as lágr imas dos
olhos pelas faces, assim que t odos o v ir am . E, ao cabo de um t em po, disse de m odo que t odos o ouv ir am :
- Galv ão, Galv ão, v ós m e m et est es t ão gr ande pesar no cor ação, que j am ais sair á at é que dest a dem anda
v ej a o fim , por que t er ei gr ande pesar e pav or de per der nela m eus am igos.
- Ai, senhor , disse Lancelot e, que dizeis? Tal hom em com o v ós não dev er ia t er pav or , m as ânim o e boa
esper ança. Cer t am ent e, se m or r êssem os t odos nest a dem anda, m aior honr a ser ia do que m or r er em out r o
lugar .
- Ai, Lancelot e, disse o r ei, o m uit o gr ande am or que sem pr e t iv e por v ós e por eles m e faz ist o dizer . E
não é gr ande m ar avilha, se t enho gr ande pesar , por que nunca r ei crist ão t ev e t ant os cav aleir os, nem t ant os
hom ens bons à sua m esa, com o hoj e t enho, nem t er á j am ais. E por isso r eceio que j am ais est ar ão r eunidos
aqui nem em out r o lugar , com o agor a est ão.

V
Ga lv ã o e a d on ze la fe ia

29. Com o a donzela feia chegou à casa de r ei Ar t ur . A ist o que o r ei disse, não soube Galv ão o que r esponder ,
por que sabia que dizia a v er dade, e fizer a- se de bom gr ado a for a, se pudesse, m as não podia pelos out r os
que pr om et er am j á, com o ele. E, além disso, por que sabia j á a r ainha e as donas e as donzelas todas que a
dem anda do sant o Gr aal est av a j á com eçada e os que hav iam de ir , haviam de sair de m anhã. Ent ão
com eçar am as m ulher es sua lam ent ação t ão gr ande a fazer , que er a m ar av ilha, e for am ent r ar no paço com o
loucas. Mas o r ei acor dou com est as vozes e com est e r ebuliço que as m ulher es faziam nos aposent os da
r ainha. Est av a o r ei com seus r icos hom ens com gr ande pesar pensando. Nist o, eis que um a donzela ent r ou a
pé e t r azia um a espada que t inha o punho m uit o r ico e m uit o for m oso e a bainha m uit o bem lav r ada; e ela
r econheceu o r ei e foi ao r ei e disse- lhe:
- Rei, não penses, por que t eu pensar não v ale nada; m as r ecebe ist o que t e t r ago e faze dist o o que t e
eu m andar . Eu t e digo que v er ás ainda t al coisa vir que a t er ás por m ar av ilha.

30. Com o a donzela fez t ir ar a espada. Ent ão er gueu o r ei a cabeça e disse- lhe:
- Que dizeis, senhor a?
- Digo- v os que t om eis est a espada e a façais t ir ar da bainha a cada um de v ossos cav aleir os da m esa
r edonda e v er eis que gr ande m ar av ilha por isso v os acont ecer á; e depois aconselhar - v os- ei o que hav er eis de
fazer .
Ele pegou ent ão a espada e t ir ou- a da bainha, e achou- a ent ão m uit o for m osa. E a donzela lhe disse:
- Or a a podeis dar a out r em , por que não sois quem eu pr ocur o.
- Or a dizei- m e, donzela, disse o r ei, que m ar av ilha pode disso adv ir e acr edit ar em os em v ós por isso m ais,
quando a v ir m os.
- Eu v o- lo dir ei, disse ela, pois t endes gost o de o saber . Sabei que est a espada, que agor a v edes t ão
for m osa e t ão lim pa, ficar á t oda t int a de sangue quent e e v er m elho, assim que a t iv er na m ão aquel e que far á
a m ar av ilha de m at ar cav aleir os nest a dem anda m ais que out r em . Est a espada t r oux e eu aqui par a o
conhecer des e par a o fazer des aqui ficar , por que, sem falha, se ele for , t ant o m al e pensar hav er á e t ant a
m or t andade de hom ens bons, que v ós v os cham ar eis, a seu r et or no, r ei pobr e, deser dado de bons fidalgos.
- Por Deus! donzela, disse o r ei, m ais m e v ale per dê- lo do que m e sobr ev ir t ant o m al por ele. E m elhor é
cada um pr ov ar .
- Pois, disse ela, pr ov ai qual é, por que o podeis ent ender e r econhecer por ist o que v os digo.
Ent ão deu o r ei a espada a Galaaz e sacou- a da bainha, e não se m udou de qual er a. O r ei disse:
- Vós est ais quit e.
E Galaaz deu- a a seu pai, e seu pai t ir ou- a, e não apar eceu nada. E depois a Boor z de Gaunes, e a Heit or
e a Per siv al de Galas e a Er ec, filho do r ei Lac, e a Gaeriet e; m as nada se m ost r ou em nenhum dest es. E ent ão
a pegou Galv ão, e logo que a sacou da bainha, ficou t oda cober t a de sangue, t oda de um a par t e e da out r a,
t ão quent e e t ão v er m elho, com o se a sacassem do cor po de hom em ou de chaga.

31. Com o o r ei or denou a Galv ão que não fosse. Quando os do paço v ir am ist o, disser am :
- Est a é das gr andes m ar av ilhas que v im os, t em po há. E disse o r ei a Galv ão:
- Rogo- v os que não v ades a est a dem anda, por que m uit o gr ande m al pode daí sair . Donzela, cuidais v ós
que est e é o hom em que buscais?
- Não cuido, disse ela, m as sei v er dadeir am ent e que, se for , far á t ão gr ande dano aos cav aleir os que aqui
est ão, que t oda sua linhagem não nos poder á r ecuper ar .
E o r ei bem acr edit ou que dizia a v er dade, e disse a Galv ão: - Sobr inho, eu v os peço que fiqueis aqui e
não v ades a est a dem anda.
E ele, que t ev e gr ande pesar sobej o dest a av ent ur a, ent r e t ant o hom em bom , r espondeu:
- Senhor , não dev eis acr edit ar no que v os disser em . Sabei que t udo é encant am ent o e chufa a m aior que
v ist es, t em po há. Não v os lem br a quando v ist es a r ainha Mor gana e t oda sua com panhia t or nada em pedr a? E
por isso não dev eis cr er nist o.
Ent ão disse a donzela:
- I st o não é encant am ent o, assim Deus m e aj ude, m as ant es int eir a v er dade. E, por Deus! se for des, t ão
gr ande dano se far á, que não o poder eis r ecuper ar , nem r ei Art ur que aqui est á.
A ist o r espondeu o r ei:
- Donzela, vi t al sinal da sua ida que, assim Deus m e aj ude, sei ver dadeir am ent e que sobr evir á disso m al.
E por ist o lhe or deno, com o senhor faz a cav aleir o, que não v á, m as de t odo m odo fique.
- Com o, senhor , disse Galv ão, m ais acr edit ais nest a donzela do que em m im ?
- Eu acr edit o, disse o r ei, no que v ej o. E por isso v os or deno de t odo em t odo, que não v ades a est a
car r eir a.
- Senhor , disse ele, par ece- m e que não cuidais da m inha honr a, m as do m eu m al e da m inha v er gonha,
por que, se eu não for , sou per j ur o e desleal e ent ão ninguém m e dev er ia consider ar com o cav aleir o.
- Não sei, disse o r ei, o que far eis; m as se for des, pesar - m e- á m uit o sobej o.

VI
Pr e pa r a t iv os da de m a n da

32. Com o a r ainha houv e pesar por Lancelot e. Galv ão, que dist o houv e gr ande m ágoa, afast ou- se do r ei e foi
par a sua pousada. E a r ainha disse ao donzel que lhe disser a as nov as da dem anda:
- Agor a dize- m e, est avas pr esent e quando pr om et er am os cavaleir os buscar o sant o Gr aal?
- Sim , senhor a, disse ele.
- Galv ão e Lancelot e hão de ir ?
- Senhor a, disse ele, dom Galv ão o j ur ou prim eir o, e depois dele, Lancelot e, e depois, t odos os out r os da
m esa r edonda.
- Assim ? disse ela, em m al pont o foi com eçado est e pr eit o, por que m uit os hom ens bons m or r er ão nele e
hav er á ent ão gr ande pr ej uízo no r eino de Logr es.
Ent ão houv e t ão gr ande pesar de Lancelot e, que as lágr im as lhe vier am aos olhos, e disse out r a v ez:
- Cer t am ent e est e é gr ande dano sobej o, por que, sem a m or t e de m uit os hom ens bons, não ser á est a
dem anda acabada, e m ar av ilho- m e do r ei, com o o pode su por t ar , por que os m elhor es cav aleir os do m undo se
afast ar ão dele e sua t er r a v aler á por isso m uit o m enos.
Ent ão com eçou a chor ar m uit o intensam ent e, e as m ulher es e as donzelas t am bém . E a donzela feia, que
est av a ainda no paço, quando der am a dom Galv ão a espada, e v iu que se afast ar a j á dali com sanha, disse ao
r ei:
- Que ser á da ida de dom Galv ão? Sabei que m uit o m al disso v ir á e acont ecer á.
E ele disse:
- Sabei que não ir á à dem anda cav aleir o que m e m uit o não pese; m as m uit o m ais dest e m e pesar á,
por que bem sei que m uit o m al por ele acont ecer á.
- Pois, disse ela, senhor , r ogo- v os que o façais ficar .
- Eu v os digo, disse ele, que não ser á t ão ousado que o ex per im ent e, por que bem lhe pr oibi eu, e v ós o
ouv ist es.
- Muit o obr igada, disse ela.
Ent ão se foi com sua espada.

33. Com o os da cor t e souber am que Galaaz er a filho de Lancelot e. Com o ler am a car t a. Aquela t ar de,
souber am os m ais da casa do r ei Ar t ur que er a Galaaz filho de Lancelot e, por que não podia ser qu e a or igem
de t ão gr ande hom em com o Galaaz pudesse ser escon dida t ão longam ent e. Muit o falar am o r ei e a r ainha
aquela noit e com Galaaz e os alt os hom ens que lá est avam e sua linhagem que o am avam m uit o. Quando a
noit e chegou, não esqueceu ao r ei a m ar avilha do cavaleir o que se queim ou de m anhã e per gunt ou quem
est av a com a car t a que t inha na m ão quando se queim ar a. Ent ão disse um cav aleir o de Nor gales.
- Senhor , v edes a car t a que t inha na m ão.
E ele pegou a car t a na m ão e leu- a, e achou que dizia assim : - Ai! Ar cebispo de Cant uár ia, hom em sant o e
de boa v ida e sisudo, aconselha- m e em m inha m á v ent ur a e em m eu pecado, assim com o t e con t ar ei. Sabe
v er dadeir am ent e que o r ev elo a Deus e a t i, que sou pecador , m aior dos pecador es, que deit ei com m inha m ãe
e com m inha ir m ã. E depois, m at ei- as am bas, na m esm a hor a, por que não quer iam cum pr ir m inha v ont ade. E
depois, est ando a olhá- las onde as m at ar a, sobr ev eio o m eu pai, o r ei da ilha do Por t o; depois que v iu aquela
m or t e, m et eu m ão à sua espada e eu à m inha, e m at ei- o. E est ando a olhá- lo, sobr ev eio m eu ir m ão, o conde
de Geer , e causou- m e m al e m at ei- o. Todo est e m al que t e digo, fiz num só dia. Agor a m e aconselha, padr e
sant o, por que j á t ão gr ande penit ência não m e dar ás, que a não cum pr a.
Tudo ist o dizia a car t a que o cav aleir o t inha quando m or r eu. Depois que o r ei leu a car t a, assim que a
ouviu Galaaz e os out r os hom ens que com ele est avam , disse:
- Agor a podem os saber por que est e cav aleir o m or r eu t ão cr uelm ent e. Sabei que ist o foi v ingança de Jesus
Cr ist o.
E os out r os disser am que bem par ecia v er dade, segundo a car t a dizia. Ent ão fez o r ei guar dar a car t a
num a abadia, que er a de Sant o Est êv ão, que er a a Sé de Cam alot e e fez fazer um m ui rico t úm ulo par a o
cavaleir o e escr ever em cim a: "Aqui j az o cavaleir o que num dia m at ou seu pai e sua m ãe e seu ir m ão e sua
ir m ã".
Est e escr it o foi feit o depois que os cav aleir os for am par a a dem anda do sant o Gr aal.

34. Com o o hom em v elho disse que nenhum lev asse consigo am iga na dem anda. Depois dist o, m andou o r ei
cham ar a r ainha e as donzelas e m ulher es que v iessem a ele. E depois que chegar am ao paço, cada um dos
cav aleir os foi est ar com sua m ulher ou com sua am ant e ou com sua am iga. E alguns houv e que com binar am
com suas am igas de as lev ar em . E assim acont ecer ia, se não fosse um v elho, que chegou v est ido com hábit o
de or dem , que disse t ão alt o que t odos ouv ir am :
- Cav aleir os da t áv ola r edonda, ouv i. Vós j ur ast es a dem anda do sant o Gr aal. E Nascião, o er m it ão, v os
m anda dizer por m im que nenhum cav aleir o dest a dem anda lev e consigo m ulher nem donzela, senão far á
pecado m or t al. E não sej a t al que nela ent re, se não for bem confessado, por que em t ão alt o ser v iço de Deu s
com o est e, não dev e ent r ar se não for bem confessado e bem com ungado e lim po e pur ificado de t odos os
danos e de pecado m or t al; por que est a dem anda não é de t ais obr as, ant es é dem anda dos segr edos e das
coisas escondidas de Nosso Senhor , que far á v er conhecidam ent e ao bem - av ent ur ado cav aleiro que ele
escolheu par a seu ser v o ent r e t odos os cav aleir os t er r enos, ao qual m ost r ar á as gr andes m ar av ilhas do sant o
Gr aal e lhe far á v er o que o cor ação m or t al não poder ia pensar , e língua hum ana não poder ia dizer .

35. Com o a r ainha per gunt av a a Galaaz. Por est a palav r a ficou que nenhum cav aleir o lev ar ia consigo sua
am iga. O r ei m andou m uit o bem cuidar do hom em bom e per gunt ou- lhe por seus feit os, m as ele disse m uit o
pouco, por que em out r o lugar t inha o cor ação. E a r ainha v eio a Galaaz e assent ou- se ao lado dele e disse-
lhe:
- Am igo, de onde sois e de qual linhagem ?
E ele lhe disse u m t ant o, m as não lhe disse que er a filho de Lancelot e e que Lancelot e o fizer a na filha do
r ei Peles, que m uit as v ezes ouv ir a j á a r espeit o ela falar . E, no ent ant o, por que ela quer ia saber a v er dade
dele, per gunt ou- lhe out r a v ez e disse- lhe:
- Dizei- m e, quem é vosso pai?
- Senhor a, disse ele, não o sei m uit o bem .
- Ai, senhor ! disse ela, v ós m o ocult ais. Por que o fazeis?
Assim Deus m e aj ude, ao v os lem br ar des de v osso pai, não t enhais v er gonha nenhum a, por que ele é o m ais
for m oso cav aleir o do m undo e de t odas as par t es v êm r eis e r ainhas e a m ais alt a linhagem do m undo em
apr eço ao m elhor cav aleir o do m undo, por que por dir eit o dev er íeis passar t odos os cav aleir os do m u ndo.

36. Com o a r ainha disse a Galaaz que er a filho de Lancelot e. E quando ele ist o ouv iu t ev e gr ande ver gonha e
r espondeu:
- Senhor a, pois que v ós t ão bem conheceis, t ant o o poder eis dizer a m im , com o eu a v ós. E se é aquele
que penso, não v o- lo negar ei, m as se est e não é quem m e dizeis, não concor dar ei com out r o.
- Pois que não m e quer eis dizer , disse ela, eu v o- lo dir ei. Vosso pai é dom Lancelot e do Lago, o m elhor
cav aleir o de ar m as e o m ais f or m oso e o de m elhor donair e e o m ais desej ado e o m ais am ado de t odos
aqueles que nascer am em nosso t em po. Todas est as bondades t em v osso pai. E por isso m e par ece que o não
dev eis negar a m im nem a out r em , por que de m elhor pai e de m elhor cav aleir o não poder íeis ser filho.
- Senhor a, disse ele, pois que assim sabeis, por que v o- lo dir ia eu? Por que bem o saber ão j á sem pr e.

37. Com o r ei Ar t ur pensav a nos cav aleir os que iam à dem anda. .
Aquela noit e, fez o r ei Galaaz ficar num a câm ar a onde ele cost um av a ficar , num leit o seu, por que t inha m uit o
gost o de lhe fazer honr a. E t odos os da linhagem de r ei Bam ficar am nos aposent os do r ei, por causa de
Galaaz. E m uit o lhe er a penoso t er em de par t ir t ão cedo, por que t oda aquela linhagem se am av am m uit o,
por que m ais quer iam v iv er j unt os do que par t ir em . E, sem falha, na casa do r ei hav ia ent ão daquela linhagem
dezenove cavaleir os, que er am t odos m uit o bons. E t odos f or am t ão vent ur osos, que não houv e ent re eles um
que não fosse da t áv ola r edonda. E por isso er a aquela linhagem t ão honr ada e t ão afam ada, que nunca
falav am de out r a linhagem no r eino de Logr es, for a daquela.
Aquela noit e, quando r ei Ar t ur v iu que os cav aleir os da linhagem do r ei Bam - que, naquele t em po, er a a
flor e o louv or dos cav aleir os do m undo - ficar am em sua casa por causa de Galaaz, com eçou a olhá- los e a
pensar que est es er am os hom ens do m undo que m ais vezes for am m elhor es par a ele e que m elhor o
v ingar am de seus inim igos. E quando nov am ent e pensav a que quer iam de m anhã ir a t al lugar de onde
cuidav a que j am ais v olt assem , t ev e t ão gr ande pesar , que não se pôde acon selhar , por que est a er a a linhagem
do m undo que m ais am av a, for a a sua. E foi ent ão deit ar só num a câm ar a e com eçou a fazer o m aior pr ant o
do m undo e m aldizer m uit o Galv ão, seu sobr inho. E disse que m aldit a fosse a hor a em que o v ir a pr im eir o,
por que lhe t ir aria logo t odos os bons cav aleir os e t odos os hom ens bons pelos quais er a ele o m ais t em ido de
t odos os r eis do m undo.

38. Com o o r ei fez seu pr ant o por seus cav aleir os e com o lhe pesav a de sua ida. Assim se queix av a e fez seu
pr ant o o r ei por seus cav aleir os, que se dele separ av am , e, assim que foi m anhã, lev ant ouse o m ais cedo que
pôde, por que m uit o est av a em gr ande cuidado com o que hav ia de fazer , m as não se lev ant ou t ão cedo que j á
não achasse m ais de sessent a cav aleir os dos que hav iam de ir à dem anda, que v est iam j á as lor igas e cingiam
as espadas. O r ei que t inha gr ande pesar disso, que não há hom em no m undo que o im aginar pudesse,
quando os v iu assim est ar , t ev e t ão gr ande pena que não t ev e for ça par a saudá- los e acont eceu-lhe falhar o
cor ação com gr ande pesar . E v iu Gaer iet e e disse- lhe assim :
- Gaer iet e, m or t o m e há v osso ir m ão que m e t olheu t ant os hom ens bons com o hav ia em m inha casa. E ao
m enos se m e ficasse a linhagem de r ei Bam , não hav eria t ão gr ande pesar .
Quando Gaeriet e ist o ouv iu, calou- se, por que bem ent endia que dizia o r ei v er dade. Aquele dia, aj udou o
r ei ar m ar Galaaz, e depois que foi ar m ado, ex cet o do elm o e do escudo, foi ouvir m issa na capela do r ei, ele e
sua linhagem . E depois, v olt ar am ao paço e encont r ar am j á os out r os, que hav iam de ir à dem anda, que não
esper avam out r a coisa senão eles e sent ar am - se uns per t o dos out r os. Ent ão se er gueu r ei Bandem aguz e
falou t ão alt o que t odos ouvir am :
- Senhor , disse ele ao r ei Ar t ur , pois que est e pr eit o assim est á com eçado, que não pode j á ser deix ado e
os que nele hão de ir não esper am senão a v ós, eu louv ar ia que os sant os Ev angelhos v iessem aqui, e os
cav aleir os fizessem t al j ur am ent o com o dev em fazer os que v ão a t ão alt a dem anda.
- Est á bem , disse o r ei, pois out r a coisa j á não pode ser .
Ent ão m andar am v ir os clér igos e t r oux er am o liv r o sobr e o qual faziam o j ur am ent o da cor t e, e depois o
puser am no alt o assent o do r ei, e o r ei cham ou Galaaz, por que o tinha pelo m elhor cav aleir o de quant os lá
hav ia, e disse- lhe:
- Galaaz, sois com o m est r e dos cav aleir os da m esa r edonda e o m elhor . Vinde adiant e e fazei o
j ur am ent o dest a dem anda.
E ele disse que o far ia de m uit o bom gr ado. Ent ão foi ficar de j oelhos ant e o liv r o, e j ur ou que, se Deus o
guar dasse do m al e o guiasse, m ant er ia est a dem anda um ano e um dia, e m ais, se pr eciso fosse, e não
t or naria à cor t e, at é que soubesse, de algum m odo, a v er dade do sant o Gr aal. Depois j ur ou Lancelot e e
Tr ist ão. Tam bém sabei que, de t odos os cent o e cinqüent a cav aleir os da m esa r edonda, não ficou nenhum
que est e j ur am ent o não fizesse, afor a Galv ão som ent e. Aquele dia, sem falha, não est av a lá, porque j á se
for a pela m anhã, bem ar m ado, par a esper ar os outr os na flor est a de Cam alot e, por que bem sabia que, se
com os out r os quisesse sair , não o deix ar ia o r ei, m as o far ia ficar .
39. O cont o dos cent o e cinqüent a cav aleir os da t áv ola r edonda. Os nom es deles. Por isso par t iu Galv ão pela
m anhã da cor t e, e o r ei, pelo gr ande pesar que t inha quando r ecebia o jur am ent o, nunca lem br ou de Galv ão,
t ant os er am os out r os. Mas por que a est ór ia não cit ou os nom es daqueles que for am na dem anda do sant o
Gr aal, convém que r efir a aqui os nom es dos que for am com panheir os da m esa e fizer am j ur am ent o. Dos cent o
e cinqüent a cav aleir os que fizer am o j ur am ent o dest a dem anda, foi o pr im eir o Galaaz, depois del e, Tr ist ão e
Lancelot e e Boor z de Gaunes e Bliobler ise Leonel e Heit or de Mar es; Br andinor , seu ir m ão, e Elaim, o br anco;
Banim , o afilhado do r ei Bam ; Abão, bom cav aleir o a m ar av ilha; Gadr ão; Laner ; Tanr i; Pincados; LeI as, o
r uiv o; Crinides, b negr o; Ocur sus, o negr o; Acant ão, o ligeir o; Danúbio, o cor aj oso. Todos est es cav aleir os,
excet o Tr ist ão, er am da linhagem de r ei Bam e vier am à cor t e de r ei Ar t ur por causa de Lancelot e. E
acont eceu- lhes assim por boa cav alar ia e por sua v ida boa que for am com panheir os da t áv ola r edonda e er am
est im ados pelos cav aleir os sobr e t odos os cav aleir os da casa de r ei Ar t ur ; e pela bondade dest es, que er am
andant es, er a a linhagem de r ei Bam fam osa com o v os digo. Os out r os da linhagem de r ei Br anco não er am
senão est es: Galv ão e Gaeriet e, Agr avaim , Gr ier es, Mor der et e; est es er am ir m ãos. Os out r os er am est es:
Agr ov al e Per siv al; Cor sidar es; Maidair os, seu pr im o coir m ão; e Per siv es de Langaulos. Os out r os er am filhos
de Lot : Cuj er ão, seu ir m ão, de Ganaor , m ui bom cav aleir o de ar m as, m as er a t ão sober bo, que m ar av ilha er a.
Os out r os: Quéia, o m or dom o, e Sagr am or , o dizim ador ; e Gilfr et e, o filho de Dó; Lucão, o copeir o; e
Dondinax , o selv agem ; Calogr enant e; I v ã, filho de r ei Ur ião; I v ã das m ãos br ancas; I v ã de Canelones de
Alem anha; Gur es, o pequeno; Gur es, o negr o; o Laido ousado; Gar naldo, seu ir m ão; Mador da Por ta, o gr ande
cav aleir o; Cr aidandos; I saías; r ei Bandem aguz; Pat rides, seu sobr inho; Madão, seu coir m ão, o don zel da saia
m al t alhada, de quem o cont o do Br ado fala m uit o; Dinadeir a, seu ir m ão, bom cav aleir o à m ar av ilha e que foi
m uit o no r eino de Logr es; Gar da Mont anha; Clam adim , que pouco hav ia que ganhar a o assent o da t áv ola
r edonda; Galaaz, o gr ande da Deser t a; Senala, seu ir m ão; Car adão, Dam as, Dam acab, que er am seus pr im os
coir m ãos. Sabei que t odos est es er am t ão bons cav aleir os que não se podia achar m elhor es no r eino de Logr es,
a m enos que fossem da linhagem de r ei Bam . Est es cinco quer iam m al a est a linhagem com inv ej a, por que não
faziam a eles t ant a honr a com o aos out r os. E out r o Lam beguém , que foi aio de Boor z e de Leonel; Sinados,
Ar t el, Bagar im , Sanasésio; Ar nal, o for m oso; e o cav aleir o do Chão; Angelis dos Vaos, Bar adão, o m anso, que
er a seu ir m ão; Mar at , o da t or r e; Nicor ant e, o bem feit o e o fam oso de espada; Alaim dos Pr ados; Mar t el do
gr ande escudo; Melez, o longo; Dinas, seu ir m ão; Codias das longas m ãos; Pinabel da I lha; Daniel, o cuidador ,
e Gandaz, o negr o, Gandim da Mont anha, que er am am bos ir m ãos; At az; Calendim , o pequeno; Ut r enal;
Raface; Conais, o br anco; Agr egão, o sonhador ; Guigar , o filho de Galv ão de quem o cont o do Br ado fala;
Anar ão, o gr osso; Am at im , o bom j ust ador ; Canedão, o delgado; Canedor , o da for m osa am iga; Ar pião da
est r anha m ont anha; Saret ; Dinados; Peliaz, o for t e, aquele, sem dúv ida er a nat ur al de Logr es; Alam ão;
Ganadal; Lucas de Cam alot e; Br odão; Endalão; Melião; Julião; Galiadão; Car doilem de Londr es, bom cav aleir o
violent am ent e ousado; Delim az, o pobr e; Asalim , o pobr e; Caligant e, o pobr e: est es t r ês er am ir m ãos; Ecubas;
Eladinão, seu ir m ão. Todos est es de que v os eu antes disse os nom es er am da m esa r edonda, e não houv e um
que não fosse cav aleir o escolhido e pr ov ado de m uit o boa cav alar ia. Rei Ar t ur , sem falt a, est á com eles, e com
ele, sem falha, são cent o e cinqüent a.

VI I
D e spe dida dos ca v a le ir os
40. Com o a r ainha se lam ent av a por Lancelot e que ia à dem anda. Um a v ez que fizer am o j ur am ent o e
com er am um pouco, pelo r ei que lhes pediu, nov am ent e puser am seus elm os em suas cabeças e
encom endar am - se m uit o à r ainha e a Deus e despedir am - se com lágr im as e com chor o. E ela com eçou um t ão
gr ande lam ent o, com o se v isse o m undo t odo m or t o diant e de si. E par a não a ouv ir em , v olt ou à sua câm ar a e
deix ou- se cair em seu leit o e com eçou a fazer t ão gr ande lam ent o que não há quem a v isse que se não
m ar av ilhasse. Quando Lancelot e ficou j á t odo pr ont o e t inha pena de sua senhor a, que m aior não podia, foi à
câm ar a onde a v iu ent r ar . E assim que ela o v iu, disse:
- Ai, Lancelot e! Mort a m e t endes, por que deix ais a casa do r ei par a ir des às t er r as est r anhas de onde
j am ais v olt ar eis, senão por m ar av ilha.
- Ai, senhor a, disse ele, v olt ar ei, se Deus quiser , m uit o m ais cedo do que cuidais.
- Ai! disse ela, m eu cor ação m o diz, que m e põe em t al pav or e sofr im ent o, com o nunca m ulher de t al m odo
ficou por cav aleir o.
- Senhor a, disse ele, irei com v ossa gr aça, quando v os apr ouv er .
- A m eu pr azer , nunca pode ser , disse ela, depois que v iu que não havia out r a coisa a fazer , m as ide com
a gr aça de Deus Nosso Senhor que v os guie e v os t r aga de v olt a com saúde e v os dê honr a nest a dem anda.
- Senhor a, disse ele, assim o faça Deus, se lhe apr ouv er .

41.Com o o r ei foi at é lá for a com os cav aleir os. Ent ão se despediu Lancelot e da r ainha e foi ao paço do r ei e
encont r ou t odos que cavalgavam m ont ados, m enos ele, por que o esper avam . E ele foi ao seu cavalo e m ont ou.
E o r ei, que viu Galaaz sem escudo, disse- lhe:
- Am igo; não m e par ece que fazeis bem de não lev ar escudo com o os out r os.
- Senhor , far ia m al se daqui o lev asse. E sabei que não t r ar ei escudo at é que a v ent ur a m o dê. Agor a sej a
no nom e de Deus.

42.Com o os cav aleir os iam alegr es à dem anda do sant o Gr aal. Ent ão se afast ar am do paço e for am pela v ila,
m as nunca v ist es t ão gr ande lam ent ação com o faziam os cav aleir os de Cam alot e e a out r a gent e que ficav a.
Mas os que hav iam de ir não m ost r av am nenhum sinal de t r ist eza, ant es v os par ecer ia, se os v ísseis, que iam
m uit o felizes e m uit o alegr es, e, sem dúv ida, assim er a.

43.Com o a donzela feia disse a Galv ão que v olt asse, por que m uit o m al far ia naquela dem anda. Quando
chegar am à ent r ada da flor est a em dir eção ao cast elo de Vagam , par ar am t odos diant e de um a cr uz. Ent ão
disse Lancelot e ao r ei:
- Senhor , v olt ai, bast ant e v iest es conosco.
- Assim Deus m e aj ude, disse o r ei, v olt ar m e ser á pesado, por que sobr em aneir a m e despeço de v ós
cont r ar iado, m as por que v ej o que m e conv ir á fazer , v olt ar ei.
Ent ão t ir ou Lancelot e o elm o e os out r os t am bém , e abr açouos o r ei, e beij ou- os m uit o afetuosam ent e
chor ando, e os out r os hom ens que lá est avam t am bém . Depois que puser am seus elm os, encom endar am - se a
Deus uns aos out r os e chor av am m uit o sent idam ent e. Ent ão se afast ou o r ei deles e v olt ou a Cam alot e. E eles
ent r ar am na flor est a, e ent ão cav algar am t ant o que chegar am ao cast elo de Vagam , onde for am m uit o bem
ser v idos de quant o t inham necessidade. E aquele Vagam er a um cav aleir o bom e de v ida boa, e quando v iu os
cav aleir os da t áv ola r edonda, soube que iam dem andar a av entur a do sant o Gr aal, r ecebeu- os m uit o bem e
consider ou- se sat isfeit o de que lhe Deus t r oux er a t ant os hom ens bons, pois os poder ia alber gar . Aquela noit e,
alber gar am com Vagam e for am t ão bem ser v idos de quant o t inham necessidade que ficar am m ar av ilhados de
com o t ão depr essa se pr epar ou par a t ão gr ande com panhia t ant a coisa. À t ar de, quando est av am com endo, eis
que vem a donzela feia, que vos disse que inj ur iar a Er ec e ferir a Lancelote com o fr eio. E viu que Galv ão est ava
e foi par ar diant e dele e disse- lhe assim com r aiv a:
- Galv ão, Galv ão, cav aleir o desleal, com o és t ão ousado que nest a dem anda quer es ir , quando sabes que
t ant o m al por t i acont ecer á? E r ogam - t e est es cavaleir os da t ávola r edonda que, se t e quisesses lem br ar da
m or t e de Lam or ant e e de seu ir m ão Br iam de Monj aspe, e da deslealdade que ent ão fizest e, dever ias agor a
m ais t e guar dar do que out r o cav aleir o de fazer coisa desleal, por que bast ant e fizest e naquele t em po. Quer es ir
a est a dem anda com o os out r os; m as olha o que por t ua causa acont ecer á. Sabe que dom Galaaz que aqui est á
- est e é agor a o m elhor cav aleir o do m undo - não far á t ant o bem nest a dem anda, com o t u far ás m al, por que
pela t ua m ão - que em m á hor a pegast e a espada - m at ar ás dezoit o dest es t eus com panheir os, t ais que v alem
m ais que t u de cav alar ia. E ist o acont ecer á por ti nest a dem anda. Agor a, olha com o eles dev em censur ar e
m aldizer a tua v inda.

44. Com o Galv ão se salv ou e com o a donzela disse que alguns a cr er iam , out r os não. Galv ão t ev e m uit o gr ande
v er gonha do que lhe disse a donzela e r espondeu:
- Donzela, se eu cuidasse que t ant o m al por m im acont ecer ia nest a dem anda, v olt ar ia, m as por que sei
v er dadeir am ent e que, do que se diz, nem t udo acont ece, não acr edit o no que dizes.
- Não? disse ela. - Senhor a, não.
- Não acr edit as? Acr edit ar ás, por que t udo v er ás que com o t o eu digo, assim t e acont ecer á. E não t enho
pena dest e pr eit o se cindir por t i, m as pelo m ais sisudo hom em do r eino de Logr es que m at ar ás.
Ent ão v ir ou par a r ei Bandem aguz e disse- lhe:
- Rei Bandem aguz, t enho m uit a pena de que v ás a est a dem anda, por que nela m or r er ás e ser á gr ande
dano, por duas causas: um a, por que és m uit o bom cav aleir o, e a out r a, por que és o m ais sisudo do r eino de
Logr es. E sabe que um só cavaleir o t e m at ar á a ti e a t eu sobr inho Pat rides, e Er ec e I v ã e t ant os out r os,
por que em m á hor a nasceu est e pecador que t ant o m al far á, que m ais v aler a que ainda est iv esse por nascer ,
por que, por suas ar m as, ficar ão, depois de sua m or t e, m ais de cem anos, m uit os r einos ór fãos de bons
cav aleir os e de senhor es.
Ent ão v olt ou a Galv ão e disse:
- Galv ão, cr ê que t u e Mor deret e, t eu ir m ão, não nascest es senão par a fazer des m ás avent ur as e
dolor osas. Se os que aqui est ão o soubessem com o o sei, ar r ancar iam v ossos cor ações, por que ainda os far eis
m or r er de dor e de sofr im ent o. E est es, que agor a não cr êem no que lhes digo, ainda acr edit ar ão a t al hor a em
que não poder ão t om ar sent ido.
45.Com o o cav aleir o disse a Galaaz que ou o m at asse ou o m at ar ia ele. Logo que a donzela ist o disse, afast ou-
se deles e saiu t ão depr essa quant o pôde. E eles ficar am t ão espant ados que não sabiam se dev iam acr edit ar ;
e deix ar am ent ão de falar disso por causa de Ar t ur e Galv ão, que t ant o am av am . E est ando assim , eis que um
cavaleir o ent r ou desar m ado, excet o de espada, e er a m uit o gr ande e m uit o for t e; e assim que viu Galaaz, ficou
de j oelhos e disse- lhe:
- Galaaz, bem - av ent ur ado cav aleir o e escolhido sobr e t odos aqueles que t r oux er am ar m as na Gr ã-
Br et anha, eu t e r ogo pela fé que dev es a t oda a cav alar ia que m e dês um dom , que ninguém t e pediu desde
que r ecebest e a or dem da cav alar ia. E ~ e o não fizer es, est r anham ent e er r ar ás.
- Galaaz olhou o cav aleir o, que t ão fr ancam ent e lhe pedia, e não sabia o que r esponder , por qu e cuidou
que er a gr ande coisa e disse- lhe:
- Er guei- v os, cav aleir o; eu v os dou o que m e pedist es, se coisa é que possa dar ou dev a.
- Muit o obr igado, disse o cav aleir o. Pois agor a v os peço que m e cor t eis a cabeça com est a espada que
t r ago, que nada desej ar ei t ant o, com o m or r er por m ão de t ão bom cav aleir o com o v ós, por que bem sei que
bom cav aleir o com o v ós não m e poder á m at ar .
Ent ão t ir ou a espada da bainha e colocou- a na m esa e disse:
- Galaaz, pegai est a espada e fazei o que v os eu r ogo.
E ele olhou- o e com eçou a per signar - se pelo que lhe dizia, por que o t ev e por m ar av ilha. E r espondeu:
- Ai, senhor cav aleir o! Out r a coisa m e pedi, por que a v ós nem a out r o cav aleir o não m at ar ei, senão em
defendendo m eu cor po ou m eu senhor .
- Cer t am ent e, disse o cav aleir o, ist o não far eis em com eço de v ossa cav alar ia, que m e não cum pr ais o
que m e pr om et est es, por que por isso ser íeis o pior cav aleir o do m undo e o m ais m ent ir oso, se assim
com eçásseis.
- Não v os é v ant agem , disse Galaaz, de m e t al pedido fazer des, por que não há nada no m undo por que
v os m at asse assim .
- Não? disse ele, não m e cu m pr ir eis m inha pr om essa?
- Out r a pr om essa v os m ant er ia, disse Galaaz, m as est a não far ia, ainda que pudesse.
Ent ão se er gueu o cav aleir o e t om ou a espada na m ão e disse:
- Agor a v os far ei out r o pedido: ou v ós m e m at ais, ou eu v os m at ar ei. Agor a escolhei qual quereis.
E Galaaz com eçou a sor r ir e per signou- se, t ant o t inha ist o por gr ande m ar av ilha.
- Vede, pois, disse ele, por boa fé, cav aleir o, sois o m ais louco e o m ais néscio de que nunca ouv i falar ,
por que quer eis que, por for ça, alguém v os m at e.
- Se m e não m at ar des, disse o cav aleir o, de m anhã m e m at ar á out r o, de quem ninguém , ex cet o Deus,
pode m e guar dar , por que aquele é o hom em do m undo a quem pior quer o e a quem m enos pr ezo. Ent ão quer ia
que m e m at ásseis vós, par a que não m e achassem de m anhã vivo.
- Com o quer que acont eça, disse Galaaz, de m odo algum v os m at ar ei.
- Não? disse ele. Pois quer o- v os eu m at ar .
Ent ão er gueu a espada e fez de cont a que o quer ia m at ar . Mas Galaaz, que nunca t iver a m edo, não se
m ov eu, por que nunca duv idou do que quer que fosse. E quando o cav aleir o v iu que o não podia espant ar ,
disse:
- Galaaz, agor a bem v ej o que acabar ás as av ent ur as do r eino de Logr es, por que t e v ej o esfor çado, com o
nunca cuidei v er alguém que o fosse t ant o. E por isso t e pr ov ei eu; por que és m ais v alent e que out ro, t e deix ei
de m at ar , por que m uit o ser ia gr ande o dano se nest e m om ent o m or r esses. E pois que de m anhã hei de m or r er ,
não por t i, quer o lam ent ar m inha m or t e.
Ent ão enfiou a espada em si e com sofr im ent o de m or t e caiu e disse a Galaaz.
- Senhor , r oga a Deus por m im .
Logo que ist o disse, m or r eu. E quant os na casa est av am , ficar am m ar av ilhados. Ent ão v ier am os
cav aleir os e escudeir os e t ir ar am no do paço onde com iam . Os cav aleir os disser am ao senhor do cast elo que o
fizesse ent err ar e que per gunt asse por seu nom e e por seus feit os e os fizesse escr ev er sobr e seu t úm ulo par a
que os que depois v iessem soubessem aquela m ar av ilha. Naquela hor a, t om ar am a decisão de par t irem de
m anhã e que cada um t om asse o seu cam inho, por que por m al e por cov ar dia t om ar iam , se andassem j unt os.

46. Com o par t ir am os cav aleir os. No out r o dia, pela m anhã, ouv ir am m issa e depois m ont ar am e
encom endar am a Deus seu anfit r ião e agr adecer am m uit o quant o lhes fizer a. Depois, saír am do cast elo e assim
que chegar am à flor est a, par t iu cada um por onde achou a car r eir a ou senda, e m uit o chor ar am ao par t ir .
Mas or a deix a o cont o a falar dos cav aleir os e v olt a a Galaaz.

VI I I
Ga la a z r e ce be o e scudo

47. Or a diz o cont o que Galaaz, quando se separ ou de sua com panhia, andou t r ês dias sem av ent ur a achar que
de cont ar sej a, e não t r azia escudo. E sabei que sem pr e o er m it ão ia at r ás dele a pé, por que não quer ia m ont ar
em anim al. Ao quar t o dia, acont eceu-lhe que chegou, à hor a de v ésper as, a um a abadia de m onges br ancos; e
os fr ades acolher am - no m uit o bem , por que o r econhecer am com o cav aleir o andant e, e fizer am - no descer , e
lev ar am - no a um a câm ar a e o desar m ar am . E ele olhou e v iu dois cav aleir os da m esa r edonda; um er a r ei
Bandem aguz e o out r o er a I v ã, o bast ar do. E assim que se r econhecer am , ficar am m uit o alegr es e abr açar am -
se e bem o dev iam fazer por que er am com o ir m ãos por causa da m esa r edonda.
Aquela t ar de, depois que com er am , saír am por um a hor t a par a folgar em , e Galaaz per gunt ou que v ent ur a
os t r oux er a ali. E r ei Bandem aguz disse:
- Viem os aqui par a v er um a av ent ur a m ar av ilhosa que aqui há. - E que av ent ur a é? disse Galaaz.
- Eu v o- lo dir ei, disse r ei Bandem aguz; aqui há um escudo, que não pode alguém lev ar um a j or nada
daqui, se o deit ar a seu colo, que não sej a m or t o ou m uit o fer ido. E dom I v ã v eio aqui par a v ê- lo; e quer o
pr ov á- lo e lev á-lo de qualquer m aneir a.
- Por Deus, disse Galaaz, de gr ande m ar av ilha falais; est a é um a das gr andes m ar av ilhas que v i e t enho
por bem que o pr ov eis. E se o não puder des lev ar , eu o lev ar ei, se puder , por que não t enho escudo.
- Senhor , disse Bandem aguz, se v ós a av ent ur a pr ov ar des pr im eir o, cr eio que a acabar eis, m as deix ai- m e
pegar o escudo, e ver em os se é ver dade o que dizem .

48. Com o os fr ades cont ar am a av ent ur a do escudo a Galaaz e aos out r os. Aquela noit e, for am os cav aleir os
m uit o bem alber gados de quant o os fr ades puder am t er e fizer am m uit a honr a a Galaaz pelo bem que ouvir am
dele dizer aqueles dois cav aleir os. De m anhã, depois que ouv ir am m issa, per gunt ou r ei Bandem aguz a um
fr ade que lhe dissesse onde est av a o escudo de que t ant o falav am pela t er r a. E o fr ade disse:
- Por que o per gunt ais?
- Quer o pr ov á- lo, se o puder lev ar , e v er ei se t em t al vir tude com o dizem .
- Nist o não v os louv ar ei eu, disse o fr ade, por que cuido que ganhar eis desonr a.
- Não v os incom odeis, disse ele, m as se v os apr ouv er , m ost r ai- m o.
- De bom gr ado, disse ele.
E lev ou- os ent ão par a o alt ar e m ost r ou- lhes ent ão o escudo, que est av a de t r ás do alt ar , e o escudo er a
br anco e t inha um a cr uz v er m elha. E o fr ade lhes disse:
- Vede aqui o escudo que buscais.
E eles o olhar am e par eceu- lhes que er a o m ais for m oso e o m ais r ico que nunca v ir am . E ex alav a t ão
bom odor , com o se t odas as espécies do m undo nele est iv essem . Quando I v ã, o bast ar do, v iu o escu do, disse:
- Assim Deus m e aj ude, dest e escudo digo eu t ant o que nenhum cav aleir o o dev ia deit ar a seu colo, se
não fosse o m elhor cav aleir o. E cer t am ent e, ser ei aquele que o não pr ov ar ei, por que não m e sint o t al que o
dev a fazer .
- Em nom e de Deus, disse r ei Bandem aguz, eu o quer o daqui t ir ar , não im por t a o que acont eça por isso.
Ent ão t om ou o .escudo e deit ou- o a seu colo e disse a Galaaz:
- Senhor , eu quer ia, se v os apr ouv esse, que m e esper ásseis aqui at é que v íssem os o que podia adv ir
dest a av ent ur a. E se m e acont ecesse m al por est e escudo, quer ia que o pr ov ásseis v ós por que bem sei que não
ser eis m al sucedido.
- Eu v os esper ar ei, disse Galaaz, de m ui boam ent e.
E os fr ades lhe der am um escudeir o que fosse com ele em sua com panhia e t r ouxesse o escudo, se o
lev ar não pudesse, e t or nasse à abadia com ele.

49. Com o r ei Bandem aguz foi fer ido. Assim ficou ent ão Galaaz, e I v ã com ele, e r ei Bandem aguz se foi; e
depois que andar am quant o ser ia duas léguas, v ir am sair de um a er m ida um cav aleir o de um as ar m as br ancas.
E v inha quant o o cav alo o podia t r azer , a lança sob o br aço, cont r a r ei Bandem aguz. E o r ei que o v iu v ir ,
v olt ou a ele e quebr ou a lança nele. E o cav aleir o que o alcançou em descober t o, fer iu- o t ão rij am ent e, que lhe
quebr ou a loriga e m et eu-lhe o fer r o da lança por sob a espádua esquer da, e lançou- o em t err a. Depois desceu
e pegou- lhe o escudo e m ont ou seu cavalo e disse- lhe:
- Muit o fost es louco, cav aleir o, que est e escu do pegast es, por que não é out or gado senão par a um hom em
só, e aquele conv ém que sej a o m elhor cav aleir o do m undo. Pelo gr ande er r o que nist o fizest es, m e env iou
aqui aquele que t om a as gr andes v inganças, par a t ir ar de v ós v ingança, segundo o er r o que fizest es.
Depois que ist o disse a r ei Bandem aguz, v ir ou par a o escudeir o e disse- lhe:
- Tom a est e escudo e lev a- o ao ser v o de Jesus Cr ist o, aquele que cham am Galaaz. E dize- lhe que o alt o
Mest r e lho m anda, que o t r aga, por que sem pr e ser á t ão nov o com o agor a é e t ão for m oso, e ist o é gr ande
coisa por que se dev e m uit o am á- lo. E saúda- o da m inha par t e.
- Senhor , disse o escudeir o, quem sois?
- I st o não podes agor a saber nem depois, disse o cav aleir o.
- Pois que assim é, disse o escudeir o, que v osso nom e não quer eis dizer , eu v os r ogo, pela coisa do
m undo que m ais .am ais, que m e digais a v er dade do escu do e de quem o t r oux e a est a t er r a, por que nunca v i
cav aleir o que a seu colo o deit asse, que lhe m al não v iesse.
- Tant o m e conj ur ast e, disse o cav aleir o, que t o dir ei, m as não o dir ei a t i só, ant es quer o que t r agas aqui
o cav aleir o a que hás de lev ar o escudo e t o direi diant e dele, e dize-lhe de m inha par t e que, se quiser saber a
v er dade, v enha falar com igo, por que bem aqui m e achar á.
Ent ão foi o escudeir o a r ei Bandem aguz e per gunt ou-lhe se est av a ferido.
- Eu cuido, disse o r ei, que est ou fer ido de m or t e.
- E poder eis cav algar ? disse o escudeir o.
- Pr ov á- lo- ei, disse ele, por que de ficar não m e pode v ir senão m al.
Ent ão se er gueu com o pôde e cav algou com m uit a dificuldade. E o escudeir o at r ás dele par a o segur ar .

50. Com o o escudeir o deu o escudo a Galaaz. Assim par t ir am daquele cam po e v olt ar am à abadia e os fr ades
pegar am r ei Bandem águz e levar am - no a um a câm ar a e esfor çar am - se par a lhe pensar a chaga, que er a m uit o
gr ande. E Galaaz per gunt ou a um fr ade que lhe cuidav a da chaga:
- Cuidais que possa sar ar ? Cer t am ent e, gr ande dano ser ia se por t al av ent ur a m or r esse, por que o ouv i
m uit o louv ar de sangue e de cav alar ia.
- Senhor , disse o fr ade, não t enhais m edo de m or r er ; m as não dev ia ninguém dele t er dó, por que ant es
lhe havíam os dit o que, se lev asse o escudo, colher ia disso m al.
Ent ão v eio o escudeir o a Galaaz e disse- lhe per ant e quant os lá est av am :
- Senhor , m anda v os saudar o bom cav aleir o das ar m as br ancas; m anda v os dizer que v os env ia est e
escudo, que o t r agais, por que não há agor a, com o ele diz, ninguém no m undo senão v ós que o t ant o m er eça. E
diz que, se quiser des saber donde veio o escudo e quant as m ar avilhas dele advêm , vades a ele e ele vo- lo dir á.
E eu vos levar ei onde ele est á.
Quando os fr ades ist o ouv ir am , hum ilhar am - se m uit o per ant e Galaaz e disser am :
- Abençoadas sej am est as nov as e bendit o sej a Deus, que o aqui t r oux e, por que agor a sabem os bem que
por est e ser ão acabadas as av ent ur as m ar av ilhosas do r eino de Logr es.
E I v ã, o bast ar do, disse:
- Senhor Galaaz, deit ai est e escudo ao v osso colo. E assim ser á um pouco m inha v ont ade cum pr ida,
por que, se Deus m e aj ude, nunca t ant o desej ei nada com o v er o bom cav aleir o que dest e escudo hav er ia de
ser senhor .
Galaaz disse que o f ar ia, pois lho env iar am , m as que ant es quer ia t er suas ar m as; e t r ou x er am - lhas.
Depois que ficou ar m ado e m ont ou em seu cavalo e deit ou .seu escudo ao colo, encom endou os fr ades a Deus
e foi- se. E I v ã, o bast ar do, que est av a j á ar m ado par a m ont ar em seu cav alo, disse que lhe far ia com panhia. E
ele disse que lho agr adecia m uit o, m as não quer ia que ninguém fosse com ele, senão o escu deir o e o er m it ão.
Sem falha, o er m it ão andav a sem pr e at r ás dele, às v ezes longe, às v ezes per t o e cont av a- lhe cada dia as v idas
dos padr es sant os e as est ór ias ant igas. E cont oulhe de onde er a, e de qual linhagem e de quais cav aleir os, e
cont oulhe de José e de r ei Mor dr aim e de Nascião, que hom ens for am e que cavaleir os e de quant o am or Nosso
Senhor os am av a. I st o er a coisa que de bom gr ado m ais no m undo escut av a e m ais o confor t av a, e t ant o t inha
gost o de ouv ir que nada no m undo lhe agr adav a t ant o.
51. Com o o er m it ão disse a dom Galaaz a v er dade do escudo. Quando Galaaz chegou à er m ida, onde o
cav aleir o das ar m as br ancas o esper av a, o escu deir o que ia com Galaaz, assim que v iu o cav aleir o, disse a
Galaaz:
- Senhor , v edes o cav aleir o que v os enviou o escudo.
E o cavaleir o, assim que o viu, saiu em dir eção a ele e saudou- o. E Galaaz t am bém a ele.
- Senhor , disse o escudeir o, agor a cont ai a dom Galaaz o que dissest es que lhe cont ar íeis diante de m im .
- Muit o m e agr ada, disse ele, por que não há no m undo ninguém a quem ant es dev esse cont ar do que a
ele, que é agor a o escolhido que não t em par ent r e t odos os cav aleir os que agor a são e for am , há m uit o t em po.
Ent ão disse a Galaaz:
- Sabei que m e pede o escudeir o que v os faça saber a v er dade dest e escudo e por que t ant as m ar av ilhas
por ele advier am àqueles que, por seu louco at r evim ent o, cont r a a pr oibição de Nosso Senhor , o deit ar am a
seus colos, por que lhes acont ecem t ant as desv ent ur as com o sabem nest a t er r a. Tudo ist o ele m e pediu que v os
dissesse, por que não é j ust o que out r em saiba ant es que vós, m as pois que aqui viest es, eu vo- lo cont ar ei
diant e dele e diant e dest e er m it ão que anda conv osco e v os cont ou j á dele um t ant o.
- Senhor , disse Galaaz, cer t am ent e, ist o é um a coisa que desej ei saber .
- Pois v o- lo dir ei, disse o cav aleir o, t udo assim com o acont eceu.
Ent ão lhe com eçou a cont ar de t al m odo com o v os depois cont ar á o livr o.

52. Com o o cav aleir o br anco cont ou a Galaaz sua linhagem .


- Galaaz, disse ele, acont eceu, j á há m uit o t em po, que, depois da m or t e de Jesus Cr ist o, sessent a e dois
anos, José de Ar im at éia v eio à cidade de Sar r as, assim com o o alt o Mest r e o dest inav a por sua v ont ade. Depois
que chegou à cidade de Sar r as com seus par ent es, que er am ent ão nov os ser v os e discípulos de Jesus Cr ist o, o
r ei da cidade, que t inha nom e Ev alac e er a ent ão pagão, os r ecebeu m uit o bem . O r ei est av a ent ão m uit o t r ist e
e m uit o desconfor t ado com Tolom er , um r ei seu v izinho m ais rico e m ais poder oso que ele, que o guer r eav a e
facilm ent e ser ia desbar at ado, por que seus hom ens lhe falhav am , se não fosse Josefes, o filho de José, que lhe
disse:
- Rei Ev alac, se m e t u quiser es acr edit ar , eu t e aconselhar ei de m odo que t er ás alegr ia sobr e t odos os
t eus inimigos. E m ais t e far ei ganhar a alegria que nunca t er á fim .
O r ei ficou m uit o feliz com est as nov as e per gunt ou- lhe que hom em er a.
- Eu sou cr ist ão, disse Josefes. Quando o r ei ist o ouv iu ficou m ar av ilhado, e m andou logo cham ar seus
clér igos, que disput assem com ele sobr e a lei dos cr ist ãos. E quando est av am r eunidos, Josefes, que do Espír it o
Sant o falav a com sim plicidade, os v enceu a t odos, assim que não houv e quem falasse. Quando o r ei v iu Josefes
t ão sisudo, acr edit ou. E quando acont eceu que o r ei quer ia ir cont r a Tolom er , que lhe ent r av a na t er r a, Josefes
lhe disse:
- Rei, faze- m e t r azer o t eu escudo.
E o r ei o fez t r azer logo. E Josefes pegou um pano de seda v er m elho, e fez dele um a cr uz e pr egou- o no
escudo com pr egos bons, pequenos. Depois disse ao r ei:
- Vedes est e sinal?
- Sim , disse ele; é m uit o bom .
- Cer t am ent e, disse Josefes, no m undo não há per igo de que não escapasse o que per feit am ente
acr edit asse naquele a quem por est e sinal or am os. E por isso quer o que o lev es. E quando est iver es em t al
per igo que não cuides escapar j am ais, ent ão o descobr e e dize: "Deus, que nest e sinal r ecebest e m or t e, t u m e
t or na feliz e são a r eceber t ua gr aça"; e bem sabe v er dadeir am ent e, se o cham ar es de bom cor ação, que não
m or r er ás, ant es t er ás alegria e honr a.
Ent ão cobr iu Josefes com um pano o escudo.

53. Com o Ev alac v iu a pr ov a do escudo e com o pr endeu Tolom er . Ent ão acr edit ou o r ei que Josefes bem podia
dizer a v er dade. E apesar de que duv idav a daquilo que dizia, fez lev ar consigo o escudo na bat alha que hav ia
de t er com Tolom er . Ent ão par t iu de Sarr as e foi contr a Tolom er , e j unt ar am - se um as gent es com as out r as. E
acont eceu assim que Ev alac foi pr eso e desbar at ado e lev ado par a um a flor est a, onde o quer iam m at ar os que
o pr ender am . Quando Ev alac se v iu afast ado dos seus, im aginou que j am ais poder ia escapar , se aqueles
hom ens que o lev ar am o houv essem de m et er na flor est a. E ent ão pegou o pano com o qual o escudo est av a
cober t o e v iu na cr uz um a im agem do cr ucificado, que lhe par ecia que lhe caíam dos pés e das m ãos got as de
sangue. Quando ist o v iu, t om ou- se- lhe por isso o cor ação de gr ande piedade, que er a m ar av ilha. Ent ão disse
em seu cor ação: "Senhor Deus, que por est e sinal t om ast e m or t e, faze- m e t or nar à m inha cidade são e feliz,
que r eceba a tua sant a cr ença e que os outr os saibam por m im que tu és v er dadeir o e poder oso em t odas as
coisas." Por est a palav r a que v os digo, disse o br anco cav aleir o a Galaaz, ficou o r ei Ev alac liv re do per igo em
que est av a, por que Nosso Senhor m e enviou lá par a socor r ê- lo e t ão bem o aj udei, pelo poder que m e deu
aquele que par a lá m e enviou, que o livr ei daqueles que o t inham , e t ant o fiz que Tolom er foi pr eso e t oda sua
gent e dest r uída.

54. Com o Ev alac v enceu seus in im igos. Depois que r ei Ev alac v enceu seus inim igos, v olt ou par a Sar r as e
r ecebeu o bat ism o pelos gr andes m ilagr es que lhe Nosso Senhor m ost r ar a, por que v iu que o cav aleir o que o
br aço cor t ado t inha, assim que t ocou o escudo, logo ficou cur ado. E ainda acont eceu out r a m ar av ilha, que a
cr uz se despr endeu do escudo e se pr endeu ao br aço do cav aleir o. Quando o r ei v iu ist o, m andou guar dar
m uit o bem o escudo, por que se com ov eu m uit o pelos m ilagr es que lhe Nosso Senhor m ost r av a por ele. E
quando acont eceu pois que ele v eio a est a t er r a par a liv r ar José de pr isão, andou com Josefes, seu filho, de
José, por quem Nosso Senhor fazia t ant o bom m ilagr e, que m ar av ilha er a.

55. Com o o cav aleir o cont ou a Galaaz com o for a feit a a cr uz no escudo. Depois que Ev alac per m an eceu nest a
t er r a m uit o t em po com Josefes, est e hav ia de cum pr ir sua v ida. Quando o r ei v iu que ele havia de passar ,
r ogou- lhe, por Deus, que lhe deix asse algum a coisa, pela qual ainda se lem br asse dele.
- Rei, disse Josefes, pois fazei- m e t r azer o v osso escudo, onde v ist es o sinal do v er dadeir o cr ucificado,
pelo qual ficast es liv r e das m ãos de Tolom er .
O r ei lhe fez t r azer o escudo. Aquela hor a que o escudo t r oux er am diant e de Josefes, sai u- lhe t ant o
sangue das nar inas, que o não podiam est ancar . Josefes pegou o escu do e fez nele do seu sangue est a cr uz, t al
qual agor a v edes, e est e é o escudo de que v os cont o. E depois que fez a cr uz t al qual ainda podeis v er , deu o
escudo ao r ei e disse- lhe:
- Vedes aqui a lem br ança que v os deix o de m im , por que sabeis bem que est a cr uz é do m eu sangue. E
sabei que sem pr e assim ser á fr esca e v er m elha, bem com o agor a v edes, enquant o o escudo dur ar ; e não
dur ar á pouco, por que não o deit ar á cav aleir o ao seu colo, que se m al não ache, at é a v inda do bom cav aleir o
Galaaz, que ser á o der r adeir o da linhagem de Nascião, que o deit ar á a seu colo. E por isso v os digo que
nenhum ser á t ão v alent e que o a seu colo deit e, senão aquele a quem Nosso Senhor o t em out or gado. E com o
m ais m ar av ilha hav er á dest e escudo que de out r o, assim hav er á m ais bondade de ar m as e de sant a v ida
naquele que o há de t r azer do que em out r o cavaleir o.
- Pois assim é, disse o r ei, que t ão boa lem br ança aqui deix ais de v ós, dizei- m e, se v os apr ouv er , onde
deix ar ei o escudo? Por que quer ia eu, de m uit o bom gr ado, que ele fosse post o em t al lugar , onde o encont r asse
o bom cav aleir o, quando v iesse.
- Dir ei com o far eis, disse Josefes. Lá onde v ir des que Nascião se m andar á lançar à sua m or t e, lá deix ai o
escudo. E lá chegar á o bom cav aleir o, logo ao quar t o dia que a or dem de cav alar ia receber .
E agor a assim é, disse o cav aleir o br anco a Galaaz, que ao quar t o dia que fost es cav aleir o, viest es a est e
m ost eir o onde j az Nascião, e achast es aqui o escudo. E agor a v os cont ei por que as m ás av ent ur as e as
gr andes acont ecer am aos cav aleir os que, por sua louca v alent ia cont r a est a pr oibição, quer iam lev ar o escudo
que não est av a out or gado senão a v ós.

56. Com o o escudeir o r ogou a Galaaz que o fizesse cav aleir o. Assim que ist o hav ia cont ado a Galaaz, sum iu- se
de t al m odo que nunca soube Galaaz o que for a dele, nem par a qual dir eção se for a. E quando o escudeir o, que
est av a diant e de Galaaz e t udo ist o ouvir a, viu que aquele que t udo cont ar a hav ia sum ido, desceu do seu
r ocim , e foi ficar de j oelhos diant e de Galaaz, e disse- lhe chor ando:
- Ai, senhor ! Eu v os r ogo, por am or daquele Senhor cuj o sinal tr azeis em v osso escudo e que em t al sinal
r ecebeu a m or t e, que m e r ecebais por v osso escudeir o e m e façais cav aleir o.
- Am igo, disse Galaaz, se eu quisesse com panhia de escudeir o, não r ecear ia a v ossa, m as assim é que
afast ei de m im m eus escudeir os, por que não quer o com panhia de ninguém , a não ser por v entur a, se m e
encont r ar assim com alguém que não possa ser difer ent e.
- Senhor , disse ele, fazei- m e cav aleir o, por Deus, por que v os digo lealm ent e, segundo Deus, não j á par a
m e louv ar , que pela aj uda de Deus, ser á em m im bem em pr egada a cav alar ia, de acor do com a for ça e a
v alentia que t enho, e Deus, por sua bon dade, m e far á bem fazer m eus feit os.

IX
Ga la a z e a a v e nt ur a do m ost e ir o

57. Com o Galaaz at endeu o pedido do escudeir o. Galaaz olhou par a o escudeir o e o v iu chor ar t ão
copiosam ent e, com o se v isse a pessoa do m undo que m ais am av a m or t a diant e de si, e t ev e por ele gr ande
com paix ão. E por isso lhe concedeu que o far ia cav aleir o.
- Senhor , disse o escudeir o, pois assim é que m e out or gais que m e far eis cav aleir o, r ogo- vos que m e
t or neis à abadia, por que lá t er ei cav alo e ar m as, e não v olt eis lá t ant o por m im , com o par a v er um a av ent ur a
que há lá que v ós t er eis pela m aior m ar avilha que nunca v ist es; e com o eu cuido, v ós lhe dar eis cabo, por que
nunca houv e cav aleir o que a ela pudesse pôr fim . E por isso ser ia bom v olt ar des lá.
E ele disse que iria de boam ent e. Ent ão v olt ar am à abadia, e os fr ades saír am em sua dir eção e
r eceber am - no m uit o bem , e per gunt ar am ao escu deir o por que v olt ar a lá; e ele disse que v olt av a par a o fazer
cav aleir o e par a v er a avent ur a que lá havia. E Galaaz, assim que desceu, per gunt ou se poder ia v er a av ent ura
que ali havia.
- Senhor , disse um hom em bom , bem a podeis v er e nunca de t al m ar av ilha ouvist es falar . E v os dir ei
com o t em po há que houv e aqui per t o um cem it ér io onde cor pos de m uit os hom ens bons e m uit os sant os
j aziam . E acont eceu que um pagão, o m ais desleal cav aleir o que nunca se v iu na Gr ã- Br et anha e a m ais
endiabr ada coisa do m undo, foi lá ent err ado. E logo que foi ent err ado, quant os na abadia est av am , v ir am logo
os diabos sobr e seu t úm ulo, e com eçou de lá sair um a v oz t ão infeliz que t odo aquele que a ouv ia podia per der
a cor por m uit o t em po. E por est a m ar av ilha v ier am aí m uit as v ezes m uit os hom ens bons e nunca houv e um
que se não achasse m uit o m al, por que, assim que ouv ia a v oz, não t inha for ça de se lev ant ar do lugar ; e
alguns havia que m orr iam ; e alguns que' viviam , m as est es er am poucos.
- Aquele t úm ulo quer ia eu v er , disse Galaaz.
E ele disse que lho m ost r ar ia, e lev ou- o ent ão for a da abside da igr ej a e passar am por um cem i t ér io,
depois m ost r ou- lhe num gr ande cam po er m o, um a gr ande ár v or e que lá hav ia e disse- lhe:
- Em baix o daquela ár v or e est á o t úm ulo de onde sai a v oz que t odo hom em que a ouv e per de o sent ido e
fica desm aiado par a sem pr e; e se lá quer eis ir e quer Deus que possais er guer a pedr a, algum a m ar av ilha
encont r ar eis lá em baix o dela, que é m uit o gr ande v er dade.

58. Com o Galaaz acabou a av ent ur a do m ost eir o. Depois dist o, não esper ou m ais Galaaz, m as foi logo ao
t úm ulo; e assim que chegou lá, ouv iu logo um a v oz de t ão gr ande dor que m ar av ilha er a, e dizia assim :
- Ai, Galaaz, ser v o de Jesus Cr ist o, não t e chegues a m im , por que m e far ás deix ar est e lugar em que at é
agor a fiquei.
Mas Galaaz ist o ouv iu, não se espant ou, com o aquele que er a m ais esf or çado do que out r o cav aleir o, e foi
ao t úm ulo e quis er guer a pedr a, e v iu sair um a fum aça, t ão negr a com o pez, depois um a cham a, depois um a
figur a em sem elhança de hom em , a m ais feia e a m ais est r anha coisa que nunca se v iu, e per signou- se, por que
bem lhe par eceu coisa do diabo. Ent ão ouv iu um a v oz que lhe disse:
- Ai, Galaaz sant a coisa em t i v ej o; eu t e v ej o cer cado de anj os, que não posso r esist ir cont r a t i. E por
isso t e deix o o m eu lugar , em que longo t em po folguei. Quando ele a v oz ouv iu, agr adeceu m uit o a Jesus Cr ist o
e per signou- se e lançou a pedr a longe do t úm ulo e v iu j azer no t úm ulo um cor po de cav aleir o t odo ar m ado, e
um a espada ao lado dele, e quant o hav ia m ist er par a cav aleir o, ex cet o cav alo e lança. E quant o ele ist o v iu,
cham ou os fr ades e disse- lhes:
- Vinde v er o que aqui achei, e m e dir eis o que ainda far ei, por que far ei m ais, se m ais dev o fazer .
E eles v ier am e v ir am o cor po j azer no túm ulo e disser am :
- Senhor , bast ant e t endes feit o e não conv ém que m ais façais, por que est e cor po não ser á daqui
r em ov ido, com o nós cuidam os.
- Sim , ser á, disse um hom em v elho que ali est av a, conv ém que est e hom em sej a t ir ado dest e t úm ulo,
por que, nest a t er r a abençoada e sagr ada, não dev e t ão desleal cor po e t ão m au, com o est e er a, j azer .
- Am igos, disse Galaaz, fiz nest a av ent ur a quant o dev ia fazer ? - Sim , senhor , disser am eles, por que
nunca m ais se ouv ir á a v oz de que t ant o m al v inha.
- E que int er pr et ação podia t er est a voz, disse Galaaz, e est a av ent ur a? Por que sem gr ande int er pr et ação
ist o não podia ficar .
- Senhor , disse um hom em bom v elho, eu v o- lo dir ei, e bem o dev eis ouv ir , por que m uit o m ar av ilhosa
coisa é.

59. Com o Galaaz fez Melias cav aleir o. Ent ão se afast ar am do t úm ulo e v olt ar am ao m ost eir o. E Galaaz disse ao
escudeir o:
- Am igo, est a noit e fazei v igília par a que de m anhã sej ais cav aleir o, assim com o dir eit o cost um e.
E o escudeir o fez com o ele m andou e ensinou. E o hom em bom lev ou Galaaz a um a câm ar a e o fez
desar m ar e depois o fez deit ar no leit o e disse- lhe:
- Senhor , per gunt ast es- m e pelo significado dest a av entur a, a que hoj e dest es cabo. Eu v o- lo dir ei de
m uit o bom gr ado. Nest a av ent ur a hav ia t r ês coisas m ui duv idosas. Um a er a a pedr a do t úm ulo, que não er a
m uit o fácil de er guer ; a outr a er a o cor po do cav aleir o; a t er ceir a er a a v oz que t odo hom em que a ouv ia per dia
o sent ido e a for ça dos br aços e de t odos os m em br os. Dest as t r ês coisas v os dir ei os significados.

60. Significado da pedr a. Sabei que a pedr a que cobr ia o t úm ulo r epr esent a os endur ecidos cor ações que Nosso
Senhor achou no m undo quando v eio, por que na t err a não encontr ou senão cor ações dur os. E bem apar ecia,
por que o filho não am av a o pai nem o pai o filho, e por isso iam t odos par a o infer no. Quando o pai dos céus
v iu que na t err a er a t ão gr ande a dur eza dos cor ações, que os hom ens não quer iam guar dar as palav r as dos
pr ofet as e faziam seus novos deuses, enviou à t er r a seu filho, par a que aquela for t e dur eza dos cor ações
pudesse am olecer par a t or nar os cor ações dos hom ens novos e obedient es. Depois que ele chegou à t er r a,
achou os cor ações t ão dur os e t ão env olt os nos pecados m or t ais, que t ão difíceis lhe er am de t or nar a si, quão
difícil ser ia a alguém am olecer um a pedr a m uit o gr ande. Por isso disse ele pela boca de seu pr ofet a Dav i: "Eu
est ou sozinho na m inha paix ão"; t ant o quer est a palav r a dizer com o se dissesse: "Pai, m uit o pequena par t e
dest e povo t er ei conv er t ido at é m inha m or t e." Or a, é assim que aquela m issão par a a qual o Pai enviou seu
Filho à t er r a par a livr ar o pov o, agor a est á r enov ada. Por que assim com o a discór dia e a loucur a fugir am com
sua v inda, e a v er dade, por ele, ficou conhecida, bem assim v os escolheu Nosso Senhor sobr e t odos os
cav aleir os, par a v os env iar pelas t err as est r anhas, par a dest r uir des as difíceis av ent ur as e par a fazer des
conhecer com o sur gir am e de que m odo for am com eçadas. E por isso se dev e ensinar a v ossa v inda com o a de
Jesus Cr ist o, quant o à sem elhança, m as não em gr andeza. E assim com o os pr ofet as, m uit o t em po ant es da
v inda de Jesus Cr ist o, pr ofet izar am sua v inda e que ele liv r aria o pov o dos sofr im ent os do infer no, bem assim
pr ofet izar am os sant os er m it ães e t am bém m uit os hom ens bons, a v ossa v inda, m uit o t em po antes que v ós
v iésseis. E diziam bem t odos que j am ais as av ent ur as do r eino de Logr es t er iam fim , enquant o não chegásseis.
E t ant o v os esper am os que, agor a, por gr aça de Deus, j á o t em os.

61. Significado do cav aleir o, o que dem onst r a.


- Agor a dizei- m e, disse Galaaz, o que dizeis do cav aleir o? Que j á m uit o bem m e ex plicast es o que
dem onst r av a a pedr a do t úm ulo.
- Eu v o- lo dir ei, disse o hom em bom . O cor po do cav aleir o nos faz ent ender o pov o que v iv er a sob aquela
dur eza dos cor ações m uit o t em po, assim que eles er am m or t os e confundidos por m uit os pecados m or t ais que
car r egav am sobr e si e acr escent av am sobr e si de dia em dia. E bem apar ecia que est av am t odos confundidos
quando Jesus Cr ist o v eio à ter r a. Por que eles, quando v ir am entr ar em seu m eio o Rei dos r eis e o Salv ador do
m undo, não o conhecer am , ant es o t iv er am por pecador e cuidar am que er a t al com o eles e acr edi t ar am m ais
na v oz do diabo do que nas out r as palav r as, e j ust içar am sua car ne por or dem daquele que t odo o m al t em
com andado - pelo diabo, que lhes andav a t odo o dia no ouvido. E por isso fizer am t al feit o pelo qual depois
Vespasiano os deser dou e os dest r uiu, assim que ele soube a ver dade daquele pr ofet a que eles j ust içar am t ão
deslealm ent e. Assim for am t odos m or t os e confundidos, por que acr edit ar am no conselho do inim igo. Agor a
dev em os cr er com o est a sem elhança de agor a e de ent ão se aj ust a no conj unt o. Est a pedr a qu e aqui est á
significa a dur eza dos cor ações, que Jesus Cr ist o achou nos j udeus e o cor po do cav aleir o significa os j udeus e
t odos os her eges, que est av am t odos m or t os pelos pecados m or t ais, de que se não podiam liv r ar . A v oz, que
do t úm ulo saía, significa a dolor osa palav r a que eles disser am a Pilat os, quando disser am : "O seu sangue caia
sobr e nós e sobr e nossos filhos." Por est a palav r a for am confundidos, e for am dest r uídos e ficar am
desacr edit ados par a sem pr e.

62. Significado do cav aleir o da paix ão de Jesus Cr ist o. Assim podeis ent ender nest a avent ur a o significado da
paix ão de Jesus Cr ist o e a lem br ança da sua sant a v ida. E out r a coisa acont ecia ent ão m uit as v ezes que os
cav aleir os andant es v inham aqui e quer iam ent r ar no t úm ulo, e o diabo, que os conhecia por pecador es e por
env olt os nos pecados, os espant av a de t al m odo que, pela v oz espant osa que fazia, eles per diam a for ça dos
cor pos e dos m em br os e j am ais est a for ça, que per diam , podiam r ecuper ar . Mas ist o não ousou t r aduzir Rober t
de Bor on em fr ancês de latim , por que os segr edos da sant a I gr ej a não os quis ele r ev elar , por que não conv ém
que os saiba hom em leigo. E, de out r a par te, t inha m edo de r ev elar a dem anda do sant o Gr aal, com o a
v er dadeir a est ór ia do lat im a cont a, por que os hom ens, enquant o não sabem , ao est udar , caem em er r o e em
m enospr ezo da fé. E por isso, poder ia acont ecer que seu liv r o fosse pr oibido, que ninguém se ut ilizasse dele
nem lesse, o que ele não quer ia de m odo algum ; e por isso, pr om et e um a t er ceir a par t e do seu liv r o que
ex ponha a dem anda do sant o Gr aal, as cav alar ias e as pr oezas que os cav aleir os da m esa r edonda fizer am
naquela dem anda, e as m ar av ilhas que nela achar am , e com o o sant o Gr aal se foi da I nglat er r a par a a cidade
de Sar r as. E bem saibam t odos que a div indade do Filho sofr ia, o que não conv ém , nem quer ele r ev elar ,
por que ser ia culpado diant e da sant a I gr ej a. Mas quem ist o quiser saber , pr ocur e v er o liv r o do lat im . Aquele
livr o v os far á ent ender e saber int eir am ent e as m ar avilhas do sant o Gr aal; por que dev em os louv ar os segr edos
da sant a I gr ej a, nem dir ei m ais, segundo o m eu poder , do que à est ór ia conv ém , pois não conv ém ao hom em
descobr ir os segr edos do alt o Mest r e.

X
A v e nt ur a s de Ga la a z e de M e lia s
63. Com o Melias pediu a Galaaz que fosse com ele. Depois que aquele hom em r ev elou a Galaaz o significado
daquela avent ur a que acabar a, disse que m uit o er a a m elhor int er pr et ação que ele revelar a. Aquela noit e,
fizer am - lhe os fr ades m uit o ser v iço, por que m uit o o pr ezav am e am av am . Ant es da hor a de pr im a, f ez Galaaz o
escudeir o cavaleir o, assim com o er a cost um e naquele t em po, e depois per gunt ou- lhe qual er a seu nom e e ele
disse que t inha nom e Melias e que er a filho de r ei.
- Am igo, disse Galaaz, pois sois de m uit o j uízo, guar dai que sej a em pr egada bem em v ós a cav alaria de
m odo que a honr a de v ossa linhagem sej a por v ós lev ada à fr ent e. Cer t am ent e, pois que filho de r ei chega a
pont o de r eceber or dem de cav alar ia, dev e- se adiant ar em bondade de cav alar ia e em t oda pr oeza a t odos os
out r os cav aleir os, assim com o faz o r aio do sol sobr e as est r elas.
E ele disse que a honr a da sua linhagem não se per der ia por ele por que pela dedicação de seu cor po que
ele punha a ser viço da cav alar ia, não deix ar ia de ser bom cav aleir o. Ent ão pediu Galaaz suas ar m as par a se ir
dali e t r oux er am - lhas e ar m ou Melias.
E disse- lhe Melias:
- Senhor , v ós m e fizest es cav aleir o, à m er cê de Deus e à v ossa. E por isso t iv e t ão gr ande pr azer em m eu
cor ação que dificilm ent e v o- lo poder ia eu dizer . Por que, sem falha, o m elhor cav aleir o do m undo m e deu
ar m as. E v ós sabeis que, segundo o cost um e, quem faz cav aleir o nov o não lhe pode negar um dom , se v ir que
é r azoável.
- É v er dade, disse Galaaz.
- Senhor , disse ele, peço- v os pois, por fav or , que m e deix eis ir em v ossa com panhia convosco nest a
dem anda, at é que a v ent ur a nos separ e: e se a v ent ur a nos aj unt ar , que m e não t olhais v ossa com panhia.
E ele lho out or gou de bom gr ado. Ent ão pediu suas ar m as e, depois que foi ar m ado, m ont ou em seu
cav alo e encom endar am os m onges a Deus e andar am aquele dia e out r o, sem av ent ur a achar . Assim que,
um a segunda- feir a, lhes acont eceu de m anhã, que chegar am a um a cr uz de que par tiam duas car r eir as. E
aquela cr uz est av a na entr ada de um gr ande cam po, e er a de m adeir a m uit o v elha, e achar am um let r eir o que
dizia: "Ouv e tu, cav aleir o andant e, que av entur a dem andar v ens. Aqui há duas car r eir as, um a à direit a e out r a
à esquer da. E a da esquer da t e pr oíbo eu, por que dem asiado bom dev e ser o cav aleir o que nela ent rar , por que,
se bom não fosse, não poder ia sair dela sem gr ande dano. E da dir eit a não t e digo t ant o, por que não há nela
t ant o per igo; m as, se nela ent r ar es e não for es bom cav aleir o, não acabar ás lá nada."
Quando Melias viu est e letr eir o, disse a Galaaz:
- Senhor , por cor t esia, deix ai- m e est a car r eir a da esquer da, por que quer o pr ov ar se há em m im cousa
pela qual dev a t er m ér it o de cav alar ia, se v os apr ouv er .
- Cer t am ent e, disse Galaaz, eu iria por lá,que saber ia m elhor dar cabo de algum a av ent ur a; creio que
passar ia por lá m ais facilm ent e que v ós.
E ele disse que, ainda assim , por lá quer ia ir , e ele lho out or gou, pois viu que o m uit o r ogava. E ent ão se
abr açar am e encom endar am - se a Deus, e cada um foi por sua car r eir a.

64. Mas or a deix a o cont o a falar de dom Galaaz e t orna a Melias. Diz o cont o que Melias se separ ou de Galaaz
e andou t ant o t em po at é que passou aquele cam po e chegou a um a flor est a velha e ant iga que se est endia ao
longo de duas j or nadas; e andou t ant o por ela que chegou a um a r ibeir a e encont r ou m uit as choças feit as e
duas t endas ar m adas e for m osas e bem feit as de pano de seda v er m elha. E ent re as t endas, no m eio, hav ia
um a cadeir a m uit o for m osa e m uit o r ica e, naquela cadeir a, sent av a- se um hom em v elho, m as não sei se er a
cav aleir o ou não; m as t inha cor oa de our o t ão for m osa e t ão rica, com o se fosse feit a par a algum im per ador .
Sabei que dor m ia t ão pr ofundam ent e, com o se nunca t iv esse dor m ido, m as não hav ia com ele hom em nem
out r a coisa, a não ser as t endas. Quando Melias ist o v iu, chegou à cadeir a, a cav alo com o est av a, e l he par eceu
a m ais for m osa com o nunca v ir a. Mas quando v iu que o hom em bom dor m ia, pensou com o o desper t ar ia,
por que m uit o lhe agr adav a saber de seus feit os, ant es de r et ir ar - se e disse em alt a v oz:
- Am igo senhor , quem sois v ós? Dizei- m o, se v os apr ouv er .
E ele não r espondeu nada; de nov o cham ou out r a vez com m ais alt a v oz que ant es. E ele dor m ia t ão
pr ofundam ent e; que se não desper t ou. E ent ão disse Melias dent r o de si: "Ai! Deus, ser á est e homem r ei? que
nunca vi r ei assim dor m ir ; e pela m aldade que nele v ej o, quer o- lhe t om ar a cor oa, por que cuido que nunca
est e hom em foi r ei, senão de dor m ir ."
E ent ão lhe t om ou a cor oa e a pôs em baix o de seu br aço esquer do, e deix ou- o dor m ir , e foi pela flor est a
quant o se pôde ir a poder de cav alo.

65. Com o Melias lev ou a cor oa e com o lev ou a donzela de Am ador de Belr epair e. E Melias indo assim pela
flor est a, encont r ou um a donzela, que fazia gr ande lam ent ação por um cav aleir o, que havia pouco que est av a
fer ido, e a donzela er a m uit o for m osa, e Melias gost ou dela e per gunt ou- lhe por que fazia t ão gr ande lam ent o
por aquele cav aleir o. Disse ela que out r o cav aleir o o feriu agor a de m or t e, que não pode cav algar nem sair
daquela flor est a. E Melias lhe disse:
- Donzela, o cav aleir o est á m or t o e não o podeis lev ar , e m ais v ale que o deixeis e v ades a um lugar a
salv o, por que sei que, se aqui ficar des nest a flor est a, logo v os poder ia v ir algum m al.
- Não, senhor , disse ela, em deix á- lo aqui far ei gr ande m al, e m uit o a cont r agost o o far ei, por que m uit o
m e am av a; m as, pois que, a ficar , a m im não hav er ia senão m al, e ele, se eu ficasse, não t er ia bem , ir ei
conv osco, por que t enho m edo de andar per dida por est a flor est a.
- Donzela, disse ele, eu v os guiar ei e v os lev ar ei a salv o.
- Senhor , disse ela, se ist o soubesse, ir ia conv osco, por que bem v ej o que dest e cav aleir o não posso t er
aj uda, bem o cuido. Ent ão disse Melias:
- Par ece- m e per t o de m or t o, m as ainda a alm a nele est á.
Ent ão foi a donzela a seu palafr ém , que at ar a a um a ár v or e, e cav algou e deix ou o cav alo do cav aleir o
per t o dele, que ainda o t inha pela r édea, e t inha per t o de si o escudo e a lança, e não est av a t ão fer ido que
ainda não sar asse, se t iv esse quem o cur asse, por que, sem falha, Boor z de Gaunes o ferir a t ant o que est av a
desm aiado; m as o fer im ent o não er a assim t ão gr ande. E ouv iu bem o cav aleir o quant o Melias e a donzela
disser am , e soube que não er a Boor z aquele com quem ela se ia, e t ev e m uit o gr ande pesar de que o deix ar a
t ão cedo a donzela, ant es que soubesse se est av a m or t o.

66. Com o Am ador foi at r ás de Melias. Ent ão se er gueu de onde est av a e depois lançou seu elm o e lim pou seus
olhos, que t inha cheios de sangue, e depois aj eit ou- se o m elhor que pôde, com o quem t inha gr ande for ça e
gr ande ânim o, e cav algou sobr e seu cav alo e foi at r ás de Melias par a se v ingar , e alcançou- o e gr it ou- lhe:
- Deix ar v os conv ém a donzela, por que em m á hor a av ist es.
Depois baix ou a lança. E quando Melias o v iu v ir , pôs a cor oa num a ár v or e e v olt ou a ele e fer iu- o t ão
for t em ent e, que m et eu a lança pelo cavaleir o; e o cavaleir o que er a m uit o for t e, fer iu Melias t ão for t em ent e
que lhe quebr ou o escudo e a loriga e m et eu- lhe pela cost a esquer da o fer r o da lança, e caír am em t er r a t ão
fer idos, que não houv e quem não t iv esse necessidade de descansar e de quem o cur asse. E o cav aleir o
lev ant ou- se, por que er a m uit o for t e de ânim o, e depois que v iu que est av a ferido de m or t e, m et eu m ão à
espada, e foi à donzela e disse- lhe:
- Eu est ou por v ós m or t o, e j ust o é que m or r ais por m im , por que de out r a m aneir a, est ar ia m al v ingada a
m inha m or t e.
E ent ão pegou a espada e cor t ou- lhe a cabeça. Depois que ist o fez, não t ev e t ão gr ande for ça que
pudesse m ont ar no cav alo, nem ir a Melias, ant es caiu em t err a t ão fer ido, que não cuidou sar ar m ais.

67. Mas or a deix a o cont o a falar de Melias e t or na a Galaaz. Quando Galaaz se separ ou de Melias, andou t odo
aquele dia sem av ent ur a achar que de cont ar sej a. Aquela noit e, chegou à casa de um a viúv a que m or av a no
m eio de um a flor est a, que o alber gou m uit o bem e, aquela noit e, lhe cont ou o er m it ão a v ida e os feit os de sua
linhagem , com o er am leais a Jesus Cr ist o e o gr ande am or que lhes m ost r av a Jesus Cr ist o por seu ser v iço. De
m anhã, ouviu m issa e despediuse da m ulher e cavalgou e andou at é m eio- dia. E ent ão encont r ou um a donzela,
que andav a num palafr ém negr o, que lhe per gunt ou:
- Senhor , sois cav aleir o andant e?
- Donzela, sim , sou, por que per gunt ais?
- Por um a m ui gr ande m ar av ilha, disse ela, que v os agor a dir ei que encont r ei naquela flor est a.
- E que m ar av ilha é? disse Galaaz.
- Eu achei agor a m or t os dois cav aleir os e um a donzela, que t inha a cabeça cor t ada, e j azem t odos os t r ês
no m eio do cam inho, e, se quiser des ir por est a car r eir a por onde eu v enho, v os lev ar á a eles.
- E é longe? disse ele.
- Não, disse ela: não há m ais que dois ar r em essos de best a.

68. Com o Galaaz achou Melias fer ido. E ent ão foi Galaaz par a onde lhe disse a donzela e achou o que buscav a.
E quando r econheceu Melias, t ev e gr ande pesar , pois bem cuidav a que est av a m or t o, e desceu e per gunt ou- lhe
com o se sent ia. E ele lev ant ou a cabeça, e, quando o v iu, ficou m uit o alegr e e disse:
- Ai! senhor dom Galaaz, sede bem - v indo. Por Deus, lev aim e a algum a abadia onde possa t er m eus
dir eit os da sant a I gr ej a, por que bem sei que est ou fer ido de m or t e.
- Muit o m e pesa, disse Galaaz; e quem v os fer iu assim ? - Senhor , disse ele, aquele cav aleir o que j az ali, e
bem cr eio que est á m uit o fer ido, t ão m al com o eu ou pior .
- E aquela donzela, quem a m at ou? disse Galaaz.
- Esse cav aleir o, por que v inha com igo, disse ele.
Ent ão foi Galaaz ao cav aleir o e t ir ou- lhe o elm o, por que, se pudesse, quer ia saber quem er a. E depois que
lhe tir ou o elm o e o alm ofr e, abr iu o cav aleir o os olhos que t inha cheios de sangue e falou ent ão e disse a
Galaaz:
- Quem sois v ós que m e o elm o t ir ast es?
- Mas quem sois v ós, disse Galaaz, que a est a donzela fizest es t al cr ueza?
- Eu não fiz t ant o quant o dev er a fazer , por que est ou m or t o e da m inha m or t e t er ão m uit os gr ande pesar .
- E quem sois v ós? disse Galaaz. Por v ent ur a, sois da casa de r ei Ar t ur ou sois da m esa r edonda?
- Sim , sou, disse ele, e par t i com os out r os na dem an da do sant o Gr aal; m as assim m e acont eceu, por
m eus pecados, que est ou m or t o, e Deus dê m elhor sor t e aos out r os do que a m im deu.
Quando Galaaz ouv iu que er a da m esa r edonda, t ev e gr ande pesar e t ev e m edo que fosse dos da sua
linhagem de r ei Bam . E por isso lhe per gunt ou:
- Com o t endes nom e?
Ent ão disse ele:
- Eu t enho nom e Am ador de Belrepair e.
E Galaaz r econheceu que er a est e o der r adeir o cav aleir o que ent r ar a na dem anda do sant o Gr aal, e
pesou- lhe m uit o da sua m or t e, por que o ouvir a elogiar na cor t e, de cavalaria e de cor t esia. E disselhe ent ão:
- Am ador , m uit o m e pesa da v ossa m or t e, por que ér eis bom cav aleir o.
E Galaaz, ist o dizendo, est endeu- se sobr e ele com a dor da m or t e e disse:
- Ai, Jesu s Cr ist o, Pai de piedade, não olheis par a os m eus pecados, m as assim com o um pai t em piedade
de seu filho, se o engana, assim t ende v ós de m im com o de v ossa cr iat ur a e de v osso filho, ainda que eu sej a
pecador .
Ent ão ficou m uit o t em po assim , e Galaaz t ev e t ão gr ande pesar que com eçou a chor ar .
E disse Am ador out r a v ez a Galaaz:
- Galaaz, m ui sant a pessoa e m ui sant o cav aleir o, r oga por m im ao Rei dos r eis, que t enha m ercê de t al
pecador com o eu sou, por que sei, com cer t eza que, se lhe pedir es, t er á de m im m er cê e m a dar á, por que ele
at ende o pedido do j ust o.
Assim que disse ist o, saiu-lhe a alm a do cor po. Quando Galaaz v iu que est av a m or t o, tir ou o elm o e
beij ou- o, e ist o fazia ele, por que er a da m esa r edonda.
Depois que v iu que est av a m or t o, cer r ou- lhe a boca, depois foi a Melias e per gunt ou-lhe o que lhe faria;
- Senhor , disse ele, lev ar - m e- eis a um a abadia, que há aqui per t o; e se eu t iv er que m orr er , que m or r a
ant es lá que em out r o lugar no er m o; e se t iv er que sar ar , depr essa sar ar ei.
Ent ão o desar m ou Galaaz e tir ou- lhe o fer r o da ferida e at oua o m elhor que pôde. E quando o quer ia pôr
na best a, chegou I v ã, o bast ar do, e assim que v iu Galaaz, r econheceu- o, foi a ele e saudouo e per gunt ou- lhe a
v er dade com o acont ecer a, e m ar av ilhou- se, e t ev e gr ande pesar do cav aleir o, e disse:
- Cer t am ent e, m uit o gr ande pesar t er á rei Ar t ur , quando souber da m or t e dest e cav aleir o, por que, sem
falha, Am ador de Belr epair e er a um dos fam osos cavaleir os que havia na cor t e de r ei Ar t ur , em bondade de
ar m as.
E Galaaz disse:
- Agor a m e pesa m ais da sua m or t e do que ant es, por que t odo hom em dev e t er pesar da m or t e de
hom em bom e, m ais, de t ão bom cav aleir o com o est e com panheir o da t áv ola r edonda.

69. Com o Galaaz defendeu Melias dos cav aleir os. Eles ist o dizendo, eis que v êm dois cav aleir os arm ados, que
chegar am e per gunt ar am qual er a o cav aleir o que t r azia o escudo br anco e a banda v er m elha. E .Galaaz disse:
- Vede- o aqui.
E m ost r ou- lhes Melias, que est av a lá; e os cav aleir os disser am : - Nós o andam os buscando, por que ele
nos t em feit o t ant o m al, que, se não est á m or t o, m at á- lo- em os nós.
- Assim ? disse Galaaz, cer t am ent e não o fareis, por que o defender ei eu quant o puder .
Ent ão m et eu m ão à espada; e eles que o vir am a pé, disser am - lhe:
- Cav aleir o, v ós sois sandeu, por que quer eis v os m at ar de caso pensado. E cuidais poder conosco, est ando
nós a cav alo e v ós a pé?
E ele não r espondeu ao que lhe eles disser am . Ent ão fer iu o prim eir o que alcançou, t ão rij am ent e que lhe
cor t ou a m et ade da lor iga com a cox a, assim que o cor po caiu de um lado e a cox a do out r o. Quando o out r o
v iu est e golpe, não t ev e cor agem de o esper ar : além disso, v iu que seria loucur a esper ar golpe de quem assim
fer ia, e foi à cor oa que v iu est ar na ár v or e e t om ou- a e v olt ou- se e com eçou a ir quant o pôde. E Galaaz pôs
Melias em seu cavalo e depois foi depós ele e levou- o a um m ost eir o que ficava num vale, por que t inham m edo
dos ladr ões, pois hav ia m uit os na flor est a; e assim fez I v ã, o bast ar do, a Am ador de Belr epair e, levou- o àquele
lugar par a o ent er r ar em sagr ado; e a donzela, deix ar am - na, por que a não puder am lev ar , e o con t o não fala
m ais dela. Mas diz do cav aleir o que foi ent err ado e foi seu nom e escr it o sobr e o t úm ulo. E Galaaz per gunt ou
aos m onges se hav ia lá alguém que soubesse cur ar fer im ent os.
- Senhor , disser am , sim , há.
E t r oux er am um hom em v elho, que for a cav aleir o. E ele olhou logo Melias, e disse que o dar ia logo cur ado
com a aj uda de Deus, e Galaaz ficou m uit o alegr e e est ev e lá tr ês dias depois.

XI
Ga la a z n o ca st e lo do pa i de D a lide s

70. Com o Galaaz e I v ã, o bast ar do, for am hóspedes do senhor do cast elo. Depois que Galaaz se separ ou de
Met ias, acont eceu- lhe que chegou a um cast elo, que ficav a num a m ont anha, pois o cam inho er a por aí. E I v ã, o
bast ar do, ia com ele. E quando entr ar am pela r ua do cast elo, eis que um cav aleir o, que er a senhor daquele
cast elo e er a velho, veio a eles e disse- lhes:
- Senhor es, sois cav aleir os andant es?
- Sim , disser am eles, m as por que o per gunt ais?
- Eu o per gunt o, disse ele, por v ossa honr a e por v osso bem . E v ist o que sois cav aleir os andant es, eu v os
peço m uit o que sej ais m eus hóspedes. E sabei que ser eis honr ados e ser v idos a m eu poder , com o se
est iv ésseis na casa de r ei Ar t ur .
- Senhor , disser am eles, não ficar em os conv osco, m as v os encom endam os a Deus e v os agr adecem os
m uit o quant o nos dizeis.
- E com o? disse ele, assim cuidais ir t ão ligeir am ent e que não ficar eis com igo um a noit e? Já Deus não m e
aj ude, se assim for , por que ser ia m inha gr ande v er gonha e minha desonr a e bem m ost r ar íeis que m e não
pr ezais, quando em m eu cast elo não façais o que v os peço.
Quando v ir am que os t inha em t ão gr ande cont a, não souber am com o se desculpar dele e t iv eram que lhe
out or gar o que ele quis.

71. Com o se for am com o senhor do cast elo e v ir am pr eso Dondinax . Ent ão os lev ou o senhor do cast elo par a o
alcácer e descer am e os fez desar m ar . E t ant o lhes fez honr a que se m ar av ilhar am . E lhes disse:
- Senhor es, se m e agr ado conv osco e v os faço honr a, não v os m ar av ilheis, por que, com cer t eza, v o- lo
faço de bom cor ação e bem o dev o fazer , por que t enho um filho cav aleir o andant e e andei em com panhia de r ei
Pet inor , que foi, em seu t em po, o m elhor cavaleir o que conheci no r eino de Logr es e em qualquer out r o lugar .
Mas com t udo ist o, t enho um filho cav aleir o andant e de quem m ais gost o que de qualquer outr a coisa no
m undo.
E eles lhe per gunt ar am com o t inha nom e seu filho.
- Senhor es, disse ele, t em nom e Dalides; não sei se o conheceis. E Galaaz disse que o não con hecia e I v ã,
o bast ar do, disse que o conhecia bem , por que o v ir a j á em m uit os lugar es.
- E que v os dir ei? disse o pai: nest a t er r a o t êm por m uit o bom cav aleir o.
- Quem out r a coisa dissesse, disse I v ã, o bast ar do, dir ia m uit o gr ande engano, por que - assim Deus m e
aconselhe - eu o t enho por um dos bons cav aleir os que conheço, por que não há quem dele t ant o v isse com o
eu, e que m ais bem dele dissesse do que eu sei.
Com aquilo, ficou o pai m uit o alegr e, quando dele ist o ouv iu por que, sem falha, am av a aquele filho, que
não podia m ais. Quando v eio a noit e, assent ar am - se par a com er num cam po. E o anfit r ião fazia-lhes m uit o boa
cor t esia e est ava m uit o alegr e. E est ando a falar daquele cavaleir o que ao pai não podia esquecer , eis que
chega um escudeir o que v inha a pé, t ão depr essa com o se fosse um peão. E quando o hom em bom o v iu,
per gunt ou- lhe:
- Que nov as t r azeis do t or neio?
- Senhor , m uit o boas.
- Quais? disse ele.
- Meu senhor , v osso filho v enceu o t or neio, assim que t odo m ér it o é seu de um a par t e e de out r a.
- Abençoadas sej am t ais nov as, e bendit o sej a Deus, que m e t al filho deu, que de cav alar ia m e par ece
honr a e v alor .
- Senhor , disse Galaaz, onde foi est e t or neio?
- Senhor , disse ele, a seis léguas, per t o de um cast elo que t em nom e o cast elo Escur o. Mas est e nom e lhe
t r ocar am por inv ej a de dom Lancelot e do Lago, por que ele deu cabo à av ent ur a daquele cast elo.
E ele ist o dizendo, logo v eio um hom em que lhe disse:
- Senhor , v osso filho v em com gr ande com panhia de cav aleir os e est á aqui.
Quando ele ist o ouviu, saiu e foi ao paço, e depois encont r ou seu filho com gr ande com panhia de
cavaleir os, que vinham com ele do t or neio; e ele dir igiu- se ao pai e beij ou-lhe a m ão e disse- lhe:
- Senhor , v edes aqui um cav aleir o dos da m esa r edonda, que t r ago à v ossa pr isão, com quem com bat i
depois que m e r et ir ei do t or neio.

72. Com o Dondinax e Dalides chegar am . O pai lhe per gunt ou que cont enda houv er a entr e eles. E ele disse:
- Houv e lá palav r as que m e pesar am , por que disse que quem est e t or neio v encer a não tinha gr ande
bondade de ar m as. E eu disse lhe: "Não far íeis m ais, por que ninguém pôde fazer m ais do que eu fiz." E ele
r espondeu: "Não sei o que fizest es, m as conheço um t al cav aleir o que, se t ais quat r o cav aleir os com o v ós
t iv esse no cam po, os v encer ia a t odos na m esm a hor a do dia; ist o seria m ais r ápido; e não v o- lo digo, senão
por que sei que é ver dade." E quando ist o ouvi, deix ei- m e ir cont r a ele e fiz t ant o de ar m as, que o venci e assim
est á aj ust ado com igo que nunca saia da m inha pr isão at é que m e m ost r e aquele cav aleir o de quem m e t ant o
falou.

73. Com o Dondinax disse a Dalides que er a Galaaz. Quando o pai ist o ouv iu, disse:
- Filho, filho, deix ai est e pr eit o sobr e m im , por que est e cav aleir o ir á com igo ali, onde est ão dois cav aleir os
da m esa r edon da, que são hoj e m eus hóspedes, m as não por sua v ont ade.
- Senhor , disse o filho, fazei dele o que quiser des.
E o pai lho agr adeceu m uit o, e depois per gunt ou ao cav aleir o com o t inha nom e. Disse ele:
- Tenho nom e Dondinax , o selv agem .
- Em nom e de Deus, disse o anfit r ião, m uit as v ezes ouv i falar de v ós, e sede bem v indo; ouv i dizer t ant o
bem de v ós, que não achar eis aqui alguém que não v os faça m ais do que na casa de r ei Ar t ur .
E ele lho agr adeceu m uit o. Ent ão vier am escudeir os de um a par t e e da out r a que o desar m ar am , a ele e
àqueles que com ele v inham do t or neio. Ent ão foi m uit o gr ande a alegr ia no paço. E o senhor do cast elo
deix ou- os no pr ado, onde deix ar a Galaaz e I v ã, o bast ar do; e quando v ir am Dondinax , logo saír am em sua
dir eção e r eceber am - no m uit o bem . E quando ele v iu Galaaz, logo disse:
- Senhor , sede bem - v indo, por que por v ós fiquei liv r e de pr isão. Eu pr om et i a est e cav aleir o, filho dest e
hom em bom , que lhe m ost r ar ia o cav aleir o de quem lhe falar a, e quando lhe m ost r asse, ficar ia livr e de pr isão.
Ent ão disse a Dalides:
- Vedes aqui est e cav aleir o que eu disse que v os m ost r ar ia. Agor a est ou livr e de pr isão.
Quando Dalides ist o ouv iu, com eçou a obser v ar Galaaz m uit o, e v iu- o t ão m enino que não pôde cr er que
fosse v er dade. E Dalides disse par a Dondinax :
- Eu, de hoj e em diant e; v os liv r o do j ur am ent o de fidelidade por causa daquele de quem v ós t ant o bem
dizeis. Eu v os quit o de pr isão aqui, diant e dele.
E ele lho agr adeceu m uit o.

74. Com o Dalides não acr edit av a que Galaaz er a t ão bom . Aquela noit e foi gr ande a alegr ia dos cav aleir os
est r anhos e dos da casa. Mas com o quer que os out r os com essem , Dalides olhav a ainda Galaaz, por que o
pr ezav a de for m osur a sobr e t odos os cav aleir os que algum a v ez v ir a, m as não podia acr edit ar que t ão bom
cav aleir o er a, com o Dondinax disser a, por que não t inha t al cor po e t al r ost o, e dizia em seu ínt im o:
- Assim Deus m e v alha, não v ej o nele t al coisa por que o não cuidasse v encer .
Assim dizia Dalides no íntim o de seu cor ação. E, sem falha, ele er a um dos bons cav aleir os do m undo e
nenhum m au cost um e t inha, a não ser que se pr ezav a m uit o, t ant o que não cuidav a que no r eino de Logr es
m elhor cav aleir o havia do que ele. Outr o dia, de m anhã, foi Galaaz ouvir m issa com sua com panhia num a
capela que ali ficav a. E depois que ouv ir am m issa, ar m ar am - se e fizer am aj unt ar sua com panhia e
encom endar am a Deus o senhor do cast elo e seu filho e sua gent e t oda e for am - se at é que a av ent ur a os
separ asse.
75. Com o Dalides pediu suas ar m as par a ir at r ás de dom Galaaz. Saír am eles do cast elo e não se afast ar am
t r ês ar r em essos de best a, quando pediu Dalides suas ar m as. E o pai per gunt ou- lhe par a que as quer ia. E ele
disse:
- Eu não deix ar ei de ir , de nenhum m odo, at r ás de Galaaz, que aqueles out r os cav aleir os gabar am t ant o
de cav alar ia, por que cuido que o dizem por v aidade e bem sei v er dadeir am ent e que far ei que conheçam que é
m ent ir a o que disser am .
- Ai, filho, disse o pai, por Deus, t em de m im piedade que est ou t ão v elho e t ão fr aco e t ão enfer m o; não
v ás lá, por que se t e não v ir , est ou m or t o, e não m e deix es assim , par a que t enha pr azer de t i, pois t e am o
t ant o.
- Ai, pai, disse Dalides, não t enhais de m im r eceio contr a Galaaz, por que quer o que m e cor t em a cabeça,
se o não v encer ant es da hor a de t er ça.
- Filho, disse o pai, não conheces Galaaz com o conheço; ainda que fosses m aior e m elhor cav aleir o do
que és, dev ias ficar , pois t e peço, por que or dem de pai não dev es t r ansgr edir .
- Senhor , disse Dalides, não há coisa no m undo por que eu ficasse, e se m e obr igar des, eu m e m at ar ei
com m inhas m ãos.
Quando o pai ist o ouv iu, t ev e gr ande pav or e disse:
- Más nov as são est as, por que t em o v ir m al a m im e a t i; m as pois v ej o que t ant o t e apr az, Deus t e guie.
Ent ão lhe der am suas ar m as e, depois que foi ar m ado, afast ou se de seu pai e deix ou- o m uit o t r ist e e
for am com ele dois cav aleir os e dois escudeir os da casa de seu pai.

76. Com o Galaaz der r ibou Dalides. Depois que par t ir am do cast elo, andar am t ant o que alcançar am Galaaz, e
Dalides pegou seu escudo e sua lança, que lhe o escudeir o t r azia, e deu vozes a Galaaz:
- Galaaz, guar dai- v os de m im , por que lut ar v os conv ém .
E Galaaz t ornou a ele e feriu- o t ão br avam ent e que lhe r om peu a loriga e o escudo e m et eu- lhe o fer r o da
lança pela cost a esquer da, m as não foi a fer ida t ão gr ande, que bem não pudesse sar ar ; depois disso der r ibou-
o em t er r a, que o fez sair dent r e os ar ções, e ficou t odo quebr ant ado da queda. E quando os out r os o v ir am
cair em t er r a, deix ar am - se cor r er a Galaaz e quebr ar am nele as lanças, m as da sela não o m ov er am e out r o
m al não lhe fizer am , por que er a de ânim o for t e e de m aior for ça que out r o qualquer ; e deix ou- se cor r er a um
deles e fer iu- o t ão r ij am ent e que o deit ou em t er r a do cav alo fer ido à m ar av ilha, e a lança v oou em pedaços; e
depois m et eu m ão à espada e quis ir cont r a aquele out r o, m as ele, quando o v iu vir e viu que tinha feit o t ais
dois golpes, não o quis esper ar e com eçou a fugir par a o cast elo. E Galaaz, que não t ev e v ont ade de ir atr ás
dele, v olt ou a Dalides, que m ont ar a j á seu cav alo, e os outr os cav aleir os não queriam nele pôr a m ão, pela
honr a que lhes seu pai fizer a. E quando Dalides v iu que um dos cav aleir os est av a m uit o fer ido, t ev e t ão gr ande
pesar que bem quer er ia est ar m or t o, a não ser que se v ingasse.

77. A bat alha de Galaaz e de Dalides e do cav aleir o que com ele andav a. Ent ão m et eu Dalides m ão à espada e
disse a Galaaz:
- Cav aleir o, se m e der r ibast es, não est ou v encido por isso, e cham o- v os à bat alha das espadas; e, se não
v ier des, não v os t er ei por hom em bom
E Galaaz disse:
- Não v ale nada, nem v os t r az v ant agem que m e cham eis à bat alha, pois não v ej o r azão por quê, e nunca
v os afr ont ei nem desam ei.
E ele disse:
- Ou v os t er eis por v encido de m im , ou v os defender eis, por que est e pr eit o não ficar á assim .
E ent ão foi a Galaaz e deu- lhe o m aior golpe que pôde, m as o elm o er a bom e não lhe fez m al; e Galaaz,
que não podia assim afast ar - se dele, alçou a espada, que er a boa, e fer iu- o t ão v iolent am ent e que lhe fendeu o
elm o e o escudo pelo m eio, e Dalides que o não pôde supor t ar , caiu em t err a desm aiado e saiu- lhe o sangue
pelas nar inas e pela boca, por que ficou quebr ant ado do golpe e da queda. E Dondinax , quando o v i u j azer em
t er r a, disse a Galaaz:
- Senhor , que esper ais? Descei e cor t ai- lhe a cabeça e liv r ar - nos- eis dele, por que m ais or gulhoso nunca v i
no m undo.
E Galaaz disse:
- Se Deus quiser , não por ei m ais a m ão nele, por que m at ar t al cav aleir o ser ia a m aior m aldade do
m undo. Mas v am o- nos daqui, por que eu não quiser a fazer t ant o quant o fiz.
- Falais bem , disse I v ã, o bast ar do. E cer t am ent e, se acr edit ásseis em Don dinax , o selv agem , m uit as
diabr ur as far íeis que não far eis, se Deus quiser .
Ent ão ent r ar am t odos os t r ês no seu cam inho.

78. Com o o pai de Dalides foi at r ás do f ilho. Dalides se afast ou de seu pai, e o pai o am av a m uit o, com o pai
am a filho. E t ev e dele pena com o dev ia. E ele não o ousou r ev elar a nenhum de seus v assalos, com m edo de
lho t er em por cov ar dia, m as m andou a um seu hom em que lhe selasse o cav alo. Depois saiu do cast elo por um
post igo e não quis que com ele fosse ninguém , e achou o r ast r o dos out r os e foi por aí.

79. Com o Dalides se m at ou com a espada. Dalides ficou m uit o t em po desm aiado e lev ant ou- se e achou seu
com panheir o fer ido onde est av a e per gunt ou- lhe com o se sent ia.
- Senhor , disse ele, est ou fer ido de m or t e.
- Assim ? disse Dalides. Assim m e Deus v alha, pesa- m e por isso; agor a, fosse eu fer ido de m or t e, que
nunca t er ei honr a em cousa que faça, por que est e cav aleir o m e escar neceu par a sem pr e. E por isso quer ia
est ar m or t o, m ais do que v iv o.
Ent ão se desar m ou e deit ou suas ar m as longe e j ur ou que j am ais tr aria ar m as, pois que t ão gr ande
v er gonha r eceber a, que m aior não podia t er . Ent ão com eçou a fazer seu lam ent o, que nunca alguém m aior v iu,
e disse com t ão gr ande pesar , que as lágr im as lhe cor r iam pelas faces:
- Am igo, eu e v ós fom os com panheir os de ar m as: cr edes que est ou m or t o m ais de pesar que das fer idas,
e não quer o m ais viv er , t enho m uit a v ont ade de m or r er : além do m ais, est ou m uit o ferido. Mas peço- v os, pelo
am or que t enho por v ós, que logo que a alm a m e sair do cor po, m e lev eis ao cast elo Est r anho, que é daquela
m ulher que sabeis que am ei com o sabeis.
Ent ão pegou a espada da bainha e disse:
- Senhor a, por quem t ant o m al sofr i e a quem ser v i sem pr e, desde que fui cav aleir o, r ogo ao Deus de
am or que, com o v os am o v er dadeir am ent e e sem falsidade, assim v os ponha ele no cor ação de não m e
esquecer des, nem que am eis out r o depois de m inha m or t e, se não for t ão bom cav aleir o com o eu.
Ent ão, lev ant ou a espada e fer iu- se pelo peit o, de m odo que apar eceu o fer r o do out r o lado, e disse que
m ais quer ia assim m or rer , do que out r a v ez t om ar desonr a por um cav aleir o só. Ent ão caiu na t err a m or t o. E o
out r o cav aleir o, quando o v iu, disse:
- Ai, m esquinho, que dano e que per da hoj e t enho r ecebido.
Ent ão desm aiou.

80. A lam ent ação que fazia o pai de Dalides. Depois disso, não t ar dou m uit o que v eio o pai de Dalides, m as não
t r azia ar m as, a não ser um a espada. E quando v iu o filho m or t o, disse:
- Ai, m esquinho. Mor t o est ou! Mor t o est á o m eu filho!
Ent ão se deix ou cair do cav alo em t err a e ficou desm aiado m uit o t em po. E quando o outr o cavaleir o o viu
assim ficar , t ir ou seu elm o e anim ou- o o m ais que pôde. E quando o hom em bom acor dou e v iu seu filho m or t o
diant e de si e a espada enfiada nele, disse:
- Ai, filho! Que é ist o, senhor , que v ej o?
E foi logo beij á- lo cober t o de sangue com o est av a e disse:
- Filho, por Deus, m al v os guar dei. Filho, v ós ér eis bom cav aleir o; filho m uit o for m oso, filho m uit o bem
feit o, filho ousado, filho esfor çado, v ós est ais m or t o por m inha culpa, por que, se v os eu não out orgasse, hoj e
de m anhã, o que m e pedist es, ainda agor a est ar íeis vivo e são. E est a t er r a valer á m enos por vossa m or t e e se
r eduzir á à dor e à pobr eza, por que não t er á quem a defenda, nem a m ant enha em paz. Cer t am ent e, filho e
am igo, se eu v iv er m ais depois de v ós, m inha v ida ser á em lágr im as e em sofr im ent o, por que de v er alegria
est ou desesper ado, pois est ais m or t o; e se out r a coisa fizesse, t odo o m undo m e devia quer er m al e apedr ej ar -
m e por isso; e por isso v ale m ais, ai, filho, que eu m orr a logo depois de v ós, do que v iv er longam ent e, por que
a vida m e ser á noj o e t r abalho e a m or t e m e ser á descanso e confor t o. Além do m ais, filho, se eu agor a
m or r esse, não poder ia ser que m inha alm a não fosse com a v ossa ao par aíso ou ao infer no.
Ent ão per gunt ou ao cav aleir o que est av a ferido:
- Am igo, com o m or r eu m eu filho?
- Senhor , disse ele, com o quer que m or r esse ele, não vos há pr ov eit o de vo- lo dizer , nem a ele de vos
desconsolar des, m as, por Deus, v os r ogo que v os não desconfor t eis e t enhais pena de v ós e não olheis v osso
gr ande dano que por isso v os v eio, e t enhais at enção a Deus.
- I st o não posso fazer , disse o hom em bom . Mas, por Deus, dizei- m e com o m or r eu m eu filho.
E ele lho r ogou t ant o que lho out or gou a cont ar assim com o a est ór ia j á r ev elou, com o ele se m at ou com
pesar de que o escar necer a Galaaz, que m elhor cav aleir o er a do que ele, "e bem o podeis v er na espada com
que ele se m at ou, que vós lha dest es, ainda m uit o t em po não há."
Ent ão pegou o pai sua espada e m et eu- a em si e caiu logo m or t o ao lado de seu filho.

XI I
Ga la a z, Ga lv ã o, D on dina x , Boor z e Qué ia
81. Quando o cav aleir o ist o v iu, disse:
- Ai, Deus! Nunca alguém v iu t ant a desv ent ur a com o t ais dois hom ens se m at ar em com suas m ãos!
E ele ist o dizendo, chegou um cav aleir o ar m ado, que v inha ar m ado de t odas as ar m as, e se alguém m e
per gunt ar quem er a, eu lhe diria que er a Galv ão, que andar a, desde o dia de Pent ecost es at é aquele dia, e não
achar a av ent ur a que de cont ar sej a. E quando v iu o pai e o filho j azer em m or t os e o cav aleir o ferido,
m ar av ilhou- se e per gunt ou ao ferido o que for a aquilo. E ele disse t udo com o for a, m as não disse que for a
Galaaz, ant es disse que er a um cav aleir o que t r azia o escudo br anco e a cr uz v er m elha. E disse aquele
cav aleir o ao outr o:
- Com o t endes nom e?
- Tenho nom e .Galv ão.
- Por quem sois, disse ele, v ós o dev eis v ingar , por que est e é Dalides, um dos cav aleir os do m undo que
m ais am áv eis, segundo dizíeis. E est e é seu pai, que v os fez m uit o ser v iço e m uit a honr a. E bem sabeis que, se
Dalides fosse assim com o falais, ele quer er ia per der a cabeça ant es que vos não vingasse pela pr ópr ia vont ade.
Assim m e Deus v alha, est e é o cav aleir o do m undo que m ais v os am av a, em bor a não fosse v osso par ent e.
Quando Galv ão v iu Dalides j azer m or t o, r econheceu- o e t ev e gr ande pesar , por que o am av a m uit o e
per gunt ou ao cav aleir o por onde ia aquele que o m at ar a. E ele lho m ost r ou. Depois que o ouv iu, Galv ão não
esper ou m ais e com eçou a ir m uit o v iolent o atr ás dele.

82. Nest a par t e, diz o cont o que os t r ês cav aleir os que andav am em com panhia, depois que se af ast ar am de
Dalides, quando o der r ibou Galaaz, não andar am um a légua, achar am um a flor est a que t inha de com pr im ent o
um a j or nada e m eia. E depois dist o, não andar am m uit o, achar am um a encr uzilhada, onde tinham com eço t r ês
car r eir as. Ent ão se j unt ar am os cav aleir os par a decidir com o far iam , pois, por que achav am t r ês car r eir as
div ididas, separ ar lhes conv inha, por que er am t rês da dem anda. E est ando nest a indagação v ir am sair da m at a
a best a descom unal, que r ei Pelinor cost um av a seguir em caça, ant igam ent e, e er a aquela que rei Ar t ur v iu
quando est av a pensando ao lado da font e, aquela m esm a que em si t r azia os cães que ladr av am .

83. Quando a best a chegou aos cavaleir os e eles ouvir am os ladr idos, bem cuidar am que er am cães que iam
at r ás daquela best a; m as depois que ouv ir am bem e v ir am que não ia com ela nenhum , m as com o ia se
apr ox im ando, assim iam se apr ox im ando m ais os ladr idos, com eçar am a per signar - se, apenas v ir am a gr ande
m ar av ilha, por que bem v ir am que os ladr idos de dent r o dela saíam . Galaaz disse ent ão:
- Por Deus, am igos, for m osa avent ur a e m ar avilhosa é aquela e par ece- m e que ser ia aventur ado quem
soubesse de onde est as v ozes saem , que aqui est ão escondidas.
- Senhor , disser am eles, v er dade é.
A best a passou por ent r e eles. Ent ão disse I v ã, o bast ar do:
- Senhor Galaaz, eu v os r ogo pela fé que dev eis a r ei Ar tur , que v ós, da v ossa par t e, m e out or gueis que
siga est a best a at é que saiba de onde saem essas v ozes. E bem v os digo que não par ar ei at é que saiba a
v er dade, se é cousa que possa alcançar .
E ele e Dondinax lho out or gar am , quando v ir am que t ão fir m em ent e quer ia. Depois disse I v ã, o bast ar do:
- Agor a conv ém que nos separ em os cada um em sua car r eir a.
84. Com o Galaaz e Dondinax v ir am o cer v o br anco. Ent ão se abr açar am e se despedir am e encom endar am - se a
Deus e v ir am do outr o lado um cer v o br anco com o a nev e, e guar dav am - no quat r o leões, dois na frent e e dois
at r ás. Quando Dondinax e I v ã, o bast ar do, ist o v ir am , disser am a Galaaz:
- Por Deus, bem dev em os ist o ent ender por gr andes m ar av ilhas que nunca alguém v iu, leões guar dar em
cer v o. E por quant o eu ent endo, quem o cer v o quiser t er , conv ém que ant es m at e os leões.
- Assim Deus m e aj ude, disse Galaaz, não há aí out r a cousa; bem v os digo v er dadeir am ent e que est a é
um a das av ent ur as do sant o Gr aal. E est a av ent ur a m e out or gar eis, se v os apr ouv er ; e nest a av ent ur a m e
esfor çar ei de bom gr ado; se v os apr az, out or gai- m a.
- Senhor , de bom gr ado, disser am eles, por que bem sabem os que a não podem os nós acabar t ão
facilm ent e com o v ós.

85. Com o Galaaz e Dondinax se separ ar am . Depois que o cer v o ent r ou nas m at as por um a t r ilha est r eit a com
t al com panhia qual v os eu disse, e Galaaz quer ia separ ar - se deles, olhando do out r o lado, v ir am v ir sobr e um
gr ande cav alo um gr ande cav aleir o ar m ado, que er a m ui gr ande de cor po e tr azia diante de si um cav aleir o
ar m ado de lor iga e de elm o, fer ido m uit o m al com m uit as fer idas. E sabei que er a da m esa r edonda e t inha
nom e Asgar es, o t r ist e, e er a nat ur al da cidade de Car doi e er a bom cav aleir o de ar m as, e aquele que o t r azia
er a m elhor que ele. E se alguém m e per gunt asse quem er a o cavaleir o, eu lhe dir ia que er a Tr ist ão, o sobr inho
de r ei Mar s de Cor nualha. E ist o fez ele, por que não conhecia As- I gar es. Quando eles ist o v ir am , disser am :
- Por boa fé, bem sucedidos som os; aqui há t r ês av ent ur as, e nós som os t r ês cav aleir os. Mer cê nos fez
Deus que env iou a cada um a sua.
E Dondinax disse:
- Senhor es, cada um de nós t em sua av ent ur a e eu sou o t er ceir o e dev o t er a t er ceir a. E por isso v os
r ogo que m e out or gueis est a.
E eles lhe out or gar am .

86. Com o Galaaz foi par a o cer v o br anco. Ent ão se encom endar am a Deus e separ ar am - se uns dos out r os; e
dom I v ã, o bast ar do, foi at r ás da best a ladr ador a; e Galaaz, at r ás do cer v o par a saber a v er dade de t ão gr ande
m ar av ilha; e Dondinax , o selv agem , at r ás de dom Tr ist ão, par a t ir ar - lhe o cav aleir o, se puder .

87. Mas or a deix a o cont o a falar de Dondinax . Or a diz o cont o que Galaaz, quando se separ ou de I v ã, o
bast ar do, e de Dondinax , o selv agem , f oi at r ás do cer v o o m ais depr essa que pôde, par a o alcançar , e não
andou m uit o, escut ou e v iu v ir at r ás dele t ão v iolent am ent e um cav aleir o sobr e um cav alo fazendo t am anho
r uído com o se fossem dez cav aleir os. E se m e alguém per gunt asse quem er a o cav aleir o, eu lhe dir ia que era
dom Galv ão, que ia at r ás de Galaaz par a vingar a m or t e de Dalides; m as não sabia quem er a Galaaz, por que
de m odo algum não se t om ar ia com ele. E o escudo que t r azia Galaaz, que ele nunca vir a, o fazia ir em sua
dir eção.

88. Com o dom Galaaz fer iu dom Galv ão. Quando chegou Galv ão a Galaaz, gr it ou- lhe e disse:
- Cav aleir o desleal e br av o, guar dai- v os de m im .
Quando Galaaz ouviu que o cham ar a desleal, m ar av ilhou- se, e depois que v iu que não podia liv r ar - se dele
sem lut ar , volt ou a ele e fer iu- o t ão violent am ent e, que lhe não pr est ou escudo nem loriga, que lhe não
m et esse o fer r o da lança pelo cost ado esquer do, m as de t ant o lhe acont eceu bem , que a fer ida não foi m or t al.
E Galaaz, que er a de ânim o for t e e de gr ande for ça, deu com ele em t er r a t ão gr ande queda, que se não pôde
lev ant ar . E Galaaz t ir ou dele a lança int act a, e ao t ir ar , desm aiou Galv ão, e ele não o olhou m ais e deix ou- o
ficar no m eio do cam inho e foi at r ás do cer v o br anco.

89. Com o Boor z foi at r ás de Galaaz par a v ingar Galv ão. Galv ão j azia de br uços no cam inho e, nest e ínt er im , eis
que Boor z chega por acaso, e quando v iu o escudo de Galv ão, r econheceu- o e t ev e gr ande pesar , por que
sem pr e lhe t iv er a est im a. Ent ão deit ou Boor z em t err a a lança e o escudo e disse com gr ande pesar :
- Ai, coit ado! Quem v os fez t al per da?
Depois desceu do cav alo e disse:
- Ai, m eu senhor , dom Galv ão! Com o v os sent is? Cuidais cur ar ?
Galv ão abr iu os olhos e não o r econheceu. E disse quem er a.
- Eu sou Boor z, um v osso am igo, a quem pesa o v osso m al. Por Deus, dizei- m e com o v os sent is.
- E com o t endes nom e? disse Galv ão.
- Eu sou Boor z de Gaunes, disse ele.
- Ai, m eu senhor ! Sede bem - v indo. Cer t am ent e, eu não sentiria m al nem ferido, se m e v ós v ingásseis do
m ais br av o e do m ais desleal cav aleir o do m undo e v ai- se por est a car r eir a; e v ai t ão per t o que o alcançar eis,
se bem o seguir des. E não o t enho t ant o por m im , com o por um cav aleir o que m at ou, que er a, sem falha, o
m elhor cav aleir o dest a t er r a e tinha nom e Dalides.
- Ver dade é, disse Boor z, m as se o não v ingar , v ingar ei a v ós da desonr a que v os fez. Agor a, dizei- m e
que escudo t r az, por que não par ar ei at é que o alcance.
E ele disse que er a o escudo br anco e a cr uz ver m elha.

90. Com o dom Galaaz der r ibou Boor z. Boorz não esper ou m ais e t om ou seu escudo e sua lança e cavalgou em
seu cav alo e foi por aquela car r eir a que lhe m ost r ar a Galv ão e não andou m uit o que alcançou Galaaz diant e de
um a er m ida, e ia dev agar e ia cuidando. E assim que Boor z v iu o escudo br anco e a cr uz v erm elha, logo
r econheceu que er a o cavaleir o de quem se lhe queixar a Galv ão, e gr it ou-lhe:
- Dom cav aleir o, v olt ai. Eu v os desafio, que t ant o m e m er ecest es, que v os desam o m or t alm ent e.
Galaaz, quando ist o ouv iu, que se não podia separ ar dele, v olt ou e feriu- o t ão br av am ent e, que deu com
ele e com o cavalo em t er r a. E Boor z ficou m al quebr ant ado da queda, por que o cavalo caiu sobr e ele.
91. Com o Boor z foi at r ás de Galaaz. Depois que Galaaz fez ist o, não o olhou m ais nem lhe disse m ais nada,
ant es foi em paz atr ás do cer v o. E logo que o cav alo de Boorz se lev ant ou de sobr e ele, logo se levant ou com o
quem er a de gr ande for ça e de for t e ânim o. E ent ão, m ont ou em seu cav alo com o quem er a de gr ande for ça, e
disse que não se quit ar ia assim dest e pr eit o at é que v ingasse sua desonr a e a de Galv ão, por que, se ele lhe
fizer a m al pela lança, não cuidar ia achar , ent r e quant os há no r eino de Logr es, quem m elhor fer isse com
espada do que ele.

92. Com o dom Galaaz houv er a de m at ar Boor z. Depois que Boor z m ont ou seu cav alo, apr essou- se em alcançar
Galaaz, e ist o foi r ápido e disse:
- Volt ai, cav aleir o, não digais que m e v encest es por que m e der ribast es, por que ist o ser ia honr a
inj ustificada, m as v inde m e pr ov ar a espada, e ent ão v er ei que cav aleir o sois. Quando Galaaz ist o ouv iu que,
cont r a sua v ont ade, havia de com bat er com ele, e out r a coisa não podia fazer que por m al não lho t iv essem ,
m et eu m ão à espada e disse:
- Cav aleir o, sem r azão nem dir eit o m e fazeis com bat er conv osco, cont r a a m inha v ont ade.
E ent ão, levant ou a espada e fer iu com t oda sua for ça Boor z t ão violent am ent e, que lhe cor t ou o escudo
por m eio do ar ção diant eir o e o cav alo por m eio das espáduas, assim que a m et ade caiu de um a par t e e da
out r a no m eio do cam inho. E Galaaz, quando est e golpe fez, disse:
- Cav aleir o, bem v os acont eceu, que não est ais fer ido, e bem m e é, assim Deus m e v alha, por que bem
cuido que sois bom cav aleir o. Agor a v os r ogo que m e quit eis e m e deix eis ir , e v os quit ar ei quant a quer ela de
v ós hei, o que não far ia se não quisesse, por que m e at acast es pr im eir o.

93. Com o Boor z r econheceu Galaaz. Boorz, que ficou t ão espant ado do golpe que não sabia o que dissesse,
bem r econheceu que aquele er a o m elhor cav aleir o do m undo, e r espondeu:
- Senhor , eu vos at aquei t r esloucadam ent e, e acho- m e por isso m al, por que bem vej o que m al e
v er gonha m e adv ier am disso. E v ej o por est e golpe que sois o m elhor cav aleir o que algum a v ez v i. E por isso
quer ia r ogar - v os que m e dissésseis v osso nom e, por que t al podeis ser que v os dar ei por quit e, e t al que não.
- Cer t am ent e, disse ele, am or m e fizest es, e por ist o quer o v ossa paz e par a liv r ar - m e dest a cont enda,
v os dir ei m eu nom e Galaaz.
E quando Boor z ouv iu o nom e de Galaaz, deit ou o que ficou do escudo em t er r a, e foi de j oelhos a ele e
disse- lhe:
- Ai, senhor Galaaz! Por Deus, per doai- m e, por que não v os afr ont ei, senão por desconhecim ent o.
- Quem sois v ós? disse Galaaz, que v os t ant o pesa por que m e afr ont ast es?
- Eu sou Boor z, disse ele, pr im o de v osso pai.
Quando Galaaz ist o ouv iu, ficou m uit o alegr e e desceu do cav alo e foi a Boor z e abr açou- o e disse- lhe:
- Senhor , sede bem - v indo, que a av ent ur a v os t r oux e aqui at r ás de m im .
E ele lhe cont ou com o achar a Galv ão ferido e com o v ier a at r ás dele par a v ingá- lo.
- Com o? disse Galaaz; fiz m al a Galv ão?
- Sim , disse Boor z.
- Sem r azão nem dir eit o m e at acou Galv ão, disse Galaaz, m as pesa- m e dele, que lhe acont eceu m al. E se
eu o r econhecer a, r espeit ar a- o quant o pudesse. Mas agor a, falai- m e de m eu pai: sabeis ou ouv ist es algum as
nov as, depois que v os separ ast es dele?
- Não, disse Boor z.

94. Com o Quéia m at ou o cav aleir o ant e dom Galaaz. E eles nist o falando, eis que um cavaleir o vinha cor r endo
par a eles, quant o o cav alo o podia t r azer . E quando chegou a eles, disse- lhes:
- Senhor es, t ende m er cê de m im e defendei- m e de um cav aleir o que, sem r azão, m e quis
m at ar . .
- E quem é? disser am eles; v ós o conheceis?
- Não, disse ele, m as t r az um escudo negr o e um leão de pr at a. E eles ent ender am que er a Quéia, o
m or dom o, e r esponder am : - Dest e não v os podem os am par ar nem defender , a não ser por boa palav r a, por que
é nosso com panheir o da t áv ola r edonda.
Eles nist o falando, apr ox im a- se Quéia. E eles est ando assim a pé, disser am a dom Quéia:
- Deix ai est e cav aleir o, não lhe façais m al.
E Quéia não r espondeu nada ao que eles disser am , ant es se deix ou cor r er por entr e eles e fer iu t ão
v iolent am ent e, que lhe passou o escudo e a lor iga, e a lança passou pelo m eio do cor po do out r o lado, e
m et eu- o em t er r a t ão m al ferido, que não houv e m ist er m est r e. E quando Galaaz ist o v iu, disse a Boor z:
- Mal nos escar neceu Quéia, que est e hom em m at ou diant e de nós, e é nossa a desonr a e a ver gonha.
- Senhor , disse Boor z, não podem os out r a coisa fazer , por que é nosso com panheir o da m esa r edonda. E
se nós nele a m ão puser m os, não ser á bem , por cousa que nos fizesse, senão por per igo de m or t e, por que
ser íam os per j ur os e desleais e per der íam os o assent o da t ávola r edonda, e conv ém que o deix em os.
E ent ão disse a Quéia:
- Vós nos fizest es desonr a m aior que far íam os a v ós. E se nos r ogásseis, com o r ogam os a v ós,
cum pr ir íam os a r espeit o v osso r ogo.
E Quéia, que olhou o escudo de Boor z, r econheceu- o e disse- lhe:
- Ai, senhor , m er cê, por que m uit o v os afr ont ei, assim Deus m e v alha, não v os r econhecia, per doai- m e.
- Quéia, disser am eles, nós v os per doam os, pois out r a coisa não podem os fazer .
Ent ão t om ou Boor z o cav alo do cav aleir o, por que est av a j á o seu cav alo m or t o, e o cav aleiro não t inha
necessidade de cav alo. Depois, per gunt ar am a Quéia por que m at ar a o cav aleir o.

95. Com o se queix ou dom Galaaz cont r a Quéia, que m at ou o cav aleir o. Quéia disse:
- Eu o m at ei por que o encont r ei num v ale onde quer ia cor t ar a cabeça de Lucão, o copeir o, e fer ir a- o
m uit o e, sem falha, cor t ar alhe a cabeça, por que o desam av a, se eu àquela hor a não chegar a. E cheguei e
v inguei, com o v ist es. E bem v os dev er a apr azer , por que ganhast es por isso um cav alo, que não t ínheis.
Ent ão olhou o golpe que fizer a Galaaz no escudo e no cav alo e , per gunt ou a Boor z a v er dade. E Boor z
cont ou t udo com o for a, e ele se benzeu e disse que de per t o nunca t al golpe v ir a e não ser ia sisudo aquele que
esper asse quem t al golpe dav a, por que est e golpe não foi de hom em , m as de diabo. Ent ão per gunt ou a Boor z
quem lhe der a t al golpe. E ele m ost r ou- lhe Galaaz.
- E com o t em nom e? disse Quéia.
E Galaaz, que não quis que o r econhecessem :
- Quéia, disse ele, um cav aleir o est r anho sou, e não podeis agor a m ais saber .
- Senhor , disse, pesa- m e, assim Deus m e v alha, por que sois o m elhor cav aleir o que eu conheço.
E ele não r espondeu a coisa algum a que lhe dissesse, por que est av a m ais enfur ecido pelo cav aleir o que
m at ar a diant e dele, e se não fosse pelo am or sem fingim ent o e m uit o sobej o que t inha a Boor z, o cav aleir o for a
logo v ingado, sem falha e for a a dano de Quéia.

96. Com o Quéia foi v er Galv ão. Ent ão per gunt ou Quéia a Boorz:
- Vist es alguns, depois, da m esa r edonda, ou v ist es Galv ão?
- Galv ão podeis achar per t o daqui, por que ele há m ist er de v ossa aj uda.
Ent ão lhe m ost r ou onde o acharia. E Quéia cav algou em seu cav alo e chegou onde Galv ão est av a que
fazia gr ande lam ent o. E Quéia desceu do cav alo, foi a ele e per gunt ou- lhe com o se sent ia.
- Bem , disse ele, se est ivesse em lugar onde pudesse t er o sangue est ancado. Pois, o que fizest es ao
cav aleir o que ist o fez?
E ist o disse ele, por que cuidava que er a Boor z. Ent ão ent endeu Quéia que o não r econhecia. E disse:
- Senhor , não sei de qual cav aleir o falais.
Ent ão abr iu Galv ão os olhos e v iu Quéia e disse:
- Eu cuidav a que ér eis Boorz que se afast ou de m im pouco há, par a ir at r ás do cav aleir o que me ist o fez.
- E que escudo t r azia est e cav aleir o? disse Quéia.
E ele cont ou- lho.
- Senhor , disse Quéia, eu os achei a est e cav aleir o e a Boor z e por isso não esper eis que v enha, por que
não v ir á aqui.
- E sabeis, disse Galv ão, quem é est e cav aleir o?
- Cer t am ent e não, disse ele; em bor a m uit o per gunt asse, não m e quis nada dizer de seus feit os e pesa- m e
m uit o, não por out r a cousa t ant o com o por um t al golpe, que m e disse Boor z que lhe der a.
E cont ou- lhe qual.
- Ai, disse Galv ão, enganado fui hoj e. Galaaz é, ou Lancelote, ou Tr ist ão, por que não há out r o cav aleir o
no m undo que est a m ar av ilha fizesse.
E ent ão Quéia lhe tir ou o elm o e desv est iu- lhe a lor iga e chegouo a seu cavalo o m elhor que pôde e
cav algou com gr ande dificuldade e ele lhe lev ou as ar m as e cav algar am t ant o que chegar am a um m ost eir o que
fizer a Ar tur , quando com eçou a r einar . E assim que chegar am ao m ost eir o, saír am os m on ges, que o
r eceber am m uit o bem e pensar am - lhe m uit o bem as fer idas. E sabei que ficou per t o de dois m eses ant es que
pudesse pegar ar m as.

XI I I
I v ã , O ba st a r do, Gilfr e t e e o ca v a le ir o da be st a la dr a dor a
97. Mas or a deix a o cont o a falar de Galaaz e t or na a I v ã. Or a diz o cont o que, depois que I v ã, o bast ar do, se
separ ou de Galaaz e de Dondinax par a ir at r ás da best a ladr ador a, andou t odo aquele dia sem av ent ur a achar
que de cont ar sej a. E chegou, nesse dia, à noit e, à casa de um er m it ão, onde t ev e m uit o pouco conf or t o. E não
t ev e par a com er , senão er v as, que colher a o hom em bom em sua hor t a, que t inha, e bebeu daquela água da
font e. Depois que com eu daquilo que t ev e, o hom em bom lhe per gunt ou de onde er a e ele disse a r espeit o a
ver dade.
- E que v ent ur a v os t r oux e aqui a t ão est r anho lugar e t ão longe?
Disse ele:
- Eu v os cont ar ei a v er dade. Eu andei at r ás da best a ladr ador a e ando, at é que saiba de onde saem os
ladr idos; e depois que soubesse que v ozes er am aquelas que dela saíam , não ir ia at r ás dela m ais.
Quando o hom em bom ist o ouv iu, abaix ou a cabeça e cor riam lhe as lágr im as pelas faces. E bem fazia
at it ude de hom em t r ist e, e pensou m uit o t em po e disse:
- Ai, senhor ! v ós ides par a v ossa m or t e, por que aquela best a que buscais é best a do diabo; e aquela
best a m e fez t ant o dano de que m e sem pr e last im ar ei, por que eu t inha cinco filhos m uit o form osos e os
m elhor es cav aleir os dest a t er r a, e logo que vir am a best a, com o a v ist es, t iv er am v ont ade de saber o que dela
quer eis saber e puser am - se a buscá- la com o agor a fazeis; e eu ent ão er a cav aleir o andant e, com o agor a sois,
e andava com eles.

98. Com o o er m it ão cont ou a I v ã a m ar av ilha da best a. Um dia acont eceu que est áv am os per t o de u m a r ibeir a,
e v im os a best a cer cada de t odos os lados, assim que não podia escapar de nenhum m odo. E o m elhor de m eus
filhos t inha um a lança e est av a m ais per t o dela que seus ir m ãos e o m enor de m eus filhos lhe gr it ou:
- Fer i- a, feri- a, e v er eis o que t r az no cor po, de onde est as v ozes saem .
E ele acr edit ou em seu ir m ão e nos out r os que assim diziam , e fer iu- a na coxa esquer da, por que lhe não
pôde out r o lugar at ingir . E quando se sent iu fer ida, deu um gr it o m uit o espant oso, t ant o que er a m ar av ilha. E
depois que deu o gr it o, saiu da água um hom em m ais negr o que o pez, e seus olhos v er m elhos com o as
br asas, e aquele hom em pegou a lança com que a best a foi fer ida e fer iu aquele m eu filho que a fer ir a, com t ão
gr ande fer im ent o que o m at ou. E depois ao out r o; depois, ao t er ceir o; depois, ao quar t o; depois, ao quint o. E
depois m et eu- se na água, de m odo que depois nunca o vi. Est a dor que v os digo m e acont eceu num a hor a por
aquela best a at r ás da qual ides. E depois que v i que não podia m ais fazer , fiz m eus filhos aqui t r azer e os fiz
t odos os cinco num t úm ulo colocar , num a capela que aqui est á e por causa deles fiquei aqui e deix ei os
pr azer es das r iquezas do m undo, e quer o j á sem pr e ser v ir a Deus por eles e por m im . I st o v os cont o, disse o
er m it ão, por que v os dar ia conselho que não fósseis buscar a best a. E se ent r ast es na busca por loucur a, deix ai
à v ist a disso por sensat ez, por que assim Deus m e aconselhe, esper o de v ós m ais a m or t e do que a v ida,
por que ist o não é coisa de Deus, m as de diabo.
- Cer t am ent e, disse I v ã, o bast ar do, pois que a com ecei, não desist ir ei, por que m e r ecr im inariam os que
sabem e m ais quer er ia m or r er que deix á- la.
- Vós far eis quant o a isso v ossa v ont ade, disse o hom em bom , e não cuido que por isso v os bem
adv enha.
99. Com o o er m it ão disse a I v ã que não lhe dir ia onde achar ia a best a. Aquela noit e, ficou I v ã, o bast ar do, com
m uit o gr ande pesar daquilo que lhe o hom em bom disser a, por que er a coisa que o fazia m uit o espant ar e
desist ir da busca. Mas bem sabia que se v olt asse à cor t e, nunca t er ia honr a, se desist isse. De m anhã, assim
que ouviu m issa, cavalgou e encom endou a Deus o hom em bom e disse- lhe:
- Por Deus, r ogo- v os que m e digais onde achar ei m ais depr essa a best a.
- Por Deus, am igo, ist o não v os m ost r ar ei, por que se m ost r asse, v o- lo m ost r ar ia por v ossa m or t e.
- Senhor , disse I v ã, o bast ar do, pois que m e não quer eis dizer , encom endo- v os a Deus, qu e v os m an-
t enha em seu ser v iço.
Ent ão se separ ou dele e foi onde a v entur a o guiasse, com o quem não sabia onde a encont r aria. E assim
andou de um a par t e e da out r a, at é que encontr ou uns hom ens que guar dav am v acas, e per gunt ou- lhes se
v ir am a best a descom unal, e cont ou- lhes qual.
- Sabem os bem o que buscais; buscais a best a ladr ador a. I de no alt o daquela m ont anha e achar eis um
cam po e naquele cam po encont r ar eis um a gr ande ár v or e, e sob aquela ár v or e, um a gr ande font e. Ao lado
daquela font e, cost um a ela vir descansar e eu a vi chegar lá, há pouco.

100. Com o I v ã foi fer ido pelo cav aleir o da best a. Quando I v ã ist o ouv iu, fiCou m uit o alegr e e foi ao alt o da
m ont anha, e quando chegou à ár v or e, v iu em baix o dela um cav aleir o ar m ado de t odas as ar m as sobr e bom
cav alo, e t r azia consigo t rint a cães m uit o for m osos e bons de par ecer .
- Am igo, disse I v ã, o bast ar do, saber íeis m e dizer nov as da best a ladr ador a, que aqui cost um a v ir ?
Ent ão lhe disse o cav aleir o:
- E por que a buscais ou o que quer eis dela?
- Quer ia de bom gr ado encont r á- la, disse I v ã, o bast ar do, por que a ando buscando e não hei de deix á- la
at é que saiba a m ar av ilha dela.
- Com cer t eza, disse o cav aleir o, v ós sois sandeu, e néscio é aquele que em t al busca se esfor ça, por que
busca com o est a não é par a v ós. Muit o há m ist er m elhor cav aleir o do que v ós; e eu, que sou o mais fam oso
cav aleir o dest a t er r a, andei atr ás dela m ais de doze anos com t ant os cães com o aqui v edes, e nunca a pude
pr ender , nem m at ar , nem saber m ais do que sabeis dela. E v ós sois cav aleir o est r anho e sozinho lhe cuidais
dar cabo? Cer t am ent e, gr ande loucur a buscais.
- Qualquer que sej a a loucur a, disse I v ã, o bast ar do, m ant êla m e conv ém , pois a com ecei.
- Na dem anda, disse o cav aleir o, não v os m et ais m ais, por que eu v o- lo pr oíbo; por que, com cer t eza, não
sois de t al for ça e de t al bondade, que t ão alt a dem anda dev ais t er . E m ais v os digo, se fósseis o m elhor
cav aleir o do m undo, não supor t ar ia que fósseis at r ás da m inha caça, que m ant iv e t ão longo t em po, em que
sofr o t ant a dor e t ant o tr abalho, ant es com bat er ia conv osco at é a m or t e, e se m e m at ásseis, seguir íeis a caça;
m as, enquant o v iv er , não supor t ar ei a v ós nem a out r o.
- I st o não m e podeis pr oibir , disse I v ã, o bast ar do, nem m e podeis im pedir que a não m at e e não v á at r ás
dela, e se eu a encont r o em lugar onde possa m at á- la, m at á- la- ei.
- I st o far eis por m ui gr ande v ir t ude, disse o cav aleir o; por boa fé, ant es que m ais façais, v os cor t ar ei a
cabeça.
- Assim ? disse dom I v ã, o bast ar do, agor a sabei que não deix ar ei par a v ós a busca.
- Não? disse, pela m inha cabeça, ficar eis.
Ent ão se deix ou cor r er a ele quant o pôde o cav alo lev ar , e fer iu- o t ão fer ozm ent e que lhe quebr ou o
escudo e a lor iga e m et eu- lhe a lança pelo peit o; m as acont eceu- lhe bem que não foi a chaga m or t al, e lançou-
o em t er r a do cavalo, e ao cair quebr ou- lhe a lança e ficou o ferr o nele, e depois que o t eve em t er r a, disse:
- Senhor cav aleir o, agor a m e deix ar eis m inha caça: ao m enos est e m ês não poder eis ir buscá- la. Assim
Deus m e v alha, se v er gonha não fosse, cor t ar - v os- ia a cabeça, por que fost es com eçar cousa que n ão er a par a
v ós.

101. Com o o cav aleir o da best a fer iu Gilfr et e. Eles ist o falando, eis que a best a v eio à font e par a beber . E assim
que os cães a v ir am , for am a ela par a m at á- la. E quando ela v iu a água m al par ada, com eçou a fugi r . E Gilfr ete
que ent ão chegar a, quando a v iu, com eçou a ir atr ás dela. E quando a viu descer pela m ont anha e os cães
at r ás dela, com eçou a.per signar - se, pela v elocidade que lhe v iu, de que falou depois em Cam alot e a r ei Ar t ur
que lhe pedia as nov as: "Senhor , quando a set a sai da best a, não v ai t ão depr essa, com o a v i cor r er ."
Quando Gilfr et e v iu a caça com eçada, com eçou a ir at r ás dela e grit ou aos cães e at içav a- os. E quando o
cav aleir o desceu da m ont anha e v iu ist o, não lhe agr adou, por que lhe par ecia que lhe quer ia t om ar sua caça, e
disse- lhe:
- Volt ai, senão est ais m or t o.
E Gilfr et e não quis v olt ar par a ele, por que m uit o desej av a dar cabo daquela caça.
Quando o cav aleir o viu que não v olt av a, par eceu- lhe que o não fazia por despr ezo, que o não pr ezav a
t ant o que por ele quisesse volt ar . Ent ão m et eu m ão à espada e deix ou- se ir a ele, e o cavaleir o er a gr ande e
br ioso e ex per im ent ado dem ais e de gr ande bondade de ar m as, e fer iu Gilfr et e por cim a do elm o t ão r ij am ent e,
que m et eu t oda a espada por ele, assim que lhe lev ou o cour o da cabeça at é a t est a e, ao t ir ar a espada, caiu
Gilfr et e em t err a at or doado que não sabia onde est av a, nem se er a noit e, nem se er a dia. Quando o cav aleir o o
v iu em t err a, disse:
- Agor a deix ar eis m inha busca, por que v os conv ém deix ar . E m ais v os v aler a ir v er v osso com panheir o
que ficou na m ont anha.
I st o dizia por que pr esum ia que er a da casa de r ei Ar t ur . E depois que ist o disse, foi at r ás da best a e
deix ou Gilfret e j azer em t err a.

102. Com o Gilfr et e foi v er I v ã, o bast ar do. Assim se foi o cav aleir o at r ás da best a, e bem m ost r ou aos dois
com panheir os da casa de r ei Ar tur , que não quer ia que nenhum fosse at r ás da caça. E quando Gilfr et e se
lev ant ou, foi a seu cav alo e cav algou nele, e pensou que ir ia à m ont anha onde o out r o cav aleiro est av a. E
assim o fez: foi lá e encont r ou I v ã, o bast ar do, que v inha j á e que t ir ar a j á o fer r o de si. Mas per der a t ant o
sangue, que se espant av a com o não est av a m or t o. Mas, quando r econheceu Gilfr et e, ficou m uit o alegr e e
anim ado, t ant o com o se est iv esse são. E disse- lhe:
- Am igo, bem v indo!
E Gilfret e desceu e foi par a ele e per gunt ou- lhe com o lhe ia. - Muit o m al, disse ele, por que bem cuido que
est ou fer ido de m or t e, por que est ou fer ido pelo m eio do peit o, com um a lança.
E ele ist o dizendo, caiu em t err a desm aiado, pelo sangue que lhe caiu m uit o. E quando ist o v iu Gilfr et e,
pesou- lhe m uit o, por que, sem falha, I v ã, o bast ar do, er a dos esfor çados cav aleir os que hav ia na casa de r ei
Ar t ur . E se t ão for t e fosse de cor po, com o er a de ânim o, à m ar av ilha ser ia pr ezado.
Daquela fer ida ficou I v ã, o bast ar do, t r ês m eses que não pôde cav algar e ficou num m ost eir o, que er a de
m ulher es, nessa m ont anha. E Gilfr et e, que não est av a t ão fer ido, não ficou senão quinze dias. E quando pôde
cav algar , ent r ou nest a busca com o ant es.

XI V
D ondina x , Tr ist ã o e Asga r e s, o t r ist e

103. Mas or a deix a o cont o a falar de Gilfr et e e v olt a a Dondinax . Diz o cont o que, quando Dondinax se separ ou
de Galaaz e de I v ã, o bast ar do, foi at r ás de Tr ist ão. Mas Tr ist ão não ia senão dev agar , por que ia o cav alo
dev agar por lev ar t ais dois cav aleir os. E sabei que não er a o seu cav alo que cham av am bast ar do, ant es er a
out r o, por que Trist ão ia dev agar . E Dondinax ia de pressa e alcançou- o. E quando chegou a ele, não o
r econheceu, por que ele tinha, naquele dia, quebr ado o escudo e deix ar a- o num a t enda, que não ficav a longe
dali. Por isso foi que não o r econheceu. E grit ou par a Tr ist ão:
- Cav aleir o, deix ar v os conv ém o que lev ais, por que não t endes dir eit o, assim com o cuido. E se não, fer ir -
v os- ei com est a lança, e a per da e a desonr a t oda ser á v ossa.

104. Com o Tr ist ão r econheceu Dondinax e Asgar es, o t r ist e. Quando Tr ist ão ouv iu ist o que lhe dizia o cav aleir o,
em br açou o escu do e m et eu a espada na m ão e v olt ou a ele. E Dondinax lhe deu um m uit o gr ande golpe da
lança que lhe cor t ou o escudo e quebr ou- lhe a lança no m eio do peit o, m as out r o m al não lhe fez, nem o
m oveu da sela. E Tr ist ão, que er a m uit o fort e, feriu- o por cim a do elm o t ão r ij am ent e, que o lançou em t er r a
desm aiado, e não soube se est av a m or t o, se v iv o. Mas out r a fer ida não lhe fez; no ent ant o, foi a fer ida t al, que
lhe saiu sangue pelos olhos e pelas nar inas e pela boca. E depois que est av a em t er r a, Tr ist ão o olhou e
r econheceu- o e t ev e gr ande pesar , e bem cuidou que o m at ar a e, se est iv esse m or t o, per der ia por isso o
assent o da t áv ola r edonda, se lho soubessem , e ser ia per j ur o. Ent ão desceu e at ou o cav alo a um a ár v or e e foi
a ele, e t ir ou- lhe O elm o da cabeça; e quando o v iu t ão m alt r at ado, t ev e gr ande pesar . E quando Dondinax se
v iu aliviado do elm o, lev ant ou- se e lim pou os olhos, que t inha cheios de sangue. E Tr ist ão lhe disse:
- Am igo, com o v os sent is?
E ele o olhou; e quando o v iu a pé, não o r econheceu e disse a Tr ist ão:
- Por que v os pesa or a m uit o? E quem sois v ós? disse Dondinax .
- Eu sou Tr ist ão, v osso com panheir o da m esa r edonda, e m e pesa à m ar av ilha por que v os m et i a m ão. E
sabei que, se v os r econhecesse, não há no m undo ninguém , nem nada por que v os m et esse a m ão.
- Senhor , disse ele, pois v ós sois Tr ist ão, eu v os per dôo de t odo o cor ação.
E Tr ist ão t ir ou o elm o e ficou de j oelhos diant e dele e pediulhe m er cê. E Dondinax lhe per doou, e ele o
t om ou pela m ão e lev ant ou- o.
105. Com o Tr ist ão r ogou a Asgar es e a Dondinax que lhe per doassem . Quando Asgar es, o t r ist e, que m al fer ido
est ava à m ar avilha, viu o escudo de Dondinax, r econheceu- o e r econheceu Trist ão, e assim que t irou o elm o,
ficou m uit o alegr e, por que bem v iu que er am am bos com panheir os da m esa r edonda. E ent ão se er gueu e foi a
eles e disse:
- Dom Tr ist ão, v ós m e fizest es m al sem r azão nem dir eit o, e não dev íeis fazer .
Ent ão t ir ou o elm o Dondinax e r econheceu- o e levant ou- se par a ele e abr açou- o e disse- lhe:
- Am igo Asgar es, sede bem - v indo. E com o v os sent is?
Disse ele:
- Bem , gr aças a Deus, m as por pouco m e m at ar a dom Tr ist ão, que aqui est á, e por m uit o pequeno
engano.
E quando Tr ist ão ent endeu que er a da m esa r edonda, t ev e t ão gr ande pesar , que não pôde m aior ; e
cham ava- se infeliz e desgr açado; e disse que j am ais t er ia honr a e que não a devia t er com o quem er a per j ur o
e desleal cont r a os da m esa r edonda. E foi a seu cav alo e m ont ou nele e foi cor r endo quant o o cav alo o pôde
lev ar , e fazendo t ão gr ande lam ent o, com o se t iv esse diant e de si m or t a a pessoa do m undo que m ais am asse.
E os out r os, que j unt os ficav am , quando v ir am ir Tr ist ão assim , fazendo t ão gr ande lam ent o e ir t ão depr essa
com o se cor r essem at r ás dele, falar am disso m uit o. E Dondinax disse a Asgar es:
- Agor a podeis v er a boa v ont ade e a m oder ação do cav aleir o. E bem podeis cr er que lhe pesar a, se v os
afr ont asse sem r azão, quando por desconhecim ent o assim fez e assim lhe pesa. Por que nunca alguém v iu ir
cav aleir o com t ão gr ande pesar . Mas onde v os encont r ou ele, ou com o acont eceu est a v iolência ent r e v ós e
ele?
- Cer t am ent e, por m uit o pouca coisa, e v os dir ei com o foi, se quiser des.

106. Com o Asgar es, o t r ist e, cont ou sua t r ist eza.


- Aqui per t o hav ia um a donzela num cast elo, que m e quer ia m uit o bem , m uit o t em po há. Mas por que
am av a eu out r a m ulher , m ais r ica e m ais for m osa, não queria fazer nada do que ela m e pedia. E hoj e, nest e
dia, m e acont eceu que passav a diant e daquele cast elo, e v eio a m im um cav aleir o ar m ado de t odas as ar m as e
dissem e que ent r asse lá, por que a donzela queria falar com igo, e não quis lá v olt ar . E quando ele v iu que não
quer ia v olt ar , desafioum e; e ant es que m e m uit o afast asse, com bat eu com igo, e acont eceu que o m at ei e,
depois, fugi; e ant es que est iv esse longe daquele lugar , v i v ir dom Tr ist ão at r ás de m im ; e se eu cuidasse que
er a ele, não for a o preit o com o foi. E ele m e r ogou que v olt asse, m as não quis v olt ar por seu r ogo, por que o
não r econhecia. E com eçam os nossa pelej a ent r e m im e ele, m as est a f oi logo acabada, por que cont r a ele nada
ousei e r eduziu- m e a t al qual v edes e colocou- m e diant e de si com o v ist es e lev av a- m e diant e de si: e lev ar a-
m e à donzela, se v ós am bos não chegár eis; e m ais quiser a ser m or t o do que m e lev ar em par a lá.
- E est ais fer ido? disse Dondinax .
- Sim , disse Asgar es. Mas bem cuidar ia sar ar , se nest e lugar houvesse quem m e cuidasse das f er idas.
- Eu v os lev ar ei, disse Dondinax , onde possais sar ar . Aqui per t o há um m eu am igo e m eu par ent e, que
v os far á t odo bem que v os puder .
- Pois não há out r a coisa afazer , disse Asgar es.
Ent ão cav algar am am bos no cav alo de Dondinax , e for am par a a casa do cav aleir o.
Mas or a deix a o cont o a falar deles e t or na a Galaaz e a Boor z.

XV
Ga la a z e Boor z e m ca sa de r e i Br ut os

107. Com o Galaaz e Boor z for am at é a com panhia. Quando quer ia se separ ar de Galaaz par a ir a Galv ão, Boor z
cav algou no cav alo do cav aleir o que m at ar a, e deix ou o cav aleir o m or t o no m eio do cam inho, e não lhe quis
t om ar out r a coisa a não ser o cav alo, e depois que ent r ar am no cam po, disse Boor z a Galaaz:
- Muit o m e agr ada que v os encont r ei, por que m uit o cobiçav a v ossa com panhia nest a dem anda, e não m e
afast ar ei de v ós at é que a v ent ur a nos separ e.
Galaaz disse que lhe agr adav a sincer am ent e.
- Senhor , disse Boor z, em que dir eção quer eis ir ?
Assim Deus m e v alha, disse Galaaz, não sei. Hoj e de m anhã, ér am os t r ês com panheir os da t áv ola
r edonda, eu e I v ã, o bast ar do, e Don dinax, o selv agem , e acont eceu- nos que acham os um as encr uzilhadas e,
quando quer íam os nos separ ar , acont ecer am - nos t r ês av ent ur as m uit o m ar avilhosas.
E disse ent ão quais er am .
- E depois que nos despedim os, t om ou cada um sua car r eir a e por est a, disse, quer o eu ir , porque por
aqui se v ai ao cer v o que os quat r o leões guar dam .

108. Com o Galaaz e Boor z for am hóspedes do r ei Br ut os. Quando Boor z ist o ouviu disse:
- Assim Deus m e v alha, bem - av ent ur ados fost es, por que há t em po que não ouvi dizer que tr ês av ent ur as
com o est as acont ecessem . E pr ouv er a a Deus que m e acont ecesse est ar pr esent e a av ent ur as t ais com o ouv i
cont ar , quando v ós dela désseis cabo.
- Não sei, disse ele, se est ar eis lá; de hoj e em diant e, não par ar ei de buscá- la, se a v ent ur a não m o
im pedir , at é que saiba a v er dade do que quer significar .
Assim an dar am falando t odo aquele dia. E depois de v ésper as, quando com eçav a a anoit ecer , acont eceu
que achar am um cast elo num pequeno t err eno. E tinha nom e cast elo Br ut , por causa de Br ut os, que o fizer a. E
est e cast elo t om ar am os de Tr óia e o dest r uír am , quando os t r oianos for am der r ot ados pelos gr egos e v encidos
por Helena, a m ui for m osa.

109. Com o a filha do r ei Br ut os com eçou a am ar Galaaz. Aquele cast elo t inha o nom e Brut e ser ia bem
assent ado, se t iv esse pr ov isão de água. E o senhor daquele cast elo er a r ei e t inha o nom e Br ut os, por am or
daquele que o pov oar a pr im eir o. E sabei que o dom ínio daquele cast elo se est endia por t odos os lados um a
j or nada. Aquele Brut os, que ent ão r einav a, er a um dos bons cav aleir os do m undo e m uit o rico à m ar av ilha, e
hav ia m uit o conquist ado por sua cav alar ia, e t inha um a filha de quinze anos que er a a m ais for m osa donzela do
r eino de Logr es. E naquele m om ent o que os cavaleir os vier am , est ava o r ei encost ado a um a j anela em seu
palácio. E quando os v iu assim ar m ados v ir e sem com panhia, v iu que er am cav aleir os andant es, e ficou m uit o
alegr e com eles, por que m uit o am ar a sem pr e a cav alar ia e aqueles que a ela se dedicav am . Ent ão lhes m andou
dizer por dois cav aleir os que v iessem com ele pousar , por que não quer ia que pousassem com out r em . Quando
Galaaz e Boorz ouv ir am seu r ecado, consider ar am que er a ensinado a boa bar ba e agr adecer am - lho m uit o e
for am com os cav aleir os. E depois que est av am dent r o e for am desar m ados, o r ei os fez assent ar per t o de si e
fez- lhes m uit a honr a e com eçou a per gunt ar de seus feit os. E eles lhe disser am um pouco de algum as coisas. E
a filha do r ei Brut os, que er a m uit o for m osa, olhou m uit o t em po Galaaz e par eceu-lhe t ão for m oso e t ão bem
feit o, que o am ou ent r anhadam ent e, com o nunca am ou t ant o nada do m undo, que não t ir av a dele os olhos; e
quant o m ais o olhav a, m ais gost av a dele e m ais o am av a.

110. Com o a am a per gunt ou à donzela por que chor av a. Assim am ou a donzela Galaaz, m as nunca o v ir a nem
souber a que cousa er a am or , e olhav a Galaaz e pr ezav a- o t ant o em seu cor ação, m ais que t odas as coisas e
com o nunca m ulher hom em pr ezou; e por isso lhe par ecia que, se o não t iv esse à sua v ont ade, m or r eria. E por
ist o o cuidav a ela conseguir m uit o facilm ent e, por que o cav aleir o er a m uit o j ov em e m uit o form oso. E ela
cuidav a que de bom gr ado concor dar ia com t al coisa, por que ela er a das m ais for m osas m ulher es do r eino de
Logr es. E ist o a confor t av a, por que ele er a cav aleir o j ov em . E por isso cuidav a acabar m ais cedo seu desej o.
Mas est av a em seu íntim o t ão t rist e por que, se fizesse algum intent o de que o quer ia am ar , isto lhe seria
t om ado por m al, se o soubessem ; e, se algum a coisa não fizesse par a t er aquilo que desej av a, o não poder ia
supor t ar . I st o im aginou a donzela enquant o seu pai est av a falando com os cav aleir os. E depois que pensou
t ant o que não pôde m ais, foi par a a câm ar a e deix ou- se cair em seu leit o e com eçou a fazer t ão gr ande
lam ent ação com o se t iv esse seu pai m or t o diant e de si. Mas não gr it av a, chor av a t ão int im am ent e que
m ar av ilha er a. E ela assim fazendo seu lam ent o, ent r ou sua am a, que er a m ulher de gr ande ex per iência, que a
cr iar a desde pequena e a am av a com o se fosse sua filha. E quando v iu a donzela t ão sentidam ent e chor ar ,
m ar avilhou- se que er a. E disse:
- Ai, senhor a! o que t endes? Alguém v os fez algum pesar ? Dizei, m inha senhor a, por que chor ais, e eu
v os dar ei algum conselho, por que nunca est ar ei alegr e, enquant o est iver des t r ist e.
E a donzela não lhe quis dizer por que chor av a. E ela com eçou a confor t á- la e disse- lhe:
- De qualquer m aneir a, dizei- m e o que t endes e donde v os v em est e pesar .
E a donzela calou- se e deix ou um pouco sua fala. E disse- lhe a am a:
- Se m e não dizeis o que t endes, eu o dir ei a v osso pai. Mas ser á m elhor que m o digais, por que se cousa
é de encobr ir , não t enhais m edo que eu v os. descubr a algum dia.

111. Com o a donzela pr om et eu a sua am a que não am ar ia Galaaz. Quando a donzela v iu que sua am a o quer ia
dizer a seu pai, ficou m uit o espant ada, por que t inha m uit o gr ande m edo, por que er a m uit o br av o e de ânim o
for t e.
- Ai, dona! Por Deus, disse ela, não v ades; ant es v os dir ei o que m e per gunt ast es, m as por t al pr eit o que
m e não r ev eleis.
- Não t enhais m edo, disse ela, por que, se é coisa de encobr ir , eu v o- la encobr ir ei m uit o bem .
Ent ão disse a donzela:
- Eu am o t ant o um dest es cav aleir os andant es que aqui est ão que, se o não t iv er à m inha v ont ade, não
chegar ei a am anhã, ant es m e m at ar ei com m inhas m ãos.
Quando a m ulher ist o ouv iu, t ev e t ão gr ande pesar que não soube o que fizesse, por que bem sabia que se
a donzela o cav aleir o t ivesse à sua v ont ade, não podia ser que o r ei não soubesse, t ar de ou cedo; e quando
soubesse que o cavaleir o com ela est ava, ele er a t ão br avo que m at ar ia a donzela e quant os a nisso
aj udassem .

112. Com o a am a disse à donzela que t iv esse j uízo. Ent ão lhe disse a m ulher :
- Ai, louca, m esquinha e infeliz, se é ist o que m e dizeis, ou per dest es o j uízo, ou est ais encant ada, por que
sois donzela de alt a posição e sois t ão for m osa, e pondes v osso cor ação em um t ão pobr e cav aleiro est r anho,
que não conheceis. E se est a noit e aqui est iv er , não suceder á assim aqui de m anhã, nem ficar á aqui, por lhe
dar v osso pai t oda sua t err a. Guar dai o que dizeis e o que pensais e o que v os poder á acont ecer . Ai, louca, e
com o ousast es ist o pensar ? Cer t am ent e, se v osso pai souber , t odo o m undo não v os poder á v aler , que v os não
cor t e a cabeça.
Quando a donzela ist o ouv iu, ficou t ão espant ada, que bem quiser a est ar m or t a, por que do cav aleir o não
podia liv r ar o cor ação de m odo algum , ant es se esfor çar ia par a t er de t odo m odo o que pensav a. De nov o,
desconfor t av a- a m uit o a br av eza de seu pai. A donzela, que nest as coisas pensav a, chor av a ainda. E quando
falou, disse:
- Ai! desgr açada, infeliz e a m ais m aldit a coisa do m undo, m aldit a sej a a hor a em que eu nasci!
- Or a, dizei- m e, disse a am a, par ece- v os bom conselho o que v os dei de liv r ar des v osso cor ação daquele
cav aleir o?
- Sim , disse ela, a quem pudesse fazer de seu cor ação o que quer .
- Conv ém , disse ela, que o façais, se ludibr iada não quer eis ser .
- Dona, disse ela, eu o far ei, pois v ej o que out r a coisa não se pr epar a agor a par a acont ecer .

113. Com o a donzela falav a consigo em am or por Galaaz. Assim disse a donzela par a se encobr ir , m as out r a
cousa t inha no cor ação e m ost r ou aquela t ar de. Depois que am bos os cav aleir os deit ar am num a câm ar a, a
donzela, que bem cuidav a que j á dor m iam e que sabia o leit o de Galaaz, saiu de seu leit o em tr aj es de dor m ir ,
em bor a m uit o v er gonhosa e com gr ande pesar de que hav ia de fazer cont r a sua v ont ade o qu e lhe am or
m andav a, por que, por sua m á sor t e, tinha a donzela de r ogar o cav aleir o. E depois que ela veio à câm ar a onde
eles deit avam , ent r ou e ficou t ão espant ada, que não soube o que fazer . Mas t or nou em seu pr imeir o pensar
que o am or lhe aconselhava e esfor çou- se t ant o, cont r a sua vont ade, que foi a Galaaz e er gueu o cober t or e
deit ou- se ao lado dele. E Galaaz que dor m ia m uit o pesadam ent e, pelo t r abalho que t iv er a, não desper t ou.
Quando a donzela viu que dor m ia, não soube o que fizesse,
por que, se o desper t asse, t ê- lo- ia por loucur a e que assim cost um av a fazer aos out r os que aí v inham , e hav er ia
nisso m aior espant o e m aior sanha, quando visse que assim se denodav a, sem r ogo. Ent ão disse dent r o de si
em voz baix a:
- I nfeliz, ludibr iada sou e av ilt ada e nunca t er ei honr a em nada que faça, quando, par a m eu pecado e
par a m eu feit o e sem pedir , v im deit ar com est e cav aleir o est r anho, que não sabe nada da m inha v ida.
Depois disse:
- Ai, louca e néscia, que é ist o que dizes? Tu não poder ás fazer nada por est e cav aleir o que não t e sej a
v er gonha e desonr a.
E ela cuidav a que, depois que fosse deit ar ao lado dele, cum pr ir ia ele seu int ent o; e de m odo algum não
cuidava, pois ela er a t ão for m osa e de t ão alt a posição, que ele t ão vilão fosse que não cum pr isse sua vont ade.
Ent ão se chegou a ele m ais que antes e pôs a m ão nele m uit o dev agar par a desper t á- lo; m as, quando sent iu a
est am enha que o cav aleir o v est ia, por que sem est am enha nunca ele est av a nem de noite nem de dia, ela ficou
t ão espant ada que disse logo:
- Ai, infeliz, que é ist o que vej o? Não é ele cavaleir o dos cavaleir os andant es, que dizem que são
nam or ados, m as é daqueles cuj a v ida e alegr ia est á sem pr e em penit ência, pela qual lhes adv ém gr ande bem
par a o out r o m undo, e per doa Deus aqueles que er r o t iv er em feit o contr a ele. E por nada, disse ela, posso
acabar com ele o que quer ia. E com o quer que est e cavaleir o sej a alegr e par a par ecer , gr ande é o sofr im ent o
de sua car ne e m ost r a bem que o seu cor ação pensa em cousa difer ent e do que a m inha car ne m esquinha
infeliz j á pensav a. Est e é dos v er dadeir os cav aleir os da dem anda do sant o Gr aal e em m á hor a foi tão for m oso
par a m im .
Ent ão com eçou a chor ar e fazer seu lam ent o o m ais baix o que pôde, par a que não a ouv issem .

114. Com o dom Galaaz achou a donzela consigo no leit o. Ao cabo de algum t em po, desper t ou- se Galaaz e
v ir ou- se par a a donzela, e, quando a sent iu, m ar av ilhou- se e abr iu os olhos. E quando viu que er a donzela,
espant ou- se e ficou m uit o sanhudo e afast ou- se dela quant o lhe o leit o per m it iu, per signou- se e disse:
- Ai, donzela! Quem v os m andou aqui cer t am ent e m au conselho v os deu; e eu cuidav a que de out ra
nat ur eza ér eis v ós. E r ogov os, por cor t esia e por v ossa honr a, que v os v ades daqui, por que, com cer t eza, o
v osso louco pensar não ent ender ei eu, se Deus quiser , por que m ais dev o r ecear per igo de m inha alm a do que
fazer vossa vont ade.

115. Com o a donzela am eaçav a Galaaz. Quando a donzela ist o ouv iu t ev e t ão gr ande pesar que não soube o
que fizesse, por que a r espost a de Galaaz que ela am av a sobej o, lhe fez per der o senso c t odo o ânim o. E ele
lhe disse:
- Ai, donzela! Desat inada est ais; lem br ai- v os de v ossa sit uação e olhai a altur a de v ossa linhagem e de
v osso pai e fazei que não t om em desonr a por v ós.
Quando a donzela ist o ouviu, r espondeu com o m ulher for a de j uízo:
- Senhor , não há necessidade disso, pois que m e t ão pouco pr ezais, que de m odo algum não quer eis
senão m at ar - m e. E a m or t e est á com igo logo, por que m e m at ar ei com m inhas m ãos e t er eis por isso m aior
pecado do que se m e t iv ésseis conv osco, por que sois a r azão da m inha m or t e, e v ós m a podeis im pedir , se
quiser des.
E Galaaz não soube o que dissesse, e disse à donzela que, se se m at asse com o dizia e por t al r azão, bem
ent endesse que não daria nada por sua m or t e; e por outr o lado lhe disse que, se fosse a m ais for m osa que
Nosso Senhor t ivesse feit o, ele não olhar ia m ais par a ela; e disse- lhe que m ais lhe valer ia ficar em vir gindade,
por que se lhe os out r os fizessem t ant o com o ele, bem poder ia ser que m or r esse v ir gem . E a donzela que
est av a t oda com o par alisada, quando v iu que de Galaaz não poder ia t er seu pr azer , disse:
- Com o? cav aleir o, ainda quer eis ser t ão v ilão que m e não quer eis out r a coisa fazer ?
- Não, disse ele.
- Bem v os digo, e bem est ai segur o, por boa fé, disse ela, ist o ser á loucur a, por que m or r er eis ant es que
daqui saiais.
- Não sei, disse ele, o que ser á; m as se isso fosse, ant es eu quer er ia m or r er fazendo lealdade do que
escapar e com et er um er r o, o que não quer eria.

116. Com o a donzela se m at ou por am or de Galaaz. Depois que ist o ouv iu, não esper ou m ais, ant es saiu do
leit o e foi corr endo à espada de Galaaz, que pendia à ent r ada da por t a da câm ar a, e sacoua da bainha e pegou-
a com am bas as m ãos e disse a Galaaz:
- Senhor cav aleir o, v edes aqui o engano que hav ia nos m eus pr im eir os am or es. E m au dia fost es t ão
for m oso, que t ão car o m e conv ir á com pr ar v ossa beleza.
Quando Galaaz v iu que ela j á tinha a espada na m ão e que se queria fer ir com ela, saiu do leit o t odo
espant ado e gr it ou- lhe:
- Ai, boa donzela! Tem um pouco de paciência e não t e m ales assim , que far ei t odo t eu pr azer .
E ela, que est av a t ão aflit a que não poder ia m ais, r espondeu com r aiv a:
- Senhor cav aleir o, t ar de m o dissest es.
Ent ão er gueu a espada e fer iu- se com t oda a sua for ça por m eio do peit o de m odo que a espada passou
de um a par t e. E caiu em t er r a m or t a, que não falou m ais nada.

117. Com o Boor z se m ar av ilhou. Quando Galaaz ist o viu, ficou t ão espant ado que m ar avilha er a e vest iu- se o
m ais depr essa que pôde e saiu do leit o e disse:
- Ai! Sant a Mar ia! Que é ist o que v ej o?
A ist o, desper t ou- se Boor z e saiu do leit o e disse:
- Senhor , que é ist o?
- Por Deus, Boor z, disse Galaaz, est a é a m aior m ar av ilha que nunca v ist es. Est a donzela se m at ou sem
r azão com m inha espada.
Quando Boor z ist o ouv iu, disse:
- O diabo lhe fez fazer . Agor a não sei o que façam os, por que seu pai não acr edit ar á em nós, ant es dir á
que a m at am os.
- Não v os ent r egueis a t ão gr ande aflição, disse Galaaz, por que Deus é j ust o e nos aj udar á.
Assim acont eceu à donzela, com o v os cont o, que se m at ou por am or de Galaaz.
Per t o daquele aposent o onde a donzela j azia m or t a, dor m iam duas m ulher es doent es. E quando ouv ir am
o que os cav aleir os diziam , saír am do leit o em tr aj es de dor m ir e for am lá. E quando vir am a donzela m or t a,
com eçar am um t ão gr ande lam ent o, que er a m ui gr ande m ar av ilha.
118. Com o r ei Br ut os saiu ao r uído. O r ei, que est av a em sua câm ar a, bast ant e longe dali, quando ouv iu o
r uído, er gueu- se t odo espant ado e foi par a lá. E quando achou sua filha m or t a, ficou m uit o fur ioso e disse:
- Ai, Deus! Quem fez est e dano?
- Senhor , disser am os que lá est av am , quem v o- lo poder ia fazer senão est es cav aleir os que ont em
conv idast es?
- Ai, disse o r ei, m at ar am - m e. Pr endei- m os por que nunca m ais ficar ei alegr e at é que t om e deles v ingança
t al qual m e for j ulgada por m inha cor t e.
Quando Boor z ist o ouv iu, não lhe falt ou ânim o por que er a m uit o for t e e j á hav ia passado por m uit os
per igos. E Boor z foi à espada e t ir ou- a da bainha e disse a Galaaz:
Senhor , t om ai v ossas ar m as e cuidai em v os defender por que m e par ece que v os é m uit o necessár io. E
eu vos defender ei at é que est ej ais ar m ado.
Galaaz foi cor rendo às suas ar m as, que est av am diant e do leit o, e ar m ou- se o m elhor e o m ais r ápido que
pôde. Ent ão quiser am eles at acar logo Boor z e quiser am - no pr ender , m as não puder am , porque ele se
defendeu t ão m ar av ilhosam ent e com sua espada, que lhes cor t av a as cabeças e os br aços e der r ubav a uns
par a cá e out r os par a lá, e lim pou deles t ão bem a câm ar a que, em pouco t em po, não fI cou ninguém , senão
eles am bos e o cor po da donzela, afor a cav aleir o m or t o ou m uit o fer ido que não pôde sair . Depois que fez ist o,
fechou m uit o bem a por t a da câm ar a e foi pegar suas ar m as c ar m ou- se m uit o bem . E depois que est av am
m uit o bem ar m ados am bos, disse Boor z a Galaaz:
- Desgr aça foi dest a donzela que assim se m at ou, há pouco. Ter em os que pagar car o sua m or t e. No
ent ant o, pois que v os v ej o j á ar m ado, não t enho deles pav or nenhum .
- Se Deus quiser , disse Galaaz, sair em os daqui sãos, assim com o ele sabe que não t em os culpa na m or t e
dest a donzela.
Ent ão t ir ou dela a espada e lim pou- a do san gue, e depois, foi à por t a da câm ar a e disse:
- Não v iem os aqui par a ser pr esos.
E ele abr iu as por t as e for am am bos ao paço, e os out r os, que est av am j á ar m ados par a com bat er com
eles na câm ar a, quando os vir am consigo t ão vivam ent e sair e j á pr epar ados par a fer ir e se defender , ficar am
t odos espant ados, que t odos diziam :
- Lum e!
E o lum e er a m uit o gr ande na casa, por que t odos t r aziam , uns candeias e out r os, fachos acesos. E o r ei,
que j á est av a ar m ado, quando v iu aqueles que no paço est av am , que não er am senão dois, e que esper av am
aqueles t odos que no paço est av am e que bem passav am de cinqüent a ar m ados, m ar av ilhou- se do que podia
ser , e ent endeu que er am os m elhor es dois cav aleir os que nunca v ir a, ou er am os m ais loucos. E o r ei, que er a
m uit o bom cav aleir o e m uit o v alent e, disse a seus hom ens que se afast assem at é que falasse com aqueles
cav aleir os.

119. Com o o r ei e Boor z ar gum ent av am por sua filha. Ent ão se m et eu o r ei na fr ent e e disse:
- Cav aleir os, r azão t enho de m e queix ar de v ós que, em m inha casa, on de v os r eceber a m uit o bem , por
honr a da cav alar ia, m at ast es m inha filha. Cer t am ent e, m uit o m e pesar á, se dest a t r aição não t om ar v ingança à
m inha v ont ade.
A ist o r espondeu Boor z e disse:
- Senhor , v ós sois r ei e r ei que m ent e não dev e nem v ale t r azer cor oa. Cer t am ent e, m uit o v os dev er íeis
guar dar de dizer cousa que não soubésseis ser v er dade.
- Eu sei bem , disse o r ei, que um de v ós am bos a m at ou. Se v os apr az, pr ov ar ei a qual de v ós quiser des
que é assim .
- Cer t am ent e, disse Boor z, cada um de nós se defender ia de v ós e cont r a o m elhor que v ós t endes, se
não fosse um a coisa.
- Que coisa é? disse o r ei.
- I st o v os dir ei eu, disse ele. Vós sabeis que nos alber gast es e nos fizest es m uit a honr a e m uit a m er cê
sem pr e, enquant o conv osco fom os. Vist o que nos fizest es t ant a honr a sem nosso m er ecim ent o, a br av ur a e a
m aldade se nos t or nar ia, se v os pois m at ássem os.
- Ai! disse o r ei, est e engano não v os é necessár io; ou v os defender eis de m im que v os desafio ou far ei de
v ós com o de cav aleir o t r aidor .
- E se m e eu de v ós puder defender , disse Boor z, est ar em os segur os de v ós e de t odos os out r os?
- Cer t am ent e, disse o r ei, sim , que j am ais achar eis depois quem v os pesar faça.
- Pois feit a nos é a bat alha, disse Boor z, por m im não ficar á.

120. A bat alha de r ei Br ut os e de Boor z. Depois dest a palav r a, não houv e out r a t ar dada, e deix ou- se cor r er , um
ao out r o com as espadas e der am - se t ão gr andes golpes, que puder am t r azer as espadas de alt o. E o r ei est av a
fur iosíssim o com a m or t e de sua filha e cuidav a que eles a m at ar am e cuidav a disso v ingar por si, por que se
sent ia m uit o br ioso e m uit o v alent e e deix ou- se cor r er a Boorz e deu- lhe um golpe por cim a do elm o, o m aior
que pôde, m as gr ande m al não lhe fez por que o elm o er a m uit o bom . E Boor z, que m uit o gr ande golpe hav ia
dado e que o não quis enganar de nada, fer iu- o t ão for t em ent e por cim a do elm o, que o r ei ficou at ur dido que
se não pôde m ant er de pé e deu com as palm as das m ãos e os j oelhos em t er r a e caiu- lhe a espada da m ão; e
Boor z t ornou out r a v ez e feriu- o com t ão gr ande golpe que lhe j ogou o elm o longe da cabeça, assim que ficou a
cabeça do r ei descober t a e desar m ada, ex cet o da coifa de fer r o. Ent ão caiu o r ei em t er r a, de nov o l ev ant ou- se
o m ais r ápido que pôde m uit o fer ido e m uit o m alt r at ado. Ent ão lhe disse Boor z:
- Agor a v edes com o é. E se eu quisesse j á v os agor a m at ar a, m as não quer o, at é que saiba se t er em os
paz conv osco. E de paz m e par ece que t endes m ais m ist er que de guer r a; e bem v edes que est ais sem ar m as e
que facilm ent e v os poder ei m at ar , se quiser .
A ist o r espondeu o r ei e disse:
- Cer t am ent e, cav aleir o, sei que dizeis v er dade e v ej o que v ós, Boor z, m e m at ár eis, se quisér eis, m as
v ossa cor t esia não v os per m it iu. E, por t ant o, v os dou por quit e dest e desafio e faço- o m ais por v ossa boa
cav alar ia, que por out r a r azão, por que m uit o seria gr ande m aldade se, depois da m or t e da m ilha filha, que não
posso r eav er , fizesse m at ar t ão bom cav aleir o com o v ós. Mas r ogo- v os, por Deus e por cor t esia, que m e digais
com o ou por que m at ast es m inha filha.
- Senhor , disse Boor z, sobr e t oda m inha cr ença e sobr e t oda honr a de cav alar ia e pela fé que dev o a m eu
senhor Lancelot e, eu vos j ur o que não a m at am os.
- E pois com o foi? disse o r ei, m uit o o desej ar ia saber .
- Senhor , ist o v os dir ei eu que não m entir ei em nada. Ent ão lhe com eçou a cont ar assim com o o cont o j á
r eferiu. Quando o r ei ent endeu que sua filha se m at ar a com suas m ãos, disse:
- Ai, Deus! com o ist o foi desgr aça!
Ent ão, nov am ent e disse a seus hom ens:
- I de- v os desar m ar , por que assim Deus m e salv e, t ão bons hom ens com o est es e que m al m e não
m er ecem , não r eceber ão de m im m al, por que est a desgr aça e est a v er gonha não nos acont eceu senão pelo
nosso m ui gr ande pecado.

XVI
Ga la a z, Boor z e o ca v a le ir o da be st a la dr a dor a

121. Com o Galaaz e Boor z v ir am a best a ladr ador a. Os cav aleir os que diant e do r ei est av am , quando ouv ir am a
or dem de seu senhor , desar m ar am - se logo. Ent ão am anhecia j á. Galaaz e Boor z, quando vir am que j á r aiav a o
dia, disser am ao r ei:
- Senhor , se v os apr az, fazei- nos dar nossos cav alos, por que t em os t ant o de fazer , que não podem os aqui
ficar .
E o r ei lhos m andou logo dar . E eles se despedir am e ent r ar am logo em seu cam inho e disser am que bem
lhes acont ecer a afinal, segundo o com eço, que for a m au. E quando se par t ir am do cast elo onde encont r ar am
quem lhes fizer a m uit a honr a e m uit o pesar pela donzela que cuidar am que m at ar am , cav algar am j unt os at é a
hor a de m eio- dia. Ent ão lhes acont eceu que v ir am sair de um v ale a best a ladr ador a, e v inha só, m as m uit o
cansada por par ecer que m uit o cor r er am at r ás dela naquele dia. Galaaz, t ão longe com o a v iu, r econheceu- a e
m ost r ou- a a Boor z e disse- lhe:
- Boor z, v edes aqui um a av ent ur a m ar av ilhosa.
Ent ão lhe cont ou o que vir a com I v ã, o bast ar do, que for a at r ás dela.
- Par ece- m e, disse ele, que a deix ou.
- Senhor , disse Boor z, est a coisa é t ão m ar av ilhosa, que sei bem que não é out or gado sabê- la a qualquer
pessoa. E bem cuido que nunca em v er dade sej a conhecida, a não ser por v ós, por que, cer t am ent e, est a
avent ur a não é senão par a vós.
- Não sei, disse ele, m as ist o bem quer ia que Deus m e out or gasse, que é coisa que de m uit o bom gr ado
quer ia saber .
Enquant o eles ist o diziam , iam em dir eção dela dir et am ent e; m as assim que o ela ouv iu, v ir ou a cabeça
do out r o lado e com eçou a ir t ão depr essa, que não há best a no m undo que a alcançar pudesse. E em pouco
t em po, afast ou- se t ant o deles que não souber am dela o r um o. E Galaaz disse:
- Agor a t enho m edo de que a t enham os per dido.
- Por per dida a dev em os t er , disse Boor z, por que não há nada no m undo t ão v eloz, nem t ão ligeir o, que a
alcançar pudesse; e por quant o eu v ej o, a louco pr eit o se entr egam quant os se esfor çam em buscá- l a. E por
isso, quant o da m inha par t e é, nunca m e esfor çar ei por segui- I a, a m enos que ande conv osco e se quiser des ir
a ela.
- Não v os espant eis, disse Galaaz, por que, se Deus quiser , pelo esfor ço que nisso fazem os, saber em os a
r espeit o dela a ver dade, em m uit o pouco t em po.
122. Com o Galaaz e Boorz encont r ar am Palam ades, o da best a ladr ador a. Eles nist o falando, eis que em
dir eção deles v em um cav aleir o ar m ado de um as ar m as negr as, aquele que der r ibar a I v ã, o bast ar do, e
Gilfr et e. E vinha sobr e um cavalo m uit o bom e t r azia m ais de t r int a cães e, assim que chegou a eles,
per gunt ou- lhes, sem saudá- los:
- Senhor es, v ist es por aqui passar a best a ladr ador a?
- Sim , disse Boor z. Mas por que o per gunt ais?
- Por que é m inha caça, disse ele, e vou at r ás dela e ir ei at é que a sor t e queir a que a ache.
- Pois, disse Boor z, agor a podeis ir j unt o conosco, por que assim com eçam os nós ir at r ás dela e não
desist ir em os dela at é que saibam os de onde est as v ozes v êm , que dela saem .
- I st o é loucur a, disse o cav aleir o, que v ós t al dem anda com eçast es, por que a não m er eceis. Nest a t er r a,
por acaso, há u m t al cav aleir o que, se souber que v ós at r ás dela quer eis ir , v o- lo far á desist ir por v ossa
desonr a, por que t ant o andou at r ás dela, que não quer er ia que out r a pessoa fosse at r ás dela.
Boor z com eçou a r ir ent ão e disse:
- Eu não conheço cav aleir o no m undo par a o qual a deix asse, se da m esa r edon da não fosse.
- Cer t am ent e, disse o cav aleir o, nunca ele foi da m esa r edonda, em bor a m uit as v ezes t enha ido à casa de
r ei Ar t ur . Digo- v os que não há t ão bom cavaleir o na Gr ã- Br et anha, que ele não cuidasse vencer , ant es que o
dia saísse.
- Se eu cuidasse, disse Boor z; cuidaria de gr ande loucur a, por que cer t am ent e, na casa de rei Ar t ur há
m elhor es cav aleir os que esse, e por ist o que m e dizeis,pr om et o a Deus, diant e de dom Galaaz que aqui est á,
que m ant er ei est a dem anda par a ver se aquele cavaleir o de quem m e vós falast es, é t ão louco que m o queir a
pr oibir .
- Or a, apar ecer á, disse o out r o, o que a r espeit o far eis, por que bem v os digo que, se quiser des fazer
com o dizeis, m al v os acont ecer á por isso, ainda que não houv esse out r o cav aleir o no m undo, for a v ós e ele.
Depois que ist o disse, com eçou a ir o m ais r ápido que pôde, par a onde cuidou que a best a est av a. O
m esm o fizer am Galaaz e Boor z, e andar am t odo aquele dia, at é hor a de v ésper as. Ent ão lhes acont eceu que
achar am um cav aleir o v elho, que cav algav a desar m ado, ex cet o de espada, e saudar am - no e o cav aleir o a eles,
e per gunt ou- lhes de onde er am . E eles disser am que er am da casa de r ei Ar tur .
- E sois v ós, disse ele, da t áv ola r edonda? - Sim , disser am eles.
- Pois sede bem - v indos, disse ele, por que por v ossa v inda est ou m uit o alegr e, e m ais, por que é hor a de
alber gar , de hoj e em diant e m e far eis com panhia, à v ossa m er cê, e ficar eis com igo em um a for t aleza m inha,
que fica m uit o per t o daqui, onde ser eis alber gados e sat isfeit os à v ossa v ont ade, e r ogo- v os que m e out or gueis
ir lá.
E eles lho out or gar am , por que ent ender am que j á er a hor a de alber gar em - se.

123. Com o Galaaz e Boor z for am hóspedes de Esclabor , o não conhecido. Ent ão par t ir am e for am com ele, e
quando chegar am à for t aleza, for am m uit o bem r ecebidos, naquela t ar de; e depois que com er am , lev ou- os o
cav aleir o a um pr ado par a descansar em e per gunt ou- lhes o que andav am buscando por aquela t er r a. E Boor z
que er a m aior e de m ais palav r a, r espondeu ao anfit rião:
- Ent r am os r ecent em ent e na busca de um a best a at r ás da qual v am os.
E r ev elou- lhe qual er a. Quando o cav aleir o ist o ouv iu, com eçou a pensar e, pensando, chor ar m uit o; se
ant es est av a alegr e, ficou m uit o tr ist e e disse:
- Ai, Deus! Maldit a sej a a hor a em que aquela best a nasceu, por que por ela per di, que eu saiba, o m elhor
cavaleir o que algum a vez t r ouxe ar m as da Gr ã- Br et anha.
E depois que ist o disse, t or nou a seu pensar e chor ar com o ant es, e os cav aleir os não lhe falar am , com
m edo de lhe pesar . E depois que pensou m uit o t em po, esfor çou- se par a fazer - lhes m elhor at itude, e disse:
- Senhor es, por Deus, não m o lev eis a m al, por que v os par eço t r ist e, por que não posso m ais; por que as
nov as dest a best a que agor a dissest es, m e confundem , cada v ez que as ouço e m e lem br am dela. E v os dir ei
com o é, e o t er ei por gr ande m ar av ilha e não v o-lo digo par a m e aj udar des nisso, por que não poder íeis.

124. Com o Esclabor cont ou seus j eit os a Galaaz e a Boor z. Ver dade é e Deus e os hom ens o sabem que sou
nat ur al da Galiléia e fui pagão e sou cav aleir o assaz bom , e par a v er as pr oezas da t áv ola r edonda e par a
pr ov ar a cav alar ia, cuj a t ão gr ande fam a cor r ia pela t er r a e pelo m undo, v im aqui pouco ant es que r ei Ar t ur
fosse cor oado. Um dia v im à cor t e de r ei Ar t ur , quando ele com eçav a a r einar , com um cav aleir o que foi m eu
com panheir o de ar m as m ais de t r ês anos, e cuidava que eu er a cr ist ão, m as não o er a, e r ei Ar t ur e m uit os
hom ens bons que m e conheciam , que m e t inham por bom cav aleir o, t odos cuidav am que eu er a cr ist ão.
Naquele dia que v os digo, acont eceu que t r oux er am cav aleir os à cor t e um a m uit o for m osa donzela, filha de um
gigant e, que naquele dia m at ar am num a m ont anha, e quando a der am ao r ei, per gunt ar am - lhe se quer ia ser
cr ist ã, e lhe dariam t err a rica e bom cav aleir o por m ar ido. E ela disse que ant es quer ia m orr er de qualquer
m or t e, a ser cr ist ã. E por isso não houv e cav aleir o que a quisesse pedir ao r ei, senão eu, que não er a cr ist ão.
E, quando a pedi, o r ei m e disse:
- Que far eis dela, pois que cr ist ã não quer ser ?
- Senhor , disse eu, m ais m e agr ada ser assim do que cr ist ã, por que bem sabeis que sou pagão com o ela,
e por isso v o- la peço.
E o r ei, que bem m e conhecia, por que m uit as v ezes m e v ir a em m uit os t or neios, disse:
- Com o? Não és cr ist ão?
- Não, senhor , disse eu.
- Por Deus, disse ele, m al t e conheci. E por isso posso dizer que t ens nom e Esclabor , o não con hecido.
Assim com o m e o r ei ent ão cham ou, assim sem pr e t iv e nom e a par t ir daí. E por que pedi a donzela, deu-
m a, e disse- m e:
- Agor a sej a t ua, pois am bos sois de um a lei, m as m uit o v os am ar a m ais, se fôsseis cr ist ãos.
E depois que t iv e a donzela, par t i m uit o feliz da cor t e e v iv i com aquela donzela doze anos e t iv e dela
doze filhos, que v i depois t odos cav aleir os gr andes e for t es e m uit o ousados, t ant o que não conhecer ia ninguém
na Gr ã- Br et anha, cav aleir os de t al fam a. Assim m e fizer a Deus bem de t al com panhia, que v os digo, v ist o que
t odos sabiam que er am pagãos e er am m uit o honr ados onde quer que chegassem , com o se fossem seus filhos
t odos, de r ei Ar tur .

125. Com o Esclabor cont ou a Galaaz e a Boor z com o per der a seus onze filhos. Um dia acont eceu qu e eu est ava
com m inha m ulher e com m eus filhos num cast elo que m e der a o r ei Ar t ur , pouco hav ia. E depois que
com êr am os, er a hor a de m eio- dia, ent ão nos chegar am as nov as da best a ladr ador a, que nos disse um nosso
escudeir o, que ent ão passav a diant e da por t a de m eu cast elo. Ent ão pegam os nossas ar m as, e t odos os nossos
filhos for am conosco, m enos um que est av a doent e. E depois que cav algam os, fom os at r ás dela e assim que a
alcançam os num lago onde entr ar a par a beber - o lago não er a m uit o lar go - cer cam o- la de t odos os lados,
assim que não podia sair , a não ser por um de nós. Quando se v iu cer cada, par ou e fez de m odo que não
quer ia m over , e disse ent ão a um de nossos filhos que a ferisse, e ele feriu- a assim que o ferro da lança
apar eceu do out r o lado da cox a. E ela deu um gr it o t ão dolor ido e t ão espant oso, que não há no m undo
cav aleir o que a ouvisse, que dela não tiv esse gr ande pav or . Que v os dir ei? A v oz t ão est r anha e tão esquiv a,
que não houv e um de nós que se pudesse m ant er em sela, e caím os t odos em t er r a desm aiados.

126. Com o Esclabor louv av a Palam ades, seu filho. Quando acor dei, achei- m e fer ido de um a lançada por m eio
do cor po, de t al m odo que cuidei logo m or r er . E quando olhei ao r edor de m im , cuidei t er aj uda de m eus filhos,
e achei- os t odos os onze m or t os. Que v os dir ei? I st o foi sabido por t oda a t er r a, e t iv er am t odos m uit o gr ande
pesar . E eu que não est ava fer ido de m or t e, subi em m eu cavalo, m andei buscar m eus filhos e os f iz enter r ar .
Aquele m eu filho que ficou no cast elo er a o m aior . E quando viu com o nos acont ecer a, t ev e t ão grande pesar
que j ur ou que nunca m ais deix aria de aquela best a seguir , at é que a m at asse ou ela a ele. Dest e m odo
com eçou m eu filho aquela caça que a m ant ev e at é aqui, e ainda a m ant ém .
- E que ar m as t r az? disse Boor z.
E ele lho disse.
- Por boa fé, disse Boor z, nós o v im os hoj e.
- Or a, sabei, disse ele, que v ist es um bom cav aleir o, quando o v ist es. E se não fosse m eu filho e o
conhecesse com o conheço, eu dir ia que er a o m elhor cav aleir o que algum a v ez houv e na Gr ãBr et anha; m as
som ent e lhe falt a ser crist ão.
- Com o? disse Boor z, e v ós sois j á cr ist ão?
- Sim , disse ele, por um a das for m osas av ent ur as que algum a v ez acont eceu a pecador , e v os dir ei qual.

127. Com o Esclabor cont ou de que m odo se t or nou cr ist ão. Acont eceu- m e um dia, agor a há seis anos, que ia
por um a flor est a e seis cav aleir os pagãos com igo, m uit o bons cav aleir os de ar m as e m uit o afam ados nest a
t er r a; e er a t ar de, t ant o que nos anoit eceu na flor est a e tivem os de lá ficar e par am os num pr ado que ficava
per t o do cam inho e pousam os num a choça que acham os, e com eçou ent ão fazer um t em po t ão for te e t ão feio
com o se o m undo t odo se houv esse de afundar , e dur ou at é m eia- noit e. Ent ão caiu um r aio do céu e m at ou
quant os cav aleir os com igo andav am , e eu fiquei desm aiado, m as out r o m al m e não fez nenhum , e fiquei assim
at é de m anhã.

128. Com o falav am no feit o da best a ladr ador a. Enquant o assim est av a desm aiado, v eio um a v oz sobr e m im
que m e disse:
- Hom em infeliz e pobr e de j uízo, j á t e livr ei duas v ezes de per igo da m or t e e nunca m e dest e galar dão.
Eu deit ar ei sobr e t i m inha v ingança, se t e não r econhecer es culpado diant e de m im , e a v ingança ser á t ão
m ar av ilhosa, que em t odo o m undo ser á sabida.
I st o m e disse a v oz e não m ais. E sabei que fui logo t ão conv er t ido, por que sabia que dizia a v er dade, que
nest e dia fui batizado com t oda m inha com panhia. Meu filho, sem falha, est e que anda seguindo a best a, não
se quis bat izar , ant es m e disse que j am ais seria crist ão por nada, at é que acont ecesse que soubesse a v er dade
da best a. Assim m e acont eceu com o v os cont o da best a m aldit a, que per di por ela m eus filhos e est ou por isso
t ão t r ist e, que cada v ez que ouço dela falar , não posso por m uit o t em po m ant er at it ude for m osa.
- Cer t am ent e, ist o não é gr ande m ar av ilha, disser am eles, por que foi m uit o gr ande a v ossa per da. Mas
com o quer que a per da sej a gr ande, conv ém que a sigam os nós, v ist o que a com eçam os. Por que, se a
deix ar m os, t om á- lo- iam por nosso m al.
- Deus v os dê nisso conselho e m ande que v os adv enha m elhor do que a m im . Cer t am ent e, nunca alguém
se esfor çou nist o que não se achasse m al no fim .
Depois que ist o disser am , for am deit ar e, de m anhã, quando se lev ant ar am , ar m ar am - se e despedir am - se
do anfit r ião e par tir am .

XVI I
I v ã de Ce ne l

129. Mas or a deix a o cont o a falar de Galaaz e t or na a Galv ão. Cont a a est ór ia que Galv ão, depois que foi
cur ado do fer im ent o que lhe fizer a Galaaz e sentiu que poder ia cav algar , cav algou de nov o e seguiu o seu
cam inho e, andando assim por duas j or nadas, acont eceu um dia que encont r ou I v ã de Cenel, bom cav aleir o e
valent e, que er a da m esa r edonda, e saudou- o assim que a ele chegou, e o out r o t am bém a ele, m as não se
r econheciam , por que t inham as ar m as t r ocadas. E indo pelo cam inho der am início a per gunt as. E depois que se
r econhecer am , ficar am m uit o alegr es e, por fim , concor dar am que se não separ assem , v ist o que Deus os
aj unt ar a, at é que a v ent ur a os fizesse separ ar .

130. Com o Galv ão v olt ou e I v ã foi ao cast elo. Aquele dia, cav algar am junt os, falando de m uit as coisas; e, no
out r o dia, chegar am a um cast elo bem for t e e bem for m oso, que ficav a sobr e um a r ibeir a. Mas par eceu- lhe que
er a j á er m o. E quando chegar am à por t a, achar am sobr e um a pedr a, um let r eir o escr it o na pedr a, que dizia:
"Aqui j az Lam or ant e, aquele que por t r aição m at ou Galv ão, o sobr inho do r ei Ar t ur ."
Depois, nov am ent e achar am out r o let r eir o que dizia: "I st o or denam os do cast elo: que ninguém da
linhagem de r ei Ar t ur sej a ousado ent r ar ; por que se sozinho entr ar e ficar só, t odo o m undo não o livr ar á de
m or t e."
Depois que ler am os let r eir os, Galv ão, que bem sabia com o er a, t or nou a r édea ao cav alo, e disse:
- Volt em o- nos daqui, dom I v ã, por que se lá ent r ar m os, est am os m or t os.
E aquele, que t ão valent e er a que não t em eria a m or t e, se a visse chegar , disse:
- Por Deus, ist o não m e acont ecer á, se Deus quiser , que eu por m edo de m or t e v olt e, por que m o t er iam
por m aldade e covar dia.
- Tenham , disse ele, por que v olt ar quer o eu, pois sim plesm ent e v ej o m inha m or t e, se adiant e v ou.
- Pois, disse I v ã, encom endo- vos a Deus, por que eu quer o ent r ar , com o quer que m e advenha.
131. Com o o donzel disse a I v ã que m al lhe dev ia acont ecer , pois er a da linhagem de r ei Ar t ur . Ent ão se
separ av am um do out r o, e Galv ão foi por outr o cam inho. E I v ã, que t ão v alent e er a e t ão bom cav aleir o que
poucos hav ia no m undo m elhor es, entr ou no cast elo. E assim que passou a por t a do cast elo, deix ou- se cair a
por t a lev adiça.
E logo ent endeu que não poder ia v olt ar por ali, m as não se espant ou, por que a m uit o gr ande v alentia que
t inha o confor t av a. Logo depois dist o, ouv iu t ocar um cor no. Ent ão v eio a ele um escudeir o e disse- lhe:
- Cav aleir o, dizei- m e quem sois. Não m e m int ais, pela fé que dev eis a t odos os cav aleir os do m undo.
Ele r espondeu:
- Vós m e conj ur ast es t ant o, que por nada v os m ent ir ei: eu hei nom e I v ã de Cenel e sou da casa de r ei
Ar t ur e de sua linhagem .
- Cer t am ent e, disse o escudeir o, hoj e ainda v os acont ecer á m uit o pesar , por que, por causa daquela
linhagem , r eceber eis m or t e dolor osa.
- Não sei, disse ele, o que ser á, m as se a m or t e m e conv ém , defender ei m eu cor po quant o puder .

132. Com o I v ã de Cenel foi pr eso no cast elo. Ent ão se separ ar am am bos e o escudeir o foi depr essa ao alcácer
e daí a pouco v iu I v ã de Cenel v ir em cont r a si dez cav aleir os ar m ados, que disser am t odos a um a v oz:
- Agor a, a ele.
E ent ão se deix ar am cor r er a ele e m at ar am - lhe o cav alo, e cer car am - no de t odos os lados. E quando o
v ir am a pé, por que ele se defendia m uit o bem a m ar avilha, pr ender am - no, por que t odos er am m uit o bons
cav aleir os, e desar m ar am - no e achar am nele dez feridas t ão gr andes, que out r o hom em cuidar ia m or r er da
m enor . Depois per gunt ar am - lhe que nom e t inha e ele disse que t inha nom e I v ã de Cenel.
- E sabei que m uit o m al v os acont ecer á por minha m or t e assim que r ei Ar t ur souber , por que por m inha
m or t e ser eis dest r uídos t odos.
- Não nos im por t a, disser am eles, cont ant o que víssem os vingada a m or t e de Lam or ant e, que vosso
coir m ão dom Galv ão m at ou, e m at ou- o m uit o sem m odos e m uit o t r aiçoeir am ent e.

133. Com o I v ã de Cenel foi queim ado. Depois dist o, pegar am I v ã de Cenel e lev ar am - no o m ais v ilment e que
puder am at é o alcácer . Ali havia um a capela m uit o for m osa e m uit o r ica, onde j azia Lam or ante e fora feit a por
ele, em honr a de Sant a Mar ia, par a que Sant a Maria r ogasse por ele e seu Filho bendit o. E sabei que a
sepult ur a de Lam or ant e er a r ica e t ão for m osa que dificilm ent e poder ia alguém achar m elhor no m undo.
Quando ent r ar am diant e da capela, m andar am fazer um a cov a funda de set e pés, e feit a a cov a, pegar am I v ã
de Cenel e m ost r ar am - lhe a sepultur a de Lam or ant e e disser am - lhe:
- I v ã, aqui j az Lam or ant e, que Galv ão, t eu par ent e, m at ou a m uit o gr ande tr aição. E t odos lhe dev iam por
isso m al fazer . Ele nos m at ou e confundiu e m et eu em pobr eza. E Deus, o gr ande v ingador , nos dê disso t al
v ingança qual desej am os.
Ent ão com eçar am fazer seu gr ande lam ent o que não há no m undo ninguém t ão dur o de cor ação que o
v isse, que não chor asse. E ao cabo de u m t em po, disser am :
- Ai, Lam or ant e, bom cav aleir o e de gr ande cor ação, filho de r ei e de r ainha e de av ós de alt a posição,
com o nos m at ou m al aquele que t e m at ou!
E depois que ist o disser am , ficar am de j oelhos diant e do t úm ulo e beij av am - no e diziam :
- Senhor , que ventur a t e m at ou e escar neceu, que t e levou t ão cedo?
Depois que fizer am sua gr ande lam ent ação, pegar am I v ã e am ar r am - lhe as m ãos at r ás e j ogar am - no na
cova e pegar am lenha seca e j ogar am sobr e ele e puser am - lhe fogo e ar deu que vir ou cinza.

134. Com o r ei Ar t ur , depois da m or t e de Per siv al, v eio a dest r uir o cast elo.Assim f oi I v ã de Cenel queim ado
pela m or t e de Lam or ant e. E est a m or t e poder ia ele evit ar , se quisesse, m as o gr ande ânim o de não fazer
cov ar dia não lho per m itiu. E quando rei Ar tur ist o soube, t ev e gr ande pesar , t ant o que dest ruiu por isso o
cast elo, m as não enquant o Per siv al foi v iv o. E sabei que dist o ficou m uit o desonr ado Galv ão e t ido por cov ar de,
por que se separ ar a assim de I v ã e o deix ar a em t ão gr ande feit o com o o deix ou, por que por nenhum pav or não
o dev er ia deix ar em t al cir cunst ância com o aquela.

135. Mas or a deix a o cont o a falar de I v ã e t or na a Galv ão. Nest a par t e diz o cont o que, depois que par t iu
Galv ão do cast elo, onde viu os letr eir os da pedr a, não se afast ou m uit o que achou outr o cam inho que ia par a
um a m ont anha e t om ou aquela car r eir a e foi pensando m uit o e com gr ande pesar , por que lhe par eceu que er a
m al, por m edo de m or t e. E ele assim indo, acont eceu- lhe que achou um a donzela. Assim que o v iu, par ou,
por que bem v iu que er a cav aleir o andant e, m as não r econheceu que er a Galv ão e disse:
- Senhor cav aleir o, sede bem - v indo!
- Donzela, disse ele, Deus v os dê alegr ia. Quem sois ou quem buscais?
- Eu sou, disse ela, um a donzela est r anha, que v im a est a t er r a pouco há e ando buscando um dos
cav aleir os da m esa r edonda.
- E qual? disse ele.
- I v ã de Cenel, disse ela.
- Dest e vos dir ei eu as novas, disse ele, que sei. I de a um cast elo que fica daqui um a légua e lá o
achar eis, e est a é a car r eir a e é por lá e vos levar á ao cast elo.
- Abençoado sej ais, disse ela, por que m e não podeis dizer t ão gr ande pr azer de nada, com o dest as nov as
que m e dizeis; m as r ogo- v os, por cor t esia, que m e digais v osso nom e.
E ele se nom eou. E ela disse:
- Eu v os am o m uit o, por que sou v ossa par ent a m uit o de per t o. E ele a olhou e r econheceu que er a ir m ã
de I v ã de Cenel, e disselhe que lhe faria ser v iço e honr a de t odas as for m as que pudesse.

136. Com o a ir m ã de I v ã achou I v ã. Ent ão se separ ar am e Galv ão foi em dir eção à m ont anha, e a donzela, em
dir eção ao cast elo. A donzela se apr essou em chegar ao cast elo, e assim que nele ent r ou, acont eceu- lhe que foi
diant e de um a capela. onde seu ir m ão queim ar am . E quando v iu o fogo que ainda er a gr ande e a gent e que
est av a em r edor . per gunt ou a um hom em bom :
- Am igo, saber íeis m e dizer nov as de um cav aleir o que aqui entr ou?
E descr ev eu- lhe que ar m as t r azia.
- Por que o per gunt ais? disse o hom em bom .
- Am igo, disse ela, por que o quer ia v er , por que por out r a r azão não vim aqui.
- Agor a podeis daqui v olt ar , disse ele, sem t om ar m aior discór dia, por que não o poder eis j am ais v er .
Ent ão lhe cont ou com o e por que o queim ar am .
- E sabei, disse ele, que assim far iam ao out r o que com ele andav a, que o deix ou na ent r ada do cast elo.

137. Com o a donzela pr ant eou seu ir m ão. Quando a donzela ist o ouv iu, t ev e t ão gr ande pesar que caiu
desm aiada do palafr ém em t er r a e ficou assim m uit o t em po, que não houv e lá quem não cuidasse que est ava
m or t a. E cor r er am t odos a ela e per gunt ar am os escudeir os que par ent esco t inha com aquele cav aleir o. E
disser am que er a seu ir m ão, e com et er am gr ande er r o e t ão gr ande deslealdade, que m at ar am t al cav aleir o, e
sua m or t e ser ia v ingada, assim que r ei Ar tur soubesse.
- Não dar íam os nada, disser am eles. pelo que r ei Art ur nos far ia, por algum m al que t iv éssem os feit o à
linhagem de r ei Lac, pois o gr ande t r aidor Galv ão, seu filho, ofendeu- nos e a t oda nossa com panhia.
Ao cabo de um t em po, acor dou a donzela e, quando pôde falar , disse:
- Ai, m eu senhor I v ã, m eu am igo e m eu ir m ão, com o t iv e hoj e gr ande per da e confundir am a m im os que
v os m at ar am que t al pesar m e m et er am no cor ação, que nunca sair á.
Ent ão cav algou em seu palafr ém e foi com seus escudeir os e foi fazendo pela r ua gr ande lam ent ação e
m aldizendo o cast elo e quant os neles m or av am , dizendo que m au r aio o ferisse. E depois que saír am do
cast elo, disse:
- Volt em os por onde v iem os e v ej am os se poder íam os achar o t r aidor Galv ão, que deix ou m eu ir m ão
m or r er por sua cov ar dia. E nunca t er ei alegria enquant o não for v ingada e o faça m or r er de m á m or t e, por que
bem o m er eceu.

XVI I I
Pa t r ide s e Ga lv ã o

138. Com o Pat r ides pr om et eu à ir m ã de I v ã sua aj uda. Ent ão se puser am a cam inho e apr essar am - se em
andar . E a donzela apr essav a- se m uit o em andar par a alcançar Galv ão. e andar am assim at é hor a de v ésper as.
E a donzela ainda ia fazendo seu lam ent o m uit o gr ande, e acont eceu- lhe que encontr ou Patr ides no cam inho, o
sobr inho de r ei Bandem aguz, bom cav aleir o e v alente à m ar av ilha, e ia ar m ado de t odas as ar m as, m as
naquela hor a ia m uit o fer ido, por que com bat er a com I v ã, o filho de r ei Urião, e t ant o fizer a que, por pouco o
v encer a. por que ele o m at aria, m as quis Deus que se r econhecessem e assim se encer r ou a bat alha. Naquela
hor a que o ela achou, vinha dev agar , com o quem lhe par ecia que tinha gr ande sofrim ent o. E sabei que t r azia
duas fer idas m uit o m ás. E quando chegou a ela e a v iu t al lam ent ação fazer , disse- lhe:
- Por Deus, donzela, e por cor t esia, dizei- m e por que fazeis t al lam ent ação. Eu v os pr om et o dar conselho
a t odo m eu poder .
- Ai senhor ! disse ela, com m uit o gr ande dir eit o de fazer o faço, por que o m undo t odo não m e poder ia
r ecuper ar a per da que hoj e r ecebi de um dos m elhor es cav aleir os do m undo, que er a m eu ir m ão, que agor a
m at ar am .
- E quem er a? disse Pat r ides.
- Senhor . disse ela, er a I v ã de Cenel.
- I v ã, disse ele. est á m or t o?
- Senhor , disse ela, sem falha.
- E quem o m at ou? disse ele; ist o m e dizei, por que, assim Deus m e aj ude, eu o v ingar ei a m eu poder . E
se não o fizesse, t odo o m undo m e t er ia por m al, por que foi m uit o t em po m eu com panheir o de ar m as.
- Senhor , disse ela, um cav aleir o o fez m at ar , que aqui v ai e, se eu daquele fosse v ingada, não pedir ia or a
m ais.
- E que ar m as t r azia? disse o cav aleir o.
E ela r ev elou quais.
- Por Deus, disse ele, eu o achei agor a ali, e nem sequer m e quis falar , e não sei se foi por r aiva, se por
out r a r azão.
- Ai, senhor ! disse ela, se algum a v ez am ast es I v ã, v ingai- o dest e, por que por est e r ecebeu m or t e.
- Por boa fé, disse ele, eu far ei t odo m eu poder de m odo que ser á v ingado, em bor a m ais t enha
necessidade de descansar do que de lut ar , por que est ou m uit o ferido.

139. Com o Galv ão cor t ou a cabeça de Pat r ides, sobr inho de r ei Bandem aguz. Ent ão se apr essou em cav algar e
subiu a m ont anha e achou Galv ão, que est av a em cim a do cav alo, diant e de um a er m ida, onde quer ia j á descer
par a alber gar lá naquela noit e, m as ainda não descer a. E assim que Pat r ides o v iu, disse à donzela:
- É est e o de quem v os queix ais?
- Sim , senhor , dest e m e dê Deus v ingança e assim t er ia eu quant o m eu cor ação desej a.
Pat r ides não esper ou m ais, ant es lhe disse:
- Cav aleir o, guar dai- v os de m im , por que v os desafio.
Quando Galv ão ist o ouviu, deix ou- se cor r er a ele e der am - se t ão gr andes lançadas que as lanças v oar am
em pedaços e eles caír am em t er r a m altr at ados e m uit o fer idos. Galv ão ficou m uit o fer ido daquele golpe que o
at ingiu pelo cost ado esquer do e da lança ficou o fer r o nele. Pat rides não est av a t ão m al fer ido, por que est e er a
um dos bons hom ens do m undo e que m ais sisudam ent e lut av a, m as ant es j á est av a m uit o fer ido, o que não
sucedia com Galv ão. Er guer am - se am bos e não se lem br ar am do m al que t iv essem , t ão gr ande r aiva t inham e
t ant o se desej av am am bos v ingar . Nov am ent e m et er am am bos m ãos às espadas e fer ir am - se com t ão gr andes
golpes que, se lá est iv ésseis, v er íeis faíscas saír em dos elm os. E Galv ão, que m uit o sofr er a da prim eir a v ez,
t ir ou o ferr o de si; e depois que descansar am um pouco, Galv ão, que não est av a t ão fer ido com o Pat r ides,
at acou- o out r a v ez, por que bem lhe par eceu que o t eriam por m au, se não se v ingasse daquele que o at acar a,
sem r azão. E er gueu a espada e deu- lhe um t ão gr ande golpe por cim a do elm o, que o j ogou em t er r a
desm aiado e não sou be se er a noit e, se er a dia. E Galv ão, assim que o viu em t er r a, foi a ele e t ir ou- lhe o elm o
e o alm ofr e par a lhe cor t ar a cabeça. Quando a donzela ist o v iu, deix ou- se cair em t er r a, gr it ando com o m ulher
louca:
- Ai, Galv ão, br ut o e desleal! não m at es t ão bom cav aleir o com o est e, por que far ás gr ande t r aição
conhecida, pelo m enos por que é da m esa r edonda com o t u.
Quando ele ist o ouv iu, det ev e seu golpe, por que t ev e m uit o m edo de ser um de seus ir m ãos ou algum
seu par ent e, e disse à donzela:
- Qual é?
- Pat r ides, disse ela, o sobr inho de r ei Bandem aguz, t ão bom cav aleir o com o sabes.
- Por Deus, disse ele, não m e im por t a, por que m e at acou sem r azão e m e fer iu, por v ent ur a, de m or t e,
que não há nada por que o deix asse de m at ar e quando da m inha m ão sair , não at acar á nenhum hom em bom
sem r azão.
Ent ão lhe cor t ou a cabeça e deit ou- a longe; depois v olt ou à donzela e disse- lhe:
- Donzela, v ede o que o sober bo ganha por sua sober ba e por acr edit ar no que v ós acr edit ais.

140. Com o a donzela adv er t iu Galv ão e o am eaçou. Quando ela viu que assim Galv ão m at ar a aquele cav aleir o,
t ev e disso gr ande pesar , que bem quiser a est ar m or t a e disse com r aiv a:
- Ai, Deus! Por que per m it is que o pér fido cav aleir o e tr aidor ande assim m at ando t odos os hom ens bons
por t ão m á av ent ur a? Ai, Galv ão! nunca t ua t r aição foi conhecida com o hoj e aqui est á. Nunca im aginar a ist o;
nem m e puder a alguém fazer acr edit ar , que em t i houv esse t ão gr ande t r aição com o agor a v ej o, por que or a
v ej o que m at ast e m eu ir m ão e agor a m at ast e Pat rides. E Deus nos dê disso t al v ingança par a que v ej am os
nist o sat isfação e par a que t ua t r aição sej a conhecida.
E depois que ist o disse, subiu em seu palafr ém e ele lhe r ogou que ficasse, por que j á er a t em po de
alber gar . E ela disse que com t ão desleal cav aleir o com o ele, não ficaria nunca, por que nunca ficar ia com ele
hom em nem m ulher que não fosse às av essas.
- E sabes t u, disse ela, j á, Galv ão, por que m e v ou t ão depr essa daqui? Sabe que ir ei dir et am ent e à cor t e
do r ei t eu t io e dir ei a ele e aos out r os a gr ande t r aição que há em t i e as m ás obr as que nest a dem anda andas
fazendo. E depois que t odo t eu m au andar disser ao pov o, buscar ei t ua m or t e e far ei fazer a ti o que fizest e a
est e, a quem cor t ast e a cabeça.
E assim que ist o disse, com eçou ir assim de noit e com o er a, e Galv ão ficou na er m ida. E pela m anhã,
par t iu dali, ant es que ouvisse m issa, por que não quer ia que ninguém da casa de r ei Ar t ur o achasse ali par a
não saber em o que ele fizer a com Pat r ides.

XI X
H e it or de M a r e s, Ela im , Ga lv ã o, r e i Ba nde m a guz e o ca v a le ir o da be st a la dr a dor a

141. Com o Galv ão achou Heit or de Mar es. Todo aquele dia cav algou Galv ão m uit o sofr ido de seu fer im ent o que
não t iver a cuidado bem naquela noit e. E a m eio- dia, chegou à casa de um cav aleir o que o conhecia, com quem
est ev e t oda um a sem ana. E t ant o cuidou dele bem , que m uit o cedo pôde cav algar . E quando se sent iu cur ado,
com eçou sua car r eir a com o ant es, e t ant o cav algou, que encont r ou Heit or de Mares, e depois que se falar am e
se r econhecer am , foi a alegr ia m uit o gr ande ent r e eles, por que t em po havia que se não vir am .
- Dom Heit or , disse dom Galv ão, com o v os f oi desde que de v ós m e separ ei?
- Bem , disse ele, gr aças a Deus, por que est ou são e alegr e. Mas nunca depois achei av ent ur a, e est ou
m uit o m ar av ilhado, por que na dem an da do sant o Gr aal cuidav a eu m ais av ent ur as e m ar av ilhas achar do que
em out r a t er r a.
- Bem o m esm o v os digo de m im , disse Galv ão; m as de v osso ir m ão Lancelot e sabeis algum as nov as?
- Não, disse ele.
- E de Galaaz e de Per siv al e de Boor z, sabeis algum a coisa? - Cer t am ent e não, disse ele. Est es quat r o
est ão assim per didos que ninguém sabe onde andam .
- De Tr ist ão, sabeis algum a coisa?
- Não, disse ele, m as Deus os guar de a t odos on de quer que est ej am .
- Cer t am ent e, disse Galv ão, se eles falt ar em às av ent ur as do sant o Gr aal, não há quem as acabe, por que
est es são os m elhor es hom ens da dem anda.
Depois dist o, disse Heit or :
- Dom Galv ão, v ós andast es at é agor a só e eu t am bém , e não acham os nada. Agor a, andem os j unt os e
v er em os se ser em os m elhor es andant es.
- Bem falais e concor do. Agor a v am os j unt os, que Deus nos guie par a onde achem os algum a coisa do que
andam os dem andando.
- Daquela par t e, disse Heit or , de onde eu v enho, não achar em os nada, nem de onde v ós v indes; m as
v am os- nos por out r a car r eir a.
E Galv ão concor dou.

142. Com o Heit or e Galv ão achar am Elaim , o br anco. Ent ão ent r ou Heit or num cam inho que v olt av a at r av és da
flor est a. E olhar am diant e de si e v ir am r ast r o fr esco de um cav alo, e v ir am em lugar es a t er r a tint a de sangue.
- Sem falha, disse Galv ão, algum cav aleir o das av ent ur as v ai por aqui e v ai m uit o fer ido.
- Ver dade, disse Heit or . Vam os at r ás dele que v er em os quem é.
Ent ão seguir am o r ast r o e não andar am m uit o que alcançar am o cav aleir o que ia dev agar , só e se
queix ando m uit o e dizendo:
- Ai, Deus! que pouco m e dur ou m inha cav alaria!
E se alguém m e per gunt ar quem er a, dir ia que er a Elaim , o br anco, o filho de Boor z. E assim que eles a
ele chegar am , r econhecer am - no logo, por que não t r ocar a suas ar m as desde que ent r ar a na dem anda. E Heit or
disse a Galv ão:
- Vedes aqui o cav aleir o at r ás do qual íam os pelo r ast r o do sangue; est á m uit o fer ido.
- Pesa- m e, disse Galv ão, por que m uit o é nosso am igo.
Assim que a ele chegar am , sau dar am - se, e depois, per gunt ou quem er am eles. E eles se nom ear am .
- Ai, am igos! disse ele, sede bem - v indos.
E eles disser am :
- Quem v os fer iu assim ?
- Por Deus! disse Elaim , um cav aleir o que aqui v ai, at r ás de quem eu v ou, se m e poder ia vingar . E se m e
pudesse v ingar , não dar ia nada por coisa que depois m e adv iesse.
- E quem é o cav aleir o? disse Heit or .
- Não sei, disse ele, apenas sei que anda à caça de um a best a com um a gr ande com panhia de cães, e
aquela é a m ais descom unal best a que algum a v ez v i.
- E par a onde v ai? disse Heit or .
- Por est a car r eir a, disse Elaim .
- Dom Galv ão, disse Heit or , agor a v os r ogo que fiqueis com ele e lhe façais com panhia, por que t enho
m edo que est ej a fer ido de m or t e, e se ficasse só, poder ia lhe sobr ev ir um dano. E eu ir ei at r ás do cav aleir o, se
o puder v ingar .
- Ficar ei, disse Galv ão, pois ist o v os agr ada. Ent ão per gunt ou Heit or a Elaim :
- Que ar m as t r azia o cav aleir o que v os ist o fez?
- Senhor , disse ele, lev a suas ar m as negr as, afor a que lev a no escudo um leão v er m elho.
Ent ão disse Heit or a Elaim :
- Cav algai dev agar , e no pr im eir o lugar que achar des, onde possais descansar , descansai.

143. Com o Heit or foi at r ás do cav aleir o. Ent ão foi Heit or quant o se ir pôde em dir eção de onde pensou que
poder ia encont r ar o cav aleir o m ais depr essa, e não andou m uit o que achou um a donzela que fazia t ão gr ande
lam ent o que er a m ar avilha.
- Donzela, disse Heit or , achast es um cav aleir o de um as ar m as negr as?
- Ai, senhor , disse ela, por Deus, achei; m as em m á hor a par a m im , por que m at ou um m eu ir m ão que
er a, disse ela, m uit o bom hom em e m uit o bom cav aleir o e deix ou- o ali j azer diant e de um a font e.
- E por que o m at ou? disse Heit or .
- Por que lhe apr ouv e, disse ela; out r a r azão não sei.
- Agor a, não v os lam ent eis, disse ele, por que, se Deus quiser , logo disso ser eis v ingada, por que não é-
est e o pr im eir o err o que ele fez. E ir á agor a longe, se cuidais? disse ele.
- Não, disse ela.
Ent ão se m et eu Heit or a cam inho quant o pôde ir a t r ote e a galope, e não andou m uit o que alcançou o
cav aleir o diant e de um a font e, o qual apear a j á e t ir ar a seu escudo e sua lança e seu elm o e bebia água. Assim
que Heit or viu o escudo, soube logo que aquele er a quem ele buscava, e gr it ou par a ele:
- Senhor cav aleir o, t om ai v ossas ar m as e cav algai, por que conv ém que v os defendais de m im , por que v os
desafio.

144. Com o o cav aleir o da best a ladr ador a der r ibou Heit or de Mar es. Quando o cav aleir o v iu que a bat alha t inha
na m ão, er gueu- se m uit o vivam ent e e foi pegar suas ar m as e cavalgou e disse a Heit or :
- Senhor cav aleir o, guar dai- v os, se v os apr ouv er , por que v os poder íeis bem pr iv ar dest a bat alha, por que
eu cuido que nunca v os afr ont ei por que m e dev íeis at acar .
- Vós m e ult r aj ast es t ant o, disse Heit or , que não há ninguém no m undo que t ant o v os desam e. E por isso,
guar dai- v os de m im .
- Bem o far ei, disse ele, pois que fazer m e conv ém .
Depois dist o, sem m ais dizer , deix ou- se cor r er um ao outr o, e fer ir am - se t ão gr av em ent e, que não houv e
um que não est iv esse m uit o fer ido e am bos ficar am fer idos com m uit o gr andes fer im ent os; e Heit or caiu em
t er r a, ele e o cav alo, por que m uit o er a de gr ande for ça o cav aleir o que o fer iu. E quando o viu em ter r a, disse-
lhe:
- Cav aleir o, v ós m e ferist es sem r azão, e se não fosse v ilania, eu m e v ingar ia agor a. Mas não o far ei,
por que o quer o deix ar m ais por cor t esia do que por v ós.
E depois que ist o disse, afast ou- se ele e foi assim com o est av a fer ido, quant o o pôde lev ar o cav alo. E
quando Heit or se v iu em t err a e que est av a m uit o fer ido, disse em seu cor ação:
- Fé que dev o a Deus; bom é o cav aleir o que se v ai, e bem r econheço, por quant o v i, que é m elhor
cav aleir o do que eu. E por isso o deix ar ei dest a v ez, por que bem v ej o que não sou de t ão gr ande bondade de
ar m as que o possa v encer .
Ent ão foi a seu cav alo e subiu nele fer ido com o est av a. Ent ão v olt ou par a onde cuidou que achar ia m ais
depr essa Galv ão e Elaim .

145. Mas or a deix a o cont o a falar de Heit or e t or na a Galv ão. Aqui diz o cont o que for am j unt os Galv ão e
Elaim , que est ava m uit o ferido. E indo assim , acont eceu- lhes que encontr ar am a ir m ã de I v ã e t r azia consigo
r ei Bandem aguz e cont ar a- lhe com o e de que m aneir a Pat rides for a m or t o, m as não lhe m encionou que o
m at ar a Galv ão, por que r eceav a que não com bat er ia com ele, pois er am am bos da t áv ola r edonda. E t udo ist o
ela fazia par a ur dir a m or t e de Galv ão a seu poder , que m uit o desej av a a sua m or t e.

146. A bat alha de r ei Bandem aguz e de Galv ão. Assim que ela v iu Galv ão e o r econheceu, disse a r ei
Bandem aguz:
- Rei Bandem aguz, or a t endes opor t unidade de v ingar a m or t e de v osso sobr inho. Vedes aqui quem o
m at ou. Or a v er em os o que far eis aqui, se sois t ão v alent e que o ouseis at acar .
O r ei viu que er am dois e per gunt ou à donzela:
- Qual daqueles o m at ou?
E ela disse:
- Aquele que t r az o escudo br anco e o leão v er m elho.
- Assim ? disse ele; j á Deus não m e deix e t r azer cor oa, se eu não v ingo m eu sobr inho Pat rides, a pessoa
do m undo que eu m ais am av a.
Ent ão gr it ou par a Galv ão:
- Guar dai- v os de m im , cav aleir o, por que v os desafio.
Quando Galv ão ouviu que o desafiav a, deix ou- se ir a ele, e ferir am - se am bos t ão r ij am ent e, que caír am
am bos em t er r a, eles e os cavalos sobr e os cor pos, e as lanças voar am em pedaços, m as er guer am - se m uit o
v iv am ent e, por que er am am bos de gr ande ânim o e de gr ande for ça. De nov o m et er am m ãos às espadas, e
com eçar am ent r e si um a t ão gr ande bat alha e t ão br av a, que não há ninguém no m undo que, se a v isse, não
os t iv esse am bos por m uit o bons cav aleir os e m uit o depr essa poder ia v er qual deles er a o m elhor cav aleir o, se
não fosse que a v ent ur a t r oux e aí Heit or de Mar es, assim fer ido com o v os disse, que o cav aleir o caçador fer ir a.
Quando ele viu am bos os cav aleir os, que t ão br av am ent e com eçar am sua bat alha, logo r econheceu Galv ão,
m as r ei Bandem aguz não. Mas por que o v iu t ão bom em ar m as, logo pensou em seu cor ação que er a da t áv ola
r edonda, e que com bat ia com Galv ão por desconhecim ent o. Ent ão chegou a eles e disse a Galv ão:
- Senhor , deix ai est a bat alha at é que fale conv osco e com est e cav aleir o que com bat e conv osco.
E ele a deix ou logo.

147. Com o se encer r ou a bat alha. Heit or disse ent ão a r ei Bandem aguz:
- Senhor cav aleir o, eu v os r ogo, por am or e por cor t esia que m e digais quem sois.
- Eu v o- lo dir ei, disse ele. Tenho nom e r ei Bandem aguz.
Quando Galv ão ist o ouv iu, que er a r ei Bandem aguz com quem com bat er a, ficou m ar av ilhado; e por que
sent ia que o afr ont ar a com o que hav ia feit o a seu sobr inho, foi ficar de j oelhos diant e dele e disse- lhe:
- Ai, m eu senhor ! Eu m e dou por v encido dest a bat alha, pois v ós sois r ei Bandem aguz. Agor a, fazei de
m im o que v os apr ouv er , por que j am ais, se a Deus apr ouv er , com bat er ei conv osco.
E ent ão t om ou a espada e deu- lha.
O r ei, que v iu que não v encer a o cav aleir o, m ar av ilhou- se do que dizia, e, par a saber quem era, afast ou-
se um pouco de lado e disse- lhe:
- Dizei- m e quem sois.
- Eu sou, disse ele, Galv ão, sobr inho de r ei Ar t ur .
- Ai, Galv ão! disse o r ei, em v er dade, sois esse?
- Sim , senhor , disse ele.
O r ei, que ent endeu que er a Galv ão, hom em t al de quem não
se poder ia v ingar à sua v ont ade, t ev e t ão gr ande pesar que pegou a espada, e deit ou- a o m ais longe que pôde.
E depois disse:
- Galv ão, v ós m e t endes m or t o e escar necido, que m e m at ast es m eu sobr inho, o hom em do m undo que
eu m ais am av a. E sabei que v ingar ia sua m or te, se não fôsseis m eu ir m ão da t áv ola r edonda; m as não o
poder ia fazer , que m e não per j ur asse. E por isso o deix ar ei e ser ei m ais leal do que fost es par a com ele. E Deus
v os deix e dist o t er o galar dão.
- Ai, senhor ! disse Galv ão, sabei que, se o m at ei, f oi por desconhecim ent o. E por isso ninguém dev e m e
pôr culpa.
- Não andast es nist o bem , disse o r ei; Deus t om e sua vingança, por que se m al obr ast es, m al v os fará
Deus por isso.
Ent ão foi pegar sua espada onde a deit ar a e subiu em seu cav alo. Heit or v eio a ele e disse- lhe:
- Senhor , por Deus, per doai a Galv ão, por que por desconhecim ent o v os afr ont ou.
Ent ão chegou a donzela e disse:
- Senhor , quem sois v ós?
- Eu sou, disse ele, Heit or de Mar es.
- Senhor , disse ela, sede bem - v indo. Agor a, sabei que, se soubésseis com o andou est e pr eit o com o eu
sei, não há nada no m undo por que o deix ásseis de m at ar por v ossa m ão, por que est e é o m ais desleal
cav aleir o, de que algum a v ez ouvi falar , segundo o que dele v i.
- Ai, donzela! disse Heit or , que é isso que m e dizeis? Ainda que out r em o culpasse, v ós o dev er íeis salv ar ,
por que bem sabeis que est e é o cav aleir o das donzelas.
- Est e é, disse ela, o cav aleir o do diabo, por que est e não é cav aleir o em que Deus t enha par t e.
Ent ão lhe cont ou com o I v ã de Cenel for a m or t o por seu desam par o e com o o v ir a m at ar Pat r ides, depois
que ela o fI zer a r econhecer .
- Ai, senhor ! disse Galv ão, por Deus, não acr edit eis nest a donzela, por que ant es quer ia eu ter a cabeça
cor t ada do que t ais feit os fazer quais ela cont a.
- Senhor , disse Heit or , não há nada por que eu acr edit asse, nem o acr edit ar ei nunca, se o não v ir , por que
não hav eríeis depois de ser cham ado cav aleir o, senão desleal e t r aidor .
Ent ão disse r ei Bandem aguz:
- Ainda que v os v isse m at ar Pat r ides, não v os m at ar ia por isso, ainda que t iv esse opor t unidade de v os
m at ar , por que não quer er ia fazer deslealdade por ninguém no m undo. E se v ós a deslealdade f I zest es, que nos
cont a est a donzela, Deus t om e sua v ingança.
Ent ão se separ ou deles e não quis ficar , por r ogo que lhe Heit or fizesse. E ao par t ir , disse a donzela a
Galv ão:
- Galv ão, v ós m e confundist es, nunca m ais ser ei alegr e, enquant o de v ós não t iv er vingança e v os v ej a
m or r er de m or t e t ão cr ua, com o v i Pat r ides.
Assim que ist o disse, separ ou- se deles e foi par a r ei Bandem aguz.

XX
Ela im , H e it or , Ga lv ã o e Ga e r ie t e

148. Com o Elaim e Heit or e Galv ão dor m ir am no cam po. Os t r ês cavaleir os ent r ar am em seu cam inho, Galv ão e
Heit or e Elaim ; e per gunt ou Galv ão a Heit or se achar a o cav aleir o que andav a caçando a best a descom unal.
- Sim , disse ele, v er dadeir am ent e o achei.
- E com o v os separ ast es am bos?
Ent ão lhe cont ou quant o a r espeit o acont ecer a.
- E por quant o eu v i, disse ele, da sua bondade, sei v er dadeir am ent e, que não há, em t oda a dem anda,
quat r o cav aleir os t ais com o ele, salv o Galv ão, Tr ist ão, Lancelot e e Boor z. E por isso deix ei a bat alha, por que
bem v i que não t inha nela pr ov eit o.
Quando Galv ão ist o ouviu, per signou- se, t ant o o t ev e por m ar av ilha. E nist o falando, andar am at é hor a de
vésper as, e ent ão chegar am a um a igr ej a velha e ant iga, onde não m or ava hom em nem m ulher , que ele
soubesse. E aquela igr ej a ficav a no m eio de um gr ande cam po m uit o er m o, e for am lá par a pousar em naquela
noit e com o quer que fosse, por que ficav a m uit o longe de t odos os cast elos e de t odas as v ilas, por que ant es
quer iam descansar sob um t et o do que ao ar liv r e, fosse qual fosse o t em po que fizesse. Quando ent r ar am ,
t ir ar am dos cavalos os fr eios e as selas par a past ar em ; depois ent r ar am na igr ej a e desar m ar am - se e ficar am
felizes com o que pu der am achar , est ando eles sem nada que com essem , e cuidar am do fer im ent o de Elaim ,
que achar am gr ande; m as na abside não podia ent r ar ninguém que aí v iesse, por que est av a fechada com boas
gr ades de fer r o. E no m eio da abside, diant e do alt ar , hav ia um t úm ulo t ão r ico, que m ar av ilha er a, e er a o
t úm ulo gr ande de boa m edida. E Heit or , que o v iu t ão r ico, disse a Galv ão:
- Com o poder íam os lá ent r ar ?
- Ent r ar lá, disse Galv ão, não m e par ece fácil, a não ser que quebr ássem os as gr ades; m as ist o não ser ia
cor t esia nem bem , por que m e par ece que aqueles que ist o fizer am , não quiser am que ninguém que aqui
viesse, ent r asse lá, e por isso é bom que o deix eis.
E Heit or concor dou.
149. Com o Elaim v iu as gr andes m ar av ilhas na capela. Assim que foi noit e, ador m ecer am am bos, por que
est av am m uit o cansados. Elaim não dor m ia com dor de seu fer im ent o, por que est av a m uit o ferido. E quando
foi o pr im eir o sono, acont eceu que t oda a capela com eçou a t r em er t ão for t em ent e, com o se hou v esse de ir
par a o abism o. E ent ão acont eceu um gr ande r uído, com o se fosse de t r ov ão, t ant o que Elaim .que não dor m ia,
ficou por isso desm aiado; e depois disso, daí a pouco, ent r ou um a luz t ão for t e na abside, com o se f ossem cem
velas acesas que lá est ivessem ; e com a luz, vier am m uit as vozes, que t odas diziam : "Alegr ia e honr a e louv or
sej am ao Rei dos céus. " E em sua chegada, ficou a capela t ão cheia de bom odor , com o se t odas as especiar ias
do m undo lá est iv essem . E depois que as v ozes cant ar am m uit o t em po t ão agr adav elm ent e, que Elaim est av a
m ar av ilhado com isso, ent ão apar ecer am quat r o hom ens em sem elhança de anj os t ão for m osos, que Elaim
ficou t odo m ar av ilhado com sua. beleza, e v ier am à lápide, e t om ar am - na pelos quat r o cant os e er guer am - na à
alt ur a de um a lança c aí a segur ar am . Depois que ist o fizer am , desceu sobr e o alt ar um hom em em sem elhança
de bispo, e sent av a- se num a cadeir a m uit o r ica, e depois que desceu par a o alt ar , disse de m odo que Elaim
pôde ouv i- lo bem :
- Vem à fr ent e, sant a m ulher , e t er ás t eu pão de cada dia.
E ele t inha, sem falha, ent r e as m ãos um a hóst ia. Depois que ist o disse, saiu do t úm ulo do qual hav iam
er guido a lápide, um a m ulher t oda nua m uit o v elha, e nada a cobr ia, senão seus cabelos t ão longos que lhe
desciam at é a t er r a, t ão br ancos com o a nev e. E foi ficar de j oelhos diant e daquele que est av a no alt ar ; e disse
de m odo que Elaim o pôde m uit o bem ouv ir :
- Senhor , dá- m e aquilo de que v iv o, se t e apr ouv er .
E ele se abaixou logo e deu- lhe a hóst ia, que t inha, e disse- lhe:
- Vês aqui o t eu Salv ador .
E depois que o r ecebeu, beij ou o pé daquele que est av a na cadeir a, e depois foi- se colocar no seu t úm ulo
e a lápide foi logo post a sobr e ele assim que par ecia que nunca for a t ir ada. E ent ão par ar am as v ozes de
cant ar ; e aquele que est av a na cadeir a, que v ier a com gr ande clar idade, foi- se com ela, e ficou a capela escur a
com o ant es.

150. Com o falav am Galv ão e Heit or das m ar av ilhas que v ir a Elaim . Depois que ist o acont eceu de t al m odo
com o v os cont o, Elaim , que t udo v ir a, ficou logo cur ado e são de t odas as suas chagas. Ent ão ent endeu que
aquelas coisas er am espir it uais e sant as e agr adeceu m uit o a Deus o bem que lhe fizer a e lhe perm it ir a aquilo
ver , e t eve t al m iser icór dia que o cur ou por t al vir t ude. Ent ão desper t ou os out r os e eles lhe disser am :
- Am igo, o que t endes?
- Eu t enho t ão gr ande alegria e t ão gr ande pr azer , com o nunca im aginei t er nos dias de m inha v ida.
- Bendit o sej a Deus, disse Heit or , por que assim com o par a v ós acont eceu for m oso m ilagr e, t am bém a
m im acont eceu. Sabei que est ou são do fer im ent o que m e fez o cav aleir o caçador . Bem sei v er dadeir am ent e
que algum cor po j az aqui pelo qual est es m ilagr es acont ecem .
- Ver dade é, disse Elaim , se v ísseis o que v i, v ós o t om ar íeis pela m aior m ar av ilha do m undo.
- Ai, Deus! disse Galv ão, com o for m osas m ar av ilhas aqui há! Ver dadeir am ent e são r ev elações de Nosso
Senhor e são alt as m ar avilhas do sant o Gr aal, e são os gr andes segr edos da sant a I gr ej a. Cer t am ent e, disse
Galv ão a Heit or , por ist o que Deus m ost r ou a Elaim , devem os ent ender que est am os em pecado m or t al e que
não nos am a Deus com o a ele e que m ais dev e ser cav aleir o do sant o Gr aal do que nós.

151. Com o o anfit r ião lhes desv endou a av ent ur a. Muit o falar am naquilo que Elaim lhes disse. No out r o dia, j á
de m anhã, puser am se em pr eces e fI zer am suas or ações, par a que Nosso Senhor os aconselhasse assim par a
que lev assem sua v ida de t al m odo que pudessem ser cor r et os dem andador es da dem anda do san t o Gr aal. E
depois que cada um ficou em sua or ação quant o lhe apr ouv e, for am pegar suas ar m as e m ont ar seu s cav alos e
ent r ar am em seu cam inho e, ant es da hor a de t er ça, os lev ou a v ent ur a a um a encr uzilhada, onde se dist r ibuía
o cam inho em t r ês car r eir as.
- Agor a nos separ am os, disse Galv ão, v ist o que tr ês cam inhos distint os encontr am os e som os t r ês
cav aleir os.
Ent ão se abr açar am e encom endar am - se a Deus e separ ar am se e Galv ão foi à dir eit a, e Heit or , à
esquer da e Elaim , pela car r eir a do m eio. Mas depois dist o, não an dar am m uit o que as car r eir as por que iam
Galv ão e Heit or se j unt ar am . E Galv ão disse a Heit or :
- Sede bem - v indo. Agor a v ej o que Nosso Senhor não quer que nos separ em os t ão cedo, por que logo nos
aj unt ou.
- Assim m e par ece, disse Heit or .
Falando nist o, cav algar am t odo aquele dia sem av ent ur a encont r ar que de cont ar sej a. À noit e, chegar am
à casa de um infanção que os alber gou m uit o bem , por Heit or , que conhecia. E eles lhe per gunt ar am :
- Senhor , há nest a t er r a av ent ur a ou m ar avilha a que se v ão os cav aleir os pr ov ar ?
- Cer t am ent e, bast ant es m ar av ilhas e m uit as av entur as acont ecem nest a t er r a.
- E onde acont ecem m ais? disse Galv ão.
- Cer t am ent e, senhor , não sei, disse ele, apenas sei que aqui per t o há um a m ont anha, e naquela m ont anha
há um a capela, que cham am a capela Per igosa; ali v ão cav aleir os noit e e dia, pr incipalm ent e os da t áv ola
r edonda, e, sem falha, nunca foi lá alguém de quem eu ouv isse falar , que não achasse av ent ur a t ão
m ar av ilhosa, que se t enham por isso por m alt r at ados, m uit o fer idos ou espant ados do que v ir am .
- E onde poder íam os achar est a capela? disse Galv ão.
- Por um cam inho, disse ele, que v ai em dir eção ao sol quando se lev ant a; est e cam inho v os lev ar á lá,
sem falha.
E ent ão deix ar am de falar nisso.

152. Com o a donzela disse as nov as da bat alha de Gaer iet e. De m anhã, despedir am - se de seu anfit rião e for am
à er m ida, e chegar iam lá m uit o cedo, se não fosse um a donzela que achar am , que lhes disse novas das quais
nada gost ar am . E est a donzela, achar am à ent r ada de um cam po e lá com ela, um escudeir o. E Galvão saudou-
a e ela a ele.
- Donzela, disse ele, saber íeis dizer nov as de algum dos cav aleir os da t áv ola r edonda?
- Não sei, disse ela, apenas que v i ont em v encer um cav aleir o, e er a m uit o bom cav aleir o de arm as, e de
gr ande fam a, e cham av am - no Gaer iet e.
- Ai! disse Galv ão, com o há aqui m ás nov as!
E Heit or disse o m esm o.
Galv ão, que dist o t ev e t ão gr ande pesar , que as lágr im as lhe v ier am aos olhos, disse à donzela:
- Vist es a bat alha?
- Sim , disse ela.
- Com o foi? disse ele.
- Por Deus! disse ela: Gaer iet e fI cou no cam po t ão fer ido que bem cuido que agor a est ej a m or t o; m as
nunca vi nada de que t ant o m e m ar av ilhasse com o daquela bat alha, por que, sem falha, vi que por t r ês v ezes
t ev e Gaer iet e per t o de v encido o out r o cav aleir o; e cada v ez que o cav aleir o se afast av a da bat alha t ão fer ido,
que, se o v ísseis, j ulgar íeis que logo dev ia m or r er , v olt av a daí a pouco t ão são e t ão cur ado, com o se nunca
t iv esse t ido fer im ent o. Assim v eio à bat alha t r ês v ezes, e cada v ez cur ado dos fer im ent os que lhe fazia
Gaeriet e; e por isso supor t ou t ant o que, ao final, foi Gaeriet e vencido, assim que bem cuido que j á agor a est á
m or t o, e supor t ou m ais do que nenhum out r o cav aleir o poder ia supor t ar .
- Ai, Deus! disse Galv ão, e quem foi o cav aleir o que m e fez est a per da?
- Assim Deus m e aj ude, disse ela, não sei senão que t r az duas bandas v er m elhas at r av essadas no escudo
e o cam po é ver de.
- E onde foi a bat alha? disse ele.
- À ent r ada, disse ela, da flor est a da ser pent e, bem em fr ent e do cast elo do gigant e.
- Ai, dom Galv ão! disse Heit or , agor a não v os at or m ent eis, por que j á não t er ei alegr ia at é que saiba a
quem est e pr eit o se pode r eplicar .
- Ai, Heit or ! disse Galv ão, m or t o e escar necido m e t em quem t al ir m ão m e m at ou, por que est e é o m elhor
cav aleir o da m inha linhagem .
Ent ão se afast ar am da donzela com gr ande pesar , t ão gr ande que er a m ar av ilha. E dir igir am - se par a onde
m ais cedo poder iam achar Gaer iet e, m as não andar am m uit o, que er r ar am o cam inho e andar am de um a par t e
e da out r a, com o a v ent ur a os guiav a. E por isso lhes acont eceu que chegar am à capela de que lhes falar a seu
anfit rião. Quando Galv ão v iu que não podiam achar o que quer iam daquela v ez, disse a Heit or :
- Ai, am igo! Ai, am igo! Tudo t em os per dido; nunca chegar em os on de m eu ir m ão j az m or t o e nem
saber em os quem o m at ou.
- Am igo, disse Heit or , não v os ent r egueis a t ão gr ande pesar , por que, assim Deus m e aj ude, m eu cor ação
m e diz que não v ai t ão m al a Gaer iet e com o a donzela disse.
- Assim o m an de Nosso Senhor , que pode, disse Galv ão.

153. Da v isão que v iu Galv ão. Ent ão descer am , por que a noit e er a j á m uit o escur a, e cuidar am de seus cav alos
o m elhor que puder am , e ent r ar am na capela, onde nada v iam , por que não hav ia lá luz de v ela nem de out r a
coisa. E eles t inham gr ande pesar das nov as que lhes a donzela disser a; por out r o lado, t am bém andav am
cansados e ador m ecer am logo que se deit ar am . E eles dor m indo, v iu cada um sua v isão m uit o mar av ilhosa,
que não devem os deix ar . A que viu Galv ão foi est a. Par ecia- lhe que est ava em pr ado ver de, onde havia m uit as
flor es. E naquele pr ado hav ia um cur r al onde est av am cent o e cinqüent a t our os e os t our os er am or gulhosos e
bonit os m ar av ilhosam ent e, e t odos er am difer ent es afor a t r ês; dest es, u m er a ainda não bem m alhado, nem
bem sem m alha, por isso par ecia br anco e que t iv er a j á m alha. Os dois er am t ão for m osos e t ão br ancos que
m ais não podiam ser . E est es t our os est av am ligados pelos chifr es com sogas for t es e r ij as. Todos os out r os
t our os diziam entr e si:
- Vam o- nos daqui buscar out r o m elhor past o do que est e.
Os t our os se afast ar am dali. Ent ão for am pela t er r a e não pelo pr ado e v iv er am lá m uit o. E quando
volt ar am , er am m enos do que ant es, e os que volt ar am est avam t ão m agr os e t ão cansados, que não podiam
m ant er - se em pé, a não ser com dificuldade. Dos t r ês que er am sem m ancha, vier a um e os dois ficar am . E
quando t odos v olt ar am a seu cur r al, t iv er am m uit o gr ande sofr im ent o de fom e, por que lhes falt ou o past o e
t iv er am de se separ ar uns par a cá e out r os par a lá.

154. Da v isão que v iu Heit or de Mar es. Est a visão v iu Galv ão, m as Heit or v iu out r a m uit o m ar av ilhosa e
difer ent e dest a, por que lhe par ecia que ele e seu ir m ão Lancelot e desciam de um a cadeir a e subiam sobr e dois
cav alos gr andes, e dizia um ao out r o:
- Vam os buscar o que não poder em os achar aqui.
E assim andar am por m uit os dias, t ant o, at é que Lancelot e caiu do cav alo e der ribav a- o um hom em , que
depois o fazia subir em um asno e despia- o da r oupa e de quant o lhe achav a. E depois que subiu no asno,
andav a assim longo t em po, at é que chegav a a um a font e, a m ais for m osa e a m ais sabor osa que nunca v ir a, e
descia par a beber , e quando quer ia beber , fugia- lhe a água. E quando v ia que lhe fugia, v olt av a- se par a onde
v ier a. Heit or , que ainda cav algav a, andav a v agando de cá e de lá at é que v inha à casa de um r ico- h om em , que
fazia gr andes bodas e r icas; e Heit or v inha à por t a e dizia:
- Abr i lá!
E o r ico- hom em lhe dizia:
- Out r a pousada buscai, por que não ent r a aqui ninguém que em cav alo gr ande anda cav algando com o
v ós.
Ent ão v olt ar am com pr azer ao assent o que deix ar am em sua t er r a.
Com est e sonho ficou Heit or t ão espant ado, que se desper t ou com dor es e r evolv eu- se de um lado e de
out r o. E Galv ão que não dor m ia, por que t am bém se desper t ar a por seu sonho, quando v iu que se r esolv ia,
disse- lhe:
- Am igo, dor m is?
- Não, disse Heit or , ant es m e desper t ou um sonho que er a m uit o m ar av ilhoso.
- Bem assim acont eceu a m im , disse Galv ão, e nunca est ar ei alegr e, at é que saiba o que é.

155. Do que v ir am Galv ão e Heit or de Mar es na capela, de que se m ar av ilhar am . Eles nist o falando, v ir am
ent r ar pela capela um a m ão que par ecia até o cot ov elo cober t a de um v eludo v er m elho; e daquela m ão pendia
um fr eio m uit o rico, e t r azia no punho um a v ela acesa, que dav a gr ande luz e passou por ent r e eles e ent r ou na
abside. E depois disso, não a v ir am de nov o. Depois disse um a v oz: "Cav aleir os de fé apoucada e de pouca
cr ença, est as t r ês coisas que aqui v ist es v os falt am e por isso não podeis v ir à dem anda do sant o Gr aal que
t enhais nela honr a."
Quando est a palav r a foi dit a, ficar am t ão espant ados que, por um bom t em po, não souber am o que
dissessem . E Galv ão falou pr im eir o e disse:
- Heit or ,ent endeis v ós est a palav r a?
- Não, disse ele, m as bem a ouv i.
- Em nom e de Deus, disse Galv ão nós v im os t ant o dor m indo com o acor dados. E o m elhor que eu v ej o dos
nossos feit os é pr ocur ar algum hom em bom ou algum er m it ão que nos diga o significado dos nossos sonhos e
dist o que ouv im os. E depois, confor m e nos aconselhar , assim far em os, por que, de outr o m odo, andar íam os em
v ão. Heit or disse que est e conselho não t r azia em si senão bem .
Assim acont eceu aos cav aleir os na capela. E não puder am dor m ir de nov o aquela noit e. Quando chegou o
dia, for am a seus cav alos, puser am - lhes os freios e deit ar am - lhes as selas, e ar m ar amse e cav algar am e
par t ir am da capela. E quando chegar am a um v ale, que hav ia ali per t o, encontr ar am um donzel.
- Am igo, disse Galv ão, saber íeis nos dizer se per t o daqui há algum a er m ida pov oada ou m ost eir o?
- Senhor , disse o donzel, ali num a m ont anha poder eis encontr ar Nascião, um er m it ão, o m elhor hom em
que conheço nest a t er r a e o m ais sisudo e o que m elhor sabe aconselhar a t oda pessoa que a ele v ai. E sabei
que um cam inho est r eit o, que achar eis diant e de vós num a encr uzilhada, que vai à esquer da, vos levar á lá
dir et am ent e.
- Agor a v os encom endo a Deus, disse Galv ão, por que bem nos ensinast es o que andáv am os
buscando.

XXI
I v ã , o ba st a r do, Ga lv ã o e H e it or

156. Com o Galv ão m at ou I v ã, o bast ar do. Ent ão se separ ar am dele e com eçar am a andar . E depois que
andar am um pouco, disse Galv ão ao seu com panheir o Heit or :
- Ai, Heit or ! est ou m or t o; por est e feit o nos esqueceu m eu ir m ão Gaer iet e. Que farem os?
- O que quiser des, disse Heit or . Mas t er ia por bem que falem os ant es com aquele hom em bom e depois
ir em os buscá- lo at é encont r á- lo.
E ele concor dou bem com isso. Quando for am um pouco adiant e, achar am um cav aleir o ar m ado de t odas
as ar m as, que lhes pedia j ust a.
- Em nom e de Deus, disse Galv ão, t em po há que não achei cav aleir o que m e pedisse j ust a. Vist o que est e
a pede, não falt ar ei a ela.
- Am igo, disse Heit or , deix ai- m e ir .
- Não o far ei, disse Galv ão, com licença; m as ir ei pr im eir o, e, se m e ele der r ibar , ir eis v ós, que sois m elhor
cav aleir o do que eu.
Ent ão pegou sua lança e em br açou o escudo e foi cont r a o cav aleir o, e o cav aleir o cont r a ele, quant o o
pôde o cav alo lev ar , e fer ir am - se t ão v iolent am ent e, que fizer am as lor igas desm alhar . E ficou Galv ão fer ido no
peit o t ão m or t alm ent e, que a lança apar eceu da out r a par t e e am bos caír am por t err a e, ao cair , quebr ar am as
lanças. E o cav aleir o sent iu que est av a fer ido de m or t e e não se pôde er guer . E Galv ão er gueu- se m uit o
v iv am ent e e m et eu m ão à espada e pôs o escudo diant e do r ost o e pr epar ou- se par a m ost r ar gr ande bondade
de ar m as, com o quem t inha m uit a. Mas quando viu que o cav aleir o não se podia er guer , pensou logo que
est ava fer ido de m or t e. Ent ão veio a ele e disse- lhe:
- Ou v os dais por v encido, ou v os m at ar ei.
- Ai, senhor ! disse ele, m at ar - m e não podeis m ais do que m e m at ast es. Minha m or t e podeis bem afligir ,
se v os apr az; m as, por Deus e por cor t esia, fazei um a coisa que v os r ogo.
Galv ão disse que o far ia de bom gr ado, se pudesse.
- Eu v os r ogo, disse o cav aleir o, que m e lev eis a algum a abadia per t o daqui, onde possa r eceber o que
pr escr ev e a sant a I gr ej a, com o cr ist ão dev e fazer no fim de sua v ida.
- Assim m e aj ude Deus, disse Galv ão, não conheço lugar per t o daqui onde v os possa lev ar .
- Pois fazei ist o por m im , disse o cav aleir o: lev ai- m e à v ossa fr ent e, e v os guiar ei.
Ent ão o pegou Galv ão e deit ou- o ent r e os ar ções da sela e cav algou at r ás dele par a o segur ar e deu a
Heit or o escudo par a lev ar , e andar am t ant o, que chegar am a um a abadia que ficav a num v ale per t o dali. E
depois que o descer am , puser am o cav aleir o num a câm ar a, e pediu logo seu Salv ador , e t r oux er am - lho. E
quando o viu vir , com eçou a chor ar m uit o int ensam ent e e est endeu as m ãos j unt as par a ele, e confessou- se
logo a Deus, diant e de quant os lá est av am , t odas as coisas de que se sent ia culpado e er r ado par a com seu
Cr iador , e pediu- lhe per dão m ar av ilhosam ent e chor ando. E depois que disse quant o lhe lem br ou, m ost r ou- lhe o
clér igo seu Salv ador . E ele o r ecebeu m uit o hum ildem ent e. E depois que o r ecebeu, disse a Galv ão que lhe
t ir asse o fer r o do peit o, e Galv ão lhe per gunt ou de onde er a ou de qual t err a.
- Senhor , disse ele, eu sou da casa de r ei Ar t ur e sou com panheir o da t áv ola r edonda e t enho nom e I v ã, o
bast ar do, e fui filho de r ei Urião e entr ei na dem anda do sant o Gr aal com out r os m eus com panheir os, m as
assim m e acont eceu por m eu pecado que v ós m e m at ast es. E v os per dôo do m elhor cor ação que posso, e Deus
v os per doe.
Quant o ist o ouviu Galv ão, disse com gr ande pesar :
- Ai, Deus! com o ist o foi gr ande desv ent ur a! Por Deus, I v ã, m uit o m e pesa da v ossa m or t e.
- Senhor , disse ele, e quem sois v ós?
- Eu sou, disse ele, Galv ão, sobr inho de r ei Ar t ur .
- Pois não m e im por t a, disse ele, da m inha m or t e, pois est ou m or t o por m ão de t ão bom cav aleir o. Mas
r ogo- v os, por Deus, que, quando v olt ar des à cor t e, saudeis por m im m eus com panheir os, aqueles que achar des
v iv os, por que sei que m uit os ent r ar am nest a dem anda, que não v olt ar ão lá; e r ogo- lhes que se l em br em de
m im em suas or ações, com o de seu ir m ão.
Ent ão com eçar am a chor ar Galv ão e I v ã t am bém . E Galv ão m et eu m ão no ferr o da lança e tir ou-lha do
peit o. E ao t ir ar , est endeu- se I v ã com a dor que sent iu, e logo lhe par tiu a alm a do cor po. E Galvão e Heit or
fizer am por ele um gr ande lam ent o, por que m uit o boa cav alar ia o v ir am fazer m uit as v ezes, e fizer am - no
colocar num r ico pano de seda que lhes t r ouxer am os fr ades, assim que souber am que er a filho de r ei. E
cant ar am - lhe suas m issas e fizer am - lhe diant e do gr ande alt ar pôr o t úm ulo e colocar am - no aí e escr ev er am
em cim a o seu nom e e o daquele que o m at ou.

157. Com o chegar am à er m ida. Ent ão par t ir am da abadia Galv ão e Heit or com gr ande pesar e cav algar am
t ant o, que chegar am à er m ida e am ar r ar am seus cav alos em dois gr andes car v alhos que lá achar am e
pendur ar am seus escu dos nos galhos e for am por um est r eit o cam inho que er a m uit o pedr egoso e m au de
subir , pelo qual subiam encost a par a a er m ida. E quando chegar am em cim a, ficar am m uit o cansados, por que
sobej o er a penoso subir . E depois que chegar am em cim a, achar am um a er m ida, que cham av am de Nascião, e
er a um a casa pobr e e pequena, e um a capela, que lá hav ia m uit o pequena. E o hom em bom andav a colhendo
ur t iga pert o da capela par a seu com er , por que m uit o t em po hav ia que outr a coisa não com ia. Quando ele viu
v ir os cav aleir os ar m ados, pensou logo que er am cav aleir os andant es que andav am na dem anda do sant o
Gr aal, de que ele sabia novas, havia t em po. E deix ou de colher suas er vas e dir igiu- se a eles e saudou- os e eles
se hum ilhar am m uit o diant e dele, t am bém saudar am - no. E ele lhes per gunt ou:
- Que r azão foi por que aqui v iest es?
- Senhor , disse Galv ão, a sat isfação que t em os de falar conv osco e par a t er m os conselho do que est am os
desaconselhados, e par a ficar m os cer t os do que est am os em dúv ida.
Quando ele ouviu o que dizia Galv ão, per cebeu logo que er a ent endido das coisas t er r enas, e disse:
- Com cer t eza, senhor , em coisa que eu possa e saiba, não v os falt ar ei.
Ent ão os lev ou par a sua capela e per gunt ou- lhes quem er am , e fizer am - no conhecê- los de m odo que bem
soube ele cada um quem er a. Ent ão lhes disse que lhe dissessem em que est avam desaconselhados, e que
dar ia conselho, se pudesse. E Galv ão lhe disse logo:
- Senhor , ont em acont eceu a m im e a est e cav aleir o, que chegam os a u m a capela, e nos alber gam os
nela. E depois que deit am os e dor m im os, sonhei m eu sonho.
E ent ão lhe cont ou qual. E depois que lhe cont ou seu sonho, t am bém cont ou- lhe Heit or o seu. E depois
cont ar am - lhe da m ão que v ir am e o que a v oz lhes disse, e depois que lhe cont ar am t udo, r ogar am - no, por
Deus, que lhes dissesse daquele sonho e da voz, com o er a.

158. Com o o er m it ão r ev elou a Galv ão a v isão do pr ado e dos cent o e cinqüent a t our os. Quando o h om em bom
ouv iu o por quê a ele v ier am , r espondeu e disse a Galv ão:
- Pelo pr ado que v ist es, onde hav ia o cur r al, dev em os ent ender a t áv ola redonda, por que assi m com o no
cur r al há r epar t ições de cer cados que div idem os lugar es do gado, assim na t áv ola r edonda há est eios e
r epar t ições que separ am os assent os uns dos out r os. Pelo pr ado, que er a v er de, dev em os ent ender a
hum ildade e a paciência. No cur r al, onde v ist es os cent o e cinqüent a t our os e que não saíam pelo pr ado, m as
pela t er r a, deveis saber e ent ender que, se pelo pr ado saíssem , ser iam hum ildes e obedient es. E os t our os
er am or gulhosos e difer ent es, m enos t r ês. Pelos t our os dev eis ent ender os com panheir os da t áv ola r edonda,
que por sua for nicação e por sua m á v ida caír am m uit o em sober ba e em pecado m or t al, t ant o que seus
pecados não se podem esconder neles, ant es apar ecem por for a, assim que são t odos difer ent es. Dos t r ês
t our os que er am sem m ancha dev eis ent ender que são sem pecado os dois que er am br ancos e for m osos.
For m osos e br ancos são os que são per feit os de t odas as v ir t udes. Os dois t our os que er am br ancos significam
Galaaz e Per siv al, que são br ancos, por que são v ir gens, lim pos e sem m ancha. O t er ceir o, que t iv er a j á sinal de
m ancha, est e er a Boor z, que t em po hav ia que er r ar a em sua v ir gindade, m as depois o cor r igiu de m odo que
t ão bem guar dou sua cast idade, que t odo aquele er r o foi per doado. Os t r ês t our os que est av am ligados pelos
cor pos são est es t r ês cav aleir os que est ão assim unidos pela humildade, que j á sober ba não pode neles entr ar .
Os out r os t our os que diziam : "Vam os buscar m elhor past o que est e", são os com panheir os da t áv ola r edonda
que disser am no dia de Pent ecost es: "Vam os à dem anda do sant o Gr aal e ser em os r eplet os das honr as do
m undo e do m anj ar celestial que a gr aça do Espírit o Sant o env ia àqueles que sent am à m esa do sant o Gr aal.
Ali é o bom past o; deix em os est e e v am os lá". E eles par t ir am da cor t e e for am pela t er r a, que não pelo pr ado,
por que não for am à confissão, com o dev iam fazer os que entr am em ser v iço do Nosso Senhor , nem par t ir am
com hum ildade nem com paciência, o que ent endem os pelo pr ado v er de, m as for am pela t er r a seca, onde não
hav ia v er dur a, nem flor , nem fr ut a. Est a foi a car r eir a do infer no, onde t odas as coisas são secas, que aí v ão. E
quando t or nav am , m or r iam por isso os m ais; e por isso hav eis de ent ender que, ao v olt ar dest a dem anda,
falt ar ão m uit os, por que m or r er ão nela. E os t our os que v olt av am est av am t ão m agr os e t ão can sados, que
dificilm ent e podiam m ant er - se de pé. Est es são os cav aleir os que da dem anda escapar ão e v olt arão à cor t e,
que est ar ão t ão m anchados de pecados e t ão env olvidos neles que uns m at ar ão os outr os e não t erão bondade
nem v ir t ude em que possam est ar , que não caiam no infer no. Dos t r ês sem m ancha, v olt ar á um e os out r os
dois ficar ão; assim se ent ende que dos t r ês bons cav aleir os um v olt ar á à cor t e par a o bom past o qu e per der am
aqueles que est av am em pecado m or t al. Os out r os dois ficar ão, por que achar ão t ão gr ande pr azer no m anj ar
do sant o Gr aal, que não o deix ar ão de m odo algum , pois que o t iv er am à v ont ade. A derr adeir a palav r a de
v osso sonho, disse ele a Galv ão, não v os dir ei, por que por ela poder ia sobr ev ir m al e não bem .
- Senhor , disse Galv ão, eu m e esfor çar ei por isso, se v os apr azo E bem o dev o fazer , por que bem m e
esclar ecest es a m inha dúv ida, que t oda a v er dade v ej o de m eu sonho.

159. Com o o er m it ão desv endou o sonho a Heit or . Ent ão disse o hom em bom a Heit or :
- A v ós par ecia que v ós e Lancelot e descíeis de um a cadeir a. A cadeir a significa dom ínio. O dom ínio de
que descíeis é a gr ande honr a da m esa r edonda, de que descest es, por que a deix ast es quando par t ist es da
casa de r ei Ar t ur ; e m ont áv eis dois cav alos gr andes: os dois cav alos são or gulho e sober ba. Depois dizíeis;
"Vam os buscar o que não podem os encont r ar aqui." Est e er a o sant o Gr aal. Est es são os segr edos de Nosso
Senhor e as coisas escondidas, que v os não ser ão r ev eladas nem dem onst r adas, por que não soi s t ais quais
dev eis ser . E depois v os separ áv eis um do out r o, Lancelot e cav algav a t ant o que caía do cav alo. I st o quer dizer
que ele caír a do or gulho e abaix ar a em hum ildade; e sabes quem o der r ibar a do or gulho? Aquele que der ribou
o or gulho do céu, e est e é Jesus Cr ist o, que abaix ou Lancelot e e o despiu dos pecados, de m odo que se
conheceu e se v iu nu de t odas as boas v ir t udes, que cr ist ão dev e t er , e pediu per dão, e logo que o pediu, o
v est iu Nosso Senhor . E sabeis de quê? De cast idade, de hum ildade e de paciência gr ande e de m oder ação. Est a
foi a r oupa que lhe deu. Depois, fazia- o subir em um asno: est e é o anim al que significa a hum ildade. E bem
par eceu, há t em po, que pelo asno dev em os ent ender hum ildade, por que em dia de r am os ent r ou na cidade de
Jer usalém Nosso Senhor , que er a Rei dos r eis e a quem t odas as r iquezas do m undo per t enciam . E não quis v ir
a cav alo nem em palafr ém , ant es v eio no m ais v il anim al que pôde, com o v ir em asno, par a apr en der em com
isso dele, daí por diant e, os r icos e os pobr es, o gest o de hum ildade. Em t al anim al v ist es cav algar Lancelot e
em v osso sonho; e depois que andar a assim m uit o t em po, v inha a um a font e, a m ais for m osa que nunca v ir a,
e descia par a beber . E quando queria beber , fugialhe a água. E quando ele via que não podia beber , v olt av a- se
par a onde v ier a. A font e er a for m osa e feit a de t al m odo que nunca alguém t ant a água pode t ir ar que falt e.
Est a font e sabor osa é a palav r a do Ev angelho. O cor ação do que se acha m al dos seus pecados, que fez, t em
t ão gr ande pr azer que quant o m ais bebe, t ant o m aior v ont ade de beber t em . Est a é a gr aça do Espír it o Sant o e
do Gr aal que, quant o m ais far t a, t ant o sobr a m ais e m ais: e por que não há de falt ar dev e ser cham ada font e.
Quando ele vinha à font e e descia, ist o m ost r a que ele vier a per t o do sant o Gr aal, e ficar á lá e m udar - se- á,
t ant o que se não t er á por hom em diant e daquele sant o Vaso, por que caír a em pecado. E quando se abaix av a
par a beber e a água lhe fugia, ist o quer dizer que ficar á de j oelhos diant e do sant o Vaso par a v er algum a coisa
dos segr edos que lá est ão. Ent ão se lhe esconder á o sant o Vaso, por que per der á a luz dos olhos, por que os
deit ou a v er os lix os t er r enos; e per der á a for ça do cor po, por que ser v iu longo t em po o poder do diabo; e
dur ar á est a vingança vint e e quat r o dias, por que foi v int e e quat r o anos ser v o do dem o. E depois que est iv er
assim v int e e quat r o dias que não com er á nem beber á, nem m ex er á pé nem m ão, lhe par ecer á que est á em
t ão bom est ado, com o ant es de per der a luz dos olhos; ent ão dir á um a par t e do que v iu e logo par t ir á da t er ra
e ir á par a Cam alot e. E v ós que ainda cav algáv eis no gr ande cav alo, ist o m ost r a que ficar eis em pecado e em
or gulho e inv ej a e ir eis de cá e de lá t ant o desv iando, que chegar eis à casa do r ei Pescador , onde os hom ens
bons e os cav aleir os far ão as fest as e as gr ande alegr ias das gr ande coisas que achar am . E quando lá
chegar des e pr ocur ar des ent r ar , v os dir ão que não cuidam de quem per m anece em pecado m or t al e em
or gulho e em sober ba. E volt ar eis ent ão par a Cam alot e e não conseguir eis nada em vosso pr ov eit o na
dem anda. Agor a v os r ev elei gr ande par t e do que v os há de acont ecer .

160. A r ev elação da m ão que v iu Heit or . Or a conv ém que v os diga o que significa a m ão que v ist es passar
per ant e v ós cober t a, que t r azia a v ela e o fr eio. E depois v os dizia um a v oz que est as t r ês coisas v os falt am .
Pela m ão dev eis ent ender a car idade; pelo v eludo v er m elho com que est av a cober t a, dev eis ent ender o fogo do
Espír it o Sant o de que v em a caridade com ar dor , e quem t em a car idade em si t em calor e é v er m elho e aceso
do am or do seu Senhor Jesus Crist o. Pelo fr eio dev eis ent ender a abst inência, por que assim com o o cav aleiro
lev a e m anda seu cav alo ao lugar que quer pelo fr eio e o faz par ar quando quer , assim faz a abst inência,
quando est á bem fir m e no cor ação do cr ist ão; essa o t em bem aper t ado que não pode cair em pecado m or t al
nem andar a sua v ont ade se não andar no cam inho de boas obr as. Pela v ela que t r azia, que dav a luz, dev em os
ent ender a v er dade do Ev angelho, que fala do Filho de Deus que dá luz e clar idade a t odos aqueles que se
afast am do cam inho do pecado e v olt am ao cam inho cer t o que é de Jesus Cr ist o. E assim v ist es clar idade e
abst inência na capela. E por isso v eio Deus a sua capela, que não fizer a ele par a nela ent r ar em pecador es nem
m aus, m as par a que a v er dade fosse nela pr egada. E quando v os achou lá, r et ir ou- se logo, por que o lugar
pusest es a per der só por v osso olhar .
E quando t ev e de r et ir ar - se, disse- lhes:
- Cav aleir os de pequena fé e de pouca cr ença, est as t r ês coisas v os falt am e por isso não podei s v ir às
av ent ur as do sant o Gr aal.

161. Com o o hom em bom disse a Galv ão que não acabar ia nada na dem anda, enquant o andasse em pecado
m or t al.
- Agor a v os ex pus o significado dos v ossos sonhos e da m ão.
- Cer t am ent e, disse Galv ão, v ós o ex plicais e ex plicast es de m odo que bem v ej o que assim é. Agor a v os
r ogo que m e digais por que não acham os t ant as av ent ur as com o cost um áv am os.
- I st o v os dir ei eu bem , disse o hom em bom ; as gr andes av ent ur as que agor a acont ecem são
int er pr et ações e os gr andes sinais do sant o Gr aal. Mas os sinais e os significados do sant o Gr aal não apar ecem
ao pecador nem a quem est á env olvido nos pr azer es do m undo. E por isso se v os não m ost r am j á, por que sois
desleal pecador . E não dev em os cuidar que as av ent ur as que agor a cor r em são de m at ar cav aleir os e out r os
hom ens. Já dist o não v er á ninguém v ir av ent ur a, ant es ser ão as coisas que m ost r ar ão aos homens bons o
significado das out r as coisas, por que as coisas celest iais são assim escondidas que j am ais cor ação m or t al as
poder á conhecer , a não ser pelo Espír it o Sant o.
- Senhor , disse Galv ão, por est a r azão que m e dizeis m e par ece que, est ando eu em pecado m or t al, em
v ão m e esfor çar ei nest a dem anda, por que nada nela far ei.
- Cer t am ent e, disse o hom em bom , v ós dizeis v er dade; e quant os nela v ão que não t er ão senão m al!
- Por boa fé, disse Heit or , se acr edit ar m os em v ós, v olt ar em os a Cam alot e.
- Cer t am ent e, disse o hom em bom , eu vos disse e ainda digo que, enquant o est iver des em pecado
m or t al, não far eis nada de que t enhais honr a.
E eles, quando ist o ouv ir am , encom endar am - no a Deus e despedir am - se dele. E quando se afast ar am um
pouco, cham ou o hom em bom Galv ão e t or nou a ele e disse- lhe:
- Galv ão, Galv ão, j á m uit o t em po há que fost e cav aleir o das pr im ícias; e desde que r ecebest e or dem de
cav alar ia, não ser vist e t eu Cr iador , senão pouco. E agor a és ár v or e v elha, t ant o que não
ficou em t i r am o, nem folha, nem fr ut o. Agor a, pensa de hoj e em diant e t ant o que Nosso Senhor tenha de t i a
cor t iça e o m iolo, v ist o que o dem o de t i lev ou os r am os e as folhas e a fr ut a.
- Senhor , disse Galv ão, se eu t iv esse t em po de v os falar , falar ia conv osco de bom gr ado; m as v edes
aquele out r o cav aleir o com quem t enho com panhia, t em po há, se v ai. E por isso conv ém que m e v á daqui,
queir a ou não. Mas t ão cedo que puder , v olt ar ei, por que m uit o t enho gr ande gost o de falar conv osco em
segr edo m uit o gr ande.

162. Com o Heit or e Galv ão par t ir am do out eir o onde a er m ida est av a. Ent ão par t ir am e descer am am bos os
cav aleir os do out eir o onde a er m ida est av a, e v ier am a seus cav alos e m ont ar am e pegar am su as ar m as e
andar am at é a noit e à casa de um m ont anheir o, que os alber gou m uit o bem , assim que os r econheceu. E pela
m anhã, par t ir am dali e se m et er am na dem anda e cav algar am m uit o t em po j unt os, sem av ent ur a achar que de
cont ar sej a.

XXI I
Ga la a z, Boor z e Le one l

163. Mas or a deix a o cont o a falar deles e t or na a Galaaz e a Boor z quando se separ ar am de Esclabor . Or a diz o
cont o que Galaaz e Boor z, depois que se separ ar am de Esclabor o desconhecido, cav algar am aqu ele dia sem
av ent ur a achar . at é hor a de noa. Ent ão lhes acont eceu, sem falha, que achar am , à entr ada da flor est a pela
qual passar am no dia ant er ior , aquele cav aleir o m esm o, que m uit o t em po hav ia que andav a at r ás da best a
ladr ador a. Boor z disse a Galaaz:
- Agor a podeis v er o cav aleir o cuj o pai v os louv ou de bondade de cav alar ia sobr e t odos os cav aleir os da
Gr ã- Br et anha.
- Cer t am ent e, disse Galaaz, t em bem apar ência de que é bom cav aleir o, m as cuidar ia que algum há
m elhor no reino de Logr es.
- Não sei, disse Boor z, o que a r espeit o m e acont ecer á, m as nunca t er ei alegr ia, at é que eu pr ov e por
m im se t al cav aleir o é qual seu pai disse.
- Far eis v osso pr azer , disse Galaaz, m as t enho m edo de v os v ir algum pesar .
164. Com o Galaaz e Boor z o achar am cav aleir o da best a ladr ador a e com o lut ou com Boor z e o der r ibou. Assim
que o cav aleir o chegou a eles, disse- lhes, sem saudá- los:
- Senhor es, que andais buscando?
Ent ão r espondeu Boor z:
- Buscam os o que v ós buscais: a best a ladr ador a.
- Com o? disse o cav aleir o, m inha dem anda buscais e t om ais
vós, em que t ão longam ent e andei m e esfor çando e da qual pr oibi que vos ocupásseis m ais? Cer t am ent e est a é
v ileza e loucur a gr ande e v os achar eis nela m al, se eu posso.
Ent ão m et eu a m ão sob o br aço e o escudo diant e do peit o, e Boor z fez o m esm o; quando v iu que a lut a
t inha na m ão. E o cav aleir o, que er a m uit o v iv o e de gr ande bondade de ar m as, fer iu- o t ão r ij am ent e, que lhe
quebr ou o escudo e a lor iga e lhe fez gr ande ferida no peit o, m as não m or t al, e lançou- o por t er r a ele e o
cav alo, que sobej am ent e er a de gr ande for ça, e daquela queda ficou Boor z m uit o fer ido, por que o cav alo lhe
caiu sobr e o cor po de cheio. E depois que o cav aleir o fez est e golpe, não o olhou m ais, ant es se m et eu na
flor est a, e r aio par ecia que ia at r ás dele, t ão depr essa se ia. E Galaaz, quando v iu Boor z em t er r a, t ev e m edo
de est ar ferido de m or t e. E por isso deix ou assim o cav aleir o quit e e foi a Boorz, que er a de gr ande ânim o e de
gr ande for ça, e se lev ant ar a j á e per gunt ou- lhe:
- Am igo, com o v os sent is?
- Senhor , disse ele, gr aças a Deus, não t enho nenhum m al. I st o dizia par a confor t ar Galaaz, m as m uit o se
sent ia difer ent e do que dizia.
- Vedes, disse Galaaz, ant es v o- lo disse. Sabei que est e é um dos bons cav aleir os do m undo.
- Eu o t enho j á por pr ov ado, que nunca o pr ov ar ei de nov o, pela gr ande bondade que r econheço nele.
Digo que é gr ande pecado e gr ande m al, por que não é cr ist ão.
- Ver dade é, disse Galaaz. Mas, v ist o que sois m eu com panheir o e da t áv ola r edonda e v os ele m at ou
diant e de m im , eu v os v ingar ei a m eu poder , senão t er - m e- ia por isso com o cav aleir o cov ar de. Agor a ficai e ide
devagar , e ir ei atr ás dele e o seguir ei t ant o, at é que o ache, se Deus quiser .
Assim que ist o disse, m et eu- se na flor est a e foi par a onde cuidou que achar ia o cav aleir o, quant o o cav alo
o pôde lev ar .

165. Com o Galaaz foi at r ás do cav aleir o da best a ladr ador a par a v ingar Boor z. Boorz, quando v iu Galaaz ir ,
cav algou em seu cav alo e foi at r ás dele, por que, se pudesse, quer ia v er o que havia de acont ecer . E assim
fer ido foi depr essa e não andou m uit o que achou um m onge v est ido de hábit o e ia num asno e ia r ezando
vésper as de Sant a Maria, por que j á er a hor a. Quando Boor z a ele chegou, saudou- o e ele deix ou o que dizia,
t am bém saudou- o e par ar am am bos ent ão.
- Senhor , v ist es por aqui passar um cav aleir o de um escudo br anco e de um a cr uz v er m elha?
- Sim , disse ele, e v ai t ão depr essa que o não poder eis j á hoj e alcançar . E por isso v os louv ar ia de ficar des
hoj e com igo, por que é hor a de alber gar e, além disso, m e par eceis fer ido. E eu v os lev ar ei a lugar onde
cuidar ão bem de v ós e v os far ão m uit o ser v iço.
E Boor z concor dou, por que j á er a hor a de alber gar e par eceulhe hom em bom .
166. Com o Boor z ficou com o er m it ão e com o o er m it ão o aconselhou e lhe r ev elou o que er a a dem anda do
sant o Gr aal. Ent ão com eçar am a falar de m uit as coisas t ant o, at é que o hom em bom lhe per gunt ou:
- Senhor , quem sois v ós?
- Eu sou, disse ele, um cav aleir o da casa de r ei Ar t ur . - E o que buscais v ós, disse ele, nest a t er r a?
- Eu busco, disse Boor z, o que dificilm ent e ser á achado, a m eu cuidar , a que m uit os hom ens fizer am j á e
fazem gr ande esfor ço: a dem anda do sant o Gr aal, a que entr am os, em dia de Pent ecost es, cent o e cinqüenta
cav aleir os, t odos hom ens bons e de gr ande fam a.
- Com o? disse o hom em bom , com eçada est á a dem anda do sant o Gr aal?
- Sim , disse Boor z.
- E v ós sois com panheir o dela? disse ele.
- Sem falha, disse Boor z.
- Cer t am ent e, de gr ande coisa v os ocupais, de buscar des os segr edos de Nosso Senhor , e de pr ocur ar des
as m aior es m ar av ilhas do m undo.
- Senhor , disse Boor z, assim é.
- Agor a, dizei- m e, disse o hom em bom , com o cuidais v ós lev ar a cabo t ão alt o com eço?
- Senhor , disse ele, eu m e m et i à av entur a, com o os out r os m eus com panheir os, e, se apr ouv er a Deus
que m e v enha daí bem , agr adar - m e- á. E se m e out r a coisa v ier , supor t ar ei m uit o bem .
- E com o t endes nom e? disse o hom em bom .
- Senhor , disse ele, eu t enho nom e Boor z e sou filho de r ei Boorz de Gaunes.
- Cer t am ent e, disse o hom em bom , conheço v osso pai e v ossa m ãe, e com r azão dev íeis ser hom em bom ,
por que a escr it ur a diz que a ár v or e boa faz bom fr ut o; e a ár v or e de que saíst es foi boa, por isso ser eis bom , se
pecado e m aldade não v o- lo im pedir . Mas ist o m e dizei: com o ent r ast es nest a dem anda?
- Senhor , disse Boor z, com o os out r os m eus com panheir os.
- Por Deus! disse o hom em bom : loucam ent e ent r ast es nela e v os dir ei com o. Mas ist o m e dizei,
pr im eir am ent e: sabeis o que é a dem anda do sant o Gr aal?
- Não m uit o bem , disse Boor z.
- Eu v os dir ei, disse ele, o que é a dem anda do sant o Gr aal buscar . Tant o quer ser com o buscar as
m ar av ilhas da sant a I gr ej a e as coisas escondidas e as m ar av ilhas e os gr andes segr edos que Nosso Senhor
não quis out or gar que alguém os achasse que est iv esse em pecado m or t al. A dem anda do sant o Gr aal é, pois,
que ele separ ou os bons cav aleir os dos m aus, com o o gr ão da palha. E quando ele separ ar os lux ur iosos dos
bons cavaleir os, ent ão m ost r ar á a est es hom ens bons e a est es bem - avent ur ados as m ar avilhas que andam
buscando do sant o Gr aal. Ent ão os acum ular á do bem do sant o Gr aal e da sua sant a gr aça e do abençoado
m anj ar de que falar am os pr ofet as e os hom ens bons dest a t er r a, que ist o sabiam j á, que das coisas que
hav iam de v ir falar am singelam ent e: e ist o acont ecer á, quando escondidam ent e dest a abençoada dem anda,
que é cham ada gr aça do sant o Gr aal, ser ão acum ulados os bons cav aleir os que v er dadeir am ent e se
confessar em e se ar r epender em de seus pecados e lim pam ent e se guar dar em em t ão gr ande feit o com o est e
que declar adam ent e é ser v iço de Nosso Senhor ; e os que em pecado nela andar em , acont ecer á par a eles,
com o diz o Ev angelho que acont eceu ao hom em que foi sem a r oupa de bodas às bodas do r ico- hom em ;
por que diz que hav ia um r ico- hom em e fazia suas bodas m uit o gr andes e olhou pelo paço onde est av am as
m esas, e v iu entr e os out r os um hom em que não andav a v est ido de r oupa de bodas, e m andou- o pegar e at ar -
lhe as m ãos e os pés e deit á- lo num cár cer e. I st o diz a escr it ur a, que vos eu digo, par a vós e par a vossos
com panheir os: assim com o aquele r ico- hom em conv idou uns e out r os par a a sua fest a e par a o seu m anj ar ,
assim conv idou Nosso Senhor t odos os com panheir os da t áv ola r edonda par a v er em as m ar av ilhas do sant o
Gr aal e par a pr ov ar em daquele m anj ar de que for am ser v idos em dia de Pent ecost es, se eles ent r ar em nest a
dem anda pr epar ados com o dev em e com o aqueles que ent r am em ser v iço de Deus. Mas se ent r am em pecado
e ent r am em luxúria com o ant es, em v ão se esfor çam , por que j am ais dele pr ov ar ão, ant es r eceber ão por isso
m uit as desonr as e per das, por que se cham ar ão cav aleir os da dem anda do Gr aal, e t ant o quer dizer com o
cav aleir os de Nosso Senhor , e não o ser ão e se abandonar ão à desonr a e à v ileza, assim com o aquele que foi
às bodas do r ico- hom em sem a r oupa de bodas. E bem sabei, dom Boor z, que se fôsseis o m elhor cav aleir o que
nunca no m undo houv e, a v ossa cav alar ia não v os faria senão m al at é que fôsseis bem confessado e que
t iv ésseis r ecebido o Cor pus Dom ini. Mas se v ós assim fizer des e v os abst iv er des de pecar m or t alm ent e, bem
v os adv ir á. E v ist o que ent r ast es na dem anda do sant o Gr aal, sabei que cuido, pelo m uit o bem que em v ós há,
de que m uit o ouv i falar , que t er eis nest a dem anda honr a e alegr ia t ão gr ande com o v osso cor ação não poder ia
pensar . Agor a, at inai par a ist o que v os digo, por que, cer t am ent e, se de out r o m odo fizer des; em v ão ent r areis
nela, a m eu cuidar .

167. Com o Boor z disse ao hom em bom que v aler ia m ais pelo que lhe disser a, e se confessar ia logo. Quando
Boor z ist o ouviu, r espondeu:
- Cer t am ent e, senhor , v ós cor r igist es t ant o em m im por isso que m e dissest es, que eu cuido por isso m ais
v aler t odos os dias da m inha v ida e bem cuido e sei que m e dissest es v er dade. E cr eio bem que t odo hom em
que nest a dem anda ent r ar , que falt e no ser viço de Nosso Senhor , se bem confessado não for , r eceber á
v er gonha. Eu sou aquele que daqui por diante não ent r ar ei, se ant es não m e confessar o m elhor que puder e
que r eceba m eu Salv ador . E depois que tiv er feit o assim , e tiv er em m inha com panhia t ão alt o guia com o o
Salv ador do m undo, ent ão poder ei segur am ent e cav algar e buscar em t oda par t e as av ent ur as do sant o Gr aal.
- Est a é a v er dade, disse o hom em bom .

168. Com o Boor z se par t iu do hom em bom e com o encont r ou seu ir m ão Leonel lev ado pr eso; e com o um
cavaleir o levava um a donzela cont r a sua vont ade. Nist o falando andar am at é que chegar am , à t ar de, onde o
hom em bom m or av a. Naquela noit e não dor m iu Boorz, pensando no que lhe o hom em bom disser a, por que
bem v ia que lhe disser a v er dade. De m anhã, ant es que ouv isse m issa, r ecebeu o Cor pus Dom ini e o hom em
bom lhe disse:
- Boor z, alber gast es v osso Salv ador . E agor a guar dai- v os par a que não lhe t om eis sua pousada. E sabei
que, se v os guar dar des de pecar m or t alm ent e nest a dem anda, t ão gr ande honr a v os acont ecer á e t ant a alegr ia
e t ão boa v ent ur a, que não poder eis im aginar at é que o v ej ais.
E ele r espondeu logo:
- Deus m e deix e fazer -lhe t al ser v iço nest a dem anda que lhe agr ade.
- Assim com o eu o desej o, assim o far eis sem pr e, disse o hom em bom .
E ent ão lhe deu a bênção e Boor z pegou suas ar m as e ar m ouse e m ont ou em seu cavalo e despediu- se
dele e foi- se pensando m uit o no que lhe o hom em bom disser a. E fez logo um a pr om essa, que em t oda aquela
dem anda não com er ia senão pão e água, e cum pr iu pois est a pr om essa m uit o bem . Todo aquele dia cav algou
sem av ent ur a achar que de cont ar sej a, e a quant os encont r av a, per gunt av a por nov as do cav aleiro que t r azia
o escudo br anco e a cr uz v er m elha. Mas nunca achou quem dele algum as nov as dissesse. Num out r o dia, lhe
acont eceu que ia por um gr ande m at o e acont ecer amlhe duas av ent ur as m uit o m ar avilhosas e am bas j unt as.
Acont eceulhe que achou um a car r eir a que se bifur cav a em dois cam inhos; por aquela car r eira iam dois
cav aleir os que lev av am Leonel, seu ir m ão, desar m ado e m uit o fer ido e m alt r at ado; e quer iam - no m et er em um
m at o que er a m ais espesso par a o m at ar em , e iam - lhe dando das espadas lisas m uit o gr andes fer idas. Tal er a
um a av ent ur a. A outr a t am bém foi t al que um cav aleir o lev av a um a donzela diant e de si, e ia pelo out r o
cam inho; e ela ia chor ando e fazendo t ão gr ande lam ent o, que bem v os par ecia que ant es quer ia est ar m or t a
do que v iv a, por que o cav aleir o a pr ender a em casa de seu pai e quer ia lev á- la ao m at o. E assim qu e a donzela
v iu Boorz, r econheceu bem que er a dos cav aleir os do sant o Gr aal, dos que não falhar iam a donzela
at or m ent ada por algo que acont ecesse, e gr it ou- lhe quant o pôde:
- Ai, cavaleir o bom , por Deus e por piedade, socor r e- m e e liv r a- m e dest e desleal, que m e quer
escar necer , se t u és dos bons cav aleir os que andam na dem anda do sant o Gr aal.
Assim disse a donzela a Boor z que o socor r esse. E Leonel, que r econheceu seu ir m ão, gr it ou-lhe:
- Ai, ir m ão Boor z! não m e deix eis aqui m or r er , m as socor r eim e e liv r ai- m e dest es cav aleir os desleais, que
m e lev am a est as m ont anhas per t o daqui par a m e m at ar em .

169. Com o Boor z fez sua or ação par a Deus, que guar dasse seu ir m ão, e com o socor r eu a donzela ant es que a
seu ir m ão. Quando Boor z ist o ouv iu, não soube o que fizesse; se a seu ir m ão não socor r esse, ist o ser ia a m aior
diabr ur a do m undo. E, por out r o lado, se não socor r esse a donzela, ser ia desleal com Deus e com o m undo,
por que hav ia pr om et ido a Deus e aos da t áv ola r edonda que j am ais deix ar ia de dar aj uda a donzela que a
pedisse. E ela a pedia e dizia:
- Ai, bom cavaleir o, por Deus e por piedade, t em de m im com paixão e não m e deix es escar necer assim .
Quando Boor z ouviu que lhe pedia t ão hum ildem ent e, ficou t ão aflit o em seu cor ação, que er gu eu as
m ãos par a o céu com o pôde e disse:
- Pai Jesus Cr ist o, se v os apr az, guar dai- m e e guar dai m eu ir m ão, que não m or r a, por que eu sou aquele
que m e m et er ei na av entur a de est a donzela socor r er . Mas por isso v os r ogo que não m or r a m eu ir m ão
enquant o eu a socor r o.
Ent ão fer iu o cav alo com as espor as e foi at r ás da donzela que est av a j á um t ant o afast ada. Encom endou-
se m uit o a Deus e não andou m uit o que v iu num v ale o cav aleir o que descer a e tinha a donzela em baix o de si
par a deit ar com ela. E ela gr it av a quant o podia. Ent ão, quando Boor z ist o ouv iu, deix ou- se cor r er ao cav aleir o e
gr it ou- lhe:
- Dom cav aleir o, deix ai a donzela, que em m á hor a a t om ast es. Quando o cav aleir o ist o ouv iu, er gueu- se
m uit o r ápido e disse:
- Cav aleir o, não sois cor t ês, por que v os im por t ais com coisa que v os não conv ém , por que ela é t ão m inha
que eu far ei dela t oda m inha vont ade cont r a a vont ade dela e a vossa.
- Assim m e Deus aj ude, disse a donzela, não é assim , por que nunca fui sua nem de out r em , ant es m e
pegou hoj e pela m ão em casa de m eu pai.
- Eia, cav aleir o, disse Boorz, v edes o que diz? Cer t am ent e v os achar eis m al de quant o j á fizest es, se eu
posso.
Ent ão desceu e at ou o cavalo a um a ár vor e e t ir ou a espada e deix ou- se ir a ele. E o outr o que o viu vir ,
par eceu- lhe que er a bom cav aleir o e afast ou- se par a o conhecer e disse- lhe:
- Senhor cav aleir o, r ogo- v os que m e digais quem sois.
- E Boor z disse:
- Eu sou Boor z de Gaunes.
Quando o cav aleir o ouv iu que est e er a Boorz de Gaunes, um dos bons cav aleir os do m undo e dos m ais
afam ados, j ogou a espada em t er r a e disse:
- Senhor , agor a podeis de m im fazer v ossa v ont ade, por que eu sou aquele que por nada com bat er ei
conv osco, por que bem sei que no fim m e v er ia m al.
Ent ão ficou de j oelhos diant e dele e disse:
- Senhor , eu m e ponho à v ossa disposição, m as r ogo- v os por m er cê e por cor t esia, que est a donzela, que
eu am ei t ão longam ent e, e por quem supor t ei t ant o sofr im ent o, m a deis e eu a t om ar ei por m ulher e a t er ei em
t ão gr ande honr a, com o filho de r ei e de r ainha dev e fazer a filha de r ei e de r ainha.
- I st o não far ei eu, disse Boor z, de m odo algum , a m enos que saiba dela se lhe agr ada.
E ent ão per gunt ou à donzela, e a donzela lhe r espondeu logo:
- Senhor Boor z, sei ver dadeir am ent e que ele m e quis bem , t em po há, e conheço ver dadeir am ent e que é
de t ão alt a posição com o eu; m as ist o não far ei de nenhum m odo, sem conselho de m eus am igos, por que ser ia
desonr ada, pois sou donzela.
- Ai, donzela, disse Boor z, pois que v os ele quer fazer t ão gr ande honr a, que v os quer t om ar por m ulher ,
r ogo- v os que o t om eis, e, cer t am ent e, eu v os digo que bem e honr a por isso v os adv ir á. E se desonr a há, sej a
m inha e a honr a sej a v ossa.
- Senhor , disse a donzela, v ós sois t ido por bom cav aleir o e por m uit o bom hom em : por Deus, não m e
façais fazer coisa por que à m inha linhagem v enha desonr a.
- Eu sei, disse Boor z, que lhes não pesar á e que ser á sua gr ande honr a, e por isso v os r ogo qu e o façais.
- Senhor , disse ela, eu o far ei, pois que t ant o m e anim ais.
Ent ão lhe pr om et eu o cav aleir o que a t om aria por m ulher ; depois disse Boor z:
- Agor a podeis ir j unt os e ir ei a out r o lugar , onde t enho m uit o a fazer .
Ent ão foi a seu cav alo e cav algou e deix ou o cav aleir o e a donzela que bem fizer am , pois, quant o
pr om et er am . E saibam t odos, que est e cont o ouv ir em , que daquele cav aleir o e daquela donzela saiu depois
Licanor , o gr ande, o bom cav aleir o que Mer augis do Port o dos Vaz m at ou, depois da m or t e de rei Mar s, com o
est e cont o r ev elar á depois, no fim do nosso liv r o. Mas não fala m ais dist o por hor a.

170. Com o Boorz foi socor r er seu ir m ão Leonel. Quando Boorz se separ ou do cav aleir o e da donzela, foi o m ais
r ápido que pôde par a onde cuidou que m ais depr essa poder ia achar seu ir m ão. Mas em v ão se esforçav a nisso,
pois quant o m ais se m et ia na flor est a, t ant o m ais se afast av a dele. Mas por que v os não r ev elei quais er am os
dois cavaleir os que levavam Leonel pr eso, quer o vo- lo relat ar , assim com o a est ór ia ver dadeir a o cont a e diz.

XXI I I
A m ulhe r da t e nda
171. Com o Leonel chegou às t endas, onde achou a m ulher só. Naquele dia m esm o par t ir a Leonel da casa de
um infanção, onde dor m ir a aquela noit e. E depois que se pôs em seu cam inho, com o os out r os, acont eceu- lhe
que a v entur a o lev ou, à hor a de prim a, a um a t orr e que hav ia num cam po naquela flor est a m esm a. Quando
chegou per t o da t or r e no m eio de um pr ado, v iu duas t endas ar m adas m uit o for m osas e m uit o r icas, e diant e
de cada um a est av am dois escudos e duas lanças. Assim que Leonel v iu os escudos, foi par a lá, por que est av a
m uit o desej oso, por que hav ia m uit o tem po que andar a na dem anda e não achar a nada que m uit o lhe
agr adasse. Quando chegou às t endas, olhou dent r o, m as não viu ninguém , ex cet o um a m ulher que est av a
dor m indo num leit o. Mas desper t ou- se pelo cav alo de Leonel que com eçou a r elinchar . Quando ele v iu
a m ulher só, desceu par a descansar e par a lhe per gunt ar algum a coisa de seus feit os, e pôs na t erra sua lança
e seu escudo, e am ar r ou seu cav alo a um a est aca da t enda e ent r ou.
E ela, que er a m uit o cor t ês, r ecebeu- o m uit o bem e disse- lhe:
- Senhor , sois cav aleir o andant e?
- Mulher , disse ele, sim . Mas por que o per gunt ais?
- Senhor , disse ela, par a v os fazer quant o ser v iço e quant a honr a puder . E, vist o que cav aleir o andant e
sois, or a sent ai e descansai, se v os apr ouv er , por que, cer t am ent e, a v ossa v inda m e agr ada m uit o.
- Mulher , disse ele, obr igado.

172. Com o a m ulher r econheceu Leonel e com o o m ar ido da m ulher e o pai dele quiser am m at á- la; Ent ão
sent ou- se per t o dela e ela lhe disse:
- Senhor , de onde sois?
- Mulher , disse ele, sou da casa de r ei Ar t ur .
- Senhor , disse ela, par ece- m e que sois nat ur al do r eino de Gaunes, ou que v iv est es lá m uit o, segundo a
linguagem que falais.
- Cer t am ent e, disse ele, t am bém m e par eceis de lá.
- Ver dadeir am ent e sou, disse ela, e do r eino de Benoic e de bast ant e boa linhagem . Mas quando o r ei
Ar t ur foi a Gaunes, par a dest r uir r ei Claudas, que inv adir a a cidade de Gaunes, ent ão fui dada a um cav aleir o
do r eino de Logr es, que m e pediu a r ei Ar t ur em galar dão de seu ser v iço, e t om ou- m e por m ulher , e desde que
m e t ev e nest a t er r a, fez aqui est a t or re que v edes. Mas r ogo- v os, pois cav aleir o andant e sois e do r eino de
Gaunes, que m e digais com o t endes nom e.
E ele se nom eou. E quando ela ist o ouv iu, ficou de j oelhos diant e dele e quis beij ar - lhe o pé, m as ele não
quis, ant es a er gueu m uit o depr essa. E ela lhe disse:
- Ai, Leonel! Sede bem - v indo. Por Deus, que faz m eu senhor dom Lancelot e, o m elhor cav aleir o que eu
conheço e que eu de m ais bom gr ado v er ia?
- Cer t am ent e, disse ele, há t em po que não o vi, m as cr eio que est á são, por que não há m u it o que.um
cav aleir o da nossa com panhia m e disse nov as m uit o boas.
- Deus lhe dê saúde, disse ela, por que, cer t am ent e, quando ele m or r er , abaix ar á m al a cav alaria.
Ent ão lhe per gunt ou Leonel:
- Est as t endas, de quem são?
- Do que m e pegou por m ulher , disse ela.
- E os escu dos, disse ele, de quem são?
- Est e escudo br anco, disse ela, é dele; e aquele negr o, de seu pai, e aqueles out r os dois são de seus
ir m ãos.
- E onde est ão? disse Leonel.
- A pé, disse ela, for am folgar por est a flor est a, e logo agor a aqui est ar ão.
E eles nist o falando, eis que v êm o m arido da m ulher e seu pai que vinham par a as t endas. E quando v iu
o cav aleir o ar m ado dent r o da t enda, e que tinha a m ulher t ão alegr e, ficou com isso m uit o espant ado, e t ev e
t ão gr ande pesar , que não sou be o que fizesse nem o que dissesse. E afast ou- se e com eçou a pen sar m uit o à
m ar av ilha. E o pai que o v iu assim pensar , per gunt ou- lhe:
- Filho, o que t ens?
- O que t enho? disse ele: não v edes a m inha m ulher desleal e tr aidor a, que fez aqui v ir um cav aleir o
est r anho, par a m e escar necer , enquant o fom os andar por est a flor est a? Agor a fez j á o cavaleir o quant o quis
nela, v ist o que de nov o j á t om ou suas ar m as, par a nos fazer par ecer que não v eio aqui por nenhum m al.
- Por Deus, filho, disse o pai, bem cuido que dizes v er dade. Agor a faze quant o tiv er es no cor ação, por que eu o
louv o.
- Eu não sei, disse o filho, com o m e possa v ingar m elhor deles que de os m at ar . Mat ar ei pr im eir o a ela,
que o fez aqui v ir . E depois a ele, que v eio aqui par a m eu m al.

173. Com o o m ar ido da m ulher m at ou a m ulher diant e de Leonel, e com o Leonel fer iu o pai de m or t e. Ent ão
m et eu m ão à espada e foi dir et am ent e às t endas, e disse à m ulher ant es que ela pudesse lhe dizer algo:
- Vós m e escar necest es e eu vos escar necer ei, por que o m er ecest es.
Ent ão er gueu a espada e cor t ou- lhe a cabeça, e disse a Leonel:
- I st o fiz par a v ossa desonr a, por que m e fizest es escár nio da pessoa do m undo que eu m ais am av a; e v os
far ei escár nio na pessoa do m undo que m ais am ais, em v osso cor po. Guar dai- v os de m im , por que não há nisso
senão m or t e.
E ent ão se deix ar am a ele ir ele e seu pai, desar m ados com o est avam , t ant o er am gr andes a r aiv a e o
despeit o que t inham . E Leonel, que t am bém t inha gr ande r aiv a e gr ande pesar da desonr a que r eceber a, disse:
- Cav aleir o, hav eis de ser m or t o por m im , por que est a m ulher m at ast es a t ão gr ande er r o e desonr a de
m im . Assim Deus m e aj ude, se não est iv ésseis desar m ados, eu m e v ingaria, de m odo que j am ais em out r em
não pusésseis a m ão, por que se eu ar m ado v os at acasse a v ós que est ais desar m ados, t er - m e- iam por v ilania.
E por isso v os aconselho que m e não acom et ais, por que sabei, sem falha, que v os m at ar ei, ainda que m o
t enham por v ilania.
E eles, que est av am enfur ecidos e com pesar , não deix ar am de fazer nada do que com eçar am . Quando
Leonel viu que não podia se salv ar , se não se defendesse, er gueu a espada e feriu o pai, que o afr ont av a m ais,
t ão violent am ent e, que lhe cor t ou a espádua esquer da, e ele caiu logo por t er r a. E quando o filho ist o viu,
pensou que Leonel o m at ar ia, se o at acasse m ais, e afast ou: " se um pouco. E Leonel lhe disse:
- Cav aleir o, m al m e desonr ast es, e bem m e v ingar ia de v ós, se desar m ado não est iv ésseis. Mas bem v os
digo que, onde quer que v os encont r e ar m ado, m e por eis a cabeça, se eu posso.
174. Com o o m ar ido da m ulher e seus dois ir m ãos for am at r ás de Leonel, e com o Leonel m at ou do pr im eir o
golpe o m ar ido da m ulher , e os out r os dois ir m ãos pr ender am Leonel. O cav aleir o não r espondeu a nada que
lhe dissesse, com o quem se via em per igo de m or t e. Mas saiu da t enda, e Leonel m et eu sua espada em sua
bainha e foi a seu cav alo e m ont ou e pôs- se em seu cam inho com gr ande pesar da m or t e da m u lher , e não
andou m uit o que ouviu virem at r ás de si cavaleir os e olhou e viu tr ês, e est es t r ês er am filhos daquele que ele
m at ar a. E eles vinham m uit o depr essa, e assim que a ele chegar am , disser am - lhe:
- Guar da- t e de nós, cav aleir o desleal e tr aidor , por que não há senão m or t e, por que bem a m er ecest e.
Quando v iu os escudos, r econheceu bem quem eles er am , e logo v iu que não poder ia deles separ ar - se
sem per igosa bat alha. Ent ão v olt ou a eles e pôs t udo na av ent ur a e baix ou a lança, e fer iu o pr im eir o t ão
r ij am ent e que lhe m et eu a lança pelo peit o e lançouo em t er r a, e, ao cair , quebr ou- lhe a lança, e o cav aleir o
ficou ferido de m or t e. E sabei que est e er a aquele que m at ou a m ulher . E os outr os dois ir m ãos, que não
t em iam Leonel por nada, ferir am Leonel t ão v iolent am ent e, que um lhe fez m ui gr ande ferida, m as não m or t al,
e o outr o lhe m at ou o cavalo, de m odo que t eve de ir ao chão, cont r a sua vont ade, m as er gueu- se m uit o
vivam ent e, por que m uit o er a vivo e ligeir o e m et eu m ão à espada e pr epar ou- se par a se defender , por que bem
viu que lhe er a m uit o necessár io; e aqueles que est avam m uit o enfur ecidos e com gr ande pesar , for am a ele a
cavalo com o est avam , e t om ar am - lhe a espada à for ça e pr ender am - no, por que m uit o er am am bos bons
cav aleir os, e desar m ar am - lhe a cabeça e um deles a quis cor t ar , e o out r o lhe disse:
- Não o m at eis, m as lev em o- lo a nosso pai, e se o achar m os v iv o, t om ar em os ent ão dele a v ingança que
nos pedir .
Ent ão v olt ar am às t endas, e ali fez Deus m uit o for m oso m ilagr e, por Boor z que r ogar a a Nosso Senhor por
seu ir m ão, que o liv r asse da m or t e, pois ele ia socor r er a donzela por seu am or e par a não quebr ar o j ur am ent o
que hav ia feit o da t áv ola r edonda, que hav ia de socor r er a t oda donzela aflit a. E por isso quis Deus assim : - por
am or de Boor z, que t ant o fizer a por ele, - que am bos os cav aleir os, que lev av am Leonel, caír am m or t os à
ent r ada do cam po onde aquelas duas t endas e os t r ês escudos dos cav aleir os est av am .

175. Com o Leonel par t iu de on de o liv r ou Deus dos cav aleir os que o levavam pr eso, e am eaçava, indo, a Boor z.
Quando Leonel viu est a avent ur a, ficou m uit o alegr e, e foi às t endas e pr epar ou- se de cavalo e ar m as o m elhor
que pôde, e de nov o pôs- se a seu cam inho, m as t ant o est av a ferido, que m ais lhe seria necessár io descansar
do que cav algar ; e ia com gr ande pesar sobej o de que lhe falhar a seu ir m ão em t ão gr ande aflição, assim que
lhe t ev e um t ão gr ande desam or m or t al" que disse que lhe cor t ar ia a cabeça, se o pudesse v encer por ar m as,
que nunca ir m ão pr at icou t al err o a outr o. Com t al fúr ia e com t al pesar andou Leonel t odo aquele dia e, à
noit e, chegou a um m ost eir o de m onges br ancos, onde hav ia m uit os bons hom ens e de sant a v ida. E aquele
m ost eir o ficav a sobr e um gr ande r io que t inha o nom e Celeça. E aí foi Leonel m uit o honr adam ent e r ecebido e
ser v ido à v ont ade e bem lhe pensar am as chagas, por que os fr ades lhe faziam ist o de m uit o. bom gr ado,
por que dois cav aleir os andant es faziam ent ão de nov o aquele m ost eir o. Ali ficou Leonel, enquant o lhe apr ouv e,
at é que viu que poder ia cavalgar , m as ant es não, enquant o est ava m ais fer ido; e confessou- se a um dos
m elhor es fr ades de lá e disse- lhe o m al que quer ia a seu ir m ão e por quê e com o escapar a de m or t e. O hom em
bom , que bem conhecia Boor z, por que ant es daquela sem ana se lhe confessar a, e bem sabia sua v ont ade, e
bem acr edit av a que Nosso Senhor o am av a m uit o m ar av ilhosam ent e, r espondeu- lhe:
- Senhor cav aleir o, v ós m e cont ast es um a das m ais for m osas av ent ur as de que algum a v ez ouv i falar ; e
faço- v os saber que est e foi gr ande m ilagr e de Nosso Senhor , m as ist o não acont eceu por bondade v ossa, nem
por am or que Nosso Senhor v os t enha, ant es acont eceu por algum pedido que Boor z fez a Nosso Senhor , que
eu cr eio ver dadeir am ent e que ele é um cor po sant o e um dos cavaleir os do m undo que ele m ais am a; pelo que
conheço eu sua v ida e sua m aneir a.
- Senhor , disse Leonel, dir eis o que v os apr ouv er , m as não cr eio eu que, se ele t al fosse com o dizeis, m e
deix asse em t al per igo com o m e deix ou, por isso digo bem que nunca, de nenhum m odo, est ar ei alegr e at é que
m e v ingue dele com t oda m inha gr ande v ont ade.

XXI V
Vinga nça de Le one l
M or t e de Ca logr e na nt e

176. Com o Leonel chegou onde hav ia de ser o t or neio, e com o achou seu ir m ão Boor z. Depois que Leonel v iu
que poder ia cavalgar , ar m ou- se e cavalgou, e foi- se e andou t ant o, que chegou a um cast elo, que t inha nom e
Cidela, onde hav ia naquela hor a m uit a gent e for a e dent r o, por que hav ia pela m anhã um t or neio, e est av am
r eunidos m uit os bons cav aleir os da t áv ola r edonda e de m uit as t er r as. Quando Leonel soube que hav iam de t er
um t or neio, pensou que não poder ia ser que alguns cav aleir os da t áv ola r edonda não v iessem . E se seu ir m ão
v iesse, se v ingar ia do er r o que lhe fizer a. Ent ão per gunt ou a um m oço que lá est av a:
- Cuidas que poder ia achar alber gue nest e cast elo, se lá ent r asse?
- Não, disse o m oço, por que t ant os est ão lá que não cabem dent r o.
Mas quando ele ouv iu ist o, r etir ou- se da fr ente da por t a do cast elo. E t ant o andou buscando alber gue
per t o do cast elo onde pousasse com o est r anho, que não conhecia a t er r a, e t ant o andou, que chegou a um a
er m ida e desceu e pensou que ficar ia j á ali aquela noit e, que pousar ia m elhor do que em out r o pár am o. E
depois que ficou desar m ado, t ir ou a sela e o fr eio ao cav alo, e deit ou- se sob um car v alho, que ficava diant e da
por t a da er m ida, par a descansar . E assim deit ado, v iu v ir em sua dir eção Boor z, seu ir m ão, e assim que o
r econheceu, logo lhe lem br ou o perigo em que o deix ar a, e com eçou a m or r er de r aiv a e de m á v ont ade. E
er gueu- se par a ele, m as não par a saudá- lo, m as par a fazer - lhe m al e pesar , se pudesse. Quando Boor z
r econheceu que aquele er a Leonel, seu ir m ão, t ev e t ão gr ande alegr ia, que v os não saber ia ninguém cont ar , e
desceu depr essa de seu cav alo, e disse:
- Am igo ir m ão, sede bem - v indo. Quant o t em po há que aqui v iest es?
Leonel não lhe quis a ist o r esponder , m as disse- lhe:
- Boor z, não fez falt a par a v ós de eu ser m or t o nout r o dia, quando v ist es que os dois cav aleir os m e
lev av am e não m e quisest es socor r er , ant es socor r est es a um a donzela que não sabíeis quem er a. Nunca ir m ão
fez t ão gr ande deslealdade com o fizest es naquela hor a, e por aquele feit o v os desafio assim , que não há out r a
cousa senão m or t e, por que nunca est ar ei alegr e, at é que m e v ingue de quant o m e fizest es.

177. Com o Leonel fez m al a seu ir m ão Boor z e com o m at ou o er m it ão que r ogav a que não m at asse seu ir m ão.
Quando Boorz v iu seu ir m ão t ão enr aivecido, t ev e gr ande pesar sobej o, e ficou logo de j oelhos diant e dele, e
depois j unt ou as m ãos e pediu- lhe com paixão e r ogou- lhe que lhe per doasse aquele err o, e ele r espondeu:
- Já Deus não m e aj ude, se v os per dôo; m as guar dai- v os de m im , por que cer t am ent e v os far ei o que se
dev e fazer a cav aleir o t r aidor e desleal, por que cer t am ent e sois o m ais t r aidor que algum a v ez v i.
E ent ão t om ou suas ar m as e subiu em seu cav alo. E depois disse a Boor z:
- Guar dai- v os de m im , por que assim Deus m e aconselhe, eu v os m at ar ei. E se t odo o m undo por v ós m e
dessem , eu não v os per doar ia de m or t e.
Quando v iu Boor z que o pr eit o er a assim e que hav ia de com bat er com seu ir m ão ou m or r er , não soube o
que fizesse, por que não há nada por que ele com bat esse a seu poder , por que er a seu ir m ão m ais v elho, a
quem dev ia t er hum ildade e subm issão. E por que de nenhum m odo lhe quer ia fazer m al, disse que t ent ar ia
out r a v ez se achar ia nele com paix ão. Ent ão pegou seu elm o e ficou de j oelhos diant e das pat as do cav alo de
seu ir m ão e chor ou m uit o sentidam ent e e disse:
- Am igo, bom ir m ão, t em de m im piedade e não m e m at es, m as per doa- m e est e er r o e lem br a- t e do
gr ande am or que dev e hav er entr e m im e t i.
Por quant o Boor z dizia, não dav a Leonel um a palha, com o hom em que t inha diabos, que lhe dav am ânim o
de m at ar seu ir m ão. E Boor z ainda est av a de j oelhos diant e dele e as m ãos j unt as e pedindo- lhe m iser icór dia. E
quando Leonel v iu que se não er guia, por nada que lhe dissesse, espor eou o cav alo e fer iu Boor z com os peit os
do cav alo t ão violent am ent e, que o pôs em t er r a e Boor z ficou m uit o ferido da queda. E Leonel passou t ant as
v ezes sobr e ele, que o quebr ou t odo. E Boor z ficou t ão aflit o que bem cuidou m or r er ali, sem confissão. E assim
que ele viu que se não podia er guer , desceu com o quem t inha m uit a vont ade de lhe cor t ar a cabeça; e est ando
por cor t á- la, saiu da er m ida o er m it ão, um hom em de m uit a idade, que bem ouv ir a quant o for a dit o ent r e os
ir m ãos. E quando v iu que Leonel est av a pr epar ado par a cor t ar a cabeça de seu ir m ão, foi cor r endo par a lá
m uit o espant ado, deit ou- se sobr e ele e disse:
- Ai, bom cav aleir o, t em de m im com paix ão e de t eu ir m ão, por que se o m at as, t u est ás m or t o em
pecado, e nada v aler ás, e ser á gr ande dano a m or t e de t al hom em .
- Assim Deus m e aj ude, disse Leonel, dom clér igo, se v ós daí não v os er gueis, m at ar - v os- ei. E por isso,
no ent ant o, não est ar á ele quit e, que eu não faça nele o que com ecei.
- Cer t am ent e, disse o hom em bom , m ais quer o que m e m at es a m im , do que v ê- lo diant e de m im m or r er .
Ent ão se deit ou sobr e ele de com pr ido e abr açou- o pelos om br os, e disse a Leonel:
- Agor a podeis fazer o que quiser des, por que eu m or t e quer o r eceber por ele.
Quando Leonel ist o ouviu, não quis t ar dar nada, com o quem t inha m uit o gr ande r aiv a, e deu ao hom em
bom um t al golpe, que o abr iu t odo, sem falha, at é os dent es.

178. Com o Calogr enant e chegou quando Leonel quer ia cor t ar a cabeça a Boorz e com o com bat eu com Leonel
por Boor z. Em bor a Leonel tenha feit o ist o, não lhe dim inuiu nada a r aiv a que t inha, ant es corr eu a seu ir m ão e
deu- lhe do punho da espada um t al golpe
na cabeça, que lhe fez o sangue sair por set e lugar es e m at ar a- o, sem falha, se não v iesse por aí Calogr enant e,
um cav aleir o da m esa r edonda, que ia ar m ado par a o t or neio. E quando ali chegou, e v iu o hom em bom m or t o,
m ar av ilhou- se. E quando v iu t am bém o cav aleir o que t inha o out r o em baix o de si, e que lhe quer ia cor t ar a
cabeça, ent ão os olhou bem , r econheceu- os bem am bos e t ev e gr ande pesar , e desceu do cav alo, e t om ou
Leonel pelos om br os e t ir ou- lhe Boor z da m ão, e disse:
- Que é ist o Leonel? Est ais louco que quer eis m at ar v osso ir m ão, o m elhor cav aleir o e o m elhor hom em
que eu conheço? Cer t am ent e, ist o não supor t aria eu a nenhum hom em bom .
- Com o? disse Leonel, quer eis v ós m o im pedir ? Por boa fé, se v ós nisso m ais v os esfor çar des, eu o
deix ar ei e m e pegar ei conv osco.
Quando ist o ouv iu Calogr enant e, ficou espant ado e disse- lhe:
- Ver dade é que o quer eis m at ar ?
- Mat ar o quer o, disse ele, que o não deix ar ei par a v ós nem par a out r em , por que m uit o o m er eceu.
Ent ão lev ant ou a espada par a dar a Boor z pela cabeça, e Calogr enant e se pôs ent r e am bos e di sse que se
o quisesse m ais fer ir , que ele na bat alha est ava.
Quando ist o ouviu Leonel, t om ou seu escudo e per gunt ou- lhe quem er a e ele se nom eou. E Leonel lhe
disse:
- Vós sois da m esa r edonda, m as Deus não m e aj ude se por isso deix o de com bat er conv osco, por que m e
im pedis que t om e v ingança do hom em do m undo que eu pior quer o, e desafio- v os logo.
Ent ão lhe deu logo a m aior espadada que pôde por cim a do elm o. E quando Calogr enant e v iu que se
com eçav a a pelej a, foi cor r endo a seu escudo que deit ar a por t er r a, e pegou- o e m et eu m ão à espada, e ele
er a bom cavaleir o e m uit o valent e e defendia- se m uit o vivam ent e. E dur ou t ant o a bat alha, at é que se er gueu
Boor z e est ando m uit o ferido, que não cuidav a pegar ar m as, se Deus não pusesse sobr e ele a m ão, quando v iu
que Calogr enant e com bat ia com seu ir m ão, t ev e gr ande pesar , por que, se Calogr enant e m at asse seu ir m ão
diant e dele, nunca m ais ser ia alegr e, t ant o o am av a ent r anhadam ent e; e se seu ir m ão m at asse Calogr enant e,
a desonr a disso ser ia sua, por que bem sabia que por ele com eçar a aquela bat alha. Dist o t inha ele grande pesar
sobej o; e de bom gr ado os ir ia separ ar , se pudesse, m as não podia por nada, por que m uit o se doía, e esper ou
t ant o, que Calogr enant e lev ou o pior da bat alha, por que m uit o er a Leonel for t e e ousado. E Calogr enant e t inha
j á assim seu elm o feit o em pedaços e seu escudo e sua lor iga, que não esper av a, senão a m or t e. E t ant o
sangue per der a j á, que não podia ficar de pé, e t ev e gr ande m edo de m or r er . E olhou e v iu Boor z que se er guia
ent ão com m uit o gr ande dificuldade.
- Ai, dom Boor z! por que não m e v indes t ir ar dest e per igo de m or t e em que ent r ei par a v os livrar , por que
est áv eis t ão per t o da m or t e ou m ais do que agor a est ou? Cer t am ent e, se m e deix ais m or r er , t odos aqueles que
ouv ir em falar disso, por ão a culpa em v ós, e ser á a desonr a v ossa e o dano m eu.
- De t udo ist o não v os há m ist er , disse Leonel; m or r er v os conv ém dest a v ez, e t odo o m undo não v os
livr ar á, que eu a v ós am bos não m at e.
Quando Boor z ist o ouv iu, não ficou bem segur o, por que, depois da m or t e de Calogr enant e, seu ir m ão o
m at ar ia, se o desar m ado achasse. E por isso foi a seu elm o e at ou- o, e quando achou o er m it ão m or t o, t ev e
gr ande pesar e disse:
- Ai, Deus! que desgr aça e que pecado!
E Calogr enant e grit ou out r a v ez:
- Ai, dom Boor z! Assim m e deix ar eis m at ar ? Se v os agr ada que eu m or r a, m uit o m e agr ada m or r er ,
por que, cer t am ent e, por m elhor hom em do que v ós não poder ia eu, agor a, nem depois, r eceber m or t e.

179. Com o Leonel m at ou Calogr enant e. Nist o, er gueu Leonel a espada, e fer iu Calogr enant e t ão de rij o, que lhe
deit ou o elm o longe. E quando v iu sua cabeça nua, e v iu que não poder ia escapar , disse:
- Ai, Senhor Pai Jesus Cr ist o, que supor t ast es que ent r asse nest a dem anda não t al nem t ão quit e de
pecado com o eu dev ia, t em m iser icór dia de m inha alm a, de t al m odo que est a dor que supor t ar ei por bem e
por esm ola que fazer quer ia, m e sej a alívio e penitência da m inha alm a.
Ent ão deit ou o elm o longe e deit ou- se em cr uz. E Leonel que est av a com gr ande fúr ia fer oz, feriu- o -
dizendo ele est a palav r a - t ão r ij am ent e, que o m at ou. Nist o acont eceu um m ilagr e m uit o for m oso com o a
est ór ia ver dadeir am ent e o r elat a, e não deix ar em os de cont ar . O m ilagr e foi est e. Quando Leonel o fer iu na
cabeça, no lugar do sangue que t inha de sair pela fer ida que er a m uit o gr ande, saiu leit e t ão br anco com o a
nev e, e saía t ant o com o a m et ade de u m bar r il, e foi v er dade que lhe saiu do cor po. E daquele sangue que t ão
br anco er a, do qual a t er r a não pôde ser bem lim pa, acont eceu que saír am flor es, ant es que passasse um m eio
ano depois de sua m or t e e ainda, naquela época, há cada ano flor es que daquelas saír am e t odo o v er ão as
poder á alguém achar , e t êm nom e aquelas flor es calogr es, e ser v em ainda agor a par a quem per de o sangue,
que o est ancam , m as anim al que as com e, logo m or r e. Assim com o v os cont o, m or r eu Calogr enant e, e
acont eceu t ão for m oso m ilagr e, com o v os r elat o. E aquela er m ida, per t o da qual ele m or r eu, e onde foi
ent err ado, t eve nom e a er m ida de Calogr enant e, e nunca se lhe t r ocou seu nom e.

180. Com o Nosso Senhor env iou fogo ent r e Leonel e Boor z par a que se não m at assem e com o disse a Boor z
um a v oz que não ficasse com seu ir m ão. Depois que Leonel m at ou Calogr enant e, não o olhou m ais, nem o
m ilagr e que for a feit o, ant es se deix ou ir a seu ir m ão, e deu- lhe por cim a do elm o um t ão gr ande golpe, que o
fez t odo em bor car . E Boor z am av a hum ildade nat ur alm ent e e r ogav a- lhe ainda por Deus que deix asse est a
bat alha.
- Por que se acont ecer , ir m ão, que v os m at e ou v ós a m im , ist o ser á a m aior deslealdade e a m aior
m ar av ilha que nunca acont eceu no r eino de Logr es, e est ar em os m or t os em pecado, e por isso v os r ogo, por
Deus, que v os deix eis disso.
- Já não m e aj ude Deus, disse Leonel, se eu v os t iv er com paix ão, se m ais posso, por que não ficou por v ós
de eu m or r er .
Ent ão t ir ou Boorz a espada, e disse:
- Senhor Pai Jesus Crist o, não se m e t or ne a pecado, se eu m e defendo de m eu ir m ão.
Ent ão er gueu a espada, e quando quis fer ir seu ir m ão por cim a do elm o, ouv iu um a v oz que lhe disse:
- Filho Boor z, não o fir as, por que o m at ar ás!
Ent ão desceu ent r e eles um a cham a de fogo, em sem elhança de r aio, t ão acesa, que lhes queim ou t odos
os escudos. E eles ficar am t ão aflit os, que caír am por t er r a e ficar am m uit o t em po desm aiados. E depois que se
er guer am , olhar am - se e v ir am ent r e si a t er r a t oda acesa de fogo que queim av a. Mas quando Boor z v iu que
seu ir m ão não t inha nenhum m al, est endeu as m ãos par a o céu e agr adeceu m uit o a Deus. E ent ão lhe disse
um a v oz:
- Boor z, não m ant enhas m ais com panhia de t eu ir m ão, m as v ai dir et am ent e par a o m ar , e não t e
det enhas em lugar algum , por que Per siv al t e esper a lá.
Quando ele ist o ouviu, est endeu as m ãos, e disse:
- Pai dos céus, bendit o sej as t u, que t e agr ada de m e cham ar es a t eu ser v iço.
Ent ão foi a Leonel e disse- lhe:
- Por Deus, ir m ão, per doai- m e.
E ele disse que lhe per doav a de bom gr ado. E depois, de nov o lhe disse Boor z:
- I r m ão, m al fizest es que m at ast es Calogr enant e, vosso com panheir o da m esa r edonda, e igualm ent e
dest es m or t e ao hom em bom er m it ão.
Mas ele não ent endia ainda a m ar av ilha que acont ecer a com Calogr enant e, por que não agr adav a a Deus
dem or ar m ais par a ir onde Per siv al o esper av a. E Leonel r espondeu:
- Muit o m e pesa de quant o fiz, m as m eu pecado e m inha desv ent ur a m o fizer am fazer . Agor a m e dizei o
que faça.
- I r m ão, disse Boor z, eu não posso m ais aqui est ar , m as v ós ficai, e encom endo- v os a Deus, por que não
sei se v os v erei de nov o e r ogo- v os, por Deus e pela honr a da v ossa linhagem , que, de out r a feit a, não
com et ais t ão gr ande br av eza, nem t ão gr ande cr ueldade com o fizest es, por que não v os pode disso v ir algum
bem , m as t odo o m al.
E ele disse que j am ais o v er ia em out r a igual.

181. Com o Boorz foi par a o m ar , onde se encontr ar ia com Per siv al, com o a v oz lhe disser a. Boor z foi ent ão a
seu cav alo e subiu t ão fer ido com o est av a. E Leonel ficou par a fazer ent er r ar aqueles que m at ar a. Mas Boor z
cav algou, e foi por onde ent endeu que m ais depr essa ir ia ao m ar , e andou t ant o por suas j or nadas, que chegou
a um a abadia, que ficav a à beir a- m ar e pou sou lá aquela noit e e foi m uit o ser v ido de quant o os hom ens bons
podiam t er . À hor a de m eia- noit e, disse- lhe um a v oz:
- Boor z, lev ant a- t e e v ai- t e ao m ar , que j á Per siv al lá est á que t e esper a na pr aia.
Quando ele ist o ouviu, er gueu- se m uit o depr essa e per signou se e r ogou a Nosso Senhor que o guiasse e
não quis desper t ar ninguém par a não per ceber em em que hor a saía e foi ent ão enfr ear seu cavalo e selou- o e
pegou suas ar m as, e ar m ou- se e saiu da abadia pela por t a que est av a aber t a par a o m ar e par t iu daí de m odo
que ninguém o v iu nem per cebeu.

XXV
Pe r siv a l e o hom e m bom

182. Mas or a deix a o cont o a falar de Boor z e v olt a a Per siv al. Per siv al, diz a sua est ór ia que andou m uit o
t em po que não achou av ent ur a que lhe apr ouv esse e não ia a lugar que não per gunt asse por seus
com panheir os, por Lan celot e, por Heit or e por Tr ist ão, e por seu ir m ão Aglov al, por que dest es se lem br av a
m ais e a est es am av a m ais, e acont ecia- lhe t ão bem , que não ia a lugar , onde não encont r asse nov as, or a de
uns, or a de out r os. I st o o confor t av a. E naquela dem anda, v os digo bem que fez v ida m uit o boa, por que m ais
est av a em or ações e em r ogos do que em out r a coisa e nunca houv e dia que não j ej uasse, e nos dem ais dias
com ia pão e água, e não encont r av a er m it ão ou r ecluso a quem não se confessasse e com quem n ão t om asse
conselho de sua alm a, e Deus lhe fazia t ant a m er cê, que est ava t ão for m oso e t ão alegr e de aspect o que no
m undo não havia m ais feliz cavaleir o de alegrias e de pr azer es; e dos exper ient es que ent r e os cavaleir os
andant es hav ia naquele t em po, não par ecia que nenhum hav ia m ais nam or ado do que ele, nem que m ais se
dedicasse ao gost o do m undo. Mas u m a coisa hav ia dent r o e out r a, for a.
183. Com o Per siv al chegou à er m ida. Um dia lhe acont eceu um a av ent ur a m ar avilhosa de um m onge, que for a
m uit o alt o hom em e f or a da linhagem do r ei Ut er Pandr agão. Aquele alt o hom em f or a cav aleiro de m uit o
gr ande bondade de ar m as e bom de out r a m aneir a e m et er a- se em um a er m ida por am or de Nosso Senhor , e
v iv er a assim bem t r int a anos ou m ais. Est a er m ida ficav a no m eio de um a gr ande m at a, no alt o de um a
m ont anha, longe de t oda gent e, em lugar m uit o est r anho. E quando Per siv al lá chegou, não hav ia out r a pessoa
em sua com panhia a não ser um cav aleir o, que lá entr ar a r ecent em ent e. Aquele dia em que Per sival chegou à
er m ida, er a sex t a- feir a e hor a de prim a, e não v eio por or ient ação de ninguém , m as assim com o a v ent ur a o
t r oux er a. E quando chegou e v iu a casa t ão pobr e, logo r econheceu que er a er m ida e desceu com o quem t inha
cost um e de falar com hom ens bons no int er esse de sua alm a. E depois que pôs em t er r a seu escudo e sua
lança e t ir ou seu elm o e sua espada, ent r ou na er m ida e, ao ent r ar , per signou- se e r ogou a Nosso Senhor que
o aconselhasse; e ele fazendo o sinal da sant a cr uz, ouv iu num a capela pequena, que lá hav ia, a v oz de um
hom em , que lhe disse:
- Entr ai adiant e, Per siv al, sant a e abençoada pessoa, bendit o sej a Deus que v os aqui t r oux e. Vossa v inda
m e liv r ou da m or t e do infer no; v er dadeir am ent e sois dos v er dadeir os cav aleir os e dos bem - av ent ur ados, que
hão de dar cabo da dem anda do sant o Gr aal.
Quando Per siv al ist o ouviu, ficou espant ado e m ar av ilhou- se de quem poder ia ser , quem er a que o
conhecia e não o vir a ainda. E ele grit ou m ais e m ais:
- Ai, Per siv al! sant o cav aleir o, dai- m e v ossa bênção, por que sois dos bem - av ent ur ados que
conhecidam ent e v er ão o sant o Vaso.
Quando Per siv al chegou à por t a da capela, v iu ant e o alt ar um hom em v elho e ant igo e de cabelos
br ancos e m agr o e pobr e, e v est ia um a saia e t inha um a bar ba t ão gr ande, que lhe dav a por t err a, e t inha em
v olt a do pescoço um a cor da um t ant o gr ossa, assim com o quem lev am a enfor car . E assim que v iu Per siv al
per t o de si, ficou de j oelhos diant e dele e disse- lhe:
- Ai, Per siv al! v ós sois am igo de Deus e sede bem - v indo, por que m e liv r ast es da m or t e m á e odiosa, m as
não o fizest es v ós, m as o fez Nosso Senhor , por v osso am or .

184. Com o o hom em que achou Per siv al na er m ida lhe pedia que o abençoasse. Per siv al ficou t odo espant ado
quando v iu que ficav a de j oelhos diant e dele e o quis er guer , m as não quis ele, ant es lhe disse:
- Aqui m or r er ei, se m e não dais v ossa bênção, por que v os conheço por t ão bom hom em e por t ão sant o
cav aleir o, v ossa bênção m e é m uit o necessár ia e m e poder á liv r ar do poder do diabo.
- Ai, senhor ! disse Per siv al, por fav or , não sou bispo, nem clér igo de m issa, que v os possa dar bênção,
ant es sou um cav aleir o pecador e m esquinho, m uit o m ais do que possív el ser ia.
- Ai, Per siv al! disse o hom em bom , fazei o que v os r ogo, senão daqui nunca sair ei.
- Senhor , disse ele, por Deus, por fav or , j á v os disse que não sou pr elado da sant a I gr ej a que v os possa
dar bênção. E ainda v o- lo digo: ist o é gr ande m ar av ilha que m e peçais.
- Ai, Per siv al! disse ele, ant es quer ia v ossa bênção que de quant os pr elados hoj e conheço, por que sois
bom hom em diant e de Deus e m ais sant a pessoa do que pensais. E por isso v os r ogo ainda que façais o que
v os dem ando, ou v os pr om et o que j am ais sair ei daqui por m or t e e por out r o m eio.
Ent ão o pegou com am bas as m ãos pela aba da lor iga e disse:
- Agor a m e fazei aqui m or ar quant o v os apr ouv er .
Quando Per siv al viu que o t inha em t al aflição, não soube o que fizesse nem o que dissesse, por que
naquele t em po não er a cost um e que cav aleir os andant es fossem pr ocur ados par a dar sua benção, por que, sem
falha, poucos hav ia que não est iv essem em pecado m or t al e em gr ande lux úr ia, que m uit o poucos hav ia que
não fossem nam or ados de suas am ant es.

185. Com o Per siv al abençoou o hom em bom e com o o hom em bom lhe beij ou o pé. O hom em bom est ando
assim com o v os digo, disse Per siv al:
- Far ei o que m e pedist es, m as não é por m inha v ont ade, por que, sem falha, não é cost um e do r eino de
Logr es que cav aleir o se dedique a t al coisa.
Ent ão er gueu a m ão e disse:
- O Rei dos céus v os dê a sua bênção, por que a de t ão pobr e cav aleir o com o sou não v os pode v aler ; m as
est a vos valha.
Ent ão fez sobr e ele o sinal do nom e do Pai e do Filho e do Espír it o Sant o, e o hom em bom se chegou m ais
a ele, e beij ou- lhe o pé, e Per siv al ficou m uit o espant ado do que o viu fazer naquele m om ent o e naquela hor a.

186. Com o o hom em bom disse a Per siv al que lhe cont ar ia a m ar av ilha que Deus fizer a por ele. Ent ão se
er gueu o hom em bom , e disse a Per siv al:
- Bendit o sej a Deus que v os aqui t r oux e nest a ocasião; cer t am ent e, por que m uit o m e er a m ist er , com o
v os cont ar ei. Agor a sent ai e v os r ev elar ei a m aior m ar avilha que t em po há que não acont ece a pecador . Est a
m ar av ilha m e acont eceu hoj e.
E Per siv al se sent ou logo, com o quem desej av a m uit o saber os feit os daquele hom em . E o hom em bom
com eçou a cont ar dest e m odo.

187. Com o o hom em bom cont ou a Per siv al a m ar av ilha que lhe acont ecer a.
- Per siv al am igo, há m uit o m uit o tem po que nasci; bem há cent o e v int e anos e m ais e não t er ia est es
dias por m al em pr egados, se os pusesse em boas obr as; m as t ant o fui pecador v elho e j ov em , que t enho
per dido m eus dias; por que fiz pouco bem e fiz m uit o m al, e fui rei de gr ande t er r a e r ica e fui com panheir o de
Ut er Pandr agão e dest e r ei Ar t ur , quando com eçou a r einar . Mas por um pecado que m e acont eceu, de que m e
sent ia m uit o culpado per ant e Nosso Senhor , ent r ei aqui par a salv ar m inha alm a. E um m eu ir m ão, que er a
m uit o bom cav aleir o, deix ou o século por m im e ent r ou aqui par a m e fazer com panhia e v iv eu com igo v int e e
nov e anos em t al v ida com o Deus sabe, - quando m eu ir m ão m or r eu não há ainda dois anos, e m or r eu assim ,
com o eu cuidav a, em t ão gr ande penit ência e em v ida t ão boa e em t ant as lágr im as, pedindo assim
m iser icór dia a Nosso Senhor , - que eu não cuidav a de nenhum m odo que assim que a alm a se lhe separ asse do
cor po, logo não est iv esse diant e da face de Deus com gr ande com panhia de anj os e de ar canj os. E eu fiquei só
bem um ano, e não tiv e com panhia, for a a de Deus. E não há ainda um m eio ano que v eio aqui um cav aleir o e
ficou com igo par a fazer penit ência por dois filhos seus que m at ar a, e disse que viv eria sem pr e nela; m as não
m e par eceu que com bom cor ação sofr ia a penit ência, ant es cuidei que v olt ar ia ao século com m ais v ont ade do
que de aqui ficar , se não fosse a v er gonha. Assim ficou com igo bem t r eze m eses e não par ecia que fizesse
algum a coisa que a Deus dev esse agr adecer . E agor a há t r ês dias que m or r eu, e acont eceu um a coisa diant e de
m im de que est ou m uit o m ar av ilhado, e v os dir ei qual. Naquela hor a que a alm a lhe quer ia sair do cor po, m e
disse: "Am igo, ai! Roga por m im por que eu cuido que t eu r ogo m e ser á bom j unt o a Deus, e t e pr om et o que,
se o posso fazer , eu t e v ir ei v er a m eu poder , de hoj e ao t er ceir o dia, e t e dir ei nov as de t eu ir m ão e t e dar ei
nov as de quant o hás de v iv er ."

188. Com o o hom em bom disse a Per siv al com o souber a nov as de sua v inda por um seu com panheir o, que
m or r er a ali, pouco hav ia, e lhe disse quant o t inha de v iv er .
- I st o dizendo, passou pedindo m iser icór dia a Nosso Senhor m uit o violent am ent e, e m arav ilhei- m e,
por que m e dizia o que não lhe pedia; e t em ia que nunca pudesse acont ecer o que m e pr om et ia; m as
acont eceu; por que onde eu est av a - er a diant e do alt ar - fazendo m inha or ação, acont eceu que me apar eceu
t ão for m oso e com t ão gr ande clar idade, que er a difícil vê- lo. Mas sem pr e soube que er a ele, e disse- m e:
"Am igo, nov as t e t r ago m uit o m ar avilhosas. Teu ir m ão est á na pena e no ar dor do pur gat ório, e ficar á ainda lá
t r ês anos, ant es que acabe sua penit ência; m as não m e v ai assim gr aças a Deus, por que t ão logo par t i dest e
m undo, logo foi a m inha alm a par a a alegr ia do par aíso, que j am ais t er m inar á. Agor a, v ê bem o que far ás,
por que par t ir ás dest e m undo daqui a dezesset e dias; ent ão t er ás o que m er ecest e e eu m ais não posso j á est ar
aqui, por que v ês aqui Per siv al o bem - av ent ur ado e o glor ioso que t e v em aqui buscar agor a e v er ."

189. Com o o hom em bom cont ou a Per siv al de que m odo Deus o liv r ar a.
- De t al m odo com o v os cont o, m e apar eceu m eu com panheir o e t am bém se foi, e não soube quando. E
eu fiquei pensando e m uit o espant ado da v ida boa que v ir a fazer a m eu ir m ão e da longa penit ência que t iv er a,
e par eceu- m e que achar a pequena m isericór dia em seu Criador e pequeno galar dão da gr ande penit ência que
por ele supor t ar a. Ent ão com ecei a pensar que est iv er a t ant o naquela er m ida; e disse por r aiv a que er a loucura
e falt a de j uízo esfor çar - se alguém t ant o pelo que não sabe que há de ser por que t ant o bem r eceber á ou m ais
depois de sua m or t e o m au com o o bom . E ist o dizia eu por m eu ir m ão que t ant o e m ais m er ecera ir par a o
par aíso, do que m eu com panheir o. Assim caí em desesper o, e, pensando nisso, v eio um a v oz que m e disse -
m as sei que foi o dem o que m e quis enganar - e a v oz m e disse: "Out r o t ant o ou pior podes de t i esper ar ,
com o de t eu ir m ão. E est e ser á o galar dão que t er ás de t eu esfor ço." Assim que ist o ouv i, disse com r aiv a: "Ai,
infeliz! Escar necido est ou e enganado de t al vida que fiz t ão longam ent e; m al em pr eguei m eu t r abalho, j am ais
m e esfor çar ei por ser v ir a Deus, pois vej o que o galar dão é est e. " Ent ão fiquei t ão t om ado e t ão enr aiv ecido
que pensav a m e m at ar com m inhas m ãos, e t om ei logo est a cor da e deit ei- a na m inha gar gant a, assim com o a
v edes e pensei que m e pendur ar ia naquela t r av e que ali v edes de m odo que r esolv er ia t odas as m inhas aflições
de um golpe. Assim pr epar av a m inha m or t e com o v os cont o e com o o dem o m e fazia fazer , m as a m im par ecia
que não agr adav a a Nosso Senhor que m or r esse t ão desonr ada m or t e; ant es m e quis socor r er por v ossa v inda,
de que acont eceu t ão bom m ilagr e que, logo que quisest es aqui ent r ar e v os per signast es, logo par t iu de m im o
dem o, est ando t ão per t o da m or t e com o v os cont o, por que não t ev e for ça de supor t ar o sant o sinal que foi feit o
por m ão de t ão sant o hom em com o v ós, e logo v olt ei a m eu j uízo e soube com o o dem o m e quiser a fazer
per der o cor po e a alm a, e soube v er dadeir am ent e que est ou liv r e por v ossa v inda e agr adeço- o m u it o a Nosso
Senhor . Cer t am ent e, se não fôsseis sant o hom em e de sant a v ida, e cheio da gr aça de Nosso Sen hor , j á por
v ós não hav er ia t ão for m osa av entur a. Por isso pedi v ossa bênção, logo que entr ast es, por que v os conheço e a
v ossa bon dade m elhor do que v ós m esm o.
Per siv al não soube o que r esponder a ist o, com o quem não quer ia nenhum louv or t err eno, m as disse- lhe:
- Nosso Senhor v os guar dou de t ão gr ande er r o; a ele só dai gr aças, por que bem v os digo que ist o não
acont eceu por m im , m as por aquele que v os fez e não v os quis per der .

190. Com o Per siv al r ogou ao hom em bom que lhe dissesse o que podia ser da dem anda do sant o Gr aal. Ent ão
t ir ou o hom em bom de si a cor da e deit ou- a longe; depois com eçou a falar com Per siv al e per gunt ou um ao
out r o de seus feit os, e depois que falar am m uit o t em po de suas coisas, disse- lhe Per siv al:
- Senhor , dest a dem anda do sant o Gr aal, que or a com eçam os r ecent em ent e, que v os par ece? Cuidais que
lhe possam os dar cabo?
- Cer t am ent e, não sei, disse o hom em bom , m as por v osso am or r ogar ei a Nosso Senhor na secr et a da
m issa, que, por sua m iser icór dia, m e m ost r e o que pode daí ser , e v ós t am bém r ogai a Nosso Senhor que m e
m ost r e a r espeit o disso algum a .coisa, por que eu sei que v osso r ogo m e poder á m uit o aj udar nisso.
E Per siv al disse que assim o far ia.

191. Com o o hom em bom cont ou a Per siv al quant o lhe acont ecer ia na dem an da do sant o Gr aal e com o
m or r er ia em penit ência. Aquele dia e aquela noit e ficou Per siv al com o er m it ão, e pela m anhã, assim que o
er m it ão foi v est ido das ar m as de Jesus Cr ist o e cant ou m issa com a secr et a, àquela hor a, caiu um a car t a sobr e
o alt ar . Mas, sem falha, não v ir am quem a j ogar a, por que as coisas espir it uais não se m ost r am em t odos os
lugar es onde acont ecem , senão a quem Deus quer . Depois que r ezou a m issa e se despiu dos par am ent os,
pegou a car t a e disse a Per siv al:
- Am igo, Nosso Senhor ouv iu v osso r ogo; v edes aqui um a car t a que v os env iou. Eu cuido que achar eis
escr it o o que m e per gunt ast es.
Ent ão abr iu a car t a, e depois que a leu, disse a Per siv al:
- Am igo Per siv al, da dem anda do sant o Gr aal v os digo bem que t ereis m uit o pr azer e m uit a boa av ent ur a
e m uit o esfor ço e m uit a aflição e chegar eis à casa de r ei Pescador par a t er des o sant o m anj ar do sant o Gr aal, e
ser eis lá doze com panheir os dos bons a Deus e ao m undo, e lá t er eis t ão gr ande alegr ia e t ão gr ande pr azer
que nunca m aior t iv est es; e, depois que par t ir des de lá, sabei o que v os acont ecer á, pois sofr er eis m uit o
t r abalho e m uit a aflição fazendo com panhia ao sant o Vaso. Ent ão v os guiar á Nosso Senhor a v ós e a Galaaz e a
Boor z de Gaunes a um a t er r a m uit o est r anha e m uit o longe do r eino de Logr es e naquela t err a m orrer eis vós e
Galaaz em ser v iço de Nosso Senhor .
- Tu do sej a, disse Per siv al, confor m e a v ont ade daquele que m e fez, por que não dou m uit o por m or r er do
que quer que m or r a, cont ant o que m orr esse em boas obr as e que m inha alm a fosse salv a. Mas isto dizei- m e,
se v os apr ouv er : cuidais que nunca possa v er a com panhia da m esa r edonda r eunida. com o v i no dia de
Pent ecost es?
- Cer t am ent e não, disse o er m it ão, nunca v os poder eis v er r eunidos, senão no dia do j uízo, por que bem
sabeis que nest a dem anda há j á m uit os m or t os e ainda m or r er ão m ais.
- E de m eu ir m ão Aglov al, disse Per siv al, sabeis se o encont r ar ei?
- Cer t am ent e não, disse o hom em bom , nunca v iv o o v er eis, por que aquele que m ais am igos v ossos
m at ou, esse o m at ar á.
- E quem é? disse Per siv al; quem o m at ar á?
- I st o não v os dir ei, disse o hom em bom , de m odo algum , por que m uit o m al poder ia sobr ev ir a v ós e
àquele que o há de m at ar .
- Com o quer , disse Per siv al, que a m eu ir m ão acont eça, ou de m or t e ou de v ida, Nosso Senhor lhe t enha
m iser icór dia da alm a e faça que o conheça bem , no seu fim , por que no fim do hom em est á t udo.
- Agor a, disse o hom em bom , não m e per gunt eis m ais, por que m ais não v os dir ei.

192. Com o Per siv al se despediu do hom em bom e ficav a cuidando. Depois que falar am entr e si de m uit as
coisas, Per siv al disse ao er m it ão:
- Senhor , a m im conv ém que v á atr ás de m eus com panheir os, e r ogo- v os, por Deus, que v os lem br eis de
m im em v ossas or ações, por que sou pecador , com o out r o hom em qualquer .
- Rogar ei por v ós, disse o hom em bom . E r ogai t am bém por m im .
E Per siv al disse que o far ia. Depois disso, foi a seu cav alo, e m et eu- lhe a sela, e depois, ar m ou- se e
m ont ou e despediu- se do er m it ão, e r ogou- lhe que pensasse m ant er o que com eçar a. E ele lhe r espondeu
ent ão:
- Ai, Per siv al! Não t enhais dúvida de que nunca m e apar t e do ser v iço de Jesus Crist o, ant es o ser v ir ei
m uit o m elhor do que at é aqui o ser v i, por que m uit o m e é m ist er , pois o pr azo da m inha v ida é t ão pequeno e
m uit o m e acont ecer ia m al se em dezesset e dias per desse o que em t r int a anos com gr ande afã ser v i.
Per siv al o encom endou a Deus e f oi ent ão e cavalgou t odo aquele dia sem avent ur a achar que de cont ar
sej a, pensando m uit o no que v ir a e ouv ir a do hom em bom , e que hav iam de m or r er nest a dem anda t ant os
bons cav aleir os da m esa r edon da.

XXVI
Pe r siv a l e o ca v a le ir o da be st a la dr a dor a

193. Com o Per siv al achou a best a ladr ador a. No out r o dia, hor a de m eio- dia, lhe acont eceu que achou num
vale a best a ladr ador a, e quando a viu e soube que ela t r azia em si a font e daqueles ladridos, m ar avilhou- se
m ais que de coisa que nunca t iv esse v ist o, e disse:
- Ver dadeir am ent e, est a é a best a at r ás da qual m eu pai andou t ão longam ent e e pela qu al supor t ou
t ant o t r abalho. Cer t am ent e, ir quer o at r ás dela par a saber se Deus quer er á pr opiciar - m e m elhor andança do
que a m eu pai.
Ent ão saiu do cam inho e foi atr ás dela, e não andou m uit o que a per deu de vist a, por que a best a er a t ão
ligeir a e ia t ão depr essa, com o se um r aio fosse at r ás dela. E Per siv al foi at r ás dela dev agar , por que não quer ia
cansar seu cav alo. E ele assim indo, sur ge o cav aleir o pagão que, hav ia m uit o tem po, andav a at r ás da best a e
est av a ar m ado de um as ar m as t odas negr as, e an dav a num bom cav alo t am bém t odo negr o, com o qual
der r ibar a Gaeriet e, ir m ão de Galv ão.
194. Com o Per siv al achou o cav aleir o pagão, que lhe pr oibiu que fosse m ais at r ás da best a ladr ador a. Assim
que alcançou Per siv al, per gunt ou- lhe, sem saudá- lo:
- Vist es por aqui passar a best a descom unal e t r int a cães at r ás dela?
- Cães, disse Per siv al, não v i nenhum , m as v i a best a v er dadeir am ent e, e ia t ão depr essa, que não há
nada que a alcançar pudesse e bem est á j á agor a daqui, um a légua.
E ele r espondeu:
- Agor a v á par a o diabo a best a e os cães, por que aquela best a m e far á m or r er de pesar .
Ent ão per gunt ou a Per siv al o cav aleir o que pela best a per gunt ar a:
- Quem sois?
- Eu sou, disse ele, um cav aleir o andant e da casa de r ei Ar t ur e com panheir o da t áv ola redonda.
- E com o t endes nom e?
- Per siv al, disse ele, de Galas.
- Em nom e de Deus, disse o cav aleir o, ouv i m uit o falar de v ós e louv ar - v os m uit o os hom ens bons de
cav alar ia. Mas dizei- m e, assim Deus v os aj ude: o que andais buscando por est a t er r a assim só?
- Cer t am ent e, disse Per siv al, não t r ago com panhia com igo, por que não é cost um e que cav aleir o andant e
t r aga com panhia, se por v ent ur a a não acha, por que o t er iam por cov ar dia.
- E o que andais buscando? disse o cav aleir o.
- Cer t am ent e, disse Per siv al, ando na dem anda do sant o Gr aal, com o os out r os cav aleir os da m esa
r edonda, e ando m e esf or çando, há m uit o t em po j á, e não fiz coisa pela qual v alha m ais nem m enos. Mas
agor a v er dadeir am ent e deix ei o cam inho par a ir at r ás dest a best a que andais buscando.
- E o que quer íeis dela? disse o cav aleir o; por que a seguíeis?
- Fui at r ás dela, disse Per siv al, por que m eu pai, r ei Pelinor , a seguiu m uit o t em po, e não lhe pôde dar
cabo, e er a t ão bom cav aleir o, que ainda hoj e, pelo m undo t odo, falam dele. E eu que não sou de t ão gr ande
fam a, quer er ia v er , de bom gr ado, se poder ia dar cabo daquilo em que ele falhou.
- Cer t am ent e, Per siv al, disse o cav aleir o, por loucur a v os esfor çast es; sois bom cav aleir o, m as não t ão
bom que de t ão gr ande coisa com o est a v os dev êsseis ocupar , e v os r ogo, assim com o v ós am ais v osso cor po,
que v os não ocupeis dela m ais, m as ficai na v ossa gr ande dem anda do sant o Gr aal, por que bem sabei que, se
eu v ier a saber que cont inuais atr ás dest a best a, fica est abelecida a lut a conv osco, por que sou aquele que, por
for ça ou por golpe de lança ou de espada, v os m ost r ar ei que não dev eis ent r ar por cim a de m im na dem anda,
por que sou m elhor cav aleir o que v ós e segui- a j á t ão longo t em po que m e t er iam m ais que r ecr im inado, se v o-
la não pr oibisse.
Per siv al t ev e por m uit o gr ande sober ba e m uit o gr ande or gulho o que o cav aleir o dizia, por que se louv av a
t ant o diant e dele e não pôde cr er que t ão bom cav aleir o fosse com o ele dizia, e por isso, lhe disse:
- Senhor cav aleir o, bem pode ser que sej ais m elhor cav aleir o e m ais v alent e do que eu, m as bem sabei
que, ainda que fôsseis m elhor cav aleir o do que sois, não deix aria por v ossa pr oibição est a dem anda, at é que a
for ça m e fizesse deix ar .
- Não, disse ele, por m inha cabeça, cuido que v o- la far ei deix ar , cont r a a v ossa v ont ade. Agor a, guar dai-
v os de m im , por que v os m ost r ar ei logo qual é o m elhor cav aleir o, ou eu ou v ós.
- Com o? disse Per siv al, pedis bat alha?
- Sim , disse o cav aleir o, j á de out r o m odo não nos separ ar em os, pois não quer eis fazer m eu pedido, de
boa v ont ade.

195. Depois dist o, sem out r a esper a, deix ou- se um cor rer ao outr o quant o os cav alos os puder am lev ar , e
fer ir am - se t ão r ij am ente que não pr est ar am escudos nem lor igas, que não ficassem m uit o fer idos um m ais e
out r o m enos. E Per siv al ficou m uit o ferido com um a gr ande chaga no m eio do peit o, m as não foi m or t al, e o
out r o ficou fer ido, m as não t ant o; aquele er a de m uit o gr ande for ça e ent endia de lut a o quant o hav ia, chocou-
se com Per siv al com o escudo e com o cor po, t ão de r ij o, que Per siv al não pôde se m ant er na sela por for ça
daquele, pois est av a fer ido, e caiu por t er r a, do cav alo, t ão quebr ado, que se não pôde lev ant ar . O cav aleir o foi
cor r endo ao cav alo, que ia fugindo,e t r oux e- o a um a ár v or e a at ou- o, de m odo que Per siv al o achasse quando
quisesse cav algar ; depois, foi- se quant o se pôde ir at r ás da best a ladr ador a, e Per siv al, que foi der r ibado assim
com o v os cont o, não ficou por t err a senão o m enos que pôde, com o quem er a de gr ande ânim o. Mas quando
ele não v iu aquele que o derr ibar a e que ia com t oda honr a daquele com eço, t ev e t ão gr ande m ágoa, que não
soube o que fazer , e er gueu- se bast ant e r ápido e disse:
- Ai, Deus! Que far ei? Mor t o e escar necido m e t em est e cavaleir o, que daqui vai. Nunca ir ei a lugar onde
saibam que fui derr ubado por um cav aleir o, que am or e honr a m e façam . Ai, Deus! Que pode ser ? Jam ais
im aginei, em cav aleir o est r anho, que de casa de r ei Ar tur não fosse, achar t ão gr ande bondade de ar m as. Ai,
Deus! e onde o poder ei achar ? Não sei, disse ele a si m esm o; desat ino é o que buscais, por que ele v os t ir ou
t oda honr a e v os deix ou t oda gr ande v er gonha.

XXVI
Pe r siv a l e o ca v a le ir o da be st a la dr a dor a

193. Com o Per siv al achou a best a ladr ador a. No out r o dia, hor a de m eio- dia, lhe acont eceu que achou num
vale a best a ladr ador a, e quando a viu e soube que ela t r azia em si a font e daqueles ladridos, m ar avilhou- se
m ais que de coisa que nunca t iv esse v ist o, e disse:
- Ver dadeir am ent e, est a é a best a at r ás da qual m eu pai andou t ão longam ent e e pela qu al supor t ou
t ant o t r abalho. Cer t am ent e, ir quer o at r ás dela par a saber se Deus quer er á pr opiciar - m e m elhor andança do
que a m eu pai.
Ent ão saiu do cam inho e foi atr ás dela, e não andou m uit o que a per deu de vist a, por que a best a er a t ão
ligeir a e ia t ão depr essa, com o se um r aio fosse at r ás dela. E Per siv al foi at r ás dela dev agar , por que não quer ia
cansar seu cav alo. E ele assim indo, sur ge o cav aleir o pagão que, hav ia m uit o tem po, andav a at r ás da best a e
est av a ar m ado de um as ar m as t odas negr as, e an dav a num bom cav alo t am bém t odo negr o, com o qual
der r ibar a Gaeriet e, ir m ão de Galv ão.

194. Com o Per siv al achou o cav aleir o pagão, que lhe pr oibiu que fosse m ais at r ás da best a ladr ador a. Assim
que alcançou Per siv al, per gunt ou- lhe, sem saudá- lo:
- Vist es por aqui passar a best a descom unal e t r int a cães at r ás dela?
- Cães, disse Per siv al, não v i nenhum , m as v i a best a v er dadeir am ent e, e ia t ão depr essa, que não há
nada que a alcançar pudesse e bem est á j á agor a daqui, um a légua.
E ele r espondeu:
- Agor a v á par a o diabo a best a e os cães, por que aquela best a m e far á m or r er de pesar .
Ent ão per gunt ou a Per siv al o cav aleir o que pela best a per gunt ar a:
- Quem sois?
- Eu sou, disse ele, um cav aleir o andant e da casa de r ei Ar t ur e com panheir o da t áv ola redonda.
- E com o t endes nom e?
- Per siv al, disse ele, de Galas.
- Em nom e de Deus, disse o cav aleir o, ouv i m uit o falar de v ós e louv ar - v os m uit o os hom ens bons de
cav alar ia. Mas dizei- m e, assim Deus v os aj ude: o que andais buscando por est a t er r a assim só?
- Cer t am ent e, disse Per siv al, não t r ago com panhia com igo, por que não é cost um e que cav aleir o andant e
t r aga com panhia, se por v ent ur a a não acha, por que o t er iam por cov ar dia.
- E o que andais buscando? disse o cav aleir o.
- Cer t am ent e, disse Per siv al, ando na dem anda do sant o Gr aal, com o os out r os cav aleir os da m esa
r edonda, e ando m e esf or çando, há m uit o t em po j á, e não fiz coisa pela qual v alha m ais nem m enos. Mas
agor a v er dadeir am ent e deix ei o cam inho par a ir at r ás dest a best a que andais buscando.
- E o que quer íeis dela? disse o cav aleir o; por que a seguíeis?
- Fui at r ás dela, disse Per siv al, por que m eu pai, r ei Pelinor , a seguiu m uit o t em po, e não lhe pôde dar
cabo, e er a t ão bom cav aleir o, que ainda hoj e, pelo m undo t odo, falam dele. E eu que não sou de t ão gr ande
fam a, quer er ia v er , de bom gr ado, se poder ia dar cabo daquilo em que ele falhou.
- Cer t am ent e, Per siv al, disse o cav aleir o, por loucur a v os esfor çast es; sois bom cav aleir o, m as não t ão
bom que de t ão gr ande coisa com o est a v os dev êsseis ocupar , e v os r ogo, assim com o v ós am ais v osso cor po,
que v os não ocupeis dela m ais, m as ficai na v ossa gr ande dem anda do sant o Gr aal, por que bem sabei que, se
eu v ier a saber que cont inuais atr ás dest a best a, fica est abelecida a lut a conv osco, por que sou aquele que, por
for ça ou por golpe de lança ou de espada, v os m ost r ar ei que não dev eis ent r ar por cim a de m im na dem anda,
por que sou m elhor cav aleir o que v ós e segui- a j á t ão longo t em po que m e t er iam m ais que r ecr im inado, se v o-
la não pr oibisse.
Per siv al t ev e por m uit o gr ande sober ba e m uit o gr ande or gulho o que o cav aleir o dizia, por que se louv av a
t ant o diant e dele e não pôde cr er que t ão bom cav aleir o fosse com o ele dizia, e por isso, lhe disse:
- Senhor cav aleir o, bem pode ser que sej ais m elhor cav aleir o e m ais v alent e do que eu, m as bem sabei
que, ainda que fôsseis m elhor cav aleir o do que sois, não deix aria por v ossa pr oibição est a dem anda, at é que a
for ça m e fizesse deix ar .
- Não, disse ele, por m inha cabeça, cuido que v o- la far ei deix ar , cont r a a v ossa v ont ade. Agor a, guar dai-
v os de m im , por que v os m ost r ar ei logo qual é o m elhor cav aleir o, ou eu ou v ós.
- Com o? disse Per siv al, pedis bat alha?
- Sim , disse o cav aleir o, j á de out r o m odo não nos separ ar em os, pois não quer eis fazer m eu pedido, de
boa v ont ade.
195. Depois dist o, sem out r a esper a, deix ou- se um cor rer ao outr o quant o os cav alos os puder am lev ar , e
fer ir am - se t ão r ij am ente que não pr est ar am escudos nem lor igas, que não ficassem m uit o fer idos um m ais e
out r o m enos. E Per siv al ficou m uit o ferido com um a gr ande chaga no m eio do peit o, m as não foi m or t al, e o
out r o ficou fer ido, m as não t ant o; aquele er a de m uit o gr ande for ça e ent endia de lut a o quant o hav ia, chocou-
se com Per siv al com o escudo e com o cor po, t ão de r ij o, que Per siv al não pôde se m ant er na sela por for ça
daquele, pois est av a fer ido, e caiu por t er r a, do cav alo, t ão quebr ado, que se não pôde lev ant ar . O cav aleir o foi
cor r endo ao cav alo, que ia fugindo,e t r oux e- o a um a ár v or e a at ou- o, de m odo que Per siv al o achasse quando
quisesse cav algar ; depois, foi- se quant o se pôde ir at r ás da best a ladr ador a, e Per siv al, que foi der r ibado assim
com o v os cont o, não ficou por t err a senão o m enos que pôde, com o quem er a de gr ande ânim o. Mas quando
ele não v iu aquele que o derr ibar a e que ia com t oda honr a daquele com eço, t ev e t ão gr ande m ágoa, que não
soube o que fazer , e er gueu- se bast ant e r ápido e disse:
- Ai, Deus! Que far ei? Mor t o e escar necido m e t em est e cavaleir o, que daqui vai. Nunca ir ei a lugar onde
saibam que fui derr ubado por um cav aleir o, que am or e honr a m e façam . Ai, Deus! Que pode ser ? Jam ais
im aginei, em cav aleir o est r anho, que de casa de r ei Ar tur não fosse, achar t ão gr ande bondade de ar m as. Ai,
Deus! e onde o poder ei achar ? Não sei, disse ele a si m esm o; desat ino é o que buscais, por que ele v os t ir ou
t oda honr a e v os deix ou t oda gr ande v er gonha.

XXVI I I
Sonhos de La nce lot e

200. Aquela v isão que a Lancelot e acont eceu ent ão foi est a. Par ecialhe que chegav a a um r io o mais feio e o
m ais espant oso que nunca vir a e que não poder ia alguém entr ar nele que não fosse m or t o. E ele olhav a o r io e
não ousav a nele ent r ar , por que o v ia cheio de cobr as e de v er m es que não há quem quisesse beber , que logo
não fosse m or t o, t ant o est av a a água env enenada deles. E ele est av a olhando o r io e per signav a- se da
m ar av ilha que v ia. Nist o, v ia sair um hom em que t r azia m ui r ica cor oa de our o em sua cabeça, e andav a t odo
cer cado de est r elas. Depois v ia daí sair out r o t am bém cor oado que, à m ar av ilha, par ecia hom em bom e bom
cav aleir o. E depois v ia sair o t er ceir o; e depois, o quar t o; e depois, o quint o; e depois, o sex t o; e depois, o
sét im o; e t odos est av am cor oados de cor oa de our o, que t inha pela m aior m ar av ilha que nunca v ir a. Depois
v ir a sair daí out r o m agr o e infeliz, pobr e e cansado, e que não t inha cor oa, e t ão m al v est ido e t ão m al t r aj ado,
que se os out r os que ant es saír am do r io par eciam r icos, est e par ecia pobr e e m alav ent ur ado e desej oso de
t odo bem . No ent ant o, assim pobr e com o er a, ia em dir eção onde os out r os est av am par a ent r ar em sua
com panhia. Mas os out r os não o quer iam r eceber em sua com panhia, ant es o afast av am de si. Depois dest es
set e que j á saír am , v iu Lancelot e sair um , m as aquele er a m uit o m ais for m oso e v alia m ais, na apar ência, do
que os out r os. E por que aquele se afast av a um pouco do rio, v ia Lancelot e vir do céu um a com panhia de anj os
que t r azia um a cor oa de our o m uit o for m osa e m uit o r ica e punham lhe na cabeça e faziam em v olt a dele um a
t ão gr ande alegr ia e t ão gr ande fest a, com o se fosse um dos m ais alt os m ár t ir es do céu. E depois que hav iam
cant ado m uit o t em po e dado louv or ao Cr iador do m undo, ent ão se iam t odos cor oados par a o céu. Mas com
nenhum faziam t ão gr ande fest a e alegr ia com o com aquele que saír a por últ im o. Assim for am t odos os
cor oados lev ados par a o céu. Mas o m al v est ido ficav a. E quando se v ia só gr it av a:
- Ai, senhor es da nossa linhagem ! Deix ais- m e só e pobr e e t ão infeliz? Por Deus, quando chegar des à
casa da alegr ia, lem br aiv os de m im , e r ogai ao alt o Mest r e por m im , que não m e esqueça.
E eles r esponder am t odos a um a v oz:
- Tu t e fazes esquecer e t u fI zest e par a ser es esquecido; não m er ecer ás galar dão, senão segundo t eus
feit os.
Ent ão se cham av a desgr açado e infeliz e fazia seu lam ent o gr ande, que não sabia Lancelot e dele nada
nada.

201. Depois dest a v isão, v iu out r a m uit o m ar av ilhosa, que lhe par ecia que v ia diant e de si Mor gana, ir m ã de r ei
Ar t ur , m uit o feia e m uit o espant osa, t ant o que bem lhe par ecia que ent ão saír a do infer no; e não t r azia
v est im ent a nenhum a do m undo, for a um a pele de lobo que a cobr ia m uit o m al. Ela gem ia t ão dor idam ent e,
com o se est ivesse fer ida. E Lancelot e, que bem a conhecia por Mor gana, olhou- a e viu que andavam em sua
com panhia m ais de m il diabos e cada u m punha a m ão nela par a a pegar m elhor . E dizia um ao out ro:
- Vam os quant o puder m os.
Mas não a puder am t ant o at or m ent ar , que ela um a v ez não chegasse a Lancelot e, e que o não pegasse
pelas m ãos e ent r egav a- o àqueles que a guar dav am , e dizia- lhes:
- Segur ai- o bem , por que est e é dos v ossos cav aleir os.
Assim com o Mor gana o m andav a, assim o faziam eles e o segur av am e iam com ele m uit o depr essa e
lev av am - no a um v ale m uit o fundo e m uit o escur o e m uit o negr o e onde não hav ia luz a não ser um pouco. E
naquele v ale havia t ant os chor os e m uit as lágr im as que não se podia ouv ir nada, que lá j ogassem , v olt ar - se, e
ouv ia m ais de cem m il v ozes que diziam t odas j unt as: "Ai, ai, infelizes! Ai, infelizes! Por que m er ecem os nós
v er est a gr ande m esquinhez e est a gr ande infelicidade e t ão gr ande dor que ult r apassa t odas as dor es! " E
Lancelot e, que est as v ozes t ão dolor idas ouv ia, ficou t ão espant ado, que cuidav a m or r er de m edo e r ogav a
àqueles que o lev av am , que o deix assem ir , m as eles não quer iam , ant es o lev av am a um a cov a m uit o escur a e
m uit o negr a e cheia de fogo que cheir ava t ão m al, que m ar avilha er a. E ele olhava na cova e via uma gr ande
cadeir a de fogo t ão acesa, com o se nela queim asse t odo o f ogo do m undo. E no m eio daquele fogo hav ia um a
cadeir a em que sent av a a r ainha Genev r a t oda nua e suas m ãos diant e do peit o, e est av a descabelada e t inha
a língua pux ada for a da boca, e queim av a- lhe t ão clar am ent e com o se fosse um a v ela gr ossa, e t inha na
cabeça um a cor oa de espinhos que ar dia a gr ande m ar av ilha e ela m esm a queim av a em t odo o cor po ali onde
sent av a. Mas ela fazia um pr ant o t ão gr ande e dav a gr it os t ão gr andes e t ão dolor idos, que bem par ecer ia a
quem a ouv isse que por t odo o m undo er a ouv ida. E quando v ia Lancelot e, não podia supor t ar que lhe não
dissesse ali onde est av a em t ão gr ande aflição:
- Ai, Lancelot e! Tão m au foi o dia em que v os conheci! Tais são os galar dões do v osso am or ! Vós m e
lançast es nest e gr ande sofr im ent o em que m e vedes; e eu vos lançar ei em t ão gr ande ou em m aior , e pesa- m e
m uit o, por que est ou per dida e condenada ao gr ande sofrim ent o do inferno; não quer er ia que acont ecesse
assim a v ós, ant es quer er ia que acont ecesse a m im , se a Deus apr ouv esse.
I st o dizia a r ainha Genev r a a Lancelot e, e assim lhe parecia ali onde dor m ia, e tinha disso t ão gr ande
pesar , que bem quer er ia est ar m or t o ali logo. E depois dist o, par ecia- lhe que lhe acont ecia t ão bem , que
escapav a do poder de Mor gana e da sua com panhia são e alegr e, e entr av a num a hor t a, a m ais for m osa e a
m ais v içosa que nunca v ir a; e v ia gent e t ão for m osa e t ão bem v est ida, que m ar avilha er a, e lhe par ecia que
est av am t odos t ão alegr es e t ão v içosos, com o se cada um t iv esse o que pudesse pensar . E não hav ia ninguém
que não t ivesse cor oa de our o na cabeça, t ão for m osa e t ão r ica, que m ar av ilha er a com o apar ecia. E ele
olhav a uns e out r os que não ent endiam senão de gozo e alegr ia fazer . E v iu naquela com panhia um hom em de
m uit a idade, que t inha na cabeça um a cor oa de our o m uit o for m osa e m uit o r ica, e est ava nela escr it o:
"Est e foi r ei Bam de Benoic"; e per t o dele est ava um a m ulher t am bém cor oada e t inha um let r eir o na cor oa que
dizia: "Est a é Helena, que foi r ainha de Benoic" . E Lancelot e, que bem ouv ir a dizer que seu pai t iv er a nom e r ei
Bam de Benoic e sua m ãe, Helena, quando v iu os let r eir os, disse ao r ei:
- Senhor , não fost es v ós m eu pai? E o r ei r espondeu:
- Sim , t u fost e m eu filho. Pesa- m e por isso, por que és t al que deix ast e o Salv ador do m undo e a m im ,
que er a t eu pai, e fost e t e m et er no dom ínio e no ser v iço do dem o e em seu laço. Aqui, onde est am os, não t ens
nada a alcançar , por que o t eu lugar e t eu assent o est á no infer no com a r ainha Genev r a, que t e t r oux e à m or t e
et er na t u e ela, se ant es não deix ar des o pecado que, at é agor a m ant iv est es cont r a Deus e cont r a a sant a
I gr ej a. Em v ão ent r ast e na dem anda do sant o Gr aal, e não achar ás senão v er gonha, que sobr e t i v ir á, se t e
não apar t as dest e pecado.
Assim que o r ei seu pai lhe disse ist o, chegou a r ainha Helena, sua m ãe. Tam bém disse- lhe:
- Filho, em m á hor a t e t r oux e, pois que com quant o bem e com quant as boas habilidades t e Deus deu,
ser v ist e o dem o. At é aqui, filho, Deus t e fizer a for m oso e de m elhor donaire do que out r o cav aleir o, e t ua
beleza e t ua gr aça est ão per didas, por que t e m et est e t odo em ser v iço do dem o, quando t e aj untast e com a
r ainha Genevr a, que em m á hor a nasceu, e est ás, m uit o t em po, com ela cont r a Deus e contr a o direit o. Aquele
pecado t e por á em t ão gr ande aflição ou em m aior do que v ist e a r ainha Genevr a. Filho, est ás m or t o e
escar necido e aquele pecado feio, que não deix as, t e far á m or r er em t ão gr ande desonr a, que t odos da t ua
linhagem que est iv er em viv os, ficar ão por isso desonr ados. E sabe que nenhum a bondade hum ana poder ia
cur ar t ão gr ande dor e t ão gr ande m esquinhez que por isso sofr er ás, por pouco pr azer e por pequen o que nist o
t ivest e, por que t al é a penit ência dest e pecado, que o pr azer é m uit o pequeno e o sofr im ent o e a dor , et er na,
se Nosso Senhor não põe nist o conselho. E por ist o t e digo, am ado filho, for m osa cr iat ur a, que deix es aquele
pecado, por que m uit o nele er r ast e cont r a Deus e cont r a o m undo, que m uit o gr ande m edo t enho de ser es por
isso condenado.

XXI X
Pe r siv a l e La nce lot e na e r m ida

202. Est as m ar av ilhas v iu Lancelote em seus sonhos, de que t inha t ão gr ande pesar , que as lágr im as lhe
cor r iam pelas faces e suspir av a e fazia lam ent ação. E depois que t ev e t oda est a v isão, desper t ou- se t ão lasso e
t ão cansado, com o se saísse de um a bat alha, e deu ent ão um gr it o de t ão gr ande dor e abriu os olhos. E
quando viu Per siv al est ar diante de si e o r econheceu, er gueu- se e disse- lhe:
- Am igo, sede bem - v indo!
Mas m uit o lhe pesav a de que o achar a dor m indo.
- Am igo, disse Per siv al, m uit o t iv est es gr ande angúst ia em v osso dor m ir e t em po há que quisér am os v os
desper t ar por isso, . m as t iv em os m edo de v os pesar .
- Desper t ar , disse Lancelot e, não há nada no m undo por que o quisesse, por que m e im pedir íeis de v er as
m aior es m ar av ilhas que nunca cav aleir o em sonhos v iu, e por est e sonho cuido m ais v aler t odos os dias da
m inha v ida.
- Cer t am ent e, disse Per siv al, nunca vi alguém t al angúst ia t er em sonhos.
- Se angust iado est av a, disse Lan celot e, ist o não é m ar av ilha, por que v ia t odas as m isér ias que a cor ação
m or t al dão pesar , e t odos os bens do m undo t am bém . Que v os dir ei eu? Vi as m ar av ilhas das m ar av ilhosas
coisas; por que v i quant o desej av a v er , por que v i declar adam ent e m inha m or t e e m inha vida e m ais que
poder ia pensar , enquant o v iv esse. E por ist o chegar ei a v er algum a das m ar av ilhas do sant o Gr aal, se lá algum
dia dev o chegar , por que de out r o m odo, em v ão m e esfor çar ia por isso, por que o esfor ço est ar ia per dido. Agor a
cav alguem os e v am os a algum a er m ida, por que nunca descansar ei at é que saiba a v er dade do m eu sonho.
E Per siv al concor dou com isso.

203. Ent ão pegar am suas ar m as e o que ainda falt av a, e cav algar am , e a donzela disse a Per siv al:
- Senhor , dizei- m e o que m e pr om et est es: o nom e dest e cav aleir o.
E ele pensou ent ão um pouco; e depois pux ou Lancelot e de um lado, e disse- lhe:
- Est ou obr igado a dizer v osso nom e a est a donzela, por que lhe pr om et i.
- Agor a bem lho podeis dizer , disse Lancelot e, se v os apr az, m as por m im não o saber ia nem hoj e nem
am anhã, por que est a é um a das m ais v ilãs donzelas e das m ais abor r ecidas que algum a v ez achei e m e
agr adar ia m uit o, se ela quisesse, ficar m os liv r es de sua com panhia.
- Agor a não v os at or m ent eis, disse Per siv al, por que v os liv r ar ei.
Ent ão v olt ou par a a donzela e disse- lhe:
- Donzela, eu v os dir ei o que m e per gunt ast es, pelo pr eit o que m e deis um dom que nada v os cust ar á.
E ela lho out or gou. E Per siv al lhe disse:
- Est e é dom Lan celot e do Lago.
Disse ela:
- Por boa fé, m uit o m e pesa, por que or a v ej o que não poder ei lev ar a cabo a coisa do m undo que m ais
desej av a, e t enho- m e por louca e por infeliz, que em t ão alt o lugar pus m eu cor ação. E ela logo v olt ou par a
aquele cam inho pelo qual Per siv al vier a, t ão gr ande lam ent o fazendo, com o se quant os am igos que t inha v isse
m or t os diant e de si, cham ando- se infeliz e desgr açada e m esquinha e m al- av ent ur ada, dizendo que nunca t er ia
alegr ia, quando lhe falt av a a pessoa do m undo que m ais desej ar a. Ent ão disse Per siv al a Lancelot e:
- Par ece- m e que est am os liv r es dest a donzela.
- Muit o m e apr az, disse Lancelot e, da sua par t ida. Ent ão ent r ar am em seu cam inho, falando de poucas
coisas, por que m uit o pensava Lancelot e nas m ar avilhas que vir a e est ava t ão espant ado, que bem quer eria que
nunca t iv esse que v er nada com Genev r a, por que bem lhe par ecia que nenhum pecado o lev av a t ant o à
per dição do cor po e da alm a com o aquele, e que am bos est av am per didos por isso. Assim ia pensando t ão
espant ado, que nada falav a, e Per siv al tinha por isso t ão gr ande pesar , que não sabia o que dissesse, m as
disse- lhe ao cabo de m uit o t em po, par a o t ir ar daquele pesar :
- Ai, Lancelot e! Confor t ai- v os e não v os entr egueis a t ão gr ande aflição, por que não é para t ão bom
cav aleir o com o sois, que se espant e do sonho que v iu.
- Ai, am igo! Mer cê, disse Lancelot e, que isso m e dizeis. Assim Deus m e aconselhe: se v ísseis as
m ar avilhas que vi, não cuido que dor avant e tivésseis pr azer . E est as são as m ar avilhas m aior es e as m ais
espant osas que algum a v ez pecador em sonho v iu.
- Com o quer que sej a, disse Per siv al, confor t ar - v os conv ém , por que t er alguém pesar e r aiv a dest e m odo
não lhe poder ia por isso adv ir senão m al. E, por v ent ur a, est a m ar av ilha v os m ost r ou Deus par a em endar des
v ossa v ida e t ir ar - v os de algum pecado m or t al, se nele est ais.
E Lancelot e nada lhe r espondeu, m as ainda pensou Lancelot e que lhe dizia a ver dade.

204. Aquele dia cav algar am de t al m odo os cav aleir os, que não t iv er am alegr ia nem pr azer , por que sobej o
est ava Lancelot e tr ist e e com gr ande pesar . À noit e, lhes acont eceu que chegar am à er m ida da oliv eir a
v er m elha, por que aquela oliv eir a cham av am - lhe v er m elha, por que as f olhas er am v er m elhas t odas no inv er no
e no v er ão, m as a ár v or e não er a v er m elha, ant es er a de t al cor com o out r a oliv eir a. E quando vir am que as
folhas t inha v er m elhas e o t r onco v er de, tiv er am - no por m uit o gr ande m ar avilha e Lancelot e falou disso
pr im eir o e disse a Per siv al:
- Am igo, que v os par ece dest a ár v or e?
- Am igo, disse ele, não m e par ece out r a coisa, senão que é m ar av ilhoso o Senhor , cuj as obr as são
m ar av ilhosas. Sabei que est a coisa acont eceu por algum m ilagr e de Nosso Senhor , por que, sem falha, a
nat ur eza não poder ia t ão m ar avilhosam ent e obr ar . Assim Deus m e aj ude, agr ada- m e m uit o que a vi, por que a
m uit os cav aleir os ouvi falar dela e não podia acr edit ar que fosse v er dade.
- Nunca a v i, disse Lancelot e, nem ouv i dela falar .
- Agor a sabei, disse Per siv al, que est a é a oliv eir a ver m elha, e est a er m ida, que vedes, é a er m ida que
cham am da oliv eir a v er m elha. E cr eio que na capela m or a um dos m elhor es hom ens da Gr ã- Br et anha e da
m elhor v ida e que m elhor v os aconselhar á em fav or da v ossa alm a, por que ouv i m uit o falar a m uit os cav aleir os
da sua bondade.
- Cer t am ent e, disse Lancelot e, m uit o m e agr ada ist o, por que m uit o m e er a m ist er .

205. Assim que chegar am à er m ida, descer am . E o hom em bom que lá m or av a, quando ouv iu o t r opel dos
cav alos, saiu. E quando v iu os cav aleir os ar m ados, logo ent endeu que er am cav aleir os das av ent ur as, e
saudou- os e r ogou- lhes que pousassem em t al casa com o ele t inha. E eles lhes disser am que m uit o lhes er a
m ist er , por que j á er a m uit o de noit e. Depois que cuidar am de seus cav alos, o m elhor que pu der am , ent r ar am
na casa do hom em bom , que er a m uit o pequena, e per t o dela ficav a um a capela m uit o pobr e; e desar m ar am -
se dent r o par a descansar em um pouco, m as nunca v ist es alguém t ão tr ist e nem pensar t ant o com o dom
Lancelot e, por que lhe não podia esquecer de m odo algum o que v ir a em sonhos; nem por nada que lhe Per siv al
dissesse, nem o hom em bom , não se quer ia j á confor t ar nem quer ia com er nem fazer nada, senão pensar . E se
alguém m e per gunt asse em que est av a pensando, dir ia que em dois gr andes pensar es: um er a se se separ ar ia
da r ainha sua senhor a; o out r o se se confessar ia e r ev elaria em sua confissão com o am ar a t ão alt a m ulher ,
por que par a est e am or deix ar não se esfor çar ia de m odo algum , se gr ande for ça sobej o não o fizesse fazer , e
ist o er a por que am av a m ais a r ainha do que a si m esm o. Est as duas coisas o confundiam t ant o, que não sabia
o que podia fazer . E o hom em bom , quando o v iu assim pensar e sabia j á que er a. Lancelot e do Lago, o
cav aleir o do m undo que ent ão t inha m aior fam a, per gunt ou a Per siv al:
- Senhor , que t em Lancelot e que t ant o pensa?
- Não sei, disse ele, assim Deus m e aj ude. Mas o que sei v os dir ei, por que, com a aj uda de Deus, lhe
dar eis algum conselho.
E ent ão com eçou a cont ar com o o achar a dor m indo e o que daí viu, e o que Lancelot e disser a, que vir a
em sonhos as m aior es m ar av ilhas que nunca cav aleir o pecador v ir a.
- Cer t am ent e, disse o hom em bom , ist o não sei o que possa ser . - Cer t am ent e, nem eu, disse Per siv al.
Ent ão abaix ou o hom em bom a cabeça par a a t er r a e caiu em t ão gr ande pensar com o ant es e com o
Lancelot e ou m aior , t ant o que Per siv al ficou por isso m ais m ar av ilhado do que ant es.

206. Ao cabo de um t em po, disse o hom em bom :


- Ai, Per siv al, bom cav aleir o, diante de Deus e do m undo, sant a cr iat ur a, sant o cor po, sant a car ne, lim pa
e v ir gem , eu t e conheço por t ão sant o hom em e por t ão leal serv o de Nosso Senhor , que se lhe r ogar es, ele t e
r ev elar á aquilo em que pensa Lancelot e e conhecer ás t oda a v er dade da sua v ida, t ant o que lhe poder ás dar
conselho em sua aflição, e eu, que sou clér igo de m issa, aj udar ei nisso quant o puder .
De t al m odo pensar am naquela t ar de am bos os cav aleir os com o er m it ão, que não com er am nem
beber am . E quando er a j á alt a noit e, deit ar am - se cada um em seu lugar , pensando e com gr ande pesar . E
Lancelot e dor m iu m uit o r ápido, por que m uit o t r abalhar a naquele dia. E quando quis dor m ir , encom endou- se
m uit o a Nosso Senhor , e fez sobr e si o sinal da cr uz e disse um a or ação que sabia. E assim que ador m eceu,
acont eceu- lhe um a v isão dem ais m ar av ilhosa, por que lhe par ecia que v ia diant e de si I v ã, o bast ar do, t odo nu,
t ão disfor m e e t ão feio e t ão espant osa coisa, que m ar av ilha er a. E est av a t odo cer cado de fogo, de m odo que
ar dia de t odos os lados t ão clar am ent e, com o v ela bem acesa. E atr ás dele vinha um a m ulher cor oada com t ão
gr ande pesar e t ão chor osa, que bem par ecia que t inha aflição e desgr aça, e t inha a m ulher escr it o na fr ont e:
"Est a é Cat anance, a r ainha da I r landa, a m ulher de r ei Car ados do pequeno br aço." At r ás dela v ia out r a r ainha
t am bém v ir cor oada m uit o t r ist e e com gr ande pesar , e olhav a- a e r econhecia que er a a r ainha I solda. E at r ás
dela v inha um cav aleir o gr it ando e fazendo lam ent ação e fazendo a m ais est r anha aflição que nunca cav aleir o
fez, que de t odos os lados est av a cer cado de fogo, e Lancelot e que o olhou, r econheceu que er a Tr ist ão, o
for m oso. E a r ainha I solda ia dizendo a Lancelot e:
- Ai, Lancelot e, t al é o galar dão dos m eus am or es; out r o igual ou pior podes t er se t e não quit as da
loucur a que fazes com a r ainha Genev r a.
E Lancelot e, que m uit o se m ar av ilhav a do que v ia, não se podia cont er de dizer a I solda:
- Est e fogo é encant am ent o de que est ás assim cer cada.
- Est e não é encant am ent o, disse I solda, ant es é t r abalho e fogo do infer no, e saber ás com o qu eim a, v ist o
que não t e quer es cast igar de t eu pecado.
Ent ão chegou a ele e deu- lhe com um dedo na cox a. E Lancelot e desper t ou- se e deu um grit o t ão dor ido,
que não foi senão m ar avilha, por que sent iu que lhe doía a coxa t ão violent am ent e e que o fogo er a j á t ão for t e,
que nunca sent iu aflição nem dor nem nada t ant o, que lhe não par ecesse est a m aior . E cham ou em alt a v oz:
- Ai, Per siv al, am igo bom ! Socor r e- m e que m or r o da m ais desgr açada m or t e de que nunca alguém
m or r eu.
A est as v ozes, desper t ou- se Per siv al e achou nas m ãos um a car t a, m as não sabia que est av a aí, por que
er a noit e, e ele a guar dou em seu peit o, com o quem t inha gost o de saber o que acont ecia e cor r eu par a
Lancelot e com gr ande pesar do seu m al e disse:
- Am igo, onde v os acom et eu est e m al?
- Na cox a dir eit a, disse ele. Sabei que há aí o fogo m ais ar dent e e que m ais queim a com o nunca alguém
v iu.
E Per siv al ficou espant ado do que ouvia e pôs a m ão onde Lancelot e dizia e, assim que lhe pôs a m ão, viu
um t ão for m oso m ilagr e, com o a v er dadeir a est ór ia o diz, que, por sua bon dade, de Per siv al, e pelo am or que
lhe Nosso Senhor tinha, foi logo o fogo m or t o e a dor acalm ada. E Per siv al lhe per gunt ou ent ão:
- Am igo, com o v os sent is?
E ele lhe r espondeu ent ão suspir ando:
- Com o? bom am igo Per siv al, eu m e sint o m uit o bem , por que Nosso Senhor m e fez m iser icór dia pela
v ossa bon dade, por que m e t ir ou o m aior sofr im ent o e a m aior dor que algum a v ez cav aleir o t ev e.
- Or a sabei, disse Per siv al, que o não fez por am or , m as por v os cast igar daqui por diant e. E se at é aqui
est ivest es em pecado m or t al, confessai- vos e guar dai- vos que não volt eis a ele, e pensai nest e m ilagr e que
Nosso Senhor v os m ost r ou e, cer t am ent e, se v os t iv ésseis confessado depois que ent r ast es nest a dem anda,
que é dem anda de Nosso Senhor e das suas gr andes m ar av ilhas, não v os acont ecer a t ant o com o v os
acont eceu.
E Lancelot e r espondeu m uit o espant ado:
- Cer t am ent e, am igo Per siv al, se pior m e acont ecesse não ser ia gr ande m ar avilha, e, se Nosso Senhor
t om a de m im v ingança m aior que de out r o, não m e m ar av ilho, por que, sem falha, desde que sou cav aleir o,
nunca fiz de lev e nada que não fosse cont r a ele e cont r a o dir eit o da m inha cav alaria.
E o hom em bom lhe disse:
- Cer t am ent e, Lancelot e, ist o é gr ande dano, por que m uit o ér eis v ós m ais obr igado a ser v ir a Nosso
Senhor do que os out r os, por que v oz fez Deus de m elhor apar ência, e m ais v aler em out r as coisas do que out r o
cav aleir o de quem se ouv isse, há t em po, falar .
- Senhor , disse ele, assim é que o ser vi m uit o m al e m au galar dão posso esper ar , se cor r igir não quer o
quant o er r o lhe fiz.
- Vós não o podeis cor r igir , disse o hom em bom , a não ser por confissão e por v os ar r epender de quant o
m al fizest es, e por obedecer à or dem de vosso abade. E sabei que em vão ent r ast es na dem anda do sant o
Gr aal, se dest as t r ês cousas v os falt ar um a.
E ele disse que t odas as t r ês far ia, v ist o que Deus t al m ilagr e m ost r ar a e t ão depr essa o socor r er a em seu
sofr im ent o.
Assim falando passar am a noit e; e ainda os adm oest av a o hom em bom , por que bem cuidav a que se não
confessar ia do pecado da r ainha, por que m uit os hom ens bon s lhe falar am em confissão o que, sem falha,
cuidav a.

207. De m anhã, olhou Lancelot e a sua cox a, e achou- a t ão negr a com o se dois ou t r ês dias t iv esse ficado em
fogo. E não se podia dela t ão bem aj udar com o ant es, m as se doía dela m uit o, e saía dela um cheir o m uit o
m au. O hom em bom , que a olhou, m ar av ilhouse da quent ur a que v ir a, e Per siv al t am bém . E disser am t odos os
t r ês que v er dadeir am ent e aquele for a m ilagr e de Jesus Cr ist o. Ent ão pegou Per siv al a car t a do peit o e deu- a ao
hom em bom e disse- lhe: .
- Est a car t a m e foi dada est a noit e e não sei de onde v eio, m as a r ecebi naquela hor a que Lancelot e
com eçou a gr it ar . Or a olhai o que há nela e dizei- m e o que aí est á, se é coisa que eu deva ouvir .
E o hom em bom agr adeceu m uit o a Deus est a av ent ur a e disse:
- Ai, Per siv al, alegr em o- nos, por que Nosso Senhor ouviu o que lhe pedim os.
Ent ão abr iu a car t a, e achou que dizia: "Ai, Lancelot e, v il pessoa e m au cav aleir o, filho do inferno, pousada
das t r ev as do dem o, per j ur o e desleal cont r a t eu r ei e t er r eno senhor! Com o t e não cast igas das for m osas
m ar avilhas que t e m ost r ei? Por que t e m ost r ei t odo sofr im ent o e t oda t r ist eza e t odo pr azer e t oda alegr ia; e ou
deix ar ás t ua m á v ida, ou t e far ei ficar .em gr ande dor com I solda e com Tr ist ão, que m er ecer ão ser per didos
par a sem pr e, se não deix am seu pecado. E t u, filho Per siv al, que em t ão lim pa v ida guar das t ua car ne, com o
dev em fazer cav aleir os da sant a I gr ej a, que nunca fost e t ocado do fogo da lux úr ia, por que nunca desej ast e o
fogo daquela m á av ent ur a, t e far ei agor a t al honr a, que o fogo que deit ei sobr e o lux ur ioso em v ingança de
lux úr ia acabar á, assim que nele ponhas a m ão, que se nunca abaix ou a t al pecado. E est a honr a te faço pela
vida boa que vej o que fazes ent r e os vis e os m aus, que cuidam que és difer ent e do que és."

208. Depois que o er m it ão leu a car t a, disse a Per siv al:


- Am igo, filho, sant a cr iat ur a, agor a v ej o bem e ent endo bem a bondade e a gr aça que Deus t e t em
out or gado e a deslealdade dest e out r o cavaleir o. Agor a ouve a cart a e a ler ei par a ti de m odo que est e desleal
cav aleir o, que nem por m ilagr e, nem por v ir t ude que Nosso Senhor lhe m ost r asse, não se quer quit ar de sua
m á- av ent ur ada v ida, possa ent ender sua loucur a e sua m aldade.
Ent ão leu a car t a que am bos ouv ir am . E depois que leu, disse out r a v ez:
- Lancelot e, agor a podeis ver que est ais escar necido e que m or r er eis de ver gonha e de dor , se não
deix ar des a m á v ida que at é aqui m ant iv est es, e ainda Nosso Senhor v os m ost r a m elhor v ont ade do que a
out r o hom em , por que v os cham a assim por t ão for m osos m ilagr es e por t ão for m osas dem onst r ações.
- Ver dade é, disse Lancelot e, e pelo gr ande am or que m e agor a m ost r ou, lhe pr om et o que nunca t al vida
fazer t om ar ei.
E confessou- se logo de t odos os seus pecados ao hom em bom , ouv indo- o Per siv al; e sabei que aquela v ez
não lhes escondeu nada do que t ev e com Genev r a, por que t inha Per siv al por t ão leal e t ão bom , que bem sabia
que o não r ev elar ia. de m odo algum . E depois que se confessou, disse- lhe o hom em bom :
- Lancelot e, pesa- v os m uit o dest e pecado que confessast es agor a?
- Senhor , sim , disse ele, e t enho o pensam ent o que bem quer eria não t er de t om ar ar m as por pr eit o que
feit o t iv esse, por que bem sei que est e pecado m e t or nou m ais inim igo de Nosso Senhor , m ais do que out r o, e
por isso o deix o assim de t odo em t odo, que nunca m ais a ele v olt ar ei.

XXX
A oliv e ir a da s folha s v e r m e lha s e a a v e nt ur a do h om e m que se nt a v a na ca d e ir a

209. Com o per gunt ar am Lancelot e e Per siv al ao hom em bom por que r azão a oliv eir a da er m ida t in ha as folhas
ver m elhas. E ele disse o que sabia. De t al m odo com o v os cont o, r econheceu Lancelot e o seu pecado e o da
r ainha, pelas gr andes m ar av ilhas que lhe acont ecer am de que t iv er a gr ande pav or . Aquele dia pôs o hom em
bom sobr e o alt ar a car t a que Per siv al lhe der a, e, à noit e, quando a quis, não a achou, em bor a a pr ocur asse
m uit o. Lancelot e e Per siv al est iver am lá oit o dias, e quando Lancelot e se sent iu cur ado, de m odo que pôde
t om ar ar m as, cav algou e Per siv al com ele, m as, sem falha, no dia ant erior ao da par tida, per gunt ar am ao
er m it ão pela v er dade da oliv eir a v er m elha.
- Assim Deus m e aj ude, v ós m e per gunt ais por coisa que não sei e bem o desej ar ia saber t ant o com o v ós.
- Pois com o o poder íam os saber ? disse Per siv al.
- Não sei, disse o er m it ão, assim Deus m e aj ude, m as um a coisa que sei, v o- lo dir ei. Aqui per to, há um
claust r o num a pequena m ont anha e há lá um a cadeir a pequena, m as r ica, em que sent a um hom em m uit o
v elho, e não sei se foi rei, se pr íncipe. E j á há m uit o t em po que m or r eu, m as sent a na cadeir a t ão bem , com o
se est iv esse v iv o. E t em na m ão dir eit a um a car t a, e m uit os e bons cav aleir os v ier am aí par a lha tir ar da m ão,
e não puder am .
- E par a que a quer iam ? disse Per siv al. I st o quer ia eu saber de bom gr ado.
- Senhor , t odos os dest a t er r a dizem , e eu bem cuido que é v er dade que aquele que lhe puder tir ar a car t a
da m ão, saber á a v er dade dest a ár v or e, por que na car t a est á a v er dade e pela car t a t am bém poder - se- ia saber
quem é o que sent a na cadeir a, m as de out r o m odo não.
- Assim Deus m e aj ude, disse Lancelot e, ist o v er ia eu de m uit o bom gr ado, por que não m e par ece que
poder ia ser hábil um cav aleir o que de t al coisa ouvisse falar e não se esfor çasse par a v ê- I a. E por isso v os
r ogam os que nos lev eis lá par a v er m os est a m ar av ilha, por que se a car t a não puder m os t ir ar , falar em os dela
na cor t e av ent ur osa, quando apr ouv er a Deus que r eunidos lá v am os.

210. Com o Per siv al e Lancelot e achar am o hom em que sent av a na cadeir a, e não lhe puder am t ir ar a car t a da
m ão. Nist o con cor dar am t odos os t r ês e for am a pé at é o claust r o. O claust r o, sem falha, est av a no m eio da
subida por onde iam à m ont anha. E er a quadr ado, feit o de cant o t alhado e t inha de com pr im ent o e de lar gur a
v int e e oit o côv ados. Bem no m eio est av a a cadeir a t ão for m osa e t ão r ica, com o se fosse feit a par a o cor po do
r ei Ar t ur . E na cadeir a sent av a um hom em t odo de cabelos br ancos e t inha um a espada à cint a, e sent av a t ão
bem na cadeir a, que se lhe a cor não t iv esse m udado, par ecer - v os- ia que est av a v iv o. E t inha a car t a na m ão
dir eit a, e sabei que est av a ainda ar m ado de espada e de br afoneir as, e um escudo br anco est av a encost ado à
cadeir a, no seu encost o. Quando o hom em bom ent r ou e lhes m ost r ou o que est av a na cadeir a, disse:
- Senhor es, que v os par ece?
E eles disser am que er a um a das m ar avilhas que nunca vir am , e depois Lancelot e, ao cabo de um t em po,
disse a Per siv al:
- Am igo, bem assim est á r ei Pelinor , v osso pai, num a ilha par a onde foi um a v ez, j á m uit o t em po há, e,
se t iv esse cor oa com o v osso pai, cuidar ia que er a est e e o m udar am de lá par a cá.
E ent ão lhe cont ou de que m odo o v ir a, e disse:
- Nunca se m udar á de com o est á at é que Galv ão sej a m or t o. - E que t em a v er Galv ão? disse Per siv al.
E Lancelot e se calou ent ão; e calou- se, por que não quer ia r ev elar t al coisa, por que por v ent ur a poder ia adv ir
gr ande m al, por que t em ia que Per siv al m at asse Galv ão, se o por v er dade soubesse. E Per siv al lhe per gunt ou
out r a vez, e ele r espondeu ent ão:
- Am igo, dist o não m e per gunt eis coisa algum a, por que não v os dir ei v er dade nem m ent ir a.
E Per siv al se calou ent ão, com o quem de m odo algum poder ia acr edit ar que Galv ão m at ar a seu pai,
em bor a algum as v ezes o ouv isse dizer , m as t inha- o por m ent ir a. .
- Am igo, disse Lancelot e, que far em os dest a car t a? Conv ém que exper im ent em os se a podem os t ir ar ,
por que de out r o m odo não nos dev er iam t er por cav aleir os v ent ur osos, se não nos esfor çássem os por t odas as
av ent ur as pr ov ar .
Disse Per siv al:
- Por out r a coisa não v iem os aqui.
Ent ão pôs a m ão na car t a par a t ir á- la da m ão daquele que a t inha, e não pôde. E quando v iu que não
podia, afast ou- se de lado e disse a Lancelot e:
- Agor a o poder eis pr ov ar .
E Lancelot e pôs ali a m ão, e não pôde m ais fazer do que Per siv al, e se afast ou de lado com gr ande pesar ,
que bem quiser a est ar m or t o, e disse com gr ande fúr ia:
- Ai, Deus! Quant o t em po est á escar necido o m undo e enganado!
- Am igo, disse Per siv al, por que dissest es or a ist o?
- Por que, disse ele, t odos os do m undo cuidavam que eu er a o m elhor cavaleir o do m undo, e não sou, e
eu os enganei, quando j ulgav am que hav ia em m im m ais bondade do que há.
E o hom em bom lhe disse:
- Senhor , se fr acassast es nest a av ent ur a, não v os espant eis, por que est a av ent ur a não é out orgada senão
a um cav aleir o e conv ém que aquele sej a o m elhor de t odos que at é agor a t r oux er am ar m as no r eino de Logr es
e dos que depois dele v ir ão.
- Eu m e calo, disse Lancelot e, pois que é assim , e não falar ei disso m ais, a não ser que r ogo a Nosso
Senhor que tr aga aqui logo aquele que dest a av ent ur a há de t er o louv or e possam os por ele saber a v er dade
da ár vor e ver m elha.
- Deus o sabe, disse o hom em bom , que bem o desej o saber t ant o com o v ós.

XXX
A oliv e ir a da s folha s v e r m e lha s e a a v e nt ur a do h om e m que se nt a v a na ca d e ir a

209. Com o per gunt ar am Lancelot e e Per siv al ao hom em bom por que r azão a oliv eir a da er m ida t in ha as folhas
ver m elhas. E ele disse o que sabia. De t al m odo com o v os cont o, r econheceu Lancelot e o seu pecado e o da
r ainha, pelas gr andes m ar av ilhas que lhe acont ecer am de que t iv er a gr ande pav or . Aquele dia pôs o hom em
bom sobr e o alt ar a car t a que Per siv al lhe der a, e, à noit e, quando a quis, não a achou, em bor a a pr ocur asse
m uit o. Lancelot e e Per siv al est iver am lá oit o dias, e quando Lancelot e se sent iu cur ado, de m odo que pôde
t om ar ar m as, cav algou e Per siv al com ele, m as, sem falha, no dia ant erior ao da par tida, per gunt ar am ao
er m it ão pela v er dade da oliv eir a v er m elha.
- Assim Deus m e aj ude, v ós m e per gunt ais por coisa que não sei e bem o desej ar ia saber t ant o com o v ós.
- Pois com o o poder íam os saber ? disse Per siv al.
- Não sei, disse o er m it ão, assim Deus m e aj ude, m as um a coisa que sei, v o- lo dir ei. Aqui per to, há um
claust r o num a pequena m ont anha e há lá um a cadeir a pequena, m as r ica, em que sent a um hom em m uit o
v elho, e não sei se foi rei, se pr íncipe. E j á há m uit o t em po que m or r eu, m as sent a na cadeir a t ão bem , com o
se est iv esse v iv o. E t em na m ão dir eit a um a car t a, e m uit os e bons cav aleir os v ier am aí par a lha tir ar da m ão,
e não puder am .
- E par a que a quer iam ? disse Per siv al. I st o quer ia eu saber de bom gr ado.
- Senhor , t odos os dest a t er r a dizem , e eu bem cuido que é v er dade que aquele que lhe puder tir ar a car t a
da m ão, saber á a v er dade dest a ár v or e, por que na car t a est á a v er dade e pela car t a t am bém poder - se- ia saber
quem é o que sent a na cadeir a, m as de out r o m odo não.
- Assim Deus m e aj ude, disse Lancelot e, ist o v er ia eu de m uit o bom gr ado, por que não m e par ece que
poder ia ser hábil um cav aleir o que de t al coisa ouvisse falar e não se esfor çasse par a v ê- I a. E por isso v os
r ogam os que nos lev eis lá par a v er m os est a m ar av ilha, por que se a car t a não puder m os t ir ar , falar em os dela
na cor t e av ent ur osa, quando apr ouv er a Deus que r eunidos lá v am os.

210. Com o Per siv al e Lancelot e achar am o hom em que sent av a na cadeir a, e não lhe puder am t ir ar a car t a da
m ão. Nist o con cor dar am t odos os t r ês e for am a pé at é o claust r o. O claust r o, sem falha, est av a no m eio da
subida por onde iam à m ont anha. E er a quadr ado, feit o de cant o t alhado e t inha de com pr im ent o e de lar gur a
v int e e oit o côv ados. Bem no m eio est av a a cadeir a t ão for m osa e t ão r ica, com o se fosse feit a par a o cor po do
r ei Ar t ur . E na cadeir a sent av a um hom em t odo de cabelos br ancos e t inha um a espada à cint a, e sent av a t ão
bem na cadeir a, que se lhe a cor não t iv esse m udado, par ecer - v os- ia que est av a v iv o. E t inha a car t a na m ão
dir eit a, e sabei que est av a ainda ar m ado de espada e de br afoneir as, e um escudo br anco est av a encost ado à
cadeir a, no seu encost o. Quando o hom em bom ent r ou e lhes m ost r ou o que est av a na cadeir a, disse:
- Senhor es, que v os par ece?
E eles disser am que er a um a das m ar avilhas que nunca vir am , e depois Lancelot e, ao cabo de um t em po,
disse a Per siv al:
- Am igo, bem assim est á r ei Pelinor , v osso pai, num a ilha par a onde foi um a v ez, j á m uit o t em po há, e,
se t iv esse cor oa com o v osso pai, cuidar ia que er a est e e o m udar am de lá par a cá.
E ent ão lhe cont ou de que m odo o v ir a, e disse:
- Nunca se m udar á de com o est á at é que Galv ão sej a m or t o. - E que t em a v er Galv ão? disse Per siv al.
E Lancelot e se calou ent ão; e calou- se, por que não quer ia r ev elar t al coisa, por que por v ent ur a poder ia adv ir
gr ande m al, por que t em ia que Per siv al m at asse Galv ão, se o por v er dade soubesse. E Per siv al lhe per gunt ou
out r a vez, e ele r espondeu ent ão:
- Am igo, dist o não m e per gunt eis coisa algum a, por que não v os dir ei v er dade nem m ent ir a.
E Per siv al se calou ent ão, com o quem de m odo algum poder ia acr edit ar que Galv ão m at ar a seu pai,
em bor a algum as v ezes o ouv isse dizer , m as t inha- o por m ent ir a. .
- Am igo, disse Lancelot e, que far em os dest a car t a? Conv ém que exper im ent em os se a podem os t ir ar ,
por que de out r o m odo não nos dev er iam t er por cav aleir os v ent ur osos, se não nos esfor çássem os por t odas as
av ent ur as pr ov ar .
Disse Per siv al:
- Por out r a coisa não v iem os aqui.
Ent ão pôs a m ão na car t a par a t ir á- la da m ão daquele que a t inha, e não pôde. E quando v iu que não
podia, afast ou- se de lado e disse a Lancelot e:
- Agor a o poder eis pr ov ar .
E Lancelot e pôs ali a m ão, e não pôde m ais fazer do que Per siv al, e se afast ou de lado com gr ande pesar ,
que bem quiser a est ar m or t o, e disse com gr ande fúr ia:
- Ai, Deus! Quant o t em po est á escar necido o m undo e enganado!
- Am igo, disse Per siv al, por que dissest es or a ist o?
- Por que, disse ele, t odos os do m undo cuidavam que eu er a o m elhor cavaleir o do m undo, e não sou, e
eu os enganei, quando j ulgav am que hav ia em m im m ais bondade do que há.
E o hom em bom lhe disse:
- Senhor , se fr acassast es nest a av ent ur a, não v os espant eis, por que est a av ent ur a não é out orgada senão
a um cav aleir o e conv ém que aquele sej a o m elhor de t odos que at é agor a t r oux er am ar m as no r eino de Logr es
e dos que depois dele v ir ão.
- Eu m e calo, disse Lancelot e, pois que é assim , e não falar ei disso m ais, a não ser que r ogo a Nosso
Senhor que tr aga aqui logo aquele que dest a av ent ur a há de t er o louv or e possam os por ele saber a v er dade
da ár vor e ver m elha.
- Deus o sabe, disse o hom em bom , que bem o desej o saber t ant o com o v ós.

XXX
A oliv e ir a da s folha s v e r m e lha s e a a v e nt ur a do h om e m que se nt a v a na ca d e ir a

209. Com o per gunt ar am Lancelot e e Per siv al ao hom em bom por que r azão a oliv eir a da er m ida t in ha as folhas
ver m elhas. E ele disse o que sabia. De t al m odo com o v os cont o, r econheceu Lancelot e o seu pecado e o da
r ainha, pelas gr andes m ar av ilhas que lhe acont ecer am de que t iv er a gr ande pav or . Aquele dia pôs o hom em
bom sobr e o alt ar a car t a que Per siv al lhe der a, e, à noit e, quando a quis, não a achou, em bor a a pr ocur asse
m uit o. Lancelot e e Per siv al est iver am lá oit o dias, e quando Lancelot e se sent iu cur ado, de m odo que pôde
t om ar ar m as, cav algou e Per siv al com ele, m as, sem falha, no dia ant erior ao da par tida, per gunt ar am ao
er m it ão pela v er dade da oliv eir a v er m elha.
- Assim Deus m e aj ude, v ós m e per gunt ais por coisa que não sei e bem o desej ar ia saber t ant o com o v ós.
- Pois com o o poder íam os saber ? disse Per siv al.
- Não sei, disse o er m it ão, assim Deus m e aj ude, m as um a coisa que sei, v o- lo dir ei. Aqui per to, há um
claust r o num a pequena m ont anha e há lá um a cadeir a pequena, m as r ica, em que sent a um hom em m uit o
v elho, e não sei se foi rei, se pr íncipe. E j á há m uit o t em po que m or r eu, m as sent a na cadeir a t ão bem , com o
se est iv esse v iv o. E t em na m ão dir eit a um a car t a, e m uit os e bons cav aleir os v ier am aí par a lha tir ar da m ão,
e não puder am .
- E par a que a quer iam ? disse Per siv al. I st o quer ia eu saber de bom gr ado.
- Senhor , t odos os dest a t er r a dizem , e eu bem cuido que é v er dade que aquele que lhe puder tir ar a car t a
da m ão, saber á a v er dade dest a ár v or e, por que na car t a est á a v er dade e pela car t a t am bém poder - se- ia saber
quem é o que sent a na cadeir a, m as de out r o m odo não.
- Assim Deus m e aj ude, disse Lancelot e, ist o v er ia eu de m uit o bom gr ado, por que não m e par ece que
poder ia ser hábil um cav aleir o que de t al coisa ouvisse falar e não se esfor çasse par a v ê- I a. E por isso v os
r ogam os que nos lev eis lá par a v er m os est a m ar av ilha, por que se a car t a não puder m os t ir ar , falar em os dela
na cor t e av ent ur osa, quando apr ouv er a Deus que r eunidos lá v am os.

210. Com o Per siv al e Lancelot e achar am o hom em que sent av a na cadeir a, e não lhe puder am t ir ar a car t a da
m ão. Nist o con cor dar am t odos os t r ês e for am a pé at é o claust r o. O claust r o, sem falha, est av a no m eio da
subida por onde iam à m ont anha. E er a quadr ado, feit o de cant o t alhado e t inha de com pr im ent o e de lar gur a
v int e e oit o côv ados. Bem no m eio est av a a cadeir a t ão for m osa e t ão r ica, com o se fosse feit a par a o cor po do
r ei Ar t ur . E na cadeir a sent av a um hom em t odo de cabelos br ancos e t inha um a espada à cint a, e sent av a t ão
bem na cadeir a, que se lhe a cor não t iv esse m udado, par ecer - v os- ia que est av a v iv o. E t inha a car t a na m ão
dir eit a, e sabei que est av a ainda ar m ado de espada e de br afoneir as, e um escudo br anco est av a encost ado à
cadeir a, no seu encost o. Quando o hom em bom ent r ou e lhes m ost r ou o que est av a na cadeir a, disse:
- Senhor es, que v os par ece?
E eles disser am que er a um a das m ar avilhas que nunca vir am , e depois Lancelot e, ao cabo de um t em po,
disse a Per siv al:
- Am igo, bem assim est á r ei Pelinor , v osso pai, num a ilha par a onde foi um a v ez, j á m uit o t em po há, e,
se t iv esse cor oa com o v osso pai, cuidar ia que er a est e e o m udar am de lá par a cá.
E ent ão lhe cont ou de que m odo o v ir a, e disse:
- Nunca se m udar á de com o est á at é que Galv ão sej a m or t o. - E que t em a v er Galv ão? disse Per siv al.
E Lancelot e se calou ent ão; e calou- se, por que não quer ia r ev elar t al coisa, por que por v ent ur a poder ia adv ir
gr ande m al, por que t em ia que Per siv al m at asse Galv ão, se o por v er dade soubesse. E Per siv al lhe per gunt ou
out r a vez, e ele r espondeu ent ão:
- Am igo, dist o não m e per gunt eis coisa algum a, por que não v os dir ei v er dade nem m ent ir a.
E Per siv al se calou ent ão, com o quem de m odo algum poder ia acr edit ar que Galv ão m at ar a seu pai,
em bor a algum as v ezes o ouv isse dizer , m as t inha- o por m ent ir a. .
- Am igo, disse Lancelot e, que far em os dest a car t a? Conv ém que exper im ent em os se a podem os t ir ar ,
por que de out r o m odo não nos dev er iam t er por cav aleir os v ent ur osos, se não nos esfor çássem os por t odas as
av ent ur as pr ov ar .
Disse Per siv al:
- Por out r a coisa não v iem os aqui.
Ent ão pôs a m ão na car t a par a t ir á- la da m ão daquele que a t inha, e não pôde. E quando v iu que não
podia, afast ou- se de lado e disse a Lancelot e:
- Agor a o poder eis pr ov ar .
E Lancelot e pôs ali a m ão, e não pôde m ais fazer do que Per siv al, e se afast ou de lado com gr ande pesar ,
que bem quiser a est ar m or t o, e disse com gr ande fúr ia:
- Ai, Deus! Quant o t em po est á escar necido o m undo e enganado!
- Am igo, disse Per siv al, por que dissest es or a ist o?
- Por que, disse ele, t odos os do m undo cuidavam que eu er a o m elhor cavaleir o do m undo, e não sou, e
eu os enganei, quando j ulgav am que hav ia em m im m ais bondade do que há.
E o hom em bom lhe disse:
- Senhor , se fr acassast es nest a av ent ur a, não v os espant eis, por que est a av ent ur a não é out orgada senão
a um cav aleir o e conv ém que aquele sej a o m elhor de t odos que at é agor a t r oux er am ar m as no r eino de Logr es
e dos que depois dele v ir ão.
- Eu m e calo, disse Lancelot e, pois que é assim , e não falar ei disso m ais, a não ser que r ogo a Nosso
Senhor que tr aga aqui logo aquele que dest a av ent ur a há de t er o louv or e possam os por ele saber a v er dade
da ár vor e ver m elha.
- Deus o sabe, disse o hom em bom , que bem o desej o saber t ant o com o v ós.

XXXI I
La nce lot e e Ga la a z

215. Assim se separ ar am Lancelot e e Per siv al. Per siv al foi em dir eção à cela, por que t inha m uit o gost o de ficar ;
e Lancelot e que est ava m uit o espant ado com o que lhe acont ecer a, foi depós Galaaz pelo cam inho da flor est a
est r eit a. E t ant o andou que chegou a um vale m uit o fundo, e andou t ant o por ele, at é que achou um a er m ida,
na qual viviam dois hom ens bons, que er am ir m ãos e bons cav aleir os, e er am da linhagem de Per siv al. E sabei
que, naquele t em po, hav ia no r eino de Logr es, gr ande núm er o de er m it ães por t oda a par t e que n ão er a sem
m ar av ilha; e poucos hav ia lá que não fossem
..cavaleir os ou alt os hom ens, e naquele t em po er a a gr aça de Deus que t odos aqueles cavaleir os daquele r eino,
depois que t inham t r at o de ar m as t r int a anos ou quar ent a, deix av am suas t er r as e suas r iquezas e t oda sua
linhagem , e iam par a as m ont anhas e aos m ais dist ant es lugar es que podiam achar e lá faziam penit ência de
seus pecados e de seus gr andes v ícios e dos gr andes pr azer es que t iv er am em suas gr andes cav alar ias; e não
v os digo que m uit os não hav ia, que se punham nisso pelas aflições e pelos pesar es das m ás an danças que
t inham am iúde seus am igos e seus par ent es e por isso ficou m uit o pov oado o r eino de Logr es de fr ades e de
er m it ães.

216. Or a diz o cont o que Lancelot e chegou à pousada daqueles dois er m it ães que er am par ent es de Per siv al, e
sabei que assim que o r econhecer am , lhe fizer am quant o ser v iço puder am , por que o pr ezav am de bondade de
cav alar ia sobr e t odos os cav aleir os do m undo que conheciam , ex cet o Galaaz; e Galaaz conheciam eles j á m uit o
bem . Aquela t ar de com eçar am a per gunt ar a Lancelot e que aventur a o t r ouxer a ali àquela hor a. E ele lhes disse
t udo com o acont ecer a a Per siv al e a ele, com um cav aleir o que t r azia um escudo br anco de cr uz v erm elha.
- E pela desonr a que nos fez, vim at r ás dele, por que o cuidei alcançar , m as não pude, por que a noite
chegou logo.
- Cer t am ent e, disse um dos er m it ães, Deus o fez por v ós, que o não alcançast es, por que, por v er dade,
sois um dos m elhor es cav aleir os do m undo; t odav ia sabem os que ele é t ão bom cav aleir o, t ant o que é m elhor
que t odos os out r os, que lhe não poder íeis escapar , nem v ós, nem cav aleir o que agor a t r aga arm as, se ele
v iesse a fer ir de espada, por que est e é o seu pr azer , que não r eceia out r os m elhores do que v ós.

217. Quando Lancelot e ouviu est as nov as, ficou espant ado e per gunt ou qual er a aquele bom cav aleir o, que de
bondade passava t odos os out r os. Disser am eles:
- Não podem os dizer seu nom e, por que nos pediu que o não r ev elássem os o cav aleir o andante, m as ist o
v os dizem os bem : é da casa do r ei Ar tur e com panheir o da m esa r edonda.
E ele calou, quando ist o ouv iu, por que logo im aginou em seu cor ação que er a Galaaz, seu filho; e naquela
noit e pensou m uit o nas avent ur as que lhe acont ecer am e nas visões que t iver a em sonhos. No out r o dia,
depois que ouv iu m issa, cont ou- as aos er m it ães, por que bem cuidou que er am t ão bons hom ens par a Nosso
Senhor , que bem o saber iam aconselhar ; e assim o fizer am t om ar conhecim ent o da sua linhagem e do r ei
Mor dr aim e de Nascião e de Cilodor nes e de t odos aqueles de quem o cont o j á v os falou, e disser am - lhe
aber t am ent e que er a ludibr iado por causa da r ainha Genevr a e a r ainha, por causa dele.
- E sabei, disser am eles, que, se est e pecado não deix ar des, v os far á m or r er pela lança e pela m á
v ent ur a, e t er eis m or t e t ão m á e t ão v ilã, que t odas as pr oezas, que por v ós passar am , ser ão por isso
r ebaix adas e r eduzidas a nada.
Quando ele ist o ouviu, r espondeu com gr ande pesar :
- Muit o m e pesa de j á aqui vir e acho- m e t ão m al, que m ais quer eria nunca v encer ar m as do que m e
v er em , por que j á pr om et i diant e do Senhor nunca v olt ar , e pr om et o- o out r a v ez. E os hom ens bons disser am :
- Sem pr e v os acont ecer á o bem , e sabei que não v os despedir eis dest a dem anda sem honr a, se assim o
quer eis fazer .
E ele disse que disso bem cuidar ia e o ent endia fazer , com a aj uda de Deus. E um dos er m it ães t om ou
logo um a est am enha m uit o ásper a, e deu- a a Lancelot e e disse- lhe:
- Quer o que v ist ais est a r oupa r ent e à pele, em sinal de penit ência, enquant o andar des na dem anda do
sant o Gr aal.
E ele a t om ou e v est iu- a, e ficou assim que nunca m ais a despiu, at é que v olt ou à casa do r ei Ar t ur , e
t or nou a com et er o pecado de ant es, com o o fazia.

218. Depois que se confessou bem aos hom ens bons, eles o cast igar am m uit o e disser am - lhe que deix asse e se
afast asse daquele pecado e pusesse t oda sua confiança em Deus, que desej av a sua honr a, e v encer ia na
dem anda do sant o Gr aal. E ele pr om et eu que t udo assim far ia. Depois disso, separ ou- se deles, e m et eu- se em
sua dem anda assim com o ant es e andou m uit os dias que não achou av ent ur a. E sabei que o m ais do t em po,
fazia or ações e r ogav a a Nosso Senhor que lhe per doasse, por que não sent ia de coisa algum a que fizesse t ant o
com o do pecado da r ainha, por que lhe par ecia que er a t r aidor e desleal com o r ei Ar t ur , de quem er a v assalo, e
lhe fizer a sem pr e m ais honr a do que a qualquer out r o hom em .

XXXI I
La nce lot e e Ga la a z

215. Assim se separ ar am Lancelot e e Per siv al. Per siv al foi em dir eção à cela, por que t inha m uit o gost o de ficar ;
e Lancelot e que est ava m uit o espant ado com o que lhe acont ecer a, foi depós Galaaz pelo cam inho da flor est a
est r eit a. E t ant o andou que chegou a um vale m uit o fundo, e andou t ant o por ele, at é que achou um a er m ida,
na qual viviam dois hom ens bons, que er am ir m ãos e bons cav aleir os, e er am da linhagem de Per siv al. E sabei
que, naquele t em po, hav ia no r eino de Logr es, gr ande núm er o de er m it ães por t oda a par t e que n ão er a sem
m ar av ilha; e poucos hav ia lá que não fossem
..cavaleir os ou alt os hom ens, e naquele t em po er a a gr aça de Deus que t odos aqueles cavaleir os daquele r eino,
depois que t inham t r at o de ar m as t r int a anos ou quar ent a, deix av am suas t er r as e suas r iquezas e t oda sua
linhagem , e iam par a as m ont anhas e aos m ais dist ant es lugar es que podiam achar e lá faziam penit ência de
seus pecados e de seus gr andes v ícios e dos gr andes pr azer es que t iv er am em suas gr andes cav alar ias; e não
v os digo que m uit os não hav ia, que se punham nisso pelas aflições e pelos pesar es das m ás an danças que
t inham am iúde seus am igos e seus par ent es e por isso ficou m uit o pov oado o r eino de Logr es de fr ades e de
er m it ães.
216. Or a diz o cont o que Lancelot e chegou à pousada daqueles dois er m it ães que er am par ent es de Per siv al, e
sabei que assim que o r econhecer am , lhe fizer am quant o ser v iço puder am , por que o pr ezav am de bondade de
cav alar ia sobr e t odos os cav aleir os do m undo que conheciam , ex cet o Galaaz; e Galaaz conheciam eles j á m uit o
bem . Aquela t ar de com eçar am a per gunt ar a Lancelot e que aventur a o t r ouxer a ali àquela hor a. E ele lhes disse
t udo com o acont ecer a a Per siv al e a ele, com um cav aleir o que t r azia um escudo br anco de cr uz v erm elha.
- E pela desonr a que nos fez, vim at r ás dele, por que o cuidei alcançar , m as não pude, por que a noite
chegou logo.
- Cer t am ent e, disse um dos er m it ães, Deus o fez por v ós, que o não alcançast es, por que, por v er dade,
sois um dos m elhor es cav aleir os do m undo; t odav ia sabem os que ele é t ão bom cav aleir o, t ant o que é m elhor
que t odos os out r os, que lhe não poder íeis escapar , nem v ós, nem cav aleir o que agor a t r aga arm as, se ele
v iesse a fer ir de espada, por que est e é o seu pr azer , que não r eceia out r os m elhores do que v ós.

217. Quando Lancelot e ouviu est as nov as, ficou espant ado e per gunt ou qual er a aquele bom cav aleir o, que de
bondade passava t odos os out r os. Disser am eles:
- Não podem os dizer seu nom e, por que nos pediu que o não r ev elássem os o cav aleir o andante, m as ist o
v os dizem os bem : é da casa do r ei Ar tur e com panheir o da m esa r edonda.
E ele calou, quando ist o ouv iu, por que logo im aginou em seu cor ação que er a Galaaz, seu filho; e naquela
noit e pensou m uit o nas avent ur as que lhe acont ecer am e nas visões que t iver a em sonhos. No out r o dia,
depois que ouv iu m issa, cont ou- as aos er m it ães, por que bem cuidou que er am t ão bons hom ens par a Nosso
Senhor , que bem o saber iam aconselhar ; e assim o fizer am t om ar conhecim ent o da sua linhagem e do r ei
Mor dr aim e de Nascião e de Cilodor nes e de t odos aqueles de quem o cont o j á v os falou, e disser am - lhe
aber t am ent e que er a ludibr iado por causa da r ainha Genevr a e a r ainha, por causa dele.
- E sabei, disser am eles, que, se est e pecado não deix ar des, v os far á m or r er pela lança e pela m á
v ent ur a, e t er eis m or t e t ão m á e t ão v ilã, que t odas as pr oezas, que por v ós passar am , ser ão por isso
r ebaix adas e r eduzidas a nada.
Quando ele ist o ouviu, r espondeu com gr ande pesar :
- Muit o m e pesa de j á aqui vir e acho- m e t ão m al, que m ais quer eria nunca v encer ar m as do que m e
v er em , por que j á pr om et i diant e do Senhor nunca v olt ar , e pr om et o- o out r a v ez. E os hom ens bons disser am :
- Sem pr e v os acont ecer á o bem , e sabei que não v os despedir eis dest a dem anda sem honr a, se assim o
quer eis fazer .
E ele disse que disso bem cuidar ia e o ent endia fazer , com a aj uda de Deus. E um dos er m it ães t om ou
logo um a est am enha m uit o ásper a, e deu- a a Lancelot e e disse- lhe:
- Quer o que v ist ais est a r oupa r ent e à pele, em sinal de penit ência, enquant o andar des na dem anda do
sant o Gr aal.
E ele a t om ou e v est iu- a, e ficou assim que nunca m ais a despiu, at é que v olt ou à casa do r ei Ar t ur , e
t or nou a com et er o pecado de ant es, com o o fazia.
218. Depois que se confessou bem aos hom ens bons, eles o cast igar am m uit o e disser am - lhe que deix asse e se
afast asse daquele pecado e pusesse t oda sua confiança em Deus, que desej av a sua honr a, e v encer ia na
dem anda do sant o Gr aal. E ele pr om et eu que t udo assim far ia. Depois disso, separ ou- se deles, e m et eu- se em
sua dem anda assim com o ant es e andou m uit os dias que não achou av ent ur a. E sabei que o m ais do t em po,
fazia or ações e r ogav a a Nosso Senhor que lhe per doasse, por que não sent ia de coisa algum a que fizesse t ant o
com o do pecado da r ainha, por que lhe par ecia que er a t r aidor e desleal com o r ei Ar t ur , de quem er a v assalo, e
lhe fizer a sem pr e m ais honr a do que a qualquer out r o hom em .

XXXI I I
La nce lot e e a donze la que lhe pe de o cor ço

219. Um dia lhe acont eceu que andav a pela florest a Gast a lasso e cansado, por que andar a ent ão, or a de um
lado, or a de out r o, sem com er nem beber , que t al foi sua av ent ur a, que em t odos os quat r o dias não achou
onde se acolhesse, ant es andou per dido por est a flor est a, que er a m uit o gr ande e nunca se queix ou, m as ant es
dizia que t al er a a v ont ade de Nosso Senhor , que sofr esse na dem anda do sant o Gr aal. Depois do quar t o dia
lhe acont eceu que chegou a um a font e, que nascia no m eio de um v ale, ao pé de um car v alho, e a font e era
m uit o for m osa e ele est ava com m uit a fom e e m uit a sede, e par eceu- lhe que, se por v ent ur a não bebesse água,
m or r er ia, vist o que ser iam a fom e e a sede m aior es. Ent ão desceu e no elm o, colheu água, e v iu v ir um cor ço
que v inha beber à font e, e ele t om ou sua lança e pensou que, se o pudesse m at ar , o com er ia de qualquer
m odo que fosse par a m at ar a fom e. Ent ão lhe at ir ou sua lança e o fer iu de m odo que o m at ou logo, e ficou
m uit o alegr e, e quando o queria levar par a a font e, eis que vem um a donzela sobr e seu palafr ém , e veio t ão
escondidam ent e, que nunca ant es v iu, senão quando a v iu consigo. E a donzela er a m uit o for m osa e disse- lhe:
- Ai, cav aleir o! Dai- m e um dom .
E ele olhou par a ela e disse- lhe:
- Donzela, pedi- o, que o t er eis, se não for coisa que sej a cont r a m eu j ur am ent o.
Respondeu ela:
- Muit o obr igada. Pois agor a dai- m e est e cor ço, por que por out r o m ot iv o não v im aqui.
- Ai, donzela! Por Deus, pedi- m e out r o dom , por que agor a não poder ia est e cor ço dar , por que há m uit o
t em po que não com i; no ent ant o, se o cor ço quiser des, t om ai dele o quant o quiser des, dele deix ai- m e t ão
som ent e um t ant o par a que possa m at ar m inha fom e.
- Por Deus, ou o lev arei t odo, ou não lev ar ei dele nenhum pedaço, e r ogo- v os pela fé que dev eis a Deus,
que t odo m o deis.
Ent ão disse ele:
Eu v o- lo dou, por que, sobr e t al j ur am ent o, não o negar ia nem a v ós, nem a out r em .
- E r ogo- v os, pela fé que dev eis a Deus, que logo m o deis. - Tom ai- o, disse ele.
- Muit o obr igada, disse ela, e sabei que aquele, por cuj o am or o dais a m im , v o- lo saber á bem galar doar e
logo.
E ela entr ouxou logo o cor ço em seu cavalo, e quando Lancelot e viu que se quer ia par tir , disse- lhe:
- Ai donzela, por Deus, olhai; quer eis que v os faça eu com panhia e m e lev eis a algum lugar onde possa
achar com que m at e m inha fom e?
E ela r espondeu m uit o depr essa e disse- lhe:
- Pensais um a coisa e não chegar eis à v ila nem à pousada, enquant o a Deus não apr ouv er ; e ist o não
ser á t ão cedo com o cuidais.
E a donzela se afast ou dele logo t ant o que, em pouco t em po,
per deu dela a v ist a.

220. Quando Lancelot e v iu que a donzela ia com m uit a pr essa, cuidou que não er a de longe e que disser a
aquilo par a o espant ar . E t om ou logo seu elm o e seu escudo e sua lança, e subiu em seu cav alo e pensou em ir
at r ás dela, e quando a alcançasse, lhe r ogar ia t ant o at é que o lev asse a algum lugar onde achasse confor t o de
sua m isér ia, e assim foi depós a donzela, e t ant o andou, at é que chegou a um vale, que ficava ent r e duas
r ochas m uit o gr andes e m uit o est r anhas, e olhou e v iu diant e de si um a água que cham am Mar coisa, que
div idia a flor est a em duas par t es. Quando v iu ist o, não soube o que fizesse, por que se quisesse passar além ,
conv ir ia que passasse por m eio da água, que er a t ão per igosa, que bem cuidav a que não podia alguém nela
ent r ar que pudesse escapar . Não obst ant e, colocou sua esper ança na confiança de seu Senhor , e per deu t odo
m edo e pensou que a passar ia bem , com a aj uda de Deus. E ele ist o assim pensando, v iu v ir um a av ent ur a
m uit o m ar avilhosa e m uit o est r anha, por que viu sair da água um gr ande cav aleir o ar m ado de um as ar m as
negr as e vinha sobr e um cavalo m ur zelo e deix ou- se ir a Lancelot e, sem nada lhe dizer , e deu- lhe no cavalo e
m at oulho, m as a ele não m at ou; depois disso, foi pela flor est a t ão depr essa que, em pouco t em po, não o v iu
Lancelot e. Quando viu seu cav alo m or t o, não lhe pesou m uit o, por que bem sabia que t udo lhe acont ecia pelo
seu pecado. Ainda assim deu louv or a Nosso Senhor , e nem o sequer olhou, m as foi pela beir a do r io; e quando
v iu que não poder ia passar , par ou e t om ou sua lança e seu escudo e seu elm o e sua espada, e pôs t udo per t o
de um a r ocha e disse que ali ficar ia at é que Nosso Senhor lhe desse algum conselho. Assim ficou Lancelot e
cer cado de t r ês lados, de um lado pela água e dos out r os por am bas as r ochas, e não t inha idéia de com o
m at ar a fom e, por que, se por acaso se m et esse na flor est a, não achar ia hom em nem m ulher que lhe bem
fizesse, por que est a er a a m ais est r anha flor est a e a m ais apar t ada em que nunca ent r ar a; e se ent r asse no
r io, er a t ão per igoso que, se nele ent r assem m il hom ens, não escapar ia nenhum , se Deus com sua m ão o não
t ir asse. Est as t r ês coisas o faziam ficar na m ar gem e fazer or ações a Nosso Senhor , e r ogav a- lhe que por sua
piedade o confor t asse e lhe desse t al conselho par a que não caísse em desesper o nem em t ent ação do dem o.
Mas or a deix a o cont o a falar de Lancelot e e t or na a Per siv al.

XXXI V
Pe r siv a l e m ca sa de sua t ia

221. Diz o cont o que Per siv al, depois que se separ ou de Lancelot e, dir igiu- se à cela, não por que cuidav a que lá
m or asse alguém , m as por agasalhar seu cav alo cansado. E assim que lá chegou, desceu, e quando v iu que não
podia pôr dent r o o cav alo, cuidou dele o m elhor que pôde e desar m ou- se par a folgar um pouco, e quando a
m ulher que na cela est ava o viu desar m ar e sem com panhia, logo ent endeu que er a dos cavaleir os andant es
que andav am buscando as av ent ur as do r eino de Logr es e t ev e m uit o gr ande gost o de falar com ele par a saber
nov as de Aglov al e de Per siv al. E ent ão pôs a cabeça for a o m elhor que pôde, e disse:
- Ai, cav aleir o senhor ! Assim Deus v os aj ude e salv e, falai com igo.
E Per siv al olhou e m ar avilhou- se, quando v iu que er a enclausur ada, e disse:
- Mulher , de boa m ent e.
Ent ão foi sent ar - se diant e dela e ela lhe per gunt ou de onde er a.
- Mulher , sou da casa de r ei Ar t ur e com panheir o da m esa r edonda.
- Em nom e de Deus, disse ela, bem cuido or a que m e saber eis dizer nov as de dois cav aleir os andant es
m eus par ent es, que são dest a cor t e.
- E quais são? disse Per siv al.
Disse ela:
- Um é Aglov al e o out r o, Per siv al, filhos do r ei Pelinor , que são m eus sobr inhos, filhos de m inha ir m ã, e
desej ar ia deles ouv ir boas nov as, e m ais de Per siv al, que er a m enino e ouço agor a louv ar de cav alar ia, por que
a m uit os hom ens bons ouv i dizer de sua bondade.
- Mulher , disse ele, Agloval há t em po que não vi, m as deix eio são e alegr e, quando par t i, e ent r ou na
dem anda do sant o Gr aal com os out r os cav aleir os da m esa r edon da.
- Deus sej a agr adecido, disse ela, e Deus o m ant enha naquela bondade que com eçou, por que m uit o bem
ouv i dizer dele depois que aqui ent rei. E v ós, senhor , com o t endes nom e? disse ela.
E ele r espondeu v er gonhoso e disse:
- Mulher , eu sou aquele Per siv al que pr ocur ais.
- E é v er dade? disse ela. Sede bem - v indo, e bendit o sej a o Espír it o Sant o que v os m ost r ou par a m im
ant es da m inha m or t e, por que est a er a a coisa do m undo que eu m ais desej ava.
Ent ão lev ant ou as m ãos par a o céu e deu gr aças a Nosso Senhor por quant o lhe cum pr ir a seu desej o, e
depois ficou m uit o t em po em or ação e depois v olt ou par a Per siv al t ão alegr e que às lágrim as lhe cor r iam pelas
faces com alegr ia, e disse- lhe:
- Sobr inho, com o v os v ai?
Disse ele:
- Mulher , bem , gr aças a Deus.
- E de cav alar ia, disse ela, com o v os v ai?
- Mulher , disse ele, assim com o aos out r os cav aleir os andant es, ás v ezes bem e às v ezes m al, com o as
av ent ur as e as andanças nos acont ecem .
- Sobr inho, disse ela, Nosso Senhor , por sua piedade, v os faça m elhor andant e que foi v osso pai e v ossos
ir m ãos que m or r er am de m uit o sofr im ent o e gr ande m ar t ír io, e cada v ez que m e lem br a a m or t e de v osso
ir m ão Lam ar ont e, que foi m or t o a gr ande tr aição, não t em m edida a t rist eza que sint o, por que em gr ande
m isér ia v os deit ou e a t oda v ossa linhagem aquele que o m at ou. Pela sua bondade er a t oda v ossa linhagem
afam ada.
- Ver dade é, disse Per siv al; cer t o, se eu soubesse quem o m at ou, far ia t udo que pudesse par a v ingar sua
m or t e.
- I st o não poder íeis fazer , disse a m ulher , a não ser que fôsseis per j ur o, por que aquele que o m at ou é da
m esa r edonda, e bem sabeis que não hav eis de nele pôr m ão de m odo algum .
- Mulher , disse ele, pelo fat o - de que ele m at ou m eu ir m ão, posso m at á- lo.
- Não podeis, disse a m ulher , por que ser íeis per j ur o e desleal e se ele m al fez, não o dev eis por isso fazer ,
por que olhar a deslealdade de out r em não é bem , m as a v ossa lealdade, por que bem sabeis que t endes de
m ant er a lealdade que com eçast es. E se assim fizer des, t er eis m uit o m aior honr a do que poder íeis im aginar . E
por isso, nunca v os esfor ceis pela m or t e de v osso com panheir o, por que por pouca coisa poder íeis cair em
v er gonha e quant o bem fizest es v os poder ia t or nar em desonr a. E por isso v os r ogo que não v os esfor ceis por
t al coisa, m as se v os algum deles, cont r a seu j ur am ent o, err ar , supor t ai- o, por que Deus, qu e é gr ande
vingador , vos vingar á m uit o m elhor do que vos vingar eis.
- Mulher , disse ele, ent ão deix ar - m e quer o em Deus e t er em m ent e a vingança do gr ande vingador .
- Assim fazei, disse a m ulher , e eu v os digo que bem v os sem pr e adv ir á.
E ele lhe pr om et eu logo que assim o far ia de m uit o bom gr ado.

222. Assim falar am naquela t ar de a m ulher e Per siv al, e ficar am am bos m uit o t r ist es, quando cont ar am o
gr ande dano de sua linhagem . E depois que chor ar am m uit o, disse a dona a Per siv al:
- Sobr inho, que v entur a v os t r oux e aqui só?
Disse ele:
- Eu t iv e hoj e por com panheir o Lancelot e do Lago, que é um dos bons cav aleir os do m undo, m as, por
um a av ent ur a que nos acont eceu, separ ou- se de m im enr aiv ecido e com gr ande pesar .
Ent ão lhe cont ou com o for a e com o Lancelot e for a depós o cav aleir o que os der r ubou, e ele ficar a ali.
- E bem sei que se o pode achar , a bat alha ser á gr ande, por que Lancelot e é o m elhor cav aleir o de espada
que algum a v ez vi e o outr o t am bém é m uit o bom . I st o sei eu m uit o bem , e não sei que diga, m as logo que
am anhecer ir ei atr ás deles, e se eu acho o cav aleir o, não se pode de m im separ ar de nenhum m odo, ant es que
o v ença, ou ele a m im .
- E que ar m as t r azia? disse ela.
E ele disse:
- Suas div isas v er m elhas e t inha um escudo br anco com um a cr uz v er m elha.
- Liv r ai-v os de lá, sobr inho, disse a m ulher , não sabeis o que fazeis e com eçast es. Sozinho não penseis
v encê- lo, nem cuideis de v os t om ar com ele, por que bem sabei que não lhe poder eis r esist ir de nenhum a
m aneir a v ós, nem cav aleir o algum que or a no m undo haj a, por que est e é Galaaz, aquele cav aleir o que em dia
de Pent ecost es acabou a av ent ur a do assent o perigoso; est e m esm o é o que v er á em sua vida as m ar av ilhas e
os segr edos do sant o Vaso; est e é cont r a quem nenhum a pr oeza t er r ena poder á r esist ir .
- Com o? disse Per siv al à m ulher , est e é Galaaz que Deus pôs acim a dei t odos os cav aleiros da m esa
r edonda?
- Sim , disse ela, sem falha, e bem o dev er íeis ent ender pelo que o v ist es fazer , por que nenhum cav aleir o
pode fazer t ais dois golpes na m esm a hor a com o o v ist es fazer .
- Mulher , disse ele, v er dade dizeis; de hoj e em diant e m e quit o de seu pr eit o, por que bem sei que é
m elhor cav aleir o do que qualquer out r o que eu agor a conheça; m as or a m e pesa m ais de Lancel ot e do que
nunca pesou, por que. bem sei que se o achar , não se pode dele separ ar sem bat alha, e, se por pecado não se
r econhecer em , ist o ser á dano sobej o.
- Dist o não t enhais pesar , disse ela, por que dom Galaaz é cav aleir o de 'Nosso Senhor e não quer pecar
m or t alm ent e de nenhum m odo cont r a seu pai.

223. Muit o falar am aquela noit e nist o e em sua linhagem , por que m uit o lhes agr adav a falar , por que m uit os
hom ens houv e que saír am a gr andes feit os. Aquela noit e não com eu Per siv al nenhum a coisa, por que não hav ia
o que lhe desse a m ulher , com o aquela que v iv ia de er v as cr uas, m ais do que de out r a coisa. E se alguém m e
per gunt ar quem lhas dav a, por que ela, ainda que daí quisesse sair não poder ia, eu lhe dir ia que lhas dav a um
er m it ão que m or ava per t o dela e vinha vê- la e confor t á- la cada dia e ouvi- I a em confissão. Est a m ulher viveu
assim dez anos e m eio, que nunca com eu senão er v as cr uas, e quando passou, acont eceu um t ão for m oso
m ilagr e que r ei Ar t ur em Cam alot e, bem dez j or nadas dali, o soube naquela hor a m esm a em que ela passou, e
dir em os de que m odo.

224. Ver dade foi que foi das for m osas m ulher es do m undo e t ão am iga de Deus e da sant a I gr ej a, que t odos
aqueles que a conheciam falav am disso; e a bondade gr ande que t inha foi a r azão por que a am ou r ei Ar tur e
lhe pediu seu am or ; m as aquela, que t ão boa m ulher er a, que, por v ent ur a, nenhum a poder iam achar m elhor ,
não quis de nenhum m odo e por isso o desam ou sobr e t odos os hom ens do m undo, de m odo que n unca depois
o esqueceu m ais em seu cor ação; pelo que acont eceu que, naquele dia que m orr eu, apar eceu naquela hor a ao
r ei Ar tur que est ava dor m indo em sua câm ar a em Cam alot e, e vinha cor oada, t ão for m osa pessoa e t ão alegr e
que m uit o t er ia alguém pr azer em v ê- la. E quando ela est av a em t ão gr ande alegr ia, disse a Ar t ur :
- Rei Ar t ur , eu m e v ou par a o par aíso, que t u m e quisest e im pedir por t ua lux úria; m inha cast idade m e
pôs em alegr ia e t ua luxúr ia te colocar á em gr ande dor e em m ar t ír io, se t e não cast igas.
De t al m odo com o v os cont o, soube r ei Ar t ur a m or t e da m ulher . E ist o ,foi na v igília de Pent ecost es, no
m esm o dia em que a dem anda do sant o Gr aal foi com eçada, ex at am ent e à ent r ada de abr il. E pela gr ande
bondade que ele sent ia na m ulher , foi à flor est a Gast a com gr ande com panhia de cav aleir os, e fez ar r om bar a
cela e t om ar o cor po da m ulher e lev á-lo a Cam alote e o fez ent er r ar com gr ande honr a na igr eja de Sant o
Est êv ão, que ent ão er a a m aior igr ej a. Mas por que bem saber em os v olt ar a est e assunt o quant o for m ist er ,
caiam o- nos por agor a.

XXXVI
Pe r siv a l, Ga lv ã o e o ca v a le ir o de sconhe cido

235. Assim se separ ou Per siv al da m ulher que o ser v ir a m uit o e o tiv er a satisfeit o em sua casa, e t ant o andou
por seus cam inhos, com o a v ent ur a o lev av a, at é que um dia achou Galv ão sobr e um a font e, à ent r ada de um a
flor est a e tir ar a o seu elm o e folgav a ali, por que est av a t ão cansado que er a m ar av ilha. E quando o v iu ficou
m uit o alegr e e disse- lhe:
- Deus est ej a conv osco.
E desceu logo, e Galv ão não o r econhecia, por que m uit as v ezes t r ocar a Per siv al suas ar m as desde que
ent r ar a na dem anda. Ainda assim er gueu- se cont r a ele, e Per siv al lhe disse:
- Galv ão, não m e r econheceis?
- Não, disse ele; assim Deus m e aj ude; m as não v os pese dist o. E Per siv al desceu logo o elm o e t ir ou- o
da cabeça, e t ir ou o alm ofr e e assim que Galv ão o r econheceu, deit ou nele os br aços est endidos, e disse- lhe:
- Ai, dom Per siv al, sede bem - v indo; se não v os r econhecia, não dev o ser por isso culpado, por que nunca
v os v i t r azer est as ar m as.
236. Gr ande foi a alegria e o pr azer que am bos t iv er am , e depois que se r eceber am com dem on st r ações de
agr ado, sent ar am - se sobr e a f ont e e com eçar am a falar de m uit as coisas, e per gunt ar am das av ent ur as que
lhes acont ecer am desde que ent r ar am na dem anda, e cont ar am , est ando sent ados, m uit as; m as bem sabei que
lhe não disse Galv ão t oda a v er dade do que lhe acont ecer a na dem anda, nem dos com panheir os da m esa
r edonda dos quais j á m at ar a m uit os. Enquant o assim falav am , Per siv al com eçou a pensar m uito que não
ent endia coisa algum a de quant o lhe dizia Galv ão, e ficou t ão sofr ido naquele pensar que as lágr im as lhe
caír am pelas faces, e Galv ão ent endeu logo o que pensav a, e calou- se e com eçou a olhar par a ele; e depois
que Per siv al pensou m uit o t em po, deu um suspir o e er gueu a cabeça. E Galv ão lhe disse:
- Am igo, m uit o ficast es cuidando nest e pensar . Deus m an de que v os v enha bem .
E ele com eçou a enegr ecer e a olhar . Galv ão t ev e gr ande pesar de que o viu pensar assim . E Per siv al
disse:
- Muit o m e pesa que em t al pensar caí, por que a m im não acont ecer á m elhor nem pior do que a out r em .
Ao cabo de um t em po, ele disse a Galv ão:
- Dom Galv ão, assim Deus v os guar de e pela fé que dev eis a t odos os com panheir os da m esa r edonda,
dizei- m e a v er dade do que v os per gunt ar ; e pela fé que dev o a Deus e a t oda a cav alar ia, nunca v os adv ir á m al
por isso.
Galv ão, que er a m uit o ex per ient e e que passar a j á m uit os per igos sem elhant es, logo im aginou que lhe
quer ia per gunt ar pela m or t e de seu pai e de seus ir m ãos, e ficou t ão espant ado, que não soube o qu e fizesse,
por que se lhe a v er dade dissesse, cuidou que far ia seu dano, por que o t inha por m elhor cav aleir o que a si; se
lho encobr isse por pav or , nunca ninguém o ouv iria falar , que o não t iv esse por m al; m as sem pr e ach ou m elhor
encobr ir do que dizer , por que, ainda que Per siv al não lhe fizesse m al agor a nem depois, sem pr e o odiar ia; e
r espondeu ent ão:
- Dom Per siv al, per gunt ai o que quiser des, por que nada que eu saiba v os ocult ar ei, ainda que im aginasse
que algum m al m e adv iesse.
- Cer t am ent e, disse Per siv al, nunca v os sobr ev ir á m al por m im nem por out r em , por que t al coisa é que eu
quer er ia m ais encobr ir do que v ós m esm o.

237. Per siv al disse ent ão:


- Dom Galv ão, ouv i dizer a m uit os que m at ast es m eu pai e m eus ir m ãos; m as por que o não posso cr er ,
quis j á m al a m uit os cav aleir os; se os m at ast es e m e não conhecíeis, v o- lo per dôo, e j am ais deix eis de o falar
que v os não quer o nenhum m al por isso, e nenhum hom em bom , depois que eu souber que os m at ast es, v os
quer er á por isso m al.
Galv ão, que t ev e t odo o pav or de que Per siv al dizia aquilo par a pr ov ar se descobr ir ia sua m aldade e sua
deslealdade, disse logo:
- Ai, dom Per siv al! Com o poder ia m at ar v osso pai e v ossos ir m ãos que am ei com t ão gr ande am or que
nada hav ia por que não m et esse o cor po em av ent ur a de m or t e par a salv ar sua v ida? E j am ais penseis nisso e
par a m e cr er des m uit o m elhor , quer o v o- lo j ur ar sobr e os sant os Ev angelhos, e não há no m undo t ão bom
cav aleir o, que m o acusasse, do qual m e eu m uit o bem não defendesse, por que bem sei que por m im nunca t al
cousa passou.
238. Quando Per siv al ist o ouv iu, disse:
- Cer t am ent e, dom Galv ão, assaz t endes dit o, e de t al m odo o dissest es que sem pr e acr edit ar ei. Por
Deus, per doai- m e, por que at é aqui t iv e por v ós pior ânim o do que dev ia.
E Galv ão lhe per doou. Assim falando, ficar am m uit o t em po sobr e a font e, e depois que v ir am que passav a
de hor a de noa, pegar am suas ar m as e subir am sobr e seus cav alos e ent r ar am em seu cam inho. Disse Galv ão
a Per siv al:
- Am igo, conheceis per t o daqui lugar onde fôssem os alber gar ?
- Não, disse Per siv al, m as não v os apr esseis, que Deus dar á nisso conselho.
E eles indo assim falando, olhar am par a t r ás e vir am vir um cav aleir o ar m ado com t odas as ar m as
br ancas.
- Par ece- m e, disse Galv ão, que aquele é Lancelot e, que t ais ar m as t r az com o quando foi feit o cav aleir o, e
cham av am - no por isso t odos O Cav aleir o Br anco.
E ant es que ele t udo ist o t ivesse dit o, alcançou os cavaleir os, e eles o saudar am e ele a eles.
- Senhor es, disse ele, de onde sois?
E eles disser am que er am cav aleir os da casa do r ei Ar t ur e com panheir os da m esa r edon da. E a Per siv al
disse o cav aleir o:
- Saber íeis dizer - m e nov as de Per siv al?
- O que dele quer íeis? disse Per siv al.
- Eu lho saber ia dizer bem , disse o cav aleir o, se o v isse.
E Per siv al r espondeu ent ão:
- Sou aquele que buscais; o que quer eis de m im ?
- Sois v ós? Assim Deus v os aj ude, disse o cav aleir o.
- Cer t am ent e, disse Per siv al, nunca de out r o Per siv al ouv i falar .
- Em nom e de Deus, disse o cav aleir o, m uit o m e agr ada pois v os achei t ão cedo, que de gr ande t r abalho
est ou quit e, por que j am ais deix ar ia de andar at é que v os achasse. Agor a, guar dai- v os de m im , por que j am ais
est ar ei alegr e at é que vos faça pelej a.
- Com o? disse Per siv al, par a v os com bat er des com igo v ínheis depós m im ?
- Sim , disse o cav aleir o.
- E que cont enda há ent r e m im e v ós, disse Per siv al, por que a bat alha se há de fazer ? Por que eu não
quer er ia com bat er conv osco nem com out r em , sem r azão; e se eu pr ocedesse t ão er r ado conv osco, que m e
quis és seis m al m or t al, eu v o- lo r epar aria ant es com o dom Galv ão m andasse.
E o out r o r espondeu:
- Não v os apr ov eit a; não podeis de m im v os separ ar sem bat alha. Agor a, guar dai- v os de m im , se
quiser des.
- Sim , far ei, disse Per siv al, pois v ej o que fazer m e conv ém .

239. Depois dist o, sem m ais t ar dar , deix ou- se corr er um ao out r o, e ferir am - se t ão v iolent am ent e, que ficar am
am bos m uit o fer idos, m as Per siv al caiu por t er r a e ficou t ão quebr ado daquela queda, por que o cav alo caiu
sobr e ele e o cav aleir o passou por cim a dele, que o não v iu. Quando Galv ão viu est e golpe, pesou- lhe m uit o, e
não soube o que fizesse, por que se o quisesse v ingar , não cuidav a que pudesse, por que bem sabia que Per siv al
er a m elhor cav aleir o do que ele, m as disse que ainda se m et er ia à av ent ur a, por que lho t eriam por gr ande
cov ar dia, se não fizesse o que est iv esse a seu alcance.
Ent ão disse ao cav aleir o:
- Guar dai- v os de m im .
E o cavaleir o volveu a ele e fer iu- o assim que lhe quebr ou o escudo e a lor iga e lhe m et eu o ferr o da lança
pelo cost ado esquer do, m as não foi a chaga m or t al, e deit ou- o em t er r a, e ao cair , quebr ou- lhe a lança. E
depois que fez est e golpe, t or nou- se a Per siv al que j á se er guia com gr ande pesar do que lhe acont ecer a; e
Per siv al foi par a o cav aleir o e m et eu m ão à espada, e disse- lhe:
- Senhor cav aleir o,eu v os cham o à bat alha, por que, post o que m e der r ubast es, não m e v en cest es; por
isso v os conv ém que com bat ais at é que m e v ençais ou eu a v ós.
E ele r espondeu ent ão:
- Não com bat er ei, por que não m e apr az; ent endo que m uit o t enho feit o pois der r ubei- v os e dom Galv ão.
- Com o? disse Per siv al, assim v os cuidais ir e que ganhar eis m ér it o por nada?
- Assim , disse o cav aleir o, se quiser ir , por que nós que som os est r angeir os, e não ganham os ai nda a honr a
da m esa r edonda, t em os um a v ant agem sobr e v ós, que não t endes sobr e nós; por que v os podem os cham ar a
bat alhas e a j ust as a nosso pr azer , e não podeis ist o fazer , que v o- lo não t enham por gr ande m aldade, m as se
nos cham ais, podem os bem sem culpa ex cusar , se não f or m os cham ados por aleiv osia ou por t r aição. Disse-
vos eu ver dade.
- Cer t am ent e, disse Per siv al, m as pois que v os pr ov ei às j ust as, e t iv est es a m elhor v entur a, se v os
depois cham o à bat alha e não a quer eis aceit ar , o fazeis por cov ar dia, dizei o que quiser des.
Disse ele:
- Por m uit o que digais, não com bat er ei conv osco, e v os dou por quit e.
Disse Per siv al:
- Mas bem sabei que a desonr a é m ais v ossa que m inha. - Não v os im por t eis, disse o cav aleir o; a honr a e
a desonr a m inha sej am .

240. Nist o falando, subiu dom Galv ão, fer ido com o est av a, em cim a de seu cav alo, e quando v iu que o
cav aleir o quer ia j á par tir sem m ais fazer , t ev e m uit o gr ande r aiv a e disse:
- Com o? dom m au cav aleir o, assim cuidais ir ? Eu v os cham o à bat alha; se v os quiser des defender ,
defendei- v os, por que far ei t odo o m eu poder e dev er de v os m at ar .
- Dom Galv ão, disse o cav aleir o, não fiqueis t ão r aiv oso; e cer t am ent e se ist o acont ecer , eu m e cuido
bem defender .
- Pois defendei- v os, disse Galv ão, por que m uit o v os faz m ist er . E m et eu m ão à espada.
- Com o, disse o cav aleir o, quer eis que com bat a conv osco? - Vinde, disse dom Galv ão.
Ent ão disse Per siv al:
- Dom Galv ão, não ser á, pois que se o cav aleir o não quer com bat er , deix ai- o ir , que não podeis out r a
coisa fazer , por cost um e da m esa r edonda.
- Maldit o sej a t al cost um e, disse Galv ão, e quem agor a o m ant iv esse, se não fôsseis v ós; an t es v ingar -
m e- ia dest e m au cav aleir o.
E o cav aleir o respondeu ent ão com r aiv a:
- Com o? dom Galv ão, t endes- m e por t ão m au, que t ão depr essa im aginais m e v encer ?
- Sim , disse dom Galv ão, que por m aldade e cov ar dia não ousais com bat er com dom Per siv al nem
com igo.
- Agor a v er eis, disse o cav aleir o, a m inha cov ar dia.
E m et eu logo m ão à espada, e deu- lhe um t ão gr ande golpe por cim a do elm o, que o t or nou pior do que
ant es est av a. E Galv ão o fer iu com t ão gr andes golpes por onde alcançav a, que não hav ia quem o v isse que
não dissesse que sabia bem fer ir com espada, m as confiando m uit o, por que andav a fer ido; no ent ant o quem o
ent ão visse dar golpes e r eceber , não lhe par ecer ia cov ar de nem pr eguiçoso; m as do cav aleir o. v os posso dizer
bem que er a m ais vivo e m ais ligeir o que dom Galv ão; m as Galv ão er a m ais for t e e sabia m elhor se defender .
E j á hav ia t em po que t inham descido dos cav alos par a os não m at ar em , e com bat iam - se a pé. E quando o
pr eit o foi assim que ficar am t ão cansados, que t iv er am que deix ar a bat alha par a descansar em ; e se afast ar am
um do out r o, Per siv al, que t inha m uit o gr ande receio por Galv ão, por que lhe par ecia que se m at ar iam , disse:
- Senhor cav aleir o, não sei quão gr ande sois, m as t ant o v os v ej o bem r esist ir cont r a t ão bom cav aleir o
com o dom Galv ão, que, assim Deus m e aj ude, vos pr ezo m uit o, e pela bondade que vos vej o, par ece- m e que
ser ia gr ande dano ser des pr iv ado do m ov im ent o ou m or t o nest a bat alha; e nist o não podeis falhar , se
longam ent e a m ant iver des, por que se m at ar des dom Galv ão - o que não pode acont ecer t ão r apidam ent e,
por que bem cuido que é m elhor cav aleir o do que v ós - ent ão conv ir ia que com bat êsseis com igo qu e est ou t ão
descansado, que m e não poder íeis r esist ir a nada, que logo v os não m at asse.

241. - Com o? disse o cav aleir o, se eu v encer ou m at ar dom Galv ão, conv osco m e hav er ei de com bat er ?
- Cer t am ent e sim , disse Per siv al. E dir - v os- ei por que r azão. O cost um e da m esa r edonda é t al que, se
v ej o m eu com panheir o v encer ou m at ar , conv ém que o v ingue, ant es que m e par t a, e m at e por m inha m ão a
quem com ele com bat eu, se am bos não for em com panheir os da m esa r edonda.
- Mau cost um e é esse, disse o cav aleir o.
- Pois guar dai- v os, disse Per siv al, por que se v ós est a bat alha m ant iv er des, não poder eis daqui par t ir sem
gr ande dano.
- Não? disse ele, deix o- a, por que v ós sois m elhor cav aleir o de espada do que eu.
Ent ão disse a Galv ão:
- Dom Galv ão, r ogo- v os, par a v osso pr ov eit o e par a o m eu, que m e deis por quit e dest a bat alha.
- Fá- lo- ei, disse Galv ão, se v os out or gar des por v encido por m im .
- Eu out or gar - m e por v encido? disse o cav aleir o, nenhum a honr a tendes nisso, por que bem sabeis que
ainda m e não v encest es, e que não deix o est a bat alha, a não ser por am or de dom Per siv al.
- Pela sant a cr uz, disse Galv ão, out r a coisa v os far ei dizer ant es que nos separ em os; j á assim não m e
escapar eis, por que não sou lá quem v ós cuidais.
Ent ão se chegou Per siv al e disse a dom Galv ão:
- Am igo, deix ai est a bat alha, pois o cav aleir o v os r oga, pela fé que dev eis a v osso t io, o r ei Ar tur .
- Am igo, de t al m odo m e r ogast es que a deix ar ei, m as deix oa a m inha desonr a, m as bem sabei que se
m e culpa puser em , sobr e v ós a deit ar ei.
Ent ão m et eu sua espada na bainha, e subiu em seu cav alo, e o out r o cav aleir o t am bém fez o m esm o. E
Per siv al lhe disse:
- Rogo- v os que m e digais por que com bat est es hoj e com igo; em que v os enganei, por que m e quer eis t ão
gr ande m al?
- Eu v o- lo dir ei, disse o cav aleir o.

242. - Eu sou o m enino de quinze anos, por quem v os r ogou a m ulher que, em galar dão de seu ser v iço, m e
fizésseis cav aleir o, m as não quis est es fazer , por que cuidáv eis que er a da linhagem de v ilão. Assim m e
r et ar dast es de r eceber a or dem de cav alaria, m as não o fez dom Trist ão, o m elhor e m ais cor t ês cav aleir o, que
assim que ist o m inha senhor a pediu, logo m e fez t oda honr a e v ós, desonr a. E por ist o v os desam ei at é aqui e
desam ar ia, se não fosse por que v os acho m elhor cav aleir o do que cuidav a e por isso v os per dôo o quant o
pr ocedest es m al com igo. Não há m ais de doze dias que m e fez dom Tr ist ão cav aleir o, disse ele.
E Per siv al se adm ir ou e depois disse- lhe:
- Tendes bom com eço, e Deus queir a que o fim sej a t ão bom . Sabei que v os deix ei de fazer cav aleir o não
por v osso m al, m as por honr a da cav alar ia. Ainda assim , dizei- m e logo, se v os apr ouv er , com o t endes nom e?
- Eu t enho nom e, disse ele, o Cav aleir o Desconhecido. Assim m e pôs nom e Tr ist ão, quando m e fez
cav aleir o, por que não sabia m eu nom e.
- E o que hav eis de fazer ? disse Per siv al.
- Cer t am ent e, disse o cav aleir o, eu quer o ir à cor t e do r ei Ar t ur , a v er se m e t om ar á, por que um hom em
sisudo m e disse que ali saber ia m eu nom e e m inha linhagem ; m as bem v os digo, que, quando saí de casa de
m inha senhor a, não saí senão par a v os m at ar , por que m e não quisest es fazer cav aleir o. Mas t ant o bem v i
agor a e t ant o v os ouv i louv ar de cav alaria, que v os não quer o m al, ant es v os aj udar ia a t odo m eu poder , onde
v isse que v os fazia m ist er .
E por isso lho agr adeceu m uit o Per siv al.
- Agor a dizei- m e, disse Per siv al, sabeis onde hoj e poder íam os alber gar ?
- Cer t am ent e, disse ele, não.
- Pois que far eis v ós?
Dom Galv ão disse:
- Ainda hoj e ir eis a algum alber gue?
- Cer t am ent e, disse o cav aleir o, não o far ei; j am ais ent r ar ei em v ila, se por v ent ur a não for, ou que o
cav alo m e desfaleça, at é que chegue à casa do r ei Ar t ur , por que ali hei de ficar cer t o da coisa do m undo que
m ais desej o saber , e ist o é de m eu nom e e de m inha linhagem .
- Por Deus! disse Per siv al, m uit o há daqui at é lá, por que bem há uns seis dias; e Deus v os lev e lá a salv o.
- Am ém , disse o cav aleir o.

XXXVI I
Pe r siv a l, Ga lv ã o e Cla u dim

243. Assim se separ ar am , e o cav aleir o foi de um lado, e Galv ão e Per siv al por out r o. Aquela noit e ficar am
num a florest a m al alber gados, que não t iver am o que com er nem beber , e chov eu t oda a noit e e fez m au
t em po de t odo m odo, por que a est ação do inv erno chegav a. Outr o dia, quando vir am a luz, ficar am m uit o
alegr es, por que bem cuidav am que sem pr e m ais achar iam boas av ent ur as de dia do que de noit e. Ent ão
ent r ar am em seu cam inho com o ant es. À hor a de m eio- dia, chegar am a um a t orr e m uit o for m osa, que ficav a
ent r e um as r ibeir as; e ent r ar am par a descansar em um pouco, e for am r ecebidos m uit o bem e m uit o
honr adam ent e, logo que sou ber am quem er am . E quando par t ir am , ent r ar am no cam inho lar go par a m ais
depr essa encont r ar em av ent ur as; e não andar am m uit o que encont r ar am Claudim , filho do r ei Claudas, o r ei da
Deser t a. Aquele Claudim er a bom cav aleir o à m ar av ilha e m uit o v alente, e de m uit o bom donair e, e par t ir a
ent ão r ecent em ent e do r eino de Gaunes e for a par a a Gr ã- Br et anha, por que ouvir a dizer que a gr ande
dem anda do sant o Gr aal est av a com eçada e quer ia nela entr ar com o os out r os cav aleir os da m esa r edonda. E
sabei que havia j á feit o m uit o de ar m as desde que ent r ar a na Gr ã- Br et anha, e der a cabo de m uit as e for m osas
av ent ur as de que o cont o não fala, por que não er a da m esa r edon da. Quando Galv ão o v iu vir , disse a Per siv al:
- Ai, dom Per siv al, v edes aqui as ar m as de um dos bons cav aleir os que algum a v ez v i; e est e é aquele
cav aleir o a quem eu vi prim eir am ent e, bem v os digo que est e é um dos cav aleir os do m undo a quem eu v i
m ais esfor ço fazer em ar m as, e m ais sofr im ent o e m ar t ír io em bat alhas m or t ais.
- E com o t em nom e? disse Per siv al.
- Nós o cham am os, disse Galv ão, Claudim , e é filho do r ei Claudas da Deser t a.
Enquant o iam falando de Claudim , Claudim par ou no m eio do cam inho e com eçou a cham á- los, se
quer iam j ust ar . E Per siv al, que nunca falhar a nem r eceav a av ent ur a algum a, pôs o escudo sobr e a cabeça e o
peit o, e baix ou a lança. E Galv ão lhe disse:
- Ai, senhor ! Por fav or , deix ai a just a, por que v os não conhece o cav aleir o.
E Per siv al não r espondeu coisa algum a, ant es se deix ou ir a Claudim e deu- lhe t al golpe, que o m et eu por
t er r a do cav alo, m as out r o m al lhe não fez, que er a boa a loriga. Quando Claudim se v iu em t er r a, er gueu- se
depr essa e com m uit o gr ande r aiv a, e m et eu m ão à espada e disse a Per siv al, que j á passar a por ele:
- Cav aleir o, de hoj e em diant e, guar dai- v os de m im , por que, v ist o que m e der r ubast es com a lança, se
v os eu o galar dão não der , com a espada, j am ais quer o que m e t enham por cav aleir o.
Quando Galv ão ist o ouv iu, pensou logo que aquele er a Claudim , e chegou- se a ele um pouco e disse- lhe:
- Am igo, assim Deus v os salv e, dizei- m e quem sois.
- E por que v o- lo dir ei? disse ele. Eu sou de t er r a t ão afast ada e t ão pouco faz que aqui v im , e sou de t ão
pequena fam a, que bem sei que nunca de m im ouv ist es falar e m e não r econhecer íeis, ainda que v os m eu
nom e dissesse.
- Ainda assim , disse Galv ão, r ogo que m e digais v osso nom e, e bem sabei que nenhum m al v os adv ir á.
Ent ão disse ele:
- Eu v o-lo direi. Sabei que t enho nom e Claudim e sou nat ur al do r eino de Gaunes, e j á out r or a fui m ais
r ico e m ais poder oso do que agor a sou.
Quando Galv ão ist o ouv iu, desceu cor r endo do cav alo e pôs o escu do e a lança na t er r a e foi cor r endo
abr açá- lo, e disse:
- Dom Claudim , sede bem - v indo. Assim Deus m e aj ude, v ós sois um dos cav aleir os est r anhos do m undo
que m ais pr ezo de cav alar ia. E ist o v inha eu agor a ant es falando a dom Per siv al, assim que v i v ossas ar m as.
- Senhor , disse Claudim , quem sois v ós que t ant a honr a m e fazeis?
- Eu sou, disse ele, Galv ão, o sobr inho do r ei Ar t ur . Algum a v ez m e v ist es em Gaunes, onde v os eu v i t ão
bem fazer em ar m as em m uit os lugar es, que m e lem br ei de v ós, assim que v i v ossas ar m as.
Quando Claudim v iu que aquele er a Galv ão, ficou de j oelhos na t err a e disse- lhe:
- Por Deus, senhor , per doai- m e, por que cham ei v osso com panheir o à bat alha, por que sabei. que não o
olharia a não ser por bem , assim que soubesse que er a da casa do r ei Ar t ur .
Ent ão se foi a dom Per siv al e ficou de j oelhos diant e dele e deit ou- lhe sua espada, e disse- lhe:
- Senhor , eu m e t enho por vencido e m et o- m e em vossa pr isão par a em enda da loucur a que com et i
cont r a v ós.
E Per siv al o er gueu e per doou- lhe t udo; depois, for am a seus cav alos e subir am .

244. - Dom Claudim , disse Galv ão, agor a m e dizei que av ent ur a v os t r oux e a est a t err a.
- Senhor , disse ele, eu er a um cav aleir o pobr e com o qualquer out r o, m as t inha sido r ico e abast ado, ant es
que m eu pai fosse deser dado. E depois dest e Pent ecost es, quando ouv i dizer que est av a a dem anda do sant o
Gr aal com eçada, t iv e gost o em v ir aqui e ent r ar em com panhia dos cav aleir os da m esa r edonda, e assim o fiz,
por que vim aqui o m ais depr essa que pude, e esf or cei- m e em buscar as avent ur as e saí- m e bem em m uit os
lugar es. E v os dir ei com o. Est a sem ana acont eceu que andav a por um a flor est a buscando av en t ur as com o
cav aleir o andant e dev e fazer . Ent ão m e alcançou, à hor a de t er ça, um cav aleir o que andav a só com o eu. E
depois cav algam os um pouco; depois disso, per gunt ou- m e o que andav a buscando. E disse- lhe que buscav a
aquilo que os da m esa r edonda buscav am .
- Com o? disse ele, sois com panheir o da m esa r edonda?
- Não, disse eu, que nunca for a em casa do r ei Ar tur .
- Com o? disse ele, não fost es à casa de r ei Ar tur nem sois da m esa r edonda, e dizeis que sois
com panheir o da dem anda do sant o Gr aal? Sois o m ais afoit o cav aleir o que algum a v ez achei, por que v os
int r om et eis em t ão alt a dem anda; or a guar dai- v os, que j am ais, diant e de cav aleir o, nada faleis, at é que sej ais
com panheir o da m esa r edonda, por que v os t er iam por louco.
Eu r espondi- lhe ent ão:
- Bem sou par a t ão alt a dem anda, por que sou m elhor cav aleir o que alguns da m esa r edonda que nela se
m et er am .
E ele m e disse ent ão:
- Agor a, por v ent ur a, se sois m elhor cav aleir o que alguns da m esa r edonda, assim Deus m e aj ude, eu
ver ei que cavaleir o sois.
Assim com eçou a pelej a, m as depr essa foi acabada, por que ele er a, sem dúv ida, o m elhor cav aleir o e o
m elhor feridor de espada que algum a v ez achei, for a Lancelot e do Lago. E depois que m e v enceu, fez- m e
pr om et er que j am ais est a dem an da m ant iv esse at é que Deus e a v ent ur a m e dessem a honr a de algum dos
assent os da m esa r edonda. E depois que ist o pr om et i, ele m andou que fosse à cor t e e dem or asse lá o t ant o
que apr ouv esse ao r ei Ar tur de m e r eceber por seu cav aleir o; e per gunt ei- lhe:
- Senhor , depois que eu for lá, quem dir ei que sou e quem lá m e enviou?
- Dizei ao r ei Art ur , que Trist ão, o sobr inho do r ei Mar s, v o- lo envia.
Assim m e separ ei de dom Tr ist ão com gr ande pesar , por que o achei, por que nunca achei cavaleir o, for a
ele, que m e v encesse e por ist o t enho gr ande pesar de que nest a ocasião t ant o m al m e acont eceu.
- Pois, disse Galv ão, por ist o que m e dizeis, ides à cor t e do r ei Ar t ur ?
- Senhor , disse ele, sim , j am ais est ar ei alegr e at é que chegue.
- Agor a, v os r ogo, disse Galv ão, que m e sau deis r ei Art ur e a r ainha Genevr a, e dizei-lhe que m e achast es
com dom Per siv al e est am os sãos e alegr es, m as não acham os ainda nada do que buscam os.
E ele disse que aquela m ensagem far ia ele bem .
Ent ão se separ ar am e Claudim foi por um lado e Per siv al e Galv ão por outr o.

245. Aquele dia, cav algar am e, à noit e, chegar am a um cast elo que er a de um a m uit o for m osa m ulher , par ent a
de Per siv al. E assim que os do cast elo os v ir am ar m ados, logo r econhecer am que er am cav aleir os andant es que
andav am buscando av ent ur as, e r eceber amnos m uit o bem ; m as quando a donzela v iu Per siv al e o reconheceu,
ficou t ão alegr e, que não sei o que v os dir ei. Assim ficar am alber gados e cont ent es com o se fosse em casa do
r ei Ar t ur . E out r o dia, despedir am - se da donzela e cav algar am e andar am t ant o, que chegar am à hor a de m eio-
dia, a um a encr uzilhada, onde se separ av am dois cam inhos. E Per siv al par ou, e disse a Galv ão:
- Am igo, aqui nos dev em os separ ar , por que est a encr uzilhada no- lo m ost r a.
- Por Deus, disse Galv ão, pesa- m e; m ais quiser a v ossa com panhia do que m e separ ar de v ós.
Ent ão se abr açar am e se despedir am . Tom ou cada um seu cam inho, Galv ão foi de um lado m uit o alegr e
por se separ ar de Per siv al, por que t inha m uit o gr ande pav or de o m at ar pela m or t e de seu pai e de seus
ir m ãos; e Per siv al foi por out r o e andou t ant o por seus cam inhos sem av ent ur a achar , que chegou ao m ar .

XXXVI I I
Te n t a çã o de Pe r siv a l

246. Quando Per siv al chegou ao m ar , olhou a seu r edor e v iu um a t enda ar m ada m ui for m osa e m ui r ica; e
dir igiu- se par a lá por que bem cuidou achar alguém , e desceu à ent r ada, por que se não v isse o que dent r o
hav ia, não se pr ezav a nada. E depois at ou seu cav alo a u m a ár v or e e encost ou nela seu escudo e sua lança e
ent r ou, e viu est ar num leit o, o m ais for m oso e m ais r ico que algum a vez viu, um a donzela que dor m ia; e er a
t ão for m osa, que lhe par eceu m ais for m osa que a r ainha Genevr a e que a r ainha I solda, e que a for m osa filha
do r ei Peles; por que lhe pareceu que desde que o m undo foi feit o, não houv e m ulher t ão for m osa, nem a v ir a,
em bor a nada fosse com par ada com aquela Vir gem que foi vir gem e m ãe e Rainha das r ainhas. E depois que
obser v ou m uit o t em po pela adm ir ação que t ev e de sua beleza, afast ou- se um pouco, t odo espant ado, por que
bem par eceu a ele que se t odas as belezas que houv e em m ulher es pecador as fossem r eunidas num a só, não
ser ia t ão for m osa com o est a. E a donzela abriu os olhos, e quando o viu diant e de si, er gueu- se com o
espant ada e disse:
- Ai, senhor ! E quem sois que aqui entr ast es ar m ado?
- Donzela, disse ele, sou um cav aleir o andant e, e a v ent ur a m e t r oux e aqui. Não t enhais pav or de m im ,
por ém t enho gost o em v os olhar , por que se v os olho, não é de adm ir ar , por que Deus m e aj ude, sois a m ais
for m osa pessoa que algum a v ez v i.
E a donzela lhe disse:
- Nunca v i cav aleir o andant e.
- Não? disse ele, pois de onde sois?
- Sou, disse ela, de um a t err a m uit o dist ant e daqui e m uit o est r anha, m as a v ent ur a e m á andança m e
t r oux e aqui agor a, que dificilm ent e o poder íeis cuidar . E ainda pior m e acont eceu depois que aqui cheguei do
que ant es.
- Assim Deus m e aj ude, disse ele, pesa- m e m uit o; e se v os apr ouv er m e dizer v ossos feit os, por ei t odo
conselho que puder .
- Assim ? disse ela; eu v o- lo dir ei par a pr ov ar se sois t ão cor t ês com o v os m ost r ast es par a m im . Agor a
sent ai per t o de m im e v os cont ar ei m inha m á andança e m eu pesar .
E ele fez com o m andou ela.

247. - Senhor cav aleir o, sou nat ur al de At enas, um a cidade da Gr écia, e sou filha de r ei e de r ainha, e pela
beleza que o im per ador de Rom a ouv iu dizer que havia em m im , m andou dizer a m eu pai que m e lhe enviasse
e m e t om ar ia por m ulher ; e m eu pai que se t er ia por bem sat isfeit o, fez pr epar ar um a nav e, e m et eu- m e
dent r o com gr ande com panhia de cav aleir os e de donas e de donzelas; e depois que est áv am os no m ar , foi
aum ent ando t ant o o m au t em po e t ão gr ande t or m ent a, que nos dur ou quinze dias, assim que não houve
alguém t ão esfor çado que não t iv esse m aior esper ança de m or t e que de v ida. E depois passou o m au t em po e
apor t am os e acham onos na Gr ã- Br et anha. Pesou- nos ent ão m uit o, e ficam os m uit o t r ist es, e fizem os ar m ar
est a t enda, com o v edes par a descansar m os da t or m ent a que t iv em os no m ar . Out r o dia, pela m anhã,
acont eceu que a nossa com panhia ent r ou num bot e da nav e, par a andar folgan do e nav egando por esse m ar . E
assim que nele ent r ar am , sobr eveio um vent o t ão for t e que os afogou assim , que os vi t odos m or r er diant e de
m im . E dest e m odo, senhor , v eio m inha desv ent ur a, que per di quant o m eu pai m e der a e t oda m inha
com panhia e fiquei pobr e e só e desaconselhada, que não t enho nada a não ser ist o que v edes. E por isso v os
r ogo que m e aconselheis, assim com o m e pr om et est es, que nunca v ist es donzela de t ão alt a posição t ão
desam par ada.

248. Per siv al olhou a donzela, que lhe par eceu t ão for m osa, que nunca v ir a donzela, cuj a beleza chegasse à
beleza que nela viu. Ent ão com eçou- lhe a m udar o cor ação m uit íssim o, que t odo seu cost um e passou, por que o
seu cost um e er a t al que nunca olhav a donzela por causa de am or , m as agor a est av a assim t ocado de am or ,
que não desej av a nada do m undo; assim que v iu est a donzela, par ecia- lhe que for a em bom dia nascido, se
pudesse t er seu am or . E ela lhe disse:
- Senhor , que conselho m e dais sobr e aquilo que v os disse?
E ele r espondeu assim com o lhe o dem o ensinav a a cum pr ir seu desej o e pr azer :
- Donzela, não sei o que v os diga, m as se quiser des fazer o que v os dir ei, aconselhar ei de m odo que v os
t enhais por m uit o bem paga.
- Senhor , disse ela, não há nada no m undo que por v ós não faça, salv ant e m inha honr a.
E ele não r espondeu àquilo, m as dem andav a- a de am or es, e disse que, se quisesse ser sua am iga, a
t om ar ia por m ulher e a far ia ser r ainha de t err a m uit o r ica e boa.
E ela disse que o não faria; ainda assim t ant o insist iu com ela, que lhe v eio a out or gar tudo que pedisse,
cont ant o que fizesse o que lhe pr om et er a. E ele est ando nist o falando, eis que vem do céu um t ão gr ande r uído
com o se fosse t r ov ão, e fez t ão gr ande r ebuliço, com o se m ov esse a t er r a, assim que Per siv al t r emeu t odo de
pav or , e er gueu- se espant ado, e ouv iu um a v oz que dizia: "Ai, Per siv al, com o há aqui t ão m au conselho!
Deix as t oda alegr ia por t oda t r ist eza, donde t e vir á t odo pesar e t oda m á vent ur a."
E par eceu-lhe que aquela v oz for a t ão for t e, que dev eria ser ouvida por t odo o m undo; e caiu esm or ecido
por t er r a, e ficou assim m uit o t em po. E depois acor dou e olhou ao r edor de si e v iu a donzela r ir , por que v ir a
que t iver a m edo. E quando a viu r ir , espant ou- se e logo ent endeu que er a o dem o que lhe apar ecer a em
sem elhança de donzela par a o. enganar e o m et er em pecado m or t al. Ent ão er gueu a m ão e per signou- se e
disse:
- Ai, Pai Jesus Cr ist o, Pai ver dadeir o! não m e deix es enganar nem ent r ar na et er na m or t e; e se est e é o
dem o que m e quer t ir ar de t eu ser v iço e separ ar de t ua com panhia, m ost r a- m o.

249. Assim que ele ist o disse, v iu que a donzela se t or nou em for m a de dem o t ão feio e t ão espant oso, que não
há no m undo ninguém t ão v alent e que o v isse, que não houv esse de t er gr ande m edo. Daí acont eceu a Per siv al
que t ev e t ão gr ande m edo, que não soube o que fizesse, senão que dissesse:
- Ai, Jesus Cr ist o, Pai v er dadeir o, Senhor , fica com igo.
Ent ão v iu a t enda e quant o nela hav ia v oar pelo ar , e, at r ás dela um a escur idão, com o se nela t odos os do
inferno est iv essem ; e ficou t ão espant ado dist o que v iu, que não soube que decisão t om ar . E olhou ao r edor de
si e não v iu out r a coisa senão suas ar m as e seu cav alo, com o se t udo de ant es fosse um sonho. Ele est ando
m ar av ilhando- se, v iu v ir pelo m ar em sua dir eção um a nav e t ão r ápida com o m ais podia v ir nav e, quando bom
t em po t iv esse fav or ecido, e t ão depr essa com o se cem galés cor r essem at r ás dela. Quando chegou per t o, v iu
que er a m uit o for m osa e que andav a cober t a com um v eludo br anco e não dem or ou m uit o a olhar , que apor t ou
diant e dele, e m ar avilhou- se com o podia v ir , por que não vinha dent r o m arinheir o nem outr a pessoa que a
pudesse guiar , m as de t odo o r est o, est av a t ão bem pr epar ada, que m ar av ilha er a. E ele nist o pensando, ouv iu
um a v oz que .lhe disse: "Per siv al, v encest e; ent r a nest a nav e e v ai- t e onde t e ela lev ar e não t e espant es de
nada que v ej as, e Deus t e guiar á onde quer que v ás e t ant o t e acont ecer á bem , que achar ás t odos os
com panheir os do m undo que m ais am as, Boor z e Galaaz."
Quando ist o ouv iu, t eve t ão gr ande alegria que m aior não poder ia, e agr adeceu m uit o a Nosso Senhor , e
t om ou suas ar m as e entr ou na nave e deix ou o cav alo na m ar gem , e o v ent o deu na v ela de m odo que o fez
t ão depr essa par t ir da pr aia, que, em pouco t em po, per deu a v ist a da t er r a.
Mas or a deix a o cont o a falar dele, e t or na a Boor z de Gaunes.

XXXI X
A ba r ca m ist e r iosa
O t or ne io for t e e m a r a v ilhoso

250. Quando Boor z par tiu da abadia, um a v oz lhe disse que fosse ao m ar , por que Per siv al o esper av a lá. Ele
par t iu com o o cont o o t em j á r elat ado. E quando chegou à beir am ar , a for m osa nav e cober t a de um v eludo
br anco apor t ou e Boor z desceu e encom endouse a Nosso Senhor , e ent r ou e deix ou seu cav alo for a. E assim
que ent r ou, viu que a nav e par tiu t ão depr essa da pr aia, com o se v oasse. E olhou pela nav e e nada v iu, que a
noit e est av a m uit o escur a; e encost ou- se a bor do e r ogou a Nosso Senhor que o guiasse a t al lugar onde sua
alm a pudesse salv ar . E depois que fez sua, or ação, deit ou- se a dor m ir . E de m anhã, quando se desper t ou, v iu
na nav e um cav aleir o ar m ado de lor iga e de br afoneir as. E, depois que o olhou, r econheceu- o e t irou logo seu
elm o e foi logo abr açá- lo e fazer com ele m ar av ilhosa alegr ia. E Per siv al ficou m ar av ilhado, quando o v iu v ir em
sua dir eção, por que não podia ent ender quando entr ar a na nav e. E, por isso, quando o r econheceu, ficou t ão
alegr e que não poder ia m ais. E er gueu- se e abr açou- o e r ecebeu- o com o devia. E com eçou um ao out r o a
cont ar suas av entur as, que lhes acont ecer am desde que ent r ar am na dem anda. Assim se encont r ar am os
am igos na bar ca que Deus lhes pr epar ar a e esper avam as avent ur as que lhes quisesse enviar . E Per siv al disse
que lhe não falt av a sua pr om essa, ex cet o Galaaz.
Mas or a deix a o cont o a falar deles e t or na a Galaaz, por que há m uit o t em po que se calou dele.

251. Cont a a est ór ia que o bom cav aleir o, depois que se separ ou de Per siv al e o liv r ou dos v int e cav aleir os que
o per seguir am por causa da donzela, ent r ou no gr ande cam inho da flor est a e andou m uit as j or nadas, às v ezes
par a cá, às v ezes par a lá, com o a v ent ur a o lev av a. E depois que andou m uit o t em po pelo r eino de Logr es em
m uit os lugar es onde lhe diziam que havia de acabar av ent ur as, v olt ou- se par a o m ar , com o lhe deu v ont ade.

252. Um dia lhe acont eceu que a v ent ur a o lev ou diant e de um cast elo, onde hav ia um t or neio for t e e
m ar av ilhoso e hav ia lá m uit a gent e de um lado e de outr o; e da m esa r edonda, hav ia lá m uit os, uns que
aj udav am os de dent r o e out r os os de for a, e não se r econheciam pelas ar m as que tinham t rocado. Mas
naquela hor a que chegou Galaaz, est av am os de dent r o t ão desbar at ados, que não esper av am sen ão a m or t e.
E Tr ist ão, que a v ent ur a t r oux er a àquele t orneio e que aj udav a os de dent r o, sofr er a j á t ant o que t inha j á
m uit o gr andes quat r o feridas, por que t odos os de for a est av am sobr e ele par a o pr enderem , por que v ir am que
er a m elhor cav aleir o que nenhum dos out r os; e não hav ia quem dos out r os lhe t ant o m al fizesse com o Galv ão
e Heit or , que er am do out r o lado e não o r econheciam e por isso ele se defendia t ão vivam ent e, que t odos os
que v iam ficar am m ar av ilhados. Galaaz est av a j á m uit o per t o da por t a e v iu diant e de si um cav aleir o m uit o
fer ido, que saír a do t orneio e ia fazendo t ão gr ande lam ent o, 'que m aior não vist es. E Galaaz se chegou a ele e
per gunt ou- lhe por que fazia t ão gr ande lam ent o.
- Por quê? disse ele, pelo m elhor cav aleir o do m undo que v ej o m or r er por gr ande desgr aça, por que t odo o
m undo est á cont r a ele, com o vedes, e ainda não quer deix ar o t or neio.
- E qual é? disse Galaaz.
E lho m ost r ou.
- Por Deus, disse Galaaz, ver dadeir am ent e ele é m uit o bom cavaleir o. Assim Deus vos salv e, di zei- m e
com o t em nom e.
- Senhor , disse ele, t em nom e dom Tr ist ão.
- Em nom e de Deus, disse Galaaz, eu o conheço m uit o bem . Agor a m e t er iam por m au, se o não fosse
aj udar .
Ent ão deix ou- se cor r er a eles e m et eu Gilfr et e por t err a; depois, Heit or ; depois, Sagr am or ; depois, Lucão.
E depois que lhe quebr ou a lança, m et eu m ão à espada com o quem sabia bem dela aj udar - se, e m et eu- se onde
est av a a m aior lut a, e com eçou a der r ibar cav aleir os e cav alos, e fazer t ão gr ande m ar av ilha de ar m as, que
quant os o v iam se m ar av ilhav am . E Galv ão disse a Heit or e aos out r os seus com panheir os, que j á cav algar am :
- Por est a cabeça, est e é Galaaz, o bom cavaleir o. Or a ser á louco quem m ais o esper ar , por que a seu
golpe não pode r esist ir ar m a.
E ele ist o dizendo, acont eceu que chegou Galaaz a ele, com o a v ent ur a o t r azia, e deu- lhe um a cut ilada
que lhe cort ou o elm o e o alm ofr e e o cour o e a carne at é a t est a, m as acont eceu- lhe bem que não foi a fer ida
m or t al. E Galv ão, que bem cuidou ser m or t o, deix ou- se cair em t err a. E Galaaz que não pôde segur ar seu
golpe, alcançou o cav alo pelo ar ção diant eir o, de m odo que o cor t ou por m eio das espáduas, e o cav alo caiu
m or t o per t o de seu senhor .

253. Quando Heit or v iu est e golpe, m ar av ilhou- se e afast ou- se, por que bem ent endeu que ser ia loucur a
esper ar m ais. E Sagr am or disse ent ão:
- Por boa fé, agor a bem posso dizer que est e é o m elhor cav aleir o que algum a v ez vi. Nunca acr edit eis em
m im , se est e não é Galaaz, aquele que há de dar cabo às av ent ur as do r eino de Logr es.
- Sem falha, é, disse Heit or .
E nist o falando, Galaaz viu que os de for a com eçar am a fugir , e os do cast elo iam atr ás deles, lançando
m ão deles a seu pr azer .
E quando Galaaz v iu que os de for a est av am j á de t al m odo desbar at ados, que não podiam m ais
r ecuper ar , par t iu dali t ão ocult am ent e, que ninguém o per cebeu, ex cet o Tr ist ão. Aquele v er dadeir am ent e o
seguiu de longe, por que naquele dia v iu nele t ão gr ande bondade de cav alar ia, que disse que j am ais est ar ia
alegr e at é que soubesse quem er a. Assim for am am bos t ão escondidam ent e, que os do aj unt am ent o não
puder am saber o que for a feit o deles. E Galv ão, que ficou t ão fer ido do golpe, que não cuidou escapar v iv o,
disse a Heit or :
- Por Deus, dom Heit or , or a v ej o que é v er dade o que m e disse Lancelot e diant e de v ós t odos; no dia de
Pent ecost es, que, se ex per im ent asse t ir ar a espada da pedr a, m e achar ia m al, ant es que o ano passasse, e
ser ia por aquela espada m esm a. E, sem falha, est a é aquela espada com que m e ele fer iu. E v ej o que m e
acont eceu com o foi pr edit o.
- E est ais m uit o fer ido? disse Heit or .
- Não est ou t ão fer ido, disse ele, que não possa cur ar . Mas o pav or m e fez pior que out r a coisa.
- Mas o que podem os fazer ? disse ele. Par ece- m e que j á ficar em os, disse Heit or .
- Não ficar eis, disse ele, m as ficar ei eu at é que est ej a cur ado.
E nist o falando, chegar am - se os do cast elo a eles. E quando souber am que er a Galv ão, m uitos houv e a
quem pesou. E pegar am no e levar am - no ao cast elo e desar m ar am - no, e o m et er am em um a câm ar a escur a e
longe de gent e e fizer am cuidar de sua fer ida um m uit o bom m est r e, que m uit o bem sabia t al m edicina que
lhes deu cer t eza de que est ar ia são em pouco t em po. Assim ficou Galv ão no cast elo, e Heit or que o não quis
deix ar at é que sar asse. Os out r os se for am , e quando par t ir am do cast elo, com eçar am a falar de Galaaz e
disser am :
- Que far em os? Aquele bom cavaleir o não est á longe; vam os at r ás dele, at é que o achem os; e se Deus
quer que o achem os, façam os com panhia a ele e enquant o puder m os, por que, sem falha, m ar av ilhas t er em os
dele.
Nist o concor dar am , e por onde iam , iam per gunt ando por Galaaz. Mas por que o não achar am est a v ez, se
cala dele or a o cont o e t or na a Galv ão.
254. Nest a par t e diz o cont o que Galv ão, depois que par t iu do cast elo onde ficou doent e da chaga que lhe fez
Galaaz, andou m uit o t em po sem av ent ur a achar que de cont ar sej a. A cada lugar que ia, per gunt av a por nov as
de Galaaz e de Per siv al e de Boorz e ouv iaas am iúde, m as não os podia achar .

XL
Ga lv ã o e se u s ir m ã os e m ca sa de sua t ia M or ga na

255. Um a t ar de lhe acont eceu que chegou a ele um cav aleir o ar m ado. Vinha em seu cav alo o m ais depr essa
que podia. E quando chegou a Galv ão, disse- lhe:
- Ai, senhor cav aleir o! Se algum a v ez em v ós houv e algum a cor t esia ou bondade, socor r ei- m e e defendei-
m e de um cav aleir o que v em at r ás de m im , e quer m at ar - m e por engano.
O luar est av a m uit o bom , de m odo que bem poder ia v er longe, por que est av a num cam po m u it o gr ande.
Galv ão olhou o cav aleir o e o viu t ão sangr ent o e t ão ferido, que se t om ou de piedade. Por isso lhe pr om et eu
sua aj uda e que o defender ia a seu poder . E nist o falando, olhar am diant e de si e v ir am v ir , a um lance de
best a, um cav aleir o sobr e um cav alo br anco, e t r azia sua espada na m ão.
- Senhor , disse o cav aleir o, v edes o cav aleir o de quem v os digo. Se m e não aj udar des, est ou m or t o.
- Não t enhais pav or , disse Galv ão.
E deix ou- se logo cor r er ao cav aleir o que v inha com a espada, e quebr ou- lhe a lança no peit o, m as da sela
não o der r ibou. E o cav aleir o, que er a de m uit a for ça, fer iu- lhe o cav alo pela fr ent e per t o do ar ção, de m odo
que o cor t ou pelo m eio das espáduas. E caír am am bos, o cav alo de um lado e Galv ão do outr o. Mas ele se
er gueu m uit o depr essa, com o quem er a m uit o vivo e m uit o ligeir o, e tir ou a espada. O cavaleir o t ornou a ele e
per gunt ou- lhe:
- Dom cav aleir o, quer eis defender est e cav aleir o desleal contr a m im ?
- Não sei, disse Galv ão, se ele é leal ou desleal, m as eu o defender ei a t odo m eu poder , pois com igo ficou
na esper ança de m inha aj uda.
- Pois agor a est am os na bat alha, disse ele. Mas por m e não t er em por m al de m e com bat er conv osco, v ós
a pé e eu a cav alo, descer ei.
Ent ão desceu e am ar r ou seu cav alo a um a ár v or e, e quando o cav aleir o que ant es fugia, v iu o out r o a pé,
par eceu- lhe que facilm ent e lhe poder ia fazer m al, e o feriu dos peit os do cav alo t ão r ij am ent e que o deit ou
at r av essado no chão.
- Ai, cav aleir o! disse Galv ão, escar necido m e t endes. Est e cav aleir o est av a segur o de t odos, m enos de
m im , pois com bat ia com igo; e, além dist o, o at acast es a cav alo. Cer t am ent e, fizest es a m aior m aldade do
m undo, e sabei que, se m ais fizer des, eu o deix ar ei e m e pegar ei conv osco.
- Calai, disse o cav aleir o, o que dizeis? Não há nada por que o deix e de m at ar , pois t enho o m elhor ,
por que m e enganou m ais do que poder íeis im aginar .
- Eu v os pr oíbo, disse Galv ão, não o t oqueis m ais; e se o não quiser des fazer , guar dai- v os de m im , que
v os desafio.
- Por boa fé, disse ele, se v os não calar des, m at ar - v os- ei.
E ele ent ão, espor eou o cav alo e o foi ferir e o lançou por t er r a outr a v ez, e passou- lhe o cav alo por cim a
do cor po, que o quebr ou t odo e ficou esm or ecido, e cuidou m or r er , t ant o t ev e gr ande sofr im ent o.
256. Quando Galv ão ist o viu, disse:
- Ai, Deus! Com o m e t em m or t o est e cav aleir o, que eu hav ia de defender , pois m at ou est e cav aleir o, com
quem eu com bat ia!
Ent ão foi a seu cav alo par a m ont ar , par a est ar m ais segur o. E quando o cav aleir o ist o viu, t ev e pav or de
que, depois que est iv esse em seu cav alo, o m at asse. E quando Galv ão quer ia pôr o pé no est r ibo, deix ou- se
cor r er a ele e fer iu- o t ão de r ij o dos peit os do cav alo, que o deit ou at r av essado no m eio do cam po. E depois foi
o cav alo t ant as v ezes em cim a dele, que ficou m uit o fer ido. E depois que ist o fez, t or nou ao cav aleiro que ant es
fugir a, e desceu e t ir ou- lhe o elm o, e depois t ir ou a espada com o aquele que t inha m uit o gost o de lhe cor t ar a
cabeça. E cor t ar a- a, se não fosse Galv ão, que se er guer a m al com o puder a. E foi lá com gr ande pesar do
cav aleir o que lhe m at ar a o cav alo, que est av a em per igo de m or r er . Galv ão não t r azia a espada, por que caír a,
m as não deix ou por isso de ir a ele e o segur ou com am bos os br aços e esfor çou- se t ant o e o pux ou t ão de r ij o
que o pôs por baix o de si. E segur ou- o no punho em que t inha a espada e t ir ou- lha por for ça. E depois, cor t ou-
lhe com ela as cor r eias do elm o e j ogou- o longe, e deu- lhe gr andes golpes com o punho da espada de m odo
que lhe fazia as m alhas do alm ofr e ent r ar pela cabeça. E quando o cav aleir o se v iu t ão fer ido, pediu per dão e
disse:
- Ai, bom cav aleir o, que m e t om ast e em guar da, se m e m at as, ser á gr ande deslealdade. Por Deus, t em
piedade de m im . E t e pr om et o que far ei em t udo t ua vont ade.
- Cer t am ent e, disse Galv ão, m er ecias bem m or r er m or t e desonr ada, por que, assim Deus m e aconselhe,
és o m ais desleal cav aleir o que algum a v ez vi; e t ant a t r aição vej o em t i, que por pouco t e não m at o. Mas
por que t e segur ei e t e r ecebi em guar da, deix o- t e por isso v iv er . E t om a t ua espada, por que t a dou; com o ao
pior cav aleir o que no m undo conheço.
Ent ão se er gueu e foi ao out r o cavaleir o e achou- o t ão fer ido que, em bor a ele o cham asse, n ão lhe pôde
falar , com o quem est ava t odo quebr ado. E Galv ão fez sobr e ele seu lam ent o e disse que ist o er a gr ande dano
sobej o.

257. Muit o t em po ficou o cav aleir o esm or ecido, de m odo que não sabia Galv ão se m or r er ia; e cor t ou- lhe o
alm ofr e, par a que r ecebesse ar , e depois sent ou- se per t o dele, por que, se pudesse, de boa v ont ade quer ia
saber quem er a. Ao cabo de m uit o t em po, deu um a v oz dor ida, e abr iu os olhos, e viu diant e de si Galv ão que
est av a m uit o t r ist e e disse, assim com o pôde:
- Ai, bom cav aleir o, por Deus, se conheceis aqui algum er m it ão ou clérigo de m issa, ide buscar por ele,
que m uit o t enho gr ande pav or de m or r er logo.
- Cer t am ent e, disse Galv ão, não conheço per t o daqui er m ida nem m ost eir o.
- Ai, Deus! disse ele, pode ser que não t enha m eu fim com o é dir eit o da sant a I gr ej a. Ai, r ei Art ur ! com o
t er ás gr ande pesar dest a m or t e, quando dela souber es!
Quando Galv ão ist o ouv iu, t ev e m aior pesar do que ant es, por que logo pensou que er a da casa de r ei
Ar t ur , e disse- lhe chor ando:
- Senhor cav aleir o, por Deus, dizei- m e de onde sois e com o t endes nom e.
- Senhor , disse ele, eu sou da casa de r ei Ar t ur e t enho nom e Gaeriet e, e sou ir m ão de dom Galv ão e
t enho outr os t r ês ir m ãos m uit o bons cav aleir os, que t er ão gr ande pesar de m inha m or t e.
258. Quando o out r o cav aleir o ist o ouv iu, deix ou- se cair sobr e ele e disse:
- Ai, ir m ão! Com o aqui há m uit o est r anhas nov as! E t ant o t ev e gr ande pesar que esm or eceu. E Galv ão o
olhou, e r econheceu que er a Mor der et e, e per signou- se pela m ar avilha que dist o t eve, e disse com gr ande
pesar :
- Ai, m esquinho! Assim per der ei agor a m eus dois ir m ãos? Ent ão com eçou a fazer um pr ant o t ão gr ande,
que er a m ar avilha, e t ir ou seu elm o e disse a Gaer iet e:
- Ai, ir m ão, que per da hoj e per co em v ós.
E Gaeriet e r econheceu na fala que aquele er a Galv ão, seu ir m ão, o hom em do m undo que m ais am ava e
ficou por isso t ão alegr e, que lhe disse:
- Não t enhais pav or , que t ão gr ande pr azer t enho conv osco em m eu cor ação, que bem sei que m uit o cedo
est ar ei cur ado.
- Ai, ir m ão, disse Galv ão, sabeis quem é est e at r ás de quem v ínheis par a m at á- lo?
- Não, disse ele.
- Pois sabei, disse Galv ão, que é Mor der et e, vosso ir m ão. E bem nos acont eceu, que pouco lhe falhou de
ser m or t o t ant o por v ós com o por m im .
- Maldit a sej a a hor a, disse Gaer iet e, em que ele não foi m or t o, por que m uit o o m er eceu bem , e sabei que
eu sou aquele que, de hoj e em diant e, não o olhar ei por ir m ão, pela deslealdade que hoj e o v i fazer .
- Qualquer que sej a ela, disse Galv ão, nosso ir m ão é, e nos conv ém am á- lo, ainda que os out r os o
desam em .
I st o que disse Gaer iet e escut ou m uit o bem Mor der et e; e se não fosse que t em ia Galv ão, m at ar a- o logo
com o aquele que er a um dos desleais cav aleir os que ent ão no m undo houvesse. Gaer iet e t ev e t ão gr ande
alegr ia com seu ir m ão Galv ão, que disse que não sent ia m al nenhum que t iv esse. Mas não er a assim , e por isso
a gr ande alegr ia que tinha lhe fazia um pouco esquecer o sofr im ent o de suas fer idas.

259. Toda a noit e ficar am ali, por falt a de cav alos, por que não t inham senão o de Mor der et e, pois o de Gaer iet e
fugir a par a um a flor est a que ficav a per t o. Aquela noit e ficar am ali, e não com er am nem beber am , por que não
t iver am o quê. E falar am de m uit as coisas, t ant o que per gunt ou Galv ão a Gaeriet e onde encontr ar a Mor der et e.
- Eu o achei, disse ele, ont em nest a flor est a, quando ar r ast av a, na cauda de seu cav alo, u m a donzela,
que m at ar a pouco havia. E nunca alguém de nossa linhagem fez t ão gr ande deslealdade, e pela gr ande
br ut alidade que o vi fazer , fui a ele, por que o não r econhecia, m as defendeu- se m uit o t em po de m im , e deix ou
a donzela. A bat alha dur ou m uit o; e m ais dur ar a, m as por que não v iu seu pr ov eit o, fugiu.
- I r m ão, disse Galv ão a Mor der et e, desde quando sois t ão desleal e t ão br av o, por que v os cost um av am
t er por t ão bom cavaleir o e t ão leal?
- Senhor , disse ele, não acr edit eis em Gaeriet e no que vos diz. Não é est a a pr im eir a vilania que de m im
disse.
- Eu não posso de v ós dizer bem , disse Gaeriet e, se não quiser m entir , por que v os t endes t or nado o m ais
desleal cav aleir o que hoj e conheço.
260. Aquela noit e tr oux er am m al Mor der et e am bos os ir m ãos do que o v ir am fazer . No out r o dia, pela m anhã,
quando o sol est av a j á lev ant ando, acont eceu que passou por aí Mor gana, a fada, com gr ande com panhia de
donas e de donzelas, e de cav aleir os e escudeir os. Quando ela viu os t rês ir m ãos a pé, fer idos, per gunt ou- lhes
de onde er am . E eles se lhes der am a conhecer . E quando ela sou be que aquele er a Galv ão e seus irm ãos, t eve
t ão gr ande alegr ia, que não poder ia m aior . E disse- lhes:
- Am igos, sabeis quem sou?
- Não, disser am eles.
- Sabei, disse ela, sou Mor gana, a fada, v ossa t ia, e sou ir m ã de r ei Art ur .
Assim que eles ist o ouvir am , ficar am m uit o alegr es e for am abr açá- la, que m uit o havia que a não vir am .
E ela per gunt ou de seus feit os, e eles cont ar am com o se houv er am de m at ar , se não for a que se r econhecer am
por v ent ur a.
- Or a, disse ela, sej a qual for o esf or ço que fizest es, lev ar v os- ei a um m eu cast elo on de descansar eis, at é
que est ej ais sãos de v ossos fer im ent os.
E eles agr adecer am m uit o, e ela lhes fez dar cav alos, e cav algar am logo e chegar am à hor a de t er ça à
casa de Mor gana, on de Lancelot e ficou pr eso dois inv er nos e um v er ão.

261. Quando descer am , m andou- os deit ar em um a câm ar a, e cuidoulhes das chagas e das fer idas, com o quem
m uit o bem sabia, de m odo que ant es de oit o dias, ficar am m uit o aliviados de seu m al. Ao oit av o dia, acont eceu
que Mor der et e entr ou por v entur a na câm ar a onde Lancelot e ficar a pr eso. Os feit os de Lancelot e est avam
pint ados; e quando lá ent r ou, t ev e m uit o gost o de olhar a câm ar a, que sobej o er a for m osa e agr adáv el, e
depois que obser v ou a est ór ia e leu os let r eir os que de cada m aneir a diziam os nom es, m ar av ilhou- se m uit o,
por que bem viu que a est ór ia er a de r ei Art ur e da r ainha e de Lancelot e, m as não a soube ent ender . E depois
que olhou m uit o t em po, e v iu que por si nada podia saber , cham ou Galv ão e Gaeriet e, e disse- lhes:
- Senhor es, v inde v er o que há aqui.
E eles olhar am a câm ar a e disser am que sobej o er a for m osa, e agr adar am - se m uit o à m ar av ilha, m as não
puder am ent ender a est ória. E quando v ir am que por si nada podiam saber , cham ar am Mor gana e rogar am - lhe
que lhes fizesse ent ender ist o.
- Não o far ei, disse ela, por que ficaríeis m ais espant ados do que por coisa que nunca ouv ist es, nem v os
agr adar ia, por que t er íeis r econhecidam ent e v ossa desonr a.
Disser am eles:
- Ainda assim , quer em os saber .
Ent ão est endeu ela suas m ãos par a um a capela que ali ficav a e disse- lhes:
- Sobr inhos, por cr er des m ais do que v os quer o dizer , j ur ov os por est es sant os que v os não m ent irei de
quant o v os dest a est ór ia disser .
Ent ão com eçou a cont ar os feit os de Lancelot e e da r ainha, com o se am av am am bos.
- E por isso, disse ela, o desam ei m or t alm ent e desde que o soube e desam ar ei enquant o viv a, por que
m aior pesar não m e poder ia fazer , com o fazer t al escár nio a t ão alt o hom em com o m eu ir m ão e am ar - lhe sua
m ulher . E pelo gr ande am or que lhe t inha, quando o t iv e aqui em pr isão um ano e m eio, pint ou com sua m ão
t odos os seus feit os desde que foi cav aleir o at é que est ev e aqui pr eso. E cada m anhã, logo que se lev ant av a,
abr açav a e beij av a as m ãos da r ainha t ão ent r anhadam ent e com o se fosse ela m esm a. E ist o v i eu m uit as
v ezes e sou par a v ós v er dadeir a t est em unha. Por que não é leal par a r ei Ar tur , seu senhor , o desam ei e
desam ar ei sem pr e, e v ós o dev íeis desam ar m ais m or t alm ent e; por que quant o m ais v aleis, t ant o n ist o t endes
m aior desonr a.
Quando ist o ouv iu Galv ão, ficou t ão espant ado, que por m uit o t em po não pôde f alar ; e quando falou,
disse:
- Senhor a, não sei o que diga a r espeit o, a não ser que não posso cr er de nenhum m odo que t ão bom
cavaleir o com o Lancelot e fizesse t r aição; e se ele nist o err ou, bem sei que por gr ande for ça do am or foi, que do
m ais leal cav aleir o do m undo, far ia facilm ent e um tr aidor .
E ist o disse Galv ão de Lancelot e, por que não podia cr er que Lancelot e am asse a r ainha com louco am or ,
se o não soubesse m ais do que por ouv ir dizer .
- Sabei, disse Mor gana, que bem poder íeis t er vingado o r ei há t em po, se fôsseis bons.
- Por Deus, disse Galv ão, j am ais m e esfor çar ei nem o acr edit ar ei, se o não v ir .
- Mas, disse ela, quando chegar des à cor t e, t er eis de cont ar t odas as v ossas av ent ur as; e cont ar eis a
r espeit o quant o v ist es e ouv ist es nest a câm ar a.
E eles disser am que lhes conv inha fazer , por que de out r o m odo ser iam per j ur os.
- Por Deus, disse Galv ão, nunca ouvi falar de cav alar ia que Lancelot e fizesse, que aqui não est ej a pint ada.
Ent ão lhes m ost r ou a Dolor osa Guar da e cont ou- lhes a m ar av ilha de ar m as que lá fizer a Lancelot e.

262. Tant o per m anecer am os t r ês ir m ãos em casa de Mor gana, at é que ficar am cur ados, e disser am - lhe que
quer iam ir .
- Pois assim é, disse ela, conj ur o- v os, pela fé que m e dev eis e pela coisa do m undo que m ais am ais, que
digais a m eu ir m ão a v er dade de Lancelot e e da r ainha. E o dev eis fazer , por que sois seus v assalos e seus
j ur ados, e se lhe m ais encobr ir des, ser eis per j ur os e desleais. E se ele é t ão louco ou de t ão boa v ont ade que
em v ós não quer acr edit ar , v ós lhe sois t ão chegados am igos, que o dev eis disso v ingar , o m ais depr essa que
puder des.
- Se Deus m e aj udar , disse Galv ão, eu sou aquele que nunca acr edit ar ei, at é que o saiba m ais
v er dadeir am ent e do que por est as pint ur as. E por isso m e calar ei ainda.
- E eu t am bém , disse Gaer iet e.
- E v os digo, disse Mor der et e, que t ão logo possa saber m ais segur as not ícias do que est as, não m e calar ei
que o não diga a r ei Ar tur .
- I st o ser á gr ande loucur a, disse Galv ão, e m aior m al v os poder ia adv ir do que cuidais.
Muit o falar am nist o e m uit as v ezes e depois despedir am - se de Mor gana bem apet r echados de cav alos e
de ar m as, e andar am t odo aquele dia, que nenhum a av ent ur a achar am . E à noite, alber gar am com um
er m it ão, que lhes fez m uit o ser v iço depois que os r econheceu. E no out r o dia, depois que ouv ir am m issa,
par t ir am e não se afast ar am m uit o que encont r ar am um cam inho que se dividia em t r ês car r eir as.
- I r m ão, disse Gaer iet e a Galv ão, aqui há tr ês car r eir as. Cada um v á pela sua.
E Mor der et e concor dou, e separ ar am - se logo e t om ou cada um sua car r eir a.
Mas or a deix a o cont o a falar de Galv ão e de Gaeriet e, e t orna a Mor der et e, por cont ar com o lhe
acont eceu.

XLI
M or t e de r e i Ba nde m a guz

263. Aqui diz o cont o que Mor der et e, depois que se separ ou de seus ir m ãos, andou m uit o t em po sem av ent ura
achar que de cont ar sej a. Um dia, à entr ada do inv erno, que fazia j á um pouco de fr io, acont eceu que achou
um cav aleir o desar m ado, ex cet o de espada; e iam com ele um a donzela e um escudeir o, seus ir m ãos. E assim
que vir am Mor der et e desar m ado, logo per ceber am que er a cavaleir o andant e. E logo que chegar am a ele,
saudar am - no, e ele a eles, m as m uit o cont r ar iado, com o quem er a de m á vont ade e m uit o vilão. E depois que
passar am por ele, disse ele:
- Que m al fiz agor a que não peguei aquela donzela e não fiz nela m eu pr azer ! E se eu fosse cav aleir o
com o m e dizem , não m e escapar ia assim . Ent ão v olt ou m uit o r ápido e foi à donzela, e pegou- a pelo fr eio e
disse- lhe:
- Donzela, t or nar v os conv ém , e ir com igo, que assim m e apr azo
- Por Deus, disse ela, não ir ei, se Deus quiser , que nunca ent r e m im e vós houv e por que o deva fazer .
- Por Deus, disse ele, ir eis, queir ais ou não.
E pux ou- a pelo fr eio par a lev á- la à for ça.

264. Quando o cav aleir o v iu ist o, m et eu m ão à espada e deix ou- se ir a Mor der et e, desar m ado com o est av a. E o
escudeir o que t inha um a lança, fer iu o cavalo de Mor der ete por m eio do peit o e pôs a ele e o cavalo por t er r a. E
Mor der et e se er gueu m uit o r ápido, com o quem er a m uit o vivo e m uit o ligeir o, e m et eu m ão à espada e fer iu o
escudeir o t ão enr aiv ecidam ent e que o m et eu m or t o em t er r a. E depois foi ao cav aleir o e feriu- o assim , que lhe
cor t ou o br aço dir eit o e der r ubou- o em t er r a do cav alo. E depois foi à donzela e der r ibou- a do palafr ém , e
lev ou- a a um as m oit as, que hav ia per t o dali e despiu a loriga. E ela, que nunca t iv er a m ar ido e se v iu a pont o
de ser desonr ada, se Deus não a socor r esse de algum m odo, chor av a e fazia lam ent os e dizia, na m ais alt a v oz
que podia:
- Valia! Valia!
E quando ele v iu que gr it av a assim , fer iu- a e fez- lhe quant os escár nios pôde e pegou- a pelos cabelos e
ar r ast ou- a par a um at alho e desonr ou- a o pior que pôde, com o quem er a um dos br av os cav aleir os do m undo.
E ela br adav a m ais e m ais, de m odo que r ei Bandem aguz, que andav a buscando av ent ur as, com o os out r os, a
ouviu e foi par a lá par a ver o que er a e apr oxim ou- se t ant o, que achou Mor der et e que t inha a donzela no chão,
a quem fazia t ant o pesar e t ant a desv ent ur a, que m ar avilha er a que j á não est ivesse m or t a. E ela gr it ava m ais
e m ais, a v er se v ir ia socor r o de algum a par t e.

265. Rei Bandem aguz, quando v iu que Mor der et e t inha assim a donzela, não o r econheceu, por que t inha o
r ost o t int o das ar m as, que ainda t r azia, nem Mor der et e o r econheceu, por que o rei t em po hav ia que t inha
t r ocado suas ar m as, par a ser m enos conhecido. E o r ei, que er a m uit o cor t ês e de m uit o boa v ont ade, r ogou a
Mor der et e, por Deus e por cor t esia, que não fizesse m ais m al à donzela. Quando ela viu o cavaleir o, gr it ou- lhe:
- Ai, cav aleir o bom , por Deus e por t ua honr a, tir a- m e das m ãos dest e desleal cav aleir o, que m e m at ou
dois ir m ãos e m e quer possuir à for ça.
- Com o? donzela, disse Bandem aguz, não sois sua?
- Assim Deus m e aj ude, senhor , disse ela, nunca o v i, nem ele a m im , a não, ser hoj e, que eu saiba.
- Ai! Cav aleir o, disse o r ei Bandem aguz, diz ela a v er dade?
- Ainda que diga ver dade, disse Mor der et e, o que t endes a ver ?
- Tenho t ant o a ver , disse r ei Bandem aguz, que se nela m ais m et eis m ão at é que eu saiba a r azão, v os
achar eis m al.
- Quão pouco agor a t em o v ossas am eaças! disse Mor der et e. Por boa fé, por est e despeit o, diant e de v ós a
m at ar ei.
E t om ou logo a espada, e deit ou- lhe a cabeça longe, e disse:
- Dom cav aleir o, or a podeis v er o m edo que de v ós t enho, e se não fôsseis v ós, não m or r er a ela.
Quando ist o ouv iu, t ev e pesar e m uit o gr ande r aiv a, e não se pôde cont er que não se dirigisse a ele, m as
er a vilania, por que Mor der et e est ava desar m ado e a pé, e ele, ar m ado e a cavalo; e fer iu- o por m eio do peit o,
de m odo que a lança foi do out r o lado; e m et euo em t er r a t ão ferido, que cuidav a m or r er , e foi- se- lhe m uit o
sangue, que t oda a t er r a ao r edor dele ficou cober t a. Quando o r ei o v iu assim , cuidou que est av a m or t o e por
isso não o quis fer ir , e separ ou- se dele, e foi com gr ande pesar da donzela, que for a m or t a por ele.

266. Assim foi r ei Bandem aguz com est e pesar , que t em po hav ia que não tiv er a t ão gr ande. E não se pôde
m uit o afast ar , que chegou Galv ão onde Mor der et e j azia ferido. Quando o olhou, bem o r econheceu, por que er a
seu ir m ão, e desceu par a v er se est av a fer ido de m or t e ou se poder ia cur ar , que bem v iu que não est av a
m or t o, e per gunt ou- lhe:
- I r m ão, quem v os fer iu? Cuidais que possais sar ar ?
Quando ele ouviu cham ar , abr iu os olhos e r econheceu Galv ão; e agr adou- lhe m uit o quando o viu, e
disse:
- I r m ão, eu cur ar ei bem , se m e v ingar des do m ais desleal cav aleir o que algum a v ez achei, porque m e
fer iu, com o v edes, à t r aição, por que est av a ar m ado e a cav alo, e eu desar m ado e a pé.
- E por onde v ai? disse Galv ão.
- Senhor , disse ele, cuido que v ai por aqui.
E m ost r ou- lhe o cam inho cer t o, com o a v ent ur a o fazia.
- E t r az um escudo v er m elho e um leão br anco nele.

267. E quando nist o falav am , chegou I v ã, e quando r econheceu Galv ão e Mor der et e, ficou com Mor der et e par a
o lev ar a um a abadia que ficav a per t o, onde cur asse de sua chaga. E Galv ão m ont ou seu cav alo e andou t ant o
que alcançou r ei Bandem aguz, que ia só e pensando m uit o, pelo gr ande pesar que tinha da donzela, que for a
m or t a por ele.
E quando Galv ão chegou t ão per t o dele que o poder ia ouv ir , disse- lhe:
- Suj o t r aidor , v olt ai aj ust ar , que v os conv ém .
Quando o r ei se ouv iu cham ar t r aidor , não lhe agr adou e t or nou a ele e disse- lhe:
- Dom cav aleir o, quem quer que v ós sej ais, eu m e defender ei m uit o bem de v ós, se Deus quiser , de
t r aição.
E ele não t r azia lança,por que a quebr ar a em Mor der et e; e m et eu m ão à espada, e Galv ão, que vinha
depr essa quant o o cav alo o podia t r azer , fer iu- o t ão de rij o, que pôs nisso t oda sua for ça, que escudo nem
espada não lhe pr est ou, que lhe não fizesse m uit o gr ande fer ida no cost ado esquer do, e a lança v oou em
pedaços, e foi t opar com ele t ão r ij am ent e do escudo e do cor po, que o r ei não se pôde m ant er em sela, por que
est ava m uit o fer ido e t eve de cair ; m as com t odo est e m al, e com t odo est e sofr im ent o, er gueu- se t ão
v iv am ent e, com o alguém sadio se poder ia er guer . E Galv ão que o desam av a m or t alm ent e, desceu de seu
cav alo e at ou- o a um a ár v or e e depois t ir ou a espada e pôs o escudo sobr e a cabeça, e deix ouse ir a r ei
Bandem aguz, e o r ei, que er a de gr ande bondade de cav alar ia, em bor a est iv esse fer ido, defendeu- se
m ar avilhosam ent e, que ficou Galv ão t odo espant ado e com eçou- se a bat alha t ão gr ande ent r e eles e t ão
per igosa, que t oda pessoa que os v isse os t er ia por m uit o bons cav aleir os; e dur ou t ant o que não houv e quem
não per desse m uit o sangue. E lev av am - se fer indo com as espadas, or a de cá, or a de lá, com o cada um t om av a
fôlego.

268. Dest e m odo dur ou a bat alha cr ua e br av a desde o m eio- dia at é hor a de noa. E ent ão ficar am fer idos m uit o
m al. Mas r ei Bandem aguz sofr eu t ant o, que t ev e dez fer im ent os, que out r o hom em cuidar ia m orr er do m enor
deles. E Galv ão, que o t inha por m uit o bom e o pr ezav a t ant o de cav alar ia, que se adm ir av a m uito de quem
poder ia ser , at or m ent av a- o de t odo m odo, m ais e m ais. E t ant o o fer iu com a espada cor t ador a, qu e lhe cor t ou
o elm o da cabeça; e depois deu- lhe um t al golpe por cim a da cabeça, que lhe fez ferida m or t al; e se a espada
não der a volt as na m ão, t odo o fender a at é as espáduas. Dest e golpe ficou r ei Bandem aguz t ão est ont eado,
que caiu por t er r a e caiu-lhe de um lado a espada e do out r o o escudo. E quando Galv ão quis cor t ar - lhe a
cabeça, olhou- o e r econheceuo logo, por que er a r ei Bandem aguz, e t ev e disso t ão gr ande pesar , que não soube
o que dissesse nem que fizesse; e culpou- se m uit o c m aldisse a hor a em que for a nascido, e di sse par a si
m esm o:
- Ai, Deus, com o aqui há gr ande desgr aça, que por t al desv ent ur a m at ei o m elhor hom em do m undo.

269. Enquant o fazia t al lam ent o, acont eceu que passav a por ali um hom em m uit o v elho, a pé, v est ido de
hábit o br anco. E quando v iu que t al lam ent o fazia Galv ão, e não o conhecia, m as de t oda m aneir a sabia que
er a cav aleir o andant e e que fazia aquele lam ent o pelo cav aleir o que est av a por t er r a, foi lá par a saber quem
er am aqueles dois cav aleir os. E Galv ão, que t inha gr ande pesar dest a m áandança, disse a r ei Bandem aguz:
- Senhor , com o v os sent is? Cuidais que possais cur ar ?
E o r ei, que bem ent endia que est av a ferido de m or t e, e sua v ida j á não er a nada, disse:
- Quem sois v ós, que m e per gunt ais se posso cur ar , depois que m e m at ast es?
- Ai, senhor , disse Galv ão, se v os m at ei, m uit o m e pesa, que a m or t e de t ão bom hom em dev er ia t odo o
m undo chor ar ; e, Deus m e aj ude, se v os eu r econhecer a ant es, com o agor a, não m et er a a m ão em v ós, ainda
que m e t iv ésseis m ais afr ont ado do que afr ont ast es; e r ogo- v os, por Deus e por piedade, que m e per doeis,
que, assim Deus m e per doe, não v os conhecia.
E o r ei, que est av a t ão fer ido, que bem soube que sua hor a er a chegada, quando ouv iu falar Galv ão dest e
m odo, r econheceu que er a com panheir o da m esa r edonda; m as, sem falha, não cuidou que er a Galv ão, pelas
ar m as que hav ia t r ocado. E Galv ão, que est av a diant e do r ei de j oelhos, sem pr e r ogav a- lhe, por Deus e por
m iser icór dia, que lhe per doasse sua m or t e.
- Quem sois? disse o r ei. Dizei- m e v osso nom e par a que saiba quem m e m at ou.
Galv ão, que t ev e gr ande pesar sobej o, r espondeu chor ando:
- Senhor , sou Galv ão, o v osso am igo, que am áv eis t ant o. E, assim Deus m e aj ude, pesa- m e dest a
desv ent ur a t ant o, com o se m e acont ecesse com algum de m eus ir m ãos.
E quando o r ei ouv iu o que dizia Galv ão, r espondeu assim com o pôde:
- Ai, dom Galv ão, sois v ós que m e m at ast es e am ando- v os eu com o v os am av a desde que v os v i? Mal m e
v eio de v osso am or . Mas ainda, pois que assim é, per dôo- v os de bom cor ação. Assim per doe Deu s a m im os
m eus pecados. E r ogo- v os, pela com panhia que há ent r e m im e vós, que m e saudeis dom Lan celot e, o m ais
leal cav aleir o que algum a v ez achei; m as dest a desv ent ur a, que nos acont eceu, não lhe digais nada nem a
out r em , enquant o o puder des ocult ar .

270. Depois que houv e ist o dit o, esm or eceu com a gr ande dor que t ev e. E Galv ão cuidou que est av a m or t o e
com eçou a chor ar e a pr ant ear sua bondade e sua lealdade. Ao cabo de um t em po, acor dou o r ei e abr iu os
olhos, e er gueu suas m ãos par a o céu e, assim com o pôde, disse:
- Pai dos céus, v er dadeir o per doador , t em m iser icór dia dest e infeliz r ei, e não olhes par a m inha
desv ent ur a, nem par a m inhas m ás obr as, que t enho feit o enquant o r einei na t err a, pecador e m alav ent ur ado
ent r e os out r os pecador es. Senhor , que és piedade e m iser icór dia que não falha, e que cham as à tua piedade
cada pecador que se arr ependa de seu pecado, que conheces as coisas escondidas e as conhecidas, guar da- m e
nest e m eu der r adeir o dia e nest a m inha der r adeir a hor a, em que a alm a, pobr e e espoliada de t odos os bons
feit os pela m á com panhia do seu anfit r ião, há de par t ir de sua pousada e ir par a a escur a casa da t r ist eza, se a
t ua m iser icór dia não a dir ige par a a casa da alegr ia. Senhor , alber ga- a com o pai j udicioso e v igilant e alber ga
seu filho, quando o filho r econheceu seu er r o; e com o quer que sej a, Senhor , de m inha alm a, que, a m eu
cuidar , pagar á car am ent e o er r o da car ne, se a t ua gr ande piedade dela não t om a guar da, salv a o bom
cavaleir o filho de r ei Bandem aguz. E com o quer que ele err asse cont r a t i m uit o m ais do que não dever ia,
per doa- lhe se t e apr ouv er , e out or ga- m e que a m inha alm a est ej a com a sua depois da m inha m or t e e depois
da sua, em qualquer lugar que ela est ej a, por que est a é a cousa que m ais desej o, que m inha alm a est ej a com
a sua depois da m inha m or t e, ou em t r abalho ou em f olgança, assim com o fom os em v ida, se é cou sa que sej a
out or gada a pecador .

271. Assim que r ei Bandem aguz disse ist o, pôs as m ãos em cr uz sobr e o peit o. E quando Galv ão v iu que est av a
m or t o, com eçou a fazer seu gr ande lam ent o à m ar av ilha, e a angust iar - se e a m aldizerse m uit o. Quando o
hom em bom , que lá est av a, v iu Galv ão t al lam ent o fazer , logo ent endeu que o cav aleir o hav ia passado, e er a
hom em de gr ande posição, e além disso o ouv ir a dizer que er a r ei. Disse ent ão a Galv ão:
- Senhor , .por que fazeis t al lam ent ação? Vosso chor ar não v os v ale nada. I st o é j á cousa passada. Deus
lhe tenha piedade da alm a. Mas, se vos apr ouv er , dizei- m e quem é, e com o t eve nom e, por que m uit o o desej o
saber , por que o v i ar r epender - se bem de seus pecados.
Galv ão, que est av a com t ão gr ande pesar , que não sabia o que dissesse, nem fizesse, r espondeu
chor ando:
- Sabei que est e foi um dos bons hom ens do m undo e um dos m ais sisudos, e t ão bom cav aleir o com o
t odo o m undo sabe. E est e é r ei Bandem aguz de Gor r a.
- Bandem aguz? disse o hom em bom , bem o conheci. Mal fizest es que o m at ast es, por que por est a m or t e
t or nar ão t ant as t er r as à pobr eza e à dest r uição, que v ós e t oda v ossa linhagem não poder íeis r ecuper ar o dano
que acont ecer á, se m ar av ilha não for .
- Cer t am ent e, disse Galv ão, de sua m or t e t enho t ão gr ande pesar , que v o- lo não poder ia dizer . E t enho-
m e por t ão er r ado, que não há nada, nem sei de m or t e que não sofr esse por t al que m e não acont ecesse. Mas,
pois que assim é, r ogo- v os que m e ensineis algum lugar onde o sot er r em os, por que ele é t ão bom e de t ão alt a
posição, que dev e ser ent er r ado m uit o honr adam ent e.
- Cer t am ent e, disse o hom em bom , não conheço per t o daqui nem abadia nem er m ida, por que não sou
dest a t er r a, ant es sou de out r o lugar est r anho, m as um m eu ir m ão, que est á doent e nest a t er r a m e fez aqui vir
com gr ande sofr im ent o.
- Pois assim é, disse Galv ão, ir ei pr ocur ar , per t o ou longe, onde o sot er r e e r ogo- v os que fiqueis aqui com
ele par a lhe fazer com panhia, at é que eu venha.
E ele lho out or gou, por que m uit o havia gr ande pesar da m or t e do r ei.

XLI I
Ga lv ã o, Er e c e M e r a ugis

272. Galv ão m ont ou seu cav alo e andou t ant o, com o a v ent ur a o lev av a, que chegou a um a er m ida, que ficav a
num a m ont anha em lugar est r anho de gent e e longe de cam inho; e hav ia lá m uit os hom ens bons er m it ães, que
for am cav aleir os e hom ens de gr ande posição, m as, por cor r igir em sua v ida, ent r ar am lá no fim de sua idade.
Quando ouv ir am Galv ão dizer que quer ia aí tr azer o cor po de r ei Bandem aguz, e ouv ir am dizer com o for a
m or t o, houv er am pesar e pr azer - pesar da sua m or t e, e pr azer de hav er em em sua er m ida t al hom em cor no
aquele; e disser am a Galv ão que lho agr adeciam m uit o e fosse buscar por ele, e r ecebê- lo- iam de boa v ont ade
e lhe fariam t oda honr a que pudessem . Galv ão par t iu logo e, quando chegou onde o cor po de r ei Bandem aguz
j azia, achou lá um cav aleir o ar m ado de t odas as ar m as, que bem par ecia que t inha gr ande pesar ; e o cav aleir o
est av a sobr e um cav alo m ur zelo, e suas ar m as e suas div isas er am t odas negr as.

273. O cav aleir o pensav a m ui pr ofundam ent e e olhav a o cor po; e o seu cav alo, que est av a folgando, quando
v iu vir o cav alo de Galv ão, com eçou a r inchar t ão for t em ent e, que o cav aleir o houve de deix ar seu pensar ; e
quando v iu v ir Galv ão em sua dir eção, per gunt ou ao hom em bom :
- É est e o cav aleir o que m at ou o r ei?
- Sim , disse ele.
- Pois eu o v ingar ei, por que m e não t eriam por cav aleir o, se não fizesse m eu poder de v ingar t ão bom
hom em .
- I st o não v os louv o eu, disse o hom em bom , por que est e é t ão bom cav aleir o de ar m as, que j am ais
dar íeis cabo dest e pr eit o, se não fôsseis de gr ande bondade de ar m as sobej o. E por isso v os aconselho que
nada façais a r espeit o.
O cav aleir o respondeu que quer ia ser ant es m or t o que não fazer o que pensav a e deu v ozes a
Galv ão:
- Galv ão, Galv ão, eu v os desafio, por que bem m er ecest es m or t e, quando m at ast es t ão bom r ei com o r ei
Bandem aguz.
Quando Galv ão, que est av a m ui lasso e m ui cansado da bat alha do r ei, v iu que hav ia de com bat er , não
lhe agr adou nada, com o quem não hav ia m ist er de com bat er . Além do m ais, não t inha escudo nem lança; e
disse ent ão ao cav aleir o:
- Senhor cav aleir o, pois que assim quer eis que com bat a conv osco, conquant o não m e sej a m ist er , or a v os
r ogo, por cor t esia, que m e deix eis pegar m eu escudo, que est á ant e v ós, e t er eis ent ão m aior honr a de m e
at acar des.
E ele concor dou. E Galv ão pegou logo o escudo, e depois que o deit ou ao colo, disse em seu ínt im o que,
se t iv esse lança, t eria m ais sat isfação, e ist o o desconfor t av a m uit o. E o cav aleir o que o havia desafiado
deix ou- se cor r er a ele, e Galv ão m et eu m ão à espada, pois não t inha out r a coisa com que se defendesse; e o
cav aleir o o fer iu com a lança de t al m odo, que lhe quebr ou o escudo, m as a lor iga er a t ão boa, que não lhe
r om peu a m alha, e o cavaleir o er a t ão for t e, que o pôs por t er r a; e Galv ão ficou m ui quebr ado daqu ela queda e
m ui m al t r at ado, m as er gueu- se m ui vivam ent e, por que bem viu que lhe er a m ui m ist er , e pr epar ou- se par a se
defender . E quando o out r o cav aleir o o viu a pé e dispost o a bat alhar , disse- lhe:
Galv ão, est á quedo, pois est ás a pé, e descer ei eu, pois m e t er iam por m al de t e at acar assim .

274. Ent ão desceu e at ou seu cav alo a um a ár v or e e encost ou aí- sua lança e depois foi par a Galv ão com a
espada em r ist e e deu- lhe por cim a do elm o o m aior golpe que pôde, assim que ficou por isso m uit o ferido
Galv ão; m as ainda não t ão lasso, que se m uit o bem não defendesse; pois se ent ão out r a coisa fizesse, bem v ia
que a m or t e est av a pr óx im a; e o cav aleir o que lhe quer ia m uit o m al, que er a m uit o bom cav aleir o de ar m as e
são e ligeir o, com eçou a t r azê-lo à espada cor t ador a um a hor a de cá e outr a de lá, um pouco à sua v ont ade,
assim que t odo hom em que a bat alha v isse ent enderia que o pior havia nela Galv ão e o out r o, o m elhor .

275. Enquant o Galv ão com bat ia t ão descom unalm ent e com o v os eu digo, que est av a em t al pav or de m or t e, e
o out r o cav aleir o em hor a de r eceber t oda honr a, eis que a v ent ur a t r oux e aí Er ec, o filho de r ei Lac, aquele
cav aleir o que nunca m ent ia a seu cient e.
Quando v iu a bat alha, par ou par a olhá-los, m as não r econheceu nenhum ; ent r et ant o, por que t inha que
er am am bos bons cav aleir os ou, por v ent ur a, da casa de r ei Ar tur , foi ao cav aleir o das ar m as negr as e disse-
lhe:
- Senhor cavaleir o, eu vos r ogo, por cor t esia, que deix eis est a bat alha at é que saiba quem sois am bos.
E o cav aleir o par ou assim que viu que lhe r ogav a de cor ação, e afast ou- se um pouco longe de Galv ão e
disse a Er ec:
- Senhor cav aleir o, eu v os dir ei m eu nom e, pois m e t ant o r ogais. Eu hei nom e Mer augis de Por legues, e
sou de Cor nualha, cav aleir o que não sou ainda de m uit a fam a, por que não há m uit o que sou cav aleiro.
- E de qual linhagem sois? disse Er ec.
- Não sei, disse ele, assim Deus m e aj ude. Nunca soube quem foi m eu pai nem m inha m ãe, nem conheci,
a m eu cient e, alguém de m inha linhagem ; e por ist o v im a est a t er r a e ent r ei nest a dem anda onde andam os
cav aleir os da m esa r edonda, por que um hom em bom m e disse, aquele dia em que fui nov el cav aleiro, que não
saber ia a v er dade de m inha linhagem a m enos que ent r asse na dem anda do sant o Gr aal, m as nela ouv iria a
r espeit o a ver dade, se a m ant iv esse longam ent e. E por ist o ent r ei nela depós os out r os.
- E quem é, disse Er ec, esse cavaleir o com quem com bat est es?
- Est e é, disse ele, Galv ão, o sobr inho de rei Ar t ur , e com bat o com ele, por que m at ou r ei Bandem aguz,
que v edes ali j azer m or t o.
Quando Er ec ouv iu as nov as da m or t e de r ei Bandem aguz e o v iu j azer m or t o, houv e gr ande pesar e ficou
m ui sanhudo, por que sobej am ent e am av a e pr ezav a r ei Bandem aguz de bom senso e de cav alar ia. E se ele
t ant o não am asse Galv ão com o o am av a, logo v ingar a sua m or t e; e por out r a coisa ainda não o podia fazer ,
por que ser ia desleal e per j ur o, por que er a da m esa r edon da, nem t am pou co podia deix á- lo m at ar diant e de si
que não fizesse deslealdade. Ent ão disse a Mer augis:
- Se dom Galv ão fez ist o por desconhecim ent o, não dev e ser t ão culpado com o se v olunt ar iam ent e o
fizesse. Cer t o est ou e cr eio que lhe pesa m ais do que a vós; e vos r ogo ant es que sobr evenha m al por isso; a
v ós peço e a ele que deix eis est a bat alha, por que não supor t ar ei de m odo algum o m al de dom Galv ão, se
ainda fosse assim que fôsseis m ui m elhor cav aleir o do que ele, e se o não quer eis deix ar por m eu r ogo, eu e
v ós est am os em bat alha.
- E quem sois vós? disse Mer augis, que à for ça quer eis que deix e est a bat alha?
- Eu sou, disse ele, Er ec, não sei se ouv ist es de m im falar .
- Er ec? disse Mer augis, sois aquele que nunca m ent e? Assim Deus m e aj ude, eu v os ouv i louv ar em t odas
as cousas t ant o, que far ei v osso r ogo, por que bem cr ede que o não far ia por out r o cav aleir o. E logo m et eu cada
um sua espada em sua bainha.

276. Quando a bat alha foi t er m inada assim com o v os disse, Er ec desceu e t om ou seu elm o e foi a r ei
Bandem aguz e fez sobr e ele o m aior pr ant o do m undo e chor ou m uit o t em po e disse a Galv ão:
- Que poder em os fazer dest e cor po? Cer t am ent e, t odo o m undo dev er ia, a seu poder , esfor çar- se por lhe
fazer honr a, por que m uit a a ele dev e ser feit a e ele foi m uit o bom hom em .
- Per t o daqui, disse Galv ão, há um a er m ida, onde o quiser a eu lev ar , quando est e cav aleir o m e at acou. Ali
ir á ele bem e com gr ande honr a. E além disso, disser am - m e que hom ens de sua linhagem fizer am aquela
er m ida.
- Pois lev em o- lo par a lá, disse Er ec.
Ent ão fizer am padiola e at ar am - na a seus cav alos e deit ar am o r ei em cim a e for am pós el e a pé com
gr ande pesar e fazendo gr ande pr ant o; e t ant o andar am , que chegar am à er m ida e sot er r ar am - no lá o m ais
honr adam ent e que puder am . Mas depois houv e m ais rica sepult ur a, por que r ei Car ados, o do pequeno br aço,
que a v ent ur a t r ouxe por aí, fez sua sepult ur a t ão r ica com our o e com pr at a e com pedr as pr eciosas, que, se o
m ais r ico rei do m undo lá j azesse, j azer ia honr adam ent e; e fez fazer let r eir o em cim a do t úm ulo, que dizia:
"Aqui j az r ei Bandem aguz de Gor r a, que m at ou Galv ão, o sobr inho de r ei Ar t ur ."
Aquele escr it o achou depois Lancelot e, que houv e gr ande pesar daquelas nov as e f oi m ui sanhudo da
m or t e de r ei Bandem aguz, por que m uit o o am ar a em sua v ida.

277. Os cav aleir os descansar am lá t r ês dias e, um dia, per gunt ou Er ec a Mer augis de sua sit uação, m as não
pôde saber nada, por que ele m esm o não sabia nem de qual linhagem er a; e est e assunt o r ev ela a est ór ia de
Tr ist ão, e est a m esm a t oca- o um pouco e passa- se por ele o m elhor que pode, por que Mer augis, sem falha, er a
bom cavaleir o e for te e um dos cor t eses de sua idade, que houv esse em t oda a t er r a, e er a nat ur al de
Cor nualha, filho de r ei Mar s, m ar ido de I solda, m as não o houv er a dela, ant es o houv er a de Ladiana, ir m ã de
Aldr et e e sobr inha dest e r ei Mar s; e houv er a- a r ei Mar s de v ir gindade por for ça, e fez nela Mer augis; pelo que
acont eceu depois, quando v iu que est av a gr áv ida, que, por pav or de ser descober t o e ser em am bos desonr ados
pelo m undo, fê- la m et er num a t or re at é que houv esse filho; e quando chegou aquela ocasião, lev ou- a a um
m uit o esquiv o lugar e longe de gent e, e depois que houv e seu filho, com pav or que sua sobr inha o r ev elasse
par a o m enino, quando fosse gr ande, m at ou- a. Assim m at ou r ei Mar s sua sobr inha ali onde est av a em gr ande
sofr im ent o de seu par t o, e não foi est a a prim eir a deslealdade que ele fez, pois m uit as out r as com eçou a que
deu cabo. Do m enino, sem falha, por que er a seu filho, houv e um pouco m aior piedade do que da m ãe, m as não
lhe houv e t ão gr ande piedade com o pai dev ia hav er a filho, pois bem o m ost r ou, por que ali onde deix ou j azer
sua sobr inha no m ont e, onde a depois com er am best as fer as, pegou o m enino diant e de si e levou- o at é o
cam inho e pendur ou- o num a ár v or e pelos pés, assim que as best as não o pudessem alcançar , e pensou que
alguém v iria pelo cam inho, o acharia e o lev aria, e não dav a nada por m or r er nem por v iv er , contant o que o
não v isse m ais.

278. Assim par t iu r ei Mar s dali e deix ou o m enino pendur ado na ár v or e. Mas Deus, que houv e gr ande piedade
dele e por que não hav ia que ver na m aldade de seu pai, cuidou dele; por que, assim que o r ei part iu, chegou
logo um seu hom em que lhe guar dav a a por t a; e quando chegou ao m enino e o viu assim pendurado, houv e
dele gr ande dó e despendur ou- o logo e espant ou- se de quem o pendur ar a ali. Ele v iu o m enino m ui for m oso à
m ar av ilha de sua idade e lev ou- o par a sua casa e m ost r ou- o a sua m ulher , que er a boa e sisuda, e disse ela:
- Eu não cuido que sej a cr ist ão, e ser ia bom lev á- lo à igr ej a e bat izá- lo.
- Am iga, disse o hom em bom , est e m enino é m uit o for m oso, e ser ia bom a m eu cuidar , lev á- lo ao r ei, que
é nosso senhor , depois far íam os o que ele m andasse.
- Bem m e par ece, disse a m ulher .

279. Assim com o o falar am o fizer am , e lev ar am o filho ao pai, onde est av a no paço com seus r icos- hom ens e
cont ou- lhe o hom em com o o achar a. E o r ei, que bem r econheceu seu filho, disse:
- Por boa fé, algo achast e.
E o m andou ir a bat izar ; e houv e nom e Mer augis de Por legues, por um cav aleir o que lhe pôs seu nom e,
que cham avam assim . E sabei que Por legues er a aquele cast elo onde a m ãe de Mer lim foi m or t a. Rei Mar s, que
fingia não reconhecer seu filho, disse ao m ont anheir o que o guar dasse e o cr iasse at é que fosse gr ande, que
ainda ser ia hom em bom , por que, por v ent ur a, er a fidalgo. E ele o fez assim com o o r ei lhe m andou, pois t ant o o
cr iou at é que v eio a idade de ser cav aleir o. E r ei Mar s o fez cav aleir o em dia de Páscoa.
,Mas por que andav am dizendo pela casa que Mer augis se sem elhav a a r ei Mar s, que m uit o bem podiam dizer
que er a seu filho, assim que r ei Mar s ouviu o r um or , disse que não quer ia que vivesse com ele hom em sem pai.
Mer augis, que er a hom em de ânim o for t e, assim que ist o ouviu, t eve- se por ofendido e despediu- se dos da
cor t e e depois par t iu de Cornualha e disse que não deix aria j am ais de cav algar e de dem andar av ent ur as,
saúde hav endo, at é que achasse quem lhe dissesse de quem filho er a, se er a coisa que alguém pudesse saber .
E por est a av ent ur a dem andar , se m et eu na dem anda do sant o Gr aal. Mas or a deix a o cont o de f alar dele e
t or na a out r a av ent ur a. E se alguém quer saber com o lev ou a t er m o sua dem anda, e com o soube com o f or a
pendur ado na árv or e, e com o conheceu seu pai e com o soube quem lhe m at ar a sua m ãe, pegue a gr ande
est ór ia de Tr ist ão, pois ali poder á achar com plet am ent e a v er dade de t odas est as cousas.

XLI I I
Er e c e M e r a ugis

280. Or a diz o cont o que t r ês dias est iv er am na er m ida Galv ão e Er ec e Mer augis, depois que sot er r ar am r ei
Bandem aguz. Ao t er ceir o dia, for am - se Er ec e Mer augis, e Galv ão ficou, por que est ava m uit o fer ido. E os
out r os andar am dois dias j unt os, sem av ent ur a achar que de cont ar sej a.
Ao t er ceir o dia lhes acont eceu que achar am um a donzela que ia só num palafr ém br anco. E quando ela
chegou a eles, saudou- os, e eles a ela.
- Senhor es, disse ela, saber íeis dizer - m e nov as de um cav aleir o da m esa r edonda, que há m uit o ando
dem andando?
- Donzela, disser am eles, dizei- nos com o há nom e, e por v ent ur a v os dir em os algum as nov as.
- Senhor es, disse ela, ele há nom e Er ec, o que não m ent e.
- Er ec? disse ele, por que o buscais?
- Eu o busco, disse ela, por que est á obr igado a m e dar um dom quando lho pedir , e quer ia que m o desse.
Ele olhou a donzela e t ant o a obser v ou, que bem r econheceu que er a aquela que o lev ou à ilha da ir m ã de
Per siv al; e, por que o guiou par a lá, lhe pr om et eu o pr im eir o dom que lhe pedisse. Ent ão não se pôde encobr ir
par a ela, por que cair ia em err o, e disse:
- Donzela, sou aquele Er ec que dem andais. Que v os apr az?
- Tir ai, disse ela, v osso elm o, e v os v er ei, por que de out r o m odo não v os dir ei nada do que quer o.
E ele o t ir ou logo, e ela o r econheceu logo e disse- lhe:
- Senhor , sede bem - v indo. Muit o v os andei buscando; gr aças a Deus, v os achei. Or a cr ede, am igo, m uit o
hei m ist er de v ossa aj uda.
Ele concor dou, e volt ou a donzela e Er ec com ela, e for am por um a car r eir a que atr avessava o cam inho
pelo qual ant es v inham .
- Ai, senhor a, disse Mer augis, eu sou ainda nov el cav aleir o e sou de pouca fam a, e r ogo- v os, por Deus,
que m e deix eis ir conv osco at é que v ej a que hav eis m ist er de com panhia, por que o cor ação m e diz que v os há
de acont ecer algum m al.
- Não far ão, disse Er ec, se Deus quiser .
- Ainda assim , disse Mer augis, v os r ogo que m e deix eis ir conv osco.
E ele lho out or gou.

281. Ent ão pegar am seu cam inho t odos os t r ês j unt os. E a donzela disse a Er ec per ant e Mer augis:
- Er ec, v ós sois obr igado a m e dar o que v os eu pedir .
- Ver dade é, disse ele.
- E m ent iríeis por algo que v os acont eça?
- Não, disse ele, assim Deus m e aj ude, ant es quer ia ser m or t o.
- Não quer o, eu m elhor , disse ela.
Depois disse a Mer augis:
- Senhor cav aleir o, com o hav eis nom e?
E ele se nom eou.
- Sede bem - v indo, disse ela. Apr az- m e do que ouv ist es em ouv ir ist o, por que, se ele m ent ir par a m im ,
ser eis disso t est em unha em casa de r ei Ar t ur .
- Assim Deus m e aj ude, disse ele, eu ouvi dele dar t al t est em unho, que é t ão ver dadeir o, que bem cuido
que v os não m int a.
Não sei, disse ela, m as logo o poder eis v er .
Assim andar am t odo aquele dia que não falar am nout r a coisa, senão que dizia Er ec que sem pr e m ant eria
sua pr om essa; m as m uit o se m ar av ilhav a do que er a o que queria pedir .

282. Quando j á quer ia anoit ecer , acont eceu que chegar am a um cast elo for m oso e r ico, que ficav a sobr e um a
gr ande r ibeir a que cham av am Celisa; e o cast elo hav ia nom e Celis por que est av a sobr e Celisa. A lua ia j á alt a,
quando eles ao cast elo chegar am . A donzela disse a Er ec:
- Conheceis est e cast elo? E ele disse:
- Conheço. Dest e cast elo foi senhor m eu pai r ei Lac, e aqui o m at ar am à t r aição, e m eu dev er a ser , e
ainda lá est ão os t r aidor es que m eu pai m at ar am . E pois m e Deus aqui tr oux e, não par tir ei at é que o v ingue, e
ou m e eles m at ar ão ou eu a eles.
Ent ão ent r ou e per signou- se à ent r ada, e a donzela lhe disse ent ão:
- Er ec, eu vos peço a cabeça de um a donzela que lá em cim a est á, que vos m ost r ar ei, e ent ão ser eis
quit e.
E Er ec disse:
- Ai, donzela! Por Deus, out r a coisa m e pedi, por que m et er m ão em dona e donzela não é m eu cost um e,
nem ser á, se Deus quiser , por que est a é a m aior v ileza que cav aleir o pode fazer .
- Conv ém , disse ela, que o façais pois m o pr om et est es.
- Pesa- m e, disse ele, m as pois que m e conv ém fazer , fá- lo- ei, m as bem sabei que é m uit o con t r a a m inha
vont ade.
283. Tant o andar am pela vila falando de m uit as coisas, que chegar am ao alcácer . O alcácer er a um a t orr e
pequena que est av a em m eio do cast elo, por isso er a m ui bem post o; e nunca achar am quem lhes algo falasse.
- Dom Er ec, disse Mer augis, eu vos ouvi or a dizer que est áveis aqui entr e vossos inim igos, e sois m elhor
cav aleir o do que eu; m as ainda v os digo que, se aqui fazer quiser des algum a coisa de ar m as, por ser em
m uit os, não o deix eis, por que v os t enho por t ão bom cav aleir o que, por pouca aj uda que v os farei, não nos
im pedir ão, se aí não houv er m uit a gent e sobej o.
E ele disse que não t er ia m edo, enquant o t iv esse a alm a no cor po.

284. Assim falando, chegar am ao alcácer e achar am a por t a aber t a, por que ainda os de dent r o não est av am ,
ant es andav am folgando por um pr ado que hav ia ao r edor da t or r e. Mas, por que est e liv r o não r elat ou ainda
com o for a m or t o r ei Lac, relat ar em os agor a o m ais ligeir am ent e que puder m os, assim com o a v er dadeir a
est ór ia o diz. Ver dade foi que r ei Lac e Dir ac for am ir m ãos de pai e de m ãe e for am nat ur ais de Gr aça, filhos de
r ei Tanaão de Salolíqui. O r ei Tanaão não for a de linhagem de r eis, m as de pobr es cav aleir os, t odav ia t ant o fez
por sua pr oeza que foi r ei, por que m ui t er r a gr ande e rica havia conquist ado. Ele tinha em sua ter r a m uit as
pessoas que m or t alm ent e o desam av am , m as não o ousav am m ost r ar e pensav am com o o poder iam lev ar à
m or t e, se pudessem ; m as não podiam , por que se guar dav a ele bem . Depois acont eceu que adoeceu um pouco
à ent r ada de um v er ão, e um dia que est av a em seu pr ado pediu de beber ; e alguns de sua casa, que além
disso seus pr iv ados er am , que encober t am ent e lhe queriam gr ande m al, pr epar ar am , àquela hor a, peçonha que
lhe dessem a beber , m as não for am t ão ousados que lha dessem , m as por Dir ac seu filho, que ainda er a
m enino, por que não t inha m ais de dez anos, lha env iar am e disser am - lhe:
- O r ei m or r e de sede, m as t om a est e beber e lev a- lho, por que lhe ser á m ui pr ov eit oso cont r a sua
enfer m idade.

285. O m enino, que se não dav a cont a da peçonha, pegou a que lhe der am e lev ou- a a seu pai, e assim que o
pai bebeu, m or r eu. Quando o r ei m or r eu assim com o v os digo, os r icos- hom ens, que não am av am o pai, não
am ar am os filhos, e disser am ent r e si:
- Se est es m eninos v iv er em e for em r eis, quer er ão vingar a m or t e de seu pai e poder á nos adv ir m al. Mas
façam os logo bem : m at em o- los com o m at am os seu pai e assim nos não v ir á m al por eles.
Nist o concor dar am os r icos- hom ens do r eino, os m ais, e o far iam , se não fosse um seu am o, que er a
hom em bom e leal, que os pegou um a noit e com gr ande hav er e foi ao m ar com eles e ent r ar am num a nav e
t ão escondidam ent e, que não for am r econhecidos. O v ent o foi bom e Deus os guar dou de m odo qu e, ant es de
um m ês, apor t ar am na Gr ã- Br et anha.

286. Com o r ei Ar t ur m andou cr iar os filhos de r ei Lac. Rei Ar t ur , que er a ent ão m enino e r einav a havia pouco,
andav a caçando aquele dia per t o do m ar e achou a bar ca que ent ão apor t ar a; e quando v iu os m eninos, que
er am t ão for m osos, agr adou- lhe m uit o, por que bem lhe sem elhar am de alt a posição; e per gunt ou por sua
sit uação; e o am o lho cont ou t odo. E quando o r ei ouv iu a t r aição dos de Gr aça, pesou- lhe m uit o e tom ou os
m eninos e m andou- os cr iar ; e, depois que for am gr andes, fê- los cav aleir os e deu- lhes t er r a, e depois fizer am
eles t ant o que for am am bos r eis e houv er am por m ulheres duas ir m ãs de r ei Peles. A m ulher de r ei Dir ac t eve
de seu m ar ido t r ês filhos e um a filha. Os t r ês filhos de r ei Dir ac, quando for am gr andes cav aleir os, t iv er am
gr ande inv ej a de r ei Lac, por que er a de m aior fam a do que seu pai, e er a de m aior bondade em t udo, e dist o
lhe colher am t ão gr ande desam or , que não er a sem m ar av ilha.

287. Por isso acont eceu que, quando Er ec, que dist o nada sabia, er a j á cav aleir o e se separ ar a de seu pai par a
ir à cor t e de r ei Ar tur , um a t ar de que r ei Lac foi ver seu ir m ão naquele cast elo de que vos disse, os f ilhos de r ei
Dir ac, que seu t io desam av am , saír am cont r a ele e m at ar am - no. Rei Dir ac, seu ir m ão, houv e grande pesar ,
m as não t ant o com o dev ia. Todos os r icos- hom ens da Gr ã- Br et anha o t iv er am por gr ande deslealdade e, um
pouco ant es que a dem anda do sant o Gr aal fosse com eçada, pr ender am eles a ir m ã de Er ec, que er a um a das
for m osas m ulher es do m undo e pr ender am - na, por que bem cuidav am que, se o Er ec soubesse, de qualquer
m aneir a viria aí; e, se v iesse, o m at ar iam por lhes ficar a t err a de r ei Lac.

288. Com o Er ec e Mer augis ent r ar am no cast elo e m at ar am os filhos de Dir ac e t om ar am o cast elo e solt ar am a
ir m ã de Er ec da pr isão e os out r os que lá est av am . Assim com o v os digo foi m or t o r ei Lac e sua filha foi pr esa.
Er ec bem ouv ir a dizer da m or t e de seu pai, m as t ant o lhe apr azia a com panhia da casa de r ei Ar tur , que não
podia ent ender senão de cav alaria; m as não sabia de sua ir m ã que est av a pr esa. Quando a donzela que o dom
lhe pediu o m et eu no alcácer e ele viu que Mer augis lhe quer ia ainda t er com panhia, disse:
- Dom Mer augis, aqui há m uit a gent e que logo poder ia fazer gr ande m al a m elhor es dois cav aleir os que
v ós; por ém eu nunca fiz t ant o por v ós que dev ais por m im ent r ar em perigo de m or t e; e por isso quer ia, assim
Deus m e aj ude, que v olt ásseis, por que se aqui m or r êsseis com igo, ser ia gr ande pena v ossa m or t e e não
ganhar ia eu nada.
- Assim Deus m e aj ude, disse Mer augis, não é bem o que dizeis, por que, assim m e v alha Deus, ant es
quer ia eu or a m or r er conv osco que ir sem v ós daqui v iv o e são.
- Pois or a sej a Deus em nossa aj uda, disse Er ec.
Ent ão per gunt ou Er ec à donzela:
- Cuidais que os filhos de r ei Dir ac est ão aqui?
- Sim , sem falha, disse ela, eu v o- los m ost r ar ei logo.
- Ai, Deus! disse Er ec, bendit o sej ais.
E assim que chegar am ao paço, descer am ; por que não podiam ent r ar lá a cav alo. E assim que for am
dent r o, gr it ou a donzela:
- Vinde adiant e, senhor es, v inde adiant e; v edes aqui Er ec, filho de r ei Lac, que v os t r ago.
No paço hav ia gr ande lum e, de m odo que per t o poder ia alguém v er t ão bem com o se fosse de dia. E,
depois que a donzela gr it ou, não t ar dou m uit o que o paço se encheu t odo de cav aleir os e de cr iados, m as não
havia aí quem ar m as t r ouxesse; e os t r ês ir m ãos, que er am filhos de r ei Dir ac, quando vir am Er ec ar m ado, não
o r econhecer am a não ser quando ela gr it ou-lhes outr a v ez:
- Vedes aqui o que t ant o hav eis dem andado. Or a apar ecer á o que a r espeit o far eis.
E eles ficar am espant ados quando vir am que desar m ados est avam ant e Er ec, que est ava arm ado, que
t inham por m or t al inim igo e por m ui bom cav aleir o e de gr ande fam a. E Er ec, que os desam av a m or t alm ent e,
m et eu m ão à espada, assim que os r econheceu gr it ou par a eles:
- Tr aidor es falsos, m at ast es m eu pai à t r aição. Est a noit e chegar á a hor a em que r eceber eis por isso o
galar dão.
Ent ão er gueu a espada e fer iu o m aior t ão r ij am ent e, que o fendeu at é as espáduas. E Mer augis t am bém

m at ou o out r o. Quando o t er ceir o ist o viu, quis fugir , m as Mer augis o ant es m at ou per t o dos out r os. Ent ão se
lev ant ar am as v ozes m uit o gr andes e o rebuliço pelo paço; e quiser am fugir t odos os out r os do paço, m as os
dois cavaleir os, que er am bons e esper t os, não quiser am que escapassem a salv o e fer ir am de um a par t e e da
out r a, e m at ar am e fer ir am e fizer am m uit os deles salt ar pelas j anelas, e fizer am t ant o, em pouco t em po, que
ent r e fer idos e m or t os for am m ais de sessent a, e m ant iv er am - nos em t ão gr ande sofr im ent o, que não ficou no
paço nenhum v iv o, ex cet o eles t odos t r ês: Er ec e Mer augis e a donzela, que não fossem m or t os ou pr esos.

289. O r ebuliço foi m uit o gr ande pelo cast elo, por que uns diziam :
- Ar m as! Ar m as!
E out r os:
- Valia! Valia!
E deix ar am - se ir t odos ao paço por com bat er em a quem lhes t ant o dano fizer a. E por que m uit o ouv ir am
dizer que aquele er a Er ec, filho de r ei Lac, que por dir eit o dev eria ser seu senhor e do cast elo e de m uit os
out r os, per der am a m á v ont ade e afast ar am - se; e os que er am m ais sisudos com eçar am a dizer às gent es:
- Senhor es, que quer eis fazer? Sabei que Deus nos fez t ão for m oso m ilagr e e nos env iou a m ais for m osa
av ent ur a que nunca a alguém enviou, por que nos m andou nosso nat ur al senhor , que por sua pr oeza nos liv r ou
de gr ande ser v idão em que est es nos m ant inham por sua for ça. Or a não hav em os que t ar dar m ais; v am os a
ele e peçam os- lhe m er cê e façam o- lo senhor dest e cast elo, assim com o dev e ser , e ist o nos r esult ará em honr a
e ser em os t idos por leais.

290. Com o os do cast elo se agr adar am m u it o com Er ec. Com ist o concor dar am t odos e env iar am ao paço
aquele que achar am m ais sisudo e m ais j udicioso. E aquele fez t ant o em pouco t em po, que falou com Er ec e
com Mer augis, de m odo que a paz foi feit a ent r e os do cast elo e Er ec. Er ec ficou m uit o sat isfeit o do pr eit o e
r ecebeu os do cast elo por seus hom ens e eles a ele por seu senhor , e fizer am logo t ir ar os m or t os do paço.
Mer augis os fez deit ar às v alas, for a da v ila, por que disse que t r aidor es não deviam ser sot er r ados com honr a,
m as com o t ais. Depois que fizer am ist o, a alegr ia foi t ão gr ande ent r e eles, que er a m ar avilha, e os hom ens
bons velhos, quando r econhecer am Er ec, chor avam com ele de piedade e diziam :
- Senhor Deus, bendit o sej ais, que guiast es aqui nosso senhor , por que m aior alegr ia e m aior vent ur a não
nos poder ia em t ão pouco t em po sobr ev ir .
Ent ão fizer am vir ant e ele sua ir m ã, que t inham os t r aidor es pr esa; e assim que ela viu seu ir m ão e o
r econheceu, houv e t ão gr ande alegria que não poder ia alguém cont ar ; e fazia m uit o dir eit o, por que o am av a
m ais que out r a coisa no m undo; e ele ficou m uit o alegr e quando a viu, e bendisse a Deus que o ali tr ouxer a,
que lhe m ost r ar a sua ir m ã.

291. Muit o foi gr ande a alegr ia que os do cast elo fizer am aquela noit e; e fizer am um leit o par a Er ec, o m ais r ico
que puder am , e par a Mer augis, out r o per t o dele. E depois que Er ec se deit ou e ador m eceu, t ev e um sonho
m uit o espant oso, e v os dir ei qual é.
Par eceu- lhe que est av a num cam po er m o em que não hav ia er v as, nem ár v or e, nem flor , nem fr ut o, nem
nada de que alguém pudesse v iv er . E est ando naquele cam po m uit o espant ado do que via, v iu v ir em sua
dir eção um a loba que t r azia um cor deir o na boca e dizia- lhe:
- Er ec, m at a est e cor deir o por que t e conv ém fazê- lo.
E ele o m at av a, m as m uit o cont r ar iado, e saía dai logo e deix av a a loba. E depois, ao cabo de um pouco,
v inha pós ele um lobo que o acom et ia e o despedaçav a em m ais de cem pedaços, e com ia- o.

XLI V
Er e c m a t a sua ir m ã

292. Com o a donzela pediu a Er ec a cabeça de sua ir m ã. Tal foi o sonho que Er ec sonhou aquela noit e, e houv e
t ão gr ande espant o, que se desper t ou e per signou- se m uit as v ezes e fez sua or ação a Deus e a Sant a Mar ia e a
t odos os sant os, que o guar dassem de m á andança e de desv ent ur a. Toda a noit e pensou nist o t ant o que não
pôde dor m ir . E quando foi dia, lev ant ou- se ele e Mer augis e for am ouvir m issa do Espír it o Sant o. Aquele dia,
est ando t odos sent ados com endo com gr ande alegr ia, e a ir m ã de Er ec, que er a m uit o for m osa e m uit o
agr adáv el, est ando sent ada per t o de seu ir m ão, acont eceu que, por desv ent ur a, a m á donzela entr ou, aquela
que levou lá Er ec e Mer augis. Quando ela viu Er ec per t o de sua ir m ã, dir igiu- se a ele e disse- lhe:
- Er ec, v ós m e dev eis um dom o qual v os ont em r ecor dei, e quer o que o saibam quant os aqui est ão.
- Ver dade é, disse ele; e, se Deus quiser , não v os hei de m ent ir .
- Pois, disse ela, esper ar ei at é que vej a t em po e ocasião de o pedir .
- Bem quer o, disse ele, que esper eis quant o v os apr ouv er , por que, se v os m ent ir o dom que v os pr om et er ,
quer o que m e falt eis quando v os cham ar .
Assim o disse Er ec e achou- se t ão m al depois, que bem quiser a est ar m or t o; e assim que as m esas for am
t ir adas, foi a m á donzela ant e Er ec e disse- lhe:
- Er ec, eu t e peço a cabeça dessa donzela que sent a per t o de t i.
Quando ele ist o ouviu, ficou t ão espant ado que lhe falt ou o ânim o, ent r et ant o disse:
- Ai, donzela, por Deus, m er cê! Tom e- v os piedade de m im e dela, por que se eu m inha ir m ã m at asse, e
além disso t ão for m osa donzela e t ão agr adáv el, est a ser ia a m aior t r aição que nunca fez cav aleir o nest a t er r a;
e ao m enos, se por Deus e por m im não quer eis dela hav er m er cê, hav ei m er cê, por que é t ão for m osa que, a
m eu cient e, nunca donzela t ão for m osa v ist es.
- Sua beldade, disse ela, não m e im por t a, por que est a é a pessoa do m undo que eu pior quer o, e quer o
que m ant enhais o que m e pr om et est es.
293. Com o Er ec r ogou à donzela que lhe não apr ouv esse m at ar sua ir m ã. Quando Er ec ist o viu, er gueu- se e, de
t ão alt o com o est av a, deix ou- se- lhe cair aos pés e disse- lhe chor ando:
- Ai, boa donzela, t em m er cê de m inha ir m ã, e eu m e t or nar ei t eu ser v o e quant os de m im t er r a t êm , e
deix a- a, por que, se or a m or r er , a per da ser á gr ande e eu ser ei por isso escar necido; e t u, am iga senhor a, nada
ganhar ás com isso.
Bem out r ossim diziam t odos os do paço e br adav am e clam av am m er cê, de m odo que não há quem os
v isse que não dev esse hav er deles dó e piedade. E à donzela, com lágr im as e com chor os diziam :
- Mer cê, m er cê, donzela v ent ur osa, não deix es m or r er t ão for m osa cr iat ur a com o est a donzela.
Mas aquela, em cuj o cor ação não ent r ou piedade, quando v iu que lhe r ogav am t ant o, ficou m uit o m ais
br av a e m ais or gulhosa e disse:
- Ainda assim não v ale nada; não far ei nada por v osso r ogo. Ou eu t er ei a cabeça dest a donzela, ou Er ec
m e m ent ir á do que pr om et eu.
E quando Er ec v iu que não podia out r a coisa achar nela, r espondeu chor ando m uit o:
- Ai, donzela aleiv osa e t r aidor a, em m á hor a foi est a pr om essa feit a, por que ficar ei m ais escar necido do
que nunca ficou cav aleir o; e não ganhar ás com isso nada, por que, se Deus quiser , ainda por isso m or r er ás de
m á m or t e.
- Não v os im por t eis, disse ela, m as fazei o que dev eis, por que, de out r o m odo, não v os quit ar ei.
- Não? disse ele, m uit o m e pesa. Cer t am ent e m ais quiser a a m or t e do que m e acont ecer ist o.

294. Com o a ir m ã de Er ec r ogav a seu ir m ão que não a m at asse e t odos os do cast elo o r ogav am . Ent ão se
er gueu com t am anho pesar , que bem quiser a est ar m or t o, e disse a sua ir m ã:
- I r m ã, for m osa cr iat ur a, que far ei de v ós? Por que não posso est ar que v os não m at e. Mal dit a sej a a
av ent ur a que m e aqui t r oux e, a m eu pesar e a m inha m or t e, onde eu cuidav a v ir a m eu bem e a m inha honr a.
Quando a donzela ist o ouv iu não foi m enor o m edo que t ev e, por que t em ia sua m or t e com o qualquer um ,
e deix ou- se cair a seus pés e disse chor ando:
- I r m ão, t em de m im m er cê e lem br a- t e que sou t ua ir m ã de pai e de m ãe e nunca m ereci que m e
m at asses e av alia dir eit o o que hás de fazer , por que, se m e m at ar es, far ás a m aior v ileza que nunca cav aleir o
fez; e, se por out r a coisa não é, dev es deix á- lo por que sou donzela, e cav aleir o com o t u não dev e m et er m ão
em donzela por nada que acont eça.
E os do paço disser am ent ão t odos a um a v oz:
- Ai, senhor , t ende m er cê de v ossa ir m ã. Não façais a gr ande br av ur a que est a desleal donzela v os
aconselha.
E ele disse ent ão:
- Que dizeis, senhor es? Disso não posso escapar , a m enos que m e m at eis, por que, enquant o v iv a, não
m e afast ar ei de pr om essa que pr om et er , m as se m e m at ar des, ficar á ela. Or a fazei qual t iver des por m elhor :
ou m e m at ais, ou m at ar ei eu a ela, por que m ui de cor ação quer o r eceber est a m or t e, por que out r ossim j am ais
ser ei leal cav aleir o; depois que est a cr ueza fizer , não v aler ei um a palha.
295. Com o Er ec cor t ou a cabeça a sua ir m ã e com o a deu à donzela. Os que no paço est av am não sabiam que
dizer , por que seu senhor não m at ariam de nenhum m odo, e t inham - no por t ão bom cav aleir o e por t ão bom
hom em , que poder ia ainda a m aior honr a chegar .
Mer augis, que t ão gr ande pesar t inha que não sabia conselho, disse a Er ec:
- Ai, dom Er ec, enquant o for des v iv o, ser eis escar necido se m at ar des v ossa ir m ã por um a desleal donzela.
E depois disse Er ec:
- Que far ei do que pr om et i?
Ent ão foi a um a câm ar a e pegou sua espada, e depois v olt ou ao paço com gr ande pesar , que bem quer ia
que do céu caísse cor isco que o fer isse. E quando chegou a sua ir m ã, sacou a espada; e ela ainda pediu- lhe
m er cê e disse:
- Ai, ir m ão Er ec, por Deus, m er cê, olha que nunca m er eci m or t e; e se m e não quer es deix ar por Deus e
por t ua cav alar ia, ao m enos olha que sou donzela t ão for m osa com o v ês, e sou louv ada de beleza sobr e t odas
as donzelas da Gr ã- Br et anha.
Ele r espondeu com gr ande pesar :
- I r m ã, t udo ist o não v ale nada; m or r er v os conv ém . Mas ist o que m e dizeis m e far á m or r er de pesar , se
cav aleir o dev e de pesar m or r er .
Ent ão er gueu a espada e v ir ou o r ost o a out r a par t e, com o quem não podia v er t ão gr ande sofr im ent o. Ela
est av a j á t oda desacor dada, que se não podia guar dar ao golpe; e ele a feriu r ij am ent e que lhe fez a cabeça
cair m ais longe que um a lança e o cor po caiu em t er r a; e ele disse logo à donzela:
- Donzela m aldit a, ex com ungada, a m ais aleiv osa donzela que algum a v ez m ont ou em palafr ém , or a
t om ai v ossa pr om essa, e Deus v os deix e t al pr azer hav er , com o fizest es hav er a m im .
E ela foi logo à cabeça e pegou- a e disse- lhe:
- Or a t enho o que queria.
Tam bém disse a Er ec ant e t odos:
- Tu m e acusas de t r aição, m as cer t am ent e não m e dev em t ant o acusar com o a t i, por que, se não fosses
m ais aleiv oso cav aleir o do que out r o, não m at arias assim t ua ir m ã só por um a palav r a que m e pr om et est e.
Ent ão saiu do paço e lev ou a cabeça e m ont ou seu palafr ém . Mas nunca v ist es t ão gr ande pr ant o nem
alt as v ozes com o iam fazendo depós ela, quando v ir am que lev av a a cabeça e, se a ousassem m at ar , não
deix ar iam de m odo algum de fazê- la em cem pedaços. Mas naquele t em po er a cost um e na Gr ã- Bret anha que
ninguém m et esse m ão em donzela m ensageir a, se não quisesse per der a honr a por t odos os dias de sua v ida
ou se não fosse cav aleir o endiabr ado.

296. Com o a donzela que lev ou a cabeça foi queim ada de cor isco.
Assim saiu a m á donzela do cast elo o m ais cedo que pôde, por que houv e pav or de ir em pós ela os do cast elo e
lhe fazer em m al. Mas ela não se afast ou do cast elo m ais de t r ês lances de best a, que acont eceu um a avent ur a
m ar av ilhosa; e ist o foi, sem falha, m ilagr e; pois v eio do céu um a nuv em cheia de fogo e de cham a que se pôs
sobr e a donzela e sobr e seu palafr ém ; e quando ela v iu que pegav a f ogo, dei\ . alt os e dolor idos gr it os, de
m odo que os do cast elo a ouv ir am , m as logo quedar am seus gr it os, por que em pouco t em po foi queim ada e
par t iu a nuv em dela, assim que os do cast elo v ir am a ela e seu palafr ém j azer queim ados.
297. Com o achar am a cabeça da ir m ã de Er ec sã. Est a m ar av ilha, logo que a v ir am t odos os do cast elo, v ier am
e achar am a m á donzela e seu palafr ém queim ados, m as a cabeça da ir m ã de Er ec est av a t ão sã, que nem um
só cabelo queim ou. E disser am t odos:
- Ai, Deus! Com o aqui há bom m ilagr e e for m osas v ir t udes!
Or a apar ece a lealdade da nossa donzela e a t r aição dest a out r a.
Ent ão fizer am gr ande dó e gr ande pr ant o sobr e a cabeça da donzela, e der am gr aças a Deus da for m osa
v ingança que t om ar a da m á donzela.
Quando Er ec, que ainda no paço est av a fazendo seu dó, ouv iu ist o, disse a Mer augis:
- Que v os sem elha dist o?
E ele r espondeu:
- Eu cuido que Nosso Senhor não est á m uit o alegr e do que v ossa ir m ã r ecebeu em dando- lhe v ós m or t e,
e, se por isso não v os sobr ev ier logo m al, nunca acr edit ar ei em coisa que m eu cor ação diga.
Er ec, que t inha t ão gr ande pesar que não sabia que fizesse, r espondeu:
- Cer t am ent e, am igo Mer augis, se a v ingança de Nosso Senhor v iesse t ão sofr idam ent e com o m eu
cor ação desej av a, não t ar dar ia nada, por que cer t am ent e eu queria j á que v iesse um cor isco que m e fer isse
assim com o fez à m á donzela e que t odos os do cast elo v issem a v ingança.
E Mer augis r espondeu ent ão:
- Dom Er ec, a m or t e não v em segundo a v ont ade do pecador nem daquele que a desej a, m as com o Deus
quer .
- Ai, infeliz! disse Er ec, quant o er r ei! Quant o ofendi! Com o m e m at ei!
- Tudo ist o foi por v ós m esm o, disse Mer augis. Nunca a m eu pedido e dos hom ens bons daqui quisest es
algo fazer ; e t enho por m im que v os sobr ev ir á algum m al.
- Não poder ia, disse ele, m e sobr ev ir t ant o m al que eu não m er ecesse.
Ent ão pediu suas ar m as, que não quis m ais ali ficar ; e os do cast elo as der am m ui cont r ariados, por que
não quer iam que t ão cedo se separ asse deles. E Mer augis, quando o viu ar m ar - se, disse que por ele v ier a ali e
com ele quer ia ir ; e ar m ou- se e m ont ou seu cavalo, depois que Er ec m ont ou no seu, e par t iu do cast elo.

XLV
D or de Er e c

298. A dor e o sofr im ent o que Er ec havia, por que m at ar a sua ir m ã. Assim par t iu Er ec de seu cast elo, onde
m at ou sua ir m ã; e andou t odo aquele dia chor ando e fazendo t ão gr ande pr ant o que não havia quem o v isse
que o não t ivesse por louco. Aquele dia, quando com eçou a anoit ecer , chegar am à ent r ada de uma flor est a e
ent r ar am nela e andar am t ant o, que chegar am a um vale fundo e cheio de m at o espesso e m au de andar , e
achar am no cam inho um a casa v elha e er m a e o m ais dela est av a caído. Er ec andav a com t ão gr ande pesar
que não podia m aior , e deix ar a j á seu pr ant o por um a coisa em que ia pensando; por que pensav a que se
separ ar ia de Mer augis, se pudesse; e, se dele se separ asse, andar ia sem pr e só e far ia seu lam ent o e seu
pr ant o at é que houv esse de m or r er quer por j ej uar , quer por v elar , quer por fazer seu pr ant o; e j am ais hav er ia
com panhia nem com ele nem com out r em ; e est a seria a v ingança que poder ia t om ar por sua ir m ã que m at ou,
disse ele.
299. Com o Er ec se separ ou de Mer augis pelo pr ant o que ia fazendo. Nist o ia Er ec pensando, quando v iu a casa
er m a e pensou em ficar lá e, assim que Mer augis dor m isse, se separ ar ia dele e ir ia a lugar onde o achar não
pudesse, ainda que o pr ocur asse; e assim poder ia, daí por diant e andar só e fazer o que pensav a. Quando lá
chegar am , disse a Mer augis:
- Am igo, sint o- m e j á t ão lasso que, de bom gr ado, apear ia, se v os apr ouv esse, e folgar ia aqui um pouco;
e além do m ais, é j á per t o da noit e, e de noit e não faz bem cavalgar .
E Mer augis ficou com isso m ui ledo, por que bem cuidou que o dizia por folgar , por que não sabi a o que ele
cogit av a. E descer am logo e t ir ar am depois os escudos e as lanças e os elm os par a folgar em m ais e deix ar am
os cav alos ir pascendo e deit ar am - se sobr e a r elv a; e Er ec não dor m ia, por que pensav a em outr a coisa; e
Mer augis ador m eceu logo, por que não cuidav a que Er ec o deix asse. Quando Er ec soube v er dadeiram ent e que
Mer augis dor m ia, enfr eou seu cav alo e deit ou- lhe a sela e t om ou suas ar m as e cav algou e v olt ou par a o gr ande
cam inho por onde v ier a. Toda a noit e andou, desv iando- se por onde v ia m ais espessa a flor est a, por que não
quer ia que de m odo algum o achassem , por que t inha gost o de andar só e fazer seu dó e seu pr ant o por sua
ir m ã; e pensou em não com er e se dar sem pr e ao sofrim ent o por que bem im aginav a que por aí poder ia m ais
cedo m or r er . E ist o queria ele de bom gr ado, por que lhe par ecia que ser ia por aí v ingada a m or t e de sua ir m ã.

300.Com o Er ec chegou à casa da r eclusa, quando hav ia cinco dias que não com er a. Assim andou todo aquele
dia e out r o, um a hor a de cá e out r a de lá, desv iando- se; e aos cinco dias chegou, assim com o a av ent ur a o
lev av a, à casa de u m a r eclusa, e ist o foi um a noit e ant es que clar easse; e ele est av a j á ent ão m uit o lasso e
m uit o fr aco, e não er a m ar avilha, por que cinco dias hav ia que não com er a nem descansar a, andando fazendo
lam ent ação e seu cav alo est av a t ão cansado, que com dificuldade o podia t r azer . Quando chegou à cela, não
cuidou que havia hom em nem m ulher ; e por isso, por que se sent ia lasso e v ia que seu cav alo lhe falhav a
m uit o, apeouse e o deix ou ir pascendo por onde quisesse; e t ir ou seu escudo e seu elm o e deit ou- se sobr e a
r elv a diant e da j anela da r eclusa e ador m eceu; e est av a t ão sofr ido de cansaço e de abor r ecim ent o, que dor m iu
at é o out r o dia, hor a de m eio- dia.

301. Com o Er ec fazia lam ent o por sua ir m ã que m at ar a, e com o confor t ou a r eclusa. Ao m eio- dia, desper t ou- se
Er ec e lem br oulhe sua ir m ã, de quem não lhe podia esquecer o pesar , e com eçou a fazer seu pr ant o t ão
gr ande, que não havia quem o visse que o não t iv esse por m ar avilha. A r eclusa que o olhar a m uito enquant o
dor m ia, quando o v iu seu pr ant o fazer t ão gr ande, m ar av ilhou- se do que poder ia ser , por que bem v ir a que
ninguém lhe fizer a pesar por que o dev esse fazer . Ent ão cham ou- o e disse- lhe:
- Ai, cav aleir o, que t al pr ant o fazes! Assim Deus t e guar de, fala, am igo, e dize- m e de onde est e pesar t e
v eio, se pode ser que m o dev as dizer , ou se é cousa em que t e possa aconselhar , e aconselhar - t e- ei.
Quando ele ouviu falar , m ar av ilhou- se, por que não cuidav a que ali hav ia hom em nem m ulher , e olhou ao
r edor com o espant ado, e quando v iu a r eclusa, deix ou seu pr ant o e disse:
- Senhor a, que v os apr az?
- Por Deus, disse ela, dizei- m e algum a coisa de v ossos feit os c de onde est a dor v os v em , por que de bom
gr ado o quer ia saber .
- Senhor a, disse ele, eu v o- lo dir ei. Sou um cav aleir o m al- av ent ur ado e infeliz, o m ais desleal de que
nunca ouv ist es falar , por que fiz a m aior t r aição que algum a v ez um cav aleir o fez.
E cont ou- lhe t udo. E depois que lho cont ou, houv e a m ulher m ui gr ande pesar e disse- lhe:
- Senhor cav aleir o, pois que assim v os acont eceu e v edes que não pode j á out r a coisa ser , t endes que v os
confor t ar o m ais que puder des e r ogar a Nosso Senhor que v os per doe, por que, cer t am ent e de fazer des pr ant o
com o com eçast es não v os adv ir á senão m al, nem Deus v o- lo agr adecer á, nem alguém foi t i do por t ão
desgr açado com o ser eis, se m or r er des d,e t al m odo.

302. Com o a r eclusa disse a Er ec com o chegav a sua m or t e. Tant o lhe disse a dona e t ant o o cast igou, que um
pouco deix ou seu pr ant o. Disse, por ém , Er ec que nunca pr azer hav er ia; depois, out r a coisa disse à m ulher :
- Senhor a, se est a m á int enção m e v eio não é m ar av ilha, por que, cer t am ent e, na noit e ant er ior àquele
dia em que m at ei m inha ir m ã m e v eio um gr ande sonho que nunca de t al ouvi falar ; e t ant o houv e gr ande
espant o, que m e desper t ei.
Ent ão lhe r ev elou qual for a o sonho. E a m ulher disse:
- Se eu o soubesse decifr ar com o out r os sabem , v o- lo decifr ar ia, m as não apr az a Deus que as suas
coisas escondidas sej am descober t as; e por isso só v os ouso dizer que v ossa m or t e se apr ox im a m ui
t er riv elm ent e; e por isso v os digo eu em cor r et o conselho que v os confesseis bem e, que de boca e de cor ação,
peçais per dão a Nosso Senhor , pois v ossa m or t e se apr ox im a e m at ar - v os- á um cav aleir o m ui br av o e m ui
desleal; e ist o não t ar dar á.

303. Com o Er ec par t iu da r eclusa e com o lhe deu que com esse a r eclusa. Quando ist o ouv iu, com eçou m ais a
pensar do que ant es, por que aquela, que sua m or t e r ev elav a, fazia- o espant ar - se, e por isso, ao cabo de um
t em po, disse:
- Senhor a, por Deus, sabeis quem é o que m e há de m at ar ?
- Cer t am ent e, disse ela, não; eu não sei m ais do que v os disse.
- Pois, disse ele, sej a t udo com o Nosso Senhor quiser . Já que m inha m or t e há de ser por ar m as, v ej o bem
e sei que não poder ia m or r er em m aior ser v iço de Deus do que na dem anda do sant o Gr aal; por qu e se m or r o
t ão bem confessado, com o est ou e com t ão gr ande pesar de m eus pecados, sei bem que Nosso Sen hor m e t er á
m er cê, e m inha linhagem t er á m aior honr a em t al m or t e do que se m or r esse de out r o m odo. E por isso
deiXar ei m eu pr ant o o m ais que puder e ent r ar ei na dem anda, do sant o Gr aal com m eus com panheir os. Mas
por que est ou can sado m ais do que ser ia pr eciso, por que não com o há cinco dias, r ogo- v os que m e deis algum a
coisa que com a.
E ela lhe deu um pão de cev ada m ui negr o e m ui dur o e m ui m au par a com er assim com o Er ec est av a,
m as com eu- o m uit o depr essa com o quem sofr ia de m uit a fom e. .E depois que t om ou o pão, foi a seu cav alo e
m ont ou e encom endou m uit o a m ulher a Deus, e ela, a ele; depois cavalgou pela flor est a devagar , pelo cavalo
que não sent ia t ão for t e com o cost um av a ser . Dest e m odo an dou um t em po sem av ent ur a achar que de cont ar
sej a. Mas or a deix a o cont o de falar dele e t or na a Mer augis por cont ar ' com o ele e Heit or houv er am
com panhia, e com o achar am depois Er ec por t er r a no chão dolor oso de onde nenhum cav aleir o bom podia sair
sem dificuldade.

XLVI
M e r a ugis e H e it or

304. Diz o cont o que Mer augis, depois que ficou onde Er ec o deix ou assim com o a est ór ia o r ev elou j á, dor m iu
t oda a noit e. Pela m anhã, quando saiu o sol, desper t ou- se e olhou ao r edor de si, m as quando não v iu Er ec,
er gueu- se logo e andou pr ocur ando- o de um a par t e e da out r a. E quando o não pôde achar , julgou logo que se
separ ar a dele por fazer seu pr ant o em seu fim e por m or r er longe de gent e na desonr a e na v er gonha.
Dest e sofr im ent o de Er ec, houv e Mer augis t ão gr ande pesar , que não soube nisso conselho hav er ; e
com eçou a fazer seu dó e seu pr ant o por Er ec, pela gr ande bondade que nele v ia, e disse:
- Ai, bom hom em , bom cav aleir o, bom de ar m as, bom de cor agem , bom de cor t esia, edu cado, m oder ado,
benfeit or , cor t ês, do m elhor gar bo que nunca foi cav aleir o! Or a v ej o que v os separ ast es de m im por fazer des
vosso pr ant o e por vos enlouquecer des e m at ar des e por não ver eu o vosso sofr im ent o nem vossa m or t e nem
por v er o pesar que disso hav er ia. Bem m ost r ais v ossa cor t esia.
Assim dizia Mer augis par a si m esm o com t ão gr ande pesar de sua par t ida, com o se fosse seu irm ão.

305. Mer augis est ando no cam inho onde Er ec dele se separ ou, eis que v em um cav aleir o no m eio de um
cam po, ar m ado de t odas as ar m as. E digo- v os que est e cav aleir o er a Heit or de Mar es. Quando Mer augis o v iu
v ir chegando, cuidou que não quer ia senão dem andar j ust a e t om ou seu escudo e sua lança e su biu em seu
cav alo o m ais depr essa que pôde e par ou no m eio do cam inho, que se a ele quisesse dem andar , fosse
pr epar ado par a se defender . E Heit or , quando o v iu assim est ar na car r eir a, disse em seu ínt im o: est e cav aleir o
não dem anda senão j ust a; ele m e t er ia por m au e por cov ar de, se m e assim fosse sem m ais fazer . Ent ão deu
v ozes a Mer augis, e Mer augis, que se t inha por m uit o for t e e por m uit o v alent e, r espondeu:
- Pois que v ós à j ust a m e cham ais, não v os falt ar ei a m eu poder .
Ent ão se deix ou um ir ao out r o e fer ir am - se t ão r ij am ent e, que as lanças v oar am em pedaços. Mer augis
caiu por t er r a m uit o quebr ant ado, por que lev ou m uit o gr ande queda. E Heit or ficou em seu cav alo que er a
m uit o acost um ado a não cair . E Mer augis, quando se v iu por t er r a, er gueu- se logo m ui v er gonhoso dest a
av ent ur a e m et eu m ão à espada e pr epar ou- se par a se m ost r ar pelo m elhor que pudesse, por que bem v iu que
aquele que o der r ibar a não er a m enino. E quando Heit or v iu que se pr epar av a par a bat alhar assim a pé com o
est av a, pr ezou- o m ais que ant es e j ulgou que er a algum dos da m esa r edonda; e por isso quis saber quem er a,
ant es que m ais fizesse, e disse- lhe ent ão:
- Senhor cav aleir o, est ais a pé e eu a cav alo, e ainda com t al andança quer eis a bat alha?
E ele disse que ver dadeir am ent e queria, por que de out r o m odo lhe ser ia desonr a.
- Assim ? disse Heit or ; pois r ogo- v os pela fé que dev eis a t oda a cav alar ia que m e digais quem sois e o
que andais buscando, por que t al poder íeis ser que m e com bat a conv oscO e t al, que não.
- Senhor , disse Mer augis, j á m eu nom e não v os ser á encober t o, pois m o dem andais. Sabei que hei nom e
Mer augis e sou de Cor nualha e ainda não t enho feit o quant o desej a m eu ânim o, pelo que fique sat isfeit o e
t enha m uit a fam a. E por isso acom panhar am e com um cav aleir o, pouco há, pela gr ande bondade que nele
hav ia.
Ent ão lhe cont ou t udo com o for a e com o hav ia nom e, e Heit or lhe nom eou o seu. E assim que Heit or
ouv iu de Er ec a av entur a e andança que houv er a, houv e m ui gr ande pesar , por que ele am av a Er ec de m ui
gr ande am or , com o o cont o v os r ev elou. Ent ão disse a Mer augis:
- Vós pr ocur ais um hom em que eu am o sobr e t odos os cav aleir os de m inha linhagem ; e pois que o t ant o
am ais com o m e dizeis, eu sou aquele que de m odo algum , e por nenhum a r azão, com bat er ei conv osco, a
m enos que fosse por m or t al desam or . E por isso v os per dôo est a bat alha, por que, se Deus quiser , não falar ei
nisso m ais e m e dou por v encido.
Ent ão desceu e t ir ou sua espada e disse:
- Dom Mer augis, t om ai est a espada que v os dou e, se v os apr az, t enho- m e por v encido dest a bat alha.
- Senhor , disse Mer augis, ist o não far ei eu, se Deus quiser , que dist o r eceba eu honr a, por que cer t am ent e
sois m elhor cav aleir o que eu.
- Or a dizei- m e, disse Heit or , o que quer eis fazer em pr ov eit o de Er ec?
- Senhor , disse ele, quer o par t ir o m ais cedo que puder e pr ocur á- lo at é que o ache.
- Pois r ogo- v os, disse Heit or , que v os apr aza de v os t er com panhia nest a dem anda, por que se o v ós
buscar não quiser des, eu o buscar ei at é que o ache, par a o confor t ar dest a m á andança que lhe acont eceu.
E Mer augis disse que de sua com panhia est av a ele m uit o alegr e.

306. Dest e m odo se acom panhar am Heit or e Mer augis por ir em buscar Er ec; e depois que m ont ar am , disse
Heit or a Mer augis:
- Sabeis por onde se foi?
- Não, disse ele, que não v ej o seu r ast r o, nem sei t am pouco quando de m im se separ ou.
- Pois v am os, disse Heit or , a v ent ur a e Deus nos lev em onde o achem os.
- Assim o m an de Deus, disse Mer augis.
Ent ão t om ar am seu cam inho e andar am com o a v ent ur a os guiav a m uit o t em po sem av ent ur a achar que
de cont ar sej a.
Mas or a deix a o cont o de falar deles e t or na a Er ec, por cont ar de que m odo foi m or t o.

XLVI I
Er e c, Ga lv ã o e Agr a v a im

307. Quando Er ec despediu- se da r eclusa, andou m uit o t em po com o o cont o diz, que não achou av ent ur a que
de cont ar sej a. E um dia, à ent r ada de agost o, acont eceu- lhe que.a v ent ur a o tr oux e per t o de um a flor est a
ant e um cast elo, que ficav a num a v eiga. Os do cast elo faziam aquele dia gr ande fest a por oit av as do r ei que
t om ar a cor oa aquela sem ana e er a assim a com pet ição naquele dia - por que sabiam que passav am per ant e
aquele cast elo cada dia cav aleir os andant es - que, se algum cav aleir o da t er r a ousasse pr ov ar de j ust a com
quant os por lá passassem aquele dia, e se os der r ibasse, lhes dar iam em galar dão um a cor oa t ão r ica com o a
de seu senhor e um a donzela, a m ais for m osa que escolhesse em t oda a t er r a.
308. Galv ão, no dia ant erior àquele, vier a àquela com pet ição, e assim que v iu a donzela que dev er ia t er por
galar dão, aquele dia, aquele a quem Deus desse a honr a daquela com pet ição, enam or ou- se dela m u it o, por que
sobej o er a de gr ande beleza; e esper ou t ant o, que um cav aleir o da t err a soube da com pet ição. E quando v iu
que o cav aleir o pegou suas ar m as por ganhar o pr êm io daquele dia, Galv ão foi lá t ão escondidam ent e com o se
fosse um pobr e cav aleir o e pediu- lhe j ust a; e o cav aleir o, que não lhe per gunt ar a nada, j ust ou com ele, e foi
assim que o der r ibou Galv ão e o feriu de m or t e. Os da fest a vier am a ele e per gunt ar am - lhe quem er a; e ele se
nom eou; e quando ouv ir am que er a Galv ão, um dos v alent es cav aleir os do m undo, disser am que t er ia est a
honr a que o cav aleir o com eçar a e defendesse aquele tr ibut o dos cav aleir os que por lá passassem ; e ele disse
que assim o far ia, senão v iessem por lá cav aleir os da m esa r edonda. Assim est av a Galv ão naquela fest a na
fiúza de t er aquela donzela que v ir a na fest a. E quando v eio a hor a de noa, que diziam t odos que hav er ia
Galv ão. aquela honr a, eis que v em Er ec, um pouco depois daquela hor a, só, t r ist e e lasso e sofr ido com o v os j á
disse. Galv ão, que o não r econheceu pelas ar m as que hav ia t r ocado, dem andou- lhe j ust a.

309. Quando Erec ouv iu que j ust ar lhe conv inha, disse que lhe não er a m ist er , por que seu cav alo est av a j á t ão
m agr o e t ão cansado, que não podia m ant er - se de pé. E por isso disse:
- Pois que out r a coisa não pode ser , ant es quer o j ust ar do que ir assim com v er gonha.
Galv ão est av a sobr e um cav alo gr ande e for m oso e m uit o bom ; m as por Er ec que não t r azia lança,
t r oux er am os do cast elo um a m uit o boa. Ent ão se deix ou ir um ao out r o, e Galv ão feriu Er ec com t oda a for ça
t ão violent am ent e, que fez sua lança voar em pedaços, m as out r o m al não lhe fez; e Er ec, que era de m aior
for ça do que ele, o fer iu t ão r ij am ent e, que o m et eu em t er r a do cavalo, m as out r o m al não lhe fez, e a lança
v oou em pedaços, e os do cam po que t udo ist o v iam , com eçar am a escar necer e a dar t ão alt as v ozes de t odas
as par t es que ninguém ouv iria lá tr ov ão que se fizesse.

310. Quando Erec v iu Galv ão por t err a não o r econheceu pelas ar m as que hav ia t r ocado, por que m uit as v ezes
as t r ocar a desde que ent r ar a na dem anda do sant o Gr aal, e foi ao cav alo de Galv ão e m ont ou nele e deix ou o
seu, em que t inha pequeno pr ov eit o, e quando o v iu ir Galv ão, houv e t ão gr ande pesar e t ão gr ande v er gonha,
que se não soube dar conselho. E um cav aleir o desar m ado daqueles que guar dav am a fest a, quando v iu Er ec
assim ir , disse- lhe:
- Ai, senhor cav aleir o, se v os apr az, esper ai um pouco, at é que fale conv osco.
E ele par ou logo e o cav aleir o lhe per gunt ou:
- Senhor , por que v os ides? Cert o, se soubésseis o que hav eis ganhado nest a j ust a, ficar íeis de bom
gr ado, e ser íeis por isso m ui ledo, quando o soubésseis.
Ent ão lhe cont ou tudo com o o cont o há j á r ev elado. Quando Erec ist o ouv iu, disse:
- Senhor , não v os peseis do que v os dir ei. Sabei que não t om aria agor a a m ais for m osa donzela do
m undo, se m a dessem , por que t ant o m al e pesar m e v eio 'pouco t em po há, por donzela, que não há donzela
do m undo que t om asse, e por isso r ecom endo- v os a Deus e t oda v ossa com panhia, por que v ou sofr idam ent e,
por que t enho alhur es m uit o que fazer .
- Com o? disse o cav aleir o, assim enj eit ais est a honr a que Deus v os deu?
- Sim , disse ele, a enj eit o de t odo em t odo.
- Ao m enos, disse o cav aleir o, por cor t esia, dizei- m e com o t endes nom e.
- Tenho nom e, disse ele, Er ec, filho de r ei Lac.
E separ ar am - se logo am bos.

311. Er ec par t iu e foi quant o se pôde ir par a a flor est a, por que de bom gr ado quer ia j á est ar dent r o; e o
cav aleir o se t om ou à sua com panhia e cont ou- lhes as nov as que achar a. E quando Galv ão ouv iu que aquele er a
Er ec, que o assim confundir a ant e t ant os hom ens bons, houv e t ão gr ande pesar , que ant es quiser a est ar m or t o
que v iv o, por que não cuidav a que Er ec pudesse ser t ão bom cav aleir o; e pensou que se v ingar ia dele com o
nunca cav aleir o vingou de. outr o; nem j á por que er a com panheir o da m esa r edonda não o deix ar ia que lhe a
cabeça não cor t asse, e deix ou- se lev ar por um a t al sanha, que nunca alguém m ais m or t alm ent e desam ou
out r o. Aquele dia est ev e naquele cast elo com m aior pesar do que dem onst r av a; e no out r o dia, quando par t iu,
der am - lhe m uit o bom cav alo pelo seu, que per der a, por que bem v ir am que o de Er ec não v alia nada. Depois
que foi ar m ado, separ ou- se deles e foi à flor est a pela car r eir a por onde v iu ir Er ec, m as bem sabei que ia com
t ão gr ande pesar e t ão sanhudo, que disse que j am ais ser ia ledo at é que o achasse.

312. Ele indo assim com t al pesar , t opou com Agr av aim , seu ir m ão. Eles não se r econhecer am , pelas ar m as
que t r aziam t r ocadas, nem out r a coisa dem an dar am , por que v inham am bos pensando m uit o. E assim que se
chegou um ao out r o, per gunt ou Galv ão depois que o saudou:
- Senhor cav aleir o, vist es hoj e ou ont em um cav aleir o que t r az um as ar m as br ancas com um leão
ver m elho?
Agr av aim , assim que ouv iu falar seu ir m ão, r econheceu- o e disse- lhe:
- Ai, senhor , sede bem - v indo, por que m uit o há que v os ando buscando.
E Galv ão, assim que r econheceu seu ir m ão, abr açou- o e Agr av aim a ele. E Galv ão lhe disse:
- I r m ão, por que m e buscais?
- Senhor , disse ele, por que m e disser am que est áv eis fer ido num a abadia.
- Não é assim , gr aças a Deus, disse Galv ão; m as do cav aleir o de que v os per gunt o, saber íeis dizer nov as?
- Sim , disse ele; eu o achei ont em , em m al pont o por m im .
- Por quê? disse ele, fez- v oS algum m al?
Disse ele:
- Mui gr ande; der ribou- m e t ão br av am ent e que ainda or a m e dói.
- E por onde se v ai? disse Galv ão.
- Senhor , disse ele, v ai pelo gr ande cam inho da flor est a; m as pois assim é que o bu scais, bem sei que
não é sem r azão, e r ogo- v os que m o digais, se v os per gunt ar .
E Galv ão lho cont ou t odo.
- Pois assim é, disse ele, quer o t or nar conv osco, e t om em os dele a v ingança que quiser des.
E Galv ão assim lho out or gou.
313. Ent ão t om ar am os ir m ãos am bos e for am pós Er ec, e Agr av aim per gunt ou a Galv ão:
- Senhor , sabeis quem é o cav aleir o depós quem v am os?
- Sim , disse ele; é Er ec, o filho de r ei Lac.
Assim que ist o ouv iu Agr av aim , pux ou a r édea e afast ou- se afor a e disse:
- Por Deus, depós est e não ir eis por m eu conselho.
- Por quê? disse Galv ão.
- Assim é, disse Agr av aim , não sei se o sabeis, m as sei v er dadeir am ent e que hav eis de m or r er por um
cav aleir o, m as não sei seu nom e; sei, por ém , que ser á ou Lancelot e ou Er ec. E por isso quer o que v os guar deis
dest es dois.
- Quem v os disse ist o? disse Galv ão.
- Senhor , disse ele, ist o não r ev elar ei de nenhum m odo; m as apenas sabei bem que acont ecer á com o v os
digo, se dest es am bos não v os guar dais.
- De um , disse Galv ão, não m e guar dar ei, por que se m ist er fosse, m et er ia ele seu cor po par a salv ar o
m eu; e est e é Lancelot e. E o out r o sei que não é t al cavaleir o que at é o fim pudesse supor t ar . E por isso não
t enho dúv ida do que m e dizeis.
- Tudo ist o é nada, disse Agr av aim , por que assim há de ser . Agor a deix ai a bat alha.
- Não far ei, disse Galv ão, por que não ser á v er dade.
- Muit o m e agr adar ia, disse Agr av aim .
Assim andar am t odo aquele dia, que não alcançar am Er ec nem achar am quem lhes desse nov as dele, e
houv er am gr ande pesar disso, por que, de bom gr ado, o quiser am achar . Or a deix a o cont o a falar deles am bos
e t or na a Er ec, por r ev elar por qual av entur a o m at ou Galv ão àquela ocasião.

XLVI I I
A font e da v ir ge m

314. Cont a a est ór ia que Er ec, depois que se separ ou de Galv ão, que der r ibar a ant e um hom em bom , assim
com o o cont o há j á r ev elado, cav algou t ant o aquele dia, que ent r ou na flor est a sem av ent ur a achar que de
cont ar sej a. E no out r o dia out r ossim . Aquela noit e ficou em casa de um cav aleir o que m or av a na flor est a, que
lhe fez m uit a honr a, por que v iu que er a cav aleir o andant e. Na m anhã, par t iu e cav algou t odo aquele dia at é
hor a de m eio- dia; e ent ão lhe acont eceu que achou no fim do cam inho um a font e m uit o for m osa cer cada de
ár v or es de t odos os lados, que não há quem lá ent r asse que r eceasse o calor , por que er a agost o. Er ec, que
andav a m uit o sofr ido do calor , quando v iu a font e t ão for m osa e o lugar t ão pr epar ado par a folgar , desceu par a
guar dar a sest a e por folgar um pouco, e t ir ou o fr eio do cav alo e deix ou- o pascer , e depois, t ir ou o elm o e a
av ant alha e sent ou- se ao pé da font e e olhou a água, que er a m ui for m osa e m ui clar a, e pensou que folgar ia
ali at é que a sest a acabasse.

315. Ent ão deit ou- se sobr e a r elv a e com eçou a pensar m ui ser iam ent e, e ele pensando v ir ou de br uços. Ao
cabo de um pou co, achouse t ão m alt r at ado, que não podia m ex er o pé nem a m ão nem m em br o que t iv esse, e
per deu a fala, e m ar av ilhou- se do que poder ia ser , por que não v ia per t o de si hom em nem m ulher que o
encant asse. Ele est ando em t al sofrim ent o, viu vir em sua dir eção na font e tr ês donzelas e um a dona velha
sobr e m uit o bons palafr éns. As donzelas t odas as t r ês andav am t r aj adas com o se andassem à caça, pois um a
t r azia um corno m ui for m oso e m ui rico, a outr a, um ar co com seu coldr e de set as, e a t er ceir a, um cor ço na
t r ouxa. A m ulher nada t r azia, por que er a sua senhor a. Assim que chegar am à font e, apear am , e at ou cada um a
seu palafr ém por essas ár v or es, e t ir ar am depois o que tr aziam por folgar em , e cuidar am de Er ec, que dor m ia;
m as a m ulher , que m ais sabia do que elas, não cuidav a dele; aquela soube bem que não dor m ia. E se alguém
quiser per gunt ar de onde advier a a Er ec que est ava t ão m alt r at ado, eu lhe dir ei a ver dade, assim com o a achei
na v er dadeir a est ória.

316. A v er dadeir a est ória nos diz que est a font e onde acont eceu assim a Er ec er a cham ada font e da v ir gem , e
ist o foi por um a for m osa av ent ur a de um a v ir gem , que houv e no t em po de r ei Ut er Pandr agão. Hav ia um r ei
naquela t err a que t inha nom e Nascor . Aquele r ei er a naquela vila m uit o bom hom em , e am av a a Deus e t em iao
e t inha por m ulher um a m ui for m osa m ulher e m uit o boa; e t inha um filho e um a filha; e o filho er a o m ais
for m oso donzel que alguém visse em t oda a t er r a, e er a de dezesseis anos. A filha er a a m ais for mosa cr iat ur a
de t oda a Gr ã- Br et anha, e t ant a er a a gr ande fam a de sua beleza per t o e longe, que a v inham v er ; com o er a
for m osa e pela gr ande beleza que t inha a cham av am t odos angélica; e se a donzela par ecia ao pov o t ão
for m osa com o v os digo, m uit o m ais for m osa er a a Nosso Senhor , por que t oda boa obr a que podia fazer , fazia- a
escondidam ent e. E ninguém poder ia t er t ão gr ande gost o nas r iquezas do m undo com o t inha ela em Nosso
Senhor . E v er dade er a que ela se ent endia m uit o bem à m ar av ilha de div indade, m ais por gr aça e por out or ga
de Nosso Senhor do que por ensinam ent o de seus m est r es; e digo que seus m est r es er am de Rom a, onde
àquela época er am m ant idas as ciências que for am m udadas, m uit o t em po hav ia, da cidade de At enas. De t al
m odo pôs Deus seu espír it o na donzela, que os m est r es, que lhe ensinavam , est avam espant ados com a
int eligência que achav am . E sabei que ela conhecia a lenda que cham am do sant os padr es, que r ev ela gr ande
par t e da v ida dos padr es sant os e da Tr indade.

317. Que v os dir ei? Aquela donzela foi a segunda Cat ar ina em ciência e em bondade, aquela cuj a v ida dev e ser
cont ada, pois poder ia ser ex em plo e espelho a t odas as boas pessoas, que dela ouv issem falar . A donzela de
quem v os digo, que Aglinda se cham av a, quando chegou à idade de cat or ze anos, foi t ão for m osa Pessoa, que
er a m ar av ilha; e de bondade foi t al com o a est ór ia v os cont a. Seu ir m ão, que ainda não er a cav aleir o, m as
hav ia logo de ser , cav algav a um dia por um a flor est a, onde andar a caçando, e per der a t odos os seus cães e
seus hom ens, que não sabia o dest ino deles; e ele es~ t av a no m eio da flor est a num lugar t ão desv iado que
er a m ar avilha, por que o m at o er a t ão espesso e as t r ilhas t ão m ás, que não sabia qual t om asse. O donzel
com eçou a andar de cá e de lá, buscando t r ilha que o t r oux esse ao cam inho, m as de m odo algum podia achar .
Assim andou t odo aquele dia per dido de um lado e do out r o, e a noit e e o out r o dia, que não com eu nem
bebeu. A flor est a er a gr ande quat r o j or nadas de com pr im ent o e quat r o de lar gur a. E quando v eio o t er ceir o dia
em que andav a assim sofr ido, apar eceu- lhe o dem o com o v os dir ei.
318. Ao t er ceir o dia acont eceu que aquele donzel, que hav ia nom e Nabor , chegou àquela font e com m uit a fom e
e com m uit a sede e com m aior cansaço do que soía hav er , e ficou t ão cansado que, por pouco, lhe falt av a o
ânim o; e, por outr o lado, andav a com gr ande pesar por seus hom ens, que nunca achar cuidav a. Ent ão apeou
de seu r ocim , que est av a j á t al que não podia andar , e sent ou- se sobr e a font e, e com eçou a pensar m uit o
pr ofundam ent e e est ando assim pensando, eis que um dem o vem , que lhe apar eceu em sem elhança de hom em
sisudo que pensa e t em pesar e est á t r ist e; e não lhe fez par ecer que o conhecia, m as de alguém
desconhecido; e foi à font e e fingiu beber , m as não bebeu, por que nunca a Escrit ur a cont a que o diabo com e e
bebe; e por isso aquele que o olhav a e ainda pensav a, cuidou v er dadeir am ent e que beber a.

319. Quando o dem o, que assim pensav a, olhou m uit o t em po o donzel, que out r ossim pensav a sobr e a font e,
não lhe falou, ant es com eçou a fazer seu pr ant o, e, ao cabo de um t em po, disse:
- Ai, infeliz! t odo m eu ser v iço hei per dido.
O donzel deix ou ent ão seu pensar , quando ist o ouv iu e com eçou a olhá- lo e o v iu m ais for m oso pelo
aspect o e disse- lhe:
- Am igo, quem és que dizes que per dest e t eu ser v iço?
O dem o r espon deu com o quem nunca disse a v er dade:
- Eu sou um hom em de est r anha t er r a, m ui t rist e de conselho e da v ida; e se pudesse nest a t er r a achar
conselho em que m e fiasse, t er - m e- ia por r ico e por feliz, por que t eria ent ão quant o m eu cor ação desej a e
ser ia quit e de t odo sofr im ent o e t oda t r ist eza.
O donzel, quando ist o ouv iu, t ev e v ont ade de saber os feit os daquele hom em que lhe par eceu t ão bom e
disse- lhe:
- Se m e m ost r ar es t eus feit os, eu t e aconselhar ei o m elhor que puder .
E o dem o lhe disse:
- Não t o quer o dizer , por que é coisa gr av e e, por v ent ur a, descobr ir ias.
- Mas não o far ei, disse o donzel.
- E por que o acr edit ar ei eu? disse o dem o.
- Eu t o j ur ar ei, disse o donzel.
E j ur ou logo sobr e t oda a cr ist andade.
- Mas conv ém , disse o donzel, que m e digas t odos os t eus feit os e quem és, e sobr e que hás m ist er
conselho, por que cer t am ent e eu t e aconselhar ei de t odo o m eu poder .
- Sim , far ei, disse o dem o; or a escut a e dir ei t udo. Ver dade é que am ei, não há m uit o, um a m ulher dest a
t er r a, rica e poder osa, e ela am av a a m im out r o t ant o ou m ais. Àquela m ulher acont eceu que houv e de m im
um a filha, naquela época em que a r ainha dest a t er r a houv e out r ossim sua filha. A r ainha, sem falha, fez a sua
filha m at ar assim que nasceu, por um sonho que sonhou, que aquela filha a hav ia de m at ar ; e depois que a
m at ou, não soube o que fazer com pav or de a m at ar o r ei, a não ser que t om ou aquela m inha filha e a fez lev ar
ant e o r ei e o fez ent ender que aquela er a a sua; e por isso, ant es que lha déssem os, pr om et eu- nos que no- la
dar ia sem pr e que lha pedíssem os.
320. Assim houv e a filha alheia em lugar da sua, pr om et endo- nos t odav ia que no- la dar ia quando quiséssem os.
Or a é assim que lha pedi e não m a quis dar e negou- m e t odo o pr eit o, e além do m ais t r at ou- me m al; e a
donzela, que sabe v er dadeir am ent e que sou seu pai, não m e quer por t al r econhecer , ant es m e disse que
nunca lhe falasse disso, senão m e far ia m at ar . E est e é o gr ande pesar que t enho que m inha filha, a m ais bela
cr iat ur a do m undo e a m ais sisuda, t em t ant o or gulho que m e não quer r econhecer por pai. Or a t e peço
conselho do que far ei, e t u m e aconselha com o m e pr om et est e.

321. O donzel, quando ist o ouv iu, com eçou a pensar , e t ev e gr ande pesar de sua m ãe, que os cr iar a, que fizer a
aquela t r aição que o dem o dizia; e, por out r o lado, pesav a- lhe m uit o daquela que t inha por ir m ã, e por isso
cuidav a que não t inha com ela nada de linhagem . E o dem o lhe disse out r a v ez:
- Que m e dizes dist o?
- Cer t am ent e, disse o donzel, não t e sei nisso aconselhar , por que a r ainha é t ão poder osa, que lhe não
poder ás pr ov ar ist o que lhe im put as.
E o dem o disse:
- Tu m e poder ás bem aj udar , se quiser es.
- Com o? disse o donzel; ensina- m o e, se o posso fazer sem er r o, far ei.
- Eu dir ei, disse o dem o. Eu t e lev ar ei am anhã de m anhã à casa de t eu pai, que est á m uit o longe daqui e
t em por t i gr ande dor , por que bem cuida que t e t em per dido; e quando lá est iv er es, dize à donzela que v á
folgar cont igo pelo pr ado ao luar que est á m uit o bom ; e ela o far á m uit o de bom gr ado, que t e am a t ant o de
cor ação que não há nada que lhe digas que, por t eu am or , não faça; e se t u a lev ar es, j á t al dom não saber ás
pedir que t e não dê.
O donzel r espondeu ent ão:
- I st o não far ia eu por nada, por que ser ia t r aição.
Disse o dem o:
- Não o quer es fazer de nenhum m odo, e r ogando- t e ainda eu? Or a sabe v er dadeir am ent e que nunca t ão
gr ande loucur a fizest e, e dir ei o que disso t e adv ir á, por que est ás nest a flor est a em lugar t ão desv iado e t ão
longe de t oda a gent e, que j am ais ao cam inho ir ás, ant es ficar ás aqui com o infeliz m al- av entur ado e m or r er ás
de fom e e best as e av es t e com er ão; e, cer t am ent e, se m e out or gasses de bom gr ado o que t e peço, hoj e t e
por ia a salv o.

322. Ent ão separ ou- se o dem o dele par a o m et er em m aior cuidado, e f oi- se por out r a t r ilha. E o donzel ficou
na font e, m ais cuidando que ant es, e m uit o desconfor t ado de fom e e de cansaço; e não o at or m entav a t ant o a
fom e, com o de que nunca cuidav a achar pov oado e que as best as, logo que o achassem , o com er iam ali. Ent ão
com eçou a chor ar e a fazer um pr ant o t ão gr ande, que não há quem o ouv isse que não dev esse t er dele
piedade. Ent ão de novo t or nou o dem o a ele em t al sem elhança com o ant es e disse- lhe:
- Desgr açado, or a v ej o eu de t i o que quer ia ver ; agor a apar ece t eu m au siso, que t u, por um a donzela
est r anha, t e deix as aqui m at ar a sofr im ent o e a dor .
O donzel est av a m uit o sofr ido e disse:
- Or a m e lev a a salv o e t e pr om et o lev á-la daqui a quat r o dias onde quiser es.
- Pois far ás assim ? disse o dem o.
E ele lho pr om et eu lealm ent e, e o dem o o guiou logo, que o pôs em casa de seu pai. O donzel achou
m uit os que o r eceber am m uit o bem em casa de seu pai e ficar am m uit o alegr es com ele, por que muit o hav iam
por ele gr ande pesar .

323. Ao t er ceir o dia, acont eceu que o r ei Nascor foi caçar naquela flor est a m esm a e lev ou consigo a r ainha e
m uit as donzelas por folgar em e se diver t ir em com ele. Ao donzel não lhe esquecia o que pr om et er a ao dem o,
ant es pensav a com o lhe poder ia dar cabo; e foi com o r ei e a r ainha at é a flor est a; depois v ir ou par a sua ir m ã
e disse- lhe:
- I r m ã, cav algai e um de v ossos m est r es conv osco, por que v os m anda a r ainha que v ades pós ela por
ver des o pr azer da caça.
Aquela, que não ousou nada dizer cont r a o m andado de sua m ãe, cav algou, ainda que o não t iv esse por
cost um e, e, depois que ent r ar am na car r eir a, o donzel foi por outr o lado e não por onde os caçador es for am , e
foi dir et am ent e à fonte por quit ar o que pr om et er a. E ele foi olhando sua ir m ã pela car r eir a, e tant o houv e
gr ande desej o dela e t ant o lhe par eceu for m osa, que lhe cr esceu a v ont ade de a hav er cont r a a razão. Ent ão
com eçou a pensar que ser ia m ui m au e m ui insensat o, se não cum pr isse sua v ont ade em t ão for m osa donzela,
com quem nada t inha de linhagem , e sobr et udo, por que a ent r egar ia a quem a lev aria par a onde talv ez nunca
m ais a v isse e, se o não fizesse, j am ais achar ia out r a t ão for m osa. I st o sabia ele bem .

324. Assim foi o donzel pensando t oda a car r eir a e assim que chegar am à font e, disse a sua ir m ã:
- Desçam os aqui e esper em os os out r os, pois logo est ar ão aqui.
Depois que descer am , o donzel m et eu m ão a sua espada que t r azia e m at ou o m est r e; e a donzela, que
ist o v iu, ficou m uit o espant ada e disse:
- Ai, ir m ão! Por que fizest es ist o? Por Deus, m al fizest es.
- Vosso ir m ão não sou, disse ele, nem ir m ão não m e cham eis, por que out r a coisa não hei convosco senão
conv iv ência, por que de linhagem t ant o hei conv osco com o com a m ais est r anha do m undo; e por isso v os
t r oux e aqui t ão longe de gent e, por que quer o dor m ir conv osco, ant es que v os haj a outr o; e se o não quer eis
fazer , far ei t ant o com o fiz a v osso m est r e.

325. Quando a donzela ouv iu ist o, ficou m uit o espant ada, por que v iu seu ir m ão est ar com os diabos, e disse:
- Ai, ir m ão! Por Deus, m er cê! Lem br ai- v os quem sois v ós e quem sou eu!
- I st o não há m ist er , disse Nabor ; não v os v ale nada que digais.
E foi pegá- la por for ça. Quando a donzela v iu que est av a a pont o de per der o cor po e a al m a, fez sua
or ação par a que Nosso Senhor a liv r asse daquela desgr aça; e assim que a fez, caiu ele logo m or t o por t er r a.
Quando a donzela v iu por t al desgr aça seu ir m ão m or t o, houv e gr ande pesar . E, enquant o ela pensav a por qual
v ent ur a ist o acont ecer a, disse- lhe um a v oz: "Donzela boa e pr ezada, ist o t e fez o dem o por t e t ir ar a cor oa das
v ir gens, se o pudesse fazer ."
E ent ão lhe r ev elou t odo o feit o com o foi, com o o cont o há j á r ev elado. Enquant o a donzela pensav a nist o,
eis que v em seu pai que chegou aí, que andav a caçando e per der a o v eado at r ás do qual ia e t oda sua
com panhia.

326.Quando o r ei v iu sua filha, m ar av ilhou- se de quem a lev aria ali, e foi a ela corr endo e disse- lhe sor r indo:
- Filha am iga, quem v os t r oux e aqui?
- Senhor , disse ela, pecados e o dem o, que sem pr e se esf or ça por confundir os cr ist ãos.
Ent ão lhe cont ou t oda aquela av entur a com o acont ecer a e m ost r ou- lhe seu m est r e e seu ir m ão m or t os. E
o r ei disse com sanha:
- Or a apar ece que m eu filho ser v iu a m au senhor e m au galar dão lhe deu. Est e lugar é m au e m á é a
font e onde o dem o m or a.
- Ainda, disse a donzela, ser á daqui par a fr ent e pior , por que j am ais cav aleir o v ir á aqui, se não for v ir gem ,
que não per ca o poder do cor po e de t odos os m em br os, enquant o aqui est iv er ; nem daqui j am ais se m ov er á,
se por m ulher daqui nunca sair . I st o ser á em lem br ança do pecado pelo qual m eu ir m ão foi m or t o, e dur ar á
est a lem br ança de m im e de m eu ir m ão at é que o bom cav aleir o v enha, que dar á cabo às av ent ur as do r eino
de Logr es; e de m im , de hoj e em diant e, ser á est a font e cham ada, enquant o o m undo dur ar , a font e da
vir gem .

327. Assim acont eceu depois. com o a donzela disse, por que, desde aquele t em po, foi cham ada font e da
v ir gem , e est e nom e ainda hoj e t em , e nunca aí v eio cav aleir o, naquele t em po, que não cuidasse m or r er , for a
som ent e Per siv al e Galaaz, por que não v eio aí cav aleir o que não fosse t ocado de luxúr ia de algum m odo; e por
est a avent ur a ficou Er ec t ão m alt r at ado, quando veio, por que não er a vir gem .
Mas or a deix a o cont o a falar dest a av entur a, por que assaz falou a r espeit o, e t or na à dona e às donzelas
que chegar am à font e, quando est ava lá Er ec m alt r at ado com o vos disse.

328. Nest a par t e diz o cont o que as donzelas, depois que v ier am à font e, com eçar am a olhar Erec que j azia
com o m or t o.
- Ai, Deus, disse um a delas, a m ais m oça, que pode ist o ser ? Quem t r oux e aqui est e cav aleir o?
- Não sei, disse a out r a.
- Nem eu, disse a t er ceir a.
- Eu v o- lo dir ei, disse aquela que er a senhor a delas. Est e é Er ec que não m ent e, que, no out r o dia, m at ou
sua ir m ã par a não ser achado em m ent ir a.
- Ai! disser am elas, est a é m á andança, e desv ent ur a lhe venha, por que ele fez a m aior deslealdade que
algum a v ez fez cav aleir o, de m at ar sua ir m ã, e além disso, t ão for m osa donzela; e logo v á ele a lugar onde sua
sandice sej a v ingada.
- Ai! disse a m ulher , m al fizest es e pecado de o m aldizer des, por que aquela v ingança, que t ant o desej ais
lhe vir á t ão cedo que t odos aqueles que dela ouv ir em falar se m ar av ilhar ão e ser á gr ande dano m or r er t ão
cedo, por que m elhor cavaleir o que ele e m elhor hom em não vi eu, t em po há; e, cer t am ent e, se eu pudesse sua
m or t e est or v ar , e pr olongar sua v ida, far ia m uit o de bom gr ado; m as não o posso fazer , por que a Nosso
Senhor não apr az.

329. I st o disse a m ulher a r espeit o de Er ec, e Er ec o ouv ia bem , m as não podia r esponder ; e as donzelas,
depois que o olhar am m uit o t em po, pegar am - no de par t es, um as de cá e out r as de lá, e lev ar am - no da font e
bem um lance de best a. E depois que ficou um pouco afast ado dela, t or nou em sua for ça e em seu poder com o
ant es e disse às donzelas:
- Vossa m er cê m e t r oux e aqui, por que cuido que for a m or t o, se m ais ficasse per t o da font e. Mas, por
Deus, o desam or que a m im hav eis por m inha ir m ã, per doai- m o, por que, cer t o, o que fiz, m uit o o fiz a
cont r agost o, m as m e conv inha fazer .
Elas nada r esponder am , m as for am buscar seu cav alo e suas ar m as e der am - lhas; e ele agr adeceu m uit o,
e elas volt ar am à font e; e ele pr epar ou seu cavalo e ar m ou- se e m ont ou e par t iu dali e m aldisse a font e, pois
nunca achou av entur a em que lhe par ecesse que for a t ão m alt r at ado e t ão env er gonhado.

XLI X
Últ im a s a v e nt ur a s de Er e c

330. Assim com o v os digo, cav algando e pensando m uit o no que lhe acont ecer a, aquela noit e ficou num v ale
da flor est a, e não com eu nem bebeu. Aquela noit e, ficou m uit o aflit o, m ais do que soía, por que ouvir a dizer de
sua m or t e e havia m uit o pesar da com panhia de Mer augis, que per der a, por que, se est ivesse com ele, não
t em er ia que cav aleir o o pudesse m at ar por ar m as; e por isso pensou t ant o que bem lhe par eceu que, se o não
m at assem por ar dil ou à tr aição e m or r esse por ar m as, m ais ser ia pelo pecado de sua ir m ã que por m aldade
que ele t iv esse de ar m as, por que poucos cav aleir os conhecia que t em esse um por um . E por isso ain da lhe dizia
seu cor ação e afir m av a que t er ia m á andança de m or t e, e que ser ia por sua ir m ã.

331. Aquela noit e não dor m iu pouco nem m uit o, ant es pensou sem pr e nist o. Um pouco ant es que
ador m ecesse, com eçou- lhe o cor ação a chor ar t ant o, que as lágr im as lhe saír am pelos olhos. Quando ele v iu
que seu cor ação, que nunca for a espant ado, com eçou a ent r ar em m edo e espant o, e que chor av a e não sabia
por quê, disse:

- Senhor a Sant a Mar ia, m ãe de piedade, socor r e- m e e não m e deix es ainda m orr er , se t e apr ouv er , at é
que pague na t er r a o pecado que fiz de m inha ir m ã. E t u, Pai Jesus Crist o, font e de piedade e de m iser icór dia,
Salv ador do m undo, t em piedade dest e infeliz filho de r ei, que t e ofendeu m ais que out r o pecador . Não olhes ao
m eu pecado, que é t ão v il, que t odos os anj os do céu est ão espant ados, m as, com o és v er dadeir o pai e
v er dadeir o guar dador , que t e alegr as do pecador quando t e cham a de v er dadeir o cor ação, e j á t ão gr av em ent e
não t e pecar á que lhe não haj as m er cê, assim sê m eu guar dador . Senhor , assim com o t e cham o de bom
cor ação e de lim pa v ont ade e r econheço v er dadeir am ent e que m eu pecado m e m at ou e m e confundiu, se t ua
m er cê m e não v ale, Senhor , t em piedade dest e infeliz, qualquer que sej a a desgr aça que v enha ao cor po. Ai,
bendit o Pai! Ai, alm a m esquinha que bem o ofendeu nas m inhas obr as! Mas quando se separ ar de m im ,
Senhor , r ecebe- a e agasalha- a na t ua pousada e na tua sant a casa, onde t odas as alegr ias e t odas as boas
vent ur as est ão.

332. Depois que Er ec fez est a or ação, deit ou- se est endido em cr uz par a o or ient e e fez suas or ações as
m elhor es que soube, e ficou assim at é que foi alt o dia; depois t om ou seu elm o e seu escudo e sua lança e
m ont ou seu cav alo e seguiu sua car r eir a pela florest a. Aquele dia lhe acont eceu, ant es de pr im a e t er ça, que
achou Sagr am or ar m ado de t odas as ar m as e desej oso de j ust ar , se houv esse com quem , por que hav ia m uit o
t em po que não fizer a nada de ar m as; e agr adou- lhe m uit o quando v iu Er ec em sua dir eção v ir , pois o não
r econhecia, nem Er ec a ele. E disse- lhe em alt a voz:
- Senhor cav aleir o, j ust ar v os conv ém ; guar dai- v os de m im .
Er ec ouv iu que Sagr am or pedia j ust a e não a ousou r ecear , por que lho t er ia por m aldade; e ent ão se
deix ou cor r er um ao out r o e der am - se os m aior es golpes que puder am . E Sagr am or fez sua lança v oar em
pedaços; e Er ec, que er a de m aior for ça, com o aquele que se t inha por um dos m elhor es cav aleir os do m undo,
fer iu Sagr am or no m eio do peit o com t ão gr ande golpe, que o m et eu em t er r a por cim a do x air el do cav alo,
m as out r o m al não lhe fez; depois passou por ele e não o olhou m ais.

333. Quando Sagr am or se v iu em t err a, t ev e m uit a v er gonha e er gueu- se m ui r ápido e r ecolheu- se a seu
cav alo, e foi pós Er ec gr it ando:
- Volt ai, cav aleir o, v olt ai, por que post o que m e der r ibast es, não m e v encest es.
Quando Er ec ist o ouv iu, não soube que fizesse; por que se não quisesse a bat alha, ser - lhe-ia desonr a; e
volt ou, e m et eu m ão à espada, e disse:
- Senhor cav aleir o, ist o é ofensa que m e fazeis que à for ça m e fazeis com bat er conv osco. Cer t am ent e, se
disso v os v iesse m al, ninguém dev ia t er dó de v ós, nem em m im pôr culpa.
E ent ão se deix ou ir a ele a espada na m ão, e deu- lhe um t ão gr ande golpe por cim a do elm o, que o elm o
e o alm ofr e não im pedir am que sent isse a espada na cabeça. Mas dist o adv eio bem a Sagr am or , que não foi a
chaga m or t al. A espada er a boa e o golpe foi gr ande e desfer ido com m uit a for ça, e ficou Sagr amor t ão m al,
que não pôde m ant er - se em sela e caiu por t err a t ão est ont eado, que não soube se er a noit e se er a dia. E
quando Er ec o v iu por t er r a, m et eu a espada em sua bainha e foi andando logo m uit o m ais que ant es, por que
t em ia ser est e cav aleir o da m esa r edonda.

334. Depois que Er ec se separ ou de Sagr am or com o v os digo, não andou m uit o que alcançou I v ã das br ancas
m ãos. Os cav alos dos cav aleir os não est av am m uit o can sados, e, assim que se v ir am , r inchar am . Ent ão olhou
I v ã at r ás de si e assim que viu Er ec, r econheceuo, por que no dia ant er ior lhe ensinar a Galv ão que ar m as t r azia
e queixar a- se- lhe da desonr a que lhe fizer a ant e t ant os hom ens bons, e I v ã lhe pr om et er a que o vingar ia, se o
pudesse achar . E assim que o viu, lem br ou- lhe o que pr om et er a a Galv ão, e pensou se o acom et er ia logo ou
depois. Que v os dir ei? Ainda assim t om ou v ont ade de o at acar logo, com o o dem o lhe aconselhav a sua
desgr aça que aí hav ia de hav er . Ent ão vir ou a cabeça ao cav alo e gr it ou:
- Ai, Er ec! cav aleir o m al e desleal! Guar da- t e de m im , por que t e desafio.
Quando Er ec se ouv ia cham ar m au e desleal, espant ou- se de quem poder ia ser , e r espondeu- lhe r indo:
- Cer t am ent e, senhor cav aleir o, não sou com o dev ia ser , m as de v ós, se Deus quiser , defender ei m eu
cor po cont r a a deslealdade, por que nada disso t enho.

335. Depois que ist o foi dit o, deix ou- se cor r er um ao out r o t ão br av am ent e que escudos e lor igas não os
puder am guar dar , que se não m et essem pelas car nes nuas os fer r os das lanças, e m et er am - se em t er r a os
cav alos sobr e os cor pos t ão m alt r at ados, que bem hav er iam m ist er m est r e, por que não houv e aí t al que não
fosse m uit o fer ido, um à m or t e, e est e foi I v ã das br ancas m ãos; o out r o não t ão m al, e est e foi Er ec; e eles se
er guer am sanhudos e com pesar gr ande, por que am bos er am de for t e ânim o e t inham v ont ade de se v ingar um
do out r o; e deit ar am m ão de suas lanças, pois t ão acesos est av am , que não sent iam as chagas qu e t inham ; e
depois pux ar am das espadas e at ir ar am - se um ao out r o com o leões, e der am - se t ão gr andes golpes que
m ar av ilha er a, e andar am assim com m uit a pr essa, que não hav ia nenhum deles que não t iv esse set e fer idas,
ant es de se separ ar em a pr im eir a v ez. Cont udo, Er ec não foi t ão m al fer ido nem t ão m alt r at ado com o I v ã, pois
er a m uit o m elhor cav aleir o, e I v ã passar a gr ande dificuldade na t áv ola r edonda.
Tant o f izer am na pr im eir a bat alha que bem hav iam m ist er folgar ; e afast ar am - se um pouco afor a par a
folgar em . E est ando assim olhando um par a o out r o, Er ec, que m uit o pr ezav a a I v ã, por que o v ia t ão esfor çado
e t ão bom , post o que o não r econhecesse, falou pr im eir o a I v ã, pois cuidav a que podia ser da t áv ola r edonda,
e, se o soubesse, não há nada por que se com bat esse com ele, se a v ent ur a não o fizesse fazer , e disse- lhe:
- Senhor cav aleir o, com bat i conv osco um bom t em po, t ant o que v ej o que sois um dos bons cav aleir os que
v i, t em po há, e, pela bon dade de cav alar ia que em v ós v ej o e não por que t enha m ais m edo de v ós, que v ós de
m im , r ogo- v os, por Deus e por cor t esia, que m e digais v osso nom e, pois t al podeis ser que v os deix e est a
bat alha e m e dê por v encido; e t al podeis ser que far ei t odo m eu poder por v os v encer , assim com o quer eis a
m im fazer .
E ent ão r espondeu I v ã das br ancas m ãos e disse:
- I st o não podeis saber est a v ez de m im ; pois v os desam o t ão m or t alm ent e, que v os não r ev elar ei m eu
nom e, nem out r a coisa pode suceder senão m at ar eu a v ós ou v ós a m im ; e sabei que est a bat alha é
inevit ável, que de qualquer m aneir a conv ém que m or r a um de nós e não m e per gunt eis m ais.
- Senhor , disse Er ec, bem ent endido hei o que dizeis, que dest a bat alha não v ir á nenhum bem , e por ém , o
que v os dizia, por cor t esia o dizia e boa v ont ade, não por m edo que de v ós houv esse, e v os m ost r ar ei bem , se
Deus quiser , ant es que est a bat alha t enha fim , pois quer eis que vá at é o fim .
Depois dist o, com eçar am out r a v ez a bat alha t ão v iolent am ent e, que não hav ia t al deles que não t iv esse
per dido m uit o sangue. Ent ão com eçou I v ã a pior ar m uit o e a per der o fôlego, assim que não hav er ia quem o
v isse ' que não t iv esse por cer t a sua der r ot a; e Er ec, que t ão bom cav aleir o er a, que seu nom e cor r ia per t o e
longe foi a ele e não o deix ou folgar , ant es lhe deu m uit os e am iudados golpes, e I v ã se af ast ou, que não podia
supor t ar . E quando v iu que er a j á de t odo m alt r at ado, Er ec er gueu a espada, m as não par a m at álo, que por
sua v ont ade não m at ar ia a ele nem a out r em , a não ser por er r o, e o golpe foi t ão for t e e t ão m or t al, que I v ã
caiu por t er r a de br uços, com o aquele que sofr er a e supor t ar a at é a m or t e. E quando Er ec o viu t ão m alt r at ado,
que bem cuidou que dali nunca m ais se lev ant ar ia, m et eu a espada na bainha com m uit o gr ande pesar por que
o m at ar a, e depois abaixou- se par a ele e disse- lhe:
- Senhor cav aleir o, eu v os r ogo, por Deus e por cor t esia, que m e digais quem sois, pois sabei que de
v ossa m or t e m uit o m e pesa pela gr ande bondade que em v ós achei.
E I v ã, que est av a em pont o de m or t e, esfor çou- se e disse:
- Ai, Er ec! sabei que sou I v ã das br ancas m ãos e sou com panheir o da t áv ola r edonda, e m uit as v ezes m e
v ist es fazer feit os de ar m as.
E quando Er ec ist o ouv iu, t ev e t ão gr ande pesar , que não soube que fizesse, e disse com m ui gr ande
sanha:
- Por cer t o, dom I v ã, fizest es gr ande v ilania que assim v os encobr ist es de m im e por isso m or r eis e sou
per j ur o.
Depois que Er ec ist o disse, com eçou a olhar par a I v ã que se est endeu com o sofr im ent o da m or t e e,
quando v iu que est av a m or t o, cav algou, pois não quer ia que o v issem , por que se o soubessem em casa de r ei
Ar t ur , t er iam que havia feit o m al, e não cr er iam com o for a; e foi dali e m et eu- se na flor est a com bem dez
fer idas ou m ais, e er am t ão gr andes que, da m enor out r o cav aleir o se t er ia por m or t o, e o que m ais m al lhe
fazia er a o m uit o sangue que per dia, assim que quem fosse após ele o achar ia pelo r ast r o do sangue.

336. Quando Er ec par t iu de onde j azia I v ã m or t o, não t ar dou m uit o que a v ent ur a t r oux e por aí Galv ão, que
andav a só, pois se separ ar a aquele dia de Agr av aim seu ir m ão, num cam inho que se div idia em duas car r eir as.
E assim que chegou onde a bat alha for a e v iu I v ã j azer m or t o e o r econheceu, apeou r ápido com t ão gr ande
pesar que bem cuidar a ensandecer , e disse:
- Ai, I v ã, bom cav aleir o! Que dano de t al hom em se per der ! E, cer t am ent e, de v ossa m or t e t er ão gr ande
pesar m uit os hom ens bons, e a m esa r edonda dev e m uit o queix ar - se, pois os que são dela bem podem dizer
que ficar am pobr es e m inguados de um dos m elhor es cav aleir os do m undo; e, com cer t eza, pois que est ais
m or t o e pouco há, eu sou aquele que j am ais t er ei alegr ia at é que v os t enha v ingado; e bem o poder ei fazer ,
com o cuido, por que bem ent endo que não v ai longe aquele que est a per da nos pr ov ocou.
Ent ão se separ ou dele e cav algou o m ais r ápido que pôde, e guiou- se pelo r ast r o do cav alo e r econheceu
bem pelo cam inho, que v iu cheio de sangue, que o cav aleir o, que à fr ent e dele ia, est av a fer ido m or t alm ent e, e
ficou feliz dest a av ent ur a, pois bem cuidou que não er a out r o senão aquele que m at ar a I v ã, e apr essou- se em
andar , e não andou m uit o que alcançou Er ec, que ia dev agar com o quem t inha m ais necessidade de descansar
que de cav algar .

337. Assim que Galv ão v iu Er ec, logo o r econheceu, e por que sabia que er a leal cav aleir o e t ão bom , não podia
cr er de nenhum m odo que m at ar a I v ã. Com eçou ent ão a pensar o que far ia, se o acom et er ia logo, se o deix ar ia
par a out r a v ez; e r esolv eu que o deix ar ia aquela hor a, pois não achav a ent ão r azão boa; m as se pudesse saber
de algum m odo que ele m at ar a I v ã, ent ão nem t odo o m undo o im pedir ia de v ingar . E assim que a ele chegou,
saudou- o m uit o bem e m uit o engenhosam ent e; e Er ec t am bém o saudou, sem r econhecê- lo ainda, e
per gunt ou- lhe quem er a.
- Não m e r econheceis? disse Galv ão. - Por cer t o, senhor , não, disse Er ec.
- Pois sabei, disse ele, que sou Galv ão, o sobr inho de r ei Ar t ur .
- Assim ? disse Er ec, em nom e de Deus, sede bem - v indo.
- E quem v os fer iu t ant o, disse Galv ão.
- Senhor , disse ele, pecado e desgr aça que confundem m uit os hom ens bons.
- Pecado? disse Galv ão, por Deus, dizei- m e com o.
- Senhor , disse Er ec, v o- lo dir ei; j á não v os m ent ir ei a r espeit o, pois v os am o com t ão gr ande am or que
não esconder ei nada que possa r ev elar a am igo. Sabei que ist o m e fez I v ã das br ancas m ãos.
Ent ão lhe disse de que m odo.
- Eu bem v os j ur o, senhor , pela fé que dev o a t odos os cav aleir os da m esa r edonda, que se eu o
r econhecesse com o ele r econhecia a m im , ant es quer ia ser fer ido com um a lança no cor ação do que m et er nele
m ão; e ninguém dev e m e culpar , pois seu or gulho e sua descor t esia o fizer am m or r er .
- Com o v os sent is? disse Galv ão.
- Senhor , disse ele, est ou m uit o m al e j á t ant o t enho per dido sangue, que não é senão m ar av ilha. Por
isso, se fosse a um lugar onde descansasse e achasse m est r e que cuidasse dos fer im ent os, bem cuidar ia sar ar .
- Não sei, disse Galv ão, com o v os sent is, m as se est iv ésseis m ais são e m ais descansado, não deix ar ia de
v os desafiar nest a ocasião, por que por cer t o t ant o m e ofendest es, que não há nada no m undo por que v os
deix asse de m at ar , v ist o que m at ast es I v ã das br ancas m ãos; e por m au cav aleir o e por cov ar de m e t er iam , se
não v ingasse par ent e t ão chegado. Por isso v os desafio e guar dai- v os de agor a em diant e de mim , por que bem
sabei que v os m at ar ei, se m ais posso que v ós.

338. Quando Er ec ouviu o que dizia Galv ão, ficou espant ado, por que bem cuidav a que o am av a Galv ão de t odo
seu cor ação, e, por out r o lado o tinha por t ão leal que, se ainda m ais o ofendesse, não m et er ia nele m ão, ao
m enos por que er am am bos da m esa r edonda. Ent ão lhe disse:
- Ai, dom Galv ão! que é ist o que dizeis? Lem br ai- v os do j ur am ent o e da hom enagem da m esa r edonda,
em que som os ir m ãos e com panheir os e não v os escar neçais nem confundais por t al hom em com o eu; por que,
cer t am ent e, se m e m at ar des, ser eis por isso per j ur o e desleal e j am ais t er eis por isso honr a, e est ando eu
com o est ou, m ais v er gonha e desonr a v os adv ir á, por que est ou fer ido em t ant os lugar es que t ant a for ça t enho
com o um cav aleir o m or t o.
- I st o m enos é que nada, disse Galv ão; com bat er v os conv ém e defender v osso cor po, senão v os m at ar ei.
- Assim ? Com o? senhor , disse Er ec, assim o quer eis fazer ?
- E bem , disse Galv ão, bem o cr ede.
- Por cer t o, disse Er ec, pesa- m e, que se m e acom et êsseis est ando eu são, cuidar ia bem vencer , pela
gr ande bondade de ar m as que Deus m e hav ia dado.

339. Ent ão m et eu m ão à espada e disse out r a v ez:


- Dom Galv ão, v ós m e afr ont ast es m uit o inj ust am ent e a t al hor a em que não t enho for ça par a m e
defender . Deus aj ude o dir eit o, e assim o far á ele, ist o sei eu bem . Mas or a r econheço ver dadeir am ent e que
aqui est á m inha m or t e j ulgada em v ingança do que fiz a m inha ir m ã.
Ent ão se encom endou a Nosso Senhor Deus m uit o hum ildem ent e. E Galv ão lhe foi dar um a espadada por
cim a do elm o, a m aior que pôde, de m odo que Er ec ficou t ont o com o golpe e fr aco, m as m ant eve- se em sela;
m as ist o foi m uit o difícil, por que t ant o sangue t inha per dido, que quase t oda sua for ça est av a acabada. No
ent ant o, defendia- se t ão bem com a pouca for ça que t inha, que não há quem o v isse e soubesse com o est av a,
que o não t iv esse pela m aior m ar av ilha do m undo. E Galv ão, que est av a descansado, dav alhe os m aior es
golpes que podia e onde o alcançava, e Er ec a ele t am bém , a seu poder , e m ost r ou t oda aquela for ça e t oda
aquela bondade de ar m as que pôde, com o sabendo e conhecendo que er a chegada a sua m or t e. E ist o o fazia
defender m ais do que podia, e achou Galv ão nele t ão gr ande defesa, que se m ar av ilhou do que podia ser ,
por que ele não er a t ão esper t o e t ão ligeir o e nem sabia t ão am iúde fer ir , que Er ec não o fer isse out r ossim , não
por ém com t ão gr andes golpes com o soía, por que sobej am ent e se lhe ia minguando o sangue. Que v os dir ei?
Tant o se defendeu Er ec m ar avilhosam ent e, com o aquele que ainda est av a quent e de sanha e de m á v ont ade e
est av a j á com o diz o pr ov ér bio, "ou dos, ou quit e" , que t inha Galv ão gr ande pav or de, afinal, o não poder
vencer , e a ver dade diz assim , com o a ver dadeir a est ór ia o t est em unha: j á Galv ão não o vencer a, se não fosse
que lhe m at ou o cavalo e Erec caiu por t er r a.

L
M or t e de Er e c

340. Quando Er ec se v iu por t err a, não se pôde calar , que não dissesse:
- Cer t am ent e, dom Galv ão, or a v os v i aqui m anifest ação r epent ina de cov ar dia e de m aldade na falt a de
m eu cav alo que m at ast es. Or a não podeis dizer , depois que m e v ir des m or t o, que m e m at ast es, m as a falt a de
m eu cav alo. Mas não m e im por t o com o que quer que m e adv enha dest a bat alha, por que at é aqui t iv e dela a
honr a e v ós a desonr a.
Galv ão, que ainda se esfor çava m uit o, assim que viu Er ec em t er r a não esper ou m ais e foi- lhe dar dos
peit os do cav alo e m et eu- o em t er r a e Er ec caiu de r ost o e esm or eceu da gr ande dor que t ev e, e caiu- lhe a
espada da m ão e o escudo da out r a par t e. E Galv ão desceu logo que o assim viu j azer e foi a ele e er gueu- lhe a
aba da lor iga e m et eu- lhe a espada pelo cor po e Er ec se est endeu com sofr im ent o de m or t e.

341. Depois que Galv ão ent endeu que o hav ia m at ado, ficou m uit o alegre, por que lhe par eceu que est av a bem
v ingado; e m et eu sua espada na bainha e m ont ou seu cav alo e foi o m ais r ápido que pôde por out r o cam inho,
por que não queria, de nenhum m odo que per cebessem que ele fizer a aquela ação, pois bem sabia v er dadeir a
m ent e que seria culpado por t odos aqueles que dela ouvissem falar ; e deix ou Erec assim j azer , por que bem
cuidav a que est av a m or t o, m as não est av a ainda, ant es t inha t odos os seus sent idos com o ant es; m as f or ça
não t inha, ant es j azia com o caír a; m as dist o lhe acont eceu bem que, em bor a o cor po est iv esse m ar t ir izado e
chagado e fer ido, ainda t inha o ânim o t ão fir m e em seu Salv ador , que o não podia esquecer , ant es deix av a
t odas as out r as coisas por se lem br ar dele; e pediu- lhe m er cê chor ando, e disse com o pôde:
- Jesu s Cr ist o, Pai piedoso e de boa v ont ade, t em m iser icór dia dest e infeliz que nest e sofr im ent o t e
cham a Pai de piedade; a t i agr adeço est a m or t e que m e dest e, pois r econheço bem que m er eci, por m inha
deslealdade, m or r er de m ais hor r ív el m or t e do que m or r o. Senhor , guar da- m e pela t ua piedade nest e
der r adeir o dia e nest a m inha derr adeir a hor a, em que conv ém que m inha alm a desconfor t ada se separ e de
m eu infeliz cor po e v á não sei par a onde. Senhor , por t ua piedade, confor t a- a, por que hav er á de ir à
desgr açada casa, se t ua m iser icór dia a não faz v olt ar .

342. Depois que Er ec fez sua or ação, com eçou a chor ar m ui sent idam ent e, com o aquele que t inha m edo e
pav or de sua alm a, por que bem v ia que est av a per t o da m or t e. E ele assim chor ando, eis que Heit or e
Mer augis, por acaso, chegar am ali àquela hor a. E quando v ir am Er ec, que j azia de br uços, seu escu do ao cabo
de si e sua espada, não o r econhecer am , por que hav ia t r ocado suas ar m as. Mas, por que cuidar am que er a
cav aleir o andante, par ar am e disser am :
- Deus, quem é est e cavaleir o? Por Deus, disse Mer augis, quem quer que sej a, é bom , por que bem
m ost r a em suas ar m as com o se defendeu at é a m or t e.
- Jam ais, disse Heit or , acr edit eis em m im , se não f or algum dos da m esa r edonda; e sabei que m uit os
hom ens bons t er ão pesar de sua m or t e. Or a desçam os e v ej am os quem é, pois m eu cor ação diz que pesar nos
adv ir á, por que é algum de nossos am igos.

343. Ent ão apear am - se e at ar am seus cav alos a duas árv or es, e Heit or foi a Er ec e ficou de j oelhos diant e dele
e t ir ou- lhe o elm o, o m ais dev agar que pôde, e Er ec não buliu senão pouco, pois a m or t e o afligia j á m uit o; e
Mer augis chegou o m ais per t o dele que pôde e sent ou- se e t om ou- lhe a cabeça e a pôs sobr e seus j oelhos e
com eçou lhe a lim par os olhos, que t inha cheios de sangue, e o r ost o, que j á enegr ecer a com o sofr im ent o, e
achou- o t ão fer ido, que t ev e dele m uit o gr ande dó. E Heit or , que ainda o olhav a, disse a Mer augis:
- Am igo, que v os par ece dele? Ainda est á v iv o, m as sei que não chegar á à noit e, por que est á m uit o fer ido
e par ece- m e que é gr ande dano, pois sei v er dadeir am ent e que foi m uit o bom cav aleir o pelo que v ejo que sofr e.
Or a lhe per gunt ai, disse Heit or , quem é, se o poder íam os r econhecer .
E Mer augis disse:
- Senhor cav aleir o, quem sois? Por Deus, dizei- no- lo, se puder des.
E Er ec, que bem ent endeu o que lhe per gunt av a, r espondeu com o pôde, m as ist o f oi com m uit o cansaço:
- Eu sou Er ec, filho de r ei Lac, e fui da m esa r edonda, e m at oum e est a hor a Galv ão, por deslealdade e por
sober ba, e acom et eum e quando eu vencer a j á dois cavaleir os, e sabia j á ver dadeir am ent e quem eu er a, e não
m e fez lealdade com o dev er a fazer , e Nosso Senhor lho per doe, pois assim faço eu.

344. Quando Mer augis ist o ouviu, deix ou- se cair de cost as com t ão gr ande dor e pesar , que bem quiser a est ar
m or t o àquela hor a, por que m uit o entr anhadam ent e am av a Er ec. E quando pôde falar , disse:
- Ai, infeliz! Que dano e que sofr im ent o aqui há! Ai, Galv ão! Deus t e dê m au dest ino e per da do cor po,
pois m at ast e m eu am igo e o m ais leal cav aleir o que algum a v ez v i. Deus t e dê dist o o galar dão.
E quando Heit or soube que aquele er a Er ec, o cavaleir o est r anho que ele agor a m ais am ou, t eve o m aior
pesar que pôde, e am aldiçoou Galv ão e r ogou- lhe m uit a pr aga a ele e a t oda a sua linhagem ; depois, disse
t am bém com gr ande pesar , t ant o que as lágr im as lhe caír am pelas faces:
- Ai, senhor Er ec, cuidais que possais sar ar ?
E Er ec falou com o pôde, com o quem er a de m uit o ânim o, e disse:
- Senhor cav aleir o, quem sois v ós que m e assim per gunt ais?
Disse ele:
- Sou Heit or de Mar es, v osso com panheir o e v osso am igo, que t ão gr ande pesar hei de v ossa m á
andança, que bem j ur aria que nunca t r aria ar m as por pr eit o de que v os ist o não acont ecesse; e est e out r o que
sofr e m uit o por v ós é Mer augis de Por legues, que v os andav a buscan do com o eu.
Quando Er ec ouv iu que aqueles ali er am seus am igos, disse:
- Sede bem - v indos, por que com v ossa v inda est ou m uit o alegr e e m uit o m e apr az, por que est ar eis
pr esent e à m inha m or t e, pois sois os dois hom ens do m undo em quem eu m ais fiava; e por isso, ant es que
m or r a, r ogo- v os, com o am igos e com panheir os, que lev eis m eu cor po à casa do r ei Ar t ur e dai- o de pr esent e à
m esa r edonda, de que Nosso Senhor m e fez com panheir o, com o sabeis; e depois que m e puser des no assent o,
o r ei far á ent ão de m im o que quiser ; m as ainda não deix eis de m odo algum de cont ar na cor t e a deslealdade
que fez Galv ão par a com igo.
- Não v os incom odeis, disse Heit or , por que pr om et o v os v ingar e fazer a ele t al desonr a na cor t e do r ei
Ar t ur , que m uit os hom ens bons falar ão a r espeit o, depois de v ossa m or t e.

345. Depois dist o, disse Er ec:


- Jesus Cr ist o, pai de piedade, cheio de t oda m iser icór dia, t em m er cê de m im e não m e j ulgues segundo
os m eus pecados, m as segundo a t ua m iser icór dia.
Depois t am bém disse:
- Vós sois m eus com panheir os e m eus am igos, r ogo': v os que v os lem br eis de m im em or ações e esm olas,
por que sou m uit o pecador , e por m eu pecado, sem falha, m e sobr ev eio est a desgr aça.
Assim que ist o disse, separ ou- se- lhe a alm a do cor po; e Mer augis e Heit or fizer am m ui gr ande pr ant o; e
disse Mer augis:
- Ai, Deus! Com o for a m elhor Galv ão, o desleal, r eceber a m or t e nest a bat alha do que est e que t ão bom
er a e podia t ant o e t ant o v alia e er a leal sobr e t odos os cav aleir os que em qualquer t em po v i. Ai, Galv ão,
desleal cavaleir o e br avo! Rogo a Deus que lhe apr aza que ainda caias em m inha m ão. Por cer t o, não aceit ar ia,
por t ua cabeça, t odo o m undo, se m o dessem .
- Ai, Deus Senhor! disse Heit or , que ânim o t iv est es par a supor t ar que t ão bom hom em com o est e t iv esse
t ão m á andança!
Muit o o pr ant ear am e o chor ar am e fizer am gr ande lam ent o, por que t inham por ele m uit o gr ande am or . E
eles seu pr ant o fazendo, eis que chega o ir m ão de Galv ão. E quando os v iu, r econheceuos e ficou espant ado da
m ar av ilha que houv e, quando os v iu fazer t al pr ant o. E Heit or , que o r econheceu, não pôde est ar que não lhe
dissesse:
- Gaer iet e or a podeis v er a gr ande deslealdade de v osso ir m ão, que m at ou agor a um dos m elhor es
hom ens da m esa r edonda, Er ec, filho de r ei Lac, que aqui j az.
Ent ão lhe cont ou t udo com o o m at ar a. Quando Gaer iet e, que er a m ui leal cav aleir o, ouviu est as nov as,
t ev e gr ande pesar e disse:
- Quem v os disse que assim foi?
- Er ec, disse Heit or , no-lo disse, em quem se dev ia m ais acr edit ar que em outr o, pois bem sabeis que
nunca m ent iu de coisa que soubesse.
- Por Deus, disse Gaeriet e, m uit o m e m ar avilho com o ist o foi, por que, assim Deus m e aconselhe, cuidav a
que m eu ir m ão Galv ão fosse um dos m ais leais cav aleir os do m undo, e ainda o cuido, ex cet o por est as nov as
que m e cont ast es.
- Assim Deus m e aj ude, disse Heit or , se não fôsseis m eu com panheir o da m esa r edonda, v ingar ia a m eu
poder est e feit o em v ós pois v osso ir m ão não acho.
Gaer iete se calou, a quem pesav a m uit o.

346. Mer augis, que ainda quer ia a honr a de Erec, disse a Heit or :
- Com o poder íam os cum pr ir o que nos r ogou Er ec?
- Não há outr o m odo, disse Heit or , senão fazer um a padiola, e deit á- la a nossos cav alos e ir m os at r ás
dele a pé, at é que Deus nos dê algum a aj uda de best as.
E Heit or disse que est av a bem , e Gaer iet e lhes per gunt ou onde o queriam lev ar .
- Quer em os lev á- lo, disse Heit or , à cor t e de r ei Ar t ur ; e lá cont ar em os a deslealdade de Galv ão e de que
m odo o m at ou, por que assim nos r ogou ele na hor a da m or t e.
Quando Gaer iet e ouviu ist o, t ev e m aior pesar que ant es, por que bem ent endeu que seu ir m ão ser ia
escar necido e apr egoado com o desleal por t odo o m undo, depois que est e feit o fosse sabido na cor t e. E chor ou
m uit o por ele; e pelo gr ande pesar que t ev e, separ ou- se deles sem despedir - se.

347. Quando Mer augis v iu que Gaeriet e ia em bor a, pegou seu elm o e o enlaçou. E Heit or lhe per gunt ou por que
o fazia.
- Eu quer o, disse ele, ir depós est e cav aleir o e v ingar m eu pesar nele, v ist o que não posso seu ir m ão
achar .
- Não o far eis, disse Heit or , por que est e que culpa t em da deslealdade de seu ir m ão? Bem v os digo
ver dadeir am ent e que lhe pesa t ant o com o a nós, por que, assim Deus m e aconselhe, ele é um dos m ais leais
cav aleir os que conheço e um dos m ais cor t eses. Rogov os que o deix eis ir em paz.
Por ist o que disse Heit or , Mer augis deix ou e não foi at r ás de Gaeriet e.

348. Depois que pr epar ar am com o lev assem Er ec, desar m ar am - no e deit ar am - no à padiola o m elhor e o m ais
engenhosam ent e que puder am e for am a pé at é um cast elo, que ficav a per t o dali, onde lhes der am cav alos e
t udo o m ais que lhes falt av a. E sabei que de t al m odo pr epar ar am ent ão o cor po, que poder iam lev á- lo t ão
longe quant o quisessem . Dest e m odo par t ir am do cast elo e andar am t ant o, que chegar am a Cam al ot e, onde o
r ei Ar t ur est ava t rist e e com gr ande pesar , e t oda sua com panhia out r ossim ; pois na ocasião em que lá
chegar am , est av am t odos de Cam alot e t r ist es e com gr ande pesar , por que nunca tinham tido alegr ia, senão
chor o e lam ent o, e quem ent ão lá estivesse e visse o gr ande pr ant o que as m ulher es faziam , aquelas que
esper av am seus am igos, que for am na dem anda, t er ia o cor ação m uit o dur o e fr io, se não tiv esse com paix ão
delas, pois o r ei ia aum ent ando t ão gr ande pesar dia a dia que bem quer ia est ar m or t o. E se alguém m e
per gunt asse por que o fazia, r esponder ia segundo a v er dadeir a est ór ia o diz.

349. Rei Art ur , sem falha, que t ant o am av a os da m esa r edonda com o se fossem seus filhos, t i nha gr ande
pesar , por que se separ ar am dele. E por isso t inha t ant o em penho em saber com o est av am e, cada dia, ant es
de com er , ia v er os assent os da m esa r edonda e os obser v av a; e quando achav a o nom e que lá dev ia est ar ,
sabia bem ent ão que aquele, que er a senhor daquele assent o, est av a v iv o. E quando não achav a let r eir o, sabia
que est av a m or t o. E, sem falha, a m esa r edonda er a t ão m ar avilhosa, que em qualquer lugar que algum
m or r esse, fosse per t o, fosse longe, logo o let r eir o dele desapar ecia. E ist o ficou pr ov ado por m or t e de m ui bons
cav aleir os.

350. Assim com o v os digo, sabia r ei Ar t ur a v er dade da m or t e de cada um dos da m esa r edonda no dia m esm o
em que m or r ia. E out r ossim o faziam m uit os hom ens bons que bem cuidav am disso t ant o com o ele, por que não
hav ia quem , ainda que dist ant e, não t iv esse algum par ent e lá. Por isso faziam cada sem ana m uit o gr ande
lam ent o, por que poucas sem anas hav ia em que não m or r esse um ou dois. O r ei tinha gr ande pesar da m or t e
de I v ã, o bast ar do, e da m or t e de I v ã de Cenel, por que sua ir m ã v ier a j á à cor t e e cont ar a per ant e quant os
hom ens r icos lá est av am com o Galv ão deix ar a seu ir m ão m at ar no cast elo e com o m at ar a Pat r ides, sobr inho de
r ei Bandem aguz, e que bem soube àquela hor a em que o m at ou que er a com panheir o da m esa r edonda. E r ei
Ar t ur , que t inha t ão gr ande pesar dest as nov as, que m aior não poder ia, disse à donzela:
- Donzela, se é com o dizeis, ele m er ece ser escar necido e per der o assent o da m esa r edonda.
E out r ossim o j ulgar am t odos os hom ens que lá est av am . O r ei t inha gr ande pesar da m or t e dest es t r ês,
m as quando soube da m or t e de r ei Bandem aguz e foi sabida pela casa, t iv er am t odos t ão gr ande pesar que
dois dias se fez o que nunca for a feit o na cor t e: não foi post a a m esa ant e os cav aleir os. E diziam t odos que
est e dano er a gr ande e am aldiçoav am Galv ão, por que com eçar a aquela dem an da. Muit o gr ande pesar t iv er am
o r ei e t odos da m or t e de r ei Bandem aguz. Mas quando foi m or t o Er ec, ent ão com eçou o pr ant o m ais que
ant es. Por aquele chor ou o r ei e os ricos hom ens e os cav aleir os e as donas e as donzelas, e por aquele foi o
pr ant o t ão gr ande em Cam alot e, que não se ouv ir ia lá t r ov ão, se t r ov ej asse; por aquele chor av am sensat os e
sandeus e v elhos e m ancebos. E sabei que sua m or t e foi sabida em Cam alot e cinco dias ant es que o
t r oux essem . E quando lá chegou, o pr ant o j á hav ia um pouco dim inuído.

351. Um a segunda- feir a, chegar am a Cam alot e os dois cav aleir os que lev av am o cor po de Er ec; e iam com t ão
gr ande pesar e t ão t r ist es, que não há quem os v isse, quando iam pela v ila, que não t iv esse gr ande pena. E
quando chegar am ao r ico paço on de a m esa r edonda est av a, descer am a padiola e t om ar am o cor po de Er ec
ent r e seus br aços chor ando m uit o sob os elm os e diziam :
- Ai, bom cav aleir o! Que dó e que per da a v ossa m or t e! E lev ar am - no ao assent o que Deus lhe out or gar a
par a sem pr e, e assent ar am - no lá e depois disser am chor ando:
- Ai, senhor ! que pesar t ão gr ande que não sent eis aí t ão são com o j á out r a v ez sent ast es, pois t odo o
r eino de Logr es m ais v aleria!
Rei Ar tur e os ricos hom ens, que lá est av am , quando ist o v ir am , for am par a lá par a v er o que quer iam
fazer . Eles não r econheciam Heit or , pelas ar m as que hav ia t r ocado. Mer augis não poder iam r econhecer , pois
nunca o t inham v ist o. Er ec não r econheciam pelo r ost o que est av a m anchado e negr o da m or t e. E o r ei
per gunt ou a Heit or :
- Am igo, por Deus, dizei- m e por que pusest es est e cav aleir o m or t o nest e assent o?
- Senhor , disse Heit or , por que ele nos r ogou em sua m or t e que o t r oux éssem os aqui e o puséssem os
nest e assent o e nos queix ássem os a v ós por ele, pois ele dizer - v os não pode, de Galv ão, v osso sobr inho, que
deslealm ent e e à t r aição o m at ou; e cont ar - v os- em os de que m odo o m at ou, que de out r a m aneir a não
cum pr ir íam os bem o que ele nos m andou.
Ent ão com eçar am a cont ar diant e do r ei e diant e de t oda a cor t e, que est av a j á r eunida, com o Galv ão
acom et er a Er ec depois que com bat er a com dois cavaleir os e com o o m at ar a, dizendo- lhe ele que er a Er ec e
pedindo- lhe m er cê.

352. Quando aqueles que est av am a ouv ir est e cont o, ouv ir am que aquele er a Er ec, filho de r ei Lac, e que de
t ão longes t er r as se fizer a levar , com eçou ent ão u m pr ant o t ão gr ande e t ão for t e, com o se t odos os seus
am igos est iv essem m or t os diant e deles. E Mer augis que tinha t ão gr ande pesar que não podia m aior , disse-
lhes:
- Senhor es, ele não pôde v ir viv o aqui par a se queix ar a v ós de Galv ão e fez- se tr azer m or t o. Or a fazei o
que dev eis fazer a filho de r ei que à t r aição foi m or t o.
O r ei, a quem pesav a t ant o com o se fosse seu filho, r espondeu:
- Maldit a sej a a hor a em que foi feit o cav aleir o Galv ão que se esfor ça por fazer t ant as e t ão m ás
deslealdades. Deit ou- se a per der , e t oda sua linhagem ser á escar necida. E se assim é, deve per der o assent o
da m esa r edon da.
Gr ande foi o dó e o pesar que t iv er am t odos por m or t e de Er ec. E Mer augis disse ao r ei:
- Senhor , não é est e o pr im eir o m al que v osso sobr inho fez, por que nest a dem anda m at ou out r os dois de
nossos com panheir os, por quem não se dev ia fazer m enos pr ant o do que por est e.
- E quais são? disse o r ei.
- Pat r ides e r ei Bandem aguz, disse Mer augis. E dest e sei ver dadeir am ent e que o m at ou vosso sobr inho
Galv ão. Est a m or t e vingar a eu, se não fosse Er ec, que sobr eveio e m e separ ou dele.
- Maldit a sej a a hor a, disse o r ei em que ele chegou e não o m at ast es, por que bem o m er eci a, vist o que
m at ou t al hom em com o r ei Bandem aguz.
O r ei fez t om ar Er ec e m an dou- lhe fazer t ão gr ande honr a com o dev ia a filho de r ei e a t ão bom cav aleir o
com o for a; e o m andou m et er em um a r ica sepult ur a, na igr ej a de sant o Est êv ão, onde os out r os com panheir os
da m esa r edonda descansav am . Foi m uit o chor ado e pr ant eado por cav aleir os, donas e donzelas. Aquele dia
não poder íeis encontr ar hom em nem m ulher , por t oda a cidade de Cam alot e, que não est ivesse m uit o t r ist e. O
r ei, que er a de ânim o m ais for t e que o de qualquer pessoa de sua casa, chor ou m uit o à m ar av ilha por Er ec,
quando o v iu m et er no t úm ulo.

LI
H e it or e M e r a ugis

353. Quando r ei Ar t ur v olt ou a seu paço e r econheceu Heit or , m andou desar m á- lo e abr açou- o e disse- lhe:
- Far ia bom acolhim ent o e est ar ia alegr e conv osco, m as a m or t e dest es hom ens bon s m e t olhe alegr ia e
pr azer . Mas algum as nov as de v osso ir m ão e de v ossa linhagem e de Galaaz dizei- m e, se sabeis.
- Cer t am ent e, senhor , disse Heit or , im agino que m eu ir m ão est á bem e alegr e e t oda a nossa linhagem .
- E com o t êm feit o nest a dem anda? disse o r ei.
- Senhor , m uit as av ent ur as e m ar avilhas achar am a que não der am cabo, por que não apr az a Nosso
Senhor , m as não por não ser em bons cav aleir os, com o sabeis.
- Por cer t o, disse o r ei, bem sei que são t odos bons cav aleir os, e se alguém há de fazer bem nest a
dem anda, est ar ão eles ent r e os m elhores, por que a sua cav alar ia nenhum a linhagem se iguala. Mas de Galaaz,
que deu cabo do assent o per igoso, o que m e dizeis?
- Cer t am ent e, disse Heit or , senhor , sem falha, ele é o m elhor cav aleir o do m undo. Tant o v i dele que sei
v er dadeir am ent e que por bondade de cav alar ia não ficar á sem dar cabo às av ent ur as do r eino de Logr es.
- Deus o aj ude, disse o r ei. Por cer t o m e agr adar ia m uit o, se a Deus apr ouv esse que o v isse em m inha
casa com o j á o v i. E Gaer iet e, m eu sobr inho, v ist es nest a dem anda?
- Sim , senhor , disse ele, v im o- lo assim que Er ec foi m or t o. E sabei que t ev e gr ande pesar de sua m or t e.
- Cer t am ent e, disse o r ei, bem o sei. Assim Deus m e aj ude, est e é o cav aleir o de m inha linhagem m ais a
pr ezar e a louv ar .
Ent ão lhe per gunt ou de Mer augis quem er a. Disse Heit or :
- Um cav aleir o est r anho que achei, por acaso, nest a dem anda, e acom panham o- nos am bos. É bom
cav aleir o, m uit o fort e à m ar av ilha, m as nunca pôde saber de qual linhagem é, nem quem foi seu pai e sua
m ãe; e disser am - lhe que saber ia a ver dade a r espeit o em sua casa; e est a é a r azão por que veio ao r eino de
Logr es.
- Por Deus, disse o r ei, m ar av ilhas m e dizeis de ser t ão bom cav aleir o e não conhecer ninguém de sua
linhagem .
- Assim é, com o v os digo, disse Heit or .
- E onde v iv ia, ant es que a est a t err a v iesse? disse o r ei.
- Em Cor nualha, disse Heit or , com r ei Mar s, que o fez cav aleir o, ainda não há dois anos.
- E quer ia conosco ficar ? disse o r ei.
Cuido que sim , disse Heit or , ao m enos at é que saiba a v er dade de sua linhagem , pois o há de saber aqui,
com o fizer am - no ent ender .
- E ficar eis com igo? disse o r ei. Vist o que t enho v ossa linhagem com o per dida, se ficar des com igo sem
quebr ar des o j ur am ent o, v o- lo agr adecer ei, e ainda que err ásseis um pouco, dev er íeis ficar por m eu r ogo.
- Senhor , disse Heit or , em out r a coisa at enderia v osso pedido, m as a ficar nest a ocasião, quer ia ant es t er
a cabeça cor t ada.
354. Quando o r ei ist o ouviu, não lhe quis m ais r ogar , pois ent endeu que não havia pr ov eit o. Então t or nou a
Mer augis e disse- lhe:
- Am igo, com o hav eis nom e?
E ele se nom eou.
- E de onde sois? disse o r ei.
- De Cor nualha, disse ele.
- E v iest es, disse o r ei, par a v iv er des conosco?
- Senhor , disse ele, v iv er ei conv osco at é que Deus m e dê conselho daquilo por que aqui v im .
- Sede bem - v indo, disse o r ei. Vossa v inda m uit o m e agr ada; e bem achar íeis aqui quem v os fizesse honr a
e ficasse alegr e conv osco, m as est ais v endo que t odos andam t r ist es e com pesar das desgr aças que acabam
de acont ecer aos hom ens bons dest a casa.
- Senhor , disse ele, se t endes pesar disso, não é m ar av ilha, por que pelos hom ens bons que t ínheis er a
v ossa cor t e t em ida e r espeit ada aqui e a fam a ia por t odo o m undo.
Aquele dia louv ou m uit o Heit or a Mer augis e lev ou m uit o adiant e sua bondade de ar m as e dizia m uit o
bem dele a quant os lhe per gunt av am . Aquele dia insist ir am t ant o com Heit or o r ei e a r ainha, que concor dou
ficar com eles dois dias. No out r o dia, à hor a de m eio- dia, quando o r ei v eio da igr ej a e se assent ou em seu
paço, veio a ele um dos clér igos, que as avent ur as dos cavaleir os andant es haviam de escr ever , e ficou de
j oelhos diant e dele e disse- lhe baixinho:
- Senhor , se quiser des, v os m ost r ar ei um a coisa que v os agr adar á.
- Pois m ost r ai, disse o r ei.
- Senhor , disse ele, v inde com igo.
E ent ão lev ou- o à m esa r edonda, ao assent o de Er ec, e m ost r oulhe um letr eir o nov o que dizia: "Aqui dev e
sent ar Mer augis de Por legues. "
E quando o r ei v iu o letr eir o, cham ou Heit or e m uit os out r os hom ens bons que lá est av am e m ost r ou e
disse:
- Que v os par ece ist o?
Heit or , que m uit o am ava Mer augis e que est ava m uit o alegr e com est a avent ur a, falou prim eiro:
- Senhor , par ece- m e que ganhou a honr a da m esa r edonda, pois est e let r eir o o m ost r a.
E t odos os out r os concor dar am com ist o e o r ei disse:
- Jesus Cr ist o sej a louv ado e bendit o, que t ão logo assist e à m esa r edonda com t al hom em com o est e.
Ent ão ficou m ais alegr e e cont ent e do que ant es e foi a Mer augis e t om ou- o pela m ão e disse- lhe:
- Am igo, sede bem - v indo; se não o conhecíam os nós, Deus v os conhece, e podeis v er pelo assent o da
m esa r edonda que Deus vos deu, e vo- lo entr egam os por ele, e Nosso Senhor queir a, por sua piedade, que
sej ais t ão bom com o aquele de quem er a.
E ele r espondeu:
- Assim o faça Deus.
E assim disser am t odos os out r os. Ent ão foi assent á- lo no assent o que for a de Er ec; e com eçou pelo paço
a fest a e a alegr ia m uit o gr ande, m as não t al com o for a, se não t iv essem o pesar que t inham .
355. Aquele dia m esm o que Mer augis t ev e o assent o da m esa r edonda, acont eceu, à hor a de noa, que
chegar am dois cav aleir os ar m ados, um de ar m as br ancas e out r o de negr as. E se alguém m e per gunt asse
quem er am , eu lhe dir ia que o das ar m as negr as er a Claudim , filho de r ei Claudas; e o out r o das ar m as br ancas
er a o que Per siv al não quis fazer cavaleir o. E, m uit o t em po ant es que Heit or viesse à cor t e, vier am eles, m as
for am im pedidos de m uit as coisas, por que t ar dar am m ais do que quiser am . Eles apear am e ent r aram no paço
ar m ados com o est av am . Quando chegar am per ant e o r ei, os cav aleir os saudar am o r ei e sua com panhia e
per gunt ar am se est av a lá Mer augis.
- Sim , disse o r ei, v ede- o lá.
- Or a fazei- m e desar m ar , disse Claudim .
E desar m ar am - no. E pegou um a car t a que t r azia em seu peit o e deu- a a Mer augis e disse- lhe:
- Est a car t a v os env ia um a r eclusa que achei bem longe daqui não há m uit o t em po. Aquela m ulher é t ia
de Per siv al e m anda dizer que est a car t a v os dar á cer t eza da coisa do m undo que m ais desej ais saber ; saber eis
a v er dade de v ossa linhagem . Quando Mer augis ouv iu est as nov as, ficou t ão alegr e que não poder ia m ais; e
pegou a car t a e disse:
- Vós m e fizest es t ão gr ande am or , que não poder ia eu r ecom pensar .
Ent ão m et eu a car t a no peit o, por que a não quis ler ant e t ant o hom em bom . E o r ei per gunt ou a Claudim
quem er a e de qual t er r a, e ele lhe disse a r espeit o t oda a ver dade. O r ei agr adou- se m uit o com ele, por que o
pr ezav a de bondade e de cav alar ia; e o r ei t am bém fez desar m ar o cav aleir o das ar m as br ancas e m andou- lhe
fazer m uit a honr a; depois nov am ent e t or nou a Claudim e per gunt ou com o par t ir a do r eino de Gaunes, e ele lhe
disse t oda a v er dade, com o o cont o j á r ev elou.

356. Fazendo eles sua alegr ia e sua fest a em honr a dos cav aleir os est r anhos, um a donzela da r ainha, que er a
bem let r ada, v eio ao r ei, à hor a de v ésper as, e disse- lhe:
- Senhor , no assent o de r ei Bandem aguz e no de I v ã das br ancas m ãos, há let r eir os nov os. Cuido que os
assent os t êm r ecuper ado senhor es.
O r ei ficou m uit o alegr e com est as nov as e foi lá, e achou no assent o de r ei Bandem aguz o nom e de
Claudim e no assent o de I v ã das br ancas m ãos achou let r eir o que dizia: "Est e é o assent o de Ar t ur , o
pequeno." E est e er a o cav aleir o das ar m as br ancas; e saibam t odos aqueles que est e cont o ouv irem que er a
filho de r ei Ar t ur e fizer a- o com o v os cont ar ei, pois de out r o m odo não poder íeis saber .

LI I
Ar t ur , o pe que no

357. Ver dade foi, e a v er dadeir a est ór ia o r ev ela, que r ei Ar tur for a caçar na flor est a de Bret heão, um pouco
depois que a r ainha Genevr a achou Lancelot e com a filha do r ei Peles. Aquele dia que ele caçav a, acont eceu- lhe
que per deu t oda a sua com panhia e t odos os seus cães e o v eado at r ás do qual ia, de m odo que an dou per dido
pela flor est a, um a hor a de cá e out r a de lá, com o quem não caçar a m uit as v ezes por aquela flor est a. E andou
per dido com o v os digo, e acont eceu que a v ent ur a o lev ou a um a font e que ficav a à ent r ada de um a v eiga; e
aquela font e er a m uit o for m osa e achou lá um a donzela sozinha, a m ais for m osa pessoa que algum a v ez
t iv esse v ist o; e est av a t ão ricam ent e v est ida e at aviada, que não er a senão m ar avilha. Quando o r ei viu a
donzela t ão for m osa, cuidou ver dadeir am ent e que er a fada, por que est ava só. E apeou- se e at ou seu cavalo a
um a ár v or e e descingiu a espada e a pôs sobr e a r elv a e seu ar co e suas set as. Tais ar m as t r azia e não m ais. E
depois, dir igiu- se à donzela e saudou- a; e ela se er gueu par a ele e saudou- o m uit o apr opr iadam ent e; e o r ei se
sent ou e ela t am bém , e com eçar am a conv er sar , e achou- a o r ei t ão sisuda e de t ão boa palav r a, que
m ar av ilha er a, e agr adou- se t ant o dela, que dor m iu com ela à for ça. E ela, que er a m enina e ainda não sabia
de t al coisa, com eçou a gr it ar enquant o ele deit av a com ela, m as não lhe houv e pr ov eit o, por que, ainda assim
fez o r ei o que quis e fez nela um filho. E depois que houv e feit o seu pr azer e a quis lev ar consigo, eis que v em
um cav aleir o j á de idade, que saiu da flor est a, desar m ado com o r ei Ar t ur ; e sabei que er a o pai da m enina.
Quando ele achou sua filha chor osa, logo j ulgou em seu cor ação que deit ar a o cav aleir o com ela à for ça, e
apeou, e m et eu m ão à espada, e disse a sua filha:
- Ou m e dir ás por que chor as, ou t e cor t ar ei a cabeça.
E ela t ev e pav or de m or r er , e cont ou-lhe o que acont ecer a. E o cav aleir o, que t ev e disso gr ande pesar ,
com eçou a olhar o r ei com t ão gr ande sanha, que j ulgou que er a o r ei, m as não com t oda a cer t eza. E por que
t em ia isso, disse- lhe:
- Assim Deus v os salv e, dom cav aleir o, dizei- m e quem sois.
- Assim Deus v os salv e, nunca por m edo neguei m eu nom e, nem agor a o far ei. Sabei que sou Ar t ur .
- Assim Deus m e aj ude, disse o cav aleir o, pesa- m e, por que, se out r o fosse, v ingar ia m inha desonr a; m as
de v ós, ser ia t r aidor , por que sois m eu senhor ; m as ist o v os far ei: não v os am ar ei nunca, por que desonr a m e
fizest es e v ilania, pois for çast es m inha filha.
O r ei, que bem r econhecia que o afr ont ar a, disse- lhe:
- Est ou aqui, que v o- lo quer o cor rigir à v ossa v ont ade, e quer o casar v ossa filha com um dos m aior es
cav aleir os de m inha casa e de m ais alt a posição.
- I st o não quer o eu or a, disse o cav aleir o, e v os dir ei por quê: deit ast es com m inha filha e por v ent ura
est á gr áv ida de v ós; e, se agor a logo out r o casasse com ela, ainda que o filho fosse v osso, não o acr edit ar íeis
v ós nem ninguém . E por isso a quer o guar dar algum t em po e, se por v ent ur a est iv er gr ávida, v o- lo far ei saber ;
e, se não, far ei dela o que ent ender que for pr oveit o.

358. Dest e m odo se separ ou o r ei do cav aleir o e foi pr ocur ar sua com panhia at é a achar . E o cav aleir o lev ou
sua filha e a fez guar dar m uit o bem . E quando viu que est av a gr áv ida, ficou m uit o alegre, e foi dizê- lo ao r ei
em segr edo; e depois, quando v iu que er a época de t er seu filho, dirigiu- se ao r ei e disse- lhe:
- Senhor , com o t er á nom e o filho de m inha filha?
E o r ei lhe disse:
- Se for filha, haj a nom e Genevr a; e se for filho, haj a nom e Ar tur , o pequeno, em lem br ança de m im que
sou Ar t ur de t ão gr ande poder ; e por isso, depois de m im não vir á nenhum Ar t ur que, em consider ação a m im ,
dev a ser cham ado Ar t ur , o pequeno.
O cav aleir o foi e pôs o nom e de Ar t ur , o pequeno, ao m enino, com o lhe m andou o r ei. O cav aleir o t inha
um filho m uit o bom cav aleir o, que t inha nom e Danor , e o pai t inha nom e Tanas; e o filho t inha por m ulher um a
dona m uit o for m osa e de t ão bom donair e, que m ar av ilha er a. E acont eceu que Tanas a am av a t ão ent r anha-
dam ent e com o não am av a a si nem a out r a pessoa. E por que v iu que não podia t er dela seu m au pr azer ,
enquant o v iv esse seu filho, m at ou- o, um a noit e quando dor m ia com ela. E depois dor m iu com ela, e ela não
ousou fazer difer ent e com m edo da m or t e. E sabei que ist o acont eceu no dia em que Ar t ur , o pequeno, foi
bat izado. Quando a m ãe de Ar t ur , o pequeno, soube que seu pai m at ar a seu ir m ão, não pôde calar - se que não
dissesse:
- Cer t am ent e, m al fizest es, que m at ast es m eu ir m ão. Eu v os far ei dest r uir e escar necer logo.
E ele t ev e pav or dest a am eaça, pois sabia que r ei Ar tur a am av a t ant o, que logo far ia o que ela dissesse;
além do que viu que m er ecia a m or t e. Respondeu- lhe:
- Filha, não m e far ás m or r er , por que t e far ei com o a t eu ir m ão.
Ent ão t ir ou a espada e cor t ou- lhe a cabeça, ali onde est av a a de seu filho, que m at ar a no dia ant erior .
Ent ão com eçou a olhar o m enino que est av a env olt o em pano de seda e disse- lhe:
- Conv ém que m orr as, por que, se t e deix asse v iv er , assim que fosses feit o cav aleir o, não poder ia ser que
não viesses a saber que m at ei t eu t io e t ua m ãe, e t ão gr ande deslealdade com o est a não pode ser que não
v iesse a ser sabida, e m e m at ar ias, pois não poder ia v ir a ser difer ent e.
Ent ão pegou o m enino e lev ou- o a um m ont e per igoso, onde hav ia um lago e deix ou- o à m ar gem da água
par a os anim ais fer ozes o com er em . Mas Nosso Senhor , a quem não esqueceu sua criat ur a, m andou ent ão lá
aquela m ulher de quem j á v os falei, que o cr iou depois, at é que v eio por lá Trist ão, e o fez cav aleir o. Tanas,
sem falha, quando v iu que hav ia feit o t ão gr ande desgr aça, pensou que, se m ais v iv esse na t er r a e r ei Ar t ur
v iesse a saber do ocor r ido, o j ust içar ia. E o r ei, que o sou be depois, t ev e gr ande pena do m enino e m andou- o
buscar , m as nada pôde dele saber , senão por Mor gana, a fada, que lhe m andou dizer assim :
- Ar t ur , sabei que v osso filho Ar t ur , o pequeno, est á v iv o e são e v ir á à cor t e no pr im eir o ano depois de
com eçada a dem anda do sant o Gr aal.
E ist o confor t ou m uit o a r ei Ar t ur .
Or a v os disse com o Ar t ur , o pequeno, foi filho de r ei Ar t ur , assim com o a v er dadeir a est ór ia do sant o
Gr aal o r ev ela.

359. Rei Ar t ur , quando v iu o letr eir o que dizia: "Est e é o assent o de Ar t ur , o pequeno", r et ir ou- se um pouco
t odo espant ado com a gr ande alegr ia que t ev e, pois logo lhe disse o cor ação que er a seu filho. Mas não quis
que o soubesse out r em for a ele, pois não consider av a bom que v iessem a saber . E depois que pensou m uit o
t em po, disse aos out r os:
- Que v os par ece?
- Acham os bom , disser am eles, que Claudim t enha ganho est e assent o, m as de Ar t ur , o pequeno, nada
sabem os.
E o r ei disse:
- Bem cuido que est e out r o é cav aleir o.
E eles per gunt ar am ent ão ao cav aleir o:
- Am igo, sois Ar t ur , o pequeno?
E ele lhes disse:
- Senhor es, sou cav aleir o e bem v os digo que não sei quem sou, nem de qual linhagem , nem que nom e
t enho.
E eles se m ar av ilhar am m uit o e disser am ao r ei:
- Senhor , o que dizeis a r espeit o? Por que não nos par ece que lhe dev em os out or gar o assento, enquant o
não saibam os m ais de seus feit os.
- Eu v os dir ei, disse o r ei, o que far em os: nem lhe t ir em os, nem lhe out or guem os o assent o, m as fique
conosco, e enviar ei m ensageir o a um lugar que eu sei, de onde m e m andar ão dizer quem é ele.
Todos con cor dar am com ist o e Ar t ur , o pequeno, ficou. O r ei m andou um m ensageir o a Mor gana, sua
ir m ã, que lhe m andasse infor m ação cor r et a daquele cav aleir o, de quem t odos os da cor t e est av am em dúv ida.
E ela disse ao m ensageir o:
- Sem dúv ida, est e é Ar t ur , o pequeno, e dizei a m eu ir m ão, disse ela ao m ensageir o, que, assim com o o
pai desconhece o filho, o filho desconhece o pai.
Assim despediu- se o m ensageir o de Mor gana e v olt ou à cor t e e cont ou ao r ei quant o lhe Mor gana disser a.
Ent ão soube o r ei, de fat o, que aquele er a seu filho e ent ão o m et eu no assent o da t áv ola r edonda com a
concor dância de t odos e o m esm o fez a Claudim .

360. Outr o dia, de m anhã, disse Ar t ur , o pequeno, ao r ei seu pai:


- Senhor , por Deus, pois que m e fizest es cer t o de m eu nom e, r ogo- v os que m e deis conselho num a cousa
que v os dir ei.
E o r ei lhe disse:
- De quê?
- Senhor , disse ele, que saiba a v er dade de m inha linhagem , por que não há nada no m undo que t ant o
desej e saber . E disser am - m e que o hav ia de saber aqui.
- Bem o saber eis, disse o r ei, ant es que v os separ eis de m im .
Ent ão o lev ou a um a câm ar a em segr edo e disse- lhe:
- Tu és cav aleir o j á?
- Senhor , disse ele, sim , m er cê de Deus.
- Or a quer o, disse o r ei, que m e j ur es sobr e os sant os Ev angelhos, com o cav aleir o, que não r eveles a
hom em nem m ulher o que t e dir ei at é t ua m or t e.
E ele ficou de j oelhos e est endeu as m ãos par a um a capela, e j ur ou com o o r ei lhe disse. E o r ei o er gueu
e depois disse- lhe:
- Or a t e dir ei o que m e per gunt ast e. Sabe que és m eu filho e t e fiz num a donzela m uit o form osa t ant o
t em po há.
E ent ão lhe cont ou t udo com o a est ór ia o há j á rev elado. E depois que lhe cont ou tudo e com o fizer a
Tanas, disse- lhe:
- Filho Ar t ur , ainda que não queir a que saibam que és m eu filho, não t e am o por isso m enos, pois eu o
deix o de dizer par a não saber o pov o m eu er r o e m eu pecado, por que, pois que Deus m e escolheu par a m e pôr
em t ão gr ande alt ur a, dev o esconder o quant o puder m inha m isér ia, qual pecador quer que eu sej a.
Quando Ar t ur , o pequeno, ouv iu est as nov as, ficou m ais alegr e do que poder ia, e disse:
- Senhor , sabeis que nos dias de m inha v ida ist o não ser á r ev elado, m as ist o v os digo; est as nov as
m et em em m eu cor ação t ão gr ande or gulho e t ão gr ande ent usiasm o, que ant es quer ia ser m or t o do que não
passar t odos os m eu com panheir os em cav alar ia; e não há nada no m undo pelo que eu t ão gr ande honr a possa
t er com o por est as nov as, por que a gr ande alt ur a de que venho m e far á ou lev ar a t er m o quant o meu cor ação
ousar á int ent ar , ou m or r er .
E ent ão ficou de j oelhos diant e de seu pai e disse- lhe chor ando:
- Senhor , de hoj e em diant e, quer o ser cav aleir o, pois m e r ecebeis por filho.
O r ei er gueu- o e beij ou- o e disse- lhe:
- Filho, Deus t e faça t al hom em qual eu quer ia. Mas, por Deus e por guar da de t eu cor po e por m eu r ogo,
não com eces bat alha nem pelej a com a linhagem de r ei Bam , pois são t odos m uit os bons cav aleir os sobej o, e
se por v ent ur a, m at asses algum deles, não t e poder ia guar dar eu nem out r em , que t e por isso não m at assem ; e
eu t e am o t ant o, que por ia em t e v ingar , m as ist o não poder ia fazer sem gr ande dano m eu e de m inha gent e,
por que são m uit os e m uit o bons à gr ande m ar av ilha.
E ele lhe pr om et eu que assim far ia; m as m ent iu depois do que pr om et eu; e por isso o m at ou Bliobler is o
bom cav aleir o, o pr im o de Lancelot e. E foi gr ande o dano de sua m or t e, por que Ar t ur , o pequeno, er a m uit o
bom cav aleir o e m uit o for t e. E sabei que não foi m enor que seu pai, e foi t ão v alent e e t ão bom cav aleir o de
ar m as com o ele.

361. Depois que ist o falar am , v olt ar am ao paço. E Claudim per gunt ou a Ar t ur , o pequeno:
- Est ais cer t o do que desej áv eis?
E ele disse:
- Apr endi t ant o agor a pelo que v aler ei m ais t odos os dias de m inha v ida.
E Mer augis lhe disse:
- Ar t ur , m uit o v os or gulhais dest a cor t e?
- Cer t am ent e, disse ele, t ant o que não deix aria de t er v indo aqui, pela m elhor cidade de Logr es.
- Por Deus, disse Mer augis, outr o t ant o v os digo eu de m im , por que est ou cert o da coisa do m undo que
m ais cobiçav a saber , e ist o foi a m inha linhagem ; e t ornou- m e cer t o disso a car t a que m e deu Claudim .
Abençoada sej a est a casa, por que nunca a ela v em alguém t ão desaconselhado, que não par t a aconselhado.
E, sem falha, na car t a que Claudim lhe deu est av a com o er a filho de r ei Mar s e de sua sobr inha e com o o
pendur ar a ele a um a ár v or e. E quant o disso o cont o há j á r ev elado, t udo est av a na car t a; e ele t ev e gr ande
pesar , quando achou o que r ei Mar s fizer a a sua m ãe e em qual perigo ele est av a, quando o achou o
m ont anheir o pendur ado à ár v or e. Aquele dia m andou fazer um a ar quinha de pr at a em que m et eu aquela car t a
par a t r azê-la sem pr e em seu peit o pendur ada em seu pescoço, par a que cada v ez que a v isse lhe lem br asse o
pecado em que for a nascido e por qual v ent ur a se salv ar a e que se em endar ia por isso par a com Deus e o
m undo e ser ia, por isso, m ais sem sober ba e m ais hum ilde. Por est a r azão t r azia Mer augis consigo a car t a em
que seu nascim ent o est av a escr it o.

362. Set e dias dem or ar am em casa de r ei Ar tur , Ar tur o pequeno, e Claudim e Mer augis, pela honr a da m esa
r edonda, que lhes der a Deus. E Mer augis r ogar a t ant o a Heit or que ficasse por am or dele, m as ant es t ev e de
lhe pr om et er que par tiria no oit av o dia, e por isso ficou Heit or par a o at ender . Aos set e dias, m andou o r ei pr o
cur ar pela m esa r edonda e pelos assent os quant os cav aleir os haviam m or r ido desde que a dem anda com eçar a,
e os que olhar am disser am - lhe:
- Senhor , há lá deles m or t os v int e e um . - Quais? disse o r ei.
E eles disser am :
- I v ã, o bast ar do, e I v ã das br ancas m ãos e I v ã de Cenel e Calogr enant e e Pat r ides e r ei Bandem aguz e
Donadix, seu ir m ão, e Pelias, o for t e. A est es t r ês m at ar am Galv ão e Mor der et e, seu ir m ão, e Agr av aim . Depois
dest es oit o, achar am que est av a m or t o Alam a de Cam alot e, Luzes de Cam alot e e Tanadal de Cam alot e. Est es
t r ês er am ir m ãos e er am m uit o bons cav aleir os e m uit o v alent es e er am filhos de um infanção de Cam alot e.
Depois achar am que er a m or t o Br idalão; depois, Selit om e Sadalom . Est es dois er am pr im os e er am os m ais
for m osos da cor t e. Depois achar am que er a m or t o Loc, o pequeno, e Car m oisim , o gr ande, e Anselim , o pobr e,
e Calagant e, o pobr e, e Bar ão. Todos est es f or am m or t os na dem anda do sant o Gr aal, m as não v os dir ei com o,
por que o não achei em fr ancês, nem Bor on diz que a r espeit o t enha m ais achado na gr ande est ór ia do lat im de
quant o v os cont o.
Quando o r ei ouviu que t ant os er am m or t os, abaix ou a cabeça com gr ande pesar e, ao cabo de um
t em po, disse, de t al m odo que os m ais que lá est av am ouv ir am :
- Ai, Galv ão! Maldit o sej as por que t odos est es hom ens bons per di por t ua par t ida. Não há t ão r ica cor t e
no m undo em que t al com panhia não fosse honr ada; t u m e fizest e um gr ande dano. Tal t r ibut o te acont eça
nest a dem anda que nunca dela v olt es.
I st o disse o r ei de seu sobr inho, por que m uit o lhe pesav a da m or t e daqueles hom ens bons. Aquele dia, à
noit e, Claudim e Art ur , o pequeno, e Mer augis e Heit or disser am ao r ei que par tiriam de m anhã para ent r ar na
dem anda do sant o Gr aal; e despedir am - se da r ainha e das donzelas. A r ainha falar a aquela sem ana m uit o de
Lancelot e com Heit or e deu- lhe um anel que lhe ent r egasse e lhe dissesse que, logo que visse o anel, não
fizesse out r a coisa, senão volt ar logo. E ele pr om et eu que cum pr ir ia aquela or dem logo que o encont r asse. E
despediu- se dela.

363. No out r o dia, sem t ar dar , par tir am os quatr o com panheir os da casa de rei Ar tur . E o r ei foi com eles at é a
flor est a. Depois encom endou- os a Deus e volt ou. E eles entr ar am na flor est a par a buscar em aventur as, com o
devem fazer cavaleir os andant es.
Mas or a deix a o cont o a falar deles e t or na a Galaaz por falar dele, por que m uit o há que dele não falou.

LI I I
Ga la a z, Tr ist ã o, Blioble r is e Pa la m a de s

364. O cont o diz que, depois que par t iu Galaaz do t or neio em que fer iu Galv ão, com o a est ór ia há j á r ev elado,
Tr ist ão, que t inha m uit a v ont ade de o conhecer pela m ar av ilha que o v iu fazer em ar m as naquela r eunião, foi
at r ás dele, e andou bem um a légua sem lhe ousar falar , por que v ia que queria esconder - se. E Galaaz, que ia o
m ais depr essa que podia e bem cuidav a que ninguém ia per t o dele, cav algou at é à ent r ada da noit e, e ent ão
chegou a um a flor est a que t inha nom e Aacena. Quando est ava par a ent r ar na flor est a, Tr ist ão, que t em ia
per dê- lo, ou pela noit e que chegava, ou pela flor est a, que er a espessa, apr essou- se em apr oxim ar - se e, à
ent r ada da flor est a, chegou- se a ele; e Galaaz, quando o viu chegar , volv eu a cabeça. E Tr ist ão saudou- o logo
e disse- lhe:
- Senhor , Deus v os guie.
- Senhor , disse Galaaz, Deus v os dê boa v ent ur a.
E não lhe disse m ais, ant es se calou e pesou- lhe de que o alcançar a; por que, t endo- o v ist o no t or neio,
soube bem que ia at r ás dele.
- Ai, senhor ! disse Tr ist ão, quem sois?
- Senhor , disse ele, sou um cav aleir o.
- Senhor , disse Tr ist ão, cav aleir o sei bem que sois, não sabia que sois o m elhor do m undo. Por Deus e por
cor t esia, não v os escondais de m im , m as dizei- m e algo de v ossos feit os; pois assim Deus m e aconselhe, nunca
v i cav aleir o cuj o conhecim ent o e cuj a com panhia ant es quisesse.
E v ós, quem sois, disse Galaaz, que t ão gr ande v ont ade t endes de m e conhecer ?
- Senhor , sou um cav aleir o de Cor nualha que cham am Tr ist ão, e j á est iv e na casa de r ei Ar tur .
- Sede bem - v indo, disse Galaaz; ouv i m uit os hom ens bons v os louv ar em t ant o, que não m e encobr ir ei
diant e de v ós de nenhum m odo, sobr et udo, por que v iest es at r ás de m im t ão longe por m e conhecer . Sabei que
sou Galaaz, filho de dom Lancelot e do Lago, que é t al cav aleir o com o sabe t odo o m undo.
Quando Tr ist ão ist o ouv iu, r ev erenciou- o m uit o e disse:
- Ai, m eu senhor I Sede o m uit o bem - v indo e bendit o sej a Deus, por que v os achei nest a dem anda. Por
Deus e por cor t esia, concedei- m e que vos faça com panhia at é que a vent ur a nos separ e.
- Senhor , disse Galaaz, v ós m e pedis um fav or que dev ia eu v os pedir . Cer t am ent e, sois t ão bom
cav aleir o, que não desej o m enos v ossa com panhia, com o v ós, a m inha.
E ele lhe agr adeceu m uit o.

365. Depois que ist o disser am , f or am am bos pela flor est a e com eçar am a falar , indo, de m uit as av ent ur as que
acont ecer am na dem anda.
- Dom Galaaz, disse dom Tr ist ão, bem sei que fizest es nest a dem anda m ais que nenhum cav aleir o e m ais
achast es m ar av ilhas e av ent ur as. Por Deus, dizei- m e apenas se v ist es j á a best a ladr ador a, por que m e disse
dela Gaeriet e novas um dia em que nos encont r am os.
- Por cer t o, disse Galaaz, eu a v i.
- E v ist es, disse Tr ist ão, o cav aleir o que anda at r ás dela? Ou v i m uit o louv á-lo de cav alar ia.
- Por cer t o, disse Galaaz, ele é m uit o bom cav aleir o. Se fosse cr ist ão, m uit o se dev ia pr ezar sua cav alar ia.
Mas ist o pesa- m e m uit o e desam o- o, por que é m our o.
E ent ão cont ou a Tr ist ão quant o dele ouvir a dizer . E Tr ist ão se per signou da m ar av ilha que ouv iu e disse
que m uit o er a gr ande dano que não fosse cr ist ão, pois que er a t ão bom cav aleir o.

366. Falando nest as coisas, chegou- lhes a noit e t ant o, que nem sequer v iam por onde ir . Ent ão achar am um a
casa v elha, onde m or av a um m ont anheir o j á t em po hav ia, e est av a um pouco caída. E Tr ist ão disse:
- Fiquem os aqui, por que, se chov er ou fizer m au t em po, m elhor est ar em os nest a casa do que f or a.
E ele concor dou. E apear am e deix ar am seus cav alos pascer , por que não t inham out r o alim ento que lhes
dar . E depois, t ir ar am seus elm os e com eçar am a falar daquilo que t iver am m ais vont ade e er am as avent ur as
do r eino de Logr es. E eles nist o falando, ouv ir am vir um cav alo rinchando e v inha dev agar .
- Algum est r anho, disse Tr ist ão, v em aqui.
- Por v ent ur a, disse Galaaz, é algum cav aleir o andant e.
- Bem pode ser , disse Tr ist ão.
- Nist o chegou o cav aleir o do out r o lado da casa e pensou ficar lá aquela noit e. Ent ão apeou e deix ou seu
cav alo ir pascer . Ent ão disse Tr ist ão a Galaaz:
- Calem os agor a e v er em os o que far á est e cav aleir o, por que não im agina que est ej am os aqui.

367. Quando o cav aleir o ficou desar m ado, com eçou a pensar m uit o. E depois que pensou m uit o t em po, deu um
gr ande suspir o; depois com eçou a chor ar a m uit o gr andes soluços de m odo que aqueles que o escut av am
ficar am espant ados. Depois com eçou a fazer seu lam ent o e a dizer :
- Ai, am or ! Vós m e t endes m or t o e m alt r ado. Eu bem cuidav a que bem e alegr ia v iessem de v ós; e or a
v ej o que não v em senão pena e m al e pesar e t oda a desv ent ur a.
Depois t am bém disse:
- Ai, cav aleir o desgr açado e infeliz e pobr e, por que m et est e t eu cor ação em t ão alt o lugar onde nada
podes t er ? Por que a v i por m inha m or t e e por m inha confusão? Pois m or r er ei por bem am ar e nunca t er ei do
am or por galar dão, senão a m or t e.
Depois t am bém disse:
- Ai, r ainha I solda, a m ais for m osa m ulher que algum a v ez alguém v iu, r ainha das r ainhas, senhor a das
senhor as, font e e espelho de beleza, t ão for m osa pessoa e de t ão bom donair e e t ão cor t ês e t ão pr ezada, que
t odo o m undo v ale m ais por v ós e é nom eado por v ossa beleza, senhor a, depois de cuj a m or t e, t odo o m undo
pode se or gulhar de que ant es de v ós não houv e t ão for m osa, nem agor a há e nem depois hav er á! Or a
apr ouv esse ao Rei dos r eis que m e quisésseis t ão gr ande bem com o quer eis ao for m oso Tr ist ão. Assim Deus
m e aj ude, eu m e consider ar ia m ais v ent ur oso do que se t odo o m undo fosse m eu.

368. Depois que ist o disse, calou- se, e depois que pensou m uit o t em po, com eçou de nov o seu pr ant o, e depois
que fez m uit o t em po seu pr ant o, disse:
- Ai, r ainha I solda, cuj a beleza m e há de m at ar , pois não posso v iv er m ais t em po! A v ós r ecom endo
m inha alm a, a v ós ent r ego m eu cor po, a v ós dou m eu espír it o; v ossos sej am m eus olhos, v osso sej a m eu
andar , v osso sej a m eu falar , v osso sej a m eu pensar , v osso sej a m eu dor m ir , v osso sej a m eu v elar , v osso sej a
m eu t r abalhar , v osso sej a m eu folgar , v ossa sej a m inha m or t e e v ossa sej a m inha v ida, e não queir a Deus que
de out r o m odo sej a.
E depois que disse ist o, ador m eceu, por que andav a m uit o cansado. Muit o t em po depois dist o, não
ador m ecer am Galaaz nem Tr ist ão, pois esper av am que ainda dissesse m ais. E depois que per ceber am que
ador m ecer a, disse Galaaz a Tr ist ão:
- Vist es algum a v ez t ão sandeu cav aleir o?
E Tr ist ão, que est av a m ui sanhudo do que ouv ir a, disse:
- Senhor , ele ainda não r econhece sua loucur a com o far ei que a reconheça ant es que de nós se separ e.
Em m á hor a v iu o am or de I solda, por que m or r er á por isso, se não for cav aleir o da m esa r edonda.
E Galaaz se calou, por que não ousou culpá- lo dest e feit o. E Tr ist ão disse do cav aleir o que, se não fosse
por am or de Galaaz, iria logo m at á- lo. Muit o pensou Trist ão aquela noit e naquele pr eit o e m uit o desej ou saber
quem er a aquele cav aleir o que t ant o am av a I solda. E depois que pensou m uit o t em po, ador m eceu, m as ist o
não fez Galaaz, por que, t ão logo sent iu que Trist ão dor m ia, afast ou- se um pouco dele e ficou de j oelhos no
chão e com eçou a fazer suas or ações e r ogar a Nosso Senhor Deus que, por sua piedade, o guar dasse e o
m ant iv esse em t ais obr as que não caísse em pecado m or t al e o guiasse, se lhe apr ouv esse, de t al m odo que
v isse algum a coisa dos segr edos do sant o Vaso, se for av ent ur a qUê sej a concedido lev ar a cabo a cav aleir o
pecador . Depois que ficou m uit o t em po fazendo sua or ação, j á per t o do dia, r ecom endou- se a Nosso Senhor , e
deit ou- se a dor m ir sobr e seu escudo, e dor m iu at é que foi dia clar o.

369. Quando Galaaz desper t ou do sono, achou per t o de si Tr ist ão, que dor m ia t ão pr ofundam ent e com o se
houv esse quat r o dias que não dor m isse. Mas o out r o cav aleir o não fez assim , pois j á est av a ar m ado em seu
cav alo. E quando v iu aquela com panhia, pesou- lhe m uit o, pois bem soube que ouv ir am o que ele disser a. E por
isso se apr essou em ir o m ais r ápido que pôde. E sabei que t r azia um escudo negr o com u m leão br anco. E se
alguém m e per gunt ar . quem er a aquele cav aleir o, que t ant o am av a I solda, dir ia que er a o bom cav aleir o
pagão, o da best a ladr ador a. E quem quiser saber com o am ou pr im eir am ent e I solda e quant o fez e sofr eu por
ela, a gr ande est ór ia de Tr ist ão lhe dir á. Mas est a v ez sabei que passav a pela Joiosa Guar da e v iu I solda e pela
gr ande beleza que v iu, r enov ou- se- lhe o am or que t inha por ela e com eçou a aum ent ar m ais e m ais, de m odo
que não am av a t ant o a si, nem out r a coisa o fazia desesper ar de t er seu am or , a não ser Tr ist ão que er a um
dos m ais for m osos cav aleir os do m undo e um dos m elhor es. Est as duas qualidades que conhecia dele o faziam
m or r er de pesar e de inv ej a, pois bem sabia de si que não er a for m oso, m as j ulgav a- se bom cav aleir o.

370. Depois que o cav aleir o m ont ou seu cav alo, par t iu dali depr essa. Ent ão andou t ant o que t opou com Ebes, o
fam oso, um cav aleir o da m esa r edonda ousado e m uit o v alent e. Quando o cav aleir o do escudo negr o o v iu,
disse- lhe:
- Senhor cav aleir o, j ust ar v os conv ém .
E Ebes, que for a j á a m uit os lugar es desde que for a feit o cav aleir o, deix ou- se ir a ele. E o bom cav aleir o o
fer iu t ão br avam ent e, que o pôs por t er r a. E abaixou- se e levou- lhe o escudo e deix ou- lhe o seu. I st o fez,
por que lhe disser am que, se alguém fosse r ecr im inado, a culpa r ecair ia sobr e aquele que tr oux esse o seu
escudo. E Galaaz, que o v ir a par tir daquele lugar onde est iv er a, quando per cebeu que est av a j á afast ado,
desper t ou Tr ist ão. E se alguém m e per gunt ar por que não o desper t ar a, enquant o lá est av a o cav aleir o, dir ei
que o deix ou par a não m at á- lo Tr ist ão em sua fr ent e por t ão infeliz r azão com o a de am ar a r ainha I solda.
Quando Tr ist ão desper t ou, olhou ao r edor de si, pois bem cuidav a achar o cav aleir o que am av a I solda. Mas
quando não o v iu, t ev e gr ande pesar e per gunt ou a Galaaz:
- Senhor , v ist es o cav aleir o quando par t iu?
- Vi, disse Galaaz, e não há m uit o que se foi.
- Or a v os r ogo, disse Tr ist ão, pela fé que dev eis a v osso pai Lancelot e e a t odos os cav aleiros da m esa
r edonda, que m e digais que escudo t r az e por onde v ai.
Tant o m e conj ur ast es, disse Galaaz, que v os dir ei, m as pesam e, pois bem sei que não pode adv ir bem
nem a v ós nem a ele. E v os digo que lev a um escudo negr o de um leão br anco e foi por ali.
E m ost r ou- lhe por onde.
- Não v os dem ando m ais, disse Tr ist ão.
Ent ão ar m ou- se e pr epar ou seu cav alo e subiu nele. E Galaaz t am bém fez out r o t ant o e disse a Tr ist ão:
- Onde quer eis ir ?
- Quer o ir , disse ele, at r ás do cav aleir o do escudo negr o, e quer ia, se v os apr ouv esse, que fôsseis
com igo.
- Não far ei, disse ele, dest a v ez, por que t enho m uit o que fazer alhur es.
E ent ão se separ ar am . Galaaz foi at r av és da flor est a com o quem , por sua v ont ade, quer ia passar sem a
com panhia de Tr ist ão. E Trist ão foi com gr ande pesar e sanhudo pelo gr ande cam inho da flor est a. E não andou
m uit o que t opou com Ebes, o fam oso. E quando v iu v ir Tr ist ão, r econheceu- o, m as Tr ist ão não o r econheceu. E
deu- lhe gr andes v ozes:
- Guar dai- v os de m im cav aleir o, por que não há senão m or t e.

371. Quando Ebes ouv iu ist o, ficou t odo espant ado, pois bem sabia que nele não dev ia m et er m ão de nenhum
m odo. E Tr ist ão, que o não r econhecia e o desam av a m or t alm ent e pelo escudo do leão br anco que v ir a, baix ou
a lança e deix ou- se cor r er a ele. E Ebes com eçou a dar vozes:
- Par ai, dom Tr ist ão, par ai.
Mas ele não par ou, e fer iu- o t ão br avam ent e, que lhe quebr ou o escudo e a lor iga e lhe m et eu a lança por
m eio do peit o, de t al m odo que o fer r o apar eceu do out r o lado, e m et eu- o em t er r a t ão m alt r at ado, que não
houv e m ist er m est r e. E assim que o v iu em t err a, desceu, por que t ant o o desam av a que não se dar ia por
sat isfeit o, se não lhe cor t asse a cabeça; e m et eu m ão à espada e cor t oulhe as cor r eias do elm o, e Ebes abr iu os
olhos e, quando v iu que o quer ia m at ar , disse- lhe:
Ai, dom Tr ist ão, m er cê! Vosso com panheir o er a da m esa r edonda; por que m e m at ast es? Pois Deus o
sabe, nunca v o- lo m er eci.
Quando Tr ist ão ist o ouv iu, afast ou- se m uit o espant ado e disse- lhe:
- Quem és t u?
- Sou, disse ele, Ebes, o fam oso. Por Deus, dizei- m e por que m e m at ast es?
- Eu t e m at ei, disse ele, por m inha senhor a I solda, que am as.
- Ai, senhor , m er cê! disse Ebes, est ou m or t o. Mas Deus nunca t enha piedade de m inha alm a, se algum a
v ez a am ei e algum a v ez a v i.
- Com o? disse Tr ist ão, não sois o cav aleir o que dor m iu aqui adiant e num a casa der r ibada?
- Não, senhor , disse ele, ant es est ivem os eu e Gaer iet e num cast elo per t o daqui. Cuido que por est e
cam inho v ir á e v os dir á a r espeit o a v er dade.
- Or a, não sei, disse Tr ist ão, o que possa fazer , por que um que t r azia t al escudo com o v ós andav a eu
buscando e por ist o cuidav a que ér eis v ós.
- Ai, senhor ! disse Ebes, est e j ust ou hoj e com igo e der r uboum e e t om ou m eu escudo e deix ou- m e o dele.
Em m á hor a v i est a t r oca.
- Ver dade é? disse Tr ist ão, m as m uit o m e pesa, assim Deus m e aj ude. Mas or a dizei- m e que escudo er a o
v osso.
- O cam po de pr at a e um a ser pent e azul à dir eit a.

372. Enquant o assim falav a, eis que Gaeriet e chegou. E quando v iu Trist ão, r econheceu- o bem e saudou- o.
Tr ist ão t am bém o saudou com gr ande pesar e m uit o t r ist e.
- Ai! disse Gaer iet e, quem m at ou dom Ebes?
- Eu o m at ei por desconhecim ent o, disse Tr ist ão. E, assim Deus m e haj a m er cê, pesa- m e m uit o. E, por
Deus, guar dai- o, e se m or r er dest a chaga, fazei- o t er sepult ur a honr ada, com o cav aleir o andant e dev e t er ; e
eu ficar ia conv osco, m as v ou at r ás de um cav aleir o est r anho, e nunca est ar ei alegr e at é que o ache.
E Gaer iet e disse que t oda honr a que pudesse fazer , faria; e ficou com ele com m uit o pesar de sua m or t e,
e disse que, se Tr ist ão não fosse da m esa r edonda, v ingaria a seu poder . E ficou lá t ant o at é que m or r eu e
pegou- o e lev ou- o a um a abadia e o fez sot er r ar o m ais honr adam ent e que pôde e fez escr ev er na pedr a do
t úm ulo um letr eir o que dizia: "Aqui j az Ebes, o fam oso, que Tr ist ão m at ou." E Tr ist ão, que se separ ou de
Gaeriet e, foi depr essa at r ás do cav aleir o e não andou m uit o, que se encont r ou com Dondinax , que lhe disse:
- Dom Tr ist ão, onde ides com t ant a pr essa?
- Eu v ou, disse ele, atr ás de um cav aleir o que tr az o escudo de pr at a e um a ser pent e azul e disser am - m e
que ia por aqui, v ós o achast es?
- Sim , achei, disse Dondinax , em m á hor a par a m im , por que j ust ei com ele e deu- m e t al queda que ainda
m e dói.
- E est á j á agor a longe? disse Tr ist ão.
- Cer t am ent e, disse Dondinax , se quiser des v os apr essar um pouco, o alcançar eis, por que v ai m uit o
dev agar e v ai por est e cam inho.
- Or a v os r ecom endo a Deus, disse Tr ist ão.
E ent ão par t ir am .

373. Tr ist ão foi at r ás do cav aleir o quant o o cav alo o pôde lev ar . E não andou m uit o que o alcançou num v ale, e
o cav aleir o. olhou par a t r ás quando ouv iu Tr ist ão at r ás de si, por que bem ent endeu que não ia senão par a
pelej ar . E quando Tr ist ão foi se apr ox im ando dele, disse- lhe:
- Guar dai- v os de m im , por que v os desafio.
Aquele, que bem v iu e ent endeu que por out r a coisa não podia desapar ecer , baix ou a lança e fer ir am - se
am bos t ão br av am ent e, que puser am por t er r a a si e aos cav alos sobr e os cor pos, m as out r o m al não se
fizer am , por que as lor igas de am bos er am m uit o boas; m as ficar am quebr ados e fer idos da queda, er guer am -
se m ui viv am ent e, por que t inha cada um m uit a v er gonha de ser derr ubado por um só cav aleir o. E m et er am
m ão às espadas e deix ar am - se ir e der am se os m aior es golpes que puder am com t oda sua for ça, de m odo que
t or nar am os elm os pior es que ant es e os escudos e as lor igas. Que vos dir ei? Tant o m ant iver am am bos aquela
pr im eir a bat alha - e ist o er a por que consider ava- se cada um bom e valent e - at é que chegou Bliobler is, que er a
da m esa r edon da e pr im o de Lancelot e do Lago; e er a à m ar av ilha m uit o bom cav aleir o de ar m as.

374. Depois que Bliobleris olhou um pouco os cav aleir os que ainda com bat iam e os v iu t ão bons e t ão v iv os,
m ar av ilhou- se, e pesoulhe daquela bat alha pela bondade que neles viu, que não podia cr er que não fossem da
m esa r edonda; e por ist o separ aria ele de boa m ent e est a bat alha, se pudesse, à honr a de am bos, e esper ou
t ant o que ficar am am bos cansados e se afast ar am um do out r o m uit o feridos e m uit o cansados, pois m uit o
sofr er am . Mas Tr ist ão não est av a t ão m alt r at ado com o o out r o cav aleir o, por que t inha m ais for ça e pelo gr ande
alent o que sent ia, m ar avilhou- se sobej am ent e com o o cav aleir o podia t ant o diant e dele r esistir ; e assim
t am bém pensav a o out r o, por que a t ant os hom ens bons t r oux er a m al por seu cor po e v encer a, que se
m ar av ilhav a de quem poder ia ser est e com quem com bat ia, pois bem v ia que, sem falha, est e er a o m elhor
cav aleir o com quem algum a v ez se achar a. Ent ão j ulgou em seu ínt im o que est e er a o m uit o bom cav aleir o que
hav ia de dar cabo às av ent ur as ou Lancelot e ou Trist ão. Se fosse Galaaz, t inha- se por m or t o, pois bem sabia
que er a m elhor cavaleir o do que ele. Se fosse Lancelot e e ele o m at asse, t em ia m or r er por causa dele, por que
hav ia em sua linhagem os m elhor es cav aleir os do m undo, que o v ingariam . Se fosse Trist ão, consider av a que
lhe hav ia feit o gr ande afr ont a, que m et er a nele a m ão, pois ao m enos o dev er ia guar dar por am or de I solda,
que ele t ant o am ava.

375. Nest e cuidado est av a o cav aleir o pagão, quando afast ou- se de sua bat alha. E Bliobleris, que os separ ar a
de bom gr ado, apr ox im ouse deles e disse- lhes:
- Ai, senhor es! Por Deus e por cor t esia, dizei- m e quem sois e j á.
- Por quê? disse Tr ist ão. I st o não é cor t esia per gunt ar des a cav aleir os est r anhos, que às v ezes há que
v êm dem andar av ent ur as e não gost ar iam que os r econhecessem .
- Senhor , disse Bliobler is, v er dade é, m as o cost um e é que, se um cav aleir o v ê dois m uit o bons j unt ar em -
se por sanha e por m á v ont ade à bat alha, se os não r econhece e t em v ont ade de lhe~ per gunt ar pela bondade
que neles v ê e per gunt ar por seus feit os, não o consider em v ilania. Por cer t o, t ant o cr eio eu de v ós que, se
v ísseis os m elhor es dois cav aleir os do m undo num cam po de bat alha, nunca est ar íeis sat isfeit os, enquant o não
os r econhecêsseis.
- Bem pode ser , disse Tr ist ão.
- Pois, disse Bliobler is, não m e ponhais culpa em v os per gunt ar , por que bem sabei que, se não v isse m ais
bondade em v ós do que em out r os v i, não v os per gunt ar ia. E por isso v os r ogo que m e digais quem sois.
- Eu v o- lo dir ei, disse Tr ist ão, m as bem sabei que não v os consider o cor t ês por per gunt ar des, ant es sois
um cav aleir o m uit o v ilão e m uit o néscio; entr et ant o v os dir ei. Sabei que sou Tr ist ão.
- Ai, senhor , m er cê! disse Bliobleris, não v os assanheis assim cont r a m im , m as per doai- m e est e er r o; e se
o não quer eis fazer por m im , fazei- o por am or de m inha linhagem que v os am a m uit o.
- E quem sois? disse Tr ist ão.
- Senhor , disse ele, sou Bliobler is; bem m e dev íeis r econhecer .
- Sim , faço, disse ele, e por que v os r econheço, v os per dôo a m á v ont ade que v os t inha.
E ele agr adeceu m uit o; e depois v ir ou par a o outr o cav aleir o e disse- lhe:
- Senhor , r ogo- v os, por cor t esia, que m e digais quem sois.
- Dir ei de bom gr ado, disse ele. Sabei que hei nom e Palam ades, o pagão, o cav aleir o da best a ladr ador a.
E fui bom conv osco, há t em po, quando os ir m ãos de Galv ão v os quer iam m at ar , e se não fosse eu, v os
m at ar iam . Or a sede bom par a m im num a coisa que v os dir ei.
- Dizei, disse Bliobler is, por que não há nada no m undo que por v ós não faça, que logo m e não r econheça
no que por m im fizest es.
- Vedes aqui, disse Palam ades, dom Tr ist ão que m e acom et eu m uit o sem r azão. Sem falha, ele é m uit o
bom cav aleir o, m uit o m elhor que eu, m as se fosse o pior do m undo e eu o t iv esse per t o de v encido, eu lhe
deix ar ia a bat alha pois o conheço, por que sou aquele que de nenhum m odo com bat er ia com ele. Deus sabe a
r espeit o m inha vont ade. Or a pedi- lhe que deix e est a bat alha.
- I st o v os far ei bem , disse Bliobleris.
Ent ão disse a Tr ist ão:
- Senhor , r ogo- v os, por Deus e por cor t esia, que deix eis de hoj e em diant e por m im est a bat alha, por que
sois am bos t ão bons cav aleir os, e seria gr ande dano per der - se um de v ós; e além disso, o cav aleir o v os r oga e
dest e m odo t endes a honr a, pois ele dem anda a paz, não o t endo v ós ainda fer ido de m odo que o v encêsseis;
e, além do m ais, quit a- vos a afr ont a que lhe fizest es desde que o at acast es t ão sem r azão.
- Ai, Bliobleris! disse Tr ist ão, por Deus, nunca m e faleis nisso. Sabei que não há no m undo senão dois
hom ens que poder iam aqui m et er paz, por que t ão m or t alm ent e o desam o que o m at ar ei ou ele a m im . E por
isso v os r ogo que não v os esfor ceis em m et er paz aqui, pois não pode ser , e j á dizer não há m ist er , at é que um
de nós sej a m or t o.
- Ai, senhor ! disse Bliobler is, se Deus quiser , não o far eis, pois, v ist o que o cav aleir o quer a paz, por
dir eit o, não o podeis t em er .
Ent ão se apr ox im ou Palam ades e t am bém disse:
- Dom Tr ist ão, com bat i conv osco at é aqui e bem sei que sois um dos bons cav aleir os do m undo e bem o
hei com pr ov ado; e não est ou ainda t ão fer ido que dem andasse paz, se não fossem duas coisas que m e
pr ot egem , um a é a v ossa boa cav alar ia e a out r a não v os dir ia de nenhum m odo.
- I st o não há m ist er , disse Tr ist ão. Cer t am ent e, m or r er v os conv ém .
- Mas Bliobleris que descer a j á e se m et er a ent r e am bos, disse:
- Ai, dom Tr ist ão! I st o não cuidar ia eu de nenhum m odo, de não quer er des fazer nada por m eu r ogo.
- Não há ninguém , disse Tr ist ão que a r espeit o pudesse fazer algo.
E Palam ades ficou de j oelhos diant e de Tr ist ão e disse- lhe:
- Or a podeis de m im fazer o que v os apr ouv er , por que m e dou por v encido nest a bat alha e v edes aqui
m inha espada que v os dou, e bem sabei que não t eria poder nem for ça par a m e defender m ais contr a v ós. Ora
t ende m er cê de m im , se v os apr ouv er , ou ent ão m at ai- m e, se v os apr ouv er .

376. Tr ist ão, quando ist o ouv iu, t ev e t ão gr ande pesar que bem quiser a est ar m or t o, por que ele nunca t ão
m or t alm ent e desam ar a a cav aleir o com o est e, e não podia v ingar - se dele sem ser per j ur o e desleal par a com a
m esa r edonda, pois er a t al o cost um e que t odo cav aleir o que com panheir o fosse, não dev ia m et er m ão em
cav aleir o, depois que lhe desse sua espada, cont ant o que não lhe t iv esse feit o afr ont a. E por est e cost um e t ev e
Tr ist ão de deix ar aquela bat alha; e quando v iu que o cav aleir o lhe dav a sua espada, disse com m ui gr ande
sanha, por que não podia cum pr ir sua v ont ade:
- Não quer o t ua espada nem nada t eu. Mas deix o- t e a bat alha, ainda assim t e j ur o que nunca t er ei pr azer
at é que sej a v ingado de t i, por que no pr im eir o lugar onde possa t e achar , fica segur o da bat alha e da m or t e, se
m ais posso que t u.
E ele r espondeu:
- Quando m e acom et er des, pesar - m e- á disso.
Ent ão disse Tr ist ão a Bliobler is:
- Vós m e im pedist es aqui de m e v ingar do hom em que eu pior quer ia no m undo; e por isso v os digo que
t odo m al que v os v iesse não m e pesar ia.
E Bliobler is r espondeu:
- De v ossa sanha m e pesa, m as sabei que est e cav aleir o fez t ant o por m im , que, se eu o deix asse m or r er ,
quando o socor r er pudesse, t odo o m undo o t er ia por m al. Ent ão foi Tr ist ão a seu cav alo e m ont ou nele, e
depois disse a Palam ades:
- Não t endes aqui do que v os guar dar , m as bem sabei que no pr im eir o lugar em que v os ach ar , não m e
escapar eis que v os não m at e ou v ós a m im .
E Palam ades disse:
- Não sei com o acont ecer á, m as nossa bat alha est or v ar ei quant o puder .

377. Ent ão r et ir ou- se Tr ist ão m ui sanhudo e com gr ande pesar de que não m at ar a Palam ades; e Palam ades
t am bém cav algou o m ais r ápido que pôde e foi por out r o lado, m as m uit o agr adeceu a Bliobler is o que lhe
fizer a e disse que o r ecom pensar ia de bom gr ado, se a v ent ur a o pr opiciasse. E Bliobleris t am bém t om ou sua
car r eir a por out r o lado. E Tr ist ão andou t ant o aquele dia que anoit eceu à ent r ada de um cast elo que ficav a
sobr e um a v eiga pequena, e cham av am - no o cast elo de Sagr am or , por que o der a r ei Ar t ur a Sagr amor .
Aquela noit e ficou lá Tr ist ão e foi ser vido e honr ado a seu pr azer , por que os do cast elo est av am
acost um ados a ser v ir o m elhor que pudessem os cav aleir os andant es, por que seu senhor era cav aleiro
andant e; m as a est e ser v ir am ainda m ais que a out r o, depois que souber am que er a Tr ist ão, de quem cor r ia
m uit a fam a por t odo o r eino de Logr es. No out r o dia, depois que ouv iu m issa, cav algou e andou at é hor a de
m eio- dia. Ent ão saiu da flor est a e achou um cav aleir o que er a da m esa r edonda, ar m ado de t odas as ar m as, e
se cham av a Lam beguez. E assim que se vir am , r econhecer am - se logo e abr açar am - se e ficar am m uit o alegr es.
E Tr ist ão disse:
- Dom Lam beguez, que nov as?
- Muit o boas, disse ele.
- Mas com o v os t em acont ecido desde que ent r ast es nest a dem anda? disse Tr ist ão.
- Por Deus, disse Lam beguez, passav a diant e de um cast elo que hoj e achar eis diant e de v ós, se for des
por est a car r eir a, e há lá m uit a gent e r eunida em t endas e t endilhões, não sei por quê; e quando cheguei lá,
quis passar por ent r e as t endas; ent ão v eio um cav aleir o em m inha dir eção ar m ado com t odas as ar m as e
dem andou m e j ust a, e eu não a quis r ecear , por que é obrigação de t odo cav aleir o não r ecear just a de um
cav aleir o nem de dois; e der r ubei aquele. Depois t am bém v eio out r o bom cav aleir o que m e der r ubou; e deu m e
o cav alo por sua cor t esia. E depois que cav alguei, dem andeilhe bat alha. E ele m e disse que a bat alha não faria
com alguém der r ubado. Ent ão m e separ ei dele.
- Cuidais, disse Tr ist ão, que, se por lá for , t enha de j ust ar ?
- Sim , sem falha, disse ele.
- Pois r ecom endo- v os a Deus, disse Tr ist ão, por que por t al am eaça não deix ar ei o m eu cam inho.
- Senhor , disse Lam beguez, e dos da linhagem de r ei Bam , sabeis algum as nov as?
- Sim , disse Tr ist ão: Bliobler is se separ ou à noit e de m im e Galaaz pouco há. Dos out r os não sei nada.
- Cuidais, disse Lam beguez, que eu. poder ia achar Bliobleris?
- Não sei, disse Tr ist ão, assim Deus m e aj ude.
Ent ão se r ecom endar am a Deus e se separ ar am .

378. Lam beguez foi de um a par t e at r ás de Bliobleris, com o a v ent ur a o quis guiar , e Trist ão foi ao cast elo que
lhe ensinou; e aquele cast elo er a for m oso e r ico e ficava sobr e um a ribeir a gr ande e for t e e funda. Aquele dia,
faziam lá gr ande fest a par a o filho do r ei, que no dia seguint e havia de ser cor oado. E havia nas tendas bem
v int e cav aleir os ar m ados, que esper av am que a v ent ur a t r oux esse à fr ent e deles algum dos cav aleir os da m esa
r edonda, por que sabiam bem que andav am na dem anda do sant o Gr aal e andav am buscando av ent ur as per t o e
longe pelo m eio do r eino de Logr es; e eles ist o esper ando, eis que Tr ist ão chegou só e pensan do m uit o, com o
quem não podia esquecer Palam ades, que com eçar a a am ar a r ainha I solda, e avent ur a não lhe acont ecer a
t em po hav ia de que houvesse t ão gr ande pesar , com o de que o não m at ar a. E ele indo pensando e chegando
às t endas, saiu em sua dir eção um cav aleir o ar m ado que lhe disse:
- Senhor cav aleir o, sois de casa de r ei Ar t ur?
E ele er gueu a cabeça e disse:
- Sim , sou, sem falha.
- Pois guar dai- v os de m im , disse o cav aleir o, por que não há nada no m undo que t ant o desam e com o os
daquela casa.
- Com eçast es, disse Tr ist ão, t ão sandeu desam ar , que dele nunca v os sobr ev ir á bem .
E deix ou- se cor r er a ele e feriu- o de m odo que m et eu t oda a lança nele e m et eu- o em t er r a ferido de
m or t e, e sacou a lança dele, por que j ulgou que ainda lhe seria m ist er .

379. Quando os das t endas v ir am aquele j azer por t er r a, que par ecia não m ais se er guer , disser am :
- Est á m or t o, est á m or t o.
E um deles se v aleu r ápido de um cav alo for t e e ligeir o e deix ouse ir a Trist ão, e Trist ão que j á se ia,
v olt ou a ele e fer iu- o, e o m et eu m or t o por t er r a. O r ei, que no out r o dia hav ia de cor oar seu filho e est av a nas
t endas com sua com panhia, quando v iu aqueles dois golpes, disse aos que est av am ar m ados:
- Ficai quiet os e deix ai o cav aleir o ir em paz, por que bem se quit ou do que devia. Assim Deus m e aj ude,
ele é bom .
Ent ão disse a um seu ir m ão que est av a desar m ado:
- Cavalgai r ápido e ide at r ás dele e dizei- lhe que lhe r ogo que m e m ande dizer seu nom e.
O cav aleir o cav algou e foi a Trist ão e disse- lhe quant o lhe m andou o r ei. Tr ist ão, que est av a um pouco
sanhudo, r espondeu- lhe:
- Senhor , sou um cav aleir o est r anho, não m e dem andeis m ais, por que não podeis m ais saber .
- Ai, senhor cavaleir o! disse ele, se Deus quiser , est a vilania não fareis que não m andeis dizer ao r ei m eu
senhor o que v os m andou r ogar .
- I st o não far ei eu, disse Tr ist ão, por v ós nem por out r em , que v os m ais diga do que j á v os disse.
- Não? disse o cav aleir o, pois pr ezais- m e pouco. Assim Deus m e aj ude, or a v er em os o que far eis.
Ent ão o segur ou pelo fr eio e disse- lhe:
- Dom cav aleir o, or a est ais em m eu poder ; j á v osso or gulho não v os v aler á que m e não digais o por que
aqui vim . Eu vos levar ei pr eso.
- Falast es bem , disse Tr ist ão; e não cuidais que dest a pr isão sej a liv r e logo que quiser .
E ele o segur ou ainda. E Tr ist ão lhe disse:
- Sandice fazeis e, por cer t o, se não est iv ésseis desar m ado, dar íeis cabo dela.
Ent ão o lev ou o cav aleir o par a as t endas. E Tr ist ão se assanhou e disse:
- Ou m e deix ar eis, ou v os m at ar ei. E a desonr a ser á m inha, por que est ais desar m ado, e o dano v osso,
por que sois sandeu.
E ele disse:
- Tudo ist o que m e dizeis não é nada, por que ainda assim ir eis com igo.
- Ainda aqui não v eio, disse Tr ist ão, quem à for ça m e há de lev ar . E digo- v os que não ir ei m ais daqui.
Ent ão pux ou a r édea e er gueu a lança e disse- lhe:
- Assim Deus m e aj ude, eu v os m at ar ei, se não m e deix ais. E ele não o quis deix ar . E Tr ist ão br andiu a
lança e fer iu- o de m odo que o deix ou m or t o por t er r a. Depois lhe disse:
- Or a ir ei cont r a a v ossa v ont ade e ficar eis, se out r em não v os lev ar .

380. Quando o r ei v iu seu ir m ão cair , cuidou que est av a fer ido de m or t e, e gr it ou par a os que com ele
est avam :
- Or a ide depós o cav aleir o que m at ou m eu ir m ão, por que m e m at ou e escar neceu pois m e t irou o m elhor
am igo que t inha.
Ent ão v eríeis sair m ais de cem cav aleir os at r ás de Tr ist ão: Dest es, dezoit o est av am m uit o bem ar m ados;
e os out r os, desar m ados, só com escudos e lanças. E quando Tr ist ão v iu que o pr eit o er a t ão despr opor cional,
que se hav ia de defender de t odos, não ficou com isso m uit o alegr e, m as er a de t ão gr ande ânim o e de t ão
gr ande for ça, que nunca t ev e pav or de nada que v isse, ant es v olv eu o cav alo em dir eção a eles, fer oz e v alente
e de m á v ont ade e fer iu o prim eir o que alcançou de m odo que o m et eu do cav alo por t err a; e depois o
segundo, e depois o out r o, depois o quar t o. Ent ão v oou sua lança em pedaços e m et eu m ão à espada, com o
quem quer ia vingar sua m or t e, e m et eu- se entr e eles e der r ubou cavaleir os e m at ou cavalos, e t ant o fez por
sua m ão, que não há quem o v isse que o não t iv esse por m ar av ilha. E m ais se defender a, m as um cav aleir o lhe
m at ou o cav alo. Quando Tr ist ão se v iu ent r e seus inim igos m or t ais, não per deu por isso o ânim o, com o quem
est iver a j á em m aior perigo, ant es se defendeu com o por co m ont ês ent r e cães. Mas não est ava t ão são, que
não t iv esse j á set e fer idas, de que out r o Gav aleir o ser ia m or t o pela m enor . E ist o er a um a coisa que o fazia
enfr aquecer - se m uit o. Assim se defendia ent r e t ant os e t ais, que não hav ia um que lhe não quisesse cor t ar a
cabeça. E ainda ser ia m or t o, sem falha, por que não poder ia r esist ir cont r a t ant a gent e. Mas a v ent ur a t r oux e lá
àquela hor a, Palam ades, o bom cav aleir o pagão. Quando ele v iu Trist ão, r econheceu- o; e quando v iu que se
defendia t ão m ar av ilhosam ent e em t ão despr opor cional bat alha, disse:
- Por cert o, dom Tr ist ão, or a vej o que sois o m elhor cav aleir o que algum a v ez achei. Agor a t odo o m undo
m e t er ia por m au, se não fizesse t udo par a v os aj udar , e não olhar ei o gr ande desam or que t endes por m im ,
m as a gr ande bondade que em v ós há, por que t odo o m undo v aler ia m enos com a m or t e de t al hom em .

381. Ent ão se deix ou cor r er a t odos com a espada na m ão, e fer iu o pr im eir o que alcançou, que o m et eu m or t o
do cav alo por t er r a, e t om ou o cav alo e lev ou- o a Tr ist ão e disse- lhe:
- Mont ai, senhor , e pensai em defender v osso cor po, por que m e par ece que v os é m ui m ist er .
Tr ist ão cav algou, defendendo- o Palam ades cont r a seus inim igos; e quando Tr ist ão v iu Palam ades, que ele
gar ant iu que m at ar ia, e or a v iu que lhe for a t ão bom , t ev e- o pela m aior m ar av ilha do m undo e pensou que, se
o v isse em lugar onde pudesse, lhe dar ia disso o galar dão. E Palam ades lhe disse:
- Dom Tr ist ão, m et ei m ão a fazer bem .
E ele não r espondeu, por que não t inha t em po; ant es com eçou a fer ir com m ui gr andes golpes de espada.
Assim se defender am am bos os cav aleir os diant e do cast elo que hav ia nom e Lespar . Mas sua defesa não lhes
v aler a nada que afinal não fossem m or t os ou pr esos, por que não poder iam r esit ir por m ais t em po cont r a t ant a
gent e, se não fosse a v ent ur a que t r oux e àquela hor a o m elhor cav aleir o Galaaz. Quando ele viu os dois
cavaleir os encerr ados ent r e t ant a gent e, não esper ou m ais, ant es deix ou cor rer o cavalo par a os aj udar , e
fer iu- os t ão violent am ent e, que m et eu por t er r a o pr im eir o que alcançou, e fez t ant o, ant es que a lança
quebr asse, quant o não podia fazer out r o, senão ele. E depois que lhe quebr ou a lança, m et eu m ão à espada
que t ir ar a da pedr a e com eçou a dar m uit o gr andes golpes em t odos aqueles que o esper av am , e er a t ão for t e
e t ão v iv o, que t odos aqueles que o v iam ficav am espant ados que não alcançav a alguém de golpe, que afinal o
pudessem cur ar , que o não m at asse ou cor t asse ou fer isse ou não m et esse por t er r a do cav alo, e fez t ant o em
pouco t em po com os golpes que deu, que os m elhor es e os m ais ousados sent ir am sua boa cav alar ia, que bem
v ir am que a ele não podiam r esist ir de nenhum m odo, e com seu pav or , deix ar am o cam po e fugir am às
t endas. E quando o r ei ist o v iu, ficou m ar avilhado e per gunt ou aos seus por que fugiam .
- Por quê? disse um , por u m cav aleir o que sobr ev eio, que fer e com espada t ão desm esur adam ent e, que
não pode ar m a r esist ir cont r a seus golpes; e se cont r a ele fossem cem dos m elhor es cav aleir os do inundo, ao
cabo, a t odos m at ar ia e desbar at ar ia.

382. Quando o r ei ist o ouviu, disse:


- Assim Deus m e aj ude, nist o não acr edit ar ei, se não v ir .
Ent ão m ont ou num cav alo e t om ou um escudo e um a lança e t inha sua espada à cint a e espor eou o
cav alo e saiu das t endas e v iu Galaaz que andav a der r ubando seus cav aleir os t ão facilm ent e, com o se não
andasse em sela e fazia neles t ão gr ande dano, que não há quem o v isse, que não ficasse espant ado. E o r ei,
depois que olhou um pouco, disse:
- Ai, quant o est am os enganados a r espeit o dest e hom em ! Por Sant a Mar ia, est e é o m elhor cav aleir o, que
há de dar cabo às av ent ur as do r eino de Logr es. Or a não m e consider o desonr ado por ele desbar at ar m inha
gent e, por que à sua bondade não é possív el r esist ir .
Ent ão disse a seus hom ens:
- Volt ai e deix ai- os ir , pois t ent ar r et ê-los ser ia esfor ço per dido.
E eles v olt ar am logo que v ir am a or dem de seu senhor . E os t r ês cav aleir os for am à r ibeir a e passar am - na
e depois que passar am , disse Tr ist ão a Galaaz:
- Sede bem - v indo; v ossa v inda m e foi boa.
E Palam ades, o bom cav aleir o, assim que passar am a r ibeir a, despediu- se de am bos e foi por out r a par t e.
E depois que se afast ou um pouco deles, Galaaz per gunt ou a Trist ão por seus feit os. E Tr ist ão lhe cont ou t udo
quant o sabia e v ir a e disse que aquele er a o bom cav aleir o da best a ladr ador a.
- Por cer t o, disse Galaaz, ele é de gr andes pr ést im os e fez m uit o gr ande cor t esia em v os aj udar cont r a
t ant a gent e, sabendo que o desam áv eis t ant o. Cer t am ent e, m uit o m e pesa que não sej a cr ist ão.
- Por boa fé, a m im t am bém , disse Tr ist ão.

383. Nist o falando, cav algar am aquele dia at é que chegar am a um pequeno cast elo, que fi cav a num a
m ont anha. Lá for am m uit o bem ser v idos, por que um a donzela for m osa e m uit o fidalga, ir m ã de Dondinax , o
selv agem , que er a senhor do cast elo, esfor çou- se m uit o por lhes fazer o que lhes apr ouv esse, por que er am da
m esa r edonda. E ela lhes per gunt ou m uit o por seu ir m ão, e eles lhe disser am o que sabiam . Aquela noit e
ficar am lá m uit o sat isfeit os, e, no outr o dia, assim que clar eou, recom endar am a donzela a Deus e par t ir am , e,
quando ent r ar am em seu cam inho com o cost um av am , com eçar am a dem andar av ent ur as e a per gunt ar por
onde quer que fossem nov as de out r os. Tr ês dias andar am j unt os que não achar am av ent ur as, e sabei que
naqueles t r ês dias andou Tr ist ão m uit o sofr ido, pois andav a fer ido t ant o que, se não fosse de m aior for ça e de
m aior ânim o que outr o, não poder ia supor t ar t ant o esfor ço. Mas ao quar t o dia, sem falha, ficou num a abadia
m uit o a cont r a gost o, e um cav aleir o v elho que lá hav ia que sabia m uit o de t al m ist er , depois que o olhou,
disse- lhe:
- Dom Tr ist ão, sabei que est ais em per igo de m or t e, por que não fizest es m ais cedo olhar v ossas chagas, e
por isso o que v os puder fazer , far ei por am or de Nosso Senhor e por v ós, que sois bom cav aleir o, m as não v os
gar ant o que bem v os cur e, por que, assim Deus m e salv e, v ossas chagas são t ão gr andes e t ão per igosas e
t ant o t em po as t r oux est es por cur ar , que delas r eceio m uit o.
- Senhor , disse Tr ist ão, por Deus e por cor t esia, o que quer que m e sobr ev enha, cuidai de m im , pois m e
diz m eu cor ação que não hei de m or r er disso.
- Deus queir a, disse o hom em bom .

LI V
Ga la a z n o ca st e lo de r e i Pe le s

384. Galaaz ficou lá com ele dois dias, m as, por que não pôde ficar at é que cur asse, r ecom endou aos fr ades que
cuidassem dele, e, se cur asse, soubessem que m uit o bem lhes adv iria, por que er a um dos bons hom ens do
m undo por t odas as bondades.
E eles lhe pr om et er am bem que assim o far iam . Dest e m odo, ficou Tr ist ão e foi Galaaz, e andou
dem andando as av ent ur as do r eino de Logr es, or a de cá, or a de lá, com o a v ent ur a o guiav a. Assim que
chegou a duas léguas de Cor ber ic, num a planície, v iu abr igos e t endilhões e t endas m uit o r icas e m uit o
for m osas, e faziam fest a os de Cor ber ic à ent r ada da boa est ação, no m ês de abr il, e est av am naquela fest a
t odos os da t er r a, por que em t al dia com o aquele for a cor oado r ei Peles, e faziam cada ano t al festa, com ~ no
dia em foi cor oado.

385. Aquele dia que passou Galaaz per ant e os t endilhões, e podia ser hor a de m eio- dia, o r ei est ava à m esa e
seus r icos- hom ens com ele, e est av am m uit o sat isfeit os de com er , não pela gr aça do sant o Vaso, pois o sant o
Vaso nunca saía de Cor beric por m ão de hom em . Mas t odos aqueles, sem falha, que no passo av ent ur oso
com iam , ficav am saciados de quant o hav iam m ist er , cont ant o que r ezassem ao chegar . Rei Peles t inha ent ão
diant e de si um encant ador que fazia t ão gr andes m ar av ilhas, que t odos se m ar av ilhav am . Os cav aleir os que
m ais pr iv ados er am do r ei, quando v ir am Galaaz vir ar m ado, r econhecer am bem que er a um dos cav aleir os
av ent ur osos da casa de r ei Ar t ur e for am a pé em sua dir eção e t ant o lhe r ogar am cor t esm ent e e com
hum ildade que descesse e ficasse com eles, que desceu e desar m ou- se e foi sent ar - se à m esa com os out r os
cav aleir os um pouco per t o do r ei Peles, que t inha diant e de si o encant ador . Quando v iu Galaaz, não o
r econheceu, por que andav a negr o e t int o das ar m as, e disse ao encant ador :
- Faze alguns de t eus j ogos diant e dest e cav aleir o est r anho, que por vent ur a falar á disso em casa de r ei
Ar t ur , quando lá for , pois bem sei que é de lá.
E o encant ador , que hav ia per dido seu t ino e seu poder na v inda do bom cav aleir o, que er a sant a cousa e
sant o hom em , r espondeu:
- Senhor , nada poder ei fazer , enquant o ele aqui est iv er .
- Com o? disse o r ei, ele t e t olhe?
- Sim , senhor , disse o encant ador .
- Com o? disse o r ei, ele não é encant ador .
- Senhor , não, disse ele.
- Pois com o t e t olher ia?
- Senhor , disse ele, ist o não v os sei dizer .
O r ei lhe disse out r a v ez que fizesse seus encant am ent os, e ele disse que não podia, e o r ei se assanhou e
m andou cor t ar - lhe a cabeça, se não quisesse fazer . Quando ele v iu o pr eit o assim par ado, disse que o
deix assem e far ia o que o r ei m andav a.

386. Ent ão t or nou ao rei e disse- lhe:


- Rei Peles, or a t e dir ei quem sou e por que não posso fazer m eus encant am ent os, com o fazia ant es que
est e cav aleir o chegasse.
- Pois dize, disse o r ei.
E ele com eçou assim :
- Rei Peles, sou nat ur al de Bar bár ia, e sou m ais fidalgo do que cuidas, m as a v ent ur a m e deit ou nest a
t er r a, m ais pobr e do que m ist er ser ia; e er a pagão, m as bat izou- m e Nascião, o er m it ão; e depois que r ecebi o
bat ism o com ecei a pecar cont r a m eu Cr iador m ais do que out r o pecador ousar ia fazer , e v os dir ei com o. Um dia
cav algav a por um a flor est a t ão desesper ado com m inha gr ande pobr eza, que não acr edit av a em Deus nem em
ninguém e ent ão m e apar eceu um dem ônio que t em nom e Dagão e é um dos m ais pr iv ados do inferno e
apar eceu- m e em sem elhança de hom em rico e poder oso e per gunt ou- m e quem er a e eu disse- lhe m eus feit os;
e ele m e disse:
- Se quer es t e t or nar hom em m eu, j á não pedir ás algo que t e não dê.
E eu lhe disse que ser ia seu, se m e m ost r asse com o pudesse ser r ico. E ele m e disse:
- Eu t e ensinar ei t ant o que t e dar ás por bem sat isfeit o com igo.
E eu lhe pr om et i que ser ia seu e r eneguei logo m eu Cr iador e m inha cr ist andade e t or nei- m e ser v o do
dem o; e ele m e ensinou logo t oda a for ça dos encant am ent os que hom em m or t al poder ia saber e pr esum i
t ant o em sua guar da que nunca m ais pude com er nem beber , nem fazer outr a coisa, que diant e de m im o não
v isse; e se algum a coisa v os dizia das que er am feit as em segr edo, nada sabia a r espeit o, a não ser o que ele
m e dizia par a v os dizer . Agor a m e acont eceu que, quant o est e cav aleir o chegou, o dem ônio pelo qual eu fazia
as m ar av ilhas foi em bor a, por que não pode ficar onde est ej a t ão sant o hom em e t ão am ado de Nosso Senhor ,
por que est e é t ão sant a pessoa que não dor m e, nem v ela, nem anda, que não est ej a acom panhado de anj os
que o guiam ; por causa dele per di t odo o encant am ent o que fazia.
- Por Deus, disse r ei Peles, cr eio bem que ele é hom em bom , m as não t ant o com o dizes.
- Não? disse ele, por Deus, é sim . Quer eis pr ov á- lo? Mandaio sair daqui, e ent ão v er eis que v os digo
ver dade.

387. Rei Peles, que t inha v ont ade de saber se ist o er a v er dade, disse a Galaaz:
- Senhor cav aleir o, por Deus e por cor t esia, afast ai- v os or a um pouco daqui, at é que pr ov em os se é
ver dade o que est e hom em nos diz de vós.
Galaaz fez com o o r ei lhe disse, por não lhe t er em por or gulho, e foi daquela t enda par a ou t r a; e logo
acont eceu um a m ar av ilha que depois foi cont ada por t oda a t er r a do r ei Ar t ur e por m uit os outr os r einos: o
encant ador com eçou logo a queim ar com o se fosse lenha seca, e foi lev ant ado no ar t ão alt o, que par ecia que
chegav a às nuv ens. E par a onde o lev av am os diabos, com eçou a gr it ar :
- Ai! Galaaz, m ui sant o cav aleir o, r oga por m im , por que ainda achar ia m er cê, se quisesses r ogar por m im .
Dest e m odo lev ar am os diabos ao encant ador diant e de r ei Peles e diant e de out r os m uit os hom ens bons. E
quando j á não puder am v ê- lo, per signar am - se pela m ar av ilha que pr esenciar am e er guer am - se das m esas e
dir igir am - se a Galaaz e fizer am - lhe a m aior honr a que puder am .

388. O r ei, que tinha m uit a v ont ade de o conhecer pelo que ouv ir a dizer o encant ador , fincou os olhos nele e
t ant o o olhou que lhe par eceu que er a Galaaz, seu net o, e disse- lhe ent ão:
- Senhor cav aleir o, r ogo- v os, por cor t esia, que m e digais quem sois.
- Senhor , disse ele, par a v ós não m e encobr ir ei de nenhum m odo: Sou Galaaz.
E o r ei, que ficou t ão alegr e que não poder ia m ais, disse:
- Por Sant a Maria, eu im aginei. Bendit o sej a o Espírit o Sant o, que nos deu t al hom em em nossa linhagem !
E com eçou logo a abr açá- lo e a fazer com ele a m aior alegr ia que pôde. E Galaaz lhe disse:
- Senhor , r ogo- v os que não digais a ninguém quem eu sou.
- Com o? disse o r ei Peles, quer eis v os esconder de m eus hom ens?
- Sim , disse ele, por est a v ez. Mas quando apr ouv er a Deus, que a vent ur a m e t r aga a Cor ber ic, com
m eus out r os com panheir os, ent ão não m e im por t ar ei que m e r econheçam t odos. E sabeis por qu e v os r ogo
ist o? Se v ossos r icos hom ens m e r econhecessem , não m e deix ar iam hoj e daqui sair , e ist o não quer eria eu de
nenhum m odo, por que logo quer o ir .
- Com o? disse o r ei, agor a chegast es e logo quer eis ir ?
- Sim , disse ele, de qualquer m aneir a.
- Pesa- m e disse o r ei, m as j á que v os apr az, r ecom endo- v os a Deus.
- Rogo- v os, disse Galaaz, por aquele am or que m e dev eis t er , que não digais a ninguém quem eu sou.
E ele concor dou. E Galaaz t om ou logo suas ar m as e m ont ou seu cav alo e liv r ou- se assim deles.

389. Depois que se despediu Galaaz de r ei Peles, os cav aleir os que o vir am com ele fazer t ão gr ande alegr ia,
per gunt ar am - lhe quem er a. E ele disse:
- Não poder eis saber dest a v ez; e pesa- m e m uit o, por que não posso dizer seu nom e.
Eliezer , o filho do r ei Peles, que lá est av a, quando v iu que seu pai acolhia t ão bem aquele cav aleir o e se
agr adav a t ant o com ele, m ar avilhou- se de quem poder ia ser e dirigiu- se a seu pai e r ogoulhe m uit o de cor ação
que lhe dissesse quem er a. E o pai lhe disse:
- Filho, não t e posso dizer , por que lhe pr om et i que o não r ev elaria a quem aqui est iv esse.
Eliezer , que er a bom cav aleir o e m uit o ousado e m uit o pr ezado, quando v iu que seu pai não lhe quis dizer
o que per gunt av a, disse:
- Senhor , pois m e não quer eis dizer , far ei o que ent endo, por que por v ent ur a pode ser o cav aleir o t ão
bom , que eu v alha m ais por conhecê- lo.
- Não sei, disse o r ei, o que far ás, m as dest a v ez não o podes saber por m im .
Ent ão afast ou- se Eliezer de seu pai e ar m ou- se e m ont ou um cav alo m uit o bom e t om ou um escudo, m as
não de suas ar m as, par a o não r econhecer seu pai, ao par t ir das t endas.

390. Depois que Eliezer ficou pr ont o de quant o houv e m ist er , separ ou- se de sua com panhia e r ogav a- lhes que
não dissessem a seu pai. Depois foi at r ás de Galaaz e não andou m uit o que o alcançou e não se r econhecer am ,
m as Galaaz bem r econhecer ia Eliezer , se lev asse o escudo de suas ar m as, por que m uit as v ezes o v ir a. Assim
que Eliezer alcançou Galaaz, chegou- se ao lado dele e saudou- o. E Galaaz t am bém o sau dou m uit o
cor t esm ent e.
- Senhor , disse Eliezer , r ogo- v os, por cor t esia, que m e digais quem sois.
- Senhor , disse ele, sou est e cav aleir o que v edes; não saber eis m ais por est a v ez.
- Senhor , disse Eliezer , est a v ilania não far eis, que não m e digais algum a coisa de v ossos feit os.
- Não v o- lo dir ei, disse Galaaz, de nenhum m odo, e ist o sabei bem .
Ent ão se assanhou Eliezer e disse:
- Por cer t o, est e é o m aior or gulho de que nunca ouvi falar . Assim Deus m e aj ude, pois não qu er eis dizer
de bom gr ado, cuido saber v os cont r ar iando, pois ant es com bat er ei conv osco que não saiba quem sois. E por
isso confir m o est e j ogo: ou v os com bat er eis com igo, ou m e dir eis quem sois.
- Senhor , disse Galaaz, sois o m ais louco cav aleir o e o m ais v ilão que algum a v ez v i, por que à for ça
quer eis saber m eus feit os. Or a v os digo que não saber eis, ant es m e defender ei, se quiser des m e acom et er .
- Pois, or a guar dai- v os de m im , disse Eliezer , por que est ais em bat alha, por que nunca t ão gr ande m al
quis a cav aleir o, com o quer o a v ós.

391. Depois dist o, sem m ais t ar dar , deix ou- se cor r er um ao out r o quant o os cav alos puder am lev ar . Eliezer o
fer iu prim eir o t ão de r ij o, que fez v oar sua lança em pedaços. E Galaaz, que o não r econhecia, nem t am bém o
t em ia, fer iu- o t ão violent am ent e, que lhe quebr ou o escudo e a loriga e m et eu- lhe o ferr o da lança pelo
cost ado, m as não m uit o, e m et eu- o em t er r a do cav alo e pux ou dele a lança int act a; e quando o v iu por t err a,
não o olhou m ais, ant es foi por seu cam inho. E quando Eliezer se v iu por ter r a, por m ão de um cav aleir o que
não conhecia, t ev e t ão gr ande pesar , que bem quiser a est ar m or t o, pois se t inha por t ão bom cav aleir o, que
não im aginav a achar cav aleir o que afinal lhe pudesse r esist ir . E m ont ou seu cav alo, ferido com o est av a e j ulgou
que ser ia 'escar necido, se não se v ingasse.

392. Assim que Eliezer cav algou, foi at r ás de Galaaz gr it ando- lhe:
- Volt ai, dom cav aleir o, pois, por Sant a Mar ia não v os ir eis assim . Defender v os conv ém à espada, por que
v os cham o à bat alha.
Quando ist o ouv iu Galaaz, v olt ou e disse:
- Cav aleir o, andais buscando v osso dano, que com bat alhas m e at or m ent ais. E ist o não é cor t esia, por que
est ais ocioso e folgado e andais m olest ando os cav aleir os est r anhos que, noit e e dia, andam em t r abalho,
buscando as av ent ur as do r eino de Logr es. E bem cuido que, se andásseis em t al esfor ço, não t er íeis gost o por
bat alha.
- Ai, dom cav aleir o! disse Eliezer , j á por est e palav r eado não escapar eis.
- Eu v os r ogo, disse Galaaz, que m e deix eis em paz, e far eis cor t esia, por que é m uit o gr ande v ilania ist o
que fazeis, que de gr aça e sem r azão m e andais acom et endo.
Eliezer m et eu m ão à espada e disse:
- Dom cav aleir o, v ós m e det er íeis t odo o dia a palav r a, se v os acr edit asse.
Ent ão se deix ou ir a ele e deu-lhe o m aior golpe que pôde. E quando Galaaz v iu que t inha de se defender ,
m et eu m ão à espada e disse:
- Cav aleir o, dor av ant e não v os supor t ar ei, pois bem v ej o que m eu r ogo não v ale nada.
E m et eu m ão à espada e deu- lhe um t ão gr ande golpe, que lhe não v aleu elm o nem alm ofr e que o não
fendesse at é a cabeça; m as de t ant o lhe acont eceu que a chaga não foi m or t al, por que o elm o er a t ão bom ,
que det ev e um pouco o golpe. E o golpe foi gr ande l' dado com m uit a for ça e o fez t ont ear e v oou do cav alo
pelo chão, l' j azeu assim com o m or t o. E Galaaz, que cuidou que est av a m or t o, par ou par a v er se se er guer ia, e
ao cabo de m uit o t em po er gueuse; e quando Galaaz viu que não est av a m or t o, m et eu a espada em sua bainha
e seguiu seu cam inho. Eliezer , quando se er gueu. t am bém m et eu sua espada na bainha e cav algou; e' por que
v iu que não poder ia r esist ir cont r a o cav aleir o est r anho, v olt ou par a as t endas com t ão gr ande pesar que m aior
não podia, pois bem lhe par eceu que j am ais teria honr a, pois assim est av a avilt ado por m ão de um só hom em ,
e at é ali for a t ido com o um dos bons cav aleir os do m undo.

393. Quando Eliezer foi chegando às t endas, seu pai o viu v olt ar , m as não cuidou que er a ele, pelo escudo que
hav ia t r ocado, e per gunt ou quem er a, e negar am - lhe, por que o pr oibir a. E o r ei disse que fossem pós ele,
por que o quer ia v er . E ist o dizia, por que v ia que vinha por aquele cam inho por onde Galaaz for a, e julgav a que
o der r ubar a Galaaz. E for am a ele e disser am - lhe a or dem de seu pai. E ele disse com gr ande pesar :
- I r ei lá, pois lhe apr az, m as bem v ej o que t udo ist o m e acont ece por m inha desonr a m aior .
Ent ão dir igiu- se a seu pai, e quando seu pai o v iu t ão fer ido, per gunt ou-lhe com o lhe acont ecera. Eliezer
lhe cont ou t udo com o j á ouv ist es.
- Filho, disse o r ei, or a podeis v er que achast es m elhor cav aleir o que v ós. De hoj e em diant e não sej ais
t ão sandeu que v ades acom et er cav aleir os est r anhos, pois m uit os há m elhor es do que cuidais. E se não fossem
m elhor es que out r os e m ais sofr edor es de tr abalhos e bat alhas, não se m et er iam a andar por t err as est r anhas,
buscando av ent ur as.
- Senhor , disse Eliezer , v er dade é; e se fiz vilania est a v ez, dor av ant e m e guar dar ei que j am ais
com bat er ei com cav aleir o andant e; e de quant o fiz m e pesa m uit o, não t ant o por que est ou fer ido, com o pela
v ilania que fiz e pela cor t esia que achei no cav aleir o.
Assim falou o r ei com seu filho, m uit o feliz pela bondade que ouv iu de Galaaz.
Mas or a deix a o cont o a falar de r ei Peles e de seu filho e t orna a Galaaz.

LV
Ga la a z e a ir m ã de Pe r siv a l

394. Diz o cont o que Galaaz, depois que se liv r ou de Eliezer , seu t io, que er a ir m ão de sua m ãe, cav algou; t odo
aquele dia andou sem av entur a e out r o dia t am bém ; e ao t er ceir o dia lhe acont eceu que a v ent ura o lev ou à
t ar de, à casa de um er m it ão que o r ecebeu m uit o bem , por que v iu que er a cav aleir o andant e. E desar m ou- o
par a folgar m ais e deu- lhe pão e água, por que out r a coisa não tinha e per gunt ou m uit o de seus feitos e r ogou-
lhe por Deus que lhe dissesse em confissão por quant o passar a na dem anda. E Galaaz assim o fez pois não há
nada que escondesse ao hom em bom , por que o am av a m uit o. Aquela t ar de, depois que o hom em bom
escr ev eu quant o cont ou, disse- lhe:
- Filho Galaaz, for m osa cr iat ur a, bem - av ent ur ado cav aleir o, t u te separ ar ás est a noit e de m im e sei que
t e não v er ei por um t em po. Rogo- t e, por Deus, que m e não esqueças, por que sou m uit o pecador .

395. - Senhor , disse Galaaz ao er m it ão, r ogar ei por v ós e r ogai t am bém por m im , com o pai por filho, par a que
Nosso Senhor m e deix e fazer nest a dem anda ser v iço que lhe agr ade e m e t r aga pr ov eit o à alm a e ao r eino de
Logr es.
- Filho Galaaz, disse o hom em bom , assim t e acont eça com o desej o e com o r ogar ei por t i.
Quando foi hor a de se deit ar em , deit ou- se Galaaz sobr e um feix e de capim e ador m eceu, e o h om em bom
no chão. E eles dor m indo, eis que um a donzela cham ou à por t a e disse:
- Galaaz! Galaaz!
E t ão alt o cham ou que o er m it ão lev ant ou- se e foi à por t a e per gunt ou quem est ava lá, que em t al hor a
quer ia entr ar .
- Senhor , disse ela, sou um a donzela est r anha que v im aqui por falar com um cav aleir o que aí est á.
Desper t ai- o logo, por que hei m uit o m ist er dele.
E ele foi desper t á- lo e disse- lhe:
- Filho Galaaz, er guei- v os, por que um a donzela est á lá for a que v os esper a e diz que v os há m ui m ist er .
E Galaaz se er gueu logo e foi à por t a e disse:
- Donzela, o que quer eis de m im ?
- Eu quer o, disse ela, que t om eis v ossas ar m as e m ont eis v osso cav alo e v ades pós m im onde v os eu
quiser lev ar , e v os digo que m ost r ar ei logo a m ais for m osa e a m aior av ent ur a que nunca viu cav aleir o em
v osso t em po, e v ós lhe dar eis cabo, se Deus quiser .

396. Quando Galaaz ist o ouv iu, t om ou logo suas ar m as e pr epar ou- se o m ais r ápido que pôde e o hom em bom
que ainda o aj udav a disse- lhe:
- Filho, est a é a separ ação de que v os dizia. Bem sei que não nos v er em os por m uit o t em po. Por Deus,
lem br ai- v os de m im .
- Senhor , disse ele, sabeis que não posso esquecer - v os, por que sois um dos hom ens do m undo em que
m ais confio.
Depois que Galaaz foi ar m ado e m ont ou seu cav alo, saiu dali c fez o sinal da sant a v er a cr uz e
encom endou- se a Nosso Senhor c disse à donzela:
- Or a podeis ir , por que v os seguir ei a qualquer lugar que for des.
E a donzela v olt ou logo quant o o palafr ém a pôde lev ar , e ele pós ela. E andar am assim t ant o at é que
com eçou a am anhecer . E quando foi dia clar o, entr ar am num a gr ande flor est a que se est endia até o m ar , e
hav ia nom e aquela flor est a Caloisa. E for am pelo gr ande cam inho t odo aquele dia, que não com er am nem
beber am . A t ar de, depois de v ésper as, chegar am a um cast elo que ficav a num v ale m uit o for t e de t udo e
cer cado de um gr ande r io e de m ur o alt o e for t e e de v alas fundas. A donzela ia ainda à frent e; e ent r ar am no
cast elo, e diziam - lhe t odos os do cast elo:
- Senhor a, sede bem - v inda. É est e o cav aleir o que t ant o t em os esper ado?
E ela não lhes r espondeu, ant es foi par a o alcácer . E quando os do alcácer souber am que v inha, saír am
em dir eção a ela e r eceber am - na m uit o bem , com o quem er a pr im a de seu senhor . E ela lhe disse:
- Cuidai dest e cav aleir o, pois bem sabeis que est e é o m elhor cav aleir o que j á t r oux e ar mas na Gr ã-
Br et anha.
E for am à est r ebar ia e fizer am - no descer e lev ar am - no a um a câm ar a e desar m ar am - no. E ele per gunt ou
à donzela:
- Donzela, hav em os de ficar aqui?
- Senhor , disse ela, não sei ainda. Mas segundo as av ent ur as que aqui acont ecer ão, far em os nossa
vont ade.
E ent ão per gunt ou ela a out r a donzela:
- Minha ir m ã est á cur ada?
- Não, disse ela, ant es est á pior do que cost um a.
- Pois lev a- nos lá, disse ela.
- De bom gr ado, disse a donzela.

397. Ent ão disse a donzela a Galaaz:


- Senhor , sabeis por que v os t r oux e aqui?
- Não ainda, disse ele.
- Aqui há um a m ulher de alt a posição, disse ela, e não sei por qual desv ent ur a lhe acont eceu, há j á dois
anos que ensandeceu de t al m odo que não puder am agüent ar com ela at é que a m et er am em fer r os e m uit os
hom ens bons se esfor çar am por cur á- la, se pudessem . Out r o dia acont eceu que v eio aqui um a m onj a, que nos
disse: se puder des achar o cav aleir o que dev e dar cabo às av ent ur as do r eino de Logr es, ele é t ão bom e há t al
gr aça de Nosso Senhor , que bem sei que est a m ulher sar ar á assim que o v ir . E por ist o v os t r ouxe aqui, pelo
que conv ém que v ades v er a m ulher , e se puder cur ar , agr adar - m e- á.
Ent ão foi à câm ar a onde a m ulher est av a e achar am - na ainda nas cor r ent es. E assim que ela v iu Galaaz,
com eçou a dizer :
- Ai, Galaaz! sant a pessoa e bem - av ent ur ado cor po, lim pa car ne e cheia de sant a gr aça, abençoada sej a a
hor a em que nascest e e bendit o sej a Deus que aqui t e tr oux e, pois por tua v inda m e acont eceu t ão gr ande
bem , que est ou liv r e do m au com panheir o que t inha, e longam ent e est ev e com igo. Est e foi o diabo que dois
anos m e t ev e e m ais e a m im t em feit o m uit o m al. Liv r a- m e, se t e apr az, dest as cor r ent es, por que, se Deus
quiser , não hav er á m ist er j am ais que nelas m e m et am , gr aças a Deus e a v ós.
E Galaaz agr adeceu m uit o a Nosso Senhor e disse:
- Ai! m ulher ! A m im não agr adeçais, m as a Jesu s Cr ist o, que v os ist o fez, que t em pena dos pecador es
quando lhe apr az.
Ent ão fez tir ar as cor r ent es à m ulher e depois que ela se viu livr e, deit ou- se- lhe aos pés, não o quer endo
ele, e chor ou pela gr ande alegria que t ev e. Depois foi à igr ej a par a dar gr aças a Nosso Senhor , por aquela
gr ande m er cê que lhe fizer a.

398. As nov as for am pelo cast elo que sua senhor a est av a cur ada, e cada um foi lá com o podia pr im eir o par a
ver se er a ver dade, e quando vir am que er a, bendisser am o Rei dos r eis e a hor a em que o cavaleir o for a
nascido e iam pequenos e gr andes à m ar avilha. Ali foi ele ent ão ser vido e honr ado m uit o m ais do que quer ia, e
fizer am lhe aquela noit e t ão bom leit o e t ão r ico, com o se f osse em casa de r ei Ar t ur . E ele deit ou lá. Mas assim
que t odos se for am , deit ouse no chão e depois não v olt ou àquele leit o e o m ais da noit e ficou or ando e pedindo
a Nosso Senhor que o fizesse fazer t ais obr as que lhe apr ouv essem . No out r o dia de m anhã, foi ou v ir a m issa
de Sant a Mar ia; depois pediu suas ar m as, e quando os do cast elo v ir am que quer ia ir , r ogar am - lhe m uit o que
ficassem com eles, e ele disse que de nenhum m odo ficar ia, por que t inha alhur es m ais a fazer do que ali. Ent ão
lhe der am suas ar m as e seu cav alo e t inham gr ande pesar , por que não ficav a com eles. E depois que foi
ar m ado, cav algou e disse à donzela:
- Cav algai.
E ela cav algou e saír am dest e m odo am bos do cast elo. E quando chegar am à ent r ada de um a flor est a
pequena, achar am Bliobleris, pr im o de Lancelot e. E assim que se vir am ele e Galaaz, r econhecer am - se e
saudar am - se e ficar am m uit o alegr es e per gunt ar am de seus feit os e com o lhes acont ecer a desde que se
hav iam separ ado.

LVI
Os filh os da D e se r t a

399. Enquant o assim falav am , eis que cinco cav aleir os da m esa redonda m uit o bons e m uit o v alent es à
m ar av ilha chegar am , e er am t odos os cinco pr im os, e pela boa cav alaria que em si sentiam , desam av am
m or t alm ent e a linhagem de r ei Bam , por que er am m ais am ados e m ais consider ados em casa de r ei Ar tur que
eles; e aqueles cinco t inham nom e: Taulat e, o gr ande da Deser t a; o out r o, Senela, seu ir m ão; e out r o,
Bar adão; e o quar t o, Dam as; e o quint o, Dam at al. Todos est es cinco er am cav aleir os de gr andes feit os, m as
er am pobr es, e por isso t inham m uit a inv ej a da linhagem de r ei Bam , por que os v iam r icos e honr ados e
par ecia- lhes que a eles não faziam t ant a honr a nem t ant o am or com o m er eciam . Quando v ir am Galaaz e
Bliobler is, r econhecer am - nos logo, pois m uit o hav iam ouv ido deles falar e de que ar m as t r aziam . E quando o
r econhecer am , par ar am , e Senela, ir m ão de Taulat e, falou pr im eir o e disse:
- Vedes que aqui v êm dois cav aleir os da linhagem de r ei Bam . Mat em o- los pois por est a linhagem som os
despr ezados, e se est es m at ar m os, v aler á m enos sua linhagem e a nossa, m ais.
- Ai, ir m ão! disse Taulat e, que é ist o que dizeis? Já, assim Deus m e aj ude, por m eu conselho não v os
t om ar eis com eles, por que, ainda que Galaaz est ivesse só, ele, que é o m elhor cavaleir o do m undo, com o
sabeis, nos desbar at ar ia e deit aria à desv ent ur a. E além do m ais, t em consigo Bliobler is, que é um dos bons
cav aleir os do m undo.
- Ai, dom Taulat e, disse Dam as, nunca v os v i t ão espant ado. Sabei que os v encer em os, se os
acom et er m os.
E o m esm o disser am os out r os. Mas Taulat e não o t ev e por bem , ant es o pr oibiu m uit o. E quando Senela
v iu que o pr oibia, disse aos out r os:
- Senhor es, que v edes nist o?
- Vam os a eles, disser am , e ver eis que não falt ar em os at é a m or t e e os vencer em os m uit o r ápido, por que
eles não são senão dois e nós, quat r o. E se Taulat e nos quiser aj udar , far á bem , e se não, fique quiet o, por que,
se Deus quiser , far em os bem nossa pelej a sem ele.
E quando Taulat e v iu que est av am de acor do nist o, e não o quer iam deix ar por ele, pesou- lhe m uit o, pois
bem sabia que não podiam par t ir de lá sem per da. E depois dist o, sem m ais t ar dar , gr it ou Senela:
- Galaaz, e v ós Bliobler is, guar dai- v os de nós, por que nunca a v ossa linhagem am ou a nossa, nem nós, a
v ossa.
Galaaz per gunt ou a Bliobler is:
- Quem são est es cav aleir os que t ão bem nos conhecem e nos desafiam ?
- Senhor , disse ele, est es são cinco ir m ãos da Deser t a. E sabei que Deser t a é um a cidade do r eino de
Logr es, de on de são nat ur ais, e são t odos da m esa r edonda; m as por inv ej a, desam am t odos os da nossa
linhagem , por que som os m ais am ados e m ais consider ados do que eles. E par ece- m e que quer em por isso
com bat er conosco par a nos m at ar . .
- Pesa- m e m uit o, disse Galaaz, pois j á que são da m esa r edonda, não dev íam os m et er m ão neles nem
eles em nós. Mas por que é direit o que na lut a dev e cada cav aleir o defender a sua v ida, defenderei a m inha
quant o puder .
E Bliobler is disse o m esm o; depois, com o quem m ais quer ia cont enda do que paz, por que sua linhagem e
a deles nunca se quiser am bem , ficou m uit o cont ent e com a bat alha.

400. Depois dist o, sem m ais t ar dar , deix ar am - se ir uns cont r a os out r os, m as Taulat e não quis nisso m et er
m ão. Galaaz der r ubou um t ão m alt r at ado, que não se pôde er guer , por que est av a fer ido com um a for t e
lançada. Mas ainda disso sar ar a, se dali pudesse escapar . E est e er a Senela, o bom cav aleir o à m ar av ilha. E
Bliobler is fer iu Dam as com t ão for t e lançada que o m et eu m or t o por terr a. ".E Galaaz se deix ou ir a Dam at al, e
fer iu- o t ão br av am ent e, que não se pôde m ant er em sela, e caiu por t err a m uit o ferido. E Bar adão se deix ou ir
a Galaaz e deu- lhe t al lançada no escudo, que fez v oar sua lança em pedaços, e Galaaz o pôs por t er r a ferido
no cost ado esquer do; e ficou t ão m alt r at ado, t ant o do golpe, com o da queda, que não se pôde er guer . E
Bliobler is que o desam ava m uit o, desceu e t ir ou o elm o a Dam as, e deu- lhe um a t al espadada que o fendeu at é
os dent es e logo m or r eu. E depois foi aos out r os e m at ou- os. E depois disse:
- Meu senhor dom Galaaz, or a podem os dizer bem que nossos inim igos est ão m or t os. Dest es quat r o não
há j á o que t em a a linhagem de r ei Bam .

401. Quando Taulat e viu seus ir m ãos m or t os, t ev e t ão gr ande pesar , que bem quiser a est ar m or t o, e disse a
Bliobler is:
- Guar dai- v os de m im , por que m ais quer o m or r er do que não fazer o que puder par a nos v ingar , em bor a
v ej a que faço afr ont a vil à m esa r edonda. Mas faço- o par a apr essar a m inha m or t e e por que sei que nunca
v olt ar ei à m esa r edonda.
Ent ão se deix ou cor r er um ao out r o e fer ir am - se de t al m odo que os escu dos e as lor igas não lhes
pr est ar am , que as lanças não m et essem por si. Bliobler is ficou m uit o ferido, m as er a de t ão for t e ânim o, que o
não sent ia, e Taulat e lev ou um a t ão for t e lançada, que o fer r o apar eceu do out r o lado, e, assim que caiu,
m or r eu. E depois que Bliobler is ist o v iu, disse a Galaaz:
- Senhor , agor a podem os ir , por que daqui par a fr ent e, não há o que t em a a linhagem de r ei Bam , quant o
a est es.
- Mais quiser a, disse Galaaz, por que er am da m esa r edonda, que lhes acont ecesse de out r o m odo.
- Assim Deus m e aj ude, disse Bliobleris, m ais m e apr az sua m or t e que sua v ida, por que sem pr e t iv er am
inv ej a de nós desde que fom os à casa de r ei Ar t ur .
- E o que far em os? disse Galaaz. Dev íam os sot er r á- los, por que são cav aleir os.
- Liv r em o- nos de t r abalho, disse Bliobler is, e sigam os nosso cam inho, por que a v ent ur a t r ar á por aqui
algum hom em bom depois que cuidar á deles.

LVI I
Ga la a z e m ca sa d o ca v a le ir o da m ont a nha

402. Tant o disse Bliobleris a Galaaz que par t ir am dali e ent r ar am na flor est a e andar am at é per t o da noit e e
chegar am à casa de um cav aleir o que m or av a na m ont anha, e alber gar am lá e achar am lá tr ês cav aleir os da
m esa r edonda. Um t inha nom e Am atim , o bom j ust ador , por que naquela época er a um dos bons j ust ador es do
m undo; e o out r o t inha nom e Agam enor , o da for m osa am iga; o t er ceir o, Ar pião da est r eit a m ont anha. Quando
os cav aleir os se v ir am , r eceber am - se m uit o bem ; e sabei que for am m uit o bem ser v idos de . quant o o anfit r ião
pôde t er , por que t inha um filho cav aleir o andante, e por isso am av a t odos os out r os. Aqueles t r ês cav aleir os
que v os d! go er am ir m ãos de pai e de m ãe e er am bons cav aleir os de cor agem e de bondade, se não fosse que
ficav am m ais br av os do que os out r os cav aleir os, quando v iam m elhor cav aleir o do que eles. Aquela t ar de,
per gunt ar am m uit o a Bliobleris se Galaaz er a t ão bom cav aleir o com o diziam e eles lhes afir m ou que à bondade
de ar m as dest e, nenhum a se com par av a. Quando ist o ouv ir am , pesou- lhes m uit o, por que não am av am a
linhagem de r ei Bam . I st o não er a senão por inv ej a. E com eçar am ent r e si a falar a r espeit o de f or m a r uim ,
t ant o que Am at im , o bom j ust ador , disse:
- Façam o- lo bem . Som os t r ês ir m ãos e t ão bons cav aleir os que, por nossa bon dade de ar m as, som os
conhecidos por t odo o m undo. Galaaz se separ ar á am anhã de Bliobler is e ir á com est a donzela. Saiam os diant e
dele e pr ov em os se é t ão bom cav aleir o com o dizem ; e se de ânim o fr aco não for m os, facilm ent e o poder em os
vencer , por que som os t r ês e ele, um ; e, se o desbar at ar m os, par a sem pr e r ebaix ar em os com isso a linhagem
de r ei Bam .
E os out r os dois disser am que dizia bem .

403. Assim falar am sobr e Galaaz os t r ês ir m ãos por .inv ej a, da qual lhes adv eio depois um a desv ent ur a.
Ali onde alber gav am hav ia um a donzela, filha do anfitr ião, que for a m ui for m osa donzela, m as não sei por
qual desv ent ur a, ficar a lepr osa hav ia dez anos. E aquela donzela, que andav a com Galaaz, er a ir m ã de Per siv al.
Quando ouv iu que t al donzela havia na casa, foi v ê- I a num a câm ar a, on de ficav a apar t ada, e per gunt oulhe
quant o t em po hav ia que est av a doent e daquele m al. E ela disse que bem hav ia dez anos e m ais.
- E cuidais, disse a out r a, que possais sar ar ?
- Com cer t eza, não sei, disse ela; t udo est á em Deus. No ent ant o, não há set e anos que aqui v eio um
er m it ão m uit o bom hom em e de sant a v ida que m e disse: "Não t enhas m edo, por que sar ar ás, quan do v ier aqui
o bom cav aleir o que há de acabar as av entur as do reino de Logr es e t e dir ei com o. Quando aqui vier , r oga- lhe,
em nom e daquele de quem ser v o é, que t e dê a vest ir aquela vest im ent a que ele t r az r ent e à pele, e t e dar á; e
sabe que ficar ás cur ada assim que a v est ir es." Assim m e disse o er m it ão, m as não ent endo com o possa ser ,
por que não sei ,com o poder ia achar aquele cav aleir o; e ainda que achasse, por v ent ur a, não faria m eu r ogo.

404. Quando a ir m ã de Per siv al ist o ouv iu, disse à donzela:


- Or a ficai alegre, por que bem v os acont eceu, por que o bom cav aleir o, de quem v os falou o er m it ão, aqui
est á; agor a r ogai que cuide de vós.
Quando a donzela doent e ist o ouviu~ est endeu suas m ãos par a o céu e disse:
- Ai, Jesus Cr ist o, Rei de piedade! Tem m er cê de m im e apr aza- t e que eu sar e.
Ent ão m andou buscar seu pai e disse- lhe:
- Ai, pai! Aqui est á o bom cavaleir o por quem hei de sar ar . Por Deus, ide a ele e tr azei- m o, por que não
ousar ia apar ecer lá per ant e est es cavaleir os.
- Filha, disse ele, com o sabeis que est á aqui o m elhor cav aleir o do m undo?
- Eu o sei, disse ela, por que est a donzela m e disse.
- Ai, donzela! disse o anfitr ião, por Deus, m ost r ai- m o.
- De bom gr ado, disse ela.
Ent ão foi m ost r ar - lhe e o hom em bom ficou de j oelhos diant e dele e disse- lhe:
- Senhor , por Deus, v inde aqui dent r o com igo, por que v os hav em os m ui m ist er .
E ele o er gueu e disse que ir ia de bom gr ado; e o hom em bom o lev ou à câm ar a onde est av a sua filha e
m ost r ou- a t ão doent e que não podia m ais. E ela, assim que o v iu, deix ou- se- lhe cair aos pés e r ogou- lhe
chor ando por aquele Deus de quem ser v o ele er a que lhe desse um dom . E ele concor dou de m uit o boa m ent e.
E ela agr adeceu ent ão e disse- lhe:
- Vós m e dar eis par a v est ir aquela v est im ent a que t r azeis r ent e à pele.
E ele ficou com m uit a v er gonha, por que não queria que ninguém soubesse que usav a est am enha. Mas
por que hav ia concor dado com a donzela, não pôde negar e disse- lhe:
- Vós a t er eis, m as quer o que ninguém ex cet o v ós o saiba.
- De bom gr ado, disse ela.
E fez t odos os out r os saír em da câm ar a e despiu- se ent ão e deu- lhe a est am enha e r ogou- lhe, pela fé que
dev ia a Deus que o não, dissesse a ninguém . E ela concor dou; depois ficou só e v est iu- a r ent e à pele, por que
Galaaz foi par a os cav aleir os, m as de t udo ist o não lhes disse nada, por que quer ia que ninguém o soubesse. E
a donzela que v est ir a a est am enha ficou logo t ão boa, com o se nunca t iv esse est ado m al.

405. Quando ela v iu que t al m ilagre lhe fizer a Deus, m andou cham ar Galaaz. E quando ele v eio, fechou a por t a
e deit ou- se diant e dele e beij ou-lhe os pés e disse- lhe:
- Mui sant o cav aleir o, olha o bem que Deus m e fez em t ua v inda. Est ou cur ada de quant o m al hav ia.
- Agr adecei- o, disse ele, àquele que v o-lo fez, por que não o fiz eu, pois sou pecador com o out r o hom em
qualquer . E r ogo- v os, pela fé que dev eis àquele que t ão for m osa m er cê v os fez, que não r ev eleis est e feit o
enquant o eu aqui est iver , por que não quer o que est es cavaleir os que aqui est ão, o saibam . Mas depois que eu
for , ent ão poder eis dizer a m er cê que Deus v os fez.
E ela disse que assim o far ia, e ele t om ou sua est am enha e v est iua e de nov o v olt ou par a os cav aleir os e
nada lhes quis dizer da for m osa av ent ur a que acont ecer a à donzela. Quando foi hor a de dor m ir , deitou- se cada
um em seu leit o, m enos Galaaz que não cost um av a deit ar em leit o, por que o m ais das v ezes deit av a na t err a.
Aquele ficou o r est o da noit e em pr eces, fazendo or ação par a que Nosso Senhor , por sua gr ande piedade, lhe
out or gasse fazer - lhe t al ser viço que fosse em pr ol de sua alm a e do r eino de Logr es.
406. No out r o dia de m anhã, ar m ar am - se t odos os cinco cav aleir os, e Galaaz foi com a donzela de um lado, e
Bliobler is, de out r o. E os t r ês ir m ãos at r ás de Galaaz, com o aqueles que t inham v ont ade de lhe fazer m al, se
pudessem . E depois que andar am per t o de um a légua, ent r ar am num a planície.e gr it ar am par a Galaaz:
- Galaaz, guar dai- v os de nós, por que v os desafiam os.
E ele volveu a cabeça e os viu e espant ou- se com o que poder ia ser , por que os conhecia por ser em da
m esa r edonda, e disse- lhes:
- Ai, senhor es! E que é ist o que quer eis fazer ? Bem sabeis que sou da m esa r edonda com o v ós, e nunca,
a m eu cient e, v os fiz algo por que m e dev êsseis desam ar . E por cor t esia e por v ossa bondade, deix ai- m e ir no
m eu cam inho em paz, por que v os não dem ando nada, nem v os quer o m al.
Quando ist o ouv ir am , cuidar am bem que o dizia por cov ar dia, e disser am :
- Defender v os conv ém , ou v os m at ar em os.
- Mat ar , disse ele, não per m it iria de nenhum m odo, m as de m odo algum com eçar ei com bat e com m eus
ir m ãos da m esa r edon da. Mas, pois m e conv ém fazer , defender ei m inha vida.
Ent ão foi ferir Am atim , o bom j ust ador , t ão br av am ent e, que lhe m et eu o fer r o pelo br aço e pelo cor po e
m et eu a ele e ao cavalo por t err a e, ao t ir ar a lança, ficou ele esm or ecido; e os out r os ir m ãos fer ir am Galaaz e
quebr ar am as lanças nele, m as não o puder am t ir ar da sela; e ele foi t opar em am bos t ão r ij am ent e com o
cor po e com o escudo, que deu com eles em t er r a quedas m uit o for t es, de que ficar am t ão quebr ados, que não
puder am depois lev ant ar por um t em po. Quando Galaaz v iu que est av a livr e deles, não os olhou m ais e v olt ou
par a sua donzela. E ela, que est av a m uit o feliz dest a av ent ur a, disse- lhe:
- Dom Galaaz, or a podeis v er a inv ej a da m esa r edonda. Eles com eçar am ist o por inv ej a e acont eceu- lhes
que t iv er am v er gonha e dano.
- Assim Deus m e aj ude, disse Galaaz, pesa- m e de que se esfor çar am por isso e de que t iv e que m et er
m ão neles. Mas j á que é assim , v am os, por que duv ido que v enham at r ás de nós, por que t êm t ão gr ande pesar ,
que quer er ão v ingar , se puder em .

407. Dest e m odo foi Galaaz quant o pôde, por que não quer ia que o alcançassem os ir m ãos. E eles, que ficar am ,
t iv er am t ão gr ande pesar e t ão gr ande sanha por t er em sido desbar at ados por um só cav aleir o, que bem
quiser am ser m or t os. E for am a Am at im e per gunt ar am - lhe se poder ia sar ar . E ele lhes disse que não tinha
nenhum m al, a não ser sanha e pesar .
- Mas cav alguem os t odos, disse ele, e v am os at r ás de Galaaz, por que se nos escapar assim , par a sem pr e
t er em os per dido a honr a.
Ent ão er gueu- se, que sequer olhou sua chaga, t ant o est ava sanhudo e com m á vont ade. E eles, que
m ont av am j á seus cav alos e quer iam ir at r ás de Galaaz, v ir am v ir em sua dir eção dois cav aleir os da m esa
r edonda; um se cham av a Acor ant e, o ligeir o, e o out r o, Danubr e, o cor aj oso. E 'er am am bos ir m ãos de pai e de
m ãe e er am da linhagem de r ei Bam . Quando aqueles t r ês ir m ãos v ir am v ir ,aqueles dois cav aleir os,
r econhecer am - nos logo. Ent ão disser am ent r e si:
- Vedes aqui dois cav aleir os da linhagem de r ei Bam , que t ant o desam am os. Or a podem os v ingar nest e o
que nos fez Galaaz.
Ent ão lhes der am v ozes:
- Guar dai- v os de nós, por que v os desafiam os.
Quando os dois ir m ãos ist o ouv ir am , m ar av ilhar am - se, por que bem sabiam que er am da m esa r edonda.

408. Ent ão lhes disse Danubr e:


- Senhor es, por que nos acom et er eis? Per j ur os e desleais ser eis por isso, pois som os da m esa r edonda
com o v ós. E por isso não dev eis m et er m ão em nós de nenhum m odo.
- Tudo ist o não v ale nada, disser am eles, por que t ant o nos afr ont ast es, que não podeis de nós v os
separ ar sem bat alha.
- Pesa- m e, disse Danubr e, m as, pois assim .é, nós nos defender em os a nosso poder .
Ent ão se deix ar am ir uns aos out r os e Danubr e deu t ão for t e lançada em Am atim , que o m et eu m or t o em
t er r a. E quando Ar pião viu seu ir m ão m or t o, m et eu m ão à espada e deix ou- se cor r er par a Acor ant e. e deu- lhe
por cim a do elm o um t ão gr ande golpe que o fendeu at é os dent es. E quando Danubr e t am bém v iu seu ir m ão
m or t o, m et eu m ão à espada e fer iu Ar pião t ão sanhudam ent e, que lhe fez v oar a cabeça do cor po m ais longe
que um a lança, e disse:
- Ai, Ar pião, t u m at ast e m eu ir m ão, m as nada ganhast e com ist o.
Depois t am bém disse a Agam enor :
- Cav aleir o per jur o e desleal; agor a podeis v er o que v os adv ém por v ossa deslealdade. Teus dois ir m ãos
est ão m or t os, m as nada ganhei com ist o, por que per di o hom em do m undo que m ais am av a. Mas dest a m or t e
m e v ingar ei bem .
- Vingar - t e? disse Agam enor ; bem t ens t ua m or t e t ão v izinha com o eu.
Ent ão lhe deu um golpe t ão gr ande, que lhe m et eu a espada at é os m iolos, e Danubr e caiu fer ido de
m or t e e Agam enor se pôs sobr e ele e com eçou- lhe a desenlaçar o elm o par a lhe cor t ar a cabeça; e Danubr e,
que bem viu que m or reria, e t inha vont ade de vingar sua m or t e, quando viu que Agam enor pr ocur av a t ir ar - lhe
o elm o, foi- lhe er guendo a aba da lor iga e m et eu a espada por ele e ele se est endeu com a dor da m or t e e caiu
m or t o do out r o lado. E quando Danubr e o v iu a seu lado, disse:
- Agam enor , não ganhast es m uit o com ist o que fizest es, por que est ais m or t o e nós t am bém , e a linhagem
de r ei Bam não ser á por isso desonr ada, por que não ér am os senão dois e v ós, t r ês.
E depois que disse ist o, est endeu- se com a dor da m or t e e saiulhe a alm a. E sabei que est es dois ir m ãos
que ali m or r er am for am os pr im eir os dois cav aleir os da linhagem de r ei Bam que m or r er am na dem anda do
sant o Gr aal.
Mas or a deix a o cont o de falar deles e t or na a Galaaz.

LVI I I
Ga la a z na ba r ca com Pe r siv a l e Boor z
A e spa da da e st r a nha cint a

409. Quando Galaaz livr ou- se dos dois ir m ãos com quem com bat eu com o o cont o há j á r ev elado, cav algou ele
e sua donzela t ant o, que chegar am ao m ar onde achar am Boor z e Per siv al na bar ca. Bem lhes dera cer t eza a
v oz de que não esper ariam m uit o e que o prim eir o cav aleir o que à bar ca chegar ia ser ia Galaaz. E quando o
v ir am , disser am de t ão longe com o ent ender am que poder ia ouv i- los:
- Senhor , sede bem - v indo, t ant o v os esper am os que Deus, por sua m er cê, v os t r oux e a nós. Or a ent r ai,
por que não t em os senão que ir à alt a v ent ur a que Deus nos pr epar ou.
410. Quando Galaaz os ouviu assim falar , m ar avilhou- se de quem er am , por que er a j á t ão noit e que os não
podia r econhecer , e saudouos e per gunt ou à donzela se descer iam .
- Senhor , disse ela, sim . E deix ar em os aqui o v osso cav alo e o m eu palafr ém .
Ent ão descer am e entr ar am na nav e, e os out r os os r eceber am o m elhor que puder am . E assim que
chegar am dent r o, deu um v ent o t ão for te à nav e, que os afast ou m uit o r ápido da ter r a. E andar am assim at é
que clar eou. E quando Galaaz r econheceu aqueles com quem ia, disse:
- Or a m e cum pr iu Deus gr ande par t e de m inha v ont ade.
E ent ão com eçar am a chor ar com pr azer , por que Deus os aj unt ar a dest e m odo em com panhia. E Galaaz
t ir ou logo seu elm o e sua espada, m as não a lor iga. E quando viu a bar ca t ão for m osa por dent r o e por for a,
per gunt ou- lhes se sabiam donde t ão for m osa bar ca v ier a. E Boor z disse que nada sabia a r espeit o, e Per siv al
lhe disse o que sabia.
- E sabei, disse ele, que m e disser am que v os t eria am bos logo em com panhia. Mas dest a donzela nada
m e falar am e por ist o m e m ar av ilho que v ent ur a a tr oux e aqui.
- Por cer t o, disse Galaaz, que eu saiba, não v ir ia aqui, se não fosse ela. Pelo que v os posso dizer que m ais
v im por ela que por out r em .
E r ir am disso e com eçar am a cont ar suas av ent ur as, e Boor z disse a Galaaz:
- Se or a v osso pai dom Lancelot e aqui est iv esse, par ece- m e que nada nos falt ar ia.
E ele r espondeu:
- Não pode or a est ar , pois Deus não quer .
E ent ão disse dom Per siv al:
- Ai, dom Galaaz, v ist es, eu sei, m uit os bons cav aleir os nest a dem anda. Quem cuidais que t em m aior
bondade de cav alar ia de t odos aqueles que v ist es?
- Cer t am ent e, disse Galaaz, m uit os cav aleir os bons v i. Mas sobr e t odos dou o apr eço e o louv or a dom
Tr ist ão, e depois a Palam ades, que apr ecio m uit o m enos de cav alar ia que dom Tr ist ão.
E os out r os dois concor dar am , por que j á os hav iam pr ov ado.

411. Muit o falar am aquele dia das av ent ur as da dem anda e dos bons cav aleir os que a elas andav am e das
m ar av ilhas que acont eciam . Nist o falando, andar am pelo m ar at é hor a de noa. E ent ão lhes par eceu que
est av am m uit o afast ados do r eino de Logr es, por que sem pr e a nav e cor r er a a m uit o for t e v ent o. E quando
chegou ex at am ent e a hor a de noa, apor t ou ent r e duas r ochas num lugar m uit o est r anho e t ão apar t ado, que
er a m ar av ilha. E quando lá apor t ar am , v ir am out r a nav e ent r e out r as r ochas, onde não poder iam ent r ar , ainda
que quisessem , a não ser por cim a de t oda a r ocha.
- Senhor es, disse a donzela, naquela nav e est á a av ent ur a pela qual Deus v os aj unt ou os t rês. Conv ém
sair dest a e ir àquela.
- De bom gr ado, disser am eles.
Ent ão saír am par a a r ocha e t ir ar am a donzela e at ar am a bar ca par a que não pudesse ir .
412. Depois que saír am da nav e em que andav am , for am par a a outr a e achar am - na m ais r ica e m ais for m osa
que aquela de onde saír am . Mas m uit o se m ar av ilhar am de que não v ir am hom em nem m ulher a bor do. E
apr ox im ar am - se m ais par a v er se andav a alguém dent r o. E quando quiser am ent r ar a bor do, olhar am par a
cim a e v ir am um let r eir o em caldeu, que dizia um a palav r a m uit o espant osa e de gr ande m edo par a aqueles
que dent r o ent r ar quisessem . E sabei que não soube Galaaz ler o letr eir o, m as aquele Senhor,que m uit o
for m oso m ilagr e e m uit as for m osas vir t udes havia feit o por ele, m ost r ou- lhe ent ão t ão gr ande sinal de am or
que lhe fez logo saber caldeu; e leu o let r eir o, que dizia assim . E sabei que dizia com o se a nav e falasse por si:
"Ai, t u, que em em m im quer es ent r ar , bem t e guar da de ent r ar es, se não és cheio de 'fé, por qu e bem sabe
que não há em m im , senão fé. E se,entr as e abaix as a fé, assim que ent r ar es, logo t e falt ar ei, porque não t e
supor t ar ei e t e deix ar ei cair no m ar ."
Assim que leu o let r eir o, Galaaz afast ou- se um pouco espant ado, por que se m ar av ilhou m uito do que o
let r eir o dizia. E depois pensou um pouco e disse aos outr os o que dizia o letr eir o, e disse que de t al ent r ada de
nav e nunca ouv ir a falar , e eles r esponder am :
- Senhor , est a é a m ais alt a av ent ur a e a m ais for m osa que algum a v ez acham os. E v ist o que a ent r ada é
t ão m ar av ilhosa, não pode ser que dent r o não sej a m ais.
- Senhor es, disse a donzela, sabei que est a é a pr ov a dos cav aleir os v er dadeir os e dos leais ser v os de
Nosso Senhor , que andam nest a dem anda, por que j á cav aleir o não ent r a que ande em pecado m or t al, que logo
não se per ca.
Ver dade é, disser am eles.
- Pois, disse ela, or a v ej am os o que far eis, pois por est a pr ov a saber ei se sois t ão bom com o dizem .
E eles disser am :
- Não som os t ão bons com o dev íam os.
E Galaaz disse:
- Or a v ej am os quem é bom ou m au, por que se som os m aus nos per der em os, se a m er cê de Deus não nos
aj uda. E se som os bons, ir em os a salv o.
E os out r os disser am :
- Senhor , entr ar quer em os nós. E se som os m aus e desleais nos per der em os. E se não há nenhum m au e
som os bons, Nosso Senhor t er á de nós piedade e nos far á ir a salv o.
- Or a, disse Galaaz, m inha opinião é que ent r em os e v erem os a av ent ur a pela qual Deus nos aj unt ou em
com panhia.

413. Nist o concor dar am t odos, e Galaaz foi o pr im eir o e fez o sinal da cr uz e r ecom endou- se a Nosso Senhor e
ent r ou. Depois dele ent r ou Per siv al; depois, Boor z; depois, a donzela. E depois que est av am dent r o, v ir am a
nav e t ão for m osa e t ão r ica e t ão bem guar necida que m ar av ilha er a. Que v os dir ei? Achar am - na pr ov ida de
t odas as coisas com o naquele dia em que Nascião nela ent r ou, por que est a nave er a aquela m esm a; e achar am
nela o leit o de que o cont o j á v os falou, quando falou de Nascião. Mas dist o não v os falar ei agor a, por que j á v os
falei. E achar am a espada que est av a at r av essada no leit o, aquela espada que er a de t ão gr ande m ar av ilha e
de t ão gr ande v ir t ude, com o j á v os disse o cont o. E achar am a cor oa que lá puser a o r ei Salom ão e a car t a pela
qual poder iam saber a v er dade da nav e e da espada. E depois que Galaaz leu a cur t a, de m odo que os out r os
souber am bem com o e por que t odas ns coisas da nav e for am feit as e post as, disse Per siv al:
- Pai dos céus, bendit o sej as, que t e apr ouv e m ost r ar es t ão for m osas m ar av ilhas com o est as.

414. E o m esm o disser am os out r os; e ent ão disse a donzela:


- Dom Galaaz, v edes est a espada?
- Sim , disse ele.
- Por ela v os t r oux e eu aqui, disse ela. Conv ém que pr ov eis se a poder eis saciar da bainha; e se a
sacar des, sabei que sois o m uit o bom cav aleir o que hav eis de dar cabo às av ent ur as do r eino de Logr es.
- Cer t am ent e, disse ele, se pudesse ser t al qual dizeis, m uit o o dev ia agr adecer a Nosso Senhor .
- Cuido, disse ela, que sois t al, e pr ov ai- o, pois por est a espada o poder eis saber . E se puder des sacá- la da
bainha sem dano, ent ão poder eis est ar segur o de que sois aquele de que v os falo.
- Eu o pr ov ar ei, disse ele, pois v os apr azo. Mas r ogo a est es out r os que o pr ov em ant es.
- Senhor , disser am eles, por que o pr ov ar em os nós, vist o que est ais conosco? I st o ser ia esfor ço per dido,
por que sabem os v er dadeir am ent e que sois m elhor cav aleir o que nós.
- I st o não sei eu, disse ele. E se ainda fosse t al qual dizeis, r ogo- v os que o pr ov eis pr im eir o.
E eles concor dar am , quando v ir am que t ant o insist ia.

415. Depois dist o, sem m ais t ar dar , foi Per siv al à espada e t ent ou t ir á- la, m as não pôde. E sabei que, ao pux ar
a espada, par eceu a t odos que a nav e ia afundar - se no m ar , t ão violent am ent e se abalou de um a par t e e da
out r a. E quando v iu que não podia t ir ar a espada, disse a Boor z:
- Agor a t am bém pr ov ai.
E ele quis t ir ar a espada, m as acabou com o Per siv al. E depois que v ir am que nada fizer am , disser am a
Galaaz:
- Senhor , or a v ede, se v os apr az, que honr a v os quer Deus dar .
Ent ão est endeu Galaaz as m ãos par a o céu e disse:
- Senhor Pai Jesus Crist o, se t e apr az, out or ga- m e por t ua piedade que a possa sacar .
Ent ão per signou- se e sacou a espada t ão facilm ent e da bainha quant o quis. E depois que a t ir ou, er gueu-
a e olhou- a e achou- a t ão for m osa e t ão lim pa, com o se a lim passem naquela hor a. E depois que a olhou bem ,
pr ezou- a m ais que espada que algum a v ez t iv esse v ist o. E Per siv al, que t am bém a olhou m uit o, disse par a dom
Galaaz:
- Or a podeis dizer bem que t endes a m elhor espada do m undo e a m ais r ica que algum a v ez, a m eu
cient e, houv e no r eino de Logr es. E sem elha- m e que par a v ós é, segundo dir eit o, por que soi s o m elhor
cav aleir o do m undo e ela, a m elhor espada do m undo. Mas um a coisa falt a de que m e pesa e que não será
com o cuido, t ão facilm ent e acabada.
- E que é? disse Galaaz.
- Est a cint a, disse ele, que é t ão pobr e com o v edes e t ão fr aca, que não poder ia supor t ar um m eio- dia. E
est a car t a nos diz que lhe há est a cint a de ser tir ada por filha de r ei e vir gem e que ela m et er á cor r eias
for m osas e apr opr iadas e t ão r icas com o conv ém a t ão r ica espada. E conv ém que as faça da coisa que m ais
am ar em si. E depois conv ir á que aquela donzela ponha nom e a est a espada. Tudo ist o nos falt a, e não
sabem os quem é a donzela, nem com o t em nom e, nem onde a podem os achar .
- Não v os pese, disse Galaaz, por que Deus, que at é aqui nos deu conselho, nos aconselhar á daqui par a
fr ent e.

416. Depois dist o, sem m ais t ar dar , disse a donzela:


- Senhor es, não v os aflij ais. Sabei que sou a donzela que t em a av entur a dest a espada.
- Com o? disse Per siv al, sois filha de r ei e t al qual conv ém a est a espada?
- I st o v er eis, disse ela, se Deus quiser .
Ent ão t ir ou de seu seio um est oj o de pr at a m uit o r ico e m uit o bem lav r ado e r et ir ou dele uma cint a com
quant as cor r eias hav ia m ist er , as m ais r icas e as m ais for m osas que algum a v ez alguém v iu no reino de Logr es,
e er am feit as de our o e de pedr as pr eciosas e de seda e dos cabelos da donzela.
- Senhor es, disse ela, v edes aqui as cor r eias dest a espada. E eles as olhar am e disser am que est as er am ,
sem falha, as m ais for m osas e m ais r icas que algum a v ez v ir am . E ela lhes disse de nov o:
- Sabeis que são feit as da coisa que eu m ais em m im am av a; e se a m uit o am av a não é gr ande
m ar av ilha, por que, desde que r ei Ar t ur com eçou a r einar , não v iu alguém t ão for m osos cabelos com o eu t inha.
I st o diziam quant os cavaleir os e quant as m ulher es os viam . Mas por est a cint a e por est a out r a cousa que t em
em lugar de cor r eias m e fiz t osquiar , e não m e acho por isso m al, pois por I sso dei cabo de t ão for m osa
avent ur a com o est a.
Ent ão t ir ou a espada da out r a cint a que t inha e m et eu- a naquela; depois disse a Galaaz:
- Descingi v ossa espada, e v os cingir ei est a.
E ele fez com o lhe ela m andou. E ela o cingiu logo com a boa espada e disse- lhe:
- Sabeis com que espada v os guar neci?
- Não, disse ele, se não m e disser des.
- Or a sabei, disse ela, que v os guar neci com as est r anhas cor r eias a m elhor espada e a de m aior v ir t ude
que algum a v ez cav aleir o cingiu.
- Donzela, disse ele, vossa m er cê; dest es- m e m uit o r ico pr esent e. Mas r ogo- v os que m e digais quem sois
par a que saiba dizer algum as nov as a quem m e per gunt ar daquela que t al espada m e deu.
- Eu v o- lo dir ei, disse ela. Sabei que r ei Pelinor foi m eu pai, e dom Per siv al, que aqui est á, é m eu ir m ão
de pai e de m ãe. E por que quer ia que ele não m e r econhecesse at é que desse cabo dest a av ent ur a, m e encobr i
dele o quant o pude.
Ent ão descobr iu seu r ost o de um pano de seda com que o t r azia cober t o e Per siv al a r econheceu logo e
ficou t ão alegr e que não poder ia m ais e foi abr açá- la, e os out r os t am bém ficar am alegr es à m ar av ilha.

LI X
Ca ifá s

417. Gr ande foi o pr azer que t odos t iv er am com a ir m ã de Per siv al, por que m uit o t em po hav ia que não a v iam .
E sent ar am - se e com eçar am a falar de m uit as coisas. E Galaaz, que t inha v ont ade de dor m ir , foi deit ar - se no
leit o que er a t ão for m oso e t ão r ico que nunca v ir a igual. E quando a donzela ist o v iu, disse aos out r os:
- Agor a m e par ece que est á cum pr ida a car t a, pois v ej o que o bom cav aleir o se lançou no leit o que
Salom ão pr epar ou, há m uit o t em po.
E eles disser am :
- For m osa m ar av ilha nos m ost r ou aqui Deus.
- Maior v os m ost r ar á ainda, disse ela, se lhe apr ouv er .
Aquele dia e aquela noit e ficar am na nav e e falar am de m uit as coisas. E quando Galaaz desper t ou, disse:
- Est am os ainda na pr aia onde acham os est a nav e?
- Senhor , não, disser am eles; m uit o t em po há que de lá par t im os. E por isso cuidam os que est am os
m uit o alt o pelo m ar .
- Deus nos guie, disse ele, a t al lugar onde nossas alm as possam ser salv as, por que com os cor pos não
m e im por t o.
Muit o falar am aquela noit e de m uit as coisas, at é que chegou o dia, pelo que ficar am m uit o alegr es.

418. Quando o dia com eçou a clar ear , achar am - se à beir am ar per t o de um a r ocha est r eit a, m as er a t ão alt a e
t ão aguda que par ecia que t ocav a as nuv ens. E hav ia naquela r ocha gr ande abundância de ár v or es. E quando
v ir am a r ocha t ão alt a e t ão est r eit a, disser am que nunca haviam v ist o igual. E olhando ao longo dela, olhar am
e v ir am , diant e de si, ao pé dela, t ão per t o do m ar , que poder ia alguém lá chegar com duas lanças, um hom em
t ão v elho, que não há quem cuidasse que no m undo pudesse m ais v elho haver . E tinha a cabeça t ão br anca de
cãs com o nev e, e os cabelos t ão longos que lhe caíam por t er r a. E sabei que t ão longo t em po m or ar a naquela
r ocha, que não t inha nada com que se cobr ir , senão seus cabelos. E quando o v ir am , m ar av ilhar am - se do que
er a, m as bem r econhecer am que er a hom em ou m ulher . E Galaaz disse aos out r os:
- Vam os ver quem é; e se há m ist er nossa aj uda, aj udem o- lo, por que é cr iat ur a de Deus com o nós; e é-
lhe m uit o m ist er aj uda, no m eu ent ender . CUido que m or ou nest a r ocha m ais do que quiser a.
E os out r os concor dar am , por que bem lhes sem elhou que dizia a ver dade.

419. Ent ão saír am os t r ês da nav e e deix ar am a donzela dentr o e for am pela r ocha at é ele, que est av a ent r e
duas ár v or es, e r econhecer am que er a hom em , m as t ão v elho, que cuidav am que nunca alguém pudesse t ant o
viver , que chegasse àquela velhice. E ele quis er guer - se em dir eção a eles, m as não pôde. E Galaaz lhe disse:
- Donde és t u? Rogo que nos digas a ver dade de t eus feit os e de tua idade e que aventur a t e t r ouxe aqui
e de que m odo vives e se há m uit o que est ás aqui.
E ele disse ent ão com voz fr aca e m uit o baix a, com o quem sobej am ent e er a de m uit a velhice:
- Sou um hom em que v iv i m uit o e t iv e m uit o t r abalho e m uit a dor e pouco bem . Caifás m e cham ei e fui
bispo de Jer usalém no t em po em que Tit o foi im per ador de Rom a. Mas por um feit o que os j udeus fizer am a um
pr ofet a que t inha nom e Jesus, fom os t odos per didos e dest r uídos. De m im , v er dadeir am ent e,que não m er ecer a
t ant o com o os out r os hom ens, t ev e Vespasiano, filho de Tit o, m aior m er cê, pois não quis m e m at ar com o os
out r os, m as m e fez m et er só num a bar quet a sem v ela e sem r em os, e dest e m odo m e fez m andar pelo m ar ,
por m er ecer qualquer m or t e que Deus quisesse m e dar . E desde que est ou no m ar , andei m ais de duzent os
anos que não com i nem bebi, nem achei quem m e quisesse r eceber em sua com panhia, ant es m e inj uriav am e
am aldiçoav am , apenas lhes cont av a m eus feit os e não achav a ninguém que houvesse de m im m er cê, nem que
m e quisesse m at ar , pois de bom gr ado quer ia que m e m at assem , pois em sua com panhia não m e quer iam .

420. De t al m odo com o v os cont o, andei pelo m ar m ais de duzent os anos sofr ido, que não podia m e per der no
m ar , nem m or r er da fom e que t inha. E t ant o andei assim at é que a v ent ur a t r oux e a bar quet a aqui nest a r ocha
onde agor a est ou. E quando aqui m e v i, fiquei m uit o alegr e, por que bem cuidei que m or av a aqui gent e que m e
fizesse algum bem . E depois que andei ao r edor da r ocha e v i que não m or av a ninguém , v olt ei par a m inha
bar quet a, pois j ulguei que ant es t eria conselho no m ar do que na r ocha. E quando cheguei onde a deix ar a,
est av a ela j á t ão longe pelo m ar , que não a podia ver . E assim fiquei aqui e há j á m uit o t em po que não com i
nem bebi, nem v eio aqui alguém que quisesse m e socor r er . E por isso v iv i at é agor a de t al m odo qu e enr aiv eço
de fom e noit e e dia; não posso m or r er , ant es v iv o em t al canseir a com o podeis v er , que, se m e fosse possív el
m or r er com o qualquer outr o pecador , a m or t e m e agr adar ia m ais que a v ida, pois t al v ida é m uit o pior que a
m or t e.

LX
Ga la a z, Pe r siv a l e Boor z no ca st e lo do conde Ar na ldo

422. Falando a r espeit o, ent r ar am pelo m ar , com o a v ent ur a os lev av a, e a donzela com eles, por quem t inham
m uit o apego. Um dia lhes acont eceu que a v ent ur a os lev ou per t o de um cast elo que ficav a fr ent e ao m ar . E
assim que o v ir am , disse Per siv al:
- Se a Deus apr ouv esse, m uit o m e agr adar ia que apor t ássem os em out r o lugar em vez dest e, pois o
cor ação m e diz que nos acont ecer á aí algum pesar .
- Não podem os apor t ar , disse Galaaz, senão onde Deus quiser , por que ele, que nos guia e quer que
apor t em os, nos aj udar á em t udo.

423. Assim que ist o disser am , achar am - se na pr aia e t om ar am , sua donzela e saír am da nav e e ent r ar am no
cast elo, pois par a out r o lugar não podiam ir . E bendisser am ao Senhor Deus e louv ar am - no, por que os t r oux er a
t ão a salv o e os fizer a passar t ant as av ent ur as em paz. Assim que ent r ar am no cast elo ar m ados, que lhes não
falt av am senão escudos e elm os, Galaaz olhou diant e de um a igr ej a v elha e antiga e viu seu escudo encost ado
à por t a e m ost r ou- o aos out r os e disse:
- Bendit o sej a Deus e louv ado, que lhe não esqueceu o m eu escudo, ant es m o deu por sua m er cê.
E eles disser am que er a m ui for m oso m ilagr e. E ele foi ao escudo e pegou- o e deit ou- o a seu colo, e
for am t odos pela v ila a pé e não andar am m uit o que achar am um escudeir o gr ande e for t e que lhes per gunt ou:
- Donde sois, senhor es cav aleir os?
- Som os, disser am eles, da: casa de r ei Ar t ur .
- Pesar v os dev e ist o, disse o escudeir o, por que não desam am nest e cast elo gent e no m undo t ant o com o
os da casa de r ei Ar t ur . E por isso v os dou cer t eza de que viest es a m au alber gue de onde não podeis sair sem
desonr a.
- Não sabem os, disser am eles, m as sabei que, se algum cuidar nos fazer desonr a, se achar á m al.
Ent ão com eçar am a dem andar pousada no cast elo, pois quer iam ficar lá at é que t iv essem cav alos. E um
hom em veio a eles e disse- lhes:
- Senhor es, em v ão v os esfor çais, por que não há alguém t ão at r ev ido na vila que v os ouse alber gar . I r
v os conv ém ao alcácer e v os alber gar ão de algum m odo.
E quando ist o ouv ir am , for am par a lá, e achar am gr ande cor t e de cav aleir os e de donas e de donzelas e
de out r a gent e. E quando cuidar am achar quem os r ecebesse bem , com o er a cost um e naquele t em po
cav aleir os andant es ser em r ecebidos em lugar es est r anhos, ent ão v ir am v ir em sua dir eção t r ês cav aleir os
ar m ados que sem elhav am br av os e fer os e er am gr andes de cor po. E sabei que t odos os t r ês er am ir m ãos; e,
quando chegar am a eles, não os saudar am , e um deles foi à donzela, por que lhe par ecia for m osa, e t om ou- a, e
Per siv al, que er a m uit o ousado, saiu à fr ent e dos out r os e disse:
- Dom cav aleir o, deix ai a donzela, por que não é v ossa, por que m uit o há que a t r azem os, e não a lev ar eis
com o cuidais.
- Assim ? disse ele, e quer eis t om á- la? Em m á hor a o pensast es. Ent ão foi a um a espada, que est ava
pendur ada num est eio, e deix ou- se a ir a Per siv al por lhe dar pela cabeça, que t inha desar m ada for a do
alm ofr e. Mas Boor z, que m uit o am av a a Per siv al, não o quis supor t ar e deu-lhe um t ão gr ande golpe por m eio
da cabeça, que o fendeu at é a cint a e caiu logo m or t o no m eio do paço. E quando os out r os dois ir m ãos v ir am
est e golpe, não ousar am m ais lá ficar , por que est av am desar m ados e v olt ar am aos out r os e gr it ar am :
- Ar m as! Ar m as!
Ent ão ar m ar am - se eles e t odos os out r os, e fizer am soar um cor no par a se j unt ar em t odos os da v ila no
paço.

424. Depois que Galaaz viu que se ar m av am , disse a Per siv al e a Boor z:
- Senhor es, bem v ej o que não podem os daqui par t ir sem dificuldade; t om e cada um de nós um elm o e
escudo e defenda seu cor po v alent em ent e quant o puder , por que m uit o m e par ece que nos é m ist er .
E eles disser am que o far iam . Ent ão for am a um a câm ar a onde est av am as ar m as dos do cast elo. E
depois que t om ar am elm os e escudos os m elhor es que achar am e que souber am escolher , volt ar am ao paço e
v ir am que os do cast elo t inham com eçado j á a bat alha cont r a Galaaz e j á er am m ais de cem ar m ados. Mas ele
se defendia t ão m ar avilhosam ent e, que m at ar a j á quinze e er a t ão viv o e t ão ligeir o, que ia por eles com o se
não houv esse ninguém , nem hav ia t ão for t e e t ão bem ar m ado, que a seu golpe pudesse r esist ir , nem
ar m adur a t inha utilidade, por que a boa espada que ele t inha cor t av a tudo a sua v ont ade. E por isso o
r econhecer am em t ão pouco t em po, que não hav ia quem ousasse esper ar golpe. E os out r os dois, quando
chegar am e vir am Galaaz t ão bem fazer , m et er am m ãos às espadas e m et er am - se ent r e eles e com eçar am a"
dar golpes à dir eit a e à esquer da e a fazer t al m or t e em pouco t em po, que logo for am m or t os m ais de sessent a
cav aleir os e m uit os outr os hom ens. Que v os dir ei? Tant os for am os m or t os e os fer idos, que er a m ar av ilha. E
os gr it os for am t ão alt os que t odos os da v ila se r eunir am e os cav aleir os se defendiam t ão bem e t ão
cor aj osam ent e e t ão bem aj udav a um ao out r o, que nenhum dos que cuidav am m at ar ou pr ender não ent r ava
ent r e eles que não r ecebesse m or t e ou fer im ent o m or t al. E quando os dois ir m ãos v ir am que não podiam
r esist ir cont r a est es cav aleir os est r anhos e que j á t inham m at ado quase t odos os seus hom ens, quiser am sair
do paço par a fugir , m as não puder am , por que os t r ês cav aleir os for am a eles e os m at ar am t ant o a eles com o a
quant os em sua aj uda v ier am . E depois que v ir am que liv r ar am o paço de seus inim igos, disser am :
- Vam os lá for a v er se podem os achar m ais dest a gent e, por que são de m uit o m á par t e e endiabr ados.
Ent ão for am buscan do de um a par t e e de out r a e chegar am a u m a câm ar a que ficav a apar t ada e per t o de
um a hor t a. Ent ão ouv ir am um hom em Que fazia seu gr ande pr ant o, de m odo que sem elhav a alguém que t inha
m uit o gr ande sofr im ent o. E Galaaz par ou e disse aos out r os:
- Ouv is est e pr ant o?
- Sim , disser am eles. E sabeis quem o faz?
- Sim , disse ele.

425. - Sabei, disse Galaaz, que est e é o conde Arnaldo, m uit o bom hom em e de vida m uit o boa e que am a
m uit o seu Criador e que honr a m uit o a sant a I gr ej a. Mas por est es seus m aus filhos, que or a m at am os,
r ecebeu m uit a desonr a e m uit o pesar . E por ist o quis Deus que r ecebessem est a m á m or t e.
Ent ão ent r ar am na câm ar a e achar am o conde em pesados gr ilhões; e est ava m alt r ado à m or t e. E sabei
que não soube Galaaz seus feit os por ninguém , m as por v ont ade de Nosso Senhor . E apr ox im ar am - se dele e
disser am :
- Senhor , com o v os sent is?
E o conde, que est av a pr est es a m or r er , lhe disse:
- Quem sois que m e per gunt ais?
- Som os, disser am eles, cav aleir os est r anhos que por v entur a não conheceis.
- Sim , disse ele, m uit o v os conheço m elhor do que im aginais. E lev ai- m e ao paço, e ide- m e buscar for a
dest e cast elo, naquele cam po, um er m it ão com quem fale, por que m e esquecer am coisas que não lhe disse, de
que m e sint o culpado. par a com seu Cr iador .
E fizer am o que ele m andou. E depois que o lev ar am ao paço, Boor z e Per siv al for am buscar a pé e
ar m ados o er m it ão. E sabei que os da v ila que os v iam ir pelas r uas não par av am diant e deles, ant es fugiam
quant o m ais podiam . Ent ão for am ao er m it ão e der am lhe o r ecado do conde e cont ar am - lhe t odo o acont ecido
no cast elo.

426. - Senhor es, disse o er m it ão, abençoada sej a a hor a em que nascest es, por que o que fizest es m uit o
agr adou a Nosso Senhor , " por isso v os t r oux e aqui, por dest r uir des est a gent e, que er am os pior es hom ens e
os m ais desleais que hav ia em t odo o r eino de Logr es.
Ent ão v eio com eles par a o conde. E quando o v iu Galaaz ficou de j oelhos diant e dele e disse- lhe:
- Senhor , m er cê! Dai- nos conselho em r elação a est e feit o que realizam os, a est es hom ens t odos que
m at am os, m as o fizem os defendendo- nos, e não pode ser que gr ande pecado não t enham os feit o.
- Ai, senhor , disse o hom em bom , não penseis nist o, pois assim Deus m e aj ude, fizest es, ao m at á- los, a
m aior esm ola que nunca cav aleir os andant es fizer am ; e m uit o m ais dos t r ês ir m ãos, pois ist o foi m u it o for m oso
m ilagr e, que est es er am os m ais desleais cavaleir os e os m ais br avos que havia na Gr ã- Bret anha; e pela sua
gr ande deslealdade est av am j á t odos" os out r os daqui m al acost um ados, que er am pior es que her eges, e
nunca faziam algo que não fosse cont r a Deus.
E ent ão o fez er guer diant e de si.
- Por Deus, senhor , disse Galaaz, pesa- m e m uit o disso, por que m e par eciam cr ist ãos.
- Não v os pese disso, disse o hom em bom , por que, assim Deus m e aj ude, Nosso Senhor v os agr adece
m uit o quant o fizest es. E sabei que não v os m an dou aqui por out r a coisa senão par a m at á- los, por que não são
cr ist ãos. senão os pior es do m undo, e v os dir ei o que sei.

427. Er a senhor dest e cast elo, há agor a um ano. o conde Ar naldo que aqui est á; e t inha t r ês filhos bons
cav aleir os de ar m as; e um a filha, que er a das for m osas donzelas do r eino de Logr es. Est es ir m ãos t odos os t r ês
am ar am sua ir m ã com louco am or t ant o que deit ar am com ela. E por que o disse a seu pai, m at ar am - na.
Quando o conde, que er a m uit o bom hom em , v iu o er r o que seus filhos fizer am , t ev e t ão gr ande pesar que quis
expulsá- los da t er r a. Mas não o supor t ar am eles, e for am de noit e at é ele e o fer ir am m uit o e o m at ar iam , sem
falha, se não fossem dois sobr inhos seus que o liv r ar am . Quando v ir am que seu pai lhes escapar a àquela hor a
de m or t e, t om ar am - no depois e o deit ar am em pr isão e m ant iv er am no assim at é agor a. E depois que ficar am
senhor es do cast elo, fizer am t odas aquelas t r aições que alguém poder ia im aginar . Que v os direi? Fizer am
t ant as t r aições, que foi m ar av ilha com o est e cast elo não foi par a o abism o.

428. Ont em de m anhã, acont eceu que o conde, que aqui est á, m e m andou dizer que fosse a ele e lev asse o
Cor pus Dom ini. E o fiz de bom gr ado, por que o am av a m uit o. E quando ent r ei aqui, fizer am - m e t ant o escár nio
e pesar que, se est iv esse entr e pagãos ou ent r e her eges, não m e far iam t ant o. E o sofr i m uit o de bom gr ado
por honr a daquele por cuj a desonr a m e faziam . E depois que cheguei ao conde, e se confessou e r ecebeu o
Cor pus Dom ini, ent ão lhe disse o que m e fizer am . E ele m e disse:
- Sofr ei, por que a v ossa desonr a e a m inha ser ão m uit o cedo v ingadas pelos t r ês ser v os de Jesus Cr ist o.
E ist o m e m andou dizer o alt o Mest r e. E por isso podeis saber e r econhecer que Nosso Senhor v os env iou
aqui ex at am ent e par a m at á- los.

429. Ent ão se apr ox im ou o er mit ão do conde Ar naldo; e ele lhe disse:


- Senhor , sede bem - v indo. Mandei buscar - v os por v os dizer um a coisa que m e esqueceu.
Ent ão se r et ir ar am os out r os e o conde lhe disse:
- Senhor , sint o- m e m uit o culpado par a com r ei Ar tur , de quem sou v assalo, por que sei e v i a t raição de
Lancelot e e de sua m ulher e nunca lho disse. Or a o digo a v ós e r ogo- v os que o digais a r ei Ar t ur . E se
disser des, cr eio que m andar á guar dar sua m ulher , de m odo que j am ais t al er r o e t al pecado far á.
E o er m it ão lhe r espondeu:
- Eu m e aconselhar ei, e se achar conselho que o diga ao r ei, dir ei.
- Rogo- v os ist o, disse o conde.

430. Depois v olt ou- se par a Galaaz e disse- lhe:


- Galaaz, m ui sant a pessoa, t ant o v os esper ei, que, m er cê de Deus, v os t enho. Por Deus e por cor t esia,
achegai- m e a v ós, e m inha alm a ficar á por isso m ais alegr e, quando sair do cor po sobr e t al pessoa com o sois.
E Galaaz o fez de m uit o boa m ent e. E depois que lhe pôs a cabeça sobr e seu peit o, o conde cer r ou o olhos
com o quem cuidav a m or r er , e disse com o pôde:
- Senhor Pai Jesus Crist o, em t uas m ãos encom endo a m inha alm a e o m eu espír it o.
E ent ão lhe caiu a cabeça e ficou t ant o t em po, que os out r os cuidar am que est av a m or t o. E, ao cabo de
um t em po, disse:
- Galaaz, ser v o de Jesus Crist o, ist o t e m anda dizer o alt o Mestr e por mim , que o vingast e hoj e bem de
seus inim igos, e t oda a com panhia de anj os est á alegr e. Or a t e conv ém que v ás o m ais cedo que puder es à
casa do r ei Pescador , por r eceber saúde que t ão longam ent e t em esper ado, que dev e r eceber , quando
chegar es. E ide t odos os t r ês, assim que a vent ur a pr opiciar .
I st o disse o conde e não m ais, por que logo se lhe par t iu a alm a do cor po.

LXI
A v e nt ur a do ce r v o br a nco

431. Quando os que ficar am v iv os no cast elo v ir am que o conde est av a m or t o, fizer am m ui gr ande pr ant o,
por que m uit o o am av am , m as não o ousav am m ost r ar com pav or dos t r ês ir m ãos. E sot er r ar am - no num a
er m ida m uit o honr adam ent e. No out r o dia, de m anhã, Galaaz, Boor z e Per siv al t om ar am quais cav alos
quiser am e um m uit o bom palafr ém par a a donzela, pois m uit os cav alos e m uit as ar m as podiam achar . E
cav algar am e for am dali. E t ant o andar am que chegar am a um a flor est a. E depois que for am dent r o, não
andar am m uit o que vir am passar diant e de si um cer v o br anco que quat r o leões guar dav am . E passou à fr ent e
deles at r av essando a flor est a.
- Or a v ej o, disse Galaaz, um a av ent ur a que j á out r a v ez v i, pela qual m e esfor cei um pouco. Or a, queir a
Deus, se lhe apr ouv er , que saibam os algo, ant es que o cer v o se afast e de nós.
- Por Deus, disser am os out r os, j á v im os est e cer v o um a v ez.
- Or a v am os at r ás dele, disse Galaaz, por que m e diz o cor ação que algum a coisa saber em os dest a v ez.
E os out r os concor dar am .

432. Ent ão for am atr ás do cer v o e entr ar am num v ale e vir am ent r e um as m oit as um a er m ida pequena onde
m or av a um hom em bom m uit o v elho, de sant a v ida e que hav ia m uit o v ivia a ser viço de Nosso Senhor . O cer v o
ent r ou na er m ida e os leões t am bém . E os cav aleir os, quando ist o v ir am , descer am diant e da er m ida e for am à
capela e achar am o hom em bom que j á est av a r ev est ido par a dizer m issa do Espír it o Sant o. E quando v ir am ,
t ir ar am suas lanças e escudos e elm os e disser am que hav iam chegado em boa hor a. E quando o clér igo
chegou à secr et a, v ir am um a coisa de que se m ar av ilhar am m ais que de coisa que nunca t iv essem v ist o,
por que v ir am e assim lhes par eceu, que o cer v o se t or nou hom em e sent ou- se sobr e o alt ar num a cadeir a
m uit o for m osa e m uit o r ica. Depois v ir am out r a m ar av ilha: os quat r o leões se t r ansfor m ar am em qu at r o figur as
descom unais, um em figur a de anj o, o out r o em for m a de leão m il vezes m ais for m oso do que ant es er a, o
out r o em figur a de águia e o out r o em figur a de boi. E tinha cada um deles quat r o asas gr andes a m ar av ilha
pelas quais lhes sem elhav a que podiam bem v oar , se quisessem . Depois t om ar am est es quat r o a cadeir a onde
sent av a o hom em , cada um por um dos pés, e saír am com ele por um v it r al que ficav a na abside da capela, de
m odo que o v it r al não quebr ou, nem ficou pior do que ant es er a. E depois nada v ir am do hom em nem dos
out r os. E ouvir am um a v oz que lhes disse: "Dest e m odo ent r ou o Filho de Deus na Vir gem bendit a, que a
v ir gindade nem a bendit a Vir gem não foi ferida nem pior ada."
Quando est a v oz ouv ir am , caír am por t er r a desm aiados, por que a v oz foi t ão for t e que lhes sem elhou que
t oda a capela caír a e que a v oz foi ouvida por t odo o m undo. E depois que v olt ar am a seu sentido, vir am que o
hom em bom disser a j á a m issa. Ent ão for am falar com ele e r ogar am - lhe por Deus que lhes dissesse o
significado do que hav iam v ist o.
- E que v ist es? disse ele.
- Vim os, disser am eles, um cer v o a que depois v im os m udar sua for m a. E t am bém for am m udados quat r o
leões que lhe faziam com panhia.
E r ev elar am de que m odo. Quando o hom em bom ist o ouv iu, disse:
- Ai, senhor es! Sede bem - v indos. Or a sei por ist o que m e dissest es, que sois hom ens bons e cav aleir os
que à dem anda do sant o Gr aal dar eis cabo e que supor t ar eis os gr andes sofr im ent os e os gr andes t r abalhos
par a acabar as av ent ur as. Sois aqueles a quem Nosso Senhor m ost r ar á seus gr andes segr edos e suas coisas
escondidas. E j á v os m ost r ou gr ande par t e; por que quando se m udou o cer v o em hom em , v os m ost r ou que ele
com o hom em sofr eu a gr ande dor m or t al quando v enceu a m or t e m orr endo e deu ao m undo vida. E bem dev e
ser r epr esent ado pelo cer v o, por que assim com o o cer v o, quando fica v elho, r ejuv enesce deix ando seu cour o,
assim v eio Jesus Cr ist o da m or t e à v ida, quando deix ou o cour o t er r eal, por que deix ou sua car ne m or t al que
hav ia t om ado da bendit a Vir gem . E por que est e bendit o Senhor nunca t ev e m ancha de pecado, apar eceu em
figur a de cerv o br anco sem qualquer m ancha. E pelos quat r o de sua com panhia dev eis ent ender os quat r o
ev angelist as, as abençoadas quat r o pessoas que m et er am por escr it o um a par t e das obr as de Jesus Cr ist o, o
que fez e o que disse, enquant o est ev e entr e os hom ens, com o hom em t er r eal. E sabei que a r espeit o nunca
pôde cav aleir o saber a v er dade com o or a sabeis. Assim se m ost r ou o bendit o Senhor por m uit as v ezes nest a
t er r a aos hom ens bons e aos cav aleir os na figur a de cer v o br anco. Mas sabei que daqui adiant e não apar ecer á
em t al figur a. De out r a for m a poder á m ost r ar - se a seus am igos, m as dest a não m ais.

LXI I
M or t e da ir m ã de Pe r siv a l

433. Quando ist o ouv ir am , chor ar am com piedade e der am gr aças a Nosso Senhor por aquilo que lhes
m ost r ar a. Todo aquele dia ficar am com o hom em bom por ouv ir em as boas façanhas que lhes dizia e t inham
nisso m uit o gost o. No out r o dia, depois que ouv ir am m issa e t iv er am de ir , t om ou Per siv al a espada que t r azia
sua ir m ã, a que for a da pedr a de Mer lim , a que deix ar a Galaaz pela espada da est r anha cint a; e disse que a
t r aria daí por diant e, por am or de Galaaz, e deix ou a sua em casa do hom em bom . E depois par t ir am e
andar am at é m eio- dia e chegar am per t o de u m cast elo for t e e for m oso, m as não ent r ar am , por que não er a por
lá seu cam inho. E depois que se afast ar am um pouco, v ir am v ir at r ás de si um cav aleir o ar m ado de t odas as
ar m as que lhes per gunt ou:
- Senhor es, est a donzela que v ai conv osco é v ir gem ?
- Sim , disse Boor z, v er dadeir am ent e.
- Ent ão a t om ou pelo fr eio e disse:
- Assim Deus m e salv e, não ir eis adiant e, enquant o não sat isfizer des o cost um e dest e cast elo.
Quando Per siv al viu que lev av a o cav aleir o, dest e m odo, sua ir m ã, disse- lhe:
- Senhor cav aleir o, não sois sisudo nem cor t ês de dizer des ist o, por que a donzela onde quer que v á est á
livr e de t oda coisa, e, sobr et udo t ão fidalga com o est a, que é filha de r ei.
Ele ist o dizendo, eis que dez cavaleir os ar m ados saír am do cast elo, e vinha com eles um a donzela, que
t r azia um a escudela de pr at a, e disser am aos t r ês cav aleir os assim que a eles chegar am :
- Senhor es, conv ém que à for ça pague est a donzela.
- E qual é o cost um e dest e cast elo? disse Galaaz.
- Senhor , disse um deles, cada donzela que por aqui passa dev e dar do sangue de seu br aço est a escudela
cheia. E não passa por aqui um a que não o dê.
- Mal haj a, disse Galaaz, quem t al cost um e pôs, por que t al cost um e é v elhaco e suj o. E com o quer que as
out r as v os pagassem o cost um e, não pagar á est a, por que, enquant o t iv er a alm a no cor po, est a não pagar á o
que dem andais, se m e quiser cr er .
- Assim Deus m ande, disse Per siv al, ant es quer ia est ar m or t o. E o m esm o disse Boor z.
- Por Deus, disser am os out r os, a m or t e est á conv osco, pois nest e cast elo há t ant os hom ens bons par a
dar em fim a est e pr eit o, que, ainda que fôsseis os m elhor es cav aleir os do m undo, não lhes poder íeis r esist ir .

434. Ent ão se deix ar am cor r er uns aos OUt rOS e acont eceu que os t r ês derr ibar am os out r os t odos na j ust a,
ant es que quebr assem as lanças. Depois m et er am m ão às espadas e for am der r ibando e m at an do com o se
fossem anim ais, e a t odos m at ar iam , se quisessem . Quando os do cast elo v ir am ist o, saír am m ais de sessent a
cav aleir os ar m ados par a os socor r er ; e à fr ent e deles v inha um hom em v elho que disse aos t r ês:
- Senhor es, por Deus, t ende pena de v ós e não v os façais m at ar , por que ser á m uit o gr ande o dano,
por que sois bons hom ens c bon s cav aleir os. E por isso v os r ogo que ant es que m ais acont eça, deix eis a donzela
dar o que lhe dem andam os.
- Cer t am ent e, disse Galaaz, em loucur a labor ais, por que enquant o ela m e cr er , não pode ser o que
quer eis.
- Com o? disse ele, quer eis ent ão m or r er?
- Não ainda, disse Galaaz; e assim Deus m e aj ude, e ainda que fosse nest a lut a, ant es quer ia m or r er que
supor t ar t ão gr ande deslealdade com o buscais.
Ent ão com eçou a pelej a ent re eles; e os do cast elo er am j á sessent a e ainda aum ent av am . Mas Galaaz,
que t inha a espada da est r anha cint a, fer ia à dir eit a e à esquer da e m at av a quant os alcançav a, e fazia t ais
m ar avilhas ent re eles, que não há quem o visse que o tivesse por hom em t err eal, m as por algum a m ar avilha
est r anha, por que fazia de for m a que nunca deix ou o cam po de bat alha, m as ainda o ganhav a de seu s inim igos;
e ist o lhe v alia m uit o, que os out r os' dois o pr ot egiam à dir eit a e à esquer da, de m odo que ninguém podia
chegar a ele, a não ser pela fr ent e.

435. Dest e m odo dur ou a bat alha at é a noit e, por que sem pr e cr esceu a aj uda aos do cast elo. Mas os t r ês
cav aleir os, que em bondade de ar m as er am t ais que não hav ia nem de longe m elhor es no m undo, se
defender am sem pr e t ão bem que nunca lev ar am a pior nem per der am cam po. E t ant o dem or ar am lut ando que
a noit e chegou escur a e tiv er am , por for ça, de par ar . E sabei que do cast elo j aziam no cam po bem cem m or t os
ou fer idos. Ent ão dirigiu- se o v elho cav aleir o aos t r ês e disse- lhes:
- Senhor es, nós v os r ogam os por honr a e por cor t esia que v enhais hoj e alber gar conosco, e v os
pr om et em os, à boa fé, que am anhã t or nem os a vós nest e cam po com o agor a est ais. E sabei que vos, far em os
quant a honr a e quant o ser v iço m ais puder m os e não m enos do que v os far iam em casa de r ei Ar t ur , se lá
est iv ésseis, por que sois de lá, sabem os bem . E sabeis por que v os r ogo sej ais nossos hóspedes? Por que bem
sei que assim que sou ber des a v er dade dest e cost um e, logo concor dar eis em nos dar a donzela. Vinde, pois v os
r ogam .
E eles concor dar am . Ent ão der am t r éguas uns aos outr os e ent r ar am j unt os no cast elo, e nunca v ist es
m aior alegr ia do que a que t iv er am , quando os t iv er am por hóspedes.

436. Depois que cear am os t r ês cav aleir os, per gunt ar am aos out r os com o aquele cost um e for a post o e por quê.
E um deles lhes disse:
- I st o v os dir ei bem . Sabei que aqui há um a m ulher , senhor a nossa e de t odos dest a t er r a. E est e cast elo
é seu e out r os m uit os; e acont eceu que ficou lepr osa e m andam os buscar per t o e longe quant os m est r es
conhecem os. E não houv e um que lhe conselho soubesse dar . Ao fim , disse- nos um hom em v elho m ui sisudo
que, se pudéssem os t er sangue de donzelas que fossem v ir gens em v ont ade e em feit o e fossem filhas de r ei e
de r ainha, e se se unt asse com est e sangue a senhor a, logo ficar ia cur ada. Quando ist o ouv im os, pusem os logo
t al cost um e que t oda donzela que por aqui passasse nos desse um a escudela de sangue de seu br aço, e
pusem os guar das às por t as par a r et er em quant as por aqui passassem por hav er delas o sangue at é que
achássem os aquela pela qual a senhor a há de ser cur ada. Ent ão se abandonar á o cost um e. Or a ouv ist es com o
ist o foi post o e o que v os dem andam os. Or a fazei o que v os apr ouv er .

437. Ent ão disse a donzela a Galaaz e a Boorz e a seu ir m ão em segr edo:


- Senhor es, ouvist es bem com o ist o foi post o. E v os digo que est a m ulher cur ar ei, se v os apr ouv er que
pague o cost um e dest e cast elo e o far ei de m uit o bom gr ado, se quiser des. Or a dizei- m e o que v os apr az.
- Por cer t o, disse Galaaz, se o fazeis, digo- v os que est ais m or t a, por que sois m uit o m enina.
- Por Deus, disse ela, se eu m or r er por cur á- la é honr a par a m im e par a m inha linhagem . E se por out r a
r azão não o fizesse, dev ia fazê-lo por v ós e por eles, por que se am anhã v os aj unt ais na bat alha com o hoj e
fizest es, não pode ser que m aior dano não sobr ev enha, por que ser á a m inha m or t e. E por isso qu er o fazer o
que eles quer em , de m odo que se acabe est a bat alha. E r ogo- v os, por Deus e por Sant a Mar ia, que concor deis.
E eles concor dar am com m uit o gr ande pesar e m uit o esfor ço. E depois cham ou ent ão a donzela os out r os
cav aleir os e disse- lhes:
- Senhor es, or a ficai alegr es, por que a bat alha que hav íeis de t er am anhã est á acabada, pois v os pr om et o
que de m anhã pague o cost um e que as out r as donzelas pagar am .
E quando ist o ouv ir am , agr adecer am m uit o e ficar am m uit o alegr es.
438. Aquela noit e for am m ui ser v idos os t r ês cav aleir os e a donzela. E m uit o m ais o ser iam , se quisessem
r eceber t odo o ser v iço que os do cast elo lhes quer iam fazer . De m anhã, depois que ouv ir am m issa, foi a
donzela ao paço e disse aos que lá est av am :
- Buscai a senhor a e t r azei aqui e a v er ão est es cav aleir os.
E for am logo buscá- la, e quando os t r ês cav aleir os a v ir am , m ar av ilhar am - se m uit o, pois t inha o r ost o t ão
desfeit o e est av a t ão sofr ida, que a donzela disse que m uit o er a gr ande m ar av ilha com o podia v iv er . E a dona
disse à donzela que lhe desse o que lhe pr om et er a e ela disse que o far ia de bom gr ado. Ent ão f ez t r azer a
escudela de pr at a. Depois fer ir am - na no br aço dir eit o com um ferr o, com o conv ém àquele m ist er , e o sangue
com eçou a sair e ela se per signou e encom endou- se a Nosso Senhor . E depois disse à dona:
- Est ou m or t a por v os cur ar . Por Deus, r ogai por m inha alm a.
E depois que a escudela ficou cheia de sangue, esm or eceu ela e os t r ês cavaleir os for am ao seu br aço e
est ancar am - lhe o sangue c fechar am a fer ida. E depois que ficou um t em po esm or ecida, acor dou e disse:
- I r m ão Per siv al, m orr o por saúde dest a dona. Rogo- v os que m e não sot er r eis, m as logo que est iv er
m or t a, lev ai- m e ao por t o do m ar que daqui achar des m ais per t o e m et ei- m e num a bar quet a e deix ai- m e ir
com o a v ent ur a m e queir a guiar . E v os digo v er dadeir am ent e que t ão cedo não ir eis à cidade de Sar r az, onde
hav eis de ir depós o sant o Gr aal, que ao pé da t or r e não m e acheis. Ent ão fazei ist o por m im e por v ossa
honr a: fazei- m e sot err ar no Paço Espir it ual. E sabeis por que v os r ogo? Por que dom Galaaz há de j azer lá
sot er r ado e v ós, ir m ão, t am bém .

439. Quando Per siv al ouv iu est e r ogo, concor dou chor ando e disse que o far ia de m uit o bom gr ado. E ela lhes
disse t am bém :
- Senhor es, par t i de m anhã à hor a de pr im a, e t om e cada um sua car r eir a, at é que Deus de nov o v os
r eúna em casa do r ei Pescador . E v ós, dom Galaaz, que or a sois o m elhor cav aleir o do m undo e a quem Deus
m elhor gr aça deu, por Deus, apr essai- v os de nov o em v olt ar a Cam alot e, por que bem sabei que r ei Ar tur há
m ist er que v olt eis a ele e sabei que, se lá não for des, hav er á t ão gr ande dano, que não ser á depois facilm ent e
em endado.
E depois que ist o disse, calou- se um pouco por folgar , e, ao cabo de um t em po, disse:
- Fazei vir m eu Salv ador .
E buscar am um er m it ão que m or ava per t o do cast elo, e ele veio logo, pois viu que t ão m ist er haviam
dele. E depois que ela se confessou, r ecebeu seu Salv ador . Depois pôs suas m ãos em cr uz sobr e o peit o e saiu-
lhe a alm a. E tiv er am os t r ês cav aleir os t ão gr ande pesar , que não cuidav am se confor t ar t ão cedo.

440. Naquele dia m esm o ficou a dona cur ada, pois t ão logo a lav ar am com o sangue da sant a donzela, ficou
lim pa de t oda sua lepr a: . Com ist o ficar am os t r ês cav aleir os m uit o alegr es e t odos os out r os do cast elo. Depois
t om ar am ao paço da donzela por lhe cum pr ir em seu r ogo e fizer am buscar um a bar ca for m osa e r esist ent e e
fizer am - na cobr ir com r icos panos de seda, que chuv a não pu desse pr ej udicar . Depois t om ar am um leit o t ão
r ico e t ão for m oso, com o se fosse par a o cor po de r ei Ar t ur ; e m et er am - no na bar ca e deit ar am a donzela nele.
Depois pux ar am o bar co par a o m ar . E Boor z disse a Per siv al:
- Muit o m e pesa que não m et em os com ela um a car t a pela qual soubessem de onde er a e com o m or r eu,
quando por v ent ur a chegasse a algum a t er r a est r anha.
- Digo- v os, disse Per siv al, que eu pus à sua cabeça um a car t a que r evela t oda a sua linhagem e com o foi
m or t a e t odas as av ent ur as que aj udou a acabar .
- Cer t am ent e, disse Galaaz, m uit o bem fizest es, por que quem a puder achar lhe far á m aior honr a que
ant es, ao saber seus feit os.
Enquant o os do cast elo puder am v er a bar ca, ficar am no por t o e chor av am m uit o e diziam que m uit o
gr ande bondade fizer a aquela donzela, que t ant o fizer a par a cur ar um a m ulher est r anha. E depois que não
puder am v er a bar ca, v olt ar am a seu cast elo e os tr ês o cav aleir os disser am que não entr ariam m ais no
cast elo, que lhes fizessem dar suas ar m as e seus cav alos. E eles o fizer am de bom gr ado.

441. Depois que for am ar m ados, quer endo j á cav algar , v ir am o céu escur ecer e com eçou a chov er e a fazer
t r ov ões e r elâm pagos. E quando ist o v ir am , acolher am - se a um a capela que ficav a no m eio do cam inho, por
causa do m au t em po que v ir am v ir . E deix ar am os cav alos num alpendr e. Depois, com eçou o t em po a
em br uscar t ão v iolent am ent e, que com eçou a chov er de r ij o e fazer t r ov ões e r elâm pagos m uit o br av os, e cair
cor isco sobr e o cast elo t ão cer r adam ent e, que não er a sem m ar avilha. Todo aquele dia dur ou aquela
t em pest ade t ão gr ande e t ão v iolent a que bem der r ibou a m et ade dos m ur os do cast elo, com o que ficar am
m uit o espant ados, pois não podiam cuidar que em dois anos pudesse ser der r ibado, por m al que lhe pudesse
sobr ev ir .

442. Quando foi hor a de v ésper as, que o m au t em po j á passar a, v ir am à sua fr ent e ir um cav aleir o ar m ado
m uit o fer ido no cor po e na cabeça. E dizia am iúde:
- Ai! Deus! Socor r e- m e, pois m uit o m e é m ist er . E at r ás dele v inha um cav aleir o do escudo negr o e um
anão, que lhe iam gr it ando:
- Por boa fé, m or t o est ais e não v os podeis cur ar .
E o cav aleir o t am bém dizia:
- Ai, Senhor Pai Jesus Cr ist o, socor r e- m e e não m e deix es per der nest a ocasião.
Quando os t r ês cav aleir os v ir am com o aquele cav aleir o r ogav a a Nosso Senhor , t iv er am dele gr ande
piedade. E Galaaz disse que o quer ia socor r er .
- Senhor , disse Boor z, não o far eis, m as eu, por que não há m ist er que v ades por um só cav aleir o.
E ele disse que concor dav a, pois lhe apr azia. E Boor z cav algou. Depois disse:
- Senhor es, eu m e separ o de v ós, e t om ai de m anhã v osso cam inho e esfor çai- v os par a ir onde hav em os
de nos aj unt ar t odos os t r ês, em casa de r ei Pescador .
- Sim , far em os, disser am eles.
Ent ão se separ ar am . Boor z foi depós o cav aleir o par a livr á- lo daquele que ia at r ás dele.
Mas or a deix a o cont o de falar dele e t or na a Galaaz e a Per siv al que ficar am na capela.
443. Cont a a est ór ia que t oda a noit e ficar am Galaaz e Per siv al na capela e r ogar am m uit o a Nosso Senhor que
guar dasse e guiasse Boor z por onde quer que fosse. No out r o dia, depois que clar eou, m ont ar am seus cav alos
e v olt ar am ao cast elo par a v er o que acont ecer a aos de dent r o. E quando chegar am à por t a, achar am - na
queim ada e os m ur os der r ibados. Depois f or am m ais adiant e e não achar am hom em nem m ulher , que não
est iv essem t odos m or t os, nem casas que não est iv essem queim adas e der r ibadas. E quando chegar am ao
paço, achar am - no t odo por t er r a e t odos os cav aleir os m or t os uns de cá e out r os de lá, com o Nosso Senhor os
houv er a m or t os pela m aldade que neles achar a. Quando ist o v ir am , disser am que for a v ingança do Senhor
Deus. E nist o falando, ouv ir am um a v oz que lhes disse: "Est a v ingança é do sangue das boas donzelas que
t om ar am nest e cast elo, pela saúde física de um a desleal pecador a, por que a v ingança de Nosso Senhor é m uit o
for m osa e m ar avilhosa, e é m uit o louco quem cont r a ela vai, sej a por m or t e, sej a por vida."
Quando andar am pelo cast elo olhando o gr ande dano que acont ecer a, achar am per t o de um a capela um
cem it ér io m uit o for m oso, onde hav ia m uit as ár v or es e boa gr am a v er de e hav ia at é sessent a t úm ulos, e est av a
o lugar t ão for m oso, que par ecia que nada t iv er a da t em pest ade. E sem falha, assim er a, por que j aziam lá os
cor pos das donzelas, que pela m ulher m á for am m or t as.

444. Quando entr ar am no cem it ér io, a cav alo com o est av am , achar am sobr e cada t úm ulo um let r eiro que dizia
o nom e daquela que nele est av a. E for am lendo at é que achar am que j aziam lá doze filhas de r eis. Quando ist o
v ir am , disser am que m au cost um e hav iam m ant ido os do cast elo e que fizer am m uit o m al os da t er r a que t ão
longam ent e o supor t ar am , pois m uit os hom ens bons poder iam nascer de t ais m ulher es. At é hor a de t er ça
est iv er am lá olhando aquelas m ar av ilhas. E quando par t ir am , cav algar am at é um a flor est a que hav ia per t o dali.
E quando chegar am à ent r ada da flor est a, par ar am e disse Per siv al:
- Dom Galaaz, or a se nos chega a hor a em que hav em os de nos separ ar e de t om ar cada um sua car r eir a.
E r ogo a Nosso Senhor que nos guie de m odo que possam os nos encont r ar logo, por que, assim Deu s m e aj ude,
nunca achei com panhia em que t ant o gost o houv esse com o na v ossa. E por isso m e é m ais t r ist e a separ ação
do que cuidais. Mas assim há de ser , pois a Nosso Senhor apr az.
Ent ão se abr açar am e chor ar am m uit o quando t iv er am de se separ ar , pois m uit o se am av am de cor ação e
bem par ecia a m or t e deles, pois pouco v iv eu um ao lado do out r o. Dest e m odo, separ ar am - se am bos à ent r ada
da flor est a que cham av am Aula.
Mas or a deix a o cont o de falar de Per siv al por cont ar com o acont eceu a Galaaz quando v olt ou ao r eino de
Logr es e com o liv r ou r ei Ar tur e a t er r a de Logr es dos Sansões que lá vier am por conselho de r ei Mar s de
Cor nualha. Mas ant es que fale de Galaaz, diz logo por conselho de quem lá v ier am e de que for m a.

LXI I I
Gue r r a de r e i Ar t ur e de r e i M a r s de Cor nua lha

445. Nest a par t e, diz o cont o e a v er dadeir a est ória que r ei Mar s de Cor nualha bem ouv ir a dizer que Tr ist ão,
seu sobr inho, for a par a a Gr ã- Br et anha e lev ar a consigo a r ainha I solda e m et er a- a na Joiosa Guar da. Rei Mar s
am av a I solda com t ão gr ande am or , que não podia esquecê- la de m odo algum , ant es er a t ão apaix onado por
ela, que m ais não podia, e m uit as v ezes quiser a m andar dizer a r ei Ar tur que lha enviasse, m as não se at r ev ia,
por que sabia que ele am av a t ant o a Tr ist ão, que lha não env iar ia de nenhum m odo, e ainda que o quisesse
fazer , deix ar ia de fazê-lo por am or da linhagem do r ei Bam , da qual t odos am av am Tr ist ão de cor ação. E nest a
dor e nest e pesar v iv eu r ei Mar s dois anos sem I solda e desam av a por ela t ant o a r ei Ar t ur , que, se pudesse
pr ej udicá- lo de algum m odo, de m uit o bom gr ado o far ia.

446. Quando a dem anda do sant o Gr aal com eçou, e os cav aleir os da m esa r edonda a j ur ar am , e par t ir am da
casa de r ei Ar tur , as nov as for am por m uit as t err as per t o e longe e par a lá for am m uit os, t ant o da ter r a, com o
est r anhos, que diziam m ais m ent ir as do que ver dades. Daí acont eceu que disser am em Gaula e em Gaunes e
na Pequena Br et anha e em Cor nualha, que t odos os cavaleir os da m esa r edonda est avam m or t os n a dem anda
do sant o Gr aal. Os de Gaula c de Gaunes e de Benoic tiv er am t ão gr ande pesar , que bem quiser am est ar
m or t os por am or de Lancelot e e da linhagem de r ei Bam . As nov as do pr ant o que fizer am chegar am a r ei Mar s,
e quando ele viu que o afir m avam de ver dade, disse:
- Or a bem pode dizer r ei Ar tur que seu poder est á r eduzido a nada, pois os cav aleir os da m esa r edonda
est ão m or t os.
Ent ão se aconselhou com Aldr et e a r espeit o do que poder ia fazer , por que não hav ia no m undo quem ele
t ão m or t alm ent e desam av a com o r ei Art ur e ir ia de bom gr ado lhe fazer m al nest a opor t unidade, se cuidasse
acabar com ele. E Aldr et e, que er a cheio de inim izade, disse- lhe:
- Eu v os ensinar ia com o o poder íeis dest r uir da for m a com o agor a ele est á. Bem sabeis que os sansões
são m uit a gent e e poder osa de t er r a e de am igos, e eles desam am r ei Ar tur t ão m or t alm ent e que, se lhe
pudessem fazer dano e t om ar - lhe o r eino, nunca t ão gr ande pr azer t er iam . Mandai- lhes dizer com o r ei Ar t ur
per deu a com panhia da m esa r edonda e fazei- os ent ender que, se quiser em vir em t al est ado ao r eino de
Logr es, facilm ent e o podem conquist ar . E sabei que vir ão de m uit o bom gr ado, assim que v osso r ecado
r eceber em , e fazei- os saber que est ar eis lá com eles em sua aj uda com quant a for ça t iver des e com binai com
eles o dia e sabei que lá est ar ão conv osco.

447. Do m odo com o Aldr et e aconselhou a r ei Mar s, o fez ele, por que lhe m andou aquelas nov as o m elhor e o
m ais apr opr iado que soube, por que os sansões, que não desam av am ninguém t ant o no m undo com o r ei Ar t ur ,
assim que ouv ir am est as nov as, ficar am m uit o felizes com elas e r eunir am t oda sua for ça e m et er am - se em
naves e em galés e passar am à Gr ã- Br et anha e apor t ar am em Osinedot e. E r ei Mar s, que t r am ar a t oda est a
t r aição, pôs- se em seu cam inho com t oda a sua gent e e foi ao encont r o deles naquele lugar mesm o onde
apor t ar am . E ficar am m uit o alegr es uns com os out r os. Aquele dia pousar am num a flor est a que ficav a per t o do
m ar e ficar am o m ais escondidos que puder am , por não ser em descober t os. E quando chegou a noit e,
m et er am - se ao cam po e com eçar am a an dar em dir eção à cidade de Cam alot e, por que o luar est av a m uit o
bom . E lá cuidav am achar r ei Ar t ur , por que m or av a m ais lá do que em out r o lugar . E assim andar am os
sansões folgando de dia e andando de noit e, at é que chegar am num sábado à Joiosa Guar da. E r ei Mar s, que
bem sabia que lá est av a a r ainha I solda, t om ou ent r e seus cav aleir os e os sansões quinhent os bem ar m ados e
disse- lhes:
- Vam os àquele cast elo o m ais cuidadosam ent e que puder m os.
E fizer am com o ele m andou. E os do cast elo, que nada r eceav am , m uit o t em po hav ia, não v elav am , ant es
m ant inham as por t as aber t as noit e e dia. Dest e m odo, ent r ou r ei Mar s com t odos os seus cav aleiros, e sabei
que andav am t odos a pé, por que, se os cav alos fizessem r uído e os de dent r o m andassem fechar as por t as
ant es que ent r assem , não t em er iam depois t odo o m undo, por que sobej o er a o cast elo for t e. Rei Mar s foi
dir et am ent e onde sabia que a r ainha ficav a e tir ou- a de um a câm ar a à for ça, onde est av a com gr ande
com panhia de donas e de donzelas. E depois fez m et er fogo à v ila e fez t ão gr ande m or t andade nos hom ens
que lá est av am , que poucos deles ficar am v iv os. E depois que m at ar am as pessoas, queim ar am a v ila e
t om ar am o cast elo, saír am e seguir am o seu cam inho m uit o felizes com o gr ande ganho que t inham feit o. E
sabei que r ei Mar s nada quis daquele ganho, pois que t inha a r ainha I solda, ant es disse- lhes:
- Or a pensai em cav algar at é onde est á r ei Ar tur . Se for m os sisudam ent e com poucos hom ens, não nos
poder á r esist ir . E disser am que t oda a sua v ont ade far iam aquela v ez.

448. Assim cuidou r ei Mar s pegar de sur pr esa r ei Ar tur , e assim ser ia, sem falha. Mas nov as, que logo cor r em ,
chegar am a Cam alot e onde r ei Ar t ur est ava m uit o t r ist e desde que sabia ver dadeir am ent e que est avam m or t os
m uit os da m esa r edonda na dem anda do sant o Gr aal, e m aldizia a dem anda e aquele por quem for a com eçada.
E est ando t r ist e dest e m odo, chegou diant e dele um escudeir o da Joiosa Guar da, que lhe disse:
- Rei Ar tur , eu t e tr ago nov as m ás e de m uit o pesar .
- Por Deus, disse r ei Ar t ur , se boas m e t r oux esses ser ia gr ande m ar av ilha, por que m uit o t em po há que as
não pude ouv ir senão m ás. Mas sej am quais for em , dize.
- Eu t e digo, disse o escudeir o, que r ei Mar s de Cornualha com t oda sua for ça e os de Sansonha com a
sua apor t ar am em t eu r eino e dest r uír am a t err a em m uit os lugar es e m at ar am m uit os hom ens. E o cast elo da
Joiosa Guar da, que nada t em ia, est á dest r uído e queim ado. E sabe que est ar ão aqui cont igo ant es de t r ês dias.
- É v er dade? disse o r ei.
- Sim , disse o escudeir o, sem falha. Eu os v i na Joiosa Guar da, de onde escapei por gr ande v ent ur a.
Ent ão com eçou o r ei a pensar , e depois que pensou m uit o t em po, disse:
- Ai! casa de Cam alot e! com o er as t em ida e r espeit ada, quando os bons cav aleir os da m esa r edonda aqui
est avam ! E or a par ece que est es que est a guer r a m e m ovem , dificilm ent e o t ent ar iam , se soubessem que eles
est iv essem aqui.
Ent ão er gueu- se um cavaleir o de I r landa, que er a m uit o bom cavaleir o de ar m as e m uit o cor aj oso, e er a
ir m ão de um dos da m esa r edonda, que se cham av a Dinadas de Gar lot e, e disse a r ei Art ur :
- Senhor , at é aqui fost es o m ais t em ido r ei do m undo e o m ais fam oso e ainda o sois. Se os da m esa
r edonda par t ir am dest a casa, nem por isso ficou nossa casa t ão só, que aqui não haj a ainda alguns dos
m elhor es cav aleir os do m undo além daqueles. Por que, por cer t o, t ant os hom ens bons há aqui, que sobej o ser á
m ui gr ande a gent e que for a do cam po de bat alha não deit ásseis, enquant o Deus não v os quisesse f azer m al. E
por isso v os digo que não v os espant eis com t ais nov as, por que at é aqui fost es t ido por um dos hom ens bons
do m undo. E se v ossa apr ov ação falt asse par a t ant o, v os dev íam os t er por um dos pior es do m undo. Mandai
buscar v ossos cav aleir os e v ossos hom ens, que t endes m uit os ao r edor de Cainalot e, e ide com segur ança ao
encont r o de v ossos inim igos. E por cer t o, se v os m ant iv er des com v alent ia, a v ent ur a, que os cor aj osos t êm ,
v os aj udar á, e m uit o v os dev e confor t ar o fat o de que o dir eit o é v osso e o er r o, deles.

449. Tant o disse o cav aleir o que o r ei se confor t ou e m andou buscar por t oda sua t er r a, o m ais depr essa que
pôde, t odos aqueles que dele tinham t er r a, par a que o v iessem socor r er em t ão gr ande com bat e. E fizer am o
m ais r ápido que pu der am , por que o am av am m uit o. E aj unt ar am - se em Cam alot e m ais de dois m il com cav alos
e com ar m as e out r os em m uit o gr ande com panhia. Ao quar t o dia, à hor a de pr im a, quando est av a o r ei
ouv indo sua m issa, v ier am a ele dois cav aleir os ar m ados, que lhe disser am :
- Senhor , eis que v ossos inim igos v êm ; j á saír am da flor est a m ais de dez m il com cav alos e ar m as.
- I de, disse o r ei, e fazei dez alas com v ossos hom ens, e ficai no cam po, por que não quer ia que nossos
inim igos nos achassem fechados. Mas sobr e t odas as coisas do m undo, guar dai- v os de v os espalhar des.

450. Assim com o ele m andou o fizer am , pois fizer am dez alas em que hav ia m uit os hom ens bon s e m uit os
cav aleir os. Mas er am pou cos dem ais cont r a os out r os. E por isso r eceber am aquele dia t al dano que o não
quiser a r ei Ar t ur pela m et ade de seu r eino. Que v os dir ei? Depois que o r ei ouv iu m issa, saiu da capela e fez- se
ar m ar o m elhor que pôde e m ont ou seu cavalo em que confiava e saír am com ele bem duzent os cav aleir os, dos
quais o m ais cov ar de er a m uit o bom cav aleir o de ar m as. E depois que chegar am for a da v ila, achar am os
out r os que lidav am j á., Mas t ant os est avam cont r a ele, que os seus não podiam r esist ir e m at ar am - lhe j á
m uit os à m ar avilha, por que não queriam deix ar o cam po pela m or t e ou pela v ida. Quando o rei viu seus
hom ens em t al dificuldade, suspir ou pelos da m esa r edonda e espor eou o cav alo e foi feri- los com gr ande
sanha e com gr ande desej o de v ingar seus hom ens que v ia diant e de si m at ar . E t opou com um par ent e de r ei
Mar s e deu- lhe t al lançada, que o m et eu m or t o a seus pés. Os br ados f or am gr andes, por que os de Cor nualha
r econhecer am que aquele er a' r ei Art ur e deix ar am - se ir a ele m ais de vint e. E ele m et eu m ão à espada, que
er a boa e bem cor t ador a, e ele er a m uit o cor aj oso e m uit o for t e e defendia- se t ão bem e t ão valent em ent e que
diziam bem quant os o v iam que aquele er a r ei Ar t ur , e seus inim igos t am bém o louv av am e pr ezav am m uit o,
t ant o o v iam bem defender - se. Muit o fizer a r ei Ar t ur aquele dia com as ar m as, m as lhe ia m al, pois seus
hom ens er am t ão poucos, que não apar eciam ent r e os out r os. Mas r ei Mar s, que bem o conhecia e o desam ava
m or t alm ent e, deu- lhe um a t ão gr ande lançada pelo cost ado esquer do, que o escudo e a loriga não puder am
im pedir que o ferr o não apar ecesse do out r o lado pela espádua. E r ei Mar s er a de t ão gr ande for ça, que m et eu
por t er r a ele e o cav alo, e, ao cair , quebr ou- se nele a lança, de t al m odo que r ei Ar tur ficou ali com um pedaço
no cor po.

451. Quando os v assalos de r ei Ar tur vir am seu senhor por t err a, t iv er am t ão gr ande pesar que m et er am t udo
em av ent ur a. Ent ão v eríeis os bons cav aleir os. Ent ão v er íeis os at r ev idos. Ent ão v eríeis os v alent es. Ent ão
v er íeis os leais. Ent ão veríeis com o lhe m ost r av am o v er dadeir o am or que lhe tinham , por que ali onde est av a
por t er r a t ão ferido, que não se podia er guer , m et er am - se eles por ent r e seus inim igos, at é que ch egar am por
for ça a ele e o puser am no cav alo e lev ar am - no à cidade, apesar de r ei Mar s e de sua com panhia. Mas sabei
que deix ar am no cam po t ant os am igos m or t os, cuj a per da foi m uit o gr ande. Mas ent r e os sansões e os
cor nualheses t am bém houv e t ant os m or t os, que dificilm ente poder ia alguém saber o núm er o. Mas não ligavam
nada à per da que t iv essem , por que bem cuidav am que r ei Ar t ur est av a fer ido de m or t e e não poder ia v iv er tr ês
dias e elogiav am r ei Mar s por aquele golpe que der a e diziam que bem m er ecia a cor oa de r ei, quem t ão bem
sabia v ingar - se de seus inim igos. E os sansões t am bém diziam :
- Or a não nos pode escapar o r eino de Logr es que não o conquist em os, por que, depois da m or t e de r ei
Ar t ur , não achar em os quem nos enfr ent ar possa.
Ent ão m andar am ar m ar suas t endas e seus t endilhões ao r edor da cidade e disser am que não sair iam de
lá, enquant o não a tiv essem conquist ado.

452. Muit o gr ande foi o lam ent o e o chor o que fizer am os da cidade, quando v ir am r ei Art ur fer ido, que bem
cuidar am que est av a fer ido de m or t e. E ao pr ant o da r ainha nunca alguém v iu sem elhant e. Mas depois que
olhar am a chaga, ficar am m ais confor t ados, por que disse o m est r e que a chaga não er a m or t al, e que o dar ia
m uit o logo dela são.
Mas or a deix a o cont o a falar deles e t or na a Galaaz.

LXI V
Vá r ia s a v e nt ur a s de Ga la a z, Pa la m a de s e Ar t ur , o pe que no

453. Aqui diz o cont o que Galaaz, depois que se separ ou de Per siv al, andou t odo aquele dia que não achou
av ent ur a que de cont ar sej a. No out r o dia, ao t er ceir o dia, acont eceu, à hor a de m eio- dia, que achou dois
cav aleir os que com bat iam a pé e seus cav alos est av am at ados a duas ár v or es, e est av a diante deles um
cav aleir o a cav alo, que v ia a bat alha. E se alguém m e per gunt asse quem er am est es cav aleir os, eu lhe diria
que os que com bat iam , um er a Ar t ur , o pequeno, e o outr o er a Palam ades, o bom cav aleir o pagão; e o out r o
er a Esclabor , o desconhecido, que er a pai de Palam ades.

454.Naquela ocasião que chegou Galaaz a eles, acont eceu que am bos os cav aleir os deix ar am a bat alha por
folgar em , pois t ant o est av am cansados que não podiam m ais r esist ir . E Palam ades, assim que v iu o escudo
br anco da cr uz v er m elha, logo r econheceu que aquele que o tr azia er a Galaaz, o m uit o bom cav aleir o, e não
pôde cont er - se que não dissesse àquele com quem com bat ia:
- Por cer t o, cav aleir o, or a bem posso dizer que se t ant a bondade de cav alar ia houvesse em m i m com o em
t al cav aleir o que v ej o, eu v os t eria v encido em pouco t em po, ainda que t iv ésseis bondade de ar m as com o
quat r o cav aleir os iguais a v ós.
Ar t ur , o pequeno, ficou m ar avilhado quando aquilo ouv iu, pois não podia cuidar que no m undo t al
cav aleir o houv esse com o ele dizia. E por isso disse logo:
- Quem é esse que dizeis?
E ele o m ost r ou.
- Tenha eu m á av ent ur a, disse Ar tur , o pequeno, se ele v encesse t r ês com o eu.
- Cer t am ent e, disse Palam ades, o far ia, pois v encer ia cinco.
- Assim Deus m e aj ude, disse Ar t ur , nist o não cr er ia, se não visse.
- Pois or a v os dir ei o que far eis. Vós m e at acast es par a v er se ér eis m elhor cav aleir o do que eu, e
acont eceu que ainda não lev ast es a m elhor , ant es, por v ent ur a, t endes m ais per da do que ganho. Deix ai est a
bat alha, se vos apr az, e ide ensaiar com ele. E se o não achar des t al ou m elhor do que vos digo, não m e
t enhais por cav aleir o.
- Concor do, disse Ar t ur , m as não quer o que por isso fique nossa bat alha, por que, se v os separ ar des de
m im , sabei que onde quer que vos ache, novam ent e vos cham ar ei a ela.
Assim se encer r ou a bat alha de Ar t ur , o pequeno, e Palam ades. E logo que v iu Galaaz que a bat alha
t er m inav a e que nada m ais far iam , par t iu dali e com eçou a ir depr essa, por que m uit o lhe tar dav a ir a
Cam alot e. E Ar t ur , o pequeno, logo que cav algou, com eçou a ir at r ás dele e disse a Palam ades:
- Separ am o- nos e bem sabeis o pr eit o que t em os.
- Dist o não faleis, disse Palam ades, por que se agor a r econheci o cav aleir o do escudo br anco e da cr uz
ver m elha, ele m e vingar á de vós e m at ar á facilm ent e o vosso or gulho.

455. Ar t ur , o pequeno, não r espondeu, ant es foi depr essa quant o pôde at r ás de Galaaz, que est av a j á um
pouco afast ado. E Palam ades m ont ou seu cav alo e disse a seu pai:
- Vam os at r ás deles e v er em os quebr ar o or gulho e a t olice dest e cav aleir o.
- Com o? disse o pai, conheceis t ão bem est e cav aleir o que v ai que é m elhor cav aleir o do que est e que
com bat eu conv osco?
- Senhor , disse Palam ades, digo- v os que ele é o m elhor cav aleir o do m undo.
- I st o v er ia eu de bom gr ado, disse o pai.
E Ar t ur , o pequeno, que av ançou à fr ent e deles, quando se apr ox im ou de Galaaz, disse- lhe:
- Senhor cav aleir o, guar dai- v os de m im . Just ar v os conv ém .
Ent ão olhou Galaaz at r ás de si e quando v iu Ar t ur , que não conhecia e j ust a lhe dem andav a, v olv eu o
cavalo par a ele e feriu- o t ão br avam ent e que m et eu a ele e o cavalo por t err a e ficou m uit o quebr ado, por que a
queda foi m uit o gr ande. Mas por que er a de gr ande ânim o e de m uit a for ça, er gueu- se m ais depr essa que out r o
cav aleir o se er guer ia e m ont ou seu cav alo com gr ande pesar do que lhe acont ecer a. E Galaaz, que não o olhou
m ais, enquant o ele cav algou, afast ou- se dele bem t r ês lances de best a. E Palam ades, que, nest e ínt er im , o
alcançou nov am ent e, lhe disse:
- Or a sabeis com o o cav aleir o j ust a, e se não quiser des m or r er ou m ais v er gonha passar , afast ai- v os
dor av ant e dele por que, por cer t o, contr a ele não podeis r esist ir de nenhum m odo. E se ele quiser a, j á v os
m at ar a, m as deix ou- o, m ais pela sua bondade que pela v ossa.

456. Ar tur , o pequeno, que t ev e gr ande pesar e gr ande sanha do que Palam ades disse, r espondeu:
- Se é m elhor cavaleir o que eu, vos m ost r ar ei bem ao lut ar com espada, e vinde at r ás de m im e o ver eis.
- Por cer t o, disse Palam ades, não sois t ão cor t ês com o dev er íeis e dir ei com o. Sois bom cav aleir o, sem
falha, e com v ossa boa cav alar ia dev íeis ser cor t ês e de boa v ont ade, e sois t r aidor e desdenhoso, e por invej a
que t endes aos bons cav aleir os, andais at acando- os e cuidais que é cor t esia. Cer t am ent e, se aquele que or a é o
m elhor cav aleir o do m undo t iv esse v ossa m ania, v aler ia m enos.
A ist o r espondeu Ar t ur , o pequeno, e disse:
- Não m e dev er íeis culpar , se ando v os at acando e aos out r os bon s cav aleir os, por que sou j ov em e
cav aleir o novel, que hei m ist er de ganhar v alor e louv or ; e se or a não ganhar , quando o ganhar ei? Pois nenhum
cav aleir o j ov em dev e folgar , m as fazer , enquant o for j ov em , par a que sej a louv ado em sua v elhice.
- Dizeis v er dade, disse Palam ades, em t odo o caso não dev e fazer v ilania depois que fOr cav aleir o.
Depois dist o não quis m ais se det er Ar t ur , o pequeno, com Palam ades, ant es foi depós Galaaz, e assim
que o alcançou, m et eu m ão à espada e disse:
- Guar dai- v os de m im , senhor cav aleir o, por que não podeis assim v os separ ar de m im .
Quando Galaaz v iu que o m ant inha em t ão gr ande aflição, que por for ça quer ia que com bat esse, encost ou
sua lança a um a ár v or e e m et eu m ão à espada da est r anha cint a, a quando v eio à lut a, disse:
- Assim Deus m e aj ude, cav aleir o, não sois t ão cor t ês com o dev íeis, que ides det endo os cav aleir os
est r anhos que por v ent ur a v ão com a m aior pr essa de r ealizar seus feit os do que v ós. E se por isso v os
acont ecesse algum m al, não dev er ia ninguém de v ós t er pena.
Ent ão se deix ou ir a ele, e deu- lhe um t ão gr ande golpe por cim a do elm o, que não se pôde m ant er em
sela e houv e de ir a t er r a t ão est ont eado, que não soube se er a noit e, se dia. E Galaaz m et eu sua espada em
sua bainha e pegou sua lança e com eçou a ir .

457. Palam ades pegou ent ão o cav alo de Ar t ur , o pequeno, e t r oux e e disse:
- Or a podeis cav algar .
E ele cav algou.
- Or a dizei- m e, disse Palam ades, poder íeis concor dar com o que v os disse que est e é o m elhor cav aleir o
do m undo?
- Por cer t o, não, disse Ar t ur , há m elhor es e ele não ser á t ão ousado de dizer de si o que v ós dele dizeis.
- É v er dade, disse Palam ades, por que se ele se louv asse, o t er iam por v ilania, m as por ele não dizer , não
deix a de ser o m elhor cav aleir o do m undo; e assim é, sem falha.
- Já Deus não m e aj ude, disse Ar t ur , se o deix o ant es que v ej a m ais sua bondade do que j á v i.
- Digo- v os, disse Palam ades, que logo o poder eis v er , se conosco quiser des ir .
- E a que lugar ides? disse Ar t ur .
- Por cer t o, disse ele, ouv i dizer que r ei Ar t ur est av a cer cado na cidade de Cam alot e, e cer car am - no r ei
Mar s e os sansões. E o am o t ant o e t ant o o pr ezo que quer o ir ajudá- lo com m eu pai, e sei bem que est e
cav aleir o v ai lá par a dest r uir os sansões e socor r er a r ei Ar t ur . E se est iv er des diant e da cidade de Cam alot e no
dia em que ele chegar , não m e t er eis ent ão por m ent ir oso do que v os disse de sua bondade, por que bem sei
que ele sozinho quer er á at acar a t odos da host e, e sei que far á as m aior es m ar av ilhas e as m aior es bondades
de ar m as que nunca cor po de nenhum cav aleir o fez.
- Pois assim é, disse Ar t ur , que ides a Cam alot e par a ajudar r ei Ar tur , de hoj e em diant e, não pode ent r e
m im e v ós hav er pelej a, por que não poder ia eu desam ar a quem am asse a r ei Ar t ur . E por isso, quer o ir em
v ossa com panhia, se v os apr ouv er .
E eles disser am que lhes apr azia.

458. Dest e m odo for am os t r ês cav aleir os depós Galaaz falando ainda dele. E Galaaz, que na fr ente deles ia e
não cuidav a que iam at r ás dele, an dou t ant o que chegou à hor a de noa a um a pont e que hav ia sobr e um r io. A
pont e er a alt a e a água funda e fazia m uit o for t e calor , e acont ecer a que naquela noite ele não dorm ir a senão
pouco, e ador m eceu ent r ando na pont e. A pont e er a de m adeir a e er a lar ga e fort e, e do out r o lado est ava um
cav aleir o sobr e um gr ande cav alo e bem ar m ado, e guar dav a a pont e, de m odo que ninguém passasse, se não
quisesse j ust ar . E sabei que est e cav aleir o t inha nom e Guinglaim , filho de Galv ão. Quando Guinglaim v iu Galaaz
chegar à pont e, disse- lhe:
- Não ent r eis na pont e, pois v o- lo pr oíbo.
E Galaaz, que dor m ia pesadam ent e, não o ouv iu, e o cav alo seguiu pela pont e, e Guinglaim , que bem
cuidou que o ouv ir a Galaaz, deix ou- se ir a ele e deu- lhe um a t ão gr ande lançada, que o der r ibou do cav alo e da
pont e na água. E se a água for a m ais funda onde caiu, t er - se- ia per dido pelas ar m as, que o far iam ir ao fundo.

459. Quando Galaaz se sent iu na água, er gueu- se o m ais depr essa que pôde e foi boa sua v ent ur a, por que caiu
per t o da m ar gem e saiu. E quando v iu que for a derr ibado da pont e e que não est av a fer ido, agr adeceu m uit o a
Nosso Senhor . Guinglaim , que o não conhecia, lhe disse:
- Cer t am ent e, cav aleir o, por pouco com pr ast es car o v ossa loucur a, por que eu v os dizia que v olt ásseis e
não quisest es v olt ar .
- Por cer t o, disse Galaaz, não v os ouv i.
- Não? disse o cav aleir o, pois dor m íeis?
- Pode ser , disse Galaaz. Mas pois que assim m e acont eceu, r ogo- v os que m e deis m eu cav alo.
- Dar ei, disse Guinglaim , por um pr eit o: que não passeis por est a pont e.
- Não m e im por t o, disse Galaaz, por onde quer que passe, pois t enho t ant a pr essa, que não posso aqui
m uit o est ar .
E Galaaz cav algou e passou pela água e deix ou a pont e par a Guinglaim .
Quando Ar t ur , o pequeno, v iu ist o, disse a Palam ades:
- Or a t enha eu m á v ent ur a, se digo que est e é o m elhor cav aleir o do m undo, por que or a sei bem que
achou m elhor cav aleir o que ele, por que deix ou, por cov ar dia, de passar pela pont e.
- Cer t am ent e, disse Palam ades, não sei v os dizer por que o fez. Mas ainda v os digo e v os dir ei que é o
m elhor cav aleir o do m undo; e se or a lhe acont eceu t al av ent ur a qual não dev er a, não é m ar avilha, pois não há
no m undo t ão bom , a quem , às v ezes não acont eça m á an dança.
- I st o não é nada, disse Ar t ur . Est a m á andança não lhe acont eceu senão por cov ar dia e por que não
ousou ir pela pont e. Quer o eu por lá ir .
Ent ão fer iu o cav alo com as espor as e baix ou a lança, e Guinglaim , que o v iu vir , disse- lhe:
- Volt ai, cav aleir o, eu v os pr oíbo a pont e.
E Ar t ur , o pequeno, lhe r espondeu:
- Ainda não v ej o por que a deix e.
Ent ão deix ou o cavalo cor r er a ele, e deu- lhe t ão gr ande lançada que der r ibou a ele e o cavalo na água e,
sem falha, for a m or t o, por que er a a água funda; m as segur ou- se a um r am o e t ev e depois aj uda de gent e. E
Ar t ur , o pequeno, que não dav a nada por sua m or t e nem por sua v ida, não o olhou m ais, ant es passou além ; e
o m esm o fizer am Palam ades e seu pai. E Ar t ur , o pequeno, nov am ent e disse a Palam ades:
- Por cer t o, se aquele que daqui v ai fosse t ão bom cav aleir o com o dizeis, não ser ia der r ibado por pior que
eu.
- Não digais ist o, disse Palam ades, pois av ent ur as acont ecem em que o m au cav aleir o derr iba o m ui bom .
- É v er dade, disse Ar t ur , e por isso m e quer o calar .
460. Em t ais cousas falando, cav algar am os t r ês cav aleir os quant o o dia lhes dur ou; e acont eceu qu e chegar am
à noit e à casa de um a v iúv a, onde Galaaz ficar a. E quando ela os v iu, r ecebeu- os m uit o bem e fez- lhes m uit o
ser v iço. E quando Ar t ur , o pequeno, v iu Galaaz desar m ado, olhou- o m uit o t em po e depois disse:
- Cer t am ent e, ist o ser ia gr ande er r o, se est e cav aleir o não fosse m elhor que out r o, pois est e é, sem falha,
o m ais for m oso e o m elhor t alhado de sua idade, que j á v i.
- Or a não v os im por t eis com ist o, disse Palam ades, por que, se Deus v os lev a a Cam alot e, ent ão o
poder eis pr ezar e louv ar m ais que agor a.
No out r o dia, part ir am dali os cav aleir os e andar am t ant o, que chegar am a um a abadia, onde j azia
Sim eão, o pai de Moisés, no fogo, no claust r o da capela, onde j azia naquele sofr im ent o desde o t em po de José
de Ar im at éia, com o a est ór ia o j á r ev elou. Quando os cav aleir os passav am per ant e a abadia, saiu um fr ade em
dir eção a eles que lhes disse: .
- Senhor es, sois cav aleir os andant es?
- Sim , disser am eles, m as por que o per gunt ais?
- Por que, disse ele, há aqui um a av ent ur a que m uit os hom ens bons t ent ar am , m as nunca lhe puder am
dar cabo, e or a cuidam os que logo t enha fI m , por que o bom cav aleir o, m elhor de t odos aqueles que algum a
v ez t r ouxer am ar m as, há de v ir aqui por acabá- la. E não sabem os qual é. Por isso r ogam os a t odos os
cav aleir os que aqui passam , que ent r em , pois de bom gr ado quer íam os conhecêlo e queríam os que diant e de
nós desse cabo a est a avent ur a, em que m uit os hom ens bons falhar am .

461. - Dom Galaaz, disse Esclabor , v am os v er est a av ent ur a e cuido que Deus nos far á m aior honr a do que aos
out r os.
- Senhor , disse ele, v am os, pois v os apr az.
Ent ão for am à abadia e descer am . E Palam ades ficou no cur r al, pois não ousou ent r ar na igr ej a, por que
não er a cr ist ão. E os out r os t r ês entr ar am e fizer am suas or ações e r ogar am a Nosso Senhor que, por sua
piedade, fizesse que est a av ent ur a fosse acabada em sua v inda. E depois que fizer am est a or ação, saír am da
igr ej a e entr ar am na cript a que hav ia em baix o dela. E quando ent r ar am pelos degr aus v ir am o fogo gr ande, e
um dos fr ades disse a Galaaz:
- Senhor , est e fogo há de m or r er na vinda do bom cav aleir o.
- E de onde v eio est e fogo? disse Galaaz.
- Dist o v os dir ei o que sei, disse o fr ade. Nest e fogo, há um a laj e, e sob aquela laj e, há um hom em v iv o e
t em nom e Sim eão, m as não sei por qual pecado ficou que não m or r esse, m as v iv esse nest e sofr im ent o at é que
v iesse o bom cav aleir o.
- Assaz m e dissest e, disse Galaaz. Or a r ogo a Nosso Senhor que, se est e sofr im ent o há de t er fim em
t em po do r ei av ent ur oso, t enha fim hoj e e que est e fogo m or r a e que eu possa saber por qual pecado est a
av ent ur a acont eceu t ão m ar avilhosa.
Ent ão se per signou e ent r ou na cr ipt a e fez sua or ação a Nosso Senhor , que Deus lhe m ost r asse a
ver dade.
462. Enquant o fazia sua or ação, acont eceu que o fogo m or r eu e saiu dele t al fum aça que nada v ir am , enquant o
ela dur ou. E ent ão lhe disse um a voz:
- Ai, Galaaz, ser v o de Jesus Cr ist o, v er dadeir o cav aleir o e v er dadeir am ent e hom em bom ! Bendit o sej a
Deus que aqui t e t r oux e. Tua sant idade e t ua cor r et a v ida m e livr ar am do gr ande sofr im ent o em que v iv i m ais
t em po do que poder ias im aginar , e por t eu r ogo t enho o cor po e a alm a salv a, que est av a per t o de ser per dida
por m eu pecado.
- Muit o m e apr az, disse Galaaz, por que est ás salv o, pois apr ouv e ao Senhor do m undo. Mas or a m e dize a
ver dade de t odos os t eus feit os e com o t e acont eceu que fost e m et ido em t ão gr ande sofr im ent o e em t ão
gr ande m ar t írio.
E a v oz lhe com eçou ent ão a cont ar t oda a v er dade de Sim eão e de Moisés, com o a est ór ia j á r ev elou.
- E com o, disse Galaaz, poder ia eu achar Moisés, t eu filho?
- Tu o achar ás, disse ele, no paço per igoso, na flor est a de Am ant es; ali v iv e na gr ande dor do fogo, bem
desde quando eu aqui v iv i. Mas, m er cê de Deus, est ou liv r e, pois depois do gr ande sofr im ent o que t iv e, achei
descanso e a m inha alm a est ar á logo na gr ande alegria que nunca acabar á; e ist o acont ecer á por t eu r ogo, e
não por m eu m er ecim ent o.
Ent ão se calou a v oz e a fum aça desapar eceu, de m odo que bem o puder am v er pela cript a. E Galaaz
cham ou os out r os e disse- lhes.
- Vinde e er gam os est a pedr a e ver em os o que há em baix o dela.
E descer am e ele pegou a pedr a e er gueu- a alt o e v iu debaix o um cor po t ão queim ado e t ão m ar t ir izado
de fogo, que não há quem o v isse que não dev esse t er dele dó. E o fr ade disse a Galaaz:
- Or a podeis v er o cor po de Sim eão, que t ão longam ent e sofr eu t al m ar tírio.
- Qualquer m ar tírio, disse Galaaz, que sofr esse, m uit o lhe acont eceu bem , pois achou m er cê de seu er r o.
Ent ão t or nou a pedr a a seu lugar e depois que cobr iu o cor po, saír am da cr ipt a ele e os out r os.

463. As nov as for am pela abadia que a av entur a de Sim eão est av a acabada, e o fogo est av a m or t o; e
com eçar am t odos a ir cor r endo par a lá, par a v er se er a v er dade. E enquant o pensav am ir par a lá, cav algou
Galaaz e par tiu dali, pois não quer ia que lhe dessem honr a, pelo bem que Deus lhe fizer a. Palam ades, quando
ouv iu que acabar a Galaaz aquela av entur a t ão m ar avilhosa, disse a Ar t ur , o pequeno:
- Que dizeis dest e cavaleir o? Não quer eis ainda cr er que é o m elhor cavaleir o do m undo?
E Ar t ur r espondeu:
- Cer t am ent e, cr eio bem que é o m elhor cav aleir o do m undo, m as ainda não o afir m ar ei m uit o, at é que
dele saiba m ais a v er dade.
- Or a v os calai, disse Palam ades, por que o afir m ar eis logo que chegar des com ele à host e de Cam alot e.
Mas cav alguem os e v am os com ele, pois se per der m os sua com panhia, v aler em os m enos.

464. Ent ão cav algar am e for am at r ás dele e alcançar am - no e andar am j unt os at é hor a de noa e chegar am a
um a font e que nascia ao pé de um sicôm or o. E quando chegar am , achar am um cav aleir o ar m ado de t odas as
ar m as, m enos escudo e elm o, que t inha per t o de si, e t inha ainda a espada no punho, m as est av a fer ido de
m or t e na cabeça, e est av a se m ex endo com sofr im ent o de m or t e. Quando os quat r o cav aleir os ist o v ir am ,
descer am par a v er se o poder iam r econhecer , pois t iv er am m edo que fosse da m esa r edonda. E Galaaz,
apr ox im ou- se dele e disse- lhe:
- Senhor cav aleir o, quem sois?
E ele não r espondeu, por que não pôde, m as t ant as v ezes lhe per gunt ou Galaaz, que lhe disse do m odo
com o pôde:
- Sou um cav aleir o pecador e m al- av ent ur ado e por m eu pecado, sem falha, m e acont eceu est a m or t e, e
t enho nom e Ar ciel. Sou com panheir o da m esa r edonda, e acont eceu hoj e por m inha desv ent ur a que eu e m eu
ir m ão Sanades acham os um a donzela e eu a quis t er e ele t am bém , e com bat em o- nos por isso am bos com o
inim igos e por fim m at ei- o e cor t ei- lhe a cabeça e ele m e fez est a ferida m or t al, m as não cuidei que est ava
fer ido de m or t e quando o deix ei. E depois que o m at ei, t r oux e aqui a donzela, e depois que v i que est av a fer ido
de m or t e e não podia m ais ir , desci a est a font e e disse à donzela: "Pois m at ei m eu ir m ão e est ou m or t o, não
quer o que v iv ais nem que out r os cav aleir os se m at em por v ós." Ent ão m et i m ão à espada e quis cor t ar - lhe a
cabeça, m as ela pegou a fugir o m ais que pôde e eu fiquei que não pude ir at r ás dela.
E depois que o cav aleir o disse ist o, est endeu- se com o sofr im ent o da m or t e e logo m or r eu. E depois que
Galaaz o v iu m or t o, t om ou- o e o pôs diant e de si e lev ou- o a um m ost eir o que havia per t o e o fez sot er r ar em
sagr ado, por que er a da m esa r edonda, e fez sobr e o t úm ulo escr ev er com o m at ar a seu ir m ão Sanades e
t am bém com o m or r er a.

LXV
D e r r ot a de r e i M a r s

465. Aquele dia ficar am lá os quat r o cav aleir os por sot er r ar em Ar ciel. No out r o dia, t om ar am seu cam inho e
andar am t ant o, que chegar am a seis léguas de Cam alot e. E iam pelo gr ande cam inho da flor est a e iam falando
de m uit as coisas. Ent ão lhes acont eceu que achar am um cav aleir o de r ei Mar s, que ia pelo m eio da f lor est a e ia
em com panhia de quat r o cav aleir os sansões. E est av am m uit o bem ar m ados. Ar t ur , o pequeno, par ou, assim
que os v iu, e disse aos out r os:
- Vedes aqui inim igos nossos daqueles que cer car am r ei Ar t ur . Or a a eles. São cinco e nós, quat r o. Cada
um der r ibe o seu e eu der ribar ei dois.
E eles concor dar am . Ent ão lhes gr it ar am que se guar dassem . E Ar t ur , o pequeno, espor eou o cav alo e
aguilhoou ant es dos out r os e foi dar ao pr im eir o t al lançada que o m et eu m or t o. E Palam ades m at ou o seu e
Esclabor o seu, m as Galaaz não m at ou o seu, por que o m ant ev e t ão m al em sela, que o liv r ou por isso da
m or t e. E est e er a o cav aleir o de r ei Mar s. E depois que cada um fez seu golpe, Ar tur , o pequeno, m et eu m ão à
espada por cum pr ir sua pr om essa e deix ou- se ir ao quint o e o feriu t ão br av am ent e, que lhe deit ou a cabeça
m ais de um a lança longe do cor po. E quando Palam ades v iu est e golpe, disse:
- Ar t ur , o pequeno, bem cum pr ist es v ossa pr om essa.
E Ar t ur disse:
- Digo- v os que m e agr adar ia est ar algum v iv o e saber íam os nov as dos de for a e dos de dent r o.
466. Enquant o ist o falav am , olhou e v iu que o cav aleir o de r ei Mar s,que Galaaz der ribar a, se er guer a e quer ia
r ecolher - se a seu cavalo par a fugir . E assim que Ar t ur , o pequeno, o viu, deix ou- se ir a ele e disse- lhe:
- Nem por aí podeis escapar .
E ele, com t em or da m or t e, t ir ou a espada e deu- a; e depois disse- lhe Ar t ur :
- Or a m e dize quem és, e com o r ei Ar t ur se m ant ém e com o os de for a t êm feit o desde qu e cer car am
Cam alot e.
- I st o v os dir ei bem , disse o cav aleir o, cont ant o que m e assegur eis que não m or r a.
- Sim , t e assegur o, disse Ar t ur , o pequeno.
- Or a v os dir ei, disse o cav aleir o, o que m e dem andais. Sabei que sou cav aleir o de r ei Mar s e sou de sua
casa. E r ei Mar s cer cou Cam alot e com t ão gr ande for ça de Cor nualha e de Sansonha, que não pode ser que a
não t om e, se a r ei Ar t ur não v em aj uda de out r a par t e e se não é a aj uda t ão gr ande que possa er guer um
exér cit o. Rei Ar t ur , sem falha, que est á cer cado dent r o, est á m uit o fer ido com um a chaga que lhe fez r ei Mar s,
à pr im eir a v ez que se j unt ar am .
- E o que fazem os de dent r o? disse Galaaz; saem algum a v ez for a par a com bat er em seus inim igos?
- Sim , disse ele, m as não am iúde, por que são t ão poucos cont r a os de for a, que os não podem supor t ar , e
por isso per dem cada vez que com eles se j unt am ; e por isso sei ver dadeir am ent e que sair ão am anhã de
m anhã par a se j unt ar em aos nossos em dem or ada bat alha, acont eça- lhes o que acont ecer , por que hoj e lhes
v eio à aj uda r ei Car ados do pequeno br aço com m uit a gent e e por isso nos m andar am av isar que far iam
bat alha conosco e est á m ar cada par a am anhã cedo.
- E cuidais, disse Galaaz, que os de dent r o possam r esist ir nos de for a?
- Não, disse ele, ist o não poder ia acont ecer de nenhum m odo, por que os de dent r o são m uit o poucos e os
de for a são m uit a gent e fer oz.
E Palam ades se apr ox im ou e disse t am bém :
- E de m inha senhor a a r ainha I solda, sabes algum as nov as?
- Senhor , sim , disse ele. Já agor a est á em Cornualha, por que r ei Mar s a m andou par a lá com gr ande
com panhia de cav aleir os, há m ais de um m ês.
E quando ouviu est as nov as t ev e t ão gr ande pesar que bem quiser a ser m or t o naquela hor a, por que bem
v iu ent ão que não podia r ealizar seu am or , se não fosse onde ela est av a.

467. Muit o gr ande pesar t ev e Palam ades e gr ande sanha das nov as que ouv iu daquela que am av a m ais que a
si. E Ar t ur ainda per gunt ou e disse ao cav aleir o:
- És dos hom ens do m undo que pior quer o, m as não t e quer o m at ar , por que t e pr om et i. Mas cav alga e v ai
par a onde quiser es.
E ele cav algou e foi m uit o alegr e par a o ex ér cit o, por que m uit o tiv er a gr ande pav or de m or t e. E cont ou a
r ei Mar s com o os out r os est av am m or t os e com o ele escapar a. E sabei que foi feit o pr ant o m uit o gr ande por
eles, por que er am m uit o r icos e de alt a linhagem . Aquela noit e, alber gar am os quat r o cav aleir os num a er m ida
que ficav a à saída da florest a, em dir eção à cidade. E ficav a aquela er m ida t ão per t o da bat alha, que não hav ia
senão m eia légua. Aquela noit e falar am de m uit as coisas e aconselhar am - se do que far iam pela m anhã. E
Galaaz lhes disse:
- Achar ia conv enient e que esper ássem os que os da cidade saíssem e a bat alha com eçasse e en t ão ir íam os
at acá- los e, se Deus quisesse que os pudéssem os desbar at ar , m uit o seria v ent ur a for m osa e m uit o dev er íam os
agr adecer a Nosso Senhor e r ezar por isso.
E os out r os concor dar am . Aquela noit e r ogou Galaaz m uit o a Nosso Senhor que pusesse conselho ao
sofr im ent o do r eino de Logr es, por que bem ent endia que, se r ei Mar s pudesse dar cabo do que com eçar a, t odos
os hom ens bons do r eino de Logr es ser iam escar necidos e dest r uídos, pois bem sabia ele que naquele t em po
não er a a sant a I gr ej a t ão honr ada e t ão per feit a em nenhum a t er r a, com o na Gr ã- Br et anha, e em t odo o r est o
do m undo não hav ia t ão bons cav aleir os e t ant os hom ens bons com o lá. E por isso lhe sem elhav a que ser ia
gr ande dor se r eino t ão feliz e t ão pr est igiado se r eduzisse, por algum a desv ent ur a, à dest r uição e à confusão.

468. Galaaz pensou m uit o nist o aquela noit e; e no out r o dia, quando lev ant ou o sol, ar m ou- se e os out r os
t am bém e for am ouv ir m issa. Depois cav algar am e for am pelo gr ande cam inho do v ale at é que saír am da
flor est a e, logo que chegar am ao cam po, v ir am Cam alot e e as t endas e os t endilhões e os abr igos do inim igo. E
os de dent r o saír am em alas or ganizadas e j á est avam com seus inim igos, m as er am t ão poucos, que est avam
em gr ande per igo e em gr ande av ent ur a. E r ei Car ados, que ia com o senhor e chefe de t odos os da cidade,
fazia- o t ão bem , que não há quem o v isse que o não t iv esse por bom cav aleir o de ar m as, e t am bém t inha
consigo hom ens bons que o aj udav am bem , m as t inha, sem falha, t ão pouca gent e cont r a seus inim igos, que
er a m ar av ilha com o podia t er cam po. E assim que os quat r o cav aleir os chegar am per t o da bat alha, t opar am
com um cav aleir o que dela saír a m uit o ferido. E Ar tur , o pequeno, foi a ele e per gunt ou- lhe:
- Quem és t u?
E ele t ev e m edo e quis fugir . E Ar t ur o segur ou pelo fr eio e disse- lhe:
- Est ás m or t o, se não m e disser es quem és.
- Sou, disse ele, de Cam alot e, e r ecebi t ant os golpes e t ant os fer im ent os nest a bat alha, que não pude
m ais supor t ar e saí par a m or r er em algum lugar , por que bem sei que est ou fer ido de m or t e.
- E quais, disse Galaaz, lev am a pior ?
- I st o não se dev e per gunt ar , disse o cav aleir o, por que os de dent r o são t ão poucos, que não podem
m uit o r esist ir .
- Or a podes ir , disse Galaaz, pois assaz nos dissest e.
E ele seguiu. E os cav aleir os for am à bat alha da par t e da cidade e chegar am em t al ocasião, que pouco
falt av a par a ser em desbar at ados os da par t e de r ei Ar tur . E Galaaz disse aos out r os:
- Senhor es, que v os par ece?
- Por cer t o, disse Palam ades, os de r ei Ar t ur est ão m uit o m alt r at ados e ser ão desbar at ados, se logo não
r eceber em socor r o.
- Or a o façam os bem , disse Galaaz, e se não som os m ais de t r ês, Nosso Senhor , se lhe apr ouver , ser á o
quar t o de. nossa com panhia, que m ais nos v aler á que cem m il cav aleir os.
- Com o? disse Palam ades, não som os quat r o?
- Não, disse Galaaz, por que não sois de nossa com panhia, pois não sois cr ist ão.
- Não, disse ele; pois ent ão buscai quem v os aj ude, por que eu sou aquele que, de hoj e em diant e, não
v os ser ei senão est or v o, pois m e ex cluíst es de v ossa com panhia.
E desafiou logo seu pai e Galaaz e Ar t ur , o pequeno, e t odos os da par t e de r ei Art ur e disse a Galaaz:
- Senhor , pouco m e v alor izast es, quando m e não quisest es cont ar com o cav aleir o. E assim Deus m e
aj ude, ant es quer ia est ar m or t o do que não v os m ost r ar nest a bat alha se sou ou não cav aleir o.
E ent ão foi par a r ei Mar s.

469. Dest e m odo separ ou- se Palam ades de seus com panheir os ali onde lhes er a m ais m ist er . E Galaaz disse
aos out r os:
- Senhor es, som os poucos, m as não v os desconfor t eis, por que bem cr ede que nosso Cr iador nos
socor r er á, se t iv er m os esper ança nele.
E Esclabor lhe disse:
- Senhor , ide- os fer ir , por que não v os falt ar em os at é a m or t e.
E ele espor eou ent ão e deix ou- se ir onde v iu a m aior lut a dos cav aleir os de r ei Mar s, e fer iu o pr im eir o t ão
br avam ent e, que m et eu a ele e o cavalo em t err a. Depois aguilhoou aos outr os e fez t ant o com aquela lança
que t inha, que ant es que lhe quebr asse, der r ibou bem set e. E Ar t ur , o pequeno, igualm ent e o fez tão bem que
ninguém t eria em que o censur ar . E Esclabor , o desconhecido, t am bém , e fizer am t ant o t odos os t r ês daquela
pr im eir a ida, que os r ecear am m ais de dois m il. E r ei Mar s, que est av a ali, disse aos que com ele est av am :
- Or a podeis v er tr ês hom ens bons e est es são dos cav aleir os da dem anda do sant o Gr aal, que a v ent ur a
t r oux e aqui. Se m uit o v iv er em , gr ande dano nos far ão. Or a, a eles sem m ais t ar dar .

470. Quando Esclabor , que m ais per t o est av a de r ei Mar s, ouv iu o que ele dizia, deix ou- se ir a ele e o feriu t ão
br av am ent e, que lhe quebr ou o escudo e a lor iga e lhe m et eu a lança pelo cost ado esquer do, e a chaga foi
m uit o funda, m as não m or t al. E o r ei, que er a m uit o for t e, deu com ele m uit o gr ande queda por t er r a. E
quando Pulam ades v iu seu pai por t er r a, disse:
- Rei Mar s, eu t e queria ser v ir e m e dest e m au galar dão, e t e far ei out r o t ant o.
Ent ão volt ou em dir eção a ele e fer iu- o ent r e seus hom ens t ão br avam ent e, que o pôs do cavalo por
t er r a, m as out r o m al não lhe t ez dev ido às ar m as que er am m uit o boas, senão que o r ei ficou est ont eado com a
queda. Quando os cav aleir os de r ei Mar s v ir am seu senhor por t er r a, não houv e um que não ficasse espant ado.
E ent ão aguilhoar am m ais de dez a Palam ades e m at ar am - lhe o cav alo e fer ir am - no com m uit as chagas e o
m at ar iam ent ão, por que não podia se defender a pé, m as Galaaz, que o pr ezav a m uit o e à sua cav alar ia,
m et eu m ão à espada da est r anha cint a e com eçou a dar t ão gr andes golpes, que der r ibav a e fazia dano por
onde ia t ão fer oz, que não havia t ão cor aj oso, que não se espant asse com as m ar av ilhas que o v iam fazer ,
pois, sem falha, não alcançav a cav aleir o, por bem ar m ado que fosse, que o não m et esse por t er r a m or t o
ou fer ido de m or t e ou par alisado, e t odos fugiam dele, apenas o r econhecer am um pouco, por que nem de longe
houv e cav aleir o no cam po que, em pouco t em po, não v isse que fazia as m aior es m ar av ilhas de ar m as que
nunca for am feit as no r eino de Logr es. E out r a m ar av ilha t am bém hav ia em Galaaz que dav a m aior espant o aos
seus inim igos, que nunca est av a num lugar , ant es o v er íeis or a ali, or a aqui, or a longe, or a per t o, or a à dir eit a,
or a à esquer da, de m odo que ia cer cando t odas as alas t ão m ar av ilhosam ent e, que dificilm ent e lhe podia
alguém escapar . E quando os cav aleir os de r ei Mar s v ir am est a m ar av ilha e que não alcançav a um que não
der r ot asse e que não hav ia ar m a que pudesse r esist ir à sua espada, r et ir ar am - se na m elhor at it ude que
puder am e não pensar am senão em guar dar seus cor pos, por que não houv e um t ão cor aj oso, que não t iv esse
pav or de m or t e. ou de r eceber t oda a v er gonha, ant es que passasse aquele dia. E Ar t ur , o pequeno, quando v iu
as gr andes m ar av ilhas que fazia Galaaz, disse:
- Ai, Deus! Que poder ei dizer dest e hom em ? Não poder ia fazer o que ele faz, por boa fé, hom em m or t al.
Ver dadeir am ent e t odos os cav aleir os do m undo nada são diant e dele, por que se t odos os do m u ndo fossem
cav aleir os e est e desse cont r a eles num lugar , cuido que os desbar at ar ia a t odos, por que não m e par ece, pelo
que dele v ej o, que pudesse enlassecer e cansar de fer ir em t oda a v ida de um hom em . Or a t enha eu
desv ent ur a, se o não t iv er , de hoj e em diant e, pelo m elhor cav aleir o do m undo e de t odos aqueles que algum a
v ez t r oux er am ar m as, pois bem v ej o que o m er ece.

471. Assim dizia Ar t ur , o pequeno, t ão espant ado das m ar av ilhas que v ir a, que não podia cuidar que os
m elhor es dez cav aleir os do m undo pudessem fazer o que ele fazia. E Galaaz, que não quedav a nem cansav a,
t r azia t ão m al os de Sansonha e os de Cor nualha à espada cor t ador a, que bem ent ender am que não podiam
escapar . E por isso se r ecolher am a suas t endas o m ais sisudam ent e que puder am , m as seu siso não lhes
houv e ent ão mist er , por que depois que os hom ens de r ei Ar tur vir am que dest e m odo iam , deix ar am se ir a
eles, e t endas nem t endilhões nem outr a coisa os pôde salv ar . Ent ão com eçou a m or t andade t ão gr ande, que
ficar am ali m ais de dez m il m or t os, sem os par alisados e os fer idos, que não podiam t er cont a, pois, sem falha,
m uit o er a gr ande o pov o que sobr e a cidade j azia. Dest e m odo for am desbar at ados e m or t os r icos- hom ens e
cav aleir os e gent e de Sansonha e de Cornualha. E r ei Car ados disse aos seus:
- Olhai que v os não escape nenhum deles por hav er nem por out r a r azão, que a t odos não m at eis.
E fizer am bem seu m andado, pois assim que cada um alcançav a o seu, logo lhe cor t av a a cabeça, que o
não deix ar ia por seu peso de our o e a t odos m at ar iam , sem falha, se não fosse a flor est a, que ficav a per t o, em
que se m et er am os que escapar am .

472. Que v os dir ei? A der r ot a foi t ão gr ande e a m or t e, que nunca no r eino de Logr es houv e ant es m aior ,
por que, sem falha, m or r er am naquele dia m ais de t r int a m il. E r ei Mar s fugiu e Aldr et e com ele e t iv er am
gr ande pav or de m or t e e m et er am - se na flor est a, onde a v ir am m ais espessa e assim escapar am . E Galaaz,
quando v iu que os de Cornualha e de Sansonha est av am m or t os e desbar at ados, e v iu que não havia de que a
cidade t em er , foi o m ais depr essa que pôde, e não par a a cidade, m as par a a flor est a da out r a par te e não por
onde for a a per seguição. E r ei Car ados, que bem v ir a aquele dia as m ar av ilhas de ar m as que ele fizer a e bem
ent endia que por ele for am seus inim igos desbar at ados, quando o v iu ir , foi atr ás dele pur a fazê- lo r ei, se
pudesse, ou ao m enos par a saber seu nom e, par a o dizer aos alt os hom ens de Logr es. E assim que o alcançou
à ent r ada da flor est a, saudou- o e disse- lhe:
- Ai, senhor cav aleir o! Por Deus, não v os pese do que v os dir ei.
- Senhor , disse ele, não m e pesar á. Dizei o que quiser des. E ele bem sabia que er a r ei Car ados.
- Senhor , disse r ei Car ados, fazeis m uit o m al e gr ande pecado por v os separ ar des dest e m odo de nós, sem
falar des com m eu senhor r ei Ar t ur . Por Deus, quando ele sou ber o que por ele fizest es e que daqui par t is e não
o quer eis v er , t er á t ão gr ande pesar que não sei quem o possa confor t ar . E por isso v os r ogo, por Deus e pela
cor t esia que dev eis t er , que v olt eis conosco a Cam alot e par a v er r ei Ar t ur , que é o m elhor hom em do m undo,
com o bem o sabeis. Por cer t o, se o não fizer des, far eis gr ande v ilania sobej o.
- Ai, senhor , m er cê, disse Galaaz, sabei que não v olt ar ia de m odo algum , e r ogo- v os que v os não pese,
por que t enho m uit o a fazer alhur es, onde tenho t ant a pr essa de chegar , que não m e det eria em outr o lugar de
nenhum m odo.
- Cer t am ent e, disse r ei Car ados, pesa- m e de v ossa ida, e t am bém pesar á a r ei Ar tur , quando o souber .
Mas, pois que não quer eis ficar por m eu r ogo, r ogo- v os que m e digais v osso nom e.
- Senhor , disse ele, dir ei. Sabei que t enho nom e Galaaz.
- Com o? disse r ei Car ados, sois o que dest es cabo à av ent ur a do assent o per igoso?
- Senhor , sim , disse ele.
- Por boa fé, disse o r ei, t iv est es o m ais for m oso com eço de cav alar ia que algum a v ez cav aleir o t ev e, e
bem v os m ant endes no que com eçast es. Par ece- m e que a linhagem de r ei Bam , que t em os m elhor es
cav aleir os do m undo, não se av ilt ar á por v ós. Or a ide, pois ir quer eis, e Nosso Senhor v os guie e v os dê for ça
par a acabar as av ent ur as de Logr es, com o cuidam os que hav eis de fazer .
E ele r espondeu:
- Deus cum pr a seu pr azer .

473. Depois dist o, separ ar am - se am bos. Galaaz foi à flor est a onde a v iu m ais espessa, pois não quer ia que
alguém fosse at r ás, que lhe fizesse com panhia, por que quer ia, a par t ir dali, fazer suas cav alarias t ão
encober t am ent e, que ninguém soubesse delas, senão o m enos que pudesse ser . E r ei Car ados v olt ou a sua
com panhia, que t ant o ganhou com os hav er es de r ei Mar s e dos Sansões, que t odos ficar am r icos por t oda a
v ida e a cidade ficou m ais r ica por m uit o t em po. As nov as f or am a r ei Ar tur ali onde est av a ferido, que os de
for a for am desbar at ados, de m odo que poucos deles ficar am v iv os. E r ei Ar t ur , que ficou m uit o alegre com as
nov as, per gunt ou:
- Ai, Deus! Com o pôde ser , pois os nossos er am poucos cont r a os deles?
- Por Deus, disser am os que as nov as cont av am , um só cav aleir o os desbar at ou a t odos. E bem sabei que
nunca no r eino de Logr es houv e t ão bom cav aleir o, por que, por sua m ão som ent e, houv e t ant o mor t os com o
fer idos m ais de set ecent os.
E o r ei per signou- se com a m ar av ilha que ouviu e disse:
- Bendit o sej a Deus que nos t al m er cê fez. Ver dadeir am ent e, est e r eino é cham ado por dir eit o r eino
av ent ur oso, por que t ão gr andes av ent ur as e t ão gr andes m ar av ilhas não acont ecem alhur es com o aqui e est a
av ent ur a, pela qual Deus nos socor r eu e guar dou da v er gonha e do per igo de m or t e, dev er íam os agr adecer - lhe
m uit o t odos os dias de nossa v ida.
Ent ão per gunt ou quem for a o cav aleir o que aquelas m ar av ilhas fizer a, e disser am :
- Nós o deix am os no cam po e cuidam os que v o- lo t r aga r ei Car ados.
- Ai! disse o r ei, e não v em aqui?
Nist o falando, ent r ou r ei Car ados m uit o alegr e da boa v ent ur a que t iver a. E assim que o r ei o viu,
per gunt ou- lhe:
- Onde est á o bom cav aleir o?
- Senhor , disse ele, assim Deus m e aj ude, não quis ficar por r ogo que lhe fizesse, ant es separ ou- se de
nós assim que acabou a bat alha e fui at r ás dele par a t r azê- lo, e não consegui, por que dizia que tinha m uit a
pr essa de ir alhur es.
- Or a dizei- m e, disse o r ei, sabeis seu nom e?
- Senhor , sim , disse ele. É Galaaz, o bom cav aleir o que deu cabo à av ent ur a do assent o per igoso.
- Por Deus, disse r ei Ar t ur , or a o cr eio bem . Aquele é o cav aleir o que há de ser o m elhor dos m elhor es,
m as m uit o m e pesa que o não v i por lhe per gunt ar por Lancelot e e pelos out r os cav aleir os da linhagem de r ei
Bam . Mas or a dizei- m e: r ei Mar s est á m or t o ou pr eso?
- Senhor , disse ele, não, por que fugiu da bat alha.
- Muit o m e pesa, disse o r ei, ant es o quiser a a t odos os out r os, pois far ia a ele t ão gr ande j ust iça qual
dev e ser feit a a t r aidor .
Muit o gr ande pesar t eve r ei Ar t ur de que r ei Mar s escapou. Por out r o lado, est av a m uit o alegr e pelo
gr ande bem que Deus lhe fizer a. E com eçou ent ão por Cam alot e a fest a t ão gr ande e a alegria, com o se Jesus
Cr ist o descesse ent r e eles. E o r ei novam ent e per gunt ou:
- Veio Galaaz só ou com out r em ?
- Senhor , disser am eles, t r ês cav aleir os vier am com ele, que for am m uit o bons à m ar av ilha.
- E par a onde for am ? disse o r ei.
- Senhor , disse Car ados, est es v os dar ei logo, por que os t r oux e aqui com o por for ça e os fiz lev ar a m inha
pousada por se desar m ar em , e or a est ar ão aqui.
- Muit o m e apr az, disse o r ei, por que agor a t er em os nov as dos cav aleir os da dem anda.
Nist o eis que os t r ês cav aleir os ent r ar am m ui r icam ent e v est idos. E quando o r ei v iu seu filho,
r econheceu- o e disse- lhe:
- Ar t ur , sede o bem - v indo!
E Ar t ur ficou de j oelhos diant e do r ei e beij ou- lhe o pé. E o r ei r ecebeu os out r os m uit o bem . Depois
assent ar am - se per t o dele. E o r ei, que bem conhecia Esclabor , o desconhecido, disse- lhe que fosse bem - v indo
e apr ouv e- lhe m uit o com ele e ,disse- lhe que lhe pesava m uit o da per da de seus filhos.
- Senhor , disse ele, assim apr ouv e a Nosso Senhor , m as ainda assim , à .sua m er cê, com t odo aquele
gr ande dano que r ecebi, m e ficou u m filho de que m e dou por m uit o sat isfeit o e que m e confor t a m uit o,
por que, por seu v alor nas ar m as e por sua boa cav alar ia, é louv ado e v alorizado por m uit as t er r as, gr aças a
Deus.
E o r ei per gunt ou onde est av a.
- Senhor , disse ele, v ede- o aqui.
E o r ei olhou Palam ades e o v iu t ão bem feit o e t ão v ist oso, que à m ar av ilha lhe par eceu hom em bom e
per gunt ou- lhe com o t inha nom e, e ele o disse.
- Ai, Palam ades! disse o r ei, m uit o v os ouv i louv ar por m uit o bom cav aleir o e v os pr ezo de cav alar ia sobr e
t odos aqueles que em Deus não cr êem . Nunca v i em v ós nada que alguém pudesse censur ar , senão que não
sois cr ist ão. E, por Deus e por v ossa salv ação e por m eu am or , r ecebei o bat ism o.
E ele r espondeu:
- Senhor , não vim aqui par a isso e não o far ia de nenhum m odo pela v ont ade que or a tenho; m as bem
sabei que, se o houv esse de fazer por r ogo de alguém , o far ia por v ós, por que sois o hom em do m undo por
quem m ais se dev ia fazer .
E o r ei disse out r a v ez:
- Fazei o que v os digo e r ogo, e v os dar ei est a cidade de Cam alot e que é a cidade do m undo qu e m ais
am o.
- Ai, senhor ! disse Palam ades, por Deus, não m e r ogueis ist o, por que não há nada por que o fizesse
agor a, pois não concor da com ist o o m eu cor ação.
O r ei não lhe falou m ais nisso, quando v iu que não lhe agr adav a. Depois com eçou a per gunt ar por nov as
da m esa r edonda, e eles disser am o que sabiam . O r ei per gunt ou a r ei Car ados e aos out r os que na bat alha
est iv er am com o fizer a Art ur , o pequeno, e eles disser am que nunca v ir am quem t ão bem fizesse qu e t ão pou co
t em po t iv esse de cav alar ia. E o r ei ficou m uit o alegr e com est as nov as e disse:
- Ar t ur , pensai em ser bom , por que não podeis falt ar em cor oa de um r ico r eino, se v ej o que em v ós ser á
bem em pr egada.
E Ar t ur agr adeceu m uit o.

474. Aquele dia fizer am gr ande alegr ia e gr ande fest a em Cam alot e e o r ei foi par a o paço par a fazer as honr as
aos hom ens bons que t inham ido à bat alha. Muit o per gunt ou aquele dia o r ei e a r ainha por Lancelot e, m as
nada souber am dizer a r espeit o. Set e dias ficar am os t r ês cav aleir os em Cam alot e e depois par t iram , por que
m uit o foi pedido a Palam ades e por m uit os que se t or nasse cr ist ão, m as não quis, ant es r et ir ou- se ao cam inho
e disse que, a par t ir daí, queria nov am ent e com eçar a dem anda da best a ladr ador a e que nunca a deix ar ia a
não ser por m or t e ou por com panhia com quem se sat isfizesse at é que lhe desse cabo. Ent ão despediu- se de
seu pai e de Ar t ur , o pequeno, par a ent r ar só em sua dem anda com o soía.
Mas or a deix a o cont o a falar deles e t or na a Galaaz.

LXVI
Encont r o de Ga la a z e de r e i M a r s

475. Or a diz o cont o que Galaaz, depois que se separ ou de r ei Car ados, andou t odo aquele dia. À t ar de, chegou
ao m ost eir o de uns fr ades br ancos, que ficav a num v ale. Assim que chegou, os fr ades r eceber am - no m uit o bem
e cuidar am dele com o de cav aleir o andante. Depois per gunt ar am - lhe donde v inha. E ele disse que v inha de
Cam alot e.
- Por Deus, disser am eles, r ei Ar tur pôde r esist ir a seus inim igos?
- Dist o v os dir ei, disse Galaaz, o que sei. Sabei que r ei Mar s e t oda sua com panhia est ão desbar at ados e a
cidade j á est á livr e e não cuido que alguém algum a v ez t ão gr ande m or t andade de cav aleir os t enha v ist o, num
dia no r eino de Logr es, com o hoj e em Cam alot e, e logo a r espeit o poder eis saber a v er dade por out r em e as
boas nov as de t ão boa v ent ur a que hoj e deu Deus a est a t er r a.

476. Quando ouvir am est as nov as est ender am suas m ãos par a o céu e bendisser am a Deus que fizer a t ão
gr ande m er cê ao r eino de Logr es e per gunt ar am por que cuidav a que est av am desbar at ados.
- Senhor , de onde sois? Se sois da com panhia de r ei Mar s, ide em bor a.
- Cer t am ent e, disse ele, da com panhia de r ei Mar s não sou, ant es lhe fiz m ais est or v o do que aj uda, e
digo- v os que sou cav aleir o andant e e sou da m esa r edonda.
- Or a, disser am eles, podeis aqui m andar , com o em casa de r ei Ar tur , pois bem sabei que v os f ar em os
t odo aquele ser v iço que puder m os e que nos m andar des.
E Galaaz agr adeceu m uit o. Dest e m odo ficou Galaaz com aqueles fr ades, e ao cabo de um t em po, chegou
um cav aleir o da m esa r edonda à abadia, que hav ia nom e Far ão, o negr o, e er a da linhagem de r ei Lac e er a
m uit o bom cav aleir o e m uit o bom hom em e ia a Cam alot e par a salv ar a v ida de r ei Ar t ur .

477. Quando os fr ades souber am que er a cav aleir o andant e e er a da m esa r edonda, disser am - lhe as nov as que
Galaaz lhes der a. Ele ficou m uit o alegr e e disse- lhes:
- Quem v os disse est as nov as t ão boas?
- Ver dade é, disser am eles, e ainda aqui est á o cavaleir o que est eve na bat alha em que rei Mar s foi
desbar at ado com t oda sua com panhia.
- Ai, disse ele, por Deus, m ost r ai- m o, pois se for da casa de r ei Ar t ur , eu o r econhecer ei m uit o bem .
Ent ão o lev ar am a um a câm ar a, onde est av a Galaaz m uit o cansado do gr ande esfor ço que naquele dia
fizer a. E quando ent r ar am , er gueu- se Galaaz par a ele, por que bem r econheceu que er a cavaleir o e assent ou- o
per t o de si.
- Senhor , por Deus, disse Far ão, dizei- m e se est iv est es no desbar at o de r ei Mar s.
- Sim , disse ele, eu o vi hoj e, nest e dia, ser desbar at ado, ele e t oda sua com panhia, e sabei que os de r ei
Ar t ur ganhar am m uit a r iqueza.
- E r ei Mar s, disse Far ão, m or r eu?
- Por cer t o, não sei, disse Galaaz, por que não quis ficar lá depois que v i que t odos hav iam sido
desbar at ados e t am bém não o per gunt ei.
- E quem sois? disse Far ão.
- Sou, disse ele, um cav aleir o andant e da casa de r ei Ar t ur , m as m eu nom e não podeis saber por or a.
E Far ão desist iu disso, m as ainda r epar av a nele pois lhe par ecia que o v ir a algum a v ez, m as não podia
lem br ar quando nem onde, e Galaaz nada lhe per gunt ou de seus feit os por lhe não per gunt ar os seus.

478. Falando eles nist o e em m uit as out r as coisas, chegou r ei Mar s e t r azia consigo dez cav aleir os de
Cor nualha, que escapar am do desbar at o fer idos e m alt r at ados e alcançar am - no na flor est a e v inham com ele
par a o guar dar em o m ais que pudessem , se por v ent ur a, alguém o quisesse at acar . Quando r ei Mar s desceu, os
fr ades com eçar am a per gunt ar aos que com ele andav am :
- Senhor es, de onde sois?
E eles, que t iv er am pav or de ser em r econhecidos, disser am :
- Som os do r eino de Logr es e v im os de Cam alot e.
- E que nov as, disser am eles, nos t r azeis? É v er dade que r ei Mar s foi desbar at ado?
- Sim , disser am eles, v er dadeir am ent e o sabeis.
- Sede bem - v indos, disser am os fr ades. Abençoadas sej am est as nov as.
E fizer am - nos descer , e lev ar am - nos a um a câm ar a par a os desar m ar em e cuidar am - lhes das chagas.
Depois lev ar am - nos a out r a câm ar a, não àquela onde os out r os dois est av am , por que t ão logo ou v ir am dizer
que hav ia lá cav aleir os da casa de r ei Ar t ur , t iv er am pav or de ser em r econhecidos e se afast ar am da sua
com panhia o m ais que puder am . Quando com eçou a anoit ecer , acont eceu que r ei Mar s passou diant e da
câm ar a onde Galaaz est av a e r epar ou dent r o e v iu o escudo de Galaaz pendur ado num pilar , e assi m que o v iu,
r econheceu que aquele er a o escudo que for a m uit o tem ido aquele dia e m ost r ou- o a seus cav aleiros e disse-
lhes:
- Reconheceis aquele escudo?
- Sim , disser am eles, logo que o v ir am , v er dadeir am ent e o r econhecem os bem . Maldit o sej a o cav aleir o
que o t r az, por que ele sozinho nos dest r uiu e nos deit ou a per der hoj e.
- Or a m e dizei, disse o r ei, o que podem os fazer , por que não há nada no m undo que de m elhor boa
v ont ade fizesse do que m at álo, pois t odo o m undo nunca m e fez t ant o m al com o ele sozinho, e bem sei que é
um dos dois, m as não sei qual.
- Senhor , disser am eles, não podeis nunca t ão bem v os v ingar com o agor a, pois se pegar m os nossas
ar m as e for m os a eles, enquant o est ão desar m ados, os m at ar em os.
- Não dest e m odo, disse o r ei; eu m e v ingar ei de out r a m aneir a, cont ant o que soubéssem os qual é o
cav aleir o. Or a ide um de v ós per gunt ar qual t r az o escudo br anco da cr uz v er m elha. E um entrou logo na
câm ar a e per gunt ou- lhe, e Galaaz r espondeu:
- Senhor cav aleir o, eu o tr oux e at é aqui, m as por que o per gunt ais?
- Senhor , disse, par a v os conhecer , por que, assim Deus m e aj ude, folgo em conhecer t al hom em com o v ós
e quem v os conhecer sem pr e v aler á m ais, por que, sem falha, sois o m elhor cav aleir o do m undo.
E Galaaz t ev e m uit a v er gonha quando v iu que o louv av a m uit o e calou- se e nada lhe falou; e o cav aleir o
v olt ou a seu senhor e disse- lhe o que apr ender a.
- Or a v os calai, disse r ei Mar s; eu m e vingar ei, por que o far ei m or r er de m á m or t e, m as a v ingança não
ser á t ão gr ande com o ele m er eceu, por que confundiu a m im e a t ant os hom ens bons que, se cem cav aleir os
com o ele m or r essem por isso, não est ar íam os v ingados.
Assim disse r ei Mar s e assim cuidou fazer e o cont o diz de que m odo cuidou fazer sua v ingança, e v os dir ei
com o.

479. Galaaz est av a ferido com m uit as fer idas gr andes e pequenas, m as nenhum a er a m or t al; e Far ão
igualm ent e est ava ferido de um a bat alha a que for a; e por isso veio r ei Mar s a eles e disse a Galaaz:
- Senhor , est ais ferido?
- Não, disse ele, m er cê de Deus, por que não t enho m al por que deix e m inha j ornada.
- Por v osso bem o digo, disse r ei Mar s, e por que v os adv ir á bem de m inha v inda, pois t r ago u m a m ezinha
t al que não há quem no m undo t ão fer ido, cont ant o que não sej a de m or t e, que se a beber não fique são em
dois dias. Dest a v os dar ei ant es que m e separ e de v ós, e a v osso com panheir o t am bém , por am or de v ós,
por que t ant o v os ouv i louv ar por bom cav aleir o, que eu seria o m ais desleal hom em do m undo, se a v ossa
saúde não quisesse. E Galaaz, que bem cuidou que o dizia em seu benefício, agr adeceu m uit o.
480. Assim fez rei Mar s Galaaz acr edit ar , m as out r a coisa t inha eu seu ínt im o, que aquele beber que lhe queria
dar er a peçonha t ão for t e que não há no m undo quem a bebesse, que não fosse logo m or t o; e sabei que a
t r oux er a ao r eino de Logr es por m at ar com ela seu sobr inho Tr ist ão, pois não podia v er out r o m eio pelo qual o
pudesse m at ar , por que Tr ist ão er a sobej am ent e bom cav aleir o r espeit ado por t odos, e não hav ia alguém no
m undo, cuj a m or t e desej asse r ei Mar s t ant o com o a de Tr ist ão, e j á m andar a seus hom ens buscá- lo por t odo o
r eino de Logr es par a lhe dar aquilo a beber , m as não o puder a achar , por que est av a ainda fer ido das chagas
que r eceber a no dia em que Palam ades e Galaaz o livr ar am . Que v os dir ei? Quando se deit ar am , pegou r ei
Mar s a peçonha que t r azia par a seu sobr inho Tr ist ão e deu- a a beber a Galaaz e a Far ão, o negr o; e depois que
fez ist o, v olt ou a seus hom ens alegr e e com m uit o gr ande pr azer , por que bem se t ev e por v ingado. Mas não
acont eceu com o ele cuidav a, por que não apr ouv e a Nosso Senhor , ant es acont eceu um a t ão for m osa m ar av ilha
com o v os dir ei e com o a v er dadeir a est ór ia o cont a.

481. Galaaz, um pouco depois que deit ou e fez suas pr eces e suas or ações, ador m eceu e, est ando dor m indo,
veio a ele um hom em t ão gr ande e t ão for m oso que m ar avilha e disse- lhe:
- Galaaz, filho da sant a I gr ej a, v er dadeir o cav aleir o de Jesus Cr ist o, por que ser v es t ão lealm ent e aquele
que t e fez m elhor cav aleir o e de m elhor donair e do que out r o que se saiba, a t i acont eceu t ão bem que onde
t oda pessoa r eceber ia a m or t e, escapast e.
E ele lhe per gunt ou:
- Senhor com o pode ser ?
- Eu t o dir ei, disse ele. Sabe que r ei Mar s t e deu à noit e m or t al peçonha e apar ecer á em t eu com panhei-
r o, pois o achar ás m or t o, por que est av a em pecado m or t al, e t u escapar ás, por que o gr ande Mest r e t e achou
em v ida boa.
I st o disse o hom em bom a Galaaz quando est av a dor m indo, m as não desper t ou por isso, an t es dor m iu
at é r aiar o dia. Ent ão desper t ou- se e recom endou- se a Nosso Senhor e per signou- se e levant ou- se e fez suas
or ações e suas pr eces. Depois, foi a Far ão par a ver se er a ver dade o que ouvir a em sonho e quis desper t á- lo,
m as não pôde, por que est av a m or t o hav ia m uit o t em po, e disse com gr ande pesar :
- Ai, Deus! que t am anha tr aição e que t am anha aleiv osia foi est a! Ai, r ei Mar s, quant as m ás obr as t ens
com eçado!
Ent ão foi a suas ar m as e ar m ou- se só o m elhor que pôde. Depois abr iu as por t as e v iu que er a j á dia
clar o. E v olt ou a Far ão e o achou am ar elo e negr o e t ão inchado que er a m ar av ilha, e disse:
- Ai, Deus! com o fez gr ande m al quem de t al m or t e v os fez m or r er !
Ent ão foi à câm ar a de r ei Mar s e achou que se levant ar a j á ele e seus cavaleir os e quer ia ar m ar - se. E
Galaaz, que não conhecia r ei Mar s, disse- lhes:
- Qual de v ós é r ei Mar s? Dizei logo ou t odos est ais m or t os.
Eles, que bem r econheciam que aquele er a o bom cav aleir o, t iv er am pav or da m or t e, por que bem sabiam
que não poder iam defender - se dele, e disser am , por que não quer iam a m or t e de seu senhor :
- Ai, senhor ! m er cê. Nada sabem os de r ei Mar s. Sabei que não est á ent r e nós.
- I st o não há m ist er , disse ele; dizer v os conv ém , ou est ais m or t os.
Ent ão fer iu um deles com a espada at r av essada com t ão gr ande fer ida, que o fez cair em t er r a est ont eado,
que bem cuidou ser m or t o. E Galaaz lhes disse igualm ent e out r a v ez:
- Dizei- m e logo qual de v ós é r ei Mar s, ou est ais t odos m or t os.

482. Depois que um deles, que não am av a r ei Mar s, v iu est e golpe, t ev e pav or da m or t e e r espondeu:
- Senhor , guar dar - m e- eis, se v os disser qual é?
- Cer t am ent e, disse Galaaz, sim .
E ele o m ost r ou logo. E Galaaz foi logo a ele, a espada nua na m ão. Depois disse- lhe:
- Rei Mar s, t r aidor e aleivoso, que t e fez aquele cavaleir o, por que o m at ast e, e a m im t am bém cuidast e
m at ar com a peçonha que nos dest e à noit e? Est ás m or t o, por que out r a coisa, af or a Deus não t e pode salv ar ,
se t e não r econhecer es culpado, per ant e est es fr ades, da t r aição que fizest e. Ent ão er gueu a espada e fingiu
que lhe quer ia cor t ar a cabeça. E r ei Mar s, que v er dadeir am ent e cuidou ser m or t o, ficou de j oelhos diant e dele
e j unt ou as m ãos par a ele e disse- lhe:
- Ai, bom cav aleir o, m er cê! Não m e m at es. Pr om et o que a m im não saber ás dizer nada que não faça par a
t er t eu am or e par a cor rigir o er r o que fiz cont r a ti.
- Cer t am ent e, disse Galaaz, dist o não há m ist er ; conv ém que digas, m au gr ado t eu, a deslealdade que
fizest e, e depois, se achar em m eu conselho t e deix ar , deix ar ei, senão, t e far ei m or r er m á m or t e e t e dar ei o
galar dão da t ua gr ande aleiv osia.
E quando r ei Mar s viu que lhe conv inha dizer , disse:
- Ai, bom cav aleir o, m er cê! Ponho- m e sob t eu poder . Or a faze de m im o que quiser es, que far ei quant o
m andar es.
Ent ão m andou Galaaz buscar os fr ades, e depois que est av am t odos r eunidos, disse- lhes:
- Senhor es, vedes r ei Mar s que aqui alber gast es e não o sabíeis e sabei que ele fez est a noit e gr ande
t r aição a um cavaleir o da m esa r edonda que m at ou, e quiser a m at ar t am bém a m im ; e quer o que vos diga
com o; e depois, se achar em m eu cor ação que dev a m at á- lo, o m at ar ei, e se não, o deix ar ei.
E quando os fr ades ist o ouvir am , m ar av ilhar am - se, por que não cuidav am que t al hom em com o r ei Mar s
m at asse alguém à t r aição.

483. Ent ão disse Galaaz:


- Rei Mar s, dize or a t udo com o foi e não m int as em nada, por que bem sabe que, se m ent ires, logo t e
m at ar ei.
E ele, com pav or de m or t e, com eçou a dizer t udo com o acont ecer a.
- E nunca v i, disse ele, cousa de que t ant o m e m ar av ilhasse com o de que não m or r est es v ós com o v osso
com panheir o, por que não cuidav a que alguém no m undo pudesse escapar .
E depois que disse t udo com o o cont o j á r elat ou, Galaaz r espondeu:
- Nunca m at ei alguém v olunt ar iam ent e; por ém , nunca v i nem cuido que alguém v isse out r o que t ão bem
m er ecesse a m or t e; e não t e m at ar ei, nem t am bém t e deix ar ei por dó e por am or que de t i t enha, m as t e
deix ar ei por am or daquele que nest e per igo e em m uit os out r os m e guar dou, à sua m er cê. Mas por t e deix ar ir
não esquecer á est e pr eit o a Nosso Senhor , ant es t e dar á o galar dão de m odo que t e confundir á com aqueles
que por fazer t r aição se esfor çam . Or a podes ir quando quiser es t u e t eus hom ens, por que não olhar ei à tua
t r aição, m as a que não dev o m et er m ão em r ei, senão par a m inha v ida defender ou por m eu senhor t err eal, e
por que és desleal, não deix as por isso de ser r ei, e ist o é gr ande v er gonha par a t odos os r eis do m undo.

LXVI I
Ga la a z confunde ca v a le ir os inv e j osos.
H e it or e Ga lv ã o

484. Quando o r ei ouv iu est as nov as, ficou t ão alegr e que m ar av ilha, e t om ou suas ar m as e ar m ou- se e o
m esm o fizer am t odos os out r os e depois que m ont ar am , par t ir am m uit o alegres e com m uit o gr ande pr azer
que t ão bem escapar am . E depois que saír am , ent r ar am na flor est a, onde a v ir am m ais espessa, por que t inham
m uit o gr ande pav or de t opar em com alguém que lhes fizesse m al. E Galaaz, que ficou entr e os hom ens bons
sanhudo e com gr ande pesar da m or t e de Far ão, m aldizendo r ei Mar s e t oda sua com panhia, disse que Deus
lhe desse logo o galar dão de sua deslealdade, e fez sot er r ar lá Far ão o m ais honr adam ent e que pôde e fez fazer
sobr e o t úm ulo um let r eir o que dizia com o r ei Mar s o m at ar a; e sabei que os fr ades t iver am ist o por t am anho
m ilagr e, que a abadia, que t inha ent ão nom e Abadia Ut er Pandr agão, por que Ut er Pandr agão a fizera, t ev e seu
nom e t r ocado, por que, a par t ir de ent ão, t ev e nom e a Mar av ilha de Galaaz, e ainda assim é chamada e ser á,
enquant o Deus lá for or ado. Todo aquele dia ficou lá Galaaz, e no out r o dia, par t iu e ent r ou no gr ande cam inho
da flor est a par a ouv ir algum as nov as de Cam alot e dos que por lá v iessem . Aquele dia cav algou sem av ent ur a
achar que de cont ar sej a. Hor a de m eio- dia, quando er a plena sex t a, acont eceu que um escudeir o o alcançou e
saudou- o e Galaaz t am bém o saudou.
- Senhor , disse o escudeir o, o calor est á for t e e andais car r egado de ar m as. Rogo- v os que t om eis de m im
ser v iço, que m e deis v osso escudo e v ossa lança e v osso elm o e os lev ar ei e assim poder eis ir m elhor .
E ele concor dou, por que o afligia um pouco a sex t a.

485. Ent ão lhe deu seu elm o e seu escudo e sua lança e for am falando de m uit as coisas. E Galaaz lhe
per gunt ou de onde er a.
- Senhor , disse ele, sou de Gauna, e fui filho de Fr oila, um pr íncipe de Alem anha, que t inha Gaula da
par t e dos r om anos, e m at ou- o r ei Ar t ur diant e da cidade de Par is, quando lá o cer cou. Ent ão nasci e fiquei
naquela er m ida at é agor a; e outr o dia, por pesar , t iv e v ont ade de v ir aqui, por que est a t err a é m ais fam osa em
cav alar ia do que out r a e pensei que serv ir ia aqui a algum hom em bom que m e fizesse cav aleir o, e t ão alt a
or dem com o a de cav alar ia, não a queria r eceber , senão por m ão de hom em bom .
E Galaaz se calou ent ão. Aquele dia, cav algar am ent ão at é hor a de v ésper as. Ent ão chegar am am bos a
um cast elo, que ficav a num cam po m uit o for m oso e m uit o r ico. Galaaz laçar a j á seu elm o por que hav ia algum
t em po passar a a sex t a. E eles, que chegar am , v ir am da out r a par t e v ir em t r ês cav aleir os que aquela noit e
quer iam alber gar . E sabei que er am t r ês ir m ãos de Galv ão: Guerr ees e Agr avaim e Mor deret e. O escudeir o,
assim que os v iu, disse a Galaaz:
- Senhor , sabei que t r ês bons cav aleir os v êm lá.
- E que sabes deles? disse Galaaz.
- Senhor , disse ele, sei bem que são ir m ãos de Galv ão.
E nom eou quais.
- Bem cuido que são bons, disse Galaaz.
Eles nist o falando, Agr av aim , que er a m uit o or gulhoso e m uit o desdenhoso, gr it ou- lhe:
- Guar dai- v os de m im , senhor cav aleir o, j ust ar v os conv ém .
- Senhor , disse o escudeir o a Galaaz, guar dai- v os dest e cav aleir o e t om ai v osso escudo e v ossa lança e
defendei- v os.
E ele r espondeu:
- Não pr aza a Deus que t om e ar m as cont r a ele.
- Com o? disse o escudeir o, não t er eis cor agem de defender v osso cor po?
- Não, disse ele, cont r a aquele.
- Or a t enha eu m á v ent ur a, disse o escudeir o, que nunca ouv i falar de t ão cov ar de hom em ; m al
defender íeis a m im , se m ist er fosse, vist o que a vós m esm o não quer eis defender ; e pela gr ande m aldade que
em v ós v ej o, não v os quer o m ais fazer ser v iço, e de quant o at é aqui fiz m e acho m al; m as não fica desonr ado
escudeir o por ser v ir cav aleir o at é que vej a sua m aldade.
Ent ão deit ou em t err a o escudo e a lança que t inha e disse com gr ande sanha:
- Dom cav aleir o, or a v os ser v i com o puder des, por que, assim Deus m e aj ude, j am ais ser v irei t ão m au
cav aleir o.
Ent ão aguilhoou o cav alo e separ ou- se dele e gr it ou par a Agr av aim :
- Senhor cav aleir o, v olt ai e não deis nada por at acar est e m au cav aleir o, por que r econheceu que não
ousar ia esper ar a j ust a.
E Agr av aim par ou e disse:
- Vist o que ele deix a de j ust ar por cov ar dia, não o at acar ei de nenhum m odo.
Ent ão volt ou e disse a seus ir m ãos o que acont ecer a e eles r ir am ent r e si e disser am :
- Esper em o- lo e saber em os quem é.
Ent ão par ar am e esper ar am at é que chegou Galaaz a eles, e saudou- os e eles a ele e per gu nt ar am - lhe
onde quer ia alber gar .
- Nest e cast elo, disse ele, se achar quem m e alber gue, e pela m anhã pegar ei m eu cam inho.
E o escudeir o lhe disse:
- Cer t am ent e, senhor cavaleir o, pobr em ent e andais, pois t endes de t r azer vosso escudo e vossa lança.
Não fazem assim os que são m uit o bons.
E ele r espondeu:
- Não é cav aleir o andant e o que de boa v ont ade não anda sem com panhia.
E Guerr ees, que er a m uit o cor t ês, disse a seus ir m ãos:
- Vam os j unt os e não r iam os dest e cav aleir o, que por v ent ur a m elhor hom em é do que pensam os.

486. Ent ão chegar am à entr ada do cast elo e quando quiser am ent r ar , vir am de dent r o sair quatr o cav aleir os
ar m ados que lhes disser am :
- Cav aleir os, j ust ar v os conv ém , se aqui quiser des alber gar .
E Guerr ees, quando ist o ouv iu, foi fer ir um deles e o m et eu por t er r a; e Agr av aim , o seu; e Morder et e, o
t er ceir o; e ficar am t ão fer idos, que não puder am se er guer . E quando Galaaz viu ist o, cuidou que estav am
m or t os e t ev e deles gr ande pesar e r eceio de que, se fosse fer ir o quar t o, o m at asse, e por isso lhe disse:
- Senhor cav aleir o, v edes bem com o v ai a v ossos com panheir os; e se fizer des com o sisudo, deix ar eis a
j ust a.
E aquele que er a m uit o bom cav aleir o, r espondeu:
- Just ar quer o; m as ainda que o queir a com em penho, se quiser des, deix ar ei a just a.
- Quer o, disse Galaaz, por que cuido que dest a j ust a não v ir á bem a m im nem a v ós.
E o cav aleir o deix ou a lança e com eçou a sor r ir , pois bem cuidou que deix av a a j ust a por cov ar dia, e ent ão
com eçar am a escar necer e a r ir - se dele os t r ês ir m ãos, e disser am que, sem falha, aquele er a o m ais covar de e
o pior cav aleir o que nunca v er im aginav am . E ent ão entr ar am no cast elo e à ent r ada for am per gunt ados por
seu nom e; e t iv er am de se nom ear . E quando Mor der et e ouviu que aquele que ia com eles tinha nom e Galaaz,
per signou- se da m ar av ilha que houve e disse a seus ir m ãos:
- Que far em os? O m uit o bom cav aleir o que dev e dar cabo das av ent ur as do r eino de Logr es se cham a
Galaaz e t r az t al escudo com o est e, e pode ser que sej a est e.
- Não, disse Agr avaim , ver dadeir am ent e, cr ede que não é est e, por que m uit os cavaleir os t êm nom e
Galaaz e m uit os t r azem ar m as de m esm as insígnias.
E os out r os dois concor dar am com ele. Assim falando for am pelo m eio do cast elo at é que chegar am à
m aior for t aleza e descer am ; e sabei que for am m uit o bem r ecebidos os t r ês ir m ãos, quando souber am de qual
linhagem er am , m as Galaaz foi pouco honr ado e pouco ser v ido; e não houv e quem não o despr ezasse m uit o e
não cuidasse que deix ar a a just a por cov ar dia; e por isso, logo que o v ir am desar m ado, e v ir am com o er a feito
e com o er a for m oso, disser am que fizer a Deus gr ande pecado que, em t ão for m oso cor po, m et er a t ão gr ande
cov ar dia e m ais dev er a ser cham ado o for m oso do que ser cham ado Galaaz. E Agr av aim disse:
- Se t em nom e Galaaz, não v os m ar av ilheis, por que, quando m uit as coisas são de u m m odo, não pode
ser que algum a delas não sej a m á, e m uit os cav aleir os há pelo m undo que são cham ados Galaaz, e há entr e
eles, bons e m aus, e assim com o o m uit o bom Galaaz, que há de dar cabo às av ent ur as do r eino de Logr es, é o
m elhor cav aleir o de t odos os que t êm nom e Galaaz, assim est e é o pior e o m ais cov ar de de quant os t êm nom e
Galaaz.

487. A est a fala, rir am t odos, m enos Galaaz, que os t eve por m iser áv eis e inv ej osos. E eles disser am que
Agr av aim falar a m uit o bem .
Aquela t ar de, depois que se assent ar am par a com er , par ou um a donzela diant e de Galaaz e com eçou a
olhá- lo; e depois que olhou m uit o, disse- lhe:
- Ai, cav aleir o! m uit o t e dev er a pesar que és t ão for m oso e t ão m au. Maldit a sej a a beleza que em t ão
m au cor po com o o t eu foi se m et er .
E ele com eçou a sor r ir j á um pouco sanhudo e disse:
- Donzela, não m e par ece que t enhais boa r azão par a ist o dizer , por que nunca v ist es em m im algo por
que m e dev ais t ão m al consider ar .
- Cer t am ent e, disse ela, é ver dade, m as quant os aqui est ão dizem t ant o m al de vós, que não posso
passar sem v o- lo dizer .
- Donzela, disse ele, assim Deus v os aj ude, dizei- m e or a: se eu fosse t ão bom cav aleir o com o sou
for m oso, o que dir íeis?
- Assim Deus m e aj ude, disse ela, dir ia que ser íeis o m elhor cav aleir o do m undo, por que, sem falha, o
m ais for m oso do m undo sois. E pois que par a est es sois m ais do que m au, v os fazeis despr ezar e confundir .
E ele se calou m uit o env er gonhado do que a donzela dizia.

488. Muit o falar am uns e out r os de Galaaz, m as não em sua honr a. E ele supor t ou t udo m uit o bem , com o
quem er a m ais sofr ido e m ais m oder ado do que nenhum cav aleir o que se .soubesse; e sobr et udo, por que não
se quer ia pegar com eles em cont enda, por que er am da m esa r edonda; pois se o fizesse, a seu cient e, ser ia
per j ur o e quebr aria seu j ur am ent o e segur ou- se aquela noit e t ão bem que não r espondeu a nada que lhe
dissessem ; e depois que fizer am seu leit o e não com o os dos out r os, apagou as v elas, por que não t inha
cost um e de se deit ar ant es que fizesse sua or ação, e ficou o m ais da noit e em pr eces e fazendo or ação a Nosso
Senhor que lhe fizesse fazer t ais obr as naquela dem anda que fossem em pr ov eit o de sua alm a. No out r o dia,
assim que am anheceu, lev ant ou- se e foi a um a capela que lá ficav a e ouv iu m issa de Sant a Mar ia e v olt ou ao
paço e t om ou suas ar m as e achou os out r os que se ar m av am j á por saír em . Depois que ficar am t odos
ar m ados, despedir am - se dos do cast elo e for am e saír am por aquela por t a por onde ent r ar am . E Galaaz lhes
per gunt ou:
- A qual par t e quer eis ir ?
- Quer em os ir , disser am eles a Cam alot e, por aj udar r ei Ar t ur , por que nos disser am que r ei Mar s o t inha
cer cado.
- Não v ades lá, disse Galaaz, por que sabei que r ei Mar s foi desbar at ado, ele e t oda sua com panhia e v ai
par a sua t er r a fugindo quant o pode. E eu est iv e no desbar at o.
Quando ouv ir am est as nov as, t iv er am t ão gr ande alegria, que não podiam cr er ; e per gunt ar am - lhe
quando for a aquele desbar at o. E ele lhes disse o dia em que for a.
- Ai, por Deus! disse Agr av aim , se não for v er dade, não nos façais acr edit ar , por que nos confundir íeis.
- Eu v os digo, disse ele, e j ur o sobr e m inha fé que v i r ei Mar s desbar at ado ant e a cidade de Cam alot e e
m or r er t ant a gente sua, que poucos ficar am v iv os.
Quando ist o ouv ir am , bendisser am a Deus e falar am :
- A Cam alot e não ir em os, pois que r ei Ar tur est á liv r e, por que nos t eriam por m aus, sobr et udo que nada
fizem os ainda.
- Cer t am ent e, disse Mor der et e, é ver dade, e por isso sou de opinião que volt em os à nossa dem anda.
E os out r os concor dar am .

489. Ent ão per gunt ar am a Galaaz:


- Senhor cav aleir o, a qual par t e quer eis ir ?
- Não sei, disse Galaaz, senão que quer ia ir ao r eino da Ter r a For ânea.
- Nós t am bém , disser am eles, por que bem sabem os que nest a t er r a est á o r ei Par alít ico. Or a v am os
j unt os, disser am eles, at é que a v ent ur a nos separ e.
- Vam os, disse Galaaz.
Ent ão se m et er am a cam inho t odos os quat r o e for am ao gr ande cam inho e andar am t ant o que chegar am
a um a pequena flor est a; e não andar am m uit o por ela, que o cam inho pelo qual iam se div idia em quat r o
car r eir as. E Galaaz par ou logo e disse aos t r ês ir m ãos:
- Or a conv ém que nos separ em os, por que est as quat r o car r eir as no- lo ensinam .
E eles que pouco pr ezav am sua com panhia, disser am - lhe:
- I de por onde quiser des, por que não quer em os nos separ ar .
E Galaaz foi pela car r eir a que v iu m ais est r eit a, e eles pela m aior , falando dele e dizendo qu e nunca t ão
m au cav aleir o achar am e t ão cov ar de.
- Ai, Deus! disse Agr av aim , quant o há ent r e est e Galaaz e o nosso!
- Cer t am ent e, disse Mor der et e, m uit o fom os m aus que lhe não t om am os o escudo que t r azia, por que t ão
m au cav aleir o não dev íam os supor t ar que t r oux esse t al escudo com o o do m elhor cav aleir o do m undo, por que
est e é v er gonha de t odos os bons cav aleir os e desonr a e despr ezo de t oda a cav alar ia.
E os out r os concor dar am e disser am que for a bem se o t ir assem , de m odo que nunca t al escudo
t r oux esse.

490. Nist o falando, cav algar am os t r ês ir m ãos at é hor a de t er ça e ent ão acont eceu que t opar am com Galv ão e
com Quéia, o m or dom o, e com Br andeliz. Aqueles t r ês cav aleir os iam o m ais depr essa que podiam par a
Cam alot e, por que ouv ir am dizer que r ei Ar tur est av a cer cado e iam com j or nadas m uit o longas par a chegar em
logo em sua aj uda. E assim que se r econhecer am ficar am m uit o alegr es, por que havia t em po que não se v iam .
E Guer r ees lhes per gunt ou:
- A que lugar ides com t ant a pr essa?
- A Cam alot e disser am eles, por que nos disser am que r ei Ar t ur est av a cer cado.
- Podeis v olt ar , disse Guer r ees, por que r ei Mar s est á desbar at ado e r ei Ar t ur liv r e, e ist o apr endem os de
um cav aleir o que lá est eve.
Quando ist o ouv ir am , er guer am as m ãos par a o céu e disser am :
- Bendit o sej a Deus que t ão gr ande m er cê fez ao r eino de Logr es.
E Galv ão disse a Br andeliz:
- I r em os a, Cam alot e ou v olt ar em os?
- Em Cam alot e disse Br andeliz, que ir em os fazer , pois que est á liv r e r ei Ar tur ?
- Por que t enho pav or , disse Galv ão, que sej a m ent ir a.
- Não é, disse Br andeliz, ant es é v er dade, por que ont em m e disse u m cav aleir o que v inha de lá, m as
por que não t inha acr edit ado, não v o- lo ousav a dizer .
- Pois v olt em os, disse Galv ão, a nossa dem anda, por que ainda não fizem os nela algo por que v alham os
m ais.
Ent ão v olt ar am t odos os seis com panheir os. E Guerr ees per gunt ou a Galv ão:
- Senhor , sabeis nov as de Gaer iet e?
- Não, disse ele; há bem m eio ano que não o v ej o, m as ouv i m uit as v ezes nov as dele.
E Quéia disse ent ão:
- Não há dois m eses, o v i são e alegr e diant e da t or r e das donzelas e per gunt ou- m e nov as de Galaaz e
nada soube lhe dizer , por que poucas v ezes o v i nest a dem anda.
491. Quando Mor der et e ouviu falar de Galaaz, disse a Br andeliz e a Galv ão:
- E não sabeis? À noit e nos acont eceu a m ais for m osa av ent ur a do m undo.
E ent ão com eçou a cont ar quant o v ir am de Galaaz, o m au, e j ur av a que nunca t ão m au cav aleir o t r oux era
ar m as. Galv ão, quando est as nov as ouv iu, acr edit ou nelas e t ev e gr ande despeit o de que t ão m au cav aleir o
t r azia ar m as de t ão bom hom em com o Galaaz e não se pôde calar que o não dissesse.
- Cer t am ent e, quando assim v íeis sua m aldade, fost es m aus e m iser áv eis que lhe não t ir ast es o escudo.
Não sei quem o cav aleir o pensa que é, m as se a v ent ur a m e aj unt a com ele, não lev ar á o escudo; e ainda, se
não m e pr om et er com o cavaleir o que nunca novam ent e o t r aga, eu lhe far ei escár nio no cor po.
E o m esm o disse Quéia a Br andeliz.

492. Aquele dia, cav algar am t odos os seis at é hor a de noa e acont eceu ent ão que v ir am diant e de si ir Galaaz.
E quando os pr im eir os t r ês o v ir am , disser am aos out r os t r ês.
- Or a podeis v er o cav aleir o de quem t odo o dia hoj e falam os.
E Quéia deix ou- se a ele ir logo e disse- lhe:
- Dom cav aleir o, deix ai o escudo que t r azeis, ou guar dai- v os de m im .
E Galaaz, que o não r econhecia, disse- lhe:
- O escudo não deix ar ei, enquant o o puder defender .
E por isso v olv eu a cabeça do cav alo em sua dir eção e foi fer ilo de m odo que o m et eu em t er r a chagado
um pouco; depois t ir ou dele sua lança. Quando Galv ão v iu est e golpe, disse a seus ir m ãos:
- Por Sant a Maria, não é est e t ão m au cav aleir o com o dizeis. E Br andeliz, que disso t ev e gr ande pesar ,
por que bem soube que por am or da linhagem de r ei Bam for a Quéia der ribado, deix ouse ir a Galaaz; e Galaaz,
que o não r econhecia, t am bém o fer iu t ão r ij am ent e, que m et eu a ele e o cavalo em t er r a, e ao cair ficou t ão
est ont eado, que não soube se er a noit e, se dia. Galv ão, que t ev e pav or de ser fer ido de m or t e, disse a seus
ir m ãos:
- Escar necidos nos t endes pelo que nos fizest es cr er , est e cavaleir o é m uit o m elhor do que dizíeis, por que
se não fosse de m uit o gr ande bondade sobej a, não der r ibar ia Br andeliz.
- Senhor , disser am eles, não deis por isso nada, pois v ingar em os est e golpe.
Ent ão se deix ou Mor der et e ir a Galaaz, e Galaaz o pôs por t er r a do alt o da gar upa do cav alo, depois
der r ibou Guer r ees, e depois Agr av aim . Quando Galv ão v iu ist o, t ev e t ão gr ande pav or , que não soube o que
fizesse, senão que disse:
- Sant a Mar ia! Que é ist o que v ej o?
Ent ão t am bém disse:
- Mais quer o ser der r ibado ou m or t o do que não fazer o que puder par a v ingar m eus com panheir os. .
Galaaz j á se ia, por que não t inha v ont ade de j ust ar , e Galv ão gr it ou par a ele:
- Volt ai cav aleir o, por que v os conv ém j ust ar .
Quando Galaaz ouv iu que havia de j ust ar quer endo ou não, v olt ou e disse:
- Sant a Mar ia! Que cuidam est es cav aleir os fazer que não m e deix am ir por m eu cam inho em paz? Nunca
os afr ont ei e m e at acam sem r azão.
Ent ão v olt ou a Galv ão e fez a ele o m esm o que fizer a aos out r os e ainda pior , por que lhe fez na cox a
esquer da um a gr ande fer ida e der ribou- o t ão br av am ent e, que ele cuidou ficar por isso sem pr e par alítico. E
quando Galaaz v iu que não tinha o que t em er deles, entr ou em seu cam inho e com eçou a ir o m ais r ápido que
pôde, não por m edo, m as par a, se liv r ar de cont enda; e t am bém cuidav a que er am da casa de Ar t ur . E
Br andeliz, assim que viu a si e aos out r os por t err a, er gueu- se e disse- lhes:
- Escar necidos som os e enganados. Sabei que est e é Galaaz, o m elhor cavaleir o, filho de Lancelot e.
Cav alguem os e v am os at r ás dele e peçam os- lhe m er cê de que o at acam os sem r azão.
- Vam os, disser am os out r os.
E Galv ão, que est ava pior que os out r os, er gueu- se com o pôde e disse:
- Muit o err am os que at acam os por nossa sober ba. Or a podem bem r ir de nosso escár nio ele e t odos
aqueles que a r espeit o ouv ir em falar .

493. Ent ão cav algar am t odos os seis com o puder am e for am depr essa at r ás de Galaaz, de modo que o
alcançar am . E pedir am - lhe m er cê de que o at acar am sem r azão; m as bem sabei que se t iv er am por ,enganados
e os t r ês ir m ãos de quant o dele disser am . E depois que lhes per doou e queriam se separ ar dele, eis que v em
Heit or de Mar es e Mer augis de Por legues. Quando Heit or viu Galaaz, r econheceu- o e Galaaz a ele, e ficar am t ão
alegr es, que t ir ar am os escudos e for am abr açar - se e saudar am - se e r eceber am - se m uit o bem , e di sser am que
m uit o se desej av am v er , por que m uit o hav ia que não se v iam . Gr ande foi a alegria e o pr azer que um am igo
t ev e do out r o. E Galaaz per gunt ou a Heit or quem er a Mer augis. E disselhe o que sabia. E Galaaz o r ecebeu
m uit o bem , por que j á ouv ir a falar de sua bondade e cav alar ia em m uit os lugar es. E Mer augis rev er enciou- o
m uit o, quando o conheceu, por que bem sabia que aquele er a o m elhor cav aleir o do m undo. Gr ande foi a
alegr ia que os t r ês cavaleir os fizer am j unt os. E Mer augis, que er a m ais de falar do que Heit or , per gunt ou a
Galaaz:
- Senhor , quem são est es cav aleir os?
- São, disse Galaaz, t odos nossos ir m ãos da m esa r edonda.
E disse- lhe logo o nom e de cada um .
- Ai Deus! disse Mer augis, sede bendit o, por que v os apr ouv e achar eu Galv ão, ó desleal. Por cer t o, se or a
não for Er ec vingado, j am ais quer o t r azer ar m as.
E Heit or disse out r o t ant o. E Heit or foi logo a Galv ão e disse- lhe:
- Guar dai- v os de m im , por que v os desafio. Mat ast es à felonia e à t r aição Er ec, filho de r ei Lac, o m ais leal
cav aleir o do m undo que eu m ais am av a. Por v osso m aio m at ast es, por que o m at ast es à t r aição, e v os m at ar ei
por dir eit o.

494. Quando Galv ão ist o ouv iu, não soube o que r espon der , por que bem soube que Heit or dizia a v er dade e
ficou m uit o espant ado, por que v iu que Heit or er a bom cav aleir o, e viu Galaaz e Mer augis, que est avam do lado
dele, e v iu- se m uit o fer ido, e viu Heit or são. Todas est as coisas o faziam espant ar e não er a m ar av ilha. E
Mer augis lhe disse ent ão:
- Com o, dom Galv ão, não quer eis v os defender da t r aição de que dom Heit or v os acusa?
- Mer augis, disse Galv ão, não há no m undo t ão bom cav aleir o que m e acusasse que dele não m e
defendesse, m as v ej o que sei que não pode hav er bat alha ent r e mim e dom Heit or por causa da com panhia da
m esa r edonda que ent re nós há que ele sabe t ão bem quant o eu. Por isso m e m ar avilho do que quer fazer ,
por que não pode m ão m et er em m im , que se não per j ur e est r anham ent e. E por out r a par t e, se or a quisesse eu
est a bat alha, não a dev ia quer er ele, por que nenhum a honr a t er ia, por que ele est á são e eu fer ido. Mas lhe
dir ei o que poder á fazer em sua m aior honr a. Ele é da casa de r ei Ar tur e eu t am bém . Deix e or a est a bat alha e
acom et a- m e em casa de r ei Ar t ur , onde há m uit os hom ens bons. Lá m e defender ei, e se não puder m e
defender , m or r a eu com o t r aidor , e se v enço, saiba que lhe far ei com o a falso acusador .
- Ai, cav aleir o desleal! disse Heit or , não v os v ale isso nada; conv ém defender - v os aqui ent r e v ossos ir m ãos,
ou v os m at ar ei, ou v os far ei cont ar a tr aição que fizest es na m or t e de Er ec.
E ele r espondeu:
- I st o não pode ser . Não m e podeis aqui for çar est a bat alha, por que est ais são e eu fer ido, não podeis t ant o
cuidar dest e r ept o, que eu não t enha pr azo de quar ent a dias; e ent ão, sem falha, depois que for m ar cado o dia
da bat alha, se eu não com par ecer , poder eis m e at acar , quer ar m ado, quer desar m ado, quer são, quer doent e,
no pr im eir o lugar onde m e achar des. E assim não poder íes fazer algo de que v os censur assem . Tal é o cost um e
dos cav aleir os de Logr es; e, além disso, quer eis m ão m et er em m im . Eu v os r ept o por isso de deslealdade e de
per j úrio e de hoj e a quar ent a dias m e r espondei em casa de m eu t io e v os pr ov ar ei que dev eis per der a
com panhia da m esa r edonda. E v o- lo digo aqui diant e de Galaaz.

495. Quando Heit or ist o ouviu, não soube o que dissesse, senão que r espondeu:
- Galv ão, Galv ão, sabeis m uit o do m al. Vossa t r aição é m uit o escondida e encober t a, e bem v ej o que est a
bat alha não pode or a ser , por que afr ont ar ia o sacr am ent o da m esa r edonda. Mas se Deus m e lev a à casa do r ei
e lá vos acho, eu vos far ei ver que nunca m at ast es alguém , cuj a m or t e t ão bem sej a vingada com o a de Er ec.
Ent ão v ir ou par a Galaaz e disse- lhe:
- Senhor , deix ai a com panhia dest e desleal cav aleir o, por que ninguém poder ia per t o dele est ar , que não
pior asse.
- Dom Heit or , disse Galaaz, não digais ist o. Se dom Galv ão afr ont ou algum de seus com panheir os por m á
v ont ade ou por desconhecim ent o, guar dar - se- á out r a v ez m elhor . Cer t am ent e, nunca ouvi t ant o m al dele dizer
com o dizeis. E por isso não sei se posso acr edit ar .
E ent ão disse Mer augis:
- Galv ão, Galv ão, não v aleu a Er ec a com panhia da m esa r edonda, nem que andav a m uit o fer ido, nem
que o r econhecest es, nem que o sau dast es e m at ast es- lhe o cavalo e depois, igualm ent e o m at ast es. E or a ides
assim quit e, que não quer eis r esponder ao r ept o. Sabei que, se aqui não est iv esse dom Galaaz, eu cuidar ia
pr ov ar facilm ent e a deslealdade de que v os acusa dom Heit or , por que sei bem que andast es deslealm ent e, e
nunca alhur es v os achar ei que v o-lo não pr ov e.
Ent ão saír am dali Galaaz e Heit or e Mer augis e os out r os igualm ent e for am par a out r a par te.
- Dom Heit or , disse Galaaz, a que lugar quer eis ir ?
- Senhor , disse ele, v am os a Cam alot e, por que nos disser am que est av a r ei Ar t ur cer cado.
- Volt ai, disse Galaaz, por que a r espeit o v os dir ei boas nov as.
Ent ão lhes cont ou quant o a r espeit o v ir a. E quando ouv ir am que r ei Mar s e os de Sanson ha est av am
desbar at ados, est ender am suas m ãos par a o céu e agr adecer am m uit o a Nosso Senhor . Ent ão pergunt ar am a
Galaaz:
- Senhor , onde quer eis ir ?
- Eu quer ia ir , disse ele, ao r eino da Ter r a For ânea, por que ouv i dizer que lá acont eciam as m aior es
av ent ur as do r eino de Logr es.
- É v er dade, disse Heit or , ouv i m uit os hom ens bons falar em a r espeit o e conheço bem aquele cam inho.
- Or a, disse Galaaz, lev e-nos lá Nosso Senhor , de m odo que sej a saúde de nossas alm as.

LXVI I I
Ca st e lo Fe lã o

496. Ent ão for am pelo gr ande cam inho e andar am quat r o dias que não achar am av ent ur as. E sabei que
naqueles quat r o dias se afast ar am m uit o de Cam alot e, por que dor m iam pouco e faziam gr andes j or nadas e
t r ocav am am iúde os anim ais. Aos cinco dias, lhes acont eceu que chegar am a um cast elo que tinha nom e
cast elo Felão. E er a aquele cast elo senhor dos da t er r a ao r edor , na ex t ensão de um a j or nada de t odos os
lados. E indo achar am um a donzela m uit o for m osa e m uit o bem v est ida e t inha um gavião em sua m ão e
andav a com ela um donzel. A donzela andav a a pé folgando por um a ribeir a. E quando chegar am os cav aleir os
a ela, disse- lhes:
- Senhor es cav aleir os, v olt ai, por que ides m uit o loucam ent e, pois não podeis sair sem a per da dos cor pos,
se m ais adiant e for des, por que est e é o cast elo Felão, de onde nenhum cav aleir o e nenhum a donzela, que
ent r e, sai, ant es ficam lá t odos em pr isão.
- Por quê? disse Galaaz.
- Por m aus cost um es, disse ela, que lá há e m aldit os sej am t odos aqueles que os est abelecer am e os
m ant êm , por que m uit os bons hom ens e m uit as donzelas caem lá em gr ande desv ent ur a.
- Donzela, disse Galaaz, não há j eit o de v olt ar m os at é que saibam os o que. é, por que por out r a coisa não
saím os de nossas t er r as, senão par a v er m os as m ar av ilhas do r eino de Logr es.
Ent ão despedir am - se dela e for am à ent r ada da por t a.

497. Sabei que est e cast elo ficav a num a gr ande m ont anha e er a t ão for t e que nada t em ia. Aquele cast elo fizer a
Galm anasar , par ent e de Pr íam o, r ei de Tr óia. Aquele Galm anasar er a bom cav aleir o de ar m as e t ev e seus filhos
bons cav aleir os, que tiv er am a t er r a depois dele t ão em paz, que não t iv er am vizinho que os ousasse guer rear .
Aquela t er r a t ev e sua linhagem de um her ege em outr o, at é que v ier am os cr ist ãos. E nunca r ei Mor dr aim nem
Nascião, quando chegar am à Gr ã- Br et anha, não lhes puder am pr ej udicar , nem José de Ar im at éia, nem Josefes,
seu filho, não os puder am t or nar cr ist ãos, nem sant o Agost inho, que naquela ocasião est ev e na I nglat er r a;
ant es lhes fizer am m uit o escár nio. De onde acont eceu que, por que achou lá os m ais felões hom ens do m undo,
pôs nom e ao cast elo Felão, que nunca depois per deu seu nom e.
498. Dest e m odo v iv er am pagãos nest e cast elo Felão, onde t oda out r a t er r a do r eino de Logr es est av a
conv er t ida à fé de Cr ist o. Por cost um e, os senhor es daquele cast elo, assim com o v inham de um her ege par a
out r o, er am t odos t ão bons cav aleir os de ar m as, com o se o fossem por nat ur eza. E quando r ei Ut er Pandr agão
r einou, foi cer car aquele cast elo, e ficou lá m uit o t em po, m as não o pôde t om ar . Dest e m odo m or ar am naquele
cast elo pagãos desde a dest r uição de Tr óia at é o t em po de r ei Ar t ur , que nunca achar am ao m enos quem lhes
m uit o incôm odo fizesse. Os do cast elo não t inham t ant a fam a ant es do t em po de r ei Ar t ur , por que viviam em
sua t er r a, m as quando souber am a v er dade da m esa r edonda e por quão gr ande or gulho for a feita e aqueles
que dela er am , que hav iam de andar pelo m undo buscando as m ar av ilhas e as av ent ur as, e v ir am que r ei Ar t ur
er a poder oso, m ais do que out r o r ei cr ist ão, o que er a senhor do cast elo pensou com o o poder ia dest r uir . Ent ão
m andou fazer no cam po, ao pé dest e cast elo, sobr e um padr ão de m ár m or e m ui r icam ent e con st r uído, um
let r eir o t alhado que dizia: "Ai, t u, cav aleir o andant e, que v ais buscando av ent ur as, se ousas ir lá em cim a e dar
cabo à av ent ur a do cast elo, j á não dem andar ás cousa que não t enhas." E out r o hav ia lá que dizia: "Ai, t u,
donzela desaconselhada, que v ais dem andando aj uda de cav aleir o av ent ur oso ou de out r em , se ou sas ir àquele
cast elo, j á não par t ir ás que não est ej as aconselhada à t ua v ont ade."

499. Assim diziam os let r eir os daquele padr ão, que er a feit o par a enganar os cav aleir os e as donzelas que por
lá passassem , e bem er am enganados, por que logo que os cav aleir os subiam , m et iam nos em pr isão e ficav am
lá at é m or r er . Mas não faziam assim às donzelas, que as t inham por concubinas, e depois que se enfadav am
delas, faziam - nas apr ender a lavr ar seda e assim as t inham por escr av as sem pr e. De t al m odo com o v os cont o
fez o senhor do cast elo fazer o padr ão. Daí acont eceu que m uit os hom ens bons m or r er am lá e m ais de
quinhent as donzelas ficar am escr av as. E er a dest e m odo que aquele gr ande m al daquele cast elo, não o sabiam
no r eino de Logr es, por que os do cast elo não quer iam dizer par a não per der ; e os cav aleir os que ent r av am lá
m or r iam t odos e as donzelas ficav am t ão guar dadas, que não podiam sair .

500. Dest e m odo, cuidou bem Ar pião, que er a senhor do cast elo Felão, que poder ia acolher t odos os bons
cav aleir os de rei Ar tur , m as não pôde, por que Nosso Senhor não quis que aquela tr aição dur asse sem pr e. E
quis, por ém , que chegasse o bom cav aleir o e que, à sua v inda, acabasse aquele gr ande dano. Quando os t r ês
cav aleir os, que não v ir am o padr ão, por que não for am por aquele cam inho onde ele est av a, subir am a
m ont anha e chegar am à por t a, não achar am quem lhes im pedisse a ent r ada; m as assim que ent r ar am , deix ou-
se cair um a por t a lev adiça de fer r o e fez t ão gr ande r uído, com o se t odo o cast elo caísse. E olhar am ent ão par a
t r ás e disser am :
- Má gent e m or a nest e cast elo. Já cuidam que nos t êm pr esos.
- Não v os espant eis, disse Galaaz, por que Nosso Senhor nos por á for a por nossa honr a.
Ent ão for am pela gr ande r ua do cast elo dir et am ent e ao alcácer ; e enquant o passav am de r ua em r ua,
ouv ir am falar a t odos a língua pagã.
- Por Deus, disse Galaaz, não são est es, da nossa gent e. Or a pense cada um bem fazer , por que bem sei
que daqui não podem os sair sem cont enda.
- Nós, disser am os out r os, não t em os m edo enquant o est iv er m os conv osco.
Nist o falando, chegar am ao alcácer , que ficav a num cam po pequeno, e o alcácer er a m uit o for m oso e
m uit o bem assent ado. E quando chegar am à por t a, achar am - na aber t a e ent r ar am no cur r al e os do cast elo
r eceber am - nos m uit o bem e segur ar am - lhes as est ribeir as e descer am - nos e m ost r ar am - lhes grande am or .
Mas out r a coisa t inham no ínt im o.

501. Quando os lev ar am ao paço, fizer am - lhes t ão gr ande fingim ent o de am or e de alegr ia, que consider ar am
que em boa hor a ali vier am . E fI zer am - nos desar m ar logo e per gunt ar am - lhes de onde er am e eles disser am
que er am da casa de r ei Ar t ur .
- Sede bem - v indos, disser am , m uit o m ais v os am am os por isso. E depois que for am desar m ados, v eio a
eles um v elho cav aleir o e disse- lhes:
- Quer eis vir com igo e v os m ost r ar ei um cav aleir o da m esa r edonda que aqui est á doent e.
- Vam os, disser am eles, por que de bom gr ado o quer em os v er .
E ele foi adiant e e lev ou- os at é a t or r e; e foi a um a por t a pequena de fer r o e abr iu- a e disse- lhes:
- Ent r ai e esper ai lá dentr o e depois v os m ost r ar ei o que v os pr om et i.
E eles, que não desconfiav am da t r aição, ent r ar am . E ele pux ou a por t a e fechou- a. E depois disse- lhes:
- Or a fazei o m elhor que puder des, por que j am ais sair eis daqui, senão m or t os, e est a é a v ossa der r adeir a
av ent ur a.

502. Quando vir am que est av am t r ancados, disser am ent r e si:


- Ai, Deus, com o aqui há gr ande t r aição. Nunca daqui sair em os, se não nos t ir a daqui quem aqui nos
m et eu.
- Não v os espant eis, disse Galaaz, sabei que se t em os ser v ido nest a dem anda aquele por cuj o am or nela
ent r am os, não nos esquecer á, antes nos t ir ar á daqui, m al gr ado de quant os nest e cast elo est ão, por que é o
dir eit o pegur eir o que de t odo per igo liv r ar á suas ov elhas.
E Mer augis disse:
- Assim com o pode nos liv r ar , nos livr e, pois m uit o nos é m ist er .
- Ai, Deus, disse Heit or , não v os esqueçais de nós.
Assim falar am ent r e si de sua av entur a e disser am que bem dev e ser aquele cast elo cham ado cast elo
Felão, por que v er dadeir am ent e aqui est á a m ais desleal gent e que nunca cuidam os achar .
E nist o falando, ador m ecer am Heit or e Mer augis, por que andav am m uit o cansados. Mas Galaaz não
ador m eceu, por que pensav a em out r a cousa m uit o m ais que eles; por que deit ou- se e ficou o m ais da noit e em
pr eces e de j oelhos e inclinado, r ogando a Nosso Senhor com m uit as lágr im as, que ele, por sua piedade, o
socor r esse e o t ir asse daquela pr isão, por que de out r o m odo não t inha com o sair . Depois que fez sua or ação a
Nosso Senhor , ador m eceu e v eio a ele um hom em m uit o for m oso em figur a igual àquela que outr a vez lhe
apar eceu, e disse- lhe:
- Galaaz, não t e espant es e fica segur o de que am anhã est ar ás liv r e, por que o alt o Mest r e recebeu t ua
or ação. Mas quando est iv er es livr e, dest r ói est e cast elo e quant os nele est ão, ex cet o as donzelas pr esas, a
est as liv r a, por que não quer Deus que sofr am a desv ent ur a que at é aqui sofr er am .
I st o foi dit o a Galaaz em sonhos, de que se lem br ou m uit o bem , quando se desper t ou.

503. No out r o dia, quando o sol j á est av a lev ant ado, desper t ou- se e disse ist o:
- Ai, Senhor Pai Jesus Cr ist o, não t e esqueças de nós, m as socor r e- nos, se t e apr azo
E Mer augis t am bém disse o m esm o; e Galaaz os confor t ou e disse- lhes:
- Não t enhais pav or , por que Nosso Senhor nos socor r er á m uit o r ápido.
- Ai, Deus! disser am eles, e ist o com o pode ser ? Pois est am os t r ancados ent r e nossos inim igos m or t ais e
em t al cast elo de onde o m undo t odo não nos poder ia t ir ar por for ça.
E dest e m odo queix ando- se, v ir am que o t em po m udav a e escur ecia com o se quisesse ser noit e e
com eçou a fazer tr ov ões e r elâm pagos e cair coriscos por m eio do cast elo de t odos os lados t ão espessam ent e,
que não há quem os v isse que não dev esse t er gr ande pav or .
- Ai, Deus, Pai Jesus Cr ist o, disse Heit or , t em de nós m er cê e não nos faças com pr ar a deslealdade da
gent e falsa dest e cast elo.
E o m esm o disse t am bém Mer augis, que t inha m uit o gr ande pav or de naquela hor a ser m or to. E Galaaz
os confor t av a ainda, m as nenhum confor t o lhes v alia, t ão gr ande pav or t inham .

504. Depois daquela t em pest ade e aquele t em po dur ou desde a hor a de pr im a at é a hor a de t er ça, acont eceu
ent ão um a t ão gr ande m ar avilha, que bem dev e ser m et ida em cont o, por que, sem falha, foi um dos for m osos
m ilagr es, que algum a v ez acont eceu no r eino de Logr es no t em po das av ent ur as, pois a t or r e, que er a for t e à
m ar av ilha, aquela onde os t r ês cav aleir os est av am , fendeu- se de alt o a baix o, assim que um a par t e dela caiu à
dir eit a e outr a, à esquer da e m at ou m uit a daquela gent e m á. Quando os t r ês cav aleir os que na pr isão est av am ,
v ir am a t or r e cair , t iv er am t ão gr ande pav or , que caír am em t er r a esm or ecidos. Sabei que a t or r e caiu de m odo
que não fez nenhum m al a nenhum deles. E depois que acor dar am e v ir am que não tinham nenhum m al, e
v ir am que poder iam sair dali, ficar am de j oelhos em t er r a e est ender am suas m ãos par a o céu e agr adecer am
m uit o de cor ação a Nosso Senhor . E depois que ficar am m uit o em or ação, Galaaz lhes disse:
- Or a par a cim a e t om e cada um suas ar m as e m at em os quant os achar m os nest e cast elo, e deix em os as
donzelas que est ão pr esas, por que Nosso Senhor assim o quer .

505. Bem com o Galaaz o disse fI zer am eles, por que saír am dali sãos e cor aj osos e f or am par a onde deix ar am
as ar m as. E quando chegar am ao paço, achar am t odos os cav aleir os e os hom ens que j aziam esm or ecidos pelo
gr ande pav or que t iv er am .
- Ai, Deus! disse Galaaz, que far ei sem m inha espada? Senhor Jesus Crist o, apr aza- v os que a t enha.
E ist o dizendo, v eio a ele um a m uit o for m osa donzela que lhe disse:
- Meu senhor Galaaz, sede bem - v indo e bendit o sej a Deus que v os aqui t r oux e, por que por v ós ser ão
livr es as donzelas pr esas. Ent ão lhe deu sua espada e disse- lhe:
- Vedes aqui v ossa espada, guar dai- a bem de hoj e em diant e.
E ele t om ou sua espada e agr adeceu m uit o. E depois disse- lhe:
- Sabeis onde est ão v ossas ir m ãs?
E ela os lev ou a um a câm ar a onde est av am . E depois que for am ar m ados, v olt ar am aos do paço, que se
lev ant ar am , e com eçar am a der r ibar e a fer ir e a fazer t al m or t andade que m ar avilha. E depois que m at ar am
t odos aqueles, for am à v ila e puser am - lhe fogo de t odos os lados, de m odo que em pouco t em po ficou t oda
queim ada e os que escapav am do fogo, m at av am - nos a t odos, assim que at é a hor a de v ésper as não ficou
ninguém v iv o.
No m eio do cast elo hav ia um a gr ande t or r e que t inha m uit o gr ande cam po. Naquela t or r e est av am as
donzelas pr esas; e aquela t or r e ficou fir m e e sãs t odas as donzelas que lá est avam , por que a Nosso Senhor não
apr azia que ainda m orr essem . E quando Galaaz viu que t odas as cousas do cast elo est av am dest r uídas, m enos
a t or r e, disse aos out r os:
- Vam os v er o que há naquela t or r e.
Ent ão for am lá e achar am num paço bem t r ezent as donzelas que est av am esm or ecidas com pav or do
t em po feio que fizer a; e acor dar am - nas t odas e disse- lhes que não t iv essem pav or , por que hav ia acabado o
m au t em po e elas est avam liv r es, e depois disser am lhes quem er am e por que chegar am lá; e depoi s for am ao
out r o paço, e achar am lá bem duzent as donzelas, m uit as v iv as, m uit as esm or ecidas e m uit as m or t as e
acor dar am um as e igualm ent e confor t ar am - nas com o às out r as.

506. Quando elas ouvir am est as nov as, nunca t ão gr ande pr azer tiv er am e disser am :
- Est á aqui dom Galaaz? Por que bem sabem os que por out r em não hav em os de ser liv r es.
E Mer augis o m ost r ou e elas ficar am diant e dele de j oelhos e disser am :
- Senhor , sede o bem - v indo e bendit o sej a Deus que v os aqui t r oux e, por que or a sabem os bem que
ser em os liv r es do gr ande sofr im ent o e do gr ande cansaço em que est áv am os.
E ele as er gueu e disse- lhes:
- Agr adecei a Nosso Senhor e a out r em não deis gr aças.
Depois igualm ent e disse- lhes:
- Olhai quant as são as donzelas m or t as.
E elas as cont ar am e achar am que er am cinqüent a. Depois v olt ar am ao paço em que ant es ent r ar am e
achar am as out r as fazendo t ão gr ande alegr ia que m ar av ilha, por que j á sabiam com o Galaaz est av a lá e com o
est avam liv r es, e por isso est avam t ão alegr es, que par ecia que cada um a er a r ainha.

507. Gr ande foi a fest a e a alegria que as donzelas fizer am a Galaaz. E ele lhes per gunt ou:
- Com o soubest es que havia eu de vir e havíeis de ser livr es por m im ?
- Senhor , disser am elas, por um a donzela, fI lha do r ei de Lom blanda, que est e ano est ev e conosco na
pr isão e adoeceu do que m or r eu; e quando est av a par a m or r er , disse- nos: "Donzelas, que est ais aqu i na
pr isão, não v os desconfor t eis, m as f I cai alegr es, por que v os t r ago boas nov as: dom Galaaz, o m uit o bom
cavaleir o, o que há de dar cabo às avent ur as do Gr aal, vem aqui, e assim que ele vier , ser eis livr es dest a pr isão
em que est ais, e est e cast elo ficar á por isso dest r uído e despov oado par a sem pr e." Assim nos disse a donzela
de v ós e assim acont eceu, Deus t enha por isso boas gr aças.

508. Todo aquele dia ficar am as donzelas em t ão gr ande alegr ia; e, à noit e, disse- lhes Galaaz:
- O que poder em os fazer de v ós, por que não podem os aqui est ar m uit o.
- Nós ficar em os, disser am elas, at é que levem os nossas com panheir as que est ão m or t as a sot er r ar em
lugar sagr ado ou per t o ou longe. E depois que ist o fizer m os, ir em os à casa de r ei Ar t ur par a lhe cont ar as
m ar av ilhas que Nosso Senhor fez aqui por v ós.
Pois elas sabiam j á bem com o a t or r e caír a e com o os guar dar a Deus ao cair da t or r e.
- Se v ós, disse Galaaz, for des à casa de r ei Ar t ur , saudai- o m uit o por m im e a t odos os da sua casa, e
dizei que, se a Deus apr ouv esse que eu v olt asse à m esa r edonda, ficaria m uit o alegre, por que nunca est iv e em
com panhia com que t ant o m e sat isfizesse.
E elas disser am que o far iam , se Deus lá as lev asse.

509. Aquela noit e for am m uit o ser vidos por aquelas donzelas Galaaz e os outr os. Pela m anhã, part ir am t odos
os t r ês e andar am m uit as j or nadas sem av ent ur a achar que de cont ar sej a e fizer am saber pela t er r a que os
pagãos de cast elo Felão est av am t odos m or t os e o cast elo dest r uí do. Est as nov as for am logo sabidas por t oda
a t er r a e iam t odos lá par a v er se er a v er dade. E quando v ir am a m ar av ilha que acont ecer a com o cast elo e a
t or r e, os que não t inham fé, passar am logo a t er e fizer am - se bat izar e disser am que bem fizera Deus sua
v ingança. As donzelas que lá ficar am , depois que fizer am ent er r ar suas com panheir as, for am t odas a pé par a
Cam alot e e sabei que er am quatr ocent as e cinqüent a. E depois que elas cont ar am ao r ei, que est av a j á cur ado
de sua chaga, quant o acont ecer a no cast elo Felão e a m ar av ilha da t or r e, est endeu suas m ãos par a o céu e
agr adeceu m uit o a Deus e disse que est e er a dos for m osos m ilagr es que algum a v ez v ir a.
Ent ão m andou o r ei lev ar as donzelas cada um a par a sua t er r a t ão bem t r aj adas com o cada um a quis; as
out r as, sem falha, que quiser am ficar com a r ainha, for am m uit o ser v idas e m uit o honr adas por am or de
Galaaz e casadas quando lhes apr ouv e. E o r ei par t iu ent ão de Cam alot e com m uit a gent e e foi ao cast elo Felão
e subiu lá e v iu com o est av a dest r uído e com o a t or r e for a par t ida pelo m eio, e disse:
- I st o foi v ingança de Nosso Senhor e m ilagr e bem conhecido. E m andou buscar por t oda a t er r a quant os
m est r es havia que soubessem fazer t or r e e cast elo e disse que, pois aquela gent e de lá havia saído, ele far ia
pov oar o cast elo de gent e boa e cr ent e, se a Deus apr ouv esse, e por isso m andou v ir t ant a gent e par a pov oálo,
que foi gr ande m ar av ilha; m as não apr ouv e a Deus que fosse pov oado, pois achar am cer t a m anhã m or t os de
m or t e súbit a bem dois m il e quinhent os hom ens, e os que ficar am v iv os, quando ist o v ir am , fugir am .
O r ei, quando v iu que est av am m or t os os que ele m an dar a pov oar o cast elo, par eceu- lhe que não apr azia
a Nosso Senhor que ele fosse pov oado, e por isso o deix ou er m o, m as disse que quer ia edificar a t or r e; e Deus
fez gr ande m ilagr e, que quant o o r ei const r uiu em quinze dias, caiu t udo num a noit e. E o r ei t ev e gr ande pesar
e disse com sanha:
- I st o não há m ist er .
E m andou- a r ecom eçar out r a v ez. E quando est av a feit a gr ande par t e, caiu t udo por t er r a. E quando o r ei
ist o v iu, disse:
- Bem v ej o que não quer Nosso Senhor que est a t or r e sej a lev ant ada por m im ; cont udo t ent ar ei out r a
vez.
E m andou r ecom eçar .
Um a noit e, est ando o r ei Ar t ur em seu leit o a pensar na t or r e que lhe caír a t ant as v ezes, disse- lhe um a
voz: "Art ur , não t e esfor ces m ais por levant ar a t orr e, que não apr az a Deus que sej a edificada por alguém t ão
pecador com o t u, e j am ais ser á feit a por t i e por outr em , at é que v enha um r ei de Gaula, que t er á nom e
Car los, e aquele conv er t er á à fé de Jesus Cr ist o m ais gent e que t u, e não ser á t ão honr ado nem t ão poder oso,
nem t er á t ão boa cav alar ia com o t u, m as ser á m elhor cr ist ão e m ais leal à sant a I gr ej a; e aquele m et er á em
seu senhor io t odo o r eino de Logr es e m uit os out r os r einos; e aquele v ir á da linhagem de r ei Bam e bem
par ecer á linhagem de cav aleir os aquela linhagem ."
Tudo ist o que v os digo declar ou a v oz a r ei Ar t ur enquant o est av a pensando na t orr e que lhe caír a, e pela
m anhã, ant es que se lev ant asse, chegar am m ensageir os que lhe disser am :
- Senhor , a t orr e est á caída, não v os esfor ceis m ais em lev ant ála, que a não podeis acabar .
- Ver dade é, disse o r ei, pois sei nov as v er dadeir as, que j am ais em nosso t em po ser á edif icada, e por isso
a quer o deix ar .
E dest e m odo par t iu o r ei de cast elo Felão. E quando chegou a Cam alot e, m andou m et er em escr it o o
nom e de r ei Car los e quant o a v oz lhe disse, e m andou guar dar o escr it o num ar m ár io da Sé de Cam alot e, e
ficou guar dado at é a chegada de Car los Magno, que conqu ist ou a I nglat er r a e out r os m uit os r einos, com o a
v er dadeir a est ór ia cont a; e, bem assim com o o r ei m andou escr ev er , acont eceu depois, pois sucedeu, quando
Car los conquist ou a I nglat er r a, que ouv iu falar daquela t or r e de cast elo Felão, que Nosso Senhor par t ir a pelo
m eio par a liv r ar a Galaaz e seus com panheir os; e foi par a lá e disse que quer ia lev ant ar aquela t or r e, por am or
do bom cav aleir o, se a Deus apr ouv esse; e depois a edif icou, ' e não se acha que out r a t or r e fizesse em t oda a
I nglat er r a; e depois de lev ant ada a t or r e, m andou fazer um cav aleir o de our o, o m ais bem t r abalhado e lav r ado
que foi possív el; e m andou fazer outr o escudo e out r as ar m as com o as de Galaaz, e m andou fazer um assent o
de our o t ão for m oso e t ão r ico que m ar av ilha er a. E depois de t udo feit o, m andou pôr o assent o em cim a da
t or r e e fez nele assent ar o cav aleir o que er a feit o em honr a de Galaaz; e m andou const r uir sobr e ele um ar co
de pedr a, de m odo que a chuv a não pudesse dar nele de nenhum lado; e aquela est át ua est av a naquele
assent o de m odo que não podia cair , se por for ça não a der r ibassem ; e t inha em sua m ão dir eit a um a m açã de
our o par a significar que ele for a o m elhor cav aleir o do m undo. E hav ia ainda out r a r iqueza naquela est át ua:
t inha no m eio do peit o um a pedr a t ão r eluzent e que, por tem po escur o que fizesse, podia alguém por ela v er
por onde andav a m ais de m eia légua, t ant o br ilhav a a pedr a. Dest e m odo fez Car los Magno a est át ua de
Galaaz; e est ev e lá aquela est át ua m ais de duzent os anos e depois foi t om ada pelos hom en s m aus de
I nglat er r a, que caír am em pobr eza pela falt a de cav alar ia.
Or a deix a o cont o a falar de cast elo Felão, por que assaz falou dele e v olt a a Lancelot e, quando na r iba de
Mar coisa fazia or ações a Nosso Senhor por que não caísse em desesper ança.
Quando caiu a noit e, desar m ou- se, encom endou- se a Deus e ador m eceu; e no sono ouv iu um a v oz que
lhe disse: "Lancelot e, levant a- t e, t om a t uas ar m as e em bar ca na pr im eir a nave que encont r ares."
E ele se lev ant ou, t om ou suas ar m as e se encom endou a Deus. E quando ficou pr ont o, olhou par a a pr aia
e v iu v ir um a nav e sem v elas nem lem e, e nela em bar cou e deu gr aças a Deus e ador m eceu. No out r o dia, de
m anhã, ao acor dar , olhou ao r edor de si e v iu um leit o m uit o for m oso e m uit o r ico; e no leit o j azia m or t a um a
donzela, de quem só o r ost o est av a descober t o, e t ant o olhou de cá e de lá, que descobr iu debaix o da cabeça
da donzela um a car t a. E a car t a assim dizia: "Est a donzela foi ir m ã de Per siv al, e foi sem pr e v ir gem na v ont ade
e nos at os. Foi ela que tr ocou a cint a da espada da est r anha cint a, que or a leva Galaaz, filho de Lancelot e do
Lago." Em seguida, a car t a r elat av a a v ida da donzela e com o for a m or t a. Quando soube Lancelot e a v er dade
da car t a, ficou m ais alegr e do que soía, pois t ev e gr ande pr azer , por que soube que Boor z e Galaaz est av am
j unt os.

LXI X
La nce lot e e Ga le ga nt im

510. Ent ão Lancelot e pôs a car t a onde achar a e foi ao conv és da bar ca e ficou de j oelhos e fez sua or ação a
Nosso Senhor par a que, ant es que a dem anda acabasse, lhe m ost r asse seu filho Galaaz, e o r econhecesse e
falasse com ele e t iv esse algum a sat isfação com ele. E fazendo est a or ação, olhou e v iu que a nav e apor t ou
per t o de um a r ocha e, ao pé da r ocha, hav ia um a capela pequena. À ent r ada da capela, est av a sent ado um
velho t odo de cabelos br ancos c t r em endo de velhice. E quando Lancelot e chegou a ele, saudouo; e ele
igualm ent e o saudou, m ais for t e do que ele cuidar ia; e er gueuse de onde est ava e chegou- se à bar ca e
per gunt ou a Lancelot e que av entur a o t r oux er a ali. E Lancelot e lhe cont ou logo t odos os seus feit os e com o a
bar ca o t r oux er a onde nunca cuidar a que iria.
- Com o t endes nom e? disse o hom em bom .
E ele se nom eou; e quando ouviu que er a Lancelot e do Lago, est endeu as m ãos par a o céu e disse:
- Pai dos céus, bendit o sej as, que t e apr ouv e que eu v isse, ant es de m inha m or t e o cav aleir o do m undo
que m ais desej av a v er . Ai, filho Lancelot e, m uit o t e desej ei v er . Sabes quem sou?
- Senhor , não, disse ele, se não disser des.
- Or a sabe, disse ele, que sou rei Galegantim . Tua m ãe, a r ainha Helena foi m inha filha e out ra sua ir m ã.
E, m uit o m eninas, as dei, um a a r ei Bam e outr a, a r ei Boor z, por m ulher es. E depois que as casei, entr ei no
m ar e v im aqui ser er m it ão, por um pecado de que m e sent ia culpado par a com m eu Cr iador . Muit o t em po
m or ei aqui nest a penit ência por pur gar aquele pecado. E est ando aqui t ão longe de gent e, ouvi novas de t i por
m uit os bons hom ens que m e disser am que er as o m elhor cav aleir o do m undo e o m ais fam oso, e por ist o t e
desej av a v er , e a pr im eir a or ação que fazia cada dia a Nosso Senhor er a que ele não m e deix asse m or r er antes
que t e v isse. E pois or a t e v ej o, Deus por isso t enha boas gr aças e est ou m uit o alegr e e não dem ando de hoj e
em diant e nada m ais, senão a m or t e dest e m undo e a v ida do out r o; e por isso, com o quer que m e apr aza da
v ida que aqui lev ei esper ando a m er cê de Nosso Senhor , pesa- m e e chor o pela m á v ida que lev ast e com a
r ainha Genev r a, desde que fost e cav aleir o, pois és por isso t r aidor de t eu Senhor dos céus e de t eu senhor
nat ur al. E sabe que aquela deslealdade que t e fez t ant o descaber e fazer afor a de t odas as boas av ent ur as, que
não hás de acabar a av ent ur a da espada da est r anha cint a, não por não ser es bom cav aleir o, m as por t eu
pecado e pela gr ande t r aição que fizest e a t eu senhor . Est e pecado, sem falha, t e im pediu de acabar ist o e
out r as coisas m uit as, e dist o m e pesa m uit o. Por ém , com o quer que er r asses at é aqui, se t e quisesses cor r igir e
t e quisesses guar dar de pecar m or t alm ent e, ainda poder ias achar per dão e m er cê daquele em quem est á t oda
a piedade. Mas or a m e cont a com o ent r ast e nest a bar ca.
E ele lhe cont ou ent ão t odas as av ent ur as por que passar a desde que se confessar a do pecado da r ainha
Genevr a.
- Filho Lancelot e, disse ele, or a sabe bem que Nosso Senhor t e m ost r ou m uit o de sua boa v ont ade,
quant o t e apr ox im ou da com panhia de t ão sant a donzela. Or a cuida com o, t ant o em pensar com o em obr ar ,
sej as cast o, de m odo que t ua cast idade est ej a de acor do com a cast idade da donzela, por que assim poder ia
dur ar a t ua com panhia com ela.

511. E Lancelot e o pr om et eu de bom cor ação que se guar dar ia de fazer coisa que afr ont asse a seu Cr iador .
- Pois or a t e v ai, disse o hom em bom , pois não há de t ar dar , que est ar ás logo naquela casa onde desej as
chegar , na casa de r ei Pescador .
- E v ós, disse Lancelot e, que far eis? Ficar eis?
- Sim , disse o hom em bom , j am ais daqui, se Deus quiser , sair ei at é que r eceba o gr ande galar dão que
dev em r eceber aqueles que se m et em em ser viço de seu Cr iador . Filho, pensa em ti, por que quer o em m im
pensar , por que bem sei que não hei j á aqui de m uit o est ar . Nosso Senhor , se lhe apr az, faça que, depois que
eu daqui par t ir , m e r eceba na sua sant a glór ia.
Eles nist o falando, deu o v ent o na bar ca, de m odo que a fez par t ir da m ar gem . E, quando v ir am que
par t iam , r ecom endar am se a Deus e chor ar am , por que bem sabiam que nunca m ais se hav iam de v er . E
Galegantim disse a Lancelot e:
- Ai, Lancelot e, ser v o de Jesus Cr ist o, lem br a- t e de m im , de m odo que r ogues a Galaaz, o bom cav aleir o,
com quem logo est ar ás, que r ogue a Nosso Senhor por m im .
Quando Lancelote ouviu que est aria logo com seu filho Galaaz, ficou m uit o alegr e e deit ou- se em m eio da
bar ca de j oelhos e inclinado e com eçou a fazer sua or ação par a que Deus o lev asse onde lhe pudesse fazer
ser v iço.

512. Assim andou Lancelot e m uit o t em po na bar ca que nunca dela saiu. E se alguém m e per gunt asse do que
v iv ia, dir ia que aquele Senhor que deu o m aná no deser t o ao pov o de I sr ael e, par a seu beber , lhes fez sair
água da pedr a, aquele Senhor deu a est e cav aleir o o que lhe fez m ist er , por que t odos os dias, quando se
lev ant av a e fazia suas or ações, dizia no fim :
- Ai, m eu Senhor Jesus Crist o, não t e esqueças de m im e o m eu pão de cada dia dá- m e hoj e, com o pai
dev e fazer ao filho.
Cada v ez que aquela or ação fazia, achav a- se t ão cheio da gr aça de Deus, que lhe sem elhav a que com er a
de t odos os m anj ar es do m undo. E depois que andou m uit o t em po pelo m ar , do m odo com o a v ent ur a o
lev av a, acont eceu- lhe um a noit e que apor t ou a bar ca à beir a de um a florest a.
Mas or a deix a o cont o a falar dele e t or na a Galaaz e Heit or e Mer augis.

513. Quando Galaaz par t iu com sua com panhia de cast elo Felão, andou m uit as j or nadas sem av ent ur a achar
que de cont ar sej a, de m odo que a v entur a o lev ou onde est av a Tr ist ão fer ido das chagas que r eceber a,
quando o liv r ar am Galaaz e Palam ades, com o o cont o j á r elat ou. E quando achar am Tr ist ão, t iv er am m uit o
gr ande pr azer e fizer am m uit o gr ande alegr ia com ele, e Tr ist ão t am bém com eles, e per gunt ou- lhes novas. E
Galaaz lhe cont ou com o r ei Mar s com t odas as suas for ças e as de Sansonha cer cou r ei Ar t ur em Cam alot e
por que ouv iu dizer que t odos os cav aleir os da m esa r edonda est av am m or t os na dem anda do sant o Gr aal.
- Mas não foi assim , disse Galaaz, com o ele cuidou, por que ele foi t ão desbar at ado, que j am ais r ecuper ar á
a per da que t ev e, por que poucos escapar am , que não fossem m or t os ou pr esos. Por que afinal foi- lhe gr ande
bem quando pôde escapar da bat alha com alguns de sua com panhia.
- Com o? disse Tr ist ão, é v er dade que assim acont eceu a m eu t io r ei Mar s?
- Sim , disse Galaaz, eu o v i, por que est iv e na bat alha.
- E sabeis, disse Tr ist ão, algum as nov as da r ainha I solda?
- Cer t am ent e, disse Galaaz, não m uit as, apenas que r ei Mar s foi à Joiosa Guar da e ent r ou lá de noit e e
fez lá m uit o gr ande dano em gent e, at é que a achou e t r oux e- a consigo um t em po e depois env iou- a a
Cor nualha, ant es de ir cer car Cam alot e. Só ist o sei v er dadeir am ente e não m ais, ex cet o que penso que I solda
est á em Cor nualha.

514. Quando Tr ist ão ouv iu est as nov as, t ev e pesar delas. I st o ninguém per gunt e. E com o quem grande pesar
t eve, est endeu- se e ao est ender - se, abr ir am - se- lhe t odas as fer idas de que ele est ava pouco cur ado, e
esm or eceu e ficou m uit o t em po esm or ecido com o se est iv esse m or t o. E os out r os for am a ele e achar am o
lugar t odo cober t o de sangue.
- Ai, dom Galaaz, disser am eles, m al fizest es. Vossas nov as m at ar am dom Tr ist ão.
- Assim Deus m e aj ude, disse ele, m uit o m e pesa de que lhas dei. Mas por isso não m or r er á, bem o sabei.
Ent ão t om ar am Tr ist ão e o lev ar am a um leit o e despir am - no e achar am - lhe as fer idas t odas r enov adas, e
pesou- lhe m uit o e est ancar am - lhe o sangue o m ais r ápido que puder am .

515. Muit o t em po ficou Tr ist ão esm or ecido, e quando acor dou e pôde falar , disse:
- Ai, v ent ur a, m aldit a coisa e desleal, com o m e fost e av essa nest a ocasião. Tu m e m at ast e e deit ast e a
per der .
Dest as nov as que Tr ist ão ouv iu t om ou t ão gr ande enfer m idade, que ficou dela doent e um m eio ano e
m ais, de m odo que não pôde cav algar nem sair dali. Os out r os t r ês, sem falha, ficar am com ele quat r o dias e
depois par t ir am e cav algar am j unt os m uit as j or nadas sem av ent ur a achar que de cont ar sej a. E depois que
v ir am que não achav am nada j unt os, separ ar am - se e t om ou cada um sua car r eir a. Galaaz andou pois m uit as
j or nadas que não achou nada. Um a t ar de, lhe acont eceu que a v ent ur a o lev ou a um a capela v elha e er m a, que
est av a pr est es a cair . E depois que desceu lá par a folgar aquela noit e, ador m eceu depois que fez sua or ação. E
est ando dor m indo, ouv iu um a v oz que lhe disse: "Galaaz, lev ant a logo e pega t uas ar m as e cav alga e v ai ao
m ar e achar ás um a av ent ur a com que t e agr adar ás m uit o."
Quando ist o ouviu, er gueu- se e per signou- se e r ecom endou- se a Deus e fez o que lhe m andou a voz e f oi
pela flor est a, pois sem falha, não sabia par a onde havia de ir . E depois que cav algou assim t odo o dia e o m ais
da noit e, chegou ao m ar e achou um a bar ca na pr aia. E sabei que est a bar ca er a onde andav am a ir m ã de
Per siv al e Lancelot e. E Galaaz, assim que v iu a bar ca, desceu par a v er quem andav a dent r o.
516. Lancelot e, que est av a no conv és da bar ca, quando o v iu, disse- lhe:
- Senhor cav aleir o, sede o bem - v indo.
E Galaaz disse:
- Senhor , t ende boa v ent ur a.
Lancelot e lhe per gunt ou:
- Senhor cav aleir o, quem sois? Dizei- m e, assim Deus v os aj ude.
- Senhor , disse ele, um cav aleir o est r anho sou e, por v entur a, ainda que v os dissesse m eu nom e, não m e
r econhecer íeis, e por isso v os dir ei. Tenho nom e Galaaz.
- Galaaz? disse ele. E eu hei nom e Lancelot e. Bendit o sej a Deus que nos aj unt ou, por que nunca nada no
m undo t ant o desej ei com o t er v ossa com panhia.
Ent ão est ender am os br aços e abr açar am - se e fizer am a m aior alegria que nunca se v iu. E Galaaz t ir ou
seu elm o e seu escudo e o pôs na bar ca, e ficou t ão alegr e, por que os j unt ou Deus, que não poder ia m ais; e
chor ar am am bos com alegr ia, e ist o er a j á t ão per t o do dia, que o pai r econheceu o filho e o filho o pai. E
per gunt ar am - se de seus feit os e cada um cont ou o que lhe acont ecer a desde que t inham par t ido da cor t e.

517. Quando o dia est av a j á clar o e se reconhecer am m elhor , de nov o com eçar am sua alegr ia m uito gr ande. E
quando Galaaz viu a donzela, r econheceu- a logo e per gunt ou a Lancelot e se sabia quem er a.
- Sim , disse ele, m uit o bem , pela car t a que lhe achei à cabeça. Mas por Deus, é v er dade que acabast es a
av ent ur a da espada da est r anha cint a?
- Sim , disse ele, e se nunca a v ist es, v ede- a.
Assim que Lancelot e viu a espada, r econheceu- a, e t om ou- a e beij ou- a, e beij ou- a, e beij ou- a. E
per gunt ou a Galaaz com o a achar a, e ele lhe cont ou t oda a v er dade da nav e, com o a fizer a a m ulher de
Salom ão e t odas as coisas que nela havia, com o o cont o j á r elat ou. E depois que lhe disse a v er dade da nav e e
do let r eir o que achou, disse Lancelot e que nunca t ão for m osa av ent ur a acont ecer a a cav aleir o. Muit o t em po
ficar am Lancelot e e Galaaz j unt os na bar ca, cada um fazendo ser v iço a Nosso Senhor , de cor ação. Muit as v ezes
apor t ar am em ilhas est r anhas, onde não havia senão v eados e onde achar am m uit as av ent ur as a que der am
cabo, t ant o por sua bondade de cav alar ia, com o por gr aça do Espír it o Sant o, que os aj udav a em t odos os
lugar es. E daquelas av ent ur as que ent ão achar am , não cont a a est ór ia do sant o Gr aal nada, por que ser ia m uit a
det ença a quem t udo t ivesse de cont ar quant o lhes ent ão acont eceu.

518. No t em po em que as av es com eçam a cant ar e as ár v or es e os pr ados a env er decer e deit ar flor es, nest a
est ação em que t odas as coisas são m ais alegr es, lhes acont eceu um dia, à hor a de m eio- dia, que apor t ar am à
bor da de um a flor est a, diant e de um a cr uz, e v ir am sair um cav aleir o de um as ar m as br ancas sobr e um m uit o
bom cav alo e t r azia um cav alo br anco à dir eit a. E quando v iu a bar ca, foi par a lá e saudou os cav aleir os da
par t e do gr ande Mest r e e igualm ent e eles o saudar am .
- Galaaz, disse o cav aleir o, saí dest a bar ca e m ont ai est e cav alo, que é bom e f or m oso, e t om ai v ossas
ar m as e ide onde a v ent ur a v os lev ar , buscando as av ent ur as do r eino de Logr es.
- Senhor , disse Galaaz, quem sois que ist o m e m andais fazer ?
- Um hom em sou, disse ele, e não podeis a r espeit o m ais saber . Mas o que v os digo, fazei.
Quando ist o ouv iu, foi corr endo a seu pai e beij ou- o e disse- lhe:
- Pai senhor , não sei se m e v er eis m ais. Mas r ecom endo- v os ao v er dadeir o cor po de Jesus Cr ist o, que v os
m ant enha em seu ser v iço.
Ent ão com eçar am am bos a chor ar m uit o de cor ação. E depois que Galaaz saiu da bar ca e pegar a j á suas
ar m as e cav algar a, disse um a v oz: "Or a pense cada um de v ós fazer bem , por que nunca m ais v os v er eis at é o
dia espant oso em que Nosso Senhor dar á a cada um o que m er eceu."
Quando Lancelot e ist o ouv iu, disse chor ando:
- Filho Galaaz, pois que assim é que m e separ o de v ós par a sem pr e, r oga a Jesus Cr ist o por m im que m e
não deix e sair de seu ser v iço, m as de t al m odo m e guar de, que sej a seu ser v o t er r eal e espir itual.
E Galaaz lhe r espondeu:
- Senhor , nenhum r ogo v os pode t ant o v aler com o o v osso m esm o, e por isso, lem br ai- v os de v ós.
E logo se separ ar am um do out r o e Galaaz ent r ou na flor est a buscando o br anco cav aleir o que j á dele se
separ ar a. E o vent o deu de novo na bar ca, em que Lancelot e est ava, t ão for t e, que em pouco t em po afast ou- se
a bar ca da pr aia t ant o que não pôde v er t er r a de nenhum a par t e.
Mas or a deix a o cont o a falar dele e t or na a Galaaz, por cont ar algum a coisa de suas av ent ur as, por que,
sem falha, a m aior par t e da dem anda f oi sua.

519. Galaaz, depois que se separ ou de seu pai e entr ou na flor est a, com o quem bem cuidav a achar o cav aleir o
das ar m as br ancas, acont eceu- lhe que chegou à casa de um er m it ão, onde ficou aquela noit e e com quem
m uit o falou em confissão e em pr ov eit o de sua alm a. E de m anhã, depois que ouv iu m issa, par t iu e andou t odo
aquele dia, sem av ent ur a achar que de cont ar sej a. E à noit e, f oi alber gar - se em casa de um a v iúv a de m uit o
boa linhagem e de v ida boa e fez- lhe m uit a honr a e serv iço. E quando foi hor a de com er , não quis com er out r a
cousa senão pão e água, e a m ulher m uit o for m osa est av a com endo; e t inha per t o de si dois filhos pequenos, e
est av am pensando e suspir ando e saíam - lhes dos olhos as lágr im as, que cor r iam pela face, e t inha t oda
apar ência de m u lher m uit o t r ist e.
Galaaz, est ando à m esa diant e da m ulher , v iu- a t r ist e e chor osa e t ev e m uit a pena dela, por que lhe
par eceu boa m ulher . E ent ão com eçou a pensar com o a m ulher e ficou assim at é que a m esa foi t ir ada, e ent ão
disse- lhe:
- Senhor a, sou v osso hóspede e sou cav aleir o andant e, e sois m ulher de alt a posição; ist o sei bem , e t al é
o cost um e dos cav aleir os andant es, e bem o dev eis saber , que dev em dar con selho nas dif iculdades das v iúv as,
donas e donzelas; e se alguém lhes faz afr ont a, os cavaleir os andant es devem se esfor çar par a lhes fazer
j ust iça; e t udo ist o v os digo, por que m e par ece que t endes sofr im ent o e t r ist eza; e se é algo a qu e possa dar
conselho, r ogo- v os que m o digais, por que, assim Deus m e aj ude, m e esf or çar ei a t odo m eu poder par a v os
quit ar est e pesar , por am or de Jesus Cr ist o e por v ós, que m e par eceis boa m ulher . Ent ão com eçou a m ulher a
chor ar m uit o, e quando pôde falar , disse:
- Cer t am ent e, dom cav aleir o, se t enho pesar , não é m ar av ilha, pois m uit o gr ande é a r azão, e v os dir ei
com o, m as não posso cr er que possais pôr conselho, m as por que o per gunt ast es, v o- lo quer o dizer . Sabei que
o pesar que t enho m e v em de u m ir m ão que m e deser dou e m e r eduziu à pobr eza por sua for ça, e não m e
pesa t ant o dele pelo deser dam ent o que m e fez, com o por dois filhos m eus cav aleir os que m at ou, que er am
seus sobr inhos, por que se est iv essem v iv os, não m e far iam t ão gr ande afr ont a nem t ão gr ande desonr a com o
faz; m as ainda supor t ar ia o m elhor que pudesse aquelas m or t es e m eu deser dam ent o, se m e quisesse est es
dois filhos deix ar , m as se puder , os m at ar á par a t er deles e de m im a t er r a.
- Por boa fé, disse Galaaz, gr av e coisa dizeis da m aldade de v osso ir m ão que t ais coisas faz; e dizei- m e:
de quem t endes a t er r a?
- Do r ei Ar t ur , disse ela, e t am bém dele.
- Pois ide- v os queix ar ao r ei, e v os far á j ust iça.
- Senhor , há t em pos t er ia ido, m as não ousei sair daqui, por que sei v er dadeir am ent e que, se m e t iv esse à
m ão, t om ar ia t oda a t er r a e m at ar ia a m im e a m eus f ilhos.
- E o que quer eis que faça com ele? Por que não há coisa que alguém se esfor çasse por fazer que eu não
faça por Deus e par a v os liv r ar dest e sofr im ent o.
- Senhor , disse ela, a v ossa m er cê, m as v os digo bem que não há um cav aleir o no m undo que a ist o
pudesse dar cabo, por que m eu ir m ão é conde e t em m uit a gent e em quem m anda.
- E com o se cham a? disse Galaaz.
- Senhor , disse ela, seu nom e é con de Bedoim e é m uit o bom cav aleir o à m ar av ilha.
- E onde encont r ar ia se o fosse pr ocur ar ?
- Senhor , disse ela, no cast elo da Mar cha, que fica sobr e a r ibeir a da t or r e.
- Sabei, disse Galaaz, que nunca est ar ei alegr e, enquant o não o faça pagar .
- Muit o obr igado pelo que m e dizeis, m as cer t am ent e, t ão gr ande cousa com o est a não poder ia pedir a
um cav aleir o só, por que m uit o hav er ia m ist er m ais gent e do que pensais.
E eles assim falando passar am - se ao ser eno da br isa do m ar .
Dest e m odo ficar am m uit o t em po falando, m as nunca a m ulher lhe per gunt ou quem er a, nem de qual
t er r a. Depois que assim ficar am , fizer am o r ico leit o par a Galaaz; e no out r o dia foi ouv ir m issa n um a capela
que ficav a m uit o per t o; e depois r ecom endou a m ulher a Deus, e t oda sua com panhia, e segu iu seu cam inho e
per gunt ou por onde ir ia m ais dir et o ao cast elo e lhe ensinar am t ão bem com o sabiam , e an dou t ant o que ao
m eio- dia chegou ao cast elo da Mar cha. E à ent r ada do cast elo, achou um a donzela que ia num palafr ém e
saudou- a e ela a ele; e per gunt ou- lhe se est ava o conde Bedoim no cast elo.
- Sim , disse ela, e o achar eis em seu paço e est á j ogando x adr ez com a donzela dos cabelos de our o.
- Agor a, ide com Deus, disse Galaaz, que bem m e m ost r ast es o que andav am buscando.
Ent ão separ ar am - se, e a donzela seguiu seu cam inho, e Galaaz ent r ou no cast elo onde est av a o conde
Bedoim .
Quando Galaaz chegou ao cur r al e os do cast elo o v ir am ar m ado, logo r econhecer am que er a cav aleir o
andant e, e for am à est r ebar ia, por que t al er a o cost um e dos do cast elo ser v ir e honr ar os cavaleir os andant es,
por que andav am lá m uit os par ent es do conde, e sobr et udo por Dondinax , o selv agem , que er a par ent e pr óx im o
do con de. E depois que Galaaz apeou, t om ar am a lança e o escudo e lev ar am - no a um a câm ar a, e disse Galaaz
a um donzel que est av a diant e dele:
- Am igo, onde est á o conde Bedoim ?
- Aqui est á em seu paço, disse ele.
- Lev a- m e par a lá, disse Galaaz, que o quer ia m uit o v er .
- I st o far ei de bom gr ado, disse o donzel.
Ent ão foi Galaaz par a lá de elm o na cabeça e espada à cint a. E quando ent r ou no paço, disse o donzel a
Galaaz:
- Vedes ali o conde, aquele que est á v est ido de v elu do v er m elho.
E Galaaz, que o v iu, foi- se par a ele, não o sau dou e disse- lhe:
- Cer t am ent e, conde Bedoim , não t e quer o saudar , por que não sei com o é de t ua par t e, se em am or ou
desam or , m as quer o t e dizer o por que v im : deser dast e t ua ir m ã sem r azão nem dir eit o, e fazes gr ande
m aldade e gr ande pecado, e se quer es dar - lhe sua t er r a por m eu r ogo, t e agr adecer ei m uit o, e se não, j ur o que
enquant o t r aga escudo, nunca t e falt ar á guerr a, nunca t er ás paz; t eus hom ens, t eus cav aleir os não ousar ão
sair daqui per t o ou longe, por que ainda hav er á quem lhes far á m uit o pesar e m uit a desonr a; e se tu sais dest e
cast elo, pr om et o que não escapar ás m or t o ou pr eso.
O conde, quando v iu que aquele cav aleir o falav a t ão ousadas palav r as, est ando só e ent r e cav aleir os
seus, espant ou- se e disse que er a louco ou pouco m enos e depois disse- lhe:
- Dom cav aleir o, ide à boa v ent ur a, por que não far ei m ais por v ós, não por que v iest es aqui, e sim por que
andais só e eu ser ia t ido por m au, senão v os far ia t al escár nio de que v os lem br ásseis par a sem pr e. E se t odos
os cav aleir os andant es m e r ogassem um a cousa de que m e não sat isfizesse, não far ia por eles v alia de um
dinheir o; e nada m ais.
- Não, disse Galaaz, por Sant a Mar ia, m al fazeis, e cer t am ent e achar eis f or a dest e cast elo quem , não
pensais, v os faça pesar , e eu v os desaf io da par t e dos da t áv ola r edonda e da par t e de t odos os cav aleir os
andant es, e sabei que por isso v os adv ir á m al.
- Não dar ia nada por quant o dizeis, disse o conde, pois est ais só, m as se t iv ésseis com panhia, v os
achar íeis m al por quant o t endes dit o.
Ent ão par t iu Galaaz do conde, e t om ou seu cav alo, e m ont ou, e t om ou seu escudo e sua lança, e saiu do
cast elo, e foi par a um pequeno m ont e que havia per t o do cast elo, e desceu e m et eu- se num a choça que achou,
e encost ou seu escudo num a ár v or e, por que quer ia ali dem or ar at é que fizesse a m ulher r ecuper ar sua t er r a e
at é que a sober ba do conde fosse quebr ada. E não dem or ou m uit o, que v iu v ir em em dir eção ao cast elo dois
cav aleir os ar m ados de t odas as ar m as par a alber gar no cast elo. E sabei que um er a Boor z de Gaunes e o outr o
Per siv al, que a v ent ur a ajunt ar a.

LXX
Ga la a z, Boor z e Pe r siv a l de sba r a t a m o conde Be d oim

520. Quando Boorz e Per siv al vir am o escudo de Galaaz pendur ado diant e da choça, par ar am e disse Boor z a
Per siv al:
- Não é aquele o escudo de dom Galaaz?
E Per siv al disse:
- Sem falha, é esse.
Ent ão for am em dir eção ao escudo e achar am Galaaz que se quer ia j á colher ao cav alo par a ir fer i- los,
por que bem cuidav a que er am dos do cast elo, pois os não r econhecia, pelas ar m as que hav iam t r ocado. Assim
que chegar am a ele, saudar am - no e ele per gunt ou ent ão quem er am , e eles se nom ear am e descer am logo e
Galaaz t ir ou seu elm o e eles os seus e r eceber am - se o m elhor do m undo.
- Senhor , disser am eles, que fazeis aqui?
E ele lhes cont ou t udo com o o cont o há j á r ev elado.
- E esper o aqui se sair á alguém dos do cast elo, por que não sair á de lá cav aleir o nem out r em , que não
m at e, at é que o conde faça as pazes, à m inha v ont ade, com sua ir m ã.
- Em nom e de Deus, disser am eles, pois que assim é, ficar em os conv osco, e se não v ingam os a nosso
poder a m esa r edon da que ele desam ou, nunca t enham os m ais sua com panhia.

521. Assim cer car am os t r ês cav aleir os o cast elo da Mar cha, on de hav ia m ais de t r ezent os hom ens ar m ados
que pensav am nist o m uit o pouco, por que nada havia por que cuidassem que os t r ês cav aleir os ousassem
com et er t ão gr ande feit o. E quando os t r ês cav aleir os faziam out r a choça a que se acolhessem , eis que um
escudeir o chegou, que andav a num f or t e r ocim , e assim que v iu Galaaz, r econheceu- o e ficou de j oelhos diant e
dele e beij ou- lhe os pés e disse- lhe:
- Ai, bom cav aleir o, por Deus e por m er cê, dá- m e um dom .
E ele o olhou e r econheceu que er a o filho de Fr oila, que no outr o dia, com despeit o lhe deit ar a seu
escudo e sua lança por t er r a, e r espondeu- lhe:
- Eu t e dou o que m e dem andas, se for cou sa que possa ou dev a dar , e não o dev ia fazer , por que fost e
out r o dia, m uit o v ilão com igo.
- Ai, senhor , disse ele, m er cê! Não v os r econhecia. Por Deus, per doai- m e!
- Eu t e per dôo, disse ele.
Ent ão o fez er guer - se e disse- lhe:
- Or a dize o que quiser es.
- Senhor , disse ele, peço- v os que m e façais cav aleir o.
- Concor do, disse Galaaz, m as esper ar ás at é que possam os t er par a t i cav alo e ar m as.
Assim ficou Sam aliel, o filho de r ei Fr oila, com esper ança de que o fizesse Galaaz cav aleir o.

522. Um pouco ant es acont eceu que t r ês cav aleir os ar m ados com t odas as ar m as saír am do cast elo e iam par a
folgar na flor est a. Mas não iam ar m ados por m edo que t iv essem de alguém , m as por que naquele t em po t inham
por v ilania ao cav aleir o, se cav algasse sem ar m as. Quando Boor z os v iu sair do cast elo, disse a Galaaz e a
Per siv al:
- Aqui vêm t r ês cavaleir os dos deles. Por am or de Deus, concedei- m e est a j ust a, e deix ai- m e a eles ir só,
por que v os digo, que, por m im , não dur ar á nada.
E lhe conceder am , por pr eit o que o aj udassem , se v issem r azão.

523. Ent ão se deix ou corr er Boor z aos t r ês cav aleir os e disse- lhes:
- Guar dai- v os de m im , por que v os desafio.
Quando o v ir am só e ouv ir am que os desafiav a, t iv er am - no por m ar av ilha, e por que t er iam por cov ar dia
se t odos os t r ês fossem a ele, adiant ou- se um e Boor z lhe deu um a t ão gr ande lançada, que o m et eu por t er r a,
m as out r o m al não lhe fez, por que a lor iga er a boa. Depois, deix ou- se ir ao out r o, que j á v inha em sua dir eção,
e fer iu- o t ão br avam ent e, que o m et eu por t er r a e o cavalo sobr e ele, e o cavaleir o ficou esm or ecido daquela
queda. Quando o t er ceir o ist o v iu, fugiu, por que t ev e m edo de per der o cor po, se esper asse o gol pe daquele
cav aleir o; por isso v olt ou fugindo depr essa quant o o cav alo o pôde lev ar par a o cast elo. Boorz não quis ir at r ás
dele e volt ou aos out r os que est avam por t er r a, e Sam aliel foi cor r endo par a ele e disse- lhe:
- Senhor Boor z, per m it i que t om e as ar m as de um dest es cav aleir os.
E Boor z lhe per m itiu. E Sam aliel foi a um e desenlaçou- lhe o elm o e descingiu- lhe a espada, e o cav aleir o,
que t ev e gr ande pav or da m or t e, pediu m er cê.
- Conv ém , disse Boor z, se não quer es m or r er , que deix es a est e escudeir o t uas ar m as e t eu cav alo.
E ele deix ou de bom gr ado, quando v iu que com isso poder ia escapar . E o escudeir o o desar m ou e foi com
seu cav alo e com t odas as ar m as par a Galaaz e r ogou- lhe que o fizesse cav aleir o.
- Far ei, de bom gr ado, disse Galaaz, m as não hoj e, por que j á é t ar de, m as am anhã de m anhã à hor a que
quiser es.
E ele agr adeceu m uit o, e Boor z, quando quis se separ ar dos cav aleir os, disse- lhes:
- Não v os far ei m al dest a v ez, m as ide e dizei a v osso senhor , o conde,.que em m á hor a v iu a ex er dação
de sua ir m ã, por que ainda ser á por isso ex er dado e r eduzido à pobr eza e à m esquinhez, e j am ais sair á do
cast elo que não r eceba desonr a m or t al.

524. Ent ão se separ ou dos cav aleir os e v olt ou aos seus. E eles v ier am r ecebê- lo e disser am :
- Por Sant a Maria, bem fizest es! Bom foi v osso com eço. Deus m ande que sej a bom o fim .
E fizer am - no logo desar m ar ; e os dois cav aleir os que for am der r ibados, cav algar am am bos n o cav alo de
um e for am ao cast elo e disser am a seu senhor o que Boor z lhes fez e disse. Quando ouviu falar de Boor z, não
ficou t ão segur o com o ant es, por que bem ouv ir a dizer a m uit os cav aleir os que Boor z de Gaunes er a um dos
bons cav aleir os do m undo, e não soube o que fizesse, por que, se Boor z fosse m or t o ali, Ar t ur viria por vingar
sua m or t e e t odos os da linhagem de r ei Bam o deit ar iam logo em confusão e em desgr aça. E lhes per gunt ou:
- De onde saiu Boor z de Gaunes, quando v eio a v ós?
- Senhor , disser am eles, de um a choça que est á à ent r ada daquele bosque; e est avam com ele dois
cav aleir os t odos ar m ados, m as não sabem os se hav ia m ais.
- Or a deix ai, disse o conde, por que logo nos v ingar em os disso m uit o bem .

525. Assim disse o conde, m as em out r a cousa pensav a, por que dizia que t inha m edo de que r ei Ar t ur tiv esse
env iado Boorz e os out r os dois cav aleir os par a com eço de guer r a. E cham ou ent ão em segr edo um donzel, que
er a seu par ent e, m uit o bom e m uit o vivo, e disse- lhe:
- Vai àqueles cav aleir os andant es e v ê quant os são e sabe se t êm m ais com panhia do que aquela que
m ost r am ; e se t e per gunt ar em de quem és, não o digas, por que hei pav or de t e fazer em m al.
E o donzel par tiu de noit e a pé e foi às choças e achou os cav aleir os sent ados diant e delas, ao luar que
est av a m uit o bom . E falav am de suas av ent ur as e confor t av am - se, por que não t inham o que com er e nem
hav ia quem naquele dia com esse e bebesse. E sabei que m uit os dias iguais houv e par a eles e m uit o am iúde.
Quando o donzel chegou a eles, saudou- os o m ais apr opr iado que pôde e soube, e eles per gunt ar am de onde
er a; e ele disse que er a do r eino de Logr es e da casa de r ei Ar t ur .
- Bem - v indo sej as, disser am eles. Que andas buscando?
- I st o v os não dir ei, disse ele, de nenhum m odo, se ant es não soubesse v ossos nom es, por que t ais podeis
ser que v os dir ei t odos os m eus feit os e t ais que não.
Os cav aleir os que t inham m uit a v ont ade de saber nov as da casa de r ei Ar t ur nom ear am - se. E ele lhes
per gunt ou com o se não soubessem de nada:
- E que esper ais aqui?
E eles cont ar am com o o cont o j á r ev elou.
- E não sois, disse ele, m ais do que t r ês?
- Não, disser am eles, sem falha.
E ele se per signou da m ar av ilha que t ev e e disse:
- Por boa fé, nunca v i t ão néscios, nem t ão loucos cav aleir os, que não sois m ais do que t r ês e cer cast es
t al cast elo com o est e. Há lá m ais de t r ezent os hom ens ar m ados que logo que quiser em vos m at ar ão.
- Dist o, disser am eles, não t enhas cuidado. Mas or a dize- nos o que t e per gunt am os: onde deix ast e r ei
Ar t ur e que andas buscando?
- Não há, disse ele, m ais de um m ês que deix ei r ei Ar tur em Cam alot e com gr ande com pan hia de ricos
hom ens e cav aleir os, e par t i por sua or dem par a buscar Sagr am or onde quer que o ache, por qu e o r ei lhe
m anda dizer por m im que v á a ele, t ão logo ouça as nov as que lhe t r aga. E, por Deus, se sabeis algo, dizei- m e,
por que não posso v olt ar à cor t e at é que o ache.
E disser am que nada sabiam e t em po hav ia que o não v iam .
- Muit o m e pesa, disse o donzel.
E ent ão despediu- se deles.
- E onde ir ás alber gar ? disser am eles, pois é t ar de.
- Não m e im por t a, disse ele, onde quer que v á, cont ant o que saiba nov as do que dem an do.
Ent ão se separ ou deles e v olt ou ao cast elo, e ficar am os cav aleir os, que de t al coisa não cuidar am .

526. Quando o donzel chegou a seu senhor , cont ou- lhe o quant o achar a, e quando o conde ouv iu falar de
Galaaz, que sabia v er dadeir am ent e que er a bom cav aleir o e dificilm ent e poder ia ser desbar at ado por quem
quer que fosse, ficou t ão desconfor t ado que não sou be o que fizesse, senão que disse ao escudeir o:
- Cala- t e, por que não quer o que est as nov as alguém saiba.
Ent ão foi deit ar em sua câm ar a só, por que não quis que ninguém lhe fizesse com panhia. E com eçou a
pensar m uit o ser iam ent e com o quem não sabia o que fizesse, por que ouv ir a dizer t ão gr andes m ar av ilhas de
Galaaz, que sabia v er dadeir am ent e que não havia ninguém no m undo por quem pudesse ser desbar at ado,
t ant o pela sua bondade de cav alar ia, com o pelos dois bons cav aleir os que est av am com ele. E depois que
pensou m uit o t em po nist o, er gueuse de seu leit o e cham ou seu r epost eir o e vest iu- se e pediu- lhe suas ar m as,
e não quis que alguém soubesse o que ele cuidava, senão dois cavaleir os que er am seus pr im os. A est es fez
t om ar suas ar m as e disse- lhes que fossem com ele a um lugar onde havia m ist er e eles o fizeram de bom
gr ado, por que o am av am de cor ação. E, depois que m ont ar am , saír am por um a por t a pequena do alcácer ; e
pr oibiu o conde ao r epost eir o que dissesse qualquer coisa a quem quer que fosse; e assim que saír am do
cast elo, disse o conde aos cav aleir os:
- Sois m eus am igos e m eus coir m ãos, e por isso não v os esconder ei nada que quisesse fazer . Assim é que
diant e de nós há t r ês cav aleir os andant es da casa de r ei Ar t ur , que nos fizer am desonr a e nos far ão m ais, se a
supor t ar m os. Mas não ser ia m ist er supor t ar que assim nos confundissem ; e, par a que r ei Ar t ur não m e queir a
m al pela m or t e deles, nem m e deser de por isso, quer o que os m at em os t ão encober t am ent e, que ninguém o
saiba, senão nós t r ês.
- Senhor , disser am eles, dizei o que far em os. Pois, disse ele, vam os às choças on de est ão, que os
achar em os desar m ados e m at em o- los e os escondam os nest a flor est a.
E eles concor dar am .

527. Assim v inha o conde em dir eção às choças; e ist o er a à hor a de m eia- noit e. Boor z e Per siv al dor m iam , e
Galaaz não dor m ia que m ais est ava em pr eces e em or ações e m ais pensava em Nosso Senhor do que os
out r os. Quando v iu os t r ês cav aleir os v ir em , im aginou logo o por que v inham e t om ou seu elm o e laçou- o o
m ais r ápido que pôde. E ele est av a ar m ado com t odas as ar m as, ex cet o escudo e lança, e m ont ou seu cav alo e
não quis desper t ar os out r os. E quando o conde o v iu est ar a cav alo, afast ou- se um pouco e disse aos out r os:
- Que far em os? São esper t os e m uit o bons cav aleir os e r eceio que se os confr ont ar m os, lev em os a pior .
E os out r os dois que er am m uit o bons cav aleir os disser am :
- Senhor , não t enhais m edo, por que não são eles m ais do que nós. Fer i- os segur am ent e que os
desbar at ar em os.
E o conde se deix ou ir a Galaaz, quando v iu que os seus o confor t av am t ão bem , e fer iu- o t ão
violent am ent e, que lhe quebr ou a lança no peit o, m as out r o m al não lhe fez; e aquele que os gr andes golpes
cost um av a dar e que j á pegar a seu escudo e sua lança, fer iuo t ão br av am ent e, que lhe m et eu o fer r o pelas
cost as e m et eu- o em t er r a do cav alo, e ao sacar a lança esm or eceu o conde, e ele não o olhou m ais, ant es se
deix ou cor r er aos outr os dois, e com um golpe m et eu am bos por t er r a e um ficou fer ido no m eio do peit o; e o
out r o ficou est ont eado, que não soube se er a noit e, se dia.

528. Depois que fez est e golpe, v olt ou às choças e desceu do cav alo e pr endeu- o par a não se afast ar dele e
deix ou aí a lança e v olt ou onde est av am os cav aleir os par a saber quem er am . E quando chegou ao con de,
t ir ou-lhe o elm o e com eçou- lhe a dar pela cabeça gr andes golpes com o punho da espada; e quan do o conde
ist o v iu, t ev e pav or de m or t e e pediu m er cê e disse:
- Ai, senhor cav aleir o, não m e m at es, por que em m inha m or t e não ganhar ias nada, m as deix a- m e v iv er e
t e digo que pr ov eit o e honr a t e advir á.
Galaaz, quando ist o ouv iu, per cebeu, pelo que lhe pr om et ia, que er a de alt a posição, e par a saber dele
m ais a ver dade, disse- lhe:
- Dize- m e t eu nom e, ou est ás m or t o.
- Ai! senhor , disse ele, dir ei por pr eit o que não r eceba m al.
- Dizer t e conv ém , disse Galaaz, quer endo ou não.
- Ai, senhor , disse ele, m er cê. Sou o conde Bedoim .
Quando Galaaz ouviu que ele er a o conde, ficou alegr e à m ar av ilha, por que logo v iu que a guer r a da
m ulher est av a acabada. E Galaaz fingiu que est av a m uit o sanhudo e disse:
- Não t e deix ar ei de nenhum m odo v iv er , ant es t e cont a por m or t o.
E o conde j unt ou as m ãos par a ele e disse:
- Ai, bom cav aleir o, m er cê! não m e m at es, por que far ei t udo o que m e m andes.
- Pois afiança- m o, disse Galaaz, e depois, se m eus com panheir os concor dar em , t e deix ar ei viv er , senão
est ás m or t o.
E Bedoim o afiançou com gr ande espant o.
- Or a, disse Galaaz, v em com igo.
E ele o fez com gr ande esfor ço; e os out r os dois seus cav aleir os. quando o v ir am lev ar , não ousar am
socor r ê- lo, por que bem sabiam que lhe não v aler iam nada, nem ao cast elo ousar am v olt ar , por que bem sabiam
que os do cast elo os m at ar iam , quando os v issem v olt ar sem seu senhor . E por isso for am ao m at o com o
puder am . E Galaaz, quando chegou às choças, desper t ou os out r os e disse- lhes:
- Lev ant ai- v os e v er eis que for m osa av ent ur a nos fez Deus t er . E eles se lev ant ar am e per guntar am :
- Senhor , o que é?
- Vedes aqui, disse ele, o conde Bedoim , que v os t r ago; m er cê de Deus, or a t em os nossa guer ra acabada.
Cavalguem os e levem olo a sua ir m ã e entr eguem o- lo em suas m ãos, e far á dele o que quiser .
- Ai, senhor , m er cê, disse o conde, m ais quer o que m e m at eis aqui do que m e lev eis lá, porque ela m e
desam a t ão m or t alm ent e, que sei bem que m e far á de m ais est r anha m or t e m or r er do que m er eci.
- Cer t am ent e, disse Galaaz, ir v os conv ém , queir ais ou não, c sofr er o que ela em v ós quiser fazer .
Quando ele v iu que não podia out r a cousa fazer , cav algou num dos cav alos dos out r os que t inham ido, e
eles t am bém cavalgar am e par t ir am dali e seu escudeir o com eles, e depois que andar am at é que foi dia,
Galaaz disse a seus com panheir os:
- Levai est e conde a sua ir m ã; e r ogo- v os, disse Galaaz, que dem or eis t ant o com ela at é que lhe sej a
r est it uída a posse de t oda sua t er r a e lhe r epar e, a sua v ont ade, quant o a afr ont ou, com o puder e v ir des por
bem , e eu ir ei a algum lugar per t o daqui, onde faça est e escu deir o cav aleir o, com o lhe pr om et i.

LXXI
Ga la a z, Sa m a lie l e I v ã

529. Dest e m odo par t ir am Galaaz e Per siv al e lev ar am o conde. E Galaaz foi a um a er m ida que conhecia per t o
dali e r ogou ao er m it ão que lhe cant asse m issa, e ele o fez. Depois que ouviu m issa, Galaaz fez Sam aliel
cavaleir o, e sabei que Sam aliel er a t ão alt o que, em t oda a casa de r ei Ar t ur , não houv e t ão alt o cavaleir o; e
assim com o er a alt o, assim lhe fez t am bém Deus t ant o bem , que f oi m uit o bom cav aleir o de ar m as e m uit o
cor aj oso, de m odo que m uit os disser am que, sem falha, er a um dos bons cav aleir os do m undo. Quando Galaaz
o fez cav aleir o com o er a cost um e daquele t em po, disse- lhe:
- Faze com o sej as t ão bom cav aleir o que a altur a da t ua linhagem não sofr a desonr a em t ua cav alaria.
- Meu senhor dom Galaaz, disse ele, dev o ficar m uit o alegr e, por que r ecebi a or dem de cav alar ia de t ão
bom hom em com o v ós. E bem sei que sois o m elhor cav aleir o do m undo, e pois Deus quis que t ão gr ande
honr a r ecebesse, que sou cav aleir o por t al pessoa com o v ós, pr om et o a Deus que j am ais descansar ei at é que
saiba se poder ei sem elhar m eu pai em cav alar ia. Se est e ano não sou t al que m e t enham por bom cav aleir o de
ar m as, nest e r eino e em m uit os out r os, j á Deus não m e aj ude, se depois não t r oux er escudo e lança por
qualquer sofr im ent o que t enha.
E Galaaz disse:
- Dissest e bem . Deus t e faça qual eu queria.

530. Tal pr om essa fez Sam aliel, filho de Fr oila, no dia em que foi cav aleir o, e depois que a fez, disse a Galaaz:
- Senhor , quer o ir , r ecom endo- v os a Deus.
- Deus v os guie, disse Galaaz.
Ent ão se separ ou um do out r o m uit o bem ar m ados a sua v ont ade. Galaaz foi buscando as av ent ur as do
r eino de Logr es, por que assim hav ia de fazer . Ao t er ceir o dia, lhe acont eceu que achou num v ale Sam aliel
fer ido m uit o m al com m uit as chagas e seu cav alo t ão cansado que por pouco não caía. E assim qu e se v ir am ,
r econhecer am - se e disse um ao out r o:
- Senhor , bem - v indo!
- Senhor , bem - v indo! E quem v os fer iu assim ? disse Galaaz.
- Senhor , disse ele, um cav aleir o da m esa r edonda que cham am I v ã, filho de r ei Ur ião. E ele m e
acom et eu or a ali em cim a daquele out eir o e não sei por quê, assim Deus m e aj ude, m as não ganhou nada,
por que o deix ei por t er r a, não sei se fer ido de m or t e ou se poder á sobr ev iv er .
- E onde ides, disse Galaaz, com t ant a pr essa?
- Vou, disse ele, depós um a donzela que m e lev a um a espada, que foi de m eu pai, que m e deu à noit e, e
eu a pendur ar a num a ár v or e, quando I v ã m e acom et eu, e ela a pegou enquant o com bat em os e não a quer ia
per der de nenhum m odo; e por isso conv ém que m e separ e de v ós, e r ecom endo- v os a Deus.
- A Deus sede encom endado, disse Galaaz, m as guar dai- v os de não ir des longe, por que v os ser á gr ande
per igo.
- Sim , far ei, disse ele.
Ent ão se separ ar am um do out r o.

531. Galaaz foi par a onde cuidou que achar ia I v ã e quando chegou onde ele est av a, achou- o t ão fer ido, que
não t inha for ças par a se er guer . E desceu par a v er com o lhe ia e lhe tir ou o elm o par a folgar m ais. E I v ã, que
est av a m uit o sofr ido e t inha m uit as chagas per igosas, abr iu os olhos e per gunt ou:
- Cav aleir o, quem sois?
- Sou, disse ele, Galaaz, um cav aleir o a quem pesa v ossa desv ent ur a. Por Deus, dizei- m e se cuidais
escapar .
- Sim , senhor , disse ele, sem falha, por que não t enho nenhum a fer ida m or t al. Ai, senhor Galaaz, m uit o há
que v os desej ei v er , por que m uit o ouv i falar de v ós e sede bem - v indo. A v ós posso dizer m eus feit os m ais
segur am ent e que a outr o. E t enho t ant as feridas pequenas e gr andes, que não cuido delas escapar ; r ogo- v os
por Deus que m e aj udeis a m ont ar m eu cav alo e ir ei a um a abadia, que há aqui per t o par a m or r er ou v iv er .
E Galaaz foi buscar seu cav alo e lhe tr oux e e aj udou- o a m ont ar e foi com ele at é a abadia e o fez descer
e m andou pensar seus fer im ent os a um v elho cav aleir o que lá er a fr ade que assegur ou que não m or r er ia
daquelas chagas, m as que est ar ia delas logo são, com a aj uda de Deus. Assim achou I v ã conselho de seus
fer im ent os, que Sam aliel lhe fizer a, e ficou lá quatr o dias Galaaz por am or dele; e ao quar t o dia lhe per gunt ou
por que for a aquela bat alha entr e ele e o cavaleir o.
- Cer t am ent e, disse I v ã, foi por Lucão, o copeir o, que ele der r ibou e lhe fez m uit o gr ande ferim ent o e fui
at r ás dele par a o v ingar , e acont eceu- m e assim com o v edes; m as t ant o v os digo bem do cav aleir o que ele, a
m eu cient e, é um dos bons cav aleir os do m undo e que bem fer e com a espada.
De m anhã, despediu- se Galaaz dele e de nov o m et eu- se à car r eir a por ir buscando as av ent uras do r eino
de Logr es com o soía.
Mas or a deix a o cont o a falar deles e t or na a Sam aliel.

532. Sam aliel, depois que se separ ou de dom Galaaz, andou t ant o assim fer ido com o est av a, que alcançou a
donzela e t om ou- lhe a espada e deit ou- a ao ar ção. E ela lhe disse:
- Senhor cav aleir o, v ós m e t ir ais a espada à for ça; e sabei que, se v os acho onde a for ça sej a m inha, v os
far ei car am ent e pagar . E ele não r espondeu a nada que ela disse. À t ar de, lhe acont eceu que chegou a um a
casa, onde Quéia, o m or dom o, alber gav a. E quando Quéia o viu com duas espadas, m ar av ilhou- se, por que não
er a cost um e ent ão de nenhum cav aleir o t r azer duas espadas no r eino de Logr es, se não f osse por pr om essa e
j ur am ent o. E se algum fosse t ão ousado que t r oux esse habit ualm ent e duas espadas, não poder ia r ecear dois
cav aleir os que à bat alha o cham assem ; e por isso se m ar av ilhav a Quéia daquele que tr azia duas espadas, e
calou- se at é que v isse opor t unidade de lhe per gunt ar . Aquela t ar de, enquant o sent ar am à m esa, olhou Quéia
m uit o Sam aliel, por que m uit o lhe sem elhou bom cav aleir o, e quando v iu que er a ocasião de lhe per gunt ar ,
disse:
- Senhor cav aleir o, queria r ogar que, por cor t esia, m e dissésseis quem sois.
E ele r espondeu ent ão:
- Senhor , sou um cav aleir o est r anho, que t ão pouco t em po v iv i no r eino de Logr es, que ainda não sou de
m uit a fam a; e ninguém m e dev e culpar por ist o, por que há m uit o pouco t em po que fui feit o cav aleiro.
- Pois com o, disse Quéia, sois t ão ousado que t r azeis duas espadas? Não conheceis qual é o cost um e de
se t r azer duas espadas?
- Não, disse ele, m as r ev elai- m o, assim Deus v os aj ude.
E Quéia o r ev elou ent ão, com o o cont o há j á r elat ado.
- Cer t am ent e, disse Sam aliel, nunca disso ouv i falar ; m as t r azia um a por am or de m eu pai, de quem ela
er a, e a out r a por am or de quem m e fez cav aleir o, por que com est a m e cingiu; e am o t ant o a am bas, que não
posso deix ar nenhum a, pois que m e assim acont eceu as t r ago e não sabia que fazia m al. Pr om et o a Deus que
sem pr e as t r ar ei, enquant o m ant iv er cav alar ia.
- Cer t am ent e, disse Quéia, sobej o hav eis dit o. Tant o é gr av e cousa nest e com eço, que cuido que ainda
v os achár eis m al.
- Or a não sei, disse ele, o que por isso m e acont ecer á, m as pois assim é, Deus m an de que m e
sobr ev enha bem .

533. Ent ão per gunt ou a Quéia:


- Assim Deus v os v alha, dizei- m e quem sois.
- Cer t am ent e, disse ele, sou Quéia, o m or dom o de r ei Ar t ur , e sou da m esa r edonda.
E quando Sam aliel ouv iu falar de r ei Ar tur , baix ou a cabeça c com eçou a pensar , de m odo que bem j ulgou
Quéia por aquele pensar que lhe pesav a das nov as que lhe der a. E Sam aliel disse ao cabo de um t em po:
- Sois do hom em do m undo que pior quer o, por que m at ou m eu pai e m e fez t ão gr ande dano, aquele dia,
que do que eu t inha gr ande par t e de boa v ent ur a do m undo, m e r eduziu à pobr eza e m iséria de que ainda
sofr o e sofr er ei enquant o viver .
- E quem foi v osso pai? disse Quéia.
- Meu pai, disse ele, foi Fr oila, o pr íncipe de Alem anha, que foi r ei de Fr ança, a quem m at ou r ei Ar tur
num a ilha de Par is, e por isso não o poder ia j am ais am ar , ant es o desam ar ei, enquant o v iv er .

534. Quando Quéia ist o ouv iu, não se pôde encobr ir que não dissesse:
- Senhor cav aleir o, sou hom em de r ei Ar tur e t ão seu nat ur al que desleal seria, se o não v ingasse de
t odos os seus inim igos, com t odas as m inhas for ças. E por am or dele v os digo que não t endes no m undo m aior
inim igo do que eu e bem v os m ost r ar ei logo que daqui sair des, m as aqui nada dev eis t em er , por que com em os
j unt os.
E Sam aliel r espondeu:
- Quando .m e at acar des, se puder , m e defender ei.
I st o disser am aquela noit e e não falar am m ais no assunt o. E sabei que, desde que foi feit o cav aleir o,
poucas v ezes com eu, a não ler pão e água, salv o por com panhia, e nunca tinha gost o de m at ar alguém , se por
defesa de seu cor po não fosse. Out r o dia, quando t om ou suas ar m as, m et eu- se à car r eir a por dem andar
av ent ur as com o os out r os cav aleir os faziam , e não andou m uit o que achou Quéia, que est av a um pouco for a do
cam inho e o esper ava. E quando Quéia o viu chegar , gr it ou- lhe:
- Senhor cav aleir o, guar dai- v os de m im , por que v os não quer o fer ir sem desafiar .
E baix ou a lança par a o fer ir . Sam aliel, que er a m uit o viv o e m uit o cor aj oso, deu- lhe um a lançada que o
m et eu em t er r a, ele e o cavalo, m as out r o m al não lhe fez, por que a lor iga er a boa, ent r et ant o ficou m uit o
quebr ado da queda e do cav alo que caiu sobr e ele. E aquele que o der r ibou não o olhou m ais, ant es passou por
ele e foi. E sabei que cav algav a com m uit o gr ande dificuldade, por seus fer im ent os que ainda n ão houv er a
cuidado, a não ser pouco. E ist o er a um a coisa que o pr ej udicav a t ant o que, se não fosse de m uit o ânim o, não
o supor t ar ia de nenhum m odo.

535. Sam aliel cav algou t odo aquele dia com m uit o gr ande dificuldade. À t ar de, lhe acont eceu que chegou à
ent r ada de um a flor est a e alber gou- se em casa de um m ont anheir o e ficou lá um m ês; e depois que ficou
cur ado das chagas de m odo que pudesse cav algar , par t iu e m et eu- se à car r eir a por buscar av ent ur as com o
ant es. Um dia, indo assim , acont eceu- lhe que achou Gaeriet e e Gilfr et e e par ar am assim que o vir am tr azer
duas espadas, e disse Gaer iet e a Gilfret e:
- Or a v ej o o que nunca vi, há t em po.
- Senhor , disse ele, o quê?
- Est e cav aleir o que t r az duas espadas e não é dos m ais cov ar des do m undo. Cuido que se não fosse
m elhor que outr o, não com eçar ia t ão alt o com eço. Vam os a ele; som os dois assim com o o dir eit o m anda.
- Não apr aza a Deus, disse Gaer iet e, que eu com aj uda de out r o o acom et a, pois est á só. E se ele fez t ão
alt o com eço, não o dev o culpar , por que sei bem que seu ânim o for t e o aconselhou. Mas se t endes v ont ade de
j ust ar , ide a ele só, e se ele vos der r ibar , eu vos vingar ei a m eu poder .

536. Ent ão grit ou Gilfr et e a Sam aliel:


- Senhor cav aleir o, j ust ar v os conv ém ; guar dai- v os de m im .
E quando Sam aliel v iu que não podia livr ar - se, deix ou- se ir quant o o cav alo pôde e fer iu t ão v iv am ent e
que escudo e lor iga não lhe pr est ar am que lhe não fizesse um a gr ande fer ida, m as não m or t al; e m et eu- o por
t er r a e, ao t ir ar a lança, deu Gilfr et e um gr it o m uit o dolorido, por que m uit o se sent iu ferido.
Quando Gaeriet e viu ist o, disse com pesar :
- Gilfr et e, em louco pr eit o v os m et est es; cuido que não saiam os dele com honr a, m as com o quer que
disso m e sobr ev enha, pr ov ar ei se v os poder ei v ingar .
Ent ão se deix ou ir a Sam aliel e disse- lhe:
- Guar dai- v os de m im , cav aleir o.
E Sam aliel, que v iu que fazer lhe conv inha, v olt ou a ele; e Gaer iete o fer iu assim que lhe fez um a gr ande
fer ida no m eio do peit o, m as da sela não o m ov eu, e a lança v oou em pedaços. E Sam aliel, que er a m ais for t e,
alcançou- o m elhor , por que.o fer iu t ão br av am ent e, que m et eu a ele e o cav alo em t err a, m as não o fer iu, por
que a lor iga er a boa e, depois passou por ele. Ent r et ant o, quando se sent iu fer ido, quis v olt ar a Gaer iet e par a o
m at ar , m as depois de nov o pensou que ser ia a m aior v ilania do m undo, se em cav aleir o m et esse m ão, depois
que der r ibasse, se o cav aleir o não o cham asse à bat alha, e por isso, foi em bor a. E Gilfr et e, quando o v iu
ir , er gueu- se e foi a Gaeriet e, que t am bém se er guer a j á, e disse- lhe:
- Dom Gaer iet e, v am os at r ás dele, pois m aus ser em os, se assim nos escapar .
- Dom Gilfr et e, disse Gaer iet e, far eis v ossa v ont ade, m as sou aquele que dest a v ez não ir ei at r ás dele,
por que t ão bem se quit ou do que nos dev ia, que ser ia gr ande v ilania m ais o buscar m os, m as não v os digo que,
se out r a v ez o acho, não faça m inha for ça na espada; m as dest a v ez não far ei m ais.
Assim disser am os dois cav aleir os, e Sam aliel foi cav algando de um lado e do outr o e dem andando as
av ent ur as; e t ant o fez em pouco t em po que ficou sua fam a m uit o gr ande, assim em casa de r ei Ar t ur com o em
m uit as out r as t err as, e diziam t odos os que o v iam que o filho de Fr oila, se v iv esse, ser ia um dos bons
cav aleir os do m undo; e r ei Art ur que o ouv iu, disse:
- Se for bom cav aleir o não é m ar av ilha, por que m uit o foi seu pai bom cav aleir o.

537. Um dia acont eceu que Sam aliel ia pela flor est a de Cam alot e só. I st o er a à entr ada do inv er no, e r ei Ar t ur ,
aquele dia, for a à flor est a par a caçar , e per der am - se dele t odos os seus hom ens m enos um escu deir o. O r ei
est ava lasso e cansado de sua caça e apeou diant e de um a font e e deit ou- se a dor m ir e o escudeir o lhe cuidou
do cav alo e t r azia- o de um a par t e e da out r a par a não t er aguam ent o. E o r ei est ando dor m indo, acont eceu que
Sam aliel chegou ar m ado. Com o o r ei est av a deit ado e por que não o conhecia, per gunt ou ao escudeir o:
- Quem é aquele cav aleir o que ali dor m e?
E ele, que de t al coisa não se acaut elav a, r espondeu:
- É r ei Ar t ur .
- Assim ? disse Sam aliel; abençoadas sej am est as nov as. Or a haj a eu desv ent ur a, se não v ingar m eu pai
que ele m at ou.
Quando O escudeir o ist o ouviu, houv e gr ande pav or de seu senhor por causa do cav aleir o que andav a
ar m ado, e gr it ou par a ele:
- Ai, senhor , lev ant ai- v os, lev ant ai- v os que est e cav aleir o v os quer m at ar .
O r ei dor m ia t ão pr ofundam ent e que não se desper t ou. E Sam aliel, quando v iu que o escudeir o br adav a,
m et eu m ão à espada e fingiu que lhe quer ia cor t ar a cabeça; e aquele, que t ev e pav or de m or r er, j unt ou as
m ãos em dir eção à espada e disse:
- Ai, senhor , m er cê! Eu m e calar ei; out r o t ant o far á t odo o m undo depois que t al hom em com o est e
m at ar des, por que depois de sua m or t e, não t er ão de que falar .
Quando Sam aliel ist o ouviu, ficou espant ado e m udou- se- lhe o ânim o, por que t inha r ei Ar t ur por um dos
m elhor es hom ens do m undo, que acolhia a si t odos os hom ens bons que a ele vinham ; por isso desceu e lev ou
seu cav alo a um a ár v or e, e t inha na m ão sua espada nua, aquela que for a de seu pai; e dir igiu- se assim par a
r ei Ar t ur e par ou olhando- o, e depois que o v iu t ão gr ande e t ão bem t alhado, disse:
- Por cer t o, se est e não fosse bom , gr ande er r o ser ia, por que de quant os r eis v i, par ece o m ais pr epar ado
par a ser bom .
E ent ão com eçou a pensar se o m at ar ia ou se o deix ar ia; e disse em seu ínt im o:
- Ele m e m at ou o pai, e se eu sua m or t e não v ingo, pois o t enho à disposição, t odo o m undo m e t er ia por
m au; e, por out r o lado, se m at ar r ei Ar t ur , que é o m elhor r ei do m undo e que sem pr e m elhor e m ais
honr adam ent e m ant ev e a cav alar ia do que out r o r ei, ist o ser á a m aior desv ent ur a e o m aior pecado que nunca
acont eceu na t er r a. .
Assim pensav a Sam aliel nest as coisas quando t inha a espada na m ão e quer ia v ingar . a m or t e de seu pai;
m as não pôde, por que ist o o liv r ou: sabia que t ão gr ande dano não podia adv ir ao m undo por m or t e de um
hom em . Ent ão cham ou o escudeir o e disse- lhe:
- Sabes quem sou?
- Senhor , não, disse ele.
- Or a sabe, disse ele, que sou Sam aliel, filho de Fr oila, que foi r ei de Gauna, que r ei Ar t ur m at ou diant e
de Par is; e quiser a v ingar a m or t e. de m eu pai e tinha gr ande v ont ade, quando aqui cheguei. Mas o gr ande
bem que os hom ens bons dizem de r ei Ar tur , m e t ir ou a v ont ade, e por isso o quer o ainda deix ar v iv er . Mas
par a que saiba a bondade que lhe fiz, deix arei a espada de m eu pai e lev ar ei a sua, par a que se lem br e de
m inha cor t esia e de m inha m oder ação, enquant o a t r oux er .
Ent ão pegou a espada que ele t r azia e deix ou a sua, e depois m ont ou seu cav alo e seguiu seu cam inho.
Or a deix a o cont o a falar de Sam aliel e t or na a r ei Ar t ur .

538. Depois que r ei Ar t ur dor m iu m uit o t em po, desper t ou- se e pediu seu cav alo ao escudeir o, e ele t r oux e e o
r ei m ont ou, e quando foi cingir a espada e v iu que aquela não er a a sua, per gunt ou ao escudeir o:
- Quem t r ocou m inha espada?
E ele r espondeu:
- Ai, senhor , não sabeis com o v os or a acont eceu, enquant o dor m ist es. Nunca, que eu saiba, t ão for m osa
avent ur a acont eceu a alguém , por que est ivest es em per igo de m or t e.
Ent ão lhe cont ou tudo quant o v ir a e ouv ir a de Sam aliel.
- Cer t am ent e, disse o r ei, se m e m at asse, não ser ia gr ande m ar av ilha, por que sem falha lhe mat ei o pai.
Mas por t ão gr ande cor t esia e por t ão gr ande bondade com o ele fez par a m im , lhe dar ia eu o galar dão de bom
gr ado, se t iv esse ocasião. E por lem br ança de sua cor t esia, t r ar ei sem pr e est a espada, se desgost o m e não
fizer t r ocá- la por outr a m elhor .
Muit o ficou o r ei cont ent e com aquela av entur a que lhe acont ecer a e m ar av ilhav a- se de Samaliel com o,
sendo t ão j ov em , souber a fazer t ão gr ande cor t esia. Muit o pensou r ei Ar t ur aquele dia nist o. Quando chegou a
Cam alot e, cont ou t udo na sua cor t e e quant os o ouv ir am disser am que j am ais deix ar ia de ser hom em bom . E o
r ei fez m et er ist o por escr it o no gr ande livr o das av ent ur as.
Mas or a deix a o cont o a falar de r ei Ar t ur e de Sam aliel e t orna a Lancelot e.

LXXI I
La nce lot e , H e it or , Ga e r ie t e e Ga lv ã o e m Cor be r ic

539. Depois que Galaaz se separ ou de seu pai com o o cont o j á r ev elou, ficou seu pai na bar ca e andou depois
pelo m ar m uit os dias, com o a v ent ur a o lev av a. Um a noit e acont eceu que a v ent ur a pôs a bar ca diant e de
Cor ber ic na m ar gem , à ent r ada. E depois que Lancelot e olhou bem o cast elo, r econheceu que er a Cor ber ic e
agr adeceu m uit o a Nosso Senhor est a av ent ur a, por que bem lhe sem elhou que sua dem anda est ar ia acabada,
ou a sua honr a, ou a sua desonr a. Quando t om ou suas ar m as, encom en dou- se a Nosso Senhor e desceu da
bar ca, e foi- se à por t a e, assim que desceu, v iu a bar ca ir v iolent am ent e com o se t odos os v ent os do m undo a
lev assem . E depois que par ou e não a pôde v er , foi pela pont e a pé e ar m ado e entr ou no cast elo por um a
por t a pequena e dir igiu- se ao gr ande paço e não achou ninguém que algo lhe dissesse, por que j á er a m eianoit e
passada e t odos dor m iam . E quando chegou ao paço, aquele que cham am paço av ent ur oso, achou a por t a
aber t a e per signou- se e encom endou- se a Deus e ent r ou e agr adeceu m uit o a Nosso Senhor de que o levar a.

540. E se alguém m e per gunt ar por que não podiam ir os cav aleir os andant es a Cor ber ic, v ist o que sabiam que
lá est ava o sant o Gr aal, eu lhe dir ei o que a ver dadeir a est ória cont a. O cast elo de Cor ber ic nunca se m ovia,
m as Tanabos, o encant ador , que foi ant es de r ei Ut er Pandr agão e que er a o m ais sisudo de necr om ancia que
hav ia no r eino de Logr es, afor a Merlim , fundou aquele cast elo de t al m odo que nenhum cav aleir o est r anho que
o dem andasse não o pudesse achar , se a v ent ur a o não lev asse at é lá; e se cem v ezes lá fosse, j á não saber ia
logo ir m ais. E se alguém , que o cam inho soubesse, quisesse lev ar cav aleir o estr anho, nunca o saber ia lev ar . E
t udo ist o fizer a Tanabos por um a sua m ulher que er a m uit o for m osa, que um cav aleir o am av a; pelo que, depois
que ele fez o encant am ent o, o cavaleir o não pôde ir à m ulher , nem a m ulher a ele. E por isso m or r eram am bos,
quando v ir am que não se podiam v er . Aquele encant am ent o dur ou desde ant es que r einasse r ei Ut er
Pandr agão at é a vinda de r ei Car los Magno, que o fez der rubar e dest ruir ; e nunca de nov o foi feit o. Agor a que
sabeis dist o, v os lev o de v olt a à m inha est ór ia.
541. Quando Lancelot e ent r ou no paço av ent ur oso, andou por ele at é que chegou a um a câm ar a onde v iu
gr ande lum e e ent r ou par a v er o que hav ia lá e não achou senão duas v elas gr ossas que ar diam ; e foi de
câm ar a em câm ar a at é que chegou à câm ar a onde o sant o Gr aal est av a; e viu t ão gr ande lum e com o se fosse
hor a de m eiodia. E olhou a câm ar a e v iu- a t ão for m osa e t ão r ica que nunca v iu cousa que se r ev elasse t ão
boa; e no m eio da câm ar a, hav ia um a m esa de pr at a em lugar de alt ar , e o sant o Vaso em cim a cober t o t ão
r icam ent e com o est av a aquele dia que José fez o pr im eir o bispo e cant ou m issa. Quando v iu o lugar em que o
sant o v aso est av a cober t o, logo soube bem que aquele er a o sant o Gr aal e disse:
- Ai, Deus! com o ser ia bem - av ent ur ado quem pu desse or a v er aquele Vaso que ali est á cober t o, pelo qual
t ão gr andes m ar av ilhas acont ecer am no r eino de Logr es!
Ent ão olhou por t odos os lados se poder ia v er alguém que o im pedisse de ent r ar lá, por que quer ia ir at é a
sant a m esa, e descobr ir o sant o Vaso par a v er o que lá hav ia. Ent ão ouviu um a v oz que lhe disse: "Lancelot e,
não ent r es, por que a t i não é out or gado."
Mas ele est av a t ão desej oso de v er aquilo pelo que t ant os hom ens bons se esfor çar am , qu e se lançou
dent r o m ais que pôde; m as não ent r ou m uit o que sent iu m uit as m ãos que o pegar am pelo cor po e pelos br aços
e pelos cabelos e lançar am - no for a e der am com ele t ant a queda por t er r a, que cuidou ser m or t o e ficou
esm or ecido at é que foi dia clar o.

542. Pela m anhã, quando os cav aleir os ent r ar am e achar am o cav aleir o ar m ado j azendo diant e da por t a da
câm ar a do sant o Gr aal, per signar am - se t odos por v er em se o poder iam r econhecer ; e acharam - no t ão
m alt r at ado, que não podia m ex er pé nem m ão. E desar m ar am - no de t odo e lev ar am - no ao paço do r ei; m as
não houv e lá quem o pudesse r econhecer ; nem r ei Peles, post o que o t iv esse vist o m uit as v ezes, não o pôde
r econhecer . Apenas per cebeu que não est av a m or t o, m as bem cuidou que m or r er ia logo, por que não m ex ia
nenhum de seus m em br os; e o fez por isso guar dar t odo aquele dia. Ao cair da noit e, acont eceu qu e a for m osa
filha do r ei Peles o v eio v er ; e depois que o olhou m uit o t em po, r econheceu que er a Lancelot e, o hom em do
m undo que ela m ais am av a. Quando o v iu assim , t ev e t ão gr ande pesar que m ar av ilha, e disse:
- Cer t am ent e, senhor , se m or r er des, ser á gr ande dano e gr ande per da par a o m undo.
Depois que ist o disse, foi- se; e os que ficar am per ceber am que o r econhecia; e ela, depois que ficou em
sua câm ar a, com eçou a fazer o m aior pr ant o do m undo, e as nov as chegar am ao r ei que sua filha reconhecer a
o cavaleir o; e o r ei m andou cham á- la e disselhe que lhe dissesse quem er a o cavaleir o; e ela disse.
- Ai, disse ele, m uit o m e pesa do seu m al.
Ent ão o fez lev ar a um a Câm ar a e despi- lo; e sabei que, quando lhe achar am a est am enha v est ida,
m ar av ilhar am - se m uit o, por que conheciam a m ui v iciosa v ida de Lancelot e e não podiam cuidar que t r oux esse
t ão ásper a v est im ent a; e depois que o despir am , deit ar am - no em um a câm ar a longe de gent e; e fez o r ei
guar dá- lo m uit o bem e ele ficou lá, por que j ulgou que logo m or r er ia.

543. Que v os dir ei? Dest e m odo ficou Lancelot e vint e e quatr o dias que não com eu nem bebeu, e ninguém o
v iu fazer sinal, pelo que não cuidasse que logo m or r eria. Aos v int e e cinco dias, chegou um er m it ão de m ui
sant a v ida, a quem Nosso Senhor r evelav a m uit os de seus segr edos. Quando o r ei o v iu entr ar , foi em sua
dir eção par a lhe fazer honr a; e depois que falar am m uit o t em po, disse o r ei:
- Vam os v er um a m ar av ilha que v os quer o m ost r ar .
E o er m it ão disse:
- Est e é Lancelot e que quer eis m e m ost r ar ?
E ele r espondeu:
- Senhor , dizeis a v er dade. E, por Deus, se sabeis com o v iv e t ant o t em po em t ão gr ande sofr im ent o,
dizei- m e.
- Senhor , disse o er m it ão, ele m er eceu bem o que sofr e. Hoj e há vint e e cinco dias que est a pena sofr e, e
logo a per der á. E est es vint e e cinco dias significam os vint e e cinco anos que foi cavaleir o da sant a I gr ej a. E se
não fosse um pecado em que t ão longam ent e per m aneceu não deix ar ia de t er honr a e louv or nest a dem anda.
I st o disse o hom em bom de Lancelot e. E dizia a v er dade. No out r o dia, hor a de pr im a, falou Lancelot e e
per gunt ou onde est av a, por que lhe não lem br av a que est av a em casa de r ei Pescador . E o r ei, que est av a
diant e dele, disse:
- Est ais em Cor ber ic.
Ent ão lhe lem br ou da câm ar a onde for a e onde v ir a o sant o Gr aal e do que lhe disser a a v oz. E o r ei lhe
disse:
- Com o v os sent is?
- Eu m e sent iria bem e bem m e adv ir ia se sem pr e per m anecesse no pr azer que v i. Mas pesa- m e que m e
t ir ar am dele.
- E cuidais sar ar ? disse o r ei.
- Est ou cur ado, disse ele, por que não sint o nenhum m al.
Ent ão se fez vest ir , m as pesou- lhe m uit o da est am enha que lhe t ir ar am , e com v er gonha não a ousou
pedir . As nov as for am pelo cast elo que o cav aleir o que t ão longam ent e ficar a desfalecido est av a são, e t odos
for am v er a m ar av ilha. Mas não houv e quem soubesse quem er a, afor a o r ei e sua filha, m as ant es de clar ear
m ais o dia o souber am os dem ais e fizer am - lhe m aior honr a que ant es.

544. Ao t er ceir o dia, acont eceu que r ei Peles est av a à m esa no paço av ent ur oso e est av am j á t odos ser v idos da
gr aça do sant o Vaso. E assim est ando, com eçar am as j anelas e as por t as t odas do paço a bat er e a fechar ,
ninguém as t ocando, e bat iam com o se fizesse t em pest ade E Lancelot e, que est av a um pouco per t o do r ei,
per gunt ou- lhe:
- Senhor , que é ist o que se faz aqui com o se fosse t em pest ade?
- I st o v os dir ei bem , disse o r ei. É um a dem onst r ação que Nosso Senhor faz am iúde aos cav aleir os da
m esa r edonda, que se m et em na dem anda do sant o Gr aal e não andam confessados e fazem - se cham ar ser v os
da sant a I gr ej a, m as não o são; ist o lhes m ost r a aqui Nosso Senhor dest e m odo, por que depois que aqui v êm e
quer em ent r ar nest e paço, que t em nom e paço av ent ur oso, t odas as j anelas e t odas as por t as bat em e fecham -
se par a eles. E por est e sinal que vedes sei ver dadeir am ent e que est á algum cavaleir o avent ur oso à por t a, que
ent r ar quer e não pode.
545. O r ei nist o falando, ouv ir am um cav aleir o à por t a, que gr it av a:
- Abr i! Abr i!
O r ei disse a Lancelot e:
- Or a podeis ouv ir o que v os dizia. Est e é dos cav aleir os da m esa r edonda.
- Ai, senhor ! disse Lancelot e, fazei- o ent r ar .
- I st o não poder ia fazer , disse o r ei, de m aneir a algum a ainda que quisesse.
Ent ão cham ou um dos seus cav aleir os e disse- lhe:
- I de dizer àquele cav aleir o, que lá for a est á, que siga seu cam inho, por que não pode ent r ar aqui.
E o cav aleir o foi à j anela e abr iu- a e v iu est ar no pát io Heit or de Mar es sobr e um gr ande cav alo à
m ar av ilha, e disse- lhe:
- Senhor cav aleir o, ide por v osso cam inho, por que não ent r ar eis aqui, pois m uit o alt o subist es.
E ist o lhe dizia o cav aleir o por escár nio. E assim que Heit or ist o viu, logo lhe lem br ou do sonho que
sonhar a e de com o o hom em bom lhe desv endou, e t ev e ent ão t ão gr ande pesar que bem quiser a est ar m or t o,
por que bem v ia que, por algo que fizer a na dem anda do sant o Gr aal, não t eria apr eço nem louvor , quando
v olt asse à cor t e, m as v er gonha e desonr a. E o cav aleir o lhe per gunt ou com o hav ia nom e.
- Tenho nom e, disse ele, Heit or de Mar es, que em m á hor a par a m im t om ei escudo, por que est ou dest a
v ez t ão escar necido que nunca m ais t er ei honr a.
Ent ão v olt ou chor ando m uit o e foi pelas r uas do cast elo com t ão gr ande pesar , que bem quiser a est ar
m or t o. E o cav aleir o v olt ou a r ei Peles e disse- lhe que o cav aleir o se ia. E depois disse que er a Heit or de Mar es.

546. Quando o r ei ouviu que aquele er a Heit or , ir m ão de Lancelot e, disse a seus cav aleir os:
- I de at r ás dele, por que, por não ent r ar nest e paço, não lhe deix arei de fazer m uit a honr a e m uit o am or .
Ent ão cav algar am os m ais e alcançar am Heit or for a do cast elo e disser am - lhe o que o r ei m andav a dizer ,
e ele disse que não volt aria de nenhum m odo.
- Senhor , disser am eles, sim far eis, ao m enos por am or de Lancelot e, vosso ir m ão, que est á lá e vo- lo
m anda dizer por nós.
- Com o? disse ele, lá est á m eu senhor e m eu ir m ão?
- Sim , sem falha, disser am eles.
E ele t ev e t ão gr ande pesar dest as nov as que disse:
- Or a não quer o j am ais t r azer ar m as, e j á a Deus não apr aza que t enha for ças, por que nunca m ais t er ei
honr a por cousa que fazer possa, quando m eu ir m ão sabe a desonr a que aqui m e acont eceu.
Ent ão separ ou- se deles e foi quant o o cav alo o pôde lev ar , m aldizendo a hor a em que for a nascido e em
que for a feit o cavaleir o e em que t r ouxer a ar m as, e a sua linhagem , que t inha os m elhor es cavaleir os do
m undo, por que nunca m ais t er iam honr a por ele, m as desonr a e v ileza.
Dest e m odo foi Heit or fazendo seu pr ant o. E não andou m uit o que achou Galv ão e Gaer iete e saudar am -
no, por que o r econhecer am de m uit o longe, e .ele par ou e saudou- os m ui t r ist em ent e, com o quem t em pesar .
E quando Galv ão viu que t ão t r ist em ent e o saudava, cuidou que er a pela m or t e de Er ec, em que o pr ov ocar a, e
passou por ele; e Gaer iet e, que am av a m uit o Heit or , par ou e r ogoulhe pela fé e pela com panhia que hav ia
ent r e eles, que lhe dissesse a ver dade do que achar a.
- Pois bem sei, disse ele, que algum a coisa achast es de onde v indes, de que t iv est es pesar .
E Heit or lhe cont ou quant o lhe acont ecer a em Cor beric.
- E não dav a, disse ele, nada por isso, se não fosse m eu ir m ão que est av a lá e v iu m inha desgr aça.
E Gaeriet e que o am av a m uit o, o confor t ou quant o pôde e disse- lhe:
- Ai, dom Heit or , não v os deis t ão gr ande pesar . Sabei que m uit as pior es av ent ur as que est a acont ecer am
nest a dem anda a m uit os hom ens bons da m esa r edonda. E pois t ant os com panheir os t endes nas per das e nas
desv ent ur as, dev eis v os confor t ar .
E ele disse que o far ia, m as t inha gr ande pesar .
- Or a v os r ogo, disse Gaer iet e, que v ades pousar num cast elo de um a par ent a m inha, que fica per t o
daqui, e lá esper eis at é que volt e de Cor ber ic, e sabei que volt arei par a vós e vos cont ar ei o que acont ecer
com igo e com m eu ir m ão.
E Heit or disse que o não esper ar ia m ais de dois dias.

547. Ent ão se separ ar am . Heit or foi par a onde lhe ensinou Gaeriet e e Gaer iet e foi at r ás de seu ir m ão; e depois
que o alcançou, em pr eender am a ida par a Cor ber ic, e não andar am m uit o que vir am o cast elo, e Galv ão disse:
- Ai, Deus! Senhor , se v os apr ouv er , deix ai- m e entr ar nest e cast elo e sair daí com m aior honra do que j á
out r a v ez saí.
- Com o? disse Gaer iet e, desonr ado fost es aqui?
- Sim , disse ele, que nunca o fui pior em lugar onde fosse.
- Or a não v os im por t eis, disse Gaer iet e, por que, se aquela v ez não tiv est es boa andança, or a t er eis.
Ent ão ent r ar am no cast elo e for am ao alcácer . E quando chegar am ao paço av ent ur oso, não puder am
ent r ar , por que achar am as por t as e t odas as j anelas fechadas. Quando Gaer iet e viu ist o, logo soube por que
lhe disser a Heit or que não poder ia ent r ar , e t ev e t ão gr ande pesar , que bem quiser a est ar m or t o, e Galv ão
com eçou a gr it ar :
- Abr i! Abr i!
Ao cabo de um pouco, chegou um a donzela que lhe disse:
- Quem sois, cav aleir o, que quer eis ent r ar ?
E ele se nom eou. E ela disse:
- Dom Galv ão, podeis seguir , por que aqui não podeis ent r ar nem v osso com panheir o. Mas se v os
apr ouv er alber gar nest e cast elo, achar eis m uit os que v os far ão honr a e am or .
- Com o? disse Gaer iet e não podem os nós aqui est ar ?
- Não, disse ela, por que não apr az a Nosso Senhor , e por ist o podeis v er que não ser vistes a Nosso
Senhor nest a dem anda com o dev er íeis.
E ele r espondeu com gr ande pesar :
- Donzela, pesa- m e.
Ent ão disse Galv ão a Gaer iet e:
- I r m ão, v olt em os, por que não ficar ia aqui m ais, v ist o que uno posso ent r ar .
E o m esm o disse Gaer iete. Ent ão v olt ar am , e a donzela per gunt ou a Gaer iete com o hav ia nom e. E ele
disse:
- Bem sei que m e per gunt ais par a m eu escár nio, m as dir ei. Tenho nom e Gaer iete.
Ent ão foi at r ás de seu ir m ão. E quando iam pela r ua, achav am m uit os e m uit as que riam e faziam
escár nio deles, por que v olt av am t ão cedo do paço av ent ur oso. E depois que Galv ão saiu do cast elo, com eçou a
m aldizê- lo e a quant os dent r o m or av am e disse que o fer isse t al cor isco, que o derr ubasse no fundo dos
abism os.
- Ai, senhor ! disse Gaer iet e, dizeis m al. Sabeis bem que o sant o Vaso est á lá pelo qual Deus tão for m oso
m ilagr e t em feit o pelo m undo.
E ele r espondeu:
- Ao Vaso não peço senão honr a e bem . Mas quer ia que o cast elo fosse der r ubado por cor isco, por que
nunca lá fui que não saísse com desonr a e com pesar .
- Ai, senhor ! disse Gaeriet e, não dev em os por isso culpar o cast elo, m as a nós m esm os que fazem os as
m ás obr as pelas quais não podem os t er honr a.

548. - Or a m e dizei, disse Galv ão, que far em os? Por que m e par ece que sem r azão seguir em os dor av ant e a
dem anda do sant o Gr aal, por que bem v ej o que est am os no fim de quant a honr a dela t er em os. E por isso, t eria
por bem que v olt ássem os a Cam alot e.
- Senhor , disse ele, ist o ser ia nossa v er gonha, por que v ej o que nenhum dos dem andador es dest a
dem anda ainda est á lá, e se fôssem os os pr im eir os a v olt ar , sem pr e ser íam os desonr ados.
- E ent ão que far em os? disse ele.
- Senhor , disse Gaeriet e, v am os buscar av ent ur as com o ant es fazíam os e andem os um ano ou dois. E
quando souber m os que m uit os de nossos com panheir os est ão na cor t e, ent ão podem os ir sem culpa.
Enquant o est av am nist o falando e t om ando conselho, eis que um a donzela se apr ox im ou deles e disse a
Galv ão:
- Galv ão, Galv ão! Or a apar ecem v ossas m ás obr as. Muit o m al hav eis feit o nest a dem anda e m uit o bom
cav aleir o m at ast es à felonia e à tr aição. Cert am ent e, se aqueles do cast elo soubessem as br ut alidades que
fizest es desde que par t ist es da cor t e, não v os deix ar iam sair , ant es v os far iam m or r er de m á m or t e. E sabei
que Per siv al, o leal cav aleir o, cuj o pai m at ast es, ent r ar á no paço av ent ur oso com m aior honr a que v ós e por
isso lhe ser á m ais sua bondade do que a vós, vossa m aldade, por que escondeis vossa m aldade o m ais que
podeis, e a bondade e a boa v ida daquele não poder á encobr ir - se que Nosso Senhor a não faça conhecer .
E sabei que a donzela que ist o disse er a a ir m ã de I v ã.

549. Galv ão não r espondeu a nada que a donzela dissesse, com o quem se sent ia culpado de quant o ela dizia, e
disse a Gaer iet e:
- I r m ão, v am os.
E Gaer iet e concor dou e não podia acr edit ar de nenhum m odo que Galv ão fizer a t ant o m al naquela
dem anda com o fez. E a donzela v olt ou par a o cast elo e eles cav algar am t odo o dia e chegar am onde Heit or
esper ava Gaer iet e.
- Senhor , disse Gaeriet e a Galv ão, conv ém que v ej am os Heit or que nos esper a aqui.
- Não o v er ei, disse Galv ão, por que m e de sar na pela m or t e de Er ec, de que não t enho, assim Deus m e
aj ude, t ão gr ande culpa com o ele m e at r ibui. Mas ide, se quiser des.
Ent ão Galv ão foi por seu lado e Gaeriet e entr ou no cast elo e foi par a onde Heit or o esper av a. E quando
Heit or o v iu, r ecebeu- o m uit o bem e per gunt ou- lhe com o for a em Cor ber ic. E ele cont ou t udo e Heit or se
confor t ou um pouco e disse:
- Or a não posso est ar só, pois nest a desv ent ur a v os t enho por com panheir o.
Eles falando assim , eis que Lancelot e ent r ou lá, e j á er a noit e alt a; e os do cast elo, que est avam
acost um ados a honr ar e a ser v ir os cav aleir os andant es, lev ar am - no par a um a câm ar a e desar m ar am no; e
depois levar am - no par a onde est avam Gaer iet e e Heit or ; e quando eles o vir am , agr adar am - se m uit o com ele e
per gunt ar am lhe o que er a dele. E Gaer iet e disse:
- Ai, dom Lancelot e, nunca v i alguém t ão sofrido de pesar com o hoj e v i v osso ir m ão pela av ent ur a do
paço em que não pôde ent r ar , est ando v ós dent r o. Mas não dev e por isso t er gr ande pesar , por que bem assim
acont eceu a m im e a dom Galv ão.
E Lancelot e disse:
- Eu não par t ir a de Cor ber ic se não fosse par a o alcançar que o confor t asse, por que sabia bem o que
acont ecer ia, e quer o que se confor t e e que não dê por isso um a palha, por que m uit os, que eu t inha por t ão
bons cavaleir os com o ele, não conseguir am ent r ar lá desde que est a dem anda com eçou.
E Heit or r espondeu:
- Senhor , sabei que não t inha t ão gr ande pesar por que falhar a de entr ar , com o pela v er gonha de v ós que
im aginav a que m e t er íeis por m au.
E Lancelot e disse:
- Não v os ponho culpa, por que poucos hav er á dos da dem anda que lá possam ent r ar .
Ent ão se confor t ou m uit o Heit or , pois v iu que seu ir m ão t ão bem o confor t av a.

LXXI I I
Pa la m a de s e Ga la a z

550. No outr o dia m uit o cedo par t ir am , e Gaer iet e queria falar de paz ent re Heit or e Galv ão, m as não ousou.
Aquele dia, à hor a de m eio- dia, lhes acont eceu que chegar am a um a flor est a e vir am sair de um vale a best a
ladr ador a; e vinham atr ás dela bem sessent a cães t ant o sabuj os, com o alãos, com o m uit o bon s galgos e
v inham t ão for t em ent e ladr ando at r ás dela, que t odo o v ale r etinia.
- Or a, at r ás dela! disse Lancelot e. Mal haj a quem a deix ar a seu poder !
Ent ão espor ear am os cav alos, e não for am m uit o longe, que ouvir am atr ás de si vindo Palam ades
gr it ando:
- Volt ai, senhor es, v olt ai! Não t om eis m inha dem anda, por que nenhum bem v os pode sobr ev ir.
Gaer iete olhou par a t r ás e m ost r ou- o a Lancelot e e a Heit or e disse:
- Ai, Deus! Com o aqui v em bom cav aleir o!
- E quem é? disse Lancelot e.
É, disse ele, Palam ades o pagão, um dos bons cav aleir os do m undo, que m ant ev e j á a caça dest a best a
bem há cat or ze anos e m ais.
E Heit or lhe gr it ou:
- Senhor cav aleir o, quer eis j ust ar ?
- Sim , disse ele, pois v ós quer eis.
Ent ão se deix ar am ir um ao out r o quant o os cav alos os puder am lev ar e fer ir am - se t ão br av am ent e, que
não houv e quem não ficasse m uit o fer ido; m as daquele golpe caiu Heit or e o cavalo sobr e ele, e Gaeriet e se
deix ou ir a Palam ades e de nov o fez- lhe outr o t ant o com o fizer a a Heit or ou ainda pior . E quando Lancelot e viu
est es dois golpes, disse em seu ínt im o:
- Ver dade dizia Gaer iet e. Se est e não fosse um dos m elhor es cav aleir os do m undo, nunca acr edit aria no
que v i e não sei o que disso adv ir á, m as j ust ar ei com ele, ainda que faça gr ande v ileza, por que por t ais dois
golpes bem dev ia ir quit e, m as ainda far ei o que puder par a v ingar m eu ir m ão e m eu com panheir o, por que, se
não v ingasse, m o t er iam por m aldade.

551. Ent ão grit ou ao cav aleir o:


- Guar dai- v os de m im , por que j ust ar v os conv ém . E ele r espondeu:
- Não hei agor a m ist er de just ar , por que assaz t enho feit o dest a v ez e, se a r espeit o m e quiser des for çar ,
não v o- lo t er ão por cor t esia.
- I st o não há m ist er , disse Lancelot e, sej a qual for a v ilania que eu faça cont r a v ós, j ust ar vos conv ém ,
queir ais ou não.
- Pesa- m e, disse ele, m as j á que conv ém fazer , far ei.
Ent ão se deix ou cor r er um ao out r o e ferir am - se t ão br av am ent e, que escudo e lor iga não lhes pr est ar am ,
que não sent issem os fer r os nos cor pos e, se as lanças não quebr assem , poder iam am bos ser m or t os. E
puser am - se am bos os cav alos sobr e os cor pos; m as er am am bos de gr ande bondade e de for t e ânim o e
er guer am - se m uit o vivam ent e. E Palam ades foi a seu cavalo e m ont ou e disse a Lancelot e:
- Senhor , eu m eu quit o bem conv osco. Or a v os r ogo que, por cor t esia, m e deix eis ir .
- E com o v os 'sent is? disse Lancelot e.
- Vós, disse, e aquele out r o v osso com panheir o m e fer ist es m uit o.
- Pois or a podeis ir , disse Lancelot e, pois est ais fer ido. Se à bat alha das espadas v os cham asse, a v osso
pesar , far ia gr ande v ileza.
E Palam ades logo se f oi, e Heit or cav algou e os out r os dois. E Gaer iet e disse a Heit or :
- Senhor , que v os par ece do cav aleir o?
- Não pode, disse ele, senão par ecer bom , por que, sem falha, est e é o m elhor cav aleir o que algum a v ez
achei, afor a Galaaz e Trist ão.
- Cer t am ent e, disse Lancelot e, se não est iv esse t ão fer ido e não m o t iv esse por v ileza, de nenhum m odo
o deix ar ia ir sem cham álo à bat alha, m as por isso não quer o e por que fez m uit o bem ent r e nós. Or a v á à boa
v ent ur a, por que sem pr e dir ei dele bem .

552. Dest e m odo falou Lancelot e de Palam ades; e Palam ades saiu do cam inho e foi por onde cuidou que
achasse m ais cedo sua best a; e não andou m uit o, que achou Galv ão, que ia com t ant a pr essa at r ás dela, e
assim que o alcançou, disse- lhe:
- Senhor cav aleir o, que aflição v os faz ir t ão depr essa?
- Senhor , disse ele, v ou atr ás de um a best a que v i passar agor a diant e de m im , e é a best a tão est r anha
e t ão descom unal, que m e ent r ou no cor ação de nunca desist ir dela at é que a pr enda.
- Or a ouço m ar av ilhas, disse Palam ades. Nunca ouv i falar de casa on de houv esse t ant os cav aleir os
sandeus e t ant os sisudos com o em casa de r ei Ar t ur ; e os sisudos passam em bon dade e apr eço a t odos os
sisudos do m undo; e os sandeus passam em sandice a t odos os out r os sandeus do m undo.
- E por que ist o dizeis? disse Galv ão.
- Por Deus, disse ele, eu o digo por causa de v ós e dos sandeus que ent r ast es na dem anda do sant o Gr aal
e nenhum de v ós pode dela dar cabo e não t endes t am bém agor a dela senão v er gonha; e com aquela dem anda
na qual nada fizest es de que v os v enha honr a, com eçais out r a dem anda. Não é ist o sandice gr ande sobej o, que
deix eis o que hav eis com eçado e v os m et ais em dem andas que os cav aleir os est r anhos t êm m ant ido há t ant o
t em po? E não ser ia m elhor dar des ant es cabo à dem anda que com eçast es do que' v os esfor çar des por out r a?
Sois daqueles que a t odas as coisas acabar se int r om et em e de cada coisa desist em com desonr a.
Quando ist o ouv iu, Galv ão disse:
- Sois o cav aleir o est r anho que t em m ant ido t ão longam ent e a caça dest a best a?
- Sim , disse ele, v er dadeir am ent e, sou.
- Não cont ais v ossa honr a, disse Galv ão, m as v ossa desonr a, quando dizeis que t ão longo t em po andais
at r ás dest a best a, por que, cer t am ent e, se fôsseis bom cav aleir o, há t em po, a t er íeis t er m inado.
E ele r espondeu:
- Bom cav aleir o não se pode achar t ão depr essa com o im aginais.
- Cer t am ent e, disse Galv ão, não há t ão m au cav aleir o em casa de r ei Ar t ur que, se t ant o t em po andasse
nest a dem anda com o v ós, não a t iv esse t er m inado.
- Sim , há, disse Palam ades; e se v ós m esm o andásseis at r ás dest a best a t ão longam ent e com o eu, ainda
agor a não a t er íeis pr endido, por que eu, a m eu cuidar , sou t ão bom cav aleir o com o v ós e esf or cei- m e longo
t em po e ainda nada fiz.
- Com o? disse Galv ão, cuidais que sois t ão bom cav aleir o com o eu?
- Sim , disse ele.
- Em nom e de Deus, disse Galv ão, ent ão guar dai- v os de m im , por que ist o quer o eu v er logo; e se sois
m elhor cav aleir o do que eu, v os deix ar ei est a dem anda.
- Cer t am ent e, disse Palam ades, não r ecear ia agor a j ust ar , se não est iv esse fer ido. Por isso v os r ogo que
m e deix eis ir , por que se t iv er des o m elhor da j ust a, não. v os ser á nenhum a honr a, pois est ou m uit o fer ido e
v ós, são.

553. - Ai, disse Galv ão, ist o não pode ser , pois v os pu sest es em acor do com igo par a feit o de cav alar ia. Ou
j ust ar eis com igo, ou v os m at ar ei.
- Cer t am ent e, disse Palam ades, não m e ser ia m ist er j ust ar nest a ocasião, m as o far ei, pois out r a coisa
não posso fazer .
Ent ão deix ar am - se cor r er um ao outr o e fer ir am - se com t oda a for ça; e Galv ão, que não er a da bondade
de Palam ades, v oou por t er r a m uit o ferido e Palam ades passou por ele que não o olhou m ais. E em bor a
est iv esse m uit o fer ido, foi at r ás da best a com o se est iv esse são.
554. Galv ão, que ficou por t er r a, t eve t ão gr ande pesar que não soube aconselhar - se; e cham ou- se
desgr açado, infeliz e m al avent ur ado. E est ando a pé e fazendo seu pr ant o sob um car v alho, eis que v em
Galaaz, que a v ent ur a lá lev ou àquela hor a. E quando o v iu Galaaz, r econheceu- o por suas ar m as, por que as
m andar a fazer r ecentem ent e com suas div isas, e ficou m ar av ilhado de o v er fazer t al lam ent o, por que bem
sabia que não er a sem m uit a r azão. E Galv ão, quando v iu Galaaz, r econheceu- o pelo escudo, por que nenhum
cav aleir o tr azia t al escudo, e apr ouv e- lhe m uit o com ele, c por que bem j ulgou que ser ia v ingado do cav aleir o
que lhe m et er a t al pena no cor ação. E Galaaz lhe disse, logo que a ele chegou:
- Dom Galv ão, Deus est ej a conv osco. Com o v os v ai?
- Senhor , disse ele, m al, por que um cav aleir o br av o e sober bo, que daqui v ai, m e fez desonr a e m al. E
não m e pesa or a t ant o de m im , com o de um cav aleir o da m esa r edonda que or a m at ou, e er a um dos m elhor es
am igos que t ínham os.
- E com o t inha nom e? disse Galaaz.
- Leonel, disse ele, o ir m ão de dom Boor z.
E ist o assacav a Galv ão par a m et er m or t al desam or ent r e Galaaz e o cav aleir o da best a ladr ador a. Galaaz
bem cuidou que dizia a v er dade e t ev e gr ande pesar dest as nov as e per gunt ou:
- Quem é o cav aleir o que ist o fez?
E Galv ão lhe disse a r espeit o t ant o, que ele r econheceu bem que er a Palam ades.

555. Ent ão lhe per gunt ou por onde ia o cav aleir o, e Galv ão lhe m ost r ou por onde for a, e Galaaz disse:
- Ele m e fez per der um cav aleir o que am av a m uit o, e cuido que se achar á por isso m al.
Ent ão foi depr essa quant o pôde e achou Palam ades diant e de um a font e onde apear a par a ligar seus
fer im ent os. E quando v iu que vinha Galaaz t ão r ápido, logo j ulgou que não vinha par a seu bem ; e m udar am
seu j uízo e seu ânim o, por que bem soube que lhe não podia r esist ir , por que o t inha pelo m elhor cav aleir o do
m undo. E Galaaz grit ou par a ele:
- Palam ades, guar dai- v os de m im , por que v os desafio, por que m e m at ast es um dos cav aleir os do m undo
que eu m ais am av a; e ficai segur o de que v os far ei out r o t ant o, se de m im não v os puder des defender ; m ont ai
logo, ou v os fer ir ei assim .

556. Quando Palam ades ist o ouv iu, não soube o que dissesse, por que bem soube que ficav a livr e o pr eit o, se à
bat alha v iessem ; e por isso r espondeu o m elhor que soube:
- Ai! dom Galaaz! senhor , m er cê! sabei que nunca, a m eu cient e, m at ei alguém de v ossa linhagem e
ainda que o m at asse, e por isso com igo quisésseis lut ar , dev er íeis olhar t em po e ocasião em que fosse v ossa
honr a, de m odo que, depois que m e v encêsseis, não fôsseis por isso condenado ou culpado. Mas cer t am ent e,
se or a m e fizer des com bat er conv osco, não t er eis nist o honr a algum a, por que est ais bem são e eu, m uit o fer ido
à m ar av ilha, e t ant o sangue t enho per dido, que as for ças m e falt ar am , pelo que não há hom em bom no m undo
que ist o ouv isse que v os não t iv esse por m uit o er r ado e m uit o culpado, e assim poder íeis per der v ossa honr a
inutilm ente.
- I st o não há m ist er , disse Galaaz, com bat er v os conv ém .
- I st o não posso fazer , disse Palam ades; e ainda que t iv esse v ont ade, não t enho for ça, e por ist o v os digo
que nest a hor a bem m e poder eis m at ar , por que não v os por ei a m ão.
- Ent ão o que far eis? disse Galaaz. Dar - v os- eis por v encido sem golpe, e sendo t ão bom cav aleir o com o
sois?
- Por v encido não m e dar ei, disse Palam ades, enquant o a alm a est iv er no cor po. Mas pois que t al v ont ade
t endes de com bat er com igo, dai- m e pr azo at é que est ej a são e com binem os dia e lugar onde nos encont r em os,
e se lá m e v encer des, ganhar eis honr a e apr eço.

557. - Cer t am ent e, disse Galaaz, j á que est ais t ão fer ido com o dizeis, eu v os dar ia o pr azo, se cuidasse que
viríeis a ele.
- Eu v o- lo pr om et o com o cav aleir o, disse Palam ades.
- Or a v os digo, disse Galaaz, que, de hoj e a v int e dias, est ej ais diant e dest a font e, à hor a de prim a, e, se
eu não chegar àquela hor a, esper ai- m e t odo aquele dia, e vinde pr epar ado par a vos defender de m i m .
E Palam ades lhe pr om et eu que t udo far ia. E depois que am bos pr om et er am , Galaaz foi buscar suas
av ent ur as e Palam ades cav algou e foi par a a casa de seu pai e desceu e fez- se desar m ar . E quando o pai o v iu
t ão fer ido. t ev e dele gr ande pena, e se pôs a chor ar e disse:
- Filho, por t eu m al v ist e t ua boa cav alaria, por que m or r er ás por isso ant es de t eus dias.
E Palam ades não r espondeu a nada que seu pai lhe dissesse, e foi deit ar - se num a câm ar a, e fez seu pai
cuidar de seus fer im ent os, o que ele m uit o bem sabia fazer e depois que cuidou, disse- lhe:
- Filho, não t e espant es com est as chagas, por que sar ar ás.
E ele não r espondeu a nada que o pai dissesse, por que m uit o pensav a em sua bat alha com Galaaz,
por que bem sabia que não lhe r est av a senão a m or t e, e est av a por isso na m aior aflição com o nunca est iv er a.
Dois dias ficou sem com er e sem beber , que lhe não puder am ar r ancar palav r a e só pensav a; e seu pai, que
bem per cebeu que aquele pensar não lhe v inha da dor nem do m edo de m or r er das fer idas, disse- lhe:
- Filho, em que pensas? Nunca t e v i que não est iv esses m ais alegr e do que qualquer out r o cavaleir o, e
or a t e v ej o t ão t rist e e t ão pensat iv o, que m e m ar av ilho, e r ogo- t e que m e digas de onde t e v em ist o.

558. Palam ades, que m uit o am av a seu pai, quando o v iu t ão aflit o por seu pensar , e par a que soubesse de
onde lhe v inha, disse:
- Senhor , se penso não é m ar av ilha, por que, desde que sou cav aleir o, nunca com ecei algo que não
acabasse por m inha honr a, afor a a best a ladr ador a, a que não pude dar cabo. E bem v ej o que t ão alt a v ent ur a
não há de ser acabada por m im . E agor a t am bém m e acont eceu um a av ent ur a m uit o perigosa em que t enho
m or t e, se não for por m uit a sor t e.
- E o que é? disse o pai.
- Eu t enho de lut ar , disse ele, com dom Galaaz, que é o m elhor cav aleir o do m undo.
Quando o pai ist o ouv iu, deix ou- se cair por t er r a desfalecido, t ão gr ande pesar t ev e. E depois que acor dou
e pôde falar , disse:
- Ai, filho! Mal t e acont eceu.
- Bem sei, disse Palam ades, que nenhum bem m e poder á adv ir dest a bat alha, m as não posso desist ir ,
por que o pr om et i.
- Filho, disse o pai, sabes com o Jesus Cr ist o, o Pai de boa v ont ade e piedoso, foi at é aqui t eu pai e am igo,
e fost e sem pr e seu inim igo, e ele t e deu t ão for m osa gr aça de cavalar ia e de m elhor andança em r elação ao
pecado em que est avas, do que a out r o cavaleir o, que eu soubesse. Que t e dir ei? Ele t e m ost r ou t ão for m oso
am or e m elhor disposição do que a out r o qualquer cav aleir o pecador , pois sem pr e t e liv r ou de t odos os per igos
por t ua honr a; fez t ant o por ti, e t u por ele, nada, e quer m ost r ar - t e nest a ocasião na qual tivest e m ais m ist er
de sua m er cê, que t e falt ar á, de m odo que m or r er ás nest a bat alha m al e desonr adam ent e, e quant a bondade
de ar m as sem pr e t iv est e est ar á acabada e r eduzida a nada.

559. Quando Palam ades ist o ouv iu, disse:


- Senhor , falais a v er dade, m as dizei- m e que conselho sobr e ist o m e dais, por que da bat alha não se pode
desist ir , a não ser que eu m or r a ant es do pr azo.
E o pai lhe disse:
- Filho, se quisesses r eceber o bat ism o e conv er t er - t e à lei dos cr ist ãos, sei bem que Nosso Senhor Jesus
Cr ist o por á t ão gr ande conselho em t eus feit os, que t e livr ar ás dest a bat alha com t ua honr a e m uit o gr ande
am or de Galaaz. E sabe que, se o não fizer es, m or r er ás com desonr a, e eu, que sou t eu pai e t e am o m ais que
a m im , m or r er ei disso com pesar ; por que, depois que m e deix ar es, não poder ei t er m inha alegr ia.
- Com o! disse Palam ades, dizeis com o pai, que, se eu o bat ism o quiser r eceber , m e liv r ar ei dest a bat alha
com honr a?
- Sim , filho, disse o pai, digo com o pai e am igo.
- E eu, disse Palam ades, pr om et o agor a a Nosso Senhor Jesus Cr ist o que, se dest a bat alha m e deix a sair
com saú de, logo r eceba o bat ism o e daí por diant e, sej a leal cav aleir o da sant a I gr ej a.
- Filho, disse o pai, assim é com as coisas m or t ais, que se hoj e est ás v iv o, não sabes se o est ar ás
am anhã. E por isso t e louv aria, em fav or de t ua alm a e por honr a de t eu cor po, que t e fizesses bat izar o m ais
r ápido que pudesses, por que a car ne m or t al, ist o sabes bem , não t em pr azo de v ida.
E ele r espondeu:
- Assim com o o pr om et i a Deus, assim o far ei sem falha.

560. O pai, que am av a seu filho de natur al am or , não lhe ousou m ais dizer cont r a sua v ont ade, m as
confor t av a- o o m ais que podia e disse- lhe:
- Filho, não haj as pav or , por que a pr om essa que fizest e a Nosso Senhor t e far á liv r ar dest a bat alha alegr e
e honr ado.
- Deus o faça, disse ele, se lhe apr ouv er .
Dest e m odo ficou Palam ades com seu pai naquele pr azo ainda pensando e t r ist e m ais e m ais, e
acont eceu- lhe t ão bem que, ant es dos vint e dias, ficou m uit o são e m uit o alegr e e m uit o capaz de t r azer
ar m as. Naquele pr azo, m andou fazer suas ar m as t odas nov as, as m elhor es que os daquela t er r a souber am
fazer , e as cober t ur as er am t odas negr as. No dia ant er ior àquele em que a bat alha hav ia de ser , fez-se ar m ar
diant e de seu pai par a que v isse se lhe falt av a algum a coisa, e sabei que suas ar m as er am t ais que dificilm ent e
poder ia alguém m elhor es achar . Quando seu pai e os da casa v ir am que lhe não falt av a nada, disser am :
- Segur am ent e as v est e, por que por ar m as nada poder ás. E ele r espondeu assaz t r ist e:
- Aquele a quem fiz pr om essa de lhe m ant er fiel cr ença, aquele m e v alha nest a ocasião, por que bem cr eio
que m ais m e poder á v aler à gr ande aflição do que t odas as ar m as que t r ago.
I st o disse Palam ades com o quem j á hav ia conv er t ido sua cr ença à fé de Jesus Cr ist o.

561. Aquela noit e ficou Esclabor m uit o t rist e e m uit o sofr ido por seu filho, por que bem sabia que não er a t al
cav aleir o com o Galaaz. No outr o dia de m anhã Palam ades lev ant ou- se e fez- se ar m ar e depois que foi ar m ado
e m ont ou sobr e o m elhor cav alo que pôde t er , despediu- se de seu pai e, ao par t ir , o v iu chor ar e disse:
- Senhor , por que chor ais? Or a m e par ece que não t endes nenhum a fé em Jesus Cr ist o, por que se cr ês
seis m uit o bem , não t er íeis dúv ida de m im , pois lhe fiz t al pr om essa.
- Filho, disse o pai, falast e bem , agor a v ai, e aquele sej a t ua aj uda que t e pode livr ar de t odo per igo.
E depois fez o sinal da cr uz sobr e ele e encom endou- o a Deus e disse- lhe out r a vez:
- Filho, eu t e or deno, com o pai dev e or denar a filho, que, se puder es, v enhas hoj e m e v er , ao m enos at é
a noit e, por que não t er ei alegria nem bem , enquant o não t e v ir .
E ele pr om et eu que o far ia.

562. Depois dist o, separ ou- se o filho do pai e foi par a onde hav ia de ser a bat alha, e não andou m uito que
achou Galv ão, e quando ele viu Palam ades não o r econheceu, pelas ar m as que t r azia tr ocadas. Mas Palam ades
o r econheceu m uit o bem , e Galv ão lhe disse:
- À j ust a v os dem ando.
E não lhe r espondeu a nada e Galv ão o t ev e por desdém gr ande e disse- lhe out r a v ez:
- Que é ist o, cav aleir o? Não ouv is o que v os digo?
Palam ades bem o ouv ia, m as não lhe r espondeu nada, ant es seguia seu cam inho. Ent ão ficou Galv ão
m uit o sanhudo, por que lhe par ecia que o fazia por algum m al, e foi a sua fr ent e e segur ou o pelo fr eio e disse-
lhe:
- Eu v os segur o, cav aleir o; ou j ust ar eis com igo, ou v os out or gar eis por v encido da j ust a.
E Palam ades lhe r espondeu:
- Deix ai- m e ir , senhor cav aleir o, e não m e for ceis, pois não m e apr azo Sabei que não j ust ar ei hoj e
conv osco.
- Por quê? disse Galv ão.
- Por que não m e apr az, disse ele; à for ça não m e far eis j ust ar .
- É v er dade, disse; m as v ist o que sois cav aleir o andant e com o eu e falt ais à j ust a, t enho que o fazeis por
cov ar dia e por m aldade.
- Dizeis o que vos apet ece, disse Palam ades, e não é cor t esia dizer des pesar a cavaleir o est r anho que não
conheceis; m as com o quer que eu sej a m au e cov ar de, se t iv ésseis t ant o a fazer nest e dia
com o eu e soubésseis t ão gr ande v osso per igo com o sei o m eu, cer t am ent e não ser íeis t ão v alent e que lá
ousásseis ir , por que não t endes ânim o, nem for ça, nem bondade por que pudésseis escapar sem per da do
cor po. E ist o v os digo pela v ilania que em v ós achei.

563. Galv ão, que ficou m uit o sanhudo dest e pr eit o, r espondeu:
- Cav aleir o, m uit o m e despr ezais, e pesa- m e, por que bem cuido que nunca m e v ist es j ust ar . Mas com o
quer que eu sej a m au, r ogo v os, pela fé que dev eis a t oda a cav alar ia que j ust eis com igo um a v ez; e, por boa
fé, não v os dem andar ei m ais.
- Tant o m e conv idast es, disse Palam ades, que o far ei, em bor a não m e sej a m ist er , por que m uit o t enho
alhur es a fazer .
Ent ão ficar am am bos m uit o sanhudos e com gr ande pesar deix ar am - se cor r er um ao out r o, e Palam ades
fer iu Galv ão, de m odo que m et eu a ele e o cavalo por t er r a e foi a ele e t om ou- lhe a lança pela sua que
quebr ar a nele, por que sem lança não queria ir onde ia. Depois foi e não o olhou m ais. E Galv ão er gueu- se e
m ont ou seu cav alo e foi at r ás dele e disse que ant es quer ia ser m or t o do que não lhe fazer algum escár nio. E
quando chegou a ele, disse- lhe:
- Volt ai, cav aleir o, por que não ireis assim , pois não é m uit o gr ande bondade de ar m as de um cav aleir o
der r ibar o outr o, m as ao fer ir com espadas se conhecem os bons.
E Palam ades r espondeu com sanha:
- Dom Galv ão, por que sois t ão v ilão e inv ej oso? Não t endes v alor nem sois um dos cor t eses do m undo.
Assim Deus m e aj ude, m uit o m e m ar av ilho, por que sabeis o pr eit o que or a pusest es com igo e depois m e
cham ais à bat alha. Deix ai- m e ir or a em paz, e far eis cor t esia; e depois, no pr im eir o lugar onde m e achar des,
cham ai- m e à bat alha, se vir des vosso pr ov eit o, e eu vos pr om et o que não falt ar ei.
- Se eu cuidasse, disse Galv ão, que não falt ar íeis na pr im eir a v ez que v os cham asse, v os deix ar ia.
- Eu v o- lo pr om et o, disse Palam ades.
- Pois or a m e dizei v osso nom e, disse Galv ão.
E ele se nom eou.
- Por Sant a Maria, disse Galv ão, sois um dos hom ens do m undo que eu m ais desam o, por que afr ont ast es
t ant o a m im e a m eus par ent es e a m eus am igos que ficai segur o de que t om ar ei v ingança, assim que v ej a
ocasião.

564. Palam ades não r espondeu a nada que Galv ão lhe dissesse; e ent ão se separ ar am e Galv ão não andou
m uit o, que achou Gaeriet e, seu ir m ão, e a alegr ia foi m uit o gr ande ent r e eles, e Galv ão cont ou a Gaer iet e
quant o lhe acont ecer a com Palam ades.
- Ai, senhor ! disse Gaeriet e, que é ist o que andais fazendo? Guar dai- v os, assim com o am ais o cor po, que
v os não pegueis com Palam ades, por que sabei que é m elhor cav aleir o que v ós.
- Não m e im por t o, disse Galv ão, por que t ant o m e afr ont ou que o não deix aria pelo r eino de Logr es, que o
não fizesse m or r er de m á m or t e.
- Deus v os guar de, disse Gaer iet e, de m at ar des t ão bom cav aleir o, por que ser ia gr ande dano sobej o, e
assim Deus m e aj ude, não há no m undo t ão v ilão cav aleir o, sabendo sua bondade e sua cav alar ia com o sei,
que t iv esse v ont ade de o m at ar , a não ser que fosse m ais desleal que qualquer outr o cav aleir o.
- Ele m e fez, disse Galv ão, t ant a honr a, que lhe darei. o galar dão.
Assim falar am os dois ir m ãos. E Palam ades, quando se separ ou de Galv ão, andou t ant o, que chegou
ant es da hor a de t er ça à font e onde a bat alha for a m ar cada, m as não achou ninguém , e desceu, e t ir ou seu
escudo e sua lança e seu elm o par a folgar ao v ent o. E depois que folgou um t em po e de nov o laçou seu elm o,
olhou par a o gr ande cam inho e v iu v ir Galaaz. Quando Palam ades o v iu, não ficou m uit o segur o, por que sabia
que er a o m elhor cavaleir o do m undo. Ent ão m ont ou seu cavalo e esper ou at é que chegou Galaaz, que lhe
disse:
- Palam ades, a m im fizer am saber que. um par ent e m eu m at ast es, que eu am av a m uit o. E não t om ei
disso v ingança quando v o- lo disse, ant es v os separ ast es de m im por t al pr eit o com o sabeis; e or a v os cham o
por isso à bat alha, e or a v er em os com o far eis.
E ele r espondeu que par a a bat alha est av a pr epar ado, pois por out r a coisa não podia liv r ar - se. Ent ão se
deix ou um cor r er ao outr o e ferir am - se com t oda sua for ça, m as Palam ades v oou por t er r a m uit o ferido, e
assim que Galaaz o v iu por t er r a, desceu e lev ou seu cav alo a um a ár v or e e m et eu m ão à espada e f oi cor r endo
par a Palam ades, que se er guer a j á e t ir ar a sua espada. E quando Palam ades v iu v ir contr a si Galaaz, er guida a
espada na m ão, disse com o gr ande pav or que t ev e:
- Ai, Senhor Jesus Cr ist o, não m e deix es aqui m or r er , m as faze- m e daqui sair com honr a.
E Galaaz lhe deu por m eio do elm o um t ão gr ande golpe, que não se pôde m ant er em pé e t ev e de ficar
com os dois j oelhos por t er r a, e, se o elm o não fosse de gr ande bondade sobej o, fender a- o at é as espáduas;
m as Palam ades se er gueu logo e m uit o ligeir am ent e, e pôs o escudo sobr e a cabeça, e defendeu- se enquant o
pôde, m as ist o não podia ser m uit o longam ent e, por que a bondade de ar m as de Galaaz não se com par a a
nenhum a outr a; m as Palam ades sofr eu e r esist iu o m ais que pôde. Per der a j á um pouco de sangue e t ant as
chagas t inha gr andes e pequenas, que er a m ar av ilha com o ainda podia car r egar seu escudo; e o cam po ao
r edor dele est av a j á t odo t int o de sangue, de m odo que ele não esper av a senão a m or t e, m as ainda sofr ia e
r esist ia, com o quem er a de ânim o for t e.

565. Quando Galaaz viu e r econheceu que j á não tinha for ça par a se defender , t ev e dele piedade pela boa
cav alar ia que nele conhecia e pela m uit o gr ande bondade de ar m as. Ent ão pensou que, se o pu desse fazer
cr ist ão, gr ande alegr ia t eria e m uit o boa v ent ur a. Ent ão foi a ele e t om ou seu elm o e pux ou- o t ão
violent am ent e, que o t ir ou da cabeça e pr ov ocou- lhe t al queda, que ficou est ont eado. E Galaaz se pôs sobr e ele
e disse- lhe:
- Est ás m or t o, se não t e ent r egas com o v encido.
E aquele que nunca em cav alar ia err ar a e que nunca algo fizer a que em v ilania se lhe pudesse t or nar e
er a de m uit o for t e ânim o, pelas boas av ent ur as que sem pr e at é aquela hor a t ev e, r espondeu:
- Ai, dom Galaaz, ist o que m e dizeis não é nada. Cer t am ent e, ainda por pav or que t enha da m or t e, não
falar ei algo pelo que m e possam t er por cov ar de; m as ist o não posso dizer , que não sois m elhor cavaleir o que
eu e que t odos aqueles que algum a v ez t r oux er am ar m as no r eino de Logr es. E por isso não m e im por t o de
m or r er por v ossas m ãos, por que assim nunca poder ão dizer que pior cav aleir o do que eu m e m at ou.
- I st o que dizeis não é nada, disse Galaaz; conv ém que v os ent r egueis com o v encido.
- Mas ist o é loucur a, disse Palam ades, cuidar des que eu faça algo que se t om e m inha v er gonha por m edo
da m or t e que em pouco t em po vir á.
Quando Galaaz ist o ouv iu, não soube o que fizesse por que o desam av a m or t alm ent e e, por out r o lado,
pr ezav a t ant o a ele e a sua cav alaria, que bem v ia que, se o m at asse, ser ia gr ande dano. Ent ão disse:
- Palam ades, v edes que est ais m or t o, se eu quer o.
E ele r espondeu:
- I st o não é gr ande v er gonha, por que t odos aqueles que v os conhecem sabem v er dadeir am ent e que sois
o m elhor cav aleir o do m undo.
- Se sou bom cav aleir o, disse Galaaz, t ant o é v osso m al m aior , por que v os m at ar ei, se quiser . Mas, or a
fazei- m e um a cousa que v os quer o r ogar par a v osso pr ov eit o e par a v ossa honr a e por ser v osso com panheir o
e vosso am igo, enquant o viver des.
- E eu, cer t am ent e, disse Palam ades, por ist o que m e dizeis, não há nada no m undo que não fizesse que
em honr a se m e t or nasse, pr im eir am ent e par a salv ar m inha vida, e depois por v ós, de que m e t er ia por m uit o
feliz de quant o por v ós fizesse; dizei- m e o que é.
- Eu v os digo, disse Galaaz, que se quiser des deix ar v ossa lei e r eceber des o bat ism o, v os per doar ei
quant o queix um e de v ós t enho e m e t or nar ei v osso v assalo, de m odo que, em qualquer lugar onde, a par t ir
daqui m e achar des, m e poder eis m et er em qualquer per igo par a v osso cor po defender .
Quando Palam ades ist o ouv iu, disse:
- Pois deix ai- m e, e eu fazer quer o o que m e r ogais e o acor do que m e fizest es; e sabei que nunca t iv e
m aior v ont ade de nada no m undo, com o de agor a r eceber o bat ism o e cr er na sant a lei de Jesus Cr ist o,
pr im eir am ent e por que lhe pr om et i e depois por v osso r ogo.

566. Dest e m odo desapar eceu o desam or de ent r e am bos, e am bos concor dar am m ant er o que pr om et er am . E
Galaaz se lev ant ou ent ão e per gunt ou a Palam ades se poder ia cav algar .
- Sim , senhor , disse ele, por que ainda m e sint o um pouco bem .
E Galaaz foi buscar o cav alo de Palam ades e o t r oux e. E Palam ades cav algou e disse a Galaaz:
- Senhor , que v os apr az que façam os?
- Eu quer ia, disse Galaaz, que fôssem os a algum lugar onde v os bat izásseis.
- Senhor , disse ele, pois v am os à casa de m eu pai.
E Galaaz cav algou e andar am t ant o, que chegar am à casa de Esclabor , o desconhecido, e depoi s que
descer am e o pai v iu seu filho t ão ferido, com eçou a chor ar e disse:
- Filho, com o t e sent es? Cuidas sar ar ?
E ele disse que não t iv esse pav or , por que não se sent ia m uit o fer ido. E depois per gunt ou Esclabor a
Galaaz:
- Por qual pr eit o t er minou a v ossa bat alha?
E ele lhe disse com o o cont o j á r ev elou; e o pai est endeu suas m ãos par a o céu e chor ou com m uit o
gr ande pr azer que t ev e e disse que or a est av am t odos - os seus desej os cum pr idos, pois seu filho concor dav a
em r eceber a lei dos cr ist ãos.
567. Por t al av ent ur a com o v os cont o, t or nou- se Palam ades cr ist ão e foi cham ado no bat ism o pelo nom e que
ant es t inha. E quando est av a na sant a água, acont eceu- lhe um a gr ande m ar av ilha, que t iv er am por gr ande
m ilagr e, e ainda agor a falam dele na t er r a; e a m ar avilha foi t al que, de t odas as chagas que t inha ficou
cur ado, assim que ent r ou na sant a água do bat ism o, de m odo que dom Galaaz, que lá est av a e um bispo e
m uit as out r as pessoas, que o v ir am ent r ar fer ido e sair são, der am gr aças a Nosso Senhor . E foi est e m ilagr e
apr egoado por t odo o r eino de Logr es; e, logo que r ei Ar tur soube, m andou escr ev ê- lo no liv r o das av ent ur as.
Tr ês dias dem or ou Palam ades em casa de seu pai, depois que se t or nou cr ist ão, alegr e e são e com gr ande
pr azer , por que t odos os da t er r a, vier amlhe fazer honr a e fest a, com pr azer de que er a cr ist ão. Ao t er ceir o dia,
disse- lhe dom Galaaz:
- Dom Palam ades, dem or ei aqui m ais do que dev er a, por que m uit o t inha alhur es afazer , m as est a dem or a
fiz por v osso am or e pela honr a que Deus v os fez; e or a queria ir .
- Senhor , disse Palam ades, v am os, quando quiser des.
- Com o? disse Galaaz, quer eis ir com igo?
- Ai, senhor ! disse Palam ades por que não? Não m e pr om et est es v ossa com panhia?
- Sim , disse Galaaz, por que, assim Deus m e aj ude, am o e pr ezo m uit o v ossa com panhia, pois bem
conheço v ossa cav alar ia e v ossa bondade, e pr epar ai- v os de m odo que par t am os am anhã.
E ele disse que est av a pr epar ado.

568. Aquela t ar de, despediu- se Palam ades de seu pai e dos out r os de sua casa, e disse que quer ia ir de m anhã,
em com panhia de Galaaz; e o pai disse que com aquela com panhia ficav a m uit o alegr e. No out r o dia, de
m anhã, fêz- se ar m ar Palam ades com ar m as boas e r icas, e Galaaz t am bém . Depois t om ar am seu cam inho e
Palam ades disse a Galaaz:
- Senhor , de nov o hom em , nov as obr as. Sou nov o ser v o de Jesus Cr ist o e quer o m e m et er em seu
ser v iço, por que quer o ent r ar na dem anda do sant o Gr aal, se apr ov ar des.
E Galaaz lhe r espondeu:
- Não podeis dir et am ent e ser com panheir o da dem anda do sant o Gr aal, se ant es não for des com panheir o
da t áv ola r edonda. E por isso v os r ecom endar ia que fôsseis a Cam alot e e v ísseis o apr eço que t êm nest a
dem anda os cav aleir os da t áv ola r edonda, cuj os assent os est ão v azios. E bem cuido que, se lá fôsseis, Nosso
Senhor v os far ia t ão gr ande honr a, que t er íeis um dos assent os; ent ão poder íeis ent r ar seguram ent e na
dem anda.
- Pois apr ov ais que assim o faça? disse Palam ades.
- Sim , disse Galaaz.
- Quer o fazê-lo, disse Palam ades.
Ent ão abr açar am - se e despedir am - se. E Palam ades foi par a Cam alot e t ão feliz por ser crist ão e com t ão
gr ande pr azer , que m ar avilha, e não achava er m it ão a quem não se confessasse, e m onge a quem não pedisse
conselho par a sua v ida, e achav a m uit os que lhe diziam que não tr oux esse ar m as daí par a fr ent e, por que
am iúde poder ia por elas cair em pecado m or t al.
- Ar m as, não poder ei deix ar de t r azê- las, disse ele, de nenhum m odo, m as de t odo o r est o posso m uit o
bem passar .
Que dir ei? Palam ades chegou a Cam alot e e sabiam j á que er a cr ist ão e a m ar avilha que lhe acont ecer a; e,
logo que chegou, assaz achou quem lhe fizesse honr a e am or , por que m uit o pr ezavam t odos e t odas a sua
cav alar ia e cor t esia. Ent ão acont eceu de nov o outr a m ar av ilha, por que, quando sent av a- se à m esa ent r e os
cav aleir os que não er am da t áv ola redonda, apr ox im ou- se um cav aleir o do r ei e lhe disse:
- Senhor , alegr em o- nos. A t áv ola r edonda t em m ais um cav aleir o, de quem dev eis t odos v os alegr ar .
- Muit o bendit o sej a Deus, disse o r ei, qual é?
- Senhor , disse ele, dom Palam ades. Achei or a seu nom e escr it o num dos assent os da m esa r edonda.
E o r ei ficou m uit o feliz com est as nov as e m andou que Palam ades se lev ant asse de onde est av a sent ado e
fosse par a o assent o da t áv ola r edonda. E Palam ades o fez e ficou m uit o alegr e com aquela honr a que Deus t ão
cedo lhe fizer a e agr adeceu m uit o.

LXXI V
Ga la a z, Pa la m a de s e o ca v a le ir o da font e

569. Dest e m odo com o v os cont o t ev e dom Palam ades o assent o da m esa r edonda e ficou lá cinco dias e o r ei
t inha m uit o gr ande pr azer em per gunt ar por nov as de Galaaz e dos out r os bons cav aleir os da dem anda. E
Palam ades com eçou a dem anda depois dos out r os e andou bem um ano e não achou Galaaz. Tant o andou
Palam ades e de t al m odo que achou um dia Galaaz diant e de um a font e, c ist o foi à ent r ada de m aio. E Galaaz
descer a par a folgar , e a font e ficav a per t o de um a t or r e. E quando Palam ades v iu Galaaz, desceu do cav alo e
pôs no chão o escudo e a lança e foi cor r endo abr açálo e Galaaz t am bém a ele.
E Palam ades disse:
- Meu senhor dom Galaaz, com o passast es desde que nos separ am os?
- Bem , disse ele, gr aças a Deus. Muit as av ent ur as achei depois e m uit as m ar av ilhas, que Deus, por sua
gr aça, m e fez acabar ; m as por v ós est ou m uit o m ar av ilhado e m uit o alegr e, e t enho gr ande pr azer , por que sois
da t áv ola r edonda, com o depois ouv i cont ar .
Depois que os dois com panheir os falar am m uit o t em po, Galaaz per gunt ou a Palam ades:
- Ouv ist es nov as de m eu senhor Lancelot e?
- Sim , senhor , sem falha, m uit as v ezes, disse Palam ades. E sabei que est ev e em casa de r ei Pescador ,
m as nada acabou lá.
- Assim v ai nas av ent ur as, disse Galaaz. Nada conseguiu acr escent ar a seus feit os, por não ser bom
cav aleir o. Mas Nosso Senhor quer assim .
E depois que falar am m uit o e cav algar am t ant o, chegar am à flor est a da ser pent e e ficar am aquela noit e
num m ost eir o, que ficav a num v ale, que r ei Bam de Benoic fizer a quando er a m ancebo. Aquela t ar de per gunt ou
Galaaz pelo cam inho da t or r e do gigant e, onde quer ia com bat er com o cavaleir o da font e, e os fr ades lhe
m ost r ar am o cam inho e disser am :
- Se quer eis com bat er com o cav aleir o da font e, ser á gr ande loucur a, por que nunca alguém com ele
com bat eu, que não saísse com desonr a e v er gonha.
- Bem pode ser , disse Galaaz, m as com o quer que sej a, quer em os ir v ê- lo.
570. Depois dist o, os dois cav aleir os for am deit ar , m as Palam ades não esqueceu a boa cav alar ia do cav aleir o
da font e, e pensou que, se Deus o levasse a ele, pedir ia a Galaaz que lhe concedesse aquela bat alha. E no
out r o dia, for am ouv ir m issa; depois ar m ar am - se e m ont ar am e par t ir am e t ant o andar am pelo cam inho, que
lhe ensinar am , at é que chegar am à t or r e do gigant e. E Galaaz r econheceu a t orr e, logo que a viu.
- Dom Palam ades, disse Galaaz, v edes aqui a t or r e que eu buscav a. Or a podeis est ar segur o de que
v er eis a m aior m ar avilha que nunca v ist es de um ' cav aleir o.
- E que m ar av ilha é? disse Palam ades.
- Eu v o- lo dir ei, disse Galaaz. Se com ele com bat er des, e eu v os conheço com o cav aleir o capaz de v encê-
lo, se desist ir de v ós t ão fer ido e m achucado, que não poder íeis cr er de m odo algum que pudesse pegar ar m as,
senão depois de longo t em po, ent ão o v er eis v olt ar m ais são e m ais descansado do que o achast es no com eço,
e de t al m odo r ecuper a sua for ça por m uit as v ezes que, no final, v os v encer á.
- Por Deus, disse Palam ades, est a é a m aior m ar av ilha de que algum a v ez ouv i falar . E j á que t ão per t o
dele est am os, r ogo- v os que m e concedais est a bat alha.
Depois que chegar am à font e, disse Galaaz:
- Não sei onde possam os achar o cav aleir o daqui, pois aqui não est á.
- Não nos pr eocupem os, disse Palam ades, por que est á aqui e sair á.

571. Eles ist o dizendo, v ir am sair de dent r o um escudeir o que v eio a eles e disse- lhes:
- Senhor es, sois cav aleir os andant es?
- Sim , disser am eles, m as por que o per gunt ais?
- Por que, se quiser des j ust ar , achar eis aqui com quem , disse o escu deir o.
- Quem ? disse Palam ades.
- O senhor dest a t er r a, disse- lhe o escudeir o, que é o m elhor cav aleir o do m undo.
- Eu quer o, disse Palam ades.
E o escu deir o soou logo um cor no e, ao cabo de um pouco, v ir am um cav aleir o sair da t or r e ar m ado, e
cingia um escudo v er de e duas ban das v er m elhas. E Palam ades disse a Galaaz:
- Est e é o cav aleir o que v enceu dom Gaer iet e que é um dos bons cav aleir os da t áv ola r edonda.
Cer t am ent e o v ingar ei, se puder .
Ent ão v olv eu a cabeça do cav alo par a ele. Quando o cav aleir o viu ist o, disse:
- Deix ai, cav aleir o, por que não just ar em os aqui, m as v am os li um lugar que é m ais apr opriado par a j ust a
de cav aleir os do que est e.
Ent ão for am par a um pr ado pequeno que ficav a no fim de um a flor est a m uit o espessa. E cor r ia pelo m eio
um r egat o de um a font e, que ficav a m uit o per t o, m as nascia ent r e um as ár v or es t ão espessas, que os do pr ado
não a poder iam v er ; e sabei que aquela font e er a de gr ande v ir t ude que ninguém , por m ais fer ido que
est iv esse, depois que daquela água bebesse, não ficasse logo são. Mas ist o não sabiam os cav aleir os
est r angeir os que por lá passav am , pelo que acont ecia que o cav aleir o da t or r e, quando est av a fer ido e per t o de
v encido, pedia pr azo par a r ecuper ar alent o e fôlego e ia à font e, e assim que da água bebia, v olt av a com t ão
gr ande for ça e t ão são com o ant es, e ist o fazia quant as v ezes quer ia e por isso v encia a quant os com quem
com bat ia. I st o r ev ela o cont o quando fala de t rês m ar av ilhas: a da best a ladr ador a; a da v elha da capela,
aquela que Elaim , o br anco, v iu v iv er do pão dos anj os, e a font e que er a cham ada a font e da cur a. A v er dade
dest as t r ês cousas r ev elou o r ei Par alít ico a Galaaz, quando foi a Cor ber ic com dom Boor z e com Per siv al, e
v ir am o sant o Gr aal, O que hom em m or t al não poder ia cr er . Lá r evela com o est as t r ês m ar av ilhas
acont ecer am . Mas or a v os t or no à bat alha dos cav aleir os.

572. Quando am bos os cav aleir os chegar am ao cam po que ficav a per t o da font e, deix ou- se cor r er um ao out r o
e fer ir am - se t ão v iolent am ent e, que am bas as lanças v oar am em pedaços. E o cav aleir o da t or r e, que não er a
de t ão gr ande bondade com o Palam ades, v ooU do cav alo ao chão, m as er gueu- se logo com o quem er a m uit o
cor aj oso e ficou m uit o sanhudo com aquela queda e m et eu m ão à espada e deix ou- se ir a Palam ades, que
est ava a cavalo, e Palam ades afast ou- se e disse- lhe:
- Segui v osso cam inho, cav aleir o, por que não pode ser que v os m et a m ão, est ando eu a cavalo e v ós a
pé.
Ent ão desceu e at ou seu cav alo a um a ár v or e e m et eu m ão à espada e f oi- lhe dar um golpe por cim a do
elm o o m aior que pôde, e depois out r o. Mas o cav aleir o er a de t ão gr ande for ça, que se defendia bem à
m ar av ilha. Mas ant es que t er m inasse o pr im eir o lance da bat alha, ficou m alt r at ado, t ant o pelos fer im ent os,
com o pela per da de sangue; dificilm ent e podia j á m ant er - se de pé, por que, sem falha, Palam ades er a de m uit o
for t e ânim o e de bondade de ar m as e de m uit o m aior for ça do que ele. Quando o cav aleir o da font e v iu que não
podia m ais, afast ou- se um pouco e pediu pr azo par a descansar , e Palam ades deu; e ele foi logo à font e e
bebeu e sent iuse t ão são e t ão cur ado com o ant es, e v olt ou a Palam ades e cham ou- o à bat alha e com eçou- lhe
a dar m aior es golpes do que ant es no com eço.

573. Quando Palam ades ist o v iu, ficou m ar avilhado e disse em seu ínt im o:
- I st o não pode ser ? Est e cav aleir o est av a com o v encido e agor a t em m ais for ça do que hoj e v i. Est a é a
m aior m ar av ilha do m undo. Or a v ej o bem o que m e disse Galaaz.
E o cav aleir o com eçou a at acar e dar m ui gr andes golpes e am iúde por cim a do elm o. Mas aquele er a de
m uit o gr ande bondade e t ão ligeir am ent e não podia ser v encido; defendeu- se m uit o bem e ainda assim com
m uit o gr ande dificuldade. E v iu que cinco v ezes v olt ou à bat alha são e ligeir o, e a quint a v ez sofr eu Palam ades
t ão gr ande dificuldade de ar m as, que disse Galaaz, no seu ínt im o, que não podia cr er que Palam ades f osse
cav aleir o que pudesse supor t ar quant o supor t ou do cav aleir o da t or r e, que for a j á cinco v ezes v encido; quando
o v iu Galaaz v olt ar à bat alha são e descansado com o da pr im eir a, est av a j á Palam ades t ão cansado e t ão fer ido
e t ant o sangue per der a j á, que m ar av ilha er a, com o não est av a m or t o t em po hav ia. E quant o v iu vir cont r a si o
cav aleir o, que à bat alha o cham av a, disse- lhe:
- Dom cav aleir o, v ós m e enganast es cinco v ezes. Por sant a Mar ia, não m e enganar eis j am ais; não v os
separ ar eis de m im at é que m e v ençais ou eu a v ós, por que v ossa ida m e fazia gr ande noj o.
E ele não lhe r espondeu nada, m as com eçou- lhe dar os m aior es golpes que pôde. E Palam ades se
defendia com o quem er a de m uit a for ça e de gr ande ânim o. E t ant o fez, em bor a com m uit a dificuldade, que o
lev ou per t o de ser v encido; e ele quis ir à font e, quando se sent iu t ão m achucado. Mas Palam ades o pegou pelo
elm o e puxou- o e m et eu- o por t er r a e ficou em cim a dele e disse:
- Por Sant a Mar ia, não escapar eis, se não v os der des por v encido e não m e disser des de onde est a
m ar avilha vos vem . Ent ão lhe t ir ou o elm o da cabeça e deit ou- o longe e fingiu lhe cor t ar a cabeça. E o
cav aleir o, com pav or de m or t e, pediu- lhe m er cê, que o não m at asse, que se dar ia por v encido.
- Não o far ei, disse Palam ades, enquant o não m e disser des o que t e per gunt ei.
- Dir ei, disse ele, pois v ej o que out r a coisa não posso fazer . Or a m e deix a.
E Palam ades o deix ou. E ele lhe per gunt ou com o t inha nom e. E Palam ades lhe disse seu nom e.
- Ai, Palam ades! disse o cav aleir o, m uit o ouvi falar de t i, e m uit o és fam oso por t oda est a t er r a. E pois
que est ou vencido, m uit o m e apr az que est ej a vencido por t al cavaleir o com o t u. Or a t e dir ei o que m e
dem andas. Tenho nom e At am as, o da font e, por que guar dei um a font e que há aqui, há m uit o t em po, e é de
gr ande v ir tude, que t odo hom em que dela beber , por m ais cansado e fer ido que est ej a, logo não fique
r ecuper ado e são, com o ant es.

574. - Assim ? disse Palam ades, m ost r ai- m e est a font e.


Ent ão se er gueu At am as e t om ou Palam ades pela m ão e levou- o à font e, que nascia ao pé de um
sicôm or o, e o cav aleir o bebeu daquela água, e Palam ades t am bém , e ficar am am bos sãos e t ão descansados
com o ant es. Ent ão v iu Palam ades que lhe dizia At am as a v er dade.
- Ai, dom Galaaz, disse Palam ades, or a podem os bem v er o por que j á t ant o andam os pelo r eino de
Logr es e não acham os: a font e v ent ur osa. Vede- a aqui.
E Galaaz r espondeu:
- Muit as v ezes ouvi dela falar . Bendit o sej a Deus que m a m ost r ou.
Ent ão per gunt ou a At am as:
Dizei- m e de onde est a av ent ur a acont eceu a est a font e.
- Assim Deus m e aj ude, não sei, disse ele; não pude achar quem m e dissesse, m as som ent e v os digo que
um a m ulher m e fez saber , que a est a font e m e t r oux e, que ninguém podia saber a v er dade dist o senão pelo r ei
Par alít ico. Aquele r ev elar ia est a av entur a, com o acont eceu, ao bom cav aleir o, que há de dar cabo às av ent ur as
do r eino de Logr es.

LXXV
Ga la a z e Pa la m a de s na t or r e do giga nt e

575. Palam ades disse a Galaaz:


- Senhor , assaz ouv ist es falar . Or a v am os quando v os apr ouv er , por que dest a av ent ur a não saber em os a
v er dade, senão por v ós.
E ele se calou, por que não quer ia que At am as o r econhecesse. Ent ão disse Palam ades a At am as:
- Nós quer em os ir . E v ós, que far eis? Ficar eis?
Disse ele:
- Ficar ei e guar dar ei est a font e, enquant o puder ferir com a espada.
E Galaaz disse a Palam ades:
- Não ir em os, sem ant es ir m os à t or r e v er se há lá algum cav aleir o da t áv ola r edonda pr eso, por quê m e
disser am m uit os hom ens bons que est e cav aleir o, depois que os v encia, os m et ia em pr isão.
- Bem falais, disse Palam ades.
E At am as r espondeu:
- Senhor es, se eu pr esos t enho em m inha casa, não t endes quant o a isso que fazer ; r ogo- v os que não m e
for ceis.
- Por Deus, disse Palam ades, conv ém que os solt eis ou por for ça ou por am or .
At am as r espondeu:
- Lev ast es- m e ao pont o a que ninguém pôde m e lev ar , por isso far ei por v ós o que não far ia por out r em .
Ent ão for am à t or r e e assaz achar am quem lhes fizesse honr a e am or , por que assim o hav ia m andado
At am as.
- Or a, disser am eles, se há aí alguns pr esos, fazei- os v ir .
- Aqui há, disse ele, quat r o da t áv ola r edonda que eu quiser a m at ar na prisão. E t ão m á pr isão lhes dei
pela afr ont a que m e fizer am , que bem cuido que nunca possam r ecuper ar sua for ça.
- Sej a, disse Palam ades; fazei- os v ir , e por em os r em édio nisso.

576. Ent ão m andou At am as buscá- los e t r oux er am - nos t ão m alt r at ados, que dificilm ent e os podiam
r econhecer . E sabei que tinham m uit o gr ande fam a; um er a Galv ão, e o outr o er a Gaer iete, e o out r o er a
Bliobler is, e o out r o Sagr am or . Todos est es quat r o for am v encidos por At am as, m as não é m ar av ilha, por que
ele podia r ecuper ar sua for ça e sar ar de seus ferim ent os com o v os disse j á. Quando Galaaz e Palam ades
r eceber am os quat r o cav aleir os, chor ar am m uit o, por que t inham deles m uit o gr ande dó. E quando Galv ão v iu
Galaaz, disse:
- Ai, dom Galaaz, sede bem - v indo; sem pr e disse que nunca ficar íam os liv r es de pr isão, a não ser por v ós.
Bendit o sej a Deus que v os t r oux e aqui.
E Galaaz disse:
- Não o agr adeçais a m im , m as a dom Palam ades, que aqui est á e v enceu o cav aleir o da font e, m ot iv o
pelo qual est ais livr es. E com o v os sent is? disse, poder eis sar ar ?
- Sim , disser am eles, o pr azer que t em os de est ar m os liv r es nos fez sar ar .
Tant o dem or ar am Galaaz e Palam ades na t or re at é que os quat r o cav aleir os puder am sar ar , e ent ão
par t ir am os seis da t or r e m uit o bem dispost os, e At am as lhes deu quant o houv er am m ist er , e andar am dois
dias j unt os e depois separ ar am - se t odos e cada um t om ou seu cam inho.
Mas or a deix a o cont o a falar deles e t or na a Galaaz.

577. Galaaz, depois que se separ ou dos out r os, andou sozinho buscando as av ent ur as do r eino de Logr es por
t odos os lugar es onde ouv ia delas falar , de m odo que a v entur a o lev ou à flor est a de Ar nant es, onde ficav a o
paço per igoso.
Ali achou ele o t úm ulo de Moisés, o filho de Sim eão que sem pr e ar dia, com o o cont o há j á r ev elado; e
com o Sim eão ficou livr e do fogo pela v inda de Galaaz, assim Moisés ficou livr e pela m esm a av ent ur a. Est e
m ilagr e foi m et ido em escr it o na Sé de Cam alot e; c depois que ele acabou est a av ent ur a, andou t an t o por suas
j or nadas, que a v entur a o lev ou à flor est a per igosa. Lá achou a font e que fer via, onde Lancelot e m at ou os dois
leões que o t úm ulo guar dav am do r ei Lancelot e, pai de r ei Bam , com o a gr ande est ór ia de Lancelot e o cont a. À
av ent ur a daquela font e que t ant o t em po j á fer v er a deu ele cabo, e v os dir ei de que m aneir a.
578. Um dia acont eceu que ia Galaaz pela flor est a per igosa e alcançou um cav aleir o com quem ia u m escu deir o
e um a donzela, e saudou- os; e eles par ar am , saudar am - no t am bém e per gunt ar am de onde er a; e ele disse
que er a da casa de r ei Ar t ur . O calor est ava for t e e o cavaleir o lhe disse:
- Senhor , ser ia bom descansar m os por causa dest e calor .
E ele disse que lhe apr azia. Ent ão descer am am bos os cavaleir os par a folgar em e tir ar am um pouco suas
ar m as par a se aliv iar em delas. Ent ão disse a donzela ao escudeir o:
- Muit a v ont ade t enho de beber , olha se achar ás aqui água. E o escudeir o andou olhando de um a par t e e
da out r a, e achou um a font e m uit o for m osa, e não a olhou, se er a quent e, se fria, e v olt ou à donzela, e disse-
lhe que achar a a m ais for m osa font e do m undo; e ela, que t inha m uit a sede, foi à font e e abaixou- se par a
beber e caiu dent r o. A água, que er a t ão quent e que fer v ia, m at ou logo a donzela; m as quando est av a par a
m or r er , deu um gr it o que os cav aleir os ouv ir am e for am cor r endo par a lá e achar am o escudeir o, que não
ousav a m et er m ão na água que o escaldav a j á.

579. Os cav aleir os per gunt ar am ao escudeir o onde est av a a donzela.


- Nest a font e, disse ele. A água é t ão fer v ent e, que a não posso r et ir ar .
E o cav aleir o, com pesar de sua donzela, m et eu as m ãos par a r et ir á-la, m as não pôde, por que se
queim ou e disse:
- Ai, Deus! com o est ou m or t o!
- Que t endes? disse Galaaz.
- Que t enho, senhor ? disse o cav aleir o; achei a m aior m ar av ilha que nunca se v iu: est a font e, que é t ão
fer v ent e com o se t odo o fogo do m undo a esquent asse.
- Assim ? disse Galaaz. Est a é a font e que ferv e? Ouv i dela falar em m uit os hom ens bons.
Ent ão per signou- se e r ecom endou- se a Nosso Senhor e disse:
- Senhor , Pai Jesus Crist o, fazei, se v os apr ouv er , que a quent ur a dest a font e t enha fim , em m eu t em po,
que ar r efeça.

580. Por aquele r ogo que fez Galaaz, t or nou- se logo a font e t ão fr ia com o out r a font e qualquer . O cav aleir o,
que aquela m ar av ilha v iu, ficou espant ado e não cuidou que for a por bondade de Galaaz. E Galaaz deu gr aças a
Nosso Senhor e espant ou- se e foi- se. E o cav aleir o, depois que r et ir ou a donzela e depois que a fez sot er r ar , foi
à cor t e de r ei Ar tur e cont ou lá aquela av ent ur a e com o for a acabada por um cav aleir o de um escudo br anco e
um a cr uz v er m elha. E logo t odos ent ender am que aquele for a Galaaz e disser am que aquilo não for a por
cav alar ia, m as pelo gr ande am or que lhe t inha Deus, e fizer am aquela av ent ur a escr ev er ent r e as out r as. O que
aqui falt a das av ent ur as de Galaaz est á no cont o do Br ado.
581. Galaaz, depois que se separ ou do cav aleir o, andou m uit as j or nadas e por m uit os lugar es que v os não
cont o, por que sobej o t er ia a eu que fazer , se v os cont asse t odas as m ar av ilhas de Galaaz, e sobr et udo a
der r adeir a par t e do m eu livr o ser ia m aior que as duas pr im eir as. Mas, sem falha, o que deix o nest a der r adeir a
par t e est á no cont o do Br ado.
Pois foi assim que andou Galaaz no r eino de Logr es t ant o que acabou m ais av ent ur as e fez m uit o de si
falar por t oda a t err a, acont eceu- lhe um dia, quando ia pela flor est a Gast a, que achou a best a ladr ador a e iam
at r ás dela bem v int e com panhias de cães, e a best a ia m uit o r ápida, m as par ecia m uit o cansada. E quando
Galaaz a v iu diant e de si, disse em seu ínt im o.
- Or a m e ser á m au se est a av ent ur a deix asse ao m enos de acabar , pois t ant os hom ens bons se
esfor çar am e nada puder am fazer .

582. Ent ão foi atr ás dela, m as não andou m uit o que v iu at r ás dela v ir em dois cav aleir os; um er a Palam ades e o
out r o, Per siv al. Quando v ir am Galaaz, r econhecer am - no pelo escudo, m as ele não os r econheceu, por que hav ia
m uit o t em po que não os v ia, e além disso, t inham tr ocado suas ar m as. E assim que eles a ele chegar am ,
fizer am se- lhe r econhecer , e ele ficou m uit o alegr e e abr açou- os e eles a ele.
- Dom Galaaz, disser am eles, com o v os acont eceu desde que v os separ ast es de nós?
- Bem , disse ele, gr aças a Deus. Muit as m ar av ilhas achei no r eino de Logr es e, gr aças a Nosso Senhor ,
ainda não achei av ent ur a t ão difícil a que não desse cabo, afor a est a da best a ladr ador a. Est a achei ant es e at é
agor a nada pude fazer . E por isso v ou at r ás dela, por que m e par ece que v ai cansada.
- Por Deus, senhor , disser am eles, há m ais de um m ês que andam os at r ás dela. Mas pois que j á t om ast es
a dem anda dela, v ola deix ar em os, se v os apr ouv er .
- Não far eis, disse ele, ant es quer o que m e façais com panhia e eu a v ós.
Ent ão pr om et er am que nunca desist ir iam daquela dem anda, enquant o a pudessem m ant er .

583. Aquele dia se m et er am os t r ês cav aleir os na dem anda da best a ladr ador a e for am at r ás dela por onde
j ulgav am que t ivesse ido, m as não a puder am achar aquele dia, nem a v er , t ant o deles se dist anciou; e
dor m ir am aquela noit e na flor est a num a choça que achar am , e não com er am nem beber am . E assim com o
puder am , cuidar am de seus cav alos; e no out r o dia com eçar am a andar . E Galaaz disse aos out r os:
- Cuido que dem os fim à nossa dem anda.
- Senhor , disser am eles, com o o sabeis?
- Cr eio que sim , disse ele.
- Queir a Deus, disser am eles.
E andar am at é a hor a de m eio- dia, e achar am bem v int e cães m or t os.
- Por aqui se v ai a best a, disser am eles, e ela m at ou aqui est es cães.
Eles ist o falando, achar am um escudeir o que ia a pé, e per gunt ar am - lhe se a v ir a, a best a.
- Sim , disse ele, em m á hor a par a m im , por que m e m at ou o cav alo e t enho de ir a pé.
- E por onde v ai ela? disse Galaaz.
E ele lhe m ost r ou o cam inho por onde ia.
584. Depois que se separ ar am do escudeir o, for am por onde ele lhes ensinou. E não andar am m uit o, que
ent r ar am num vale m uit o fundo, e no m eio daquele vale, havia um lago pequeno e m uit o fundo. Naquele lago,
est av a a best a, que chegar a ent ão m uit o lassa e m uit o cansada e ent r ar a na água par a beber , por que t inha
m uit a sede. Na m ar gem , est av am os galgos e cer car am o lago por t odas as par t es e ladr av am de m odo que os
cav aleir os que andav am at r ás da best a ouv ir am os ladr idos. E Galaaz disse a Per siv al:
- Ouv is os lat idos daqueles cães?
- Sim , disse ele, é a best a; v am os lá.
Ent ão for am o m ais depr essa que puder am , e quando chegar am ao lago, v ir am a best a dent r o, m as não
est ava t ão longe da m ar gem que a não pudessem fer ir a seu pr azer com a lança. E eles, assim que a vir am ali,
apr ox im ar am - se dela o m ais que puder am . E Palam ades, que er a m uit o cor aj oso e que o t inha afinco e m uit a
dificuldade passar a j á por causa dela par a m at á- la, m et eu- se no lago, a cav alo com o est av a e fer iu a best a de
t al m odo, que lhe passou am bos os cost ados, de m odo que o fer r o da lança, com gr ande par t e da hast a passou
do out r o lado; e ela deu um gr ande ber r o e t ão espant oso, que espant ou o cav alo de Palam ades e dos out r os
de m odo que com dificuldade os podiam segur ar . Mas a best a, quando se sent iu ferida, m et eu- se em baix o da
água e com eçou a fazer um a t ão gr ande t em pest ade pelo lago, que par ecia que t odos os diabos do infer no
est av am no lago e com eçou a fazer e ex pedir cham as t ão gr andes de t odas as par t es, que não há quem o v isse
que o não t iv esse por um a das m aior es m ar av ilhas do m undo. Mas aquela cham a não dur ou m uit o, m as
acont eceu um a m ar av ilha que ainda agor a lá per m anece: aquele lago com eçou a esquent ar e a fer v er , de
m odo que nunca par ou de fer v er , ant es fer v e e fer v er á sem pr e, enquant o o m undo ex ist ir , com o os hom ens
cuidam . Aquele lago, a que por t al m ar av ilha t om ou aquela quent ur a com o v os cont o, agor a t em n om e o lago
da best a.

LXXVI
Ga la a z e m Cor be r ic

585. Depois que os .cav aleir os ficar am m uit o t em po sobr e o lago v endo aquelas m ar av ilhas e a best a não
apar eceu, disser am eles:
- Est a é a m aior m ar av ilha que há no m undo.
E Galaaz disse:
- Est e lago est á m uit o m udado, por que ant es er a frio e agor a é quent e. Est a m ar avilha não acabar á no
nosso t em po. Or a podem os ir , por que est a av ent ur a, sem falha, est á acabada. Or a acont eceu o que eu disse
hoj e de m anhã. Nunca alguém v er á m ais est a best a, se at é agor a não v iu. E Palam ades dev e t er a honr a e o
apr eço e nós, que o v im os, ser em os t est em unhas. E agor a bendigam os a Nosso Senhor , que t al m ar av ilha nos
m ost r ou.
E eles assim fizer am e par t ir am do lago e for am a um a er m ida onde se desar m ar am e dor m ir am aquela
noit e par a descansar . Depois andar am j unt os t odos os t r ês e achar am m uit as av ent ur as que não cont a aqui a
est ór ia, m as no r om ance do Br ado as achar eis. E t ant o andar am de t al m odo de um as t er r as a out r as, que
chegar am a Cor ber ic. E quando Galaaz viu o cast elo, r econheceu- o e disse:
- Ai, Cor beric, quant o v os andei buscando e quant o m e esfor cei por v os achar e quant o andei noites e
dias por v er as m ar av ilhas que em v ós há. Bendit o sej a Deus que lhe apr ouv e v os v er m os pelas gr andes
m ar av ilhas e pelas gr andes av ent ur as de que, a sua m er cê, m e liv r ou são e feliz e com a honr a da cav alaria.

586. Quando os out r os ouv ir am que aquele er a Cor ber ic, onde sabiam v er dadeir am ent e que est av a o sant o
Gr aal pelo qual t oda dificuldade passar am , er guer am as m ãos par a Nosso Senhor e benzer am - se, por que lhes
par eceu que hav iam acabado a dem anda. E Galaaz lhes disse:
Quer eis que ent r em os logo, ou esper em os e ent r em os de noit e?
- Senhor , disse Per siv al, por m eu conselho, não esper ar em os, m as j á que Deus nos t r oux e t ão per t o,
v am os lá e v er em os o que Deus nos quer fazer , por que est am os ainda v iv os. E se a Nosso Senhor apr ouv esse
que r ecebêssem os o sant o m anj ar que r ecebem os em Cam alot e, não quer er ia m ais v iv er .
E Galaaz r espondeu ent ão:
- Nosso Senhor não olhe par a os nossos pecados, m as par a nossas v ont ades.
Ent ão cav algar am at é que ent r ar am no cast elo; e quando iam pelas r uas, diziam os da v ila:
- Vedes aqui os cav aleir os que t ant o se esfor çar am na dem anda do sant o Gr aal.
E est endiam as m ãos par a Nosso Senhor , por que ali os t r oux er a. Depois for am ao alcácer , depois ao
paço avent ur oso que er a m uit o r ico e m uit o for m oso.
- Senhor es, disse Galaaz, or a podeis v er as pr ov as de nossas obr as. Nest e paço nenhum cav aleir o pode
ent r ar , se não se m ant ém com o cav aleir o da sant a I gr ej a par a Nosso Senhor . Se som os cav aleiros do sant o
Gr aal, as por t as se nos abr ir ão; se não o som os, não ent r ar em os lá.
- Ai, Deus! disse Palam ades, sede nosso aux ílio em nossos feit os, por que sem v ossa m er cê t oda cav alar ia
é nada.

587. Quando apear am , dir igir am - se à por t a do paço, e a por t a se lhes abr iu, não que alguém a abr isse, m as
assim apr azia a Nosso Senhor , que bem conhecia as obr as e os pensar es de cada um . E, assim qu e ent r ar am ,
fechar am - se as por t as at r ás deles. E Galaaz disse:
- Desar m em o- nos, por que por ar m a nada aqui far em os, m as pela m er cê de Nosso Senhor que nos poder á
aj udar m ais do que t odas as ar m as do m undo.
E fizer am com o lhes ensinou ele, e depois que for am desar m ados num a das câm ar as que lá hav ia, v ir am
nov e cav aleir os da t áv ola r edonda que a v ent ur a t r oux er a lá aquele m esm o dia. Um er a Boor z de Gaunes, e o
out r o er a Meliant e, a quem Galaaz fizer a cav aleir o no com eço de sua cav alar ia. E, se v os não falei de Meliante
nest a est ór ia, não m e ponhais culpa, por que o deix ei, não por não fazer ele m uit o boas cav alar ias, ant es o
deix o par a m eu livr o não ficar gr ande sobej o, m as quem as bondades dele quiser saber , no r om ance do Br ado
as achar á. O out r o t inha nom e Elaim , o br anco; o quar t o Ar t ur , o pequeno; e o quint o Mer augis de Por legues; e
o sex t o Claudim , filho de r ei Claudas, bom cav aleir o e de v ida boa; e o sét im o Lam beguez; est e cav aleir o er a
v elho, m as er a de sant a v ida; e o oit av o er a Pinabel da I lha; e o nono, Per sidos de Calaz.
588. Est es er am os nov e cav aleir os que a v ent ur a tr oux er a ali par a se acabar a av entur a do sant o Gr aal. E
quando se v ir am , ficar am m uit o alegr es, e Galaaz disse:
- Deus, bendit o sej a o v osso nom e, que v os apr ouv e que eu v isse v ossos nov e cav aleir os. Or a v ej o bem
que t er á fim nest a v inda a obr a de que t ant o falar am pelo r eino de Logr es.
Ent ão com eçar am a per gunt ar uns aos out r os por nov as da dem anda. E disser am ent r e si o qu e sabiam , e
quem ent ão lá estiv esse bem poder ia ouv ir m uit as nov as e m uit as for m osas m ar av ilhas e m uit as for m osas
av ent ur as. Os cav aleir os ist o falando, v eio a eles um hom em v elho que lhes disse:
- Quem é Galaaz? E eles o m ost r ar am .
- Senhor Galaaz, disse o hom em bom , m uit o longam ent e v os t em os esper ado e m uit o desej áv am os v ossa
v inda, e gr aças a Deus, aqui v os t em os. Vinde com igo e v er em os se sois t al com o os hom ens bons dizem .
E Galaaz foi com ele, e andar am t ant o de câm ar a em câm ar a, que chegar am onde est ava o r ei Par alítico.
Est a er a aquela câm ar a m esm a onde est av a o sant o Gr aal. E o hom em bom disse:
- Senhor Galaaz, não v os posso m ais fazer com panhia daqui em diant e, por que não sou t al que dev a
ent r ar , m as ent r ai par a a cur a do r ei Par alít ico, que m uit o t em po há que ficou par alít ico, não por seu
m er ecim ent o, m as por pecado de out r o.
E Galaaz fez o sinal da cr uz e encom endou- se m uit o a Nosso Senhor e ent r ou, e viu no m eio da câm ar a,
que er a gr ande e r ica, u m a m esa de pr at a, onde o sant o Vaso est av a t ão honr adam ent e com o nossa est ór ia há
j á r evelado; e não ousou a ele chegar , que lhe par eceu que não er a t al que a ele devesse chegar ; m as quando
o v iu, ficou de j oelhos e or ou chor ando m uit o intim am ent e; e v iu sobr e a m esa a lança com a qual a m ui sant a
car ne de Jesus Cr ist o foi fer ida; e est av a a lança no ar , e o fer r o abaix o e a hast a par a cim a. E sabei que
deit av a got as de sangue pela pont a que m uit o espessam ent e caiam num a bacia de pr at a; m as assim que nela
caíam , não sabiam o que se fazia delas.

589. Quando Galaaz v iu est a m ar av ilha, j ulgou que aquela er a a lança com a qual Jesus Cr ist o for a f er ido, e fez
sua or ação m uit o t em po e ficou t ão alegr e, por que lhe m ost r ou Deus aquilo, que chor ou com m uit o gr ande
pr azer e agr adeceu m uit o a Nosso Senhor ; e est ando assim de j oelhos, ouviu um a voz que lhe disse:
- Galaaz, lev ant a- t e e t om a aquela bacia sob aquela lança c dir ige- t e a r ei Peles e ent or na- a sobr e as
chagas, por que dest e m odo há de sar ar por t ua v inda.
Mas quando ele a t om ou, a bacia, viu que a lança foi par a o céu, e sum iu de m odo que ele n em out r em
nunca depois a v ir am na Gr ã Br et anha; e depois que a pegou, nada v iu dent r o, m as bem cuidav a que hav ia lá
m uit o sangue, com o v ir a as got as m uit o am iúde caír em ; e disse ent ão:
- Ai, Senhor Deus, com o são v ossas v ir t udes m ar av ilhosas!

590. A câm ar a onde est av a er a m uit o gr ande à m ar avilha e feit a à esquadr ia, e t ão for m osa, que dificilm ente
poder iam achar igual. E r ei Peles, por quem Deus hav ia feit o m uit o m ilagr e e não saír a daquela câm ar a bem
hav ia quatr o anos e nunca out r a coisa com er a, senão a gr aça do sant o Vaso, est av a t ão m achucado que não
t inha for ça par a se er guer , ant es ficav a sem pr e deit ado. E quando v iu Galaaz, que t r azia a bacia da lança,
gr it ou- lhe:
- Filho Galaaz, v em aqui e cuida m e cur ar pois Deus quis que eu sar asse em t ua v inda.
Quando Galaaz ouv iu o que o r ei dizia, logo soube que aquele er a r ei Peles, de cuj o m al t odo o m undo
t inha dó. Ent ão foi dir et am ent e a ele com a bacia nas m ãos; e o r ei j unt ou as m ãos par a o céu, e descobr iu
suas cox as e disse:
- Vedes aqui o dolor oso golpe que o cav aleir o das duas espadas fez. Por est e golpe sobr ev eio m uit o m al e
pesa- m e por isso.
E sabei que as chagas est av am t ão fr escas, com o se t iv esse sido fer ido aquele dia. E Galaaz ent or nou a
bacia onde cuidou que nada hav ia sobr e as cox as, e, ao ent or nar , v iu cair sobr e as cox as t r ês got as de sangue,
e assim que caír am , lhe saiu a bacia de ent r e as m ãos e foi par a o céu, de m odo que não t ev e f or ça par a a
segur ar . Dest e m odo com o v os digo acont eceu com a lança v ingador a e com a bacia que est av a sob ela, que se
r et ir ar am do r eino de Logr es, aos olhos de Galaaz e for am par a o céu, com o a v er dadeir a est ór ia test em unha.
Daquela sant a lança e daquela bacia não sabem os m uit o bem se for am par a o céu; m as a v ont ade de Deus foi
t al, que não houv e depois na I nglat err a quem dissesse que as v ir a.
Rei Peles ficou logo são de suas chagas que t ão longam ent e lhe dur ar am , e foi a Galaaz e abr açou- o e
disse- lhe:
- Filho, sant o cav aleir o e sant a pessoa, cheio de gr ande dir eit o, r osa per feit a e lír io me sem elhas
per feit am ent e, por que és lim po de t oda lux úr ia. Rosa m e sem elhas per feit a, por que és m ais for m oso do que
out r o cav aleir o e m elhor e de m elhor gr aça, r eplet o de t odas as v ir t udes e de t odas as habilidades do m undo.
És ár v or e nov a de Jesus Cr ist o, que ele encheu de t odos os bons fr ut os que alguém poder ia t er .

591. Depois que Peles foi cur ado, fez sua or ação m uit o longo t em po; depois saír am da câm ar a ele e Galaaz, e
disse- lhe:
- Filho Galaaz, j á que Deus m e faz t ant a m er cê, j am ais abandonar ei seu ser viço e sair ei daqui que nunca
m ais falar ei a hom em nem m ulher e ir ei aqui per t o a um a er m ida, onde ser ei er m it ão, que ent ão, enquant o
v iv a, não sair ei de lá.
Depois, foi aos cav aleir os, que est av am dent r o do paço, e beij ou- os em sinal de paz e cont ou- lhes a
gr ande m er cê que Nosso Senhor lhe fizer a na vinda de Galaaz, e eles agr adecer am m uit o a Nosso Senhor . E o
r ei saiu logo. E não houv e quem o v isse e dele soubesse no cast elo. E foi à er m ida e m or ou lá mais de m eio
ano no ser v iço de Nosso Senhor , de m odo que Nosso Senhor fez por ele m ui for m osos m ilagr es.

592. Os doze cav aleir os que ele deix ou no paço av entur oso, ficar am lá at é a hor a de v ésper as. E Galaaz lhes
cont ou o que v ir a da lança v ingador a e da bacia da qual caía o sangue; depois ouv ir am um a v oz que lhes disse:
"Cav aleir os cheios de fé e de cr ença, escolhidos sobr e t odos os out r os cav aleir os pecador es, ent r ai na câm ar a
do sant o Vaso e t er eis abundância do m anj ar que dem andast es e t ant o desej ast es."
Quando ouv ir am est a v oz, ficar am de j oelhos e chor ar am de alegr ia e der am gr aças a Nosso Senhor ,
depois disser am a Galaaz:
- I de adiant e e guiai-nos.
E ele o fez, pois v iu que o r ogav am , e foi at r ás dele Per siv al e depois Boor z, e at r ás, t odos os out r os. E
depois que ent r ar am na câm ar a e v ir am a m ui r ica cor oa de pr at a sobr e a qual o m ui sant o Vaso est av a, não
houv e quem não r econhecesse que aquele er a o sant o Gr aal; e ficar am logo de j oelhos no chão t ão alegr es e
com t ão gr ande pr azer do que v iam , que lhes par eceu que nunca hav iam de m or r er .

593. Est ando assim em sua or ação, v ir am sobr e a m esa de pr at a, um hom em v est ido de br anco, m as sem
falha, o r ost o não lhe podiam v er , por que er a de t ão for t e claridade que olhos m or t ais não o podiam v er , ant es
se env er gonhav am de que os olhos m or t ais não pudessem v er m ar av ilha celest ial. O hom em que est av a sobr e
a m esa, com o v os digo, disse:
- Vinde à fr ent e, cav aleir os cheios de fé e de cr ença, c t er eis o m anj ar que t ant o desej ais. E t u, filho
Galaaz, que achei m ais leal e m elhor do que qualquer outr o cav aleir o, v em adiant e.
E ele se er gueu e apr oxim ou- se da m esa, m as a clar idade er a t ão gr ande, que dificilm ent e podia ver por
onde ia. E o hom em lhe disse:
- Abr e a boca.
E ele a abriu; e lhe deu a hóst ia, e assim fez a cada um . Mas bem sabei que não hav ia um deles a quem
não par ecesse que lhe m et iam na boca um hom em v iv o, e não houv e quem cuidasse que est av a na t er r a, m as
nos céus. Daí acont eceu que t iv er am t ão gr ande alegr ia e t ão gr ande pr azer , que cor ação m or t al não podia
im aginar . E depois que ficar am , com o v os digo, r eplet os do sant o m anj ar e da glor iosa gr aça do sant o Gr aal. de
nov o ficar am de j oelhos diant e da m esa, e com eçou um ao out r o a per gunt ar com o se sent iam . E Claudim
r espondeu ao que lhe per gunt ou:
- Eu m e sint o t ão r eplet o de bom m anj ar , que não é de pecador es, m as de j ust os; não é ter r eal, m as
celest ial; por que digo que, nunca a m eu cient e, cav aleir os pecador es t er ão em sua v ida t ão gr ande galar dão
com o nós em seu ser v iço, se lhe apr ouv er , pois est e m anj ar é alegr ia e pr azer e gr aça espir it ual.
E outr o t ant o disse cada um . Ent ão de nov o ficar am de j oelhos diant e da m esa e ficar am em pr eces e em
or ações at é m eia- noite, t ão alegr es que de sua alegria não v os poder ia algum m or t al falar . A hora da m eia-
noit e, depois que os cav aleir os r ogar am a Nosso Senhor que os guiasse pelo bem de suas alm as, disse- lhes
um a v oz: "Meus filhos, por que não m eus ent eados, m eus am igos, por que não m eus inim igos, saí daqui e ide
onde a v ent ur a v os quiser m elhor fazer . Não v os afast eis t ant o, por que ao final r eceber eis bom galar dão. "

594. Quando ist o ouvir am , r esponder am a um a v oz:


- Pai dos céus, bendit o sej as, por que por filhos nos t ens. Or a sabem os que não per dem os nosso esfor ço.
Ent ão saír am da câm ar a e for am ao paço av ent ur oso e abr açar am - se e despedir am - se chor ando, por que
não sabiam quando se v er iam , e disser am a Galaaz:
- Sabei que nunca t ão gr ande pr azer t iv em os com o desde que est iv em os em v ossa com panhia nest a
gr ande fest a e nest e t ão glor ioso m anj ar . E est a é a fest a der r adeir a do reino de Logr es. E por est e gr ande
pr azer que t em os, t em os logo gr ande pesar , por que nos despedim os. Mas apr az assim a Nosso Senhor .
- Senhor es, disse Galaaz, se am ais m inha com panhia, bem am o a v ossa out r o t ant o. Mas pois v ej o que
t em os de nos separ ar , encom endo- v os a Nosso Senhor e r ogo- v os que, se for des à cor t e de r ei Ar tur , o saudeis
por m im e a m eu pai Lancelot e e a t odos os cav aleir os da t áv ola r edonda.
E eles disser am que assim o far iam . E ent ão se ar m ar am e acont eceu que achou cada um seu cav alo no
cur r al. E depois que Galaaz m ont ou e t inha sua lança e seu escudo, foi Palam ades a ele, que t i nha gr ande
pesar daquela separ ação, e abr açou- lhe a per na ar m ada c com eçou a beij ar -lhe o pé e a chor ar m uit o, e disse-
lhe:
- Ai, dom Galaaz, sant o cav aleir o e sant a pessoa, sant a car ne! est a separ ação que faço de t i m e m at a,
por que t enho pav or de não apr azer a Deus que de nov o t e v ej a; e se assim for , r ogo- t e que t e lem br es de
m im . Tu m e livr ast e de t oda aflição e m e m et est e em t odo boa v ent ur a; e por isso t e r ogo que r ogues a Nosso
Senhor por m im , que lhe não esqueça e m e m ant enha de m odo que t enha u m inha alm a depois da m inha
m or t e.
E Galaaz r espondeu:
Não m e esquecer eis nem eu vos esqueça.
Ent ão se separ ar am t odos e saír am de Cor ber ic e não achar am quem algo lhes dissesse. Galaaz foi por
um cam inho e Boorz, por outr o e Palam ades e Per siv al, por outr o e não andar am m uit o que a v entur a de nov o
os r euniu. E quando ist o v ir am , ficar am alegr es e bendisser am a Deus. Dest es t r ês que Nosso Sen hor aj unt ou
v os cont ar ei com o lhes acont eceu e com o Galaaz e Per siv al m or rer am e com o Boor z v olt ou de nov o à cidade de
Cam alot e. Dos out r os que naquela av ent ur a est iv er am nada v os dir ei. De Palam ades, sem falha, v os dir ei com o
lhe acont eceu e com o Galv ão o m at ou e por qual deslealdade. Dos out r os oit o, quem ouvir quiser com o lhes
acont eceu, v á ao cont o do Br ado.
Mas or a deix a o cont o a falar deles e t or na a Palam ades.

LXXVI I
M or t e de Pa la m a de s

595. Palam ades, quando saiu de Cor ber ic, andou longo t em po sem av ent ur a achar que de cont ar sej a. Cer t o
dia, lhe acont eceu que apeou diant e de um a font e par a beber e depois que bebeu, sent ouse par a descansar . E
est ando assim , eis que v êm Lancelot e e Heit or . E Lancelot e, com o r econheceu o escudo de Palam ades, disse a
Heit or :

- I r m ão, v edes aquele cav aleir o?


- Sim , disse ele.
- Sabei, disse Lancelot e, que v edes um dos bons cav aleir os do m undo e não há m uit o que o pr ov ei na
lança e nenhum pr ov eit o t iv e sobr e ele. E por isso o quer o pr ov ar com a espada, se v ale t ant o com o com a
lança; m as ist o não quer o eu, se ele não quiser . E disse:

- Or a ide a ele e dizei-lhe que o cham o à bat alha das espadas, m as dizei de t al m odo que não se queix e.

- Com o se cham a? disse Heit or .


- Bem o dir ei out r a v ez, disse Lancelot e.

596. Ent ão foi Heit or a Palam ades e disse- lhe:


- Senhor cav aleir o, v edes aqui um cav aleir o est r anho que v os cham a à bat alha das espadas. Guar dai- v os
dele e acr edit ai em m im .

- E quem é? disse Palam ades.

- I st o não podeis or a saber , disse Heit or .


- E com o m e cham a à bat alha, disse Palam ades, se nunca o afr ont ei?
- Par ece- m e que assim é, disse Heit or .
Ent ão se r ecolheu a seu cav alo Palam ades e t om ou suas ar m as, e t ão logo Lancelot e v iu Palam ades a
cav alo, m et eu m ão à espada e foi em sua dir eção, e Palam ades fez out r o t ant o. Ent ão com eçou a bat alha t ão
gr ande ent r e eles e t ão fer oz, que par ecia a Heit or que não se poder ia achar em t odo o m undo m elhor es dois
cav aleir os, e suas espadas er am t ão boas que suas ar m adur as não os podiam im pedir de fazer no cor po m uit os
fer im ent os gr andes e pequenos. Tant o dur ou a bat alha de am bos que, por for ça, t iv er am de descansar , por que
o m ais são e m ais cor aj oso t inha per dido m uit a for ça. Mas Lancelot e t inha um pouco m elhor da bat alha, m as
não m uit o. E depois que com bat er am t ant o que t iv er am de descansar , afast ar am - se um do out r o. E Palam ades
com eçou a olhar Lancelot e e quando o v iu t ão gr ande e achou nele t ant a bondade de ar m as, logo deduziu em
seu íntim o que er a um dos cav aleir os da t áv ola r edonda, e se com bat esse com ele, ser ia per j ur o e desleal, e
disse:

- Senhor cav aleir o, t ant o com bat i conv osco que não posso m ais, e t ão gr ande bondade achei em v ós, que
v os desej o m uit o conhecer , e por isso v os r ogo que m e digais v osso nom e, ant es que m ais façam os, e se
por v ent ur a v os afr ont ei em algum a coisa, o cor r igir ei a v ossa v ont ade.

- Cer t am ent e, disse Lancelot e, nunca m e afr ont ast es dom Palam ades, nem v os desam o, nem est a bat alha
com ecei por desam or que v os t iv esse, ant es a com ecei par a saber se sois t ão bom cav aleir o de espada com o
de lança, e t ant o vi est a v ez em v ós, que sei que sois um dos bons cav aleir os do m undo. E por que v os cham ei
à bat alha, sei que v os afr ont ei e v o-lo quer o cor rigir a v ossa v ont ade, e se v os apr az que a bat alha t er m ine, a
m im apr az e conheço m elhor v ossa bondade que ant es e v ós, a m inha.

- Com o? disse Palam ades, por isso com eçast es a bat alha e não por out r a r azão?

- Cer t am ent e, disse ele, não.

- Por Deus! disse Palam ades, ist o é gr ande coisa. Mas or a dizei- m e, que nom e t endes.

E ele nom eou- se. E quando viu que er a Lancelot e, o hom em do m undo m ais afam ado e de m aior es feit os
for a Galaaz, deit ou o escudo e a espada ao chão, e disse:

- Ai, senhor ! entr ego- m e por v encido. Por Deus, se v os afr ont ei em algum a coisa, per doai- m e.

E ele disse que nunca o afr ont ar a.

- Mas por que com bat i conv osco e v os conhecia, per doai- m e por que, sem falha, m uit o v os afr ont ei.
E Palam ades lhe per doou. Ent ão descer am am bos e Heit or t am bém , a quem agr adou que a bat alha
ficasse t er m inada. Depois assent ar am - se par a falar das suas av ent ur as. Lancelot e per gunt ou a Palam ades:

- Com o v os sent is da bat alha?


- Dest a bat alha, m uit o m al, disse ele, m as sar ar ei. Mas bem v os digo que m e afr ont ast es m uit o m al, que
sou v osso ir m ão da t áv ola r edonda, pelo que não dev êr eis em m im m ão m et er , de nenhum m odo.

Ent ão lhe cont ou com o t iv er a o assent o da t áv ola r edonda.


- Bem v ej o, disse Lan celot e, que v os afr ont ei, m as r ogo- v os que m e per doeis.
E ele lhe per doou m uit o de bom gr ado.

597. - Or a m e dizei, disse Lancelot e, de Galaaz, sabeis nov as?


Ent ão lhe com eçou a cont ar com o est iv er am os doze com panheir os em casa de r ei Pescador e a for m osa
av ent ur a que lhes acont eceu lá e com o depois se separ ar am , e sabei que, enquant o aquele cont o dur ou,
sem pr e Lancelot e e Heit or chor ar am de pr azer e de alegr ia com as nov as de Galaaz e de Boor z, de quem nunca
nov as cuidar am ouv ir . E depois que lhes cont ou suas nov as, desar m ar am - se c Palam ades fez cuidar de suas
chagas o m elhor que pôde, e out r o t ant o fez Lancelot e, que est av a m uit o fer ido; depois cav algar am c for am
t odos os t r ês, e não andar am m uit o que se separ ar am num cam inho que se div idia em t r ês par t es.

598. Palam ades foi à esquer da por um a flor est a ao lado de um a m ont anha, m uit o ferido e per der a t ant o
sangue, que m ar av ilha er a com o podia m ant er - se no cav alo. E indo assim , acont eceu que a ventur a e a m á
sor t e que nisso obr ar am , fizer am com que t opasse com Galv ão e com Agr av aim , que o desam av am . E andav am
sãos e descansados, que t em po hav ia que não com bat iam nem achav am av ent ur a que fosse im por t ant e. Assim
que Galv ão v iu Palam ades, logo o r econheceu; e depois que o viu cav algar m uit o fr aco, par eceulhe que não
est av a bem são e m ost r ou- o a Agr av aim e disse- lhe:
- Vedes aqui o cav aleir o do m undo a quem pior quer o e que m ais m e afr ont ou.
- Assim v os digo, disse ele, m as não sei o que façam os, por que sei bem que é um dos m elhor es cav aleir os
do m undo e que m elhor com bat e e m elhor se defende, se o acom et er m os. Or a guar dai o que lhe quer eis fazer ,
por que não é pouca coisa acom et er quem é bom cavaleir o sobej am ent e.

- Segur am ent e, disse Galv ão, podem os at acá- lo, por que bem v ej o que est á m uit o m achucado.

- Or a não sei, disse Agr av aim , o que ser á; m as j á que quer eis at acá- lo t am bém quer o.

Ent ão gr it ou par a Palam ades:


- Guar dai- v os de m im , por que v os desafio.
E out r o t ant o disse Galv ão. Quando v iu v irem os dois ir m ãos, r econheceu- os e não soube o que fizesse,
por que bem sabia que er am da t áv ola r edonda, e se neles m et esse m ão, ser ia per j ur o e desleal.
Ent ão disse a Agr av aim .:
- Par ai at é que v os diga algo.
E ele par ou.
- Or a m e dizei, disse Palam ades, não sois da t áv ola r edonda?
- Sim , disse Agr av aim .
- E com panheir os da t áv ola r edonda podem , algum a v ez, enfr ent ar em - se com m á v ont ade, que não
per j ur em ?
- Não, disse Agr av aim .
- Pois, disse Palam ades, est e pr eit o est á acabado, por que sou da t áv ola r edonda com o v ós.
E cont ou- lhe com o e onde o for a. E Galv ão t om ou a v ez de Agr av aim e disse:

- Ai, Palam ades! I st o não há m ist er . Cer t am ent e est ais m or t o, por que ninguém , senão Deus, v os liv r ar á.

- Ai, dom Galv ão! disse Palam ades, t al afr ont a e t al vilania não far eis, pois não m er eci m or t e e sou v osso
ir m ão da t áv ola r edonda.
E Galv ão r espondeu:

- Guar dai-v os de m im , se quiser des, e se não quiser des v os defender , deix ai- m e v os m at ar , por que, sem
falha, nist o est ais m et ido.

E Palam ades disse:

- Já hoj e foi t al hor a em que, se m e at acásseis o dar ia por pouco, por que cuidar ia m e defender de v ós
am bos, m as dom Lancelot e, de quem m e separ ei agor a, m e feriu t ant o que, se agor a m e m at ar des, não ser á
gr ande m ar av ilha, por que pouca defesa achar eis em m im . E por isso m e defender ei quant o puder . Mas se
m or r er , m or r er ei injust am ent e. E com o quer que sej a de m eu cor po, Deus t enha a m inha alm a, se lhe
apr ouv er .

Ent ão m et eu m ão à espada e disse:


- Or a v enha qual de v ós pr im eir o quiser ser per jur o. E Galv ão disse:
- I st o não há m ist er .
E foi lhe dar um golpe por cim a do elm o o m elhor que pôde, e Agr av aim t am bém . E com eçar am a afligi- lo
com espadas de quant as m aneir as puder am . E ele defendia t ão bem , segundo a for ça que t inha, que er a um a
gr ande m ar av ilha, e t ão gr ande dificuldade t inha em se defender , que t odas as fer idas se lhe abr ir am , de m odo
que, em pouco t em po, ficou ao r edor o cam po v er m elho com seu sangue e por isso per deu logo t oda sua for ça,
por que o cor ação e t odos os m em br os lhe falt ar am e caiu-lhe a espada da m ão e ele caiu por t er r a com o
m or t o. Assim que ist o v iu, Galv ão desceu e t ir ou-lhe o elm o par a lhe cor t ar a cabeça.

- Ai, ir m ão! disse Agr av aim , não lhe façais m ais m al, por que m or t o est á, sem falha. Não queir ais por nada
a t ão bom cav aleir o cor t ar a cabeça, m as v am os em bor a, por que m uit o j á lhe fizem os.
E ele r espondeu:
- Se v os não apr az, não a cor t ar ei, m as não escapar á assim . Ent ão lhe er gueu a aba da loriga e m et eu a
espada nele. E Palam ades, que se sent iu fer ido, deu um lam ent o m uit o dolorido e disse:
- Ai, Senhor , Pai Jesus Cr ist o! t em m er cê de m inha alm a.
Ent ão se est endeu com m uit o gr ande sofr im ent o de m or t e que sent iu. E quando ist o v iu, Galv ão m ont ou
seu cav alo e disse a Agr av aim :

- Or a v am os, por que dest e est am os segur os que não nos far á desonr a.

- Vam os, disse Agr av aim , m as assim Deus m e aj ude, m uit o m e pesa, por que er a t ão bom cav aleir o e t al
dano difícil ser á r ecuper ar .

599. Ent ão for am e deix ar am Palam ades com o v os digo, e Galv ão ficou por isso m uit o alegr e. Mas a Agr av aim ,
por que o t inha por bom , pesou- lhe. E não se afast ar am m uit o, que chegar am Lancelot e e Heit or e achar am
Palam ades com o r ost o sobr e seu escudo. E assim que v ir am o escudo, r econhecer am - no e t irar am - lhe o
escudo e o elm o e o alm ofr e. E quando vir am que er a Palam ades, deix ar am - se cair sobr e ele e com eçar am a
fazer m uit o gr ande pr ant o e t ão dolor ido, com o se t oda sua linhagem t iv essem diant e de si m or t a e disser am :
- Ai, Deus! com o há aqui gr ande dano e dolor oso! Com o fez m enos v aler a t áv ola r edonda e a boa
cav alar ia do r eino de Logr es quem t al cav aleir o com o est e m at ou!
E eles dizendo ist o e chor ando m uit o, vir am que Palam ades ainda est av a v iv o, e depois que os escut ou
m uit o t em po e ouv iu com o o chor av am , pensou logo que não er a Galv ão nem seu ir m ão, e esfor çou- se o m ais
que podia e abr iu os olhos de m odo que os pôde bem v er . E depois que os v iu, r econheceu- os e v ier am - lhe as
lágr im as aos olhos, por que lhe er a m uit o car o deix ar t al com panhia com o aquela. E ao cabo de um t em po,
disse:

- Ai, m eu senhor dom Lancelot e, eu m or r o! Por Deus, lem br ai- v os de m im , por que sois o hom em do
m undo que eu m ais am o, for a dom Galaaz, e não v os esqueçais disso depois da m inha m or t e. E v ós, dom
Heit or , se algum a v ez m e quisest es bem em m inha v ida, lem br ai- v os de m im depois da m inha m or t e.

- Ai, dom Palam ades! disse dom Lancelot e, por Deus, dizei- m e quem v os fez ist o.

- Galv ão, disse ele, que m e m at ou sem r azão. Deus lhe per doe com o eu faço; e Agr av aim foi em sua
aj uda, m as m ais lhe pesou do que lhe apr ouv e.
- E cuidais v ós, disse Lancelot e, que possais sar ar ?

- Não, disse ele, est ou m or t o, sem falha. E quando for des à cor t e de r ei Ar t ur , saudai- o m uit o por m im e
a t odos os m eus com panheir os da t áv ola r edonda e m eus ir m ãos.

Depois dist o, bat eu a m ão no peit o, cham ando sua culpa, e com eçou a chor ar m uit o sent idam ent e por
seus pecados, e ao cabo de um t em po, disse:
- Ai, Jesus Cr ist o, font e de piedade e de m iser icór dia, t em m er cê de m inha alm a e assim com o t e ser v ia
lealm ent e e de boa v ont ade, desde que r ecebi o bat ism o, assim t em m er cê de m inha alm a nest a ocasião em
que m e não há m ist er senão t ua m er cê.
Ent ão se calou um longo t em po, e depois disse:
- Ai, m or t e! se esper asses u m pouco, eu poder ia ser hom em bom a Deus e ao m undo.
Depois j unt ou suas m ãos par a o céu e de nov o falou:
- Ai, Jesus Cr ist o, Pai e Senhor de piedade, nas t uas m ãos encom endo m inha alm a e o m eu espír it o.
Ent ão pôs as m ãos em cr uz sobr e seu peit o, e logo m or r eu, e Lancelot e e Heit or fizer am seu pr ant o
gr ande t odo o dia e t oda a noit e, que não com er am nem beber am , nem fizer am out r a coisa senão lam ent o.
- Ai, Deus! disse Lan celot e, com o há aqui gr ande dor e gr ande dano! Quem poder ia j am ais supr ir t al dano
e t al per da?
- Cer t am ent e ninguém , disse Heit or , por que no m undo não ficou m elhor cav aleir o, for a Galaaz.

Que v os dir ei? Gr ande pr ant o fizer am am bos os ir m ãos t odo aquele dia e t oda aquela noit e, por que à
m ar av ilha am av am e pr ezav am Palam ades.

600. No out r o dia, quando o sol j á tinha saído, chegou Esclabor , pai de Palam ades, e per gunt ou aos cav aleir os
quem er a aquele por quem faziam t al pr ant o. E eles lho disser am . E quando ouv iu que er a seu filho, a pessoa
do m undo que ele m ais am av a, não t ev e for ça par a falar , de t al m odo se lhe fechou o cor ação, e caiu por t er r a
de t ão alt o com o est ava. E eles; que o não conheciam , for am a ele e t ir ar am - lhe o elm o e achar am - no
desfalecido. E quando acor dou fez os m aior es pr ant os que pôde:
- Ai, filho am igo! com o aqui há m ás nov as!
Ent ão se deix ou cair sobr e ele e com eçou- lhe a beij ar a boca, que t inha cheia de sangue e de pó. E
quando os ir m ãos v ir am ist o, r econhecer am que er a Esclabor , e com eçar am com ele a fazer seu pr ant o
t am anho com o ant es. Todo aquele dia at é hor a de noa dur ou aquele lam ent o, e Esclabor disse:

- Ai, senhor es! Est ou m or t o. Jam ais t er ei alegr ia nem bem , por que v ej o m eu filho, a pessoa do m undo
que m ais am av a e o m elhor cav aleir o do m undo, assim m or t o diant e de m im . E v iv i t ant o que não t enho m ist er
de m ais v iv er . E por isso, ant es que m e deix e m or r er , v os quer o r ogar que lev eis o cor po de m eu f I lho a um a
abadia que fica per t o daqui, por que est ou t ão v elho e t ão fr aco e com t ant a dor , que o não poder ia lev ar ; e
quer o que fique na abadia, por que a fiz eu.
E eles disser am que o far iam de m uit o bom gr ado, e assim o fizer am e m ont ar am seus cav alos e
Lancelot e pôs em sua fr ent e Palam ades e lev ou- o à abadia, m as nunca alguém v iu t ão gr ande pr ant o, com o o
pai foi fazendo t odo o cam inho.

601. Quando Palam ades foi sot er r ado, os dois cav aleir os disser am a seu pai quem o m at ar a; depoi s, par t ir am
dali. E o pai fez cobr ir o túm ulo de pr at a e lavr ado de m uit o for m osa obr a e de t ão r ica, que não poder ia
alguém achar m elhor no r eino de Logr es. E cada dia ia sobr e ele fazer seu pr ant o t ão gr ande, que não há no
m undo alguém de t ão dur o cor ação, que lhe não t iv esse dó por isso. E os fr ades, que bem sabiam que
Palam ades for a u m dos bons cav aleir os do m undo e ouv ir am dizer com o m or r er a, disser am que far iam um
let r eir o sobr e o t úm ulo, que r evelar ia sua bondade e sua m or t e.
- E de quê? disse o pai.
- De our o, disser am eles, por que assim conv ém a sua bondade.
- Ai, senhor es! disse ele, r ogo- v os, pois ist o quer eis, que m e deis um dom .
E eles concor dar am .
- Or a sabei, disse ele, que m e out or gar eis fazer des est e let r eir o com o que eu v os m andar am anhã.
Ent ão par t iu da abadia e levou consigo um escudeir o e alber gou ,aquele dia ent r e um as r ochas num a
m ont anha a um a légua dali.

602. No out r o dia, quando r aiou o sol, Esclabor suspir ou e t om ou sua espada e t om ou seu elm o e disse ao
escudeir o:
- Tom a est e elm o cheio de m eu sangue e leva- o à abadia e dize aos fr ades de m inha par t e que façam
com ele o let r eir o sobr e o t úm ulo de m eu filho, de m odo que por est e let r eir o possam v er a lem br ança da
m or t e do filho e do pai, por que depois da m or t e de t ão bom filho, não quer o v iv er v elho e fr aco e t ão
m alt r at ado com o est ou. E r ogo- t e que faças m eu cor po deit ar per t o de m eu filho, não por ém com ele, por que
não sou t al que dev a j azer com t ão bom cav aleir o com o ele foi.

E depois que disse ist o, m et eu m ão à espada e enfiou- a em si e encheu o elm o de sangue e deu- o ao
escudeir o e disse:

- Faze o que t e r oguei.

E o escudeir o ficou espant ado quando ist o v iu e disse com pesar que aquela m ensagem f ar ia. Ent ão
pegou o sangue e foi à abadia e fez t udo com o ele m andou. E assim foi feit o o let r eir o sobr e o t úm ulo de
Palam ades, com o for a m or t o e por qual deslealdade e com o se m at ar a seu pai com dó e pesar gr ande da m or t e
de Palam ades, por que o pr ezav a m uit o de cav alar ia. E r ei Ar t ur quando o soube, pesou- lhe m uit o e disse que
por m or t e de um hom em não v ir ia por m uit o t em po t ão gr ande dano ao r eino de Logr es, e disse que j á Deus
não t r oux esse Galv ão a sua casa, por que m ais confundir a sua cor t e, por m uit os hom ens bons que m at ar a, que
alguém poder ia im aginar .

Que v os dir ei? Muit o foi o pr ant o e o gr ande pesar que t odos de sua m or t e t iv er am .

Mas or a deix a o cont o a falar disso e t or na a Galaaz e Per siv al.

LXXVI I I
As m a r a v ilha s da be st a la dr a dor a , da f ont e da cur a e da m ulhe r da ca pe la
603. Or a diz o cont o que, depois que Galaaz e Per siv al e Boorz de nov o for am r eunidos, com o o cont o j á
r elat ou, andar am m uit as j or nadas, às v ezes de um a par t e, às v ezes de out r a, com o a v ent ur a os lev av a.
Galaaz, Boorz e Per siv al, andando com o v os digo, quando cuidav am que iam par a or nar , achar am - se per t o de
Cor ber ic, naquela er m ida onde r ei Peles se fizer a er m it ão. E quando ele viu Galaaz, ficou alegr e e o r ecebeu
m uit o bem e os out r os. E por que er a t ar de, ficar am com ele, e depois com er am aquele m anj ar que o hom em
bom t inha. E Galaaz lhe disse ent ão:
- Senhor , por Deus, dizei- m e um a coisa que t enho m uit a v ont ade de saber , e bem cuido que a não posso
saber senão por v ós.
- Muit o de bom gr ado, disse ele, se eu souber .
- Senhor , disse Galaaz, v i nest a flor est a tr ês m ar av ilhas; um a foi da best a ladr ador a e out r a da font e da
cur a e out r a de um a m ulher da capela.
E r ev elou- lhe com o as v ir a.
- Ai! disse r ei Peles, est as são, sem falha, av ent ur as do r eino de Logr es e m uit o t em po há que est as
m ar av ilhas acont ecer am e v os dir ei a v er dade com o sei, e v os falar ei pr im eir o da best a ladr ador a, por que a
lem br ast es pr im eir o.

604. Houv e um tem po em que houv e nest a t err a um r ei que t inha nom e Hipôm enes. Aquele r ei tinha um a filha
t ão for m osa, que em t odo o r eino de Logr es, não hav ia t ão for m osa pessoa. A donzela t inha um irm ão de v ida
t ão boa e t ão glor iosa par a Nosso Senhor , que m ar av ilha; e com t udo ist o er a t ão for m oso e t ão sisudo e de t ão
boa gr aça, que não há quem o conhecesse, que não se m ar av ilhasse de sua v ida e de seus feit os. E er a m uit o
let r ado, m as a donzela m ais, por que t inha os m elhor es m est r es do m undo que lhe ensinav am as set e ar t es
quant o m ais podiam . Quando chegou à idade de v inte anos, ficou t ão ent endida e t ão sábia, que t odos se
m ar av ilhav am de sua sabedor ia, e nada lhe saber iam per gunt ar de ciência a que ela não respondesse
longam ent e; m as não est udav a em nenhum a ar t e de t ão bom gr ado com o em necr om ancia. A don zela er a de
bela apar ência e alegr e, e tinha m aior gost o pelo m undo do que dev er ia t er ; e quando conheceu o que er a
am ar , am ou seu ir m ão pela beleza e pela bondade que nele hav ia. Que v os dir ei? Tant o o am ou que não pôde
supor t ar que lho não dissesse. E aquele que er a v ir gem e o quer ia ser em t odos os dias de sua v ida e se punha
a ser v ir a Nos! ?o Senhor com t odas as suas for ças, t ev e gr ande pesar e disse a sua ir m ã par a espan t á- la:
- Vai, desv ent ur ada, nunca m ais m o digas, por que t e far ei queim ar .
E ela t ev e gr ande pav or e v er gonha de sua am eaça e calou- se t oda inibida e sandia; m as apesar de seu
ir m ão a am eaçar , não o am av a ela m enos do que ant es, m as m uit o m ais. Que v os dir ei? Ela t entou t odas as
m ar av ilhas que pôde, t ant o pela ciência com o por out r a coisa par a o t er , m as não pôde. E disse ent ão:
- Mais v ale m at ar - m e do que v iv er nest e sofr im ent o.

605. Ent ão pegou um a faca que t inha em sua ar ca e liv r ou- se de suas donas e de suas donzelas e foi a um a
hor t a de seu pai, num a font e que lá hav ia e queria m at ar - se par a sair de sua aflição. E apar eceu- lhe o dem o
em figur a de hom em t ão for m oso e t ão bem feit o que m ar av ilha. E quando v iu que se queria m at ar , disse- lhe:
- Ai! donzela, não v os m at eis, m as esper ai at é que fale conv osco.
E ela ficou espant ada, m as não m uit o, e det ev e seu golpe e disse- lhe:
- Quem sois?
- Sou um hom em , disse ele, que vos am o m uit o e vos pr ezo sobr e t odas as donzelas que conheço, e pesa-
m e m uit o, por que não podeis t er o que desej ais.
E ela ficou t oda espant ada, quando ist o ouv iu, e disse- lhe:
- E quem sois, que sabeis o que desej o e não posso t er ?
- Eu o sei bem , disse ele, e v o- lo dir ia se soubesse que v os não pesar ia.
- Dizei- m o, disse ela, eu v o- lo r ogo.
- De bom gr ado, disse ele, pois v os apr azo Am ais v osso ir m ão t ant o, que por pouco não v os per deis por
ele. E por isso v im aqui. Se quiser des fazer o que eu v os r ogar , v o- lo far ei ter a v ossa v ont ade e logo.
Quando a donzela ist o ouviu, disse:
- Sei bem que sois m ais sisudo do que se poder ia im aginar , por que sabeis o que hom em e m ulher não
poder iam saber , for a eu e m eu ir m ão; e por isso concor do em fazer t udo que quiser des e disser des.
E ele pr om et eu. Depois disse- lhe:
- Or a v os peço que m e deis v osso am or em penhor de t er des o que t ant o desej ais.
- Ai, disse a donzela, com o far ia ist o? Já bem sabeis que am o m eu ir m ão t ant o, que m or r o por ele.
- Não pode ser de out r o m odo, disse o dem o; ou far eis o que v os digo ou j am ais o t er eis.
E aquela, que er a cheia de pecados e de desv ent ur a, concor dou, m as m uit o cont r ar iada; e aj udav a m uit o
nist o que lhe par ecia o dem o m uit o bem .

606. Dest e m odo ent r egou seu am or ao dem o, e ele deit ou com ela, com o o pai de Mer lim , com sua m ãe. E
quando deit ou com ela, t ev e ela t ão gr ande pr azer , que lhe esqueceu o am or de seu ir m ão t ão m or t alm ent e,
que m ais não poder ia. Um dia est av a diant e de um a font e com seu am igo, o dem o, e com eçou a pensar m uit o.
E ele lhe disse:
- Que pensais? Pensais com o poder íeis m at ar v osso ir m ão?
- Por Deus, disse ela, isso. E or a bem v ej o que sois o hom em m ais sisudo do m undo, e r ogo- v os por
aquele am or que t endes por m im , que m e ensineis com o o possa m at ar , por que não há nada no m undo com
que t ant o m e agr adasse.
- Eu v o- lo ensinar ei, disse ele. Mandai dizer a v osso ir m ão que v enha conv osco a um a câm ar a, e depois
que est iver des lá, fechai a por t a, e ent ão lhe dem andai o que quiser des. E ele não o quer er á fazer . E agar r ai
nele e segur ai- o bem , e ele se enr aiv ecer á logo t ant o que vos far á noj o, m as não gr ande; e gr it ai, e t odos os
out r os cav aleir os ir ão lá. Ent ão poder eis dizer que v os for çou e o r ei o far á prender e fazer dele j ustiça e assim
est ar eis v ingada.

607. Bem com o o dem o disse ela o fez, que m andou buscá- lo e quando lhe quis falar naquilo, deu- lhe ele um a
palm ada t al, que t odo o r ost o ficou cober t o de sangue e o peit o. Ent ão com eçou ela a gr it ar :
- Valei- m e! Valei- m e!
E t odos os do paço cor r er am par a lá, e o r ei Hipôm enes t am bém , e ar r om bar am a por t a da câm ar a. E
quando o r ei v iu assim sua filha, t ev e gr ande pesar e per gunt ou-lhe quem fizer a aquilo.
- Senhor , disse ela, m eu ir m ão que m e escar neceu.
- Com o? disse ele, deit ou cont igo?
- Sim , disse ela, cont r a a m inha v ont ade.
E o r ei fez logo pr ender seu filho, e m et ê- lo num a t orr e. Depois per gunt ou a sua filha:
- Deit ou hoj e cont igo?
- Não, disse ela, m as m uit o t em po há, m as não v o- lo ousav a dizer com m edo de m e m at ar des.
E ist o lhe dizia ela, por que se sent ia gr áv ida, de t al m odo que o poder ia per ceber qualquer um .
Assim m et eu r ei Hipôm enes seu filho na pr isão pela deslealdade de sua filha. E o donzel se desculpav a o
m elhor que podia, m as não lhe v alia nada, por que seu pai e t odos os out r os cuidav am que assi m er a com o
dizia ,ela.

608. Rei Hipôm enes t ev e t ão gr ande pesar dest e feit o, que cham ou seus r icos hom ens e os fez j ur ar que
j ulgassem por dir eit o seu filho. E eles j ur ar am que por dir eit o dev ia m or r er . O r ei per gunt ou a sua filha de que
m or t e quer ia que seu ir m ão m or r esse.
- Quer o, disse ela, que o deit em aos cães; e os cães, disse ela, est ej am em j ej um de set e dias, quando a
eles o deit ar em .
Bem assim com o ela m andou, fez o r ei fazer . E o donzel, que er a t ão for m oso e t ão bom , foi lev ado aos
cães, que m or r iam de fom e, m as quando v iu que o condenav am à m or t e e não podia escapar , disse a sua ir m ã
diant e de seu pai e de quant os r icos- hom ens lá est av am :
- I r m ã, sabes que m e fazes m or r er por . inj ust iça e que não m er eço est a m or t e de que m e fazes m or r er ;
não m e pesa t ant o pela dor , com o pela v er gonhosa m or t e que m e fazes t er . Tu m e fazes passar v ergonha sem
m er ecim ent o, m as aquele m e v ingar á que t om a v ingança das gr andes v er gonhas e das gr andes deslealdades
do m undo. E ao nascim ent o do que t r azes, apar ecer á que não foi de m im , por que nunca de hom em e de
m ulher nasceu t ão m ar av ilhosa coisa com o de t i sair á; por que diabo o fez e diabo t r azes e diabo sair á em
figur a da best a m ais descom unal que nunca se v iu. E por que a cães m e fazes dar , t er á aquela best a dent r o de
si cães que sem pr e ladr ar ão em lem br ança e em m em ór ia dos cães a que m e fazes dar . E aquela best a far á
m uit o dano em hom ens bons, e nunca deix ar á de fazer m al at é que o bom cav aleir o, que t er á nom e Galaaz
com o eu, est ej a nest a caça. Por ele e por sua v inda, m or r er á o dolor oso fr ut o que de t i sair á.
I st o disse o donzel a sua ir m ã e depois deit ar am - no aos cães, que o com er am logo.

609. O r ei fez guar dar sua filha at é que foi época de t er o filho. E as m ulher es que est av am com ela em seu
par t o, quando cuidar am achar filho, achar am a m ais descom unal best a e a m ais desgr açada com o j á ouv ist es,
e t iv er am pav or t ão gr ande que t odas m or r er am , m enos ela e out r a m ulher . E a best a foi assim , que não houv e
quem no paço e no cast elo, a pudesse segur ar , e ia solt ando os m aior es ladr idos do m undo. Quando o r ei ist o
soube, logo ent endeu que er a ver dade o que seu filho disser a em sua m or t e e for çou sua filha, de m odo que
lhe teve de dizer a ver dade t oda e seus feit os, com o fizer a m at ar seu ir m ão inj ust am ent e e com o o dem o
deit ou com ela não o conhecendo e depois que o conheceu t am bém . Ent ão m andou o r ei pegá- la e a fez m or r er
de pior m or t e que seu ir m ão.
- Dest e m odo, dom Galaaz, disse r ei Peles, com o v os digo, foi feit a a best a ladr ador a, e por que er a filha
do dem o, acont ecer am t ant as desgr aças por ela nest a t er r a, e for am m or t os t ant os hom ens bons e t ant os bons
cav aleir os com o ouv ist es. Or a v os dir ei da fonte da cur a, com o acont eceu que tev e t ão m ar av ilhosa v ir tude.
Ver dade foi e os hom ens bon s o t est em unham ainda que, no t em po de José de Ar im at éia, v eio a est a t er ia r ei
Mor dr aim e seu cunhado Nascião. Nascião t em ia e am av a seu Senhor Jesus Crist o sobr e t odas as coisas do
m undo; e quando chegou a Cam alot e, saiu est e r ei Cam alis cont r a eles à bat alha, e desbar at ou no cam po os
cr ist ãos, e dur ou a lut a m ais de um a j or nada, t ant o que alcançou r ei Mor dr aim e Nascião diant e da t or r e do
gigant e e encer r ou- os lá de t al m aneir a, que não puder am ir de um lado nem de out r o. Rei Cam alis er a bom
cav aleir o de ar m as à m ar av ilha, e bem sabia que Nascião er a o m ais fam oso cav aleir o do m undo. E m andoulhe
dizer , por um seu hom em , que com bat er ia com ele um pelo out r o, por t al pr eit o, que se ele vencesse Nascião,
se t or nar ia seu hom em e t oda sua com panhia; e se Nascião v encesse Cam alis, t am bém far ia Cam alis out r o
t ant o. E Cam alis dem andou est a bat alha, por que lhe par ecia que v alia m ais um deles m or r er do que se per der
t ant a gent e que lá est av a r eunida. Nascião, àquela hor a em que a bat alha foi com binada, est av a t ão fer ido que
dificilm ent e poder ia cav algar ; e por ist o não soube o que fizesse, não t ant o por pav or de seu cor po, m as por
pav or de sua gent e, por que bem sabia que er a Cam alis m uit o bom cav aleir o à m ar avilha. E os que lá est av am
disser am - lhe:
- Nascião, que far eis quant o a ist o?
- Cer t am ent e, disse ele, com eçar a bat alha não m e per m it o, m as j á que m a ele dem anda, ponho- m e sob
o poder e a m er cê de Jesus Cr ist o par a est e pov o salv ar .
Ent ão disse ao hom em :
- Or a podeis dizer a v osso senhor que am anhã, hor a de pr im a, m e achar á pr epar ado para a bat alha
diant e dest a t or r e por t al pr eit o com o m e dissest es.
Ent ão v olt ou o hom em a seu senhor .

610. Assim ficou a bat alha com binada entr e Cam alis e Nascião diant e da t or re do gigant e. Aquela noit e pensou
m uit o Nascião em com o est av a fer ido e com o hav ia de com bat er com t ão bom cav aleir o, e pensav a que, se
fosse v encido, ficar ia o pov o de Jesus Cr ist o t odo confundido e post o em escr av idão. Aquele pensar o m et eu em
t ão gr ande espant o, que nunca t ev e m aior . E quando est av a nist o pensando, disse- lhe um a v oz: "Não t e
espant es, Nascião, por que Nosso Senhor t e socor r er á e t e ensinar ei com o ficar ás cur ado de t uas ch agas. Finca
am anhã t ua lança na t er r a, ali onde quiser es que sej a a bat alha; e, ao sacar a lança, nascer á um a font e e
aquela font e
t er á t ão gr ande v ir t ude, que t odo aquele que est iv er fer ido e dela beber , logo ficar á são, e por est a v ir tude t er á
nom e font e da cur a."
Quando ele ist o ouv iu, ficou m uit o alegr e e deu gr aças a Nosso Senhor . E fez com o lhe foi m andado e
cur ou- se das chagas e venceu o r ei que não t inha fé e fez cr er a ele e a t oda sua com panhia. Dest e m odo com o
v os digo foi feit a a font e da cur a, que ainda dur a com o sabeis, m as dor av ant e não dur ar á, por que não quer
Nosso Senhor .
Or a v os dir ei da m ulher da capela.
611. Aquela m ulher foi cham ada r ainha Genevr a, r ainha de gr ande e boa t er r a e viv ia v ida t ão boa e t ão
glor iosa, que v iv endo ent r e seu pov o, am av a- a m uit o Nosso Senhor e bem lho m ost r ou em m uit as coisas. E
sabei que foi da linhagem de dom Per siv al, que aqui est á. A m ulher tinha quatr o filhos e um a filha m uit o
for m osa. A donzela am av a um cav aleir o de seu pai t ant o, que não am av a t ant o a si nem a out rem ; e t ant o o
am ou que o não pôde esconder , e disse- o a seu pai e r ogou- lhe que lho desse por m ar ido. E o pai não quis
concor dar , por que ele não er a t ão fidalgo que dev esse casar com filha de r ei, e disse- lhe:
- Est ás louca e nunca m ais penses nist o, por que t e far ei m orr er de m á m or t e, por que não quer o r ebaix ar
por t i m inha linhagem .
Ela, que t em ia seu pai, calou- se e não am ou por isso m enos o cav aleir o, m as m uit o m ais. Um dia
est av am a sós o cav aleir o e a donzela, e o cav aleir o lhe disse:
- Donzela, que far em os?
- Cer t am ent e, disse ela, não sei, por que j á por m elhor não esper eis, enquant o m eu pai for viv o; m as se
ele m or r esse, bem sei que agr adar ia a m inha m ãe e a m eus ir m ãos.
- Com o? disse ele, não v os poder ei t er , senão por m or t e de v osso pai?
- Cer t am ent e não, disse ela.
- Pois m e esfor çar ei par a que m or r a, disse ele.

612. Depois dist o, ao cabo de um pouco, quando o r ei est av a dor m indo com sua m ulher em sua câm ar a, o
cavaleir o entr ou com o quem er a o m ais pr iv ado que ele t ivesse, e dir igiu- se a ele e m et eulhe a faca no cor ação
de m odo que logo m or r eu, que nada falou nem se m ex eu, e a r ainha não se desper t ou. E ele ficou t ão
espant ado com seu feit o, que lhe caiu a faca sobr e a r ainha, e saiu da câm ar a, que ninguém o per cebeu, senão
a donzela. Est a logo ent endeu que seu pai est av a m or t o, e fez um a t ão gr ande lam ent ação que a ouv ir am
quant os dor m iam ao r edor . E os filhos do r ei, que lá dor m iam no paço, chegar am pr im eir o e achar am sua m ãe
ao lado do r ei dor m indo e a faca sobr e ela. Quando ist o v ir am , não houv e quem v er dadeir am ent e não
acr edit asse que ela m at ar a o r ei e por isso pegar am e ent er r ar am - na viv a e puser am sobr e ela um a lápide
com o o cont o j á r ev elou.

613. Dest e m odo cuidar am os filhos m at ar sua m ãe. Mas a Nosso Senhor que ela ser v ia de t odo seu cor ação,
não lhe esqueceu lá onde ficou pr esa, ant es com eçou por ela a fazer t ão for m osos m ilagr es e t ão for m osas
v ir tudes, que v inha gent e de t odas as par t es do r eino de Logr es. E não v inha t ão fr aco e t ão enfer m o e t ão
m achucado que fosse, que não r ecebesse saúde. E com t udo ist o m ant ev ea Nosso Senhor , lá onde est av a, com
o pão celest ial at é que chegast es a Cor ber ic. Mas se est á agor a m or t a ou v iv a, ist o não sei.
- Com o não? disser am eles..
- I st o bem v os dir ei, disse ele. Enquant o est iv e na câm ar a do sant o Gr aal, soube as m aior es m ar av ilhas
do r eino de Logr es, por que a sant a v oz m o r ev elav a, m as depois que saí, t ant o sei com o out r o qualquer . Agor a
v os r ev elei a v er dade de t r ês coisas que m e per gunt ast es.
- Cer t am ent e, senhor , disser am eles, sim , m uit o bem e m uit o a nosso pr azer .

LXXI X
Ga la a z, Pe r siv a l e Boor z na na v e de Sa lom ã o
Se pult a m e nt o da ir m ã de Pe r siv a l.

614. De m anhã, par t ir am a t al hor a que não v ir am r ei Peles nem r ei Peles a eles. E cav algar am m uit as j or nadas
at é que chegar am à beir am ar e achar am lá na pr aia a m ui for m osa nav e, que Salom ão e sua m ulher fizer am e
ent r ar am e achar am sobr e o leit o, que no m eio da nav e est av a, o sant o Gr aal cober t o de baix o de u m r ico pano
de seda t ão for m oso e t ão r ico, que er a um a gr ande m ar av ilha; m ost r ou- o um ao out r o e disser am :
- Que boa v ent ur a nos acont eceu, pois t em os em nossa com panhia o que desej áv am os; com o que v am os
onde apr aza a Nosso Senhor que t enham os de ficar .
E depois que est av am dent r o da nav e, o v ent o a feriu t ão v iolent am ent e, que a lev ou da pr aia e a m et eu
em alt o m ar . Assim nav egar am m uit o t em po, que não sabiam onde Deus os quer ia lev ar ; e t oda v ez que se
deit av a e se lev ant av a, Galaaz fazia sua or ação a Nosso Senhor , que a qualquer hor a que lhe pedisse sua
m or t e, lha desse. E t ant o fez est a or ação, que a sant a v oz lhe disse:
- Galaaz, Nosso Senhor far á t ua v ont ade a r espeit o do que lhe pedes, por que à hor a em que lhe pedir es
t ua m or t e, a t er ás e achar ás a v ida da alm a e a alegr ia per dur áv el.
Est a or ação que ele fazia ouviu m uit as v ezes Per siv al e pediu- lhe que dissesse por que t al cousa r ogav a.
- I st o v os dir ei bem , disse ele.

615. Aquela hor a que vim os um a par t e das m ar av ilhas do sant o Gr aal, que Deus nos m ost r ou por sua piedade,
v i um as coisas m ar av ilhosas escondidas, que não são m ost r adas a qualquer pessoa. E v i t ais coisas que língua
não poder ia cont ar nem cor ação sent ir , e m eu cor ação ficou em t ão gr ande alegr ia e t ão gr ande pr azer , que, se
ent ão m or r esse, nunca alguém t er ia m or r ido em t ão gr ande pr azer com o eu, por que v i t ão gr ande com panhia
de anj os e t ant as coisas espir it uais, que, se ent ão m or r esse, ir ia logo par a a per dur áv el vida dos glor iosos
m ár t ir es e dos v er dadeir os am igos de Nosso Senhor . E por isso fazia eu o r ogo que ouv ist es. E por isso ando
ainda em t al est ado que m or r o, v endo as m ar av ilhas do sant o Gr aal.
Dest e m odo r ev elou Galaaz sua m or t e a Per siv al com o hav ia de ser , com o lhe ensinou a sant a v oz.

616. Aquela noit e acont eceu que est av a dor m indo Galaaz e v eio a ele um hom em m uit o for m oso, v est ido de
uns panos br ancos, e disse- lhe:
- Galaaz, bem sei o que pensav as quando ador m ecest e. - E com o o sabeis? disse Galaaz.
- Eu o sei bem , disse ele.
- Pois dizei- m o, disse Galaaz.
E ele r espondeu:
- Pensas se v olt ar ás ainda ao r eino de Logr es ou se o sant o Vaso lá v olt ar á. Eu t e digo que j am ais
v olt ar ás ao r eino de Logr es, nem Per siv al, m as Boor z v olt ar á; e j am ais o sant o Gr aal, que t ant o bem fez no
r eino de Logr es, v olt ar á lá, por que não o v ener ar am lá nem ser v ir am com o dev er iam , e, por quant o bem dele
t iv er am , m uit as v ezes, não deix ar am de pecar ; por isso ser ão pr iv ados dele de m odo que j am ais o t er ão.
Dest e m odo soube Galaaz que o sant o Vaso não v olt aria à Gr ã- Bret anha.

617. De t al m odo com o v os digo, per der am os da I nglat er r a o sant o Gr aal, que t iver am m uit as vezes m uit o
bem por ele, e for am m uit as v ezes saciados por ele e, enquant o ele est eve no r eino de Logr es, nunca houv e
fom e na t er r a. Mas assim que se r et ir ou, com eçou t al fom e, que dur ou t r ês anos e foi t ão gr ande, que m or r eu
m uit a gent e e o sofr im ent o foi t ão gr ande que, por pouco, não se com iam os hom ens uns aos out r os. E ent ão
lem br ar am eles do sant o Gr aal, e disser am que t inham sofr ido m uit o gr ande per da e lhes acont ecer a por seu
pecado e por sua desv ent ur a. E quando r ei Art ur v iu est a fom e na t err a, disse:
- Cer t am ent e, est a fom e e aflição m er ecem os nós por nosso pecado, e bem se m ost r a pelo sant o Gr aal; e
assim com o Nosso Senhor o deu a José e aos out r os hom ens bons, que de sua linhagem v ier am , por sua
bondade e por sua pr oeza, assim o t ir ou de nós por nossa m aldade e por nossa m á v ida, e por isso se pode v er
que os m aus per der am por sua m aldade o que os bons m ant iv er am por sua bondade.
Mas or a deix a o cont o a falar de r ei Ar t ur e de t oda sua com panhia e t or na aos t r ês cav aleir os.

618. Muit o t em po andar am os t r ês cav aleir os pelo m ar e um dia acont eceu que foi Galaaz ao convés da nav e
par a saber se v eria t er r a, e olhou e v iu a cidade de Sarr as e m ost r ou- a aos outr os e tiv er am gr ande pr azer
sobej o por que, hav ia m uit o t em po que não v iam t er r a de nenhum lado. Ent ão ouv ir am um a v oz que lhes disse:
"Saí dest a nav e, cav aleir os de Jesus Cr ist o, e t om ai est a m esa de pr at a com o est á, e lev ai- a à cidade, m as de
nenhum m odo a ponhais na t er r a até que chegueis ao Paço Espir it ual, onde Nosso Senhor fez o pr im eir o bispo
Josefes."
E eles quer iam j á pegar a m esa e olhar am pelo m ar e vir am vir um a bar ca, aquela em que m et er am a
ir m ã de Per siv al. E quando a v ir am , disser am :
- Bem cum pr iu est a donzela o que nos pr om et eu.

619. E quando chegar am à pr aia, pegar am a m esa e tir ar am - na da nav e, e pegar am - na pela fr ent e Boorz e
Per siv al, e Galaaz na outr a ex tr em idade e assim for am par a a cidade, e quando chegar am à por t a, est av a
Galaaz um pouco cansado. Diant e da por t a est av a um par alít ico, que ficav a pedindo esm ola aos que passav am ,
e, quando t inha de andar , apoiav a- se em dois paus, e disse- lhe Galaaz:
- Hom em , v em aqui e aj uda- m e a lev ar est a m esa e a por em os naquele paço.
- Ai, senhor , disse ele, ist o não posso fazer , por que há bem dez anos que não dou um passo sem aj uda
de out r em .
- Não im por t a, disse Galaaz, lev ant a- t e e não t enhas m edo, por que est ás são.
E Galaaz ist o dizendo, ex per im ent ou o hom em se poder ia er guer - se e achou- se são com o se nunca
t iv esse t ido m al. Ent ão cor r eu à m esa e pegou- a da par t e onde segur av a Galaaz e, quando entr ou na cidade,
disse a quant os achou o for m oso m ilagr e que Nosso Senhor lhe fizer a. E, quando ent r ar am no paço, puser am a
m esa diant e da r ica cadeir a que Nosso Senhor fizer a par a Josefes, e logo cor r er am t odos da cidade par a v er o
que for a par alítico e est ava são.
620. Depois que os t r ês cav aleir os fizer am o que lhes foi m andado, v olt ar am ao m ar e t ir ar am a donzela da
bar ca e lev ar am - na ao paço e sot err ar am - na lá t ão r icam ent e com o filha de r ei dev e ser sot er r ada. Quando
Escor ant e, que er a rei da cidade de Sarr as, v iu os t r ês cav aleir os, per gunt ou-lhes de onde er am e o que
t r aziam sobr e a m esa de pr at a. E disser am a v er dade de quant o lhes per gunt ou e da for ça e v ir tude que Deus
na m esa puser a. Aquele r ei er a br av o e desleal m ais que qualquer outr o do m undo, com o quem er a da m aldit a
linhagem dos pagãos e não quis acr edit ar em nada de quant o disser am , ant es disse que er am m ent ir osos e
br iguent os e esper ou at é que os v iu desar m ados e m andou ent ão pegá- los e deit á- los na pr isão e lá os
m ant eve um ano. Mas deles não esqueceu Nosso Senhor , que logo m et eu dentr o o Gr aal com eles, pelo qual
for am saciados de quant o m ist er houv er am , enquant o est iv er am na pr isão.

LXXX
M or t e de Ga la a z e de Pe r siv a l
Boor z v olt a a o r e ino de Logr e s

621. No fim do ano, acont eceu que fez Galaaz est a or ação a Nosso Senhor :
- Senhor , a m im par ece que v iv i j á m uit o nest e m undo. Se v os apr ouv er , lev ai- m e logo.
Aquele dia m esm o que ele est a or ação fez, r ei Escor ant e est ava doent e de m or t e, e fez vir Galaaz diant e
de si, e pediu- lhe per dão do que lhe fizer a que o afr ont ar a t ant o e t ão sem r azão. E ele e os out r os lhe
per doar am de m uit o bom gr ado, e, quando ele m or r eu e foi ent er r ado, os da cidade ficar am em gr ande aflição,
por que não sabiam a quem far iam r ei, pois ele não t inha filho, e falar am ist o m uit o t em po, e est ando em seu
conselho, disse- lhes um a v oz: "Pegai o m aior dos t r ês cav aleir os est r angeir os, o qual v os guar dar á e m ant er á
bem , enquant o est iv er conv osco."
E eles cum pr ir am a or dem da v oz, e pegar am Galaaz, quer endo ou não, e fizer am - no r ei, e puser am - lhe a
cor oa na cabeça, quer endo ou não e desagr adando- lhe m uit o, m as por que v iu que o queriam m at ar se o não
fizesse, concor dou, e depois que foi r ei, fez fazer sobr e a m esa, onde o sant o Gr aal est av a, um a abóbada de
our o e de pedr as pr eciosas t ão r icas, que nunca alguém viu t ant o. E Galaaz e os out r os, cada v ez que se
lev ant av am , iam ao sant o Vaso e ficav am de j oelhos diant e dele e faziam suas or ações e suas pr eces.

622. Quando v eio, no fim de um ano, o dia em que ele t om ar a a cor oa, lev ant ou- se m uit o cedo e os out r os
t am bém . E quando ent r ar am no Paço Espir it ual, olhar am diant e de si o sant o Vaso, e v ir am um hom em
r ev est ido com o clér igo de m issa, que est av a de j oelhos diant e da m esa e bat ia a m ão no peit o dizendo sua
culpa; e est av a ao r edor dele m uit o gr ande com panhia de anj os; e, depois que ficou m uit o t em po de j oelhos,
er gueu- se e com eçou sua m issa da glor iosa Senhor a. E quando chegou depois da secr et a, que o hom em bom
t ir ou a pat ena de cim a do sant o Vaso, cham ou Galaaz e disse- lhe:
- Vem adiant e, ser v o de Jesus Cr ist o, e v er ás o que t ant o desej ast e sem pr e v er .
E ele se apr ox im ou logo e olhou o sant o Vaso e depois que olhou um pouco, com eçou a t rem er m uit o
violent am ent e, t ão logo a m or t al car ne com eçou a ver as coisas espir it uais, e est endeu logo suas m ãos par a o
céu e disse:
- Senhor , a t i dou gr aças e a ti or o e a t i bendigo, por que m e fizest e t ão gr ande m er cê, que v ej o
aber t am ent e o que língua m or t al não poder ia dizer , nem cor ação sentir . Aqui v ej o o com eço das gr andes
audácias. Aqui v ej o a r azão das gr andes m ar av ilhas. E pois assim é, Senhor , que cum pr ist es m inha v ont ade de
m e deix ar des v er o que sem pr e desej ei, or a v os r ogo que, nest a hor a em que nest a gr ande alegr ia est ou, v os
agr ade que eu passe dest a t er r eal v ida c v á à celest ial.
E t ão logo r ogou a Nosso Senhor , o hom em bom que cant av a a m issa t om ou o Cor pus Dom ini e lhe deu
em com unhão. E Galaaz o r ecebeu com gr ande hum ildade e o hom em bom per gunt ou:
- Sabeis quem sou?
- Não, disse ele, se não m e disser des.
- Pois sabe, disse ele, que sou Josefes, o filho de José de Ar im at éia, que Nosso Senhor t e enviou par a t e
fazer com panhia. E sabes por que m e enviou de pr efer ência a out r o? Por que par eces com igo em duas coisas:
por que v ist e as m ar av ilhas do sant o Gr aal com o eu, e por que é dir eit o que um v ir gem faça com pan hia a outr o
vir gem .
Depois que Josefes disse ist o a Galaaz, v olt ou Galaaz a Per siv al e beij ou- o, e depois disse a Boor z:
- Saudai por m im m uit o a dom Lancelot e, m eu pai e m eu senhor , t ão logo o v ej ais.
Ent ão v olt ou par a diant e da m esa e ficou de j oelhos e não dem or ou senão pouco. Quando caiu no chão, a
alm a se lhe saiu do cor po e lev ar am - na os anj os fazendo gr ande alegr ia e bendizendo a Nosso Senhor .

623. Tão logo ele m or r eu, acont eceu um a gr ande m ar avilha, Boor z e Per siv al v ir am que v eio do céu um a m ão,
m as não v ir am o cor po de quem er a a m ão, e t om ou o sant o Vaso e lev ou- o par a o céu com t ão gr ande cant o e
com t ão gr ande alegr ia, que nunca alguém v iu m ais agr adáv el coisa de ouv ir , assim com o nunca h ouv e quem
na t er r a depois pudesse dizer com v er dade que algum a v ez t am bém v iu. Quando Per siv al e Boorz v ir am que
est av a m or t o Galaaz, tiv er am t ão gr ande pesar que não puder am m aior , e se não fossem t ão bons hom ens e
de v ida boa com o er am , cair iam em desesper o, t ant o t iv er am gr ande pesar . O pov o da t er r a t am bém t ev e
m uit o gr ande pesar , por que er a de v ida m uit o boa e por que for a m uit o bom r ei e por que os m ant iver a em sua
honr a e honr a da t err a.

624. Depois que Galaaz foi ent er r ado no paço espir it ual o m ais honr adam ent e que puder am os da cidade de
Sar r as, Per siv al se m et eu er m it ão num a er m ida for a da vila, e pesou m uit o aos da v ila, que j á haviam decidido
que o far iam r ei, m as ele não quis e disse que Deus nunca o fizesse r ei longe de seus am igos e do r eino de
Logr es. E Boor z foi par a Per siv al, m as não t r ocou a r oupa do século, por que t inha em penho em ir ainda à casa
de r ei Ar t ur . Um ano e dois m eses v iv eu Per siv al na er m ida. Ent ão passou dest e século e o fez Boor z ent er r ar
no Paço Espir it ual com sua ir m ã e per t o de Galaaz. Quando viu Boor z que hav ia per dido Galaaz e Per siv al e
est ava em t ão longínqua t err a e t ão est r anha com o se est ivesse em t er r a de Babilônia, t eve t ão gr ande pesar ,
que não soube se aconselhar . E par tiu de Sarr as t ão escondidam ent e, que ninguém o pôde saber , por que, se o
soubessem , não o deix ar iam ir pela boa cav alar ia que nele conheciam . Quando Boor z par t iu de Sar ras, v eio at é
o m ar ar m ado e ent r ou num a nav e e t ev e t ão bom v ent o, que em pouco t em po chegou ao r eino de Logr es; e
depois que andou t ant o, achou quem lhe desse cav alo; e cav algou e foi pelo m ais cur t o cam inho que conhecia
par a Cam alot e. E quando chegou a quatr o j ornadas de lá, alber gou em casa de um m ont anheir o e achou lá um
cav aleir o que chegar a pouco ant es dele.

625. Depois que com er am , Boor z per gunt ou ao cav aleir o est r anho de onde v inha.
- Senhor , disse ele, v enho de Cam alot e e não há set e dias que de lá par t i.
- E est av a lá r ei Ar tur ? disse Boor z.
- Sim , disse ele; deix ei- o na cor t e bem com doze cav aleir os daquela linhagem , m as est av am m uit o t rist es
e t inham m uit o pesar de Boor z de Gaunes, que diziam que for a m or t o na dem anda do sant o Gr aal, e de Galaaz,
o bom cav aleir o, e de Per siv al. Da per da dest es t r ês cav aleir os t inha r ei Ar tur gr ande pesar .
- Com o v ai, disse ele, na cor t e, a linhagem de r ei Bam ?
- Muit o bem , disse ele, for a duas coisas: um a por que r ei Ar t ur t em queix a um pouco de Heit or de Mar es,
que desafiou Galv ão pela m or t e de Er ec, depois que v olt ar am da dem anda do sant o Gr aal, e t am bém pela
m or t e de Palam ades, e quer pr ov ar que não dev e ser cav aleir o nem t er a com panhia da t áv ola r edonda, e t er ia
j á acont ecido a bat alha se dependesse de Heit or ; m as a r ainha e dom Lancelot e m et er am nisso paz, m as nunca
depois se am ar am ; a out r a é que a linhagem de r ei Ar t ur est á condenada, e dizem em segr edo, m as não sei se
é ver dade, que dom Lancelot e deit a com a r ainha e o quer em dizer ao rei par a m et er em m or t al desam or ent r e
o r ei c a linhagem de r ei Bam .
- E que pensais disso? disse Boor z, assim Deus v os salv e, pensais que é v er dade?
- Cuido, disse ele, t ant o o ouço dizer em m uit os hom ens bons que m er ecem cr édit o.

626. Aquela noit e, per gunt ou m uit o Boor z por nov as de sua linhagem . No out r o dia, despediu- se de seu
anfit rião e do cav aleir o e andou t ant o por suas j ornadas, que chegou a Cam alot e. Mas nunca por alguém v ir am
t ão gr ande alegria num lugar , por que m uit o er a am ado no r eino de Logr es por t odos e por t odas. Mas o pr azer
que t inha a linhagem de r ei Bam não t inha par , por que consider av am que t inham em seu ban do um dos
m elhor es cav aleir os do m undo. E quant o agr adar a a eles, t ant o pesar a a Galv ão, por que a linhagem de r ei Bam
cr escia. Rei Ar t ur , quando v iu que Boor z est av a j á descansado dos gr andes t r abalhos que t iv er a m andou- o v ir
um dia diant e dele e disse- lhe:
- Eu v os digo, pelo j ur am ent o que fizest es quando daqui par t ist es, que m e cont eis t odas as av ent ur as
r ecent es pelas quais passast es nest a dem anda em que t ant o dem or ast es.
E Boorz, que er a bom e de v ida boa e não per j ur ar ia de m odo algum , disse t odas as av ent ur as de que se
lem br ou que t iv er a, e cor no Galaaz e Per siv al t inham m or r ido. E sabei que se est iv ésseis ouv indo t udo aquilo,
v er íeis chor ar m uit os hom ens bons e m uit os bons cav aleir os, quando ouv ir am cor no m or r er am Galaaz e
Per siv al. Rei Ar tur fez escr ev er t odas as av entur as que Boorz lhe cont ou. E sabei que est es t r ês cav aleir os
for am os m ais louv ados da dem anda: Galaaz, Boor z e Per siv al. E Boor z se intr om et eu em m et er paz ent r e
Heit or e Galv ão, m as não podia ser , por que Heit or er a de ânim o m uit o for t e e não podia concor dar em nada
que fosse a fav or de Galv ão, por que o tinha por desleal, e am av a t ant o Er ec, que não podia esquecer sua
m or t e, e dizia que ainda ser ia vingado. Que vos dir ei? Boor z dem or ou na cor t e at é per ceber que Lancelot e
am av a
a r ainha e pesou- lhe m uit o. Mas sabei que o cav aleir o de sua linhagem a quem m ais pesav a est e feit o er a
Leonel, por que er a m ais sisudo do que m uit os, e quando se afast av a com sua linhagem par a onde não hav ia
out r o, dizia:
- Pesar e dano nos advir ão dest e am or e em m á hor a foi com eçado. Tant o m ant eve j á Lancelot e est e
am or , que não há cav aleir o em casa de r ei Ar t ur , que algo não t enha ouv ido a r espeit o, e não o encobr em ao
r ei, senão pelo pav or que t êm da linhagem de r ei Bam , por que sabem que o não dir á t al que m or t e não sofr a.
E os hom ens da casa de r ei Ar t ur que m elhor o sabem são Galv ão e seus ir m ãos, m as não o quer em
dizer , por que ent endem que nascer á disso gr ande m al.
Mas or a deix a o cont o a falar das nov as que tr oux e Boor z à cor t e, de Galaaz e de Per siv al e do sant o
Gr aal e da condenação da r ainha e de Lancelot e, e t or na a Agr avaim , por cont ar de que m odo descobr iu
Lancelot e e a r ainha cont r a o r ei.

LXXXI
É r e v e la da a r e i Ar t ur a de sle a lda de de La nce lot e

627. Um dia, diz o cont o que os ir m ãos se apar t ar am num a câm ar a e falav am m al do pr eit o da r ainha e de
Lancelot e; e Galv ão, que er a m ais sisudo que os out r os, disse:
- Calai- v os, por que não há m ist er , por que se o disser m os ao r ei, t al guer r a poder á daí nascer , pela qual
m ais de sessent a m il hom ens poder iam m or r er , e com t udo ist o poder ia não ficar nossa desonr a v ingada,
por que sobej am ent e é gr ande a for ça da linhagem de r ei Bam e Deus os pôs em t al honr a e em t al poder , que
não cuido que possam ser der r ubados por alguém , e por isso deix em os ist o, por que m uit o gr ande desgr aça
sobej o poder ia adv ir . E não digo ist o por que não queir a m ais m al à linhagem de r ei Bam do que poder íeis
cuidar , e, se dependesse de m im , v er íeis o que eu m ost r ar ia.

628. Depois que ist o Galv ão disse, r espondeu Gaer iet e:


- Cor no quer que digais ist o ent re nós, não concor do que por nós lhes sobr ev enha m al, por que são t odos
m uit o bons hom ens e de m uit o ânim o e nosso senhor , o r ei, os pôs em t ão gr ande honr a e em t ão gr ande
poder , de que só por hom ens não podem ser der r ibados, pelo que v os digo que v os guar deis de com eçar
guer r a cont r a eles, por que são t ão bons cav aleir os e t êm t ant os am igos que logo nos poder iam sobr ev ir gr ande
m al e m uit o gr ande desonr a e, por v ent ur a, o r eino de Logr es ser ia dest r uído.
Com ist o concor dar am Galv ão e Gaer iet e, m as os out r os t r ês não, ant es disser am que o far iam saber ao
r ei e quer iam ant es ser m or t os do que supor t ar em m ais t ão gr ande angúst ia de seu senhor e sua.
- Ai! disse Gaer iet e não o façais, por que se o fizer des, com pr ar eis v ossa m or t e e a nossa. Ora olhai que
não podeis v er em t oda a linhagem de r ei Bam cav aleir o que não v alha dois dos out r os e est ão t ão ar m ados
que, se hoj e quisessem daqui par t ir , v er íeis que m ais da m et ade dos cav aleir os da t áv ola r edonda iria com eles.
E não é j ogo da gr aça que Deus lhes deu, ant es gr ande m ar av ilha com o j á m et em t odo o m undo sob seu
poder , e o far ão, sem falha, se longam ent e v iv er em . E por isso v os aconselho, por Deus e por v ossa honr a, que
v os guar deis, e ist o m ant ende em segr edo, assim cor no am ais v ossos cor pos.
Mas eles não concor dar am com nada do que lhes dissessem .
629. Eles nist o falando, ent r ou o r ei e ouv iu o que dizia Galv ão a Agr av aim :
- Calar , disse; e nada m ais.
- Meu senhor e m eu ir m ão dom Galv ão, assim Deus m e aj ude, não calar ei, ant es o dir ei ao r ei, se Deus
ainda m e aj udar . E o r ei, que ist o ouviu, apr ox im ou- se e disse:
- Agr av aim , o que é que m e dir eis?
- Senhor , disse Galv ão, não é senão bem ; deix ai- nos; ist o não é conosco.
- Ainda assim , disse o r ei, quer o saber .
- Senhor , disse dom Gaer iet e, não v os im por t eis; j á por m eu conselho, não saber eis m ais, por que por
saber alguém t udo, nenhum bem pode sobr ev ir . E sabei que Agr av aim não diz senão a m aior chufa e a m aior
m ent ir a.
- Por Sant a Maria, disse o r ei, sabê- lo quer o eu. Eu v os digo, pelo com pr om isso e pelo j ur am ent o que m e
fizest es, que m e digais.
- Senhor , disse Galv ão, m ar av ilha é que sem pr e v os enfur eceis por saber nov as. Sabei que n ão saber eis
por m im nem por Gaer iet e. E se alguém v os disser , m al lhe sobr ev ir á e a v ós pior .
- Assim ? disse o r ei. Or a quer o saber por est a cabeça, de qualquer j eit o.
À boa v ent ur a, disse Galv ão, por que, se Deus quiser , por m im não o saber eis, por que não poder ia
sobr ev ir daí pr ov eit o nem honr a par a m im nem par a outr em , e, sem falha, ganhar ia no fim v osso desam or , de
m odo que m e quer er íeis daí pior que qualquer outr o, por que assim sucede de t al coisa.
Ent ão saiu da câm ar a e Gaeriet e com ele, am bos com m uit o gr ande pesar , e disser am que em m á hor a
for a est a conv er sa com eçada, por que, se o r ei souber e se pegar com Lancelot e, o r eino de Logr es ser á
dest r uído, por que out r a coisa não pode ser . O r ei ficou com seus t r ês sobr inhos, fechou a câm ar a e v ir ou par a
eles e disse- lhes:
- Dizei- m e o que or a ant es faláv eis.
- Assim Deus m e aj ude, disse Agr av aim , não v os dir ei a r espeit o m ais nada.
- Por Sant a Maria, sim , far eis, disse o r ei.
E foi m uit o r ápido cor r endo a um a espada e sacou- a da bainha e disse- lhe:
- Ou m e dir eis, ou est ais m or t o.
E er gueu a espada par a lhe dar um golpe, e ele, com pavor , disse:
- Ai, senhor , par ai, v o- lo dir ei.
Ent ão lhe cont ou o que falavam e disse que er a ver dade. O r ei ouvir a j á algum a vez dizer que Lancelot e
am av a a r ainha, m as não o podia cr er , t ant o o am av a sobej am ent e, pelo que v ezes houv e que r espondeu dest e
m odo aos que lhe diziam :
- Por cer t o, se é que Lancelot e am a Genevr a, bem sei que não é por sua v ont ade, m as a for ça do am or o
for ça, que cost um a fazer da pessoa m ais sensat a do m undo sandeu e do m ais leal cav aleir o desleal, e por isso
não sei que v os diga, por que não cuidav a de m aneir a algum a que t ão bom cav aleir o com o ele soubesse
com et er t r aição.

630. I st o disse o r ei de Lancelot e, que não podia cr er que fosse v er dade. Mas aquela hor a que os sobr inhos lhe
for am t est em unhas t ev e disso pesar super ior a t odos os pesar es, por que ele am av a a r ainha t ão
desm edidam ent e, que m ais não podia. Ent ão com eçou a pensar e ficou m uit o t em po sem falar . E Mor der et e lhe
disse:
- Senhor , nós v o- lo encobr im os o quant o pudem os, e or a v olo dizem os cont r a nossa v ont ade. Or a fazei o
que v os par ecer e que não v enha m al a nossa t er r a e a nossos am igos.
- Com o quer , disse ele, que disso sobr evenha, eu m e vingar ei de m odo que sem pr e a r espeit o falar ão, e,
se m e quer eis bem , r ogov os que m e apoieis nisso.
E eles lhe pr om et er am que o fariam , e o r ei lhes pr om et eu que far ia t al j ust iça que sem pr e ele e sua
linhagem ficassem honr ados. Ent ão saír am da câm ar a e for am ao paço, m as bem dem onst r av a o r ei que
andav a sanhudo.

631. Todo aquele dia ficou o r ei m uit o t r ist e. E acont eceu, à hor a de noa, que ent r ar am no paço Galv ão e
Gaeriet e, e quando vir am o r ei t rist e, logo per ceber am que sabia j á os feit os de Lancelot e e da r ainha, e por
isso não for am por onde o r ei est av a, m as por out r o lugar . E Gaeriet e disse a Galv ão:
- Mau dia hoj e chegou a Cam alot e. Se algum a v ez conheci o or gulho da linhagem de r ei Bam , o r eino de
Logr es pagar á ist o que ao r ei foi dit o.
Todos os do paço est av am calados, que não ousav am falar , pelo r ei que v iam t r ist e, afor a aqueles cinco
ir m ãos. Depois ent r ou um cav aleir o, que disse ao r ei:
- Senhor , nov as v os t r ago do t or neio de Car ais, onde os do r eino de Sor elois e da t er r a Gast a for am
vencidos.
- Or a m e dizei, disse o r ei, dos cav aleir os daqui est ev e lá algum ?
- Sim , disse ele, Lancelot e est eve, que os venceu a t odos e levou por isso o apr eço e a fam a de um a par t e
e da out r a.
Quando o r ei ist o ouv iu, baix ou a cabeça e com eçou a pensar m uit o pr ofundam ent e e, ao cabo de m uit o
t em po, er gueu- se t ão t r ist e e t ão angust iado, que não podia m ais e disse t ão alt o que o podiam t odos ouv ir
m uit o bem :
- Ai, Deus! que aflição e que dano, quando em t al hom em alber gou t r aição!
E foi par a sua câm ar a e deit ou- se em seu leit o t ão t r ist e e t ão aflit o, que não soube o que fizesse, por que
bem sabia que, se Lancelot e fosse m or t o ou pr eso nest e pr eit o, nunca t ão gr ande m al hav eria pela m or t e de
um cav aleir o do m undo, m as ant es quer ia que m or r esse, do que sua desonr a não ser v ingada. Ent ão m andou
cham ar seus sobr inhos e disse- lhes:
- Quer o que deis cabo e pr ov eis est e feit o.
E eles disser am :
- Senhor , em v osso alcance est á e v os dir em os com o pode ser . Dizei, à noit e, a v ossos com pan heir os,
que quer eis ir de m anhã à caça, m as não lev eis Lancelot e conv osco, e bem sabem os que, se ficar aqui, ir á à
r ainha e o espr eit ar em os.
- E o r ei concor dou com aquele conselho. Sobr evier am Galv ão e Gaeriet e e, quando vir am que falavam
nist o, disse Galv ão ao r ei:
- Senhor , Deus faça que dest e conselho v enha bem a v ós e a out r em , por que, cer t am ent e, t em o que
v enha dele m uit o m al. Agr av aim , m eu ir m ão, r ogo- v os que não façais nada a que não deis fim , e nada digais
de Lancelot e, que não sabeis ver dadeir am ent e, por que, cer t am ent e, ele é m uit o m elhor cavaleir o que vós.
- Galv ão, Galv ão, disse o r ei, for a daqui, por que j am ais confiar ei em v ós, por que m uit o m al m e andast es
nest e feit o, que sabíeis de m inha desonr a e não m e quer íeis dizer . Cer t am ent e, quem exam inasse bem vos
dev ia fazer com o a desleal e t r aidor .
- Senhor , disse ele, dir eis o que v os apr ouv er , m as t r aição nunca em m im v ist es, e se t r aição fiz, nunca
foi a vós nem em vosso dano.
Ent ão saiu da fr ent e dele e disse:
- Agr av aim , nada dar ia por isso, m as sei v er dadeir am ent e que há de v ir gr ande m al, e m uit os hom ens
bons que nunca dano m er ecer am , m or r er ão por isso.
- Or a, ainda que sobr evenha bem , disse Gaer iet e ao r ei e a vós, m eu ir m ão, j am ais m e esfor çar ei nest e
pr eit o, por que sei v er dadeir am ent e que nunca alguém se pegar á com a linhagem de r ei Bam , que a bom t er m o
possa chegar .
- Por Deus! disse Galv ão, não há hom ens no m undo que eu t ant o desam e. Mas são t ant os e t ão bons, que
lhes pr ej udica m uit o pouco m eu desam or . E por isso os deix o at é que v ej a m inha for ça.

632. Ent ão saír am da câm ar a e for am à pousada de Gaer iet e. E indo pela v ila, achar am Lancelot e e Boor z e
Leonel e Heit or e Bliobleris com gr ande com panhia de cav aleir os, e r eceber am - se m uit o bem e com gr ande
alegr ia, e Gaer iet e disse ent ão a Lancelot e:
- Eu vos r ogo que est a noit e passeis em m eus aposent os, e sabei que vo- lo digo em vosso pr ov eit o.
E ele concor dou. Ent ão volt ou Lancelote com ele e for am à pousada e desar m ar am - se; depois, à t ar de,
for am ao r ei, e est ando às m esas, disse o r ei a t odos os cav aleir os que, no dia seguint e, quer ia ir à caça. E
Lancelot e disse:
- Senhor , eu v os far ei com panhia, se v os apr ouv er .
- Não, disse o r ei, por que t endes m ais necessidade de descansar que de caçar , por que chegast es hoj e
cansado do t or neio, por isso quer o que fiqueis.
E ele não ousou cont r ar iar a or dem do r ei e disse que ficar ia, m as bem ent endeu que o r ei não lhe fazia
gest o de am or nem de bom cav aleir o com o cost um av a, e m ar av ilhou- se do que ser ia, por que não j ulgou que
t iv esse sido denunciado.
À noit e, quando v olt ar am à pousada de Gaer iet e, disse a Boor z:
- Vist es que at it ude t eve com igo hoj e o r ei? Não acr edit ar ei em nada, senão que est á com r aiv a de
algum a coisa.
- Sabei v er dadeir am ent e, disse Boorz, que r ecebeu nov as de v ós e da r ainha. Or a cuidai do que far em os,
pois est am os num a guer r a, que, por m uit o t em po, não acabar á. Deus no- la faça bem acabar , por que o r ei Ar t ur
é m uit o t em ido.
- Ai, Deus! disse Lancelot e, quem foi t ão ousado que disse est as nov as ao r ei?
- Se foi cav aleir o, disse Boor z, foi Agr av aim ; e se foi m ulher , foi Mor gana, que v os desam a t ão
m or t alm ent e com o sabeis. Nenhum a out r a pessoa ousar ia dizer , senão um a dest as.
No out r o dia, disse Galv ão a Lancelot e:
- Eu e Gaeriet e com est es out r os cav aleir os quer em os ir à caça; quer eis ir ?
- Não, disse ele, por que não t enho hoj e v ont ade de ir dest a v ez.
Ent ão for am at r ás do r ei e ele ficou.
633. Assim que r ei Ar t ur foi à caça, m andou dizer a r ainha a Lancelot e que fosse a ela, no caso de ele não t er
m ais o que fazer , e ele ficou m uit o alegr e e disse- lhe que ir ia o m ais escondidam ent e que pudesse, e
aconselhou- se com Boor z com o o poder ia fazer .
- Ai, senhor ! disse Boor z, por Deus, não v ades, por que se f or des, pesar v os sobr ev ir á, por que m eu
cor ação, que nunca t ev e m edo por v ós, o diz.
E ele disse que de nenhum m odo deix ar ia de ir .
- Senhor , disse ele, v ist o que não quer eis ficar , ensinar ei com o ir lá escondidam ent e. Vedes aqui um a
hor t a pela qual podeis ir , e ninguém v os v er á. Mas ainda assim lev ai v ossa espada, por que ninguém sabe o que
pode acont ecer .
E assim fez ele, e foi à câm ar a da r ainha. Mas bem sabei que Mor der et e e seus ir m ãos com m u it os out r os
cav aleir os seguiam seu cam inho. Assim que ele ent r ou na câm ar a, deit ou- se com a r ainha, m as não ficou m uit o
que vier am à por t a os que espr eit avam , e achar am - na fechada e disser am :
- Agr av aim , que far em os? Ar r om bar em os a por t a?
- Sim , disse ele.
E, ao bat er em à por t a, ouv iu- os a r ainha e lev ant ou- se t oda int im idada e disse a Lancelot e:
- Ai, am igo! est am os m or t os.
- Com o? disse ele, que é ist o?
E escut ou e ouv iu à por t a gr ande rebuliço e gr andes br ados de pessoas que quer iam ar r om bar a por t a.
- Ai, am igo! disse ela, or a saber á o r ei m eus feit os e os v ossos. Tudo ist o nos pr epar ou Agr av aim .
- Assim Deus m e aj ude, disse ele, eu lhe ur dir ei por isso a m or t e.
Ent ão se lev ant ou.
- Ai, senhor a, disse ele, há aqui algum a lor iga?
- Cer t am ent e, disse ela, não, por que apr az a Deus que m or r am os am bos. Mas se apr ouv esse a Deus que
escapásseis daqui são, não hav er ia quem ousasse m e m at ar sabendo que est ais v iv o; m as cuido que nosso
pecado nos dest r ói.
Ent ão foi Lancelot e à por t a e grit ou aos que for a est av am :
- Maus cav aleir os e cov ar des, esper ai um pouco, por que logo t er eis a por t a aber t a, e v er ei qual ser á o
valent e que ent r ar á pr im eir o.
Ent ão abr iu a por t a e disse:
- Or a ent r ai.
E um cavaleir o que tinha nom e Einaguis, ent r ou pr im eir o, por que desam ava Lancelot e. E Lancelot e, que
t inha j á a espada lev ant ada, fer iu- o com t oda sua for ça, que lhe não pr est ou ar m a que t r oux esse, que o não
fendesse t odo at é as espáduas, e o m et eu m or t o no chão. E quando os out r os v ir am est e golpe, não houv e
alguém t ão v alent e que quisesse ent r ar , ant es se afast ar am , de m odo que a ent r ada ficou liv r e. Quando ist o
v iu, disse à r ainha:
- Senhor a, est a guer r a est á acabada. Quando v os apr ouv er , ir ei.
E ela disse:
- Se for des a salv o, não t em er ei por m im .
Ent ão pux ou Lancelot e o cav aleir o que m at ar a e fechou a por t a par a não ent r ar em os out r os e desar m ou-
o e depois ar m ou- se com aquelas ar m as o m elhor que pôde e disse à r ainha:
- Senhor a, agor a posso ir , se Deus quiser , a salv o, por que de quant os aqui m e aguar dam m e liv r arei
m uit o bem , com o cuido.
- Pois ide, disse ela, e pensai em m im , por que bem sei que logo t er ei m ist er de v ossa aj uda.
- Conv ém que eu vá, disse ele, m as se vos apr ouv er , levar - vos- ei, por que não há alguém aqui por quem
vos deix e.
- I st o não quer o eu, disse ela, por que assim logo ser iam nossos feit os m ais conhecidos; m as m elhor o
dispor á Deus.
Ent ão abriu as por t as Lancelot e, e disse que não quer ia m ais ficar pr eso, e fer iu o prim eir o com um t ão
gr ande golpe, que caiu no chão desfalecido; e os out r os, que ist o vir am , afast ar am - se, e não houv e quem o
cam inho não lhe deix asse. E Lancelot e foi à hor t a e da hor t a à pousada, e achou num a câm ar a Boor z, que t inha
m edo de que ele não v olt asse, por que bem lhe dizia o cor ação que os da linhagem de r ei Ar t ur o pegar iam com
a r ainha, se pudessem .

634. Quando Boor z v iu ar m ado seu senhor , que for a desar m ado, logo ent endeu que havia acont ecido algum a
br iga e per gunt ou- lhe a r espeit o. E ele lhe disse t udo, com o Agr avaim e Mor der et e e Guerr ees quiser am pegá-
lo com a r ainha, com gr ande com panhia de cav aleir os, m as se defender a de m odo que não puder am pegá- lo.
- Ai, senhor ! disse Boor z, or a v ai m al, agor a est á o pr eit o descober t o, agor a com eçar á a guer r a que nunca
acabar á, e quant o v os am ou o r ei at é aqui m ais de cor ação que a qualquer out r o que de sua linhagem não
fosse, t ant o v os desam ar á daqui par a fr ent e, depois que souber v er dadeir am ent e a afr ont a que lhe fizest es
com sua m ulher . Or a v ede o que possam os fazer , por que bem sei que de hoj e em diant e o r ei ser á nosso
m or t al inim igo. Mas pela r ainha, que ser á por nós j ulgada de m or t e, m uit o m e pesa, e de bom gr ado quer ia
que t iv éssem os conselho com o escapasse.
A est e conselho sobr eveio Heit or e pesou- lhe m uit o, quando soube com o est ava a cont enda, e disse:
- Senhor , j á que é assim , v am os àquela flor est a e escondam onos; e quando a r ainha for j ulgada de
m or t e, lev á- la- ão for a da v ila par a a queim arem . Ent ão sair em os e a livr ar em os e a lev ar em os a Benoic ou a
Gaunes; e depois não r ecear em os o r ei.
Com est a idéia concor dar am Lancelot e e Boor z e logo cavalgar am eles e vint e e set e cavaleir os m uit o
bons que lá est av am , e depois que par t ir am de sua pousada, for am à flor est a e m et er am se pela beir a dela
onde a vir am m ais espessa e lá ficar am at é a noit e. Ent ão cham ou Lancelot e um seu donzel e m andou- o a
Cam alot e par a saber nov as da r ainha, e o donzel se despediu deles e cav algou em seu r ocim e foi ao paço.
Or a deix a o cont o a falar dele e t or na aos t r ês ir m ãos de quem Lan celot e se separ ou.

635. Diz o cont o que, àquela hor a em que Lancelot e escapou daqueles que o quer iam pegar com a r ainha,
ent r ar am eles na câm ar a e pegar am a r ainha e fizer am - lhe m uit a desonr a e m uit o pesar , e disser am - lhe que
est av a agor a a sua t r aição pr ov ada e que agor a m or r er ia. E ela chor av a t ão sent idam ent e, que bem dev er iam
dela t er dó os que a lev av am .
Hor a de noa, chegou o r ei da caça, e assim que apeou, logo lhe disser am nov as da r ainha, que achar am
com Lancelot e e est ava pr esa. Quando ele ist o ouviu, t eve gr ande pesar , ist o não per gunt e ninguém , e
per gunt ou se Lancelot e est ava pr eso.
- Senhor , disser am eles, não, por que se defendeu t ão v iolent am ent e com o nunca alguém se defendeu.
- Pois que, disse o r ei, não est á aqui, achá- lo- eis em sua pousada. Mandai ar m ar cav aleir os e ide e
pr endei- o e t r azei- m o, e far ei just iça dele e da r ainha j unt os.
Ent ão for am - se ar m ar bem t r int a cav aleir os e não de boa v ont ade, m as por que o r ei or denou, e for am à
pousada de Lancelot e, m as não o achar am , e não houv e quem ficasse m uit o alegr e por isso, por que bem
sabiam que achar iam nele defesa m or t al. Ent ão v olt ar am ao r ei e lhe disser am , e o r ei disse que lhe pesav a,
m as, vist o que não podia vingar - se em Lancelot e, vingar - se- ia na r ainha. O r ei I om lhe disse:
- Senhor , o que quer eis fazer ?
- Quer o, disse ele, por est a deslealdade, fazer dela t al j ust iça, que t odas as out r as sej am cast igadas. E
m ando a vós, r ei 10m , pr im eir am ent e, por que sois r ei, e a t odos os r icos- hom ens t am bém que aqui est ão, e
r ogo- v os pela fé que m e dev eis, que cuideis de qual m or t e dev e m or r er , por que da m or t e não dev e escapar ,
ainda que o j ulgásseis.
- Senhor , disse r ei I om , não é dir eit o cost um e nest a t er r a pr oferir j uízo depois de noa, sobr et udo de
m or t e de hom em ou de m ulher , e acim a de tudo, de t ão alt a dam a com o é a r ainha. Mas am anhã cedo, se
m andar des, o far em os.
Ent ão deix ar am de falar nisso e o r ei t ev e t ão gr ande pesar , que t odo aquele dia não com eu nem bebeu,
nem quis que a r ainha ficasse diant e dele.

636. De m anhã, hor a de prim a, assim que os r icos- hom ens for am r eunidos, or denou o r ei a Mor der et e e
Agr av aim e a t odos os r icos- hom ens que dissessem o que hav iam de fazer com a r ainha por dir eit o j uízo. E eles
em it ir am veredict o e disser am Agr avaim e Mor der et e:
- Est e é o j ulgam ent o cor r et o e não há out r o: vist o que, em lugar de t ão alt o hom em com o r ei Ar tur
m et eu out r o cav aleir o, dev e ser queim ada.
Com ist o concor dar am t odos ou por v ont ade ou por for ça. Quando Galv ão v iu que dav am t al julgam ent o,
disse:
- Se Deus quiser , nunca concor dar ei com t al j ulgam ent o, em que v ej a a m or t e da m ulher do m undo que
m ais honr a m e fez.
Ent ão foi ao r ei e disse- lhe:
- Senhor , deix o- v os quant o de v ós t enho, e j am ais, enquant o v iv er , v os ser v ir ei.
O r ei não ligou a nada que lhe dissesse, por que m uit a out r a coisa t inha em seu cor ação. E Galv ão
despediu- se dele e foi a sua pousada, fazendo o m aior pr ant o do m undo. E o r ei m andou fazer muit o gr ande
fogueir a for a da v ila no cam po, e as lam ent ações e os pr ant os for am t ant os e t ão gr andes pela v ila, com o se a
r ainha fosse m ãe de t odos. O r ei m andou buscar a r ainha, que v iesse à sua fr ent e, e ela v eio chor osa, v est ida
de um pano de seda v er m elho. E ela er a t ão for m osa m ulher e t ão agr adáv el, que no m undo não se achar ia
out r a em sua idade. E quando o r ei a v iu, t ev e dela t ão gr ande dó, que não podia det er nela o olhar , e m andou
que a lev assem de sua fr ent e e lhe fossem fazer aquilo a que a condenar am .
637. Assim que a r ainha saiu do paço e a lev ar am pelas r uas da v ila, v eríeis cor r er de t odas as par t es e sair
m oços e m oças e velhos e velhas e r icos e pobr es gr it ando e br adando e fazendo a m aior lam ent ação do
m undo, e diziam t odos a um a v oz:
- Ai, boa senhor a e de boa apar ência e m ais cor t ês e m ais educada que out r a m ulher , em quem achar ão
depois os m ais pobr es conselho e piedade? Ai! r ei Art ur , que a fazes por deslealdade e br av ur a m at ar , pesar
ainda t e sobr ev enha e sej as por ist o dest it uído do r eino, e os t r aidor es que t e lev ar am a fazer ainda m or r am de
m á sor t e!
Assim diziam t odos os da v ila, quando passav a por entr e eles; c depois iam t odos at r ás dela, gr it ando
com o se est iv essem for a de j uízo.

LXXXI I
La nce lot e a r r e ba t a a r a inha
O sofr im e nt o de r e i Ar t ur

638. O r ei or denou a Agr av aim e a seus ir m ãos que pegassem oit ent a cav aleir os par a guar dar o cam po onde a
fogueir a est av a, de m odo que, se Lancelot e v iesse, não a pudesse liv r ar .
- Senhor , disse ele, se quiser des que eu v á, or denai a m eu ir m ão Gaer iet e que v á conosco.
E o r ei or denou, e Gaer iet e disse que não o far ia, m as t ant o o am eaçou o r ei que disse que ir ia. Ent ão
ar m ou- se e t odos os out r os que Agr avaim escolheu e Agr avaim t am bém se ar m ou. E depois que ficar am
ar m ados e saír am da v ila, disse Gaer iet e a Agr av aim :
- I m aginais que v enho aqui par a m e pegar com Lancelot e, se ele socor r er a r ainha? Sabei que não m e
esfor çar ei por isso por que, assim Deus m e aj ude, ant es quer ia que outr a coisa ele tivesse, enquant o vivesse,
do que m or t e aqui.
Assim falando, chegar am à fogueir a. E Lancelote, que est ava escondido na flor est a, assim que viu seu
donzel chegar , per gunt ou-lhe:
- Que nov as t r azes da r ainha?
- Senhor , disse ele, m ás, por que a t r azem par a ser queim ada.
- Assim ? disse ele. Or a cav alguem os, por que quem cuida m at ála m or r er á por isso. E pr aza a Deus, se
algum a v ez ouv iu or ação de pecador , que ache lá Agr av aim que ar m ou ist o.
Ent ão m ont ar am e cont ar am - se e achar am t r int a e tr ês, e for am m uit o bem ar m ados o m ais que puder am
par a onde v ir am o fogo. E quando as pessoas que est av am no cam po os v ir am v ir , gr it ar am aos que
guar dav am a r ainha:
- Fugi, fugi! Vedes aqui Lancelot e que v em liber t ar a r ainha.
E Lancelot e, que v inha à fr ent e dos out r os, deix ou- se cor r er par a Agr av aim , por que bem o r econheceu
por suas ar m as, e fer iuo t ão violent am ent e, que lhe não valeu escudo e lor iga, que não m et esse a lança por
ele, de m odo que o fer r o apar eceu da out r a par t e, e m et eu- o por t er r a, e, ao cair , quebr ou- lhe a lança. E Boor z
se deix ou ir a Guerr ees e fer iu- o com um a lançada, que o m et eu em t er r a de t al m odo que não houv e m ist er
m est r e. E os out r os, que com Lancelot e v inham , for am fer ir os out r os e der r ibar am m uit os deles; depois,
m et er am m ão às espadas e com eçar am sua lut a m uit o br av a e m uit o fer oz. Mas quando Gaer iet e v iu que seus
ir m ãos est av am por t er r a, ficou m uit o sanhudo, por que bem cuidou que est av am m or t os. Ent ão se deix ou ir a
Meliaduz, o negr o, que se esfor çav a m uit o por aj udar Lancelot e e por vingar a honr a da r ainha, e deu- lhe um a
t al lançada, que deu com ele e o cavalo na fogueir a; e depois m et eu m ão à espada e fer iu out r o com t al golpe,
que o m et eu m or t o aos pés de dom Lancelot e. E quando est e, que m uit o obser v av a Gaeriet e viu que lhes fazia
t al dano, disse con sigo m esm o que, se m uit o dur asse, m uit o os at r apalhar ia, e por isso m ais v aler ia o
m at ar em , se pu dessem , em bor a fosse o cav aleir o da cor t e que os da linhagem de r ei Bam m ais am av am . Ent ão
foi dar - lhe t ão for t e espadada, que lhe deit ou o elm o da cabeça no chão. E quando ele sent iu a cabeça
descober t a, ficou t odo espant ado. E Lancelot e, que ia de uns a outr os e andav a cor r endo as fileiras de um a
par t e e da outr a e não o r econhecia, feriu- o t ão v iolent am ent e por cim a da cabeça, que o fendeu até os dent es
e o m et eu m or t o por t er r a. E ist o foi m uit o gr ande dano, por que er a um dos bons cav aleir os da cor t e, e am ar a
sem pr e Lancelot e, m ais do que out r o cavaleir o da cor t e que algum a vez t ivesse vist o. Com est e golpe ficar am
os do r ei apar t ados e desbar at ados, de m odo que de oit ent a que er am , não escapar am senão t r ês, que fugir am
par a a cidade. Um foi Mor der et e e os outr os dois da t áv ola r edonda. E quando Lancelot e ist o v iu, foi à r ainha e
disse- lhe:
- Senhor a, o que quer eis que v os façam os?
E ela r espondeu m uit o alegr e:
- Quer ia que m e lev ásseis a um lugar onde o r ei não m e pudesse fazer m al.
- Senhor a, disse ele, m ont ai e v am os àquela flor est a, e t om ar em os lá conselho do que ser á bom fazer .
E ela concor dou. Ent ão a puser am num cav alo, por que hav ia bast ant es sem dono; depois for am à flor est a
onde a v ir am m ais espessa e cont ar am sua com panhia e achar am m enos quat r o, e per gunt ar am - se o que for a
feit o deles, e disse- lhes Heit or :
- Vi t r ês que Gaer iet e m at ou.
- Com o? disse Lancelot e, est av a Gaer iet e nest a lut a?
- E que é isso que m e per gunt ais, disse Heit or ; v ós o m at ast es.
- Or a, disse Lancelot e, bem podem os dizer que j am ais t er em os paz com o r ei e com Galv ão, por m or t e de
Gaeriet e, de que m e pesa m uit o, assim Deus m e aj ude. E agor a com eçar á a guer r a que não acabará em t odos
os dias de nossa v ida.

639. Muit o t ev e Lancelot e gr ande pesar da m or t e de Gaer iet e, por que er a dos cav aleir os do m undo que ele
sem pr e m ais am ar a. E Boor z disse a Lancelot e:
- Senhor , hav er á m ist er ficar a r ainha a salv o em lugar onde não t iv esse m edo do r ei.
- Se a pudéssem os t er , disse Lancelot e, num cast elo que eu conquist ei, lá est aria a salv o, por que o
cast elo é for t e à m ar avilha e fica num lugar que não pode ser cer cado; e depois que lá fôssem os e o
t iv éssem os abast ecido, m andar ia pedir aj uda a m uit os cav aleir os, a quem aj udei m uit as v ezes, e a m uit os que
conquist ei, e são t ant os que, se os t iv er em m inha aj uda e ficar m os naquele cast elo, com facilidade poder em os
guer r ear com um hom em de gr ande poder .
- E onde fica est e cast elo? disse Boor z.
- Per t o da cidade de Longuefão e cham a- se cast elo da Joiosa Guar da; m as quando o conquist ei, há m uit o
t em po, quando er a cav aleir o nov o, cham av a- se a Dolor osa Guar da.
- Ai! disse a r ainha, j á vi est e cast elo, e é ex at am ent e t ão for t e, que não t em e nada a não ser tr aição.
Concor dar am com ist o e andar am t ant o que chegar am a um cast elo que ficava no m eio da flor est a e t inha
nom e Caleque e er a senhor dele um conde m uit o bom cav aleir o e de gr ande poder , que am av a m uit o a
Lancelot e, e quando soube que vinha, ficou m uit o alegr e e r ecebeu- o m uit o bem e lhe fez t odo o ser v iço que
pôde e t oda honr a, e pr om et eu- lhe que o aj udar ia cont r a o rei Ar t ur e disse- lhe:
- Senhor , senhor , eu v os dou est e cast elo par a v ós e a r ainha e o dev eis r eceber , por que é t ão for t e, que
não t er eis aqui m edo de r ei Ar t ur .
E Lancelot e agr adeceu m uit o, m as disse que a out r o lugar queriam ir .
No out r o dia, despediu- se do con de Dangis, que lhe deu quar ent a cav aleir os e o fez j ur ar que o aj udasse,
com o o aj udar ia ele. Ent ão par t ir am e andar am t ant o que chegar am ao cast elo da Joiosa Guar da. E quando os
do cast elo sou ber am que Lancelot e v inha, saír am par a r ecebê- lo, fazendo t ão gr ande alegr ia e t ão grande
fest a, com o se fosse Deus. E quando sou ber am que hav ia de m or ar com o eles e por quê, j ur ar am que o
aj udar iam cont r a t odos os hom ens do m undo e ele se anim ou com isso. Mandou logo buscar t odos os da t er r a,
e eles vier am e er am m uit os, depois fez abast ecer m uit o bem seu cast elo.
Mas or a deix a o cont o a falar dele e t or na a r ei Ar tur .

640. Naquela hor a, diz o cont o, em que r ei Ar t ur v iu v olt ar seu sobr inho Mor der et e com m uit o pequena
com panhia, m ar avilhou- se e per gunt ou com o er a aquilo; e um donzel que est eve onde a bat alha acont ecer a,
disse- lhe:
- Senhor , m uit o m ás nov as v os dir ei, de que v os pesar á e a quant os aqui est ão. Sabei que de t odos os
cavaleir os que levar am a r ainha à fogueir a, não escapar am senão t r ês, e dest es t r ês que escapar am , um é
Mor der et e e os out r os dois não sei quais são.
- Ai! disse o r ei, Lancelot e est ev e lá?
- Por Deus, senhor , sim , disse ele. E ainda fez m ais, que lev a a r ainha consigo e entr ou na flor est a com
ela.
Quando o r ei est as nov as ouv iu, t ev e t ão gr ande pesar , que não soube o que fizesse. Nist o chegou
Mor der et e que disse ao r ei:
- Senhor , v ai m al! Lancelot e nos desbar at ou a t odos e lev ou a r ainha consigo.
- Or a, at r ás dele, disse o r ei, por que não escapar á, se depender de m im .
Ent ão fez ar m ar cavaleir os, ser v os e t odos aqueles que com ele est avam e cavalgar am o m ais r ápido que
puder am e for am à flor est a e olhar am de um a par t e e da out r a. Mas acont eceu que não o achar am . Ent ão
m andou o r ei que se dist r ibuíssem por m uit as par t es par a v er se os poder iam achar . E r ei Car ados disse:
Senhor , ist o não t enho por bem , por que se se div idir em e Lancelot e os achar , a t odos m at ar á, por que t r az
boa com panhia de bons cav aleir os.
Pois o que far em os? disse r ei Ar t ur .
- Senhor , disse ele, v o- lo dir ei. Mandai v ossos hom ens com car t as v ossas a t odos os dest a t er r a, que
ninguém ouse deix ar passar Lancelot e nem alguém de sua com panhia, e assim , t er á de ficar na t erra; e depois
que ficar e souber m os onde est á, ir em os a ele e poder em os facilm ent e pegá- lo e vos vingar eis dele.
641. Fez o r ei suas car t as e m andou a t odos os por t os de Logr es par a que ninguém ousasse deix ar passar
Lancelot e ou alguém de sua com panhia. E depois que env iou os m ensageir os, dirigiu- se par a onde for a a
der r ot a e v iu Agr av aim , seu sobr inho, que Lancelot e m at ar a, e t inha um pedaço da lança no m eio do peit o, de
m odo que o fer r o apar ecia da out r a part e. E t ev e t ão gr ande pesar , que não pôde m ant er - se em sela, e caiu
sobr e ele desfalecido e ficou assim m uit o t em po, e quando acor dou e pôde falar , disse:
- Ai, bom sobr inho! m or t alm ent e v os desam av a aquele que est e golpe v os deu e gr ande dor m et eu no
m eu cor ação quem t al cav aleir o abat eu de m inha linhagem .
E depois que ist o disse, t ir ou- lhe o elm o da cabeça e beij ou- lhe os olhos e a boca; depois o fez lev ar à
cidade. E depois per cor r eu t odos os out r os, e achou Guerr ees, que Boor z m at ar a, e t inha um a lançada pelo
m eio do peit o. Alí veríeis o r ei lam ent ação fazer e dizer que m uit o v iv er a quando via a m or t e dos hom ens do
m undo que m ais am ava e com que pesar ist o via. E depois fez levar Guer r ees em seu escu do. E andou olhando
os out r os e olhou à esquer da e viu Gaeriet e, que Lancelot e m at ar a, e est e er a o sobr inho que ele m ais am ava,
afor a Galv ão. E quando v iu aquele que t ant o am av a, não se com par ou a dor que dos out r os t iv esse à dest e.
Ent ão foi a ele e abr açou- o, e caiu desfalecido sobr e ele, que os que est avam no lugar cuidavam que t ivesse
m or r i do. E depois que ficou assim o t em po que andar am um a m eia légua, acor dou e disse:
- Ai, m or t e! com o m e t ar das, por que m e par ece que j á viv i m uit o. Ai, Gaeriet e, m eu sobr inho, se t enho
de m or r er de pena, m or r er ei com pena de t i, por que nunca vi m or t e de que t ant o m e pesasse. Ai, bom
sobr inho e bom am igo, em m á hor a foi feit a aquela espada que assim t e fer iu e m aldit o sej a o braço que t al
golpe t e deu, por que confundiu a m im e a t oda a m inha linhagem .
Depois beij ou- lhe os olhos e a boca e o r ost o ensangüent ado com o est av a, e fez t al pr ant o, por que t odos
o am av am e o pr ezav am , t ant o er a bom cav aleir o e bom cor t esão.

642. Gr andes for am os lam ent os e os grit os que faziam por ele os m ais, t ant o par entes com o am igos, e
t om ar am Gaer iet e em seu escudo e o levar am à vila, e quando os da vila souber am que est a m or t e for a feit a,
v er íeis o pr ant o v iolent o e cada um pegav a seu am igo e lev av a ao paço. A est es gr it os saiu Galv ão de sua
pousada, que bem cuidav a que a r ainha j á est av a m or t a e est e t ão gr ande pr ant o er a por ela. E est ando na r ua
per gunt ando, disser am - lhe:
- Ai, dom Galv ão, se quer eis v er v osso gr ande pesar e a dest r uição de v ossa linhagem , ide ao paço e lá
v er eis o m aior pesar que nunca v ist es.
E ele t ev e gr ande pesar dest as nov as e não r espondeu a nada que lhe dissessem , e baix ou a cabeça
m uit o t r ist e e com eçou a dir igirse ao paço, m as não cuidou que o pr ant o er a senão pela r ainha e olhou à dir eit a
e à esquer da e viu as pessoas t odas chor ar em e car pir em ; e cada um lhe dizia:
I de, dom Galv ão, ide, e v er eis v osso m ui gr ande pesar e v ossa m ui gr ande pena.
Quando ouv iu que t odos falav am daquilo, cr esceu- lhe m uit o m aior pesar , m as não o ousou m ost r ar e foi
t r ist e e pensat iv o. E, quando ent r ou no paço, achou t odos t ão gr ande pr ant o fazendo com o se t odos os
par ent es do m undo v issem diant e de si m or t os. E quando o r ei v iu Galv ão, disse- lhe em alt a v oz:
- Galv ão, Galv ão, v edes aqui v ossa gr ande dor e m inha; v edes, aqui est á v osso ir m ão Gaer iet e m or t o, o
m ais pr ezado cav aleir o da nossa linhagem .
E m ost r ou- o t odo ensangüent ado, com o o t inha r eclinado em seu peit o. Quando ist o viu, Galvão não t ev e
for ça par a falar nada, nem par a se m ant er de pé, por que lhe falt ou o ânim o e o cor po fr aquej ou e caiu no m eio
do paço com o m or t o, e ficou m uit o t em po desfalecido. E os r icos- hom ens, que lá est av am com gr ande pesar ,
que j am ais cuidav am t er pr azer , quando v ir am que er a Galv ão, for am pegá- lo e o segur ar am em seus br aços
chor ando m uit o sent idos e dizendo:
- Ai, Deus! Com o aqui há gr ande dano de t odas as par t es!
E depois que Galv ão ficou assim m uit o t em po e acor dou, levant ou- se e volt ou a Gaer iet e, que est ava
m or t o e r et ir ou- o do r ei e abr açou- o e com eçou a beij á- lo e t om ou- se- lhe de t ão gr ande dor o cor ação, que não
pôde se m ant er de pé e caiu por t er r a com Gaeriet e e ficou m aior t em po que ant es, e depois que acor dou,
sent ou- se e com eçou a olhar Gaer iet e, e quando lhe viu t ão gr ande golpe, disse:
- Ai, bom ir m ão! m aldit o sej a o br aço que t al golpe v os deu, por que m at ou a m im e a t oda a m inha
linhagem , e não v ale m ais por isso, por que, depois do que v ej o, não quer o m ais v iv er , ai bom I r m ão, senão at é
que v os v ingue do t r aidor que ist o v os fez e m e deu t ão gr ande dor no cor ação.

643. Tal lam ent o fez Galv ão e m aior fizer a, se pudesse, m as aper t ouse- lhe o cor ação com pesar , de m odo que
o não pôde fazer senão t ar de. E depois que est ev e assim m uit o t em po, olhou a sua dir eit a e viu j azer em
Guerr ees e Agr av aim diant e do r ei sobr e seus escudos em que os t r oux er am . E quando os r econheceu, disse
em m uit o alt a voz:
- Ai, m esquinho! em m á hor a v ivi t ant o, que v ej o m or t os de m á m or t e m eus ir m ãos!
Ent ão foi a eles e deix ou- se cair sobr e eles, e abr açou- os e beij ouos ensangüent ados com o est avam e
desfaleceu sobr e eles m uit o am iúde, de m odo que os alt os hom ens que lá est avam cuidar am que m or r er ia
ent r e seus ir m ãos.

644. O r ei, que est av a t ão abat ido que não sabia o que pudesse fazer nem dizer , per gunt ou aos ricos- hom ens:
- O que far em os? Por que se deix ar m os aqui m uit o t em po Galv ão, cuido que m or r er á de pesar .
- Senhor , disser am eles, achar íam os bom afast á- lo daqui e o guar dar m os num a câm ar a at é qu e est ej am
ent err ados, por que, sem falha, se ficar m uit o t em po aqui, m or r er á.
E o r ei concor dou com est e conselho, e lev ar am - no os r icoshom ens a um a câm ar a desfalecido com o
est av a. E t odo aquele dia e aquela noit e dor m iu que nada falou. Todo aquele t em po foi gr ande a dor no paço e
pela v ila. E os cav aleir os m or t os for am desar m ados e ent er r ados cada um com o v aliam . Par a Guerr ees e
Agr av aim t ão r icos t úm ulos fizer am e t ão for m osos, com o se fossem par a filhos de r ei. E puser am - nos am bos
j unt os e m et er am - nos dent r o do m ost eir o de Sant o Est êvão de Cam alot e, que ent ão er a Sé. Assim est es dois
deit ar am e à cabeceir a dest es, puser am out r o t úm ulo m uit o m elhor e m ais r ico que algum daqueles e fizer am
nele m et er Gaeriet e. Mas ao ent er r ar , poder íeis v er o gr ande dó e o gr ande pr ant o, por que t odos os ar cebispos
e bispos da t er r a for am lá e t odos os alt os hom ens bons, que puder am , chegar am a sua sepult ura e fizer am
t ant a honr a aos m or t os quant o m ais puder am , m as m uit o m ais a Gaer iet e. E por que er a t ão bom hom em ,
fizer am er guer seu túm ulo m ais que t odos os out r os, e fizer am escr ever um let reir o que dizia: "Aqui j az
Gaeriet e, sobr inho de r ei Ar tur , que Lancelot e do Lago m at ou. " E t am bém fizer am sobr e as lápides dos out r os
escr ever o nom e daquele que j ulgavam que os m at ar a.
645. Depois que os ar cebispos e bispos e clér igos fizer am tudo o que dev iam fazer , v olt ou o r ei a seu paço e
sent ou- se diant e de seus r icos- hom ens com gr ande pesar , com o não t er ia, se per desse a m et ade de seu r eino;
e t am bém est avam t odos t r ist es, que não sabiam o que dizer e fazer . No paço est av am t odos os r icos- hom ens
e m uit os out r os cavaleir os e m uit a gent e, m as t ão calados est avam , que par ecia que não havia ninguém lá. O
r ei est av a na par t e m ais alt a do paço m uit o t r ist e, e depois que ficou m uit o t em po, disse t ão alt o que t odos o
ouv ir am :
- Ai, Deus! quão longam ent e m e supor t ast es e m antiv est es em gr ande honr a e gr ande alt ur a, e agor a
est ou em pouco t em po r ebaix ado e av ilt ado por desgr aça. Nunca alguém per deu t ant o com o per di, por que est a
é per da super ior a t odas as per das; por que se alguém per de t er r a, pode r ecuper á-la, com o m uit as v ezes
acont ece, m as se alguém per de am igo ou par ent e, não pode r ecuper ar de nenhum m odo. Senhor es, est a per da
sofr i com o v edes, e não por v ont ade de Nosso Senhor , m as pela sober ba de Lancelot e do Lago. E se est a per da
m e v iesse por v ingança de Deus, a supor t ar ia com honr a, m as v eio por aquele que pusem os em m ai s alt o lugar
de honr a que acham os, e r ecebem os em nossa t er r a t ão honr adam ent e com o se fosse m eu filho. Aquele nos
fez est e dano e est a desonr a. E t endes t odos de m im t er r a e sois m eus v assalos, por que m e fizest es
hom enagem e j ur am ent o, e por ist o v os r ogo, pelo dir eit o que dev eis cum pr ir , que m e aj udeis e aconselheis
com o hom ens bons dev em aconselhar seu senhor , de m odo que m inha desonr a sej a v ingada e t enhais honr a
em quebr ar e confundir aqueles que est a desonr a m e fizer am .

646. Depois que o r ei ist o disse, calou- se e esper ou at é que seus r icoshom ens r espondessem . E com eçar am a
olhar - se e a dizer um ao out r o o que falar . E depois que ficar am m uit o t em po calados, lev ant ouse r ei I om e
disse ao r ei:
- Senhor , sou v osso v assalo e de bom gr ado dev o aconselharv os o que sej a em v ossa honr a e em
pr ov eit o do r eino. Nossa honr a, sem falha, é v ingar com a nossa for ça, m as quem em pr ov eit o do r eino
quisesse olhar , não cuido que com eçasse guer r a cont r a a linhagem de r ei Bam de Benoic, por que v em os que
Nosso Senhor os ex alt ou t ant o sobr e t odas as out r as linhagens, que se sabe que em for ça de gente e de boa
cav alar ia e de boa linhagem , não há, que eu saiba, quem no m undo lhes pudesse m uit o prej udicar , est ando
eles em sua t er r a, senão v ós; e, senhor , por isso v os r ogo, por Deus, que não com eceis guer r a cont r a eles, se
não v ir des que a podeis acabar m uit o bem , por que, cer t am ent e, a m eu cient e, difícil ser á desbar at á-los.

647. Ent ão foi gr ande o r ebuliço no paço e falar am que r ei 10m nada disser a e que o dizia por cov ardia.
- Cer t am ent e, disse ele, não o digo por pav or m aior que algum de v ós, m as sei v er dadeir am ent e que,
depois de com eçada a guer r a, e se r ecolherem eles a sua t er r a, nos t em er ão m uit o m enos do que cuidais.
- Cer t am ent e, dom 10m , disse Mor der et e, nunca de t ão bom hom em saiu t ão m au conselho. Mas se o r ei
confiar em m im , de nenhum m odo deix ar á de ir e de v os lev ar consigo, ainda que v os pese.
- Mor der ete, Mor der et e, disse r ei I om , por cer t o ir ei com m ais boa v ont ade do que v ós. E v á o r ei quando
quiser , que, de bom gr ado, ir ei com ele.
- E o que discut is? disse Mador da Por t a. Se quer eis a guerr a, m uit o per t o a achar eis, por que Lancelot e
est á num cast elo que conquist ou logo que foi cav aleir o quando andav a nas prim ícias das av entur as pelo r eino
de Logr es e o cast elo t em nom e a Joiosa Guar da e o conheço bem e sei onde fica e t enho o dev er de saber ,
por que est iv e lá m uit o t em po pr eso e t inha gr ande pav or da m or t e, quando m e liv r ou Lancelot e a m im e a
out r os cav aleir os daqui que lá est av am pr esos.
- Por Deus, disse o r ei, esse cast elo conheço m uit o bem , m as cuidais que est á lá a r ainha com ele?
- Senhor , digo- v os ver dadeir am ent e que a r ainha est á lá, e Lancelot e com t odos os seus par ent es, assim
com o aqui est av a c não v os aconselho que v ades lá dest a v ez par a lhes fazer m al, por que o cast elo é t ão for t e,
que nunca alguém o cer cou; e eles são t ão bons cav aleir os, que não r ecear ão v os fazer guer r a e desonr a.

648. Quando o r ei ist o ouviu, r espondeu:


- Por boa fé, Mador , v er dade m e dizeis do cast elo, que é for te, e da sober ba deles. Mas bem sabeis e
quant os aqui est ão que, desde que fui cor oado r ei, não com ecei guer r a a quê não desse cabo à m inha honr a e
de m eu r eino. Por isso v os digo que não deix ar ei de nenhum m odo de fazer guer r a cont r a aqueles que m e t êm
feit o t r aição e t ão gr ande per da e r ogo- v os pr im eir am ent e a quant os aqui est ais que m e aj udeis nisso, assim
com o em v ós confio. Tam bém m andar ei cham ar os que m ais longe est ão que de m im t êm t er r a; e depois que
est iv er t oda nossa for ça r eunida, e pode ser daqui a quinze dias, par t ir em os ent ão. E por que quer o que não v os
afast eis, quer o que m e façais t odos hom enagem e m e j ur eis que m ant er eis com igo est a guer r a com t oda v ossa
for ça at é que nossa desonr a sej a v ingada.
E fez logo t r azer os sant os Ev angelhos e r ecebeu logo hom enagem e j ur am ent o. Depois m andou dizer por
t oda sua t er r a, per t o e longe, aos que dele t inham t er r a, que viessem a ele e m ar cou o dia em que est ivessem
com ele com t oda sua f or ça na Joiosa Guar da. Com ist o concor dar am t odos e pr epar ar am - se par a ir lá e
cuidar am lev ar a cabo facilm ent e o que diziam .

649. Quando Lancelot e ouviu est as nov as, m andou dizer ao r eino de Benoic e ao r eino de Gaunes, e aos r icos-
hom ens que dele t err a t inham , que guar necessem bem os cast elos, de m odo que, se por v ent ur a tiv essem de
par t ir da Gr ã- Br et anha e ir par a Gaula, tiv essem seus cast elos bem guar necidos cont r a r ei Ar tur . Depois,
m andou a r ainha par a o r eino de Sor elois, e m andou dizer à t er r a For ânea e a t odos os cav aleir os que ele
aj udar a e a quem dem onst r ar a am or m uit as v ezes, que viessem aj udá- lo cont r a r ei Ar t ur . E por que ele er a o
cav aleir o do m undo m ais am ado e que m aior am or e honr a fazia aos cav aleir os, e por aquele r ogo com que os
m andou r ogar , v ier am t ant os cav aleir os em sua aj uda que, se Lancelot e fosse r ei cor oado, ser ia gr ande coisa
r eunir t ão gr ande cav alar ia com o r euniu na Joiosa Guar da.
Mas or a deix a o cont o a falar deles e t or na a r ei Ar t ur e sua com panhia.

LXXXI I I
D e sfe cho da gue r r a de r e i Ar t ur e de La n ce lot e

650. Cont a a est ór ia que aquele dia que o r ei m ar cou par a seus r icoshom ens que est iv essem r eunidos em
Cam alot e, o for am e houv e lá t ão gr ande aj unt am ent o, que m uit o t em po hav ia que não se aj unt ar a tão gr ande
cav alar ia. Nest e ínt erim , ficou cur ado Galv ão, que t iver a m uit o gr ande enfer m idade com o pesar da m or t e de
seus ir m ãos. Aquele dia que for am r eunidos, disser am ao r ei:
- Senhor , ant es que par t ais daqui, t er íam os por bem e ser ia assim com o nos par ece, que dest es fidalgos
que aqui est ão, escolhêsseis t ant os quant os m at ar am pela r ainha e os m et êsseis na t áv ola r edonda no lugar
dos que m at ar am , de m odo que a cont a de cent o e cinqüent a fosse pr eenchida, e bem v os dizem os que, se o
fizésseis, nossa com panhia ser ia m ais t em ida.

651. O r ei concor dou com ist o e disse que er a bem , e cham ou seus r icos- hom ens e or denou- lhes pelo
j ur am ent o e pela hom enagem que lhe haviam feit o, que escolhessem os m elhor es cavaleir os de bondade e de
boas habilidades que achassem e não os deix assem por pobr eza e por não ser em de alt a linhagem e os
m et essem na t áv ola r edonda. Ent ão saír am à par t e super ior do paço e souber am pr im eir am ent e quant os er am
os que falt ar am , e achar am na cont agem que falt av am set ent a e dois e escolher am out r os t ant os que
m er ecer am . Mas, sem falha, o m aior assent o da t áv ola r edonda, que cont inuav am a cham ar o assent o
per igoso, não houv e t ão ousado que ousasse nele sent ar . Mas no assent o de Lancelot e sent ou um cav aleir o que
t inha nom e Elians e er a o m elhor cav aleir o e o m ais afam ado de t oda a I r landa e er a filho de r ei. No assent o de
Boor z sent ou out r o cav aleir o que t inha nom e Balinor e er a filho do r ei das Est r anhas I lhas; aquele, sem falha,
er a m uit o bom cav aleir o e, por r ogo de seus am igos, ganhou o assent o de Boor z. E o assent o de Heit or t eve
out r o de Escócia, que er a bom cav aleir o e poder oso de ar m as e am igos, e er a gr ande de cor po e m uit o v alente
à m ar av ilha e cham av a- se Vadans, o negr o, e er a de m uit o alt a posição, m as er a t ão br av o e t ão inv ej oso, que
não se conhecia cav aleir o que o fosse t ant o. O lugar de Gaer iet e t ev e um cav aleir o que se cham av a Gaer is de
Nor gales e er a j ovem e m uit o bom cav aleir o; depois, os m elhor es dos out r os cav aleir os que achar am m et er am
nos out r os assent os.

652. Quando ist o fizer am , as m esas post as, assent ar am - se par a com er e ser v ir am aquele dia a m esa de r ei
Ar t ur set e r eis seus v assalos, e aquele dia aj eit ar am seus feit os par a que par t issem no outr o dia de m anhã. No
out r o dia, ouvir am m issa e saír am e chegar am nesse dia a um cast elo que t inha nom e Lam bor . No out r o dia,
par t ir am daí e andar am t ant o por suas j or nadas, que chegar am a m eia légua da Joiosa Guar da, e por que v ir am
o cast elo t ão for t e que não t em ia for ça de gent e e não podia ser cer cado, senão de longe, pousar am na
m ar gem do Om br e, e puser am a sua fr ente, enquant o se pr epar av am , cav aleir os ar m ados de m odo que, se
v iessem os do cast elo, fossem t ão bem r ecebidos com o se dev e r eceber inim igos. Dest e m odo se pr epar ar am
os da host e par a r eceber em seus inim igos. Mas os do cast elo, que er am bon s cav aleir os, m andar am boa par t e
de sua cav alar ia que se escondesse num a flor est a, que ficav a per t o dali, par a t er em condição de at aque
im pr ev ist o na guerr a, quando v issem que fosse azado, de m odo que fossem at acados pelos da flor est a e pelos
do cast elo, e não der am nada por seu cer co, ant es os deix ar am pousar m uit o em paz e disser am que no outr o
dia at acar iam .
653. Os cav aleir os da flor est a er am em núm er o de duzent os, m uit o bons cav aleir os e m uit o v alent es, e Boor z e
Heit or er am capit ães deles; e os do cast elo com binar am com eles est e sinal: assim que de m anhã v issem um a
senha v er m elha na m aior t or re, logo saíssem e fossem at acar , por que logo sair iam , assim que a guer r a fosse
em pr eendida por am bas as par t es. Com o disser am , assim o fizer am . Quando v ir am que os deix av am pousar
em paz, ficar am m uit o segur os e disser am m uit os deles que, se Lancelot e t iv esse gr ande com panhia, não
deix ar ia de nenhum m odo de at acar , por que não er a cav aleir o que supor t asse m al que lhe fizesse seu inim igo.
Quando Lancelot e viu que r ei Ar t ur o havia cer cado e er a o hom em do m undo que ele m ais am ar a e lhe
fizer a m ais honr a, t ev e t ão gr ande pesar que não soube o que fizesse, não por m edo, m as por que am ar a o r ei
m ais que out r a pessoa que não fosse seu par ent e. E por isso pegou um a donzela e apar t ou- se com ela num a
câm ar a e disse- lhe:
- Donzela, ir eis a r ei Ar t ur e lhe dir eis da m inha par t e que m e m ar avilho m uit o, por que com eçou est a
guer r a cont r a m im , por que bem cuido que nunca t ant o o afr ont ei por que o dev esse fazer . Se v os disser que o
faz pela r ainha e que o afr ont ei com o alguns dizem , dizei que m e defender ei cont r a os dois m elhor es cav aleir os
de sua cor t e que injust am ent e m e r ecrim inam , e pela honr a dele e por seu am or que per di por falsa acusação,
dizei-lhe que m e m et er ei em j uízo diant e de sua cor t e, se lhe apr ouv er . E se disser que com eçou est a guer r a
pela m or t e de seus sobr inhos, dizei- lhe que daquela m or t e não sou culpado por que m e dev esse desam ar t ão
m or t alm ent e, por que eles m esm os for am culpados de sua m or t e. Donzela, dizei ao r ei, m eu senhor , que não
m e sint o t ão culpado cont r a ele, que não m e subm et a a j ulgam ent o em sua cor t e. E, se ele não quiser
concor dar com nenhum a dest as coisas que lhe m ando dizer , r esist ir ei a sua for ça com m aior pesar que ele ou
out r em cuidaria pensar . E saiba que, depois que a guer r a com eçar , t odo o m al que puder fazer aos seus, far ei.
E ele, v er dadeir am ent e, por que o t enho por senhor e am igo, em bor a não m e v enha v er com o am igo, m as com o
inim igo m or t al, assegur o- lhe que não se guar de de m im , ant es o guar dar ei sem pr e de t odos aqu eles que v ir
que lhe quer em fazer m al. Donzela, ist o lhe dizei.
E ela disse que aquela or dem cum pr ir ia t ão bem que depois não pudesse ser culpada. A donzela se
despediu dele e saiu do cast elo, de m odo que ninguém o ouv iu. I st o foi à hor a de v ésper as. Naquela hor a
est ava o r ei ceando, e por que ouvir am que er a m ensageir a, assim que lá chegou, levar am - na ao r ei, e chegou-
se ao r ei e disse- lhe quant o Lancelot e m andou.

654. Galv ão, que est av a per t o do r ei, ouv iu quant o a donzela lhe disse e falou ant es que os out r os falassem e
disse de m odo que t odos os r icos- hom ens o ouv ir am :
- Senhor , senhor , est á na hor a de vingar v ossa v er gonha e o gr ande dano que r ecebest es de v ossos
sobr inhos por Lancelot e, e t endes poder e for ça par a fazer o que t ínheis dent r o do cor ação em Cam alot e:
confundir e r eduzir a nada a linhagem de r ei Bam , que, por sua sober ba e desm edida am bição, v os fez t ão
gr ande m al e t ão gr ande dano, que j am ais poder á ser v ingado, senão por Deus. E ist o v os digo, por que se
agor a fizésseis paz est ando na hor a de v os v ingar des, v o- lo t er iam por m al os v ossos e os est r anhos.
- Galv ão, disse o r ei, o pr eit o j á est á de t al m odo que, enquant o v iv a, por cousa que Lancelot e possa dizer
ou fazer , j am ais t er á paz com igo, em bor a sej a o hom em do m undo a quem eu m ais dev ia per doar um gr ande
er r o, por que, sem falha, ele fez m ais por m im do que qualquer out r o cav aleir o. Mas, enfim , m e fez um t ão
gr ande m al que v os pr om et o com o r ei que nunca com igo t er á paz.
655. Ent ão dir igiu- se à donzela e disse- lhe:
- Donzela, dizei a v osso senhor que, de quant o m e m andou dizer , nada far ei e j am ais, enquanto v iv a, não
t er á paz com igo.
- Por cer t o, disse a donzela, senhor , ist o é gr ande dano, m ais par a v ós do que par a out r em , por que v ós,
que sois agor a o hom em m ais poder oso do m undo e o m ais afam ado, ser eis por isso dest r uído e m or t o e os
hom ens sisudos, que m uit o falar am do v osso fim , não est av am enganados, por que, quant o a ist o, não há
dúv ida de que os sisudos adiv inhador es que houv e em nosso t em po, que sabiam gr ande par t e das coisas que
hav iam de v ir , disser am que, no fim , hav ia a linhagem de r ei Bam de t r azer m al e v encer e assenhor ear - se de
t odos os seus inim igos. E v ós, dom Galv ão, que dev íeis ser sisudo, sois m ais néscio do que eu cuidav a, por que
buscais v ossa m or t e a ainda o podeis v er .
A donzela despediu- se ent ão do rei e foi par a seu senhor e cont ou-lhe quant o lhe disse o r ei, e ele t eve
gr ande pesar .

656. No out r o dia, pela m anhã, m andou Lancelot e er guer a senha v er m elha na t or r e, e os da flor est a a v ir am
logo e saír am e Lancelot e saiu àquela hor a do cast elo, e com eçar am a bat alha m uit o v iolent a de am bas as
par t es. Naquela bat alha, per deu o r ei Ar t ur m uit o, e m uit o m ais que os out r os, por que os da linhagem de r ei
Bam er am de t ão gr ande bondade de ar m as, que o r ei e seus hom ens não lhes podiam r esist ir sem per der
m uit o cada vez que se enfr ent avam , e ist o er a m uit o am iúde. E no fim , per der a o r ei t udo, se não fosse o
ar cebispo de Cant uár ia, que er a par ent e da r ainha, e ex com ungou t odo o r eino de Logr es, por que o r ei não
quer ia v olt ar a sua m ulher , m as quando o r ei v iu que a sant a I gr ej a o const r angia dest e m odo, pegou- a. E ficou
m uit o m ais alegr e do que par ecia, por que ele am av a a r ainha sobr e t odas as coisas do m un do. E sabei
ver dadeir am ent e que Lancelot e não a entr egar a, se não fosse que as pessoas per cebessem que er a ver dade o
que diziam . E ele se desculpav a a r espeit o par a m uit os hom ens bons.

657. Depois que Lancelote deu a r ainha, r etir ou- se de t odo o r eino de Logr es com t oda sua linhagem , e passou
o m ar e foi par a Gaunes e fez r eis cor oados seus pr im os: a um deu o r eino de Gaunes, e a out r o o de Benoic e
t oda a Gaula, com o lhe der a r ei Ar t ur . Naquele t em po podiam dizer bem os do r eino que er am r icos de bom
senhor e de boa cav alar ia; por que t inham bom senhor , que bem m ant inha a t err a e o r eino em paz. Mas aquela
paz não dem or ou m uit o, por que depois v eio aí r ei Ar t ur , com t odo seu ex ér cit o par a v ingar a m or t e de seus
sobr inhos e ist o foi por conselho de Galv ão; e cer cou a cidade de Gaunes, onde est av a Lancelote com t oda sua
linhagem . E depois que a t ev e cer cada, per deu lá m ais do que ganhou, por que sobej o t inham gr ande poder os
de dent r o. E, se Lancelot e quisesse, m uit as v ezes o v encer a e o pr ender a, m as não quis, por que am av a r ei
Ar t ur com m uit o gr ande am or .

658. Quando o r ei v iu que nada podia fazer naquele cer co par a sua honr a, disse um dia a Galv ão:
- Mat ast es- m e, por que m e fizest es aqui v ir , por que os de dent r o não dão nada por nós.
Quando ist o ouv iu Galv ão, t ev e gr ande pesar , e t ão gr ande foi o pesar , que m an dou dizer a Lancelot e:
- Lancelot e, se és t al que digas que não m at ast e m eus ir m ãos, à t r aição, eu t e pr ov ar ei.
E Lancelot e quando ist o ouviu, t ev e gr ande pesar e disse que se defender ia. E foi à bat alha diant e da
cidade de Gaunes; e quando f or am m et idos no cam po, fez Galv ão seu t io pr om et er que, se Lancelot e o
v encesse, r om pessem o cer co de Gaunes e dessem a Lancelot e por quit e de t odo queix um e que dele t inham ; e
Lancelot e t am bém fez sua linhagem pr om et er que, se Galv ão o v encesse, t odos se t or nassem v assalos de r ei
Ar t ur ex cet o r ei Boorz e r ei Leonel: est es dois ficassem liv r es dest a conv enção, por que er am r eis.

659. Ent ão for am com bat er am bos os cav aleir os, e dur ou a bat alha m uit o t em po. Mas no fim , ficou Galv ão t ão
fer ido, que não pôde m ais; e m at ar a- o ent ão Lancelot e, se não fosse por am or do r ei e de t odos os r icos-
hom ens do r eino de Logr es. E sabei que, naquela bat alha, r ecebeu Galv ão um t al golpe de que depoi s não pôde
cur ar - se, ant es o lev ou aquela chaga à m or t e. Quando a bat alha foi encerr ada, r ei Ar t ur deu por quit e
Lancelot e e t oda sua linhagem de quant o queix um e dele t inha.
Mas or a deix a o cont o a falar deles e t or na a r ei Ar tur , por falar com o t ev e sua bat alha com o im per ador
de Rom a.

660. Nest a par t e diz o cont o que, assim que o pact o de r ei Ar t ur e de Lancelot e foi feit o, chegar am um as nov as
de que t ev e gr ande pesar e m uit o gr ande sanha, por que lhe disser am que o im per ador de Rom a est av a na
Br et anha com m uit o gr ande gent e e queria t om ar Gaula e depois passar ao r eino de Logr es e conquist á- lo. E o
r ei t inha m uit os cav aleir os feridos e dem or ou at é que sar ar am . Quando viu que Galv ão e out r os cav aleir os
est avam j á sãos, saiu com t odo seu exér cit o cont r a o im per ador de Rom a e lut ou com ele e venceu- o e m at ou-
o, e pegou m uit os dos m elhor es de Rom a e os fez j ur ar sobr e os sant os Ev angelhos que o lev assem a Rom a; e,
ao par t ir , disse- lhes:
- Lev ar eis aos r om anos, de m inha par t e, o im per ador , e lhes dir eis que est a é a r enda que lhes dev o.

LXXXI V
Le v a nt e de M or de r e t e
Re i Ar t ur na ca pe la Ve ir a

661. Aquele dia que os r om anos for am v encidos, chegar am a r ei Ar t ur um as nov as m uit o m ás, por que um
escudeir o lhe disse:
- Senhor , per dest es o r eino de Logr es. Mor der et e, v osso sobr inho, se v ir ou com t odos os hom ens bons da
t er r a cont r a v ós e é r ei cor oado de t oda v ossa t er r a, e cer cou a r ainha Genev r a no alcácer de Logr es e am eaçou
que a m at ar ia, por que o não quer ia r eceber por m arido.
E quer o- v os cont ar com o. Digo- v os que, quando r ei Ar t ur par t iu de Logr es sobr e Lancelot e, r ecom endou,
sem falha, sua t er r a e sua m ulher e sua gent e, que ficava, a seu sobr inho Mor der et e e fez j ur ar sobr e os sant os
Ev angelhos que fizessem por Mor der et e t ant o com o por seu cor po. Quando Mor der et e viu que a t er r a est ava
em seu poder , logo pensou que far ia de m odo que seu t io não t iv esse com o v olt ar a ela. E ele am av a a r ainha
com o nunca Lancelot e a am ou m ais. E m andou ent ão fazer um a car t a falsa que fez t r azer com o a cam inho de
onde est ava, per ant e os hom ens bons de Logr es, que fizessem Mor der et e r ei e lhe dessem a r ainha por m ulher .
Os de Logr es, que ver dadeir am ent e cuidavam que er a com o a car t a dizia fizer am Mor der et e r ei; e quando lhe
quiser am dar a r ainha por m ulher , não quis ela, por que o desam av a m uit o e m et eu- se no alcácer de Logr es,
com gent e de sua linhagem . E Mor der et e fez com bat er a t orr e, m as não a pôde t om ar , por que os que dent r o
est avam er am m uit o bons e a defender am bem .

662. Est a foi a t r aição que Mor der et e fez a seu t io, de que o r ei t eve gr ande pesar , quando a r espeit o ouv iu as
nov as, e disse:
- Agor a cavalguem os, por que, se Deus quiser , não descan sar ei at é que est ej a em Logr es.
Quéia, o m or dom o, fizer a m uit o bem na bat alha, m as saiu fer ido de m or t e, e t am bém Galv ão e m uit os
out r os bons cav aleir os. Quéia, que bem v iu que não poder ia ir à bat alha, fez- se lev ar à Nor m andia, à casa de
um a m ulher que for a sua am ant e. Ali m or r eu Quéia e fizer am os da linhagem do r ei, por am or de Quéia, um a
v ila que t em o nom e Caião.

663. O r ei chegou ao m ar e passou- o com t ant a gent e com o t r azia. Galv ão, assim que chegou à t er r a, m or r eu
logo, e lev ar am - no ao cast elo de Cr os. Mor der et e, logo que assum iu o poder , fez- se am ar t ant o por t odos, pelo
m uit o bem que nele havia de m uit as coisas, que t odos o am av am m uit o. Por isso acont eceu que lhe disser am ,
quando souber am que v inha r ei Ar tur :
- Senhor , não t enhas m edo, m as cav alga e defende o que nós t e dem os, por que t em os gost o de r eceber
m or t e por defender t ua honr a.

664. Mor der et e fez ent ão ar m ar t oda sua gent e, e par t iu de Logr es, onde m ant inha a r ainha cer cada. E assim
que ele par t iu, m et eu- se a r ainha num m ost eir o de m ulher es e pensou que, se Mor der et e vencesse, não ser ia
t ão m au que dali a t ir asse, e se Mor der et e fosse v encido, ir ia par a seu senhor .
Mor der et e cav algou com t oda sua com panhia t ant o que alcançou r ei Ar t ur com m uit a gent e. Quando os
dois ex ér cit os se encont r ar am , m uit o foi dit o de um a par t e e da out r a, se poder iam m et er nisso a paz. Mas não
pôde ser , por que o r ei não concor dou. Todas est as coisas que aqui conv ém que v os não r ev ele am plam ent e,
achar eis no cont o do Br ado, por que não m e com pr om et i a r ev elar ex aust iv am ent e as gr andes bat alhas que
houv e ent r e a linhagem de r ei Bam e de r ei Ar tur , e o im per ador de Rom a e r ei Ar t ur , por que ser iam m ais que
as t r ês par t es do liv r o.

665. Quando os ex ér cit os for am aj unt ados no cam po de Salaber , lá se poder ia v er bons cav aleir os de um lado e
de out r o. Por isso acont eceu que, assim que se fer ir am às lanças, v er íeis t ant os j azer em t er r a m or t os e
fer idos, que m ar av ilha er a. E naquela bat alha havia set e r eis da par t e de r ei Ar t ur . E o cont o do Br ado diz quais
er am . Ali m or r eu I v ã, filho de r ei Urião. Ali m or r eu Quéia Dest r ais e Dondinax , o selv agem , e Br andeliz e bem
v int e da t áv ola r edonda, dos quais o que m enos v alia er a t ido por m uit o bom cav aleir o e por bom hom em .
Naquela bat alha fez Mor der et e t ão bem em ar m as e t ant o se defendeu m ar avilhosam ent e, que não houv e
quem o visse naquele dia, que o não t ivesse por m uit o bom cavaleir o est r anham ent e. E sabei que a est ór ia diz
que, em t oda sua v ida, não fez t ant o em ar m as com o naquele dia só, por que por suas m ãos m at ou seis
com panheir os da t áv ola r edonda, de quem o cont o do Br ado cont a os nom es e os feit os.
E r ei Art ur t am bém fez t ão bem aquele dia, que t odos os seus consider ar am façanha e nunca m ais
cansav a de fer ir com a espada. Por isso Lucão, que est av a per t o dele e via as m ar avilhas que fazia, disse a
Gilfr et e:
- Dom Gilfr et e, est ej am os segur os de que v encer em os est a bat alha; v edes aqui r ei Ar t ur que boa figur a
nos faz. Bem ensina a v encer e m at ar seus inim igos. Bem dev e ser cham ado r ei quem assim sabe aj udar sua
gent e.
I st o disse Lucão, o copeir o, de r ei Ar t ur , quando v iu que t ão bem o fazia. E r ei Ar t ur andou t ant o pela
bat alha, que achou Mor der et e e deu- lhe por cim a do elm o um t ão gr ande golpe, que o m et eu em t er r a
est ont eado, e cuidou que est ava m or t o, e disse- lhe:
- Mor der et e, m uit o m al m e t ens feit o, m as não se t or nou em t eu pr ov eit o.

666. Rei Ar t ur der r ibou Mor der et e com o v os digo. Mas não ficou em t er r a nada, por que seus v assalos o
er guer am . Mas quando m ont ou o cav alo, t ev e gr ande v er gonha de t er caído diant e de seus hom ens. E deix ou-
se cor r er a Sagr am or , e deu- lhe um t ão gr ande golpe, que lhe deit ou a cabeça longe, e o cor po caiu no chão. E
quando o r ei v iu est e golpe, disse:
- Ai, Deus, com o é gr ande a m á andança do t r aidor , m at ar os bons cav aleir os e os leais.
O r ei r ecuper ar a j á sua lança boa e for t e e deix ou- se cor r er a Mor der et e, que nada t em ia, t ant o er a de
bom ânim o, e fer iu- o t ão r ij am ent e, que lhe m et eu a lança pelo peit o e o cabo apar eceu da out r a par t e. E diz a
est ór ia que, depois que tir ou a lança dele, passou pelo m eio da chaga um r aio de sol, t ão clar am ente, que bem
o v iu Gilfret e; por isso os da t er r a, depois que a r espeit o ouv ir am falar , disser am que er a m ilagre de Nosso
Senhor e sinal de pesar .
Mor der et e sent iu bem que est ava fer ido de m or t e e fer iu o r ei, seu t io, t ão violent am ent e que elm o nem
alm ofr e não pr est ou que a espada não fizesse ent r ar at é o osso, e do osso lhe cor t ou gr ande pedaço. Daquele
golpe, caiu o r ei no chão e t am bém Mor der et e.

667. De t al m odo com o v os cont o, m at ou r ei Art ur Mor der et e e Mor der et e o feriu de m or t e. E ist o foi gr ande
m al e gr ande dano, por que não houv e, depois de r ei Ar t ur , r ei crist ão t ão v ent ur oso e que t ão bem f izesse seus
feit os e que t ant o am asse e honr asse cav alar ia.
Quando Bliobler is, que diant e dele est av a, viu est e golpe, disse com m uit o gr ande pesar :
- Ai, Deus! Agor a v ej o a pr ofecia cum pr ida que os hom ens sisudos dest a t er r a disser am m uit as v ezes, que
r ei Ar t ur m or r er ia pela m ão de seu filho. Ai, Deus! que dano e que per da!
Ent ão apeou e apr oxim ou- se do r ei e o pôs em seu cavalo. E o r ei est ava ainda t ão est ont eado do golpe,
que dificilm ent e se podia m ant er , no ent ant o, assim que acor dou e viu Mor der et e j azer por t err a, disse:
- Mor der et e, em m á hor a te fiz cavaleir o. Tu m e confundist e a m im e ao r eino de Logr es, e por isso est ás
m or t o. Maldit a sej a a hor a em que nascest e!
E aquela hor a que o r ei ist o disse, est av a j á a bat alha acabada, por que de sessent a m il, que aquele dia
for am lá ajunt ados, não ficar am senão sessent a, que não m or r er am . E Bliobleris, que fizer a t ão bem de ar m as,
que ninguém o fizer a m elhor , depois que pôs o r ei em seu cav alo, desceu par a Mor der et e, à v ist a de quant os lá
est av am , e at ou- o à cauda de seu cav alo e com eçou a ar r ast á- lo pelo m eio da bat alha. Ent ão o levou de m odo
que ficou t odo despedaçado.
Do ex ér cit o de Mor der et e não ficou ninguém v iv o, nem do ex ér cit o de r ei Ar t ur , senão quat r o: o ar cebispo
de Cant uár ia e Bliobleris e Gilfr et e e Lucão, que ainda est av am a cav alo. E r ei Ar t ur , que ainda est av a a cav alo,
m as bem sent ia que est av a fer ido de m or t e.
Quando vir am que não ficar a ninguém com quem pudessem com bat er e v I r am o cam po de Salaber
cober t o em t odas as par t es de cav aleir os m or t os, disser am ent r e si chor ando:
- Ai, Deus! Com o há gr ande dano e gr ande per da! Ai, Deus! que não poder íeis m ais m al nos fazer do que
v er m os aqui t odo o m undo j azer m or t o de sofr im ent o e de dor !

668. Depois que fizer am seu pr ant o, despedir am - se do cam po dolor oso. E o r ei fazia t ão gr ande dó, que
m or r ia, e o ar cebispo o confor t av a quant o podia e disse:
- Ai, senhor ! se per dest es v ossos am igos, por out r o lado, gr aças a Deus, t iv est es sor t e, e escapast es v iv o
e vencest es est a m or t al bat alha e m at ast es vossos inim igos.
- Ai! disse o r ei, se escapei v iv o, de que m e adiant a? Por que m inha v ida não é nada, pois bem v ej o que
est ou fer ido de m or t e. Ai, Deus! que sofr im ent o pr ov ocou t ão gr ande desgr aça a um a gr ande t er r a, pela t r aição
de um m au hom em !

669. Dest e m odo par t iu r ei Art ur do cam po de Salaber , e Bliobler is tr azia ainda t r ás de si a cabeça de
Mor der et e, por que, sem falha, o cor po est av a t odo despedaçado. O r ei per gunt ou a Bliobler is:
- Ficou- v os algo do t r aidor que t ão m al nos confundiu?
- Senhor , disse Bliobler is, sim , est a é a cabeça de Mor der et e.
- Muit o m e apr az, disse o r ei; far em os colocá- la em lugar onde possa v er quem quiser . E v ós e o
ar cebispo ficar eis nest e cam po c far eis um a gr ande t or r e em que deit em as cabeças dos que aqui m or r er am . E
pendur ai alt o num a gr ande cor r ent e a cabeça de Mor der et e e fazei escr ever o gr ande sofr im ent o que nest e
cam po acont eceu por ele, de m odo que os que depois de nós v ier em , quando souber em pelo letr eiro o m al que
por ele acont eceu, m aldigam t odos sua alm a.

670. Bem com o o r ei or denou o fizer am o ar cebispo e Bliobleris, por que fizer am no cam po um a gr ande t or r e e
puser am - lhe o nom e a Tor r e dos m or t os. E puser am nela a cabeça de Mor der et e, e ficou lá pendurada at é que
Car los Magno passou à I nglat err a e foi v er a t or r e. E quando Galar ão, o t r aidor , que depois fez t anto m al com o
o cont o r elat a, soube por que a cabeça de Mor der et e est av a lá pendur ada, par eceu- lhe que for a lá post a por
inj úr ia e por lem br ança dos t r aidor es t odos do m undo e pesou- lhe m uit o, por que se t inha por t al. E foi lá de
noit e, e r etir ou- a e m et eu- a em lugar onde não souber am depois o que dela foi feit o. A t or r e ficou, sem falha;
ainda hoj e há m ur os dela.
Mas or a deix a o cont o a falar da t or r e e t orna a r ei Art ur .

671. Or a diz o cont o que, depois que r ei Ar t ur se r etir ou do cam po onde a bat alha foi t ão m or t al e t ão dolor osa
e se for am com ele Lucão e Gilfr et e, cav algou t ant o que chegou a u,m a capela. E aquela capela t inha nom e
capela Veir a. Mas de onde t ev e est e nom e, o r om ance do Br ado o r ev ela, por que diz m ais r espeit o a seu cont o
do que a est e. Quando chegar am à capela, o r ei, que se sent ia m uit o fer ido, apeou e os out r os com ele
ent r ar am na capela e o r ei ficou de j oelhos no chão diant e do alt ar . E Lucão, que est av a a seu lado t am bém de
j oelhos, não dem or ou m uit o que v iu o est r ado ao r edor do r ei cheio de sangue. Ent ão ent endeu pela pr im eir a
v ez, que o r ei est av a fer ido de m or t e e dela não podia escapar , e não se pôde cont er que não dissesse
chor ando:
- Ai, r ei Ar t ur , com o é gr ande o dano de v ossa m or t e! Jam ais t al hom em dev er a m or r er !
E o r ei ficou espant ado com est a fala, com o alguém se espant a quando ouv e falar de su a m or t e. E
r espondeu:
- O dano não ser á só m eu; m as m uit os hom ens bons per der ão com isso.
Ent ão se deix ou cair de cost as; e ele er a gr ande e pesado e est av a ar m ado. E acont eceu, quando caiu,
que at ingiu entr e si e a t er r a Lucão, que j á est ava desar m ado. E est endeu- se sobr e ele t ão violent am ent e, que
o aper t ou m uit o em baix o de si, não por r aiv a que dele tiv esse, m as pela gr ande dor que sent ia, que o
quebr ou, de m odo que logo m or r eu.

672. O r ei, depois que ficou assim m uit o t em po, er gueu- se, m as não cuidou que m at ar a Lucão. E Gilfr et e que
v iu que Lucão est av a m or t o, disse- o ao r ei. Ao r ei pesou m uit o e disse com o quem t inha gr ande dor :
- Gilfr et e, não sou r ei Ar t ur , a quem cost um av am cham ar r ei v entur oso, pelas boas v ent ur as que t inha.
Mas agor a quem m e cham ar por m eu cor r et o nom e m e cham ar á m al- av ent ur ado e m esquinho. I st o m e fez a
vent ur a, que se m e t or nou m adr ast a e inim iga. E a Nosso Senhor apr az que viva em dó e t r ist eza est e pouco
que hei de v iv er ; bem o m ost r a ele, por que com o ele quis e foi poder oso par a m e elev ar por m uit as for m osas
av ent ur as e sem m eu m er ecim ent o, assim é poder oso par a m e der r ubar por av ent ur as feias c m ás, por m eu
m er ecim ent o e por m eu pecado.
Assim disse r ei Ar t ur quando v iu que m at ar a Lucão. E ficou lá aquela noit e com gr ande pesar e t ão
sofr ido, que bem ent endeu que pouco dur ar ia. Quando chegou o dia, disse a Gilfr et e:
- Cavalguem os e vam os dir et am ent e ao m ar , por que t ant a desgr aça m e sobr eveio dest a vez em Logr es,
que não quer ia aqui m or r er . E bem assim com o m inha v ida andou sem pr e em av ent ur a, assim ser á a m inha
m or t e. Por que m inha m or t e ficar á t ão em dúvida par a t odas as gent es, que ninguém poder á se gabar de saber
com cer t eza a v er dade do m eu fim .
Ent ão cav algar am e afast ar am - se da capela e for am dir et am ent e par a o m ar .
Mas or a deix a o cont o a falar de r ei Ar t ur e de Gilfr et e e t or na a Bliobleris e ao ar cebispo.

LXXXV
Com ba t e de Blioble r is e Ar t ur , o pe que no

673. Diz o cont o que, depois que Bliobleris e o ar cebispo fizer am a t or r e, com o r ei Ar t ur lhes m andou, par t ir am
de lá. E Bliobler is disse ao ar cebispo:
- Senhor , o que far eis?
- Por cer t o, disse o ar cebispo, desde que com eçam os est a t or r e a que dem os cabo, ouv i dizer muit as v ezes
a m uit os dignos de cr ença, que r ei Ar tur est av a per dido de t al m odo que não sabiam onde andav a. E v ist o que
sei com cer t eza que nunca m ais t er ei a com panhia de t ão bom hom em , não quer o m ais v iv er no século. E o
século não v aler á daqui adiant e, senão pouco, pois t al hom em com o est e est á per dido, por que est e er a o est eio
do m undo e honr a do século e j á que est á per dido, eu m e far ei er m it ão num a er m ida e r ogar ei a Nosso Senhor
por r ei Ar t ur , que lhe faça m er cê à alm a e pelos out r os bons cav aleir os que m or r er am na dolor osa bat alha de
Salaber .
- De m e fazer er m it ão, disse Bliobler is, não t enho int enção, por que ouv i dizer que m eu senhor dom
Lancelot e logo há de passar por aqui com m uit a gent e par a t om ar est a t er r a, pelo que am bos os filhos de
Mor der et e j á vão se entr egando.
- Pois r ecom endo- v os a Deus, disse o ar cebispo, por que que r o ir àquela er m ida.
E disse- lhe onde ficav a a er m ida.
- Conheço bem est a er m ida, disse Bliobler is, por que j á fui lá. E sabei que, se v ent ur a m e t r ouxer por aqui,
vos quer er ia ver .

674. Dest e m odo se despedir am . O ar cebispo foi par a a er m ida e Bliobleris foi sozinho à av ent ur a pelo r eino de
Logr es, m unido de t odas as ar m as com o cav aleir o andant e. Um dia acont eceu que t opou com Ar t ur , o pequeno,
t am bém ar m ado de t odas as ar m as. E quando se v ir am , não se r econhecer am , por que m uit o hav ia que t inham
t r ocado suas ar m as. Mas bem j ulgar am am bos de si m esm os que er am cav aleir os andant es e, assim que se
apr ox im ar am , par ar am ; e cada um est av a com t al pesar , que, por um t em po, não se falar am , lem br ando- se
daquele sofr im ent o e daquele m ar t ír io em que os cav aleir os andant es e os hom ens bons do r eino de Logr es
m or r er am e a que est av a o r eino de Logr es r eduzido. Depois disse Bliobler is:
- Por Deus, dizei- m e quem sois, por que m uit o o quer ia saber , por que j ulgo que fost es dos cav aleir os de
Ar t ur .
E ele r espondeu com m ui gr ande dificuldade, por que sobej o t ev e gr ande pesar , quando ouv iu falar de seu
pai, e disse chor ando:
- Tenho nom e Ar t ur , o pequeno. Muit o t em po est iv e na cor t e de r ei Ar t ur . E t ant o lá est iv e que apr ouv e a
Deus que fosse com panheir o da t áv ola r edonda. Agor a dizei- m e quem sois.
- Sou, disse ele, Bliobleris, que bem dev eis conhecer , por que sou da t áv ola r edonda com o v ós.
Quando Ar t ur , o pequeno, o ouv iu, disse:
- Sois dos inim igos de r ei Ar t ur , por que sois da linhagem de r ei Bam . Por aquela linhagem est ão m or t os e
dest r uídos t odos os do r eino de Logr es, por que com eçar am a guer r a e por isso sou v osso inim igo mor t al, e v os
digo que v os guar deis de m im , por que não há aqui senão m or t e.
675. Quando Bliobler is ist o ouviu, r espondeu:
- Ai, dom Ar t ur ! I st o não far eis, se Deus quiser ; por que sabeis que ser íeis per j ur o e desleal.
- I st o não há m ist er , disse Ar t ur . Defendei- v os, se quiser des, se não v os achar eis m al.
Quando Bliobler is viu que não podia out r a coisa fazer , deix ou- se cor r er a ele. E ferir am - se am bos t ão
v iolent am ent e, que se m et er am em t er r a e os cav alos sobr e si. E ficar am am bos m uit o fer idos, m as er am de
t ão bom ânim o e de t ão gr ande for ça, que se lev ant ar am o m ais r ápido que puder am e m et er am m ão às
espadas e deix ar am - se ir e der am - se t ant os golpes, que se fizer am t ais os escu dos e as lanças, que v aliam
m uit o pouco per t o do que ant es er am , por que bem per ceber ia quem lá est iv esse, que bem ent endiam am bos
de espadas.
Que v os dir ei? Ant es que daquela v ez se cansassem , for am t ais os golpes que out r o cav aleir o se t er ia por
m uit o fer ido. Mas eles t inham os ânim os t ão for t es e a r aiv a t ão desm edida, que o não sent iam .
Depois que ficar am cansados, descansar am par a r ecobr ar for ça. E depois que descansar am um pouco,
disse Bliobleris:
- Dom Ar t ur , v ós m e acom et est es sem m ot iv o e com bat est es com igo e nada ganhast es. Rogo- v os, por
Deus e por cor t esia, que deix eis est a bat alha e v os dar ei por quit e de quant o nela er r ast es.
E Ar t ur disse que não o far ia at é que um deles m or r esse.
- E se m e m at ar des, disse Bliobleris, que bem v os adv ir á? Por que quem quer que o saiba v os t er á por
per j ur o e desleal; e além disso, sabeis que nunca m er eci m or t e de v ós.
- Sim , m er ecest es, disse Ar t ur , e v os dir ei com o. Bem sabeis que t al é o cost um e dos cav aleir os
andant es, que, se algum cav aleir o é t r aidor de seu senhor nat ur al, e alguém aj udasse aquele cav aleir o cont r a
ele, ser ia por isso t r aidor . Pois agor a m e dizei, disse Ar tur , bem sabeis que aj udast es Lancelot e do Lago, que
er a t r aidor de seu senhor , por que foi achado com a r ainha Genevr a. E o aj udast es em t oda aquela guer r a que
por ele com eçou. Pois ent ão não sois t r aidor por aj udar des cont r a v osso senhor o t r aidor ? Por isso v os at aquei
agor a e por que m at ast es diant e da Joiosa Guar da o cav aleir o do m undo que eu m ais am av a. E agor a v os acho
aqui c quer o v os dar o galar dão.
- Cer t am ent e, dom Ar t ur , disse Bliobleris, v ós v os conduzis por m au conselho. E j á que v ej o que não
posso conv osco fazer paz, digo- v os um a coisa, m as não par a m e louv ar , não v os t em o, por que
v er dadeir am ent e sei que sou t ão bom cav aleir o com o v ós ou m elhor . E bem v os m ost r ar ei que é v er dade,
por que v os m at ar ei ou v encer ei, ant es que de v ós m e separ e e, assim Deus m e aj ude, m e pesa m uit o, m as
pois que out r a coisa não posso fazer , o far ei. Por que ant es quer o que m orr ais nas m inhas m ãos do que eu nas
v ossas.

676. Depois dist o, sem m ais, deix ar am - se cor r er um ao out r o e m et er am m ão às espadas e der am - se os
m aior es golpes que puder am . E dem or ou t ant o aquela bat alha que não houv e quem não t iv esse m edo da
m or t e, por que am bos se sent iam fer idos, m as m uit o m ais est av a fer ido Ar tur , o pequeno, do que Bliobler is, de
m odo que v ia que não podia escapar , por que t inha bem doze fer idas, sendo que a m enos per igosa er a m or t al.
E quando v iu que não podia supor t ar a bat alha, afast ou- se um pouco e disse:
- Bliobleris, com o v os sent is?
- Bem , disse ele, gr aças a Deus, segundo o pr eit o, por que est ou m uit o fer ido, m as não de m or t e.
- Não? disse Ar t ur . Por Deus, o m esm o não digo de m im , por que m e sint o fer ido de m or t e por m inha
loucur a; e não m e pesa t ant o de m inha m or t e, com o de que m e não v inguei.
E depois que disse ist o, caiu por t er r a de cost as. E Bliobler is, que t ev e gr ande pesar , m et eu a espada na
bainha, por que lhe não quis m ais m al fazer . E foi a ele e t ir ou- lhe o elm o e o alm ofr e, par a lhe dar algum ar
que o alent asse m ais. E Ar t ur , quando ist o sent iu, cuidou que o fazia par a lhe cor t ar a cabeça e disse- lhe:
- Ai, Bliobleris! Não m e façais m ais m al, por que m e m at ast es por m inha sober ba, e se v os af r ont ei, bem
v os v ingast es. Apr essai v os, se v os apr ouv er , e deix ai- m e sot er r ar int eir o.
- Assim Deus m e aj ude, disse Bliobleris, não t enho v ont ade de v os fazer m ais m al, pesa- m e de quant o fiz.
- Por Deus, disse Ar t ur , não dev eis ser culpado, por que t udo foi por m inha sober ba. Mas um a coisa que
nunca disse a ninguém v os quer o dizer , por que v ej o que est ou m or t o e quer o que o m undo saiba. Sabei que r ei
Ar t ur er a m eu pai, e por isso t enho nom e Ar t ur , o pequeno. E ist o, se vos apr ouv er , fazei escr ever sobr e m eu
t úm ulo.
E assim que ist o disse, m or r eu. E Bliobler is o pôs diant e de si sobr e seu cav alo e o lev ou a um a abadia e o
fez ent er r ar m uit o honr adam ent e e fez escr ever sobr e o t úm ulo o que- lhe r ogar a, e par t iu.
Or a deix a o cont o a falar dele e t or na a r ei Ar t ur .

LXXXVI
M or t e de r e i Ar t ur

677. Quando r ei Ar t ur par tiu da capela Veir a com o j á v os disse, foi com Gilfr et e em dir eção ao m ar , com m uit o
gr ande pesar das av ent ur as que acont eciam e das desgr aças que lhe sobr ev inham r ecent em ente, um a at r ás
das out r as.
Quando chegou ao m ar , ist o foi hor a de m eio- dia, apeou e sent ou- se na pr aia e descingiu a espada e
t ir ou- a da bainha e v iu a cint a ver m elha de sangue daqueles que m at ar a. E depois que a olhou muit o t em po,
disse suspir ando:
- Ai, Ex calibur , espada boa e honr ada, a m elhor que algum a v ez ent r ou no r eino de Logr es, for a a da
est r anha cint a, agor a per der ás t eu dono, m as on de achar ás em quem t ão bem em pr egada sej as, com o er as em
m im , se não v ens às m ãos de Lan celot e? Ai, Lancelot e, o m elhor hom em e o m elhor cav aleir o que algum a v ez
vi, for a Galaaz, que foi o m elhor dos m elhor es! Or a apr ouv esse a Nosso Senhor que est a espada t ivesses e eu o
soubesse! Cer t am ent e a m inha alm a est ar ia m ais sat isfeit a com isso par a sem pr e.
Ent ão cham ou Gilfr et e e disse- lhe:
- Tom ai est a espada e ide sobr e aquele out eir o e achar eis lá um lago; e j ogai- a nele, por que não quer o
que os m aus, que depois de nós r einar ão, t enham est a espada.
- Senhor , disse ele, cum pr ir ei v ossa or dem , m as ant es quer ia, se v os apr ouv esse, que m a désseis.
- Não o far ei, disse ele, por que não ser á em v ós em pr egada segundo m inha v ont ade, por que não t endes
m uit o a v iv er .

678. Ent ão t om ou Gilfr et e a espada e foi ao out eir o e achou o lago e t ir ou a espada da bainha e olhou- a e v iu- a
t ão boa e t ão r ica, que lhe par eceu que seria dano sobej o j ogá- la no lago e er a m elhor j ogar a sua e pegar
aquela par a si e dir ia ao r ei que a j ogar a no lago. Ent ão t om ou a sua e j ogou- a no lago e escondeu a do r ei nas
er v as e v olt ou par a o r ei e disse que a j ogar a no lago.
- Pois que v ist e ent ão? disse o r ei.
- Senhor , não vi nada.
- Ai, disse o r ei, m uit a m ágoa m e dás. Volt a lá e j oga- a, por que ainda não a j ogast e.
E ele v olt ou lá e pegou a espada e olhou- a e fez seu lam ent o e disse que ser ia gr ande dano se fosse
per dida; e pensou que j ogar ia a bainha e t er ia a espada, por que ainda poder ia t er pr ov eit o a ele ou a out r em ; e
pegou a bainha e j ogou- a no lago e v olt ou par a o r ei e disse que deit ar a a espada. E o r ei de nov o lhe
per gunt ou o que v ir a.
- Senhor , disse ele, não v i nada. E o que hav ia de v er ?
- O que hav ias de v er? disse o r ei. Não a j ogast e ainda. Por que m e fazes t ant o m al? Vai e j oga- a. Ent ão
v er ás o que acont ecer á, por que, sem gr ande m ar av ilha, ela não pode ser per dida.
Quando v iu que tinha que fazer , v olt ou ao lago e pegou a espada e disse:
- Ai, espada boa e r ica, com o é gr ande dano que algum hom em bom não t e t om e na m ão!
Ent ão a lançou o m ais que pôde; e quando chegou per t o da água v iu um a m ão sair do lago que apar ecia
at é o cot ov elo, m as do cor po não v iu nada. A m ão r ecebeu a espada pelo punho e br andiu- a t r ês v ezes ou
quat r o; depois que a br andiu, m et eu- se com ela na água. Ele esper ou m uit o t em po se se lhe m ost r ar ia m ais.

679. Depois par t iu do lago e v olt ou ao r ei e disse- lhe com o deit ar a a espada e o que v ir a.
- Por Deus, disse o r ei, t udo ist o sabia que acont ecer ia. Agor a sei bem que m inha m or t e se apr ox im a
m uit o.
Ent ão v ier am - lhe as lágrim as aos olhos e pensou m uit o t em po e disse:
- Ai, Gilfr et e! longo t em po m e ser v ist es e m e tiv est es com panhia. Mas agor a chegou j á o fim em que nos
conv ém j á que eu par t a. E bem v os podeis or gulhar de que sois o com panheir o da t áv ola r edonda que m ais
longam ent e m e t ev e com panhia. Mas agor a v os digo que v os v ades, por que de hoj e em diant e não quer o que
fiqueis com igo, por que m eu fim se apr oxim a; e não é conv enient e que alguém saiba a ver dade de m eu fim ,
por que assim com o aqui por v ent ur a fui r ei, passar ei dest e r eino por vent ur a, por que ninguém poder á se gabar ,
dor av ant e, de com cer t eza saber o que ser á de m im . E por isso quer o que v os v ades; e depois que est iv er des
de m im separ ado, se v os per gunt ar em nov as de m im , r espondei- lhes que r ei Ar t ur v eio por v entur a e
por v ent ur a par tiu, e só ele foi r ei ventur oso.
- Ai, senhor I m er cê, disse Gilfr ete. Por Deus, deix ai- m e que vos faça com panhia at é que sej a o vosso
fim .
- Nunca v os am ar ei, disse o r ei, se não for des e v os dou cer t eza de que m al v os adv ir á, se não for des.
- Ai, senhor , disse Gilfr et e, ir ei, pois v os apr az, m as sabei que nunca fiz nada de que t ant o m e pesasse,
com o m e separ ar de v ós, por que v os am ei sem pr e sobr e t odas as coisas. Mas por Deus e por v ossa bondade,
ist o m e dizei, se v os apr ouv er , cuidais que de nov o v os v ej a, depois de par t ir agor a?
- Por cer t o, disse o r ei, nunca m ais m e v er eis.
E ele r espondeu ent ão:
- Senhor , quant o é m aior m eu pesar !
Ent ão foi a seu cav alo e m ont ou e disse chor ando com t ão gr ande dificuldade com o a quem bem par ecia
que o cor ação se lhe quer ia par t ir :
- Senhor , r ecom endo- v os a Deus.
- Deus sej a conv osco, disse o r ei.
E deix ou- o Gilfr et e. Ent ão com eçou a chov er m uit o e a fazer m au t em po. E foi Gilfr ete par a um out eir o o
m ais depr essa que pôde, por que pensou que do out eir o conseguir ia v er par a onde r ei Ar tur iria.

680. Quando Gilfr et e chegou ao out eir o, par ou em baix o de um a ár v or e at é que passasse a chuv a, e com eçou a
chor ar e olhar aquele lugar onde deix ar a o r ei. E não ficou lá m uit o t em po, que v iu v ir pelo m eio do m ar um a
bar quet a em que vinham m uit as m ulher es. A bar ca apor t ou diant e do r ei Ar tur e as m ulher es saír am e
dir igir am
se ao r ei. E andav a ent r e elas Mor gana, a fada, ir m ã de r ei Ar t ur , que dir igiu- se ao r ei com t odas aquelas
m ulher es que t r azia, e r ogou- lhe ent ão m uit o, que, por seu r ogo, t ev e o r ei que ent r ar na sua bar ca. E depois
que est av a dent r o, fez m et er lá seu cav alo e t odas as suas ar m as; depois com eçou a bar ca a ir pelo m ar com
ele e com as m ulher es, em t al hor a, que não houv e depois cavaleir o nem out rem no r eino de Logr es que
dissesse depois, com cer t eza, que o t iv esse v ist o.
Quando Gilfr et e, que est ava no out eir o, viu que o r ei entr ar a na bar ca com as m ulher es, desceu do
out eir o e dirigiu- se par a lá, quant o o cav alo o pôde lev ar , por que j ulgou que, se chegasse a t em po, se m et er ia
com seu senhor na bar ca e não se separ ar ia dele por nada que acont ecesse, a não ser por m or t e.
E quando chegou ao m ar , a bar ca est av a j á afast ada da pr aia e v iu o r ei entr e as m ulher es e r econheceu
bem Mor gana, a fada, por que m uit as v ezes a v ir a. E a bar ca est av a da pr aia t ant o com o um lance de best a. E
quando Gilfret e v iu que assim per der a o r ei, com eçou a fazer o m aior pr ant o do m undo e ficou ali t odo aquele
dia e t oda aquela noit e, que não com eu nem bebeu, e j á o dia ant er ior não com er a.

681. No out r o dia, quando o sol est av a j á lev ant ado, m ont ou Gilfr et e m uit o sofr ido e com gr ande pesar e par t iu
dali e cavalgou t ant o que chegou a um m at o pequeno, e m or ava lá um er m it ão que er a m uit o seu conhecido, e
cont ou- lhe ent ão o que vir a de r ei Ar t ur , quando o v ir a entr ar no m ar com as m ulher es.
Ao t er ceir o dia, par t iu dali e foi à capela Veir a par a saber se est av a j á Lucão ent er r ado, e chegou lá à hor a
de m eio- dia e apeou e at ou seu cav alo a um a ár v or e e ent r ou e achou dois t úm ulos diant e do alt ar , m uit o
for m osos e m uit o r icos. Mas um er a m uit o m ais r ico do que o out r o. Sobr e o que er a m enos r ico hav ia um
let r eir o que dizia: "Aqui j az Lucão, o copeir o, que r ei Art ur m at ou em baix o de si." Sobr e o out r o mais r ico que
er a m ar av ilha, hav ia um letr eir o que dizia: "Aqui j az r ei Ar t ur que, por sua pr oeza e por sua bondade,
conquist ou doze r einos."

682. Quando leu os letr eir os, desfaleceu sobr e o t úm ulo, e quando acor dou, beij ou- o chor ando m uit o
sent idam ent e, e ficou lá at é a t ar de, quando um hom em bom chegou, que ser v ia o alt ar da capela. E assim que
o v iu, Gilfret e per gunt ou-lhe:
- Senhor , por Deus, é v er dade que aqui j az r ei Art ur ?
- Cer t am ent e, disse o hom em bom , cr eio que sim , por que há pouco t r aziam aqui m ulher es o cor po de u m
cav aleir o num leit o, e faziam pr ant o m uit o gr ande à m ar av ilha, e quando lhes per gunt ei quem er a aquele por
quem t al pr ant o faziam , m e disser am que er a r ei Ar t ur ; e m et em o- lo ent ão nest e t úm ulo. Depois for am elas
em dir eção ao m ar e não v olt ar am .
E Gilfr et e j ulgou ent ão que aquelas er am as m ulher es que v ir a m et er r ei Ar tur na bar ca, m as disse no seu
ínt im o que ainda quer ia saber ver dadeir am ent e se er a r ei Ar t ur quem no t úm ulo j azia.

683. Ent ão foi Gilfret e ao t úm ulo, est ando diant e dele o hom em bom . Ent ão m andou er guer a lápide e quando
olhou dent r o, nada v iu, senão o elm o de r ei Ar t ur , aquele m esm o que t r oux er a na dolor osa bat alha. Quando v iu
que o cor po do r ei não est av a lá, m ost r ou ao hom em bom o t úm ulo v azio e disse- lhe:
- Aqui não j az m eu senhor , quer o que sej ais t est em unha. E t or nou a lápide sobr e o t úm ulo, com o ant es
est av a; depois per gunt ou out r a vez:
- Vist es aqui m et er bem o cor po de m eu senhor ?
- Por Deus, disse o hom em bom , m et em os aí um cor po e as m ulher es m e fizer am saber que er a r ei Ar tur .
Out r a v er dade não v os saber ia dizer a r espeit o.
- Assim ? disse Gilfr et e; em v ão m e esfor çar ei por per gunt ar com o r ei Art ur m orr eu. Ver dadeir am ent e,
est e é o r ei vent ur oso, cuj a m or t e ninguém saber á; e disse bem a ver dade, que com o veio ao r eino de Logr es
por v ent ur a, assim se foi ele por v entur a. Mas pois v ej o que não é pr ov eit o pr ocur á-lo, pois achado não pode
ser , nunca m ais v iv er ei no século, ant es quer o ficar aqui nest a er m ida e v iv er aqui, enquant o viv a.
Ent ão r ogou ao hom em bom , que o r ecebeu em sua com panhia. Dest e m odo com o v os digo, fi cou Gilfr et e
com aquele hom em bom e ser v iu a Deus na capela Veir a e lev ou v ida m uit o sant a e boa.
Mas or a deix a o cont o a falar de r ei Ar t ur e da m or t e de Gilfr et e, par a cont ar de Lancelot e e dos filhos de
Mor der et e.

LXXXVI I
Últ im os fe it os de La nce lot e

684. Cont a a est ória que, enquant o Gilfr ete foi à er m ida, am bos os filhos de Mor der et e for am a Ginzest r e par a
guar dar a v ila. Quando souber am da m or t e de seu pai e de r ei Ar t ur e de out r os hom ens bons, qu e m or r er am
na bat alha dolor osa, ficar am m uit o confor t ados. Er am am bos bons cav aleir os e conheciam m uit o o m al, com o
seu pai, e pr om et er am t ant o e der am aos de Ginzest r e, que os r eceber am por senhor es, com o fizer am a seu
pai. E r eunir am logo quant a gent e puder am e for am pela t er r a assenhor eando- se dela. E ist o podiam facilm ent e
fazer , por que t odos os hom ens bons for am m or t os na bat alha.
Quant o a r ainha soube a v er dade da bat alha que acont ecer a no cam po de Salaber e lhe disser am que o
r ei est av a m or t o e t odos os hom ens bons de Logr es, t ev e t ão gr ande pesar que bem quiser a est ar m or t a. E
quando lhe disser am que os filhos de Mor der ete iam se assenhor eando da t er r a e tinham t ant a gente, que logo
t er iam t odo o r eino, t ev e t ão gr ande pesar , que não poder ia m aior , por que t ev e m edo de a m at ar em . E por isso
t om ou hábit o de or dem e fez- se m onj a.
685. Enquant o ist o, chegar am as nov as a Lancelot e, que est av a em Gaunes com gr ande com panhia de hom ens
bons de seu r eino. Depois t am bém cont ar am - lhe com o os filhos de Mor der et e, que não est iv er am na bat alha,
andav am se assenhor eando da t er r a. E dest as nov as t ev e gr ande pesar Lancelot e e fez m uit o gr ande pr ant o
por r ei Ar t ur , por que não hav ia ninguém no m undo que m ais am asse.
E per gunt ou por nov as da r ainha. Mas não lhe soube nada dizer quem as nov as lhe dav a, por que poucos
havia na t err a que soubessem o que for a feit o dela, por que, sem falha, ela pensava esconder - se o m ais que
pudesse, com m edo de sua m or t e. Muit o t ev e Lancelot e gr ande pesar daquelas nov as e t om ou conselho com
r ei Boorz e com r ei Leonel do que poder iam fazer , por que não desam av a nada do m undo t ant o com o Mor der et e
e seus filhos.
Respondeu r ei Boor z:
- Senhor , t eria por bem que nos r euníssem os e passássem os à Gr ã- Br et anha; e, se nos esper ar em ,
m at em o- los com algum a m or t e est r anha, por que não v ej o com o deles possam os nos v ingar de out r o m odo.
Lancelot e concor dou com seu con selho. Ent ão m andar am m ensageir os ao r eino de Benoic e ao r eino de
Gaunes e ao de Gaula e r eunir am na cidade de Gaunes m ais de v int e m il hom ens t ant o a pé com o a cav alo. E
depois que for am r eunidos, Lancelot e e r ei Boor z e r ei Leonel e Heit or , com t oda sua com panhia, par t ir am de
Gaunes e andar am t ant o por suas j or nadas, que chegar am ao m ar e achar am suas nav es prepar adas e
ent r ar am e t iv er am t ão bom v ent o que, nesse dia m esm o, apor t ar am na Gr ã- Br et anha e descer am e pousar am
na pr aia.

686. No out r o dia, chegar am as nov as aos filhos de Mor der et e, que Lancelot e est av a na t er r a com m uit a gent e.
Quando ist o ouv ir am , ficar am m uit o espant ados e decidir am se aj unt ar e lut ar com ele. Com ist o concor dar am ,
por que t inham m ais gent e do que Lancelote. Assim disser am , assim fizer am , por que se r eunir am em Ginzest r e
e t ant o fizer am em t ão pouco t em po por sua gr andeza e pr oeza, que t odos os hom ens do r eino de Logr es lhes
fizer am hom enagem e cont av am com a aj uda de m uit os cav aleir os est r anhos.
Depois que est av am r eunidos, saír am de Ginzest r e e indo, no out r o dia, pela m anhã, logo lhes chegou um
m ensageir o que lhes disse:
- Mor t os est ais e confundidos, por que Lancelot e v em aqui com gr ande com panhia e não est á daqui m ais
de seis léguas, e assegur o- v os que m uit o cedo est ar á conv osco.
Quando ist o ouv ir am , disser am que o aguar dar iam lá e lá com bat er iam com ele; e apear am par a
descansar a eles e os cavalos. Assim ficar am os de Logr es diant e de Ginzest r e: E Lancelot e com t oda sua
com panhia cav algou, m as com m uit o gr ande pesar sobej o, por que aquele dia lhe chegar am nov as de que a
r ainha est av a m or t a, hav ia tr ês dias.
Mas por que o nosso cont o não r ev ela com o m or r eu, cont ar em os aqui de out r a m aneir a.

687. Nest a par t e, diz o cont o que, depois que a r ainha Genev r a ent r ou no conv ent o com pav or dos filhos de
Mor der et e, ela, que sem pr e for a feliz com t odas as alegr ias do m undo, e t eve de sofr er as penit ências da
or dem , de que não t inha cost um e, caiu logo de cam a enfer m a, e t odos os que a v iam t inham m u it o cuidado
com sua m or t e e com sua v ida. E t inha consigo um a donzela de alt a posição e que t om ar a hábito por am or
dela. Est a donzela for a am ant e de Gilfr et e, filho de Dondinax . E por que a r ainha ouv ir a dizer que Gilfr et e fizer a
m ais longam ent e com panhia a r ei Ar tur do que out r o cav aleir o, am av a t ant o a com panhia dest a donzela, que
m ais não podia. E confor t av am - se e chor av am m uit o am iúde, quando lhes lem br av am as gr andes alegr ias e a
gr ande nobr eza e o gr ande poder em que est iv er am , e agor a est av am no conv ent o com pav or da m or t e. A
r ainha, em bor a no conv ent o, não deix av a de fazer gr ande pr ant o por Lancelot e que não dissesse algum a v ez:
- Ai, m eu senhor Lancelot e, dom Lancelot e! Com o esquecest es de m im que j am ais cuidei que m e
deix ásseis. Se lev ásseis em cont a v ossa bondade, v osso pr azer e o gr ande poder que Deus v os deu, v os
lem br ar íeis algum a v ez de m im e v ingar íeis a m or t e de r ei Ar t ur e conquist ar íeis o r eino de Logr es e m e
alegr aríeis dest a dor em que est ou e dest e poder alheio em que est ou, em que m e m et i com pavor da m or t e.
I st o dizia a r ainha de Lancelot e, quando est av a doent e, e a donzela a confor t av a m uit o, quant o ela podia.
E dizia que não t ivesse pavor , que bem soubesse que ver dadeir am ent e Lancelot e não t ar daria m uit o a vir ,
por que dele j á ouv ir a nov as.
E a r ainha r espondeu:
- Sobej o m e t ar da, e sei que em sua t ar dança, m or r o.

688. Naquela abadia, hav ia um a m onj a que entr ar a no conv ent o, por que am ar a Lancelot e e não a quiser a, e
desam av a a r ainha m uit o pr ofundam ent e, por que a deix ar a Lancelot e por am or da r ainha. Um dia acont eceu
que disse est a m onj a à am iga de Gilfr et e, aquela que guar dav a a r ainha, e fingiu que não queria que a r ainha
ouv isse:
- Ai, donzela, m ás nov as v os t r ago! Dom Lancelot e, que v inha com gr ande for ça par a con quist ar o r eino
de Logr es, per deuse no m ar com t oda sua gent e.
- Por Deus, disse a am iga de Gilfret e, gr ande per da é est a. Mas com o sabeis se é v er dade?
- Sei bem , disse ela, por quem o v iu.
A r ainha, que est av a doent e, quando ouv iu est as nov as, t ev e t ão gr ande pesar que, por pouco, não ficou
louca; m as disfar çou bem , com m edo daquela que as nov as dizia. E depois que par t iu, disse a r ainha com
gr ande pesar :
- Ai, m ar am ar goso e m aldit o, cheio de am ar gur a e de dor , néscio, m au e desconhecido, m al m e m at ast e,
por que m e t ir ast e o m ais leal am ant e do m undo e t ir ast e- m e seu am or .
Depois que disse ist o, calou- se com t ão gr ande pesar , que não pôde m ais com er nem beber , e ficou assim
t r ês dias. Ao quar t o dia, chegar am nov as de que Lancelot e, sem falha, apor t ar a na Gr ã-Br et anha com t ão
gr ande cav alar ia e t ão boa, que não há quem no m undo o ousasse esper ar em cam po.

689. A donzela, que guar dav a a r ainha, ficou m uit o alegr e com est as nov as e foi cor r endo à r ainha e disse- lhe:
- Senhor a, m uit o vos t r ago boas novas. Sabei ver dadeir am ent e que dom Lancelot e est á na Grã- Br et anha
com t ant a gent e que em pou co t em po a cor r er á t oda.
A r ainha, que per t o est av a de m or t a, quando est as nov as ouv iu, r espondeu com gr ande dificuldade:
- Donzela, t ar de m o dissest es, e j á não m e v ale nada sua v inda, por que est ou quase m or t a. Mas, por que
dom Lancelot e é o hom em do m undo que m ais am o, r ogo- v os que façais pelo m eu am or e pelo seu, o que v os
quer o r ogar .
E ela lhe pr om et eu lealm ent e que o faria a t odo seu poder .
- Pois or a v o- lo dir ei, disse a r ainha. Bem v ej o que est ou m or t a e não hei am anhã de chegar à m anhã e
bem v os digo que nunca fiquei t ão alegr e com o com est as nov as. E de out r a par t e, pesa- m e sobej o que o não
posso v er ant es de m or r er , por que se o v isse, par ece que m inha alm a ficaria m ais alegr e. E por que quer o que
ele v ej a e saiba que sua v inda m e apr az e que m or r o com pesar e de bom gr ado o que quer ia v er , se pudesse,
por isso vos r ogo que, t ão logo eu m or r a, m e t ir eis o cor ação e o leveis par a ele nest e elm o que foi dele; e lhe
digais que, em lem br ança de nossos am or es, lhe env io m eu cor ação que nunca o esqueceu.
Aquele dia m esm o passou a r ainha Genev r a e a donzela cum pr iu sua or dem , m as não achou Lancelot e e
por isso não deu cabo a t udo que a r ainha m andar a.
Mas or a deix a o cont o a falar dela e t or na a Lancelot e e aos filhos de Mor der et e.

690. Aqui diz o cont o que, depois que Lancelot e ouv iu as nov as da r ainha, que est av a m or t a, t ev e t ão gr ande
pesar que er a m ar avilha, e cont udo par tiu e andou aquele dia e sua com panhia at é que chegar am a Ginzest r e.
E os out r os, que os esper av am , quando os v ir am , cav algar am a aj unt ar am - se com eles. Naquele aj unt am ent o,
m uit os ficar am m or t os e feridos e foi gr ande o desam or entr e eles. Depois que quebr ar am suas lanças,
m et er am m ão às espadas e com eçar am a fer ir o m ais que pu der am , de m odo que, por est e pr eit o, v er íeis
m uit os m or t os de um a par t e e da out r a e m uit os fer idos. A bat alha dur ou at é hor a de noa e acont eceu que
Meliant e, o filho de Mor der et e, tinha um a lança pequena e gr ossa e de fer r o m uit o cor t ador e ele er a m uit o
bom cav aleir o de ar m as; e deix ou- se cor r er a Leonel e fer iu- o de m odo que escudo e lor iga não lhe pr est ar am
que a lança não fosse do out r o lado, pelo m eio do peit o, e m et eu- o em t er r a do cav alo, e ao cair , quebr ou- lhe a
lança, de m odo que o fer r o com pedaço da hast e ficou nele. Est e golpe v iu r ei Boorz e bem r econheceu, sem
falha, que seu ir m ão est av a ferido de m or t e, e t ev e t ão gr ande pesar , que bem cuidou da m or t e com pena.
Ent ão se deix ou cor r er r ei Boor z a Meliant e e foi lhe dar um a espadada, com o quem m uit o gr ande golpe
havia j á dado, e lhe quebr ou o elm o e o alm ofr e e o fendeu at é as espáduas, e caiu Meliant e em t er r a m or t o. E
quando o v iu em t er r a m or t o disse:
- Ai, t r aidor ! Que m al hoj e cobr o o dano que m e fizest e! Cer t am ent e m et est e em m eu cor ação t ão gr ande
dor que j am ais sair á.
Ent ão se deix ou cor r er aos out r os, onde v ia m aior aper t o par a m at ar e der r ibar quant os podia, de m odo
que não há quem não se m ar av ilhasse das m ar av ilhas que faziam os cav aleir os de Gaunes. Quando v ir am cair
r ei Leonel, apear am e livr ar am - no do aper t o e deit ar am - no sob um a ár v ore. E em bor a o v issem t ão fer ido, não
ousar am fazer lam ent o par a que seus inim igos não t iv essem pr azer .

691. Assim foi diant e de Ginzest r e a bat alha com eçada, m á e dolor osa, que dur ou at é hor a de noa t ão
obst inadam ent e que, com dificuldade se podia r econhecer quem lev av a a m elhor . Depois da hor a de noa,
acont eceu que Lancelot e t opou com aquele que er a o filho m aior de Mor der et e, e er a sem falha bom cavaleir o.
Lancelot e o reconheceu, por que tr azia t ais ar m as com o seu pai cost um av a t r azer , e deix ou- se corr er a ele com
a espada na m ão. E o out r o não o r eceou, ant es er gueu o escudo cont r a o golpe, quando v iu v ir a espada. E
Lancelot e, que m or t alm ent e o desam ava, fer iu- o t ão violent am ent e que lhe fendeu o escudo at é o cent r o, de
m odo que lhe cor t ou o punho com que o segur av a. E quando ele sent iu que t inha per dido a m ão, quis fugir
par a um a flor est a, que ficav a per t o dali, por que bem sabia que não podia r esist ir a Lancelot e. Mas Lancelot e o
r et ev e em t ão gr ande dor , que não t ev e for ça par a escapar , e deu- lhe um t ão gr ande golpe, qu e lhe fez a
cabeça com seu elm o v oar do cor po em t er r a m ais longe que um a lança. Quando os out r os v ir am est e m or t o,
não souber am com o r ecuper ar - se e t om ar conselho, e com eçar am a fugir e os out r os com eçar am a ir at r ás
deles m at ando- os e der r ibando- os por esses cam inhos. E Lancelot e, que os ia alcançando à fr ent e de t oda sua
com panhia, m at av a e fer ia e der r ibav a t ão v iolent am ent e, que bem se poder ia v er o r ast r o at r ás dele dos que
der r ibav a m or t os e feridos. Tant o andou assim que alcançou um duque de Gorr a, que sabia que er a t r aidor e
desleal e fizer a m uit as v ezes pesar aos da linhagem de r ei Bam .

692. Quando Lancelot e o alcançou e o r econheceu, disse- lhe:


- Ai, t r aidor e desleal! Cer t am ent e est ais m or t o, por que não há nada no m undo que v os salv e, senão
Deus.
E o out r o olhou at r ás de si e quando r econheceu que er a Lancelot e e que dest e m odo o am eaçava, t eve
gr ande pav or , por que bem sabia que v er dadeir am ent e er a o m elhor cav aleir o do m undo e bem v iu que est av a
m or t o se o alcançasse. E com eçou a ir quant o o cav alo podia lev ar em dir eção a um a m ont anha. E andav a em
m uit o bom cav alo, e Lancelot e t am bém , de m odo que bem cor r er am duas léguas. Ent ão cansou o cav alo do
duque, de m odo que, de cansado, caiu m or t o em baix o dele. E Lancelot e, que ia per t o, quando o viu em t err a,
foi a ele com o est ava, a cavalo, e deu- lhe um a espadada por cim a do elm o, que o fendeu at é os dent es. De
pois não o olhou m ais e com eçou a ir quant o pôde, m as quant o m ais cuidav a apr ox im ar - se da com panhia,
t ant o m ais se afast av a dela.

693. Tant o andou Lancelot e per dido, que chegou a um v ale m uit o fundo. Ent ão achou lá um escudeir o que
v inha de Ginzest r e, e per gunt ou- lhe de onde v inha. E ele lhe disse que v inha do cam po onde for a a dolor osa
bat alha.
- E cuido, a m eu cient e, disse o escudeir o, que não escapou de lá ninguém v iv o, senão v ós.
E ist o dizia ele, por que cuidav a que Lancelot e er a do r eino de Logr es.
- Mas ist o v os digo: os out r os t êm m uit o gr ande pesar de r ei Leonel, que per der am na bat alha.
- Com o? disse Lancelot e, é ver dade que r ei Leonel est á m or t o?
- Ver dade, disse o escudeir o; eu o v i m or t o, e nunca vist es t ão gr ande pr ant o com o os seus por ele
faziam .
- Cer t am ent e, disse Lancelot e, aqui há gr ande dano, por que m uit o er a bom cav aleir o. Nosso Senhor lhe
t enha m er cê à alm a.
Ent ão com eçou a chor ar m uit o v iolent am ent e; e o escudeir o lhe disse:
- Senhor , onde cuidais hoj e alber gar ? por que é m uit o t ar de.
- Não sei, disse ele, não dar ia nada por pousada, t ão gr ande é m eu pesar .
- E o escudeir o lhe per gunt ou com o se cham av a.
- Tenho nom e Lancelot e, disse ele.
- E o escudeir o com eçou a fugir assim que o ouv iu dizer que er a Lancelot e, por que tinha m uit o gr ande
pav or que o m at asse. E Lancelot e com eçou a andar t r ist e e m uit o sofr ido. E andou j á aquela
noit e e t odo aquele dia, que não com eu ele nem seu cav alo. De m anhã, acont eceu que a v ent ur a o lev ou a um a
er m ida, onde achou o ar cebispo de Cant uár ia e Bliobler is, que se m et er am lá par a ser vir a Nosso Senhor . E
quando os achou, ficou m uit o alegr e; e eles quando o vir am t am bém ficar am m uit o alegres e o desar m ar am . E
assim que ficou desar m ado, foi a um alt ar de Sant a Mar ia, que lá hav ia, e ficou de j oelhos diant e dele e j ur ou
que, se Deus e Sant a Maria e os sant os o aj udassem , j am ais se afast ar ia do ser v iço de Nosso Senhor , m as
ficar ia naquela er m ida, enquant o viv esse. E com o j ur ou, assim o fez, por que ali m or r eu em ser v iço de Nosso
Senhor . Mas or a deix a o cont o a falar dele e t om a a Boor z e a sua com panhia.

694. Depois que os de Gaunes t er m inar am sua bat alha e desbar at ar am os de Ginzest r e e v ir am r ei Leonel
m or t o, t iv er am gr ande pesar , e decidir am ent r e si o que far iam .
- Cer t am ent e, disse r ei Boorz, t ant o tenho per dido no r eino de Logr es depois que per di m eu ir m ão, que
não t enho m ais v ont ade de m or ar aqui, ant es quer o ir em bor a.
Mas não sabia ainda que Lancelot e est av a separ ado deles, e m andou m et er seu ir m ão num leit o e par t iu
do cam po em que for a a bat alha e cavalgou t ant o at é que chegou ao m ar , e lhe disser am os de sua com panhia:
- Senhor , fizem os m al, por que j á dois dias andam os e não t em os conhecim ent o de nenhum r ecado de
Lancelot e.
Ent ão m andou a m et ade das pessoas com o cor po de r ei Leonel e a outr a m et ade ficou.
- Por que nunca, disse r ei Boor z, t ant o am ei est a t er r a com o agor a desam o pela m or t e de m eu ir m ão que
aqui per di.

695. Do m odo com o r ei Boor z lhes m andou fizer am : a m et ade ficou com Heit or e a outr a m et ade foi com r ei
Boor z. Os que ficar am per m anecer am quat r o dias num cast elo cham ado Am benic e esper ar am lá, se poder iam
t er nov as de Lancelot e; e Heit or ficou com eles, com gr ande pesar de seu ir m ão, de quem não podia t er
nenhum a nov a. Eles assim esper ando, eis que v em um er m it ão que disse a Heit or :
- Em v ão esper ais aqui v osso ir m ão, por que não t em pr azer de v ir aqui, por que se m et eu num a er m ida,
de que não sair á j am ais, por que o pr om et eu a Nosso Senhor ; e est á com ele o ar cebispo de Cant uária e
Bliobler is. Est es dois t am bém são er m it ãos.
- E onde est ão? disse Heit or , poder ia encont r á-los?
- I st o v os não dir ei, disse o er m it ão.
- Se não m e quiser des dizer , disse Heit or , não ser á por isso que não v á buscá- lo at é que o ach e.
696. Ent ão fez diant e de si vir t oda sua com panhia e os fez jur ar que cum pr issem t odos sua or dem , e depois
que j ur ar am , disse- lhes:
- Agor a or deno que saiais do r eino de Logr es e v ades par a v ossas t er r as.
- E v ós, disser am eles, senhor , o que far eis?
- Ficar ei, disse ele, e se depois m e der v ont ade de ir , ir ei atr ás de v ós.
E assim fizer am , por que se m et er am no m ar e for am par a suas t er r as, e Heit or ficou. Ent ão r ogou ao
er m it ão, por Deus, que o levasse onde est ava seu ir m ão, que quer ia lá ser vir a Deus com o ele. Então par t ir am
e lev ou- o à er m ida onde seu ir m ão est av a e os out r os de quem v os disse. Assim que os ir m ãos se v ir am ,
chor ar am de alegr ia, por que m uit o se am av am . E Heit or disse a Lancelot e:
- Senhor , pois v os acho em ser v iço de Jesus Cr ist o e v os apr az ficar , quer o conv osco ficar par a nunca de
v ós m e separ ar .
Quando os out r os ist o ouv ir am , ficar am m uit o alegr es de que t ão bom cav aleir o entr av a no ser v iço de
Deus e r eceber am - no m uit o bem , dando gr aças a Nosso Senhor . Dest e m odo ficar am am bos os ir m ãos na
er m ida e daí em diant e esfor çar am - se por fazer serv iço a Nosso Senhor . Quatr o anos e m ais ficou Lancelot e na
er m ida de m odo que ninguém poder ia supor t ar m ais canseir a e esfor ço do que ele sofr ia em j ejuar e em velar ,
em fazer pr eces e or ações e em m or t ificar seu cor po de t odas as m aneir as que podia.
Ao quar t o ano, passou Heit or e sot er r ar am - no na er mida.

697. Ao quint o ano, quinze dias ant es de m aio, deu t al enfer m idade em Lancelot e, que bem v iu que não podia
escapar , e r ogou ao ar cebispo e a Bliobleris que, assim que passasse, o lev assem à Joiosa Guar da e o
m et essem naquele t úm ulo onde j azia Galeot e, o senhor das longas ilhas. E eles pr om et er am que o fariam .
Quat r o dias depois dest e r ogo v iv eu Lancelot e e, ao quint o dia, cessou. Mas àquela hor a em que passou não
est ava com ele o ar cebispo nem Bliobler is, ant es dor m iam for a sob u m olm o. E acont eceu ent ão que Bliobler is
desper t ou pr im eir o e viu o ar cebispo dor m indo per t o, e dor m indo ria e tinha o m aior aspect o de alegr ia que
nunca v ist es. E dizia por sonho:
- Ai, Deus, bendit o sej ais, por que agor a v ej o quant o desej av a v er e saber !
Quando Bliobler is viu que ele dor m ia dest e m odo e ouv iu o que dizia, t ev e o m aior m edo de qu e o dem o
t ivesse ent r ado nele e desper t ou- o.
- Ai, senhor ! disse ele, por que m e t ir ast es de t ão gr ande alegr ia em que est av a?
- Em que alegr ia est áv eis? disse Bliobler is.
- Est av a, disse ele, em t ão gr ande fest a e em t ão gr ande com panhia de anj os, que nunca v i t ão gr ande
r eunião. E lev av am com t ão gr ande alegr ia e com t ão gr ande fest a com o v os digo, a alm a de dom Lancelot e.
Agor a vam os ver se est á m or t o.
- Vam os, disse Bliobler is.
E for am logo onde deix ar am Lancelot e, e achar am que a alm a j á se hav ia separ ado dele.
- Ai, Deus! disse o ar cebispo, bendit o sej ais! Agor a sei v er dadeir am ent e que aquela gr ande f est a que os
anj os faziam er a com sua alm a. Agor a posso dizer que a penit ência v ale m ais que t odas as coisas do m undo.
De hoj e em diant e, enquant o v iv er , não m e separ ar ei da penit ência.
- Agor a conv ém , disse Bliobleris, que o levem os à Joiosa Guar da, por que lhe pr om et em os.
- E v er dade, disse o ar cebispo.
Ent ão pr epar ar am um a padiola e deit ar am nela o cor po de Lancelot e. E pegou um de um lado e out r o de
out r o e par tir am da er m ida e andar am t ant o por suas j ornadas, que chegar am à Joiosa Guar da. Mas sabei que
foi m uit a canseir a e gr ande esfor ço.

698. Quando os do cast elo souber am que aquele er a o cor po de Lancelote, saír am em dir eção dele com gr ande
pr ant o e chor ando m uit o e fazendo gr ande lam ent o, com o se t odos v issem sua linhagem m or t a diant e de si. E
lev ar am - no à m aior igr ej a do cast elo e fizer am lhe quant a honr a m ais puder am e quant a dev iam fazer a t al
hom em . Aquele dia m esm o, acont eceu que r ei Boor z chegou lá m uit o pobr em ent e, acom panhado de um só
cavaleir o e de um só escudeir o. E quant o soube que o cor po de Lancelot e est ava na igr ej a foi lá e o fez
descobr ir e t ant o o olhou e obser v ou: que bem r econheceu que er a seu senhor . E assim que o r econ heceu, caiu
desfalecido sobr e ele; e quando acor dou, com eçou a fazer seu pr ant o o m aior do m undo.
Todo aquele dia e aquela noit e, foi m uit o gr ande o pr ant o no cast elo e fizer am abrir o t úm ulo de Galeot e,
que er a t ão r ico, que m ais não podia. E de m anhã, m et er am - no lá. Depois fizer am sobr e a lápide ent alhar um
let r eir o, que dizia: "Aqui j az Galeot e, o senhor das longas ilhas, e com ele, Lancelot e, o m elhor cavaleir o que
algum a v ez t r oux e ar m as na Gr ã-Br et anha, for a som ent e Galaaz, seu filho."
Depois que o m et er am no t úm ulo, v er íeis m ais de m il ao r edor dele fazer lam ent ação.
E o ar cebispo per gunt ou ao r ei Boor z corno lhe acont ecer a que chegar a na hor a do ent er r o de Lancelot e.
- Por cer t o, senhor , disse r ei Boor z, um er m it ão de sant a vida que há no r eino de Gaunes, m e disse, não
há um m ês que, se nest e dia, pudesse v ir a est e cast elo, achar ia m eu senhor ou m or t o ou v iv o. E acont eceu
com o ele disse. Mas, por Deus, se soubésseis onde m or ou at é aqui, dizei, por que m uit o o desej o saber .
E o ar cebispo lhe cont ou a v ida que Lancelot e sem pr e t ev e desde que par t iu da bat alha de Ginzest r e e o
for m oso fim que t ev e o seu passam ent o e quant o a r espeit o v iu.

699. Quando Boorz, que de m uit o bom gr ado escut av a o que o ar cebispo dizia, ouv iu t oda sua v ida, r espondeu:
- Senhor , pois ele conv osco v iv eu at é seu fim , eu sou aquele que no lugar dele v os far ei com panhia,
enquant o v iv er , por que j am ais, sem falha, m e afast ar ei de penit ência, ant es quer o ir conv osco. E v iv er ei em
v ossa com panhia t odos os dias de m inha v ida.
E o ar cebispo e Bliobler is agr adecer am m uit o. E no out r o dia, par t ir am do cast elo da Joiosa Guar da e r ei
Boor z m andou seu escudeir o e seu cav aleir o dizer em aos de Gaula e aos de Gaunes que fizessem r ei a quem
quisessem , por que j am ais v olt aria lá. E foi com o ar cebispo e com Bliobler is a pé e m ui pobr em ente de m odo
que quem bem olhasse sua alt a posição de r ei de t ão r ico r eino, bem poder ia ent ender que t inha boa v ont ade
com Deus par a ser v i- lo.

700. Um dia acont eceu que, quando iam assim par a sua er m ida, achar am Mer augis de Por legues ar m ado de
t odas as ar m as. E quando ele v iu os t r ês hom ens bons, em bor a não os r econhecesse, t ev e deles gr ande pena,
por que os v iu andar descalços e bem lhe par eceu que er am bons e honr ados e de v ida boa e, est ando a cav alo,
lhes per gunt ou:
- Quem sois?
E r espondeu o ar cebispo:
- Som os pecador es que fazem os penit ência de nossos pecados. E bem nos adv ir ia, se por t ão pouca
m isér ia, pudéssem os salv ar nossas alm as.
E Mer augis olhou bem e par eceu- lhe que o v ir a j á outr a v ez, m as não o pôde r econhecer . Por isso lhe
disse:
Rogo- v os, pela fé que dev eis àquele que ser v is, que m e digais quem sois.
E ele disse:
- Sou er m it ão, m as j á fui ar cebispo de Cant uár ia e naquele dia o er a ainda em que foi a dolor osa bat alha
de Salaber , pela qual o r eino de Logr es foi dest r uído. E por aquele m au dia que v i, entr ei num a er m ida, e fiquei
lá at é agor a e ficar ei, enquant o viv er .
- E quem são est es out r os dois? disse Mer augis, que andam encober t os?
E ele os nom eou. Quando Mer augis ist o ouv iu, ficou m ar avilhado da m ar av ilha que t ev e, porque não há
nada por que ele cuidasse t ão honr ados cav aleir os e de t ão alt a posição se m et essem t ão cedo no ser v iço de
Deus. E desceu logo de seu cav alo e disse:
- Senhor es, pois v ej o que deix ast es a cav alar ia par a serv ir a Nosso Senhor , eu a deix o, por que hei bem
m ist er de m inha alm a salv ar com o v ós, e não t om ar ei m ais ar m as, a não ser que gr ande cuidado m e obr igue.
Ent ão se desar m ou e deix ou t odas as suas ar m as no m eio do cam inho e foi com eles. Quando os out r os
t r ês ist o vir am , t iv er am gr ande pr azer e agr adecer am a Nosso Senhor . Depois com eçar am a andar j unt os at é
que chegar am a sua er m ida. E Mer augis lhes per gunt ou se sabiam algum as novas de Lancelot e. E eles lhe
cont ar am quant o a r espeit o sabiam e com o for a er m it ão com eles.
Mas or a deix a o cont o a falar deles e t orna a r ei Mar s par a dizer com o t ev e conhecim ent o das m or t es dos
cav aleir os do r eino de Logr es e com o er am t odos da t áv ola r edonda.

LXXXVI I I
Vinga nça de r e i M a r s

701. Assim que as nov as da m or t e de Lancelot e for am sabidas por t oda Gr ã- Br et anha e por Gaula e por Gaunes
e por Benoic e pela Pequena Br et anha e por Escócia e por I r landa e por Cor nualha, r ei Mar s est ava ainda vivo e
er a t ão v elho que, àquele t em po, não hav ia r ei no m undo de t ão av ançada idade, e cav algav a ainda
anim adam ent e e m antinha bem sua t err a, que não t emia vizinho que tiv esse; m as t ant o est av a sua linhagem
r ebaix ada, que Tr ist ão, seu sobr inho, est av a m or t o. Mas não t inha ele disso gr ande pesar . Mas da m or t e da
r ainha I solda andav a ele m uit o t r ist e, t ão sobej am ent e a am av a m uit o. Mas da m or t e de seu sobr inho não
est ava t r ist e, m as m uit o alegr e. Quando ouviu falar da m or t e de Lancelot e, ficou m uit o alegr e e disse ent ão:
- De hoj e em diant e, não v ej o quem m e possa im pedir de t er o r eino de Logr es, pois os da linhagem de
r ei Bam est ão m or t os. E ainda que est iv essem v iv os, a m or t e dest e só m e bast ar ia. Mas v iv endo est e, não há
quem no m undo o pudesse acabar .
Ent ão r euniu quant a gent e pôde t er e passou o m ar e foi à Gr ãBr et anha. E depois que saír am das nav es e
t ir ar am o que t inham de t ir ar , disse r ei Mar s:
- Agor a est ou na t err a em que r ecebi m ais desonr a e dano que em qualquer lugar onde t enha est ado.
Agor a quer o que algum a v ez m e t enham por r ei, se não m e v ingo.
Ent ão or denou aos seus um a cr ueldade que nunca r ei cr ist ão fez: que não deix assem de m at ar hom em e
m ulher que achassem .
- Tam pouco quer o, disse ele, que quant o rei Ar tur t enha feit o, fique, m as que t udo sej a dest r uído; e
quant as igr ej as e quant os m ost eir os ele fez, sej am dest r uídos, por que j á t ant os não dest r uir eis que eu não faça
m ais e m elhor es. E faço est a dest r uição, por que não quer o que depois de m inha m or t e apar eça nest e r eino
nada que r ei Ar t ur t enha feit o.
I st o m andou r ei Mar s fazer . Por isso acont eceu que o r eino de Logr es chegou per t o de ser dest r uído.

702. Depois que ist o foi or denado, com eçar am a ir pela t er r a, est r agando- a t oda por onde iam ; e t ant o
andar am , que chegar am num a m eia- noit e à Joiosa Guar da, ent r ar am e dest r uír am - na, de for m a que nunca
depois v aleu senão pouco. Quando r ei Mar s soube que ali est av a o cor po de Lancelot e, foi v er o túm ulo onde
j azia, e quando o v iu t ão for m oso e t ão r ico, disse:
- Ai, Lancelot e, quant o m al m e fizest e enquant o v iv est e! E nunca m e pude v ingar . Mas agor a m e v ingar ei
quant o posso.
Ent ão fez per fur ar o t úm ulo, que er a t ão r ico e t ão for m oso, que t odo o hav er de Cor nualha não ser ia seu
pr eço, e o fez deit ar for a do cast elo num lago, de onde ninguém o pudesse t ir ar . E t om ou o cor po de Lancelot e,
que ainda est av a int eir o, e m andou fazer um a gr ande fogueir a, e m andou deit ar nela os ossos de Galeot e e
deix ou- os ar der at é que v ir ar am cinza.
E bem v os digo que est av am lá m uit os hom ens bons, a quem pesav a m uit o.

703. Depois que r ei Mar s ist o fez, foi par a Cam alot e, por que er am m uit o poucos cont r a os seus, m as er am de
for t e ânim o e de m uit a fam a e disser am que não se deix ar iam cer car . E saír am logo t odos da v ila e
com bat er am com eles. Mas er am t ão poucos, que logo for am t odos m or t os, .de m odo que ninguém escapou; e,
sem falha, ist o os fez m or r er , por que er am de t ão fort e ânim o, que não quiser am fugir . Rei Mar s ent r ou na
cidade e dest r uiu o r est o dela. E quando foi à t áv ola r edonda e v iu o lugar de Galaaz, disse:
- Est e foi o lugar daquele que dest r uiu num só dia a m im e aos do r eino de Sansonha. E dest r uirei por
desam or dele, a t áv ola r edonda e seu lugar pr im eir am ent e, e depois t odos os out r os.
E bem com o o disse, fez, que m an dou t udo dest r uir , que não ficou nada.

704. Naquela hor a que r ei Mar s ist o fez, v eio a ele um cav aleir o de Cor nualha, que sem pr e desam ar a r ei Art ur
e a linhagem de r ei Bam , e disse- lhe:
- Senhor , nada t er eis feit o, se não m at ar des r ei Boor z e Bliobleris e o ar cebispo de Cant uária e Mer augis;
aqueles for am da t áv ola r edonda e v iv em nest a t er r a, e se v os escapam , buscar ão gent e com que v os far ão
m uit o m al a v ós e a t odos os do v osso lado.
E o r ei lhe per gunt ou onde est av am . E ele lhe cont ou t odos os feit os dos quat r o cav aleir os.
- I st o não há m ist er , disse r ei Mar s; nest es conv ém que v ingue m inha sanha. Agor a cuidai de os buscar , e
a quem at é eles m e lev ar , dar ei t al r iqueza, que se t er á por bem r ecom pensado.
Por est a pr om essa que ouv ir am , for am m uit os cav aleir os pelas er m idas buscá- los.

705. Da linhagem de r ei Mar s for am àquela dem anda quat r o cav aleir os. E um dia acont eceu que chegar am
per t o da er m ida onde os quatr o cav aleir os m or av am e achar am diant e de um a font e Mer augis dor m indo, m uit o
pobr em ent e v est ido e m agr o e am ar elo e m uit o m udado do que cost um av a ser , por que m uit a m isér ia sofr er a.
E desper t ar am - no par a per gunt ar em a r espeit o do que buscavam . E ele lhes disse:
- Nest a er m ida os achar eis. E eu sou Mer augis, um dos quat r o cav aleir os que buscais.
Depois, disser am :
- Lev ai- nos lá.
E ele o fez. E quando v ir am os dois com panheir os, que for am t ão bons cav aleir os de ar m as e t ão
poder osos de t udo, e assim se m et er am no serv iço de Nosso Senhor , tiv er am deles m uit a pena e saír am da
er m ida e disser am ent r e si:
- Mat á- los- em os ou não?
E foi assim afinal que concor dar am em não m at á- los, m as em cont ar ao r ei. Depois v olt ar am ao r ei e
disser am - lhe o que achar am .
- Assim ? disse o r ei: est as são boas nov as. Est es m uit as v ezes m e afr ont ar am ; eu m e v ingar ei.
Ent ão pegou um dos quat r o cav aleir os e disse- lhe:
- Lev ai- m e lá.
E ele disse que o far ia. Ent ão se separ ou o r ei de sua com panhia t odo ar m ado e não quis que ninguém
soubesse, for a aquele que o guiav a; e ele desam av a t ant o aqueles quat r o, que os poder ia m at ar com sua m ão.
Quando chegou à er m ida, achou dent r o um cav aleir o da linhagem de r ei Bam , que cham av am Paulas, m as
est av a ainda ar m ado, e quando v iu que não er a aquele que buscav a, saiu da er m ida e andou ao r edor
pr ocur ando os quat r o er m it ães que est avam fazendo sua alegr ia pelo hóspede que chegar a. Quando r ei Mar s foi
a pé onde est av am , per gunt ou qual deles er a r ei Boorz. E r ei Boorz disse:
- Senhor , que v os apr az?
- Apr az- m e algo que se t or nar á em v osso dano, disse ele. Sabeis quem sou? Sou r ei Mar s de Cor nualha,
que aqui v im par a m e v ingar de v ós.

706. Ent ão m et eu m ão à espada, e quando o ar cebispo v iu que os quer ia m at ar , m et eu- se entr e o golpe, e
deu- lhe o r ei por cim a da cabeça t ão gr ande golpe, que o m et eu m or t o. Quando Paulas v iu ist o, er gueu- se com
gr ande pesar e disse:
- Ai, r ei Mar s, br av o e desleal! Fizest e- m e a m aior t r aição que nunca r ei fez. Mas t e achar ás por isso m al,
se eu posso.
Ent ão m et eu Paulas m ão à espada e deix ou- se ir a rei Mar s e fer iu- o t ão violent am ent e com o quem er a
de m uit a for ça, que lhe não valeu elm o nem alm ofr e, que o não fendesse t odo at é os dent es, e o cor po caiu por
t er r a. Quando o cavaleir o que vier a com o r ei, viu est e golpe, pediu- lhe m er cê que o não m at asse.
- Pois pr om et e- m e, disse Paulas, que dest a m or t e não dir ás a ninguém .
E ele pr om et eu e par t iu. E os er m it ães pegar am o cor po de r ei Mar s e ent er r ar am - no diant e da er m ida,
for a de sagr ado, por que o t inham por um dos desleais hom ens do m undo.
Dest e m odo com o v os digo, m or r eu r ei Mar s de Cor nualha; e os er m it ães ficar am na er mida em ser v iço
de Deus. E assim acabem os nós. Am ém .

GLOSSÁRI O

Aguam ent o - doença de anim ais de t r ação ou de car ga r esult ant e do ex cesso de t r abalho ou do r esfr iam ent o.
Alão - gr ande cão de fila ut ilizado na caça.
Alcáçar , alcácer - for t aleza.
Alcáfar - ancas do cav alo ou t oda a par t e t r aseir a incluindo a cauda; gar upa.
Aleiv e - t r aição, aleiv osia, felonia.
Alfâm bar - pano de lã v er m elho.
Alhur es - em out r o lugar .
Alm ofr e - par t e da ar m adur a const it uída por peça de m alha que cobr ia a cabeça e sobr e a qual punha- se o
elm o; cófia ou coifa.
Andança - sor t e, v ent ur a, sina, dest ino, for tuna; boa andança: boa sor t e; m á andan ça: desv ent ur a, desgr aça.
Ar ção - peça ar queada e pr oem inent e que faz par t e da sela. Há ar ção diant eir o e ar ção t r aseir o.
Ar m ar - se - pr ov er - se das ar m adur as e das ar m as, sendo a ar m adur a o conj unt o de peças m et álicas que os
cav aleir os v est iam , além do escudo e ar m as: best a, lança, espada.
Av ant alha - par t e da ar m adur a, peça diant eir a que pr ot egia o peit o do cav aleir o.
Av ent ur a - coisas que est ão por v ir , acont ecim ent o ar r iscado, um feit o per igoso, incom um , e incer t o quant o ao
r esult ado.
Best a - anim al, cav algadur a; ar co ou pequena ar m a par a at ir ar set as.
Br afoneir a - peça da ar m adur a que pr ot egia os br aços.
Cast elo - pr aça ou v ila for tificada, cuj o for t aleza er a o alcáçar ou alcácer .
Cendal - pano finíssim o de linha ou seda, m usselina t r anspar ent e.
Cessar - passar , falecer , m or r er .
Chufa - bur la, zom bar ia, m ent ir a, m ofa, escár nio.
Cler ezia - ciência.
Cófia, coifa - r ede que cobr ia a cabeça e sobr e a qual ia o elm o; alm ofr e.
Coladiço - lev adiço, com r efer ência a pont e ou por t a.
Coldr e - bolsa ou est oj o pendent e do om br o par a flechas, car caz, alj av a.
Com plet as - hor a canônica equiv alent e a 21 hor as. As dem ais: pr im a, 6h.; t er ça, 9h.; sex t a, 12 h.; noa, 15 h.;
v ésper as, 18 h.; laudes, 24 h. e m at inas, 3 h..
Confundir - v encer , der r ot ar , dest r uir , r eduzir a nada, ar ruinar .
Cor pus Dom ini - Cor po do Senhor , no t ex t o, sem pr e em r efêr encia à com unhão, sacr am ent o da Eucar ist ia.
Cour ela - bolsa, est oj o.
Cuidar - im aginar , cogit ar , supor , pensar , pr esum ir .
Dano - pr ej uízo, per da, m al, ofensa, inj úria, desacat o.
Desam ar - odiar .
Desam or - ódio.
Desar m ar - se - r et ir ar as ar m adur as e as ar m as.
Desassem elhado - descom unal, difer ent e dos indiv íduos da m esm a espécie ou nat ureza.
Desdém - despr ezo, ar r ogância, hum ilhação.
Dir eit os da sant a I gr ej a - últ im os sacr am ent os, ex t r em a- unção ou unção dos enfer m os.
Donair e - gar bo, gr aça, gent ileza, fineza, elegância.
Elm o - ar m adur a que pr ot ege a cabeça, t ipo de capacet e de fer r o.
Ensinado a boa bar ba - bem educado, fino, m uit o educado.
Escudela - m alga de m adeir a, t ij ela pouco funda.
Espécies - especiar ias, er v as ar om át icas.
Est am enha - t ecido ásper o de lã gr ossa que ser v ia de cilício.
Ex er dação - at o de deser dar , deser dação.
Fadeza - t olice, est ult ícia, necedade, est upidez, loucur a.
Falecer - falt ar , fr acassar , não cum pr ir o intent o.
Falim ent o - er r o, falt a, fr acasso, om issão, m íngua.
Fazer afor a - ficar de for a, ser post o for a, est ar de for a.
Fé que dev o a Deus - palav r a de honr a.
Felão - t r aidor , aleiv oso, desleal, pér fido.
Felonia - t r aição, aleiv osia, deslealdade, per fídia.
Fiança - confiança.
Fiar - confiar .
Fim - m or t e.
Fiúza - confiança, esper ança, fidúcia.
For ânea - est r anha.
Gafo - lepr oso.
Galar dão - r ecom pensa, pr êm io, honr a, glór ia.
Galgo - cão per nalt a de caça.
Gar nacha - túnica, v est e t alar e com cabeção; guar nacha.
Gr aal - v aso, cálice.
Gr av e - difícil, penoso, m olest o, desagr adáv el.
Guarnacha - vest im ent a t alar , t única; gar nacha.
Hor t a - hor t o, bosque, pom ar , j ar dim .
Just a - com bat e indiv idual est ando os cont endor es ar m ados, a cav alo e com eçam a lut a com a lança.
Lasso - cansado, fat igado, ex aust o, ex aur ido de for ças.
Lazeir a - canseir a, aflição, penit ência, t r abalho, m iséria.
Ledo - alegr e, cont ent e.
Lor iga - par t e da ar m adur a const it uída por m alha m et álica que se v est ia com o saia, saia de m alha m et álica.
Mar av ilha - adm ir ação, espant o, pasm o; adm ir ar , espant ar , pasm ar .
Mer cê - piedade, com paix ão, m iser icór dia, per dão; fav or ; gr aça; m uit as m er cês: m uit o obr igado.
Mest r e - pr ofissional habilit ado ou com pet ent e em ofícios com o ar t ífice e ar quit et o par a const r uções e m édico,
pessoa ent endida em cur ar os fer im ent os.
Mesur a - r espeit o, cum pr im ent o, cor t esia, acolhim ent o.
Mezinha - m edicina, r em édio, poção.
Míngua - fr acasso, não cum pr im ent o de int ent o, falim ent o, incapacidade.
Monges br ancos - m onges cist er cienses, da or dem de Cist er .
Necr om ancia - adiv inhação pela inv ocação dos espír it os.
Noa - hor a canônica equiv alent e a 15 hor as.
Oit av a - espaço de oit o dias em que se celebr a .um a fest a solene.
Ou dos ou quit e - ar r iscar t udo por t udo: possív el inv er são r eduzida de "j ogar Quit e ou dobr o", quit ar ou
dobr ar .
Out or gar - conceder , concor dar , per m it ir , ent regar .
Palafr ém - cavalo especial par a m ulheres.
Pascer - apascent ar , past ar .
Pr im a - hor a canônica equiv alent e a 6 hor as.
Quit ar - liv r ar , desobr igar .
Quit e - livr e, isent o, desobr igado.
Reclusa - enclausur ada, que vive em conv ent o ou m ost eir o. Refer im ent o - m em ór ia, r ecor dação.
Repost eir o - guar da do r epost e, guar da- r oupa.
Ret ar - acusar , denunciar .
Rept o - acusação, desafio, pr ov ocação.
Rocim - cav alo infer ior , pequeno, fr aco.
Sabuj o - cão de caça.
Sagr ado - cem it ér io cr ist ão, lugar sagr ado.
Salv ant e - ex cet o, salv o, m enos.
Sandeu - louco, doido.
Sanha - r aiv a, ir a, cóler a.
Sanhudo - r aiv oso, enr aiv ecido, ir acundo.
Secr et a - or ação da m issa que o sacer dot e diz em segr edo, em silêncio.
Século - m undo, v ida pr ofana ou leiga, 'por oposição à v ida m onást ica, cler ical ou r eligiosa.
Set a - pr oj ét il lançado na best a, t em hast e de m adeir a e pont a de fer r o.
Sex t a - hor a canônica equiv alent e a m eio- dia.
Sobej o - dem ais, dem asiado, de sobr a, ním io.
Sobr essinal - div isas, dist int iv o.
Soer - est ar acost um ado, cost um ar .
Soga - cor da de espar t o, cor da gr ossa.
Sot er r ar - ent er r ar , sepult ar .
Ter ça - hor a canônica equiv alent e a 9 hor as.
Tr ebelho - Tor neio, j ogo público em que os cav aleir os m ost r av am sua dest r eza em com bat es colet iv os.
Tor neio - o m esm o que t r ebelho.
Veiga - cam po, planície fér til.
Veir a - v elha, m uit o ant iga, v et ust a.
Vent ur a - sor t e, dest ino, acaso, sina, for t una, andança; boa v ent ur a: boa sor t e, dest ino feliz, boa for t una,
boa sina; m á v ent ur a: m á sor t e, sor t e m adr ast a, dest ino infeliz, desv ent ur a, desgr aça; assim os
adj et iv os: bem - av ent ur ado e m al- av ent ur ado ou desv ent ur ado.
Vent ur oso - de boas v ent ur as, boas andanças.
Vésper as - hor a canônica equiv alent e a 18 hor as.
Xair el - cober t ur a feit a de t ecido ou de cour o com que se pr ot ege a cav algadur a par a r eceber a sela ou
albar da.

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Wilm ot t e, M. Le poem e du Gr al et ses aut eur s, 2 v ols., Par is, 1930- 1933.

Zink , Michel. "Une m ut at ion de I a conscience lit t ér air e: Le langage r om anes que à t r aver s des exem ples
fr ançais du XI I " siecle", in Cahier s de Civilisat ion m édiévale, XXI V, 1981, p. 3- 27.

Zum t hor , Paul. Mer lin le Pr ophet e. Un t hem e de I a lit t ér at ur e polém ique, de l'hist or iogr aphie et des r om ans.
Lausanne, 1943 (r eim pr . Genebr a, Slat kine, 1973) .

Zum t hor , Paul. "Mer lin dans le Lancelot - Gr aal. Ét ude t hém atique", in Les Rom ans du Gr aal aux XI I e et XI I I e
siect es... p. 149- 166.

Zum t hor , Paul, "La déliv r ance de Merlin", in Zeit schr ift für r om anische Philologie, LXI I , 1942, p. 370- 386.

BI BLI OTECA DE LETRAS E CI ÊNCI AS HUMANAS

Sér ie 1ª ( ESTUDOS BRASI LEI ROS)

1. - Ecléa Bosi, Mem ór ia e sociedade: lem br anças de velhos ( 2ª edição) .*


2. - J. Guim ar ães Rosa, cor r espondência com seu t r adut or it aliano Edoar do Bizzar r i ( 2ª edição) .
3. - Alice Mit ik o Koshiy am a, Mont eir o Lobat o: int elect ual, em pr esár io, edit or .
4. - Telê Por t o Ancona Lopez, Már io de Andr ade: ent r evist as e depoim ent os.
5. - Dino Pr et i, A linguagem pr oibida - u m est udo sobr e a linguagem er ót ica ( Pr êm io Jabut i 1984) .
6. - Regina I gel, Osm an Lins - um a biogr afia lit er ár ia.
7. - Telê Por t o Ancona Lopez, Manuel Bandeir a: v er so e r ev er so.

Sér ie 2ª ( TEXTOS)

1. - Er win Theodor , A lit er at ur a alem ã.


2. - Randal Johnson, Lit er at ur a e cinem a - Macunaim a: do m oder nism o na lit er at ur a ao cinem a nov o.
3. - João Alex andr e Bar bosa, Teor ia da lit er at ur a ( pr elo) .
4. - Mar io Cacciaglia, Pequena hist ór ia do t eat r o no Br asil.*
5. - Em ily Dick inson, Um a cent ena de poem as ( 2ª edição) * .Tr adução, int r odução e not as de Aíla de Oliveir a
Gom es ( Pr êm io Jabut i 1985) .
6. - D.H. Lawr ence, Algum a poesia. Tr adução, int r odução e not as de Aíla de Oliv eir a Gom es.
7. - Fer nando Pessoa, Um a cent ena e m eia de poem as. Seleção e int r odução de João Alv es das Nev es.

BI BLI OTECA BÁSI CA DE CI ÊNCI AS SOCI AI S

Sér ie 1ª - ESTUDOS BRASI LEI ROS

I . Desigualdade e m obilidade social no Br asil, José Past or e.*


2. I deologia e populism o: M. Ar r aes, A. de Bar r os, C. Lacer da, L. Br lzola, Guit a Gr in Deber t .
3. Hist ór ia económ ica da Am azónia - 1800/ 1920, Rober t o Sant os.
4. Ciência e Est ado: a polft ica cient ifica no Br asil, Regina Lúcia de Mor aes Mor el.
5. Tut ela e aut onom ia sindical: Br asil, 1930- 1945, AntOnio Car los Ber nar do.
6. Classe m édia e sist em a polft ico no Br asil, Décio Saes.
7. Raizes da concent r ação indust r ial em Silo Pau lo ( 2~ edição) , Wilson Cano.
8. O algodão em São Paulo, 1861- 1875, Alice P. Canabr av a.
9. Tant o pr et o quant o br anco: est udos de r elações sociais. Or acy Nogueir a.
10. Cult ur a, sociedade r ur al, sociedade ur bana no Br asil ( 2ª edição) , Mar ia I saur a Per eir a de Queir oz.

Sér ie 2ª - TEXTOS

1. Pesquisa social: pr oj et o e planej am ent o, Sedi Hir ano ( or g.) e out r os.
2. O pensam ent o polít ico clássico: Maquiav el, Hobbes, Lock e, Mont esquieu,
Rousseau. Célia Galv ão Quirino e Mar ia Tesesa Sadek R. de Souza ( or gs.) .
3. Dinâm ica da população: t eor ia, m ét odos e t écnicas de análise, Jair L. Ferr eir a Sant os, Mar ia St ella Ferr eir a
Lev y e Tam ás Szm r ecsány i ( or gs.) e out r os.
4. Da sociologia ut ópica à sociologia cient ifica, José Alber t ino Rodrigues.
5. Lições de Sociologia: a Mor al, o Dir eit o e o Est ado, Em ile Dur k heim .*
6. Com unicação e indúst r ia cu lt ur al ( 5~ edição) , Gabr iel Cohn.

Sér ie 3ª - TEORI A E MÉTODO

1. Cr it ica e r esignação: fundam ent os da sociologia de Max Weber , Gabr iel Cohn.
2. Acum ulação de capit al e dem anda efet iv a ( 3~ r eim pr essão) , Jor ge Miglioli.
3. Fundam ent os em pir icos da ex plicação sociológica ( 4~ edição) , Flor est an Fer nandes.

BI BLI OTECA UNI VERSI TÁRI A DE LÍ NGUA E LI NGÜÍ STI CA


1. Fr ancisco da Silv a Bor ba, Teor ia sint át ica.
2. Fr ancisco da Silv a Bor ba e out r os, Filologia e lingüíst ica.
3. Um ber t o Eco. Conceit o de t ext o.
4. Theodor a By non, Lingüíst ica hist ór ica ( no pr elo)
5. A. Car t , P. Gr im al, J. Lam aison e R. Noiv ille, Gr am át ica lat ina.
6. Dino Pr et i. A gír ia e out r os t em as.
7. Mar ia Helena Mour a e Daisi Malhadas. Cur so de gr ego: pr opedêut ica

OUTROS TÍ TULOS DE I NTERESSE:

Dino Pr et i. A linguagem pr oibida - um est udo sobr e a linguagem er ót ica ( Pr êm io Jabut i. 1984, da Câm ar a
Br asileir a do Livr o)

J. Guim ar ães Rosa. cor r espondência com seu t r adut or it aliano Edoar do Bizzar r i ( 2ª edição)

Telê Por t o Ancona Lopez, Már io de Andr ade: ent r ev ist as e depoim ent os Randal Johnson. Lit er at ur a e cinem a -
Macunaim a: do m oder nism o na lit er at ur a ao cinem a nov o

Em ily Dick inson. um a cent ena de poem as - edição bilíngüe ( t r adição. int r odução e not as de Aíla de Oliv eira
Gom es) . Pr êm io Jabut i, 1985. da Câm ar a Br asileir a do Livr o.. ( 2ª edição)

Rober t Bar r as, Os cient ist as pr ecisam escr ever : guia de r edação par a engenheir os, dent ist as e est udant es.

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