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GEOGRAFIA POLÍTICA

Prof. Ivaldo Lima

FLANDRES*

Com altos índices de crescimento econô mico, os flamengos nã o querem mais


carregar nas costas os atrasados valõ es, que os humilharam no passado. E as
tensõ es autonomistas põ em em risco a frá gil unidade nacional belga.

Vindo de Valenciennes, a rodovia nacional 60 cruza o oeste da Valô nia antes de


penetrar na regiã o de Flandres, rumo a Audenarde e Gand. A trilha oferece um
passeio pela Bé lgica contemporâ nea. De Peruwelz a Saint-Sauveur, do lado valã o,
a paisagem é campestre. As oficinas tê xteis fecharam há anos. Nada, ou quase
nada, entrou em seu lugar. Polos planejados de atividade econô mica? que os
belgas chamam de zonings? brotaram nesse cantinho da província de Hainaut.
Mas eles constituem em essê ncia um punhado de galpõ es ou empresas de baixo
valor adicionado. O fabricante de produtos à base de batata, Lutosa, é um dos
ú nicos grandes empregadores da regiã o. Alguns quilô metros mais além, o
cená rio muda. A arté ria se alarga. As construçõ es industriais se sucedem. Sã o o
testemunho de uma realidade econô mica vigorosa. Você chegou a Flandres.

Flandres (cujos habitantes falam o idioma flamengo) faz parte, em 2007, das
trinta regiõ es mais ricas da Uniã o Europeia: seu produto interno bruto (PIB) por
habitante atualmente ultrapassa em 23% a média europeia e a taxa de
desemprego na regiã o nã o chega aos 6,5%. O contraste com a Valô nia (cujos
habitantes falam o idioma francês) é cruel. Do outro lado da fronteira linguística,
o PIB por habitante é inferior em 10% à média dos Vinte e Sete (os países da
Uniã o Europeia) e a taxa de desemprego ultrapassou os 15% apó s um quarto de
sé culo. Um em cada dois candidatos a emprego ficou sem trabalho nos ú ltimos
24 meses. O desemprego entre pessoas com menos de 25 anos beira os 30%.

Ocorre que a Valô nia ainda nã o acabou de digerir a crise da indú stria pesada das
dé cadas de 60 e 70. É verdade que nos ú ltimos anos as á guas da economia valã
deram sinais de agitaçã o. As exportaçõ es da regiã o estã o em alta e a taxa de
criaçã o de empresas igualmente. Contudo, a despeito das substanciais ajudas
europeias, e a despeito dos planos de mobilizaçã o, como o Contrat d’Avenir, a
recuperaçã o parece lenta. O governo da Valô nia investe atualmente 1,5 milhã o
de euros por quatro anos na pesquisa, na inovaçã o e na formaçã o, mas os efeitos
desse plano só se farã o sentir dentro de dois ou três anos.

Farta das promessas de reerguimento, a opiniã o pú blica flamenga perdeu a


paciê ncia: estima-se que a persistência do atraso valã o esteja lhe saindo cara
demais. De fato, a regiã o flamenga, mais produtiva, contribui bem mais que sua
vizinha para as receitas do Estado federal belga. O dé ficit social aí é menor. Em
breve, sua solidariedade direcionada à Valô nia representará 3,3% do PIB do
país.

Ao longo da primeira metade da existê ncia da Bélgica, Flandres nã o era


reconhecida nem culturalmente, nem economicamente. O francês era a língua da
burguesia, da literatura, da política. Flandres, decerto, podia se orgulhar de um
passado glorioso: Bruges, Gand e Anvers haviam brilhado por séculos na Europa.
Mas, na aurora do sé culo 20, as grandes fá bricas encontravam-se
majoritariamente na Valô nia. Seus engenheiros eram exportados para a Rú ssia
ou a Austrá lia, ao passo que os operá rios flamengos migravam? para a Valô nia.
Seus habitantes, tidos como os mais empreendedores do Velho Continente,

faziam questã o de ignorar o flamengo, considerado um dialeto popular .


(*) HUWART, J-Y. A Revanche de Flandres. Le Monde Diplomatique Brasil. 01 nov. 2007

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