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FACULDADE DE D I RE I T O – C UR SO DE DIREITO
Di rei to In tern aci on al – Tu rma A
Al un as: Déb ora Vargas Cab ral , 123298; Mari a Carol i n a Si l va
Joh n , 123271; Isab el a G on çal ves da Rosa, 123300
PROSECUTOR
VS
RATKO MLADIC
SUMÁRIO
I. INTRODUÇÃO 3
I. INTRODUÇÃO
A Repúplica Federativa Socialista da Iugoslávia foi um Estado Federal que surgiu após
o término da Segunda Guerra Mundial e perdurou até 1992, quando se extingiu após uma
série de conflitos. Era formada por 6 (seis) Repúblicas Socialistas, dentre elas a Bósnia e
Herzegovina, e 2 (duas) Províncias Autônomas. Por volta dos anos 1990, uma série de
conflitos irromperam no país, como a crise ecônomica que atravessava, bem como a intensa
discriminação entre os diversos grupos étnicos e religiosos. Nesse contexto, foram efetuados
inúmeros ataques contra minorias bósnias-croatas e especialmente bósnios-muçulmanos,
resultando em um dos conflitos mais violentos ocorrido na Europa após a Segunda Guerra
Mundial.
No ponto, a defesa alega que a violência contra a mulher não constitui hipótese de
crime internacional. Contudo, não assiste razão à defesa.
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OLIVEIRA, Bárbara de Abreu; JÚNIOR, Jayme Benvenuto Lima. O estupro como estratégia de guerra em
conflitos armados: a experiência do Tribunal Penal Internacional para a antiga Iugoslávia nos casos de violência
de gênero. Brazilian Journal of International Relations. ISSN: 2237-7743, edição quadrimestral, volume 8,
edição n.º 1, 2019, p. 98 – 116. Disponível em:
https://ava.furg.br/pluginfile.php/422561/mod_resource/content/1/Estupro%20como%20Crime
%20Intern.Ex_Iugoslavia.pdf
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Destarte, o estupro é visto como uma prática comum em conflitos armados entre
povos, pois é utilizado como técnica de guerra que tem por objetivo desestabilizar o inimigo,
colonizando os corpos das mulheres, bem como realizar genocídio e limpeza étnica. Sabe-se
que o território da antiga Iugoslávia era composto por uma ampla diversidade étnico-religiosa;
assim, por meio da prática da “limpeza étnica”, inúmeras violações contra o Direito
Humanitário e os Direitos Humanos foram cometidas. (OLIVEIRA; LIMA JÚNIOR, 2019).
Dessa forma, trata-se de apontar no presente memorial que a violência contra a mulher
deve ser considerada perante este Tribunal como crime internacional, merecendo a proteção e
o amparo do Direito Internacional.
2
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948. Disponível
em: https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos . Acesso em 22 de nov. de 2022.
3
IV CONVENÇÃO DE GENEBRA. Disponível em:
https://gddc.ministeriopublico.pt/sites/default/files/documentos/instrumentos/convIVgenebra.pdf Acesso em 22
de nov. de 2022.
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Sem prejuízo das disposições relativas ao seu estado de saúde, idade e sexo, todas as
pessoas protegidas serão tratadas pela Parte no conflito em poder de quem se
encontrem com a mesma consideração, sem qualquer distinção desfavorável,
especialmente de raça, religião ou opiniões políticas. Contudo, as Partes no conflito
poderão tomar, a respeito das pessoas protegidas, as medidas de fiscalização ou de
segurança que sejam necessárias devido à guerra. (grifou-se)
In casu, é indiscutível que ocorreram graves violações aos direitos das mulheres, por
sua vez civis que deveriam ser poupadas do conflito armado, segundo o princípio da distinção,
o qual reza que, em um embate, devem ser distinguidas as pessoas civis dos combatentes, de
modo que os ataques sejam dirigidos somente contra estes. Não só isso, as mulheres merecem
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especial proteção nesse contexto de conflito bélico, assim como as crianças, por exemplo, por
comportarem necessidades específicas.
Nessa toada, destaca-se que, segundo a Convenção de Genebra IV5, em seu artigo 14,
desde o tempo de paz e depois do início das hostilidades, as partes contratantes poderão
estabelecer zonas e localidades sanitárias e de segurança a fim de proteger dos efeitos da
guerra, dentre outros, as crianças com menos de 15 anos, as mulheres grávidas e as mães de
crianças com menos de 7 anos.
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OLIVEIRA, Bárbara de Abreu; JÚNIOR, Jayme Benvenuto Lima. O estupro como estratégia de guerra em
conflitos armados: a experiência do Tribunal Penal Internacional para a antiga Iugoslávia nos casos de violência
de gênero. Brazilian Journal of International Relations. ISSN: 2237-7743, edição quadrimestral, volume 8,
edição n.º 1, 2019, p. 98 – 116. Disponível em:
https://ava.furg.br/pluginfile.php/422561/mod_resource/content/1/Estupro%20como%20Crime
%20Intern.Ex_Iugoslavia.pdf
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CONVENÇÃO DE GENEBRA IV – Relativa à proteção de pessoas civis em tempo de guerra, de 12 de agosto
de 1949. Adotada a 12 de agosto de 1949 pela Conferência Diplomática destinada a elaborar as Convenções
Internacionais para a proteção das vítimas da guerra, que reuniu em Genebra de 21 de abril a 12 de agosto de
1949. Entrada em vigor na ordem internacional: 21 de outubro de 1950. Disponível em: http://www.nepp-
dh.ufrj.br/onu2-11-4.html Acesso em: 22 de nov. de 2022.
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que os feridos e doentes, bem como os enfermos e as mulheres grávidas, serão objeto de
especial proteção e respeito.
Outrossim, no que concerne aos delitos submetidos a julgamento, com enfoque nas
violações aos direitos das mulheres, insta salientar que a infringência é também às normas de
Direito Penal Internacional.
6
CONVENÇÃO DE GENEBRA I – Para a melhoria da sorte dos feridos e enfermos dos exércitos em
campanha. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1950-1969/D42121.htm Acesso em: 22
de nov. de 2022.
7
Resolução n.º 95 (I), aprovada em 11 de dezembro de 1946, pela Assembleia Geral da Organização das Nações
Unidas (ONU), durante a 55ª reunião plenária de 11 de dezembro de 1946. Disponível em:
http://cnv.memoriasreveladas.gov.br/images/documentos/Capitulo7/Nota_3_00092_000469_2015_51.pdf
Acesso em 22 de nov. de 2022.
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ato que se configure como delito de direito internacional deve ser por isso responsabilizada e
submetida à respectiva sanção. Além disso, a cumplicidade no cometimento de delitos
igualmente configura um crime internacional.
Notadamente, o acusado deve ser condenado nas sanções dos crimes a ele imputados,
quais sejam, genocídio; crimes contra a humanidade, quais sejam, perseguição, homicídio,
extermínio, deportação, ato desumano de transferência forçada; além dos crimes de violação
das leis ou costumes de guerra, quais sejam, homicídio, atos de violência com objetivo
principal de espalhar o terror entre a população civil, ataques ilegais a civis e tomada de
reféns; tudo culminando num contexto de quatro empreitadas criminosas conjuntas (ECCs). A
saber: ECC Global, com o objetivo de remoção permanente de muçulmanos e croatas dos
territórios reivindicados; ECC Saravejo, com o fito de espalhar o terror entre a população
civil; ECC Srebrenica, com o objetivo de eliminar muçulmanos bósnios; ECC de tomada de
reféns, com o fito de levar os agentes da ONU como reféns a fim de impedir a realização de
ataques aéreos pela OTAN contra alvos militares bósnio-sérvios.
8
Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional. Disponível em:
http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/tpi/esttpi.htm Acesso em 22 de nov. de 2022.
9
Disponível em https://www.icty.org/x/file/Legal%20Library/Statute/statute_827_1993_en.pdf Acesso em 22
de nov. de 2022.
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Diante das provas acostadas, a condenação é medida que se impõe, visto que não
restam dúvidas acerca das graves violações perpetradas, em infringência às normas do Direito
Humanitário Internacional e do Direito Penal Internacional. Com efeito, os atos praticados
constituem crimes de genocídio, crimes contra a humanidade, violações às Convenções de
Genebra e violação às leis e costumes de guerra.
Nesse ínterim, e sobretudo com especial enfoque nos crimes praticados sob uma
perspectiva de gênero, discorrem OLIVEIRA e JÚNIOR (2019)10, que, uma vez generalizadas
em conflitos armados, as violações sexuais contra as mulheres tornam-se arma de guerra,
configurando crime contra a humanidade e atingindo primordialmente as mais vulneráveis, a
exemplo das viúvas, migrantes e chefes de família.
É importante ressaltar que a violência sexual contra a mulher, grupo o qual deveria ser
protegido por suas particularidades, não é e não deve ser considerada como um fato
decorrente da guerra. Essa forma de abuso não é tolerável em cenário algum, nem mesmo no
de uma guerra, visto que se trata de crime internacional. Os ataques direcionados às mulheres
objetivavam a humilhação, a desvalorização e a exploração e, dessa forma, não devem ser
banalizados.
Frente ao exposto, a condenação de Ratko Mladic é a medida que se impõe, uma vez
que cometeu diversos crimes internacionais, inclusive direcionados às mulheres, como o
genocídio, crime contra a humanidade, a violação às Convenções de Genebra e a violação às
leis e costumes de guerra. Ratko deve ser devidamente responsabilizado por seus crimes, pois
não há reparação à barbárie por ele cometida, mas há a possibilidade de que a justiça seja
levada às suas vítimas. Ademais, tal responsabilização demonstra a gravidade de seus crimes,
mostrando a importância da vida e da preservação da mulher na sociedade, não abrindo brecha
para que novas violações venham a ocorrer.