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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE – FURG

FACULDADE DE D I RE I T O – C UR SO DE DIREITO
Di rei to In tern aci on al – Tu rma A
Al un as: Déb ora Vargas Cab ral , 123298; Mari a Carol i n a Si l va
Joh n , 123271; Isab el a G on çal ves da Rosa, 123300

PROSECUTOR

VS

RATKO MLADIC

MEMORIAIS PELA ACUSAÇÃO


2

SUMÁRIO

I. INTRODUÇÃO 3

II. DA PROTEÇÃO INTERNACIONAL DA MULHER: A VIOLÊNCIA CONTRA A


MULHER COMO CRIME INTERNACIONAL 4

II.I. DO DIREITO HUMANITÁRIO INTERNACIONAL 6

II.II. DO DIREITO PENAL INTERNACIONAL 8

III. CONSIDERAÇÕES FINAIS 10


3

I. INTRODUÇÃO

Cuida-se de Memorial apresentado pela acusação em face de Ratko Mladic, também


conhecido como “carniceiro da Bósnia”, ex-líder militar, comandante do Estado Maior do
Exército da República Sérvia da Bósnia e Herzegovina (“VRS”).

A Repúplica Federativa Socialista da Iugoslávia foi um Estado Federal que surgiu após
o término da Segunda Guerra Mundial e perdurou até 1992, quando se extingiu após uma
série de conflitos. Era formada por 6 (seis) Repúblicas Socialistas, dentre elas a Bósnia e
Herzegovina, e 2 (duas) Províncias Autônomas. Por volta dos anos 1990, uma série de
conflitos irromperam no país, como a crise ecônomica que atravessava, bem como a intensa
discriminação entre os diversos grupos étnicos e religiosos. Nesse contexto, foram efetuados
inúmeros ataques contra minorias bósnias-croatas e especialmente bósnios-muçulmanos,
resultando em um dos conflitos mais violentos ocorrido na Europa após a Segunda Guerra
Mundial.

O âmbito geográfico da acusação foi Sarajevo, Srebrenica e 15 municípios da Bósnia e


Herzegovina. Nesse sentido, ao acusado Ratko Mladic é imupatada a participação na prática
de 11 (onze) crimes cometidos enquanto ocupava o cargo de Comandante do Estado Maior do
Exército da República da Sérvia da Bósnia e Herzegovina. Assim, Mladic foi acusado pela
prática dos crimes de genocídio, crimes contra a humanidade, dentre eles perseguições,
extermínio, assassinato, deportação e atos inumanos (transferências forçadas), bem como
violação das leis e costumes de guerra, dentre eles assassinato, terrorismo, ataque ilícito de
civis e tomada de reféns.

Outrossim, o acusado participou de quatro Empreitadas Criminosas Conjuntas (ECC),


dentre as quais se verificou: a ECC Global, a qual tinha por objetivo remover
permanentemente muçulmanos e croatas dos territórios reivindicados pelos sérvios na Bósnia-
Herzegovina por meio do genocídio, perseguições e ato desumano de transferência forçada; a
ECC Saravejo, que visava aterrorizar a população civil por meio de bombardeios e
distribuição de atiradores de elite (snipers); a ECC Srebrenica, cujo objetivo era a eliminação
dos muçulmanos bósnios na cidade; e a ECC de Tomada de Reféns, cujo objetivo era capturar
funcionáios da Organização das Nações Unidas (ONU) como reféns a fim de impedir que a
Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) realizasse ataques aéreos para que
cessassem os crimes.
4

Em especial, destaca-se que o acusado praticou incontáveis violações contra os direitos


das mulheres, as quais configuram crimes internacionais. Destarte, entre o período de 12 de
maio de 1992 e 30 de novembro de 1995, as forças Sérvias comandadas por Ratko Mladic
mataram, torturaram e estupraram milhares de mulheres, causando-lhes violência física e
psicológica por meio da criação de campos de aprisionamento de mulheres destinados apenas
para a realização de agressões sexuais, os chamados “campos de estupro”.

No ponto, a defesa alega que a violência contra a mulher não constitui hipótese de
crime internacional. Contudo, não assiste razão à defesa.

Por conseguinte, verifica-se a necessidade de considerar a violência contra a mulher


como crime internacional com base no que a seguir se expõe.

II. DA PROTEÇÃO INTERNACIONAL DA MULHER: A VIOLÊNCIA CONTRA A


MULHER COMO CRIME INTERNACIONAL

Assim, dentre as inúmeras violações de direitos humanos cometidas pelo acusado


Ratko Mladic, durante o conflito também restaram praticadas incontáveis violações contra os
direitos das mulheres. Nessa senda, a violência sexual e os abusos físicos desumanos em casas
de aprisionamento foram cometidos pelos combatentes sérvios como forma de humilhar as
vítimas, bem como acentuar a discriminação étnica, buscando, deste modo, a destruição de
determinados grupos sociais.

Recorrendo à violência física e psicológica contra as mulheres do território em


conflito, os combatentes sérvios exerceram poder sobre os corpos dessas mulheres, bem como
as trataram como objeto do homem. A subjugação da mulher, através da violação sexual, resta
clara no presente caso, tendo em vista que as forças sérvias comandadas por Ratko Mladic
mataram, torturaram e estupraram milhares de mulheres por meio da criação de campos de
aprisionamento de mulheres arquitetados exclusivamente para a realização de estupros, os
chamados “campos de estupro” (OLIVEIRA; LIMA JÚNIOR, 2019)1.

1
OLIVEIRA, Bárbara de Abreu; JÚNIOR, Jayme Benvenuto Lima. O estupro como estratégia de guerra em
conflitos armados: a experiência do Tribunal Penal Internacional para a antiga Iugoslávia nos casos de violência
de gênero. Brazilian Journal of International Relations. ISSN: 2237-7743, edição quadrimestral, volume 8,
edição n.º 1, 2019, p. 98 – 116. Disponível em:
https://ava.furg.br/pluginfile.php/422561/mod_resource/content/1/Estupro%20como%20Crime
%20Intern.Ex_Iugoslavia.pdf
5

Destarte, o estupro é visto como uma prática comum em conflitos armados entre
povos, pois é utilizado como técnica de guerra que tem por objetivo desestabilizar o inimigo,
colonizando os corpos das mulheres, bem como realizar genocídio e limpeza étnica. Sabe-se
que o território da antiga Iugoslávia era composto por uma ampla diversidade étnico-religiosa;
assim, por meio da prática da “limpeza étnica”, inúmeras violações contra o Direito
Humanitário e os Direitos Humanos foram cometidas. (OLIVEIRA; LIMA JÚNIOR, 2019).

Dessa forma, trata-se de apontar no presente memorial que a violência contra a mulher
deve ser considerada perante este Tribunal como crime internacional, merecendo a proteção e
o amparo do Direito Internacional.

Nesse esteira de pensamento, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 2


estabelece a igualdade de direitos entre homens e mulheres em seu artigo 2º, o qual
estabalece:

Art. 2º Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades


proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça,
de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem
nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação. Além
disso, não será feita nenhuma distinção fundada no estatuto político, jurídico ou
internacional do país ou do território da naturalidade da pessoa, seja esse país ou
território independente, sob tutela, autónomo ou sujeito a alguma limitação de
soberania.

Outrossim, nos termos dos arts. 2º a 5º do Estatuto do Tribunal Internacional


responsável por julgar violações graves de Direito Internacional Humanitário cometidas no
território da antiga Iugoslávia desde 1991, estabelece que estão dentro de sua competência
violações graves à Convenção de Genebra de 1949, bem como violações de leis ou de
costumes de guerra, genocídio e crimes contra a humanidade. Deste modo, a IV Convenção de
Genebra 3, em seu artigo 27, atribui especial atenção às mulheres no contexto da guerra, assim
estipulando que:

As pessoas protegidas têm direito, em todas as circunstâncias, ao respeito da sua


pessoa, da sua honra, dos seus direitos de família, das suas convicções e práticas
religiosas, dos seus hábitos e costumes. Serão tratadas, sempre, com humanidade e
protegidas especialmente contra todos os actos de violência ou de intimidação,
contra os insultos e a curiosidade pública. As mulheres serão especialmente
protegidas contra qualquer ataque à sua honra, e particularmente contra
violação, prostituição forçada ou qualquer forma de atentado ao seu pudor.

2
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948. Disponível
em: https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos . Acesso em 22 de nov. de 2022.
3
IV CONVENÇÃO DE GENEBRA. Disponível em:
https://gddc.ministeriopublico.pt/sites/default/files/documentos/instrumentos/convIVgenebra.pdf Acesso em 22
de nov. de 2022.
6

Sem prejuízo das disposições relativas ao seu estado de saúde, idade e sexo, todas as
pessoas protegidas serão tratadas pela Parte no conflito em poder de quem se
encontrem com a mesma consideração, sem qualquer distinção desfavorável,
especialmente de raça, religião ou opiniões políticas. Contudo, as Partes no conflito
poderão tomar, a respeito das pessoas protegidas, as medidas de fiscalização ou de
segurança que sejam necessárias devido à guerra. (grifou-se)

Ademais, o Estatuto de Roma de 1998 entende que a expressão “crimes contra a


humanidade” também engloba o estupro, a escravidão sexual, prostituição forçada e a
gravidez forçada no que tange a violações às normas fundamentais do Direito Internacional.

Portanto, é de fundamental importância observar a perspectiva de gênero na


jurisprudência do Direito Penal Internacional e no Direito Internacional Humanitário tendo em
vista a violência contra as mulheres cometida no conflito armado na antiga Iugoslávia por
meio de inúmeros estupros, homicídios, torturas, aprisionamento e engravidamento forçado
com a finalidade de limpeza-étnica do povo oprimido. Por conseguinte, resta evidente o
cometimento de um crime internacional e de severas violações aos direitos humanos.

No caso, foi especificamente violada uma série de regras do Direito Humanitário


Internacional e do Direito Penal Internacional, que se discorrerá a seguir.

II.I. DO DIREITO HUMANITÁRIO INTERNACIONAL

Cumpre mencionar que, contrariamente ao que a defesa busca sustentar, a violência


contra as mulheres constitui, sim, hipótese de crime internacional. Nesse âmbito,
considerando o cenário de combate instalado, a questão da violação dos direitos dos civis deve
ser analisada inclusive sob uma perspectiva de gênero, considerando que os mecanismos
atinentes ao Direito Humanitário Internacional guardam relação, também, com a proteção
específica de mulheres.

Mister pontuar, portanto, que as normas componentes do Direito Internacional


Humanitário são plenamente aplicáveis ao caso sob análise. No ponto, ressalta-se que o DIH
surgiu a partir da Primeira Convenção de Genebra (1864), depois da qual sobrevieram
diversos outros Tratados que compõem o Direito Internacional Humanitário.

In casu, é indiscutível que ocorreram graves violações aos direitos das mulheres, por
sua vez civis que deveriam ser poupadas do conflito armado, segundo o princípio da distinção,
o qual reza que, em um embate, devem ser distinguidas as pessoas civis dos combatentes, de
modo que os ataques sejam dirigidos somente contra estes. Não só isso, as mulheres merecem
7

especial proteção nesse contexto de conflito bélico, assim como as crianças, por exemplo, por
comportarem necessidades específicas.

Não obstante, conforme narram OLIVEIRA e LIMA JÚNIOR (2019) 4, a violência


contra as mulheres não é meramente uma prática hodierna, sendo que tal forma de violação de
direitos se intensificou ao longo de conflitos domésticos e internacionais, como no caso, em
que é evidente o cenário de maior vulnerabilidade para as mulheres, as quais acabam por ser
agredidas sexualmente, em um triste cenário de estupro como estratégia de guerra no conflito
armado sub judice.

Desse modo, deve haver a responsabilização enquanto crime internacional para os


delitos cometidos contra as mulheres, tomando-se por base as disposições de tratados do
Direito Internacional Humanitário. Nessa senda, merecem destaque as quatro Convenções de
Genebra, de 1949, e seus dois Protocolos Adicionais, também de 1949.

Nessa toada, destaca-se que, segundo a Convenção de Genebra IV5, em seu artigo 14,
desde o tempo de paz e depois do início das hostilidades, as partes contratantes poderão
estabelecer zonas e localidades sanitárias e de segurança a fim de proteger dos efeitos da
guerra, dentre outros, as crianças com menos de 15 anos, as mulheres grávidas e as mães de
crianças com menos de 7 anos.

Percebe-se, portanto, quanto à Convenção de Genebra IV, o aspecto de proteção dos


civis em tempos de guerra, com especial enfoque em grupos que demandem proteção especial,
como é o caso das mulheres.

Nesse sentido, também o artigo 15 da Convenção de Genebra IV dispõe que qualquer


parte no conflito poderá propor à parte contrária a criação de zonas neutras direcionadas à
proteção dos perigos oriundos do combate, a fim de dar guarida a feridos e doentes, bem
assim aos civis que não participem nas hostilidades e que não se dediquem a qualquer trabalho
de natureza militar durante a permanência nessas zonas neutras. Preleciona ainda o artigo 16

4
OLIVEIRA, Bárbara de Abreu; JÚNIOR, Jayme Benvenuto Lima. O estupro como estratégia de guerra em
conflitos armados: a experiência do Tribunal Penal Internacional para a antiga Iugoslávia nos casos de violência
de gênero. Brazilian Journal of International Relations. ISSN: 2237-7743, edição quadrimestral, volume 8,
edição n.º 1, 2019, p. 98 – 116. Disponível em:
https://ava.furg.br/pluginfile.php/422561/mod_resource/content/1/Estupro%20como%20Crime
%20Intern.Ex_Iugoslavia.pdf
5
CONVENÇÃO DE GENEBRA IV – Relativa à proteção de pessoas civis em tempo de guerra, de 12 de agosto
de 1949. Adotada a 12 de agosto de 1949 pela Conferência Diplomática destinada a elaborar as Convenções
Internacionais para a proteção das vítimas da guerra, que reuniu em Genebra de 21 de abril a 12 de agosto de
1949. Entrada em vigor na ordem internacional: 21 de outubro de 1950. Disponível em: http://www.nepp-
dh.ufrj.br/onu2-11-4.html Acesso em: 22 de nov. de 2022.
8

que os feridos e doentes, bem como os enfermos e as mulheres grávidas, serão objeto de
especial proteção e respeito.

Ademais, segundo o artigo 12 da 1ª Convenção de Genebra 6, “as mulheres serão


tratadas com todas as atenções devidas ao seu sexo”.

Somado a tudo isso, e dentre as diversas disposições constantes dos mecanismos de


proteção que compõem o Direito Internacional Humanitário, é de especial relevância reiterar
que o artigo 27 da 4ª Convenção de Genebra enfatiza que as pessoas protegidas serão sempre
tratadas com humanidade e protegidas especialmente contra os atos de violência ou
intimidação, bem como que “as mulheres serão especialmente protegidas contra qualquer
ataque à sua honra, e particularmente contra violação, prostituição forçadas ou qualquer forma
de atentado ao seu pudor”.

Diante do expendido, evidente que a condenação do acusado é medida de rigor, uma


vez que, contrariamente ao suscitado pela defesa, está-se diante de crime internacional no que
concerne às graves violações sexuais praticadas contra as mulheres no cenário do conflito em
análise, em clara infringência às normas do Direito Internacional Humanitário.

II.II. DO DIREITO PENAL INTERNACIONAL

Outrossim, no que concerne aos delitos submetidos a julgamento, com enfoque nas
violações aos direitos das mulheres, insta salientar que a infringência é também às normas de
Direito Penal Internacional.

Conforme já assentado, tratam-se as violações cometidas de crime internacional, a


despeito das suscitações defensivas. Nesse contexto, no âmbito do Direito Penal Internacional,
deve haver a repressão às condutas previstas como ilícitas.

Nessa senda, segundos os princípios de Nuremberg, os quais constituem preceitos


fundamentais do Direito Penal Internacional, confirmados pela Resolução de número 95 (I)7
da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), toda pessoa que cometa um

6
CONVENÇÃO DE GENEBRA I – Para a melhoria da sorte dos feridos e enfermos dos exércitos em
campanha. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1950-1969/D42121.htm Acesso em: 22
de nov. de 2022.
7
Resolução n.º 95 (I), aprovada em 11 de dezembro de 1946, pela Assembleia Geral da Organização das Nações
Unidas (ONU), durante a 55ª reunião plenária de 11 de dezembro de 1946. Disponível em:
http://cnv.memoriasreveladas.gov.br/images/documentos/Capitulo7/Nota_3_00092_000469_2015_51.pdf
Acesso em 22 de nov. de 2022.
9

ato que se configure como delito de direito internacional deve ser por isso responsabilizada e
submetida à respectiva sanção. Além disso, a cumplicidade no cometimento de delitos
igualmente configura um crime internacional.

Ademais, em meio às graves violações de direitos cometidas nos cenários de combate,


cumpre repisar o ataque à integridade feminina, sendo a violência de gênero, com enfoque no
estupro de mulheres civis, utilizada como arma de guerra.

Conforme preceitua o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional 8, em seu


artigo 7, entende-se por crime contra a humanidade qualquer uma das condutas ali elencadas,
quando praticadas como parte de um ataque generalizado ou sistemático contra uma
população civil e com conhecimento de tal ataque, a exemplo do estupro, escravidão sexual,
prostituição forçada, gravidez forçada ou outros abusos sexuais de gravidade comparável.

Notadamente, o acusado deve ser condenado nas sanções dos crimes a ele imputados,
quais sejam, genocídio; crimes contra a humanidade, quais sejam, perseguição, homicídio,
extermínio, deportação, ato desumano de transferência forçada; além dos crimes de violação
das leis ou costumes de guerra, quais sejam, homicídio, atos de violência com objetivo
principal de espalhar o terror entre a população civil, ataques ilegais a civis e tomada de
reféns; tudo culminando num contexto de quatro empreitadas criminosas conjuntas (ECCs). A
saber: ECC Global, com o objetivo de remoção permanente de muçulmanos e croatas dos
territórios reivindicados; ECC Saravejo, com o fito de espalhar o terror entre a população
civil; ECC Srebrenica, com o objetivo de eliminar muçulmanos bósnios; ECC de tomada de
reféns, com o fito de levar os agentes da ONU como reféns a fim de impedir a realização de
ataques aéreos pela OTAN contra alvos militares bósnio-sérvios.

No presente caso, diante das séries violações humanitárias perpetradas, consistentes


em crimes contra a humanidade, crimes de genocídio, violação das leis e costumes de guerra,
e infrações graves às Convenções de Genebra de 1949 (supramencionadas, sobretudo no
contexto de violação aos direitos femininos), há a submissão à jurisdição do Tribunal Penal
Internacional para a ex-Iugoslávia, de caráter ad hoc, conforme estabelecido pela Resolução
8279 do Conselho de Segurança das Nações Unidas.

8
Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional. Disponível em:
http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/tpi/esttpi.htm Acesso em 22 de nov. de 2022.
9
Disponível em https://www.icty.org/x/file/Legal%20Library/Statute/statute_827_1993_en.pdf Acesso em 22
de nov. de 2022.
10

De fato, graves violações no contexto de ataque à população civil, mormente às


mulheres enquanto arma de guerra, foram evidenciadas. Detentos eram forçados a estuprar e
praticar atos sexuais entre si. Com efeito, em uma casa conhecida como Casa de Karaman,
diversas mulheres e meninas menores de 12 anos eram cotidianamente violadas, seja por
soldados individuais, seja por vários homens. Conforme prova testemunhal acostada, a
testemunha foi levada para uma festa por um soldado, onde foram abordados pelo acusado,
que por sua vez perguntou ao soldado se ela era sua “mulher Herzegovina”.

Diante das provas acostadas, a condenação é medida que se impõe, visto que não
restam dúvidas acerca das graves violações perpetradas, em infringência às normas do Direito
Humanitário Internacional e do Direito Penal Internacional. Com efeito, os atos praticados
constituem crimes de genocídio, crimes contra a humanidade, violações às Convenções de
Genebra e violação às leis e costumes de guerra.

Nesse ínterim, e sobretudo com especial enfoque nos crimes praticados sob uma
perspectiva de gênero, discorrem OLIVEIRA e JÚNIOR (2019)10, que, uma vez generalizadas
em conflitos armados, as violações sexuais contra as mulheres tornam-se arma de guerra,
configurando crime contra a humanidade e atingindo primordialmente as mais vulneráveis, a
exemplo das viúvas, migrantes e chefes de família.

Ipso facto, a condenação é medida impositiva.

III. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O uso da força como forma de demonstração de poder e controle é algo esperado em


uma guerra, desde que direcionado aos combatentes. Ocorre que as forças sérvias comandadas
por Ratko Mladic decidiram demonstrar seu poder de forma cruel contra civis, exercendo
violência física, sexual e psicológica contra minorias.

Ratko Mladic cometeu crime internacional, violando o Direito Internacional


Humanitário e o Direito Penal Internacional ao criar os “campos de estupro”, nos quais as
mulheres eram aprisionadas para a satisfação sexual dos combatentes sérvios. Dessa forma, o
10
OLIVEIRA, Bárbara de Abreu; JÚNIOR, Jayme Benvenuto Lima. O estupro como estratégia de guerra em
conflitos armados: a experiência do Tribunal Penal Internacional para a antiga Iugoslávia nos casos de violência
de gênero. Brazilian Journal of International Relations. ISSN: 2237-7743, edição quadrimestral, volume 8,
edição n.º 1, 2019, p. 98 – 116. Disponível em:
https://ava.furg.br/pluginfile.php/422561/mod_resource/content/1/Estupro%20como%20Crime
%20Intern.Ex_Iugoslavia.pdf
11

“carniceiro da Bósnia” cometia, além da violência sexual, também a violência de gênero e a


objetificação das mulheres. Tudo isso somado a todos os demais crimes imputados.

É importante ressaltar que a violência sexual contra a mulher, grupo o qual deveria ser
protegido por suas particularidades, não é e não deve ser considerada como um fato
decorrente da guerra. Essa forma de abuso não é tolerável em cenário algum, nem mesmo no
de uma guerra, visto que se trata de crime internacional. Os ataques direcionados às mulheres
objetivavam a humilhação, a desvalorização e a exploração e, dessa forma, não devem ser
banalizados.

Frente ao exposto, a condenação de Ratko Mladic é a medida que se impõe, uma vez
que cometeu diversos crimes internacionais, inclusive direcionados às mulheres, como o
genocídio, crime contra a humanidade, a violação às Convenções de Genebra e a violação às
leis e costumes de guerra. Ratko deve ser devidamente responsabilizado por seus crimes, pois
não há reparação à barbárie por ele cometida, mas há a possibilidade de que a justiça seja
levada às suas vítimas. Ademais, tal responsabilização demonstra a gravidade de seus crimes,
mostrando a importância da vida e da preservação da mulher na sociedade, não abrindo brecha
para que novas violações venham a ocorrer.

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