Você está na página 1de 9

12/07/2022 23:55 A história da cantora brasileira que ganhou concurso de canto lírico mas não foi para Paris

i para Paris por ser negra - Revista Bula

BRASÍLIA ENTRETENIMENTO ESPORTES GUERRA JR LIFESTYLE MONITOR7 RECORD +R7 MUNDO


NA 24H TV RECORD
UCRÂNIA

 

A história da cantora brasileira que


ganhou concurso de canto lírico
mas não foi para Paris por ser negra

POR EULER DE FRANÇA BELÉM


EM LIVROS
10/04/2021 - 16:56

Em 1918, no jornal “A Lanterna”, o escritor Lima


Barreto publicou um artigo polêmico: “Aqui [no
Brasil] não há um músico criador, nem grande
nem pequeno. A nossa atividade musical está
entregue às mulheres, ou melhor, a moças
casadouras e ricas; e as mulheres raramente
são criadoras”. A história está contada no livro
“Metrópole À Beira-Mar — O Rio Moderno dos
Anos 20” (Companhia das Letras, 492 páginas),
de Ruy Castro. A “análise” do autor de
“Policarpo Quaresma”, “Clara dos Anjos” e
“Recordações do Escrivão Isaías Caminha” é
pertinente? De maneira alguma. Em termos
musicais, talvez por preconceito, Lima Barreto
destilava ignorância. “Naquela época”, informa
Ruy Castro, “no campo da música de concerto,
dentro ou fora do país, o Brasil podia se
orgulhar da cantora de câmara Vera
Janacópulos e da pianista Magdalena
Tagliaferro, e, só no Rio, estavam em gestação
musical as cantoras Elsie Houston, Zaíra de
Oliveira e a muito jovem Bidú Sayão”. No
campo masculino, havia, é claro, o compositor
Heitor Villas-Lobos, omitido pelo escritor.

Mas quem é Zaíra de Oliveira, que, mais tarde,


seria professora de música de dona Ivone Lara,
a grande cantora popular? Zaíra de Oliveira era
uma soprano de grandes méritos, por isso
conhecida como a Marian Anderson brasileira.
O apreciador de música tem sorte: é possível
ouvir sua bela voz no Youtube. Quando se trata
da cantora lírica, pode-se falar no “silêncio dos
vencidos”? Talvez. Um autor chega a escrever

https://www.revistabula.com/32941-a-historia-da-cantora-brasileira-que-ganhou-concurso-de-canto-lirico-mas-nao-foi-para-paris-por-ser-negra/ 1/9
12/07/2022 23:55 A história da cantora brasileira que ganhou concurso de canto lírico mas não foi para Paris por ser negra - Revista Bula

que era “a mulher de Donga”. Ernesto dos


Santos, o Donga, era músico e compositor. Há
quem o aponte como inventor do samba, como
a música “Pelo Telefone”¹.

Mas a bela voz de Zaíra de Oliveira, sua


versatilidade vocal, sugere que precisa de um
lugar mais adequado na história da música do
país, e não apenas registros em alguns livros,
como o “Dicionário Houaiss — Música Popular
Brasileira” (Paracatu, 1155 páginas), organizado
por Ricardo Cravo Albin, “Pixinguinha — Vida e
Obra” (Lumiar, 283 páginas), de Sérgio Cabral, e
“Dona Ivone Lara — A Primeira-Dama do
Samba” (Sonora, 230 páginas), de Lucas Nobile,
e “Uma História da Música Popular Brasileira —
Das Origens à Modernidade” (Editora, 504
páginas), de Jairo Severiano.

Em 1921, o maestro Eduardo Souto, que tinha


um pé no popular e um pé na música erudita,
criou o Coral Brasileiro, no qual se destacaram
os jovens cantores Bidú Sayão, Nascimento
Silva e Zaíra de Oliveira. (Mais tarde Bidú
Sayão, branca e rica, fez sucesso tanto na
Europa quanto nos Estados Unidos, tornando-
se uma diva do Metropolitan Opera House.)

Metrópole À Beira-Mar — O Rio Moderno dos Anos 20


(Companhia das Letras, 492 páginas), de Ruy Castro.

Numa disputa contra três cantoras, Zaíra de


Oliveira ganhou a medalha de ouro, em 1921, do
Instituto Nacional de Música, “então o órgão
superior da música erudita no Brasil”, anota Ruy
Castro. A vitória também lhe deu uma viagem
para a Europa, para se aprofundar nos estudos
de canto lírico.

https://www.revistabula.com/32941-a-historia-da-cantora-brasileira-que-ganhou-concurso-de-canto-lirico-mas-nao-foi-para-paris-por-ser-negra/ 2/9
12/07/2022 23:55 A história da cantora brasileira que ganhou concurso de canto lírico mas não foi para Paris por ser negra - Revista Bula

Entretanto, se pôde guardar a medalha, Zaíra


de Oliveira não viajou para o exterior. Foi
vetada. Ruy Castro assinala que um artigo,
publicado na “Gazeta de Notícias”, de outubro
de 1923, “fala da influência de um ‘pistolão’ que
teria beneficiado as outras cantoras e a
deixado de fora. Mas sempre se suspeitou de
que ela teria sido preterida por ser negra”. O
pesquisador Marcelo Bonavides² é enfático: a
cantora ganhou e não levou a bolsa porque era
negra. Lucas Nobile não faz concessão: “Um
estúpido caso de racismo”. Ricardo Cravo Albin
não titubeia: “Venceu um concurso de canto em
1921, mas não pôde receber o prêmio por ser
negra”. Uma negra “falando” em nome do Brasil
na Europa, pois sim, “não” era de bom tom. E
ainda mais uma estrela do canto lírico, reino
das divas alvas como a neve. Daí o veto. A cara
do país na França, na Inglaterra e na Itália
“tinha” de ser branca. “Ela nunca pôde sair [do
Brasil], embora possuísse méritos para isso e
seria uma sensação em Paris, se tivesse
chegado lá”, sugere Ruy Castro. Logo depois, a
cantora e dançarina Josephine Baker fez
imenso sucesso na capital francesa. Os ases do
jazz, negros, se tornarem reis das noites
parisienses. “Uma soprano lírico brasileiro,
bonita e negra, como Zaíra, seria uma
revelação — o que a Europa só iria conhecer
em 1933, com a primeira excursão ao continente
da contralto americana Marian Anderson”,
escreve o pesquisador.

Ruy Castro ressalva que os professores que “a


julgaram e premiaram não foram os mesmos
que a vetaram”. Os primeiros sabiam de seu
imenso talento. Os segundos também, mas,
ainda assim, decidiram boicotá-la. Citando
Jotaefegê, Marcelo Bonavides sublinha que
Zaíra de Oliveira era uma pessoa “simples”,
mas, musicalmente, sofisticada. “Talentosa e
com uma voz magnífica, Zaíra de Oliveira
cantava óperas com distinção, mas não se
esquecia da música popular, gravando
marchas e sambas, destacando-se em todos os
ritmos”, pontua Marcelo Bonavides.

Em 1921, embora jovem, Zaíra de Oliveira não


era mais uma promessa. Admirada e
respeitada, era uma certeza. Já em maio de
1920, quando Arthur Rubinstein executou a
música de Villa-Lobos pela primeira vez, no
Theatro Municipal do Rio, a soprano cantou “Lo
schiavo”, de Carlos Gomes, “acompanhada por
uma orquestra de oitenta figuras”, anota Ruy
Castro.

Em 1922, Zaíra de Oliveira, informa Ruy Castro,


“apresentara a ‘Balada do navio fantasma’, de
Wagner”. O maestro Eduardo Souto, que
admirava o talento de Zaíra de Oliveira, não
deixava de inclui-la em seus projetos. “Em 1924,

https://www.revistabula.com/32941-a-historia-da-cantora-brasileira-que-ganhou-concurso-de-canto-lirico-mas-nao-foi-para-paris-por-ser-negra/ 3/9
12/07/2022 23:55 A história da cantora brasileira que ganhou concurso de canto lírico mas não foi para Paris por ser negra - Revista Bula

como diretor artístico da Odeon, Souto deu-lhe


para gravar dezesseis foxtrotes, sambas,
marchinhas, canções e cateretês, de sua autoria
ou alheios, um dos quais ‘Tudo à la garçonne’.
Mas o grande sucesso de Zaíra viria no começo
de 1927: ‘Dondoca’, de José Francisco de
Freitas, o Freitinhas, também na Odeon, que
toda a cidade cantaria naquele Carnaval”,
registra Ruy Castro. Marcelo Bonavides
apresenta a versão de que a “estreia” em disco
se deu em 1925, “quando lançou, pela Odeon
Record, alguns discos da Casa Edison, entre
eles o famoso foxtrote ‘Cabeleira à la
garçonne’, de Américo F. Guimarães e Pedro Sá
Pereira”. No mesmo ano, “lançou mais 15
músicas, várias delas cantadas com Baiano”,
anota Marcelo Bonavides. O destaque era a
música “Amargura”, canção de Eduardo Souto.

Em 1924, Zaíra de Oliveira brilhou num concerto


da igreja matriz de Copacabana. Em 1925, no
Cassino do Copacabana Palace, seria a grande
homenageada. “Até o egocêntrico Catullo da
Paixão Cearense cantaria para ela”, informa
Ruy Castro. Marcelo Bonavides aponta que
Zaíra de Olivera gravou “vários discos pela
Odeon, Victor e Palophon. Alguns ao lado de
Francisco Sena”. O destaque, de 1931, é “Canção
dos infelizes”, de Donga e Luís Peixoto. O
pesquisador informa que a soprano “integrou o
trio vocal As Três Marquesas, ao lado de Alda
Verona e Maria Branca Ortega. Elas gravaram
‘Guarde’ e ‘Última valsa para mim’, valsa de
Walter Hirsch e De Chocolat”.

Zaíra de Oliveira integrou o Conjunto Tupy, ao


lado de Yolanda Osório, J. B. de Carvalho,
Francisco Sena e Herivelto Martins. “Na
gravação de ‘No Terreiro de Alibibi’, de Gastão
Viana, ela faz uma bela introdução com sua
voz”, afirma Marcelo Bonavides.

Ao lado de Carmen Miranda, Zaíra de Oliveira


cantou “Sonhei que era feliz”, de Ary Barroso.
“Para não abafar a voz de Carmen com a sua”
potência vocal, postula Marcelo Bonavides, o
canto de Zaíra de Oliveira quase não aparece.
O pesquisador acredita que ela “tenha ficado
longe do microfone”.

https://www.revistabula.com/32941-a-historia-da-cantora-brasileira-que-ganhou-concurso-de-canto-lirico-mas-nao-foi-para-paris-por-ser-negra/ 4/9
12/07/2022 23:55 A história da cantora brasileira que ganhou concurso de canto lírico mas não foi para Paris por ser negra - Revista Bula

Donga: considerado o inventor do samba

“Nos anos 30, Villa-Lobos contrataria Zaíra


como sua assistente, para coordenar orfeões
escolares, e ela cantaria também em clubes
sociais e no rádio, acompanhada quase sempre
por Pixinguinha. Mas sua principal atividade,
pelas décadas afora, seria como professora de
canto clássico e popular, formando inúmeras
cantoras. Antes disso, em 1931, ela conheceria
Donga, o pioneiro do samba e se casaria com
ele”, relata Ruy Castro. A casa de Zaíra de
Oliveira e Donga era frequentada por
Pixinguinha, João da Baiana, Orestes Barbosa
(“Chão de Estrelas”), Sylvio Caldas, Noel Rosa e
Lamartine Babo. “Mas, para Zaíra, a grande
história era a que ela poderia ter vivido — como
a de Bidú Sayão, Vera Janacópulos, Elsie
Houston — e não viveu”, lamenta.

Lucas Nobile diz que Ivone Lara foi orientada


musicalmente por Lucília Guimarães Villa-
Lobos, a pianista casada com o compositor
Villa-Lobos, e pela “soprano de formação
clássica Zaíra de Oliveira. “Zaíra estava muito
longe de ser apenas a ‘Sra. Pelo Telefone.
Donga à parte, ela gravara uma série de discos
de 78 RPM, principalmente ao lado de um dos
cantores de maior sucesso no país, Baiano,
cantara com o disputado Regional de Canhoto
na Rádio Sociedade do Rio de Janeiro. Mais:
compusera temas como ‘Carteira vazia’ e fizera
registros, hoje raríssimos, como O Grupo da
Velha Guarda, formado por Donga, Pixinguinha
e João da Baiana”, conta Lucas Nobile.

A cantora Jesy Barbosa também foi aluna de


Zaíra Barbosa. O pesquisador Luiz Antônio de
Almeida “descobriu um disco raro de Zaíra de
Oliveira, que não foi lançado nem trazia o nome
de sua cantora. Trazia a gravação do samba

https://www.revistabula.com/32941-a-historia-da-cantora-brasileira-que-ganhou-concurso-de-canto-lirico-mas-nao-foi-para-paris-por-ser-negra/ 5/9
12/07/2022 23:55 A história da cantora brasileira que ganhou concurso de canto lírico mas não foi para Paris por ser negra - Revista Bula

‘Meu Pretinho’, de autoria de Heitor dos


Prazeres”. Zaíra de Oliveira teve um infarto e
morreu em 15 de agosto de 1951. A cantora, que
fez sucesso como cantora lírica e popular, tinha
apenas 51 anos.

Notas

1 — No livro “Uma História do Samba — As


Origens” (Companhia das Letras, 342
páginas), o jornalista e pesquisador Lira
Neto registra: “‘Pelo Telefone’ não foi o
primeiro samba a ser gravado, nem era
propriamente um samba — do ponto de
vista rítmico e harmônico, talvez fosse mais
apropriado classificá-lo como um maxixe.
Donga, portanto, não inventou um novo
gênero. Inaugurou, sim, o procedimento e a
estratégia de divulgar e fazer circular nos
meios comerciais, de forma metódica e
profissional, uma música de extração
popular para ser executada durante o
Carnaval. Ao registrá-la individualmente,
preocupou-se em estabelecer o direito de
autoria sobre uma composição coletiva e de
matriz folclórica, em um tempo no qual
apropriações desse tipo eram a regra e o
plágio em música não constituía sequer um
delito de ordem moral” (página 90). Heitor
dos Prazeres compôs “Ora, vejam só”, que,
surrupiada por Sinhô, tornou-se sucesso na
voz de Francisco Alves. Pressionado por
Heitor, Sinhô disse, com a maior cara de
pau: “Samba é como passarinho, é de quem
pegar primeiro” (página 161).

2 — No excelente artigo “Zaíra de Oliveira —


A grande dama da canção brasileira”
(encontrável na internet), o pesquisador
Marcelo Bonavides diz que, ao contrário do
registro tradicional, Zaíra de Oliveira nasceu
em 1º de fevereiro de 1900, e não em 1891,
como consta na Wikipédia e em livros. A
filha da cantora e do músico Donga, a
historiadora Lygia Maria dos Santos, é
responsável pelo reparo.

 935  

VEJA TAMBÉM

https://www.revistabula.com/32941-a-historia-da-cantora-brasileira-que-ganhou-concurso-de-canto-lirico-mas-nao-foi-para-paris-por-ser-negra/ 6/9
12/07/2022 23:55 A história da cantora brasileira que ganhou concurso de canto lírico mas não foi para Paris por ser negra - Revista Bula

Maquiavel e seu manual de guerra

Morte e literatura: a natureza não depende de


nós, embora tenhamos a ilusão frequente do
contrário

O Professor do Desejo, de Philip Roth, uma


sátira sem freios sobre o instinto mais
primitivo do homem: o sexo

O Diabo no Corpo, de Raymond Radiguet, o


romance visceral que venceu o tempo

https://www.revistabula.com/32941-a-historia-da-cantora-brasileira-que-ganhou-concurso-de-canto-lirico-mas-nao-foi-para-paris-por-ser-negra/ 7/9
12/07/2022 23:55 A história da cantora brasileira que ganhou concurso de canto lírico mas não foi para Paris por ser negra - Revista Bula

MAIS LIDAS

https://www.revistabula.com/32941-a-historia-da-cantora-brasileira-que-ganhou-concurso-de-canto-lirico-mas-nao-foi-para-paris-por-ser-negra/ 8/9
12/07/2022 23:55 A história da cantora brasileira que ganhou concurso de canto lírico mas não foi para Paris por ser negra - Revista Bula

O filme da Netflix que fará você


se contorcer no sofá e não o
deixará piscar

Suspense psicológico da Netflix,


é o filme mais angustiante e
devastador de 2021

O filme delirante da Netflix que


te manterá imóvel no sofá,
olhos grudados na TV e
coração saindo pela boca

Perturbador e brutal, filme da


Netflix prende o espectador do
início ao fim

    

Revista Bula

Copyright © 2022

Todos os direitos reservados.

Todos os direitos reservados - 2009-2022 -


Rádio e Televisão Recor

Anuncie no R7 Trabalhe Conosco Comunicar erro Fale com o R7 Mapa do Site Termos e Condições de Uso Privacidade

https://www.revistabula.com/32941-a-historia-da-cantora-brasileira-que-ganhou-concurso-de-canto-lirico-mas-nao-foi-para-paris-por-ser-negra/ 9/9

Você também pode gostar