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BAKHTIN, Mikhail. Formas de tempo e de cronotopo no romance: Ensaios de poética histórica. In: BAKHTIN, Mikhail.

Questões de literatura e de estética (A Teoria do Romance). 4. ed. São Paulo: EdUNESP/HUCITEC,1998. (Coleção Linguagem e Cultura, 18).

“Em literatura, o processo de assimilação do tempo, do espaço, e do indivíduo histórico real que se revela neles,
tem fluído complexa e intermitentemente. Assimilaram-se os aspectos isolados de tempo e de espaço acessíveis
em dado estágio histórico do desenvolvimento da humanidade, foram elaborados também os métodos de gênero
correspondentes ao reflexo e à elaboração artística dos aspectos assimilados da realidade.” [p. 211].

“A interligação fundamental das relações temporais e espaciais, artisticamente assimiladas em literatura,


chamaremos cronotopo (que significa ‘tempo-espaço’). [...] Entendemos o cronotopo como uma categoria
conteudístico-formal da literatura” [p. 211], cujo caráter de indissolubilidade é indispensável, visto que o tempo e
o espaço são intrínsecos na obra artístico-literária.

“No cronotopo artístico-literário ocorre a fusão dos indícios espaciais e temporais num todo compreensivo e
concreto. Aqui o tempo condensa-se, comprime-se, torna-se artisticamente visível; o próprio espaço intensifica-se,
penetra no movimento do tempo, do enredo e da história. Os índices do tempo transparecem no espaço, e o espaço
reveste-se de sentido e é medido com o tempo. Esse cruzamento de séries e a fusão de sinais caracterizam o
cronotopo artístico.” [p. 211].

“O cronotopo tem um significado fundamental para os gêneros na literatura. Pode-se dizer francamente que o
gênero e as variedades de gênero são determinadas justamente pelo cronotopo, sendo que em literatura o
princípio condutor do cronotopo é o tempo. O cronotopo como categoria conteudístico-formal determina (em
medida significativa) também a imagem do indivíduo na literatura; essa imagem sempre é fundamentalmente
cronotópica”. [p. 212].

“Em qualquer encontro [...] a definição temporal (‘num mesmo tempo’) é inseparável da definição espacial (‘num
mesmo lugar’). [...] A unidade indissolúvel (mas não a fusão) das definições temporais e espaciais traz ao cronotopo
do encontro um caráter elementar, preciso, formal e quase matemático, mas, naturalmente, esse é um caráter
abstrato. Pois o motivo do encontro é impossível isoladamente: ele sempre entra como elemento constituinte da
composição do enredo e da unidade concreta de toda a obra e, por conseguinte, inclui-se no cronotopo concreto
que o engloba, no nosso caso, no tempo de aventuras em um país estrangeiro (sem exotismo). Em diversas obras
o motivo do encontro receberá expressões verbais diversas. Ele pode assumir um sentido semi-metafórico ou
totalmente metafórico, pode, enfim, tornar-se um símbolo (às vezes muito profundo). Com muita freqüência o
cronotopo do encontro exerce, em literatura, funções composicionais: serve de nó, às vezes, ponto culminante ou
mesmo desfecho (final) do enredo. O encontro é um dos mais antigos acontecimentos formadores do enredo do
epos (em particular do romance). Deve-se sobretudo notar a estreita ligação do motivo do encontro com motivos
como a separação, a fuga, o reencontro, a perda, o casamento, etc., que são semelhantes pela unidade das
definições espaço-temporais ao motivo do encontro. Tem significado particularmente importante a estreita ligação
do motivo do encontro com o cronotopo da estrada (‘a grande estrada’): vários tipos de encontro pelo caminho.
No cronotopo da estrada, a unidade das definições espaço-temporais revela-se também com especial nitidez e
clareza. É enorme o significado do cronotopo da estrada em literatura: rara é a obra que passa sem certas variantes
do motivo da estrada, e muitas obras estão francamente construídas sobre o cronotopo da estrada, dos encontros
e das aventuras que ocorrem pelo caminho”. [p. 222-223].

“[...] os acontecimentos sócio-políticos adquirem significado no romance graças somente à sua relação com os
acontecimentos da vida particular. E apenas essa sua relação com os destinos particulares que é explicada no
romance; a sua própria essência sócio-política permanece fora dele.” [p. 233].

“[...] a unidade político-retórica da imagem do homem encontra-se em contradição com seu conteúdo puramente
privado.” [p. 233].

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