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História e romance: poéticas do romance histórico

Tradução parcial de Historia y novela: poética de la novela histórica (Celia Fernández


Prieto, 1998)
Capítulo II história e romance. Constituição e desenvolvimento do gênero romance histórico

1. Introdução (pp. 35-85)


Todos os gêneros literários [...] são formados a partir de um feixe triplo de relações: (I) com a tradição
e as formas literárias do passado; (II) com outros gêneros de seu momento histórico, apontando suas
diferenças e semelhanças; (III) e com o contexto sociopolítico e os sistemas culturais e ideológicos
que operam no horizonte de recepção. No caso concreto do romance histórico, essas relações são de
grande complexidade, o que nos obriga a atentar para os seguintes aspectos:
a) o romance, ou mais exatamente a narrativa ficcional em prosa, surge como um gênero tardio nas
literaturas ocidentais e se desenvolve à margem da poética e das normas. Seu modelo formal e
pragmático deriva justamente da narrativa histórica, razão pela qual a conformação da narrativa
ficcional e sua evolução ao longo da história literária são indissociáveis da concepção e dos
personagens do discurso historiográfico. Essa interação constante de narrativa histórica e narrativa
ficcional deu origem, ao longo do tempo, a diferentes gêneros, como a lenda ou o livro de cavalaria,
entre outros. Nessa perspectiva, o romance histórico deve ser entendido como uma forma moderna de
renovação dessa longa tradição de intercâmbios entre história e romance que se forjou no contexto do
romantismo em estreito contato com a historiografia da época e com os debates sobre a narrativa de
ficção. (pp. 35-36)
b) esse gênero literário se configura em um momento histórico decisivo no destino da ficção ocidental,
na confluência entre a tradição do romance (livros de cavalaria, romances góticos, etc.) e as novas
tendências do romance social e realista inglês do século XVIII, relacionado com a invenção de
Cervantes. O romance histórico, ou melhor, o romance1 histórico romântico, se apresenta como um
romance dos tempos modernos que preserva a estrutura da aventura como estratégia para atrair o
interesse do leitor, mas a combina com um projeto mimético-realista na descrição dos cenários,
históricos (referenciais) e no tratamento dos personagens [...]. Tudo isso repropõe, com uma atitude
mais aberta, as questões básicas da mimese ficcional: o problema da verossimilhança e do uso do
maravilhoso, a mistura do verdadeiro-histórico com o falso-inventado, a legitimidade da utilidade
moral das ficções, as diferenças com a epopeia.
c) o romance histórico está vinculado à "realidade", pois não pode surgir à margem da concepção da
história e dos modos de escrevê-la, do conhecimento histórico que faz parte da enciclopédia cultural
de seus leitores e dos sistemas ideológicos a partir da qual é concebida a relação entre passado e
presente. Lembramos que cada época reescreve o passado, “escolhe” seu passado preferido e o
representa de acordo com seus interesses e com seus modelos psicológico-culturais. Se existe uma
dimensão ideológica em todos os gêneros literários, no romance histórico isso fica evidente porque se
apresenta como uma reescrita de textos históricos anteriores [...] essa representação também terá o

1
O tratamento deste assunto requer uma explicação. Em espanhol, assim como em inglês, é possível distinguir
entre romance e novel (em espanhol: romance vs novela). Nesse contexto, a distinção é de fundamental
importância e se baseia, entre outras coisas, em uma distinção proposta pelo próprio Scott (apud Fernández p.
81): “the romance is a fictitious narrative in prose or verse; the interest of which turns upon marvellous and
uncommon incidents. The novel is a fictitious narrative, differing from the romance because the events are
accommodated to the ordinary train of human events and the modern state of society”. Veja a capa da
primeira edição de Ivanhoe que mostra a dicção romance e não novel.
caráter de uma nova versão dos fatos: respeitosa, irônica, desmistificadora, apologética, paródica etc.
[...] (p. 37)
d) a função de um gênero literário varia em função das transformações do sistema literário e
cultural em que está inscrito e da situação de recepção. Assim, o papel que o romance histórico
desempenhou no sistema cultural do Romantismo não pode ser extrapolado para o romance histórico
do realismo ou para o do início do século XX e, evidentemente, nem mesmo para o romance histórico
contemporâneo. Há gêneros de vida efêmera cujas fronteiras temporais podem ser traçadas com certa
precisão e gêneros que, por outro lado, permanecem no favor de escritores e leitores por períodos
muito prolongados de tempo, passando por momentos de maior e menor êxito, sem perder sua
atualidade. É o caso do romance histórico, que exibiu uma vitalidade admirável desde o primeiro terço
do século XIX até os dias atuais e que teve um sucesso extraordinário nas últimas décadas a ponto de
ser um dos gêneros de novela mais significativos da pós-modernidade (p. 38).

2. Literatura e história
[...] O discurso literário se caracteriza em relação ao histórico porque conta fatos inventados.
Portanto, seu propósito não é a verdade, mas a verossimilhança, não do real, mas do possível. A
comunicação literária se articula por meio do pacto de ficção em virtude do qual o pacto de veracidade
que rege os discursos referenciais permanece pendente. Em última instância, o leitor produz uma
"suspensão voluntária da descrença" que o leva a aceitar um discurso fictício, isto é, um discurso que
não é do autor do texto, mas de uma fonte imaginária de linguagem cuja responsabilidade só vale no
interior do mundo configurado pelo texto.
Ora, os conceitos de realidade e de ficção, de verdade e verossimilhança não são entendidos
aqui em sua dimensão ontológica, mas pragmática; são conceitos culturalmente construídos de tal
forma que, para defini-los, é imprescindível fazer referência aos contextos histórico-culturais e aos
sistemas ideológicos que os conformam. Realidade é sempre o que uma cultura (ou comunidade
sociocultural) admite como o que é ou pode ser e essa concepção se baseia em uma série de leis e
critérios estabelecidos a partir dos distintos códigos e discursos que dão sentido (fragmentam,
hierarquizam e estruturam) o continuum do “real” [...] (p 39).
No entanto, certos gêneros discursivos institucionais codificaram certas estratégias retóricas que
funcionam culturalmente como sinais de veracidade. Como membros de uma comunidade cultural, os
destinatários desses discursos aprendem procedimentos interpretativos sobre os distintos tipos de
verdade que se estabelecem nos processos de comunicação social. Como já mencionado, a realidade é
um produto da cultura e esta se estrutura em códigos e discursos que recortam (semiotizam) o
continuum da realidade e são legitimados socialmente como verdadeiros, ou seja, discursos confiáveis
para orientar a ação dos indivíduos sobre a realidade. Por isso, a verdade (no sentido débil, mas
funcional e necessário a que nos referimos) é um requisito atribuído culturalmente e, portanto, exigido,
a certas modalidades discursivas, uma delas é a História. Na verdade, o discurso histórico é proposto
como um discurso de verdade, ou melhor, como um discurso que se propõe a oferecer uma versão o
mais confiável possível dos processos, acontecimentos ou personagens do passado histórico, a partir
de documentos e depoimentos. O historiador coloca em jogo seu crédito profissional naquilo que
afirma ser verdadeiro e sua afirmação permanece sujeita aos testes de verificação, contraste e
refutação, tanto de outros historiadores quanto de leitores. O discurso histórico deve "validar" sua
verdade com base em sua disciplina [...] (p. 41).

4. O romance romântico histórico


4.1. Constituição do tipo. O papel de Walter Scott
O romance histórico romântico se configura integrando elementos que procedem de diferentes
modelos genéricos:
a) absorve a tradição do romance antigo (principalmente os livros de cavalaria) na composição
do enredo e na articulação das ações utilizando suas táticas narrativas para criar suspense e
surpreender o leitor (supostos mortos revividos, disfarces que ocultam a verdadeira identidade dos
personagens, episódios fantásticos etc.). Afasta-se da poética do romance pelo tratamento que dá aos
elementos maravilhosos, como será comentado mais adiante.
b) também assimila recursos do romance gótico2, como o uso de cenários escuros e noturnos,
castelos solitários, prisões subterrâneas, passagens secretas, labirintos etc. embora com uma função
diferente: os cenários do romance gótico perdem seu caráter maravilhoso ganhando realismo e
verossimilhança ao serem integrados em um quadro histórico localizado.
c) incorpora as técnicas do romance social-realista na análise do mundo privado das
personagens, seus sentimentos e desejos condicionados pelos acontecimentos públicos.
d) faz uma descrição minuciosa do romance de costumes3, atenta aos detalhes do quotidiano e
típicos com o intuito de dar um "tom local" ao gosto romântico. Às vezes, elementos de lendas, contos
tradicionais, baladas ou canções populares, etc. contribuem para isso. Ao contrário dos romances do
século XVII-XVIII, que localizavam a ação em um passado remoto e exótico sem se preocupar com as
roupas ou formas de vida dessas sociedades, o romance histórico de Scott tem o cuidado de captar as
peculiaridades do passado que se manifestam em roupas, objetos do cotidiano, formas de arquitetura e
móveis, trajes e as formas como as pessoas se relacionam.

2
Na segunda metade do século XVIII, uma interessante evolução da narrativa do romance, o "romance gótico",
foi produzido na Inglaterra. Seu apogeu pode situar-se entre 1764, data da publicação de O Castelo de Otranto
de Horace Walpole, e 1820 […]. A novidade do gênero "romance gótico" consiste no fato de ser o primeiro
projeto narrativo que tenta explicitamente misturar procedimentos que remetem a dois modelos genéricos
opostos: o do romance medieval antigo e o do romance moderno com tendência realista. O romance gótico quer
ser o romance dos tempos modernos [...]. Scott elogia o rigor e o cuidado com que Walpole reconstruiu a época
em que se situa a ação e enfatiza que essa fidelidade ao contexto histórico faz com que o leitor aceite a
intervenção do maravilhoso (p. 73).
3
“Costumbrismo” no texto original (NdT).
e) aproveita até certo ponto as sugestões da arte de Cervantes4 na configuração da instância
enunciativa. O caráter “factual” da história narrada é confirmado pelo antigo procedimento de fingir
que os fatos estão documentados em um manuscrito ou em uma crônica escrita por uma testemunha. O
autor, portanto, se apresenta como editor ou transcritor de uma fonte histórica original que é fiadora da
veracidade da narração, como já acontecia nos romances de cavalaria espanhóis.
O romance histórico segue esse expediente, mas incorporando a projeção metanarrativa e
irônica - como fica evidente, por exemplo, no romance de Manzoni - que o autor de Dom Quixote já
lhe atribuía. Na verdade, tanto para Scott como para quem o imitou, o dispositivo do manuscrito, além
de servir para autenticar o que está sendo contado, permitiu ao autor intervir, corrigindo, ampliando,
questionando ou esclarecendo o conteúdo da história primária, ou seja, a fonte original, e comparando
os eventos do passado com a situação contemporânea. O autor-narrador vai diretamente ao leitor e se
apresenta como a instância enunciativa intermediária que reconecta o passado do primeiro manuscrito
com o presente do momento do recebimento.
Essa variedade de referentes que convergem no romance histórico encontra uma unidade
segundo seu projeto semântico (representando de forma provável uma época do passado histórico
nacional, de preferência a Idade Média) e por sua função didática e sócio-ideológica, diretamente
ligada à situação política e a historiografia romântica (pp. 75-77) [...]
Na Dedicatory Epistle encontramos a formulação de um dos argumentos fundamentais que
sustentam a praticabilidade do gênero romance histórico: a ideia de que as paixões e os sentimentos e
mesmo as formas de pensar e agir do passado são em grande parte semelhantes aos contemporâneos.
No entanto, o autor não deve introduzir nenhum elemento "inconsistente" com respeito aos costumes
da época (roupas, paisagens, objetos, arquitetura) e, embora sua linguagem não deva ser obsoleta ou
ininteligível, devem ser evitadas, se possível, palavras ou expressões que tenham um caráter
absolutamente moderno [...].

Scott, portanto, traça as linhas fundamentais do gênero e sinaliza implicitamente o pacto


narrativo que propõe ao leitor: os romances históricos são composições ficcionais cuja ação se passa
em um período concreto do passado nacional e em que os acontecimentos e personagens cuja
existência é historicamente documentada está entrelaçado com personagens e eventos fictícios. No
entanto, não se deve esperar uma rigorosa fidelidade histórica, já que o escritor de ficção goza de
certas licenças que lhe permitem atualizar o passado para torná-lo inteligível aos leitores
contemporâneos e, assim, despertar seu interesse pela história [...].

4
Observe que, pelo menos a partir do cap. X, a história de Dom Quixote seria o resultado da tradução de um
manuscrito árabe por um mouro pago pelo autor. O manuscrito continuou uma história cujo início só o autor
conhecia. Deve-se acrescentar também que, como será no caso do romance histórico, se trata de um autor
mentiroso que se desvanece na figura ficcional do narrador: os manuscritos dos quais os romances históricos
derivariam são uma mera convenção literária pura e nunca existiram (NdT).
No entanto, deve ser esclarecido que Scott não deve ser considerado o arquétipo do gênero [...]
o gênero do romance histórico não é criado com Scott, mas sim quando outros escritores descobrem
possibilidades narrativas iteráveis em seus romances. O gênero se constitui historicamente como um
processo de "imitação" entendido à maneira de Genette, ou seja, como uma elaboração: uma abstração
de uma matriz genérica que se renova em cada uma das obras pertencentes à mesma série genérica.
(pp. 84-85)

4.5 Traços genéricos do romance romântico histórico


O sistema genérico do romance romântico histórico pode ser concretizado nas seguintes
características:
a) um projeto semântico-pragmático voltado para a reconstrução do passado, ou melhor, um
projeto orientado para a reconstrução imaginativa, por parte do leitor, de uma época do passado
histórico, de preferência a Idade Média. Os textos das séries genéricas já oferecem desde o título, ou
nas primeiras linhas do texto, as indicações cronológicas e topográficas necessárias para situar os fatos
que serão narrados. Isso sublinha a distância temporal entre o passado do mundo narrado e o presente
do mundo real do leitor.
b) a diegese consiste em elementos históricos (espaços, acontecimentos, personagens) e
elementos inventados.
- em geral, personagens históricos intervêm na ação, mas os protagonistas são personagens
fictícios, muitas vezes representativos de um grupo social.
- predominam procedimentos descritivos visando a uma diegese de tipo costumbrista e
arqueológica.
c) a história se configura em uma trama ficcional baseada nas vicissitudes e na trama para
manter vivo o interesse dos leitores (desafios, sequestros, assaltos a castelos, duelos, mortos revividas,
intervenção de feiticeiros, etc.)
d) a modalização dominante é a de um narrador extradiegético onisciente caracterizado por:
- fingir ser o transcritor ou editor de um manuscrito original que contenha o relato verídico dos
eventos.
- Apresentar-se como figura do saber (histor)5 que transmite aos leitores as informações
históricas extradiegéticas necessárias à continuação e compreensão completa do narrado.
- desenvolver suas funções metanarrativas e ideológicas (comentários sobre a fiabilidade do
manuscrito que serve de fonte, contraste entre o passado e o presente, comentários morais, filosóficos
ou digressões, etc.).
- situar-se no mesmo plano temporal do leitor, o presente, em relação ao passado da história.

5
A etimologia da palavra "história" é a de "pesquisa" e deriva da palavra testemunho. O histor deve ser
entendido como um juiz que estabelece a verdade a partir dos depoimentos.
Nesse sentido, nenhuma diferenciação é possível entre esse narrador e a figura do autor
implícito.
Todas as características assinaladas indicam os objetivos básicos do romance romântico
histórico, a verossimilhança e o didatismo, baseados, antes de tudo, no respeito pelos dados e pelas
versões da historiografia sobre personagens e acontecimentos narrados.
Na evolução do gênero pode-se observar como mudam as funções dos elementos e sua
hierarquização no sistema genérico, do qual resultam variantes como o chamado romance histórico
arqueológico que privilegia a informação histórica e a descrição detalhada de objetos, vestuário,
hábitos, costumes, arquitetura em detrimento de outros fatores (...); o romance de aventura histórica
(folhetim de Dumas) é caracterizado por reduzir o peso do historiador em favor de estratégias
romanescas e elementos ficcionais [...] (pp. 101-103)

5.3 O romance histórico realista, os Episódios Nacionais de Galdós


(114) Na Espanha, o gênero do romance histórico se renova com os Episódios Nacionais de
Benito Pérez Galdós e se desenvolve no último terço do século XIX. […]. O episódio nacional
significa uma renovação do romance histórico que opta por situar a diegese em um período da história
nacional próximo do presente do autor e dos leitores [...]. A redução da distância temporal tem
impacto significativo na estrutura e na projeção semântica dos romances, ocasionando diferenças
formais que se convertem em marcas de identificação da renovação genérica, conforme indicado a
seguir:
a) ao diminuir a distância temporal entre o passado diegético e o presente da instância
enunciativa, o episódio nacional se afasta da estrutura do "romance" típica do romance histórico
romântico para se conformar aos procedimentos da poética realista [...] . O passado distante sempre
adquire uma carga de exotismo e mistério que empurra o romance histórico para o reino do
"romance"; o passado recente, por outro lado, se impõe em sua realidade, pois o leitor projeta
imediatamente seus referentes extensionais sobre o referente intensional.
b) os resumos e pausas digressivos e informativos, tão abundantes no romance histórico
tradicional, são consideravelmente reduzidos à medida que o romancista assume que seus leitores
estão equipados com conhecimento suficiente sobre os personagens e eventos históricos que estão
sendo ficcionalizados. Em todo caso, a informação histórica aparece ficcionalizada e é introduzida
através dos diálogos entre os personagens, não como mera informação ao leitor, mas como uma
história vivida, ou seja, os personagens falam sobre o que está acontecendo com eles, dramatizam os
processos da história na frente do leitor. Por outro lado, esse maior nível de conhecimento histórico do
leitor exige que o autor use com mais rigor a documentação em que se baseia para configurar o
romance.
c) os acontecimentos da história se impõem e determinam a trama ficcional.
d) o protagonismo é dividido entre personagens fictícios e figuras históricas proeminentes. A
história anônima e privada coexiste com a história pública, de modo que o episódio se torna uma
crônica da vida cotidiana e mostra o efeito de grandes acontecimentos na vida privada dos indivíduos.
[...]
e) Intencionalidade didática: Hinterhauser fala dos Episódios Nacionais como um “meio de
educação política”. De facto, a seleção, apresentação e interpretação dos acontecimentos sociais e
políticos do século XIX espanhol são efetuadas a partir de uma concepção liberal progressista, para
que a narrativa progrida intimamente ligada à interpretação do narrado. O episódio põe em jogo certas
técnicas retórico-narrativas para persuadir o leitor da plausibilidade da interpretação proposta e que se
materializam da seguinte forma:
- fortalecimento da autoridade e credibilidade da instância enunciativa, tanto intra quanto
extradiegética.
- construção de personagens que funcionem como intérpretes autorizados dos acontecimentos
diegéticos, visto que são os porta-vozes do sistema de valores sustentado no texto.
- presença de comentários explícitos na fala do narrador ou em diálogos entre personagens sobre
ideias e abordagens centrais do texto.
Esses procedimentos não pretendem impor ao leitor uma visão unívoca dos acontecimentos
diegéticos, como no caso do romance de teses, mas antes incitá-lo a julgar ética e socialmente a
conduta de personagens históricos e fictícios e para aplicar essas avaliações a situações em seu mundo
referencial [...] (117)
(119) Os episódios prescindem do artifício do manuscrito encontrado e do autor-transcritor. O
efeito de verdade é alcançado, por um lado, pelo conhecimento que o leitor tem dos fatos,
conhecimento que o episódio explora para incitar uma projeção constante do mundo intensional do
texto sobre a referencialidade do leitor e, por outro , na acentuação da função testemunhal e
autenticadora dos personagens, por vezes personagens-narradores […] que assistem ou participam de
eventos e cuja presença equivale a um certificado de autenticidade do narrado […] esta técnica não
pode ser interpretada como subjetivação da história com respeito à onisciência do narrador autoral
romântico.
É verdade que os eventos históricos são transmitidos através da perspectiva cognitiva e
emocional do personagem, mas o romance dota esses personagens de confiabilidade absoluta, uma vez
que assumem a visão do autor implícito. O processo de relativização do discurso histórico virá não
tanto do personagem quanto do narrador. Que, nas suas digressões e nos comentários metanarrativos,
destaca os limites da história oficial e admite a existência de diferentes tipos de história que anulam a
possibilidade de uma versão única dos fatos.

9. O romance histórico na segunda metade do século XX (pp. 143-147)


Em 1925 Ortega y Gasset, em seu ensaio Ideias sobre o romance, diagnosticou o esgotamento
da estética mimético-representativa e, portanto, o fim do romance realista e, em geral, de todos os
romances que remetem o leitor à realidade extra-ficcional. Com base nesses critérios, diminuiu o
valor do romance histórico e até mesmo, como Manzoni já havia feito, prognosticou sua
impossibilidade.
Parece que o romance histórico se comprometeu a sobreviver e a refutar todas as previsões de
desaparecimento e inviabilidade. O que Manzoni, Ortega e depois Amado Alonso, entre outros,
consideraram como a maior falha do romance histórico, seu hibridismo, tornou-se seu maior atrativo
nas últimas décadas do século XX. Na verdade, o romance histórico ressuscitou a partir da Segunda
Guerra Mundial e desde então o interesse pelo gênero, por parte de autores e leitores, só aumentou até
se tornar um fenômeno cultural transnacional que se manifesta não apenas nas sociedades ocidentais,
mas também em outras esferas culturais, como a das nações árabes.
A força do romance histórico pode estar relacionada ao sucesso de outros gêneros que, por sua
vez, se situam nos limites entre história e ficção: gêneros híbridos entre o documento verídico
(referencial) e a elaboração literária, ficcional, como por exemplo as autobiografias, biografias,
epistolografia, diários e non fiction novel ou faction.
Conforme explicado no início deste capítulo, as categorias do real, do histórico e do ficcional
são categorias pragmáticas e relacionadas às abordagens epistemológicas, cognitivas e ideológicas em
um sentido amplo que articulam os sistemas culturais de cada etapa de sua história.
[...]
a) O descrédito dos paradigmas objetivistas. A nova função do historiador.
Nos últimos trinta anos, testemunhamos a demolição dos grandes paradigmas objetivistas em
que se baseavam as escolas historiográficas dominantes: a famosa École dos Annales, a historiografia
marxista ou a historiografia liberal britânica. Simultaneamente com este colapso, todos os tipos de
estudos históricos e direções de pesquisa, tais como micro-história, macro-história (ou história
comparada de grandes processos sociais), história oral, história da vida privada, história de
mentalidades e história das mulheres proliferaram como nunca antes. Essa multiplicidade de caminhos
e orientações trouxe mais uma vez à mesa a questão central sobre a possibilidade de se chegar a um
conhecimento objetivo sobre o passado, sobre a sociedade, sobre os processos de mudança. [...]
b) A perda das "fés unificadoras". O novo conceito de progresso.
Por outro lado, o descrédito da teoria que pressupunha a existência de um princípio unificador
de natureza universal que daria sentido ao processo evolutivo das sociedades humanas tem causado
espanto entre os historiadores. Tínhamos chegado ao "fim do sentido emancipatório da história" a que
o filósofo G. Vattimo (1986) aludiu em um artigo curto, mas inteligente: a visão cristã da história, a
idealista, a positivista e a marxista finalmente perderam a sua força como crenças unificadoras e esta
perda trouxe consigo uma “secularização do progresso” [...].
Este descrédito da noção de progresso é então o resultado do próprio progresso pela simples
razão de que implicou a visibilidade de uma multiplicidade de culturas e sistemas de valores que
tornaram impossível identificar o progresso com o desenvolvimento de um determinado ideal do
homem, o ideal da Europa Ocidental [...].
c) Da voz da História às vozes da História
Enquanto nas décadas de 1950 e 1960 os historiadores se sentiam atraídos por modelos mais ou
menos deterministas de explicação histórica, atualmente há uma preferência por modelos que
consideram a liberdade de escolha das pessoas, sua capacidade de indicar as inconsistências dos
sistemas sociais e políticos. A interdisciplinaridade e o uso de diferentes tipos de documentos e fontes
tornam-se uma obrigação. Uma questão extremamente importante para o romance histórico é aquela
que diz respeito à construção da enunciação histórica e à relação entre o historiador e o leitor.
Tradicionalmente, a Voz da História era uma voz dotada de uma autoridade que estabelecia a verdade
com sua própria palavra, muitas vezes a palavra quase de um oráculo, já que o historiador cancelava
todo traço de enunciação para obter, como dizia Barthes, uma transparência absoluta que conduzia
palavras diretamente à realidade, aos fatos. [...]

9.2 O novo romance histórico (149-161)


[...]
Nas últimas décadas do século XX, o romance histórico pode ser dividido em duas linhas
fundamentais: (I) uma que mantém, em suas características essenciais, o modelo genérico tradicional
(II) e outra que altera essas características e que se denomina de novo romance histórico ou romance
histórico pós-moderno.
I) Os romances históricos que seguem o caminho iniciado por Scott mantêm o respeito pelos
dados e pelas versões historiográficas em que se baseiam, a probabilidade na configuração da diegese
e a intenção de ensinar história ao leitor. Porém, trazem interessantes inovações formais e temáticas
que os separam do modelo clássico (oitocentista), materializando-se assim na subjetivação da história
e na dissolução das fronteiras temporais entre o passado da história e o presente da enunciação, o que
dá a narrativa uma transcendência mítica. Tudo isso se manifesta no abandono do narrador onisciente
em favor de perspectivas parciais e individualizadas a partir da narração homodiegética. O romance
que ilustra essa tendência é Memórias de Adriano, de Marguerite Yourcenar […].
II) O novo romance histórico, ao invés, propõe um modelo genérico em comparação aberta com
os pilares fundamentais da tradição e seus métodos de construção são dois:
A) A distorção de materiais históricos (eventos, personagens e cronologia estabelecidos pela
historiografia oficial) ao incorporá-los na diegese ficcional.
Sem dúvida, esse é o traço que constitui a ruptura mais radical com o modelo genérico
tradicional que se baseava no respeito aos materiais históricos usados para construir o universo
diegético ou a trama narrativa. Os autores do romance histórico clássico (de Scott a Tolstoi) se
permitiram inventar naquelas áreas que a historiografia havia deixado vazias e "obscuras": as esferas
privadas e íntimas dos personagens históricos, o cotidiano das massas anônimas, as circunstâncias
secundárias – e, no entanto, muito significativas – que giram em torno ou precedem grandes eventos.
A invenção se completou, matizou e criticou, mas não chegou a contradizer as versões historiográficas
vigentes sobre o acontecimento ou personagem ficcional. O novo romance histórico, por outro lado,
altera de forma consciente, voluntária e manifesta as versões geralmente aceitas dos fatos, as
características dos personagens históricos, suas atitudes e motivações, o curso ou o resultado dos
acontecimentos. Essa distorção da história se manifesta por meio de três processos narrativos
fundamentais:
1) A proposta de histórias alternativas, apócrifas e contrafatuais sobre eventos ou personagens
de grande importância histórica.
Para Wesseling (1991), as versões contrafactuais da história desenvolvidas por autores como
Thomas Pynchon, Ishmael Reed e Salman Rushdie respondem a uma série de motivos recorrentes: por
um lado, o sentimento apocalíptico de que a história da civilização europeia terminou porque foram
desencadeadas forças que não podem ser controladas; por outro lado, o desejo de enfrentar o futuro na
perspectiva das possibilidades não realizadas no passado. Não se trata tanto de reescrever a história,
mas de abrir novos horizontes para a história futura. De fato, esses romances apresentam os fatos na
perspectiva dos perdedores, das minorias marginalizadas e excluídos da história, mostrando assim que
privilegiar uma tradição textual implica aceitar uma versão específica da realidade histórica em
detrimento de outras versões diferentes.
2) A exibição de procedimentos hipertextuais.
O romance histórico pode ser considerado um gênero hipertextual, pois é sempre elaborado a
partir de uma história já contada em outros discursos (crônicas, manuscritos, documentos, lendas,
relatos históricos ...), aos quais se refere de forma mais ou menos explícita. Esse caráter hipertextual
era introduzido no texto, ou nos prólogos e epílogos, do narrador autoral, normalmente na forma de
comentários metanarrativos através dos quais a fiabilidade das fontes era questionada e os dados do
manuscrito do qual a história foi extraída eram borrados ou corrigidos. A ficção histórica tradicional,
com efeito mantinha as passagens metanarrativas ao serviço de um efeito de verossimilhança da
história narrada. Em última análise, não apenas não questionava, mas realmente a autenticava e
endossava. No romance histórico do final do século XX, a relação com esses outros discursos torna-se
mais complexa e explícita e se expressa por meio da ironia, da paródia, do disfarce ou da sátira. Já não
se pretende criar a ilusão de historicidade ou mesmo de verossimilhança na recriação do passado, mas
evidenciar seu caráter textual e narrativo. Umberto Eco (1983), explicando o valor dos procedimentos
hipertextuais na conformação formal e temática de seu romance O Nome da Rosa (1980), lembra que a
vanguarda destruiu o passado e o desfigurou a um ponto sem volta, então:
A resposta pós-moderna ao moderno é reconhecer que o passado, uma vez que não pode ser
destruído, porque sua destruição leva ao silêncio, deve ser revisitado. Com ironia, de forma não inocente
(Eco: 529)

3) A multiplicação de anacronismos cujo objetivo é desmantelar a ordem "natural" da


historiografia.
O novo romance histórico se desenvolveu de forma brilhante na América de língua espanhola
desde o final dos anos 1970. Seymour Menton (1993) atribui esse sucesso à aproximação do quinto
centenário do descobrimento da América [...]. De fato, a historiografia sobre o processo de conquista e
colonização da América foi escrita e configurada a partir da perspectiva cultural e ideológica do
Ocidente invasor. A outra história da conquista ficou em aberto, com suas versões e interpretações,
com suas imagens e sua entonação própria. Os escritores buscaram dar voz a essa memória viva de
seus povos e expor não só o que significou para eles a chegada dos espanhóis e europeus, mas também
o que pensaram daquela civilização que destruiu seu mundo e sua cultura. E uma dessas estradas foi
encontrada no romance histórico.
É certo que assistimos recentemente a uma revisão da historiografia no Ocidente e que a
polêmica celebração do quinto centenário deu impulso ao questionamento de muitas das abordagens
tradicionais desses eventos. Em todo caso, o romance tem possibilidades que se fecham à história, ou
seja, a capacidade de expressar os modos de sentir da memória, de dar forma a um passado emocional
em que não importa tanto reconstruir o acontecido, mas em representá-lo (reescrevê-lo) de uma
perspectiva estranhada e comprometida. [...]
Em suma, essa reescrita se baseia na transposição diegética do personagem que se desloca do
contexto espaço-temporal que lhe pertence para outros espaços localizados em tempos muito
posteriores.

B) A metaficção se constitui como eixo formal e temático do novo romance histórico.


O novo romance histórico centra-se precisamente no questionamento da historiografia e tudo
isso determina a estrutura, a semântica e a pragmática dos textos que se apresentam como romances da
metaficção historiográfica.
A capacidade do discurso histórico de oferecer uma versão confiável do que realmente
aconteceu é questionada ou negada. A suposta objetividade ou valor de verdade do discurso histórico é
radicalmente desmantelado por várias razões: a) o discurso da história é inseparável do historiador, e
suas abordagens políticas, ideológicas e culturais b) os fatos foram selecionados e hierarquizados com
base em critério subjetivos; c) os fatos e personagens foram introduzidos em uma trama narrativa que
lhes deu vínculos de causa e efeito e que lhes deu sentido de acordo com os fins estabelecidos pelo
historiador; d) a história que conta as questões humanas é indissociável dos detentores do poder e,
portanto, as narrativas históricas funcionam como legitimadoras dos discursos dos poderes religiosos,
políticos e ideológicos.
Mas o novo romance histórico não só ataca os fundamentos epistemológicos da historiografia,
mas chega a questionar a ontologia de seus próprios fatos, visto que o passado, como tal, é inacessível
e só chega a nós por meio de textos, textos que constroem os fatos como fatos históricos de acordo
com certos pressupostos políticos e ideológicos. Portanto, as fontes não são confiáveis e é necessário
interpretá-las criticamente, opor-se a elas e também colocar-se algumas questões sobre os silêncios da
história.

Capítulo III: poética do romance histórico.


[...]
1. O paratexto como figura genérica
Em relação direta com o que foi afirmado anteriormente, e antes de abordar a análise dos traços
estritamente textuais, é essencial voltar a atenção para o paratexto que Genette (1987)
metaforicamente descreve como um limiar (seuil), uma zona de transição e transação entre o interior e
o exterior do texto. O paratexto inclui um amplo e diversificado conjunto de tipos de discurso (título,
subtítulo, capa, prólogos, epílogos, notas de rodapé, ilustrações, epígrafes, etc.) que fornecem
informações ao leitor para orientar a interpretação e colocá-lo em uma posição específica a partir da
qual encarar seu encontro com a obra. Essas informações incluem a afiliação genérica do texto.
Genette (1987: 10-11 e 316-363) diferencia dois grandes grupos dentro do paratexto: o
peritexto, que inclui todos os elementos paratextuais que aparecem incluídos no mesmo volume do
livro (título, intertítulos, prólogos, epígrafes ... ) e o epitexto, que contém mensagens colocadas fora do
texto que circulam em um espaço físico e social praticamente ilimitado: anúncios, promoções, boletins
editoriais, artigos dos próprios autores, entrevistas ou conversas com eles, comentários tardios e até
mesmo epítextos privados, por exemplo, cartas, diários, cadernos, etc.
O romance histórico fez uso abundante de elementos paratextuais tanto para informar sobre seu
projeto semântico e pragmático, como para esclarecer os termos do contrato de leitura. Como se viu no
capítulo anterior, os autores de romances históricos mostraram desde o início uma clara consciência
genérica que os levou a explicitar suas intenções, a esclarecer sua posição na série genérica, bem como
a conformar um leitor implícito6 que orientasse a conduta interpretativa do leitor real.

6
O conceito de leitor implícito, posto em circulação por Wolfgang Iser (1972), é teoricamente ambíguo, pois é
definido tanto como instância de recepção imanente no texto quanto como sua atualização pelo leitor real. Em
1979, Umberto Eco desenvolveu o conceito de leitor modelo [...] apropriando-nos da teoria de Eco, entendemos
o conceito de leitor implícito como estratégia textual constitutiva de todos os textos. O leitor implícito configura-
se em uma série de elementos de incerteza contidos no texto, no pacto genérico proposto, nos níveis de
competência (literária, narrativa e linguística cultural) que o texto requer para ser lido e no conjunto de
instruções textuais do todos os tipos, que conduzem a decodificação. O leitor real é chamado a se perceber como
leitor implícito, ou seja, é chamado a cooperar com o texto no processo hermenêutico, embora seja óbvio que
isso não implique seguir um caminho de leitura traçado e único pelo leitor real. O leitor implícito é uma função
1.1. Os títulos
Grivel (1973) destacou a importância do título na definição do tipo de obra e na criação do leitor
implícito: "o título mostra a natureza do texto e, portanto, o tipo de leitura que lhe convém" (p. 166).
Posteriormente, seu discípulo, Leo Hoek (1981), enfatizou que "os nomes de lugares e de personagens
históricos caracterizam o romance histórico" (p. 173). De fato, o romance histórico revela sua filiação
genérica na escolha de títulos muito denotativos: o nome próprio do protagonista histórico ou as
referências diretas ao tempo ou acontecimento histórico em questão. Os títulos são acompanhados de
subtítulos ou títulos secundários que explicam os dados cronológicos dos fatos narrados. Por vezes, o
título ou subtítulo referem-se à história ou aos gêneros a ela relacionados: Memórias de um homem de
ação (Baroja), Memorial do convento ou História do cerco de Lisboa (Saramago).

1.2. Os prólogos e epílogos


A mistura entre o aspecto histórico e ficcional gera uma forte tensão neste gênero literário que
parece requerer certos comentários e justificativas. O autor, então, faz uso de prólogos e epílogos para
defender a autonomia dos direitos da ficção, a intencionalidade estético-literária de seu discurso e ao
mesmo tempo declarar suas fontes historiográficas, indicar o uso que fez de dados históricos, expor
seu conceito sobre gênero e manifestar seus propósitos didáticos.
No romance histórico do final do século XX, surgem prólogos e epílogos cuja função é informar
o leitor sobre as fontes historiográficas utilizadas para o desenvolvimento da obra. É o caso de O
general em seu labirinto (1989) de García Márquez que inclui um epílogo intitulado "agradecimentos"
em que são citados os historiadores que o orientaram na consulta dos materiais, seguido de uma
"cronologia sucinta de Simón Bolívar" elaborada por um historiador. No novo romance histórico em
que se alteram os fatos estabelecidos nas versões historiográficas oficiais, a função metanarrativa
tradicionalmente confiada aos prólogos e epílogos, se move dentro da trama e é assumida pelo
narrador ou pelos personagens, que questionam a fronteira entre a história e a ficção, ressaltando o
caráter narrativo e, portanto, construtivo da História. Não se trata mais de justificar as fontes de onde
os acontecimentos narrados foram retirados, mas de questionar sua fiabilidade [...].

2. Poética do romance histórico


A poética do romance histórico assenta em três aspectos constitutivos, os dois primeiros de
natureza semântica e o último de carácter pragmático. O primeiro, o mais evidente e característico, é a
coexistência em seu mundo ficcional de personagens, eventos e lugares inventados com personagens,

textual que facilita e orienta a interação entre o leitor real e o texto. Em qualquer caso, a fronteira entre o leitor
implícito (uma construção teórica) e o leitor real ou empírico deve permanecer clara. Para dissipar as
ambiguidades entre as diferentes instâncias de recepção, Villanueva sugere a distinção entre leitor implícito,
leitor explícito representado e narrador: o primeiro corresponderia ao conceito de Iser e Eco; o leitor explícito
representado é o leitor inscrito no texto ("o benevolente leitor") a quem o narrador se dirige explicitamente; e o
narrador é o destinatário direto da história do narrador [...].
eventos e lugares que vêm da historiografia, ou seja, materiais que foram codificados e documentados
antes da escrita do romance em outros discursos culturais, que são considerados históricos. O facta
atque infecta7 de Manzoni.
O segundo é a localização da diegese (do universo espaço-temporal em que a ação se desenrola)
em um passado histórico concreto, datado e reconhecível pelos leitores graças à representação dos
espaços, do ambiente cultural e do estilo de vida característico da época (cidade, edifícios, costumes,
atitudes, crenças, objetos, roupas).
O terceiro traço genérico, índice fundamental para a configuração do leitor implícito e a
proposta do pacto narrativo do gênero, consiste na distância temporal aberta entre o passado em que
se passam os acontecimentos narrados e em que agem os personagens e o presente do leitor implícito
(e leitores reais). O romance histórico não se refere a situações e personagens atuais, mas leva seus
leitores ao passado, a realidades mais ou menos distantes e historicamente documentadas.
Pelas características apontadas, podemos deduzir o papel decisivo que a enciclopédia histórica e
cultural dos leitores desempenha na produção e recepção desse tipo de discurso narrativo. O romance
histórico é construído e dirigido para destinatários que supostamente possuem certo conhecimento
sobre o tema histórico escolhido. O discurso é modelado a partir dessa competência, desse
conhecimento presumivelmente compartilhado: por um lado, ele o confirma, o corrobora e o respeita,
pelo menos na medida necessária para torná-lo ativo no texto (o leitor reconhece o que já sabe,
encontra o que ele espera); por outro lado, ele o expande, especifica e o completa integrando aquela
informação que é improvável de ser possuída pela generalidade dos leitores e que em qualquer caso é
necessária para a conformação da diegese ou para a compreensão da ação e da conduta dos
personagens (que dependem, em maior ou menor medida, do extratexto historiográfico de que
derivam); por fim, reelabora tal saber utilizando os procedimentos da ficção e de regras genéricas para
chegar, às vezes, a questioná-lo, desmontá-lo e subvertê-lo. Porém, qualquer que seja o uso que se faça
dessa competência, é ela que alimenta o romance histórico, porque precisa dela para funcionar como
tal.

3. O elemento histórico no romance (181-187)


3.1. Entidades históricas (personagens e eventos)
Por eventos históricos, entende-se aqueles cuja natureza ontológica não foi refutada por
especialistas e nos quais intervêm pessoas cuja existência histórica é atestada por documentação
rigorosa ou pelo menos reconhecida como tal pela maioria dos historiadores. Em vez disso, por
acontecimentos inventados, entende-se aqueles contados em uma narrativa que, ontologicamente
falando, não depende de uma suposta referencialidade histórica e na qual intervêm personagens não
históricos de acordo com a definição acima mencionada. É claro que, em um romance histórico,

7
"Fatos e invenções": é uma referência à expressão que Manzoni usa em seu ensaio sobre o romance histórico de
1850.
personagens históricos podem, por sua vez, intervir em acontecimentos ficcionais e, ao contrário,
personagens fictícios participam de acontecimentos históricos. A diferença ontológica entre os dois
tipos de entidades não impede sua coexistência no universo ficcional. No entanto, como se verá, essa
diferença impõe certas limitações à construção do romance histórico.
Deve-se enfatizar, em primeiro lugar, que qualificar um personagem ou um acontecimento
como histórico não depende tanto de sua realidade ou de sua existência empírica, mas de sua inclusão
em um discurso histórico (elaborado com base nas concepções culturais, ideológicas e epistemológicas
do historiador). Isso significa que personagens e acontecimentos históricos são construídos como
personagens e como acontecimentos na e pela historiografia. Eles não a precedem, mas derivam dela.
[...]
Além disso, os personagens históricos são fixados na memória coletiva por meio de uma série
de traços que se tornam signos de sua identidade e que nos permitem reconhecê-los. Um desses traços
é o nome próprio [...]. Umberto Eco (1976: 162) associa o problema da denotação de nomes próprios
ao conceito de semema como enciclopédia:

Se a representação do semema atribui a uma unidade cultural todas as propriedades que lhe são
unanimemente atribuídas dentro de uma dada cultura, nada melhor do que a unidade correspondente a um
nome próprio é descrita institucionalmente em todos os seus detalhes. Isso acontece antes de tudo no que
diz respeito aos nomes das figuras históricas: cada enciclopédia nos conta tudo o que é necessário saber
para identificar a unidade cultural /Robespierre/.

O nome próprio do personagem histórico incorporado ao mundo ficcional gera no leitor


expectativas diferentes daquelas geradas por personagens imaginários, cuja existência começa no
momento em que é nomeada no texto pelo narrador ou por outra personagem. O nome próprio ativa os
mecanismos da memória, ativa redes conotativas que integram a competência cultural dos leitores e
impõe algumas restrições ao escritor. Enfim, o personagem funciona como histórico apenas na medida
em que é reconhecido como tal pelos leitores, ou seja, desde que haja um código histórico comum ao
escritor e ao seu público. Como Carlos Reis (1992: 145) acertadamente adverte, de uma perspectiva
pragmática:

O funcionamento do romance histórico como tal é possível na medida em que o público a que se
dirige (um público que certamente não é constituído exclusivamente por historiadores) é capaz de
identificar certas situações e entidades históricas, mas provavelmente não importa quais situações e
entidades históricas.

Sem dúvida, ao longo do tempo, com a mudança dos contextos culturais, pode acontecer que os
leitores não tenham mais condições de reconhecer essas entidades como pertencentes à historiografia
e, portanto, que as percebam como fictícias e não ativem sua dimensão histórica. No entanto, é preciso
dizer que a forma de leitura desses textos se transforma não apenas porque os leitores empíricos não
compartilham mais a mesma enciclopédia histórica que os leitores implícitos previstos no texto, mas
porque têm um conceito diferente de historiografia. Com efeito, os romances de Scott ou Fenimore
Cooper hoje são lidos como livros de aventura para jovens. Não tanto porque os leitores atuais não
reconheçam o cenário, certos personagens e acontecimentos desses romances como historiadores, mas
porque o que mudou é a forma de representar as vicissitudes históricas, as formas de contar o passado.
A trama de amor e aventuras e a imagem exótica e misteriosa da Idade Média criada no romance
histórico dissolvem, para os destinatários contemporâneos, sua suposta historicidade [...]
Assim, o mundo ficcional do romance histórico está sujeito a uma série de restrições semântico-
pragmáticas, pois é construído a partir de entidades públicas reconhecidas pela enciclopédia do leitor.
No entanto, o romance histórico, sendo um romance, não é obrigado a seguir exatamente os dados
históricos ou a respeitar as versões oficiais atribuídas a personagens e acontecimentos. O gênero
requer uma base histórica documentada, mas admite diferentes graus de correlação com relação a ela.
Vemos, portanto, desde romances que ostentam suas fontes de informação e aderem rigorosamente aos
dados históricos, subordinando a eles os outros componentes do mundo ficcional (a chamada "história
ficcional") até aqueles que alteram conscientemente sua base histórica traindo as expectativas do leitor
em função de projetos semânticos e estéticos variados. Porém, a alteração de dados históricos, para
fazer sentido, exige ser percebida pelo leitor, sob pena de passar inobservada, o que anularia o sentido.
Entre esses extremos existe uma extensa gama de combinações e possibilidades de jogos ficcionais
que requerem o esclarecimento de contratos genéricos caso a caso.
Brian McHale (1987) indicou as regras para a inserção de realemas históricos que parecem
dominar a narrativa histórica clássica (de Scott a Tolstoi):
a) os realemas históricos só podem aparecer se as propriedades e condições atribuídas a eles no
texto não contradizem a versão histórica oficial. A liberdade do romancista de inventar ação ou
qualidade de figuras históricas permanece limitada às áreas sombrias da história, isto é, ao que a
história não registrou. Essas áreas escuras estão localizadas na esfera privada ou íntima dos
personagens históricos e nos momentos em que eles interagem com os personagens de ficção;
b) esta regra se estende a todo o sistema de reinos que constituem uma cultura histórica,
portanto, restrições e anacronismo;
c) a lógica e a física do mundo ficcional devem ser compatíveis com as do mundo real para que
a transposição de realemas de um mundo para outro seja possível.

Essas restrições que persistiram ao longo da tradição da ficção histórica tornaram-se vulneráveis
pelo romance histórico "revisionista" pós-moderno por meio de três estratégias fundamentais: a
história apócrifa, o anacronismo criativo e a fantasia histórica. A primeira contradiz a versão
historiográfica oficial ao apresentar outra versão completamente diferente; a segunda consiste em
sobrepor as referências culturais do século atual às representadas para enfatizar a impossibilidade de
escapar da perspectiva do presente; finalmente, o terceiro consiste em integrar elementos históricos e
fantásticos.

3.3. Anacronismo (191-196)


O distanciamento temporal do tempo em que decorre a ação narrada no que diz respeito à
atualidade do autor ou do leitor envolve o uso da ferramenta narrativa e linguística do anacronismo.
Cada vez que o passado é evocado, julgamentos, avaliações e interpretações do momento presente são
projetados nele. O anacronismo do romance histórico consiste no fato de o passado ser revisitado e
reescrito com o olhar de hoje, de forma que a imagem atual daquela época é a que determina sua
configuração artística. Falar sobre o passado, escolhê-lo, recriá-lo é uma forma indireta de falar sobre
o presente.
a) Anacronismo verbal: a linguagem do narrador e dos personagens.
O primeiro problema que surge ao apresentar um mundo pretérito é a linguagem dos
personagens e/ou do narrador ou do suposto autor (nos romances fenomenais do
autor-transcritor/editor). Scott foi o primeiro a reivindicar o direito ao anacronismo verbal de seus
personagens com argumentos apresentados na epístola-dedicatória Rev. Dr. Dryasdust. O romancista
escocês também justificou o registro de seus personagens por meio de comentários autorais. Isso
acontece no primeiro capítulo de Ivanhoe para explicar o diálogo que ocorreu entre Wamba e Gurth,
os dois servos de Cedric:

The dialogue, which they maintained between them, was carried on in Anglo-Saxon, which, as we
said before, was universally spoken by the inferior classes, excepting the Norman soldiers and the
immediate personal dependants of the great feudal nobles. But to give their conversation in the original
would convey but little information to the modern reader, for whose benefit we beg to offer the following
translation (Scott 1819: 13).

A atualização da linguagem dos personagens é um anacronismo necessário que entra no pacto


genérico do romance histórico e, em geral, de toda literatura cuja ação se desenvolve no passado. Os
leitores aceitam que os personagens usem uma linguagem que difere da sua apenas no aparecimento
isolado de arcaísmos ou no uso de certas frases que conotam os hábitos e costumes da época recriada.
Frente a esse anacronismo necessário, que dificilmente é percebido como anacronismo pelo leitor,
existem duas possibilidades de anacronismo voluntário e estilístico: a arcaização da linguagem e sua
modernização, ambas utilizadas no romance histórico.
A arcaização da linguagem das personagens e/ou do narrador produz inevitavelmente um efeito
pastiche que reduz a historicidade da história ao aumentar seu grau de estilização. Lukács (1937)
referiu-se a esse problema e, a partir de sua concepção voltada para a defesa do "romance histórico
clássico", censurou a tendência naturalista de arcaização da linguagem no romance histórico. [...]
A antítese antinômica da arcaização, na expressão de Lukács, é a modernização linguística, que
consiste em fazer o narrador ou personagens falarem com palavras e expressões muito modernas que
se chocam abertamente com os usos da época histórica evocada, ou por meio de um registro coloquial
e familiar impróprio para sua categoria histórica. Esse processo implica uma ruptura com as
expectativas do leitor e obedece a uma intencionalidade paródica, irônica ou satírica. O anacronismo
que, como quer Genette (1982: 395) sempre funciona como proconismo (visto que elementos do
futuro estão inseridos no passado), é colocado aqui a serviço de outra prática hipertextual, a do
disfarce.
A modernização linguística anda de mãos dadas com o uso de anacronismos intertextuais:
citações de outros textos literários, históricos, científicos, alusões a outros autores, referências a obras
de arte, música, etc. que pertencem a contextos históricos posteriores ao da época evocada. Esse tipo
de anacronismo costuma aparecer na linguagem do narrador e é amplamente utilizado na tendência
mais crítica do romance histórico contemporâneo como ferramentas de destemporalização e
desistoricização do romance. A multiplicação e o acúmulo de anacronismos intertextuais, com citações
de textos que pertencem a diferentes períodos da história, em uma mistura deliberada de tempos e
contextos, causa um efeito de desordem e confusão. A temporalidade, portanto, torna-se irrelevante.
Passado, presente e futuro são meras convenções, produtos da ordem historiográfica fictícia. O
anacronismo até deixa de funcionar como tal porque não há fronteiras entre os tempos [...],
naturalmente ele atribui um sentido desde que o anacronismo seja reconhecido como tal e sirva como
sinal de cumplicidade entre o autor implícito e o leitor.
b) anacronismo diegético, semântico-sintático. Relação entre os personagens (sua conduta
verbal e não verbal, suas motivações, reflexões e comentários) e o universo diegético a que
pertencem.
O anacronismo também tem sua própria função na construção da diegese. No romance histórico
é essencial configurar uma diegese que evoque o ambiente e a vivacidade do passado para o leitor. A
descrição desempenha um papel decisivo neste projeto de retratar uma realidade pretérita. No entanto,
na consistência do mundo ficcional, a probabilidade diegética não é alcançada apenas com uma
representação convincente do contexto histórico: os personagens históricos e ficcionais precisam se
ajustar a esse quadro diegético. O anacronismo surge quando não há congruência entre o contexto e
seus habitantes. O passado é então reduzido a mero cenário, uma espécie de museu arqueológico em
que falam, sentem e agem personagens elaborados a partir dos esquemas ideológicos, psicológicos e
culturais do presente do autor. Alguns críticos [...] censuraram o romance histórico arqueológico, que
é aquele que reconstruía com excesso de detalhes arquitetura, lugares, objetos, vestuários, móveis,
trajes, arte, gastronomia e gostos da época, porque exibia considerável erudição ao mesmo tempo que
não se preocupava com a interação dos personagens com seu contexto8.

8
A esse respeito, ver as Apostilas a O nome da rosa sobre a distinção entre romance e novel e o “romance
histórico” de Dumas (NdT).
4. O pacto pela leitura do romance histórico (197-202)
Desde as suas origens, o romance histórico, precisamente pela dupla natureza dos seus
componentes diegéticos, históricos (documentados, verificáveis) e imaginários, bem como do seu
projeto semântico de reescrever a história a partir da ficção, propõe um contrato de leitura híbrido,
ambíguo, dado que se apresenta como ficção e como História.
A ficcionalidade é uma categoria pragmática estabelecida em um processo comunicativo por
quem nele participa e que convencionalmente caracteriza certas práticas comunicativas, como as que
se inscrevem no contexto da literatura. O contrato ficcional que funciona na comunicação literária
significa basicamente que o pacto de verdade em que se baseiam os discursos referenciais permanece
em suspenso. O autor não se compromete a respeitar nem a verdade moral da sinceridade, nem a
verdade lógica da referência. Por isso mesmo, não exige credibilidade do seu destinatário [...].
No romance histórico o pacto da ficcionalidade é assegurado em um nível pragmático, uma vez
que a fonte da linguagem do romance histórico é uma fonte fictícia: um narrador que não é seu autor e
que pertence ao mundo imaginário criado pelo texto. No entanto, a ficcionalidade também tem uma
dimensão semântica, uma vez que os romances criam mundos ficcionais nos quais os personagens
atuam e os eventos acontecem de acordo com as convenções da poética de sua ficção relativa. Deste
ponto de vista, o romance histórico oferece uma diegese cuja consistência se baseia na representação
de fatos, situações, personagens que já foram narrados em textos históricos e cuja existência empírica
é atestada nesses mesmos textos, de maneira tal que o destinatário os reconhece porque fazem parte de
sua enciclopédia cultural [...].
Há, portanto, no gênero romance histórico, uma certa discrepância entre uma ficcionalidade
pragmaticamente assegurada e um conteúdo narrativo que remete a outros discursos, aliás carregado
de instruções referenciais cronológicas precisas (nomes próprios registrados pela enciclopédia
histórica ou cultural, dados cronológicos precisos, descrições de lugares muito detalhados, exposição
de informação ou conhecimento histórico) e que podem até ser verificados pelos leitores, ou pelo
menos contrastados com as versões historiográficas mais ou menos oficiais […]
Obviamente, os termos desse pacto narrativo variam de acordo com o grau de compromisso
com a historicidade contraído pelo romance. Como já foi dito, o romancista pode se aproximar do polo
da historicidade ou da invenção, o que evidentemente dará lugar à construção de leitores implícitos
distintos. O romance histórico que se baseia em pesquisas rigorosas e que procura respeitar a verdade
substancial do tempo, do personagem, dos acontecimentos históricos ficcionais é aquele que mais
intensamente sustenta o caráter híbrido do pacto narrativo, uma vez que se apresenta como uma versão
dos eventos que compete com as versões históricas. Por outro lado, nem todos os argumentos
históricos geram a mesma expectativa e nem mesmo devem causar polêmica. Como afirmado
anteriormente, tudo depende do impacto que o personagem ou o acontecimento histórico do passado
ainda exerce sobre o presente dos leitores [...] Com efeito, a ambiguidade do pacto se torna evidente
em situações concretas como a polêmica que surgiu a seguir a publicação do romance de García
Márquez O general em seu labirinto narrando os últimos dias da vida do general Simón Bolívar [...] os
membros da Academia Colombiana de História ficaram ofendidos com o retrato do escritor do general
Santander. O presidente da Academia considerou isso uma provocação e outro historiador diz que os
agradecimentos, os mapas e a cronologia que aparecem no final do livro sugerem que se trata de um
romance verdadeiramente histórico.

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