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O tratamento deste assunto requer uma explicação. Em espanhol, assim como em inglês, é possível distinguir
entre romance e novel (em espanhol: romance vs novela). Nesse contexto, a distinção é de fundamental
importância e se baseia, entre outras coisas, em uma distinção proposta pelo próprio Scott (apud Fernández p.
81): “the romance is a fictitious narrative in prose or verse; the interest of which turns upon marvellous and
uncommon incidents. The novel is a fictitious narrative, differing from the romance because the events are
accommodated to the ordinary train of human events and the modern state of society”. Veja a capa da
primeira edição de Ivanhoe que mostra a dicção romance e não novel.
caráter de uma nova versão dos fatos: respeitosa, irônica, desmistificadora, apologética, paródica etc.
[...] (p. 37)
d) a função de um gênero literário varia em função das transformações do sistema literário e
cultural em que está inscrito e da situação de recepção. Assim, o papel que o romance histórico
desempenhou no sistema cultural do Romantismo não pode ser extrapolado para o romance histórico
do realismo ou para o do início do século XX e, evidentemente, nem mesmo para o romance histórico
contemporâneo. Há gêneros de vida efêmera cujas fronteiras temporais podem ser traçadas com certa
precisão e gêneros que, por outro lado, permanecem no favor de escritores e leitores por períodos
muito prolongados de tempo, passando por momentos de maior e menor êxito, sem perder sua
atualidade. É o caso do romance histórico, que exibiu uma vitalidade admirável desde o primeiro terço
do século XIX até os dias atuais e que teve um sucesso extraordinário nas últimas décadas a ponto de
ser um dos gêneros de novela mais significativos da pós-modernidade (p. 38).
2. Literatura e história
[...] O discurso literário se caracteriza em relação ao histórico porque conta fatos inventados.
Portanto, seu propósito não é a verdade, mas a verossimilhança, não do real, mas do possível. A
comunicação literária se articula por meio do pacto de ficção em virtude do qual o pacto de veracidade
que rege os discursos referenciais permanece pendente. Em última instância, o leitor produz uma
"suspensão voluntária da descrença" que o leva a aceitar um discurso fictício, isto é, um discurso que
não é do autor do texto, mas de uma fonte imaginária de linguagem cuja responsabilidade só vale no
interior do mundo configurado pelo texto.
Ora, os conceitos de realidade e de ficção, de verdade e verossimilhança não são entendidos
aqui em sua dimensão ontológica, mas pragmática; são conceitos culturalmente construídos de tal
forma que, para defini-los, é imprescindível fazer referência aos contextos histórico-culturais e aos
sistemas ideológicos que os conformam. Realidade é sempre o que uma cultura (ou comunidade
sociocultural) admite como o que é ou pode ser e essa concepção se baseia em uma série de leis e
critérios estabelecidos a partir dos distintos códigos e discursos que dão sentido (fragmentam,
hierarquizam e estruturam) o continuum do “real” [...] (p 39).
No entanto, certos gêneros discursivos institucionais codificaram certas estratégias retóricas que
funcionam culturalmente como sinais de veracidade. Como membros de uma comunidade cultural, os
destinatários desses discursos aprendem procedimentos interpretativos sobre os distintos tipos de
verdade que se estabelecem nos processos de comunicação social. Como já mencionado, a realidade é
um produto da cultura e esta se estrutura em códigos e discursos que recortam (semiotizam) o
continuum da realidade e são legitimados socialmente como verdadeiros, ou seja, discursos confiáveis
para orientar a ação dos indivíduos sobre a realidade. Por isso, a verdade (no sentido débil, mas
funcional e necessário a que nos referimos) é um requisito atribuído culturalmente e, portanto, exigido,
a certas modalidades discursivas, uma delas é a História. Na verdade, o discurso histórico é proposto
como um discurso de verdade, ou melhor, como um discurso que se propõe a oferecer uma versão o
mais confiável possível dos processos, acontecimentos ou personagens do passado histórico, a partir
de documentos e depoimentos. O historiador coloca em jogo seu crédito profissional naquilo que
afirma ser verdadeiro e sua afirmação permanece sujeita aos testes de verificação, contraste e
refutação, tanto de outros historiadores quanto de leitores. O discurso histórico deve "validar" sua
verdade com base em sua disciplina [...] (p. 41).
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Na segunda metade do século XVIII, uma interessante evolução da narrativa do romance, o "romance gótico",
foi produzido na Inglaterra. Seu apogeu pode situar-se entre 1764, data da publicação de O Castelo de Otranto
de Horace Walpole, e 1820 […]. A novidade do gênero "romance gótico" consiste no fato de ser o primeiro
projeto narrativo que tenta explicitamente misturar procedimentos que remetem a dois modelos genéricos
opostos: o do romance medieval antigo e o do romance moderno com tendência realista. O romance gótico quer
ser o romance dos tempos modernos [...]. Scott elogia o rigor e o cuidado com que Walpole reconstruiu a época
em que se situa a ação e enfatiza que essa fidelidade ao contexto histórico faz com que o leitor aceite a
intervenção do maravilhoso (p. 73).
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“Costumbrismo” no texto original (NdT).
e) aproveita até certo ponto as sugestões da arte de Cervantes4 na configuração da instância
enunciativa. O caráter “factual” da história narrada é confirmado pelo antigo procedimento de fingir
que os fatos estão documentados em um manuscrito ou em uma crônica escrita por uma testemunha. O
autor, portanto, se apresenta como editor ou transcritor de uma fonte histórica original que é fiadora da
veracidade da narração, como já acontecia nos romances de cavalaria espanhóis.
O romance histórico segue esse expediente, mas incorporando a projeção metanarrativa e
irônica - como fica evidente, por exemplo, no romance de Manzoni - que o autor de Dom Quixote já
lhe atribuía. Na verdade, tanto para Scott como para quem o imitou, o dispositivo do manuscrito, além
de servir para autenticar o que está sendo contado, permitiu ao autor intervir, corrigindo, ampliando,
questionando ou esclarecendo o conteúdo da história primária, ou seja, a fonte original, e comparando
os eventos do passado com a situação contemporânea. O autor-narrador vai diretamente ao leitor e se
apresenta como a instância enunciativa intermediária que reconecta o passado do primeiro manuscrito
com o presente do momento do recebimento.
Essa variedade de referentes que convergem no romance histórico encontra uma unidade
segundo seu projeto semântico (representando de forma provável uma época do passado histórico
nacional, de preferência a Idade Média) e por sua função didática e sócio-ideológica, diretamente
ligada à situação política e a historiografia romântica (pp. 75-77) [...]
Na Dedicatory Epistle encontramos a formulação de um dos argumentos fundamentais que
sustentam a praticabilidade do gênero romance histórico: a ideia de que as paixões e os sentimentos e
mesmo as formas de pensar e agir do passado são em grande parte semelhantes aos contemporâneos.
No entanto, o autor não deve introduzir nenhum elemento "inconsistente" com respeito aos costumes
da época (roupas, paisagens, objetos, arquitetura) e, embora sua linguagem não deva ser obsoleta ou
ininteligível, devem ser evitadas, se possível, palavras ou expressões que tenham um caráter
absolutamente moderno [...].
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Observe que, pelo menos a partir do cap. X, a história de Dom Quixote seria o resultado da tradução de um
manuscrito árabe por um mouro pago pelo autor. O manuscrito continuou uma história cujo início só o autor
conhecia. Deve-se acrescentar também que, como será no caso do romance histórico, se trata de um autor
mentiroso que se desvanece na figura ficcional do narrador: os manuscritos dos quais os romances históricos
derivariam são uma mera convenção literária pura e nunca existiram (NdT).
No entanto, deve ser esclarecido que Scott não deve ser considerado o arquétipo do gênero [...]
o gênero do romance histórico não é criado com Scott, mas sim quando outros escritores descobrem
possibilidades narrativas iteráveis em seus romances. O gênero se constitui historicamente como um
processo de "imitação" entendido à maneira de Genette, ou seja, como uma elaboração: uma abstração
de uma matriz genérica que se renova em cada uma das obras pertencentes à mesma série genérica.
(pp. 84-85)
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A etimologia da palavra "história" é a de "pesquisa" e deriva da palavra testemunho. O histor deve ser
entendido como um juiz que estabelece a verdade a partir dos depoimentos.
Nesse sentido, nenhuma diferenciação é possível entre esse narrador e a figura do autor
implícito.
Todas as características assinaladas indicam os objetivos básicos do romance romântico
histórico, a verossimilhança e o didatismo, baseados, antes de tudo, no respeito pelos dados e pelas
versões da historiografia sobre personagens e acontecimentos narrados.
Na evolução do gênero pode-se observar como mudam as funções dos elementos e sua
hierarquização no sistema genérico, do qual resultam variantes como o chamado romance histórico
arqueológico que privilegia a informação histórica e a descrição detalhada de objetos, vestuário,
hábitos, costumes, arquitetura em detrimento de outros fatores (...); o romance de aventura histórica
(folhetim de Dumas) é caracterizado por reduzir o peso do historiador em favor de estratégias
romanescas e elementos ficcionais [...] (pp. 101-103)
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O conceito de leitor implícito, posto em circulação por Wolfgang Iser (1972), é teoricamente ambíguo, pois é
definido tanto como instância de recepção imanente no texto quanto como sua atualização pelo leitor real. Em
1979, Umberto Eco desenvolveu o conceito de leitor modelo [...] apropriando-nos da teoria de Eco, entendemos
o conceito de leitor implícito como estratégia textual constitutiva de todos os textos. O leitor implícito configura-
se em uma série de elementos de incerteza contidos no texto, no pacto genérico proposto, nos níveis de
competência (literária, narrativa e linguística cultural) que o texto requer para ser lido e no conjunto de
instruções textuais do todos os tipos, que conduzem a decodificação. O leitor real é chamado a se perceber como
leitor implícito, ou seja, é chamado a cooperar com o texto no processo hermenêutico, embora seja óbvio que
isso não implique seguir um caminho de leitura traçado e único pelo leitor real. O leitor implícito é uma função
1.1. Os títulos
Grivel (1973) destacou a importância do título na definição do tipo de obra e na criação do leitor
implícito: "o título mostra a natureza do texto e, portanto, o tipo de leitura que lhe convém" (p. 166).
Posteriormente, seu discípulo, Leo Hoek (1981), enfatizou que "os nomes de lugares e de personagens
históricos caracterizam o romance histórico" (p. 173). De fato, o romance histórico revela sua filiação
genérica na escolha de títulos muito denotativos: o nome próprio do protagonista histórico ou as
referências diretas ao tempo ou acontecimento histórico em questão. Os títulos são acompanhados de
subtítulos ou títulos secundários que explicam os dados cronológicos dos fatos narrados. Por vezes, o
título ou subtítulo referem-se à história ou aos gêneros a ela relacionados: Memórias de um homem de
ação (Baroja), Memorial do convento ou História do cerco de Lisboa (Saramago).
textual que facilita e orienta a interação entre o leitor real e o texto. Em qualquer caso, a fronteira entre o leitor
implícito (uma construção teórica) e o leitor real ou empírico deve permanecer clara. Para dissipar as
ambiguidades entre as diferentes instâncias de recepção, Villanueva sugere a distinção entre leitor implícito,
leitor explícito representado e narrador: o primeiro corresponderia ao conceito de Iser e Eco; o leitor explícito
representado é o leitor inscrito no texto ("o benevolente leitor") a quem o narrador se dirige explicitamente; e o
narrador é o destinatário direto da história do narrador [...].
eventos e lugares que vêm da historiografia, ou seja, materiais que foram codificados e documentados
antes da escrita do romance em outros discursos culturais, que são considerados históricos. O facta
atque infecta7 de Manzoni.
O segundo é a localização da diegese (do universo espaço-temporal em que a ação se desenrola)
em um passado histórico concreto, datado e reconhecível pelos leitores graças à representação dos
espaços, do ambiente cultural e do estilo de vida característico da época (cidade, edifícios, costumes,
atitudes, crenças, objetos, roupas).
O terceiro traço genérico, índice fundamental para a configuração do leitor implícito e a
proposta do pacto narrativo do gênero, consiste na distância temporal aberta entre o passado em que
se passam os acontecimentos narrados e em que agem os personagens e o presente do leitor implícito
(e leitores reais). O romance histórico não se refere a situações e personagens atuais, mas leva seus
leitores ao passado, a realidades mais ou menos distantes e historicamente documentadas.
Pelas características apontadas, podemos deduzir o papel decisivo que a enciclopédia histórica e
cultural dos leitores desempenha na produção e recepção desse tipo de discurso narrativo. O romance
histórico é construído e dirigido para destinatários que supostamente possuem certo conhecimento
sobre o tema histórico escolhido. O discurso é modelado a partir dessa competência, desse
conhecimento presumivelmente compartilhado: por um lado, ele o confirma, o corrobora e o respeita,
pelo menos na medida necessária para torná-lo ativo no texto (o leitor reconhece o que já sabe,
encontra o que ele espera); por outro lado, ele o expande, especifica e o completa integrando aquela
informação que é improvável de ser possuída pela generalidade dos leitores e que em qualquer caso é
necessária para a conformação da diegese ou para a compreensão da ação e da conduta dos
personagens (que dependem, em maior ou menor medida, do extratexto historiográfico de que
derivam); por fim, reelabora tal saber utilizando os procedimentos da ficção e de regras genéricas para
chegar, às vezes, a questioná-lo, desmontá-lo e subvertê-lo. Porém, qualquer que seja o uso que se faça
dessa competência, é ela que alimenta o romance histórico, porque precisa dela para funcionar como
tal.
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"Fatos e invenções": é uma referência à expressão que Manzoni usa em seu ensaio sobre o romance histórico de
1850.
personagens históricos podem, por sua vez, intervir em acontecimentos ficcionais e, ao contrário,
personagens fictícios participam de acontecimentos históricos. A diferença ontológica entre os dois
tipos de entidades não impede sua coexistência no universo ficcional. No entanto, como se verá, essa
diferença impõe certas limitações à construção do romance histórico.
Deve-se enfatizar, em primeiro lugar, que qualificar um personagem ou um acontecimento
como histórico não depende tanto de sua realidade ou de sua existência empírica, mas de sua inclusão
em um discurso histórico (elaborado com base nas concepções culturais, ideológicas e epistemológicas
do historiador). Isso significa que personagens e acontecimentos históricos são construídos como
personagens e como acontecimentos na e pela historiografia. Eles não a precedem, mas derivam dela.
[...]
Além disso, os personagens históricos são fixados na memória coletiva por meio de uma série
de traços que se tornam signos de sua identidade e que nos permitem reconhecê-los. Um desses traços
é o nome próprio [...]. Umberto Eco (1976: 162) associa o problema da denotação de nomes próprios
ao conceito de semema como enciclopédia:
Se a representação do semema atribui a uma unidade cultural todas as propriedades que lhe são
unanimemente atribuídas dentro de uma dada cultura, nada melhor do que a unidade correspondente a um
nome próprio é descrita institucionalmente em todos os seus detalhes. Isso acontece antes de tudo no que
diz respeito aos nomes das figuras históricas: cada enciclopédia nos conta tudo o que é necessário saber
para identificar a unidade cultural /Robespierre/.
O funcionamento do romance histórico como tal é possível na medida em que o público a que se
dirige (um público que certamente não é constituído exclusivamente por historiadores) é capaz de
identificar certas situações e entidades históricas, mas provavelmente não importa quais situações e
entidades históricas.
Sem dúvida, ao longo do tempo, com a mudança dos contextos culturais, pode acontecer que os
leitores não tenham mais condições de reconhecer essas entidades como pertencentes à historiografia
e, portanto, que as percebam como fictícias e não ativem sua dimensão histórica. No entanto, é preciso
dizer que a forma de leitura desses textos se transforma não apenas porque os leitores empíricos não
compartilham mais a mesma enciclopédia histórica que os leitores implícitos previstos no texto, mas
porque têm um conceito diferente de historiografia. Com efeito, os romances de Scott ou Fenimore
Cooper hoje são lidos como livros de aventura para jovens. Não tanto porque os leitores atuais não
reconheçam o cenário, certos personagens e acontecimentos desses romances como historiadores, mas
porque o que mudou é a forma de representar as vicissitudes históricas, as formas de contar o passado.
A trama de amor e aventuras e a imagem exótica e misteriosa da Idade Média criada no romance
histórico dissolvem, para os destinatários contemporâneos, sua suposta historicidade [...]
Assim, o mundo ficcional do romance histórico está sujeito a uma série de restrições semântico-
pragmáticas, pois é construído a partir de entidades públicas reconhecidas pela enciclopédia do leitor.
No entanto, o romance histórico, sendo um romance, não é obrigado a seguir exatamente os dados
históricos ou a respeitar as versões oficiais atribuídas a personagens e acontecimentos. O gênero
requer uma base histórica documentada, mas admite diferentes graus de correlação com relação a ela.
Vemos, portanto, desde romances que ostentam suas fontes de informação e aderem rigorosamente aos
dados históricos, subordinando a eles os outros componentes do mundo ficcional (a chamada "história
ficcional") até aqueles que alteram conscientemente sua base histórica traindo as expectativas do leitor
em função de projetos semânticos e estéticos variados. Porém, a alteração de dados históricos, para
fazer sentido, exige ser percebida pelo leitor, sob pena de passar inobservada, o que anularia o sentido.
Entre esses extremos existe uma extensa gama de combinações e possibilidades de jogos ficcionais
que requerem o esclarecimento de contratos genéricos caso a caso.
Brian McHale (1987) indicou as regras para a inserção de realemas históricos que parecem
dominar a narrativa histórica clássica (de Scott a Tolstoi):
a) os realemas históricos só podem aparecer se as propriedades e condições atribuídas a eles no
texto não contradizem a versão histórica oficial. A liberdade do romancista de inventar ação ou
qualidade de figuras históricas permanece limitada às áreas sombrias da história, isto é, ao que a
história não registrou. Essas áreas escuras estão localizadas na esfera privada ou íntima dos
personagens históricos e nos momentos em que eles interagem com os personagens de ficção;
b) esta regra se estende a todo o sistema de reinos que constituem uma cultura histórica,
portanto, restrições e anacronismo;
c) a lógica e a física do mundo ficcional devem ser compatíveis com as do mundo real para que
a transposição de realemas de um mundo para outro seja possível.
Essas restrições que persistiram ao longo da tradição da ficção histórica tornaram-se vulneráveis
pelo romance histórico "revisionista" pós-moderno por meio de três estratégias fundamentais: a
história apócrifa, o anacronismo criativo e a fantasia histórica. A primeira contradiz a versão
historiográfica oficial ao apresentar outra versão completamente diferente; a segunda consiste em
sobrepor as referências culturais do século atual às representadas para enfatizar a impossibilidade de
escapar da perspectiva do presente; finalmente, o terceiro consiste em integrar elementos históricos e
fantásticos.
The dialogue, which they maintained between them, was carried on in Anglo-Saxon, which, as we
said before, was universally spoken by the inferior classes, excepting the Norman soldiers and the
immediate personal dependants of the great feudal nobles. But to give their conversation in the original
would convey but little information to the modern reader, for whose benefit we beg to offer the following
translation (Scott 1819: 13).
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A esse respeito, ver as Apostilas a O nome da rosa sobre a distinção entre romance e novel e o “romance
histórico” de Dumas (NdT).
4. O pacto pela leitura do romance histórico (197-202)
Desde as suas origens, o romance histórico, precisamente pela dupla natureza dos seus
componentes diegéticos, históricos (documentados, verificáveis) e imaginários, bem como do seu
projeto semântico de reescrever a história a partir da ficção, propõe um contrato de leitura híbrido,
ambíguo, dado que se apresenta como ficção e como História.
A ficcionalidade é uma categoria pragmática estabelecida em um processo comunicativo por
quem nele participa e que convencionalmente caracteriza certas práticas comunicativas, como as que
se inscrevem no contexto da literatura. O contrato ficcional que funciona na comunicação literária
significa basicamente que o pacto de verdade em que se baseiam os discursos referenciais permanece
em suspenso. O autor não se compromete a respeitar nem a verdade moral da sinceridade, nem a
verdade lógica da referência. Por isso mesmo, não exige credibilidade do seu destinatário [...].
No romance histórico o pacto da ficcionalidade é assegurado em um nível pragmático, uma vez
que a fonte da linguagem do romance histórico é uma fonte fictícia: um narrador que não é seu autor e
que pertence ao mundo imaginário criado pelo texto. No entanto, a ficcionalidade também tem uma
dimensão semântica, uma vez que os romances criam mundos ficcionais nos quais os personagens
atuam e os eventos acontecem de acordo com as convenções da poética de sua ficção relativa. Deste
ponto de vista, o romance histórico oferece uma diegese cuja consistência se baseia na representação
de fatos, situações, personagens que já foram narrados em textos históricos e cuja existência empírica
é atestada nesses mesmos textos, de maneira tal que o destinatário os reconhece porque fazem parte de
sua enciclopédia cultural [...].
Há, portanto, no gênero romance histórico, uma certa discrepância entre uma ficcionalidade
pragmaticamente assegurada e um conteúdo narrativo que remete a outros discursos, aliás carregado
de instruções referenciais cronológicas precisas (nomes próprios registrados pela enciclopédia
histórica ou cultural, dados cronológicos precisos, descrições de lugares muito detalhados, exposição
de informação ou conhecimento histórico) e que podem até ser verificados pelos leitores, ou pelo
menos contrastados com as versões historiográficas mais ou menos oficiais […]
Obviamente, os termos desse pacto narrativo variam de acordo com o grau de compromisso
com a historicidade contraído pelo romance. Como já foi dito, o romancista pode se aproximar do polo
da historicidade ou da invenção, o que evidentemente dará lugar à construção de leitores implícitos
distintos. O romance histórico que se baseia em pesquisas rigorosas e que procura respeitar a verdade
substancial do tempo, do personagem, dos acontecimentos históricos ficcionais é aquele que mais
intensamente sustenta o caráter híbrido do pacto narrativo, uma vez que se apresenta como uma versão
dos eventos que compete com as versões históricas. Por outro lado, nem todos os argumentos
históricos geram a mesma expectativa e nem mesmo devem causar polêmica. Como afirmado
anteriormente, tudo depende do impacto que o personagem ou o acontecimento histórico do passado
ainda exerce sobre o presente dos leitores [...] Com efeito, a ambiguidade do pacto se torna evidente
em situações concretas como a polêmica que surgiu a seguir a publicação do romance de García
Márquez O general em seu labirinto narrando os últimos dias da vida do general Simón Bolívar [...] os
membros da Academia Colombiana de História ficaram ofendidos com o retrato do escritor do general
Santander. O presidente da Academia considerou isso uma provocação e outro historiador diz que os
agradecimentos, os mapas e a cronologia que aparecem no final do livro sugerem que se trata de um
romance verdadeiramente histórico.