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Centro Biomédico
Faculdade de Enfermagem
Rio de Janeiro
2012
Claudia Rosane Guedes
Rio de Janeiro
2012
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/CBB
CDU
614.253.5
Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta
dissertação, desde que citada a fonte.
_______________________________________ _________________________
Assinatura Data
Claudia Rosane Guedes
__________________________________________________
Prof.ª Dra. Maria Aparecida Vasconcelos Moura
Escola de Enfermagem Anna Nery – UFRJ
__________________________________________________
Prof.ª Dra. Iraci dos Santos
Faculdade de Enfermagem – UERJ
Rio de Janeiro
2012
DEDICATÓRIA
A Lucia Helena Garcia Penna – minha querida e amiga orientadora, primeiro pela
confiança e por acreditar na temática proposta. Pelas discussões que aconteciam no Grupo de
Estudos sobre Gênero, Poder e Violência na Saúde e Enfermagem e, que contribuiu para as
minhas reflexões e construção do caminho a ser trilhado neste estudo, pela sua maneira
natural, espontânea e serena de compartilhar os saberes na construção de um conhecimento
acerca da população negra e, em particular da mulher negra.
Ao coordenador do Programa de Pós-graduação de Enfermagem, Prof. Dr. Octavio
Vargens e a Prof.ª Dra. Jane Márcia Progianti do Departamento de Materno Infantil da
Faculdade de Enfermagem (FENF), pela rica e colaboração durante a fase de amadurecimento
do projeto de pesquisa.
À professora Dra. Iraci Santos pela contribuição sempre coerente nos momentos em
que determinados aspectos da pesquisa nos pareciam confusos no tocante a condição social da
população negra no país.
A todos os professores do Programa Pós-Graduação de Enfermagem (PPGENF) da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), cuja competência e seriedade serviram de
estímulo para mim.
A todos os funcionários administrativos PPGENF que fazem parte indiretamente da
construção das dissertações.
À professora M.ª Maria Regina Bezerra (Faculdade de Enfermagem Luiza de
Marillac) que durante o período da graduação compartilhou com os discentes do Curso de
Enfermagem acerca da importância da pesquisa na área da enfermagem. Agradeço por
enxergar um potencial para a pesquisa que existe na minha pessoa.
A todas as mulheres negras que embelezam este país, pela tonalidade variada da sua
cor de pele, pelos cabelos étnicos, pela vivacidade do colorido das roupas e, pela maneira a
qual conduzem a vida, independente das dificuldades que se apresentam no cotidiano.
Saber-se negra é viver a experiência de ter sido massacrada em sua identidade,
confundida em suas perspectivas, submetidas a exigências, compelida a expectativas
alienadas. Mas é também e, sobretudo, a experiência de comprometer-se a resgatar sua
história e recriar-se em suas potencialidades.
Ser negro é ter consciência do processo ideológico que, através um discurso mítico
acerca de si, engendra uma estrutura de desconhecimento que o aprisiona numa imagem
alienada, na qual se reconhece.
Ser negro é tomar posse desta consciência e criar uma nova consciência que
reassegure o respeito às diferenças e que reafirme uma dignidade alheia a qualquer nível de
exploração.
Neusa Souza Santos
RESUMO
Este estudo aborda a temática das relações existentes entre a formação universitária e a
imagem social de mulheres negras universitárias da área da saúde e suas possíveis
transformações pessoais e sociais. Considerando que a formação universitária produz uma
valorização social e os seus desdobramentos influenciam nos papéis sociais vividos por este
grupo. Buscamos assim, descrever a imagem social de mulheres negras na perspectiva de
mulheres negras universitárias e sua autoimagem social; e analisar a influencia da formação
universitária na autoimagem social das mesmas. Metodologia: Pesquisa descritivo-
exploratória com abordagem qualitativa, realizada com roteiro de entrevista semi estruturada
com dez entrevistadas que se autodeclararam pretas ou pardas matriculadas em Programa de
Pós-graduação (Mestrado) de uma universidade pública estadual no município do Rio de
Janeiro (Brasil). Os dados produzidos foram analisados e interpretados à luz da análise de
conteúdo de Bardin. Deste processo emergiram três categorias. A primeira categoria – A
imagem social da mulher negra na perspectiva de mulheres negras universitárias descreve a
condição desigual da mulher negra na sociedade a partir da desvalorização do gênero
feminino e da raça (sexismo e o racismo) e o corpo da mulher negra como objeto de
sensualidade. A segunda categoria - A formação universitária na vida de mulheres negras
desdobrou-se em duas categorias intermediárias: Situações positivas vivenciadas durante a
formação (formação universitária como veículo para as transformações sociais e pessoais a
partir da ampliação do conhecimento científico e a melhora na inserção social); Situações
negativas (desigualdades de classes, sentimentos de indecisão, frustração frente à escolha do
curso e limitações na aprendizagem e adaptação). A terceira categoria – A autoimagem social
de mulheres universitárias negras desenvolve a percepção das entrevistadas acerca da sua
autoimagem a partir do processo de formação universitária, e desdobra-se em visões positivas
e negativas sobre sua autoimagem. A visão positiva destaca o empoderamento diante da sua
condição étnica caracterizado por atitudes perseverantes e demonstração de competência no
cotidiano, favorecendo o fortalecimento de posições sociais; algumas inclusive não
identificam vivenciar diferenças sociais pela etnia. A visão negativa foi descrita a partir dos
sentimentos de baixa estima, insegurança no posicionamento nos espaços sociais e a
dificuldade de falar sobre a sua autoimagem. Para as depoentes a autoimagem se traduz não
no estereótipo, mas, nas conquistas sociais que elas alcançam decorrente da formação
universitária. A formação universitária se torna condição fundamental para transpor os
estigmas sociais que interferem na imagem social deste grupo populacional na sociedade.
This study approaches the theme of existing relationships between college background
and social image for African-descendant women in the health care field and its possible
personal and social transformations. We bear in mind that college background results in social
appreciation and its consequences influence the social roles played by this group. Therefore,
we seek to describe African-descendant women's social image from the perspective of
African-descendant college women and their social self-image; we further seek to analyze the
influence of college background in their social self-image. Methodology: Descriptive
exploratory research with qualitative approach, carried out with partially-structured interview
scripts with ten interviewees who have self-declared African-descendants or dark-skinned
individuals enrolled in Graduate Programs (Master's Degree) from a public state university in
the district of Rio de Janeiro (Brazil). The data produced were analyzed and interpreted
according to Bardin's content analysis technique. Three categories emerged from this process.
The first category – African-descendant women's social image from the perspective of
African-descendant college women describes the unequal condition of from the perspective of
African-descendant women in society from the depreciation of female gender and race
(sexism and racism), as well as the African-descendant women body as sex object. The
second category - College background in the life of African-descendant women broke down
into two intermediary categories: Positive situations experienced during education (college
education as a vehicle for social and personal transformation from the broadening of scientific
knowledge and improved social insertion); Negative situations (class inequalities, feelings of
indecision, frustration towards the choice for the course and learning and adaptation
constraints). The third category – African-descendant college women's self-image develops
the interviewees‟ perception regarding their self-image from the college education process,
and unfolds in positive and negative views on their self-image. The positive view highlights
the empowerment before their ethnic condition, characterized by persevering attitudes and e
evidence of competence on their daily lives, favoring the strengthening of social positions;
moreover, some of them do not report experiencing social differences due to their ethnic
condition. The negative view was described from the feelings of low self-esteem, insecurity
towards their position in the social environment and difficulty to talk about their self-image.
For the interviewees, self-image is not expressed by stereotypes, but by the social
accomplishments they achieve as a result of their college background. College background
becomes a paramount condition to overcome the social stigmas that interfere in this group‟s
social image in society.
INTRODUÇÃO ............................................................................................... 13
1 REFERENCIAL TEMÁTICO ………………………………………...….. 24
1.1 A população negra no Brasil .......................................................................... 24
1.2 A mulher negra brasileira .............................................................................. 32
1.2.1 Breve histórico da condição social e política .................................................... 32
1.2.2 A imagem social da mulher negra brasileira ..................................................... 37
1.3 A educação como promotora das transformações sociais ........................... 44
1.3.1 Educação como direito ...................................................................................... 44
1.3.2 Breve panorama do ensino superior ................................................................. 45
1.3.3 Um breve histórico da trajetória educacional das mulheres no país ................. 49
1.3.4 As principais características de escolha de educação superior da mulher ........ 52
1.3.5 A mulher negra e a educação ............................................................................ 54
2 REFERENCIAL TEÓRICO: IDENTIDADE E ESTIGMA NA ÓTICA
ERVING GOFFMAN ..................................................................................... 59
2.1 Identidade ou Imagem .................................................................................... 59
2.2 Estigma ............................................................................................................ 64
3 O CAMINHO METODOLÓGICO ……………………………………….. 72
3.1 Cenário e protagonistas do estudo ................................................................ 72
3.2 Protagonistas do estudo .................................................................................. 74
3.3 Aspectos éticos da pesquisa ............................................................................ 76
3.4 Produção dos dados ........................................................................................ 76
3.5 Técnica para a coleta de dados ...................................................................... 77
3.6 Período de coleta ............................................................................................. 77
3.7 Análise dos dados ............................................................................................ 78
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO .................................................................... 82
4.1 A imagem social da mulher negra na perspectiva de mulheres negras
universitárias ................................................................................................... 82
4.2 A formação universitária na vida da mulher negra ................................... 89
4.2.1 Situações positivas vivenciadas durante a formação universitária ................... 90
4.2.2 Situações negativas vivenciadas durante a formação universitária .................. 96
4.3 A percepção da autoimagem social da mulher negra universitária ........... 100
4.3.1 Visão positiva de autoimagem social ................................................................ 100
4.3.2 Visão negativa da autoimagem social ............................................................... 104
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................... 110
REFERÊNCIAS .............................................................................................. 115
APÊNDICE A - Termo de Autorização de Campo de Pesquisa .................... 129
APÊNDICE B – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ..................... 130
APÊNDICE C – Instrumento para coleta de dados ......................................... 132
APÊNDICE D – Carta Convite ....................................................................... 136
ANEXO - Autorização do Comitê de Ética ...................................................... 137
13
INTRODUÇÃO
Esta pesquisa aborda a temática das relações existentes entre a formação e a imagem
social de mulheres negras universitárias da área da saúde, uma vez que acreditamos nas
transformações pessoais e sociais, principalmente oriundas da vivência no meio universitário.
Entendemos que a formação escolar consiste no conjunto de qualificação acumulado
pela pessoa e é relativo ao seu papel produtivo na sociedade e tem como objetivo dar a
conhecer ou atualizar os conhecimentos do indivíduo acerca de determinado tema. De
maneira geral, é considerada como um conjunto de atividades que visam a aquisição de
conhecimentos, capacidades, atitudes e formas de comportamento exigidos para o exercício
das funções próprias de uma profissão ou grupo de profissões em qualquer ramo de atividade
econômica.
A possibilidade de aquisição de educação formal guarda forte relação com a cor da
pele de um dado indivíduo e que os indicadores educacionais de brancos e negros diferem em
vários aspectos, com claras desvantagens para estes últimos. No que diz respeito à
escolaridade média dos jovens brasileiros, verifica-se uma diferença negativa de 2,3 anos para
a população negra considerando a escolaridade média dos adultos que gira em torno de 6 anos
(GÓIS, 2008).
A formação universitária em nossa sociedade infelizmente é ainda para poucos: apenas
10,9% dos jovens entre 18 e 24 anos ingressam em faculdades, segundo dado relativo a 2005.
O último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2003) e os dados
encontrados na Síntese dos Indicadores Sociais apontam que 14 milhões de brasileiros com
mais de 15 anos são de não analfabetos, e destes, 30% são brancos e 70% são pretos ou
pardos (BRASIL, 2011).
A universidade tem por responsabilidade estabelecer estratégias articuladas com a
sociedade e com o Estado, para buscar responder às questões que comprometem a qualidade
de vida da população que tem vivenciado as ingerências sociais por conta de todo o processo
de construção da própria sociedade.
Em relação à população feminina houve uma melhora considerável no acesso à
universidade, pois estas têm mantido nos últimos anos uma média superior à dos homens
quanto à escolaridade. Contudo, ao inserir as variáveis “raça” e “sexo” nessa discussão
emergem questões importantes, pois se observam distinções significativas entre as mulheres
dos dois principais grupos raciais brasileiros: as negras que ingressam no ensino superior
14
encontram-se numa posição inferior à das brancas. Uma pesquisa realizada por Góis (2008)
na Universidade Federal Fluminense (UFF) demonstrou que o acesso ao ensino superior para
as mulheres brancas está em torno de 10,8% e para as negras, apenas 5,6% da soma de pretas
e pardas conseguem esse ingresso, o que caracteriza expressiva desvantagem à população
negra quando comparada com a branca. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) constatou que a população preta e parda em idade escolar tem pouco mais de 7 anos
de estudo, em média, enquanto entre a população branca o índice é de 8,7 anos. No nível
superior, enquanto 25% da população branca estão na universidade, apenas 8% dos negros
têm acesso a ela (IBGE, 2005).
Entendemos que o meio universitário, além de oferecer conhecimentos específicos
sobre uma determinada profissão, permite o convívio de relações sociais ampliadas, o que
confere à pessoa uma vivência interdisciplinar.
Considerando o caráter da formação universitária e a valorização social daí resultante,
é possível pensar que os papéis sociais vividos por mulheres negras que alcançaram formação
superior passam a ter um valor diferenciado, um status, o que pode ou não interferir em sua
autoimagem. Com base nessa premissa, focamos o presente trabalho em estudar a
autoimagem social de mulheres negras a partir da formação universitária.
Uma gama de desigualdades sociais (justiça, saúde, educação etc) foi desenhada ao
longo do tempo nos diversos grupos populacionais em nossa sociedade. As situações de
injustiças sociais têm desdobramentos negativos em todas as dimensões da vida, o que
interfere inclusive na compreensão e apropriação dos direitos humanos como o acesso à
saúde, educação, justiça, entre outros. Este fato permite condições arbitrárias tanto nos
ambientes privados quanto públicos.
No que diz respeito à população negra, esse grupo permanece quase invisível em
relação à população branca na sociedade brasileira. Homens e mulheres negros,
indistintamente, no decorrer dos tempos, foram desvalorizados na maioria das sociedades em
decorrência do fenômeno socialmente construído chamado racismo.
A mulher negra atualmente manifesta um prolongamento da sua condição vivida
historicamente desde o período da escravidão. Esse grupo populacional, apesar de algumas
mudanças sociais, continua num processo de luta para que efetivamente tenham a sua
condição de sujeito de direito garantido. Percebemos que elas ocupam ainda o último lugar na
escala social, carregam as desvantagens do sistema patriarcal e racista de nosso país e poucas
são as que conseguem romper as barreiras do preconceito, da discriminação racial e ao mesmo
tempo ascender socialmente.
15
Os entraves que compõem o cotidiano das mulheres negras perpassam não só pela
discriminação racial, mas de gênero e classe social nos distintos espaços (públicos e
privados), o que acaba por favorecer um maior comprometimento de sua identidade, imagem
social, imagem corporal, autoconceito e autoestima (CORDEIRO; FERREIRA, 2009;
SILVA; SILVÉRIO, 2003).
O racismo é um fenômeno complexo caracterizado por diferentes manifestações a cada
tempo e lugar. Seu caráter ideológico atribui significado social a determinados padrões de
diversidades fenotípicas e/ou genéticas e imputa características negativas ao grupo, com
padrões “desviantes” que justificam o tratamento desigual aos que não atendem os padrões
estabelecidos pela sociedade. O racismo é uma programação social, hierárquica e ideológica a
qual todos estão submetidos. A força do racismo no Brasil é um dos fatores para a produção
de desigualdades seja entre mulheres e homens demonstrado por diferentes centros de
pesquisa (ARTICULAÇÃO DE ORGANIZAÇÕES DE MULHERES NEGRAS
BRASILEIRAS, 2007).
Não há dúvida de que a naturalização estabelecida pelas diferenças e desigualdades de
participação na sociedade brasileira entre negros e brancos reforça a estigmatização dos
negros, inibe o seu desenvolvimento e compromete o usufruto de sua cidadania. O não
reconhecimento da existência do racismo na sociedade pode desencadear situações mais
perversas de vida e de morte à população de tez preta, e isto impede o desenvolvimento de suas
potencialidades e seu progresso socioeconômico.
A sociedade estabeleceu ao longo do tempo diversos modelos de categorias ou
estigmas e tenta catalogar as pessoas e/ou indivíduos conforme os atributos considerados
comuns e naturais pelos membros dessa categoria. Isto significa que a sociedade determina
um padrão externo ao indivíduo, o que permite prever a categoria e os atributos, a imagem
social e as relações interpessoais com o meio. De certa maneira, a sociedade acaba por
estabelecer estigmas para categorizar os indivíduos que possuem alguma característica que o
diferencie dos demais.
Para os estigmatizados a sociedade reduz as oportunidades, esforços e movimentos,
não lhes atribui valor, impõe a perda da identidade social e determina uma imagem
deteriorada, de acordo com o modelo que lhe convém. Os estigmas são atributos que
produzem um amplo descrédito na vida do sujeito que em situações extremas é considerado
como "defeito", "falha” ou desvantagem em relação ao outro; isso constitui uma discrepância
entre a identidade social virtual e a identidade real (GOFFMAN, 2008).
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significado dos símbolos que tentam limitar e conter suas possibilidades metafóricas, ou seja,
conceitos que são expressos nas doutrinas religiosas, educativas, científicas, políticas e
jurídicas que trazem duplo sentido na definição do masculino e do feminino. A dimensão
organizacional diz respeito às organizações e instituições sociais como mecanismos que
aprofundam as assimetrias entre os gêneros. E a dimensão subjetiva aborda as necessidades de
questionar as maneiras que as identidades de gênero são construídas e relacionadas com
atividades organizacionais, sociais e representações culturais historicamente situadas
(FISCHER; MARQUÊS, 2001).
A categoria de gênero é uma maneira atualizada de organizar normas culturais, do
passado e do futuro, um modo de a pessoa situar-se por meio destas normas, um estilo ativo
de viver o corpo no mundo. Gênero e raça constituem diferenças, sejam elas de cunhos
sociais, culturais ou mesmo que biológicas e que constroem as relações de poder na
sociedade. Cabe ressaltar, que dentre as instituições que têm contribuído para (re) produzir e
perpetuar a ordem (ou a divisão) dos gêneros situa-se a família, a igreja, a escola e o Estado
(BOURDIEU, 2003; SAFFIOTI, 1992).
A família, atuando como principal reprodutora da dominação e visão masculinas se
inicia na divisão do trabalho com base no sexo, cuja legitimidade por essa divisão também é
assegurada pelo direito e está inscrita na linguagem. A igreja, além de outras formas,
inculcando uma moral familiarista, guiada por valores patriarcais, mas, sobretudo, pelo
dogma da inata condição de inferioridade das mulheres. A escola, por sua vez, transmitindo
os pressupostos da representação patriarcal, firmada na homologia entre a relação
homem/mulher, adulto/criança (AMARAL, 2004).
As mazelas que as mulheres negras vivenciaram ao longo do tempo são acentuadas
pela tripla discriminação de que são vítimas: gênero (por parte dos homens brancos e negros);
raça/etnia (por serem negras, sofrem as manifestações do racismo e preconceito racial) e
classe (em sua maioria, alocada nos segmentos desvalorizados na sociedade) que acabam
numa posição social desfavorecida (pobreza) e, retratam as diferenças nos indicadores sociais
(PIERUCCI, 2000).
Os indicadores de pobreza e desigualdade, quando desagregados por cor/raça,
mostram que a população negra é maioria entre os mais pobres, está em condições precárias
no mercado de trabalho e possui os menores índices de acesso a serviços de infraestrutura,
moradia, luz, água e esgoto.
Os indicadores de qualidade de vida da população (saúde, trabalho, educação) ao
serem analisados entrelaçando os aspectos demográficos desvelam a exclusão social que a
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população negra tem vivenciado por longas décadas. E ratificam a ocorrência das
desigualdades sociais e raciais que têm sido naturalizadas e diferenciam os brancos dos
negros nos vários espaços da vida social (GOMES, 2003; INSTITUTO DE PESQUISA
ECONÔMICA APLICADA (IPEA), 2005; PERPÉTUO, 2000).
Incomodada com essa realidade e por fazer parte desse cenário de mulheres negras, a
escolha da temática emerge a partir da minha própria história de vida. Oriunda de uma família
pobre e desprovida de capital cultural significativo, como a maioria das jovens das classes
menos favorecidas, sempre enxerguei no trabalho remunerado uma perspectiva de mudança
do modelo de vida no qual estava inserida e a possibilidade de ascender à pirâmide social.
Contudo, constatei que nem sempre a inserção no mundo do trabalho representa
possibilidades de mudanças significativas.
A condição dos empregos, a remuneração e a localização ainda estão diretamente
relacionadas às desigualdades sociais, pois geralmente, as poucas possibilidades econômicas
conduzem a população negra para os locais mais distantes dos grandes centros urbanos
(periferia), em moradias com poucos recursos sociais, saúde precária e subempregos.
A possibilidade de um crescimento social para esta população repleta de diversidades
tem sido um caminho árduo. Uma dura caminhada que, permeada de preconceitos e de o
juízo de valor, se dá pelo que o indivíduo possui. Na verdade, o trabalho por si só, também se
torna em alguns casos, um mecanismo de dominação do indivíduo, que, escravizado, não lhe
é permitido exercitar o direito a pensar.
Como jovem e negra, não fugi à regra. Para atender às minhas necessidades pessoais,
comecei a trabalhar em empregos informais e formais até me tornar uma profissional de nível
médio da área da Enfermagem.
Percebo inclusive, a partir de minha experiência na Enfermagem, que a área apresenta-
se como um reduto para as mulheres negras que queriam alcançar melhores empregos do que
o de empregada doméstica ou de profissional do comércio. Atuar nesse contexto, ainda que
em nível médio, pareceu-me uma grande conquista, pois levo em conta também o status
conquistado por alguém de tez preta a quem a sociedade insiste em desvalorizar.
Entretanto, apesar dessa mudança parcial no meu status, a ideia de executar as tarefas
técnicas reforçava o papel de subordinação e de submissão no contexto da hierarquização
social e da divisão social do trabalho. Aos poucos verifiquei que faltava algo, e despertei para
a possibilidade de alterar minha condição social por meio da continuidade do processo
escolar. Naquele momento, vislumbrei que aprofundar o conhecimento, além do adquirido
com o curso técnico, poderia contribuir para a transformação de minha condição social, ou seja,
19
1 REFERENCIAL TEMÁTICO
integrados socialmente em razão de seus traços físicos e pela situação econômica semelhante
à dos brancos (CORDEIRO; FERREIRA, 2009).
Entretanto, a população negra representava, tanto física quanto culturalmente, a classe
inferior da população. Assim, intelectuais brasileiros (Rui Barbosa; Torres Homem; Batista
Lacerda) acreditavam que o Brasil estava irremediavelmente condenado à inferioridade e à
improdutividade, sendo a culpa desses males atribuídos tanto ao determinismo climático
quanto à população negra, “raça inferior”. Para estes intelectuais da época havia uma
necessidade de encontrar uma solução para os problemas raciais que interferiam no progresso
do país (MONTEIRO, 2004).
A solução encontrada era reverter tal processo e melhorar a condição social da
população. De acordo com as ideias de eugenistas, que relacionava a cor da pele ao status
social, a mestiçagem permitiria o nascimento de brancos e/ou pardos considerados “aptos”,
extinguindo-se os “impuros”, os pretos, ou seja, o grande problema da nacionalidade
radicava-se na mudança da cor da pele do povo que deveria ser substituída por mais brancos
(MAIO; SANTOS, 2006).
A eugenia, criada e defendida por Galton1, em 1865, 1883 e 1889, tinha como objetivo
estudar a influência da herança genética nas qualidades físicas e mentais dos indivíduos e a
necessidade de melhorar as qualidades naturais dos homens. Defendida como medida
profilática era caracterizada em positiva e negativa. A positiva tratava da conscientização e
educação dos indivíduos para os princípios eugênicos e a negativa, que se dividia em três
ramos, dava-se da seguinte forma: a) a esterilização dos indivíduos - consistia no
impedimento de procriação mediante procedimentos cirúrgicos, justificadas pelos termos:
“tarados, doentes, incapazes, eugenicamente nocivos à sociedade, ou consanguíneos”; b) a
segregação - o isolamento provisório ou perpétuo dos chamados incapazes, para que não
pudessem viver em sociedade; c) a regulamentação dos casamentos, que daria ao médico, por
meio de exame pré-nupcial, o poder de veto em relação a um matrimônio considerado não
sadio (GÓIS JUNIOR; GARCIA, 2011; MAIO; SANTOS, 2006).
Para Maio e Santos (2006), a ideia dos eugenistas nos remete ao darwinismo, famosa
doutrina da seleção natural, da luta pela sobrevivência ou da sobrevivência do mais apto.
Toda essa engrenagem deu origem ao darwinismo social, a principal doutrina de cunho racista
vigente na passagem do século. O que se afirmava era que o progresso humano resultava das
1
Francis Galton - Professor da Universidade em Londres, antropólogo, precursor nos estudos relacionados à
eugenia e primo do Charles Darwin.
26
lutas e das competições entre as raças e que os vencedores seriam os mais capazes (ou aptos),
neste caso, os brancos, porque as demais raças como os negros, acabariam por sucumbir à
seleção natural e social.
Percebemos que para população negra não haveria a menor chance de sobreviver, já
que era considerada inferior e fadada gradualmente à extinção, por ser enquadrada numa “raça
inferior”. Uma sistemática ideia de inferioridade das características somáticas (corpo) e/ou
culturais desse grupo promove um comprometimento da autoestima nos seus indivíduos.
O conceito de raça foi construído sobre hierarquias, e isto denotou desigualdades e
dominou o pensamento social em diversos locais, inclusive no Brasil. Respaldada em parte,
pela Antropologia Física que estaria empenhada em determinar e classificar a humanidade em
tipos naturais, a difusão desta ideia possuía interesses políticos ao arbitrarem a partir das
características fenotípicas em demasia para diferentes grupos humanos (MAIO; SANTOS,
2006).
No campo das Ciências Sociais e Humanas, estudiosos (Le Bon, Haeckel,
Chamberlain, Renan e Gobineau) se utilizaram da metáfora de Charles Darwin 2 acerca da
sobrevivência dos mais aptos pela seleção natural. A partir desta ideia inventaram a eugenia
para sugerir políticas púbicas que, entre outras coisas, implicavam uma limpeza étnica a qual
estava imerso no pensamento racialista que tentava identificar cientificamente a existência das
“raças puras e superiores” em oposição às “raças impuras e inferiores” (MAIO; SANTOS,
2006).
Esses chamados “pregadores científicos” tinham mais importância que os cientistas,
pois ofereciam elementos convincentes para a afirmação das individualidades nacionais. O
diplomata Gobineau3 (1869) fora designado ministro da França no Brasil, e, amigo do
Imperador Pedro II, permaneceu no país entre 1869 e 1870. Quando chegou ao Brasil já era
famoso pela divulgação de suas ideias eugênicas, e o seu texto produzido no século XIX
descrevia uma doutrina racialista. Este autor francês afirmava que o motivo da queda das
grandes civilizações se dava pela miscigenação que maculava as raças em sua pureza
causando degeneração do ser humano nos seus atributos físicos e morais, levando a
decadência dos grandes impérios (MAIO; SANTOS, 2010; SOUSA, 2006).
2
Naturalista britânico que alcançou fama ao propor a Teoria da Evolução (“Origem das Espécies”) - por meio da seleção
natural e sexual. Para ele, a diversidade biológica é o resultado de um processo de descendência com modificação, onde os
organismos vivos se adaptam gradualmente pela selecção natural e as espécies se ramificam sucessivamente a partir de
formas ancestrais.
3
Conde francês, Joseph Arthur de Gobineau, em 1869, foi autor do Essai sur I’inégalité dês races humaines – Ensaio sobre
as desigualdades das raças humanas (tradução).
27
A partir deste olhar, ocorre o estímulo para as pesquisas sobre as desigualdades “etno-
raciais” que eram observadas no país. O diagnóstico hegemônico nos séculos XIX e XX
apontava a inferioridade de caráter biológico dos não brancos e mestiços. Já os prognósticos
variavam numa avaliação pessimista das possibilidades de se construir uma nação progressiva
nos trópicos sobre esta base humana.
Nina Rodrigues (1862-1906)4, médico legista, intelectual e poligenista se apoiava nas
teses europeias do racismo científico, e buscava, junto com Sílvio Romero (1851–1914)5 os
princípios higienistas europeus para o contexto social brasileiro, redefinindo o papel do clima
e da variável raça como elemento de crescente importância entre as causas das enfermidades.
Os princípios higienistas tinham como objetivo identificar os procedimentos e hábitos
individuais e coletivos para a manutenção da saúde, entendida na época como ausência de
doenças. Dessa forma, o caráter dessas observações era intimamente ligado à prevenção, mas
também ao controle da proliferação de diversas doenças. Esse movimento visava dar
legitimidade ao saber e às instituições médicas brasileiras e, ao mesmo tempo, era imbuído de
uma perspectiva otimista em face dos desafios de inserção do país no concerto das nações
modernas (MAIO; SANTOS, 2010).
Para esse autor, ao mesmo tempo em que Rodrigues comungava das ideias higienistas,
era bastante explicito em defender os negros de serem tratados em pé de igualdade com os
brancos, já que aqueles eram inferiores biologicamente e, portanto, incapazes de se
conduzirem como cidadãos em seus plenos direitos. Numa perspectiva racialista Nina
Rodrigues constituiu o negro ou africano como objeto de investigação em seus estudos, o que
o transforma em pioneiro no campo da etnologia afro-brasileira.
Dentre seus estudos Nina Rodrigues defendia a relativização do crime, na medida em
que os impulsos definidos pela fisiologia racial estabeleceriam os limites possíveis a uma
perspectiva moral que definiria o que é crime e o que não é. Para o pesquisador as raças
possuíam uma criminalidade própria, em harmonia e de acordo com seu grau de
desenvolvimento intelectual e moral. Partindo desta ideia, o homem negro não poderia ser
submetido às mesmas leis penais destinadas ao homem branco (MAIO; SANTOS, 2010).
4
Médico e antropólogo da Faculdade de Medicina da Bahia que propôs a criação de leis jurídicas distintas para
brancos e negros no Brasil.
5
Sílvio Vasconcelos da Silveira Ramos Romero – crítico literário, ensaísta, poeta, filósofo, professor e político
brasileiro. Foi deputado provincial por Estância, em Sergipe, e deputado federal. Trabalhabou na comissão
encarregada de rever o Código Civil na função de relator-geral.
28
de vidas humanas e muito sofrimento em anos recentes. Este documento faria referência ao
pensamento racial no pós 2.ª Guerra Mundial, ainda sobre o impacto do nazismo (MAIO;
SANTOS, 2010).
Para o Maio e Santos (2010), a UNESCO postulava a superação da ignorância, do
preconceito e do nacionalismo xenófobo por meio da educação, da cultura e da ciência, e
erigia como seu objetivo a criação, de um consenso em torno de um mundo mais convergente.
Desse modo, em 1950 a mesma UNESCO decide enviar equipes de acadêmicos e
antropólogos para estudar as “harmoniosas” relações raciais, a fim de apresentar ao mundo
àquilo que se considerava uma experiência “singular e bem-sucedida” de acomodação de
diferenças raciais e étnicas. Esta iniciativa foi fruto de parte de um estudo acerca das relações
raciais brasileiras promovidos pela instituição e, pautado na premissa de que o Brasil poderia
demonstrar às nações uma lição no que diz respeito à integração racial harmoniosa (MAIO;
SANTOS, 2010). Entretanto, o que se descobriu foi um poderoso esquema de discriminação e
segregação racial que teria levado a população negra aos níveis elementares da pirâmide
social.
A persistência histórica da raça como princípio classificatório não deve ser encarado
como herança do passado, mas como um mecanismo social de reprodução da desigualdade
racial que serve aos interesses de grupos racialmente hegemônicos que, certamente, seriam os
dominantes.
O fenômeno das relações raciais harmoniosas contribuiu para que a realidade acerca
das desigualdades raciais fosse desvelada e difundida pelo mundo. Desta maneira, a condição
desigual da população negra perdura até os dias atuais, mas serve de pano de fundo para as
discussões sobre as implicações do racismo, sua incidência e o comprometimento da
igualdade social entre os indivíduos brancos e pretos que compõem a sociedade brasileira.
Aos mestiços era oferecida a ilusão de mobilidade e ascensão social. Porém, o
indivíduo de tez preta permaneceu excluído. A possibilidade dada foi a da negação da
autoimagem, pois somente como mestiço o indivíduo é aceito socialmente. A integração do
negro à sociedade foi um dos pontos nevrálgicos da pós-abolição, uma vez que houve
dificuldades para que negros e mulatos se inserissem na sociedade moderna. A nova
sociedade surge a partir de uma ordem social pautada no “estilo de vida” individualista e
competitivo, e para o negro que viveu ou sobreviveu sob a tutela de um senhor, esse espírito
de competitividade não integrava seu cotidiano. Na sua condição de negro, as disputas eram
outras e não àquelas por um lugar na sociedade.
31
Numa sociedade que precisava de homens aptos a desempenhar suas funções em prol
do progresso, o negro não possuía habilidades, pois estava apenas treinado para os afazeres da
lavoura ou domésticos. Essa inabilidade contribuiu para que esse povo fosse excluído do
progresso da nação e, consequentemente, de uma melhor condição de vida. O “negro” vivia
numa sociedade organizada em classes sem participar do regime de classes. O termo “preto”
permitia selecionar a cor como marca racial para distinguir, a um só tempo, um estoque racial
e uma categoria social em situação societária ambígua, para não dizer marginal
(FERNANDES, 2008).
Desta feita, as desigualdades sociais e econômicas existentes entre negros e brancos se
fizeram presentes nas diversas esferas governamentais e não governamentais desde o período
da pós-abolição. A ordem social e a racial da sociedade, teoricamente inclusiva, já que o
negro poderia competir, embora de maneira desigual, se transformaram com mais intensidade
e se tornaram bem desiguais.
O regime extinto não desapareceu por completo na pós-abolição: persiste nas
mentalidades, nos comportamentos e nas organizações das relações sociais entre os homens,
que deveriam estar interessados numa subversão total do antigo regime. Para os autores, o
“negro” proscrito da história e da participação nas lutas sociais que decidiam sobre seu
destino, estava bloqueado numa zona estagnada e estática da sociedade. A ausência de lugar
do negro na nova ordem social residia no mito da democracia racial (FERNANDES, 2008).
Este bloqueio perdura até os dias atuais em que as relações entre negros e brancos
ainda são baseados nas divisões de classes. Porém, o Brasil como país mestiço biológica e
culturalmente, impõe ao negro um viver desigual na sociedade, pois as possibilidades para
transformação das realidades sociais e pessoais estão diretamente ligadas ao acesso aos
direitos humanos, e entre esses direitos, encontra-se na educação um veículo transformador.
O ser negro tem vários significados, e isto resulta da escolha da identidade racial que
tem a ancestralidade africana como origem (afro-descendente). Ou seja, ser negro, é,
essencialmente, um posicionamento político, a partir do qual se assume a identidade racial
negra
A identidade racial/étnica é um sentimento de pertencimento a um grupo racial ou
étnico decorrente de construção social, econômica, cultural e política. Ou seja, tem a ver com
a história de vida (socialização/educação) e a consciência adquirida diante das prescrições
sociais raciais ou étnicas, racistas ou não, de uma dada cultura (OLIVEIRA, 2003).
Diante desses fatos históricos que acabam por desenhar a imagem social do negro na
sociedade, a sua inserção social ocorre de maneira imperceptível à própria sociedade que o
32
exclui como integrante da construção da nação. Para o homem negro o viver à margem estava
sujeito às formas de violência, inacessibilidade, invisibilidade. Essa realidade é constatada nos
índices de desenvolvimento do país, o que reflete a condição de vida da população. Para as
mulheres negras a imagem social desenhada pela sociedade também foi marcada pelas formas
de violência de gênero, sexismo, classe e raça.
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (IBGE, 2007a) registrou que 97.195
mulheres compõem a população feminina brasileira e desse total, 47.119 mulheres se
declararam pardas (incluindo-se nesta categoria mulata, cabocla, cafuza, mameluca ou
mestiça de preto com pessoa de outra cor ou raça) e negras.
Esse quantitativo de mulheres negras que compõe a sociedade brasileira demonstra por
si só a relevância de se discutirem questões que envolvem este grupo populacional,
considerando principalmente as demandas de gênero (sexismo), de etnia (racismo), condição
social, saúde e educação. Nesse sentido, acreditamos que discorrer sobre trajetória da mulher
negra suscitará uma melhor compreensão deste estudo.
Na década de 40, organizou-se a chamada Frente Negra de Combate ao Racismo. Nos
períodos ditatoriais, houve grande resistência ao Movimento Negro, que, taxado de
subversivo pelo governo, foi equiparado à ideologia comunista (BITTAR; ALMEIDA, 2006).
A trajetória política das reivindicações realizadas pelas mulheres negras emerge do
próprio Movimento Negro, entre as décadas de 40 e 70. Este grupo populacional percebeu que
nas discussões e pautas do Movimento Negro não estavam inseridas as questões que
abordassem as necessidades da mulher negra. Surge o Movimento Negro Feminino (MNF)
que era composto pelas mulheres negras feministas oriundas do Movimento Negro.
O feminismo transformou as mulheres em novos sujeitos políticos e, essa condição faz
com esses sujeitos assumam, a partir do lugar em que estão inseridos, diversos olhares que
possam desencadear processos particulares subjacentes na luta de cada grupo particular
(CARNEIRO, 2003).
33
Infelizmente, em pleno século XXI a exclusão social tem sido revelada não apenas
pela distribuição de rendimentos, mas pelas discriminações em razão de sexo, raça/etnia,
idade, saúde, condição social.
Os primeiros olhares para a saúde da população feminina surgem na década de 60, em
virtude dos altos índices de mortalidade materna e perinatal que o país apresentava e que era
severamente questionado pelos órgãos internacionais. A partir de então, passou-se a
privilegiar as questões referentes à maternidade, em especial à parturição (GIFFIN; COSTA,
1999).
Na década 70, ocorreu o lançamento do Programa de Materno Infantil (PSMI) que
contempla a saúde da população feminina brasileira no período gestacional e a saúde da
criança. E, em 1977 surge o Programa de Prevenção da Gravidez de Alto Risco (PPGAR),
que de maneira indireta, tinha como alvo as mulheres negras, visto ser este grupo o de maior
índice de complicações no período gestacional. De forma subliminar, o discurso enfatizava
que por serem negras e pobres não deveriam ter filhos (VARGENS, 2001).
Na década de 80, importantes mudanças acontecem no campo das políticas de saúde,
que tem seu conceito ampliado a partir da 8ª Conferencia Nacional de Saúde (CNS). Houve
uma maior participação da comunidade no processo decisório das políticas públicas de saúde.
Paralelamente, o Movimento Feminista demonstra sua profunda insatisfação pela condição
social da mulher e passa a reivindicar seus direitos, entre os quais, o reprodutivo e sexual.
Em 1984 é implantado no país, o Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher
(PAISM), resultado da luta do movimento de mulheres e que trouxe grandes inovações. A
integralidade na assistência à saúde da mulher foi a base principal da diretriz e de ações de
saúde, e ultrapassou a concepção de um programa materno-infantil (BRASIL, 1984, 2004b).
Um resultado significativo para as questões de saúde da população negra, no tocante à
produção de dados epidemiológicos, foi em 1996 6 ano em que, pela primeira vez na história
do país houve a inclusão obrigatória do quesito sobre raça e cor. A inserção desse quesito em
diferentes documentos oficiais, como na declaração de nascido vivo, certidão de nascimento,
carteira de identificação civil e militar, autorização de internação, declaração de óbito e na
caracterização dos sujeitos das pesquisas, realizadas com seres humanos como prevê a
Resolução 196/96 (CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE, 1996).
6
Em 1996 foi lançado pelo governo federal o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDC). Dentre as ações propostas
uma delas era a obrigatoriedade do “Quesito Cor” nos documentos oficiais. A partir do governo de Fernando Henrique
Cardoso tem início um novo recorte temporal para a saúde da população negra.
35
A imagem significa o quadro que uma pessoa tem do objeto de sua vivência. Seu
conceito está intimamente ligado à ideia de prestígio social e sua construção relaciona-se a
concepções, sentimentos e atitudes. Na construção da autoimagem estão projetadas múltiplas
identidades (religiosas, culturais, sociais, raciais, entre outras) acumuladas ao longo dos anos.
Essa construção passa por dois focos de análise: um corresponde ao processo interno de
construção e reconstrução identitária da própria imagem e a outra está ligada às relações com
o mundo externo, com a população local, regional, internacional e, mesmo, perante seus
semelhantes (AMORIM, 2003).
O país desenhou ao longo dos anos uma imagem para a mulher negra. Retratada como
a “ama de leite”, historicamente deixava de amamentar seus filhos para alimentar os rebentos
da “sinhá” por horas a fio. A mulher negra era cativa do estereótipo moldado desde o período
colonial e carregava consigo os estigmas impostos pela sociedade patriarcal e branca que
explorou tanto sua mão-de-obra para o trabalho quanto seu corpo e, ainda construiu um
discurso que transferiu para sua corporeidade toda a segregação social e preconceito (CRUZ,
2004).
A mulher, na organização das sociedades patriarcais, independentemente de sua etnia,
tem como papel principal imputado socialmente, a condição de reprodutora, responsável pela
maternidade, e na maioria das vezes considerada naturalmente para desenvolver atividades do
ambiente doméstico.
Se no passado, para as mulheres brancas o espaço privado era o único reservado (por
desigualdade de gênero), encontramos uma situação diferenciada, porém não melhor nas
mulheres negras. Ao ser considerada como objeto de mercadoria (escrava), tornava-se
presente no âmbito público, sendo avaliada por suas qualidades e potencialidades femininas,
principalmente reprodutoras.
Esta situação pode ser exemplificada ao negociarem uma mulher negra, gestante ou
mãe de filhos pequenos. Nestes casos, eram consideradas mercadorias valiosas, pois
demonstravam sua condição de reprodutora, com potencialidade para produzir leite (ama de
leite) e futuros escravos (filhos). Cabe ressaltar que seus filhos não lhes pertenciam, quase
sempre eram vendidos, o que era determinado pelo interesse do senhor. Isto é, a mulher negra
é historicamente desinvestida de qualquer possibilidade que a permitisse exercer sua
feminilidade (CRUZ, 2004; WERNECK; WHITE; MENDONÇA, 2000).
As mulheres negras exerciam atividades que tinham pouco valor como mucama,
quituteira, verdureira entre outros. Sua imagem continuamente esteve associada a qualquer
atividade que não fosse necessário usar o intelecto, contribuindo para que a figura da mulher
39
7
O self é uma dimensão da personalidade composta pela consciência que um sujeito tem de si mesmo, é
conceito-chave (MEAD, 1973).
41
fora dos padrões ideais que caracterizam um indivíduo socialmente aceito (INOCÊNCIO,
2006).
O corpo humano tem uma representação, além de seu caráter biológico. Sua
construção sofre interferência de vários segmentos que compõem a sociedade como, por
exemplo, a religião, o grupo familiar, a classe, a cultura e outras intervenções sociais. O corpo
localiza-se em um terreno social conflitivo, uma vez que é tocado pela esfera da
subjetividade. Ao longo da história, o corpo se tornou um emblema étnico e sua manipulação
tornou-se uma característica cultural marcante para diferentes povos. O corpo é um símbolo
explorado nas relações de poder e de dominação para classificar e hierarquizar grupos
diferentes (FAUSTO-STERLING, 2001; GOMES, 2003).
As diversas referências literárias nacionais, dentre elas, Casa Grande & Senzala de
Gilberto Freyre, marcaram o estabelecimento de noção da mulher negra brasileira quanto à
sensualidade. O país seria o paraíso das mulatas e, cristalizando a imagem estereotipada da
população negra, era o inferno dos negros e o purgatório para os homens brancos.
Pollak (1992) ressalta em relação à imagem corporal, que esta é como cada pessoa
elabora a imagem de seu próprio corpo acentuando ou modificando as diferentes partes em
função dos mecanismos de sua personalidade e de todas as suas vivências, passadas e
presentes. Para o autor, a imagem corporal não é apenas consciente, é construída tomando em
grande parte a referência do corpo de outras pessoas predominando, em geral, os elementos
visuais. Entretanto, a imagem dos outros não está ligada somente à sua aparência física, mas
principalmente à qualidade de nosso relacionamento interpessoal.
Geralmente, essa imagem se dá por uma busca pela valorização e visibilidade social.
Esta também não deixa de ser uma forma de sobrevivência, pelo seu gingado de mulata tipo
exportação, e que, por meio das condições históricas se construiu uma relação de coisificação
e os negros como preguiçosos e que têm no samba e futebol suas perspectivas de sucesso e
ascensão social (BRASIL, 2003).
Os conceitos de autoimagem, imagem corporal podem ser considerados indicadores de
um autoconhecimento, o qual é construído com base no relacionamento consigo mesmo e
com os outros. Devido a esta idéia, houve uma dissociação da imagem da mulher negra com a
civilidade e decência, a esses dois adjetivos caberiam à mulher branca européia (CASAES;
NUNES; COSTA, 2009).
Infelizmente, ainda se observa que em quase todas as relações sociais, os estereótipos
lançam mão de expressões categóricas de caráter depreciativo e discriminatório associados à
população negra. E este componente racial tem assegurado diversas características
42
experiências determinarão a maneira como ele constrói e organiza suas referências no mundo
(FERREIRA, 2000).
Os conceitos e ideias corroboram para que a autoimagem social, seja o produto entre o
ser humano com o outro, a partir das experiências vividas. É possível pensar que a
compreensão da ideia de subserviência das mulheres negras em sua maioria é o que determina
as dificuldades em desconstruir esta imagem social, já que esta foi constituída a partir de
memória tanto individual quanto coletiva.
Entretanto, ainda que hoje a mulher negra se encontre numa melhor condição de vida,
quando observados os indicadores sociais relacionados à saúde, emprego e à educação deste
grupo populacional, verifica-se ainda uma condição de subserviência. Em decorrência da
cultura brasileira, a mulher negra, vê-se aprisionada em alguns lugares e espaços: a sambista,
a mulata, a doméstica, herança desse passado histórico (CARNEIRO, 2001).
Para Pollak (1992), quando a memória e a identidade estão suficientemente
constituídas, instituídas e amarradas, os questionamentos vindos de grupos externos à
organização e os problemas colocados pelos outros, não chegam a provocar a necessidade de
se proceder a re-arrumações nem no nível da identidade coletiva nem no da identidade
individual.
O autor se refere à construção [memória] em nível individual, ou seja, aos modos de
construção da memória que podem tanto ser consciente como inconscientes. O que a memória
individual grava, recalca, exclui, relembra, é evidentemente o resultado de um verdadeiro
trabalho de organização. A memória é um fenômeno construído social e individualmente.
A característica existente na construção da memória do indivíduo, e descrita nos
parágrafos anteriores, descortina o comprometimento existente na imagem social que a
própria mulher negra tem de si mesma. Uma imagem que foi construída há anos por diversas
sociedades, e que interfere em todo o ciclo vital dessa mulher, ou seja, desde a infância sua
imagem se constitui cercada de estigmas sociais, segundo uma ideia de inferioridade.
44
No Brasil, a educação básica, durante mais de meio século após sua independência, em
1822, foi proibida aos negros escravos, aos índios e no caso das mulheres, estas enfrentaram
diversos obstáculos por causa de uma visão tradicionalmente discriminatória quanto ao
gênero. O direito à educação parte do reconhecimento de que o saber sistemático é mais do
que uma importante herança cultural (CURY, 2002).
O acesso à educação se constitui como primeiro e o mais importante de todos os
direitos sociais. A educação é compreendida como valor de cidadania e de dignidade da
pessoa humana. À medida que um indivíduo tem negado o direito à educação, passa a não ser
capaz de se apossar de padrões cognitivos e formativos pelos quais tem maiores
possibilidades de participar dos destinos de sua sociedade e colaborar na sua transformação.
Ter o domínio de conhecimentos sistemáticos é fundamental, a fim de poder alargar o campo
e o horizonte desses e de novos conhecimentos (CURY, 2002).
Cury (2002) ratifica que o direito à educação é uma oportunidade de crescimento do
cidadão, um caminho de opções diferenciadas e uma chave de crescente estima de si. A
acessibilidade à educação promove no indivíduo um desvelar para uma chave de
autoconstrução e de se reconhecer como capaz de opções que existem na sociedade e no
mundo. Este direito decorre de dimensões estruturais coexistentes na própria consistência do
ser humano. Desse modo, a educação como direito, e sua efetivação em práticas sociais, se
convertem em instrumento de redução das desigualdades e das discriminações e possibilita
uma aproximação pacífica entre os povos de todo o mundo.
A educação é uma fração do modo de vida dos grupos sociais que a criam e recriam,
entre tantas outras invenções de sua cultura, em sua sociedade. Formas de educação que
produzem e praticam, para que reproduzam, entre todos os que ensinam-e-aprendem, o saber
que atravessa as palavras da tribo, os códigos de conduta e as regras do trabalho, entre outras
coisas (CURY, 2002; GOMES, 2003).
A educação é um elemento da vida social responsável pela organização da experiência
dos indivíduos na vida cotidiana, pelo desenvolvimento de sua personalidade e pela garantia
da sobrevivência e do funcionamento das próprias coletividades humanas. É um processo
45
direito de ingressar no ensino superior, em decorrência de uma lei aprovada pelo então
imperador D. Pedro II, que autorizava a presença feminina nos cursos superiores. Em 1907 no
Brasil, as mulheres representavam apenas 0,24% dos estudantes do ensino jurídico, 3,63% do
ensino médico e farmacêutico e 0,47% do ensino politécnico.
A inserção da mulher no ensino superior não aconteceu de maneira espontânea. Surge
para atender a uma pressão política externa e, não pela busca de corrigir as desigualdades de
gênero que faziam parte do sistema patriarcal da época. Cabe ressaltar que as primeiras
mulheres brasileiras pioneiras na educação superior (Medicina) frequentavam sua formação
fora do país e ao retornarem eram impedidas de exercer a profissão (QUEIROZ, 2008;
SOARES et al., 2005).
A partir dos anos 40, do século XX, as mulheres começam a elevar a sua participação
naquelas carreiras tidas como mais “tradicionais” (Medicina; Direito; Filosofia, Engenharia).
E, vinte anos depois, no final dos anos 60 e início da década de 70, há uma expressiva
expansão do ensino superior no Brasil, com a elevação da participação feminina, sobretudo
nas Ciências Humanas e Sociais, em que metade das mulheres matriculadas estava inserida
nos cursos de Letras, Ciências Humanas e Filosofia (ROSEMBERG, 1994).
Para Queiroz (2008), no Brasil, apesar de não haver mecanismos formais que
impediam o acesso das mulheres ao ensino superior, o condicionamento social que orientava
suas escolhas, tende a dirigi-las para as carreiras tradicionalmente “femininas”. Segundo essa
mesma autora no modo de recrutamento, baseado no exame de seleção, as mulheres poderiam
ter acesso, tanto quanto os homens, a todas as carreiras, já que esta inserção estava ligada à
condição socioeconômica de cada uma.
É progressivo o acesso das mulheres à educação formal no Brasil em todos os níveis
de ensino, inclusive no superior, ao longo do século XX. No final do século, a igualdade
sexual de acesso e permanência na escola, entre estudantes, era um fenômeno que se
verificava em inúmeros países. No Brasil, a partir de meados da década de 1980 e, com o
processo de redemocratização do país, com as políticas públicas voltadas para a
universalização da educação básica e a continua oferta de vagas com a expansão das
universidades privadas foi que as mulheres conseguiram reverter o hiato de gênero na
educação em todos os níveis (BELTRÃO; ALVES, 2004).
Este fenômeno tem suas bases alicerçadas também em Conferências como a de Beijing
(1995), que trouxe uma reflexão a respeito do movimento feminista inserido nas sociedades
"patriarcais" e que procuravam combater as discriminações sofridas pelas mulheres. A tônica
das discussões estava relacionada às questões de gênero que contribuíam com a multiplicação
51
das desigualdades entre homens e mulheres. Nesta ótica, o respeito às questões de gênero e o
acesso à universidade têm contribuído para a expressiva inserção social das mulheres na
sociedade, na busca de oportunidades iguais às vivenciadas pelos homens desta instituição
(DIAS SOBRINHO, 2005).
Para o autor, o ensino tem sido uma das dimensões, uma atividade, sem dúvida
imprescindível, de um fenômeno mais amplo que é a educação. Na formação dos sujeitos
sociais, a feminização da educação superior tem dupla dimensão: a primeira seria a conquista
social das mulheres na construção de relações sociais de gênero de maneira igualitária e a
segunda, a busca por mais tempo de permanência nos espaços de formação.
Diante das conquistas do movimento feminista e de eventos como a Conferências
Gerais da Organização das Nações Unidas para Educação Ciência e a Cultura (UNESCO,
1999b) e a Conferência Internacional da Educação, observa-se que as variações nos níveis de
escolaridade não são mais demarcadas por diferenças de gênero.
Estas conferências trouxeram discussões sobre a importância da educação e as formas
como esta poderia ser realizada. A primeira buscava a ampliação da participação no ensino
superior e que todos igualmente possuíssem o acesso à educação. Outro aspecto considerado
pela UNESCO era a urgência de ampliar o acesso ao ensino superior, diante de análises e
estudos feitos especialmente sobre a situação, nos países em desenvolvimento e sobre os
efeitos dos estudos universitários femininos.
Desta forma, relevantes motivações justificaram a ONU a implantar uma ação eficaz
que permitiu sensibilizar as decisões para os direitos das mulheres e para a necessidade de
lhes abrir mais acesso a todos os níveis de ensino. Entretanto, essa situação não é tão
“confortável” no caso das mulheres negras no ensino superior.
Estudos têm demonstrado como a população negra é prejudicada desde o ingresso na
escola até o retorno do investimento em educação quando depara com o mercado de trabalho
que é altamente discriminatório, que se traduz em menor ocupação no mercado de trabalho,
em postos de trabalhos menos qualificados e em menores salários (GOMES, 2003;
PIACITELLI, 2008).
Bourdieu (2003) afirma que a divisão sexual do trabalho ajuda a explicar, em parte, o
hiato salarial de gênero no mercado de trabalho e que se denominam de carreiras femininas,
numa lista de 335 carreiras, e segundo o percentual de membros que as compõem, e em cujo
rol estão as mulheres. Este grupo, de acordo com o autor, conduziria a profissões cujo eixo
principal seria o cuidado de crianças (professora primária), de doenças (enfermagem e
nutrição), de casas (empregadas domésticas) e de pessoas (secretárias e recepcionistas).
52
Seriam três os eixos principais que orientariam segundo sua análise, as escolhas das mulheres.
As funções que lhes conviriam seriam aquelas que sugerem o prolongamento das funções
domésticas: ensino, cuidado e serviços, uma vez que uma mulher não pode ter autoridade
sobre homens e, por último, ao homem deve caber o monopólio da manutenção dos objetos
técnicos e das máquinas.
indivíduo, pois as iniquidades na esfera da educação decorrem das diferenças entre as classes
sociais e econômicas as quais o indivíduo encontra-se inserido (QUEIROZ, 2004).
Para Bobbio (2002), a igualdade de oportunidades é um dos pilares da democracia
social, é o princípio da igualdade de oportunidades ou de chances de pontos de partida. Trata-
se da aplicação da regra de justiça numa situação na qual existem várias pessoas em
competição para a obtenção de um objetivo único, ou seja, de um dos objetivos que só pode
ser alcançado por um dos concorrentes.
Segundo Camargo (2005), o que torna o princípio da igualdade de oportunidades
inovador é o fato de ele ter-se difundido como consequência do predomínio de uma
concepção conflituosa global da sociedade, segundo a qual toda a vida social é considerada
uma grande competição de bens escassos.
Para a autora, há duas situações a serem consideradas: na primeira, exigir-se-ia que
houvesse a igualdade dos pontos de partida para todos os participantes, independentemente do
sexo, religião, de raça etc. e na segunda, seria o caso de se estabelecerem regras específicas
que garantissem a possibilidade de êxito para todos. De forma geral, o princípio da igualdade
de oportunidades tem por objetivo colocar toda a sociedade em condições de participar de
determinada conquista: a de competir pela vida, valendo-se de posições iguais (BOBBIO,
2002).
Segundo o autor há que se atentar sobre as posições de partida que são consideradas
iguais e sobre as condições sociais e materiais que definem serem os concorrentes desiguais.
E, nestes espaços, os participantes nem sempre se encontram em igualdade de condições para
concorrerem nas disputas que as instituições estabelecem. Deste modo, a desigualdade torna-
se um instrumento de igualdade pelo simples motivo de corrigir a uma desigualdade anterior:
a nova igualdade é o resultado da equiparação de duas desigualdades.
Para Castro (2005), as universidades evidenciam o retrato social em que se encontram
os negros. Os dados relativos a esse nível de ensino mostram a pouca presença de alunos
negros nessas instituições, principalmente nos cursos que têm os mais altos níveis de
concorrência no exame de vestibular. Para a autora, fatores como o tratamento desigual no
sistema educacional, ingresso precoce no mercado de trabalho, situação socioeconômica e a
disputa no exame vestibular, postergam os jovens negros de ingressarem numa universidade.
Além do tratamento desigual entre negros e brancos na universidade, a cor da pele
acaba por influenciar a escolha das carreiras por este grupo. De fato, as diferenças acerca da
presença das mulheres no ensino superior têm sido amplamente discutidas. A condição da
mulher negra neste espaço de formação se sobrepõe ao do homem negro.
54
sua condição de vida em decorrência do acesso à educação. Desta maneira, este grupo
populacional, ainda vivencia os resultados destas desvantagens socioeconômicas o que
desemboca numa qualidade de vida inferior à da população não negra.
Para Pastore e Silva (2000), a educação é o mais importante determinante das
trajetórias sociais para os brasileiros e se constitui como um determinante central e decisivo
do posicionamento socioeconômico das pessoas na hierarquia social. Um dos principais
problemas estruturais da sociedade brasileira é o baixo nível de escolaridade da população.
Segundo Hasenbalg (2001), a variável escolaridade tem um papel fundamental para
analisar as diferentes oportunidades oferecidas para os não negros e negros no processo de
implementação da cidadania no país. Para a sociedade, a educação é vista como veiculo e/ou
ferramenta para uma ascensão social e a possível quebra dos ciclos de desigualdades sociais.
Para ingressar neste espaço de formação de alta competitividade as mulheres negras
são submetidas a uma pressão psicológica devido à carência, muitas vezes, do capital cultural
exigido neste espaço, o que, de certa forma, gera um processo de exclusão simbólica como
consequência do seu desempenho.
Há a necessidade de se aprender a linguagem acadêmica branca, já que o acesso à
pesquisa, aos grupos de discussão, às informações e aos dados do saber disciplinar apenas
circulam nas interações informais e dependem da absorção e da desenvoltura no manejo dos
códigos do ethos acadêmicos (CARVALHO, 2003).
Encontramos no documento elaborado a partir da Convenção Sobre A Eliminação de
Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher (NAÇÕES UNIDAS, 1995), medidas
para que a mulher possa adquirir e se apropriar do controle sobre o seu desenvolvimento,
devendo o governo e a sociedade criar as condições para tanto, e apoiá-la nesse processo.
Dentre as medidas descritas neste documento estão ações que visam combater a desigualdade
no acesso à educação. A educação foi uma das esferas discutidas na convenção, em que
diversas medidas foram elaboradas com o compromisso de serem implantadas. Entre este rol
de medidas, elencamos:
socialmente. O estudo em níveis mais elevados tem-lhes possibilitado alcançar postos que
outrora lhes eram inacessíveis, o que gera outra condição profissional, identitária e de vida
(PEREIRA, 2010).
Diante da trajetória educacional acerca da inserção da mulher, seja branca ou negra, no
espaço de formação, é notório perceber que as mudanças e conquistas se deram
principalmente no campo político, e que elas, ao perceberem as oportunidades buscaram se
beneficiar das mudanças estruturais ocorridas no país. Em contrapartida, para as mulheres
negras esta inserção ocorre a partir de um empenho e esforço maior, em decorrência da
própria inserção social na qual estava inserida, e que impedia seu acesso à educação,
sobretudo, ao ensino superior.
59
da história de vida e que são incorporadas ao indivíduo, com auxilio desses apoios para a sua
identidade.
A identidade pessoal está relacionada com a pressuposição de que a pessoa pode ser
diferenciada de todos os outros e que, em torno desses meios de diferenciação, podem
também se agrupar e criar uma história contínua e única de fatos sociais. Para o autor, é difícil
perceber que a identidade pessoal possa desempenhar e desempenha um papel estruturado,
rotineiro e padronizado na organização social, devido à unicidade.
Ressaltamos que as questões políticas e técnicas que se encontram nas esferas
macrossociais não devem ser desconsideradas. Goffman (2008) acredita que estas questões
exercem influências entre as relações sociais cotidianas. A constituição de uma identidade
pessoal e social se dá a partir de interesses e definições de outros atores sociais em relação à
identidade.
Esse mesmo autor fornece elementos essenciais para se entender à “identidade”, em
que se cruzam três elementos: o pessoal, o social e o eu, e chama a atenção para o que
considera a singularidade de cada um. Esses elementos são desenvolvidos pelo autor e têm
como fio condutor a identidade estigmatizada e sua relação com a diferença e o desvio.
A sociedade estabelece os meios de categorizar as pessoas e o total de atributos
considerados comuns e naturais para os integrantes de cada uma dessas categorias. Os espaços
sociais estabelecem as categorias para as quais as pessoas têm a expectativa de serem neles
inseridas Isto significa que a sociedade determina padrões externos ao indivíduo o que
permite prever a categoria e os atributos, a identidade social e as relações com o meio social
(GOFFMAN, 2008).
Diante das expectativas normativas e sociais há as exigências denominadas de
demandas feitas “efetivamente”, e o caráter que imputamos ao indivíduo como uma
imputação feita por um retrospecto em potencial – uma caracterização “efetiva”, uma
identidade social virtual. A categoria e os atributos que este indivíduo, na realidade, prova
possuir, serão chamados de sua identidade social real.
A sociedade cria um modelo social do indivíduo e, no processo das vivências, em que
nem sempre é imperceptível a imagem social desse indivíduo que criamos; essa imagem pode
não corresponder à realidade, mas ao que Goffman (2008) denomina de uma identidade social
virtual. Estes atributos são nomeados como identidade social real. E esta identidade é o que
pode demonstrar a que categorias o indivíduo pertence.
Considerando estas pré-concepções como expectativas normativas sociais, é possível
estabelecer estigmas a um estranho à nossa frente, pois podem surgir evidências de que tenha
62
um atributo que o torna diferente de outros que se encontram numa categoria em que pudesse
ser incluído. Por exemplo, uma espécie menos desejável: num caso extremo, uma pessoa
completamente má, perigosa ou fraca.
Desse modo, deixamos de considerá-lo criatura comum e total, e podemos reduzi-la a
uma pessoa inútil e diminuída. Esta característica constitui estigma, especialmente quando o
seu efeito de descrédito é muito grande, – algumas vezes também é considerado um defeito,
uma fraqueza, uma desvantagem – e constitui uma discrepância específica entre a identidade
social virtual (imputação social feita efetivamente por um retrospecto pessoal ao indivíduo) e
a identidade social real (a categoria e os atributos que o indivíduo, na realidade, prova
possuir) (GOFFMAN, 2008).
Interessante que ao depararmos com um indivíduo a quem não conhecemos, as
observações serão a partir da sua conduta, imagem ou aparência. Essas observações
permitem-nos utilizar experiências anteriores com indivíduos parecidos, ou aplicar-lhe
estereótipo não comprovados (GOFFMAN, 2008).
Da mesma maneira, os sujeitos veem a si, indiretamente, e levam em consideração,
sobretudo, a visão que os outros têm deles próprios. Esta perspectiva nos mostra a
possibilidade de se entender a própria identidade, em particular, das mulheres negras
universitárias, como algo fundamentado nessas interações entre o indivíduo e o contexto
social em que vive.
Goffman (2009), ao estudar a maneira como o indivíduo se constrói e se mantém na
sociedade, a partir da sua interação social no dia a da, entende que a vida apresenta coisas
reais e bem ensaiadas e no palco ocorrem várias simulações; é no palco que o ator se
apresenta sob a máscara de um personagem, para personagens projetados por atores e por fim
a plateia constitui um terceiro elemento da correlação.
O indivíduo constrói e se apresenta aos outros e a si, com o intuito de acreditar na sua
própria representação, mas também para ser percebido da maneira como quer ser percebido
pelos outros. O desempenho dos papeis sociais tem a ver com o modo como cada indivíduo
concebe a sua imagem e a pretende manter (GOFFMAN, 2009).
Para esse mesmo autor, há uma forma de enxergar o mundo social a partir da ideia de
representação e projeção de sua identidade A interação humana proveniente da vida social é
conduzida num palco e, portanto, vivida na superfície, nas aparências que construímos. Os
papéis são pré-estabelecidos ou definidos socialmente e na administração de seu desempenho
frente à plateia. Existe uma distinção entre a “fachada” e o “fundo”: a primeira é o que
63
queremos que seja visto – a face, e o “fundo” o que não queremos que seja observado em
determinados momentos – a contraface.
Goffman (2009) utiliza a palavra “face” para colocar os atores sociais numa ação
teatral. O termo face foi definido como um valor social positivo que um indivíduo reclama
para si mesmo através daquilo que os outros conjeturam ser a linha por ela tomada durante um
contato específico.
O autor usa o termo “fachada” para fazer referência a toda atividade de um indivíduo,
que se passa num período caracterizado por sua presença contínua diante de um grupo
particular de observadores e que tem sobre estes alguma influência. Fachada, portanto, é o
equipamento expressivo de tipo padronizado intencional ou inconsciente empregado pelo
indivíduo durante a representação. Para fins preliminares será conveniente distinguir e rotular
aquelas que parecem ser as partes da fachada.
Na representação dos papéis, o “cenário” e os suportes do palco em que se desenrolam
as ações e interações humanas e que tendem a permanecer na mesma posição geográfica. O
termo “cenário” é referente às partes cênicas de equipamento expressivo, e toma o termo
“fachada pessoal” com relativo aos outros itens de equipamento expressivo, aqueles a que de
modo mais íntimo, identificamos com o próprio ator.
Entre as partes que compõem a “fachada pessoal” estão inclusos os distintivos da
função ou da categoria como vestuário, sexo, idade e linguagem, expressões faciais e gestos
corporais. Alguns destes sinais, como as características raciais, são fixas, ou seja, se dão
dentro de um espaço de tempo, e não apresentam variações de um indivíduo numa situação
para outra.
Para Goffman (2009), às vezes se faz necessário dividir os estímulos que formam a
fachada pessoal em “aparência” e “maneira”, de acordo com a função exercida pela
informação que esses estímulos transmitem. O autor chama de “aparência” àqueles estímulos
que funcionam no momento para revelar o status social do ator e, “maneira”, os estímulos que
funcionam no momento, para informar sobre o papel de interação que o ator espera
desempenhar na situação que se aproxima.
Segundo o autor, existem razões para se acreditar que a tendência de apresentar uma
grande quantidade de números diferentes, e que parte de um pequeno número de fachadas, é
uma consequência natural da organização social. Assim, quando a pessoa se apresenta diante
dos outros, seu desempenho tenderá a incorporar e exemplificar os valores oficialmente
reconhecidos pela sociedade e até mais do que o comportamento da pessoa como um todo
(GOFFMAN, 2009).
64
2.2 Estigma
fracas, paixões tirânicas ou não naturais, crenças falsas e rígidas (vício, alcoolismo,
desemprego, fanatismo) e por último os estigmas tribais de raça, nação e religião. Estes
modelos de estigmas poderiam ser transmitidos por intermédio de gerações.
O estigma como se apresenta, é, na realidade, um tipo especial de relação entre
atributo – o que é próprio e peculiar a alguém – e estereótipo – a ideia ou convicção
classificatória preconcebida sobre alguém – resultante de expectativa, hábitos de julgamento
ou generalizações. Nesse sentido, um atributo que estigmatiza alguém pode confirmar a
normalidade de outrem. O estigma não é apenas um atributo pessoal, mas uma forma de
designação social e, este atributo a torna diferente das demais e, que as expectativas sociais
habituais não se aplicam a ela (GOFFMAN, 2008).
Os processos de construção do estigma estão associados às formas como alguns
atributos dos indivíduos passam a ser considerados socialmente pejorativos, porém, os
atributos não são intrinsecamente positivos ou negativos. Essa qualificação nasce
culturalmente e está relacionada aos estereótipos (MAGALHÃES; DIAS, 2005).
Para os autores, os estereótipos cumprem a função de simplificar e categorizar o real,
tornando-o mais facilmente compreensível. Quando se utiliza o estereótipo expõem-se valores
e formas de conceber a realidade, geradas nas relações de poder entre grupos sociais.
Para Magalhães e Dias (2005), os estereótipos cumprem a função de simplificar e
categorizar o real, tornando-o mais facilmente compreensível. Ao utilizar um estereótipo se
desvendam os valores e formas de idealizar a realidade, que sempre são geradas nas relações
de poder entre grupos sociais. Para o estigmatizado, o conhecimento acerca do estigma e este,
é parte integrante para a construção da sua identidade.
Segundo Goffman (2008), termo estigma outrora esteve ligado às características
históricas associadas às marcas realizadas no corpo do indivíduo para que este fosse
identificado como inferior. Acrescenta ainda, que, o estigma da atualidade se apresenta com
outras características, são sinais que advêm do campo simbólico e que consideram não só as
marcas ou sinais no corpo físico, mas as diferenças de cunho social (NASCIMENTO, 2009).
Goffman (2008) aponta que na sociedade há grupos, situações e indivíduos que, a
partir de condições sociais e físicas como classe social, etnia, gênero, portadores de
necessidades especiais, religiões, culturas e outros determinantes são diferenciados pela
sociedade. Para esse mesmo autor, o indivíduo estigmatizado apresenta duas maneiras de lidar
com o problema. Primeiro, deve se comportar de modo a não apresentar sofrimento pela sua
condição e, segundo, deve se comportar na perspectiva dos não estigmatizados, ou seja, ser
estimulado a considerar-se um ser humano, sem contudo, negar sua diferença.
67
biológica e natural, numa analogia médica de cura ou recuperação, mas nunca de aceitação e
de criação social (VELHO, 2003).
A estrutura do estigma está associada ao fato de a sociedade estabelecer categorias
para o indivíduo a partir de seus atributos. Tende-se a classificar os indivíduos a partir de
determinados padrões de características e, projetamos “expectativas normativas”
(normas/padrões) ou “exigências” como forma de identificar os membros do grupo, ou seja,
cada ambiente social agrupa uma categoria de pessoas em função de determinados atributos
que comunicam uma identidade ao referido grupo. O estigma surge quando existe a
probabilidade de uma regra não ser cumprida (CORRÊA, 2005; GOFFMAN, 2008).
A sociedade impõe a rejeição, leva à perda da confiança em si e reforça o caráter
simbólico da representação social segundo a qual os sujeitos são considerados incapazes e
prejudiciais à interação sadia na comunidade. O diferente assume a categoria de “nocivo”,
“incapaz”, fora do parâmetro que a sociedade toma como padrão. Este indivíduo fica à
margem e passa a ter que responder conforme a sociedade determina, ou seja, um indivíduo
que não atende às expectativas que a sociedade estabelece para os normais.
A sociedade limita e delimita a capacidade de ação de um sujeito estigmatizado,
marca-o como desacreditado e determina os efeitos maléficos que pode representar. Quanto
mais visível for a marca, menos possibilidade tem o sujeito de reverter, nas suas inter-
relações, a imagem formada anteriormente pelo padrão social. A identidade social
estigmatizada destrói atributos e qualidades do sujeito, exerce o poder de controle das suas
ações e reforça a deterioração da sua identidade social, enfatizando os desvios e ocultando o
caráter ideológico dos estigmas (GOFFMAN, 2008; VELHO, 2003).
Este caráter ideológico que possui os estigmas compromete a identidade social do
indivíduo, pois este se torna desacreditado a partir das informações sociais que transmite e,
como consequência, tem o seu direito comprometido, ou seja, cerceado por um padrão de
normalidade estabelecido pela sociedade.
O indivíduo estigmatizado adquire vários signos ou símbolos que irão caracterizá-lo
como indivíduo desacreditável, o que promove uma separação das pessoas “normais”. Essa
separação não emerge de maneira natural, mas é um produto histórico de exclusão daqueles
que se enquadram como diferentes dos padrões sociais (NASCIMENTO, 2009).
Goffman (2008) afirma que quando os “normais” e estigmatizados se encontram na
presença imediata um do outro, ambos enfrentarão diretamente as causas e efeitos do estigma.
Os estigmatizados assumem um papel fundamental na vida dos ditos normais, pois colaboram
e estabelecem uma referência entre os dois e demarcam as diferenças no amplo contexto
69
social. Desta maneira, além de demarcar diferenças, acabam por cristalizar e fortalecer a
condição de estigmatizado (GOFFMAN, 2008).
O indivíduo estigmatizado pode descobrir que se sente inseguro em relação à maneira
como os “normais” o identificarão e o receberão. Essa incerteza é ocasionada não só porque o
indivíduo não sabe em qual das várias categorias será colocado, mas quando a colocação é
favorável, é pelo fato de que, intimamente, os outros possam defini-lo em termos de seu
estigma (GOFFMAN, 2008).
Para o autor, outra possibilidade de os estigmatizados demarcarem seu papel social é
quando sua diferença “não é revelada de imediato, e não há conhecimento prévio (ou pelo
menos ele não sabe que os outros sabem), ou seja, quando na verdade não é uma pessoa
desacreditada, mas desacreditável”. O desacreditado não necessita manter somente o controle
da tensão emocional diante dos controles sociais, mas um bom controle da informação acerca
dos estigmas, como, por exemplo, dizer a verdade ou mentir a quem, como, onde e quando
queira, em determinada situação ou momento.
O autor conceitua a informação social como uma representação social do sujeito, com
suas características mais ou menos permanentes, contrapostas aos sentimentos, estados de
ânimo e à intenção que o sujeito pode ter em dado momento. São signos que o sujeito
transmite para o outro por meio da expressão corporal. O autor denominou “social” a esta
informação que pode ser de frequência acessível e recebida de forma rotineira.
estigmatizado pode ser baseado nos rumores ou nos contatos anteriores. Outro aspecto a
determinar em uma situação do sujeito portador de um estigma visível é até que ponto isso
interfere em suas interações com o meio social.
A identidade social estigmatizada destrói atributos e qualidades do sujeito, exerce o
poder de controle das suas ações e reforça a deterioração da sua identidade social, enfatizando
os desvios e ocultando o caráter ideológico dos estigmas. A sociedade impõe a rejeição, leva à
perda da confiança em si e reforça o caráter simbólico da representação social segundo a qual
os sujeitos são considerados incapazes e prejudiciais à interação sadia na comunidade.
Fortalece o imaginário social da doença e do “irrecuperável”, no intuito de manter a eficácia
do simbólico (GOFFMAN, 2008).
Para as mulheres negras a sociedade brasileira construiu sobre o seu estereótipo um
estigma influenciado pelo corpo escultural, a sensualidade e sexualidade e sua cor da pele.
Essa trajetória de preconceitos e estigmas sociais refletiu nas relações entre os gêneros, mas
também entre as próprias mulheres. O fortalecimento do imaginário social acerca da mulher
negra reforça o preconceito e a interiorização da condição de inferioridade, estabelecendo as
formas de discriminação que na verdade são os produtos finais dos estigmas sociais.
A população negra, desde a sua chegada ao país, ocupou posições que não lhes
garantiram privilégios, mas uma imagem deteriorada que contribuiu para uma invisibilidade
social. Apesar da invisibilidade social, é notória a visibilidade física da população negra
ratificada ao observarmos os dados do censo populacional do país (IBGE, 2008).
Para este grupo populacional, foram diversas as dificuldades que fizeram parte da sua
história de vida no Brasil. Entretanto, essa naturalização da inferioridade da população negra a
contracenar com a supremacia branca é refutada quando homens e mulheres negras
escreveram os seus nomes na história do país em distintas áreas do conhecimento.
Encontramos, por exemplo, Monica de Menezes Campos 8, Ivete Sacramento9, Ana Davis10,
Jurema Batista11, Abdias Nascimento12, Milton Santos13, Joaquim Barbosa14, Lélia
Gonzalez15, Sueli Carneiro 16, Ruth de Souza17, Sônia Guimarães18 entre outros.
8
Primeira mulher negra cursar a o Instituto Rio Branco para carreira diplomática em 1978.
9
Reitora da Universidade Federal da Bahia em 1998.
10
Primeira reporte negra a apresentar um telejornal em 1972.
11
Primeira Deputada Estadual negra eleita em 1972.
12
Professor, político e dramaturgo. Intelectual engajado nas lutas libertárias do negro no âmbito mundial.
71
13
Geógrafo brasileiro que maior reconhecimento alcançou fora do país, tendo recebido, em 1994 o Prêmio
Vautrin Lud, considerado o “Nobel” da geografia, este prêmio é conferido por universidades de 50 países.
14
Terceiro negro a ser ministro do Supremo Tribunal Federal, sendo precedido por Hermengildo de Barros (de
1919 a 1937) e Pedro Lessa (de 1907 a 1921).
15
Doutora em Antropologia, feminista e co-fundadora do Movimento Negro Unificado (MNU) em 1970, sendo
protagonista das discussões de gênero e raça.
16
Co-fundadora do Coletivo de Mulheres Negras de São Paulo e do Gelédes – Instituto da Mulher Negra em
1988.
17
Atriz, co-fundadora do Teatro experimental do Negro, na década de 40.
18
A primeira negra brasileira Doutora em Física, título adquirido pela The University of Manchester Institute of
Science And Technology, e respeitada professora do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA).
72
3 O CAMINHO METODOLÓGICO
O cenário escolhido para realização desta pesquisa foi a UERJ (APÊNDICE A). Nesta
Instituição de Ensino Superior (IES) existem 32 cursos de graduação, que se desdobram em
diferentes habilitações, licenciaturas e bacharelados. Os cursos são oferecidos por 30 unidades
acadêmicas e abrangem as cidades do Rio de Janeiro, Duque de Caxias, Nova Friburgo,
Resende e São Gonçalo. Esta mesma IES possui, aproximadamente, 100 cursos de pós-
73
Em apenas um curso houve a permissão de contato direto com a turma, porém neste
ninguém se autodeclarou como preta ou parda. Cabe destacar que a pesquisadora não
identificou também ninguém com características físicas que atendessem ao perfil estudado.
A pesquisadora percebeu a fragilidade na busca por este grupo, já que em alguns
momentos o contato com os possíveis sujeitos teria de ser feito por outra pessoa, o que torna
difícil garantir o empenho de terceiros na busca pelas mulheres negras no curso em questão.
Face à necessidade de contar com a seriedade dos profissionais que compõem as
secretarias dos Programas de pós-graduação, aguardamos as respostas ao e-mail enviado e
agendamos as entrevistas com as autodeclaradas que desejaram participar da pesquisa.
Ressalte-se que após levantamento nos Programas de pós-graduação em saúde,
trabalhamos com sete dos cursos existentes na UERJ. Na busca pelas depoentes, as
encontramos em apenas três cursos de Mestrado, num total de 94 mestrandas matriculadas nos
Programas de Mestrado nas áreas já referidas. Ao final, os atores sociais da pesquisa foram 10
(9,6%) mulheres negras.
No que respeita à caracterização das depoentes, verificamos que das dez mulheres,
cinco (55%), se encontravam entre 20 a 30 anos; duas, (22,2%), na faixa entre 31 a 40 anos; e
três, (33,3%), entre 41 a 57 anos. E, em relação ao estado civil, seis, (66,6%), informaram
serem solteiras, três, casadas (33,3%) e uma, (11,1%), viúva.
Encontramos sete mulheres, (77,7%), no Mestrado da Faculdade de Enfermagem,
duas, (22,2%), no Mestrado de Fisiopatologia Clínica e Experimental e uma, (11,1%), no
Mestrado de Alimentação, Nutrição e Saúde.
Este quantitativo de mulheres negras matriculadas na pós-graduação, ou seja, no
Mestrado acadêmico, é consequência ainda do pequeno número de mulheres negras que têm
acesso não somente ao ensino superior, mas à possibilidade de continuar o aprimoramento
profissional que compreende a continuidade do processo de formação. Destacamos que nesta
referida instituição políticas de ações afirmativas foram implantadas. Entretanto, a inserção
num Programa de Mestrado não acontece por ações afirmativas, mas por desempenho
acadêmico e envolvimento com a pesquisa.
O acesso da população negra ao ensino superior e à pós-graduação apresentados pelo
IBGE (2005) demonstra a relevância da temática. Neste mesmo período, na pós-graduação
Stricto Sensu, 86,4% são brancos; 9,2% pardos; 1,9% amarelos; 1,8% negros e 0,2%,
indígenas. Apesar de os números refletirem um pequeno percentual de mulheres negras na
pós-graduação, ao relacionarmos os dados apresentados pelo IBGE (2005), o quantitativo
encontrado na pesquisa em questão apresenta um reflexo da política de cotas instituída no ano
76
de 2000 pela universidade que foi cenário da pesquisa. Os dados apresentados pelo IBGE
dizem respeito à totalidade de estudantes negros em nível de Brasil.
A coleta dos dados foi efetuada segundo a técnica da entrevista semiestruturada, que
requer a elaboração dos tópicos e/ou questionamentos básicos relacionados ao tema da
pesquisa. A opção por esse método surgiu em razão de algumas vantagens pertinentes à
pesquisa social: a possibilidade de obtenção de informações acerca dos mais variados
aspectos da vida social; a eficiência na produção de dados em profundidade sobre o
comportamento humano e a possibilidade de apreender a comunicação não verbal do
entrevistado, por intermédio de sua expressão corporal, tonalidade da voz e ênfase nas
respostas. A construção dos tópicos para o roteiro da entrevista se apoiou nas questões e
teorias descritas no estudo, de maneira a oferecer amplo campo de interrogativas que surgirão
à medida que a entrevista progride (FIGUEREDO, 2007; GIL, 2001).
77
Para dar conta deste estudo elegemos a análise de conteúdo temática. Por intermédio
desta técnica de análise é possível alcançar a subjetividade e desvelar os sentidos explícitos e
implícitos de qualquer mensagem (BARDIN, 2009).
A partir da análise dos dados produzidos pelas universitárias negras emergiram três
categorias: a imagem social da mulher negra na perspectiva de mulheres negras
universitárias, a formação universitária na vida de mulheres negras, e a autoimagem social
de mulheres universitárias negras.
80
CATEGORIA
CATEGORIA SUBCATEGORIA UNIDADE DE SIGNIFICAÇÃO
INTERMEDIÁRIA
1º) A imagem A imagem social da A etnia afro A baixa valorização do negro e da
social da mulher negra descendente como mulher negra na sociedade,
mulher negra determinantes da desigualdade social, distinção social
na perspectiva inserção social (43 URs/6 ENT)
de mulheres caracterizada como a
negras baixa condição
universitárias socioeconômica
Preconceito étnico Preconceito/discriminação/anulação
social da identidade étnica (25 URs// 5
ENT)
A mulher negra como O corpo da mulher negra - objeto de
objeto de sensualidade sensualidade (18 URs//3 ENT)
2ª) A formação Situações positivas Transformações sociais A formação universitária como
universitária na vivenciadas durante a espaço de ampliação do
vida da mulher formação conhecimento favorecendo a
negra universitária inserção social (40 URs//7 ENT)
Transformações Valorização do conhecimento
pessoais científico e a inserção no meio
universitário - suporte na melhora
da autoestima/flexibilidade nas
atitudes (40 URs//10 ENT)
Situações negativas Desvalorização do Sentimentos de indecisão,
vivenciadas durante a potencial de frustração e desconhecimento do
formação aprendizagem e curso escolhido; déficit e limitação
universitária dificuldade de de aprendizagem e adaptação
aprendizagem institucional (29 URs//7ENT)
Condições Desigualdades de classe social
socioeconômicas (23 URs//3ENT)
desiguais
3º)Autoimagem Visão pessoal Estratégias de Perseverança nas atitudes e
social das positiva de sua superação demonstração de competência
mulheres autoimagem profissional (41 URs//6 ENT)
negras Empoderamento acerca Valorização pessoal da etnia
universitárias das questões étnicas (29 URs//6ENT)
Olhar de igualdade Não identificação das diferenças
sociais pela etnia (29 URs//5 ENT)
Visão pessoal Descrédito em si Baixa estima, insegurança em se
negativa de sua mesmo posicionar espaços sociais,
autoimagem Insegurança dificuldade de falar de autoimagem
Autoimagem (39 URs//8 ENT)
comprometida
Quadro 1 - Distribuição da categoria sobre a imagem social da mulher negra universitária
Legenda: unidades de registro (URs); entrevistas (ENT).
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Esta categoria aborda a visão das depoentes sobre a imagem social da mulher negra
nas diversas instâncias da sociedade, assim como sua autoimagem. Nos depoimentos
pudemos verificar alguns dos valores sociais agregados à mulher de tez preta que as
categorizam e indicam sua inserção nos espaços sociais em que devem transitar ou não.
As depoentes destacam como aspecto importante da imagem social da mulher negra
sua condição socioeconômica desfavorável, o que resulta em ser determinante de sua inserção
social. Em suas falas, evidenciamos a desigualdade social associada às questões étnicas, a
partir das quais o negro encontra-se em condição inferior – desigualdade social, o que o
desvaloriza socialmente:
Ele [negro] não tem direito a nada ou ele [negro] não tem nada, né? E3
83
A gente foi observando que às vezes a questão de considerar que aquele [indivíduo] de cor
negra tem que ser mais menosprezado. E4
O (des) valor parece ser fruto da condição e inserção histórica do negro na sociedade
brasileira desde o período da pós-abolição. A população negra obteve a liberdade, mas,
encontrava-se inabilitada para ingressar nos novos espaços de trabalho que chegavam com o
progresso do país. Consequentemente, permaneceram despreparados, na condição de
subserviência e a executar trabalhos que precisassem da força e não do intelecto. A condição
social do negro cristaliza-se em posições socioeconômicas desprestigiadas, com direitos
negados, na maioria das vezes, o que prevalece até os dias atuais (desigualdade social).
Guimarães e Huntley (2000) reiteram que além dos percalços históricos encontrados
pelo indivíduo não branco, dois aspectos chamam a atenção: o primeiro, diz respeito à
formação e qualificação profissional, o que resulta em prejuízo para esta população que não
dispõe de recursos financeiros que lhes permita investir em educação. O segundo, é a
inexistência, quase absoluta, de capital social.
Para Hasenbalg (2005), nascer negro ou mulato no país, normalmente significa nascer
em famílias de baixo status. As probabilidades de fugir às regras das limitações ligadas a uma
posição social baixa são menores para os negros do que para os brancos de mesma origem
social.
As depoentes também evidenciam que as questões de gênero, quando associadas à
condição étnica, intensificam a desigualdade social que é evidenciada pela mulher negra:
Então assim, eu acho uma pena a sociedade negra brasileira, [...] somos totalmente
miscigenados, a gente [mulher negra] vive é muito à margem ainda, [...] muito à margem.
Então você vê a grande classe trabalhadora braçal são negras, as empregadas domésticas. E2
Eu acho que a gente [mulher negra] vive em uma sociedade extremamente desigual. E1
Ela tem só é que servir sempre, como empregada doméstica ou técnica de enfermagem. E2
Porque muitas vezes a pessoa [mulher negra] acha que não é nada. Elas se desestimulam, acho
que falta pique né? E5
As minhas amigas negras da Baixada Fluminense, não têm ideia de quanto elas poderiam ir.
O quanto elas podem alcançar. E8
Mas acho que a oportunidade é financeira [para a mulher negra dificulta o acesso a educação].
É em nível de financeira mesmo, que dificulta isso o crescimento, tá? A falta de oportunidade
é muito grande. [...] Vai prejudicar no seu crescimento, e que dizer que com isso você não tem
como galgar suas vitórias, né? E3
das vezes, enrijecem posturas e atitudes dessa população, o que mantém a condição de
desconhecimento acerca de seus direitos.
O acesso de maneira inadequada aos benefícios sociais – educação, saúde, direitos
entre outros, produz uma imobilidade social a qualquer indivíduo que vivencia a dicotomia
baixa-renda/escolaridade inferior, se torna um ciclo e difícil de ser quebrado (GUIMARÃES,
2000).
As depoentes indicam a dessemelhança pela sua condição de mulher e negra. Estas
condições apontam questões de gênero, em que a mulher em nossa sociedade é discriminada,
e o preconceito étnico:
Ainda existe preconceito, as rejeições contra o negro, a mulher. Não há respeito com cidadão
em si. E5
A questão do preconceito tem sua raiz na hierarquização das classes sociais e do seu
papel social como mulher negra na sociedade brasileira. As mulheres negras ocuparam
historicamente posições relacionadas ao doméstico, „ama de leite‟, mucamas, quituteiras,
diferenciando-se, inclusive, o status entre a mulher negra e a branca. Apesar de serem
atividades no ambiente doméstico, estavam inseridas nos espaços públicos que as tornavam
mantenedoras de sua condição de provedora das necessidades da família.
Em virtude de sua condição social desfavorável, o desamparo afetivo e a necessidade
de prover o sustento dos filhos mantiveram a mulher negra no espaço público. Entretanto, por
ser responsável pelo sustento da família dificultou uma melhora de ascensão social, já que não
acessam facilmente o espaço de formação que poderia romper este ciclo desigual
(CARNEIRO, 2003).
Entretanto, os avanços e a busca pelos direitos têm acontecido. Ao lançarmos o nosso
olhar para ontem, percebemos que ocorreram mudanças para este grupo populacional. Essas
mudanças permitiram uma melhora, ainda que distante do esperado, no que diz respeito ao
acesso à educação, à inserção no mercado de trabalho e à saúde. Contudo, há muito que fazer
para minimizar as diferenças que existem entre as mulheres negras e brancas. As depoentes
apontam a importância da valorização da condição étnica de mulher negra desvinculada da
condição da branca:
Eu não tenho que ser branca pra ter o mesmo destaque que o branco. Eu tenho que ser igual a
ela? A gente tem muito que evoluir muito que evoluir pra conseguir um dia, talvez, ter uma
qualidade de vida normal, uma visibilidade normal, como uma mulher branca, normal. E2
86
Eu quero ser percebida como igual. A igualdade pra mim não é eu ser igual a você, não é eu
ter história de vida igual a você, não é eu ter o corpo igual ao seu. E1
A gente vai observando que às vezes a questão de considerar que aquela de cor negra tem que
ser mais menosprezado. E4
O negro se ele puder ser invisível, é bom. Ele faz [trabalha], mas ele não aparece. Mas eu
acho isso ruim pra gente, prejudica a imagem [negra na sociedade]. E2
87
Um negro passar por certas situações [preconceito], que ele [negro] se sinta excluído,
especificamente por causa da cor. As outras pessoas podem até falar que não. Que não é
motivo, que não é só cor, mas você sente que é. E10
É aquilo que eu falei no início que a gente [mulher negra] às vezes fica meio subjugada por
questão de classe social e a cor pele. E7
Assim, a gente [mulher negra] tem um estigma muito grande de que o negro (a) foi feito pra
suportar. O negro tem que ser sempre subserviente. E2
Verificamos nos depoimentos das mulheres negras universitárias que estas indicam
relação direta entre a imagem social da mulher negra e os aspectos socioculturais brasileiros.
Basicamente, a mulher, em especial a negra, tem como signo imputado (estigmas sociais) as
questões referentes à sensualidade corporal – cultura das danças que enaltecem as curvas
88
femininas, como por exemplo, o próprio carnaval, o samba e a cultura tropical que valoriza o
corpo da mulher negra:
O corpo da mulher negra... a mulher negra não precisa nem falar, ela tem que rebolar. E1
A negra tem que ser a bonita, que rebola até o chão, que samba na Mangueira. Só na época do
carnaval que a [mulher] negra é valorizada.. A mulher negra só tem que rebolar e o gringo
fica ali babando, tirando foto. E2
Acho. Porque a mulher parda ainda tem aquela coisa assim, né? A „morenaça‟! „Morena cor
de jambo‟; uma coisa assim, né? E8
O uso indiscriminado das imagens fortalece os signos sociais e não refletem a real
condição de vida deste grupo populacional, ou seja, ausência de qualquer tipo de glamour.
Entretanto, diante de condições precárias de vida, entendemos que o uso da imagem sensual
do corpo negro proporcionaria um ganho secundário para as mulheres negras. Em seu
cotidiano vivenciam as dificuldades e desigualdades sociais. Entretanto, tornam-se mais
valorizadas quando objeto de sensualidade pela mídia – as mulatas tipo exportação, o que se
torna para algumas mulheres negras uma meta de sucesso na vida.
Giacomini (2006), ao pesquisar um grupo de mulheres negras inscritas no curso de
Formação Profissional de Mulatas, numa instituição profissionalizante no Rio de Janeiro,
descreveu que as mulheres negras entrevistadas veem que a condição de mulata profissional
pode proporcionar uma ascensão profissional. Essa aptidão é vislumbrada como uma benesse.
Apesar das benesses, elas se veem defrontadas aos estigmas associados seja à imagem da
mulata sensual e disponível – que, contraditoriamente, aceitam, rejeitam e devem
representar/apresentar, seja à imagem da mulher da noite.
Pensar e falar sobre o corpo da mulher negra implica, a priori, pensarmos o corpo
como signo do que reproduz uma estrutura social de forma a lhe dar um sentido particular,
que certamente irá variar de acordo com os mais diferentes sistemas sociais. Logo, o ganho
89
secundário parece estar relacionado à visibilidade que elas alcançam ao permitirem o uso da
sua imagem (FAUSTO-STERLING, 2001; NOGUEIRA, 1999).
Para Goffman (2008), os signos não permanentes, usados apenas para transmitir
informação social, podem ou não ser empregados contra a vontade do informante e quando o
são, tendem a serem símbolos de estigmas. Utilizando as ideias do autor para discussão das
falas das entrevistadas, entendemos que as mulheres negras universitárias entendem que há o
uso da imagem do corpo da mulher negra na busca de uma visibilidade social.
Seguindo a ideia do autor, as mulheres negras ao compartilhar a sua imagem social na
imprensa, demonstram não reconhecer a cor da sua pele como um estigma negativo, mas
como positivo. Isso se dá, talvez, pelo fato de não conseguirem visibilidade em decorrência
de sua própria condição de mulher e negra em nossa sociedade. Para as mulheres negras
universitárias, ao permitirem a veiculação da sua imagem pela mídia, as mulheres negras
cristalizam os estigmas sociais que estão atrelados à mulher negra – o ser objeto.
As falas das depoentes evidenciam que ainda hoje a imagem social da mulher negra
para a sociedade tem o seu valor atrelado ao corpo. Entretanto, as depoentes acreditam que
esta visibilidade não acontece na mesma proporção, quando comparadas às mulheres negras
que se valem dos estigmas sociais que as conduzem para a mídia. Para as depoentes este
estigma é ruim para a imagem das mulheres negras na própria sociedade brasileira.
Eu era muito impositora. Talvez pela exigência de ter que ficar me posicionando sempre.
Hoje em dia, eu sou mais flexível, sou mais aberta a informações, escuto mais do que falo. E
pela experiência também de vida. E1
Eu acho que a universidade é bem politizada neste campo [formação reflexiva], ela mostra, abre
o leque para você ler, entender, observar, tirar sua conclusão. Ali era a minha casa. E 5
Esse espaço [universidade] formador de aprendizagem, ele mexe muito com as características
nossas, de ser humano, que ele vai moldando [...]. Busca formar um profissional, mas as suas
características pessoais também atreladas a esse processo [formação]. E7
91
Eu acho que foi uma experiência [acesso ao conhecimento], acho que hoje eu iria aproveitar
muito mais algumas coisas, algumas experiências, em termos de ensino, de exploração, de
oportunidade de pesquisa. Eu acho que [...] as conquistas profissionais, acadêmicas, dá mais
chão para você, acho que você se sente mais seguro para entrar em qualquer espaço. E6
Foi vitorioso. Hoje eu me sinto assim vitoriosa. Eu não tenho vergonha de chegar a lugar
nenhum, de conversar, de ir a qualquer lugar. Tive a oportunidade é claro por formação
devido ao meu pai ter uma condição um pouco melhor, de me oferecer um estudo de uma
universidade pública. E3
A universidade pública ela abre muitas oportunidades para os alunos. Eu sempre pude participar
de muitos projetos na universidade (congressos, escrever artigos, participar de pesquisas como
bolsista, iniciação científica). E8
A gente recebia [bolsa de permanência] e fazia dois cursos que a universidade permitia. Então
fazia dança, teatro, inglês. Então eu escolhi o inglês instrumental e português. Sempre tive
muito interesse nas coisas [possibilidades ampliar o conhecimento] da faculdade e [...] tinha um
processo seletivo para um projeto de pesquisa [participei e fui selecionada]. E7
Aqui dentro [universidade] a gente tem até algum valor, a academia valoriza. E lá fora quando
você vira enfermeira assistencial? Ninguém te libera do seu trabalho para fazer o seu
mestrado, por exemplo. Ninguém te valoriza. A academia valoriza. E2
Mas eu sei que eu posso muito mais [ir mais longe]. Porque assim, eu sempre falo [Se tiver
que ser meu, vai ser meu, eu tenho que estudar], né? E9
92
O meio [universitário] influenciou com certeza. Foi um local que me abriu muita porta para
outros espaços. Porque quando você se sente [devido ao processo de formação] mais segura,
você se sente mais bem colocada [nos espaços sociais]. E6
Na prática eu sempre busco ir além. Se eu consigo ir até ali, eu quero buscar muito mais. [...]
a mesmice me deixa mal. Acho que é porque eu fui criada sempre que ir buscar. [...] Não tem
só coisas boas, que a gente sempre teve que passar por degrau. E1
A faculdade é outro mundo, você interage com vários tipos de pessoas, então você tem uma
visão ampliada. E4
O ensino superior eu busquei porque eu queria estudar mesmo, sempre gostei. Assim, não
pensava muito na possibilidade de parar de estudar no segundo grau. Eu queria ter uma
profissão. Sempre achei isso importante. E6
É possível observar que para essas mulheres, o fato de ter entrado na universidade
significa muito mais do que transpor o vestibular, o qual é para a maioria dos estudantes um
marco, um ritual de passagem. Para as jovens negras significa ter perseverança, ultrapassar as
adversidades e vislumbrar uma profissão de nível superior.
A inserção na universidade para este grupo proporcionou transformações que lhes
permitiram galgar espaços sociais na esfera do ensino, ou seja, multiplicadoras do
conhecimento adquirido. Também acaba por constituir uma parcela diferencial da maioria da
população negra, o que pode vir a influenciar na ruptura dos paradigmas. Esta condição
reflete no dado individual dessas mulheres negras, o que torna elevada sua autoestima:
Quando eu comecei a me inserir mais no espaço acadêmico, a dar muito curso, muita palestra.
Abriram um pouco os espaços para mim nessa área acadêmica. Que é uma coisa que eu acho
muito legal e que eu valorizo muito. Então isso [conquistas pessoais] é legal para sua
autoestima também. E6
94
Foi uma experiência infinita. Assim, eu trabalhei com população de rua, era um projeto do
município, da Secretaria Municipal de Saúde e assim, eu vivenciei. Eu achava que eu era
muito pobre e eu vi que eu era muito rica, rica de tudo, de conhecimentos, de informação, de
profissão. E eu tentei passar, durante esse período todo, nas palestras que a gente fazia nos
projetos, que todo mundo pode conseguir alguma coisa. Porque eu acho que essa população
precisa de pessoas que gerem informações, que coloquem a autoestima deles pra cima,
porque, como eu mostrava pra eles, eu não vim de família rica, não tive condições desde o
início. E2
E a nossa família, eles estão nos vendo como um exemplo. Até porque nós somos negros
[depoente] e somos exemplos para outros negros, então nossa família, nossos primos mais
novos, nossos sobrinhos têm se espelhado bastante na gente. Eles têm tido a vontade de trilhar
o mesmo caminho. Então a gente sente que tem esse compromisso também. O negro tem esse
compromisso. E10
Quando você entra na faculdade, você vê, é gente de todos os cantos, todas as idades, com
todas as experiências de vida. Nossa, é muito diferente Parecia que eu estava mundo a fora
porque quando você está indo na escola, ensino médio, o perfil é mais ou menos o mesmo de
pessoas que estão ali com você, de classe [sociais], de ideais, projetos, enfim. E9
Aí faz você refletir na imagem do negro perante a sociedade porque aqui dentro [na
universidade], a gente tem até algum valor. E2
Assim, não digo que eu sou rica, mas, o que, em relação ao que eu tinha que não era nada, a
gente tem carro, a gente tem casa própria, compramos num negócio agora. E1
[...] Mas foi um espaço de transformação [estar inserida na universidade]. Eu acho que
transformação mesmo acadêmica. E9
O leque de possibilidades se abre para este grupo e tornam visíveis, quase palpáveis,
as transformações pessoais intrínsecas no processo da formação universitária. De maneira
positiva, estas pessoas se percebem como sujeitos de direitos e da sua própria história de vida.
O processo de formação universitária para as depoentes foi permeado de situações
positivas e negativas, um período impar para cada uma. O acesso ao conhecimento é
fundamental. A partir dele há uma ampliação dos horizontes, transformações profundas
sociais e pessoais que foram de extrema importância para que pudessem se perceber com a
valorização da autoestima e a melhora na inserção nos diversos espaços sociais.
Verificamos que o acesso à educação e a todos os processos de ensino/aprendizagem
são percebidos pelas mulheres negras universitárias como agentes transformadores e positivos
na vida do ser humano.
Fazer faculdade integral pra quem tem poucos recursos [financeiros], a gente sabe que não é
fácil. Mesmo sendo pública, tem que almoçar fora todo dia, passagem para lá e para cá. É
pública, mas realmente não é fácil. Nem sempre dava. Tinha que dar um jeitinho. E10
Sempre foi com muito esforço [financeiro] para que a gente pudesse estar estudando numa
universidade pública. Então a gente tinha uma ideia assim da elite, dos mais favorecidos, dos
brancos, das pessoas que iam de carro, nunca igual nós que íamos de metrô, pessoas pardas,
pessoas menos favorecidas no dinheiro. E7
E eu fiz a UFF, fiz Fundão, que eu achava mais popular, que era uma Universidade, assim,
mais aberta a qualquer classe e só que eu passei pra UERJ que eu não queria. Foi exatamente
a qual eu passei. Eu achava da UERJ era exatamente o que eu encontrei. Uma universidade
elitizada. Porque tinha muita gente [...] nariz em pé, não sei muito bem a palavra. Mas todos
97
tinham um carro: [Ganhei um carro quando passei na universidade (exemplificando a fala dos
colegas)] e eu ia de trem. E1
Então, esse momento [início do curso] dentro da universidade foi muito marcado pra mim,
porque foi o momento que a gente pode entender que existia sim essa separação dos mais
privilegiados, dos demais, mas que todos conviviam juntos ali. E7
Não [Eu não me reconhecia naquele espaço de brancos]. Foi uma grande dificuldade, apesar
de ter sido a única negra da minha turma. Eu sentia falta [outros acadêmicos negros na turma],
mas isso não me impedia de fazer as coisas não, desenvolver. E10
A maioria das pessoas [discentes] morava na zona sul. Ninguém conhecia Santa Cruz: [Santa
Cruz não sei da onde?], [...] Não porque as pessoas tinham obrigação de conhecer, mas assim,
pra você ter noção de que a zona oeste, ou a classe baixa, não era a realidade da UERJ,
entendeu? Era uma vida que era totalmente fora da realidade que eu vivia né? A maioria das
pessoas [discentes] e saiam da UERJ e iam pra um shopping e eu demorava 3 horas para
voltar pra casa. E1
Na universidade senti realmente, às vezes algum [comentário] não de professores, mas sim de
colegas. Ali naquele ambiente a gente ouvia muito, os colegas diziam, eu ouvia muito colega
dizer assim pra mim [eu moro depois do túnel] aí eu também brincava [mas eu também moro
depois do túnel se eu vier no sentido contrário, eu moro. Se era porque queria dizer [olha eu
moro no melhor e você não]. E3
98
Eu queria fazer Medicina, tinha aquela visão de Medicina porque tinha uma influência até
pelo pai que era médico, ai tentei duas vezes, na terceira foi até meu pai mesmo que disse
[olha minha filha por que você não faz enfermagem? A profissão é tão linda. Vamos ver se
você se adapta]. E3
O meu enfoque era Medicina, que a princípio, é uma faculdade totalmente elitista e tem
também essa questão do negro médico O meu avô paterno era médico o meu pai é médico. E2
É porque eu queria Medicina. Hoje em dia, eu vejo que eu não teria o perfil pra Medicina
porque eu sou muito emotiva, me envolvo muito e hoje o mercado te exige uma pessoa que eu
não estaria no perfil E1
Eu queria ser médica, na verdade. Eu tentei Medicina, mas aí era bem difícil. E4
são elevados. Ao eleger uma possível carreira, a depoente deposita uma gama de expectativas,
muitas vezes sem conhecer o próprio curso.
Eu queria fazer Medicina, mas fiz Enfermagem, que não tem nada a ver. Porque para mim, a
Enfermagem era uma coisa horrorosa. [...] Mas vamos lá ver o que é, cheguei e gostei da
profissão. Eu não me vejo médica, assim, agora. Eu vejo os meus colegas médicos e falo
[Gente, não é pra mim não] definitivamente não é minha área. E2
Aí foi quando eu tentei a Enfermagem, eu consegui de imediato e fiquei satisfeita por ter
passado. E3
Hoje em dia vejo que eu não teria o perfil pra Medicina porque eu sou muito emotiva, me
envolvo muito e hoje o mercado te exige uma pessoa que eu não estaria no perfil e eu sou
uma pessoa muito feliz com a minha profissão. E1
Já que não deu Medicina, eu fui tentar a Biologia e passei e me formei. Mas estou satisfeita
com a minha escolha. Não me arrependo. E4
Fiquei reprovada em Sociologia porque eu chegava atrasada. Na época o trem atrasava muito.
Então me atrasou um semestre na UERJ e o professor era muito rigoroso com a carga horária,
essas coisas, e depois de 30 minutos, não podia entrar na sala. É, pois é isso foi um ponto
negativo para mim. E1
A maior parte da minha vida, eu estudei em colégio particular. Algumas vezes com bolsa
[estudo], algumas vezes com ajuda [família], né. Tive professores que assim eu lembro com
muito carinho, né, e que me ajudaram bastante no meu desenvolvimento. E10
Ah, crise de identidade profissional, que aí você vê que a prática não é muito igual à teoria e
que a exigência dos professores, aquela coisa de achar que está difícil, Tentando me encontrar
mesmo. E6
Eu tenho certa limitação, eu tenho que sempre ultrapassar aquela limitação pra estudar porque
eu vejo: [ah, já não é o suficiente?] daí eu volto [olha aqui o que a tua mãe fez com você
antigamente. Você tem que estudar mais, senão você ser sempre sete]. Eu sempre fui uma
aluna B e C, B. Eu tinha limitações desde a infância uma fala da minha mãe – Ela [depoente]
é muito boazinha, ela não precisa estudar então o C não passa? Então, [ta bom]. E1
100
Tive professores que foram bem empenhados não só na parte de ensino [aprendizagem], mas
também na parte pessoal e saber da minha estrutura familiar, e saber das minhas dificuldades
pessoais. E10
Se eu consigo ir até ali, eu quero buscar muito mais Então assim, isso [as dificuldades
econômicas do passado] me gera muito mais assim, força de vontade para conquistar mais
horizonte. Eu não vejo limite em nada E1
Quando eu comecei a me inserir mais no espaço acadêmico, dar muito curso, muita palestra.
Abriu um pouco os espaços para mim nessa área acadêmica. Que é uma coisa que eu acho
101
muito legal e que eu valorizo muito. Então isso [conquistas pessoais] é legal para sua
autoestima também. E6
Então eu acho que a [força de vontade] contribui também [eu posso, eu consigo], entendeu.
E6
Eu não tenho vergonha de chegar a lugar nenhum [por ser mulher negra]. E3
A mulher negra sempre necessitou estar inserida na luta por melhores condições de
existência e, esta inserção se dava mediante diversas formas de organização, desde o período
escravocrata, na pós-abolição e até os dias atuais. É em meio a esta dinâmica que o processo
de emancipação, de busca de igualdade de direitos das mulheres negras se fortalece
(CARNEIRO, 2001).
O discurso de um comportamento que aponte o esforço, a superação, nos diversos
campos da sociedade, condiciona as mulheres negras a suportar, diuturnamente, desafios
(sexismo, preconceito racial e desigualdade social) e têm o papel fundamental de atuaram
como “mola-mestra” no impulso das mulheres negras em alcançar novos degraus na pirâmide
social.
102
Eu acho que a cor me facilitou [buscar forças], me ajudou a vencer as barreiras. Eu tive que
começar de baixo, a gente tem que buscar e não ter limite. Mesmo que você ache impossível
conseguir. E1
Na prática eu sempre busco ir além. Se eu consigo ir até ali, eu quero buscar muito mais. [...]
Acho que é porque eu fui criada sempre tendo que ir buscar. Eu acho que a gente [mulher
negra] tem um olhar totalmente diferente das outras. E1
Mas assim, na hora do trabalho isso [a condição de mulher negra] me ajuda [ter um olhar
diferente para as questões sociais]. E2
A UERJ no momento está tendo um grande quantitativo de alunos negros, até mesmo por
causa das cotas. Mas, o mestrado não tem cotas. É mérito próprio. E é muito produtivo
também porque eu escuto algumas pessoas falarem que negro só consegue entrar
[universidade] por cotas. E no mestrado não tem cotas e nós estamos aqui. Então, é realmente
uma satisfação muito grande. E10
Este conjunto de direitos elencados no parágrafo acima contribui para que as jovens
depoentes tenham uma percepção diferente para as questões que envolvem a etnia. Dentre
103
eles o direito ao ensino superior, que produz uma ruptura do modelo ou universo acadêmico
que teve sua origem no século passado, e é hegemonicamente europeu, ou seja, um
conhecimento do homem branco.
As ações afirmativas reposicionam o debate concreto das relações raciais, que,
iniciado pelos discentes, traz consigo a semente em potencial, aos docentes e pesquisadores.
Por outro lado, põe em voga questões como as interpretações das relações raciais no Brasil
estabelecidas dentro deste mundo acadêmico intensamente desigual, sob o ponto vista racial
(CARVALHO, 2005-2006).
As depoentes apresentam um empoderamento nas falas ao assumir a sua condição
étnica. Ao assumir esta condição demarcam territórios nos espaços sociais por elas ocupados.
O orgulho de ser mulher negra numa sociedade excludente leva os sujeitos da pesquisa a
vivenciarem o enfrentamento pessoal e social acerca das questões raciais. Ao questionar e
reivindicar o respeito da sociedade em reconhecê-las como mulheres que têm um tom de pele
diferente e, por não qualificá-las como inferiores:
Hoje eu digo, eu tenho orgulho de mim [mulher negra]. Foram conquistas e hoje eu me sinto
assim vitoriosa [fortalecida]. Eu não tenho vergonha de chegar a lugar nenhum, de conversar,
de ir a qualquer lugar. E3
Qualquer pessoa que me perguntar, em qualquer lugar [Eu sou negra sim]. Eu acho
importante, eu me aproprio [da minha condição étnica] do que é, mas assim, eu não me acho
diferente dessas pessoas. E2
Possivelmente essa geração encara as questões raciais com certo privilégio e não como
algo enfadonho. Essa geração usufrui dos frutos oriundos dos movimentos negros que
travaram embates na esfera social à busca de uma sociedade com igualdade de direitos. Ao
assumir a sua negritude demonstram uma identidade étnica e um posicionamento que ainda
apresenta resquícios de preconceito e discriminação para com aqueles que possuem a tez
preta.
O orgulho da sua negritude demonstra o empoderamento deste grupo e aponta para a
atualidade, o que reforça a ideia dos louros conquistados após diversas batalhas do
movimento negro no país. Desta maneira, a valorização da etnia para as depoentes contribui
para que reconheçam a igualdade de direitos frente à sociedade. Elas se percebem como iguais
às mulheres não negras, na sua condição de direitos.
Os direitos humanos foram negados durante séculos e, quando este grupo passa a
conhecer e apropriar-se de seus direitos percebe que é capaz de pensar e refletir sobre as
ferramentas para reivindicá-los. Entendemos que uma das principais ferramentas é o acesso à
educação. Acreditamos que a educação, que transforma o ser humano, o empodera ao ponto
enxergar a si mesmo como igual onde não existe a distinção étnica ou de gênero.
Segundo Munanga (2001), a história dos embates das mulheres ilustra de maneira
perfeita o que seria o futuro dos negros. O sexismo e o racismo contra elas não foi totalmente
desarmado, mas essas mulheres ocupam cada vez mais espaços na sociedade, não porque os
homens se tornaram menos machistas e mais tolerantes, mas porque, justamente graças ao
conhecimento adquirido, elas demonstram competência e capacidade que lhes abrem as portas
outrora fechadas.
Para o autor os preconceitos persistirão ainda por muito tempo, mas as mulheres serão
capazes de se defender melhor diante dos desafios, ao exibirem certo conhecimento que não
dominavam antes. Estes conhecimentos lhes abrirão com facilidade algumas portas, em
decorrência do conhecimento adquirido.
A percepção das depoentes acerca da autoimagem não está ligada ao estereótipo ou
fenótipo que possam apresentar na aparência. A autoimagem perpassa a perseverança nas
atitudes no cotidiano, a partir da demonstração da competência como profissional. Na
valorização da sua condição étnica, as depoentes aproveitam de maneira positiva as questões
que envolvem raça/cor e os benefícios de que podem usufruir. O empoderamento permite a
este grupo um olhar diferente da própria condição racial, pois se vê como igual na sociedade.
Entretanto, é uma igualdade demarcada pelas diferenças de cor de pele.
A merendeira falou assim pra mim: [toda bonitinha, todo ano vem bonitinha, mas não penteou
o cabelo]. Minha mãe, ela tinha [transtorno mental], né? Então ela era uma pessoa que
cuidava mais do meu emocional. Sempre me deu muito carinho, [...]. Mas ela não tinha
condições de acompanhar em todas as questões. Na hora de ir pra escola [...] eu não ia com
meu cabelo bagunçado, mas a mulher falou aqui e aquilo me marcou, na época eu fiquei
assim magoada. E6
Eu sempre fui muito tímida, né e até hoje eu não consegui desenvolver muito bem esse lado.
A minha dificuldade de relacionar com alguns alunos de turma, né, de me posicionar e
desenvolver algumas atividades de interação. Então, acho que já fui um pouco mais tímida do
que já fui hoje. E10
Porque eu sempre fui muito tímida né? Eu quando era mais nova tinha muitos medos. E6
106
Pois é, esse é um questionamento [ter que ficar me posicionando sempre] que às vezes eu faço
em relação a mim, né? Mas eu ainda não consegui não [me colocar sempre em 1º lugar]. Mas
eu ainda não sei por que [necessidade de se posicionar quanto à profissão]. O que não é bom,
né? Mas eu continuo com dificuldades, pela essa minha vivência na infância, né?.E1
107
Mas com o negro, ele sente um pouco acuado. Se sente muito envergonhado [eu sou preta,
pobre]. E6
Você acha que você não é capaz. Que você não vai conseguir [Meu Deus, to sonhando alto]
né? E9
Então ela [professora] perguntava assim as coisas pra gente, e assim, um exercício para você
responder. Então eu lembro que uma vez ela me perguntou, aí eu respondi com medo. Ela fez
uma carinha assim, não era deboche, uma carinha assim brincando comigo dizendo assim:
[pode falar mais alto] tipo assim, ela respondeu que eu respondi bem baixinho, assim me
imitando, né? E5
Eu me vejo com uma pessoa com dificuldade, mas que procura sempre superá-las. E10
A dificuldade que os atores sociais da pesquisa têm em falar sobre a sua própria
autoimagem deixa claro que as questões do presente estão diretamente relacionadas com a sua
trajetória de vida. Há complexidade em abordar a temática da autoimagem para as depoentes,
quando indagadas pela autora, como em algum momento, falar de si fosse algo de menor
importância ou não pensado.
Eu não costumo pensar muito nessas coisas [autoimagem]. É meio complexa [autoimagem].
Olha, sinceramente, eu nunca parei pra pensar nisso [autoimagem]. E4
Esse assunto [autoimagem] eu não tenho muita clareza, ainda não consegui descobrir assim.
Acho que ainda tenho um pouco de dificuldade com o tema [enxergar-se no espelho]. É algo
que a gente não conversa [mulher negra], não fala. Eu ainda sinto dificuldade com o tema
[autoimagem]. E8
108
Tinha muita dificuldade, por exemplo, o banheiro da escola ele tinha um espelho imenso bem
na entrada. Eu não tinha coragem de olhar no espelho. Todas as minhas bonecas eram loiras
de cabelo escorrido, franjinha e, eu lembro que eu falava muito assim [eu tenho uma filha
loira]. E8
Para Mosquera (1978 apud ILHA et al., 2009), a identidade psicológica é um processo
abrangente que engloba elementos como a autoimagem e a autoestima. Percebe-se que esses
elementos se encontram articulados entre si e um complementa, dá suporte e interage com os
demais elementos.
As condições históricas contribuíram ou determinaram a baixa autoestima do
indivíduo negro. A condição psicológica abalada engessa o homem para ações e
posicionamentos de superação da condição adversa, e assim é que o negro corrobora em
fortalecer alguns estereótipos que lhes são impostos. A autoestima exerce certa influência na
aceitação do negro em reconhecer sua negritude e no reconhecimento de sua capacidade
intelectual, na certeza de que vem de uma geração que construiu o país em que vive
(CAMARGO, 2005).
Para Goffman (2008), há uma preocupação do autor em perceber a maneira com que
os indivíduos socialmente estigmatizados se sentem em diferentes situações sociais e como
são variadas suas reações. Segundo o autor, os indivíduos estigmatizados, geralmente se
envergonham de si mesmos, numa sensação de desconforto e são, além disto, dominados por
sentimentos de insegurança. E isto se deve ao fato de o indivíduo não saber como será aceito
pelo grupo, os chamados “normais”.
Os olhares negativos pautados no descrédito que as depoentes apontam neste estudo
são o reflexo da história de vida de cada uma e dependem da maneira como as questões acerca
da autoimagem foram discutidas ou abordadas na esfera familiar e no processo de
109
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O entendimento das mulheres negras universitárias acerca das relações existentes entre
a formação universitária e a autoimagem a partir de sua própria perspectiva evidenciou um
olhar sobre si mesmas e sobre a imagem social da mulher negra na sociedade.
As depoentes apontaram, a priori, que a condição social, a inserção do negro e da
mulher negra na sociedade brasileira estão diretamente ligadas ao seu tom de pele, ou seja, ao
terem a tez preta encontram-se inseridos, majoritariamente, em condições desfavoráveis.
Quanto mais enegrecida a população, mais distantes de exercer a sua cidadania de maneira
plena e efetiva, com destaque para as desigualdades sociais que se desdobram em todas as
esferas da vida da população negra, embora esta seja quase a metade da nossa população. Isto
demonstra o quanto o país se encontra distante de atender às necessidades básicas que
atendam de maneira equânime à especificidade de cada grupo populacional.
Para as depoentes, a mulher de tez preta ainda tem o seu valor social agregado ao
corpo e aos atributos característicos que as elevaram à condição de “mulatas que não estão no
mapa”. Atributos que contribuíram e contribuem com os estigmas sociais que foram
construídos concomitantemente com o progresso da sociedade brasileira, o que permitiu à
sociedade desenhar o retrato da mulher negra no país.
A imagem social da mulher negra está atrelada ao objeto de sensualidade e
sexualidade que a sociedade, por meio da mídia, insiste em expor como se este corpo negro
fizesse parte da beleza natural do país e, que este pode ser explorado por qualquer pessoa.
Segundo as depoentes, esta desvalorização da mulher negra na sociedade não é um fato novo,
o que muda neste cenário são os atores coadjuvantes de cor preta ou parda que buscam
transpor a barreira da invisibilidade mediante a inserção na educação.
O desenho ou imagem social estabelecida, e que interfere no processo de
desenvolvimento social deste grupo populacional até os dias atuais, é ainda a ideia de que a
população negra é desacreditada pela sociedade e pela própria população negra. A imagem é
construída ao longo da vida, mas tem seu início na infância. Este período não deveria ter sido
permeado de falas e situações que reafirmam a condição de seres humanos inferiores e sem
possibilidades de transformações pessoais e sociais, pois isto acaba por cristalizar, naturalizar
no negro, visões sobre si mesmo.
Desse modo, a imagem de uma figura exótica, dotada de sensualidade, apta a
satisfazer os desejos sexuais dos senhores de engenho, no passado, e nos dias atuais, dos
111
ávidos turistas que chegam ao país em busca da “mulata de exportação” (um produto
comercializado para exterior). Esta idéia pode ser considerada como reforço de um estigma
histórico socialmente construído, naturalizado, não percebido como algo negativo e de
dominação.
Em nossa sociedade, é possível perceber algumas mudanças sociais quanto à presença
da população negra na educação superior. Entretanto, os estigmas sociais inerentes à nossa
cultura e presentes no cotidiano ainda engessam a imagem da mulher negra na sociedade, se e
considera principalmente a cor da sua pele.
Cabe destacar, entretanto, que as mulheres negras universitárias da área da Saúde,
apontaram a inserção em cursos superiores como condição fundamental para transformação
social, não só deste grupo étnico, mas de todo indivíduo inserido na sociedade. O acesso ao
espaço de formação universitária e da esfera pública permitiu que este grupo encontrasse e se
apropriasse dos seus direitos de cidadãs. A compreensão acerca desses direitos acabou por
gerar ou ressaltar o empoderamento em cada depoente. Isto não quer dizer que este grupo não
fosse empoderado, mas isto agora constitui um alicerce sedimentado na educação e no status
social universitário.
As entrevistadas valorizam o conhecimento como um patrimônio e a universidade
como um espaço para ampliação do saber que favorece uma melhor posição social. A
condição de universitárias permite-lhes sentirem-se mais seguras em se posicionarem na
sociedade e de se perceberem como cidadãs.
O conhecimento promoveu transformações sociais e pessoais. Elas descrevem
mudanças em suas atitudes e na maneira de enxergar o mundo em que vivem, além da
possibilidade de propor futuros microssociais, ou seja, buscam inclusive transformar o meio
em que vivem. Isto vem ao encontro de uma das características da formação universitária: seu
papel social em formar indivíduos críticos, reflexivos e que possam devolver o conhecimento
adquirido à sociedade, de maneira a sanar problemas sociais que estão em evidência.
Observamos que os sujeitos de nossa pesquisa apresentaram uma gama de sentimentos
durante o processo de formação, entre os quais figura a indecisão acerca do curso escolhido.
Primeiro, pela interferência da família ou pelas dúvidas da própria depoente. Destacaram a
dificuldade de adaptação à instituição de ensino, as limitações de aprendizagem decorrentes
da infância, ou seja, as dificuldades encontradas no inicio do processo educacional e que não
foram sanadas, têm seu reflexo nos dias atuais. Outro ponto discutido durante o processo de
formação foi a vivência das desigualdades de classes sociais que fizeram parte do cotidiano
das depoentes.
112
Entendemos que a fala da sociedade era de que o negro não tinha nada de bom, e de
que não havia beleza no negro. Como falar de algo que não é belo para a sociedade? Como se
reconhecer na condição de indivíduo negro? Como se aceitar na condição de mulher negra
numa sociedade que releva um padrão de beleza a partir das referências de mulheres brancas?
Cotidianamente, este grupo populacional é recepcionado com diversas mensagens
subliminares acerca da valorização do padrão de beleza, quando na verdade a sociedade
regula o que estabelece e categoriza para atender à ordem social existente nela mesma.
A baixa autoestima foi apontada pelas protagonistas da pesquisa, ao mesmo tempo em
que se apresentam empoderadas e valorizam sua condição étnica e a melhora na inserção
social em decorrência do processo de formação. As depoentes sentem-se inseguras em se
posicionar em determinados momentos. Essa dificuldade está muito ligada à necessidade que
o ser humano tem em atender ao outro e, nunca por si mesmo. Esta interação social faz parte
das relações estabelecidas na sociedade.
Como proposta deste estudo, destacamos a importância da construção acerca do saber
que abarque a temática em questão e que envolvem a mulher negra e a educação nas diversas
etapas que a compõem e que são uma condição fundamental para que todo e qualquer
indivíduo dela se aproprie como parte dos direitos humanos que lhes são garantidos
constitucionalmente. Sabemos, embora, da existência do abismo entre o conhecimento acerca
do que se tem por direito e da apropriação de fato, pelos grupos que ainda se encontram nas
bases da sociedade.
Dessa forma, buscamos uma sociedade mais justa e equânime, e é mister, que para
alcançá-la haverá um esforço maior por parte dos gestores e de todos os que fazem parte deste
universo de possibilidades e atuam na esfera da educação. Acreditamos que as transformações
pessoais e sociais ocorridas para as mulheres, independentemente da cor da pele, é resultado
do acesso à educação. A inserção da mulher negra no espaço de formação é um direito não
somente para este grupo, mas para os indígenas, os portadores de necessidades especiais, as
mulheres rurais e todos os grupos que, por muitos anos vivem à margem de seus direitos.
A educação está diretamente ligada à construção da autoimagem do indivíduo e isto
ocorre ao longo da vida. Porém, atitudes permeadas de preconceito, racismo e de qualquer
forma de discriminação na infância levam o indivíduo a demonstrar como essas marcas são
profundas na vida adulta.
A própria temática, para algumas das depoentes, foi algo extremamente difícil, já
precisam reviver situações de preconceito e discriminação do passado e que lhes causaram dor
e marcaram-nas profundamente. O comprometimento da autoestima dificulta o
114
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129
Vimos por meio desta solicitar a V.Sa. autorização para realizar minha pesquisa de Mestrado
em Enfermagem (Faculdade de Enfermagem/Uerj) junto as mestrandas matriculadas neste Programa
de Pós-graduação em Enfermagem. Os objetivos da referida pesquisa são: descrever a imagem social
de mulheres negras na perspectiva de mulheres negras universitárias, descrever a auto-imagem social
de mulheres negras universitárias de cursos de mestrado relacionado à área da saúde e analisar
influencia da formação universitária na auto-imagem social das mulheres negras universitárias de
cursos de mestrado relacionado a área da saúde. A coleta dos dados ocorreu a partir mês de novembro
de 2010 e poderá se estender ao primeiro semestre de 2011. As entrevistas foram realizadas com as
discentes que se auto declararem pretas ou pardas (IBGE) e estejam matriculadas no Programa de Pós-
graduação (stricto sensu – Mestrado) relacionados à área da saúde. Serão respeitados os princípios
éticos e legais da legislação para pesquisas envolvendo seres humanos – CNS 196/96. Portanto,
garantimos o anonimato, assegurando-lhes a inexistência de riscos ou prejuízos. Mantendo o rigor
ético, os dados serão divulgados na comunidade científica. Comprometemo-nos a retribuir com os
resultados da nossa pesquisa e colocamo-nos a disposição para quaisquer esclarecimentos. Desde já
agradecemos e aguardamos sua apreciação e aprovação.
Rio de Janeiro, ____ de ___________ de 2010.
_____________________________________________________________________________
( ) Deferido ( )Indeferido
Observações:__________________________________________________________________
Data: ____/____/______
________________________________________
Coordenador (a)
130
2 – Informações à participante:
Você está sendo convidada a participar de uma pesquisa que tem como objetivos:
descrever a imagem social de mulheres negras na perspectiva de mulheres negras
universitárias, descrever a auto-imagem social de mulheres negras universitárias de cursos de
mestrado relacionado à área da saúde e analisar influencia da formação universitária na auto-
imagem social das mulheres negras universitárias de cursos de mestrado relacionado a área da
saúde. Para isto, acreditamos ser fundamental construir este conhecimento com aquelas que
estão envolvidas – as mulheres de etnia negra. Sua participação é imprescindível, pois
consideramos que compartilhando os saberes, estaremos pensando juntos sobre os problemas
vividos para encontrar caminhos, soluções que transformem essa realidade.
Sua participação nesta pesquisa consistirá em fornecer depoimento acerca da temática
que está sendo investigada através de uma entrevista semi-estruturada. Para tanto solicitamos
sua permissão para a gravação das suas respostas, bem como a posterior transcrição das
mesmas. Além disso, a sua participação neste estudo não oferecerá riscos à sua saúde ou a
relação com o serviço. Em contrapartida, o seu depoimento será fundamental para a
compreensão. Você poderá recusar a participar da pesquisa e poderá abandonar o estudo em
qualquer momento, sem nenhuma penalização ou prejuízo. Durante as entrevistas, você
poderá recusar a responder qualquer pergunta que por ventura lhe causar algum
constrangimento.
A sua participação como voluntária não acarretará nenhum privilégio, seja ele de
caráter financeiro ou de qualquer natureza, podendo se retirar do projeto à qualquer momento
sem prejuízo a você.
131
______________________ ___________________________________
ROTEIRO DA ENTREVISTA
DADOS DE IDENTIFICAÇÃO
1. Nome:___________________________________________________
Email:_____________________________________________
Telefone:______________________
2. Idade: anos
3. Raça/cor: preta parda indígena branca
4. Estado Civil: Solteira Casada Divorciada Viúva União consensual
5. Nome do curso: _____________________________
6. Ocupação: _________________________________
7. Local da Entrevista:_______________________________________________
8. Horário de início da entrevista:_______Horário de término da entrevista:_____
9. Duração da entrevista:_______ Dia: ___/___/____ Entrevista nº: _______
ROTEIRO DA ENTREVISTA
Pedir para a depoente doar a fita K7 ou arquivo em MP3 para o Centro de Memória Nalva
Pereira Caldas da Faculdade de Enfermagem da UERJ.
133
Parte II. Família de origem, trajetória educacional desde a infância, adolescência e adulta.
Fale-me sobre o que motivou você a procurar uma universidade. Por que pensar numa
formação universitária? Fale-me sobre o que foi determinante na escolha do curso? Ela foi
influenciada?Quem? Por quê?
Fale-me de como você se sentiu quando entrou pela primeira vez n universidade? Como foi
para você falar a primeira vez em público?
No seu imaginário o que seria a educação no ensino superior? Era como você imaginava?
Como você percebia sua inserção neste espaço do ensino superior? Quais as estratégias de
convivência que você utilizou para se relacionar com os colegas e professores?
Quem eram o (a)s amigo (a)s e professores que você tinha mais afinidade e intimidade?
Parte III. A vivência/interações a partir das relações sociais no espaço do ensino superior
/universitário
Quais as mudanças que você percebeu mudanças nas suas relações pessoais (meio) com a
sua vivência no ambiente universitário? Quais? Como?
Como se dava as relações entre você os colegas da turma e os professores? Quem eram as
pessoas de suas relações sociais neste espaço (classe social, etnia, categoria – professores,
gestores, alunos, alunos de outros cursos, e outros)?
Você percebia algum tratamento diferenciado entre as alunas de etnia negra e as não-
negras?
Quais as relações que você estabeleceria a partir da vivencia no ensino universitário?
Houve transformações na sua auto-imagem social? Quais? As relações vivenciadas no
ensino universitário influenciaram essas transformações?
Tópicos de orientação: Realizar perguntas sobre a existência de alguma situação
diferenciada específica ou não nas relações sociais no ambiente universitário em função de
sua etnia?A compreensão sobre as questões raciais e étnicas. Quanto ao número de aluna
(o)s de etnia negra no ensino superior. Houve mudanças nas suas relações pessoais com a
sua vivência no ambiente universitário? Quais? Como?
Fale-me o que levou você uma mulher de etnia negra a procurar um programa de pós-
graduação na modalidade de stricto sensu?
Como é para uma mulher de etnia negra estar inserida num curso de pós-graduação nesta
modalidade? Como se estabelecem as relações sociais neste espaço? Existem trocas
significativas (pessoais e profissionais)?
Tópicos de orientação: Abordar as questões raciais, fatores que dificultam a inserção das
mulheres de etnia negra neste patamar da educação. Realizar perguntas sobre a presença de
professores de etnia negra no seu curso? Abordar quais seriam as principais razões para este
quantitativo pequeno de mulheres de etnia negra nestes cursos.
135
CONVITE
Rio de Janeiro, 18 de Novembro de 2010.