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Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Centro Biomédico
Faculdade de Enfermagem

Claudia Rosane Guedes

A imagem social de mulheres negras universitárias: a silhueta esculpida


durante o processo de formação

Rio de Janeiro
2012
Claudia Rosane Guedes

A imagem social de mulheres negras universitárias: a silhueta esculpida durante o


processo de formação

Dissertação apresentada, como requisito parcial


para obtenção do título de Mestre, ao Programa de
Pós-Graduação em Enfermagem, da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro. Área de
concentração: Enfermagem, Saúde e Sociedade.

Orientadora: Prof.a Dra. Lucia Helena Garcia Penna

Rio de Janeiro
2012
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/CBB

G924 Guedes, Claudia Rosane.


A imagem social de mulheres negras universitárias: a silhueta esculpida durante
o processo de formação / Claudia Rosane Guedes. - 2012.
137 f.

Orientadora: Lucia Helena Garcia Penna.


Dissertação (mestrado) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro,
Faculdade de Enfermagem.

1. Negras – Educação (Superior) - Brasil. 2. Ensino superior (Ciências


médicas) – Aspectos sociais - Brasil. 3. Autopercepção – Aspectos sociais.
4. Estigma (Psicologia social). 5. Percepção social. 6. Goffman, Erving, 1922-
. I. Penna, Lucia Helena Garcia. II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Faculdade de Enfermagem. III. Título.

CDU
614.253.5

Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta
dissertação, desde que citada a fonte.

_______________________________________ _________________________
Assinatura Data
Claudia Rosane Guedes

A imagem social de mulheres negras universitárias: a silhueta esculpida durante o


processo de formação

Dissertação apresentada, como requisito parcial


para obtenção do título de Mestre, ao Programa de
Pós-Graduação em Enfermagem, da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro. Área de
concentração: Enfermagem, Saúde e Sociedade.

Aprovada em 19 de janeiro de 2012.

Banca Examinadora: __________________________________________________


Prof.ª Dra. Lucia Helena Garcia Penna (Orientadora)
Faculdade de Enfermagem – UERJ

__________________________________________________
Prof.ª Dra. Maria Aparecida Vasconcelos Moura
Escola de Enfermagem Anna Nery – UFRJ

__________________________________________________
Prof.ª Dra. Iraci dos Santos
Faculdade de Enfermagem – UERJ

Rio de Janeiro
2012
DEDICATÓRIA

Agradeço primeiramente a Deus, autor e consumador da minha fé.


A minha grande e querida família, mãe, irmãs, irmão, sobrinhos, cunhados, amigos pelas
ausências em alguns momentos.
AGRADECIMENTOS

A Lucia Helena Garcia Penna – minha querida e amiga orientadora, primeiro pela
confiança e por acreditar na temática proposta. Pelas discussões que aconteciam no Grupo de
Estudos sobre Gênero, Poder e Violência na Saúde e Enfermagem e, que contribuiu para as
minhas reflexões e construção do caminho a ser trilhado neste estudo, pela sua maneira
natural, espontânea e serena de compartilhar os saberes na construção de um conhecimento
acerca da população negra e, em particular da mulher negra.
Ao coordenador do Programa de Pós-graduação de Enfermagem, Prof. Dr. Octavio
Vargens e a Prof.ª Dra. Jane Márcia Progianti do Departamento de Materno Infantil da
Faculdade de Enfermagem (FENF), pela rica e colaboração durante a fase de amadurecimento
do projeto de pesquisa.
À professora Dra. Iraci Santos pela contribuição sempre coerente nos momentos em
que determinados aspectos da pesquisa nos pareciam confusos no tocante a condição social da
população negra no país.
A todos os professores do Programa Pós-Graduação de Enfermagem (PPGENF) da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), cuja competência e seriedade serviram de
estímulo para mim.
A todos os funcionários administrativos PPGENF que fazem parte indiretamente da
construção das dissertações.
À professora M.ª Maria Regina Bezerra (Faculdade de Enfermagem Luiza de
Marillac) que durante o período da graduação compartilhou com os discentes do Curso de
Enfermagem acerca da importância da pesquisa na área da enfermagem. Agradeço por
enxergar um potencial para a pesquisa que existe na minha pessoa.
A todas as mulheres negras que embelezam este país, pela tonalidade variada da sua
cor de pele, pelos cabelos étnicos, pela vivacidade do colorido das roupas e, pela maneira a
qual conduzem a vida, independente das dificuldades que se apresentam no cotidiano.
Saber-se negra é viver a experiência de ter sido massacrada em sua identidade,
confundida em suas perspectivas, submetidas a exigências, compelida a expectativas
alienadas. Mas é também e, sobretudo, a experiência de comprometer-se a resgatar sua
história e recriar-se em suas potencialidades.
Ser negro é ter consciência do processo ideológico que, através um discurso mítico
acerca de si, engendra uma estrutura de desconhecimento que o aprisiona numa imagem
alienada, na qual se reconhece.
Ser negro é tomar posse desta consciência e criar uma nova consciência que
reassegure o respeito às diferenças e que reafirme uma dignidade alheia a qualquer nível de
exploração.
Neusa Souza Santos
RESUMO

GUEDES, Claudia Rosane A imagem social de mulheres negras universitárias: a silhueta


esculpida durante o processo de formação 2012. 137f. Dissertação (Mestrado em
Enfermagem) – Faculdade de Enfermagem, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2012

Este estudo aborda a temática das relações existentes entre a formação universitária e a
imagem social de mulheres negras universitárias da área da saúde e suas possíveis
transformações pessoais e sociais. Considerando que a formação universitária produz uma
valorização social e os seus desdobramentos influenciam nos papéis sociais vividos por este
grupo. Buscamos assim, descrever a imagem social de mulheres negras na perspectiva de
mulheres negras universitárias e sua autoimagem social; e analisar a influencia da formação
universitária na autoimagem social das mesmas. Metodologia: Pesquisa descritivo-
exploratória com abordagem qualitativa, realizada com roteiro de entrevista semi estruturada
com dez entrevistadas que se autodeclararam pretas ou pardas matriculadas em Programa de
Pós-graduação (Mestrado) de uma universidade pública estadual no município do Rio de
Janeiro (Brasil). Os dados produzidos foram analisados e interpretados à luz da análise de
conteúdo de Bardin. Deste processo emergiram três categorias. A primeira categoria – A
imagem social da mulher negra na perspectiva de mulheres negras universitárias descreve a
condição desigual da mulher negra na sociedade a partir da desvalorização do gênero
feminino e da raça (sexismo e o racismo) e o corpo da mulher negra como objeto de
sensualidade. A segunda categoria - A formação universitária na vida de mulheres negras
desdobrou-se em duas categorias intermediárias: Situações positivas vivenciadas durante a
formação (formação universitária como veículo para as transformações sociais e pessoais a
partir da ampliação do conhecimento científico e a melhora na inserção social); Situações
negativas (desigualdades de classes, sentimentos de indecisão, frustração frente à escolha do
curso e limitações na aprendizagem e adaptação). A terceira categoria – A autoimagem social
de mulheres universitárias negras desenvolve a percepção das entrevistadas acerca da sua
autoimagem a partir do processo de formação universitária, e desdobra-se em visões positivas
e negativas sobre sua autoimagem. A visão positiva destaca o empoderamento diante da sua
condição étnica caracterizado por atitudes perseverantes e demonstração de competência no
cotidiano, favorecendo o fortalecimento de posições sociais; algumas inclusive não
identificam vivenciar diferenças sociais pela etnia. A visão negativa foi descrita a partir dos
sentimentos de baixa estima, insegurança no posicionamento nos espaços sociais e a
dificuldade de falar sobre a sua autoimagem. Para as depoentes a autoimagem se traduz não
no estereótipo, mas, nas conquistas sociais que elas alcançam decorrente da formação
universitária. A formação universitária se torna condição fundamental para transpor os
estigmas sociais que interferem na imagem social deste grupo populacional na sociedade.

Palavras-chave: Mulher. Etnia. Autoimagem. Estigma. Enfermagem em educação superior.


ABSTRACT

This study approaches the theme of existing relationships between college background
and social image for African-descendant women in the health care field and its possible
personal and social transformations. We bear in mind that college background results in social
appreciation and its consequences influence the social roles played by this group. Therefore,
we seek to describe African-descendant women's social image from the perspective of
African-descendant college women and their social self-image; we further seek to analyze the
influence of college background in their social self-image. Methodology: Descriptive
exploratory research with qualitative approach, carried out with partially-structured interview
scripts with ten interviewees who have self-declared African-descendants or dark-skinned
individuals enrolled in Graduate Programs (Master's Degree) from a public state university in
the district of Rio de Janeiro (Brazil). The data produced were analyzed and interpreted
according to Bardin's content analysis technique. Three categories emerged from this process.
The first category – African-descendant women's social image from the perspective of
African-descendant college women describes the unequal condition of from the perspective of
African-descendant women in society from the depreciation of female gender and race
(sexism and racism), as well as the African-descendant women body as sex object. The
second category - College background in the life of African-descendant women broke down
into two intermediary categories: Positive situations experienced during education (college
education as a vehicle for social and personal transformation from the broadening of scientific
knowledge and improved social insertion); Negative situations (class inequalities, feelings of
indecision, frustration towards the choice for the course and learning and adaptation
constraints). The third category – African-descendant college women's self-image develops
the interviewees‟ perception regarding their self-image from the college education process,
and unfolds in positive and negative views on their self-image. The positive view highlights
the empowerment before their ethnic condition, characterized by persevering attitudes and e
evidence of competence on their daily lives, favoring the strengthening of social positions;
moreover, some of them do not report experiencing social differences due to their ethnic
condition. The negative view was described from the feelings of low self-esteem, insecurity
towards their position in the social environment and difficulty to talk about their self-image.
For the interviewees, self-image is not expressed by stereotypes, but by the social
accomplishments they achieve as a result of their college background. College background
becomes a paramount condition to overcome the social stigmas that interfere in this group‟s
social image in society.

Keywords: Women. Ethnics. Self-image. Stigma. Nursing in higher education.


RESUMÈN

Este estudio aborda el tema de las relaciones entre la formación universitaria y la


imagen social de las mujeres negras universitarias del área de la salud y sus transformaciones
sociales y personales posibles. Teniendo en cuenta que la formación universitaria produce una
valorización social y sus divisiones influencian los roles sociales vividos por este grupo.
Buscamos así describir la imagen social de las mujeres negras desde la perspectiva de mujeres
negras universitarias y su autoimagen social, y analizar la influencia de la formación
universitaria en la autoimagen social de las mismas. Metodología: Estudio descriptivo-
exploratorio, con enfoque cualitativo, realizado con guión de entrevista semi-estructurada con
diez encuestados que se declararon de color negro o marrón inscritos en el Programa de
Postgrado (Maestría) de una universidad pública estatal en la ciudad de Rio de Janeiro
(Brasil). Los datos obtenidos fueron analizados e interpretados a la luz del análisis de
contenido de Bardin. Tres categorías surgieron de este proceso. La primera categoría - La
imagen social de la mujer negra desde la perspectiva de mujeres negras universitarias
describe la condición desigual de la mujer negra en la sociedad de la devaluación del género
femenino y la raza (sexismo y racismo) y el cuerpo de la mujer negra como objeto de
sensualidad. La segunda categoría - La formación universitaria en la vida de las mujeres
negras se dividió en dos categorías intermedias: Situaciones positivas experimentadas durante
la formación (formación universitaria como vehículo para transformaciones sociales y
personales a partir de la expansión del conocimiento científico e mejora en la integración
social); Situaciones negativas (desigualdades de clase, sentimientos de indecisión, frustración
en la selección de cursos y limitaciones en el aprendizaje y la adaptación) La tercera categoría
– La autoimagen social de mujeres negras universitarias desarrolla la percepción de las
entrevistadas acerca de su autoimagen en el proceso de formación universitaria, y se divide en
visiones positivas y negativas acerca de su autoimagen. La visión positiva destaca la
potenciación en vista de su condición étnica caracterizada por actitudes perseverantes y
demostración de competencia en la vida cotidiana, favoreciendo el fortalecimiento de
posiciones sociales, algunas no identifican experimentar diferencias sociales por la etnia. La
visión negativa fue descrita a partir de sentimientos de baja autoestima, inseguridad en la
posición en los espacios sociales y la dificultad de hablar de su autoimagen. Para las
encuestadas la autoimagen se refleja no en el estereotipo, pero en las conquistas sociales que
logren de la formación universitaria. La formación universitaria se convierte en condición
esencial para superar los estigmas sociales que interfieren en la imagen social de este grupo en
la sociedad.

Palabras clave: Mujer. Etnia. Autoimagen. Estigma. Enfermería en la educación superior.


LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CNPIR Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial


CNS Conferencia Nacional de Saúde
CIT Comissão Intergestores Tripartite
CONAPIR Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial
CREDUC Crédito Educativo Municipal
CTSPN Comitê Técnico de Saúde da População Negra
ENT Entrevistas
FENF Faculdade de Enfermagem
FIES Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior
FUVEST Fundação Universitária para o Vestibular
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IES Instituição de Ensino Superior
IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação
MNF Movimento Negro Feminino
MS Ministério da Saúde
ONU Organizações das Nações Unidas
PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
PNAISM Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher
PNDC Programa Nacional de Direitos Humanos
PNSIPN Política Nacional de Saúde Integral da População Negra
PPGAR Programa de Prevenção da Gravidez de Alto Risco
PPGENF Programa Pós-Graduação de Enfermagem
PSMI Programa de Materno Infantil
SEPPIR Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial
SGP Secretaria de Gestão Participativa
SUS Sistema Único de Saúde
UERJ Universidade do Estado do Rio de Janeiro
UFBA Universidade Federal da Bahia
UFF Universidade Federal Fluminense
UFMA Universidade Federal do Maranhão
UFMG Universidade Federal de Minas Gerais
UFPR Universidade Federal do Paraná
UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro
UnB Universidade de Brasília
UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
URs Unidades de registro
USP Universidade de São Paulo
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................... 13
1 REFERENCIAL TEMÁTICO ………………………………………...….. 24
1.1 A população negra no Brasil .......................................................................... 24
1.2 A mulher negra brasileira .............................................................................. 32
1.2.1 Breve histórico da condição social e política .................................................... 32
1.2.2 A imagem social da mulher negra brasileira ..................................................... 37
1.3 A educação como promotora das transformações sociais ........................... 44
1.3.1 Educação como direito ...................................................................................... 44
1.3.2 Breve panorama do ensino superior ................................................................. 45
1.3.3 Um breve histórico da trajetória educacional das mulheres no país ................. 49
1.3.4 As principais características de escolha de educação superior da mulher ........ 52
1.3.5 A mulher negra e a educação ............................................................................ 54
2 REFERENCIAL TEÓRICO: IDENTIDADE E ESTIGMA NA ÓTICA
ERVING GOFFMAN ..................................................................................... 59
2.1 Identidade ou Imagem .................................................................................... 59
2.2 Estigma ............................................................................................................ 64
3 O CAMINHO METODOLÓGICO ……………………………………….. 72
3.1 Cenário e protagonistas do estudo ................................................................ 72
3.2 Protagonistas do estudo .................................................................................. 74
3.3 Aspectos éticos da pesquisa ............................................................................ 76
3.4 Produção dos dados ........................................................................................ 76
3.5 Técnica para a coleta de dados ...................................................................... 77
3.6 Período de coleta ............................................................................................. 77
3.7 Análise dos dados ............................................................................................ 78
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO .................................................................... 82
4.1 A imagem social da mulher negra na perspectiva de mulheres negras
universitárias ................................................................................................... 82
4.2 A formação universitária na vida da mulher negra ................................... 89
4.2.1 Situações positivas vivenciadas durante a formação universitária ................... 90
4.2.2 Situações negativas vivenciadas durante a formação universitária .................. 96
4.3 A percepção da autoimagem social da mulher negra universitária ........... 100
4.3.1 Visão positiva de autoimagem social ................................................................ 100
4.3.2 Visão negativa da autoimagem social ............................................................... 104
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................... 110
REFERÊNCIAS .............................................................................................. 115
APÊNDICE A - Termo de Autorização de Campo de Pesquisa .................... 129
APÊNDICE B – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ..................... 130
APÊNDICE C – Instrumento para coleta de dados ......................................... 132
APÊNDICE D – Carta Convite ....................................................................... 136
ANEXO - Autorização do Comitê de Ética ...................................................... 137
13

INTRODUÇÃO

Esta pesquisa aborda a temática das relações existentes entre a formação e a imagem
social de mulheres negras universitárias da área da saúde, uma vez que acreditamos nas
transformações pessoais e sociais, principalmente oriundas da vivência no meio universitário.
Entendemos que a formação escolar consiste no conjunto de qualificação acumulado
pela pessoa e é relativo ao seu papel produtivo na sociedade e tem como objetivo dar a
conhecer ou atualizar os conhecimentos do indivíduo acerca de determinado tema. De
maneira geral, é considerada como um conjunto de atividades que visam a aquisição de
conhecimentos, capacidades, atitudes e formas de comportamento exigidos para o exercício
das funções próprias de uma profissão ou grupo de profissões em qualquer ramo de atividade
econômica.
A possibilidade de aquisição de educação formal guarda forte relação com a cor da
pele de um dado indivíduo e que os indicadores educacionais de brancos e negros diferem em
vários aspectos, com claras desvantagens para estes últimos. No que diz respeito à
escolaridade média dos jovens brasileiros, verifica-se uma diferença negativa de 2,3 anos para
a população negra considerando a escolaridade média dos adultos que gira em torno de 6 anos
(GÓIS, 2008).
A formação universitária em nossa sociedade infelizmente é ainda para poucos: apenas
10,9% dos jovens entre 18 e 24 anos ingressam em faculdades, segundo dado relativo a 2005.
O último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2003) e os dados
encontrados na Síntese dos Indicadores Sociais apontam que 14 milhões de brasileiros com
mais de 15 anos são de não analfabetos, e destes, 30% são brancos e 70% são pretos ou
pardos (BRASIL, 2011).
A universidade tem por responsabilidade estabelecer estratégias articuladas com a
sociedade e com o Estado, para buscar responder às questões que comprometem a qualidade
de vida da população que tem vivenciado as ingerências sociais por conta de todo o processo
de construção da própria sociedade.
Em relação à população feminina houve uma melhora considerável no acesso à
universidade, pois estas têm mantido nos últimos anos uma média superior à dos homens
quanto à escolaridade. Contudo, ao inserir as variáveis “raça” e “sexo” nessa discussão
emergem questões importantes, pois se observam distinções significativas entre as mulheres
dos dois principais grupos raciais brasileiros: as negras que ingressam no ensino superior
14

encontram-se numa posição inferior à das brancas. Uma pesquisa realizada por Góis (2008)
na Universidade Federal Fluminense (UFF) demonstrou que o acesso ao ensino superior para
as mulheres brancas está em torno de 10,8% e para as negras, apenas 5,6% da soma de pretas
e pardas conseguem esse ingresso, o que caracteriza expressiva desvantagem à população
negra quando comparada com a branca. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) constatou que a população preta e parda em idade escolar tem pouco mais de 7 anos
de estudo, em média, enquanto entre a população branca o índice é de 8,7 anos. No nível
superior, enquanto 25% da população branca estão na universidade, apenas 8% dos negros
têm acesso a ela (IBGE, 2005).
Entendemos que o meio universitário, além de oferecer conhecimentos específicos
sobre uma determinada profissão, permite o convívio de relações sociais ampliadas, o que
confere à pessoa uma vivência interdisciplinar.
Considerando o caráter da formação universitária e a valorização social daí resultante,
é possível pensar que os papéis sociais vividos por mulheres negras que alcançaram formação
superior passam a ter um valor diferenciado, um status, o que pode ou não interferir em sua
autoimagem. Com base nessa premissa, focamos o presente trabalho em estudar a
autoimagem social de mulheres negras a partir da formação universitária.
Uma gama de desigualdades sociais (justiça, saúde, educação etc) foi desenhada ao
longo do tempo nos diversos grupos populacionais em nossa sociedade. As situações de
injustiças sociais têm desdobramentos negativos em todas as dimensões da vida, o que
interfere inclusive na compreensão e apropriação dos direitos humanos como o acesso à
saúde, educação, justiça, entre outros. Este fato permite condições arbitrárias tanto nos
ambientes privados quanto públicos.
No que diz respeito à população negra, esse grupo permanece quase invisível em
relação à população branca na sociedade brasileira. Homens e mulheres negros,
indistintamente, no decorrer dos tempos, foram desvalorizados na maioria das sociedades em
decorrência do fenômeno socialmente construído chamado racismo.
A mulher negra atualmente manifesta um prolongamento da sua condição vivida
historicamente desde o período da escravidão. Esse grupo populacional, apesar de algumas
mudanças sociais, continua num processo de luta para que efetivamente tenham a sua
condição de sujeito de direito garantido. Percebemos que elas ocupam ainda o último lugar na
escala social, carregam as desvantagens do sistema patriarcal e racista de nosso país e poucas
são as que conseguem romper as barreiras do preconceito, da discriminação racial e ao mesmo
tempo ascender socialmente.
15

Os entraves que compõem o cotidiano das mulheres negras perpassam não só pela
discriminação racial, mas de gênero e classe social nos distintos espaços (públicos e
privados), o que acaba por favorecer um maior comprometimento de sua identidade, imagem
social, imagem corporal, autoconceito e autoestima (CORDEIRO; FERREIRA, 2009;
SILVA; SILVÉRIO, 2003).
O racismo é um fenômeno complexo caracterizado por diferentes manifestações a cada
tempo e lugar. Seu caráter ideológico atribui significado social a determinados padrões de
diversidades fenotípicas e/ou genéticas e imputa características negativas ao grupo, com
padrões “desviantes” que justificam o tratamento desigual aos que não atendem os padrões
estabelecidos pela sociedade. O racismo é uma programação social, hierárquica e ideológica a
qual todos estão submetidos. A força do racismo no Brasil é um dos fatores para a produção
de desigualdades seja entre mulheres e homens demonstrado por diferentes centros de
pesquisa (ARTICULAÇÃO DE ORGANIZAÇÕES DE MULHERES NEGRAS
BRASILEIRAS, 2007).
Não há dúvida de que a naturalização estabelecida pelas diferenças e desigualdades de
participação na sociedade brasileira entre negros e brancos reforça a estigmatização dos
negros, inibe o seu desenvolvimento e compromete o usufruto de sua cidadania. O não
reconhecimento da existência do racismo na sociedade pode desencadear situações mais
perversas de vida e de morte à população de tez preta, e isto impede o desenvolvimento de suas
potencialidades e seu progresso socioeconômico.
A sociedade estabeleceu ao longo do tempo diversos modelos de categorias ou
estigmas e tenta catalogar as pessoas e/ou indivíduos conforme os atributos considerados
comuns e naturais pelos membros dessa categoria. Isto significa que a sociedade determina
um padrão externo ao indivíduo, o que permite prever a categoria e os atributos, a imagem
social e as relações interpessoais com o meio. De certa maneira, a sociedade acaba por
estabelecer estigmas para categorizar os indivíduos que possuem alguma característica que o
diferencie dos demais.
Para os estigmatizados a sociedade reduz as oportunidades, esforços e movimentos,
não lhes atribui valor, impõe a perda da identidade social e determina uma imagem
deteriorada, de acordo com o modelo que lhe convém. Os estigmas são atributos que
produzem um amplo descrédito na vida do sujeito que em situações extremas é considerado
como "defeito", "falha” ou desvantagem em relação ao outro; isso constitui uma discrepância
entre a identidade social virtual e a identidade real (GOFFMAN, 2008).
16

Os valores culturais estabelecidos pela sociedade acabam por comprometer a imagem


social de um indivíduo, já que esses valores refletem a imagem do e no pensamento do ser
humano. A mulher negra ao ser associada à escravidão, à baixa ou ausência de escolaridade, à
figura de doméstica, aos padrões de beleza exótica e exuberância do corpo sensual na
representação do imaginário social, acaba por estabelecer um estigma. Neste sentido, esse
conjunto de atributos associadas à condição de mulher (gênero) resulta vivenciar e
comprometer a construção de sua autoimagem.
A autoimagem esta integrada à estrutura psíquica de todo indivíduo. É o modo como a
pessoa vê a si própria, como imagina seu corpo, suas ações, seus movimentos, suas atitudes,
sua relação com os outros e com o mundo - é como a pessoa se vê por inteiro (TEIXEIRA,
2010).
A construção da imagem social do ser humano pode ser comprometida a partir do
olhar permeado de preconceitos, de padrões e normas sociais que delineiam as categorias em
que as pessoas serão inseridas na sociedade. A questão racial é um dos aspectos estruturantes
da relação de poder. A imagem social da população negra tem gerado impacto negativo na
vida social deste grupo, o que influencia na construção e cristalização de estigmas.
Ao associarmos a questão racial ao gênero numa sociedade em que mulheres brancas e
não brancas são subjugadas frequentemente à figura do homem (pai, irmão, marido, médico
ou um representante religioso) verificamos que as mulheres negras são duplamente
segregadas e terminam por terem seu papel social comprometido, o que interfere na
apropriação de seus direitos como cidadã.
Se submissas às múltiplas formas de depreciação e discriminação social, as mulheres
negras vivenciam uma gama de desigualdades sociais que comprometem sua vida.
Geralmente seu valor social é considerado menor seja pelos padrões étnicos, de gênero e ou
de classe social.
Para Scott (1990), gênero é o elemento constitutivo das relações sociais baseadas nas
diferenças entre os sexos. As atividades desenvolvidas pelos gêneros têm um valor social
distinto, que também é atribuído aos espaços sociais. Portanto, a construção da feminilidade e
da masculinidade está associada, não só ao biológico, mas às funções desempenhadas na
sociedade. As desigualdades de gênero têm sido a primeira forma de se manifestar poder, a
partir de quatro dimensões inter-relacionais: simbólica, organizacional, normativa e subjetiva.
Neste sentido, a dimensão simbólica enfatiza as representações múltiplas e
contraditórias, como os exemplos de Maria, que evoca pureza e bondade e de Eva, que
simboliza o pecado e o mal. Na dimensão normativa se evidenciam interpretações do
17

significado dos símbolos que tentam limitar e conter suas possibilidades metafóricas, ou seja,
conceitos que são expressos nas doutrinas religiosas, educativas, científicas, políticas e
jurídicas que trazem duplo sentido na definição do masculino e do feminino. A dimensão
organizacional diz respeito às organizações e instituições sociais como mecanismos que
aprofundam as assimetrias entre os gêneros. E a dimensão subjetiva aborda as necessidades de
questionar as maneiras que as identidades de gênero são construídas e relacionadas com
atividades organizacionais, sociais e representações culturais historicamente situadas
(FISCHER; MARQUÊS, 2001).
A categoria de gênero é uma maneira atualizada de organizar normas culturais, do
passado e do futuro, um modo de a pessoa situar-se por meio destas normas, um estilo ativo
de viver o corpo no mundo. Gênero e raça constituem diferenças, sejam elas de cunhos
sociais, culturais ou mesmo que biológicas e que constroem as relações de poder na
sociedade. Cabe ressaltar, que dentre as instituições que têm contribuído para (re) produzir e
perpetuar a ordem (ou a divisão) dos gêneros situa-se a família, a igreja, a escola e o Estado
(BOURDIEU, 2003; SAFFIOTI, 1992).
A família, atuando como principal reprodutora da dominação e visão masculinas se
inicia na divisão do trabalho com base no sexo, cuja legitimidade por essa divisão também é
assegurada pelo direito e está inscrita na linguagem. A igreja, além de outras formas,
inculcando uma moral familiarista, guiada por valores patriarcais, mas, sobretudo, pelo
dogma da inata condição de inferioridade das mulheres. A escola, por sua vez, transmitindo
os pressupostos da representação patriarcal, firmada na homologia entre a relação
homem/mulher, adulto/criança (AMARAL, 2004).
As mazelas que as mulheres negras vivenciaram ao longo do tempo são acentuadas
pela tripla discriminação de que são vítimas: gênero (por parte dos homens brancos e negros);
raça/etnia (por serem negras, sofrem as manifestações do racismo e preconceito racial) e
classe (em sua maioria, alocada nos segmentos desvalorizados na sociedade) que acabam
numa posição social desfavorecida (pobreza) e, retratam as diferenças nos indicadores sociais
(PIERUCCI, 2000).
Os indicadores de pobreza e desigualdade, quando desagregados por cor/raça,
mostram que a população negra é maioria entre os mais pobres, está em condições precárias
no mercado de trabalho e possui os menores índices de acesso a serviços de infraestrutura,
moradia, luz, água e esgoto.
Os indicadores de qualidade de vida da população (saúde, trabalho, educação) ao
serem analisados entrelaçando os aspectos demográficos desvelam a exclusão social que a
18

população negra tem vivenciado por longas décadas. E ratificam a ocorrência das
desigualdades sociais e raciais que têm sido naturalizadas e diferenciam os brancos dos
negros nos vários espaços da vida social (GOMES, 2003; INSTITUTO DE PESQUISA
ECONÔMICA APLICADA (IPEA), 2005; PERPÉTUO, 2000).
Incomodada com essa realidade e por fazer parte desse cenário de mulheres negras, a
escolha da temática emerge a partir da minha própria história de vida. Oriunda de uma família
pobre e desprovida de capital cultural significativo, como a maioria das jovens das classes
menos favorecidas, sempre enxerguei no trabalho remunerado uma perspectiva de mudança
do modelo de vida no qual estava inserida e a possibilidade de ascender à pirâmide social.
Contudo, constatei que nem sempre a inserção no mundo do trabalho representa
possibilidades de mudanças significativas.
A condição dos empregos, a remuneração e a localização ainda estão diretamente
relacionadas às desigualdades sociais, pois geralmente, as poucas possibilidades econômicas
conduzem a população negra para os locais mais distantes dos grandes centros urbanos
(periferia), em moradias com poucos recursos sociais, saúde precária e subempregos.
A possibilidade de um crescimento social para esta população repleta de diversidades
tem sido um caminho árduo. Uma dura caminhada que, permeada de preconceitos e de o
juízo de valor, se dá pelo que o indivíduo possui. Na verdade, o trabalho por si só, também se
torna em alguns casos, um mecanismo de dominação do indivíduo, que, escravizado, não lhe
é permitido exercitar o direito a pensar.
Como jovem e negra, não fugi à regra. Para atender às minhas necessidades pessoais,
comecei a trabalhar em empregos informais e formais até me tornar uma profissional de nível
médio da área da Enfermagem.
Percebo inclusive, a partir de minha experiência na Enfermagem, que a área apresenta-
se como um reduto para as mulheres negras que queriam alcançar melhores empregos do que
o de empregada doméstica ou de profissional do comércio. Atuar nesse contexto, ainda que
em nível médio, pareceu-me uma grande conquista, pois levo em conta também o status
conquistado por alguém de tez preta a quem a sociedade insiste em desvalorizar.
Entretanto, apesar dessa mudança parcial no meu status, a ideia de executar as tarefas
técnicas reforçava o papel de subordinação e de submissão no contexto da hierarquização
social e da divisão social do trabalho. Aos poucos verifiquei que faltava algo, e despertei para
a possibilidade de alterar minha condição social por meio da continuidade do processo
escolar. Naquele momento, vislumbrei que aprofundar o conhecimento, além do adquirido
com o curso técnico, poderia contribuir para a transformação de minha condição social, ou seja,
19

conduzir-me para além da realização prioritária de execução de tarefas técnicas. A formação


universitária passa a ser um sonho e uma utopia a alcançar na transformação de minha posição
social e, possivelmente, de minha autoimagem. Desse modo , busquei ingressar numa Instituição
de Ensino Superior (IES), por almejar o conhecimento que transcende ao científico, e mais ainda: por
buscar, por meio do conhecimento, valorizar a mulher na sua integralidade como ser único e social.
A ascensão social é algo muito difícil para a mulher negra, visto os muitos entraves a
serem superados. Para este grupo exige-se comprovar mais vezes, sua competência. Logo, é
possível afirmar que a questão de gênero é um complicador, e se esta for somada à questão de
raça, o resultado é maior exclusão social (SANTOS, 2009).
O Brasil é a segunda maior população negra do mundo, entretanto, apenas 2,8% de
alunos negros concluem o ensino superior. Num estudo realizado na Universidade Federal da
Bahia (UFBA), os autores identificaram uma discrepância no que diz respeito à presença
maciça de alunos não negros nos cursos que proporcionam status social (medicina,
engenharia, direito). Entretanto, essa mesma situação foi encontrada em quatro universidades
públicas federais – Universidade Federal do Paraná (UFPR), Universidade de Brasília (UnB),
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG). Para os cursos considerados de prestígio e de maior concorrência havia uma forte
presença de acadêmicos que se autodeclararam brancos e oriundos das escolas privadas
(ALMEIDA, 2003; QUEIROZ, 2002).
Queiroz (2002), após uma coletânea, entre diversas publicações que discutiam as
profissões em que as mulheres negras estavam inseridas, verificou que as estas empreendem
em carreiras chamadas “femininas”. Profissões que em geral apresentam menor valor ou são
desprestigiadas para a sociedade na medida em que incorporam a presença feminina em seu
contexto. Segundo a autora, há uma “guetização” das mulheres considerando que elas tendem
a seguir os cursos impregnados de conteúdo humanístico como Letras, Magistério, Artes e
Enfermagem.
Apesar da melhora no acesso das mulheres negras ao ensino superior, sua permanência
nesse contexto ainda apresenta fragilidades e, consequentemente, o abandono da carreira, pois
em face das dificuldades esse grupo populacional não consegue alcançar melhores colocações
no mercado formal de trabalho. Haja vista que a disputa no mercado de trabalho requer de
seus candidatos e candidatas que atendam um modelo estabelecido pela sociedade, a “boa
aparência” e a qualidade da educação formal, mas esta depende de recursos financeiros
compatíveis para o acesso às instituições de ensino.
20

Essas dificuldades acabam se transformando em barreiras excludentes quase


intransponíveis e, em determinadas áreas ou situações não resta alternativa, que não acreditar
em sua incapacidade intelectual, ou melhor, num ser sem possibilidades.
Apesar das dificuldades, consegui ingressar numa faculdade de Enfermagem de uma
instituição de ensino superior privado, na qual tive o acesso ao tão sonhado conhecimento
científico. Ao mergulhar neste universo de saberes reforcei meus ideais de adquirir e construir
o conhecimento científico, mas também, de ampliar as possibilidades e transformações sociais
tão importantes para o ser humano numa sociedade.
Compreendemos que o acesso à formação rompe barreiras existentes em cada ser
humano, o que lhe permite discutir a maneira de ser e estar no mundo, principalmente quando
esta formação é caracterizada como proposta educacional crítica e dialética. A formação é
uma das ferramentas mais importantes para a quebra de um ciclo perverso de desigualdades,
principalmente quanto relacionados ao sexo feminino.
De fato, a inacessibilidade de um percentual significativo das mulheres pretas à
educação as torna vulneráveis e, expostas aos diversos riscos sociais (desemprego, violência,
homicídios, mortalidade materna e infantil, doenças prevalentes) que vão de encontro aos
direitos humanos. Este conjunto de situações desfavoráveis tem contribuído para a
“marginalização”, ou seja, o viver à margem dos direitos que são imputados a todo ser
humano.
Pude perceber em minha trajetória pessoal e profissional, a dimensão de uma fala tão
corriqueira - “saber é poder” e compreendi que a educação é uma condição essencial para
alcançar este saber/poder. O conhecimento não ocupa espaço, mas conduz o indivíduo na
sociedade. O poder do conhecimento desvela horizontes. O saber empodera e permite
escolher e decidir a respeito de tudo ou em quase tudo o que refere aos aspectos da vida.
O processo de ensino/aprendizado deveria ser canal condutor de empoderamento, ou
seja, a instrumentalização de cada indivíduo acerca do seu direito de escolha. Entretanto, se o
acesso à formação fosse oferecido de maneira equânime, independentemente de se ser negro
ou branco, não seriam necessários mecanismos que contemplassem as diferenças existentes
nos grupos alijados por séculos, e que poderiam alcançar outros níveis na pirâmide social por
seus próprios méritos, na acessibilidade aos bens duráveis como a formação e a saúde.
Atualmente, como enfermeira obstétrica na assistência e como docente numa IES, e
voltada, em especial, para as questões referentes à saúde da mulher, ao refletir sobre minha
trajetória educacional, percebi a transformação em minha imagem social, o que produziu em
mim uma inquietação ao relacionar mulher negra – educação – imagem social.
21

A partir do curso de especialização de Enfermagem Obstétrica oferecido pela


Universidade do Estado do Rio de Janeiro, tive neste Programa de Pós-Graduação a
oportunidade de trabalhar junto ao Núcleo de Estudos e Pesquisa na Saúde da Mulher/
Faculdade de Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Inserida
neste cenário e nas discussões acerca das reais condições da mulher na sociedade, passei a
debruçar-me mais sobre o universo feminino, que, permeado de subjetividade pertinente às
demandas que envolvem a sua sexualidade e o direito sobre seu corpo, entre outras coisas.
Buscamos, a partir de um projeto de pesquisa, trabalhar a percepção de gestantes negras sobre
a qualidade dos serviços de atendimento no serviço de pré-natal.
Ao trabalhar com estas gestantes, emergiram diversos questionamentos pertinentes a
questões sociais, de educação, de sobrecarga emocional e de desamparo por elas verbalizados
como ausência de valor. De certa forma, ao deparar-me com o perfil socioeconômico
produzido ao término da pesquisa, percebi em mim, um sentimento de tristeza e inquietação.
Apesar de ser uma mulher negra não conseguia, até aquele momento, dimensionar a real
proporção das diferenças existentes entre as mulheres negras e não negras e a invisibilidade
acerca de seus direitos. As práticas excludentes, de modo geral, têm impedido que as
mulheres desenvolvam estratégias positivas de enfrentamento das situações de
vulnerabilidades, o que torna maior o risco de adoecer.
Confesso que a tristeza misturada à inquietação me incomodou profundamente, mas
algo me despertou para aquele grupo de mulheres negras. Percebi que havia um diferencial
comum entre as gestantes negras – a escolaridade. Quanto maior o grau de escolaridade nas
entrevistas, mais empoderadas eram suas respostas, porque se mostravam essas mulheres
conscientes do que foram buscar. Apesar de viverem numa sociedade injusta, se percebiam
como sujeito político e de direitos, e isto fazia toda a diferença em suas decisões (GUEDES;
PENNA, 2007).
Estes fatos demonstraram que a formação parece ter relação direta e condição
fundamental para uma transformação social de qualquer indivíduo, principalmente da mulher
negra, pertencente a um grupo de vulnerabilidade. E isto evidencia a importância da formação
educacional para a quebra e transposição das barreiras oriundas da pouca escolaridade. A
formação universitária em que carreira, valoriza a ampliação da cultura geral e o estudo
aprofundado como forma de busca ou refinamento de conhecimentos (ALMEIDA FILHO,
2001; BRASIL, 2009).
A partir de minha vivência profissional observo com o passar do tempo, que a
formação produz transformações significativas e marcantes na vida do ser humano. Após a
22

vivência do processo de formação mediante o ensino superior, um universo de possibilidades


passou a compor o meu cotidiano, ao considerar que os cursos das Instituições de Ensino
Superior estabelecem, a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (BRASIL, 1996), que
devem formar profissionais críticos e capazes de transformar a realidade social, além de
entenderem que o conhecimento universitário pode permitir uma visão mais crítica sobre a
qualidade de vida, seus direitos como cidadãos e, consequentemente, sua liberdade como
indivíduo.
Destarte, ao buscar uma reflexão sobre a relação da escolaridade e o processo de
transformação da autoimagem social, em particular referente às mulheres negras, alguns
questionamentos emergiram: Qual a imagem social da mulher negra para negras
universitárias? Qual a autoimagem social das mulheres negras universitárias? A formação
universitária interfere na construção da autoimagem social?
A condição social de uma pessoa está diretamente relacionada ao acesso à educação.
Entendemos que o processo de construção de uma sociedade igualitária, democrática e justa
tem como concepção de base que a educação é um direito inalienável de todos os seres
humanos, e deve ser, portanto, ofertada a toda e qualquer pessoa. O acesso à educação é um
direito da pessoa. Mais do que isto: é fundamentalmente, um elemento constitutivo da
condição de ser humano.
As dificuldades de acesso à educação ou à justiça social ou à saúde ou a própria
desigualdade de gênero, classe e/ou etnia, todos, ligados ao acesso aos direitos humanos e de
cidadania, acabam por promover, em qualquer indivíduo, o comprometimento de sua
autoestima. A mulher negra, em virtude de todo o processo histórico-social no qual está
inserida, tem em sua condição social desfavorecida, um terreno fértil para apresentar baixa
estima e por consequência, como num ciclo vicioso, acaba por perpetuar sua desvalorização
social por meio do estigma da autodiscriminação. Estas mulheres, por não possuírem
ferramentas de base (educação) para compreender sua condição social, acabam não
reconhecendo seus direitos.
Diante dos questionamentos apresentados centramo-nos no pressuposto de que a
formação universitária interfere no processo de empoderamento da mulher negra e na
construção de sua imagem social.
No sentido de alcançarmos respostas às nossas questões desenvolvemos nosso estudo
com base nos seguintes objetivos:
23

a) descrever a imagem social de mulheres negras na perspectiva de mulheres


negras universitárias;
b) descrever a autoimagem social de mulheres negras universitárias;
c) analisar a influência da formação universitária na autoimagem social das
mulheres negras universitárias, segundo sua autopercepção.

Considerando a escassez de produções científicas a partir da ótica das próprias


mulheres negras no que diz respeito à sua autoimagem social, intencionamos contribuir com a
construção de conhecimentos sobre esta temática. Ao trabalharmos com as mulheres negras
matriculadas nos Programas de pós-graduação (Stricto Sensu – mestrado), podemos verificar
o diagnóstico vivo dessa realidade e permitir sua visualização. Entendemos que o discurso das
próprias mulheres negras que vivenciaram o processo de formação universitária muito
contribuiu para a melhor compreensão da sua real condição e projeção na sociedade.
Buscamos suscitar a visibilidade da mulher negra no contexto da pesquisa científica, a partir
dos seus próprios questionamentos como cidadã e profissional.
Em virtude da escassez de produção de dados epidemiológicos sobre a população
negra, consideramos este estudo relevante, por discutir as especificidades da população
feminina negra e por ir ao encontro das intenções das políticas públicas que promovem ações
de assistência, ensino, e pesquisa no país a esse grupo populacional (ARTICULAÇÃO DE
ORGANIZAÇÕES DE MULHERES NEGRAS BRASILEIRAS, 2007; BRASIL, 2004b;
2005b).
A pesquisa também busca contribuir com a reflexão acerca da relação da formação
universitária e da autoimagem social de mulheres negras e traz à baila as questões que dizem
respeito à sua condição social (socioeconômica, política, jurídica e outras) e as repercussões
dessa formação em sua vida. Entendemos que os resultados deste estudo poderão se somar
aos saberes já existentes acerca da temática e servir de base para outras pesquisas e ações
sociais (educativas, assistenciais, etc.). A universidade é um espaço que deve utilizar o avanço
de conhecimento na promoção de transformação nas realidades sociais, no alcance da
cidadania dos indivíduos que nela habitam independentemente de sua origem étnica e social.
Nesse sentido, o desenvolvimento do presente estudo, que está inserido no Grupo de
Estudos sobre Gênero, Poder e Violência na Saúde e Enfermagem da Faculdade de
Enfermagem (UERJ) contribuirá para o aprofundamento da temática da autoimagem da
mulher negra, a partir da relação existente entre o processo de formação universitária e as
possíveis repercussões sobre sua autoimagem e sua saúde.
24

1 REFERENCIAL TEMÁTICO

1.1 A população negra no Brasil

O Brasil é o país de maior população negra fora do Continente Africano e o segundo


maior do mundo. A percentagem de pessoas de origem africana está em torno de 44,3%.
Entretanto, uma das grandes ironias nacionais se dá pelo fato de os afro-descendentes serem
discriminados como uma “minoria” quando, na verdade, esta população se constitui de um
considerável grupo, cujo quantitativo abarca próximo da metade da população brasileira
(CRIOLA, 2001; FERREIRA, 2004).
É possível afirmar que a inserção social de um indivíduo na sociedade está
diretamente relacionada à sua cor. No Brasil, a questão racial sempre foi alimentada pelo mito
da democracia racial. O preconceito e a discriminação contra a população negra parecem ser
sublimados, porém, estão bem visíveis no cotidiano de quem vivencia as diversas formas de
discriminação (WERNECK; WHITE; MENDONÇA, 2000).
Ao analisarmos a estratificação social deste grupo populacional encontramos uma
maioria de homens e mulheres negros nas camadas desfavorecidas. Geralmente, há uma
tendência a ganharem menos, residirem em áreas urbanas precárias, e terem menor acesso à
educação, à saúde e aos demais direitos constituídos na esfera da cidadania (OLIVEIRA,
2003).
Estas lacunas têm sua origem a partir do processo histórico-social acerca da inserção
da população negra em nosso país, inicialmente, na condição de escravos. O Brasil foi a
última nação a abolir a escravidão na América. Este capítulo na história do país influenciou de
maneira devastadora a condição e qualidade de vida da população negra, principalmente, ao
negar o direito à cidadania a este grupo populacional. Entretanto, apesar da abolição e do mito
de democracia racial, verificam-se ainda preconceitos encobertos, o que torna mais difícil o
combate eficaz das injustiças para com os indivíduos de tez preta e seus descendentes
(FERREIRA, 2004).
No país, a ideologia racial não se aplica à regra de descendência, pois considera a
ascendência étnica e não apenas o fenótipo ou o status social dos indivíduos não brancos, os
quais são classificados conforme a aparência física e a posição social. Esta ideologia,
chamada de democracia social, permitiu que ao longo do tempo os mestiços fossem
25

integrados socialmente em razão de seus traços físicos e pela situação econômica semelhante
à dos brancos (CORDEIRO; FERREIRA, 2009).
Entretanto, a população negra representava, tanto física quanto culturalmente, a classe
inferior da população. Assim, intelectuais brasileiros (Rui Barbosa; Torres Homem; Batista
Lacerda) acreditavam que o Brasil estava irremediavelmente condenado à inferioridade e à
improdutividade, sendo a culpa desses males atribuídos tanto ao determinismo climático
quanto à população negra, “raça inferior”. Para estes intelectuais da época havia uma
necessidade de encontrar uma solução para os problemas raciais que interferiam no progresso
do país (MONTEIRO, 2004).
A solução encontrada era reverter tal processo e melhorar a condição social da
população. De acordo com as ideias de eugenistas, que relacionava a cor da pele ao status
social, a mestiçagem permitiria o nascimento de brancos e/ou pardos considerados “aptos”,
extinguindo-se os “impuros”, os pretos, ou seja, o grande problema da nacionalidade
radicava-se na mudança da cor da pele do povo que deveria ser substituída por mais brancos
(MAIO; SANTOS, 2006).
A eugenia, criada e defendida por Galton1, em 1865, 1883 e 1889, tinha como objetivo
estudar a influência da herança genética nas qualidades físicas e mentais dos indivíduos e a
necessidade de melhorar as qualidades naturais dos homens. Defendida como medida
profilática era caracterizada em positiva e negativa. A positiva tratava da conscientização e
educação dos indivíduos para os princípios eugênicos e a negativa, que se dividia em três
ramos, dava-se da seguinte forma: a) a esterilização dos indivíduos - consistia no
impedimento de procriação mediante procedimentos cirúrgicos, justificadas pelos termos:
“tarados, doentes, incapazes, eugenicamente nocivos à sociedade, ou consanguíneos”; b) a
segregação - o isolamento provisório ou perpétuo dos chamados incapazes, para que não
pudessem viver em sociedade; c) a regulamentação dos casamentos, que daria ao médico, por
meio de exame pré-nupcial, o poder de veto em relação a um matrimônio considerado não
sadio (GÓIS JUNIOR; GARCIA, 2011; MAIO; SANTOS, 2006).
Para Maio e Santos (2006), a ideia dos eugenistas nos remete ao darwinismo, famosa
doutrina da seleção natural, da luta pela sobrevivência ou da sobrevivência do mais apto.
Toda essa engrenagem deu origem ao darwinismo social, a principal doutrina de cunho racista
vigente na passagem do século. O que se afirmava era que o progresso humano resultava das

1
Francis Galton - Professor da Universidade em Londres, antropólogo, precursor nos estudos relacionados à
eugenia e primo do Charles Darwin.
26

lutas e das competições entre as raças e que os vencedores seriam os mais capazes (ou aptos),
neste caso, os brancos, porque as demais raças como os negros, acabariam por sucumbir à
seleção natural e social.
Percebemos que para população negra não haveria a menor chance de sobreviver, já
que era considerada inferior e fadada gradualmente à extinção, por ser enquadrada numa “raça
inferior”. Uma sistemática ideia de inferioridade das características somáticas (corpo) e/ou
culturais desse grupo promove um comprometimento da autoestima nos seus indivíduos.
O conceito de raça foi construído sobre hierarquias, e isto denotou desigualdades e
dominou o pensamento social em diversos locais, inclusive no Brasil. Respaldada em parte,
pela Antropologia Física que estaria empenhada em determinar e classificar a humanidade em
tipos naturais, a difusão desta ideia possuía interesses políticos ao arbitrarem a partir das
características fenotípicas em demasia para diferentes grupos humanos (MAIO; SANTOS,
2006).
No campo das Ciências Sociais e Humanas, estudiosos (Le Bon, Haeckel,
Chamberlain, Renan e Gobineau) se utilizaram da metáfora de Charles Darwin 2 acerca da
sobrevivência dos mais aptos pela seleção natural. A partir desta ideia inventaram a eugenia
para sugerir políticas púbicas que, entre outras coisas, implicavam uma limpeza étnica a qual
estava imerso no pensamento racialista que tentava identificar cientificamente a existência das
“raças puras e superiores” em oposição às “raças impuras e inferiores” (MAIO; SANTOS,
2006).
Esses chamados “pregadores científicos” tinham mais importância que os cientistas,
pois ofereciam elementos convincentes para a afirmação das individualidades nacionais. O
diplomata Gobineau3 (1869) fora designado ministro da França no Brasil, e, amigo do
Imperador Pedro II, permaneceu no país entre 1869 e 1870. Quando chegou ao Brasil já era
famoso pela divulgação de suas ideias eugênicas, e o seu texto produzido no século XIX
descrevia uma doutrina racialista. Este autor francês afirmava que o motivo da queda das
grandes civilizações se dava pela miscigenação que maculava as raças em sua pureza
causando degeneração do ser humano nos seus atributos físicos e morais, levando a
decadência dos grandes impérios (MAIO; SANTOS, 2010; SOUSA, 2006).

2
Naturalista britânico que alcançou fama ao propor a Teoria da Evolução (“Origem das Espécies”) - por meio da seleção
natural e sexual. Para ele, a diversidade biológica é o resultado de um processo de descendência com modificação, onde os
organismos vivos se adaptam gradualmente pela selecção natural e as espécies se ramificam sucessivamente a partir de
formas ancestrais.
3
Conde francês, Joseph Arthur de Gobineau, em 1869, foi autor do Essai sur I’inégalité dês races humaines – Ensaio sobre
as desigualdades das raças humanas (tradução).
27

A partir deste olhar, ocorre o estímulo para as pesquisas sobre as desigualdades “etno-
raciais” que eram observadas no país. O diagnóstico hegemônico nos séculos XIX e XX
apontava a inferioridade de caráter biológico dos não brancos e mestiços. Já os prognósticos
variavam numa avaliação pessimista das possibilidades de se construir uma nação progressiva
nos trópicos sobre esta base humana.
Nina Rodrigues (1862-1906)4, médico legista, intelectual e poligenista se apoiava nas
teses europeias do racismo científico, e buscava, junto com Sílvio Romero (1851–1914)5 os
princípios higienistas europeus para o contexto social brasileiro, redefinindo o papel do clima
e da variável raça como elemento de crescente importância entre as causas das enfermidades.
Os princípios higienistas tinham como objetivo identificar os procedimentos e hábitos
individuais e coletivos para a manutenção da saúde, entendida na época como ausência de
doenças. Dessa forma, o caráter dessas observações era intimamente ligado à prevenção, mas
também ao controle da proliferação de diversas doenças. Esse movimento visava dar
legitimidade ao saber e às instituições médicas brasileiras e, ao mesmo tempo, era imbuído de
uma perspectiva otimista em face dos desafios de inserção do país no concerto das nações
modernas (MAIO; SANTOS, 2010).
Para esse autor, ao mesmo tempo em que Rodrigues comungava das ideias higienistas,
era bastante explicito em defender os negros de serem tratados em pé de igualdade com os
brancos, já que aqueles eram inferiores biologicamente e, portanto, incapazes de se
conduzirem como cidadãos em seus plenos direitos. Numa perspectiva racialista Nina
Rodrigues constituiu o negro ou africano como objeto de investigação em seus estudos, o que
o transforma em pioneiro no campo da etnologia afro-brasileira.
Dentre seus estudos Nina Rodrigues defendia a relativização do crime, na medida em
que os impulsos definidos pela fisiologia racial estabeleceriam os limites possíveis a uma
perspectiva moral que definiria o que é crime e o que não é. Para o pesquisador as raças
possuíam uma criminalidade própria, em harmonia e de acordo com seu grau de
desenvolvimento intelectual e moral. Partindo desta ideia, o homem negro não poderia ser
submetido às mesmas leis penais destinadas ao homem branco (MAIO; SANTOS, 2010).

4
Médico e antropólogo da Faculdade de Medicina da Bahia que propôs a criação de leis jurídicas distintas para
brancos e negros no Brasil.

5
Sílvio Vasconcelos da Silveira Ramos Romero – crítico literário, ensaísta, poeta, filósofo, professor e político
brasileiro. Foi deputado provincial por Estância, em Sergipe, e deputado federal. Trabalhabou na comissão
encarregada de rever o Código Civil na função de relator-geral.
28

A ideia de que o negro possuía um baixo ou nenhum desenvolvimento intelectual e


moral fez parte da constituição histórica da população negra no Brasil. Preto, pardo, mestiço e
mulato eram vistos como criminosos, malcheirosos, sujos, promíscuos, ardentes, sexualmente
atraentes, trabalhadores passivos, preguiçosos, estúpidos e irresponsáveis, ou seja, o que
contamina a sociedade.
A miscigenação como projeto ideológico da elite brasileira, colocou o branqueamento
da população como forma de diluir e, gradativamente, formar uma nação “branca”, já que
nenhuma nação poderia ser uma grande potência econômica mundial tendo o negro como
integrante sociedade (MUNANGA, 2004).
Por causa dessa visão deteriorada da imagem social da população negra, a sociedade
por muitas vezes, investiu e acreditou nos movimentos que buscavam o branqueamento para
que a nação pudesse ser efetivamente uma das economias em potencial no mundo.
Para Skidmore (1976 apud MAIO; SANTOS, 2006), a reconstrução de um modelo
para uma ideologia racial ocorre, assim, no período final da escravidão, quando estava em
curso o processo de adaptação da sociedade à mudança do status jurídico dos negros. Estes
acontecimentos ocorrem não somente com o fim da abolição, mas também coincide com o
nascimento da República (1889) e com a disseminação das ideias de igualdade e cidadania
que lhes são associadas. A coincidência entre a expansão dos princípios republicanos e
liberais e a adesão às formulações racistas observadas nas Américas reflete a dificuldade
então observada para operar o direito individual numa sociedade fundamentalmente
hierárquica.
Partindo do início da República, implantava-se um novo ordenamento do mundo: com
o capitalismo o trabalho compulsório passava a ser livre. Nesse momento da afirmação da
nacionalidade, de maneira geral, o povo brasileiro, em sua maioria de cor negra, carregava o
estigma da escravidão (MAIO; SANTOS, 2006).
Do período escravagista à abolição o negro vivenciou todas as formas de
desigualdades, marginalização, submissão e ausência de direitos sociais marcados em todas as
décadas posteriores. No país desde a colonização e o estabelecimento da sociedade burguesa
europeia estabeleceu-se uma dicotomia nas relações entre brancos (imigrantes) e negros
(escravos).
Para Fernandes (2008), o país foi constituído por populações indígenas, portuguesas e
africanas na condição de escravos. Entretanto, os imigrantes europeus, árabes e asiáticos
foram incorporados como trabalhadores livres. O país foi construído no escambo e
escravidão, no colonialismo e imperialismo, na urbanização e industrialização, por meio dos
29

qual se dá, inicialmente, a formação da sociedade de castas, e, posteriormente, da sociedade


de classes.
Estima-se que entre o ano de 1830 a 1920 mais de um milhão e duzentos mil
imigrantes (alemães, italianos, portugueses, franceses, suíços, irlandeses) ocuparam o
território brasileiro, a fim de engrossar a agricultura moderna. Entretanto, a sociedade que
estava sendo construída já estabelecia suas estratificações sociais, onde negros não tinham o
poder aquisitivo e os brancos continuavam na condição de senhores (MAIO; SANTOS,
2006).
Para esse mesmo autor, de um lado somente os imigrantes passariam a se beneficiar
em longo prazo, já que recebiam incentivos e lhes era oferecida uma gama de oportunidades e
benefícios para que o país se tornasse atrativo. A ideia era a de que eles enxergassem o Brasil
não só pelas doenças que assolavam os brancos imigrantes como a febre amarela, mas pelas
possibilidades de uma vida melhor do que na Europa. Do outro lado, os negros que sempre
viveram sob a guarda de seu senhorio, agora após a abolição, eram considerados homens e
mulheres livres. Mas o que fazer com essa tal liberdade?
A difusão da ideia de que a sociedade brasileira tinha no convívio entre brancos e
negros uma condição não conflituosa contribuiu para a manutenção das desigualdades entre
brancos e negros, o que perpassava as esferas sociais e mantinha os indivíduos de cor preta
distante dos seus direitos e de como reivindicá-lo. Tudo isto, trouxe uma gama de modelos de
desigualdades desenhados ao longo do tempo, o que fez com esta população mestiça
permanecesse invisível.
A mitologia da brasilidade mestiça e integradora de todas as etnias e o ponto de
equilíbrio das diferenças culturais, canonizada por Gilberto Freyre em Casa grande &
senzala, constituíram, em muitos momentos da história recente, um imaginário acerca da
possibilidade de convívio com as diferenças. Uma imagem de contrastiva, ora latente, ora
intrigante, dos discursos identitários em nações que, sob todos os demais aspectos, pareciam
aos seus próprios membros, muito melhores que o Brasil (COSTA, 2002).
Entre 1949 e 1950, a partir da 4ª sessão da Conferência Geral da Organização das
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) ocorre a elaboração de
uma agenda antirracista em resposta à solicitação da Subcomissão de Proteção a Minorias da
Comissão Econômico-social das Organizações das Nações Unidas (ONU).
Na década de 50, a Primeira Declaração sobre Raça (construída por cientistas sociais e
naturais – Antropologia Física, Psicologia Social) da UNESCO continha uma contundente
afirmação – raça é menos um fato do que um mito social e, como mito, causou severas perdas
30

de vidas humanas e muito sofrimento em anos recentes. Este documento faria referência ao
pensamento racial no pós 2.ª Guerra Mundial, ainda sobre o impacto do nazismo (MAIO;
SANTOS, 2010).
Para o Maio e Santos (2010), a UNESCO postulava a superação da ignorância, do
preconceito e do nacionalismo xenófobo por meio da educação, da cultura e da ciência, e
erigia como seu objetivo a criação, de um consenso em torno de um mundo mais convergente.
Desse modo, em 1950 a mesma UNESCO decide enviar equipes de acadêmicos e
antropólogos para estudar as “harmoniosas” relações raciais, a fim de apresentar ao mundo
àquilo que se considerava uma experiência “singular e bem-sucedida” de acomodação de
diferenças raciais e étnicas. Esta iniciativa foi fruto de parte de um estudo acerca das relações
raciais brasileiras promovidos pela instituição e, pautado na premissa de que o Brasil poderia
demonstrar às nações uma lição no que diz respeito à integração racial harmoniosa (MAIO;
SANTOS, 2010). Entretanto, o que se descobriu foi um poderoso esquema de discriminação e
segregação racial que teria levado a população negra aos níveis elementares da pirâmide
social.
A persistência histórica da raça como princípio classificatório não deve ser encarado
como herança do passado, mas como um mecanismo social de reprodução da desigualdade
racial que serve aos interesses de grupos racialmente hegemônicos que, certamente, seriam os
dominantes.
O fenômeno das relações raciais harmoniosas contribuiu para que a realidade acerca
das desigualdades raciais fosse desvelada e difundida pelo mundo. Desta maneira, a condição
desigual da população negra perdura até os dias atuais, mas serve de pano de fundo para as
discussões sobre as implicações do racismo, sua incidência e o comprometimento da
igualdade social entre os indivíduos brancos e pretos que compõem a sociedade brasileira.
Aos mestiços era oferecida a ilusão de mobilidade e ascensão social. Porém, o
indivíduo de tez preta permaneceu excluído. A possibilidade dada foi a da negação da
autoimagem, pois somente como mestiço o indivíduo é aceito socialmente. A integração do
negro à sociedade foi um dos pontos nevrálgicos da pós-abolição, uma vez que houve
dificuldades para que negros e mulatos se inserissem na sociedade moderna. A nova
sociedade surge a partir de uma ordem social pautada no “estilo de vida” individualista e
competitivo, e para o negro que viveu ou sobreviveu sob a tutela de um senhor, esse espírito
de competitividade não integrava seu cotidiano. Na sua condição de negro, as disputas eram
outras e não àquelas por um lugar na sociedade.
31

Numa sociedade que precisava de homens aptos a desempenhar suas funções em prol
do progresso, o negro não possuía habilidades, pois estava apenas treinado para os afazeres da
lavoura ou domésticos. Essa inabilidade contribuiu para que esse povo fosse excluído do
progresso da nação e, consequentemente, de uma melhor condição de vida. O “negro” vivia
numa sociedade organizada em classes sem participar do regime de classes. O termo “preto”
permitia selecionar a cor como marca racial para distinguir, a um só tempo, um estoque racial
e uma categoria social em situação societária ambígua, para não dizer marginal
(FERNANDES, 2008).
Desta feita, as desigualdades sociais e econômicas existentes entre negros e brancos se
fizeram presentes nas diversas esferas governamentais e não governamentais desde o período
da pós-abolição. A ordem social e a racial da sociedade, teoricamente inclusiva, já que o
negro poderia competir, embora de maneira desigual, se transformaram com mais intensidade
e se tornaram bem desiguais.
O regime extinto não desapareceu por completo na pós-abolição: persiste nas
mentalidades, nos comportamentos e nas organizações das relações sociais entre os homens,
que deveriam estar interessados numa subversão total do antigo regime. Para os autores, o
“negro” proscrito da história e da participação nas lutas sociais que decidiam sobre seu
destino, estava bloqueado numa zona estagnada e estática da sociedade. A ausência de lugar
do negro na nova ordem social residia no mito da democracia racial (FERNANDES, 2008).
Este bloqueio perdura até os dias atuais em que as relações entre negros e brancos
ainda são baseados nas divisões de classes. Porém, o Brasil como país mestiço biológica e
culturalmente, impõe ao negro um viver desigual na sociedade, pois as possibilidades para
transformação das realidades sociais e pessoais estão diretamente ligadas ao acesso aos
direitos humanos, e entre esses direitos, encontra-se na educação um veículo transformador.
O ser negro tem vários significados, e isto resulta da escolha da identidade racial que
tem a ancestralidade africana como origem (afro-descendente). Ou seja, ser negro, é,
essencialmente, um posicionamento político, a partir do qual se assume a identidade racial
negra
A identidade racial/étnica é um sentimento de pertencimento a um grupo racial ou
étnico decorrente de construção social, econômica, cultural e política. Ou seja, tem a ver com
a história de vida (socialização/educação) e a consciência adquirida diante das prescrições
sociais raciais ou étnicas, racistas ou não, de uma dada cultura (OLIVEIRA, 2003).
Diante desses fatos históricos que acabam por desenhar a imagem social do negro na
sociedade, a sua inserção social ocorre de maneira imperceptível à própria sociedade que o
32

exclui como integrante da construção da nação. Para o homem negro o viver à margem estava
sujeito às formas de violência, inacessibilidade, invisibilidade. Essa realidade é constatada nos
índices de desenvolvimento do país, o que reflete a condição de vida da população. Para as
mulheres negras a imagem social desenhada pela sociedade também foi marcada pelas formas
de violência de gênero, sexismo, classe e raça.

1.2 A mulher negra brasileira

1.2.1 Breve histórico da condição social e política

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (IBGE, 2007a) registrou que 97.195
mulheres compõem a população feminina brasileira e desse total, 47.119 mulheres se
declararam pardas (incluindo-se nesta categoria mulata, cabocla, cafuza, mameluca ou
mestiça de preto com pessoa de outra cor ou raça) e negras.
Esse quantitativo de mulheres negras que compõe a sociedade brasileira demonstra por
si só a relevância de se discutirem questões que envolvem este grupo populacional,
considerando principalmente as demandas de gênero (sexismo), de etnia (racismo), condição
social, saúde e educação. Nesse sentido, acreditamos que discorrer sobre trajetória da mulher
negra suscitará uma melhor compreensão deste estudo.
Na década de 40, organizou-se a chamada Frente Negra de Combate ao Racismo. Nos
períodos ditatoriais, houve grande resistência ao Movimento Negro, que, taxado de
subversivo pelo governo, foi equiparado à ideologia comunista (BITTAR; ALMEIDA, 2006).
A trajetória política das reivindicações realizadas pelas mulheres negras emerge do
próprio Movimento Negro, entre as décadas de 40 e 70. Este grupo populacional percebeu que
nas discussões e pautas do Movimento Negro não estavam inseridas as questões que
abordassem as necessidades da mulher negra. Surge o Movimento Negro Feminino (MNF)
que era composto pelas mulheres negras feministas oriundas do Movimento Negro.
O feminismo transformou as mulheres em novos sujeitos políticos e, essa condição faz
com esses sujeitos assumam, a partir do lugar em que estão inseridos, diversos olhares que
possam desencadear processos particulares subjacentes na luta de cada grupo particular
(CARNEIRO, 2003).
33

Em 1965, a Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou a Convenção para a


Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, que foi ratificada por 157 países, os
quais se comprometeram a promulgar e proteger os princípios de igualdade. Entretanto, o
Brasil assina este documento com algumas reservas, e, paralelo a este movimento, se ocupa
em compor uma imagem mais positiva no contexto internacional. O país se torna signatário
em instrumentos internacionais, ou seja, respeita e propõe a garantia dos direitos humanos
internacionais. Estes documentos tinham como objetivos a garantia não somente dos direitos
humanos aos homens e mulheres, mais também proporcionar que a mulher brasileira pudesse
viver plenamente sua cidadania.
Cabe ressaltar que os tratados, convenções e declarações assinadas em fóruns
internacionais, quando são ratificados pelo poder legislativo, passam a ser considerados como
direito especial a que a lei interna não pode revogar.
Entre os diversos documentos relacionados à busca de melhores condições de vida
para a população feminina mundial, e que foram assinados pelo Brasil, podemos citar: a
Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres em
1979 – que abarcou áreas distintas como: trabalho, saúde, educação, direitos civis e políticos,
estereótipos sexuais, prostituição e família –; a Declaração sobre a Eliminação da Violência
Contra a Mulher em 1993; o Plano de Ação da Conferência Mundial sobre População e
Desenvolvimento, no Cairo, em 1994 que – introduziu em neste plano um novo paradigma
para as discussões sobre população, deslocando a questão demográfica para o campo das
questões concernentes aos Direitos Humanos, no âmbito reprodutivo –; a IV Conferência
Mundial sobre a Mulher realizada em Beijing em 1995 – que aprova a Declaração e ações
para alcançar os objetivos de igualdade, desenvolvimento e paz para todas as mulheres.
Todos estes documentos defendiam a mulher como detentora de direitos garantidos na
esfera dos Direitos Humanos. As Conferências de Cairo e Beijing a priori, suscitam a
igualdade numa perspectiva de gênero, e visa atender às necessidades individuais de ambos os
sexos, em ações que produzam o empowerment e a autonomia das mulheres.
Em 2001, com o advento da III Conferência Mundial Contra o Racismo,
Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, em Durban, se observaram
inúmeras diversidades culturais, a começar pela participação de vários negros em uma
Conferência (BENTES, 2002). Esta Conferência foi permeada de expectativas para o
Movimento Negro do Brasil e para a população negra, com recomendações, a princípio, para
priorização do trabalho, saúde, educação e o respeito à diversidade.
34

Infelizmente, em pleno século XXI a exclusão social tem sido revelada não apenas
pela distribuição de rendimentos, mas pelas discriminações em razão de sexo, raça/etnia,
idade, saúde, condição social.
Os primeiros olhares para a saúde da população feminina surgem na década de 60, em
virtude dos altos índices de mortalidade materna e perinatal que o país apresentava e que era
severamente questionado pelos órgãos internacionais. A partir de então, passou-se a
privilegiar as questões referentes à maternidade, em especial à parturição (GIFFIN; COSTA,
1999).
Na década 70, ocorreu o lançamento do Programa de Materno Infantil (PSMI) que
contempla a saúde da população feminina brasileira no período gestacional e a saúde da
criança. E, em 1977 surge o Programa de Prevenção da Gravidez de Alto Risco (PPGAR),
que de maneira indireta, tinha como alvo as mulheres negras, visto ser este grupo o de maior
índice de complicações no período gestacional. De forma subliminar, o discurso enfatizava
que por serem negras e pobres não deveriam ter filhos (VARGENS, 2001).
Na década de 80, importantes mudanças acontecem no campo das políticas de saúde,
que tem seu conceito ampliado a partir da 8ª Conferencia Nacional de Saúde (CNS). Houve
uma maior participação da comunidade no processo decisório das políticas públicas de saúde.
Paralelamente, o Movimento Feminista demonstra sua profunda insatisfação pela condição
social da mulher e passa a reivindicar seus direitos, entre os quais, o reprodutivo e sexual.
Em 1984 é implantado no país, o Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher
(PAISM), resultado da luta do movimento de mulheres e que trouxe grandes inovações. A
integralidade na assistência à saúde da mulher foi a base principal da diretriz e de ações de
saúde, e ultrapassou a concepção de um programa materno-infantil (BRASIL, 1984, 2004b).
Um resultado significativo para as questões de saúde da população negra, no tocante à
produção de dados epidemiológicos, foi em 1996 6 ano em que, pela primeira vez na história
do país houve a inclusão obrigatória do quesito sobre raça e cor. A inserção desse quesito em
diferentes documentos oficiais, como na declaração de nascido vivo, certidão de nascimento,
carteira de identificação civil e militar, autorização de internação, declaração de óbito e na
caracterização dos sujeitos das pesquisas, realizadas com seres humanos como prevê a
Resolução 196/96 (CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE, 1996).

6
Em 1996 foi lançado pelo governo federal o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDC). Dentre as ações propostas
uma delas era a obrigatoriedade do “Quesito Cor” nos documentos oficiais. A partir do governo de Fernando Henrique
Cardoso tem início um novo recorte temporal para a saúde da população negra.
35

Embora, não sendo ainda inteiramente cumprida, torna-se um marco, já que a


operacionalização dessa medida ocorre no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Outro
ponto encontrado se dá pela dificuldade de compreensão que os profissionais têm acerca desta
temática. Existe também a dificuldade em se realizar questionamentos, os quais, se mal
formulados, geram uma interpretação para quem ouve, o que pode redundar em conflitos entre
o cidadão e o profissional que realiza a pergunta.
O governo federal, ao perceber a dificuldade de discussão da própria comunidade
negra e da sociedade como um todo, lança em alguns momentos, campanhas veiculadas na
imprensa televisiva, com atores e atrizes negros a divulgarem as questões de raça/cor e o
combate ao racismo institucional, para promover uma maior credibilidade da campanha para a
população (BRASIL, 2009).
A partir de 2003 é criada a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade
Racial (SEPPIR), havendo uma maior mobilização das organizações de mulheres negras
juntamente com os órgãos governamentais, para que a saúde desse segmento populacional
fosse alvo de uma preocupação específica na esfera do Ministério da Saúde (MS). Esta
mobilização gerou várias ações importantes, entre elas a realização em 2004, do Seminário
Nacional sobre Saúde da População Negra, tendo como lema “A saúde da população negra:
ações afirmativas para avançar na equidade”, reunindo profissionais de saúde, pesquisadores e
ativistas na capital do país (BRASIL, 2006).
Um dos frutos deste seminário foi a constatação de que o sistema brasileiro de saúde é
um só, mas o tratamento é distinto entre negros e brancos. O principal resultado foi a adoção,
de uma nova percepção, por parte do Ministério da Saúde (MS) em garantir legalmente o
acesso igualitário e universal aos serviços de saúde. Entre estas ações, a de maior impacto
sobre a saúde da população em questão eram aquelas que visavam à melhoria das condições
sociais e promovessem condições do ambiente e acesso aos serviços de saúde, com redução
das doenças e/ou das condições a elas ligadas. Percebemos nesta movimentação as
repercussões para ações pertinentes à saúde da mulher negra.
Já no ano 2004, o governo percebe a necessidade de atender às lacunas que foram
pontuadas pelas equipes da comissão de avaliação técnica e propõe o Programa Atenção
Integral à Saúde da Mulher. Posteriormente, estabelece a Política Nacional de Atenção
Integral à Saúde da Mulher (PNAISM) (BRASIL, 2004b) destaca as ações de saúde aos
grupos alijados das políticas públicas em suas especificidades, entre elas, as mulheres rurais,
indígenas, portadoras de necessidades especiais, lésbicas, encarceradas e as negras.
36

Em 2005, o Ministério da Saúde, em parceria com alguns pesquisadores da temática


em questão, edita o primeiro caderno denominado Atenção à saúde das mulheres negras –
perspectiva de equidade no pacto nacional pela redução da mortalidade materna e neonatal.
Este documento traz algumas especificidades desta população e chama a atenção para um
olhar especial e humanizado à mulher negra e enfatiza aos gestores sobre a importância do
desenvolvimento de ações e atividades que levem em conta o sistema local de saúde, além das
doenças prevalentes e suas repercussões na gravidez (BRASIL, 2005a).
Nesse mesmo ano, o governo federal, por meio da SEPPIR e do Conselho Nacional de
Promoção da Igualdade Racial (CNPIR), promove a I Conferência Nacional de Promoção da
Igualdade Racial (CONAPIR), em que se discutiram vários eixos temáticos, dentre eles a
saúde, questões de gênero, direitos humanos e a mulher negra.
Relacionado à temática da saúde da mulher negra ratificaram a busca pela garantia dos
direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, consideraram de extrema relevância o recorte de
raça/etnia; a aprovação de emendas referentes à implementação de projetos de intervenções e
a ampliação dos programas de prevenção a diversas doenças e agravos à saúde das mulheres
negras, a implantação de atendimento humanizado à mulher negra e usuária do SUS; a
introdução de metas específicas no Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna e
Neonatal, tendo em vista à eliminação das desigualdades raciais nas altas taxas de mortalidade
materna e a revisão da legislação punitiva que trata da interrupção voluntária da gravidez,
visto que é sobre as mulheres negras e pobres que pesa o preço da ilegalidade: morbidade e
mortalidade materna.
As propostas para a consolidação de uma política de enfrentamento da violência contra
as mulheres foram consideradas fundamentais para garantir qualidade de vida com dignidade
para mulheres negras e os demais grupos de mulheres que se encontram vulneráveis, entre
eles a violência doméstica (ARTICULAÇÃO DE ORGANIZAÇÕES DE MULHERES
NEGRAS BRASILEIRAS, 2007).
A luta seguiu em conjunto com diversas entidades. Entre as quais destaca-se o Comitê
Técnico de Saúde da População Negra (CTSPN), que em 2006 formulou a Política Nacional
de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN). Essas ações foram coordenadas pela
Secretaria de Gestão Participativa (SGP), responsável pela articulação e sua aprovação no
Conselho Nacional de Saúde (CNS) e pactuação na Comissão Intergestores Tripartite (CIT),
composta pelas três esferas de governo (ARTICULAÇÃO DE ORGANIZAÇÕES DE
MULHERES NEGRAS BRASILEIRAS, 2007).
37

As articulações definiram conjuntos de princípios, marcas, diretrizes e objetivos


voltados para a melhoria das condições de saúde desse segmento da população, com a
inclusão de ações de cuidado e atenção à saúde, da gestão participativa, do controle social, da
produção de conhecimento, entre outros (ARTICULAÇÃO DE ORGANIZAÇÕES DE
MULHERES NEGRAS BRASILEIRAS, 2007).
Os eventos ocorridos no país, no que diz respeito à melhoria da condição de vida da
população negra são o resultado de uma longa batalha que se dá desde a década de quarenta,
pelas organizações de mulheres negras e a sociedade civil, no sentido de reconhecer que a
população negra tem vivenciado as desigualdades sociais.
O processo de construção política e social da população negra, em especial na vida da
população feminina negra, influencia na maneira de ser percebida, e de estar e ser no mundo.
Consequentemente, todo este processo também influência no modo como essa mulher negra
constrói a sua imagem social e se percebe, já que o conhecimento acerca da historia do seu
grupo populacional contribui para uma valorização de si mesma.

1.2.2 A imagem social da mulher negra brasileira

Antes de discutirmos a construção da imagem social da mulher negra no país,


necessitamos, a priori, trazer à baila, ideias e conceitos sobre autoimagem. A autoimagem
social de um indivíduo é construída na relação com o mundo vivido, e essa percepção nem
sempre ocorre da mesma maneira, isto é, a percepção pode alterar de maneira, negativa ou
positiva (POLLAK, 1992).
No decorrer da construção da sociedade brasileira, a qual esteve pautada no sistema
patriarcal e dominante em relação às mulheres, independentemente de classe ou raça,
observamos a condição de domínio e subalternidade da população feminina. Desta forma, se a
mulher branca esteve cerceada de seus direitos humanos, negra apresenta uma tripla
segregação em sua condição de vida.
A tripla segregação seria pela sua condição feminina (gênero), aliada ao traço negro e
pobre que a desqualificaria para participar na história. Há no país, pelo menos quatro fatores
que fundamentam as hierarquias sociais: a cor, o gênero, a classe e o padrão estético
(AGUIAR, 2007).
38

A imagem significa o quadro que uma pessoa tem do objeto de sua vivência. Seu
conceito está intimamente ligado à ideia de prestígio social e sua construção relaciona-se a
concepções, sentimentos e atitudes. Na construção da autoimagem estão projetadas múltiplas
identidades (religiosas, culturais, sociais, raciais, entre outras) acumuladas ao longo dos anos.
Essa construção passa por dois focos de análise: um corresponde ao processo interno de
construção e reconstrução identitária da própria imagem e a outra está ligada às relações com
o mundo externo, com a população local, regional, internacional e, mesmo, perante seus
semelhantes (AMORIM, 2003).
O país desenhou ao longo dos anos uma imagem para a mulher negra. Retratada como
a “ama de leite”, historicamente deixava de amamentar seus filhos para alimentar os rebentos
da “sinhá” por horas a fio. A mulher negra era cativa do estereótipo moldado desde o período
colonial e carregava consigo os estigmas impostos pela sociedade patriarcal e branca que
explorou tanto sua mão-de-obra para o trabalho quanto seu corpo e, ainda construiu um
discurso que transferiu para sua corporeidade toda a segregação social e preconceito (CRUZ,
2004).
A mulher, na organização das sociedades patriarcais, independentemente de sua etnia,
tem como papel principal imputado socialmente, a condição de reprodutora, responsável pela
maternidade, e na maioria das vezes considerada naturalmente para desenvolver atividades do
ambiente doméstico.
Se no passado, para as mulheres brancas o espaço privado era o único reservado (por
desigualdade de gênero), encontramos uma situação diferenciada, porém não melhor nas
mulheres negras. Ao ser considerada como objeto de mercadoria (escrava), tornava-se
presente no âmbito público, sendo avaliada por suas qualidades e potencialidades femininas,
principalmente reprodutoras.
Esta situação pode ser exemplificada ao negociarem uma mulher negra, gestante ou
mãe de filhos pequenos. Nestes casos, eram consideradas mercadorias valiosas, pois
demonstravam sua condição de reprodutora, com potencialidade para produzir leite (ama de
leite) e futuros escravos (filhos). Cabe ressaltar que seus filhos não lhes pertenciam, quase
sempre eram vendidos, o que era determinado pelo interesse do senhor. Isto é, a mulher negra
é historicamente desinvestida de qualquer possibilidade que a permitisse exercer sua
feminilidade (CRUZ, 2004; WERNECK; WHITE; MENDONÇA, 2000).
As mulheres negras exerciam atividades que tinham pouco valor como mucama,
quituteira, verdureira entre outros. Sua imagem continuamente esteve associada a qualquer
atividade que não fosse necessário usar o intelecto, contribuindo para que a figura da mulher
39

negra estivesse atrelada a imagem de “subserviência” (WERNECK; WHITE; MENDONÇA,


2000).
Para essa mesma autora, o corpo negro, destituído de sua condição humana,
coisificado, alimentava toda sorte de perversidade sexual que tinham seus senhores. Nesta
condição eram desejadas, pois satisfaziam o apetite sexual dos senhores e eram por eles
repudiadas, pois eram vistas como criaturas repulsivas e descontroladas sexualmente.
Diante de destes relatos, percebemos que a imagem da mulher negra no país reflete as
diversas experiências negativas e depreciativas que este grupo populacional vivenciou ao
longo do tempo. As mulheres de tez preta trazem na memória uma história permeada de
diversas formas de violência, relações desiguais, ausência de direitos que tem dificultado a
extinção dos diversos estigmas que lhes são imputados.
Pollak (1992), ao refletir acerca da memória histórica afirma que esta parece ser um
fenômeno individual, algo relativamente íntimo, próprio da pessoa. A memória pode ser
entendida como um fenômeno coletivo e social (memória individual ou coletiva), ou seja,
como um fato construído coletivamente e submetido a flutuações, transformações, mudanças
constantes. A memória possui elementos que a constroem. Em primeiro lugar, são os
acontecimentos vividos pessoalmente; em segundo, são os acontecimentos vividos pelo grupo
ou pela coletividade à qual a pessoa sente pertencer. Além desses acontecimentos, a memória
é constituída por pessoas, personagens que são encontrados no decorrer da vida, direta ou
indiretamente, mas que se transformaram em quase conhecidas, e ainda de personagens que
não pertenceram necessariamente ao espaço-tempo da pessoa.
Para esse mesmo autor, os diferentes elementos constitutivos da memória, individual
ou coletiva, bem como os fenômenos de projeção e transferência, fazem parte da organização
da memória. Em primeiro lugar, são os acontecimentos vividos pessoalmente e, em segundo
lugar, são os acontecimentos vividos pelo grupo ou pela coletividade à qual a pessoa se sente
pertencer. A memória é seletiva e, também constituída por pessoas, personagens, nem tudo
fica gravado ou registrado. A memória é, em parte, herdada, não se refere apenas à vida física
da pessoa.
Interessante pensar que a construção da imagem ou identidade de alguém se dá por
meio de diferentes elementos e entre eles estão os acontecimentos e fatos por vividos.
Remete-nos à ideia de que é impossível pensar que, para a população negra, a construção de
sua imagem estaria ligada ao olhar da sociedade que, historicamente, ensinou ao negro, desde
muito cedo, que para ser aceito seria preciso negar-se a si mesmo (GOMES, 2003).
40

A autoimagem e a identidade de um indivíduo são construídas a partir das relações que


se vivencia ao longo do tempo e procura expressar a si mesmas e aos demais. Há de se pensar
que na mulher negra dotada de atributos diferentes para os padrões que a sociedade
estabeleceu como “normal” a começar pela cor da sua pele.
A autoimagem como uma constelação de pensamentos, sentimentos e ações relativas
aos relacionamentos entre pessoas e do self7 como diferente dos outros. A autoimagem é
constituída pelo self independente, pautado nas qualidades internas, pensamentos e
sentimentos para expressar a si mesma aos demais. E o self interdependente tem suas bases
nos feitos públicos e externos para se relacionar com o meio social (COELHO et al., 2000;
GOFFMAN, 2008; MEAD, 1973 apud SILVA, 2007; POLLAK, 1992).
Para os autores, a autoimagem se constitui como um dos aspectos mais centrais da
relação indivíduo-sociedade e, embora tenha surgido no meio das pesquisas trans-culturais,
foi reconhecido como um construto que diz respeito ao indivíduo em vez da cultura.
Pollak (1992), ao assimilar a identidade social à imagem de si, para si e para os outros,
encontra um elemento dessas definições que escapa ao indivíduo e, por extensão, ao grupo, e
este elemento, obviamente, é o outro. Este autor reitera que ninguém pode construir uma
autoimagem isenta de mudança, de negociação, de transformação em função dos outros.
O ser humano constrói sua imagem corporal na relação com o mundo vivido e essa
percepção não ocorre sempre da mesma maneira, isto é, se alterar a percepção, negativa ou
positivamente, alterará sua autoimagem (SANTIAGO; SOUZA; FLORINDO, 2004).
A mulher negra foi construída com base na discriminação e no preconceito pela
própria sociedade, ou seja, a elite não negra que possuía uma escala de hierarquização social.
O corpo era considerado o instrumento de trabalho que exigiam o emprego de grande força
física e de quem não podia se desenvolver intelectualmente. Entretanto, sempre preservando
elementos que depreciavam a real imagem feminina num corpo negro. A sexualidade no
corpo negro já pertencia à própria mulher negra, fazendo parte do seu cotidiano, no trabalho,
nas danças, no equilíbrio das trouxas de roupas, ou seja, uma sincronia entre o corpo negro e
as suas funções (MAIO; SANTOS, 2006; WERNECK; WHITE; MENDONÇA, 2000).
A imagem sobre a mulher negra e do seu corpo sofreu diversas transformações e
intervenções ao longo do desenvolvimento histórico da nação. Esta imagem do corpo negro
esteve associada à de um corpo estranho à sociedade. O corpo negro amedronta, porque a ele
foi atribuída ausência de intelecto, possui força física e vive à margem da sociedade, ou seja,

7
O self é uma dimensão da personalidade composta pela consciência que um sujeito tem de si mesmo, é
conceito-chave (MEAD, 1973).
41

fora dos padrões ideais que caracterizam um indivíduo socialmente aceito (INOCÊNCIO,
2006).
O corpo humano tem uma representação, além de seu caráter biológico. Sua
construção sofre interferência de vários segmentos que compõem a sociedade como, por
exemplo, a religião, o grupo familiar, a classe, a cultura e outras intervenções sociais. O corpo
localiza-se em um terreno social conflitivo, uma vez que é tocado pela esfera da
subjetividade. Ao longo da história, o corpo se tornou um emblema étnico e sua manipulação
tornou-se uma característica cultural marcante para diferentes povos. O corpo é um símbolo
explorado nas relações de poder e de dominação para classificar e hierarquizar grupos
diferentes (FAUSTO-STERLING, 2001; GOMES, 2003).
As diversas referências literárias nacionais, dentre elas, Casa Grande & Senzala de
Gilberto Freyre, marcaram o estabelecimento de noção da mulher negra brasileira quanto à
sensualidade. O país seria o paraíso das mulatas e, cristalizando a imagem estereotipada da
população negra, era o inferno dos negros e o purgatório para os homens brancos.
Pollak (1992) ressalta em relação à imagem corporal, que esta é como cada pessoa
elabora a imagem de seu próprio corpo acentuando ou modificando as diferentes partes em
função dos mecanismos de sua personalidade e de todas as suas vivências, passadas e
presentes. Para o autor, a imagem corporal não é apenas consciente, é construída tomando em
grande parte a referência do corpo de outras pessoas predominando, em geral, os elementos
visuais. Entretanto, a imagem dos outros não está ligada somente à sua aparência física, mas
principalmente à qualidade de nosso relacionamento interpessoal.
Geralmente, essa imagem se dá por uma busca pela valorização e visibilidade social.
Esta também não deixa de ser uma forma de sobrevivência, pelo seu gingado de mulata tipo
exportação, e que, por meio das condições históricas se construiu uma relação de coisificação
e os negros como preguiçosos e que têm no samba e futebol suas perspectivas de sucesso e
ascensão social (BRASIL, 2003).
Os conceitos de autoimagem, imagem corporal podem ser considerados indicadores de
um autoconhecimento, o qual é construído com base no relacionamento consigo mesmo e
com os outros. Devido a esta idéia, houve uma dissociação da imagem da mulher negra com a
civilidade e decência, a esses dois adjetivos caberiam à mulher branca européia (CASAES;
NUNES; COSTA, 2009).
Infelizmente, ainda se observa que em quase todas as relações sociais, os estereótipos
lançam mão de expressões categóricas de caráter depreciativo e discriminatório associados à
população negra. E este componente racial tem assegurado diversas características
42

desabonadoras que foram consideradas verdadeiras. E, de acordo as expressões populares


foram construídas e afinadas a um ideário que inspirou a tese do século XIX de superioridade
branca e da inferioridade moral, intelectual e física da população negra (MAIO; SANTOS,
2006).
A construção da sociedade, indistintamente de homens e mulheres negros, apesar da
condição de livres ou libertos, convivia com as expressões que os desqualificam ao longo dos
anos. Essas expressões evocam um comportamento social não civilizado ou animalizado. Das
expressões veladas pela polidez implícita nas expressões: “negro de alma branca”, “pessoa de
cor”, “apesar de ser preto”, “nem parece que é preto”, “é preto, mas é bonitinho”.
Encontramos nessas expressões uma forma “explícita” ao ideário de embranquecimento
presente no imaginário da sociedade, como “melhorar a raça”, “clarear a família”, “limpar a
raça”, “não voltar à África”. As expressões citadas estão impregnadas de ideias
preconceituosas geralmente decorrentes da imposição histórico-social da supremacia da etnia
branca. O vocabulário em questão faz parte do cotidiano da sociedade brasileira que acaba por
verbalizar, sem perceber, a mensagem subliminar que está contida nestas falas (SILVA,
2002).
Para esta autora, a identidade passa a ser construída no processo das interações sociais.
Quando se trata de interação entre brancos e negros, a tendência é de esta ser conflituosa, pois
entra nas representações que cada um tem de si e do outro, e nestas representações tramitam
imagens de identidades que se processam num campo simbólico mediante a atribuição de
papéis de reconhecimento social. A temática acerca da identidade se constitui como um dos
aspectos centrais da relação indivíduo-sociedade.
Para Silva (2002), são as formas simbólicas que trazem em si estigmas raciais de
inegável conteúdo racista, presente no imaginário popular e processado nas relações sociais.
Interessante pensar que, a calcificação ou a cristalização de um constructo social acerca da
imagem do indivíduo negro sempre foi remetida pela sua condição de escravo, destituída de
qualquer qualificação intelectual e moral.
O indivíduo é constituído de suas concepções sobre a realidade, a partir das relações
de interação, e se essas relações são mediadas por padrões, por crenças, práticas e normas de
toda a sociedade. A sociedade também é parte deste indivíduo e suas representações sociais
são constituintes do seu mundo simbólico pessoal às quais são construídas por meio de um
processo dialético no qual o indivíduo é coparticipante. Isto implica dizer que a autoimagem
do sujeito foi construída a partir da experiência social que influenciará profundamente na
formação da sua identidade e na sua vivência social, pois as especificidades dessas
43

experiências determinarão a maneira como ele constrói e organiza suas referências no mundo
(FERREIRA, 2000).
Os conceitos e ideias corroboram para que a autoimagem social, seja o produto entre o
ser humano com o outro, a partir das experiências vividas. É possível pensar que a
compreensão da ideia de subserviência das mulheres negras em sua maioria é o que determina
as dificuldades em desconstruir esta imagem social, já que esta foi constituída a partir de
memória tanto individual quanto coletiva.
Entretanto, ainda que hoje a mulher negra se encontre numa melhor condição de vida,
quando observados os indicadores sociais relacionados à saúde, emprego e à educação deste
grupo populacional, verifica-se ainda uma condição de subserviência. Em decorrência da
cultura brasileira, a mulher negra, vê-se aprisionada em alguns lugares e espaços: a sambista,
a mulata, a doméstica, herança desse passado histórico (CARNEIRO, 2001).
Para Pollak (1992), quando a memória e a identidade estão suficientemente
constituídas, instituídas e amarradas, os questionamentos vindos de grupos externos à
organização e os problemas colocados pelos outros, não chegam a provocar a necessidade de
se proceder a re-arrumações nem no nível da identidade coletiva nem no da identidade
individual.
O autor se refere à construção [memória] em nível individual, ou seja, aos modos de
construção da memória que podem tanto ser consciente como inconscientes. O que a memória
individual grava, recalca, exclui, relembra, é evidentemente o resultado de um verdadeiro
trabalho de organização. A memória é um fenômeno construído social e individualmente.
A característica existente na construção da memória do indivíduo, e descrita nos
parágrafos anteriores, descortina o comprometimento existente na imagem social que a
própria mulher negra tem de si mesma. Uma imagem que foi construída há anos por diversas
sociedades, e que interfere em todo o ciclo vital dessa mulher, ou seja, desde a infância sua
imagem se constitui cercada de estigmas sociais, segundo uma ideia de inferioridade.
44

1.3 A educação como promotora de transformações sociais

1.3.1 Educação como direito

No Brasil, a educação básica, durante mais de meio século após sua independência, em
1822, foi proibida aos negros escravos, aos índios e no caso das mulheres, estas enfrentaram
diversos obstáculos por causa de uma visão tradicionalmente discriminatória quanto ao
gênero. O direito à educação parte do reconhecimento de que o saber sistemático é mais do
que uma importante herança cultural (CURY, 2002).
O acesso à educação se constitui como primeiro e o mais importante de todos os
direitos sociais. A educação é compreendida como valor de cidadania e de dignidade da
pessoa humana. À medida que um indivíduo tem negado o direito à educação, passa a não ser
capaz de se apossar de padrões cognitivos e formativos pelos quais tem maiores
possibilidades de participar dos destinos de sua sociedade e colaborar na sua transformação.
Ter o domínio de conhecimentos sistemáticos é fundamental, a fim de poder alargar o campo
e o horizonte desses e de novos conhecimentos (CURY, 2002).
Cury (2002) ratifica que o direito à educação é uma oportunidade de crescimento do
cidadão, um caminho de opções diferenciadas e uma chave de crescente estima de si. A
acessibilidade à educação promove no indivíduo um desvelar para uma chave de
autoconstrução e de se reconhecer como capaz de opções que existem na sociedade e no
mundo. Este direito decorre de dimensões estruturais coexistentes na própria consistência do
ser humano. Desse modo, a educação como direito, e sua efetivação em práticas sociais, se
convertem em instrumento de redução das desigualdades e das discriminações e possibilita
uma aproximação pacífica entre os povos de todo o mundo.
A educação é uma fração do modo de vida dos grupos sociais que a criam e recriam,
entre tantas outras invenções de sua cultura, em sua sociedade. Formas de educação que
produzem e praticam, para que reproduzam, entre todos os que ensinam-e-aprendem, o saber
que atravessa as palavras da tribo, os códigos de conduta e as regras do trabalho, entre outras
coisas (CURY, 2002; GOMES, 2003).
A educação é um elemento da vida social responsável pela organização da experiência
dos indivíduos na vida cotidiana, pelo desenvolvimento de sua personalidade e pela garantia
da sobrevivência e do funcionamento das próprias coletividades humanas. É um processo
45

próprio do ser humano que se organiza social e culturalmente e está historicamente


determinado. A possibilidade de formar o cidadão para a vida e para o mercado de trabalho
está diretamente ligada à frequência escolar, à superação das exigências impostas nas
instituições, às adaptações aos ritos de passagem. Para as autoras, as escolas contribuem para
que as sociedades se perpetuem, pois transmitem valores morais que integram as sociedades
(PENNA, 2005; PORTELLA, 2007).
Para Gomes (2003), a escola é uma instituição em que o ser humano aprende e
compartilha, além dos conteúdos e saberes escolares, valores, crenças e hábitos, assim como
os “preconceitos” raciais, de gênero, de classe e de idade. A escola, como um espaço
específico de formação, está inserida num processo educativo bem mais amplo. Nela
encontramos mais do que currículos, disciplinas escolares, regimentos, normas, projetos,
provas, testes e conteúdos.
Segundo a autora, existem diferentes e diversas formas e modelos de educação, e a
escola não é o lugar privilegiado em que isto acontece nem o professor é o único responsável
pela sua prática. O espaço escolar é uma instituição extremamente complexa e possui, dentre
as diversas funções, a de facilitadora para a inserção do indivíduo no mundo social, mas
também é um local onde as desigualdades são expressas ou reproduzidas.

1.3.2 Breve panorama do ensino superior

O ensino superior brasileiro, num intervalo de três décadas e meia, experimentou


significativas mudanças em sua configuração e funcionamento. No início dos anos de 1960, o
sistema tinha aproximadamente uma centena de instituições, a maioria de pequeno porte,
localizadas predominantemente nos centros urbanos e voltadas para atividades de transmissão
do conhecimento, mas com um corpo docente com escassa profissionalização acadêmica.
Esses estabelecimentos eram vocacionados, fundamentalmente, para a reprodução de quadros
da elite nacional, e, em geral, cultivam um ethos e uma mística institucional, pois abrigavam
pouco mais de cem mil estudantes, com predominância do gênero masculino (MARTINS,
2002).
Para esse mesmo autor, em 1999, segundo os dados do Censo da Educação Superior,
observa-se outro quadro. Uma complexa rede de estabelecimentos públicos e privados se
constituiu ao longo desses anos e o sistema de educação passou para cerca de 1097
46

estabelecimentos, que absorveram um número de alunos de graduação e aproximadamente


oitenta mil nos cursos de pós-graduação stricto sensu envolvendo todas as áreas do
conhecimento.
No bojo desse processo de mudanças, houve a incorporação de um público mais
diferenciado socialmente, o que aumentou bastante o contingente de estudantes do gênero
feminino e daqueles já integrados ao mercado de trabalho, bem como um acentuado
movimento de interiorização e regionalização da oferta de ensino superior (MARTINS,
2002).
Basicamente, o fator de maior influência para a evolução da educação superior nas
últimas décadas vem sendo o aumento mundial na demanda. Em termos gerais, as matrículas
no mundo passaram de 92 milhões (44.2 milhões de mulheres) em 1999 para 143.9 milhões
(71.9 milhões de mulheres) em 2006. Isso foi causado pelo crescimento demográfico,
melhores salários e melhor qualidade de vida para aqueles qualificados pela própria educação
superior, pelo valor social desta, e pelas mudanças nas condições de acesso a mesma
(NEGREIROS, 2009).
Esta inserção ocorre a partir de mecanismos que impulsionaram o ensino universitário
ainda na década de 70 como, o Crédito Educativo Municipal (CREDUC) e atualmente, o
Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES). Cabe ressaltar que estas
ferramentas foram fundamentais para que as mulheres negras tivessem acesso à formação
universitária. Tais ferramentas acontecem em resposta às reivindicações e apoiadas nos
movimentos que buscam a equidade na sociedade entre negros e brancos (SOARES et al.,
2005).
Na busca pela equidade no que diz respeito à educação para negros e brancos,
encontramos, à luz da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB, 9364/96) subsídios para
que estes possam alcançar o acesso à educação do ensino superior e vivenciar as possíveis
transformações pessoais e sociais. Os papéis da universidade e a finalidade do ensino superior
estão elencados no capítulo IV dessa lei, em seu artigo 43, que define a educação superior
(finalidade) e consequentemente a universidade (papel):

I - estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento


reflexivo;
II - formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores
profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na
sua formação contínua;
III - incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica, visando o desenvolvimento da
ciência e da tecnologia e da criação e difusão da cultura, e, desse modo, desenvolver o
entendimento do homem e do meio em que vive;
47

IV - promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem


patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicações ou de outras
formas de comunicação;
V - suscitar o desejo permanente de aperfeiçoamento cultural e profissional e possibilitar a
correspondente concretização, integrando os conhecimentos que vão sendo adquiridos numa
estrutura intelectual sistematizadora do conhecimento de cada geração;
VI - estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente, em particular os nacionais e
regionais, prestar serviços especializados à comunidade e estabelecer com esta uma relação de
reciprocidade;
VII - promover a extensão, aberta à participação da população, visando à difusão das
conquistas e benefícios resultantes da criação cultural e da pesquisa científica e tecnológica
geradas na instituição (BRASIL, 1996, p.17-18).

Dentre as funções da universidade está à produção do conhecimento e as formações de


recursos humanos qualificados, estabelecendo parcerias com a sociedade. A sociedade e a
universidade, ao se constituírem em permanente relação permitirão que a universidade com a
finalidade de ser o “locus” permanente de reflexão e crítica, possa rever acerca dos diferentes
processos societários (OLIVEIRA, 2004).
As relações estabelecidas entre a universidade e a sociedade acontecem para atender às
necessidades sociais que surgem a partir das transformações da própria sociedade. As
transformações sociais nem sempre promovem ou beneficiam a todos os indivíduos que
integram a sociedade. Pela sua própria constituição a sociedade foi estabelecida tendo nas
bases de sua estrutura a classe dominada e no topo a dominante, em que desigualdades sociais
são evidenciadas e se traduzem nos problemas que acometem às classes menos favorecidas.
Desse modo, ainda que haja um empenho da universidade na produção do conhecimento que
atenda às demandas sociais, ainda atende a uma ciência que é dominante.
A sociedade brasileira ao perceber os impactos das transformações que ocorrem no
mundo contemporâneo em consequência dos processos de globalização que afeta a toda
sociedade mundial, reclama por uma formação condizente com os desafios que nos
apresentam. A partir desse ponto, vê-se a função da universidade, que, apoiada às Políticas
Públicas, pode suprir as expectativas e os anseios da sociedade, no que diz respeito às
possíveis soluções dos problemas do contexto social e atual (FERREIRA; SANTOS, 2011).
Diversos são os desafios colocados para as universidades brasileiras: que estejam
capacitadas a produzir conhecimentos relevantes e, de formar profissionais adequados às
necessidades sociais, de prestar serviços oportunos e de qualidade, passando inclusive a ser
uma questão de sobrevivência, no sentido de encontrar recursos e respaldo social (PENNA,
2005).
Para a autora a realidade de nossa sociedade, é bastante complexa. Verificam-se as
relações econômicas e sociais a se estabelecerem a partir de outras bases, a produção de
48

tecnologia e conhecimento ocorre em alta velocidade, o período de globalização e


internacionalização, demarca outros contornos nas fronteiras entre os países.
No século XXI, o processo de reestruturação produtiva do capital global, requer uma
nova realidade competente à universidade, que é contribuir significativamente na geração de
tecnologias e inovações que estejam a serviço do capital produtivo (DOURADO; OLIVEIRA,
2003). Dentre os temas mais significativos sobre o ensino superior, os mais imprescindíveis
são a ampliação da demanda, a expansão e a interiorização da educação superior. Para a
autora, as necessidades de uma demanda cada vez mais diversificada apontam para a
necessidade de se refletir sobre o papel da educação superior em um contexto de mudanças
aceleradas na produção de conhecimento e na formação acentuada na defesa de um padrão de
vida unitário e de qualidade.
Nesta visão capitalista, só é produtiva a universidade que vincula sua produção às
necessidades do mercado, das empresas e do mundo do trabalho em mutação, ou seja, a
produção acadêmica está subordinada às necessidades do mercado e do capital (FERREIRA;
SANTOS, 2011).
A universidade como veículo de mudanças, apesar de ainda insatisfatórias, tem o
compromisso de promover profissionais capacitados a atender a demanda vigente sem que se
perca de vista seu papel social. Tem ainda uma função indiscutivelmente social, e é por isso
que deve servir toda a sociedade e não a uma classe específica. A universidade não pode
eximir-se do princípio da equidade federal, estadual, confessional, comunitária, gratuita ou
não, de qualquer grau e por essência pública, pois o conhecimento, a formação a ação
pedagógica, os objetivos educacionais são inegavelmente públicos e carregam uma forte
significação social e política (DIAS SOBRINHO, 2000).
Para o autor, a instituição de ensino superior tem uma função incursavelmente social, e
há de compreender que seu papel fundamental é com o desenvolvimento de toda a sociedade,
com a elevação de todas as pessoas, e não de uma minoria, segundo os interesses públicos,
independentemente da natureza jurídica de cada instituição.
Em meio às responsabilidades da universidade em produzir e difundir conhecimentos
acredita se que uma real articulação entre ensino, pesquisa e extensão no meio acadêmico
pode proporcionar uma aquisição de saber mais reflexivo, voltado para a vida, de maneira a
formar não um profissional técnico, mas um ser político, com uma visão inter e
transdisciplinar de fazer ciência (SOUZA; SILVA, 2010).
O mercado apresenta-se em constante mutação e exige-se do acadêmico maior
domínio de múltiplos saberes, habilidades e criticidade, capaz de desenvolver sua autonomia
49

intelectual para resolver problemas práticos com conhecimento científico, consequentemente


uma autonomia moral, ética, e, por fim, um comprometimento na construção de uma nova
sociedade crítica e criativa.
Segundo Santos e Meneses (2010), as transformações ocorridas na esfera da educação,
no que diz respeito ao ensino superior, apresentam de um lado, as mudanças que provocaram
rupturas nos paradigmas educacionais pautados numa epistemologia do mundo (dominante) e
vigentes no país e, por outro, emerge a diversidade epistemológica ou epistemologia do Sul.
Para esse autor a diversidade epistemológica ou epistemologia do Sul busca reparar danos e
impactos historicamente causados pelo capitalismo na sua relação colonial com o mundo. Os
mecanismos de dominação decorrentes da colonização foi também uma dominação
epistemológica, uma relação extremamente desigual de saber-poder que conduziu à supressão
de muitas formas de saber próprias dos povos e/ou nações colonizadas.
Desta maneira, o Brasil que foi colônia de Portugal, não deixou de sofrer as
interferências desta dominação que provocaram diversas ingerências na vida dos grupos
socialmente excluídos como as mulheres, os indígenas e os afro-descendentes. Entre estas
ingerências está a educação. A inserção dos grupos menos favorecidos como a população
negra nos espaços de formação universitária provocou discussões e reflexões na comunidade
acadêmica. A partir das diretrizes educacionais, das políticas de ações afirmativas e da
situação educacional dos grupos excluídos da universidade, suscitou-se uma busca não
somente para atender às necessidades desses grupos alijados, mas para compreender as novas
formas de saber. Este saber, oriundo desta população outrora excluída, atualmente adentra
este espaço permeado de desigualdades e de exclusão de saberes próprios destes grupos.
A universidade tem no papel social, a responsabilidade para agir sobre os problemas
da sociedade ao articular-se com o governo e com os representantes dos movimentos sociais,
ao dirigir suas ações e pesquisas para a construção de conhecimentos voltados para atender a
situações de populações que vivem à margem, ao levar em conta os saberes produzidos por
estes grupos.

1.3.3 Um breve histórico da trajetória educacional das mulheres no país

Historicamente, o acesso da mulher ao ensino superior no Brasil é um fenômeno


tardio, que ocorre a partir do final do século XIX, quando as mulheres brasileiras adquirem o
50

direito de ingressar no ensino superior, em decorrência de uma lei aprovada pelo então
imperador D. Pedro II, que autorizava a presença feminina nos cursos superiores. Em 1907 no
Brasil, as mulheres representavam apenas 0,24% dos estudantes do ensino jurídico, 3,63% do
ensino médico e farmacêutico e 0,47% do ensino politécnico.
A inserção da mulher no ensino superior não aconteceu de maneira espontânea. Surge
para atender a uma pressão política externa e, não pela busca de corrigir as desigualdades de
gênero que faziam parte do sistema patriarcal da época. Cabe ressaltar que as primeiras
mulheres brasileiras pioneiras na educação superior (Medicina) frequentavam sua formação
fora do país e ao retornarem eram impedidas de exercer a profissão (QUEIROZ, 2008;
SOARES et al., 2005).
A partir dos anos 40, do século XX, as mulheres começam a elevar a sua participação
naquelas carreiras tidas como mais “tradicionais” (Medicina; Direito; Filosofia, Engenharia).
E, vinte anos depois, no final dos anos 60 e início da década de 70, há uma expressiva
expansão do ensino superior no Brasil, com a elevação da participação feminina, sobretudo
nas Ciências Humanas e Sociais, em que metade das mulheres matriculadas estava inserida
nos cursos de Letras, Ciências Humanas e Filosofia (ROSEMBERG, 1994).
Para Queiroz (2008), no Brasil, apesar de não haver mecanismos formais que
impediam o acesso das mulheres ao ensino superior, o condicionamento social que orientava
suas escolhas, tende a dirigi-las para as carreiras tradicionalmente “femininas”. Segundo essa
mesma autora no modo de recrutamento, baseado no exame de seleção, as mulheres poderiam
ter acesso, tanto quanto os homens, a todas as carreiras, já que esta inserção estava ligada à
condição socioeconômica de cada uma.
É progressivo o acesso das mulheres à educação formal no Brasil em todos os níveis
de ensino, inclusive no superior, ao longo do século XX. No final do século, a igualdade
sexual de acesso e permanência na escola, entre estudantes, era um fenômeno que se
verificava em inúmeros países. No Brasil, a partir de meados da década de 1980 e, com o
processo de redemocratização do país, com as políticas públicas voltadas para a
universalização da educação básica e a continua oferta de vagas com a expansão das
universidades privadas foi que as mulheres conseguiram reverter o hiato de gênero na
educação em todos os níveis (BELTRÃO; ALVES, 2004).
Este fenômeno tem suas bases alicerçadas também em Conferências como a de Beijing
(1995), que trouxe uma reflexão a respeito do movimento feminista inserido nas sociedades
"patriarcais" e que procuravam combater as discriminações sofridas pelas mulheres. A tônica
das discussões estava relacionada às questões de gênero que contribuíam com a multiplicação
51

das desigualdades entre homens e mulheres. Nesta ótica, o respeito às questões de gênero e o
acesso à universidade têm contribuído para a expressiva inserção social das mulheres na
sociedade, na busca de oportunidades iguais às vivenciadas pelos homens desta instituição
(DIAS SOBRINHO, 2005).
Para o autor, o ensino tem sido uma das dimensões, uma atividade, sem dúvida
imprescindível, de um fenômeno mais amplo que é a educação. Na formação dos sujeitos
sociais, a feminização da educação superior tem dupla dimensão: a primeira seria a conquista
social das mulheres na construção de relações sociais de gênero de maneira igualitária e a
segunda, a busca por mais tempo de permanência nos espaços de formação.
Diante das conquistas do movimento feminista e de eventos como a Conferências
Gerais da Organização das Nações Unidas para Educação Ciência e a Cultura (UNESCO,
1999b) e a Conferência Internacional da Educação, observa-se que as variações nos níveis de
escolaridade não são mais demarcadas por diferenças de gênero.
Estas conferências trouxeram discussões sobre a importância da educação e as formas
como esta poderia ser realizada. A primeira buscava a ampliação da participação no ensino
superior e que todos igualmente possuíssem o acesso à educação. Outro aspecto considerado
pela UNESCO era a urgência de ampliar o acesso ao ensino superior, diante de análises e
estudos feitos especialmente sobre a situação, nos países em desenvolvimento e sobre os
efeitos dos estudos universitários femininos.
Desta forma, relevantes motivações justificaram a ONU a implantar uma ação eficaz
que permitiu sensibilizar as decisões para os direitos das mulheres e para a necessidade de
lhes abrir mais acesso a todos os níveis de ensino. Entretanto, essa situação não é tão
“confortável” no caso das mulheres negras no ensino superior.
Estudos têm demonstrado como a população negra é prejudicada desde o ingresso na
escola até o retorno do investimento em educação quando depara com o mercado de trabalho
que é altamente discriminatório, que se traduz em menor ocupação no mercado de trabalho,
em postos de trabalhos menos qualificados e em menores salários (GOMES, 2003;
PIACITELLI, 2008).
Bourdieu (2003) afirma que a divisão sexual do trabalho ajuda a explicar, em parte, o
hiato salarial de gênero no mercado de trabalho e que se denominam de carreiras femininas,
numa lista de 335 carreiras, e segundo o percentual de membros que as compõem, e em cujo
rol estão as mulheres. Este grupo, de acordo com o autor, conduziria a profissões cujo eixo
principal seria o cuidado de crianças (professora primária), de doenças (enfermagem e
nutrição), de casas (empregadas domésticas) e de pessoas (secretárias e recepcionistas).
52

Seriam três os eixos principais que orientariam segundo sua análise, as escolhas das mulheres.
As funções que lhes conviriam seriam aquelas que sugerem o prolongamento das funções
domésticas: ensino, cuidado e serviços, uma vez que uma mulher não pode ter autoridade
sobre homens e, por último, ao homem deve caber o monopólio da manutenção dos objetos
técnicos e das máquinas.

1.3.4 As principais características de escolha de educação superior da mulher

No Brasil, constata-se que na educação superior a presença é constrangedora quanto ao


número inexpressivo de alunos incluídos neste nível de ensino e que durante muito tempo
essa escassa presença foi silenciada (CAMARGO, 2005).
Para Gomes (2003), o primeiro capítulo da exclusão se destaca quanto à distribuição
inadequada dos recursos públicos para a educação. O direito de escolher uma escola
diferenciada para os filhos constitui liberdade que o Estado deveria assegurar. O segundo, diz
respeito à seleção para a universidade. A pequena representação de alunos negros nas
universidades foi “naturalizada”, pois aos brancos era natural ser maioria no meio
universitário.
O Brasil tem 48% da população de afro-descendente e, deste percentual, apenas 27%
cursam o ensino superior em instituições públicas e privadas (BRASIL, 2004a). A inserção do
negro na educação sempre foi permeada da ideia de inferiorização construída nos espaços da
educação básica que carece da figura do negro nos livros didáticos, o que reforça a ideologia
dominante entre brancos e negros.
Para alcançar a universidade o negro precisa transpor barreiras e, esta inserção
acontece entremeada de medo do fracasso, das desigualdades de aprendizagem, de classes
sociais e da econômica, o que interfere em sua permanência no referido espaço.
A desigualdade social vivenciada pelo indivíduo de tez preta perpassa a esfera da
educação. A acessibilidade ao espaço de formação foi conquistada há pouco tempo se
compararmos o período pós-abolição, pois o negro não tinha o direito à educação, dentre as
demais privações. Apesar da expressiva presença do negro na população do país, grandes
distâncias separam negros e brancos em vários setores da sociedade: mercado de trabalho,
saúde e educação. O acesso à educação nem sempre ocorre de maneira igualitária ao
53

indivíduo, pois as iniquidades na esfera da educação decorrem das diferenças entre as classes
sociais e econômicas as quais o indivíduo encontra-se inserido (QUEIROZ, 2004).
Para Bobbio (2002), a igualdade de oportunidades é um dos pilares da democracia
social, é o princípio da igualdade de oportunidades ou de chances de pontos de partida. Trata-
se da aplicação da regra de justiça numa situação na qual existem várias pessoas em
competição para a obtenção de um objetivo único, ou seja, de um dos objetivos que só pode
ser alcançado por um dos concorrentes.
Segundo Camargo (2005), o que torna o princípio da igualdade de oportunidades
inovador é o fato de ele ter-se difundido como consequência do predomínio de uma
concepção conflituosa global da sociedade, segundo a qual toda a vida social é considerada
uma grande competição de bens escassos.
Para a autora, há duas situações a serem consideradas: na primeira, exigir-se-ia que
houvesse a igualdade dos pontos de partida para todos os participantes, independentemente do
sexo, religião, de raça etc. e na segunda, seria o caso de se estabelecerem regras específicas
que garantissem a possibilidade de êxito para todos. De forma geral, o princípio da igualdade
de oportunidades tem por objetivo colocar toda a sociedade em condições de participar de
determinada conquista: a de competir pela vida, valendo-se de posições iguais (BOBBIO,
2002).
Segundo o autor há que se atentar sobre as posições de partida que são consideradas
iguais e sobre as condições sociais e materiais que definem serem os concorrentes desiguais.
E, nestes espaços, os participantes nem sempre se encontram em igualdade de condições para
concorrerem nas disputas que as instituições estabelecem. Deste modo, a desigualdade torna-
se um instrumento de igualdade pelo simples motivo de corrigir a uma desigualdade anterior:
a nova igualdade é o resultado da equiparação de duas desigualdades.
Para Castro (2005), as universidades evidenciam o retrato social em que se encontram
os negros. Os dados relativos a esse nível de ensino mostram a pouca presença de alunos
negros nessas instituições, principalmente nos cursos que têm os mais altos níveis de
concorrência no exame de vestibular. Para a autora, fatores como o tratamento desigual no
sistema educacional, ingresso precoce no mercado de trabalho, situação socioeconômica e a
disputa no exame vestibular, postergam os jovens negros de ingressarem numa universidade.
Além do tratamento desigual entre negros e brancos na universidade, a cor da pele
acaba por influenciar a escolha das carreiras por este grupo. De fato, as diferenças acerca da
presença das mulheres no ensino superior têm sido amplamente discutidas. A condição da
mulher negra neste espaço de formação se sobrepõe ao do homem negro.
54

A entrada das mulheres no mundo das profissões está relacionada às transformações


da família tradicional, ao ingresso das mulheres no mercado de trabalho e à grande redução da
taxa de fecundidade ocorrida no país, o que deu mais condições para que as mulheres
deixassem de se dedicar exclusivamente à vida doméstica. Infelizmente, ainda permanecem as
diferenças atribuídas às características das profissões: as de predomínio feminino como o
magistério, o serviço social ou a enfermagem, que historicamente, são vistas como profissões
subalternas em decorrência da presença das mulheres. Estas carreiras oferecem rendimentos
relativamente baixos e que atraem, sobretudo, mulheres de famílias mais pobres, e,
consequentemente, um maior número de mulheres pretas e pardas.

1.3.5 A mulher negra e a educação

As mulheres, de uma maneira geral, apresentam uma melhor escolarização formal


quando comparadas aos homens. Entretanto, ao compararmos as mulheres brancas e negras,
as disparidades são evidenciadas. Por um lado, qualquer que seja a sua posição no espaço
social, as mulheres têm em comum o fato de estarem separadas dos homens pelo coeficiente
simbólico negativo. Tal como a cor da pele para os negros, ou qualquer outro sinal de
pertencer a um grupo social estigmatizado, afeta negativamente tudo que elas são e fazem e
está na própria base de um conjunto sistemático de diferenças homólogas (BOURDIEU,
2003; ROSEMBERG, 2001).
As diferenças raciais, contudo, são marcantes: os negros estão menos presentes nas
escolas, apresentam médias de anos de estudo inferiores e taxas de analfabetismo são
expressivas frente ao grupo dos não negros. As desigualdades se ampliam quanto maior o
nível de ensino. No ensino fundamental, a taxa de escolarização líquida – que mede a
proporção da população matriculada no nível de ensino adequado à sua idade – para a
população branca era de 95,7 em 2006; entre os negros, era de 94,2. Já no ensino médio, essas
taxas eram respectivamente, 58,4 e 37,4. Isto é, o acesso ao ensino médio ainda é bastante
restrito em nosso país, mas significativamente mais limitado para a população negra, que, por
se encontrar nos estratos de menor renda, é mais cedo pressionada a abandonar os estudos e
ingressar no mercado de trabalho (BRASIL, 2008).
55

Entretanto, determinados grupos, historicamente excluídos, como os negros, se


mantiveram fora do espaço de formação. Um jovem negro de 25 anos tem em média 2,3 anos
a menos de escolarização que um jovem branco (HENRIQUES, 2001).
O problema de acesso do negro brasileiro às universidades é também um problema de
sua ausência nas estatísticas universitárias. Até o ano 2000, não havia em nenhuma
universidade pública brasileira registro sobre a identidade racial ou de cor de seus alunos.
Devido à demanda por ações afirmativas para a educação superior surgiram as primeiras
iniciativas, na forma de censos e de pesquisas por amostra, para sanar tal carência
(GUIMARÃES, 2008).
Segundo o autor, os dados produzidos pela Universidade de São Paulo (USP) e
Universidade Federal da Bahia (UFBA), a proporção de jovens que se definem como
“pardos” e “pretos” nas universidades brasileiras, principalmente naquelas que são públicas e
gratuitas, está muito abaixo da proporção desses grupos de cor na população. As mesmas
desigualdades de acesso são registradas em outras universidades públicas do país, como a
Universidade Federal Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade Federal do Paraná (UFPR),
Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e a Universidade de Brasília (UnB).
Guimarães (2008), ao analisar os dados da Fundação Universitária para o Vestibular
(FUVEST), órgão que administra o vestibular da USP, referentes aos resultados do vestibular
do ano 2000, verificou alguns fatores que explicam a pequena absorção de “negros” nas
universidades brasileiras. Nota-se uma seletividade segundo as classes socioeconômicas das
famílias dos candidatos. A classe socioeconômica interfere no desempenho dos membros de
todos os grupos de cor: quanto maior a classe socioeconômica do candidato, melhor o seu
desempenho, maiores as chances de acesso aos espaços sociais.
A influência da classe também se manifesta por três outras variáveis. Primeiro, a
possibilidade de dedicação exclusiva aos estudos: aqueles que não precisam trabalhar têm um
desempenho melhor no vestibular. Segundo, relacionado ainda a este, o turno em que se
cursou a escola secundária: os que estudaram no período diurno têm mais sucesso. Terceiro, a
natureza do estabelecimento do ensino fundamental em que se estudou: aqueles que cursaram
escolas públicas estaduais e municipais têm menos possibilidade de sucesso (GUIMARÃES
et al., 2002). Esses dados apontam para problemas estruturais da sociedade brasileira, que
precisam ser enfrentados, entre os quais se destacam a pobreza dos “negros” e a baixa
qualidade da escola pública.
No que diz respeito às mulheres negras, uma série de desigualdades estruturais
dificultaram sua inserção e permanência nos espaços de formação e uma possível melhora na
56

sua condição de vida em decorrência do acesso à educação. Desta maneira, este grupo
populacional, ainda vivencia os resultados destas desvantagens socioeconômicas o que
desemboca numa qualidade de vida inferior à da população não negra.
Para Pastore e Silva (2000), a educação é o mais importante determinante das
trajetórias sociais para os brasileiros e se constitui como um determinante central e decisivo
do posicionamento socioeconômico das pessoas na hierarquia social. Um dos principais
problemas estruturais da sociedade brasileira é o baixo nível de escolaridade da população.
Segundo Hasenbalg (2001), a variável escolaridade tem um papel fundamental para
analisar as diferentes oportunidades oferecidas para os não negros e negros no processo de
implementação da cidadania no país. Para a sociedade, a educação é vista como veiculo e/ou
ferramenta para uma ascensão social e a possível quebra dos ciclos de desigualdades sociais.
Para ingressar neste espaço de formação de alta competitividade as mulheres negras
são submetidas a uma pressão psicológica devido à carência, muitas vezes, do capital cultural
exigido neste espaço, o que, de certa forma, gera um processo de exclusão simbólica como
consequência do seu desempenho.
Há a necessidade de se aprender a linguagem acadêmica branca, já que o acesso à
pesquisa, aos grupos de discussão, às informações e aos dados do saber disciplinar apenas
circulam nas interações informais e dependem da absorção e da desenvoltura no manejo dos
códigos do ethos acadêmicos (CARVALHO, 2003).
Encontramos no documento elaborado a partir da Convenção Sobre A Eliminação de
Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher (NAÇÕES UNIDAS, 1995), medidas
para que a mulher possa adquirir e se apropriar do controle sobre o seu desenvolvimento,
devendo o governo e a sociedade criar as condições para tanto, e apoiá-la nesse processo.
Dentre as medidas descritas neste documento estão ações que visam combater a desigualdade
no acesso à educação. A educação foi uma das esferas discutidas na convenção, em que
diversas medidas foram elaboradas com o compromisso de serem implantadas. Entre este rol
de medidas, elencamos:

a) As mesmas condições de orientação em matéria de carreiras e capacitação profissional,


acesso aos estudos e obtenção de diplomas nas instituições de ensino de todas as categorias,
tanto em zonas rurais como urbanas; essa igualdade deverá ser assegurada na educação pré-
escolar, geral, técnica e profissional, incluída a educação técnica superior, assim como todos
os tipos de capacitação profissional;
b) Acesso aos mesmos currículos e mesmos exames, pessoal docente do mesmo nível
profissional, instalações e material escolar da mesma qualidade;
c) A eliminação de todo conceito estereotipado dos papéis masculino e feminino em todos os
níveis e em todas as formas de ensino mediante o estímulo à educação mista e a outros tipos
de educação que contribuam para alcançar este objetivo e, em particular, mediante a
modificação dos livros e programas escolares e adaptação dos métodos de ensino;
57

d) As mesmas oportunidades para obtenção de bolsas de estudos e outras subvenções para


estudos;
e) As mesmas oportunidades de acesso aos programas de educação supletiva, incluídos os
programas de alfabetização funcional e de adultos, com vistas a reduzir, com a maior
brevidade possível, a diferença de conhecimentos existentes entre o homem e a mulher;
f) A redução da taxa de abandono feminino dos estudos e a organização de programas para
aquelas jovens e mulheres que tenham deixado os estudos prematuramente (CONFERÊNCIA
MUNDIAL SOBRE AS MULHERES: AÇÃO PARA IGUALDADE,
DESENVOLVIMENTO E PAZ, 1995, p. 156).

Ainda se fazem necessários instrumentos legais que assegurem os direitos conferidos à


mulher na sociedade, entre os quais se destaca o direito à educação. As mulheres, quando
conseguem ingressar neste espaço, demonstram possuir a capacidade intelectual que a carreira
exige de cada candidato. O desempenho acadêmico das mulheres em relação aos homens tem
sido objeto de diversos estudos que evidenciam a superação do gênero feminino sobre o
masculino, inclusive nas carreiras de prestígio como a de Medicina (QUEIROZ, 2001;
ROSEMBERG, 1994, 2004).
O desempenho feminino evidenciou ainda que as mulheres superam o padrão de
socialização que as mantinham atreladas àquelas atividades profissionais mais assemelhadas
ao mundo privado, rompendo, ao mesmo tempo, o bloqueio à sua presença nos espaços que,
ao longo do tempo, estiveram reservados aos homens. Apesar desta melhora significativa das
mulheres no acesso à educação formal, ao compararmos a trajetória educacional entre as
mulheres brancas e mulheres negras, ainda, percebemos diferenças nas trajetórias
educacionais (QUEIROZ, 2008).
As diferenças em escolaridade afetam a chance ao individuo negro de ingressar no
ensino superior e conseguir posições de trabalho adequadas nas profissões mais prestigiadas e
bem pagas. Na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2003, os brancos
eram 49,5% da população, mas ocupavam 73,8% das matrículas no ensino superior de
graduação e 80% dos programas de mestrado e doutorado (SOARES et al., 2005).
Os autores constataram que pessoas brancas que se formam nas universidades
trabalham, sobretudo, em atividades de gerência em empresas, como professores, ou como
advogados ou médicos. Os pardos e negros também se concentram nessas profissões,
entretanto, com o predomínio das atividades de magistério, seguidas de atividades
administrativas de diferentes tipos. Existem, no entanto, profissões que, embora pequenas, são
predominantemente ocupadas por pardos e negros, a saber, as técnicas ou de trabalhadores
especializados na indústria e nos serviços.
Atualmente, uma parte das mulheres negras, por meio da escolarização tem,
gradativamente, rompido a barreira da raça e gênero, e conseguido ascender profissional e
58

socialmente. O estudo em níveis mais elevados tem-lhes possibilitado alcançar postos que
outrora lhes eram inacessíveis, o que gera outra condição profissional, identitária e de vida
(PEREIRA, 2010).
Diante da trajetória educacional acerca da inserção da mulher, seja branca ou negra, no
espaço de formação, é notório perceber que as mudanças e conquistas se deram
principalmente no campo político, e que elas, ao perceberem as oportunidades buscaram se
beneficiar das mudanças estruturais ocorridas no país. Em contrapartida, para as mulheres
negras esta inserção ocorre a partir de um empenho e esforço maior, em decorrência da
própria inserção social na qual estava inserida, e que impedia seu acesso à educação,
sobretudo, ao ensino superior.
59

2 REFERENCIAL TEÓRICO: IDENTIDADE E ESTIGMA NA ÓTICA ERVING


GOFFMAN

2.1 Identidade ou Imagem

Encontramos em Erving Goffman bases para discutirmos acerca da perspectiva de


mulheres universitárias negras sobre sua imagem social/identidade a partir da vivencia no
meio universitário.
Erving Goffman (1922–1982), sociólogo e escritor canadense deixou uma obra
marcante para a Sociologia, a partir da microssociologia, estrutura conceitual presente em
suas obras. Goffman entende que o ser humano é ativo no meio, ou seja, vivencia ações no
meio, apreende e age sobre esse próprio meio, o que caracteriza os processos de interações
sociais: interações face a face, do indivíduo e o meio social numa via de mão dupla. O autor
apresenta como proposta de análise sociológica, as estruturas dos encontros sociais – a
estrutura daquelas entidades da vida social que surgem sempre que as pessoas entram na
presença física imediata de outras pessoas (GOFFMAN, 2008).
As situações de interações são complexas, pois envolvem a adoção de atitudes dos
indivíduos em relação a si mesmo, ao mesmo tempo em que, junto com outros indivíduos, são
parte de grupos sociais ou sociedades que possuem conjuntos estabelecidos de normas e
regras às quais devem atender. O indivíduo humano adota as atitudes sociais organizadas do
grupo a que pertence. No tocante à população negra, em particular, a mulher negra nos
processos de interação na sociedade brasileira, onde os padrões estabelecidos (valorizando
estilos do indivíduo de cor branca e europeu), a mesma tem sua inserção de maneira desigual.
A mulher negra traz uma informação social que é a cor da sua pele (preta) que produz um
estigma e, este a coloca em desvantagem em relação às mulheres brancas (GOFFMAN, 2008;
SILVA, 2007).
Para o sociólogo, os ambientes sociais estabelecem as categorias de pessoas que têm
probabilidade de serem nelas encontradas, ou seja, as pessoas se encontram em grupos cujas
rotinas de relação social estão em ambientes estabelecidos e que permitem um relacionamento
com “outras pessoas” previstas sem atenção ou reflexão particular:
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A sociedade estabelece os meios de categorizar as pessoas e o total de atributos considerados


como comuns e naturais para os membros de cada uma dessas categorias: Os ambientes
sociais estabelecem as categorias de pessoas que têm probabilidade de serem neles
encontradas. As rotinas de relação social em ambientes estabelecidos nos permitem um
relacionamento com "outras pessoas" previstas sem atenção ou reflexão particular
(GOFFMAN, 2008, p. 11).

Quando um estranho nos é apresentado, os primeiros aspectos observados nele nos


permitem prever a sua categoria e os seus atributos, ou seja, a sua „identidade social‟- para
usar um termo melhor do que "status social", já que nele se incluem atributos como
"honestidade", da mesma forma que atributos estruturais, como "ocupação". A identidade é
um processo socialmente constituído de forma complexa, e ocorre num dado momento
histórico (GOFFMAN, 2008).
Iniguez (2001 apud MAGALHÃES; DIAS, 2005) aponta que a noção de identidade
nasce das relações e intercâmbios sociais que permitem uma identificação com os que nos
rodeiam e uma diferenciação em relação a eles. Para a autora, a construção da identidade é um
fenômeno que se produz em referência aos outros, em alusão aos critérios de aceitabilidade,
de admissibilidade, de credibilidade, e que se faz por meio da negociação direta com outros.
A identificação garante a singularidade de sabermos quem somos nós, e o processo de
diferenciação evita que nos confundamos com os outros: a construção da identidade é um
processo de separação entre eu singular e eu coletivo.
Goffman (2008) compreende identidade como produto social, ou seja, não pode ser
concebida mediante atributos essenciais, mas unicamente ocasionais. O autor tece um
conceito adicional de identidade pessoal e faz referência a três idéias. Acredita que nos
círculos sociais pequenos cada membro venha a ser conhecido pelos outros como uma pessoa
única. A primeira ideia está implícita na noção de “unicidade” de um indivíduo será: “a marca
positiva” ou “apoio de identidade”.
A segunda ideia é a de que, embora diversos fatos particulares sobre um indivíduo
sejam também verdadeiros para outros, o conjunto completo de fatos conhecidos sobre uma
pessoa íntima não será encontrados em nenhuma outra pessoa no mundo. Este seria um
recurso adicional para diferenciá-la de qualquer outra pessoa. A terceira está implícita na
noção de unicidade: é a que diferencia um indivíduo de todos os outros na essência de seu ser,
um aspecto geral e central dele, que o torna diferente, não apenas no que refere à sua
identificação, mas àquilo que lhe é muito parecido.
Goffman (2008), ao usar o termo “identidade pessoal”, utiliza apenas as duas
primeiras ideias: a) a marca positiva ou apoio de identidade; b) a combinação única de itens
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da história de vida e que são incorporadas ao indivíduo, com auxilio desses apoios para a sua
identidade.
A identidade pessoal está relacionada com a pressuposição de que a pessoa pode ser
diferenciada de todos os outros e que, em torno desses meios de diferenciação, podem
também se agrupar e criar uma história contínua e única de fatos sociais. Para o autor, é difícil
perceber que a identidade pessoal possa desempenhar e desempenha um papel estruturado,
rotineiro e padronizado na organização social, devido à unicidade.
Ressaltamos que as questões políticas e técnicas que se encontram nas esferas
macrossociais não devem ser desconsideradas. Goffman (2008) acredita que estas questões
exercem influências entre as relações sociais cotidianas. A constituição de uma identidade
pessoal e social se dá a partir de interesses e definições de outros atores sociais em relação à
identidade.
Esse mesmo autor fornece elementos essenciais para se entender à “identidade”, em
que se cruzam três elementos: o pessoal, o social e o eu, e chama a atenção para o que
considera a singularidade de cada um. Esses elementos são desenvolvidos pelo autor e têm
como fio condutor a identidade estigmatizada e sua relação com a diferença e o desvio.
A sociedade estabelece os meios de categorizar as pessoas e o total de atributos
considerados comuns e naturais para os integrantes de cada uma dessas categorias. Os espaços
sociais estabelecem as categorias para as quais as pessoas têm a expectativa de serem neles
inseridas Isto significa que a sociedade determina padrões externos ao indivíduo o que
permite prever a categoria e os atributos, a identidade social e as relações com o meio social
(GOFFMAN, 2008).
Diante das expectativas normativas e sociais há as exigências denominadas de
demandas feitas “efetivamente”, e o caráter que imputamos ao indivíduo como uma
imputação feita por um retrospecto em potencial – uma caracterização “efetiva”, uma
identidade social virtual. A categoria e os atributos que este indivíduo, na realidade, prova
possuir, serão chamados de sua identidade social real.
A sociedade cria um modelo social do indivíduo e, no processo das vivências, em que
nem sempre é imperceptível a imagem social desse indivíduo que criamos; essa imagem pode
não corresponder à realidade, mas ao que Goffman (2008) denomina de uma identidade social
virtual. Estes atributos são nomeados como identidade social real. E esta identidade é o que
pode demonstrar a que categorias o indivíduo pertence.
Considerando estas pré-concepções como expectativas normativas sociais, é possível
estabelecer estigmas a um estranho à nossa frente, pois podem surgir evidências de que tenha
62

um atributo que o torna diferente de outros que se encontram numa categoria em que pudesse
ser incluído. Por exemplo, uma espécie menos desejável: num caso extremo, uma pessoa
completamente má, perigosa ou fraca.
Desse modo, deixamos de considerá-lo criatura comum e total, e podemos reduzi-la a
uma pessoa inútil e diminuída. Esta característica constitui estigma, especialmente quando o
seu efeito de descrédito é muito grande, – algumas vezes também é considerado um defeito,
uma fraqueza, uma desvantagem – e constitui uma discrepância específica entre a identidade
social virtual (imputação social feita efetivamente por um retrospecto pessoal ao indivíduo) e
a identidade social real (a categoria e os atributos que o indivíduo, na realidade, prova
possuir) (GOFFMAN, 2008).
Interessante que ao depararmos com um indivíduo a quem não conhecemos, as
observações serão a partir da sua conduta, imagem ou aparência. Essas observações
permitem-nos utilizar experiências anteriores com indivíduos parecidos, ou aplicar-lhe
estereótipo não comprovados (GOFFMAN, 2008).
Da mesma maneira, os sujeitos veem a si, indiretamente, e levam em consideração,
sobretudo, a visão que os outros têm deles próprios. Esta perspectiva nos mostra a
possibilidade de se entender a própria identidade, em particular, das mulheres negras
universitárias, como algo fundamentado nessas interações entre o indivíduo e o contexto
social em que vive.
Goffman (2009), ao estudar a maneira como o indivíduo se constrói e se mantém na
sociedade, a partir da sua interação social no dia a da, entende que a vida apresenta coisas
reais e bem ensaiadas e no palco ocorrem várias simulações; é no palco que o ator se
apresenta sob a máscara de um personagem, para personagens projetados por atores e por fim
a plateia constitui um terceiro elemento da correlação.
O indivíduo constrói e se apresenta aos outros e a si, com o intuito de acreditar na sua
própria representação, mas também para ser percebido da maneira como quer ser percebido
pelos outros. O desempenho dos papeis sociais tem a ver com o modo como cada indivíduo
concebe a sua imagem e a pretende manter (GOFFMAN, 2009).
Para esse mesmo autor, há uma forma de enxergar o mundo social a partir da ideia de
representação e projeção de sua identidade A interação humana proveniente da vida social é
conduzida num palco e, portanto, vivida na superfície, nas aparências que construímos. Os
papéis são pré-estabelecidos ou definidos socialmente e na administração de seu desempenho
frente à plateia. Existe uma distinção entre a “fachada” e o “fundo”: a primeira é o que
63

queremos que seja visto – a face, e o “fundo” o que não queremos que seja observado em
determinados momentos – a contraface.
Goffman (2009) utiliza a palavra “face” para colocar os atores sociais numa ação
teatral. O termo face foi definido como um valor social positivo que um indivíduo reclama
para si mesmo através daquilo que os outros conjeturam ser a linha por ela tomada durante um
contato específico.
O autor usa o termo “fachada” para fazer referência a toda atividade de um indivíduo,
que se passa num período caracterizado por sua presença contínua diante de um grupo
particular de observadores e que tem sobre estes alguma influência. Fachada, portanto, é o
equipamento expressivo de tipo padronizado intencional ou inconsciente empregado pelo
indivíduo durante a representação. Para fins preliminares será conveniente distinguir e rotular
aquelas que parecem ser as partes da fachada.
Na representação dos papéis, o “cenário” e os suportes do palco em que se desenrolam
as ações e interações humanas e que tendem a permanecer na mesma posição geográfica. O
termo “cenário” é referente às partes cênicas de equipamento expressivo, e toma o termo
“fachada pessoal” com relativo aos outros itens de equipamento expressivo, aqueles a que de
modo mais íntimo, identificamos com o próprio ator.
Entre as partes que compõem a “fachada pessoal” estão inclusos os distintivos da
função ou da categoria como vestuário, sexo, idade e linguagem, expressões faciais e gestos
corporais. Alguns destes sinais, como as características raciais, são fixas, ou seja, se dão
dentro de um espaço de tempo, e não apresentam variações de um indivíduo numa situação
para outra.
Para Goffman (2009), às vezes se faz necessário dividir os estímulos que formam a
fachada pessoal em “aparência” e “maneira”, de acordo com a função exercida pela
informação que esses estímulos transmitem. O autor chama de “aparência” àqueles estímulos
que funcionam no momento para revelar o status social do ator e, “maneira”, os estímulos que
funcionam no momento, para informar sobre o papel de interação que o ator espera
desempenhar na situação que se aproxima.
Segundo o autor, existem razões para se acreditar que a tendência de apresentar uma
grande quantidade de números diferentes, e que parte de um pequeno número de fachadas, é
uma consequência natural da organização social. Assim, quando a pessoa se apresenta diante
dos outros, seu desempenho tenderá a incorporar e exemplificar os valores oficialmente
reconhecidos pela sociedade e até mais do que o comportamento da pessoa como um todo
(GOFFMAN, 2009).
64

Na maioria das sociedades parece haver um sistema principal ou geral de


estratificação, pois existe a idealização dos estratos superiores e uma certa aspiração, por parte
dos que ocupam posições inferiores, de ascender às mais elevadas. Isto implica não apenas no
desejo de uma posição de prestígio, mas no desejo de uma posição junto ao centro sagrado
dos valores comuns da sociedade.
Logo, a mobilidade ascendente implica na representação de desempenhos adequados e
que os esforços para subir e para evitar descer exprimem-se em termos dos sacrifícios feitos
para a manutenção da fachada. Se um indivíduo tem de dar expressão a padrões ideais na
representação, então terá de abandonar ou esconder ações que não sejam compatíveis com ele
(GOFFMAN, 2009).
Na medida em que enxergarmos o mundo social a partir da ideia de representação e
projeção de sua identidade, principalmente ao nos referirmos à ideia de distinção de sujeitos
no meio social e suas categorias sociais entendemos que é uma forma de se estabelecer, nos
critérios de ordem social, a distinção dos sujeitos em dominantes ou dominados,
estigmatizadores ou estigmatizados (GOFFMAN, 2008).

2.2 Estigma

Goffman (2008) propõe um olhar sobre o processo de estigmatização na vida das


pessoas, o qual se dá a partir de uma perspectiva interacionista, ou seja, a interação como um
processo fundamental de identificação e de diferenciação dos indivíduos e grupos. Estes não
existem isoladamente: só existem e procuram uma posição de diferença pela afirmação, na
medida em que, justamente, são "valorizados" por outros.
Esta é uma forma de classificação social pela qual uma pessoa identifica a outra
segundo certos atributos, seletivamente reconhecidos pelo sujeito classificado, como positivos
ou negativos. A palavra "estigma" a partir dos gregos é definida como “sinais corporais, sobre
os quais se tenta mostrar algo incomum e/ou errado no estado moral da pessoa que se
apresenta" (GOFFMAN, 2008).
Encontramos nos sinais corporais como a cor da pele, uma maneira de hierarquização
na sociedade dos grupos populacionais. Para os afro-descendentes, o processo de construção
do estigma está associado à imagem e aos traços físicos que fazem parte dos atributos que
lhes são característicos. Para Goffman (2008), alguns atributos dos indivíduos passam a ser
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considerados pejorativos, porém os atributos não são intrinsecamente positivos ou negativos:


essa qualificação emerge da cultura e está relacionada aos estereótipos. Para o autor, esses
estereótipos cumprem a função de simplificar e categorizar o real, tornando-o de mais fácil
compreensão, pois nascem das interações sociais.
Historicamente, o estigma representa uma marca de um corte ou uma queimadura no
corpo e tinha como significado o mal para a convivência social. Estas marcas também
simbolizavam uma categoria de escravos ou criminosos, um rito de desonra, entre outros. Era
uma advertência, um sinal para se evitar contatos sociais no contexto particular e,
principalmente, nas relações institucionais de caráter público, o que comprometia as relações
comerciais.
Na época do cristianismo, as marcas corporais tinham uma representação metafórica:
os sinais representavam a "graça divina", que se manifestava por meio da pele. Era também
uma referência médica que representava perturbações físicas. A palavra estigma representava
algo mal e deveria ser evitada, pois era uma ameaça à sociedade, isto é, uma identidade
deteriorada por uma ação social (GOFFMAN, 2008).
A teoria dos estigmas foi construída como uma ideologia para explicar a sua
inferioridade e sinalizar o perigo que representava, já que racionalizava algumas vezes uma
animosidade baseada em outras diferenças, como as questões de classe social e alterações
físicas e psíquicas. É comum inclusive, no cotidiano utilizarmos termos específicos de
estigma como aleijado, bastardo, retardado, como fonte de metáfora e representação, de
maneira característica, sem pensar no seu significado original (GOFFMAN, 2008).
Dessa forma, a palavra estigma nos remete à ideia construída do ser humano portador
de uma marca ou sinal e apresenta uma incapacidade para executar ou se enquadrar na
sociedade. Os aspectos destes sinais ou marcas vão desde sua representação no corpo, no
caráter, e as denominadas tribais. Estas “marcas” são geralmente observadas de maneira
negativa.
O conceito de estigma tem por base ser um atributo depreciativo, um sinal de que um
indivíduo não apresenta o padrão esperado de normalidade, ou seja, apresenta uma identidade
social negativa. Esse padrão de normalidade nos traz a ideia de que cada espaço social reúne
uma categoria de pessoas, em função de determinados atributos que comunicam uma
identidade ao grupo (CORRÊA, 2005).
Para Goffman (2008), há três tipos de estigmas. O primeiro relacionado com o corpo –
que seriam as deformidades físicas (portadores de necessidades especiais, deformidade
genética). O segundo, na esfera do caráter individual do ser humano como as culpas, vontades
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fracas, paixões tirânicas ou não naturais, crenças falsas e rígidas (vício, alcoolismo,
desemprego, fanatismo) e por último os estigmas tribais de raça, nação e religião. Estes
modelos de estigmas poderiam ser transmitidos por intermédio de gerações.
O estigma como se apresenta, é, na realidade, um tipo especial de relação entre
atributo – o que é próprio e peculiar a alguém – e estereótipo – a ideia ou convicção
classificatória preconcebida sobre alguém – resultante de expectativa, hábitos de julgamento
ou generalizações. Nesse sentido, um atributo que estigmatiza alguém pode confirmar a
normalidade de outrem. O estigma não é apenas um atributo pessoal, mas uma forma de
designação social e, este atributo a torna diferente das demais e, que as expectativas sociais
habituais não se aplicam a ela (GOFFMAN, 2008).
Os processos de construção do estigma estão associados às formas como alguns
atributos dos indivíduos passam a ser considerados socialmente pejorativos, porém, os
atributos não são intrinsecamente positivos ou negativos. Essa qualificação nasce
culturalmente e está relacionada aos estereótipos (MAGALHÃES; DIAS, 2005).
Para os autores, os estereótipos cumprem a função de simplificar e categorizar o real,
tornando-o mais facilmente compreensível. Quando se utiliza o estereótipo expõem-se valores
e formas de conceber a realidade, geradas nas relações de poder entre grupos sociais.
Para Magalhães e Dias (2005), os estereótipos cumprem a função de simplificar e
categorizar o real, tornando-o mais facilmente compreensível. Ao utilizar um estereótipo se
desvendam os valores e formas de idealizar a realidade, que sempre são geradas nas relações
de poder entre grupos sociais. Para o estigmatizado, o conhecimento acerca do estigma e este,
é parte integrante para a construção da sua identidade.
Segundo Goffman (2008), termo estigma outrora esteve ligado às características
históricas associadas às marcas realizadas no corpo do indivíduo para que este fosse
identificado como inferior. Acrescenta ainda, que, o estigma da atualidade se apresenta com
outras características, são sinais que advêm do campo simbólico e que consideram não só as
marcas ou sinais no corpo físico, mas as diferenças de cunho social (NASCIMENTO, 2009).
Goffman (2008) aponta que na sociedade há grupos, situações e indivíduos que, a
partir de condições sociais e físicas como classe social, etnia, gênero, portadores de
necessidades especiais, religiões, culturas e outros determinantes são diferenciados pela
sociedade. Para esse mesmo autor, o indivíduo estigmatizado apresenta duas maneiras de lidar
com o problema. Primeiro, deve se comportar de modo a não apresentar sofrimento pela sua
condição e, segundo, deve se comportar na perspectiva dos não estigmatizados, ou seja, ser
estimulado a considerar-se um ser humano, sem contudo, negar sua diferença.
67

Acreditamos que os processos de construção do estigma estão diretamente associados


às formas como algumas características ou atributos dos indivíduos têm e são considerados
socialmente pejorativos. Esses atributos são qualificados quando os indivíduos nascem e,
também vivenciam influência da cultura sobre todos os processos de interação social. Um
estigma é, na realidade, um tipo especial de relação entre o atributo e conceito. Embora, o
autor proponha uma modificação desse conceito em parte, é por haver importantes atributos
que em quase toda a sociedade levam ao descrédito (GOFFMAN, 2008).
O sociólogo afirma que em todos os exemplos de estigma, inclusive aqueles que os
gregos tinham em mente, encontram-se as mesmas características sociológicas: um indivíduo
que poderia ter sido facilmente recebido na relação social quotidiana tem um traço que pode
se impor à atenção e afastar àqueles que encontra, destruindo a possibilidade de atenção para
outros atributos seus. Dessa forma, o indivíduo é considerado possuidor de um estigma, uma
característica diferente da que se havia previsto. Dessa forma, todos os outros, incluindo-nos,
e que não se afastam negativamente das expectativas particulares em questão são chamados
por “normais”.
A pessoa que possui um estigma não é considerada completamente humana. Com base
nisso são feitas várias discriminações mediante as quais, efetivamente, e muitas vezes, são
feitas sem pensar. A noção de “ser humano normal” pode ter sua origem a partir de uma
abordagem médica da humanidade, ou nas tendências das organizações burocráticas em
grandes escalas, com o intuito de classificar e normatizar os seus membros (GOFFMAN,
2008).
Para os estigmatizados, os ditos “não normais”, a sociedade reduz as oportunidades,
esforços e movimentos, não atribui valor, impõe a perda da identidade social e determina uma
imagem deteriorada, de acordo com o modelo que convém à sociedade. O social anula a
individualidade e determina o modelo que a interessa para manter o padrão de poder,
anulando todos os que rompem ou tentam romper com esse modelo.
Este indivíduo passa a ser o diferente numa sociedade que exige a semelhança e não
reconhece na semelhança as diferenças. Sem espaço, sem voz, sem papéis e sem função, não
pode ser nomeado e passa a ser considerado um "ninguém", "um nada" nas relações com o
outro, e que não pode ser o sujeito da ação.
O indivíduo estigmatizado é um ser desviante, ou seja, está fora dos padrões sociais
que a sociedade acredita ser real. O termo desviante se dá por meio de um conceito da
patologia social, ou seja, uma doença criada pela própria sociedade e herdada pelos
indivíduos. Nesta conjunção, o indivíduo estigmatizado é categorizado por uma herança
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biológica e natural, numa analogia médica de cura ou recuperação, mas nunca de aceitação e
de criação social (VELHO, 2003).
A estrutura do estigma está associada ao fato de a sociedade estabelecer categorias
para o indivíduo a partir de seus atributos. Tende-se a classificar os indivíduos a partir de
determinados padrões de características e, projetamos “expectativas normativas”
(normas/padrões) ou “exigências” como forma de identificar os membros do grupo, ou seja,
cada ambiente social agrupa uma categoria de pessoas em função de determinados atributos
que comunicam uma identidade ao referido grupo. O estigma surge quando existe a
probabilidade de uma regra não ser cumprida (CORRÊA, 2005; GOFFMAN, 2008).
A sociedade impõe a rejeição, leva à perda da confiança em si e reforça o caráter
simbólico da representação social segundo a qual os sujeitos são considerados incapazes e
prejudiciais à interação sadia na comunidade. O diferente assume a categoria de “nocivo”,
“incapaz”, fora do parâmetro que a sociedade toma como padrão. Este indivíduo fica à
margem e passa a ter que responder conforme a sociedade determina, ou seja, um indivíduo
que não atende às expectativas que a sociedade estabelece para os normais.
A sociedade limita e delimita a capacidade de ação de um sujeito estigmatizado,
marca-o como desacreditado e determina os efeitos maléficos que pode representar. Quanto
mais visível for a marca, menos possibilidade tem o sujeito de reverter, nas suas inter-
relações, a imagem formada anteriormente pelo padrão social. A identidade social
estigmatizada destrói atributos e qualidades do sujeito, exerce o poder de controle das suas
ações e reforça a deterioração da sua identidade social, enfatizando os desvios e ocultando o
caráter ideológico dos estigmas (GOFFMAN, 2008; VELHO, 2003).
Este caráter ideológico que possui os estigmas compromete a identidade social do
indivíduo, pois este se torna desacreditado a partir das informações sociais que transmite e,
como consequência, tem o seu direito comprometido, ou seja, cerceado por um padrão de
normalidade estabelecido pela sociedade.
O indivíduo estigmatizado adquire vários signos ou símbolos que irão caracterizá-lo
como indivíduo desacreditável, o que promove uma separação das pessoas “normais”. Essa
separação não emerge de maneira natural, mas é um produto histórico de exclusão daqueles
que se enquadram como diferentes dos padrões sociais (NASCIMENTO, 2009).
Goffman (2008) afirma que quando os “normais” e estigmatizados se encontram na
presença imediata um do outro, ambos enfrentarão diretamente as causas e efeitos do estigma.
Os estigmatizados assumem um papel fundamental na vida dos ditos normais, pois colaboram
e estabelecem uma referência entre os dois e demarcam as diferenças no amplo contexto
69

social. Desta maneira, além de demarcar diferenças, acabam por cristalizar e fortalecer a
condição de estigmatizado (GOFFMAN, 2008).
O indivíduo estigmatizado pode descobrir que se sente inseguro em relação à maneira
como os “normais” o identificarão e o receberão. Essa incerteza é ocasionada não só porque o
indivíduo não sabe em qual das várias categorias será colocado, mas quando a colocação é
favorável, é pelo fato de que, intimamente, os outros possam defini-lo em termos de seu
estigma (GOFFMAN, 2008).
Para o autor, outra possibilidade de os estigmatizados demarcarem seu papel social é
quando sua diferença “não é revelada de imediato, e não há conhecimento prévio (ou pelo
menos ele não sabe que os outros sabem), ou seja, quando na verdade não é uma pessoa
desacreditada, mas desacreditável”. O desacreditado não necessita manter somente o controle
da tensão emocional diante dos controles sociais, mas um bom controle da informação acerca
dos estigmas, como, por exemplo, dizer a verdade ou mentir a quem, como, onde e quando
queira, em determinada situação ou momento.
O autor conceitua a informação social como uma representação social do sujeito, com
suas características mais ou menos permanentes, contrapostas aos sentimentos, estados de
ânimo e à intenção que o sujeito pode ter em dado momento. São signos que o sujeito
transmite para o outro por meio da expressão corporal. O autor denominou “social” a esta
informação que pode ser de frequência acessível e recebida de forma rotineira.

[...] a informação social transmitida por qualquer símbolo particular pode


simplesmente confirmar o que outros sinais nos dizem sobre o indivíduo e completar
a imagem que temos dele de forma redundante e segura (GOFFMAN, 2008, p. 52).

A informação social transmitida por um símbolo particular pode constituir um registro


especial de prestígio, honra ou posição social privilegiada. O símbolo de prestígio pode
contrapor-se aos símbolos de estigmas. Os símbolos são sinais de estigmas eficazes em
chamar a atenção para uma incongruência degradante de identidade, e capaz de quebrar o que
seria inteiramente consistente uma imagem, reduzindo de tal forma a nossa apreciação do
indivíduo (GOFFMAN, 2008).
A visibilidade do estigma constitui um fator decisivo e aqueles que convivem com o
indivíduo podem exercer influência na apreensão da sua identidade social. Em um primeiro
momento, é necessário diferenciar o que o autor denominou visibilidade ou evidências do
estigma e "conhecimento". Em um sujeito portador de um estigma muito visível, o simples
contato com o outro dará a conhecer o estigma. O conhecimento que os outros têm do
70

estigmatizado pode ser baseado nos rumores ou nos contatos anteriores. Outro aspecto a
determinar em uma situação do sujeito portador de um estigma visível é até que ponto isso
interfere em suas interações com o meio social.
A identidade social estigmatizada destrói atributos e qualidades do sujeito, exerce o
poder de controle das suas ações e reforça a deterioração da sua identidade social, enfatizando
os desvios e ocultando o caráter ideológico dos estigmas. A sociedade impõe a rejeição, leva à
perda da confiança em si e reforça o caráter simbólico da representação social segundo a qual
os sujeitos são considerados incapazes e prejudiciais à interação sadia na comunidade.
Fortalece o imaginário social da doença e do “irrecuperável”, no intuito de manter a eficácia
do simbólico (GOFFMAN, 2008).
Para as mulheres negras a sociedade brasileira construiu sobre o seu estereótipo um
estigma influenciado pelo corpo escultural, a sensualidade e sexualidade e sua cor da pele.
Essa trajetória de preconceitos e estigmas sociais refletiu nas relações entre os gêneros, mas
também entre as próprias mulheres. O fortalecimento do imaginário social acerca da mulher
negra reforça o preconceito e a interiorização da condição de inferioridade, estabelecendo as
formas de discriminação que na verdade são os produtos finais dos estigmas sociais.
A população negra, desde a sua chegada ao país, ocupou posições que não lhes
garantiram privilégios, mas uma imagem deteriorada que contribuiu para uma invisibilidade
social. Apesar da invisibilidade social, é notória a visibilidade física da população negra
ratificada ao observarmos os dados do censo populacional do país (IBGE, 2008).
Para este grupo populacional, foram diversas as dificuldades que fizeram parte da sua
história de vida no Brasil. Entretanto, essa naturalização da inferioridade da população negra a
contracenar com a supremacia branca é refutada quando homens e mulheres negras
escreveram os seus nomes na história do país em distintas áreas do conhecimento.
Encontramos, por exemplo, Monica de Menezes Campos 8, Ivete Sacramento9, Ana Davis10,
Jurema Batista11, Abdias Nascimento12, Milton Santos13, Joaquim Barbosa14, Lélia
Gonzalez15, Sueli Carneiro 16, Ruth de Souza17, Sônia Guimarães18 entre outros.

8
Primeira mulher negra cursar a o Instituto Rio Branco para carreira diplomática em 1978.
9
Reitora da Universidade Federal da Bahia em 1998.
10
Primeira reporte negra a apresentar um telejornal em 1972.
11
Primeira Deputada Estadual negra eleita em 1972.
12
Professor, político e dramaturgo. Intelectual engajado nas lutas libertárias do negro no âmbito mundial.
71

Este grupo de homens e mulheres negros possivelmente enfrentaram e precisaram


transpor as barreiras socio-históricas que fazem parte da construção e da história de suas
vidas. Histórias de vida diferenciada pelo próprio contexto social no qual viviam, mas
conseguiram escrever a sua própria história de vida e demonstraram superação diante das
adversidades que sempre foram comuns aos afro-descententes.
É possivel, portanto, pensar que o direito à educação é uma ferramenta para destituir
um ciclo de desigualdades sociais.
O acesso à educação é capaz de promover e elevar a autoestima do ser humano. Para
este indivíduo que consegue ingressar no processo de formação, passam existir as
possibilidades reais da busca pelos seus direitos na esfera da cidadania. De certa maneira,
acreditamos que o acesso à educação produz um impacto positivo, e promove o processo de
empoderamento, a partir da igualdade de acesso para homens e mulheres, independentemente
de etnia, da classe social. De fato, a ausência ou o acesso de maneira inadequada, à educação
pode causar efeitos negativos no indivíduo, ou seja, este pode ser aprisionado numa “trama
social desigual” da qual não consegue se desvencilhar nem se emancipar.

13
Geógrafo brasileiro que maior reconhecimento alcançou fora do país, tendo recebido, em 1994 o Prêmio
Vautrin Lud, considerado o “Nobel” da geografia, este prêmio é conferido por universidades de 50 países.
14
Terceiro negro a ser ministro do Supremo Tribunal Federal, sendo precedido por Hermengildo de Barros (de
1919 a 1937) e Pedro Lessa (de 1907 a 1921).

15
Doutora em Antropologia, feminista e co-fundadora do Movimento Negro Unificado (MNU) em 1970, sendo
protagonista das discussões de gênero e raça.
16
Co-fundadora do Coletivo de Mulheres Negras de São Paulo e do Gelédes – Instituto da Mulher Negra em
1988.
17
Atriz, co-fundadora do Teatro experimental do Negro, na década de 40.
18
A primeira negra brasileira Doutora em Física, título adquirido pela The University of Manchester Institute of
Science And Technology, e respeitada professora do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA).
72

3 O CAMINHO METODOLÓGICO

Entende-se por metodologia o caminho do pensamento e a prática exercida na


abordagem da realidade. A metodologia é o conjunto de métodos ou caminhos que são
percorridos na busca do conhecimento (ANDRADE, 2001).
A presente pesquisa se caracteriza por ser descritivo-exploratória com uma abordagem
qualitativa, em decorrência do grau de complexidade e subjetividade do objeto de estudo. Um
estudo descritivo tem a finalidade de observar, descrever e documentar os aspectos de
determinada população ou fenômeno estudado. Dentre as pesquisas descritivas são
observadas aquelas que buscam levantar opiniões, atitudes e crenças de uma determinada
população (POLIT; BECK; HUNGLER, 2004).
Gil (2001) considera que o método exploratório seja o mais apropriado, pois trabalha
temas pouco explorados, o que proporciona sua aproximação. Também busca as dimensões
do fenômeno, o modo pelo qual se manifesta e as relações que se estabelecem a partir dele.
Segundo Minayo (2001), a pesquisa qualitativa se apresenta como o caminho capaz de
alcançar o aspecto subjetivo do ser humano, pois se ocupa com o nível de realidade que não
pode ser mensurado. Para a autora, a pesquisa qualitativa trabalha com universo de
significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes. Desta maneira, as pesquisas
qualitativas se apresentam como estratégia ideal para atender aos objetivos da pesquisa.
São consideradas metodologias qualitativas, por exemplo, pesquisa participante,
pesquisa-ação, história de vida, história oral, observação, hermenêutica, fenomenologia,
levantamentos feitos com questionários abertos ou diretamente gravados, análise de grupo
(DEMO, 2000).

3.1 Cenário e protagonistas do estudo

O cenário escolhido para realização desta pesquisa foi a UERJ (APÊNDICE A). Nesta
Instituição de Ensino Superior (IES) existem 32 cursos de graduação, que se desdobram em
diferentes habilitações, licenciaturas e bacharelados. Os cursos são oferecidos por 30 unidades
acadêmicas e abrangem as cidades do Rio de Janeiro, Duque de Caxias, Nova Friburgo,
Resende e São Gonçalo. Esta mesma IES possui, aproximadamente, 100 cursos de pós-
73

graduação Lato Sensu (especialização) em diversas áreas do conhecimento, 46 Programas de


pós-graduação (Stricto Sensu), com 42 cursos de Mestrado e Doutorado e dois Mestrados
profissionalizantes.
A escolha por este cenário ocorreu por vários motivos. Um deles consiste no fato de
esta IES ser uma das pioneiras em estabelecer Políticas de Ação Afirmativa, a qual é pautada
no Projeto de Lei de Cotas (PL n.º 73/1999) e do Estatuto da Igualdade Racial (PL n.º
3.198/2000), art. 52, que defende uma cota mínima de 20% de vagas para os afro-brasileiros
em todas as universidades nacionais. Essas vagas, como ações afirmativas e políticas de cotas,
objetivam reduzir as consequências do racismo historicamente construído e mantido na e
pelas práticas sociais (FERREIRA; MATTOS, 2007).
A segunda justificativa se deu por ser a instituição onde a pesquisadora encontra-se
inserida e por ter uma gama de possibilidades de relações sociais, em função da diversidade
de cursos e por contemplar diversas áreas do conhecimento. Optamos por investigar mulheres
negras universitárias matriculadas nos cursos de Mestrado da Área da Saúde, no primeiro
semestre de 2010, a saber: a) Mestrado em Alimentação, Nutrição e Saúde; b) Mestrado em
Biociências, Biologia Humana e Experimental; c) Mestrado em Enfermagem; d) Mestrado em
Fisiopatologia Clínica e Experimental; e) Mestrado em Microbiologia Humana; f) Mestrado
em Odontologia e g) Mestrado em Saúde Coletiva (Epidemiologia).
A escolha por sujeitos matriculados nos cursos de Mestrado deve-se ao fato de
entendermos a valorização destas mulheres negras pela continuidade no processo de
formação, o que permitiria sua expressão sobre as questões relativas às relações existentes
entre o processo de formação e sua autoimagem social. A escolha pela área da saúde se deu
por ser a carreira que tem maior predomínio de mulheres negras apontado por alguns
pesquisadores (GÓIS, 2008; QUEIROZ, 2001).
Em pesquisa realizada sobre as diferenças entre mulheres brancas e negras no acesso e
permanência no ensino superior, verificou-se que as mulheres negras buscam carreiras que
têm como características o cuidar e, profissões que geralmente estão em posição de relativa
subordinação nas instituições em que atuam como, cursos de Enfermagem, Fisioterapeuta e
Serviço social (GÓIS, 2008).
74

3.2 Protagonistas do estudo

Após a delimitação dos cursos de pós-graduação (Mestrado) na área da Saúde,


procuramos orientações junto à Sub-Reitoria de Pesquisa, no sentido de sermos orientadas
quanto aos trâmites de encaminhamento das solicitações para a realização da pesquisa aos
Programas de pós-graduação em nível de Mestrado na área da Saúde, e, posteriormente,
submeter o projeto ao Comitê de Ética e Pesquisa.
Na apresentação do projeto a cada responsável pelo curso de pós-graduação,
encaminhamos para os respectivos Programas uma minuta do projeto. Entretanto, ao
chegarmos às secretarias para entregar esses documentos, e depois de explicar quem eram os
sujeitos da pesquisa, percebemos certo estranhamento: “Mulheres negras universitárias
matriculadas no Programa de Mestrado?” Esta era a pergunta que os secretários faziam a si
mesmos. Tentavam identificar e buscavam na memória alguém que, pela aparência, poderia se
enquadrar no perfil. Na continuidade dos trâmites, a secretária recebia a minuta e marcava um
dia para a obtenção de respostas pela Coordenação do Programa.
Cabe destacar que a pesquisadora não teria acesso direto às mestrandas, em alguns
Programas, e era orientada pelas secretárias a enviar, por meio de um e-mail, cartas-convites
para as secretarias do Programa e estas as enviariam para as alunas. As que se interessassem,
responderiam por e-mail, e a partir deste contato agendariam a entrevista.
Considerando a necessidade de as mestrandas se autodeclararem pretas ou pardas para
participarem da pesquisa, construímos uma nova estratégia para ter-lhes acesso. Elaboramos
uma carta-convite (APÊNDICE D) que foi enviada aos secretários dos cursos para que
encaminhassem às mestrandas, já que em alguns cursos não houve acesso à lista de e-mail. A
divulgação da carta-convite foi realizada pelos secretários.
Em um determinado Programa percebemos nitidamente o desconforto da secretária ao
informar ao coordenador do Programa de pós-graduação sobre a pesquisa. Após leitura do
projeto pela Coordenação, seu retorno se acompanhou da resposta de não haver mestrandas
com aquele perfil. Explicamos à secretária que no mínimo as mestrandas deveriam ler a carta-
convite, e que deveriam respondê-la, já que o critério de inclusão está pautado na
autodeclaração de serem pretas ou pardas e, que o coordenador não poderia responder por
elas. Entretanto, a realização da pesquisa não foi autorizada.
75

Em apenas um curso houve a permissão de contato direto com a turma, porém neste
ninguém se autodeclarou como preta ou parda. Cabe destacar que a pesquisadora não
identificou também ninguém com características físicas que atendessem ao perfil estudado.
A pesquisadora percebeu a fragilidade na busca por este grupo, já que em alguns
momentos o contato com os possíveis sujeitos teria de ser feito por outra pessoa, o que torna
difícil garantir o empenho de terceiros na busca pelas mulheres negras no curso em questão.
Face à necessidade de contar com a seriedade dos profissionais que compõem as
secretarias dos Programas de pós-graduação, aguardamos as respostas ao e-mail enviado e
agendamos as entrevistas com as autodeclaradas que desejaram participar da pesquisa.
Ressalte-se que após levantamento nos Programas de pós-graduação em saúde,
trabalhamos com sete dos cursos existentes na UERJ. Na busca pelas depoentes, as
encontramos em apenas três cursos de Mestrado, num total de 94 mestrandas matriculadas nos
Programas de Mestrado nas áreas já referidas. Ao final, os atores sociais da pesquisa foram 10
(9,6%) mulheres negras.
No que respeita à caracterização das depoentes, verificamos que das dez mulheres,
cinco (55%), se encontravam entre 20 a 30 anos; duas, (22,2%), na faixa entre 31 a 40 anos; e
três, (33,3%), entre 41 a 57 anos. E, em relação ao estado civil, seis, (66,6%), informaram
serem solteiras, três, casadas (33,3%) e uma, (11,1%), viúva.
Encontramos sete mulheres, (77,7%), no Mestrado da Faculdade de Enfermagem,
duas, (22,2%), no Mestrado de Fisiopatologia Clínica e Experimental e uma, (11,1%), no
Mestrado de Alimentação, Nutrição e Saúde.
Este quantitativo de mulheres negras matriculadas na pós-graduação, ou seja, no
Mestrado acadêmico, é consequência ainda do pequeno número de mulheres negras que têm
acesso não somente ao ensino superior, mas à possibilidade de continuar o aprimoramento
profissional que compreende a continuidade do processo de formação. Destacamos que nesta
referida instituição políticas de ações afirmativas foram implantadas. Entretanto, a inserção
num Programa de Mestrado não acontece por ações afirmativas, mas por desempenho
acadêmico e envolvimento com a pesquisa.
O acesso da população negra ao ensino superior e à pós-graduação apresentados pelo
IBGE (2005) demonstra a relevância da temática. Neste mesmo período, na pós-graduação
Stricto Sensu, 86,4% são brancos; 9,2% pardos; 1,9% amarelos; 1,8% negros e 0,2%,
indígenas. Apesar de os números refletirem um pequeno percentual de mulheres negras na
pós-graduação, ao relacionarmos os dados apresentados pelo IBGE (2005), o quantitativo
encontrado na pesquisa em questão apresenta um reflexo da política de cotas instituída no ano
76

de 2000 pela universidade que foi cenário da pesquisa. Os dados apresentados pelo IBGE
dizem respeito à totalidade de estudantes negros em nível de Brasil.

3.3 Aspectos éticos da pesquisa

O critério de inclusão na pesquisa foi o da autodeclaração e às que propuseram dela


participar validaram seu compromisso mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre
e Esclarecido. Curso de Mestrado. Campo de pesquisa na área da Saúde. (APÊNDICE B).
Advertimos que o anonimato foi garantido por meio de uso de codinomes no decorrer
do texto. Além disso, os depoimentos foram gravados, a fim de registrar as expressões orais,
para que a pesquisadora possa ocupar-se exclusivamente com a dinâmica da entrevista.
Para atender às exigências éticas e científicas fundamentais previstas na Resolução n.º
196, normatizada pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS, 1996) sobre pesquisa envolvendo
seres humanos, a minuta do projeto, após análise formal dos respectivos coordenadores de
cada Programa de Pós-Graduação, foi encaminhada para avaliação do Comitê de Ética em
Pesquisa, na Sub-Reitoria da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (APÊNDICE A), com
aprovação pelo Comitê de Ética e Pesquisa, sob o n.º 071/2010 (ANEXO).

3.4 Produção dos dados

A coleta dos dados foi efetuada segundo a técnica da entrevista semiestruturada, que
requer a elaboração dos tópicos e/ou questionamentos básicos relacionados ao tema da
pesquisa. A opção por esse método surgiu em razão de algumas vantagens pertinentes à
pesquisa social: a possibilidade de obtenção de informações acerca dos mais variados
aspectos da vida social; a eficiência na produção de dados em profundidade sobre o
comportamento humano e a possibilidade de apreender a comunicação não verbal do
entrevistado, por intermédio de sua expressão corporal, tonalidade da voz e ênfase nas
respostas. A construção dos tópicos para o roteiro da entrevista se apoiou nas questões e
teorias descritas no estudo, de maneira a oferecer amplo campo de interrogativas que surgirão
à medida que a entrevista progride (FIGUEREDO, 2007; GIL, 2001).
77

3.5 Técnica para a coleta de dados

Iniciamos a coleta de dados após os contatos realizados e as respostas dos e-mails


pelas mestrandas. As entrevistas foram previamente agendadas junto às depoentes em locais e
horários por elas estabelecidos. A coleta de dados se deu com a participação voluntária de 10
mulheres negras universitárias inseridas no programa stricto sensu (Mestrado). Vale lembrar
que as entrevistadas conheceram o teor da pesquisa e ao aceitarem participar, assinarem o
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (APÊNDICE D). As depoentes estavam cientes
de que a qualquer momento poderiam se retirar da pesquisa sem qualquer ônus:

a) primeira etapa: foi realizado o preenchimento de um formulário em que


continha dados de identificação do sujeito da pesquisa: idade, raça/cor,
curso, profissão, estado civil (APÊNDICE C);
b) segunda etapa: para a realização da entrevista semiestruturada os encontros
foram previamente agendados, com as depoentes mediante envio de e-mails,
aguardadas as respectivas respostas. Utilizamos como instrumento de coleta
de dados um roteiro em que havia cinco tópicos, a partir dos quais
realizamos as perguntas que tencionavam aprofundar o entendimento do
contexto da trajetória educacional desde a infância, adolescência, fase adulta
e respectivas fases na educação. Por se tratar de entrevistas
semiestruturadas, foram inseridas outras perguntas relacionadas ao tema, o
que permitia maior e melhor compreensão do conteúdo apresentado e do
sentido das respostas, enriquecendo-as (APÊNDICE C). Para armazenar as
entrevistas utilizamos como equipamento eletrônico um gravador K7 e a
posteriori, as entrevistas foram transcritas e analisadas.

3.6 Período de coleta

Após apreciação e autorização do Comitê de Ética em Pesquisa, da Sub-Reitoria em


Pesquisa da UERJ. O período de coleta se iniciou em novembro de 2010 e se estendeu até
março de 2011.
78

3.7 Análise dos dados

A finalidade da análise dos dados, independentemente do tipo de dado ou tradição de


pesquisa, é organizar, fornecer estrutura e extrair significado dos dados do estudo (POLIT;
BECK; HUNGLER, 2004).
A análise de conteúdo e a técnica de análise utilizada neste trabalho buscam ir além
dos significados manifestos, pois relaciona a estruturas semânticas (significantes) com as
estruturas sociológicas (significados) dos enunciados. Isto implica na associação do que foi
descrito e analisado com os fatores determinantes de suas características (BARDIN, 2009).
Esta técnica possui como pilares a fase da descrição ou preparação do material, a
inferência ou dedução e a interpretação. As entrevistas transcritas e seu conjunto devem
constituir o “corpus” da pesquisa, o que deve obedecer às regras de exaustividade,
representatividade, homogeneidade, pertinência e exclusividade (BARDIN, 2009).
Para autora, os principais pontos da pré-análise são a leitura flutuante (escolha dos
documentos ou relatos transcritos), em que o pesquisador deve escolher os temas que podem
se tornar índices, de acordo coma frequência que se repetem. A preparação e exploração do
material constituem a etapa mais longa e exaustiva, pois ocorre a codificação, ou seja, os
dados brutos são transformados de maneira organizada e agregados em unidades, às quais
permitem uma descrição das características pertinentes ao conteúdo. A codificação
compreende a escolha de unidades de registro, a seleção de regras de contagem e a escolha de
categorias.
Segundo Bardin (2009), a etapa seguinte, levar a estabelecer as unidades de registro
(URs), para a qual, é necessário, às vezes, fazer referência ao contexto da unidade que se quer
registrar. Seu contexto serve para compreender a unidade de registro ou de significação a
codificar, e que construíram a categoria, que é uma forma geral de conceito, uma forma de
pensamento. As categorias refletem a realidade, e são sínteses, em determinado momento, do
saber. A categorização permite reunir maior número de informações à custa de uma
esquematização, o que se presta a correlacionar classes de acontecimentos para ordená-las.
Após o tratamento e a interpretação dos dados, são eles que produzem o embasamento
e as perspectivas significativas para o estudo. A relação entre os dados obtidos e a
fundamentação teórica é que dará sentido à sua própria interpretação. Para a autora, às vezes
se faz necessário voltar atentamente aos marcos teóricos pertinentes à investigação.
79

Para dar conta deste estudo elegemos a análise de conteúdo temática. Por intermédio
desta técnica de análise é possível alcançar a subjetividade e desvelar os sentidos explícitos e
implícitos de qualquer mensagem (BARDIN, 2009).
A partir da análise dos dados produzidos pelas universitárias negras emergiram três
categorias: a imagem social da mulher negra na perspectiva de mulheres negras
universitárias, a formação universitária na vida de mulheres negras, e a autoimagem social
de mulheres universitárias negras.
80

CATEGORIA
CATEGORIA SUBCATEGORIA UNIDADE DE SIGNIFICAÇÃO
INTERMEDIÁRIA
1º) A imagem A imagem social da A etnia afro A baixa valorização do negro e da
social da mulher negra descendente como mulher negra na sociedade,
mulher negra determinantes da desigualdade social, distinção social
na perspectiva inserção social (43 URs/6 ENT)
de mulheres caracterizada como a
negras baixa condição
universitárias socioeconômica
Preconceito étnico Preconceito/discriminação/anulação
social da identidade étnica (25 URs// 5
ENT)
A mulher negra como O corpo da mulher negra - objeto de
objeto de sensualidade sensualidade (18 URs//3 ENT)
2ª) A formação Situações positivas Transformações sociais A formação universitária como
universitária na vivenciadas durante a espaço de ampliação do
vida da mulher formação conhecimento favorecendo a
negra universitária inserção social (40 URs//7 ENT)
Transformações Valorização do conhecimento
pessoais científico e a inserção no meio
universitário - suporte na melhora
da autoestima/flexibilidade nas
atitudes (40 URs//10 ENT)
Situações negativas Desvalorização do Sentimentos de indecisão,
vivenciadas durante a potencial de frustração e desconhecimento do
formação aprendizagem e curso escolhido; déficit e limitação
universitária dificuldade de de aprendizagem e adaptação
aprendizagem institucional (29 URs//7ENT)
Condições Desigualdades de classe social
socioeconômicas (23 URs//3ENT)
desiguais
3º)Autoimagem Visão pessoal Estratégias de Perseverança nas atitudes e
social das positiva de sua superação demonstração de competência
mulheres autoimagem profissional (41 URs//6 ENT)
negras Empoderamento acerca Valorização pessoal da etnia
universitárias das questões étnicas (29 URs//6ENT)
Olhar de igualdade Não identificação das diferenças
sociais pela etnia (29 URs//5 ENT)
Visão pessoal Descrédito em si Baixa estima, insegurança em se
negativa de sua mesmo posicionar espaços sociais,
autoimagem Insegurança dificuldade de falar de autoimagem
Autoimagem (39 URs//8 ENT)
comprometida
Quadro 1 - Distribuição da categoria sobre a imagem social da mulher negra universitária
Legenda: unidades de registro (URs); entrevistas (ENT).

A primeira categoria – A imagem social da mulher negra na perspectiva de mulheres


negras universitárias. As depoentes apontam a condição desigual da mulher negra na
sociedade; a desvalorização do gênero feminino negro (preconceito sexista e racismo); a
discriminação e a anulação da identidade étnica; e a valorização do corpo da mulher negra
como objeto de sensualidade.
81

A segunda categoria intitulada A formação universitária na vida de mulheres negras,


é constituída da visão da mulher negra universitária sobre o processo de formação, a qual se
desdobrou em duas categorias intermediárias: a) Situações positivas vivenciadas durante a
formação universitária – nesta, as depoentes apontam a formação universitária como veículo
para as transformações sociais e pessoais, a partir da ampliação e valorização do
conhecimento científico e sua inserção social, o que contribui para a elevação da autoestima
deste grupo populacional; b) Situações negativas vivenciadas durante a formação
universitária, e que se relacionam a aspectos negativos observados e vivenciados pelas
depoentes durante a formação universitária, traduzidos em constatações como desigualdade de
classe, vivência de sentimentos de indecisão, frustração em relação ao curso escolhido e às
limitações de aprendizagem e adaptação no espaço de formação.
A terceira categoria A autoimagem social de mulheres universitárias negras foi
desenvolvida a partir da percepção das entrevistadas sobre sua autoimagem a partir da
formação universitária. Foi dividida em duas categorias intermediárias: a) visão positiva de
sua autoimagem social; b) visão negativa de sua autoimagem social. Esta categoria aborda a
imagem das próprias mulheres universitárias sobre si mesmas e elencam os aspectos positivos
e negativos que compõem a autoimagem de mulher negra universitária.
Dentre os positivos destacaram o empoderamento diante da sua condição étnica
caracterizada por atitudes de perseverança e demonstração de competência no cotidiano, o que
favorece o fortalecimento de posições sociais. Algumas depoentes relatam a não vivência de
diferenças sociais pela etnia. Em relação aos aspectos negativos destacados pelos sujeitos da
pesquisa aborda-se o modo como percebem sua autoimagem social, pois apresentam em seus
relatos alguns sentimentos de baixa autoestima, insegurança, principalmente em se posicionar
nos espaços sociais. Outras destacam, inclusive, sentirem dificuldades em falar sobre sua
autoimagem.
82

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Na busca pela compreensão das relações existentes entre autoimagem social de


mulheres negras e formação universitária, em especial da área da saúde, encontramos, na
percepção dessas mulheres, sobre sua imagem social, considerada sua relação com a formação
universitária, subsídios que apontaram esta relação, principalmente, a partir das
transformações pessoais e sociais ocorridas em suas vidas.
Partimos do pressuposto de que o meio universitário é capaz de produzir
transformações em função dos novos conhecimentos, da ampliação das relações pessoais e
sociais e, consequentemente, da possibilidade de novas interações e vivências de
subjetividades que acabam por influenciar o indivíduo e promover transformações pessoais e
sociais.
Conforme anteriormente apresentado, dos dados produzidos pelas mulheres negras
universitárias emergiram três categorias: A imagem social da mulher negra na perspectiva de
mulheres negras universitárias, A formação universitária na vida de mulheres negras e A
autoimagem social de mulheres universitárias negras.

4.1 A imagem social da mulher negra na perspectiva de mulheres negras universitárias

Esta categoria aborda a visão das depoentes sobre a imagem social da mulher negra
nas diversas instâncias da sociedade, assim como sua autoimagem. Nos depoimentos
pudemos verificar alguns dos valores sociais agregados à mulher de tez preta que as
categorizam e indicam sua inserção nos espaços sociais em que devem transitar ou não.
As depoentes destacam como aspecto importante da imagem social da mulher negra
sua condição socioeconômica desfavorável, o que resulta em ser determinante de sua inserção
social. Em suas falas, evidenciamos a desigualdade social associada às questões étnicas, a
partir das quais o negro encontra-se em condição inferior – desigualdade social, o que o
desvaloriza socialmente:

Ele [negro] não tem direito a nada ou ele [negro] não tem nada, né? E3
83

A gente foi observando que às vezes a questão de considerar que aquele [indivíduo] de cor
negra tem que ser mais menosprezado. E4

O negro tem que ser sempre subserviente. E 6

O (des) valor parece ser fruto da condição e inserção histórica do negro na sociedade
brasileira desde o período da pós-abolição. A população negra obteve a liberdade, mas,
encontrava-se inabilitada para ingressar nos novos espaços de trabalho que chegavam com o
progresso do país. Consequentemente, permaneceram despreparados, na condição de
subserviência e a executar trabalhos que precisassem da força e não do intelecto. A condição
social do negro cristaliza-se em posições socioeconômicas desprestigiadas, com direitos
negados, na maioria das vezes, o que prevalece até os dias atuais (desigualdade social).
Guimarães e Huntley (2000) reiteram que além dos percalços históricos encontrados
pelo indivíduo não branco, dois aspectos chamam a atenção: o primeiro, diz respeito à
formação e qualificação profissional, o que resulta em prejuízo para esta população que não
dispõe de recursos financeiros que lhes permita investir em educação. O segundo, é a
inexistência, quase absoluta, de capital social.
Para Hasenbalg (2005), nascer negro ou mulato no país, normalmente significa nascer
em famílias de baixo status. As probabilidades de fugir às regras das limitações ligadas a uma
posição social baixa são menores para os negros do que para os brancos de mesma origem
social.
As depoentes também evidenciam que as questões de gênero, quando associadas à
condição étnica, intensificam a desigualdade social que é evidenciada pela mulher negra:

Então assim, eu acho uma pena a sociedade negra brasileira, [...] somos totalmente
miscigenados, a gente [mulher negra] vive é muito à margem ainda, [...] muito à margem.
Então você vê a grande classe trabalhadora braçal são negras, as empregadas domésticas. E2

Eu acho que a gente [mulher negra] vive em uma sociedade extremamente desigual. E1

Constata-se que a mulher negra vivencia o fenômeno da dupla discriminação social:


racismo e sexismo, que acabam postergando as desigualdades sociais para a mulher negra,
quando comparada à branca. Constata-se em nossa sociedade que a população negra encontra-
se nas piores condições socioeconômicas, com baixos índices de escolaridade, o que
compromete melhores oportunidades de inserção no mercado de trabalho. No tocante ao
acesso aos serviços de saúde, a mulher negra é a que mais o utiliza, entretanto, a
invisibilidade permite que suas necessidades não sejam atendidas na sua totalidade
(CARNEIRO, 2003; PERPÉTUO, 2000).
84

Ela tem só é que servir sempre, como empregada doméstica ou técnica de enfermagem. E2

Porque muitas vezes a pessoa [mulher negra] acha que não é nada. Elas se desestimulam, acho
que falta pique né? E5

A mulher, independentemente de sua cor de pele, vivencia a desigualdade social.


Influenciada pelas questões referentes a uma política patriarcal que valoriza o poder
masculino na sociedade, a mulher tem seu papel social e sexual subordinado ao homem
(questões de gênero). Isso pode ser exemplificado, inclusive no mundo do trabalho, em que,
apesar de galgarem melhores posições na escala hierárquica do trabalho, recebem os menores
salários (IBGE, 2010; OLIVEIRA, 2003).
Gênero é um elemento constitutivo de relações sociais fundadas sobre as diferenças
percebidas entre os sexos. O gênero é um primeiro modo de dar significado às relações de
poder. O gênero enfatizava igualmente o aspecto relacional das definições normativas da
feminidade. O gênero como categoria de análise indica por meio de desinência uma divisão
baseada em critérios tais como sexo (SCOTT, 1990 apud PENNA, 2005).
A mulher negra, por vivenciar simultaneamente a violência de gênero e a
discriminação racial, tem suas possibilidades de crescimento social comprometida, o que
dificulta uma condição de vida melhor. A violência de gênero está assentada na ideia de
desigualdade existente entre o masculino e o feminino, pois as mulheres ocupam lugar
hierarquicamente inferior. Essa condição desigual atrelada à etnia resulta num
comprometimento do desenvolvimento social. Têm ainda essas mulheres, maiores
dificuldades de acesso aos serviços públicos, o que ocasiona desdobramentos negativos sobre
as diversas dimensões da vida, em particular desse grupo populacional:

As minhas amigas negras da Baixada Fluminense, não têm ideia de quanto elas poderiam ir.
O quanto elas podem alcançar. E8

Mas acho que a oportunidade é financeira [para a mulher negra dificulta o acesso a educação].
É em nível de financeira mesmo, que dificulta isso o crescimento, tá? A falta de oportunidade
é muito grande. [...] Vai prejudicar no seu crescimento, e que dizer que com isso você não tem
como galgar suas vitórias, né? E3

A gente [mulher negra] é [vive] à margem. E2

O viver à margem emerge da escassez de oportunidades oriundas das diferenças de


classes sociais e econômicas as quais se caracterizam a partir do pouco acesso às informações,
aos serviços essenciais (justiça, educação; saúde, segurança) e, consequentemente, aos
direitos humanos. Estas circunstâncias indicam posições não privilegiadas, que, na maioria
85

das vezes, enrijecem posturas e atitudes dessa população, o que mantém a condição de
desconhecimento acerca de seus direitos.
O acesso de maneira inadequada aos benefícios sociais – educação, saúde, direitos
entre outros, produz uma imobilidade social a qualquer indivíduo que vivencia a dicotomia
baixa-renda/escolaridade inferior, se torna um ciclo e difícil de ser quebrado (GUIMARÃES,
2000).
As depoentes indicam a dessemelhança pela sua condição de mulher e negra. Estas
condições apontam questões de gênero, em que a mulher em nossa sociedade é discriminada,
e o preconceito étnico:

Você vê a grande classe trabalhadora braçal são negras. E2

Ainda existe preconceito, as rejeições contra o negro, a mulher. Não há respeito com cidadão
em si. E5

A questão do preconceito tem sua raiz na hierarquização das classes sociais e do seu
papel social como mulher negra na sociedade brasileira. As mulheres negras ocuparam
historicamente posições relacionadas ao doméstico, „ama de leite‟, mucamas, quituteiras,
diferenciando-se, inclusive, o status entre a mulher negra e a branca. Apesar de serem
atividades no ambiente doméstico, estavam inseridas nos espaços públicos que as tornavam
mantenedoras de sua condição de provedora das necessidades da família.
Em virtude de sua condição social desfavorável, o desamparo afetivo e a necessidade
de prover o sustento dos filhos mantiveram a mulher negra no espaço público. Entretanto, por
ser responsável pelo sustento da família dificultou uma melhora de ascensão social, já que não
acessam facilmente o espaço de formação que poderia romper este ciclo desigual
(CARNEIRO, 2003).
Entretanto, os avanços e a busca pelos direitos têm acontecido. Ao lançarmos o nosso
olhar para ontem, percebemos que ocorreram mudanças para este grupo populacional. Essas
mudanças permitiram uma melhora, ainda que distante do esperado, no que diz respeito ao
acesso à educação, à inserção no mercado de trabalho e à saúde. Contudo, há muito que fazer
para minimizar as diferenças que existem entre as mulheres negras e brancas. As depoentes
apontam a importância da valorização da condição étnica de mulher negra desvinculada da
condição da branca:

Eu não tenho que ser branca pra ter o mesmo destaque que o branco. Eu tenho que ser igual a
ela? A gente tem muito que evoluir muito que evoluir pra conseguir um dia, talvez, ter uma
qualidade de vida normal, uma visibilidade normal, como uma mulher branca, normal. E2
86

Eu quero ser percebida como igual. A igualdade pra mim não é eu ser igual a você, não é eu
ter história de vida igual a você, não é eu ter o corpo igual ao seu. E1

A necessidade em desvincular comparativamente as condições sociais da mulher negra


com a branca é justificada, pois geralmente os padrões que a sociedade estabelece quanto à
beleza, o comportamento, a inserção em espaços sociais, que demonstrem status e que
descrevem a imagem social de um indivíduo na sociedade é associada ao padrão europeu
branco. Logo, a mulher negra estaria sempre em desvantagem visto que, mesmo influenciada
socialmente pela busca constante de tentar atender a esses padrões sua cor da pele não a
permitiria atingir a imagem considerada socialmente ideal.
Santos (2005) expôs que, historicamente, estabelecia-se uma relação entre os traços
físicos e a conduta moral. O corpo representaria a exteriorização da alma revelaria, por meio
dos seus traços, os vícios e as virtudes humanas. Os traços refletiriam a imagem do indivíduo
na sociedade.
Há um questionamento para as depoentes acerca da constante necessidade de
reafirmação da sua identidade étnica e, consequentemente, da valorização de sua imagem
social, diante de uma sociedade que estabelece a valorização do ser branco – aquele que tem
conhecimento científico, razão, inteligência e experiência e da ausência desses valores – o ser
negro.
Para Mead (1973 apud SILVA, 2007), há um jogo constante de interações e
modificações provocadas em ambos os polos das interações eu-mim, e indivíduo-comunidade.
As influências do entorno social sobre o indivíduo, em que este pode aderir num processo
gradativo, a formas de atuação compatível com a do grupo em que está inserido, sem se dar
conta, isto é, sem ter consciência, de como o processo ocorre.
Para esse mesmo autor, a aquisição de consciência é um processo posterior, que
possibilita duas formas de conduta opostas: o sujeito pode aderir à ideia do grupo porque
avalia ser para ele importante estar em acordo com os outros do grupo, ou pode manifestar
sua intenção de ser diferente não atendendo à manipulação do grupo. O reconhecimento do
indivíduo como pessoa, no processo de utilizar a consciência de si é o que proporciona a
atitude de afirmação de si ou a atitude de dedicação à comunidade. Converteu-se, então em
uma pessoa definida:

A gente vai observando que às vezes a questão de considerar que aquela de cor negra tem que
ser mais menosprezado. E4

O negro se ele puder ser invisível, é bom. Ele faz [trabalha], mas ele não aparece. Mas eu
acho isso ruim pra gente, prejudica a imagem [negra na sociedade]. E2
87

Um negro passar por certas situações [preconceito], que ele [negro] se sinta excluído,
especificamente por causa da cor. As outras pessoas podem até falar que não. Que não é
motivo, que não é só cor, mas você sente que é. E10

Observamos nos depoimentos o reconhecimento das impressões sociais sobre a


população negra. As depoentes reconhecem a existência da discriminação a partir de uma
posição crítica diante de sua condição social e demonstram em seus discursos
posicionamentos contrários a essas atitudes discriminatórias.
Oliveira (2004) afirma que a identidade racial/étnica é o sentimento de pertencimento
a um grupo racial ou étnico, decorrente de construção social, cultural e política. Ou seja, tem a
ver com a história de vida (socialização/educação) e a consciência adquirida diante das
prescrições sociais raciais ou étnicas, racistas ou não, de uma dada cultura.
A “cor da pele” é algo que não se pode descolar do indivíduo que a possui, entretanto,
a sociedade ocidental se utilizou desta informação social para desenhar a imagem do negro o
qual possui a cor da pele e o fenótipo diferente dos que possuíam poderes sociais (sócio-
histórico-políticos) e o transformou num estigma. Estabelecendo uma categoria para os
considerados “não normais”.
As questões relacionadas à “cor da pele” acabam por estabelecer os estigmas sociais.
Estes são oriundos de signos. Os signos transmitem a informação social e variam em função
de serem, ou não, congênitos. Caso não sejam, quando uma vez empregados, tornar-se-ão
parte permanente, como por exemplo, a cor da pele que é congênita. Um signo que parece
existir por motivos não informativos pode, algumas vezes, ser fabricado premeditadamente
apenas devido à sua função informativa (GOFFMAN, 2008).
Geralmente, a pele de “cor preta” é caracterizada socialmente como um signo que
traduz uma classe social desfavorecida conferindo aos indivíduos que a possuem um
descrédito, uma desvalorização e uma imagem social estigmatizada:

É aquilo que eu falei no início que a gente [mulher negra] às vezes fica meio subjugada por
questão de classe social e a cor pele. E7

Assim, a gente [mulher negra] tem um estigma muito grande de que o negro (a) foi feito pra
suportar. O negro tem que ser sempre subserviente. E2

Verificamos nos depoimentos das mulheres negras universitárias que estas indicam
relação direta entre a imagem social da mulher negra e os aspectos socioculturais brasileiros.
Basicamente, a mulher, em especial a negra, tem como signo imputado (estigmas sociais) as
questões referentes à sensualidade corporal – cultura das danças que enaltecem as curvas
88

femininas, como por exemplo, o próprio carnaval, o samba e a cultura tropical que valoriza o
corpo da mulher negra:

O corpo da mulher negra... a mulher negra não precisa nem falar, ela tem que rebolar. E1

A negra tem que ser a bonita, que rebola até o chão, que samba na Mangueira. Só na época do
carnaval que a [mulher] negra é valorizada.. A mulher negra só tem que rebolar e o gringo
fica ali babando, tirando foto. E2

É comum observamos na sociedade brasileira a utilização da imagem social midiática


da mulher negra brasileira para divulgar os atrativos naturais do país, o que estabelece um
signo e, em algumas situações estigmas. Figuras glamorosas e exuberantes de mulheres não
brancas desnudas, como se o país fosse um paraíso sexual:

Acho. Porque a mulher parda ainda tem aquela coisa assim, né? A „morenaça‟! „Morena cor
de jambo‟; uma coisa assim, né? E8

Aí vem a propaganda da N. [linha de cosméticos], as branquinhas lá com as maquiagens, com


os cremes. Aí no carnaval, as negonas tudo lá sambando. É assim. Isso me deixa
extremamente triste, assim. [...] A mulher negra só é vista como isso [objeto], ainda, assim.
Ela [mulher negra] não dá entrevista e quando dá entrevista algum negro na época do
carnaval, quem dá é o interprete que fala meia dúzia de coisas [Vamos lá, puxa o som]. E2

O uso indiscriminado das imagens fortalece os signos sociais e não refletem a real
condição de vida deste grupo populacional, ou seja, ausência de qualquer tipo de glamour.
Entretanto, diante de condições precárias de vida, entendemos que o uso da imagem sensual
do corpo negro proporcionaria um ganho secundário para as mulheres negras. Em seu
cotidiano vivenciam as dificuldades e desigualdades sociais. Entretanto, tornam-se mais
valorizadas quando objeto de sensualidade pela mídia – as mulatas tipo exportação, o que se
torna para algumas mulheres negras uma meta de sucesso na vida.
Giacomini (2006), ao pesquisar um grupo de mulheres negras inscritas no curso de
Formação Profissional de Mulatas, numa instituição profissionalizante no Rio de Janeiro,
descreveu que as mulheres negras entrevistadas veem que a condição de mulata profissional
pode proporcionar uma ascensão profissional. Essa aptidão é vislumbrada como uma benesse.
Apesar das benesses, elas se veem defrontadas aos estigmas associados seja à imagem da
mulata sensual e disponível – que, contraditoriamente, aceitam, rejeitam e devem
representar/apresentar, seja à imagem da mulher da noite.
Pensar e falar sobre o corpo da mulher negra implica, a priori, pensarmos o corpo
como signo do que reproduz uma estrutura social de forma a lhe dar um sentido particular,
que certamente irá variar de acordo com os mais diferentes sistemas sociais. Logo, o ganho
89

secundário parece estar relacionado à visibilidade que elas alcançam ao permitirem o uso da
sua imagem (FAUSTO-STERLING, 2001; NOGUEIRA, 1999).
Para Goffman (2008), os signos não permanentes, usados apenas para transmitir
informação social, podem ou não ser empregados contra a vontade do informante e quando o
são, tendem a serem símbolos de estigmas. Utilizando as ideias do autor para discussão das
falas das entrevistadas, entendemos que as mulheres negras universitárias entendem que há o
uso da imagem do corpo da mulher negra na busca de uma visibilidade social.
Seguindo a ideia do autor, as mulheres negras ao compartilhar a sua imagem social na
imprensa, demonstram não reconhecer a cor da sua pele como um estigma negativo, mas
como positivo. Isso se dá, talvez, pelo fato de não conseguirem visibilidade em decorrência
de sua própria condição de mulher e negra em nossa sociedade. Para as mulheres negras
universitárias, ao permitirem a veiculação da sua imagem pela mídia, as mulheres negras
cristalizam os estigmas sociais que estão atrelados à mulher negra – o ser objeto.
As falas das depoentes evidenciam que ainda hoje a imagem social da mulher negra
para a sociedade tem o seu valor atrelado ao corpo. Entretanto, as depoentes acreditam que
esta visibilidade não acontece na mesma proporção, quando comparadas às mulheres negras
que se valem dos estigmas sociais que as conduzem para a mídia. Para as depoentes este
estigma é ruim para a imagem das mulheres negras na própria sociedade brasileira.

4.2 A formação universitária na vida da mulher negra

Nesta categoria versamos sobre as transformações sociais e pessoais ocorridas na vida


das depoentes, a partir do processo de formação universitária. As experiências vivenciadas
pelas depoentes durante o processo de formação, descritas sob sua ótica descrevem a
influencia e o papel da universidade sobre sua vida. No evolver do processo de análise,
emergiram duas categorias intermediárias – Situações positivas vivenciadas durante a
formação universitária e as Situações Negativas vivenciadas durante a formação
universitária.
90

4.2.1 Situações positivas vivenciadas durante a formação universitária

Para as mulheres negras universitárias, a universidade constituiu-se num espaço de


ampliação do conhecimento, transformações pessoais e sociais com consequente melhoria da
inserção social. Descreveram haver relação da aquisição do conhecimento científico com a
melhora de sua autoestima e das mudanças em suas atitudes pessoais (flexibilidade).

Eu era muito impositora. Talvez pela exigência de ter que ficar me posicionando sempre.
Hoje em dia, eu sou mais flexível, sou mais aberta a informações, escuto mais do que falo. E
pela experiência também de vida. E1

Seria [crescimento social] através dos estudos. E4

Então isso [conquistas pessoais] é legal para sua autoestima também. E6

A formação universitária para os indivíduos na sociedade tende a promover mudanças


ou transformações tanto sociais quanto pessoais nas diversas esferas da vida destes
indivíduos. Neste caso, para as mulheres negras que conseguem se inserir neste espaço,
considerado a „nata intelectual‟ da sociedade e, que outrora lhes era limitado, em decorrência
de sua própria condição de mulher e mais ainda, pelas questões étnicas, alcançar a formação
universitária constitui uma verdadeira conquista, uma vitória:

Eu tenho como uma vitória mesmo estar aqui [universidade]. E9


Eu tive esse privilégio de estar aqui [universidade] cedo, com a minha idade. E4
Como negra como mulher negra. É uma importância [valor] maravilhosa. Quando eu falo pras
pessoas: não, mas eu estou [estudando] na pós-graduação que pretendo fazer o doutorado.
Consegui. Cheguei lá. To conseguido. E vou mais além. E3

As transformações sociais para as depoentes são influenciadas pela formação


universitária. O cenário da universidade, o contato com novas realidades sociais, a própria
ampliação do conhecimento científico e também o status social em alcançar o ensino superior,
numa sociedade onde os indicadores educacionais ainda revelam um número significativo da
população fora do mundo do conhecimento e da tecnologia, tem papel determinante para as
entrevistadas em sua inserção social.

Eu acho que a universidade é bem politizada neste campo [formação reflexiva], ela mostra, abre
o leque para você ler, entender, observar, tirar sua conclusão. Ali era a minha casa. E 5

Esse espaço [universidade] formador de aprendizagem, ele mexe muito com as características
nossas, de ser humano, que ele vai moldando [...]. Busca formar um profissional, mas as suas
características pessoais também atreladas a esse processo [formação]. E7
91

Considerando o fato de serem mulheres e negras, essa conquista se destaca em função


das questões de gênero e mesmo étnicas (sexismo e racismo). No âmbito das ações que
garantam a equidade dos direitos humanos no país, documentos foram assinados com vistas à
melhoria das condições da população, em particular no âmbito da educação (UNESCO,
2008). Nesse sentido, a inserção de mulheres na educação superior tornou-se mais evidente do
que no passado, o que tem contribuído para o empoderamento de algumas mulheres, sua
visibilidade no meio social, o que auxilia no enfrentamento dos ciclos de violência sociais
praticados contra este grupo, dentre elas a violência de gênero (BRASIL, 2009).

Eu acho que foi uma experiência [acesso ao conhecimento], acho que hoje eu iria aproveitar
muito mais algumas coisas, algumas experiências, em termos de ensino, de exploração, de
oportunidade de pesquisa. Eu acho que [...] as conquistas profissionais, acadêmicas, dá mais
chão para você, acho que você se sente mais seguro para entrar em qualquer espaço. E6

Foi vitorioso. Hoje eu me sinto assim vitoriosa. Eu não tenho vergonha de chegar a lugar
nenhum, de conversar, de ir a qualquer lugar. Tive a oportunidade é claro por formação
devido ao meu pai ter uma condição um pouco melhor, de me oferecer um estudo de uma
universidade pública. E3

As mulheres negras relatam que a universidade pública, cenário de sua formação


universitária, ofereceu-lhes a oportunidade em descobrir novos conhecimentos e,
consequentemente, ampliar sua crítica diante dos fatos sociais:

A universidade pública ela abre muitas oportunidades para os alunos. Eu sempre pude participar
de muitos projetos na universidade (congressos, escrever artigos, participar de pesquisas como
bolsista, iniciação científica). E8

A gente recebia [bolsa de permanência] e fazia dois cursos que a universidade permitia. Então
fazia dança, teatro, inglês. Então eu escolhi o inglês instrumental e português. Sempre tive
muito interesse nas coisas [possibilidades ampliar o conhecimento] da faculdade e [...] tinha um
processo seletivo para um projeto de pesquisa [participei e fui selecionada]. E7

O sentimento de pertencimento neste espaço é traduzido pela importância que as


depoentes expressam acerca de sua inserção social como indivíduo de direitos. O acesso ao
conhecimento, a condição de universitária lhes confere a materialização do alcance de um
status social e a possibilidade de exigir outros direitos:

Aqui dentro [universidade] a gente tem até algum valor, a academia valoriza. E lá fora quando
você vira enfermeira assistencial? Ninguém te libera do seu trabalho para fazer o seu
mestrado, por exemplo. Ninguém te valoriza. A academia valoriza. E2

Mas eu sei que eu posso muito mais [ir mais longe]. Porque assim, eu sempre falo [Se tiver
que ser meu, vai ser meu, eu tenho que estudar], né? E9
92

A aquisição de novos conhecimentos permite reflexões ao indivíduo acerca de ser e


estar no mundo. A universidade tem como papel fundamental promover reflexões e sugestões
sobre as condições de vida da população e de seu meio.
Desse modo, a universidade exige do acadêmico maior domínio de múltiplos saberes,
habilidades e criticidade capazes de desenvolver sua autonomia intelectual para resolver
problemas práticos com conhecimento científico, consequentemente uma autonomia moral,
ética e, por fim, um comprometimento na construção de uma nova sociedade crítica e criativa
(FERREIRA; SANTOS, 2011).

Na faculdade eu tive algumas oportunidades de me envolver em alguns estágios


extracurriculares, projetos de pesquisa. Os professores, alguns, colocavam cartazes das
oportunidades de estágio, de projetos e dentro das minhas possibilidades de horário até porque
eu tinha que fazer algumas atividades fora da faculdade, eu buscava sim fazer parte. E10

O acesso às diversas oportunidades voltadas para realização de pesquisas, estágios


extracurriculares e outras atividades incentivam e demonstram a necessidade do aluno em
buscar e atender às propostas estabelecidas pela universidade, promovendo atitudes
relacionadas ao seu papel social vinculado a uma instituição universitária. Entendemos que
para a formação de profissionais críticos e reflexivos se faz necessário o acesso a ferramentas
que capacitem e preparem este profissional para que possa atender às necessidades da própria
sociedade.
Ferreira e Santos (2011) afirmam que a universidade se aproxima de sua meta, ao
oferecer uma formação acadêmica vinculada à função social, tal qual se espera e se almeja
nos dias atuais, e pode desempenhar verdadeiramente seu papel social frente aos desafios de
nossa realidade. Em decorrência destes desafios, a qualificação passa a repousar sobre
conhecimentos e habilidades cognitivas e comportamentais que permitam ao cidadão/produtor
trabalhar intelectualmente e dominar o método científico de forma a ser capaz de se utilizar de
conhecimentos científicos e tecnológicos articulados para resolver problemas da prática social
e produtiva.
A Declaração da Conferência Regional de Educação Superior na América Latina e no
Caribe (2009) reconhece o conhecimento como bem social. Este documento destaca que o
conhecimento é um bem social e será produzido, transmitido, criticado e recriado em
benefício da sociedade. Essa produção de conhecimento ocorre em instituições plurais e livres
que gozem de plena autonomia e liberdade acadêmica na busca de soluções às demandas,
necessidades e carências da sociedade, devendo favorecer a construção de propostas que
auxilie a população n o pleno exercício de sua autonomia e cidadania.
93

O meio [universitário] influenciou com certeza. Foi um local que me abriu muita porta para
outros espaços. Porque quando você se sente [devido ao processo de formação] mais segura,
você se sente mais bem colocada [nos espaços sociais]. E6

Na prática eu sempre busco ir além. Se eu consigo ir até ali, eu quero buscar muito mais. [...]
a mesmice me deixa mal. Acho que é porque eu fui criada sempre que ir buscar. [...] Não tem
só coisas boas, que a gente sempre teve que passar por degrau. E1

O ensino superior tem como finalidade a formação de indivíduos críticos e reflexivos;


o estimular da produção de conhecimento considerando os problemas atuais da sociedade; a
prestação de serviços especializados à comunidade e estabelecer com esta uma relação de
reciprocidade (BRASIL, 1996).
A inserção no mundo universitário deve possibilitar, com a aquisição dos
conhecimentos e novas vivências, a transformação de algumas realidades sociais, ainda que
na esfera microssocial, já que no macrossocial as transformações dependem de um contexto
estrutural governamental.
Verificamos também que a universidade representa um mundo novo para as depoentes
e, consequentemente, outras possibilidades acabam por serem vivenciadas:

Eu me senti num mundo [universidade] novo. E8

A faculdade é outro mundo, você interage com vários tipos de pessoas, então você tem uma
visão ampliada. E4

O ensino superior eu busquei porque eu queria estudar mesmo, sempre gostei. Assim, não
pensava muito na possibilidade de parar de estudar no segundo grau. Eu queria ter uma
profissão. Sempre achei isso importante. E6

É possível observar que para essas mulheres, o fato de ter entrado na universidade
significa muito mais do que transpor o vestibular, o qual é para a maioria dos estudantes um
marco, um ritual de passagem. Para as jovens negras significa ter perseverança, ultrapassar as
adversidades e vislumbrar uma profissão de nível superior.
A inserção na universidade para este grupo proporcionou transformações que lhes
permitiram galgar espaços sociais na esfera do ensino, ou seja, multiplicadoras do
conhecimento adquirido. Também acaba por constituir uma parcela diferencial da maioria da
população negra, o que pode vir a influenciar na ruptura dos paradigmas. Esta condição
reflete no dado individual dessas mulheres negras, o que torna elevada sua autoestima:

Quando eu comecei a me inserir mais no espaço acadêmico, a dar muito curso, muita palestra.
Abriram um pouco os espaços para mim nessa área acadêmica. Que é uma coisa que eu acho
muito legal e que eu valorizo muito. Então isso [conquistas pessoais] é legal para sua
autoestima também. E6
94

As conquistas pessoais influenciam de maneira intensa a vida de qualquer indivíduo,


em particular na vida de mulheres negras, que possuem um histórico de dissabores ao longo
da construção da sociedade brasileira. Como resultado da inserção no meio universitário, este
grupo consegue perceber as transformações pessoais que alcançam outras esferas, sejam as
familiares, econômicas, políticas, sociais e cultuais. Essas mulheres acabam se sentindo
importantes e responsáveis em contribuir com ações propositivas para o desenvolvimento da
sociedade:

Foi uma experiência infinita. Assim, eu trabalhei com população de rua, era um projeto do
município, da Secretaria Municipal de Saúde e assim, eu vivenciei. Eu achava que eu era
muito pobre e eu vi que eu era muito rica, rica de tudo, de conhecimentos, de informação, de
profissão. E eu tentei passar, durante esse período todo, nas palestras que a gente fazia nos
projetos, que todo mundo pode conseguir alguma coisa. Porque eu acho que essa população
precisa de pessoas que gerem informações, que coloquem a autoestima deles pra cima,
porque, como eu mostrava pra eles, eu não vim de família rica, não tive condições desde o
início. E2

E a nossa família, eles estão nos vendo como um exemplo. Até porque nós somos negros
[depoente] e somos exemplos para outros negros, então nossa família, nossos primos mais
novos, nossos sobrinhos têm se espelhado bastante na gente. Eles têm tido a vontade de trilhar
o mesmo caminho. Então a gente sente que tem esse compromisso também. O negro tem esse
compromisso. E10

Em nossa sociedade o nível universitário é uma condição privilegiada para poucos


(elite intelectual) e por isso é “outro mundo”. As mulheres negras destacam que há pouco
tempo estavam no ensino médio, cujo perfil era igual ou próximo ao dos colegas, e na
universidade isso se modifica. Elas entram em contato com outras pessoas, outras realidades
sociais e econômicas:

Quando você entra na faculdade, você vê, é gente de todos os cantos, todas as idades, com
todas as experiências de vida. Nossa, é muito diferente Parecia que eu estava mundo a fora
porque quando você está indo na escola, ensino médio, o perfil é mais ou menos o mesmo de
pessoas que estão ali com você, de classe [sociais], de ideais, projetos, enfim. E9

As mulheres negras ao vivenciarem o meio universitário apresentam uma melhora de


sua autoestima por se sentirem valorizadas socialmente. Relatam que o meio universitário,
com suas novas perspectivas e mesmo cobranças cotidianas, permite-lhes identificarem-se
com o sucesso social:

Aí faz você refletir na imagem do negro perante a sociedade porque aqui dentro [na
universidade], a gente tem até algum valor. E2

Eu vou me sentir mais vitoriosa [pela continuidade dos estudos]. E3


95

A condição de universitária para as mulheres negras produz visibilidade social (status)


e a libertação da condição de desigual. A conquista que as entrevistadas referem está
condicionada ao status que o saber confere e, consequentemente, a possibilidade de ter uma
melhor posição social (poder):

Assim, não digo que eu sou rica, mas, o que, em relação ao que eu tinha que não era nada, a
gente tem carro, a gente tem casa própria, compramos num negócio agora. E1

Depois da faculdade eu comecei a trabalhar num laboratório de pesquisa experimental em


microcirculação, como técnica de nível superior e esse meu envolvimento com a pesquisa foi
muito importante E8.

Para Laborne (2006), as mulheres negras buscam a libertação da situação de exclusão,


delimitação dos lugares que podem ocupar. Para a autora, a mobilidade educacional, apesar de
estar relacionada com a mobilidade social, vai além da simples questão financeira. Este fato
pode ser constatado com as falas das depoentes sobre as transformações pessoais oriundas da
formação universitária.
As transformações pessoais para os sujeitos da pesquisa ocorrem com os
desdobramentos a partir da valorização do conhecimento científico, o que lhes permite uma
flexibilidade em relação às atitudes do próprio cotidiano e sua inserção social contribui para
uma autoestima elevada:

Eu me vejo como uma pessoa aberta a sugestões e opiniões, que me engrandecem e me


ajudam. O conhecimento, mais as oportunidades que eu tive de trabalho, as experiências que
eu tive no meu dia-a-dia contribuíram muito na minha vida profissional e pessoal. E10

[...] Mas foi um espaço de transformação [estar inserida na universidade]. Eu acho que
transformação mesmo acadêmica. E9

Observamos nos relatos das entrevistadas as transformações na vida de quem propõe


mudar, a partir de sua inserção no meio universitário. O contato com as adversidades, as
discussões sobre os direitos humanos e sociais, com informações que despertem a criticidade
e a motivação para a defesa da igualdade de direitos acabam por inculcar atitudes de
reivindicação e busca por autonomias. Cabe destacar que a proposta de uma universidade é o
saber e o avanço tecnológico em prol da liberdade e da qualidade de vida.
Nesse sentido, Appiah (1997 apud REIGOTA; CRISÓSTOMO, 2010) defende a
importância da educação como formas possíveis de mudanças sociais e apontam para a
relevância de a Pedagogia mudar de mãos, que, livres da opressão, constroem capacidades,
escrevem sua própria história, agora, como sujeitos. Para os autores o simples gesto de
escrever para e sobre si tem profunda significação política.
96

O leque de possibilidades se abre para este grupo e tornam visíveis, quase palpáveis,
as transformações pessoais intrínsecas no processo da formação universitária. De maneira
positiva, estas pessoas se percebem como sujeitos de direitos e da sua própria história de vida.
O processo de formação universitária para as depoentes foi permeado de situações
positivas e negativas, um período impar para cada uma. O acesso ao conhecimento é
fundamental. A partir dele há uma ampliação dos horizontes, transformações profundas
sociais e pessoais que foram de extrema importância para que pudessem se perceber com a
valorização da autoestima e a melhora na inserção nos diversos espaços sociais.
Verificamos que o acesso à educação e a todos os processos de ensino/aprendizagem
são percebidos pelas mulheres negras universitárias como agentes transformadores e positivos
na vida do ser humano.

4.2.2 Situações negativas vivenciadas durante a formação universitária

Esta categoria apresenta os sentimentos que as entrevistadas compartilham em relação


às desigualdades de classe social no meio universitário, às indecisões, pela escolha da carreira
devido aos referencias familiares; as frustrações e o desconhecimento do curso escolhido,
déficit e limitações de aprendizagem e a própria adaptação nas instituições.
O meio universitário, apesar de proporcionar o estabelecimento de relações
interpessoais, de ser um local reflexivo e de análise crítica, também pode se caracterizar como
espaço onde há exclusões, desigualdades sociais e econômicas. A universidade pública, uma
instituição pluridisciplinar e que cultiva o saber humano, teoricamente deveria priorizar as
classes desfavorecidas, mas ainda está aquém de atender esta população na sua totalidade
(GOMES, 2003):

Fazer faculdade integral pra quem tem poucos recursos [financeiros], a gente sabe que não é
fácil. Mesmo sendo pública, tem que almoçar fora todo dia, passagem para lá e para cá. É
pública, mas realmente não é fácil. Nem sempre dava. Tinha que dar um jeitinho. E10

Sempre foi com muito esforço [financeiro] para que a gente pudesse estar estudando numa
universidade pública. Então a gente tinha uma ideia assim da elite, dos mais favorecidos, dos
brancos, das pessoas que iam de carro, nunca igual nós que íamos de metrô, pessoas pardas,
pessoas menos favorecidas no dinheiro. E7

E eu fiz a UFF, fiz Fundão, que eu achava mais popular, que era uma Universidade, assim,
mais aberta a qualquer classe e só que eu passei pra UERJ que eu não queria. Foi exatamente
a qual eu passei. Eu achava da UERJ era exatamente o que eu encontrei. Uma universidade
elitizada. Porque tinha muita gente [...] nariz em pé, não sei muito bem a palavra. Mas todos
97

tinham um carro: [Ganhei um carro quando passei na universidade (exemplificando a fala dos
colegas)] e eu ia de trem. E1

Observa-se que as próprias mulheres negras indicam ser a universidade um espaço da


elite a que não teriam acesso. É fato que a universidade pública ainda nesse início de século,
apresenta uma hegemonia entre os acadêmicos que não possuem a tez preta e os que possuem
melhores condições financeiras, pois tiveram condições de melhor classificarem no vestibular
(QUEIROZ, 2004):

Então, esse momento [início do curso] dentro da universidade foi muito marcado pra mim,
porque foi o momento que a gente pode entender que existia sim essa separação dos mais
privilegiados, dos demais, mas que todos conviviam juntos ali. E7

Não [Eu não me reconhecia naquele espaço de brancos]. Foi uma grande dificuldade, apesar
de ter sido a única negra da minha turma. Eu sentia falta [outros acadêmicos negros na turma],
mas isso não me impedia de fazer as coisas não, desenvolver. E10

A maioria das pessoas [discentes] morava na zona sul. Ninguém conhecia Santa Cruz: [Santa
Cruz não sei da onde?], [...] Não porque as pessoas tinham obrigação de conhecer, mas assim,
pra você ter noção de que a zona oeste, ou a classe baixa, não era a realidade da UERJ,
entendeu? Era uma vida que era totalmente fora da realidade que eu vivia né? A maioria das
pessoas [discentes] e saiam da UERJ e iam pra um shopping e eu demorava 3 horas para
voltar pra casa. E1

Há a predominância de pessoas das classes mais favorecidas no meio universitário


público. As depoentes destacam inclusive ser comum para os pais das classes mais
favorecidas presentearem os filhos que ingressaram numa universidade pública com um carro.
Afinal de contas, ele se preparou para cursar o ensino numa universidade pública, é oriundo
dos melhores colégios do ensino médio, tem uma alimentação adequada, tempo disponível
para se dedicar aos estudos.
Este rol de benefícios que deveria fazer parte do cotidiano de todo jovem adolescente,
para que possa competir de maneira equânime nos vestibulares, não é a realidade da maioria.
Ao contrário, o ensino médio é de fraca ou pouca qualidade, a alimentação na medida do
possível, e pouco o tempo disponível, já que precisam trabalhar para contribuir com a renda
da família. Acreditamos que o desafio maior para as depoentes, além de perceberem as
diferenças que existem entre negros e brancos no ensino superior, é o de não se deixar
intimidar, pois na verdade, as disparidades entre as classes sociais afrontam àqueles que não
têm posses:

Na universidade senti realmente, às vezes algum [comentário] não de professores, mas sim de
colegas. Ali naquele ambiente a gente ouvia muito, os colegas diziam, eu ouvia muito colega
dizer assim pra mim [eu moro depois do túnel] aí eu também brincava [mas eu também moro
depois do túnel se eu vier no sentido contrário, eu moro. Se era porque queria dizer [olha eu
moro no melhor e você não]. E3
98

Alguns posicionamentos de professores. Piadinhas em relação a nossa cor mesmo. Algumas


características por ser enfermeira [estigmas]. Por ter feito estágio e, por ter atuado com alguns
pacientes, que às vezes era discutido em turma sobre os pacientes negros. Às vezes, eu me
posicionava sozinha diante de todos [acadêmicos] a única [discente] negra da sala. E eu sinto
que se tivesse mais algum negro ou outros negros a discussão teria um melhor
direcionamento, maior embasamento. E10

Para as depoentes, os comentários que evidenciam as diferenças de classe social,


econômica e profissional fazem com que busquem mecanismos de defesa em resposta às
provocações e afrontas a que são submetidas. É possível pensar que a melhora da inserção do
negro no espaço de formação superior se deve aos mecanismos facilitadores do ingresso e da
permanência neste espaço. Desta maneira, a presença consubstancial deste grupo populacional
certamente promoverá um fortalecimento em decorrência da coesão do grupo sobre uma
determinada posição/atitude (FERREIRA; SANTOS, 2011).
Quando da escolha das depoentes ao meio universitário, verificamos que uma parte
indicou não estar nas carreiras de sua primeira escolha. Apontou, inclusive, que esta escolha
foi fruto da influencia da família ou de sua autoavaliação sobre as suas possibilidades em ser
aprovada no vestibular:

Eu queria fazer Medicina, tinha aquela visão de Medicina porque tinha uma influência até
pelo pai que era médico, ai tentei duas vezes, na terceira foi até meu pai mesmo que disse
[olha minha filha por que você não faz enfermagem? A profissão é tão linda. Vamos ver se
você se adapta]. E3

O meu enfoque era Medicina, que a princípio, é uma faculdade totalmente elitista e tem
também essa questão do negro médico O meu avô paterno era médico o meu pai é médico. E2

É porque eu queria Medicina. Hoje em dia, eu vejo que eu não teria o perfil pra Medicina
porque eu sou muito emotiva, me envolvo muito e hoje o mercado te exige uma pessoa que eu
não estaria no perfil E1

Eu queria ser médica, na verdade. Eu tentei Medicina, mas aí era bem difícil. E4

A escolha pelas chamadas carreiras de status faz parte da construção da própria


sociedade, basicamente, carreira como a Medicina, o Direito e a Engenharia tinham
prevalência de estudantes de famílias conceituadas socialmente. Associado a isso, eram as
profissões que privilegiavam estudantes do sexo masculino.
Para as depoentes, buscar essas carreiras é motivo para satisfazer às expectativas dos
pais, sem levar em conta o que realmente se gostaria como carreira. Interessante que, apesar
das escolhas pela Medicina as depoentes não se veem como médicas. Como não conseguiram
ingressar na carreira por alguns fatores, como não atingir as notas que garantissem a vaga, o
grau de dificuldade do curso e seu custeio, pois apesar de a universidade ser pública, os gastos
99

são elevados. Ao eleger uma possível carreira, a depoente deposita uma gama de expectativas,
muitas vezes sem conhecer o próprio curso.

Eu queria fazer Medicina, mas fiz Enfermagem, que não tem nada a ver. Porque para mim, a
Enfermagem era uma coisa horrorosa. [...] Mas vamos lá ver o que é, cheguei e gostei da
profissão. Eu não me vejo médica, assim, agora. Eu vejo os meus colegas médicos e falo
[Gente, não é pra mim não] definitivamente não é minha área. E2

Aí foi quando eu tentei a Enfermagem, eu consegui de imediato e fiquei satisfeita por ter
passado. E3

Hoje em dia vejo que eu não teria o perfil pra Medicina porque eu sou muito emotiva, me
envolvo muito e hoje o mercado te exige uma pessoa que eu não estaria no perfil e eu sou
uma pessoa muito feliz com a minha profissão. E1

Já que não deu Medicina, eu fui tentar a Biologia e passei e me formei. Mas estou satisfeita
com a minha escolha. Não me arrependo. E4

As barreiras apontadas pelas depoentes e que lhes causaram frustração quanto ao


desconhecimento do curso escolhido, déficit, limitações de aprendizagem e a própria
adaptação às instituições. Para os sujeitos da pesquisa, esse desconhecimento do curso se deve
às incertezas que permeiem o pensamento dos jovens adolescentes – a carreira a seguir. Uma
escolha que poderá trazer consequências, às vezes, desastrosas:

Fiquei reprovada em Sociologia porque eu chegava atrasada. Na época o trem atrasava muito.
Então me atrasou um semestre na UERJ e o professor era muito rigoroso com a carga horária,
essas coisas, e depois de 30 minutos, não podia entrar na sala. É, pois é isso foi um ponto
negativo para mim. E1

A maior parte da minha vida, eu estudei em colégio particular. Algumas vezes com bolsa
[estudo], algumas vezes com ajuda [família], né. Tive professores que assim eu lembro com
muito carinho, né, e que me ajudaram bastante no meu desenvolvimento. E10

O déficit e limitações relacionados à aprendizagem apontados pelas depoentes dizem


respeito à dinâmica do próprio processo de ensino/aprendizagem, que se apresenta de maneira
diferente para cada aluno. Além do processo ensino/aprendizagem a adaptação à instituição
gera apreensões, estas apreensões e está relacionada também ao novo, aos desafios que o ser
humano tende a enfrentar a todo o momento:

Ah, crise de identidade profissional, que aí você vê que a prática não é muito igual à teoria e
que a exigência dos professores, aquela coisa de achar que está difícil, Tentando me encontrar
mesmo. E6

Eu tenho certa limitação, eu tenho que sempre ultrapassar aquela limitação pra estudar porque
eu vejo: [ah, já não é o suficiente?] daí eu volto [olha aqui o que a tua mãe fez com você
antigamente. Você tem que estudar mais, senão você ser sempre sete]. Eu sempre fui uma
aluna B e C, B. Eu tinha limitações desde a infância uma fala da minha mãe – Ela [depoente]
é muito boazinha, ela não precisa estudar então o C não passa? Então, [ta bom]. E1
100

Tive professores que foram bem empenhados não só na parte de ensino [aprendizagem], mas
também na parte pessoal e saber da minha estrutura familiar, e saber das minhas dificuldades
pessoais. E10

Vivenciar as limitações no processo de ensino/aprendizagem significa empenhar um


esforço maior para que estas limitações sejam superadas. Quando não superada, as etapas
continuam a acontecer durante o processo de formação e o déficit é percebido pelas
depoentes. Estas realizam um resgate das suas limitações oriundas desde início da
escolarização, ou seja, na infância. A busca pela superação e qualidade profissional para
aqueles que estão em processo de formação gera conflitos em decorrência das metas a serem
alcançadas nas disciplinas e pelo próprio grau de exigência que cada uma apresenta.

4.3 A percepção da autoimagem social da mulher negra universitária

Nesta categoria as depoentes se descrevem suas percepções e apontam aspectos


positivos e negativos quanto à autoimagem de mulher negra universitária. Antes de iniciarmos
as discussões pertinentes às categorias intermediárias referidas acima, ressaltamos que
encontramos um ponto convergente entre os aspectos positivos e negativos, e que merece uma
reflexão.
Percebemos que ao mesmo tempo em que as depoentes têm atitudes perseverantes, são
empoderadas, valorizam sua condição étnica e se veem numa condição de igual perante a
sociedade, há um leve e momentâneo descrédito de si mesmas.

4.3.1 Visão positiva de autoimagem social

No que diz respeito aos aspectos positivos demonstram serem perseverantes e


valorizam a competência nos seus espaços sociais cotidianamente para serem reconhecidas:

Se eu consigo ir até ali, eu quero buscar muito mais Então assim, isso [as dificuldades
econômicas do passado] me gera muito mais assim, força de vontade para conquistar mais
horizonte. Eu não vejo limite em nada E1

Quando eu comecei a me inserir mais no espaço acadêmico, dar muito curso, muita palestra.
Abriu um pouco os espaços para mim nessa área acadêmica. Que é uma coisa que eu acho
101

muito legal e que eu valorizo muito. Então isso [conquistas pessoais] é legal para sua
autoestima também. E6

As atitudes perseverantes das quais as depoentes nos falam remete à ideia de


superação. E isto tanto é decorrente da busca feminina por superar os papéis socais e sexuais
sócia e historicamente construídos e imputados à mulher (o papel da mulher em sociedades
patriarcais geralmente subjugados à figura masculina), como nas questões referentes ao
preconceito racial, em que a população negra sempre foi vinculada ao desfavorecimento
socioeconômico, a ausência de direitos.
A mulher tem, culturalmente, como espaço de atuação, o universo privado e suas
obrigações estão condicionadas à manutenção do lar e à procriação. Na busca por direitos, a
mulher tem sua biografia transformada na sociedade, a partir das lutas e conquistas na esfera
pública e com o movimento feminista na busca por rever as relações hierárquicas entre
mulheres e homen na sociedade e na luta pela igualdade social, política, cultural e economica,
independentemente de sua etnia (GIFFIN; COSTA, 1999).
Atualmente, busca-se a igualdade de gênero, mas respeitando as especificidades de
cada grupo populacional. No caso das mulheres negras, além da igualdade de gênero, a busca
é por visibilidade e igualdade de direitos humanos, que outrora não contemplava distinções
que existiam entre as mulheres, ou seja, aspectos associados à classe e raça/etnia.
A fala das entrevistadas nos remete à superação pessoal como estratégia de
visibilidade e conquista de espaços sociais.

Então eu acho que a [força de vontade] contribui também [eu posso, eu consigo], entendeu.
E6

Eu não tenho vergonha de chegar a lugar nenhum [por ser mulher negra]. E3

A mulher negra sempre necessitou estar inserida na luta por melhores condições de
existência e, esta inserção se dava mediante diversas formas de organização, desde o período
escravocrata, na pós-abolição e até os dias atuais. É em meio a esta dinâmica que o processo
de emancipação, de busca de igualdade de direitos das mulheres negras se fortalece
(CARNEIRO, 2001).
O discurso de um comportamento que aponte o esforço, a superação, nos diversos
campos da sociedade, condiciona as mulheres negras a suportar, diuturnamente, desafios
(sexismo, preconceito racial e desigualdade social) e têm o papel fundamental de atuaram
como “mola-mestra” no impulso das mulheres negras em alcançar novos degraus na pirâmide
social.
102

As mulheres negras que conquistam melhores cargos no mercado de trabalho


despendem uma força muito maior do que outros setores da sociedade, sendo que algumas
provavelmente pagam um preço alto pela conquista (REIGOTA, CRISÓSTOMO, 2010).

Eu acho que a cor me facilitou [buscar forças], me ajudou a vencer as barreiras. Eu tive que
começar de baixo, a gente tem que buscar e não ter limite. Mesmo que você ache impossível
conseguir. E1

Então, a gente [mulher negra] é muito mais raçuda. E3

Observa-se uma valorização das questões pessoais como determinantes na superação


de sua condição social. A “força de vontade” é a condição diferencial, consideradas as
adversidades de ser negro num país de desigualdades sociais, inclusive étnicas. Para os
sujeitos da pesquisa, há um empenho em superar as barreiras que se apresentam. Interessante
que, devido ao processo histórico da população negra, parece que a cor da pele é um elemento
fundamental para gerar força, caso queiram ser profissionais bem-sucedidas na sociedade:

Na prática eu sempre busco ir além. Se eu consigo ir até ali, eu quero buscar muito mais. [...]
Acho que é porque eu fui criada sempre tendo que ir buscar. Eu acho que a gente [mulher
negra] tem um olhar totalmente diferente das outras. E1

Mas assim, na hora do trabalho isso [a condição de mulher negra] me ajuda [ter um olhar
diferente para as questões sociais]. E2

Considerando ainda os aspectos positivos referentes à autoimagem da mulher negra


universitária, verificamos que a maioria das depoentes valoriza sua condição étnica e aponta
não sentirem diferenças no alcance e vivência dos direitos sociais por questões étnicas.
A valorização da etnia por este grupo de mulheres se deve ao fato de serem oriundas
da universidade pública estadual, e de que esta possui um papel social na busca por melhores
condições da sociedade. A inserção deste grupo na universidade tem como desdobramento a
compreensão acerca dos direitos e as repercussões na vida daqueles que se apossam da
condição de cidadã, independentemente de classe social ou etnia:

A UERJ no momento está tendo um grande quantitativo de alunos negros, até mesmo por
causa das cotas. Mas, o mestrado não tem cotas. É mérito próprio. E é muito produtivo
também porque eu escuto algumas pessoas falarem que negro só consegue entrar
[universidade] por cotas. E no mestrado não tem cotas e nós estamos aqui. Então, é realmente
uma satisfação muito grande. E10

Este conjunto de direitos elencados no parágrafo acima contribui para que as jovens
depoentes tenham uma percepção diferente para as questões que envolvem a etnia. Dentre
103

eles o direito ao ensino superior, que produz uma ruptura do modelo ou universo acadêmico
que teve sua origem no século passado, e é hegemonicamente europeu, ou seja, um
conhecimento do homem branco.
As ações afirmativas reposicionam o debate concreto das relações raciais, que,
iniciado pelos discentes, traz consigo a semente em potencial, aos docentes e pesquisadores.
Por outro lado, põe em voga questões como as interpretações das relações raciais no Brasil
estabelecidas dentro deste mundo acadêmico intensamente desigual, sob o ponto vista racial
(CARVALHO, 2005-2006).
As depoentes apresentam um empoderamento nas falas ao assumir a sua condição
étnica. Ao assumir esta condição demarcam territórios nos espaços sociais por elas ocupados.
O orgulho de ser mulher negra numa sociedade excludente leva os sujeitos da pesquisa a
vivenciarem o enfrentamento pessoal e social acerca das questões raciais. Ao questionar e
reivindicar o respeito da sociedade em reconhecê-las como mulheres que têm um tom de pele
diferente e, por não qualificá-las como inferiores:

Hoje eu digo, eu tenho orgulho de mim [mulher negra]. Foram conquistas e hoje eu me sinto
assim vitoriosa [fortalecida]. Eu não tenho vergonha de chegar a lugar nenhum, de conversar,
de ir a qualquer lugar. E3

Eu nunca vi ser problema em ser negra. E4

Qualquer pessoa que me perguntar, em qualquer lugar [Eu sou negra sim]. Eu acho
importante, eu me aproprio [da minha condição étnica] do que é, mas assim, eu não me acho
diferente dessas pessoas. E2

Possivelmente essa geração encara as questões raciais com certo privilégio e não como
algo enfadonho. Essa geração usufrui dos frutos oriundos dos movimentos negros que
travaram embates na esfera social à busca de uma sociedade com igualdade de direitos. Ao
assumir a sua negritude demonstram uma identidade étnica e um posicionamento que ainda
apresenta resquícios de preconceito e discriminação para com aqueles que possuem a tez
preta.
O orgulho da sua negritude demonstra o empoderamento deste grupo e aponta para a
atualidade, o que reforça a ideia dos louros conquistados após diversas batalhas do
movimento negro no país. Desta maneira, a valorização da etnia para as depoentes contribui
para que reconheçam a igualdade de direitos frente à sociedade. Elas se percebem como iguais
às mulheres não negras, na sua condição de direitos.

Não, eu sou uma pessoa como qualquer outra. E2


104

Em nenhum quesito da minha vida isso [a cor] nunca foi um problema. E1

Os direitos humanos foram negados durante séculos e, quando este grupo passa a
conhecer e apropriar-se de seus direitos percebe que é capaz de pensar e refletir sobre as
ferramentas para reivindicá-los. Entendemos que uma das principais ferramentas é o acesso à
educação. Acreditamos que a educação, que transforma o ser humano, o empodera ao ponto
enxergar a si mesmo como igual onde não existe a distinção étnica ou de gênero.
Segundo Munanga (2001), a história dos embates das mulheres ilustra de maneira
perfeita o que seria o futuro dos negros. O sexismo e o racismo contra elas não foi totalmente
desarmado, mas essas mulheres ocupam cada vez mais espaços na sociedade, não porque os
homens se tornaram menos machistas e mais tolerantes, mas porque, justamente graças ao
conhecimento adquirido, elas demonstram competência e capacidade que lhes abrem as portas
outrora fechadas.
Para o autor os preconceitos persistirão ainda por muito tempo, mas as mulheres serão
capazes de se defender melhor diante dos desafios, ao exibirem certo conhecimento que não
dominavam antes. Estes conhecimentos lhes abrirão com facilidade algumas portas, em
decorrência do conhecimento adquirido.
A percepção das depoentes acerca da autoimagem não está ligada ao estereótipo ou
fenótipo que possam apresentar na aparência. A autoimagem perpassa a perseverança nas
atitudes no cotidiano, a partir da demonstração da competência como profissional. Na
valorização da sua condição étnica, as depoentes aproveitam de maneira positiva as questões
que envolvem raça/cor e os benefícios de que podem usufruir. O empoderamento permite a
este grupo um olhar diferente da própria condição racial, pois se vê como igual na sociedade.
Entretanto, é uma igualdade demarcada pelas diferenças de cor de pele.

4.3.2 Visão negativa da autoimagem social

Dentre os aspectos negativos, as depoentes descrevem a visão que têm de si como a


baixa autoestima, sentimentos de insegurança em se posicionar nos espaços sociais e
encontram dificuldade de falar sobre a sua própria autoimagem.

Não sei como consegui vencer algumas barreiras. E6


105

Pois é, esse é um questionamento [ter que ficar me posicionando sempre]que às vezes eu


faço em relação a mim, né? E1

Eu ainda sinto dificuldade com o tema [auto-imagem]. E 8

Os aspectos negativos apontados pelas depoentes demonstram que há muito a superar.


Estas mulheres não conseguem compreender de que maneira conseguiram ultrapassar as
barreiras por elas encontradas. A dificuldade que apresentam em se colocarem em primeiro
lugar na vida parece não ser correta como se o segundo lugar fosse uma condição estabelecida
pela sociedade. A inferiorização dada pela cor é como uma marca visível simbolizada
historicamente e parece definir quem é o negro e qual é e não é o seu lugar (ANDRÉ, 2007).
Este descrédito a que fazem referência reflete sua trajetória de vida a partir das
experiências que se dão ao longo da vida. Acreditamos que a baixa autoestima é produto das
experiências vivenciadas pelas depoentes desde a infância e que influenciaram, de maneira,
direta até o presente. Certamente, as depoentes possuem lembranças de palavras e ações na
fase da infância que as levaram a acreditar na sua inferioridade social.

A merendeira falou assim pra mim: [toda bonitinha, todo ano vem bonitinha, mas não penteou
o cabelo]. Minha mãe, ela tinha [transtorno mental], né? Então ela era uma pessoa que
cuidava mais do meu emocional. Sempre me deu muito carinho, [...]. Mas ela não tinha
condições de acompanhar em todas as questões. Na hora de ir pra escola [...] eu não ia com
meu cabelo bagunçado, mas a mulher falou aqui e aquilo me marcou, na época eu fiquei
assim magoada. E6

A partir das falas conseguimos compreender que o processo da construção da


autoimagem se inicia na infância no âmbito da família, em que não se consegue perceber as
diferenças pela referência e proximidade de traços físicos semelhantes com os familiares,
posteriormente na escola e em outros espaços sociais, nos quais as interações se estabelecem.
Entretanto, ao ingressar na escola a criança tem o primeiro momento de socialização com
aqueles com quem não são iguais e, desse modo, percebem a existência das diferenças.
No espaço escolar se manifestam as relações de poder que
constrói/desconstrói/reconstrói interações sociais. Certos indivíduos ou grupos estão
submetidos à vontade e ao arbítrio de outros, por rotinas e rituais estabelecidos em sala de
aula:

Eu sempre fui muito tímida, né e até hoje eu não consegui desenvolver muito bem esse lado.
A minha dificuldade de relacionar com alguns alunos de turma, né, de me posicionar e
desenvolver algumas atividades de interação. Então, acho que já fui um pouco mais tímida do
que já fui hoje. E10

Porque eu sempre fui muito tímida né? Eu quando era mais nova tinha muitos medos. E6
106

A crueldade encontrada na fala de uma criança acerca da cor de pele da depoente


demonstra que o preconceito racial é construído no seio familiar, ou seja, na base da
sociedade em que estamos inseridos. Entendemos que uma criança não verbaliza o que não
ouve e, para que verbalize esta fala preconceituosa lhe pareça comum, certamente vivência
no seu cotidiano expressões preconceituosas e discriminatórias.
Gomes (2003), ao pesquisar a educação, identidade e a formação de professores a
partir da sua tese de doutorado, encontrou subsídios que corroboram as falas preconceituosas
que as crianças negras vivenciam na infância. Para a autora, ainda que alguns comentários
pareçam ser ingênuos, há uma mensagem racial que determina o seu local de pertencimento
na sociedade:

Eu tinha uma amiguinha branquinha, cabelo escorridinho [Chanel] e a gente andava


grudadinhas, tinha muita amizade. Até hoje eu me lembro, [...] um dia depois do recreio a
gente foi ao banheiro que ficava bem próximo à sala e as outras coleguinhas pararam ela para
perguntar por que ela andava comigo. [Ah minha amiga] [Mas você não está vendo que ela é
negra?] E foi a primeira vez que eu me dei conta de que existia uma diferença [entre brancos e
negros]. E8

A baixa autoestima depende das experiências negativas, especialmente às relativas à


afeição, ao amor, à valorização, ao fracasso vivenciados pelas pessoas ao longo do tempo.
Não fica difícil compreender as consequências na vida de um indivíduo que cresce ouvindo
que o seu tom de pele é motivo de exclusão. Como as depoentes podem construir sua
autoimagem sem levar em conta fala de cunho depreciativo ou jocoso e que fizeram parte
desta fase da vida.
Segundo Bean, Clark e Clemes (1995 apud SOUZA, 2002), a autoestima afeta o
aprendizado. As pesquisas sobre a autoimagem e o desempenho escolar apontam a forte
relação entre a autoestima e a capacidade de aprender. A elevada autoestima estimula a
aprendizagem. O aluno que goza de elevada autoestima aprende com mais alegria e
facilidade.
O sentimento de insegurança frente à necessidade de se posicionar nos espaços sociais
para os atores da pesquisa sinaliza que o ser humano, nos seus espaços de interação social,
tende a atender às expectativas do outro:

Pois é, esse é um questionamento [ter que ficar me posicionando sempre] que às vezes eu faço
em relação a mim, né? Mas eu ainda não consegui não [me colocar sempre em 1º lugar]. Mas
eu ainda não sei por que [necessidade de se posicionar quanto à profissão]. O que não é bom,
né? Mas eu continuo com dificuldades, pela essa minha vivência na infância, né?.E1
107

No inicio da faculdade tinha [depoente] dificuldade de falar em público Esses seminários, e


eu ficava já me dava ataque cardíaco. Eu ficava, [meu Deus, como eu vou apresentar isso?]
E7

Mas com o negro, ele sente um pouco acuado. Se sente muito envergonhado [eu sou preta,
pobre]. E6

Os questionamentos diante das dificuldades em se colocar no primeiro lugar nos


parecem que não têm o direito de estar em primeiro lugar. Este sentimento demonstra que
parecem estar condicionadas a viverem em segundo plano. As depoentes, ainda que tenha
consciência da capacidade que possuem, acreditam que se colocar em primeiro lugar não seria
uma atitude correta. As dificuldades apontadas nos remetem à ideia de uma condição
estigmatizada, em que o indivíduo não apresenta atributos que possam lhes conferir crédito.
Para Goffman (2008), o indivíduo estigmatizado pode descobrir que se sente inseguro
em relação à maneira como os normais o identificarão e o receberão. Essa incerteza é
ocasionada não só porque o indivíduo não sabe em qual das várias categorias será colocado,
mas também, quando a colocação é favorável, pelo fato de que, intimamente, os outros
possam defini-lo em termos de seu estigma.

Você acha que você não é capaz. Que você não vai conseguir [Meu Deus, to sonhando alto]
né? E9

Então ela [professora] perguntava assim as coisas pra gente, e assim, um exercício para você
responder. Então eu lembro que uma vez ela me perguntou, aí eu respondi com medo. Ela fez
uma carinha assim, não era deboche, uma carinha assim brincando comigo dizendo assim:
[pode falar mais alto] tipo assim, ela respondeu que eu respondi bem baixinho, assim me
imitando, né? E5

Eu me vejo com uma pessoa com dificuldade, mas que procura sempre superá-las. E10

A dificuldade que os atores sociais da pesquisa têm em falar sobre a sua própria
autoimagem deixa claro que as questões do presente estão diretamente relacionadas com a sua
trajetória de vida. Há complexidade em abordar a temática da autoimagem para as depoentes,
quando indagadas pela autora, como em algum momento, falar de si fosse algo de menor
importância ou não pensado.

Eu não costumo pensar muito nessas coisas [autoimagem]. É meio complexa [autoimagem].
Olha, sinceramente, eu nunca parei pra pensar nisso [autoimagem]. E4

Esse assunto [autoimagem] eu não tenho muita clareza, ainda não consegui descobrir assim.
Acho que ainda tenho um pouco de dificuldade com o tema [enxergar-se no espelho]. É algo
que a gente não conversa [mulher negra], não fala. Eu ainda sinto dificuldade com o tema
[autoimagem]. E8
108

Entendemos que a autoestima está diretamente relacionada com a autoimagem. Desta


maneira, o fato de as depoentes não conseguirem falar sobre a temática ou sequer de não se
olharem no espelho, aponta uma autoestima baixa, que geralmente demonstra insatisfação,
rejeição e desprezo a si mesmas, e não se respeitam pelo que observa de si, mas ao contrário,
desejam mudar porque lhes desagrada (ILHA et al., 2009).
Interessante pensar que as marcas deixadas nas depoentes pelo o que elas vivenciaram
na infância refletem até os dias atuais, interfere na construção da sua autoimagem, inclusive
atualmente, mesmo sendo mulheres universitárias, negras e que alcançaram status social.
Entretanto, a autoconfiança pode se encontrar comprometida, o que interfere nas questões que
envolvem a autoimagem:

Tinha muita dificuldade, por exemplo, o banheiro da escola ele tinha um espelho imenso bem
na entrada. Eu não tinha coragem de olhar no espelho. Todas as minhas bonecas eram loiras
de cabelo escorrido, franjinha e, eu lembro que eu falava muito assim [eu tenho uma filha
loira]. E8

Para Mosquera (1978 apud ILHA et al., 2009), a identidade psicológica é um processo
abrangente que engloba elementos como a autoimagem e a autoestima. Percebe-se que esses
elementos se encontram articulados entre si e um complementa, dá suporte e interage com os
demais elementos.
As condições históricas contribuíram ou determinaram a baixa autoestima do
indivíduo negro. A condição psicológica abalada engessa o homem para ações e
posicionamentos de superação da condição adversa, e assim é que o negro corrobora em
fortalecer alguns estereótipos que lhes são impostos. A autoestima exerce certa influência na
aceitação do negro em reconhecer sua negritude e no reconhecimento de sua capacidade
intelectual, na certeza de que vem de uma geração que construiu o país em que vive
(CAMARGO, 2005).
Para Goffman (2008), há uma preocupação do autor em perceber a maneira com que
os indivíduos socialmente estigmatizados se sentem em diferentes situações sociais e como
são variadas suas reações. Segundo o autor, os indivíduos estigmatizados, geralmente se
envergonham de si mesmos, numa sensação de desconforto e são, além disto, dominados por
sentimentos de insegurança. E isto se deve ao fato de o indivíduo não saber como será aceito
pelo grupo, os chamados “normais”.
Os olhares negativos pautados no descrédito que as depoentes apontam neste estudo
são o reflexo da história de vida de cada uma e dependem da maneira como as questões acerca
da autoimagem foram discutidas ou abordadas na esfera familiar e no processo de
109

escolarização da primeira infância, o que se desdobraram ao longo da vida. Os sentimentos de


baixa autoestima estão proporcionalmente atrelados à autoimagem.
110

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O entendimento das mulheres negras universitárias acerca das relações existentes entre
a formação universitária e a autoimagem a partir de sua própria perspectiva evidenciou um
olhar sobre si mesmas e sobre a imagem social da mulher negra na sociedade.
As depoentes apontaram, a priori, que a condição social, a inserção do negro e da
mulher negra na sociedade brasileira estão diretamente ligadas ao seu tom de pele, ou seja, ao
terem a tez preta encontram-se inseridos, majoritariamente, em condições desfavoráveis.
Quanto mais enegrecida a população, mais distantes de exercer a sua cidadania de maneira
plena e efetiva, com destaque para as desigualdades sociais que se desdobram em todas as
esferas da vida da população negra, embora esta seja quase a metade da nossa população. Isto
demonstra o quanto o país se encontra distante de atender às necessidades básicas que
atendam de maneira equânime à especificidade de cada grupo populacional.
Para as depoentes, a mulher de tez preta ainda tem o seu valor social agregado ao
corpo e aos atributos característicos que as elevaram à condição de “mulatas que não estão no
mapa”. Atributos que contribuíram e contribuem com os estigmas sociais que foram
construídos concomitantemente com o progresso da sociedade brasileira, o que permitiu à
sociedade desenhar o retrato da mulher negra no país.
A imagem social da mulher negra está atrelada ao objeto de sensualidade e
sexualidade que a sociedade, por meio da mídia, insiste em expor como se este corpo negro
fizesse parte da beleza natural do país e, que este pode ser explorado por qualquer pessoa.
Segundo as depoentes, esta desvalorização da mulher negra na sociedade não é um fato novo,
o que muda neste cenário são os atores coadjuvantes de cor preta ou parda que buscam
transpor a barreira da invisibilidade mediante a inserção na educação.
O desenho ou imagem social estabelecida, e que interfere no processo de
desenvolvimento social deste grupo populacional até os dias atuais, é ainda a ideia de que a
população negra é desacreditada pela sociedade e pela própria população negra. A imagem é
construída ao longo da vida, mas tem seu início na infância. Este período não deveria ter sido
permeado de falas e situações que reafirmam a condição de seres humanos inferiores e sem
possibilidades de transformações pessoais e sociais, pois isto acaba por cristalizar, naturalizar
no negro, visões sobre si mesmo.
Desse modo, a imagem de uma figura exótica, dotada de sensualidade, apta a
satisfazer os desejos sexuais dos senhores de engenho, no passado, e nos dias atuais, dos
111

ávidos turistas que chegam ao país em busca da “mulata de exportação” (um produto
comercializado para exterior). Esta idéia pode ser considerada como reforço de um estigma
histórico socialmente construído, naturalizado, não percebido como algo negativo e de
dominação.
Em nossa sociedade, é possível perceber algumas mudanças sociais quanto à presença
da população negra na educação superior. Entretanto, os estigmas sociais inerentes à nossa
cultura e presentes no cotidiano ainda engessam a imagem da mulher negra na sociedade, se e
considera principalmente a cor da sua pele.
Cabe destacar, entretanto, que as mulheres negras universitárias da área da Saúde,
apontaram a inserção em cursos superiores como condição fundamental para transformação
social, não só deste grupo étnico, mas de todo indivíduo inserido na sociedade. O acesso ao
espaço de formação universitária e da esfera pública permitiu que este grupo encontrasse e se
apropriasse dos seus direitos de cidadãs. A compreensão acerca desses direitos acabou por
gerar ou ressaltar o empoderamento em cada depoente. Isto não quer dizer que este grupo não
fosse empoderado, mas isto agora constitui um alicerce sedimentado na educação e no status
social universitário.
As entrevistadas valorizam o conhecimento como um patrimônio e a universidade
como um espaço para ampliação do saber que favorece uma melhor posição social. A
condição de universitárias permite-lhes sentirem-se mais seguras em se posicionarem na
sociedade e de se perceberem como cidadãs.
O conhecimento promoveu transformações sociais e pessoais. Elas descrevem
mudanças em suas atitudes e na maneira de enxergar o mundo em que vivem, além da
possibilidade de propor futuros microssociais, ou seja, buscam inclusive transformar o meio
em que vivem. Isto vem ao encontro de uma das características da formação universitária: seu
papel social em formar indivíduos críticos, reflexivos e que possam devolver o conhecimento
adquirido à sociedade, de maneira a sanar problemas sociais que estão em evidência.
Observamos que os sujeitos de nossa pesquisa apresentaram uma gama de sentimentos
durante o processo de formação, entre os quais figura a indecisão acerca do curso escolhido.
Primeiro, pela interferência da família ou pelas dúvidas da própria depoente. Destacaram a
dificuldade de adaptação à instituição de ensino, as limitações de aprendizagem decorrentes
da infância, ou seja, as dificuldades encontradas no inicio do processo educacional e que não
foram sanadas, têm seu reflexo nos dias atuais. Outro ponto discutido durante o processo de
formação foi a vivência das desigualdades de classes sociais que fizeram parte do cotidiano
das depoentes.
112

As universidades públicas deveriam atender às classes desfavorecidas, entretanto, o


inverso passa a ser a realidade. Observa-se que são contemplados os jovens das classes mais
favorecidas, que possuem melhor preparo educacional, pois acabam por galgar a maioria das
vagas disponíveis para o ensino superior. Geralmente, a busca acontece pelas carreiras de
mais status e visibilidade na sociedade. E isto é fruto, a priori, dos processos de seleção
estabelecidos pelas instituições de ensino superior, da baixa qualidade do ensino fundamental
e médio e do processo de ensino/aprendizagem que se tornam comprometidos em decorrência
das carências que os grupos desfavorecidos vivenciam. Na pós-graduação, na modalidade de
Lato Sensu já existe uma considerável presença de alunos negros, entretanto, para o Stricto
Sensu este quantitativo se torna infinitamente menor. Apesar das políticas de ações
afirmativas, houve uma grande dificuldade em se encontrar os sujeitos para comporem esta
pesquisa.
As mulheres negras apresentam atitudes de perseverança fazem parte do cotidiano.
Essas atitudes seriam estratégias para superar as desigualdades sociais que a elas se
apresentam. Devido ao próprio histórico das mulheres negras na sociedade, esta perseverança
vem atrelada à superação. Em decorrência da necessidade de superar as dificuldades, elas têm
a necessidade de busca incessante e afirmam ser isto muito ruim, pois não conseguem dar por
encerradas as etapas que têm pela frente.
A valorização da etnia para as depoentes foi outro ponto de extrema importância. Para
elas, há um orgulho por serem mulheres e negras. Essa valorização seriam os louros colhidos
pelas mulheres negras, e decorrem dos embates travados pelos movimentos sociais e negros
no país. Este valor étnico passa a ser incorporado e tomado como bandeira, já que para elas,
serem negras, diferencia das outras mulheres não negras, apenas na tez e não diferenças
sociais por conta da etnia.
Houve uma grande dificuldade para que as depoentes descrevessem a sua autoimagem.
Todo este processo foi evidenciado a partir da infância de algumas depoentes que trouxeram
relatos acerca destas experiências que marcaram a vida das depoentes ao ponto de algumas
apresentarem dificuldade em se olharem no espelho ou até de falarem sobre a temática.
A autoimagem, segundo as entrevistadas, é um tema pouco discutido no âmbito
familiar e menos ainda nos espaços educacionais. Descrevem que a autoimagem não tem a ver
com a aparência física, mas com o poder de conquista que elas obtêm a partir do processo de
formação. A aparência física tem sua importância, mas a visibilidade e valor social são
decorrentes do poder que o saber adquirido no espaço de formação lhes confere.
113

Entendemos que a fala da sociedade era de que o negro não tinha nada de bom, e de
que não havia beleza no negro. Como falar de algo que não é belo para a sociedade? Como se
reconhecer na condição de indivíduo negro? Como se aceitar na condição de mulher negra
numa sociedade que releva um padrão de beleza a partir das referências de mulheres brancas?
Cotidianamente, este grupo populacional é recepcionado com diversas mensagens
subliminares acerca da valorização do padrão de beleza, quando na verdade a sociedade
regula o que estabelece e categoriza para atender à ordem social existente nela mesma.
A baixa autoestima foi apontada pelas protagonistas da pesquisa, ao mesmo tempo em
que se apresentam empoderadas e valorizam sua condição étnica e a melhora na inserção
social em decorrência do processo de formação. As depoentes sentem-se inseguras em se
posicionar em determinados momentos. Essa dificuldade está muito ligada à necessidade que
o ser humano tem em atender ao outro e, nunca por si mesmo. Esta interação social faz parte
das relações estabelecidas na sociedade.
Como proposta deste estudo, destacamos a importância da construção acerca do saber
que abarque a temática em questão e que envolvem a mulher negra e a educação nas diversas
etapas que a compõem e que são uma condição fundamental para que todo e qualquer
indivíduo dela se aproprie como parte dos direitos humanos que lhes são garantidos
constitucionalmente. Sabemos, embora, da existência do abismo entre o conhecimento acerca
do que se tem por direito e da apropriação de fato, pelos grupos que ainda se encontram nas
bases da sociedade.
Dessa forma, buscamos uma sociedade mais justa e equânime, e é mister, que para
alcançá-la haverá um esforço maior por parte dos gestores e de todos os que fazem parte deste
universo de possibilidades e atuam na esfera da educação. Acreditamos que as transformações
pessoais e sociais ocorridas para as mulheres, independentemente da cor da pele, é resultado
do acesso à educação. A inserção da mulher negra no espaço de formação é um direito não
somente para este grupo, mas para os indígenas, os portadores de necessidades especiais, as
mulheres rurais e todos os grupos que, por muitos anos vivem à margem de seus direitos.
A educação está diretamente ligada à construção da autoimagem do indivíduo e isto
ocorre ao longo da vida. Porém, atitudes permeadas de preconceito, racismo e de qualquer
forma de discriminação na infância levam o indivíduo a demonstrar como essas marcas são
profundas na vida adulta.
A própria temática, para algumas das depoentes, foi algo extremamente difícil, já
precisam reviver situações de preconceito e discriminação do passado e que lhes causaram dor
e marcaram-nas profundamente. O comprometimento da autoestima dificulta o
114

empoderamento e compromete a forma de ser e de estar no mundo, pois a visão de mundo


que o ser humano tem é resposta às interações que se deram no espaço da família, o que pode
determinar como o individuo se posiciona na vida.
De fato, a compreensão das dificuldades dos sujeitos da pesquisa em verbalizar acerca
da autoimagem apontou as marcas deixadas em cada uma delas devido às falas e ações
discriminatórias.
Consideramos que o acesso à educação permite ao ser humano se perceber na
sociedade como alguém que pode ser belo independentemente da cor da pele e, que pode se
apropriar de ferramentas que lhes garanta o direito a ter direito e também de quebrar o ciclo
de desigualdades sociais que vivenciam no cotidiano.
115

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129

APÊNDICE A - Termo de Autorização de Campo de Pesquisa

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO


CENTRO BIOMÉDICO
FACULDADE DE ENFERAGEM
COORDENAÇÃO DE ENSINO DE PÓS-GRADUAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EMNFERMAGEM

Ilmo (a) Sr (a) Coordenador (a)


Programa de Pós-graduação em Serviço Social

Vimos por meio desta solicitar a V.Sa. autorização para realizar minha pesquisa de Mestrado
em Enfermagem (Faculdade de Enfermagem/Uerj) junto as mestrandas matriculadas neste Programa
de Pós-graduação em Enfermagem. Os objetivos da referida pesquisa são: descrever a imagem social
de mulheres negras na perspectiva de mulheres negras universitárias, descrever a auto-imagem social
de mulheres negras universitárias de cursos de mestrado relacionado à área da saúde e analisar
influencia da formação universitária na auto-imagem social das mulheres negras universitárias de
cursos de mestrado relacionado a área da saúde. A coleta dos dados ocorreu a partir mês de novembro
de 2010 e poderá se estender ao primeiro semestre de 2011. As entrevistas foram realizadas com as
discentes que se auto declararem pretas ou pardas (IBGE) e estejam matriculadas no Programa de Pós-
graduação (stricto sensu – Mestrado) relacionados à área da saúde. Serão respeitados os princípios
éticos e legais da legislação para pesquisas envolvendo seres humanos – CNS 196/96. Portanto,
garantimos o anonimato, assegurando-lhes a inexistência de riscos ou prejuízos. Mantendo o rigor
ético, os dados serão divulgados na comunidade científica. Comprometemo-nos a retribuir com os
resultados da nossa pesquisa e colocamo-nos a disposição para quaisquer esclarecimentos. Desde já
agradecemos e aguardamos sua apreciação e aprovação.
Rio de Janeiro, ____ de ___________ de 2010.

Claudia Rosane Guedes Profa Dra Lucia Helena Garcia Penna


(Orientanda) (orientadora)

Email: guedesclaudia@oi.com.br Email: luciapenna@terra.com.br

_____________________________________________________________________________

Para preenchimento da instituição solicitada:

( ) Deferido ( )Indeferido
Observações:__________________________________________________________________
Data: ____/____/______
________________________________________

Coordenador (a)
130

APÊNDICE B – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO


CENTRO BIOMÉDICO
FACULDADE DE ENFERMAGEM
COORDENAÇÃO DE ENSINO DE PÓS-GRADUAÇÃO

PROGRAMA DE MESTRADO EM ENFERMAGEM


1 – Identificação do responsável pela execução da pesquisa:

2 – Informações à participante:

Título do Projeto: Auto-imagem de mulheres de etnia negra: a silhueta esculpida a partir


do processo de formação universitária
Responsáveis pelo Projeto: Profa Dra. Lucia Helena Garcia Penna (orientadora); Claudia
Rosane Guedes (pesquisadora)
Contato dos Responsáveis pelo Projeto: luciapenna@terra.com.br;
guedesclaudia@oi.com.br
Endereço do Comitê de Ética em Pesquisa: R
R São Francisco Xavier 524 3º andar sala 3018 bloco E - Maracanã - Rio de Janeiro/RJ -
20.559-900 – Tel: 2334-2180 – E-mail: etica@uerj.br

Você está sendo convidada a participar de uma pesquisa que tem como objetivos:
descrever a imagem social de mulheres negras na perspectiva de mulheres negras
universitárias, descrever a auto-imagem social de mulheres negras universitárias de cursos de
mestrado relacionado à área da saúde e analisar influencia da formação universitária na auto-
imagem social das mulheres negras universitárias de cursos de mestrado relacionado a área da
saúde. Para isto, acreditamos ser fundamental construir este conhecimento com aquelas que
estão envolvidas – as mulheres de etnia negra. Sua participação é imprescindível, pois
consideramos que compartilhando os saberes, estaremos pensando juntos sobre os problemas
vividos para encontrar caminhos, soluções que transformem essa realidade.
Sua participação nesta pesquisa consistirá em fornecer depoimento acerca da temática
que está sendo investigada através de uma entrevista semi-estruturada. Para tanto solicitamos
sua permissão para a gravação das suas respostas, bem como a posterior transcrição das
mesmas. Além disso, a sua participação neste estudo não oferecerá riscos à sua saúde ou a
relação com o serviço. Em contrapartida, o seu depoimento será fundamental para a
compreensão. Você poderá recusar a participar da pesquisa e poderá abandonar o estudo em
qualquer momento, sem nenhuma penalização ou prejuízo. Durante as entrevistas, você
poderá recusar a responder qualquer pergunta que por ventura lhe causar algum
constrangimento.
A sua participação como voluntária não acarretará nenhum privilégio, seja ele de
caráter financeiro ou de qualquer natureza, podendo se retirar do projeto à qualquer momento
sem prejuízo a você.
131

As informações obtidas através dessa pesquisa serão confidenciais e asseguramos o


sigilo sobre sua participação. Os dados serão divulgados de forma a não possibilitar sua
identificação, garantindo o seu anonimato.

Confirmo ter conhecimento do conteúdo deste termo. A minha assinatura abaixo


indica que concordo em participar desta pesquisa e por isso dou meu consentimento.

Rio de Janeiro, _____de ___________________ de 2010.

______________________ ___________________________________

Participante Profª Drª Lucia Helena Garcia Penna


Claudia Rosane Guedes (orientanda)
132

APÊNDICE C – Instrumento para coleta de dados

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO


CENTRO BIOMÉDICO
FACULDADE DE ENFERMAGEM
COORDENAÇÃO DE ENSINO DE PÓS-GRADUAÇÃO
PROGRAMA DE MESTRADO EM ENFERMAGEM

ROTEIRO DA ENTREVISTA

Pesquisadora responsável: Claudia Rosane Guedes

Orientadora: Profª Drª Lucia Helena Garcia Penna

DADOS DE IDENTIFICAÇÃO

1. Nome:___________________________________________________
Email:_____________________________________________
Telefone:______________________
2. Idade: anos
3. Raça/cor: preta parda indígena branca
4. Estado Civil: Solteira Casada Divorciada Viúva União consensual
5. Nome do curso: _____________________________
6. Ocupação: _________________________________
7. Local da Entrevista:_______________________________________________
8. Horário de início da entrevista:_______Horário de término da entrevista:_____
9. Duração da entrevista:_______ Dia: ___/___/____ Entrevista nº: _______
ROTEIRO DA ENTREVISTA

Parte I. Introdução (aparelho ligado)

Agradecimentos à depoente pela participação e solicitar uma autorização para a utilização


da entrevista na dissertação de mestrado.

Esclarecer acerca do assunto da entrevista;

Garantir o retorno do resultado da pesquisa;

Pedir para a depoente doar a fita K7 ou arquivo em MP3 para o Centro de Memória Nalva
Pereira Caldas da Faculdade de Enfermagem da UERJ.
133

Parte II. Família de origem, trajetória educacional desde a infância, adolescência e adulta.

 Fale-me do caminho percorrido por você para inserção no meio educacional.


 Quais as relações que foram estabelecidas pela sua família sobre a importância da
educação na vida de indivíduo de etnia negra?
 Como foi o primeiro contato com este espaço e com as crianças que lá estudavam?
 Você se reconhecia naquele espaço? Como você descreveria a sua auto-imagem neste
período?
Tópicos de orientação: Espera-se que seja abordada neste tópico, a valorização dos pais no
que diz respeito à educação (importância) como ferramenta capaz de construir uma
sociedade menos desigual e, solidificação de uma identidade. Existiam e/ou existem na
família alguém que possua um grau de escolaridade elevada?Realizar perguntas sobre a
presença de professores e alunos de etnia negra durante a trajetória. Realizar perguntas
sobre as lembranças acerca de atos e falas nestes espaços que eram carregadas de
preconceitos ou discriminação.

Parte III. Formação profissional e inserção no espaço universitário

Fale-me sobre o que motivou você a procurar uma universidade. Por que pensar numa
formação universitária? Fale-me sobre o que foi determinante na escolha do curso? Ela foi
influenciada?Quem? Por quê?

 Fale-me de como você se sentiu quando entrou pela primeira vez n universidade? Como foi
para você falar a primeira vez em público?

 No seu imaginário o que seria a educação no ensino superior? Era como você imaginava?
Como você percebia sua inserção neste espaço do ensino superior? Quais as estratégias de
convivência que você utilizou para se relacionar com os colegas e professores?

Quem eram o (a)s amigo (a)s e professores que você tinha mais afinidade e intimidade?

Tópicos de orientação: Local de formação e especialização se houver. Quais? Alguém na


família com formação universitária. As expectativas pessoais e profissionais com inserção na
universidade. Percepção quanto ao número de aluna (o)s de professores de etnia negra no
curso e na instituição de ensino superior.
134

Parte III. A vivência/interações a partir das relações sociais no espaço do ensino superior
/universitário

 Quais as mudanças que você percebeu mudanças nas suas relações pessoais (meio) com a
sua vivência no ambiente universitário? Quais? Como?
 Como se dava as relações entre você os colegas da turma e os professores? Quem eram as
pessoas de suas relações sociais neste espaço (classe social, etnia, categoria – professores,
gestores, alunos, alunos de outros cursos, e outros)?
 Você percebia algum tratamento diferenciado entre as alunas de etnia negra e as não-
negras?
 Quais as relações que você estabeleceria a partir da vivencia no ensino universitário?
Houve transformações na sua auto-imagem social? Quais? As relações vivenciadas no
ensino universitário influenciaram essas transformações?
Tópicos de orientação: Realizar perguntas sobre a existência de alguma situação
diferenciada específica ou não nas relações sociais no ambiente universitário em função de
sua etnia?A compreensão sobre as questões raciais e étnicas. Quanto ao número de aluna
(o)s de etnia negra no ensino superior. Houve mudanças nas suas relações pessoais com a
sua vivência no ambiente universitário? Quais? Como?

Parte IV. Inserção no Curso de Mestrado

 Fale-me o que levou você uma mulher de etnia negra a procurar um programa de pós-
graduação na modalidade de stricto sensu?

 Como é para uma mulher de etnia negra estar inserida num curso de pós-graduação nesta
modalidade? Como se estabelecem as relações sociais neste espaço? Existem trocas
significativas (pessoais e profissionais)?

 A presença de alunas de etnia negra no curso de pós-graduação nesta modalidade é


expressiva? Quem são as suas colegas de turma? Como você se percebe neste espaço
majoritariamente não-negro?

Tópicos de orientação: Abordar as questões raciais, fatores que dificultam a inserção das
mulheres de etnia negra neste patamar da educação. Realizar perguntas sobre a presença de
professores de etnia negra no seu curso? Abordar quais seriam as principais razões para este
quantitativo pequeno de mulheres de etnia negra nestes cursos.
135

Parte V. Reconsideração de uma trajetória educacional

Tópicos de orientação: Nesta etapa da entrevista, as depoentes devem ter oportunidade de


reconsiderar sua trajetória de vida. Neste espaço, elas devem falar como se vêem hoje, diante
de uma escolha profissional, os desafios por serem mulheres de etnia negra e que
conseguiram ascender socialmente. Abordar as possíveis transformações que ocorreram
nesta etapa. Quais seriam os estigmas presentes na trajetória de vida e nas relações no
campo da educação no ensino superior. O fato de ser de etnia negra implicou em alguma
sensação diferente.
136

APÊNDICE D – Carta Convite

CONVITE
Rio de Janeiro, 18 de Novembro de 2010.

Eu, Claudia Rosane Guedes, enfermeira, mestranda do Programa de Pós-Graduação da


Faculdade de Enfermagem (PPGENF) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Venho
por meio desta, convidar as mestrandas matriculadas nos Programas de Pós-Graduação
(Mestrado) e, que se autodeclarem de etnia negra (parda, negra) a participarem da minha
pesquisa intitulada (provisoriamente) “Auto-imagem de mulheres de etnia negra: a silhueta
esculpida a partir do processo de formação universitária”. Esta pesquisa encontra-se registrada
no SISNEP FR nº (371322) e aprovada pelo Comitê de Ética da Sub-Reitoria/UERJ (SR2) nº
(071/2010). A referida pesquisa tem como objetivos: descrever a imagem social de mulheres
negras na perspectiva de mulheres negras universitárias, descrever a auto-imagem social de
mulheres negras universitárias de cursos de mestrado relacionado a área da saúde e analisar
influencia da formação universitária na auto-imagem social das mulheres negras universitárias
de cursos de mestrado relacionado a área da saúde.
Para isto, acreditamos ser fundamental construir este conhecimento com aquelas que
estão envolvidas – as mulheres de etnia negra. Sua participação é imprescindível, pois
consideramos que compartilhando os saberes, estaremos juntas diagnosticando, refletindo e
propondo estratégias que possam transformar a realidade quando esta não atender as
expectativas da população.
Colocamo-nos a disposição para quaisquer dúvidas e esclarecimentos e
comprometemo-nos a compartilhar os resultados obtidos com a pesquisa. E, gostaríamos de
antecipadamente agradecer aquelas que se propuserem a participar da pesquisa.
Sem mais,
Claudia Rosane Guedes (9731-8064 - mestranda)
Profª Drª Lucia Helena Garcia Penna (orientadora)

Solicitamos que entrem em contato através dos emails*: guedesclaudia@oi.com.br ou


guedesclaudia2003@ig.com.br para agendarmos um horário (a combinar) e, realizarmos a
coleta de dados. Temos por intenção gravarmos uma entrevista em local reservado, de comum
acordo com a entrevistada; entendemos ainda que, a própria unidade do curso possa atender a
entrevistada.
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ANEXO - Autorização do Comitê de Ética

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