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1.3.

ENQUADRAMENTO TEÓRICO | A transversalidade do género na intervenção


educativa

A transversalidade do
género na
intervenção educativa
Peace on earth depends on our ability to
secure our living environment. Maathai
classificar, diferentes países do
stands at the front of the fight to promote mundo no que se refere à equidade na
ecologically viable social, economic and divisão de recursos e às
cultural development in Kenya and in
Africa. She has taken a holistic approach to (des)igualdades
sustainable development that embraces de oportunidades entre homens e
democracy, human rights and women’s
mulheres. Para o cálculo deste índice,
rights in particular. She thinks globally and
acts locally. são analisados quatro itens
The Nobel Peace Prize 2004, Press Release essenciais: a participação e as
[em linha] disponível em
http://nobelprize. oportunidades ao nível económico; o
org/nobel_prizes/peace/laureates/2004/ acesso à educação e o sucesso
press.html.
educativo; a participação
e a representação ao nível político; a
saúde e a esperança de vida.

A
(des)igualdade entre
Em Portugal, no currículo do ensino básico, a
homens e mulheres é uma
sensibilização para as questões de género e a
questão de dimensão educação para a igualdade de oportunidades
mundial que está presente em todas devem ser trabalhadas nas áreas curriculares
as áreas das actividades humanas. não disciplinares, nomeadamente na área de
Tendo em vista a sensibilização Projecto e na Formação Cívica1. É também
nestas áreas curriculares não disciplinares
para as questões de género, o
que devem ser abordadas, entre outras, as
Fórum temáticas relacionadas com a educação para a
Económico Mundial (World Economic saúde e sexualidade, a educação ambiental,
Forum) utiliza um índice denominado a educação para a sustentabilidade, a
Índice de Desigualdade de Género educação para o empreendedorismo, a
educação para os media, a educação para a
(Gender Gap Índex) para avaliar, e
solidariedade e a educação para os direitos
humanos.

por: Maria João Duarte 0


GUIÃO DE
1 EDUCAÇÃO. 3
De acordo com o Despacho n.º 19308/2008 do Ministério da Educação [em linha], disponível em http://min-edu.pt/np3co
ntent/?newsId=2431&fileName=despacho_19308_2008.pdf

0 Lisboa, CIG,
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educativa

Todas as temáticas das áreas curriculares não As temáticas transversais, como a igualdade de
disciplinares são áreas transversais, porque género, integram dimensões e escalas múltiplas
abordam questões centradas nas pessoas, nos e inter-relacionadas, existindo numa enorme
alunos, nos seus interesses e ambientes. Cada diversidade de contextos individuais, locais e
área curricular, disciplinar ou não, promove regionais, podendo também ser equacionadas
a exploração de uma dimensão diferente do ao nível mundial. Em consequência, e numa
mundo e da sociedade, fornecendo diferentes perspectiva construtivista, as abordagens
instrumentos – instrumentos para observar, didácticas destas temáticas devem partir
para compreender e para agir - que importa de estratégias centradas nos alunos e nas
mobilizar para a relação com os outros, com alunas, não só para lhes permitirem explorar
o conhecimento, com o mundo. As áreas e compreender a diversidade de contextos e
curriculares, disciplinares e não de níveis de análise de cada problema, como
disciplinares, resultam do fraccionamento do para facilitarem os processos de análise da
estudo do mundo. Este fraccionamento complexidade dos impactes individuais e
tornou-se colectivos das decisões quotidianas. E tal não é
necessário para organizar os diferentes objectos compatível com o “apartheid” disciplinar.
de estudo, bem como os diferentes métodos e
abordagens, constituindo-se, no entanto, como Numa perspectiva de formação cívica e de
artificial por definir fronteiras que não existem educação para a cidadania, a abordagem
no mundo, mas antes na forma de tornar das questões da igualdade de género
mais compreensível a complexidade desse deverá proporcionar o desenvolvimento
mesmo mundo. de conhecimentos, atitudes e valores. É
actualmente reconhecido que, para que tal
A análise do conjunto de temáticas acima aconteça, se torna necessário implementar
enunciadas permite dar visibilidade aos seus processos didácticos que incluam a
aspectos comuns: compreensão de problemas reais, a reflexão
» Os direitos individuais e colectivos têm um crítica sobre os mesmos, bem como a
papel central em todas as temáticas referidas; intervenção no sentido da sua resolução.
» São parte integrante dos Objectivos de
Desenvolvimento do Milénio, definidos pelas Neste sentido, importa equacionar e reflectir
Nações Unidas em 2000; sobre as relações existentes entre a
» Para serem trabalhadas em contexto curricular, igualdade de género e as diferentes temáticas
tornam necessárias não apenas abordagens das referidas áreas não disciplinares, bem
interdisciplinares, mas também pluridisciplinares. como sobre a importância de um potencial
contributo das áreas disciplinares para a
Todas as temáticas, atrás mencionadas, qualidade das abordagens de género.
integram a educação para a cidadania que é,
ela própria, uma componente transversal ao A Educação Física (EF) e as Tecnologias da
currículo dos ensinos básico e secundário2. Informação e da Comunicação (TIC) são duas
Realce-se que o Fórum Educação para a componentes curriculares paradigmáticas, não
Cidadania3 enfatizou, em 2008, a importância só porque evidenciam o modo como as áreas
de assegurar o desenvolvimento de tal curriculares disciplinares e não disciplinares se
transversalidade em todos os ciclos de ensino.

2
De acordo com os princípios orientadores da organização e da gestão curricular do ensino básico (Ministério da
Educação, 2001) e do ensino secundário (Ministério da Educação, 2004).
3
O Fórum Educação para a Cidadania foi “uma iniciativa impulsionada pelo Ministério da Educação e pela Presidência do
Conselho de Ministros” (http://www.min-edu.pt/np3/54.html)

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GUIÃO DE
EDUCAÇÃO. 3
entrecruzam, mas também qualidade de vida e do bem-estar de cada
porque em qualquer delas a pessoa na sua relação consigo
abordagem das questões de própria, com os outros e com o
género se reveste de particular meio ambiente.
importância na
desconstrução de
No entanto, a EF ao ter o
estereótipos.
desporto como conteúdo
transporta para este
A Educação Física no espaço educativo todos
currículo nacional do ensino os estereótipos de género
básico – que tem a presentes na sociedade
educação e promoção da relacionados com as práticas
saúde e a elevação da desportivas. Mas por lidar com
aptidão física como a corporalidade apresenta
preocupações centrais o potencial de questionar e
- estabelece um quadro de desafiar estes estereótipos de
relações com todas as forma a promover práticas
áreas curriculares no desportivas não condicionadas
contributo para a formação pelas questões de género,
de alunos e alunas, criando situações que
assumindo um valor promovam a valorização da
pedagógico específico no caso diversidade de vivências e de
da EF, pois não é possível expressão da identidade de
desenvolver algo similar género. Pela especificidade
com qualquer outra área ou dos seus referenciais – o
disciplina do currículo. Com corpo e a actividade física e
efeito, pela particularidade desportiva - assume-se como
de ter como referente o uma área disciplinar capaz de
corpo e a actividade física se articular com a educação
esta área disciplinar, que para a saúde, educação
conjuntamente sexual e mesmo com a
com a Língua Portuguesa educação ambiental com
está presente em todo o um contributo fundamental,
currículo escolar, possibilita nomeadamente em conjunto
um conjunto de aquisições com as áreas curriculares não
socialmente relevantes na disciplinares, para que cada
construção individual e aluna/o se construa de forma
colectiva e de relacionamento mais equilibrada.
e integração na sociedade.
Neste contexto, ganham
Por indicação expressa do
relevo as relações entre
Ministério da Educação (2008),
género e educação física, bem
as TIC devem ser utilizadas
como entre educação física,
na Área Projecto no oitavo
sexualidade, educação para
ano de escolaridade e estão
a saúde e educação
ambiental. Todas estas áreas
pretendem contribuir para
uma melhor construção da

0 Lisboa, CIG,
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presentes na matriz raparigas parecem dominar No que se refere às
curricular do terceiro ciclo melhor e utilizar mais o temáticas da educação
do ensino básico, no nono processamento de texto, as ambiental,
ano4. Neste contexto, as mensagens SMS nos da educação para a
TIC podem, e têm sido, telemóveis, o correio sustentabilidade e para o
exploradas como electrónico e os blogs5. Estão, empreendedorismo, bem
instrumentos de assim, a surgir oportunidades como da educação para
participação individual e de utilização das TIC como os media, importa referir
colectiva, em projectos instrumentos para motivar e que os prémios Nobel da
locais e globais. contribuir para a reflexão, a Paz são exemplos
Embora ainda seja verdade, de acção e a colaboração dos e mediáticos e significativos
acordo com dados da OCDE das jovens do ensino básico, de celebração
(2008), que, em contexto em contextos de educação da importância da autonomia,
escolar, os rapazes estão mais para a cidadania e para a intervenção pública e
motivados e utilizam mais os igualdade de género. liderança das mulheres para o
computadores e a Internet do desenvolvimento sustentável e
que as raparigas, as

4
Matriz curricular disponível em http://www.dgidc.min-edu.pt/basico/Paginas/Org_Curricular3ciclo.aspx
5
Os estudos de Wendy Faulkner e Merete Lie (2007) corroboram estas conclusões.

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EDUCAÇÃO. 3
a qualidade da vida. Em 2004,
Wangari Maathai e o Green Belt Movement
a Fundação Nobel premiou
Wangari Maathai, a primeira
A edição de 2004 do Prémio Nobel da Paz colocou nos
mulher africana a receber
o prémio Nobel da Paz, meios de comunicação social um exemplo notável daquela
pelo seu contributo para nova abordagem atrás explicitada: a contribuição da
o queniana Wangari Maathai para o desenvolvimento
desenvolvimento sustentável, sustentável, para a democracia e para a paz. Ole Danbolt
nas suas dimensões da gestão
Mjøs (2004), no discurso de entrega do referido prémio,
de recursos, da qualidade
de vida e da qualidade do salientou o processo de evolução do conceito de “caminho
ambiente, que constituem para a paz”, desde o desarmamento, aos direitos
formas de promoção da paz humanos, à qualidade do ambiente e ao desenvolvimento
(ver caixa). Na edição de 2006,
sustentável. A desflorestação, a desertificação e a luta
o prémio foi dado ao “pai do
microcrédito”, Muhammad
pelos recursos naturais, tornados escassos, são referidos
Yunus, e ao banco como fundamentais causas de conflitos em todo o Mundo.
pioneiro do microcrédito, Simultaneamente, é realçada a centralidade das mulheres
o Grameen Bank6. Neste no que se refere às consequências e às possíveis soluções
caso, a mensagem da
deste tipo de problemas.
Fundação Nobel visou
salientar a importância do O discurso de atribuição deste prémio “revelou”, de uma
desenvolvimento social
nova forma, a ligação dos problemas e das acções locais e
para a construção da paz,
salientando o papel das globais, explicando que de 1950 a 2000, o Quénia perdeu
comunidades mais pobres 90% das suas florestas, o que conduziu à erosão do solo, à
bem como a importância redução dos recursos hídricos, e obrigou as mulheres, que
da autonomia e intervenção
fazem a maior parte do trabalho físico nessas comunidades,
das mulheres para esse
desenvolvimento.
a ter de caminhar mais e mais quilómetros para
encontrar e carregar lenha e água para cozinhar. Para
Importa realçar que o combater a desflorestação, Wangari Maathai criou o
microcrédito se tem movimento Green Belt que nos últimos trinta anos tornou
revelado uma ferramenta
possível a plantação de milhões de árvores através da
muito importante para o
desenvolvimento social, não acção das mulheres.
só no Bangladesh (país de
O movimento Green Belt tornou-se internacional para
origem) e em outros países
em vias de desenvolvimento, expandir a acção de reflorestação e de educação
mas também em países ambiental e cívica do movimento queniano a outros países
desenvolvidos, por exemplo de África e do resto do Mundo. A acção deste movimento,
nos Estados Unidos da que em grande parte se realiza através da educação de
América e na Noruega,
mulheres e raparigas, concretiza a ligação entre as acções
sendo também conhecidos
diversificados casos de e iniciativas das comunidades locais e os problemas que
são locais, mas também são mundiais.

6
Consultar (Noruega – o Site Oficial em Portugal, s.d.) [em linha], disponível em
http://www.noruega.org.pt/About_ Norway/Politica-Externa/organizations/prize/

0 Lisboa, CIG,
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sucesso em Portugal. Em da qualidade de vida monitorização de uma política


zonas rurais ou urbanas, o das crianças, de promoção da igualdade
microcrédito tem contribuído nomeadamente na sua de género nessas instituições
para que as pessoas sem saúde, conforto e promotoras do microcrédito.
acesso ao crédito escolaridade, assim como na
“tradicional”, e em situações qualidade das casas das Tem sido reconhecido
em que o seu bem-estar está suas famílias. Ao mesmo que quando se
comprometido ou em risco, tempo, é reconhecida a utilizam abordagens
consigam criar existência de um maior do tipo da
o seu próprio pequeno número de mulheres em referida no parágrafo anterior,
negócio e evitar situações de situação de grande pobreza, a igualdade de género está
exclusão. Estes pequenos tornando-se clara a ser promovida. Trata-se de
negócios são diversos e a consequente um, entre muitos exemplos, da
estão relacionados com as relevância, para o relevância do desenvolvimento
oportunidades dos contextos desenvolvimento social, de uma integração transversal
socioeconómicos em que de ultrapassar essa das abordagens de género
ocorrem. Da mesma forma, situação. Têm sido, no no tratamento das questões
os montantes envolvidos entanto, reportados alguns de liderança e de intervenção
são significativamente casos em que as mulheres nos espaços públicos e
diferentes nos países em são as clientes do privados. Estas questões
desenvolvimento e nos países microcrédito, podem ser trabalhadas
desenvolvidos7. a pedido e para benefício nas áreas curriculares não
dos seus maridos8. Torna-se disciplinares, nomeadamente
Verifica-se que, enquanto obviamente fundamental, no contexto de diferentes
clientes do microcrédito e para o desenvolvimento social temáticas relacionadas com o
embora com magnitudes e a igualdade de género, desenvolvimento sustentável,
diferentes, as mulheres identificar e contribuir para a o empreendedorismo, a
são, muito frequentemente, resolução destes problemas. solidariedade e os direitos
mais numerosas que os humanos.
homens. A importância Tendo como base a análise No terceiro ciclo do ensino
das mulheres nos realizada por Susy Cheston básico, as escolhas escolares
processos de na Microcredit Summit e os projectos de vida ganham
desenvolvimento social Campaign de 20069, uma importância particular
centrados nas comunidades importa também salientar na vida dos/as jovens. A
é actualmente reconhecida que, para que a estreita relação das
com vasto consenso ao microfinança continue a escolhas escolares e
nível internacional. Este contribuir para a igualdade profissionais com a qualidade
reconhecimento baseia-se de género, não basta que de vida e as oportunidades
na constatação de que, em as mulheres sejam “boas de intervenção pública e de
média, as mulheres, mais clientes” para a microfinança, liderança justifica e torna
do que os homens, tendem tornando-se necessário necessárias as abordagens
a utilizar o dinheiro dos garantir a participação das de género de carácter
empréstimos na melhoria mulheres na liderança das transversal.
instituições dessa mesma
microfinança, assegurando,
ainda, a implementação e

7
Podem consultar-se alguns exemplos em : http://www.microcredito.com.pt/alguns_casos.asp
http://www.microcredito.com.pt/livro_10_anos.asp
http://www.cgd.pt/Empresas/Microcredito/Pages/Microcredito-Casos-de-Sucesso.aspx
http://www.gdrc.org/icm/icm-peoplebanks.html
8
CONS, Jason; PAPROCKI, Kasia (2008), «The Limits of Microcredit—A Bangladesh Case», Food First Backgrounder, 14, 4,

por: Maria João Duarte 0


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EDUCAÇÃO.
[em 3
linha], disponível em http://www.foodfirst.org/files/pdf/bgr%20microcredit%20winter%202008.pdf
9
CHESTON, Susy, (2006), «Just the facts maam”-Gender Stories from Unexpected Sources with Morals for Microfinance»,
Microcredit Summit Campaign, [em linha], disponível em http://www.microcreditsummit.org/commissioned_papers

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