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3 UNIDADE 1 - Introdução
7 UNIDADE 2 - Alfabetização nas séries iniciais
18 UNIDADE 3 - A fala, a leitura e a escrita
21 UNIDADE 4 - A leitura na escola: práticas e competências
29 UNIDADE 5 - Os gêneros literários
38 UNIDADE 6 - Introdução às dificuldades de leitura e escrita
47 REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
3
UNIDADE 1 - Introdução
A Educação infantil e séries iniciais do en- do cidadão, pois de acordo com a Lei de Dire-
sino fundamental aqui entendido como 0 a 6 trizes e Bases da Educação Nacional, em seu
anos (creche, pré-escola) e 1º ao 5º ano é fun- art. 32, o pleno domínio da leitura, da escrita
damentada no desenvolvimento cognitivo, e do cálculo constituem meios para o desen-
físico, afetivo, ético e estético dos pequenos volvimento da capacidade de aprender e de
discentes que ali se encontram e, igualmente, se relacionar no meio social e político. É prio-
a formação dos docentes que vão trabalhar ridade oferecê-lo a toda população brasileira.
com esses sujeitos precisa ser ampla.
A educação infantil é um direito de toda
Por acreditarmos, assim como vários au- criança e uma obrigação do Estado (art. 208,
tores que serão utilizados ao longo desta IV da Constituição Federal). A criança não está
apostila, que a integração entre a teoria e a obrigada a frequentar uma instituição de
prática é de elevada importância para o su- educação infantil, mas sempre que sua famí-
cesso no cotidiano do seu trabalho, formando lia deseje ou necessite, o Poder Público tem o
no professor uma consciência crítico-social, dever de atendê-la. Em vista daquele direito e
vamos ao longo das apostilas do curso utilizar dos efeitos positivos da educação infantil so-
em abundância das metodologias de ensino, bre o desenvolvimento e a aprendizagem das
não esquecendo é claro, das teorias que em- crianças, já constatado por muitas pesquisas,
basam cada uma delas. o atendimento de qualquer criança num esta-
belecimento de educação infantil é uma das
O planejamento conjunto e interdisciplinar
mais sábias estratégias de desenvolvimento
das aulas, a definição dos objetivos, o modo
humano, de formação da inteligência e da
como caminhar (apresentação dos conteú-
personalidade, com reflexos positivos sobre
dos) de maneira agradável, com alegria, com
todo o processo de aprendizagem posterior.
riqueza e motivar os alunos rumo ao conheci-
Por isso, no mundo inteiro, esse segmento da
mento, considerando o contexto onde estão
educação vem crescendo significativamente
inseridos são pontos que o professor deve le-
e vem sendo recomendado por organismos e
var sempre em consideração.
conferências internacionais.
A Constituição Federal Brasileira de 1988;
A educação infantil é a primeira eta-
a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Na-
cional (LDB nº 9394/96), o Plano Nacional de pa da Educação Básica. Ela estabelece
Educação (PNE – Lei nº 10.172/01), as Diretri- as bases da personalidade humana, da
zes Curriculares Nacionais (DCN) do Curso de inteligência, da vida emocional, da socia-
Pedagogia, os Parâmetros Curriculares Na- lização. As primeiras experiências da vida
cionais (PCN) e outros documentos afins se- são as que marcam mais profundamen-
rão os balizadores dos nossos estudos, como te a pessoa. Quando positivas, tendem
podemos constatar nas redações abaixo: a reforçar, ao longo da vida, as atitudes
De acordo com a Constituição Brasileira, o de autoconfiança, de cooperação, soli-
ensino fundamental é obrigatório e gratuito. dariedade, responsabilidade. As ciências
O art. 208 preconiza a garantia de sua oferta, que se debruçaram sobre a criança nos
inclusive para todos os que a ele não tiveram últimos cinquenta anos, investigando
acesso na idade própria. É básico na formação como se processa o seu desenvolvimento,
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que possibilite a tradução deles numa atu- ensino fundamental sem estar alfabeti-
ação didática, docente, capaz de orientar zado.
a criança no seu aprendizado, o que ela
Assim, o argumento de que o método
entende ser a origem das dificuldades que
fônico, usado, sobretudo nos anos 70,
ainda se encontra na alfabetização.
dava certo e, portanto, deva ser retomado,
Analisando o construtivismo, ela o en- não se sustenta. Isso porque havia repro-
cara não como um método, porque se vação e não aprendizagem com o método
afirmou como uma teoria psicológica, e fônico, como havia também com outros
não como teoria pedagógica, mostrando métodos. Não tem sentido uma volta ao
como a criança aprende e não se voltando passado esquecendo ou abandonando as
explicitamente para a questão de como contribuições fundamentais do Constru-
o professor deve ensinar. Os cursos que tivismo e das ciências linguísticas para a
proliferaram no país com o intuito de en- compreensão do processo de aprendiza-
sinar aos professores o Construtivismo, gem da língua escrita. Um exemplo: antes,
ensinava a eles exatamente isso: como a o menino escrevia silabicamente e as pro-
criança aprendia e não como alfabetizar a fessoras diziam: “ele está engolindo letra,
criança. é disléxico, é preciso encaminhar para um
psicólogo;” hoje, a teoria construtivista e
Nossa autora encara que os professo-
os princípios linguísticos evidenciam que
res alfabetizadores, antes do constru-
escrever silabicamente é uma etapa nor-
tivismo tinham um método e nenhuma
mal do processo de descoberta do siste-
teoria, ensinando pelo global, pelo silá-
ma de escrita. Fica claro como o avanço do
bico, pelo fônico, mas as teorias que fun-
conhecimento sobre a aprendizagem da
damentavam esses métodos não eram
língua escrita torna sem sentido propos-
discutidas. Assim, o construtivismo veio
tas de volta ao que se fazia antigamente.
negar esses métodos, mas não propôs
outros que os substituíssem, somente Sobre a criança aprender pelo método
trouxe uma teoria sobre a aprendizagem fônico, Soares (2005) entende como o
da língua escrita, e ela vai além, entende mais adequado, pedagogicamente e até
que para o construtivismo adotar qual- psicologicamente, é que a criança apren-
quer método para alfabetizar se tornou da simultaneamente todas as competên-
um pecado mortal, como se fosse possível cias e habilidades envolvidas na aquisição
ensinar qualquer coisa sem ter método. da língua escrita: aprenda a decodificar e
codificar, isto é, aprenda as relações entre
Em relação aos professores acharem
os “sons” e as letras ou grafemas, ao mes-
que retomar algum método do passado
mo tempo em que aprenda a compreender
seria a solução, Soares (2005) explica que
textos, a construir sentido para os textos,
tanto antigamente quanto hoje, o fra-
e ainda aprenda as funções da escrita, os
casso escolar tem altos índices, mas com
diferentes gêneros de textos.
a grande diferença que os alunos eram
retidos na primeira série enquanto não Se o professor ensina sequencialmen-
fossem alfabetizados e hoje encontra-se te, sistematicamente, as relações fone-
aluno que chega ao final até mesmo do ma/grafema, como faz o método fônico,
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a criança acaba, sim, aprendendo a escre- ta e sua aprendizagem, não se pode fa-
ver e a ler, como codificação e decodifica- lar de um método de alfabetização, mas
ção, mas, a compreensão, a construção de de métodos de alfabetização, no plural.
sentido, o entendimento das funções da Assim: ler histórias ou poemas ou textos
escrita, o envolvimento em práticas so- informativos para as crianças, levá-las a
ciais de leitura e escrita, acabam ficando interpretar esses diferentes textos su-
adiados “para depois”; a criança aprende põe determinados procedimentos didáti-
só a tecnologia da escrita, desligada de cos, enquanto que tomar palavras-chave
seus usos sociais, o que tira todo o senti- de um texto lido e trabalhá-las para, com
do da tecnologia. base nelas, desenvolver a aprendizagem
das relações fonema/grafema supõe ou-
Quando se reconhecem as várias face-
tros procedimentos.
tas da escrita, não se pode aceitar que a
criança aprenda com aquele tipo de tex- São diferentes métodos, diferentes
to “O bebê baba”, “Eva viu a uva”, textos procedimentos, porque são diferentes
que não circulam na sociedade, não fazem objetos de conhecimento e, portanto, di-
o menor sentido, não são um conto, uma ferentes processos de aprendizagem. Por
poesia, uma parlenda, são artificialmente isso, hoje é preciso ter métodos de alfa-
construídos com o único objetivo de ensi- betização, não um único método de alfa-
nar a codificar e decodificar. betização.
Soares (2005) ainda analisa que com O papel do professor como media-
estes textos a criança não construirá o dor da construção do processo de al-
uso de sua língua. A criança deve aprender fabetização
a ler e a escrever interagindo com textos
É evidente que determinadas informa-
reais, com os diversos gêneros e portado-
ções sobre a correspondência letra/som
res de texto que circulam na sociedade.
serão fornecidas pelos adultos aos que se
Assim ela vai aprender não só as relações
iniciam no processo de alfabetização, mas
fonema/grafema, mas, simultaneamen-
o processo em si, de entender como se
te, o sentido e função que tem a escrita.
estrutura a língua escrita, sob aspectos já
Deste modo, considerando que cada vistos, terá sido construído pela criança,
uma das facetas da aprendizagem da lín- a partir das informações e estímulos que
gua escrita supõe um processo cognitivo o meio, o convívio com material escrito e
específico, não se aprendendo uma con- com outras pessoas lhe tiver oferecido.
venção (a relação fonema/grafema) da
Deve-se levar em conta, porém, que tal
mesma forma que se aprende a construir
construção não é uma apropriação pura-
sentido de um texto, a interpretar, a com-
mente individual, mas um compartilhar
preender, aprender os diferentes usos e
social, importando, e muito, as condições
funções da escrita e os diferentes gêne-
sociais em que a criança vive; o modo
ros de texto, também demanda processos
como a palavra é escrita, interpretada e
cognitivos diferenciados.
valorizada em seu meio; as oportunidades
A consequência é que, no estado atual que tem para lidar com ela; o significado
dos conhecimentos sobre a língua escri- que lhe é dado, o que se pensa a respeito
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de como e para que se lê e escreve. os seus pares, nas suas aquisições, visto
que a alfabetização não é simplesmente
É claro que também é importante o
adquirida, mas co-construída no processo
modo como o aluno aprendiz é visto pelo
de escolarização (COOK-GUMPERZ, 1991).
professor; as relações de respeito ou des-
crédito que se estabelecem sobre suas A alfabetização é, pois, uma aquisição
potencialidades. social/individual e, nesse processo, exer-
cem papéis relevantes, tanto o contexto
Neste caso, seria preciso levar em con-
intra como o extraescolar, favorecendo
ta as condições sócio-históricas em que a
ou não as mediações.
atividade de leitura se produz, analisando
não apenas o indivíduo como construtor Segundo Gauthier et al (1998), o bom
autônomo do conhecimento, mas também ensino, entre outras condições, requer
a função de mediação exercida pelo pro- que a formação do professor contemple o
fessor, colocando em evidência, portanto, domínio de saberes diversos, catalogados
a dinâmica das relações interpessoais que numa tipologia constituída pelos saberes
atuam na elaboração do conhecimento da disciplinares, curriculares, das ciências da
leitura/escrita, visto que o modo como se educação, da tradição pedagógica, expe-
estabelece a interação professor/aluno rienciais, da ação pedagógica.
pode facilitar, dificultar e até mesmo blo-
Tardif, Lessar e Lahaye (1991) apon-
quear esta construção.
tam a necessidade de uma sólida forma-
Dependendo das intervenções media- ção do professor, enfatizada na prática
cionais, sobretudo do professor, as ex- e no discurso dos professores da Escola
periências do alfabetizando com a língua e dentre estes saberes que fazem parte
escrita poderá ser o início de um rico pro- de sua formação, é importante ao menos
cesso de aquisições ou o término de uma lembrarmos os saberes disciplinares e a
vida escolar pautada no insucesso, cujas sua inter-relação com os saberes das Ci-
marcas indeléveis passarão a agir como ências da Educação.
um estigma ou um chamariz para outros
Vale lembrar as concepções de Vygot-
sucessivos fracassos.
sky (1991), partindo do princípio que os
Segundo Saviani (1991, p.16), o saber sujeitos se encontram numa rede de re-
é o objeto específico do trabalho escolar. lações com o mundo, que lhes possibilita
Em se tratando da alfabetização, esse adquirir uma forma peculiar de existência,
saber adquire uma especificidade ainda constituindo assim seu campo simbólico
maior, tanto no ensinar como no aprender, de significações. Esta capacidade simbóli-
exigindo que o professor domine e arti- ca do homem, que se expressa através da
cule uma gama de saberes – os saberes linguagem e se materializa no texto oral
docentes – para que possa mediar, com ou escrito, relaciona-se diretamente com
sucesso, tal aquisição. E, principalmente, sua prática social global.
para as crianças das classes populares, a
A linguagem é vista como um processo
escola é o local por excelência para essa
de constituição dos sujeitos, onde cria-
apropriação. Ali é bastante significativa
mos e organizamos nossas experiências.
a interação/cooperação da criança com
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Nesse sentido, pode ser bastante pro- necessidades. Tanto quanto a alfabetiza-
dutiva a previsão diária e semanal de ati- ção, o letramento é fundamental para a
vidades voltadas para os eixos da leitura, conquista da cidadania.
da escrita, da oralidade, das atividades lú- O ato de ler deve ser considerado como
dicas e especializadas, levando em conta uma prática social e, para que ela possa ser
o melhor momento de sua inserção (início, desenvolvida, é necessário a influência de
meio ou final do turno) e a melhor configu- elementos fundamentais como a família
ração grupal para sua realização (grupos e a escola, onde a relação família – escola
que se familiarizam com determinados – leitura é um combustível insubstituível
conteúdos ou grupos que já se encon- para a possível formação de uma socieda-
tram em patamares mais consolidados de de mais justa e igualitária.
aprendizagem). O processo de aquisição da cultura está
Essa flexibilidade pode conferir maior intimamente ligado ao material escri-
potencial à proposição de rotinas, como to, pois o patrimônio histórico, cultural e
elementos que ajudam o professor a me- científico da humanidade se encontra em
lhor conhecer seus alunos e a monitorar livros. A escola neste âmbito tem o impor-
as modificações necessárias para que o tante papel de desenvolver no educando o
planejamento inicial não se desencaminhe hábito da leitura. Para isso, a escola deve
das metas mais relevantes inicialmente ter seus objetivos bem traçados e dizer
projetadas. não à mecanização da leitura.
No período escolar, é preciso desenvol-
Alfabetização para formar cidadãos crí- ver estratégias que estimulem adequada-
ticos mente a habilidade de ler, atendendo aos
A leitura e a escrita são práticas comple- objetivos e necessidades dos alunos. A
mentares que se modificam mutuamente população apresenta grande dificuldade
no processo do letramento. em dominar a leitura, por isso, a necessi-
Ao se formar, o leitor – competente –, ou dade de compreender o que é ler, qual a
seja, o leitor capaz de selecionar, compre- sua verdadeira importância na sociedade
ender o que se lê e usar adequadamente e como estimular este hábito e gosto nos
estratégias de leitura, é importante co- alunos.
nhecer o significado da alfabetização e le- A aprendizagem da leitura transforma-
tramento, já que os dois processos devem -se em prática social pelo fato de possibili-
ser desenvolvidos simultaneamente. tar à criança a assimilação dos valores que
Quando a alfabetização é sinônimo de fazem parte da sociedade em que está
aprendizagem do código da escrita, é evi- inserida. A criança que lê pode ser levada
denciada apenas uma parte do processo e às ideologias dominantes por ser ingênua
o aluno precisa de mais para poder agir em e estar no início do seu processo de for-
sociedade. O professor alfabetizador tem mação como cidadã. Cabe a leitura levar a
um importantíssimo papel na formação do criança a refletir sobre os valores da socie-
aluno – alfabetizado – leitor. O letramento, dade. Por isso, o professor deve ter cuida-
nesta perspectiva, é um complemento que do ao selecionar os textos que irá apresen-
irá contribuir para o aluno atender às suas tar aos seus alunos.
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Cagliari (2008) em seu livro “Alfabeti- redações e não sabe o que está realmente
zação e Linguística” lança alguns questio- fazendo, como deve elaborar um texto es-
namentos que são pertinentes neste mo- crito ou dizer um texto oral em situações
mento. Ele pondera sobre a questão mais diferentes.
fundamental do ensino de português ser a
A criança que se inicia na alfabetização
seguinte: o que é ensinar português para
já é um falante capaz de entender e falar
pessoas que já sabem falar o português?
a língua portuguesa com desembaraço e
Embora seja nossa língua nativa, enquan-
precisão nas circunstâncias de sua vida
to pequenos cidadãos que estão come-
em que precisa usar a linguagem. Mas não
çando seu processo de formação escolar,
sabe escrever nem ler. Esses são usos no-
as crianças das séries iniciais sabem algu-
vos da linguagem para ela e é, sobretudo,
mas coisas dentro da língua portuguesa,
isso o que ela espera da escola. Em mui-
mas não sabe outras. Mas há muita coisa a
tos caos, há ainda o interesse em apren-
se fazer de novo e interessante no ensino
der uma variedade do português de maior
da língua materna e isso não se restringe
prestígio.
à alfabetização, apesar de este período
ser, na verdade, muito especial. Essa criança não só sabe falar o portu-
guês, como sabe também refletir sobre a
O objetivo mais geral do ensino de por-
sua própria língua. De fato, as crianças se
tuguês para todas as séries da escola é
divertem manipulando a linguagem: com-
mostrar como funciona a linguagem hu-
põem palavras novas, a partir da análise
mana e, de modo particular, o português;
dos processos de formação de palavras,
quais os usos que tem, e como os alunos
às vezes criando formas surpreendentes;
devem fazer para estenderem ao máximo,
adoram traduzir a sua própria língua em
ou abrangendo metas específicas, esses
códigos como a língua do P, e falar inver-
usos nas suas modalidades escrita e oral,
tendo sílabas, substituindo certos seg-
em diferentes situações de vida.
mentos por outros, com uma destreza
Em outras palavras, o professor de por- que o adulto dificilmente consegue acom-
tuguês deve ensinar aos alunos o que é panhar.
uma língua, quais as propriedades e usos
As respostas que as crianças dão às
que ela realmente tem, qual é o comporta-
perguntas que lhes são feitas revelam a
mento da sociedade e dos indivíduos com
incrível capacidade que têm de manipular
relação aos usos linguísticos, nas mais va-
fatos semânticos de alta complexidade,
riadas situações de suas vidas.
como a pressuposição, a argumentação
Ao aluno não se ensina adequadamen- lógica, sem contar com a expressão de
te como ele fala, qual o valor funcional dos metáforas e o poder de abstração e ge-
segmentos fônicos de sua língua, como neralização claramente revelados numa
se compõe a morfologia desta, a sintaxe, análise de seu comportamento linguístico
a semântica, etc. O aluno fez centenas de
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Além disso, elas contam ainda com uma no muitas vezes não resolve problemas de
capacidade enorme de análise da lingua- matemática, não porque não saiba mate-
gem oral que irão perder logo que entra- mática, mas porque não sabe ler o enun-
rem na escola, sufocadas pelo modo como ciado do problema. Ele sabe somar, dividir,
se ensina português, tomando-se a escri- etc., mas ao ler um problema não sabe o
ta ortográfica como base para tudo. Na que fazer com os números e a relação des-
análise de muitos erros encontrados em tes com as realidades a que se referem.
provas e nas avaliações feitas na alfabeti- Não adianta dizer que o aluno não sabe
zação, é fácil observar que, em muitos ca- nem sequer somar ou dividir números que
sos, a criança revela um apego às formas não apresentam dificuldades, que ele não
fonéticas da língua em lugar das formas entende matemática (CAGLIARI, 2008).
ortográficas, não raro deixando o profes-
Porque de fato ele não entende mes-
sor perplexo com sua “burrice” devido sua
mo é o português que lê. Não foi treinado
incapacidade de analisar a fala com a mes-
para ler números, relações quantitativas,
ma competência que a criança apresenta.
problemas de matemática. O professor
Quanto a leitura, a atividade funda- de português não ensina isso porque diz
mental desenvolvida pela escola para a que é obrigação do professor de matemá-
formação dos alunos é ela. É muito mais tica e o professor de matemática ou não
importante saber ler do que saber escre- desconfia do problema ou, quando muito,
ver. O melhor que a escola pode oferecer acha que ler e compreender um texto é
aos alunos deve estar voltado para a leitu- um problema que o professor de portu-
ra. Se um aluno não se sair muito bem nas guês deve resolver na educação das crian-
outras atividades, mas for um bom leitor, ças. Estão todos errados. A alfabetização
podemos pensar que a escola cumpriu em é missão de todos os professores.
grande parte sua tarefa. Se, porém, outro
Ler é uma atividade extremamente
aluno tiver notas excelentes em tudo, mas
complexa e envolve problemas não só
não se tornar um bom leitor, sua formação
semânticos, culturais, ideológicos, filo-
será profundamente defeituosa e ele terá
sóficos, mas até fonéticos. Podemos ler
menos chances no futuro do que aquele
sequências de números de maneiras dife-
que, apesar das reprovações, se tornou
rentes, dependendo daquilo a que eles se
um bom leitor (CAGLIARI, 2008).
referem. Alguns alunos têm dificuldades
A leitura é a extensão da escola na vida na matemática porque não sabem ler os
das pessoas. A maioria do que se deve números corretamente. Os números não
aprender na vida terá de ser conseguido são feitos só de algarismos. A combinação
através da leitura fora da escola. A leitu- de algarismos expressa por si, no todo,
ra é uma herança maior do que qualquer realidades matemáticas que têm pro-
diploma. priedades específicas. Por exemplo, nos
números fracionários (dois quintos), o de-
A grande maioria dos problemas que os
nominador é lido com numerais ordinais,
alunos encontram ao longo dos anos de
mas a ordem característica típica desses
estudo, chegando até a pós-graduação, é
numerais na linguagem comum não tem
decorrente de problemas de leitura. O alu-
nada a ver com a relação fracionária. Não
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vazios, a ligar o que existe num texto com tregue, “secamente” ao aluno e que haja
o resto da intertextualidade, de onde ele uma preparação prévia, partindo-se de
nasce e onde irá se fundir (MAINGUENE- experiências já vivenciadas pelo mesmo
AU, 1996). até se chegar ao texto propriamente dito.
De acordo com Evaristo (1997), o obje- Para isso, o conhecimento prévio do
tivo do ato de ler é formar um leitor crítico, aluno, quer seja linguístico – conheci-
capaz de se assumir plenamente enquan- mento dos recursos que a língua oferece
to cidadão. A formação/constituição des- – quer seja extraliguístico – tudo que não
se sujeito-leitor é um trabalho reflexivo se enquadra às exigências gramaticais –
que precisa ser assumido pelo ensino da deve ser ativado pelo professor, para que
língua materna. possa haver um engajamento entre o lei-
tor e o texto a ser estudado.
No dizer de Freire (1988), o leitor lê para
reescrever o que está lendo, para desco- Podemos, portanto, a partir das expe-
brir a conexão entre o texto e o contexto riências reveladas pelo leitor desencadear
do texto, e também para vincular o texto/ uma série de atividade, quais sejam: ob-
contexto com o seu contexto de leitor. servação, discussão, relato, debate sobre
filmes, pesquisa bibliográfica e de campo,
Lê-se para fazer da leitura não uma
etc, que propiciarão enriquecimento e
mera decodificação de uma mensagem,
suscitarão interesse para as etapas pos-
mas sim para fazer dela uma atividade in-
teriores do estudo do texto.
terativa entre leitor-autor-texto-contex-
to (AZAMBUJA E SOUZA,1997). Segundo Orlandi (1984), o primeiro
contato com o texto é muito importante
Kleiman (1989), ao citar Orlandi (1984)
que seja feito individualmente para que o
diz que ao ler, o leitor é levado através da
aluno, de acordo com o seu ritmo próprio
leitura a questionar, a confrontar, a levan-
de leitura, busque o significado global do
tar-testar-hipóteses, a buscar significa-
mesmo, relacionando suas “histórias de
dos e descobrir, enfim, que o texto pode
leituras” com o texto em questão.
oferecer “múltiplos sentidos”.
Esse relacionamento de histórias de
Como motivar o aluno para a leitura?
leituras leva o aluno a criar uma atitude de
Segundo Azambuja e Souza (1997), an- expectativa prévia com relação ao conte-
tes de qualquer estudo de texto, é preci- údo do texto lido e o leva também, a fa-
so preparar o aluno para a leitura porque zer previsão e a utilizar múltiplas fontes
grande parte do sucesso desse estudo de conhecimento na busca de uma maior
está nessa fase de predisposição para a compreensão, pois a leitura é uma ativida-
leitura, na qual o professor motivará o de essencialmente preditiva de formula-
aluno despertando nele o interesse pelo ção de hipóteses, para a qual o leitor pre-
texto a ser estudado. Motivando esse alu- cisa utilizar seu conhecimento linguístico
no ele terá a sua curiosidade aguçada e o conceitual, e sua experiência (KLEIMAN,
seu conhecimento ativado. 1984).
É importante que o texto não seja en- Ainda segundo Kleiman (1989), antes
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Alguns tipos de leitura, como instru- para aprender outras coisas, lendo.
ções e problemas de matemática exigem
Para Citelli (1997) é de grande impor-
que o leitor primeiro tome conhecimento
tância as linguagens não escolares (TV,
do texto inteiro, depois releia-o por par-
jornal, rádio, quadrinhos, teatro e jogos
tes e em seguida encadeie essas partes
interativos) que ao serem incorporadas à
segundo resultados ou cálculos anterio-
prática didática, esta se torna mais rica e
res, até chegar ao fim. Uma leitura de tex-
também ajuda a ampliar o diálogo entre a
tos desse tipo só se completa quando se
escola e os meios de comunicação de mas-
conclui o que eles pedem que se faça ou
sa.
calcule. Antes disso, a compreensão de
texto é parcial ou se quiserem, apenas Segundo Freire (1997), a compreensão
“linguístico-literal”, o que não faz muito do texto a ser alcançada por sua leitura
sentido como procedimento matemático crítica implica a percepção das relações
mecânico. entre o texto e o contexto. Enfim, o ato
de ler implica sempre percepção crítica,
É fundamental ensinar os alunos a ler
interpretação e “re-escrita” do lido.
não só histórias, mas também outros tipos
de textos, incluindo problemas de mate- Os textos literários também devem ser
mática, provas e instruções de trabalhos, incluídos nas aulas de leitura?
porque muitos alunos deixam de resolver De acordo com Franco (1997), envol-
problemas de matemática não por não ver-se com a literatura é permitir-se co-
conseguirem efetuar as contas, mas por nhecer outros padrões linguísticos, en-
terem dificuldade em ler seus enunciados. xergar o mundo através de outros olhos
A leitura não pode ser apenas um ins- e de pensamentos os mais diversos. É
trumento para a confirmação do precon- apresentar estilos, o como utilizar-se da
ceito sociolinguístico da comunidade. Os língua escrita, de forma viva, com muito
alunos precisam e devem saber que um movimento e harmonia. Permite viagens
texto pode ser lido de muitas maneiras, no tempo-espaço e futuro, envolvimento
com muitas pronúncias e que não se tor- em ideias e acontecimentos de nossa pró-
na mais rico ou mais artístico ou mais belo pria escolha.
só porque foi lido no dialeto padrão. Mas Buscam-se, em um texto, informações,
a escola deve também mostrar aos alunos reflexões, pretextos, prazer, mas no dizer
que a sociedade tem certas expectativas de Gebara (2002), o tratamento dado ao
com relação à fala de seus membros e, texto poético na escola não desperta no
consequentemente, uma leitura no diale- aluno o gosto pela leitura porque a sua
to padrão, goza de prestígio na sociedade utilização na maioria das vezes é um pre-
e uma leitura com pronúncia estigmatiza- texto para a análise de aspectos metalin-
da, poderá ser objeto de riso, chacota, etc. guísticos.
Portanto, ensinar claramente ao aluno o
que é próprio da linguagem e o que é pró- Conforme afirma Rodari (1982), é de
prio do uso que a sociedade faz da lingua- grande importância que os educadores
gem, é fundamental. Na escola, a leitura contem histórias às crianças ou sugerem
serve não só para se aprender a ler, como às próprias crianças que elas mesmas in-
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que além de trabalhar o texto numa situ- jogo do humor. Segundo ele, tudo que
ação significativa, alerta os alunos contra transcende a esfera do juízo lógico e deli-
o uso indiscriminado de medicamentos. berativo é lúdico.
Para isso, irão conhecer e analisar bulas
Há basicamente três tipos de poemas:
de remédios, como preparar ervas casei-
ras, quando podem ser usadas, atentando Lírico – ritmo, musicalidade, brevi-
para aspectos como indicações, contrain- dade e intensidade. “Eu lírico” é voz cen-
dicações, posologia, composição, etc, com tral. Ligado à música em sua raiz.
o intuito também de familiarizá-lo com o Drama – baseado em diálogos, mo-
tipo de organização deste discurso. Ele nólogos e conflitos interiores e sociais. Li-
trabalhará com embalagens, bulas, pro- gado ao teatro.
pagandas de rádio, TV, podendo este pro-
jeto ser desenvolvido durante um certo Épico – o narrador apresenta perso-
tempo, que poderá ser maior ou menor, nagens envolvidos em situações de uma
dependendo do interesse dos alunos. Ao história, uma batalha, um evento.
longo do ano, podem ser feitas adapta- Pode-se dizer, assim, que a experiên-
ções consideradas necessárias de acordo cia linguística começa com o nascimento,
com o andamento, aceitação e resultado quando os primeiros sons e acordes são
dos mesmos. Faz-se necessário, antes do ouvidos. O som, primariamente, extrapo-
início de cada projeto, sua leitura, sua ex- la o significado nas parlendas, canções de
plicação, para que comece tendo-se em ninar, poemas. Em seu cotidiano, a crian-
mãos todo o material necessário, as eta- ça vive a poesia através das brincadeiras,
pas bem delimitadas para que não parem da invenção de rimas, dos trava-línguas,
no meio do caminho por falta de planeja- músicas, etc. É na atividade criativa com a
mento. língua que a criança constrói formas origi-
Alfabetizando por meio de poemas nais de ver o mundo.
“Poiesis”, palavra grega, significa “pro- As palavras na poesia têm muitos sen-
duzir, fazer,” criar uma realidade diferente tidos que variam de época, lugar, sua po-
da histórica e factual. A poesia na Antigui- sição no poema, etc. (ex: para Camões a
dade era ritual, entretenimento, enigma, palavra “gentil” é nobre e altiva, hoje ela
profecia, filosofia, competição. O poeta tem outro significado). Enfim, a poesia
era concebido como um sábio e a função tem alto poder de síntese de fala nas en-
do poema era social, educar e guiar uma trelinhas.
prática. Na Índia e Grécia antigas e no Im- Geralmente, o trabalho com a poesia
pério Romano, vários documentos, hinos, em sala de aula está atrelado, entre ou-
contratos e provérbios eram escritos em tros problemas, às atividades e aos exer-
versos, em parte pela facilidade de me- cícios oferecidos pelos livros didáticos
morização (HUIZINGA, 1980). que tratam este gênero discursivo como
Para o mesmo autor, todo poema tem pretexto para levar os alunos a discuti-
origem no jogo: jogo do culto, da corte rem conteúdos gramaticais e ortográfi-
amorosa, jogo marcial da competição, cos, deixando de lado o valor literário que,
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trabalho que pode ser feito com a colabo- poderão ser montadas cenas diversas a
ração do professor de geografia e de edu- partir do que se viveu ou observou.
cação artística.
i) Elaboração de quadros com reporta-
b) As equipes que pesquisaram bancas gens fotográficas e suas legendas e tex-
de jornais ou lojas de vendas podem apre- tos.
sentar uma classificação dos títulos das
Observações - É importante que os alu-
publicações à venda, agrupando-os por
nos não sejam sobrecarregados com ex-
gênero. Em seguida, poderão fazer uma
cesso de notas, o que tornaria o trabalho
classificação mais detalhada dos títulos
desinteressante. Assim, seria bom que
que mais interessam a equipe ou aos alu-
cada grupo só fizesse o levantamento de-
nos em geral. Pode-se indicar os títulos
talhado de um único gênero jornalístico e
que os vendedores põem em destaque.
dentre as revistas de um só tema, segun-
Para os pequenos, ficar, por exemplo, só
do os interesses e as idades. Por exemplo:
com a classificação de gibis.
um grupo se ocuparia dos jornais, outro
c) Elaboração de um esquema de loca- das revistas femininas, outro de revistas
lização dos tipos de impressos (cartazes dedicadas a esportes, etc. Não havendo
de propaganda) e seus temas no local de duplicação de trabalho entre os grupos,
venda. cada um ouvirá a exposição do outro com
mais interesse.
d) Numa rápida troca de ideias, oral-
mente portanto, os grupos cotejam as di- Caberá portanto à sensibilidade do pro-
ferenças e semelhanças de apresentação fessor dosar esta atividade, estabelecen-
dos títulos em postos de venda diferen- do os limites da pesquisa em todos os seus
tes. aspectos. No caso de dificuldades em sair
com os alunos pequenos para a rua, a fim
e) As equipes que pesquisaram biblio-
de observar os pontos de venda, o pro-
tecas poderão fazer o mesmo trabalho.
fessor pode montar uma banca dentro da
f) Com as relações de títulos levantados sala de aula. Para isso, terá ele mesmo que
na banca, os alunos podem organizá-Ios. observar primeiro a organização de um
g) A classe organiza um painel final com ponto de venda.
todos os resultados sintetizados em seus Solicitar que os alunos tragam jornais e
aspectos essenciais. revistas os mais variados para a aula. Cada
h) Outras atividades poderão ainda título de jornal deve ter vários exempla-
resultar desse trabalho, como: redações, res. Organiza-se a “banca” com a classe,
quadros, estatísticas (recorrer ao profes- sob a orientação do professor. A partir daí
sor de matemática). De caráter mais lite- pode-se fazer trabalho de observação e
rário, poderão ser feitas descrições rápi- levantamento proposto.
das de tipos, como o leitor, o vendedor, o Esta forma de trabalho não terá a rique-
comprador e ainda narrativas a partir dos za daquele feito numa banca verdadeira,
diferentes acontecimentos ocorridos du- mas será certamente um trabalho lúdico
rante a pesquisa. Do ponto de vista lúdico, que motivará as crianças (FARIA, 2011).
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UNIDADE 6 - Introdução às dificulda-
des de leitura e escrita
Existem dificuldades de aprendiza- temáticas e de raciocínio, encontramos
gem que necessitam de intervenção a discalculia e acalculia. Estas dificulda-
psicológica ou psicopedagógica, no en- des se revelam na aquisição da noção
tanto, algumas podem ser resolvidas de números, no lidar com quantidades e
dentro da escola, por meio de programas relações espaços-temporais e problemas
individualizados de ensino e/ou práticas de aquisição e utilização de estratégias
pedagógicas diferenciadas, basta que o para aprender, manifestados na falta de
professor tenha noções básicas dessas organização e utilização de funções me-
dificuldades, perceba o aluno portador tacognitivas, comprometendo o sucesso
da mesma e tome as iniciativas devidas. na aprendizagem.
Neste tópico, a nossa intenção é ape-
nas introduzir as dificuldades mais co- DISLEXIA
muns relativas à leitura e escrita. De todo
modo é interessante saber que podem Desordem do aprendizado que afeta a
ser classificadas em grupos. leitura, a ortografia e a linguagem escri-
No grupo dos distúrbios da concen- ta, podendo ser acompanhada de proble-
tração e atenção caracterizado por com- mas com os números, uma memória de
portamentos de hiperatividade e impul- curto prazo pobre e falta de aptidão.
sividade temos o TDAH – transtorno do Embora a dislexia afete principalmen-
déficit de atenção com hiperatividade; te o domínio dos símbolos gráficos, como
DDA – desordem de déficit de atenção; letras, números e notas musicais, ela
Limitrofia; TOC - Transtorno Obsessivo também pode trazer dificuldades para a
Compulsivo; ST – Síndrome de Tourette. linguagem falada.
No grupo dos problemas receptivos e De acordo com a Associação Brasileira
de processamento da informação estão de Dislexia (2011), ao contrário do que
as disgrafias, disortografias, disfasias, muitos pensam, a dislexia não é o resul-
afasia e dislalia. Este grupo diz respeito tado de má alfabetização, desatenção,
à competência linguística, como as ativi- desmotivação, condição socioeconômica
dades de escrita, distinção de sons e de ou baixa inteligência. Ela é uma condição
estímulos visuais, aquisição de léxico, hereditária com alterações genéticas,
compreensão e expressão verbal. apresentando ainda alterações no pa-
No grupo das dificuldades de leitura drão neurológico.
manifestada pela aquisição das compe- Por esses múltiplos fatores é que a
tências básicas relacionadas à fase de dislexia deve ser diagnosticada por uma
decodificação, como sendo a compreen- equipe multidisciplinar. Esse tipo de
são e interpretação de textos, as dificul- avaliação dá condições de um acompa-
dades de escrita e presença de erros or- nhamento mais efetivo das dificuldades
tográficos, em geral, está a dislexia. após o diagnóstico, direcionando-o às
No último grupo, das dificuldades ma- particularidades de cada indivíduo, le-
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Além desses distúrbios, há outros que frontal e lateral, tendo a parte posterior
também têm sintomas parecidos com inibida.
os da dislexia e isso acaba confundindo Diante desses resultados, constata-
pais, professores e até profissionais mal ram-se evidências neurobiológicas de
informados. É preciso tomar muito cui- que existe uma interrupção subjacente
dado antes de diagnosticar uma dislexia, nos sistemas neuronais associados à lei-
que é bem mais complexa do que a maio- tura em crianças com dislexia. Os dados
ria dos distúrbios relatados. indicaram que isso já é evidente desde
O que acontece com o disléxico é que, muito cedo, concluíram os autores, em
na maioria dos casos, ele não identifica artigo publicado na revista Biological
sinais gráficos, letra ou qualquer código Psychiatry.
que caracterize um texto. Portanto, ele
não troca letras, porque seu cérebro se- DISGRAFIA
quer identifica o que seja uma letra.
Se inverte letras e sílabas, é simples- Desordem de integração visual-mo-
mente porque nem sabe o que são le- tora, ou seja, não há coordenação entre
tras e sílabas e não porque “troca letras”, os dois. É a dificuldade ou a ausência na
como se insiste em divulgar. Existem aquisição da escrita.
muitos distúrbios que fazem realmente O indivíduo fala, lê, mas não consegue
a pessoa trocar letras, um deles é a dis- transmitir informações visuais ao siste-
lalia, que veremos mais adiante, e outros ma motor. Resumindo: lê, mas não escre-
que em momento oportuno serão cita- ve, além de, possivelmente, ter graves
dos. Enfim, a dislexia não causa a troca problemas motores e de equilíbrio (OLI-
de letras, é algo muito mais complexo VIER, 2008).
que isso. Características do sujeito com disgra-
Ainda sobre essa visão, deve-se lem- fia:
brar que a equipe de G. Reid Lyon, do Ins- O indivíduo não possui dificuldades
tituto Nacional de Saúde Infantil Desen- visuais nem motoras, mas não consegue
volvimento Humano dos Estados Unidos, transmitir as informações visuais ao sis-
em Bethesda (Maryland), avaliou exames tema motor. Deficiência de “transmis-
de imagens do cérebro em funcionamen- são”;
to de 144 pessoas, sendo 70 disléxicas e Fala e lê, mas não encontra padrões
74 não disléxicas, todas com idade entre motores para a escrita de letras, núme-
sete a 18 anos. ros e palavras;
Enquanto realizavam várias tarefas de Não possui senso de direção, falta-
leitura e de compreensão de sons, eles -lhe equilíbrio;
foram submetidos a um exame cerebral Pode soletrar oralmente, mas não
chamado ressonância magnética funcio- consegue expressar ideias, por meio de
nal. Foi observado que as pessoas com símbolos visuais, pois não consegue es-
leitura normal, ou seja, sem dislexia, ati- crever.
varam a parte posterior do cérebro, en-
quanto as disléxicas ativaram as regiões Acima de tudo, necessita de avaliação
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se a criança continuar falando errado, pre- deficiência causada por anemia ou desnu-
cisará passar por exames específicos para trição, enfim, se a criança estiver bem física
detectar as causas e os possíveis tratamen- e mentalmente, restarão as causas psicoló-
tos. gicas e a deficiência do sistema de ensino
A dislalia, troca de fonemas (sons das le- para justificar o fracasso com os números.
tras), pode afetar também a escrita. As causas psicológicas são muitas e por
demais complexas, por isso não cabe nume-
DISCALCULIA rá-Ias aqui. As dificuldades causadas pela
deficiência do ensino também são muitas e
Este é mais um dos distúrbios que podem sua solução depende de uma nova visão da
ser causados por anoxia perinatal ou por matemática.
outros acidentes, que acabam afetando o Vários estudos apontam que é necessá-
funcionamento normal do cérebro. Alguns rio conhecer melhor a matemática ineren-
profissionais desinformados negam-se a te às atividades da vida diária das crianças
aceitar que a discalculia atinja crianças em e construir, a partir dessa matemática real,
idade escolar, alegam que só é possível “ad- pontes e/ou ligações efetivas para a ma-
quirir” por meio de um Acidente Vascular temática abstrata que a escola pretende
Cerebral (popular derrame) ou traumatismo ensinar. Isso quer dizer que uma criança,
crânio-encefálico. cujo pai é vendedor ambulante ou feiran-
Essa afirmação é segundo Chamat e Oli- te, por exemplo, um vendedor de pastéis,
vier (2008), no mínimo, incompleta. Na geralmente sabe fazer contas, somar, mul-
verdade, qualquer acontecimento anormal tiplicar, dar trocos, “ajudando o pai”. Essa
que desencadeie uma descarga elétrica no mesma criança pode perder-se totalmente
cérebro pode causar um distúrbio, seja ou nas contas e nas equações propostas em
não de aprendizagem. Outros especialistas sala de aula. A explicação é muito simples:
chegam a incluir os sintomas da discalculia ao acompanhar o pai, vendendo pastéis, a
na “lista” de sintomas característicos da dis- criança “vê” o pastel, o dinheiro do freguês,
lexia, o que é, de fato, um imenso equívoco. o troco, tudo é real. Na lousa, os números
Primeiramente, é preciso distinguir a dis- são apenas sinais que a criança vê, mas não
calculia (que é basicamente um distúrbio distingue.
neurológico, com causas diversas) da sim- Exemplo: A adição 4 + 3 = 7, escrita na
ples dificuldade no aprendizado da mate- lousa quer dizer o quê?
mática, que afeta a maioria dos estudantes Para a criança, é apenas um conjunto de
e que, geralmente, é gerada pela deficiên- símbolos numéricos, totalmente abstratos.
cia do próprio sistema de ensino. As causas No fundo, ela não entende o porquê desta
biológicas e psiconeurológicas devem ser conta, não entende “o que” é 4 ou 3 ou 7
diagnosticadas e tratadas por meio de exa- não sabe quantas unidades estão “dentro”
mes específicos feitos por profissionais das dos números 4,3,7... , Uma forma de fazer a
respectivas áreas. criança assimilar as operações é tornar tudo
Após todos os testes e os exames, se fi- o mais real possível. Exemplo: usar palitos,
car comprovado que a criança não tem ne- figurinhas, bolinhas, enfim, qualquer mate-
nhuma disfunção neurológica, nenhuma rial “palpável” e separá-Ios em “montinhos”
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REFERÊNCIAS
REFERÊNCIAS BÁSICAS
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