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NÃO PODE FALTAR I

OS OBJETIVOS DA BNCC PARA O ENSINO DE HISTÓRIA


NA EDUCAÇÃO INFANTIL E ANOS INICIAIS

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Julia Rany Campos Uzun

seõçatona reV
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PRATICAR PARA APRENDER

A Base Nacional Comum Curricular traz um conjunto de 10 competências


gerais a serem implementadas em todos os componentes curriculares, além
de dispor de uma série de determinações para cada área do conhecimento. Cada
um dos componentes curriculares possui um conjunto específico de desafios a
serem enfrentados, divididos a partir das competências específicas (o conjunto de
aptidões a serem desenvolvidas pelo aluno que dialogam com as questões de seu
cotidiano) e das habilidades (ligadas aos conteúdos teóricos de cada ano da
educação básica).

A professora Lídia foi recém-contratada para lecionar história para a educação


infantil e para as séries iniciais do ensino fundamental no mesmo colégio em que a
professora Alice assumiu a coordenação da área de humanidades. A coordenadora
decidiu se reunir com a professora Lídia para a elaboração da metodologia de
trabalho com o componente curricular e para a criação das estratégias a serem
utilizadas no desenvolvimento dos conteúdos.

Para que a abordagem da nova professora esteja dentro dos padrões


estabelecidos pela Base Nacional Comum Curricular, quais objetivos os programas
de curso devem priorizar? Quais habilidades e competências devem ser
desenvolvidas junto aos alunos da educação infantil e dos anos iniciais do ensino
fundamental? Os programas de curso devem diferir dos anteriores em quais
pontos?

CONCEITO-CHAVE

1.  OBJETIVOS E COMPETÊNCIAS GERAIS PARA O ENSINO DE HISTÓRIA


NA EDUCAÇÃO INFANTIL E ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL
A Base Nacional Comum Curricular reorganizou as expectativas para a educação
básica brasileira, criando novos pontos de partida para a determinação dos
currículos. Para a educação infantil, foram estabelecidos os direitos de
aprendizagem, substituindo o conceito de “competências” presente nos
Parâmetros Curriculares Nacionais (CURY, 2003), com o objetivo de enfatizar o
desenvolvimento da criança de forma completa, para além de sua aprendizagem
escolar, dentre os quais estão os direitos éticos (como o brincar e a convivência), os
estéticos (como o autoexpressão e exploração do mundo) e políticos (como o
autoconhecimento e a participação). Nesse sentido, a história deve ser empregada
por meio do diálogo com as experiências e situações concretas da vida do aluno,
os chamados campos de experiência.

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Para os anos iniciais do ensino fundamental, os objetivos principais são a
construção do sujeito (a partir do estabelecimento das figuras do “eu”, do “outro” e

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de coletividade) e o reconhecimento das noções de espaço e de tempo, tendo
como referência a comunidade de pertencimento. Tais objetivos devem ser
desenvolvidos a partir de 10 competências gerais, estipuladas pela BNCC como a
capacidade de mobilizar atitudes, habilidades, conhecimentos e valores para
resolver as demandas cotidianas, para garantir o exercício da cidadania e para
responder às necessidades do mundo do trabalho (BRASIL, 2017). É a primeira vez
que essas propostas são organizadas dessa forma, mas a maioria delas não é
inédita, já tendo sido discutidas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (como a
necessidade de trabalhar com a cooperação e a empatia).

ASSIMILE

As competências presentes na Base Nacional Comum Curricular (sejam


gerais ou específicas) apontam para o diálogo entre os conhecimentos
adquiridos em sala de aula e as situações cotidianas, respeitando os
direitos humanos, os princípios éticos, a sustentabilidade e a justiça social,
garantindo a promoção física, cultural, emocional e social do aluno. As
habilidades, por sua vez, tratam dos conteúdos essenciais que devem ser
estipulados para cada componente curricular, em cada ano, determinando
somente os processos cognitivos da aprendizagem.

Quais são as competências gerais e como a história dialoga com elas? A primeira
das competências gerais se refere à utilização e à valorização dos conhecimentos
construídos ao longo do tempo acerca da sociedade, da cultura, do mundo digital e
físico para a explicação da realidade do aluno. Nesse sentido, a história pode
ajudar no reconhecimento de diversos tipos de fontes para a construção do
conhecimento ético e na aplicação intencional desse conhecimento em diversos
contextos distintos. A segunda propõe o desenvolvimento do raciocínio científico e
a criatividade, utilizando a história como um meio para conectar duas ou mais
ideias distintas (distantes no tempo e/ou no espaço); enquanto a terceira aborda a
inclusão do aluno no universo da produção cultural e artística do mundo, fazendo-
o participar de práticas produtivas, usando a história como uma forma de
compreensão da própria cultura do aluno e de suas identidades e diferenças.

A quarta competência geral visa ao estímulo à expressão e à troca de informações


e experiências por meio de diversas formas de linguagem, sendo o componente
curricular disposto como um instrumento para o compartilhamento de
experiências pessoais e de aprofundamento de ideias colocadas por outros. Já a
quinta competência pretende levantar a importância do bom uso das tecnologias
digitais de informação, utilizando-se da história para discutir as formas éticas de
realizar práticas digitais e levantar os pontos negativos e positivos da presença da
tecnologia na vida cotidiana. A sexta competência geral valoriza a variedade de
vivências culturais para a compreensão sobre o mundo do trabalho e o exercício
da cidadania, contribuindo para a construção, de forma livre, do projeto de vida
profissional e pessoal do aluno. A sétima competência busca desenvolver a
capacidade de defender ideias e negociar pontos de vista – sendo uma das mais

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desenvolvidas no componente curricular – pois, desperta no aluno a capacidade de

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argumentar com base em diferentes evidências, dando exemplos pertinentes e
interagindo com questões do seu cotidiano.

A oitava competência leva o aluno ao cuidado de sua própria saúde física e


emocional, sendo trabalhada na história como uma forma de auxiliar na
construção da identidade pessoal da criança e no reconhecimento de seus
interesses e de suas características. A nona competência geral, por sua vez, deve
exercitar a cooperação, o diálogo e a resolução de conflitos, sendo muito
importante para o trabalho do componente curricular no reconhecimento do
preconceito, na valorização de diferentes perspectivas e na abertura do olhar da
criança para culturas diferentes da sua (desenvolvendo o princípio da alteridade).
Por fim, a última competência busca estabelecer a consciência no aluno de que ele
deve se tornar um agente transformador da sociedade de forma democrática,
inclusiva, ética, solidária e sustentável. Nesse sentido, é importante que a história
desenvolva no aluno o senso pessoal de julgamento sobre o que é certo e errado e
o respeito por seus valores e crenças fundamentais (BRASIL, 2017).

2.  O ENSINO DE HISTÓRIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL SOB O OLHAR DA


BNCC
Uma das grandes transformações trazidas pela BNCC para a educação infantil foi a
criação de seis direitos fundamentais, responsáveis por substituir a noção de
“competência” e enfatizar o desenvolvimento completo da criança. O primeiro
deles é o direito à convivência com seus pares, em grandes e pequenos grupos,
utilizando as mais variadas linguagens com o objetivo de aumentar o
autoconhecimento e o conhecimento sobre o outro, respeitando a diversidade
individual e cultural. Nesse sentido, o ensino de história pode estimular o
desenvolvimento de atividades que levem ao conhecimento de outras culturas e ao
reconhecimento da identidade do educando, desenvolvendo seu olhar para si e
para o mundo. O direito de brincar também é assegurado pelo documento, como
forma de ampliar a criatividade e as experiências emocionais, cognitivas, sociais e
relacionais, sendo a história o componente curricular responsável por apresentar
as diferentes formas do brincar no espaço e no tempo.

A Base Nacional Comum Curricular também salienta a importância da participação


ativa da criança no planejamento das atividades na educação infantil, como a
escolha dos ambientes, materiais e a produção do conhecimento. No trabalho em
história, pode ser realizada a construção de pequenas maquetes de brinquedo,
nas quais os alunos vão decidir as cores, as estruturas e os produtos para a
reprodução dos elementos que os cercam, como a escola ou a casa. A história
também contribui para o desenvolvimento do direito fundamental de explorar,
pois amplia os conhecimentos da criança sobre a cultura ao apresentar as diversas
modalidades tecnológicas, artísticas, científicas e de escrita, permitindo que o
aluno explore com autonomia esses materiais.

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O quinto direito fundamental definido pela BNCC é o da autoexpressão, colocando
a criança como sujeito sensível, criativo e dialógico. Nesse contexto, a história

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transforma-se no componente curricular capaz de criar rodas de conversa para
que as crianças exponham seus argumentos, criando momentos de fala e de voto
em decisões que vão afetar o coletivo, como a escolha de uma atividade ou a
definição de grupos para um trabalho. Por fim, o ensino de história torna-se o
responsável pelo desenvolvimento do direito de construir a identidade individual,
cultural e social da criança, permitindo que ela se conheça e crie uma imagem
positiva de sua comunidade de pertencimento (BRASIL, 2017).

EXEMPLIFICANDO

Uma das possibilidades para o ensino de história na Educação Infantil  é a


criação de um álbum coletivo de comemorações locais e regionais, a ser
preparado ao longo do ano. Com o auxílio do professor, os alunos devem
criar desenhos, trazer fotografias, elaborar colagens e diversas outras
formas de expressão das principais manifestações culturais de sua região,
divididas pelos meses do ano, a serem reunidas em um mural ou
encadernadas no formato de um álbum físico. Com essa atividade, a turma
passa a valorizar as manifestações culturais locais, conhecendo diversas
expressões artísticas e criando suas próprias versões das festividades.
Assim, os alunos transformam-se em agentes culturais e produtores de
conhecimento, o que responde às propostas da BNCC para a educação
infantil.

Além da determinação dos direitos fundamentais, a BNCC estipulou uma mudança


conceitual para os currículos da educação infantil, considerando a criança como
uma produtora da sociedade e da cultura na qual ela se insere. Com isso, ela fixou
cinco campos de experiência como fundamentos básicos para cada etapa do
desenvolvimento, inspirados nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Infantil (SILVA; FONSECA, 2010). O ensino de história, nesse sentido, torna-se
questão primordial para o trabalho em todos eles.

No campo “O eu, o outro e o nós”, a história age como ferramenta para auxiliar a
criança na construção de sua identidade, na percepção do outro e no
reconhecimento das diferenças, permitindo o contato com grupos culturais e
sociais distintos. Para o campo “Corpo, gestos e movimentos”, o componente
curricular permite o estabelecimento de relações e expressões; a produção de
conhecimentos sobre si mesmos, sobre o outro e sobre a comunidade social e
cultural na qual o aluno se insere. Por meio do campo “Traços, sons, cores e
formas”, a história permite que a criança vivencie vários tipos de linguagens,
expressões e experiências, entrando em contato com manifestações científicas,
artísticas e culturais no cotidiano escolar. Ao participar de rodas de história e
conversa, a história permite o desenvolvimento do campo “Escuta, fala,
pensamento e imaginação”, garantindo que a criança seja estimulada a falar e a
ouvir. Por fim, é por meio da história que são criadas experiências para situar a
criança em seu universo sociocultural, levando-a a compreender as relações sociais
e de parentesco, promovendo, assim, o campo “Espaços, tempos, quantidades,

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relações e transformações”.

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3.  A BNCC E O ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO
FUNDAMENTAL: COMPETÊNCIAS ESPECÍFICAS E HABILIDADES
A Base Nacional Comum Curricular traz diversas orientações sobre o processo de
ensinar história também para os anos iniciais do ensino fundamental, discutindo a
importância do estabelecimento de relações entre o passado e o presente como
questão principal a ser levada em consideração na determinação dos currículos. O
documento ressalta a necessidade de criar referenciais teóricos para tornar os
objetos históricos escolhidos inteligíveis, sugerindo o trabalho com fontes
diversificadas – como documentos iconográficos, cultura material e imaterial, além
dos registros escritos – transformando o processo de produção e de transmissão
dos conhecimentos em uma atividade flexível, dinâmica e interdisciplinar,
questionando as fronteiras disciplinares e garantindo o reconhecimento da íntima
relação entre os saberes escolares e a vida social (FONSECA, 2003).

Segundo o documento, existem alguns processos que devem ser considerados


como imperativos para o desenvolvimento dos alunos nos anos iniciais do ensino
fundamental: a identificação; a comparação; a contextualização; a interpretação e a
análise crítica dos objetos históricos. Nesse sentido, o texto defende a construção
de conceitos e situações-problema para o desenvolvimento dos processos de
argumentação e para a elaboração de argumentos que levem o aluno a explicar
sua própria realidade e a do outro, desenvolvendo nele uma percepção maior
acerca da condição humana em suas diferentes realidades (KARNAL, 2004).
Contudo, o texto do documento fala pouco sobre a problematização desses
objetos.

Acerca do processo de identificação, a BNCC busca estimular os alunos a


questionarem o objeto histórico a partir de indagações como: quais os significados
deste objeto ao longo do tempo? De que ele é feito? Para quem e por quem foi
feito?, ampliando a compreensão sobre o processo de elaboração do documento e
das relações sociais. Em relação aos procedimentos de comparação, o documento
determina o exercício da alteridade. A etapa da contextualização permite que o
aluno localize o objeto histórico no tempo e no espaço. O processo de
interpretação, por sua vez, desenvolve o criticismo. Em última instância, a análise
crítica do objeto histórico pede a problematização da escrita da história, exigindo
habilidades mais complexas (FRANCO et al., 2018).

Para os anos iniciais do ensino fundamental, a BNCC define nove competências


específicas para o ensino de história, responsáveis pelo reconhecimento dos
diferentes sujeitos. Elas consistem na descrição e seleção dos registros de
memória produzidos em tempos e espaços distintos; no estabelecimento de
relações entre sujeitos no diferentes espaços e tempos; no sequenciamento dos
acontecimentos históricos de forma linear; na elaboração de hipóteses,
questionamentos e argumentos; na identificação de possíveis interpretações que
tragam diferentes visões de mundo; na descrição, análise e comparação dos
processos históricos; na compreensão sobre os movimentos populacionais; e na
problematização acerca dos conceitos específicos ao conhecimento historiográfico

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(BRASIL, 2017).

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Nesse sentido, o ensino de história é moderado a partir de três procedimentos
primordiais: a identificação dos acontecimentos mais relevantes para a história da
América, da África e da Europa, organizando-os no espaço geográfico e em uma
linha cronológica; o desenvolvimento de condições para a seleção, a compreensão
e a reflexão por parte dos alunos acerca dos sentidos dos usos, da produção e da
circulação desses documentos; e, por fim, a interpretação das diversas versões de
um mesmo objeto histórico. Para essa finalidade, a BNCC divide-se em unidades
temáticas, objetos de conhecimento e habilidades, que devem ser trabalhadas em
cada ano do ensino fundamental. Nos anos iniciais, as temáticas selecionadas são
aquelas já tradicionalmente prescritas para os currículos, como a história da
criança, a história da família, a história da escola, a história comunitária, além das
noções de patrimônio histórico e de tempo físico e cronológico.

Ainda que a questão da diversidade seja um tema muito presente na BNCC para os
anos iniciais do ensino fundamental, ela é estabelecida a partir do olhar da
naturalização da identidade e da diferença (SILVA, 2000, p. 85). Em diversos
momentos, o documento toma as diferenças como elementos dados na vida social,
sem questioná-los como processos culturais ou dentro de embates de poder. Mais
do que identificar e respeitar a diversidade, uma das propostas do ensino de
história é que o aluno reconheça a construção histórica das diferenças e as
relações de poder imbricadas nesse processo, responsáveis por privilegiar
determinados grupos e submeter outros.

REFLITA

Naturalizar uma questão é considerá-la como da ordem da natureza, sem


intervenção da cultura ou das relações de poder. Qual é o problema da
naturalização das diferenças para o ensino de história? A partir do
momento em que os conteúdos propostos pela BNCC nas unidades
temáticas mantêm a perspectiva eurocêntrica, eles tratam as culturas
americanas e africanas de forma marginal, sugerindo a existência de uma
“história oficial e normativa” e de “outras histórias”, mantendo o olhar sobre
o colonizado como membro de uma cultura naturalmente subalterna.
Quais os perigos de aceitar a naturalização das diferenças em uma
sociedade? Por que é importante relativizar com os alunos    a construção
das diferenças étnicas, de gênero e sociais a partir da história para a
delimitação de uma sociedade mais justa e igualitária?

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