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ARTIGO
PARLAMENTARES: uma análise crítica da literatura comparada
Paulo Peres*
Gabriella Bezerra **
Nossa proposta neste artigo é analisar o debate teórico sobre o presidencialismo tendo como eixo central o
tema da governabilidade e sua relação com a atuação das oposições partidárias na arena legislativa, brasi-
leira e latinoamericana. Argumentamos que a preocupação com a consolidação das democracias recentes
levou os analistas a privilegiarem a governabilidade em detrimento da efetividade da oposição parlamentar,
demonstrando que a evolução dos estudos e dos debates acerca dos desenhos constitucionais mais adequa-
dos à consolidação democrática resultou, por um lado, na concepção de que, se forem efetivas, as oposições
parlamentares podem prejudicar a consolidação das novas democracias e, por outro, num déficit de pesqui-
sas empíricas sobre as suas prerrogativas e o seu comportamento. Defendemos a necessidade de superação
desse viés normativo e do desenvolvimento de uma agenda de investigações sobre a sua atuação estratégica.
Palavras-Chave: Oposições parlamentares. Presidencialismo. Governabilidade. Executivo e Legislativo.
http://dx.doi.org/10.9771/ccrh.v33i0.25447 1
PRESIDENCIALISMO, GOVERNABILIDADE E OPOSIÇÕES ...
tori, 1997; Lijphart, 1994; Mainwaring, 1993, lidade em situações de extrema fragmentação
1999; Linz; Valenzuela, 1994a e 1994b, Jones, partidária aliada a contextos de real separação
1995; Lijphart; Waisman, 1996; Huber, 1996; entre os Poderes, tal como propiciado pelo sis-
Diamond, 1997; Mainwaring; Shugart, 1997a tema presidencialista (cf. Amorim Neto, 2006).
e 1997b; Tsebelis, 1995, 2002). Em ambos os A proposta deste artigo é analisar este
casos – governabilidade difícil e ingovernabili- debate teórico sobre o arranjo institucional
dade com crise institucional – os especialistas presidencialista no que se refere à sua capa-
preconizaram desenhos constitucionais que cidade de assegurar a governabilidade perante
consideravam menos sujeitos à manifestação as oposições partidárias na arena legislativa.
de múltiplos atores com poder de veto às po- Como procuraremos mostrar, a preocupação
líticas propostas pelo Executivo. Entendida com a governabilidade refletiu uma postura de
como a capacidade do Executivo de aprovar cautela diante do potencial oposicionista para
sua agenda, sem maiores obstáculos interpos- obliterar o governo e se envolveu em um dile-
tos pela oposição parlamentar (cf. Foweraker, ma de difícil resolução. Se a efetividade das
1998), a governabilidade legislativa foi asso- oposições parlamentares pode resultar na pa-
ciada tanto à eficiência como à qualidade da ralisia do governo, ou ao menos em governos
democracia sem a qual o próprio regime de- acuados, meramente reativos, por outro lado,
mocrático estaria ameaçado. Em consequência a governabilidade plena implica na nulida-
disto, os analistas convergiram num ponto, de dessas oposições. Diante desse paradoxo,
qual seja, a governabilidade é a grande meta a literatura temática foi levada a privilegiar a
a ser atingida pelas novas democracias (cf. governabilidade em detrimento da oposição
Ames, 2001; Amorim Neto, 2006). parlamentar, com base na premissa de que a
Uma vez estabelecida essa concordân- consolidação das democracias recentes depen-
cia, os especialistas divergiram em relação aos deria do predomínio do governo nas relações
fatores institucionais que produziriam efeitos Executivo-Legislativo. Esse posicionamento
deletérios sobre a governabilidade. Enquanto ocasionou duas consequências: por um lado,
alguns deles alertavam para os perigos que tanto os estudos como os debates a respeito
a forma de governo presidencialista trazia à dos desenhos constitucionais impregnaram-se
governabilidade (Linz 1990a; Linz;Valenzue- de um viés normativo desfavorável à atuação
la,1994a, 1994b;Valenzuela, 2004), outros cha- efetiva das oposições parlamentares;1 por ou-
mavam atenção para o fato de que tais perigos tro, não se formou uma agenda de pesquisas
somente existem no caso de se combinar mul- voltadas ao exame das prerrogativas e do com-
tipartidarismo com presidencialismo (Shugart; portamento dessas oposições nas novas de-
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bre a formação de governos de coalizão, mas que uma oposição partidária eficaz na arena
também nas estratégias de coordenação das legislativa pode ser um entrave à governabili-
oposições parlamentares. dade e, por extensão, uma ameaça à consolida-
Ao analisar esta literatura, tendo tais en- ção da democracia.
foques e objetivo, pretendemos contribuir com Sem dúvida, esse é um dilema de difícil
o debate em dois aspectos. Primeiro, pretende- resolução e, provavelmente, vem daí a reserva
mos mostrar como o percurso analítico nesta da literatura quanto à efetividade das oposi-
área de investigação resultou nessa lacuna e às ções parlamentares. Com efeito, no âmbito des-
reticências, tácitas ou explícitas, dos pesquisa- se debate a forma de governo presidencialista
dores em relação às oposições parlamentares. foi percebida como a mais propensa ao blo-
Segundo, intentamos ressaltar a relevância do queio das oposições partidárias no Legislativo;
estudo das prerrogativas e do comportamento afinal, no presidencialismo não há nenhum
das oposições no processo de governo, pois, instrumento regimental ou constitucional que
assim como a governabilidade, a efetividade permita uma saída institucional para impasses
das oposições parlamentares é indispensável entre o Presidente e o Congresso (Linz, 1990 a,
ao regime democrático. 1994; Shugart; Carey, 1992). Assim, se os par-
lamentares atuarem em oposição ao Executivo,
a governabilidade será ameaçada e, obviamen-
A GOVERNABILIDADE E AS OPO- te, esse bloqueio depende de vários cenários,
SIÇÕES NO PRESIDENCIALISMO como a posição majoritária ou minoritária do
governo no Parlamento, o tamanho e a coesão
A análise comparada das democracias da coalizão de governo, os tipos de projetos em
recentes levou os pesquisadores à formação apreciação, o tamanho das maiorias exigidas
de um consenso acerca da relação negativa en- para a aprovação dos projetos, os custos eleito-
tre governabilidade e oposição partidária (por rais dos projetos em deliberação, assim como
exemplo: Linz, 1990a, 1990b, 1994; Mainwa- das prerrogativas regimentais à disposição das
ring, 1990; Geddes, 1991, 1996; Shugart; Ca- oposições. E mais, se houver alta fragmentação
rey, 1992; O’Donnell, 1992; Valenzuela, 1993; partidária no Legislativo, a possibilidade de
Mainwaring, 1993; Whitehead, 1996; Fowe- ocorrer tensões entre a oposição parlamentar e
raker, 1998; Shugart, 1998). Com efeito, en- o Presidente eleva-se sensivelmente.
quanto a governabilidade foi alçada à condição Já no parlamentarismo, em princípio,
de máximo objetivo a ser garantido, a oposição o governo é formado mediante a produção de
partidária no Parlamento foi entendida como uma maioria partidária no Congresso. No caso
um potencial obstáculo à sua consecução. Ob- de regimes parlamentaristas bipartidários, o Caderno CRH, Salvador, v. 33, p. 1-22, e020034, 2020
viamente, nem toda e qualquer oposição parti- partido do chefe de governo será majoritário
dária foi percebida dessa maneira. Essencial- no Parlamento, assegurando-lhe alta governa-
mente, a oposição partidária ou a “contestação bilidade. Mas em sistemas multipartidários, o
pública” pode se manifestar em duas arenas governo será formado depois de pactuada uma
interligadas, porém, distintas – a eleitoral e a coalizão majoritária mais comprometida com a
governamental (Verney, 1959). Sendo assim, governabilidade.2 Impasses em situações como
podemos dizer que, na perspectiva da litera- essas são extremamente difíceis e, se isso ocor-
tura temática, a atuação da oposição partidária rer, o Primeiro-Ministro poderá ser afastado
na arena eleitoral garante a necessária compe- por meio de uma moção de desconfiança dos
tição pelo poder e, por isso mesmo, é um in- 2
Entretanto, cumpre-nos observar, governos minoritários
dicador de efetividade da democracia (Dahl, em democracias multipartidárias não são incomuns e tam-
pouco mais instáveis do que as majoritárias (cf. Strom,
1997). Em contrapartida, seria possível cogitar 1990).
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“falhas” da democracia no “terceiro mundo” com o Congresso. Dito de maneira mais direta,
– socioeconômicas, culturais e institucionais. Presidentes impopulares e indesejáveis teriam
Em decorrência da chamada “revolução com- que se arrastar até o fim do mandato, mesmo
portamentalista”, as explicações estruturais, à custa de uma crise de governo e até da insta-
centradas em variáveis sociais e econômicas, bilidade institucional. Nesse caso, a gravidade
e, principalmente, as explicações culturalistas, da crise poderia levar a um golpe de Estado.
ofuscaram os estudos de caráter instituciona- Nesse contexto, Linz estabeleceria toda
lista (cf. Peres, 2008). Porém, a “terceira onda uma agenda de pesquisa destinada a verificar
democrática”, iniciada nos anos 1970, trouxe se o presidencialismo de fato era uma amea-
à tona a necessidade de se discutir com mais ça à estabilidade das recentes democracias
afinco os arranjos institucionais e seus efei- latino-americanas. Dessa forma, essa região -
tos políticos, afinal, os países que transitavam assim como o Leste Europeu e a Europa Cen-
para a democracia tinham que lidar com a tral – tornar-se-iam atraentes laboratórios para
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análises comparadas com esse escopo analí- continuidade; afinal, uma coisa era a obtenção
tico.3 As investigações voltadas às recentes de governabilidade no presidencialismo, no
democracias tinham, portanto, um norteador caso dos regimes autoritários; outra coisa se-
normativo central, qual seja, buscar a eficiên- ria assegurar a governabilidade num ambiente
cia institucional para se evitar as tensões e os democrático. Em regimes autoritários não há
possíveis impasses entre o Executivo e o Legis- problemas de impasses entre Executivo e Legis-
lativo. Seguindo de perto as pegadas deixadas lativo, o que significa dizer que não há oposição
pela literatura sobre as transições democráti- efetiva – ou esta não é tolerada, ou é controlada
cas, os analistas de orientação institucionalista rigidamente, ou, ainda, restringe-se a uma fun-
deduziram que os desenhos constitucionais ção apenas protocolar. Já nas democracias, su-
adotados, especialmente na América Latina, põe-se justamente que as oposições não apenas
não ajudariam na consolidação do regime. sejam toleradas, mas que tenham algum grau de
Para eles, em virtude da herança histórica de efetividade. O problema, nesse caso, é que sua
um passado autoritário e da continuidade ins- eficácia pode ser um obstáculo à governabili-
titucional de alguns elementos dos regimes dade. Portanto, como lidar com essa diferença
ditatoriais no arranjo assumido pelas recentes entre o presidencialismo autoritário (sem opo-
democracias, esses países estavam sujeitos a sição efetiva) e o presidencialismo democrático
retrocessos ou, no mínimo, a um desempenho (com oposição efetiva) quando a principal meta
de baixa qualidade (Mainwaring, 1990; Whi- a ser buscada é a governabilidade?
tehead, 1996; Geddes,1996). De acordo com os analistas, em seme-
Acreditando não ter havido reais inova- lhantes situações haveriam apenas dois cami-
ções nos desenhos constitucionais das novas nhos a trilhar: (1) ou a oposição legislativa não
democracias latino-americanas, alguns analis- seria contornada pelo Executivo e as crises de
tas concluíram que se tratava de modelos ins- governabilidade seriam frequentes, chegando,
titucionais bastante homogêneos e propensos possivelmente, a provocar abalos institucio-
à crise. Essa homogeneidade constitucional se nais (2); ou os Presidentes recorreriam a ins-
assentaria na forma de governo presidencialista trumentos autoritários, embora, constitucio-
– inclusive, a adesão da região ao presidencia- nalmente previstos, para sobrepujar o bloqueio
lismo teria limitado sobremaneira as escolhas legislativo. Neste último caso, no entanto, im-
institucionais nesses países e garantido, como por-se-ia uma dinâmica de governo baseada no
efeito colateral, uma continuidade institucio- “decretismo” (Shugart;Carey, 1992, Mainwa-
nal importante do passado autoritário no novo ring, 1993; Geddes, 1996; Shugart,1998) e na
ambiente democrático. Ou seja, tratou-se muito “democracia delegativa” (O’Donnell, 1992). O
mais de se reestruturar as instituições adjacen- problema disso é que, ao lançar mão de instru- Caderno CRH, Salvador, v. 33, p. 1-22, e020034, 2020
tes ao formato presidencialista já presentes nos mentos executivos autoritários - tais como, no
governos autoritários, adaptando-as à democra- caso brasileiro, o uso recorrente de Medidas
cia na medida do possível, do que propriamen- Provisórias, o abuso de iniciativas de legislação
te de se desenhar instituições totalmente novas e a interferência recorrente na tramitação de
(Geddes, 1991; Linz, 1994; Shugart, 1998). projetos – para superação das crises de gover-
Para os autores comparativistas, um dos no, o resultado seria, em primeiro lugar, a inde-
principais problemas a serem enfrentados por vida subordinação dos parlamentares ao Exe-
essas novas democracias era precisamente essa cutivo, com o consequente amesquinhamento
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Nas palavras de Foweraker (1998, p. 651): “in particular, do Congresso. E em segundo lugar, o potencial
it created a new context for the study of the relationships recrudescimento das tensões entre os Poderes,
between institutional design, party system and governabi-
lity – defined in the narrow sense of institutional efficacy, pois, os legisladores poderiam se unir para re-
as express through government stability, legislative capacity
and the avoidance of gridlock”. taliar o Presidente em momentos críticos.
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deputados pelo princípio de representação Pérez-Liñan, 2007). Conclui-se daí que, num
proporcional, o que é considerado um fator cenário de alta fragmentação partidária e per-
de instabilidade do presidencialismo na re- sonalismo parlamentar, a governabilidade é
gião, dado que essa fórmula estimula o multi- uma meta praticamente inalcançável.
partidarismo, um formato sistêmico “inimigo Diante disso, para alguns pesquisadores,
da democracia estável” (Mainwaring, 1990). o ideal seria a combinação do presidencialismo
Evidência disso seria o fato de que nenhuma com um sistema bipartidário. Para Mainwaring
democracia consolidada é presidencialista e (1993), por exemplo, o bipartidarismo contri-
multipartidária – com a exceção do Chile entre bui para a moderação da competição, uma vez
1933 e 1973, todas as democracias presiden- que sua dinâmica é centrípeta, levando à re-
cialistas que sobreviveram por pelo menos 25 dução da polarização ideológica. Mas, em sen-
anos eram bipartidárias ou tinham pouco mais do inviável a prevalência do bipartidarismo, a
de dois grandes partidos (Mainwaring, 1993). segunda melhor alternativa seria criar um sis-
Podemos inferir que, aos olhos dos pesquisa- tema de incentivos institucionais para a exis-
dores, o multipartidarismo cria impeditivos à tência de um multipartidarismo moderado,
formação de um governo majoritário porque o com não mais do que três ou quatro partidos
partido do Presidente dificilmente conquista a relevantes, já que os presidentes, forçosamen-
maioria das cadeiras parlamentares (Mainwa- te, têm que contar com um sistema de partidos
ring, 1990, 1993; Jones, 1995; Ames, 2001; com baixa fragmentação legislativa e alta dis-
Sani; Satori, 1983). Consequentemente, o pre- ciplina dos parlamentares (Mainwaring, 1990,
sidencialismo multipartidário não promove 1993; Stepan; Skach, 1993).5
uma democracia de consenso, pois, com esse Sendo assim, para a resolução dos dois
modelo, até mesmo a construção de uma coa- problemas – fragmentação partidária elevada
lizão majoritária é custosa e incerta (Mainwa- e baixa disciplina parlamentar – os analistas
ring, 1990, 1993; Valenzuela, 1993). sugeriram que se investisse na alteração do sis-
Depreende-se disso, também, que o pon- tema eleitoral (Mainwaring, 1993,1999; Ames,
to nevrálgico aqui é a capacidade de o Execu- 1995a, 1995b, 2001; Jones, 1995; Samuels,
tivo controlar a maioria parlamentar (Mainwa- 2003). Em realidade, segundo os pesquisado-
ring, 1993; Mainwaring; Scully, 1995). Partin- res, ao impactar a fragmentação partidária, o
do-se da premissa de que quanto mais frag- sistema eleitoral, indiretamente, produz efeitos
mentado o sistema partidário na arena legisla- sobre a capacidade do Executivo de formar co-
tiva, maior é a dificuldade de se obter a gover- alizões majoritárias. A redução do número de
nabilidade, e admitindo-se que mesmo a for- partidos e o aumento do controle das organiza-
mação de uma coalizão partidária majoritária, ções partidárias sobre os seus parlamentares, Caderno CRH, Salvador, v. 33, p. 1-22, e020034, 2020
assim como a garantia de sua lealdade, é mais depende do abandono do voto em listas abertas,
dispendiosa quando o número de parceiros é juntamente com a adoção de regras que funcio-
maior (Mainwaring, 1990, 1993, 1999; Sani; nem como desincentivos à entrada de pequenos
Sartori, 1983), então, a governabilidade depen- partidos no sistema, assim como a adoção de
de consideravelmente do número de partidos instrumentos partidários para a punição dos
com poder de veto no Parlamento, bem como parlamentares indisciplinados. A representa-
da taxa de disciplina partidária. Adicione-se 5
Curiosamente, Linz (1994) adverte para o contrário, ou
a isso o fato de que os governos minoritários, seja, que em regimes presidencialistas multipartidários, o
melhor é que os parlamentares sejam indisciplinados, pois
ou os governos que fazem coalizão majoritária somente assim o Presidente poderia negociar com cada um
com partidos indisciplinados, lidam, frequen- seu apoio em cada votação, recorrendo aos mecanismos
de pork barrel e ao logrolling. Partidos disciplinados pode-
temente, com ameaças de destituição dos seus riam formar um bloco oposicionista ao governo de manei-
ra inflexível, provocando uma crise institucional de difícil
Presidentes (Mainwaring, 1993; Jones, 1995; resolução dentro das regras do jogo democrático.
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ção majoritária em distritos pequenos, de pre- dos, o problema do impasse entre os Poderes
ferência uninominais, associada a cláusulas de no presidencialismo não seria completamente
barreira à representação partidária e a uma série resolvido, pois, sempre haveria a possibilidade
de desestímulos à criação de novas legendas po- de existirem “governos divididos”, que é quan-
deriam resolver, ou ao menos minorar, o proble- do um dos dois principais partidos controla o
ma da fragmentação parlamentar. Aliado a isso, Executivo e o outro controla o Legislativo.
a realização de eleições concomitantes para a De fato, o problema do “governo dividi-
Presidência da República e o Parlamento contri- do” veio à baila por causa de sua ocorrência na
buiria para a redução da fragmentação partidá- política norte-americana. Nos Estados Unidos,
ria no Legislativo (Jones, 1995). O voto em listas já houve situações como essa em vários mo-
partidárias fechadas, por sua vez, daria aos par- mentos, dando ensejo a alguns impasses impor-
tidos um maior poder de controle sobre o com- tantes entre a Casa Branca e o Congresso.7 Há,
portamento de suas bancadas, solucionando ou é claro, quem defenda que o “governo dividido”
atenuando o problema da indisciplina nas vo- traz efeitos positivos porque garante a real sepa-
tações em Plenário (Ames, 1995a, 1995b, 2001; ração entre os Poderes e, portanto, torna efetivo
Samuels, 2003). o processo de checks and balances. Isso porque,
Contudo, essa “solução ideal” para o no caso do “governo unificado”, ou seja, quando
presidencialismo latino-americano esbarrava o mesmo partido controla o Executivo e o Legis-
em obstáculos sociais e operacionais não vis- lativo, ocorreria uma espécie de junção virtual
lumbrados pela literatura. Em primeiro lugar, e temporária entre os Poderes, em moldes pare-
a quantidade de partidos não é uma função cidos com o que acontece no modelo clássico
apenas das regras eleitorais, conforme já ob- do parlamentarismo inglês, como já apontado
servado pelo próprio Duverger (1951) – e, de há tempos por Bagehot (1867).
certo modo, admitido por Mainwaring (1993)6. Porém, há alguns aspectos que devem
Há fatores sociais e históricos que também ser considerados mais detidamente. Ao con-
contribuem para a existência de muitos par- trário do modelo inglês, a Câmara Alta dos
tidos (Amorim Neto; Cox, 1997; Ordeshook; Estados Unidos tem muito mais poder, o que
Shvetsova, 1994); inclusive, em alguns casos, torna mais difícil uma situação de governo
a própria heterogeneidade social exige o mul- completamente unificado, caracterizado pelo
tipartidarismo (Abranches, 1988). Operacio- controle da Presidência da República e o do-
nalmente, tampouco seria factível supor que mínio simultâneo das duas casas legislativas
os partidos existentes num sistema possam vir pelo mesmo partido. Em desenhos constitucio-
a adotar regras eleitorais que reduzam drasti- nais de real separação dos poderes – ou seja,
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parlamentar majoritária e pouco afeita à coo- disciplina parlamentar (cf. Mainwaring, 1990,
peração. Portanto, se, por um lado, a dinâmica 1993, 1999; Ames, 1995a, 1995b, 2001). Esse
de “governo dividido” incentiva as negocia- modelo explicativo, por consequência, coloca
ções entre o Presidente e o Congresso em torno o sistema eleitoral no centro do debate acerca
de compromissos programáticos básicos, por da instabilidade institucional das novas demo-
outro lado, dificulta consideravelmente a go- cracias latino-americanas. Como é sabido, pelo
vernabilidade (Moe, 1990). menos desde a obra mais reconhecida de Du-
Em realidade, situações de “governo di- verger (1951), as formas de escrutínio influen-
vidido”, em regimes presidencialistas, podem ciam a quantidade de partidos de um sistema;
levar a crises institucionais mais rapidamen- do mesmo modo, o voto em listas partidárias
te do que nos casos de multipartidarismo. Em abertas, sujeitas à interferência dos eleitores na
sistemas bipartidários, o partido que não con- ordem dos eleitos, foi associado ao tipo de com-
quista o Executivo, mas ocupa a maioria das portamento que o parlamentar adota no proces-
cadeiras legislativas, terá todos os incentivos so legislativo, se mais paroquial ou mais uni-
para atuar como uma oposição de bloqueio sis- versalista (Mayhew, 1974; Ames, 1995a, 1995b,
temático às políticas do governo, já que, agin- 2001). Por isso, o sistema eleitoral foi alçado à
do desse modo, aumentam as suas chances de condição de variável explicativa das falhas do
conquistar a Presidência na próxima rodada presidencialismo e, assim, seus efeitos sobre
eleitoral. Certamente, em casos como esses, a o formato do sistema partidário e o comporta-
formação de uma coalizão é improvável. Por- mento parlamentar foram considerados os res-
tanto, se nos Estados Unidos as situações de ponsáveis por diferenciar as democracias presi-
“governo dividido” não resultaram numa gra- dencialistas estáveis daquelas sujeitas a crises
ve crise institucional, não devemos descartar constantes (Mainwaring, 1990, 1993).
que isso talvez viesse a ocorrer de forma mais Com base nessa concepção, a literatura
acentuada na América Latina, cuja tradição é temática inferiu que a fórmula de representa-
de “oposição desleal”, aquela que, em determi- ção proporcional era a indutora do multipar-
nadas circunstâncias, força as regras do jogo tidarismo (Shugart; Carey,1992; Mainwaring;
democrático para além de seus limites cons- Shugart, 1997a, 1997b) e, portanto, da baixa
titucionais visando a chegar ao poder anteci- governabilidade. Claro que, no caso de países
padamente no próximo ciclo eleitoral - ilus- nos quais se considerou haver uma larga per-
trativos disso são os diversos golpes de Estado missividade à criação de novos partidos, outros
e, nos últimos anos, a elevada frequência de aspectos da legislação eleitoral e da legislação
destituições constitucionais dos Presidentes partidária foram incluídos no rol de fatores de
da região. Portanto, há fundamentos empíricos estímulo à fragmentação excessiva do sistema Caderno CRH, Salvador, v. 33, p. 1-22, e020034, 2020
para a suspeita de que “governos divididos” partidário – quanto ao modelo brasileiro, por
poderiam agravar ainda mais essa situação. exemplo, o voto nominal em listas abertas foi
identificado como um incentivador da compe-
tição entre os candidatos da mesma legenda,
SISTEMA ELEITORAL, MULTIPAR- assim como da ligação paroquialista entre po-
TIDARISMO E GOVERNABILIDADE líticos e eleitores (Jones, 1995; Ames, 1995a,
1995b, 2001; Samuels, 2003). Além disso, essa
Para os analistas de política compara- forma de escrutínio levaria os Deputados a se
da, o problema da baixa governabilidade em comportarem de maneira individualista no Le-
regimes presidencialistas radica nas regras gislativo, incrementando ainda mais o proble-
eleitorais, pois são elas as principais causado- ma da fragmentação parlamentar. O voto em
ras da proliferação de partidos e, ainda, da in- listas abertas atuaria, enfim, como uma força
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contrária à coesão e à disciplina dos partidos. (Figueiredo; Limongi, 1999; Santos, 2003).8 Ou
Sob a rubrica de “conexão eleitoral”, pos- seja, a dinâmica da política institucional brasi-
tulou-se, então, a influência direta do sistema leira indicava que, conforme já havia sido ca-
eleitoral sobre o comportamento clientelista racterizado por Abranches (1988), era possível
dos eleitores e, principalmente, sobre o com- um presidencialismo de coalizão.9
portamento parlamentar antipartidário. Não É claro que esse otimismo com o presi-
é por menos que esses analistas identificaram dencialismo de coalizão e seus assemelhados
o Brasil como o país com o sistema partidário foi sensivelmente abalado pelos frequentes
mais fragmentado do mundo e menos institu- episódios de instabilidade política e interrup-
cionalizado da região (Mainwaring, 1995,1999; ções de mandatos presidenciais na América
Mainwaring; Scully, 1995), e onde os parlamen- Latina (Valenzuela, 2004). Não obstante, aná-
tares atuariam orientados pela política do pork lises mais aprofundadas desses episódios dão
barrel (Ames, 1995a, 1995b; Pereira; Rennó, conta de que os afastamentos dos Presidentes
2001,2007; Carvalho, 2003; Samuels, 2003). na região demonstram que as reservas de Juan
Desse modo, a circularidade do argumento atin- Linz e tantos outros em relação aos efeitos ne-
ge a meta normativa a ser perseguida – median- gativos da rigidez temporal do mandato presi-
te os incentivos dados por essa estrutura ins- dencial sobre a estabilidade institucional não
titucional, a governabilidade seria gravemente se confirmaram, pois, nos momentos de crises
comprometida, senão impossível. política, os mandatos fixos dos Presidentes
Não obstante, a evolução desse debate não provocaram retrocesso autoritário (Pérez-
centrado no Brasil acabou provocando uma -Liñan, 2007; Marsteintredet; Berntzen, 2008;
inflexão na literatura. Pesquisas posteriores, Llanos; Marsteintredet, 2010; Marsteintredet,
concentradas apenas no caso brasileiro, con- 2014). Na verdade, ainda de acordo com os
tribuíram para dissipar ou pelo menos relati- especialistas, as pressões dos protestos popu-
vizar muitas das suspeitas em relação à via- lares e seu acolhimento pelo Legislativo, cujos
bilidade do presidencialismo multipartidário. resultados muitas vezes foram interrupções
Alguns pesquisadores brasileiros reuniram de mandatos presidenciais, seja por renúncia
dados empíricos surpreendentes sobre o grau ou por processos de impeachment, são indica-
de disciplina dos partidos nas votações em tivos tanto do fortalecimento da “democracia
plenário e a taxa de governabilidade dos pre- das ruas” como da maleabilidade institucional
sidentes no país. Seus estudos mostraram que, do presidencialismo em episódios de impasse
apesar da fragmentação partidária no Legisla- entre os Poderes. Em suma, as tensões irrecon-
tivo, os Presidentes formavam coalizões majo- ciliáveis entre os Presidentes e os Parlamentos,
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como ilustram os inúmeros casos de pedidos bilidade abriria espaço para crises e possíveis
de impeachment e de perdas de mandatos pre- golpes de Estado.
sidenciais. Em segundo lugar, o que é mais re- De acordo com essa perspectiva, a con-
levante para a presente discussão, Dahl (1997) solidação democrática dependia da capaci-
parece resguardar para a oposição partidária dade de o desenho constitucional incentivar
apenas o espaço para o exercício da contesta- a coordenação de partidos e indivíduos em
ção pública nos processos eleitorais, deixando torno de uma vontade majoritária intranspo-
a descoberto outra arena igualmente impor- nível, expressa por uma coalizão de governo
tante de atuação, a legislativa. Ao não salien- coesa (Shugart; Carey, 1992; Lijphart, 1992;
tar a necessidade de tolerância às oposições Linz; Stepan, 1993; Sartori, 1997; Mainwaring;
na arena parlamentar, e mais, a necessidade Shugart, 1997; Cheibub, 2006; Amorim Neto,
de que estas sejam efetivas no Legislativo, a 2006). Com esse enquadramento, tanto teórico
identificação dos regimes democráticos pelos como normativo, os sistemas presidencialistas
seus critérios considera apenas a existência de da América Latina foram escrutinados a fim de
competição partidária nas eleições, que devem se determinar o grau de descentralização dos
se caracterizar por ampla inclusão eleitoral. O seus arranjos federativos, dos seus sistemas
resultado disso, vale a pena reforçar, foi a des- eleitorais, das suas organizações partidárias e
preocupação com o estudo das oposições par- das relações entre os Poderes Executivo e Le-
tidárias parlamentares e com a sua efetividade. gislativo (Kitschelt et al., 2010; Amorim Neto,
Indubitavelmente, esse foi um desen- 2006; Haggopian; Mainwaring, 2005; Gibson,
volvimento inusitado para os estudos com- 2004; Morgenstern; Nacif, 2002; Coppedge,
parados dos regimes democráticos. Nos anos 1998; Mainwaring; Shugart, 1997; Mainwa-
1970 e 1980, quando o debate girava em torno ring; Scully, 1995; Linz; Valenzuela, 1994; Ste-
das transições dos regimes autoritários para a pan; Skach, 1993; Linz 1990a, 1990b, 1994).
democracia, os pesquisadores se mostraram No âmbito desse debate, era mesmo de
amplamente receptivos à atuação das oposi- se esperar que surgissem poucos estudos sobre
ções políticas, inclusive no Parlamento, como as oposições parlamentares. Até mais do que
é o caso do Brasil. A perspectiva predominante isso, era de se esperar que as oposições par-
naquela altura era a de que a tolerância às opo- lamentares fossem vistas com desconfianças.
sições seria um indicador de transição para a Agregue-se aqui, ainda, o fato de que, desde
democracia, e a própria democracia aprofun- há muito tempo, difundiu-se uma perspectiva
dar-se-ia à medida que as oposições, principal- bastante favorável ao parlamentarismo, cujas
mente as partidárias, lograssem êxito na con- principais qualidades sempre foram exaltadas
testação ao governo e na competição eleitoral, (Linz, 1990a, 1990b e 1994; Linz; Valenzuela, Caderno CRH, Salvador, v. 33, p. 1-22, e020034, 2020
resultando na rotatividade dos grupos políti- 1994a e 1994b; Stepan; Skach, 1993). Dentre
cos no poder. A partir dos anos 1990, porém, já elas, a principal seria a fusão institucional-
motivados pelo debate acerca da consolidação mente prevista entre Executivo e Legislativo
democrática e sua relação com os desenhos para a formação do governo e, com isso, a su-
constitucionais, os comparativistas mudaram posta existência de uma oposição não-disrup-
sensivelmente de perspectiva em relação às tiva. Agregue-se a isso, por fim, as dificulda-
oposições parlamentares. Desde então, estas des de os governos presidencialistas atingirem
foram percebidas como potencial ameaça à taxas mais elevadas de sobrevivência a longo
estabilidade política – nesse sentido, enquan- prazo (cf. Lijphart, 1992; Mainwaring, 1993;
to nas ditaduras a instabilidade seria positiva Stepan; Skach, 1993; Przeworski et al., 2000).10
porque representaria a possibilidade de supe- 10
Esses dados e essa conclusão são contestados por Chei-
ração desse regime, nas democracias, a insta- bub (2006). Para ele, a taxa de sobrevivência do presiden-
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PRESIDENCIALISMO, GOVERNABILIDADE E OPOSIÇÕES ...
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Paulo Peres, Gabriella Bezerra
a colaboração dos partidos por meio de coa- empíricos de Figueiredo e Limongi (1999)
lizões estáveis e coesas (Abranches, 1988; Fi- daria início à agenda dos estudos legislativos
gueiredo; Limongi, 1999; Limongi; Figueiredo, revisionistas, considerada mais otimista em
2008; Santos, 2003; Inácio; Rennó, 2009; Melo; relação às perspectivas anteriores, inclusive,
Pereira, 2013).12 Tais trabalhos mostraram que do próprio formulador da expressão “presi-
duas dimensões institucionais favoreciam a dencialismo de coalizão”, o cientista político
centralização das decisões no Parlamento – os Sérgio Abranches. Para este, ainda no contexto
poderes legislativos do Presidente e as regras da produção da Carta Constitucional, o Brasil
do processo decisório na Câmara dos Depu- teria de enfrentar um dilema institucional, ca-
tados. Além dos instrumentos institucionais racterizado “(...) pela necessidade de se encon-
que permitem o controle da agenda legislativa trar um ordenamento institucional suficien-
e a interferência na tramitação de projetos, o temente eficiente para agregar e processar as
Executivo detém a prerrogativa de elaborar a pressões derivadas do quadro heterogêneo [do
peça orçamentária e de liberar emendas parla- país, em] bases mais sólidas para sua legitimi-
mentares ao orçamento, assim como inúmeros dade”. Um modelo que, continua o autor, “(...)
cargos para serem distribuídos aos aliados, in- o capacite a intervir de forma mais eficaz na
cluindo-se as pastas ministeriais. redução das disparidades e na integração da
Em linhas gerais, os autores colocaram ordem social” (Abranches, 1988, p. 7-8).
em relevo o que chamaram de bases institucio- Reconhecendo que o arranjo institucio-
nais do presidencialismo de coalizão brasileiro nal atual reflete a estruturação histórica bas-
(cf. Figueiredo; Limongi, 1999) – um modelo tante complexa e plural da sociedade brasilei-
que, para eles, contêm um sistema de incen- ra, Abranches (1988) defendeu a ideia de que
tivos capaz de fazer do Poder Executivo uma tentar impor a representação majoritária para a
força gravitacional irresistível, atraindo, as- alocação das cadeiras legislativas, a fim de se
sim, os partidos para sua base de apoio no Le- reduzir o número de partidos, seria uma artifi-
gislativo.13 O processo decisório, centralizado cialidade prejudicial que não resolveria o nosso
na Presidência da República e nas lideranças dilema institucional. Em sua perspectiva, nosso
partidárias, seria então alimentado com uma desenho constitucional foi a solução mais ade-
série de prerrogativas institucionais inovado- quada para se articular a pluralidade de inte-
ras trazidas pela Constituição de 1988, aliada à resses com as demandas sociais, expressas no
continuidade de dispositivos oriundos do pe- sistema multipartidário; ao mesmo tempo, po-
ríodo autoritário, nomeadamente, as medidas rém, isso significa que temos que produzir uma
provisórias. Somam-se a isso os dispositivos maioria governativa capaz de evitar a obstrução
dos regimentos internos da Câmara dos Depu- da agenda do governo pelas oposições parla- Caderno CRH, Salvador, v. 33, p. 1-22, e020034, 2020
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que o atual desenho constitucional sanou es- legislativo estabelecido pelas regras internas
ses problemas. Eles enfatizaram justamen- do Congresso e pelos poderes legislativos atri-
te suas inovações no que se refere a dotar o buídos ao Presidente (cf. Power, 2009, 2010).18
presidencialismo brasileiro de determinados Entretanto, a polêmica envolvendo essa
mecanismos institucionais capazes de garan-
tir a coordenação dos partidos que apoiam o
17
“(...) o Poder Executivo, em virtude de seus poderes le-
gislativos, comanda o processo legislativo (...). (...) O re-
sultado é a atrofia do próprio Legislativo e a predominân-
cia do Executivo(...). Assim, a hipótese segundo a qual o
15
Para uma análise recente desses efeitos, ver Pereira Legislativo se constitui em obstáculo à ação do Executivo
(2016). não encontra apoio, quer se olhe para o quadro legal, quer
se olhe para a produção legal. (...) O Congresso se revela
16
“(...) é um sistema caracterizado pela instabilidade, de disposto a facilitar a tramitação das matérias presidenciais
alto risco (...)[a formação] mais provável é a grande coali- (...) (Figueiredo; Limongi, 1999, p. 41-42).
zão, que inclui maior número de parceiros e admite maior
diversidade ideológica. A probabilidade de instabilidade e 18
Isso não quer dizer que não haja críticas às premissas e
a complexidade das negociações são maiores. [E mais,] no conclusões dessa agenda de estudos legislativos do país,
presidencialismo, a instabilidade da coalizão pode atingir como, por exemplo as apontadas por Melo (2007), Reis
diretamente a Presidência” (Abranches, 1988, p. 27). (2007), Nunes (2011), Lucas e Samuels (2011).
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Paulo Peres, Gabriella Bezerra
literatura sobre as novas democracias não mo- a assim chamada preponderância do Executi-
dificou aquele que sempre foi seu consenso vo, na verdade, é a preponderância da coalizão
básico, qual seja, a governabilidade é o bem de governo que se impõe não diante do Poder
maior a ser atingido e as oposições partidárias Legislativo, mas sim perante a oposição parla-
podem ser um obstáculo à consecução desse mentar no Legislativo.
objetivo. Para os críticos do modelo constitu- Percebidos dessa forma, os grupos polí-
cional brasileiro, o governo tem dificuldades ticos cruciais do jogo político-constitucional
para ultrapassar a oposição legislativa, o que são o governo, de um lado, resultado da so-
é negativo; para os revisionistas, a oposição breposição de partidos que ocupam o Execu-
parlamentar não consegue vetar o governo, o tivo com partidos que ocupam o Legislativo,
que é positivo. Para ambos, a governabilidade, e a oposição parlamentar, de outro, que ocu-
enquanto preponderância da coalizão de go- pa apenas o Legislativo e que não sela aliança
verno, é positiva e a efetividade da oposição com o Presidente. Desse modo, a dominância
parlamentar é negativa. do Executivo é, na verdade, a dominância do
governo frente à oposição legislativa. O Parla-
mento não é ameaçado quando o Presidente
CONCLUSÃO exerce controle sobre o processo legislativo,
pois há partidos nessa Casa representativa que
A constatação de que, intencionalmente agem em colaboração com o Executivo. O que
ou não, a literatura comparada sobre as novas está sob ameaça quando o Executivo e parce-
democracias, ao privilegiar a governabilidade, la do Legislativo têm poderes suficientes para
privilegiou o governo em detrimento das opo- sempre impor a sua agenda é a efetividade das
sições parlamentares põe em relevo a seguinte oposições parlamentares. Assim, a governabi-
questão: qual, afinal, é o espaço institucional lidade tão almejada pelos Presidentes e, como
previsto para a atuação efetiva das oposições vimos, pela literatura especializada, pode sig-
partidárias no Legislativo? Outra questão crucial nificar a anulação da oposição no Legislativo.
que emerge desse debate é esta: dado que a lógi- Em realidade, há dois paradoxos nessa
ca da governação envolve a interação competiti- relação intrincada entre democracia, governo e
va do governo com a oposição, faz sentido supor oposição. O primeiro envolve duas situações.
que a preponderância do governo significa a pre- Se forem muito efetivas, as oposições parlamen-
ponderância do Executivo diante do Legislativo? tares podem induzir o governo ao aumento da
Numa lógica governativa em que as co- coesão de sua coalizão para fazer frente às inves-
alizões são a tônica, tudo indica que não faz tidas oposicionistas. Nesse caso, a efetividade
sentido supor que a preponderância do Execu- da oposição resulta na sua posterior perda de Caderno CRH, Salvador, v. 33, p. 1-22, e020034, 2020
tivo seja uma ameaça à autonomia do Legis- efetividade. Por outro lado, se a efetividade da
lativo enquanto tal. Afinal, não há um Legis- oposição parlamentar sobrepujar a coalizão de
lativo compactado que age em uníssono em governo, corre-se o risco de um acuamento do
oposição ao governo, assim como não há um governo e de sua paralisia. Ou seja, a oposição,
Legislativo que se movimenta em bloco a favor nesse caso, não é uma força marginal no proces-
do governo ou que se curva completamente à so de decisão, mas um fator importante na de-
sua vontade. O presidencialismo de coalizão, terminação das negociações e dos resultados. O
assim como qualquer coalizão de governo em segundo paradoxo resulta da situação de baixa
regimes parlamentaristas, impõe uma dinâ- efetividade ou nenhuma efetividade da oposição
mica de confronto mais ou menos tenso entre parlamentar. Nesse caso, como considerar que
grupos partidários que ocupam o Executivo e há uma democracia de elevada qualidade quan-
o Legislativo simultaneamente. Dessa maneira, do o governo tem a oposição controlada e inerte?
17
PRESIDENCIALISMO, GOVERNABILIDADE E OPOSIÇÕES ...
Esse paradoxo, por consequência, en- BAGEHOT, W. The English Constitution. London:
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volve a identificação do ponto ótimo da efe-
BEZERRA, G. Oposições parlamentares no Brasil: uma
tividade da oposição parlamentar vis-à-vis a análise dos incentivos institucionais e de suas práticas,
1995-2014. 2017.Tese (Doutorado em Ciência Política)
governabilidade. Se a governabilidade for ex- – Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da
cessiva, isso dar-se-á à custa da efetividade da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
CARVALHO, N. R. E no Início eram as Bases: Geografia
oposição; se a efetividade oposicionista for de- Política do Voto e Comportamento Legislativo no Brasil.
masiada, isso comprometerá a efetividade do Rio de Janeiro: Revan, 2003.
governo. Não há dúvidas de que esse é um pa- CHEIBUB, J. Presidentialism, parliamentarism, and
democracy. Cambridge University Press, 2006.
radoxo de difícil resolução, mas, de qualquer
CHEIBUB, J. et. al. Government Coalitions and Legislative
modo, ele aponta para o fato de que se, por Success under Parliamentarism and Presidentialism.
British Journal of Political Science, n. 34, p. 565-587, 2004.
um lado, a oposição não faz parte do governo,
CHEIBUB, J.; LIMONGI, F. Democratic institutions
por outro, ela deve fazer parte da governação. and regime survival: Parliamentary and presidential
democracies reconsidered. Annual review of political
Ou seja, não é possível avaliar a democracia science, v. 5, n. 1, p. 151-179, 2002.
sem avaliar a atuação e a efetividade das opo- COPPEDGE, M. The dynamic diversity of Latin American
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foi desconsiderado pela literatura comparada DAHL, R. Poliarquia: participação e oposição. Edusp,
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PRESIDENCIALISMO, GOVERNABILIDADE E OPOSIÇÕES ...
Our proposal in this article is to analyze the debate Notre proposition dans cet article est d’analyser
on presidentialism, having as central the theme of le débat sur le présidentialisme, ayant comme
governability and its relation with the performance central le thème de la gouvernabilité et sa relation
of party oppositions in the legislative arena. We avec la performance des oppositions dans l’arène
argue that the concern with the consolidation of législative. Nous soutenons que le souci de la
recent democracies has led analysts to privilege consolidation des démocraties récentes a conduit
governance over the effectiveness of parliamentary les analystes à privilégier la gouvernance sur
opposition. In this way, the evolution of studies and l’efficacité de l’opposition parlementaire. De cette
debates about the most appropriate constitutional manière, l’évolution des études et des débats sur les
designs for democratic consolidation has resulted, conceptions constitutionnelles les plus appropriées
on the one hand, in the conception that, if pour la consolidation démocratique a abouti,
effective, parliamentary oppositions can harm d’une part, à l’idée que, si elles sont efficaces, les
the consolidation of new democracies and, on oppositions parlementaires peuvent nuire à la
the other, in a lack of empirical research on their consolidation des nouvelles démocraties et, d’autre
prerogatives and behavior. We defend the need to part, à une manque de recherche empirique sur
overcome this normative bias and the development leurs prérogatives et leurs comportements. Nous
of an investigation agenda on its strategic défendons la nécessité de surmonter ce biais
performance, after all, parliamentary oppositions normatif et le développement d’un programme
are indispensable actors in the democratic regime. d’enquête sur ses performances stratégiques, après
tout, les oppositions parlementaires sont des acteurs
indispensables du régime démocratique.
Paulo Peres – Doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Professor adjunto do
Departamento de Ciência Política e pesquisador e professor permanente do Programa de Pós-Graduação
em Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Coordenador do Núcleo de Estudos
sobre Partidos e Democracia - NEPD/UFRGS, desenvolvendo pesquisas na área de Ciência Política,
atuando principalmente nos seguintes temas: instituições políticas brasileiras, partidos e sistemas
Caderno CRH, Salvador, v. 33, p. 1-22, e020034, 2020
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