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ENTRE O DEVER DA TOGA E O APOIO À FARDA:

Independência judicial e imparcialidade no STF


durante o regime militar*

Alexandre Douglas Zaidan de Carvalho


Universidade de Brasília (UnB), Brasília – DF, Brasil. E-mail: dzaidan@hotmail.com

DOI: 10.17666/329415/2017

Introdução Essa antitética assimetria1 que cerca a relação en-


tre os conceitos de Estado de Direito e de indepen-
A transição entre regimes políticos democráticos dência judicial pode ser observada em duas situações
e autoritários é permeada por uma assimetria distintas. Na transição da ditadura à democracia, a
conceitual no modo de definir a independência permanência de juízes indicados pelo regime autori-
judicial. Incorporando-se ao catálogo de garantias tário parece ser tolerada e, embora não esteja isento de
sem as quais o Estado de Direito não pode ser críticas, o argumento para tal permanência busca fun-
reconhecido, a independência da magistratura e damento na ideia de independência e autonomia do
dos critérios de nomeação dos juízes jogam uma Poder Judiciário, alinhando-se à noção de Estado de
função-chave na forma como a política e o direito se Direito. No entanto, o reflexo da instalação de um
refletem no discurso constitucional. governo ditatorial sobre o sistema de justiça, carac-
terizado pela violação às garantias de vitaliciedade
* Este artigo é uma versão revisada e ampliada de trecho e inamovibilidade, além da aposentadoria compul-
da tese de doutorado Imagens da imparcialidade: entre
o discurso constitucional e a prática judicial (Carvalho, sória e o afastamento de membros da magistratura,
2016). Agradeço aos membros da banca, a Alexandre constitui evidência de que, segundo os cânones do
A. Costa, Raphael P. de Paula Marques e aos pare- constitucionalismo liberal, já não se pode falar em
ceristas anônimos da RBCS por suas contribuições.
Quaisquer deficiências ainda existentes são de minha Estado de Direito.
responsabilidade. Enquanto conceitos fundamentais articulados
Artigo recebido em 28/06/2016 na linguagem em disputa de uma comunidade po-
Aprovado em 17/02/2017 lítica, os léxicos do Estado de Direito e da indepen-
RBCS Vol. 32 nº 94 junho/2017: e329415
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dência judicial sujeitam-se ao polêmico conflito se- ao governo pela via do golpe de Estado em 1964 e
mântico estabelecido entre grupos que reivindicam manteve-se no poder até 1985, este trabalho bus-
o monopólio sobre os seus significados. Entre as cou recuperar nos discursos de juristas e autorida-
tensões que se inserem nesse conflito estão a des- des do governo os limites em que se inscreveu o
confiança na atuação política dos juízes ligados ao espaço de autonomia da Corte.3
regime anterior e uma certa dependência do discur- Ao procurar descrever as tensões e os alinhamen-
so de manutenção da autonomia do Poder Judiciá- tos que alternaram momentos de auxílio e enfreta-
rio enquanto retórica de legitimação do novo regi- mento ao regime, o texto segue cronologicamente os
me. Esta última dimensão ganhou espaço durante o principais registros do discurso sobre a independência
século XX, em especial na América Latina, quando judicial, entre militares e juristas. A primeira parte
o reconhecimento de governos que ascenderam ao destaca o apoio significativo de juristas e do STF ao
poder sem eleições precisou recorrer ao discurso da golpe militar, o que envolveu a sua justificação. Ob-
permanência e estabilidade das instituições, vistas serva-se em seguida a afirmação de certa autonomia
como condições para que investidores nacionais e do Tribunal representada por decisões refratárias aos
estrangeiros manifestassem apoio à mudança brus- efeitos do primeiro Ato Institucional, contrariando as
ca no governo. Tal expectativa aumenta os custos expectativas do governo. E logo, então, examina-se o
políticos e reduz os estímulos a mudanças radicais contexto conflitivo que originou o AI-2 e o impacto
na organização judicial, o que pode levar o novo da mudança de composição da Corte no desempenho
regime a adotar distintas estratégias de remodelação independente de sua jurisdição.
do sistema de justiça segundo as diretrizes do go- Por sua vez, a segunda parte aproxima-se dos
verno (Garoupa e Maldonado, 2011, p. 598 e ss.). efeitos do AI-5 acerca da função da Suprema Corte,
Ainda que o baixo grau de politização das no- avaliando os discursos dos ministros afastados e a sua
meações, o uso do sistema judicial para perseguir a repercussão para a autocompreensão institucional do
oposição política e a sua instrumentalização como Tribunal. O realinhamento da organização interna
aparelho de repressão sejam fatores reconhecida- do Judiciário com o perfil decisório é contextualizado
mente presentes em períodos autoritários, a expli- a partir dos influxos da conjuntura política e o endu-
cação das razões pelas quais regimes democráticos recimento do regime. Importa considerar aqui o re-
resolvem manter instituições judiciais herdadas flexo da escalada autoritária na mudança do sentido
em tais condições encontra forte apoio na noção da independência judicial na compreensão de alguns
de independência judicial. Entretanto, a descrição da dos próprios ministros da Corte. O que indica o êxi-
função do Supremo Tribunal Federal (STF) na ins- to do governo em remodelar o funcionamento do
talação do regime autoritário, que vigorou entre Tribunal de acordo com os propósitos que dirigiam a
1964 a 1985, permanece ocupando um vácuo nos ação política do regime.
estudos sobre o papel dos juristas durante a dita- A análise articulada entre discursos e decisões
dura (Seelaender, 2009). Mais do que nos países do Supremo no período mostra que a expressividade
do antigo bloco socialista do Leste europeu ou de semântica da independência dos ministros variou de
parte da América Latina (Sajó et al., 2003; Hilbink, acordo com uma série de condicionantes políticas.
2008; Barros, 2008 e Bohoslavsky et al., 2015), Este diagnóstico parece se adequar à observação de
persiste carente de explicação entre nós a pergunta que, quando em jogo a interpretação constitucional,
de Díaz-Asensio2 sobre como a ditadura militar ar- o sentido da independência judicial no STF tem
ticulou a limitação judicial ao seu próprio poder ao sido definido em torno da manutenção da ordem ins-
tempo que conformou a organização do sistema de titucional e da garantia da governabilidade no regime
justiça segundo as diretrizes do regime. presidencialista (Carvalho, 2016, p. 289). O que re-
Com o objetivo de compreender melhor como duz significativamente as expectativas de imparcia-
a interpenetração entre os discursos político e jurí- lidade na atuação dos ministros quando o Tribunal
dico reformulou o sentido de independência judi- aprecia a eficácia de direitos cuja alta densidade polí-
cial no STF durante a ditadura militar, que chegou tica possa impactar na credibilidade do governo.
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Do apoio à submissão: o STF nos primeiros visto como independente e imparcial. Essa foi
anos do regime militar uma das razões do alto índice de judicialização da
repressão na ditadura militar brasileira.
A rejeição da inclusão de significativa parcela Embora o golpe tenha contado com amplo
da população no sistema político, com o aumento da apoio e participação de segmentos populares e
pressão por pautas de redução das desigualdades religiosos das diversas regiões do país, no plano
através de programas distributivos, pôs em xeque o político, fazia sentido para os juristas evitar a
discurso liberal que unia as elites políticas e econô- identificação com o discurso moralista conservador
micas no Brasil pós-Vargas. Entre outras contradi- ou com a mera referência de que o novo governo se
ções, o golpe militar de 1o de abril de 1964 contou fez necessário em face da ameaça comunista. Nas
com o franco apoio de juristas que mais tarde rei- manifestações públicas de aclamação da subida ao
vindicariam o poder constituinte ao povo no pro- poder dos militares pelos juristas, a característica
cesso de transição à democracia. mais marcante foi a negação da expressão “golpe
Afastando-se tanto das características dos re- de Estado” para designar o movimento pelo nome
gimes democráticos quanto das figuras presen- através do qual ele se autodescrevia: “Revolução”.6
tes nos Estados totalitários, a coalizão entre civis Foi o caso de Goffredo Telles Junior, que publi-
e oficiais adotou o pluralismo limitado apoiado cou em 1965 o ensaio “A democracia e o Brasil: uma
na redução da mobilização política como prin- doutrina para a Revolução de março”,7 afirmando
cipal traço do governo, cujo desenho institucio- logo no início que a “Revolução Vitoriosa foi a su-
nal se inseriu nos quadros de um regime auto- blevação do Brasil autêntico, em consonância com
ritário burocrático-militar.4 Somada à promessa os mais profundos anseios da Nação”. Telles Junior
de manutenção do calendário eleitoral, do não dedicou ainda um capítulo da obra à “resistência
rompimento com a Constituição de 1946 e da violenta aos governos injustos”, justificando-o sob
permanência do funcionamento do Congresso – a guarda do direito natural à resistência.8 A versão
com uma oposição tolerada ou cooptada, além de que o movimento de 1964 incorporou o sentido de
da propaganda do sucesso político-econômico do revolução e não de golpe permaneceu na visão de ju-
governo, incluiu-se entre os custos exigidos pela ristas mesmo após anos do final do regime militar.
complexa fórmula de legitimação simbólica na fase É o caso, por exemplo, da descrição do ex-deputado
inicial do regime a reserva de certa autonomia aos udenista à época e ministro do STF entre 1982 e
serviços judiciários e a outros setores profissionali- 1989, Oscar Dias Corrêa, que em 1994 afirmou ter
zados da burocracia estatal. ajudado a “fazer a Revolução, contra o caos que se
Por suas características, a institucionalização instalara no Brasil” (Corrêa, 1994, p. 93), registran-
do regime autoritário no Brasil demandou um do seu rompimento com Castello Branco após a ex-
grau maior de cooperação entre militares e civis, tinção dos partidos políticos em 1965, com a edição
e, dentre estes, a especial contribuição daqueles do Ato Institucional n. 2.
que integravam a burocracia judicial. Como Na atividade decisória do Supremo logo após
registra Anthony Pereira, o tipo de legalidade o golpe não se observou a defesa ou condenação
autoritária desenvolvida pelo regime militar explícita do regime que se instalava. A regra era o
brasileiro distinguia-se das demais ditaduras do silêncio sobre os efeitos políticos da ascensão do go-
Cone Sul pela “margem de manobra mais ampla, verno militar. Entretanto, algumas exceções se fize-
para que os réus e os grupos da sociedade que ram presentes. Uma delas ocorreu em 24 de agosto
assumem a sua defesa consigam agir dentro dos de 1964, durante o julgamento do HC (habeas cor-
limites do sistema”.5 Logo, o aparato de repressão pus) n. 40.910/PE – o primeiro com impacto po-
estatal precisava articular a participação de juízes lítico sobre o regime, impetrado pelo professor de
e advogados civis em procedimentos públicos que economia Sérgio de Cidade Rezende. Ele era acusa-
aparentemente garantissem a validade dos direitos do de subversão por ter distribuído um manifesto
dos opositores, aplicados por um sistema judicial contra a situação política a 26 alunos na Unicap,
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sugerindo que os militares gorilarizavam o país. Em vigente, as diretrizes jurídicas dos militares assumiam
sua decisão, o ministro Pedro Chaves manifestou a forma de atos institucionais que violavam frontal-
apoio ao movimento militar, que denominou de mente os mais diversos direitos fundamentais dos
“revolução”. A unanimidade do Tribunal decidiu opositores do governo.
pela concessão da ordem, em razão da liberdade A trajetória de intervenções na organização do
de cátedra e do reconhecimento de que a conduta Judiciário e do STF, em particular, oscilou bastante
do professor não constituía crime previsto na lei n. durante o regime militar. Dias após o golpe, em 17
1.802/1953 (Lei de Segurança Nacional do segundo de abril de 1964, Castello Branco foi recebido pelo
governo Vargas). Mas em seu voto, Chaves deixou presidente do STF, ministro Álvaro Ribeiro da Costa,
clara a sua posição de alinhamento com os milita- que discursou em apoio ao regime justificando o sa-
res,9 colocando em xeque a própria permanência da crifício provisório de algumas garantias constitucio-
validade da Constituição diante dos propósitos nais (Viotti da Costa, 2006, p. 161). Ribeiro da Cos-
da “revolução”, cujas diretrizes haviam alcançado ta, que tinha fortes ligações com udenistas, além de
expressão jurídica no primeiro ato institucional: ser filho e irmão de militares, havia participado
da sessão no Congresso Nacional na qual se declarou
Há nesta revolução, no momento em que vaga a Presidência da República. O encontro entre
estamos vivendo, uma evidente contradição; Castello e Ribeiro da Costa foi confirmado pelo pre-
alguma coisa está positivamente errada, porque sidente do Senado, Auro Soares de Moura Andrade,
se há ideias que se repelem que hurlent de que havia feito visita em agradecimento ao Supremo
se trouver ensemble, são estas de revolução e no dia anterior.12 Além disso, o presidente do Supremo
de Constituição. E o Ato Institucional, que também esteve presente no Palácio do Planalto para
procurou dar colorido ao Movimento de 31 de posse nominal de Ranieri Mazzilli, no dia 2 de abril,
março, no seu art. 1o diz que está em vigor a como registrou Aliomar Baleeiro em sua obra sobre o
Constituição de 1946. Supremo quatro anos mais tarde (Baleeiro, 1968, pp.
132-133). Contudo, naquele momento, as amea-
Esta Constituição de setembro de 1946, como ças à independência do STF tinham mais ressonân-
todas as Constituições inspiradas nos princípios cia na imprensa e no discurso isolado do deputado
da Liberal Democracia, é uma Constituição que udenista paranaense Jorge Curi, na Câmara, do que
não oferece meios de defesa às instituições na- nas atitudes do novo governo. Em abril de 1964, o
cionais e é uma Constituição onde se prega um Supremo Tribunal Federal tinha a composição ex-
liberalismo à Benjamin Constant, pleno, amplo pressa no Quadro 1.
e absoluto, mesmo contra os interesses que se Embora nenhuma prerrogativa do Tribunal te-
presumem ser da nacionalidade, porque consa- nha sido extinta, nem qualquer dos seus integrantes
grados por uma Assembleia Constituinte.10 tenha sido afastado nos meses que se seguiram ao
golpe, evidenciando a busca por uma possível alian-
Como observa Paixão, o uso político do léxico ça com a cúpula do Poder Judiciário, o mesmo não
“Revolução” teve significado peculiar no discurso se repetia nos órgãos de base do sistema de justiça.
dos juristas empenhados em oferecer uma justifi- O conjunto de restrições à independência judicial
cativa ao golpe (Paixão, 2014, p. 428). A ambígua teve início com o primeiro Ato Institucional, de 9
manutenção da Constituição de 1946 com a ado- de abril de 1964, que, em seu artigo 7o, suspen-
ção do discurso revolucionário do poder constituinte deu por seis meses as garantias constitucionais de
delimitava um campo semântico fundamental para vitaliciedade e estabilidade, além de autorizar, no
a imagem do movimento.11 A promoção dessa ima- parágrafo 1o, a aposentadoria ou demissão via de-
gem reduzia a dimensão contraditória de um gover- creto presidencial de quaisquer servidores públicos,
no autointitulado democrático que chegara ao poder inclusive os magistrados.
pela deposição de um governo eleito. Todavia, sob o Na magistratura, foram atingidos pelo primeiro
discurso de que o regime constitucional permanecia ato institucional o ministro do Tribunal Federal de
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Quadro 1
Composição de Ministros do STF (01/04/1964)

  Nome Posse Nomeado por


1 Álvaro Moutinho Ribeiro da Costa 26/01/1946 José Linhares
2 Antônio Carlos Lafayette de Andrada 01/11/1945 José Linhares
3 Hahnemann Guimarães 24//10/1946 Enrico Gaspar Dutra
4 Luiz Gallotti 12/09/1949 Enrico Gaspar Dutra
5 Cândido Motta Filho 13/04/1956 Juscelino Kubitschek
6 Antônio Martins Villas Boas 13/02/1957 Juscelino Kubitschek
7 Antônio Gonçalves de Oliveira 10/02/1960 Juscelino Kubitschek
8 Vitor Nunes Leal 26/11/1960 Juscelino Kubitschek
9 Pedro Rodovalho Marcondes Chaves 14/04/1961 Jânio Quadros
10 Hermes Lima 11/06/1963 João Goulart
11 Evandro Cavalcanti Lins e Silva 14/08/1963 João Goulart
Fonte: Elaboração própria.

Recursos, José Aguiar Dias13 e o desembargador do recursos criminais e habeas corpus impetrados em favor
TJRJ, Osny Pereira Duarte, posto em disponibilida- de investigados por crimes políticos foi inicialmente
de por dez anos por Carlos Lacerda, então Governa- marcado por contradições na prática institucional do
dor da Guanabara. Ambos os magistrados constaram Supremo. De um lado, o Tribunal não esboçou reação
da lista de cem nomes que tiveram seus direitos polí- contrária à redução de suas atribuições na arquitetura
ticos cassados pelo Ato no 1 do Comando Supremo judicial promovida pelos dois primeiros Atos
da Revolução, publicado em 10 de abril de 1964, Institucionais. Por outro, a interpretação adotada na
quando foram também cassados Luís Carlos Prestes, concessão de diversos pedidos de habeas corpus evoluiu
João Goulart, Jânio Quadros, Leonel Brizola, Celso no sentido de se desvincular da figura da autoridade
Furtado, 41 deputados federais, 29 líderes sindicais, coatora (o que impedia a Corte de conhecer HCs
oficiais militares, entre tantos outros.14 impetrados contra militares) e de abranger a análise
A exemplo de outras medidas do governo que do ato impugnado, sujeitando ao seu exame casos que
se instalava, os atos do Comando Supremo da Re- originariamente eram de competência do Superior
volução foram excluídos de apreciação judicial, Tribunal Militar.16
salvo para “o exame de formalidades extrínsecas, Da inicial relação de condescendência com a atu-
vedada a apreciação dos fatos que o motivaram, ação da Corte, marcada pela visita de Castello Branco,
bem como da sua conveniência ou oportunidade”. à radical interferência na atividade dos ministros após
Contra a previsão normativa de exclusão do aces- a concessão de alguns habeas corpus a governadores17
so à justiça para a discussão das medidas restritivas e outros perseguidos políticos,18 não se passou muito
de direitos não há registro de pronunciamento do tempo. Nas decisões envolvendo governadores e ex-
Supremo Tribunal Federal. Igualmente, não houve -secretários estaduais, a tensão com os militares residiu
decisão da Corte relativa à redução das garantias na posição do STF em afirmar que os afastamentos
de independência judicial das demais instâncias na violavam o princípio federativo e a prerrogativa de
fase de instalação da ditadura. foro para o julgamento (Vale, 1976, p. 66).
Segundo apurou a Comissão Nacional da A interferência no STF havia sido incentivada
Verdade,15 o exercício da competência para apreciar os em campanha do jornal O Estado de S. Paulo19 dias
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após o golpe pelo grupo conservador que apoiou a carta, escrita em 28 de julho de 1965, Sobral Pinto
deposição de João Goulart ao pedir a cassação dos manifesta sua preocupação:
ministros indicados por ele: Evandro Lins e Silva e
Hermes Lima. Este havia sido chefe da Casa Civil Venho agora à sua presença sob a inspiração de
e ministro do Trabalho no governo Goulart. O pró- um nobre sentimento: defender o Poder Judi-
prio Evandro Lins e Silva chegou a admitir que po- ciário, ameaçado pela paixão política daqueles
deria ser cassado no primeiro ato institucional. Po- que estão hoje no Poder ou dos que desfrutam
rém, ele e Hermes Lima reagiram em carta contra as a estima do Poder. Tenho profundas mágoas
acusações, entregue a Ribeiro da Costa. Por sua vez, da maioria dos membros do Supremo Tribu-
Costa fez uma enérgica defesa dos ministros ataca- nal Federal. Não são mágoas de ordem pesso-
dos na sessão de julgamento no plenário do STF, no al, mas de alguém que luta pela distribuição
que foi apoiado por Hahnemann Guimarães e Vic- da justiça. Vejo, às vezes, o Supremo Tribunal
tor Nunes Leal. Segundo Lins e Silva: “esse episódio Federal votar em maioria, sob a inspiração de
nos fortaleceu muito no Tribunal, porque mostrou razões políticas, deixando de lado normas le-
a solidariedade da instituição conosco. Tanto que, gais e preceitos de justiça aplicáveis às espécies
daí por diante, os ataques serenaram” (Lins e Silva, decididas. Revolto-me com as deliberações in-
1997, p. 381). A intenção de cassar os dois minis- felizes. Mas não misturo o erro dos juízes com
tros, além de Victor Nunes Leal, acabou sendo reve- a estrutura do órgão que encarna o Poder Ju-
lada mais tarde por Costa e Silva, na 45a sessão do diciário em nossa pátria, convencido de que os
Conselho de Segurança Nacional, em 16 de janeiro homens passam e a instituição permanece.
de 1969.20 Na reunião, o então presidente afirmou
que foi devido à intervenção de Francisco Campos Os políticos e os militares que subiram ao
– artífice jurídico dos atos institucionais, para quem Poder em abril do ano passado querem que a
o governo deveria “preservar, pelo menos, um dos justiça se ponha ao serviço de seus propósitos,
Poderes”, que o Supremo foi poupado no momento de suas ambições ou de seus caprichos. Preten-
inicial do regime. Contudo, já em agosto de 1964, o dem, meu caro amigo, conciliar duas causas
general Golbery do Couto e Silva via na ampliação inconciliáveis: a violência representada pela re-
da competência da Justiça Militar a alternativa de beldia de abril do ano passado, e a justiça que
contenção do Poder Judiciário nos limites da “linha é uma virtude isenta e serena, que tem de dar a
dura” que começava a se desenhar, o que culminaria cada um aquilo que lhe pertence independen-
com a “militarização do processo judicial” (Gaspari, temente de sua raça, de sua posição, de sua for-
2002, p. 260). tuna, de suas crenças e de suas ideias.
A percepção de que o STF estava sendo
moldado pelos militares para atuar de acordo com O pedido de Sobral Pinto consistia na atuação de
as diretrizes do regime foi também evidenciada Prado Kelly para impedir que fosse excluída da com-
pela troca de correspondências21 entre dois juristas. petência do Supremo a apreciação de habeas corpus
O primeiro deles, Heráclito Fontoura Sobral e mandados de segurança. O pedido, contudo, não
Pinto, destacado advogado na defesa dos direitos surtiu efeito. A grande insatisfação do governo mili-
de perseguidos políticos durante as ditaduras tar com o Supremo se manifestaria cerca de um ano
do Estado Novo e militar, além de defensor das e meio após o golpe, logo em seguida à entrevista
prerrogativas da advocacia durante o regime.22 O concedida por Ribeiro da Costa23 em defesa da in-
segundo, José Eduardo Prado Kelly, deputado dependência judicial para o controle de legalidade
udenista, que havia sido constituinte em 1946, e constitucionalidade dos atos do governo. A reper-
além de presidente do Conselho Federal da OAB cussão da entrevista nos meios militares provocou a
entre 1960-1962, e naquele momento integrava dura resposta de Costa e Silva ao afirmar que: “O
a Comissão formada pelo governo para elaborar exército tem chefe. Não precisa de lições do Supre-
o projeto de reforma do Judiciário. Na primeira mo. [...] Dizem que o Presidente é politicamente
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fraco, mas isso não interessa, pois ele é militarmente dimento de reforma constitucional. O ato marcaria
forte”,24 acrescentando que as forças armadas tinham o “nascimento da doutrina do poder constituinte
sido aclamadas pelo povo e apenas o povo poderia permanente da revolução” (Barbosa, 2012, p. 78).
determinar o seu retorno aos quartéis. A preocupa- Coube ao AI-2 promover o enquadramento do
ção de Castello em não dividir o Exército foi mais Supremo Tribunal Federal.25 O ato aumentou o nú-
forte que a manutenção da boa relação com Ribei- mero de ministros do STF de onze para dezesseis;
ro da Costa. Então, no dia seguinte, este pediu uma estabeleceu que os juízes federais e os do antigo Tri-
audiência com Geisel, chefe do gabinete militar, e bunal Federal de Recursos seriam nomeados pelo
devolveu a Ordem do Mérito Militar dizendo: “Eu presidente da República; excluiu de apreciação judi-
não posso mais ficar com isso”. cial os atos praticados pelo “Comando Supremo da
Ainda em reação às declarações de Costa e Silva, Revolução e pelo Governo Federal”, assim como
Ribeiro da Costa afirmou publicamente que fecha- os atos de cassação de mandato ou impedimen-
ria o Tribunal e mandaria entregar as chaves no Pla- to de parlamentares, governadores e prefeitos; e, por
nalto se a “revolução” cassasse algum integrante do fim, ampliou a competência da Justiça Militar para
STF. O episódio ficou conhecido como o “Caso das estendê-la aos civis, inclusive os governadores, na
Chaves”, segundo o contexto descrito por Ézio Pi- repressão aos crimes “contra a segurança nacional
res (Pires, 1979, pp. 87-91). A reação de Ribeiro da ou as instituições militares”, prevalecendo sobre
Costa se fez sentir entre os demais ministros do STF. qualquer outra prevista em leis ordinárias. O ato se
Em seu apoio, os ministros alteraram o regimento propunha a impedir a continuidade da resistência
do Tribunal prorrogando sua gestão como presidente do institucional do Supremo às medidas autoritárias,
Supremo até sua aposentadoria (Oliveira, 2012, p. ocasião em que foram nomeados cinco novos mi-
38; Queiroz, 2015, pp. 323-342). nistros, como indicado no Quadro 2.
O acirramento do conflito entre o governo e Como destaca Barbosa, dos cinco novos minis-
o STF deu-se no conturbado contexto das eleições tros, quatro tinham relação explícita com os milita-
para governador realizadas em 11 estados, cujo re- res (Barbosa, 2012, p. 86). O próprio Prado Kelly,
sultado revelou a derrota dos militares no Rio de jurista e deputado udenista, além de ex-presidente
Janeiro e Minas Gerais, onde venceram Francisco do partido e presidente da comissão de juristas cujo
Negrão de Lima e Israel Teixeira, respectivamente, parecer subsidiou o AI-2; Carlos Medeiros e Silva,
ambos ligados a Juscelino Kubitschek. O fracasso que havia auxiliado Francisco Campos na redação
nas urnas e o aumento da pressão da “linha dura” da Carta de 1937,26 além de na redação dos dois
não fizeram Castello Branco recusar-se a assegurar primeiros atos institucionais pós-golpe e, num fu-
a posse dos eleitos. Porém, buscando moderar as re- turo breve, auxiliaria na redação do anteprojeto da
lações entre políticos e militares, em 27 de outubro Constituição de 1967 na condição de ministro da
de 1965, ele editou o Ato Institucional n. 2, defi- Justiça; Oswaldo Trigueiro era Procurador-Geral da
nindo que as eleições nos demais estados da federa- República, além de ex-governador e deputado ude-
ção seriam indiretas, via Colégios Eleitorais, o que nista; Aliomar Baleeiro era um dos mais ferozes crí-
possibilitou o resultado desejado pelos militares, até ticos do governo Goulart e deputado udenista pela
mesmo em virtude da cassação de mandatos de par- Guanabara, e, por último, Adalício Nogueira, juiz
lamentares opositores ao governo nas Assembleias de carreira e acadêmico. Este, segundo Barbosa, era
Legislativas. o que menos relações mantinha com os militares.
No plano político, o ato dissolveu os parti- A nomeação de Prado Kelly foi vista com de-
dos, estabeleceu eleições indiretas para o sucessor cepção por Sobral Pinto que havia se oposto clara-
de Castello Branco e instituiu o bipartidarismo di- mente contra a edição do AI-2.27 Então, em 3 de
vidido entre a Arena, partido de apoio ao gover- novembro de 1965, novamente escreveu-lhe uma
no, e o MDB, lado da oposição consentida. A me- carta elencando uma série de motivos pelos quais
dida alterou diversas disposições fundamentais da Kelly não deveria ter aceitado o convite. Entre eles,
Constituição de 1946, além de simplificar o proce- estavam o fato de o Supremo ter se posicionado
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Quadro 2
Ministros Nomeados para Preencher as Vagas Criadas com o AI-2 (16/11/1965)

Nome
1 Adalício Coelho Nogueira
2 José Eduardo do Prado Kelly
3 Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Mello
4 Aliomar de Andrade Baleeiro
5 Carlos Medeiros Silva
Fonte: Elaboração própria.

categoricamente contra a majoração de seus mem- titucionalidade, primeiro instrumento de controle


bros; de Kelly ter sido escolhido justamente em ato concentrado de constitucionalidade, com legiti-
de violação à independência da Corte e do Judici- mação ativa exclusiva ao procurador-geral da Re-
ário, com a suspensão simultânea da vitaliciedade pública, cargo de confiança do governo. A medida
e inamovibilidade da magistratura; de a nomeação evidenciava mais um passo da dupla centralização
ter sido promovida em retaliação à atuação de cin- política29 (no Executivo, no âmbito dos poderes, e
co ministros nomeados por Kubitscheck e Goulart, na União, no âmbito federativo), com a ampliação
que se recusariam servir à “Revolução”, o que esta- do controle sobre os estados.
va claro na declaração do então ministro da Justiça Internamente, a nomeação dos cinco novos
Juracy Magalhães – “ou aumentar 5 ministros ou ministros não parece ter causado grande impacto
tirar 5”. Sobral Pinto invocou a situação de que o no perfil das decisões do STF. Segundo Lins e Sil-
próprio pai de Prado Kelly, o ex-ministro do STF va (1997, p. 393), os nomeados foram bem rece-
Octávio Kelly, ter sido intimidado e instado a se bidos e logo passaram a votar “absolutamente de
aposentar durante o Estado Novo, também por acordo” com os veteranos nos processos políticos.
efeito da “paixão política, inspiradora da atual hos- Outro ponto que diluiu a influência do regime
tilidade ao Supremo Tribunal Federal”. com as nomeações foi a organização dos traba-
A carta foi respondida por Prado Kelly no dia lhos da Corte. Antes dividida em duas turmas
seguinte, quando alegou ter contrariado sua von- com cinco ministros cada, a divisão interna pas-
tade pessoal para seguir razões de ordem nacional, sou a contar com três turmas de cinco membros,
além da “esperança de servir ao país e à nossa classe sendo que dois dos novos ministros ocuparam a
(dos juristas)”. Sobre o elenco das denúncias de So- primeira turma; dois integraram a segunda e um
bral Pinto, o ministro recém-nomeado não se pro- teve lugar na terceira. Tal configuração na distri-
nunciou, mas apresentou uma justificativa técnica buição dos novos ministros nas turmas desenhou
para a elevação do número de integrantes na refor- um quadro em que eles nunca pudessem formar
ma de que tinha participado enquanto membro maioria em qualquer delas.
da Comissão: “a imprescindível formação de uma
terceira turma, para dar vazão ao saldo copioso dos
recursos extraordinários, cujo vulto, como se frisou, Negociando as condições políticas da
excede aos 50.000, e que tenderá pela progressão independência judicial
demográfica, a ultrapassar em muito os índices
anuais até hoje registrados”.28 A nomeação dos novos ministros e a aprovação
Dias depois, o Congresso Nacional aprovava a da reforma do Judiciário, que alterava substancial-
Emenda Constitucional n. 16, de 26 de novembro mente as funções do STF e o controle de consti-
de 1965, que instituía a representação de incons- tucionalidade no país sem consulta aos integrantes
ENTRE O DEVER DA TOGA E O APOIO À FARDA  9

da Corte, contudo, não foi capaz de romper as re- No entanto, uma das alterações na organização
lações institucionais entre o Tribunal e o governo do Judiciário promovidas pelo texto constitucional
militar. É o que se observa no discurso que recorre de 1967 chegou ao Supremo Tribunal Federal.32 O
à neutralidade política, feito pelo ministro Antônio art. 118 da Constituição mudou a forma de no-
Gonçalves de Oliveira, vice-presidente do Supre- meação dos juízes da Justiça Federal, que havia
mo, em 13 de março de 1967, quando recebeu a vi- sido recriada com o AI-233 e organizada pela lei n.
sita de despedida de Castello Branco, cujo mandato 5.010/1966, prevendo a nomeação por decreto pre-
terminaria dois dias depois: sidencial a partir de lista quíntupla elaborada pelo
STF.34 Segundo a nova regra, a nomeação deve-
É com grande honra que recebemos a visita ria recair sobre brasileiros maiores de 30 anos, de
de Vossa Excelência a esta Casa. Registramos, cultura e idoneidade moral, mediante concurso
a propósito, que Vossa Excelência, a primeira de títulos e provas organizado pelo Tribunal Fede-
vez que saiu oficialmente de seu Palácio, como ral de Recursos.
Presidente da República, foi para uma visita a Quando já havia entrado em vigência a dispo-
esta Corte de Justiça. Vossa Excelência, então, sição do art. 118 da Constituição de 1967, juízes
manifestava o apreço do Chefe do Executivo ao aprovados como substitutos pleitearam a nomeação
Supremo Tribunal Federal. Causa-nos, assim, para cargos de juiz federal para a Seção Judiciária
justo orgulho esta segunda visita, três anos de São Paulo, mas foram preteridos por juízes não
após, uma das últimas, que faz, como chefe concursados. O grupo ajuizou o Mandado de Se-
do governo, cujo mandato findar-se-á a 15 do gurança n. 19.873/SP, questionando o ato de no-
corrente. Este Tribunal não terá desmerecido do meação do presidente da República, general Costa
apreço então externado por Vossa Excelência. e Silva, realizado de acordo com as regras revogadas
Todos sabemos que não é fácil harmonizar a do AI-2 e da lei n. 5.010/1966, que não exigiam a
ordem política com os programas e propósitos prévia aprovação em concurso público.
revolucionários. No fervilhar das paixões, nós, A ação foi relatada pelo ministro Themístocles
os Juízes, nem sempre somos compreendidos. Cavalcanti que, no julgamento realizado em 22 de
É que, no exercício de nossas funções, não junho de 1968, denegou a segurança. Cavalcanti
podemos ficar a favor, nem contra, precisamente entendeu serem aplicáveis os incisos I e III do art.
porque somos Juízes, escravos da Lei, que 173 da Constituição de 1967, que, ao dispor sobre
juramos cumprir e de acordo com a qual as regras gerais e transitórias, excluiu de apreciação
julgamos (Gonçalves de Oliveira, 1968, pp. 53- judicial os atos praticados pelo Comando Supremo
54, destaques meus). da Revolução, além dos consubstanciados nos atos
institucionais ou deles derivados. A decisão assegura-
As considerações do ministro foram reiteradas va que, apesar de praticado após o início da vigência
por Castello Branco ao afirmar ter ouvido de um da Constituição, o ato de nomeação editado em de-
jurista brasileiro que, em situação de crise, “não é sacordo com a exigência do concurso público seria
possível haver juízes revolucionários; o que é pos- alcançado pela abrangência dos dispositivos revoga-
sível é haver leis revolucionárias”. No discurso do dos, posto que as nomeações do presidente teriam
general estava presente a ideia de ter conferido ao passado pelo crivo do Senado Federal, atendendo ao
STF mais autonomia, num passo rumo à evolução requisito normativo anteriormente vigente.
da Corte. Um “traço revolucionário” a ser assegu- A decisão foi seguida pela maioria do Tribunal,
rado pelo projeto de constituição que resultaria na vencidos os ministros Evandro Lins e Silva, Hermes
Carta de 1967, cuja redação não trouxe inovações Lima e Victor Nunes Leal, que acolhiam a alega-
substanciais sobre a organização interna do Judi- ção de incompatibilidade da nomeação dos juízes
ciário,30 mas que avançou em direção à concen- federais sem concurso com o texto constitucional.
tração da jurisdição constitucional no âmbito do O resultado do julgamento é um bom exemplo de
Supremo Tribunal Federal.31 como as garantias de independência da magistratura
10  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 32 N° 95

passaram a ajustar-se às mudanças impostas pelo au- n. 229/1967 havia alterado dispositivos da CLT re-
toritarismo ao desenho institucional do Judiciário.35 lativos ao ingresso na magistratura, conduzindo a
Entretanto, a complexidade de tal ajuste envol- unanimidade do Tribunal a conceder a segurança.
via certo grau de autonomia do STF na defesa ou Apesar de não discutida entre os fundamentos da
manutenção do desenho institucional e do governo decisão, a provável causa da rejeição de Costa e Silva
perante o Poder Judiciário. No sentido de assegurar em nomear Olga Cavalheiro estava na sua descrição
a autonomia dos tribunais para fixar as regras sobre como “comunista” e “ligada a elementos esquerdistas
provimento dos cargos da magistratura, a Represen- e comunistas” registrada na ficha mantida pelo Con-
tação nº 749/RS foi julgada improcedente em 4 de selho Nacional de Segurança. Mantendo sua posição,
dezembro de 1968. A ação pleiteava a inconstitu- mesmo após a decisão do STF, Costa e Silva decidiu
cionalidade de disposição da Constituição gaúcha cassar-lhe os direitos políticos. Nas suas palavras, era a
que criava a carreira de “juiz substituto” e, assim, “única forma de evitar que ela seja sancionada agora,
postergava a vitaliciedade. Contudo, ao decidir, o cassando os direitos políticos e assim ela não poderá
STF manteve a competência do governo estadual ser nomeada juiz”. No que foi apoiado pelo então mi-
em disciplinar a organização do Judiciário e rejei- nistro da Justiça Gama e Silva: “[a] prova da atividade
tou os pedidos da Procuradoria-Geral da Repúbli- comunista é grande. É pena que ela seja bacharela. É
ca.36 Contrariando a pretensão de autonomia dos comunista militante”.39 Os direitos políticos de Olga
tribunais, o julgamento da Representação no 746, Cavalheiro foram cassados por dez anos após delibera-
que contrariou a regra da Constituição do Estado ção da 49o sessão do Conselho de Segurança Nacio-
da Guanabara no sentido de atribuir ao Tribunal nal, em 1 de julho de 1969.
de Justiça a iniciativa de lei para propor à Assem- No plano das relações entre o Supremo e os
bleia Legislativa a fixação de vencimentos dos ma- militares, parecia prevalecer uma relação de con-
gistrados e servidores.37 Novamente o STF manteve descendência mútua que marcava a cumplicidade
a competência da chefia do Executivo estadual em de alguns ministros na função de direção da Corte
simetria ao modelo federal. com a ditadura. Nessa relação, o discurso de pleno
A interferência do governo militar na autono- vigor da independência judicial ocupou espaço re-
mia do Judiciário se observava também na tentativa levante, ainda que a prática do STF fosse vacilante
de impedir que advogados considerados “subversi- sobre a autonomia dos demais órgãos do Judiciário.
vos” se tornassem magistrados. Um caso que tes- Se entre os militares e os ministros do Supremo a
tou os limites da tensão entre o STF e o governo tensão parecia, de algum modo, mantida sob con-
nesse quesito foi o julgamento do MS n. 18.972/ trole, no plano interno da caserna a percepção era
DF,38 impetrado por Olga Gomes Cavalheiro. Ela de que o Poder Judiciário era uma ameaça ao re-
havia sido aprovada em 18o lugar no concurso para gime, em virtude do seu potencial desmoralizador
a magistratura trabalhista no TRT do Rio Grande para o governo, em especial pela sua atuação em
do Sul, realizado em 1964. Contudo, teve negado sede de habeas corpus. Nesse sentido, o curso pro-
o direito à nomeação, mesmo quando já nomeados movido pela Escola Superior de Guerra em 1969
os candidatos classificados nas últimas colocações registrava:
(19o ao 24o lugares), sob o argumento de que o
presidente da República não estava vinculado à O Judiciário. A infiltração nesse Poder confere
ordem de classificação do concurso, podendo es- aos comunistas uma garantia de impunidade
colher entre os indicados na lista tríplice oferecida crescente, permitindo-lhes uma situação cada
pelo Tribunal local. Travou-se, então, uma longa vez mais ostensiva e desafiadora, o que muito
discussão na sessão de julgamento, do dia 11 de se- concorre para desmoralizar o governo. Um
tembro de 1968, que entendeu que o único critério ruidoso “habeas-corpus”, habilmente explorado,
legal para a nomeação era a classificação do concur- não só irrita e desencoraja a população que se
so, independentemente da lista tríplice. O voto do vê à mercê da subversão, como desestimula e
ministro Eloy da Rocha concluiu que o decreto-lei desmoraliza os agentes da Lei.40
ENTRE O DEVER DA TOGA E O APOIO À FARDA  11

Em 12 de dezembro de 1968, um dia antes da então presidente, e Lafayette de Andrada, a quem


edição do AI-5, na sessão solene de transmissão caberia assumir o seu lugar.43 Além do impacto
da presidência do ministro Luiz Gallotti a Gonçal- sobre o STF, o AI-5 suspendeu os habeas corpus
ves de Oliveira, o primeiro destacou que durante relativos aos crimes políticos, viabilizou demissões
sua gestão a relação com os outros poderes havia e aposentadorias de magistrados, que tiveram
sido harmoniosamente mantida, sem prejuízo da suspensas suas garantias de inamovibilidade e
independência. Já Oliveira destacava o fato de a vitaliciedade. Sob o ato, prisões sem mandato
Corte atravessar uma “fase crítica de sua história”, judicial e acusação formal se intensificaram, sem
porém, para relacionar as expressões crítica e histó- que advogados pudessem buscar na jurisdição civil
ria à sobrecarga de processos nos gabinetes dos mi- a proteção dos direitos de opositores do governo.
nistros. Na sua visão, o Tribunal continuaria a jul- Com a edição do Ato Institucional n. 6, de 1 de
gar de modo independente como sempre havia fevereiro de 1969, que reduziu o número de minis-
julgado, sem pressões de qualquer espécie.41 tros de 16 para 11, a composição do STF passou a
No dia seguinte, a consolidação do autoritaris- contar apenas com Luiz Gallotti, que não havia sido
mo sobre as funções do Supremo42 foi reforçada pelo nomeado pelo regime. Gallotti assumiu novamente
Ato Institucional n. 5, ao qual se seguiu a aposenta- a presidência do Supremo em caráter provisório, ra-
doria forçada dos Ministros Victor Nunes Leal, Her- zão pela qual recebeu as críticas de Sobral Pinto, cuja
mes Lima e Evandro Lins e Silva, no mês de janeiro posição era de que a única saída honrosa a ser toma-
de 1969. Sobre o decreto de aposentadoria, registrou da seria a renúncia de todos os ministros da Suprema
Hermes Lima em suas memórias: Corte (Dulles, 2007, p. 161).
Na fase posterior ao AI-6, as manifestações pú-
Fui o terceiro juiz aposentado pelo Ato Insti- blicas dos ministros eram marcadas pela tolerância
tucional n. 5. Essas aposentadorias, cinco anos ao regime e a exaltação da independência da toga
depois de deflagrada a revolução, remataram era identificada como qualidade moral do caráter
obstinada campanha de índole política discri- do magistrado44 e não como prerrogativa a ser reco-
minatória que inicialmente visou a Evandro e a nhecida e respeitada pelo poder dos militares. Em
mim, acabou colhendo Victor Nunes Leal e, por 1968, a função política do tribunal era reconhecida
pouco, não atingiu outros ministros. Sem dúvi- e descrita pelo ministro Aliomar Baleeiro em ter-
da, repercutiram fundamente na maioria judi- mos de fazer prevalecer a opção política da Cons-
ciária que, embora silenciosa, sentiu, mais uma tituição sobre todos os desvios do Executivo ou
vez, o drama das depurações políticas de juízes Legislativo. Logo, os “freios, aceleradores e amorte-
em épocas revolucionárias. Mas, no Tribunal do cedores constitucionais estão entregues à prudência
Estado da Paraíba, em sessão plena, levantou do Supremo Tribunal Federal, que, inevitavelmen-
a voz o desembargador Emílio de Farias, que, te, há de refletir os julgamentos de valor e as op-
evocando Calderon de la Barca: “Dê-se tudo ções formadoras da educação e do espírito de seus
ao rei, menos a honra” – disse a seus pares. “Eu membros” (Baleeiro, 1968, p. 103; ver tb. Oliveira,
mentiria a mim mesmo, que é a forma mais ver- 2004, p. 108). Posição semelhante foi descrita por
gonhosa de mentir, se por conveniência ou pu- Evandro Lins e Silva, que destacou a fidelidade do
silanimidade silenciasse ante a perda irreparável STF à Constituição negando, contudo, que a Cor-
que sofreram a magistratura e a cultura jurídica te tivesse se posicionado contra os militares (Lins e
do Brasil com o afastamento compulsório das Silva, 1997, p. 386).
atividades judicativas de tão eminentes juriscon- Todavia, a defesa da postura dos ministros em
sultos patrícios”. Foi logo em seguida aposenta- relação aos militares não pareceu suficiente para a
do (Lima, 1974, pp. 289-290). garantia da independência judicial no Tribunal.
Após o AI-5, a Corte havia deixado de ser um órgão
Após serem pressionados por Costa e Silva, da soberania nacional e passado a subordinar-se
aposentaram-se os Ministros Gonçalves de Oliveira, ao presidente da República. Segundo Lins e Silva
12  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 32 N° 95

(1997, p. 407), o STF havia sido “castrado no seu desempenhou o papel de corista humilde, entre os
poder de órgão que compõe o sistema dos três solistas e regentes da orquestra” (Baleeiro, 1968, p.
poderes independentes e harmônicos entre si”. O 131).
aumento de competências que algumas das reformas Mesmo tendo desempenhado o mandato de de-
legislativas conferiu ao STF não havia lhe concedido putado pela UDN e ascendido ao Tribunal por rela-
poder suficiente para afirmar a Constituição contra ções políticas com os militares, em texto publicado em
as medidas autoritárias do Executivo. Essa carência 1972, Aliomar Baleeiro condenou a figura do “juiz
passava a se refletir nos julgamentos, a exemplo partidário” e designou como ‘horror’ a justiça políti-
do acolhimento da constitucionalidade da lei de ca. Nas palavras do ministro, o mecanismo era uma
censura prévia editada por Médici em 1971 pelo deturpação para “a consecução de objetivos partidá-
Tribunal, contra o voto isolado de Adauto Lúcio rios ou determinado e específico programa político
Cardoso, que abandonou o plenário em seguida. com sacrifício do ideal de imparcialidade e nobreza do
Nessa linha, verifica-se a posição de Victor Nunes aparelho judicial” (Baleeiro, 1972, p. 6). No entan-
Leal, em palestra proferida no ano de 1980, quando to, realizando juízo técnico46 a partir das estatísticas de
registrou a incompreensão dos militares sobre o julgamento do Tribunal entre 1965 e 1966, concluiu
papel da Corte e o recrudescimento do regime em que o sucesso do movimento militar era evidente, pois
relação ao Tribunal: se havia registrado a melhora de rendimento em 90%
na Corte.
Naqueles primeiros anos da Revolução de 1964 A avaliação da eficiência técnica do Supremo na
não havia, em algumas áreas do Governo, a níti- comunicação entre Judiciário e Executivo na ditadu-
da compreensão – ou aceitação – de que o papel ra militar incorporava-se no plano das relações insti-
do Supremo Tribunal Federal não era interpre- tucionais, das quais dependiam os próprios ministros
tar as normas constitucionais, institucionais ou para exercerem suas atividades. A sintonia do diálogo
legais de acordo com o pensamento ou interes- entre Geisel e o STF poderia ser atribuída ao obje-
se revolucionário, mas interpretá-las consoante tivo de promover maior estabilidade institucional e
o seu próprio entendimento. Havia reservas, previsibilidade política ao regime (Codato, 2005, p.
menos ou mais explícitas, à independência do 84 e 94), acompanhada da afirmação de Geisel de
Judiciário [...] Mais tarde, certamente, o siste- iniciar uma transição “lenta, gradual e segura”. Con-
ma jurídico da Revolução se foi desdobrando tudo, a derrota da Arena nas eleições gerais de 1974,
para cobrir a superfície até então ocupada pelo primeiro ano do governo, que renovou um terço do
direito anterior, que era de inspiração liberal. E Senado e toda a Câmara dos Deputados, retirou a
também se ampliaram as situações em relação maioria de dois terços do Congresso, provocando
às quais ficou obstada a apreciação judiciária de uma mudança nos planos.
atos do Governo (Leal, 1999, pp. 267-268) Em 1975, o STF havia elaborado um detalha-
do diagnóstico do seu funcionamento e o encami-
Ao tratar das restrições aos magistrados, Baleeiro nhou ao Presidente Ernesto Geisel.47 O relatório
sugere uma equivalência entre apartidarismo e neu- continha dados da sobrecarga e informava a crise de
tralidade política, afirmando que “qualquer ativismo morosidade nos julgamentos, a dificuldade no re-
partidário prejudicaria o dever de imparcialidade na crutamento de bons juízes, a defasagem remu-
aplicação da Constituição, para solução daqueles neratória e a necessidade de adoção de uma Lei
atritos sociais, que são normalmente levados à ba- Orgânica da Magistratura Nacional. A fase era de
lança da Justiça. A fim de que os pese e decida”.45 Já aproximação entre os ministros e o Executivo, repre-
em relação ao que denominou de “impacto da Revo- sentado pelo ministro da Justiça Armando Falcão,
lução sobre o STF”, Baleeiro absteve-se de avaliá-la que coordenou o projeto de Reforma do Judiciário,
enquanto fato político ao dizer que “ninguém pode encaminhado pelo governo ao Congresso.
ser historiador dos fatos de seu tempo, mormente Mas o resultado das eleições de 1974 havia
quando neles, além de testemunha, algumas vezes se conferido ao MDB poder suficiente para travar as
ENTRE O DEVER DA TOGA E O APOIO À FARDA  13

reformas constitucionais, entre elas a do Judiciário. Congresso, a exemplo do discurso de Paulo Bros-
O comando emedebista negociava com o governo sard, já no cenário da incipiente abertura (Paixão e
os termos do projeto e ofertou como contrapro- Barbosa, 2008, p. 122).
posta “o restabelecimento das garantias que o AI-5 Nas conferências realizadas na Universidade
tirou dos juízes e dos tribunais e do princípio do de Brasília, entre 11 e 14 de setembro de 1978,
habeas-corpus para proteger acusados de crimes po- por ocasião da comemoração do Sesquicente-
líticos”.48 Contudo, a contraproposta não foi aceita nário do STF, o ministro da Corte, José Pereira
pelo governo. Ulysses Guimarães, Tancredo Neves Lira, defendia o afastamento dos modelos consti-
e Thales Ramalho, líderes moderados do MDB, tucionais de 1891, 1934 e 1946 naquele momen-
chegaram a defender a aceitação da proposta do to do contexto de institucionalização da reforma
governo como forma de capitalizar o apoio da Are- do Judiciário: “[a] tarefa do momento reclama o
na para futuras reformas institucionais vistas como armar o Estado de poderes excepcionais – como,
mais significativas. Mas o diretório não acolheu a aliás, em todos os continentes –, e passageiros no
ideia de que votar contra a reforma do Judiciário tempo e conformes com as circunstâncias que mu-
seria evitar “um prematuro e inútil confronto com daram e quem sabe se não tornarão a mudar”.51
o governo”. Venceu a corrente levantada pelo Sena- Numa interpretação contraditória, mas politica-
dor Paulo Brossard fechando a posição do partido mente funcional, Lira entendia o papel do STF
contra a aprovação do projeto enviado por Geisel. enquanto poder moderador de supremo intérprete,
A rejeição do projeto de reforma do Judiciário em cuja manifestação se incorporava a vontade do
pelo MDB desencadeou a brusca reviravolta de Gei- povo, associado à “roda mestra” da maquinaria
sel em direção ao autoritarismo. Ao saber da derrota do regime, sobre o qual não faltava o elogio.52
no Congresso, o governo resolveu baixar o “pacote de Para Koerner (2010, p. 313), a análise das
abril”. A medida não escondia seu objetivo eleitoral. A representações de inconstitucionalidade pós-
previsão de eleições diretas para governadores estadu- 1964 indica que essa avaliação do ministro José
ais em 1978 tornou-se um virtual problema para os Pereira Lira era minoritária entre os demais
militares, agravado pela perda de espaço no Legislativo membros do Tribunal. A assimetria no exercício
para alterar o quadro. Então, em 1º de abril de 1977, dos poderes era patente e contava com a postura
Geisel fechou o Congresso por 14 dias e estabeleceu, austera de autocontenção dos próprios ministros,
por meio de seis decretos-lei, um conjunto de refor- que evitavam dar declarações na imprensa –
mas. Entre elas: o aumento do mandato presidencial especialmente diante de casos com potencial
de cinco para seis anos; a alteração do quórum de repercussão política – mesmo quando já esgotado
aprovação das emendas constitucionais para maioria o regime militar e no curso da transição. Esse era
simples; a instituição de eleições indiretas para gover- um modelo de comportamento consentâneo com a
nadores e um terço do Senado (os “biônicos”); a am- ampliação das atribuições de controle concentrado
pliação de bancadas em que a Arena tinha resultados no Supremo, com composição já majoritariamente
eleitorais mais favoráveis e a extensão da Lei Falcão49 redefinida pelo regime militar, quando o Tribunal
às eleições estaduais e federais. passaria a julgar representações também contra
A medida também aprovara a reforma do Judi- as leis aprovadas pelo Congresso Nacional e não
ciário causando profundo impacto na burocracia ju- apenas pelos Estados.
dicial. Foi criado o contencioso administrativo para Porém, a compreensão do papel do STF e da
as relações de trabalho de servidores com a União independência do Judiciário enquanto consectá-
e instituíram-se a avocatória e a representação in- rios da defesa da ordem e não das expectativas de
terpretativa, além do Conselho Nacional de Magis- justiça ou de demandas por igualdade também era
tratura. A reforma foi duramente criticada entre os expressamente asseverada no discurso oficial da
juristas militantes e defensores de perseguidos pelo Corte. Na sessão solene do dia 18 de setembro de
regime.50 As principais objeções ao autoritarismo da 1978, também em comemoração ao Sesquicente-
reforma vieram da oposição política ao regime no nário, o presidente do Tribunal, ministro Thomp-
14  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 32 N° 95

son Flores53, fez um longo apanhado histórico da vista como a única alternativa viável para a supera-
vida institucional do STF. No seu pronunciamen- ção do regime militar.
to: “o Supremo Tribunal Federal se manteve sempre Segundo Pécaut, essa aparente contradição
independente e imparcial. Seus juízes em todos os entre a divisão de correntes e a aliança pragmáti-
tempos julgaram como entendiam em sua consci- ca com outros setores foi em parte responsável pela
ência, de direito e justiça”. E, negando a função po- redefinição da imagem de intelectuais e juristas
lítica da Corte, absteve-se de qualquer crítica para enquanto atores políticos. Crescia a importância
descrever a EC n. 7/1977 como acertada opção dos civis na conformação do regime, cuja transição
técnica, externando a sua concordância com a posi- planejada para ser controlada pelo governo adqui-
ção do ministro Oswaldo Trigueiro ao reproduzir o ria uma lógica própria no final dos anos de 1970,
seguinte trecho: “Dizer-se que o Supremo Tribunal inclusive eleitoral (Codato, 2005, p. 95). Após a
sempre esteve a favor das forças dominantes é me- vitória da oposição (MDB) em alguns Estados nas
nos um juízo crítico do que a constatação de uma eleições de 1982, alguns daqueles atores voltaram
contingência inelutável. Toda ordem jurídica refle- a ocupar cargos na alta burocracia estatal, quando
te, necessariamente, as condições dominantes em já se articulava discursivamente as reivindicações
determinado momento político e social. A missão pelas eleições diretas e a convocação da constituin-
dos Tribunais não é outra senão a de defender a or- te. Nesse movimento, incluíram-se a SBPC, a ABI
dem estabelecida, aplicando leis que não são feitas e a OAB, esta última aliando a defesa do interesse
por eles”. corporativo da advocacia, que tinha perdido espaço
A percepção de que os militares tinham alcan- com a redução ou até exclusão de competências do
çado a imposição hegemônica do seu domínio so- Judiciário pela EC n. 77, com a defesa dos direitos
bre as instituições judiciais não se repete quando humanos e o restabelecimento do regime democrá-
se dirige a análise ao plano das ideias políticas em tico (Pécaut, 1990, p. 279).
disputa naquele momento. A resistência dos gru-
pos de intelectuais, artistas, profissionais liberais,
estudantes, a dissidência católica ligada à teologia Considerações finais
da libertação e os partidos de esquerda isolados da
institucionalidade, havia sido responsável pela ma- A variação da intervenção dos governos autori-
nutenção de uma reserva crítica influente e, em tários no desenho institucional do Poder Judiciário
alguma medida, autônoma nos primeiros anos do pode ser conduzida ao grau de consenso entre as eli-
regime (1964-1968).54 tes judiciais e militares. Esta observação ganha po-
O endurecimento da repressão havia pro- tencial explicativo quando consideramos que duran-
vocado o exílio de muitos dos membros dessa re- te o regime autoritário a independência do Judiciário
sistência intelectual e acadêmica que, no entanto, exerceu uma função ambígua, colocando-se entre a
passou a falar mais para si mesma após as falhas limitação da coação e a legitimação do seu uso contra
nas tentativas da desejada ampliação do seu campo os opositores (Pereira, 2005, p. 41; Lemos, 2004).
de influência contestadora sobre a população. Tal Assim, o fato de ter sido mantido em funcionamen-
condição limitadora da livre circulação de ideias to sem uma subordinação explícita ao governo suge-
ocorreu simultaneamente à expansão da fragmenta- ria a vigência do Estado de Direito. E, por sua vez,
ção de correntes do pensamento social no Brasil, o abre espaço para distinguir ao menos três momentos
crescimento dos cursos de pós-graduação e a profis- relevantes sobre o sentido da independência judicial
sionalização acadêmica nas ciências sociais (Pécaut, no STF durante a ditadura militar.
1990, p. 253 e 261), por um lado. E, por outro, a No primeiro deles, compreendido entre o perí-
reunião daqueles diversos grupos da resistência com odo imediatamente anterior ao golpe e até a edição
interesses os mais distintos – porém, autoidentifica- do AI-2, em 16 de novembro de 1965, o consenso
dos na luta contra o autoritarismo –, em torno na entre as elites judiciais e militares parecia consis-
reorganização da sociedade civil que passava a ser tente, a considerar pela confluência dos discursos
ENTRE O DEVER DA TOGA E O APOIO À FARDA  15

entre os representantes do Judiciário e do Executivo Notas


sobre a importância da manutenção da plena auto-
nomia do STF; confluência marcada pela visita de 1 Sobre os conceitos antitético-assimétricos e o risco de
Castello Branco logo após a deposição de Goulart. confundir história política com linguagem conceitual
Já o segundo momento, que pode ser observado como método histórico: Koselleck (2006, pp. 191-
entre o AI-2 e o AI-5, de 13 de dezembro de 1968, 197; 2012, pp. 9-26).
foi caracterizado pela precarização daquele consenso 2 Díaz-Asensio (2012, pp. 41-44), cujo levantamento
quando, ainda na fase de institucionalização do estatístico das condições da atuação judicial em dita-
duras entre 1972 a 2002 mostrou que regimes auto-
governo militar, a composição do Tribunal foi
ritários tendem a tolerar a atividade das instituições
modificada à sua revelia e lhe foi subtraída a
judiciais em países em que o governo enfrenta uma
competência para o julgamento dos atos praticados oposição política organizada do que naqueles onde
pelo governo ao passo da ampliação da jurisdição a elite política se encontra coesa. A expectativa que
militar. Esse momento teve seu ponto culminante motivaria a criação de novas cortes ou reforma das
de interferência com a suspensão do habeas corpus, existentes seria a de que os juízes pudessem legitimar
além da decretação da aposentadoria compulsória os efeitos do forte dissenso de certas decisões políticas
de três ministros em janeiro de 1969. do regime. No mesmo sentido: Ginsburg e Moustafa
No último período analisado, que abrange do (2008, p. 4 e ss.), acrescentando as funções de com-
impacto do AI-5 até a edição da EC n. 7/1977 e o pliance entre governo e burocracia na coordenação das
disputas entre facções rivais do regime e a oferta de
início da abertura política, notou-se um realinhamen-
credibilidade para o comércio e investimentos.
to de posições entre as elites militar e judicial. Para
tanto, a exclusiva composição da Corte por ministros 3 Além do levantamento bibliográfico relativo à produção
jurídica sobre independência judicial e organização do
indicados pelo regime teve um papel fundamental,
sistema de justiça durante da ditadura, foram coletadas
porém não único. A presença do caráter conservador decisões do STF disponíveis nos repertórios de juris-
na formação jurídica dos integrantes do Supremo pas- prudência à época e as disponibilizadas no próprio sítio
sou a justificar o discurso de que à magistratura cabia eletrônico do Tribunal (<www.stf.jus.br>). Como apoio,
apenas o papel técnico de assegurar a ordem estabeleci- também foram utilizadas fontes disponíveis no Arquivo
da. Entretanto, tal posição se articulava contraditoria- Nacional, nas publicações oficiais dos governos militares
mente com a noção de que a independência judicial se e no relatório da Comissão Nacional da Verdade.
manifestava em atributos da moral no comportamen- 4 Conceito desenvolvido por Linz (1973, p. 249). Para
to individual dos juízes e não na institucionalização de uma descrição mais ampla das características dos re-
garantias do exercício autônomo da jurisdição. gimes burocrático-militares na tipologia dos regimes
Esse breve histórico de como o sentido da ati- autoritários: Linz (1979, pp. 149-169). Também:
vidade judicial foi construído na relação entre os O’Donnell (1979, p. 85 e ss.), que classifica as dita-
duras inauguradas no Brasil em 1964 e na Argentina
juristas e os militares, quando a independência da
em 1966 entre os regimes autoritário-burocráticos
magistratura foi em parte suprimida e as expectativas emergentes da alta industrialização tardia, baseados na
de imparcialidade do STF no julgamento de confli- coalizão entre setores de cúpula da burocracia e grandes
tos políticos pareciam inexistentes, ajuda-nos a pen- proprietários contra o campesinato e a crescente clas-
sar a experiência que configurou o passado imediato se operária urbana, minimizando as possibilidades de
à instalação da constituinte.55 Mais ainda, ajuda-nos uma revolução social.
a compreender a participação de integrantes do Po- 5 Pereira (2005, p. 34). Sobre a inserção do Judiciário
der Judiciário nos trabalhos da Assembleia Nacional na dinâmica combinação de elementos de exceção
Constituinte, formalmente convocada pela Emenda com a legalidade herdada da Constituição de 1946,
Constitucional nº 26/1985, e que se inseriu no cam- tornando mais flexível a administração de conflitos
po mais amplo da distensão de poder dos militares enquanto reduzia o desgaste dos militares entre 1964
enquanto processo de mediação da nossa transição a 1969: Lemos (2004, pp. 409-438).
caracterizada pela permanência de mecanismos insti- 6 Nesse sentido: Miguel Reale (então secretário de Justi-
tucionais autoritários. ça de São Paulo); Vicente Ráo (ex-ministro da Justiça
16  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 32 N° 95

e das Relações Exteriores) e Basileu Garcia (professor indispensável fixar o conceito do movimento civil
da USP), este último lançando expectativas de que “o e militar que acaba de abrir ao Brasil uma nova
Poder Judiciário há de compreender e legitimar o ato perspectiva sobre o seu futuro. O que houve e
institucional como decorrência do estado de necessi- continuará a haver neste momento, não só no espírito
dade para salvação da pátria” (publicado em O Globo, e no comportamento das classes armadas, como na
de 14/04/1964). opinião pública nacional, é uma autêntica revolução”.
7 Telles Júnior (1965). Autor da conhecida “Carta aos 12 Para a íntegra dos discursos de Auro Soares de Moura
brasileiros”, lida no pátio da Faculdade de Direito da Andrade e Ribeiro da Costa durante a visita realizada
USP em 8 de agosto de 1977, que, em contradição em 16 de abril de 1964: Andrade (1985, p. 297 e ss.).
ao ato anterior de apoio ao golpe, simbolizou o ma- 13 Declarado aposentado pelo decreto de 17/06/1964,
nifesto do jurista pelo retorno do Estado de Direito: nos termos do art. 7o, § 1o, do Ato Institucional de
“Consideramos ilegítimas as leis não nascidas do seio 09/04/1964. Cf. BRASIL. Superior Tribunal de Justi-
da coletividade, não confeccionadas em conformida- ça. Homenagem Póstuma. v. 22. Brasília: Secretaria de
de com os processos prefixados pelos Representantes Documentação, 1997, p. 33.
do Povo, mas baixadas de cima, como carga descida
14 Brasil. Diário Oficial da União. Seção 1 – 10.04.1964,
da ponta de um cabo. Afirmamos, portanto, que há
p. 3.217.
uma ordem jurídica legítima e uma ordem jurídica
ilegítima. A ordem imposta, vinda de cima para baixo, 15 Brasil. Comissão Nacional da Verdade. Relatório v. I,
é ordem ilegítima. Ela é ilegítima porque, antes mais dez./2014, p. 935.
nada, ilegítima é a sua origem. Somente é legítima a 16 A respeito da ampliação do entendimento do Supre-
ordem que nasce, que tem raízes, que brota, da pró- mo sobre a própria competência para examinar casos
pria vida, do próprio seio do povo [...] Afirmamos que envolvendo a aplicação da lei n. 1.802/1953 (Lei de
o binômio Segurança e Desenvolvimento não tem o Segurança Nacional), o recurso no HC n. 40.865, jul-
condão de transformar uma ditadura numa democra- gado em 05/08/1964 e o HC n. 41.879, julgado em
cia, um Estado de fato num Estado de direito”. Ver 17/03/1965, ambos concedendo a liberdade a civis
Telles Júnior (1977, pp. 413 e 420). A carta costuma investigados pela prática de crimes sujeitos, a princí-
ser referência no discurso dos juristas como ato de pio, à jurisdição militar nos termos do AI-2.
engajamento pela democracia, mas o apoio de Telles 17 Decisões nos HCs n. 41.609/CE (Percival Barroso);
Júnior ao golpe segue esquecido. 41.891/AC (José Augusto de Araújo); 41.049/AM
8 Seguida da defesa de que “[p]ode um governo, injusto (Plínio Ramos Coelho); 41.296/GO (Mauro Borges),
por sua origem, tornar-se justo por seu funcionamen- e 42.108/PE (Miguel Arraes), os três últimos analisados
to e redimir-se. Um governo imposto pelas armas ou em Vale (1976, pp. 57-92). A decisão no caso Arraes
pela astúcia pode tornar-se, por sua ação, órgão do deu, também, origem a um conflito entre o presidente
poder legítimo. [...] Em consequência, ilegítima será do STF, Ribeiro da Costa, e o chefe do Estado-maior do
a resistência violenta a um tal governo”. Ver Telles Jú- I Exército, general Edson de Figueiredo, que se recusara
nior (1965, pp. 94-105 e 117). inicialmente a cumprir a ordem, considerando-a “um
9 Nesse sentido, o seguinte trecho do voto de Chaves: abuso”. A situação foi contornada após a interferência
“A mim, ao contrário, acho que eram os gorilas de Castello Branco, quando Arraes foi liberado e exi-
aqueles que queriam fazer da nossa independência, lou-se na Argélia. Ver Gaspari (2002, p. 257).
da nossa liberdade de opinião, do nosso direito de 18 HCs n. 46.405/GB (professor Darcy Ribeiro); 43.829/
sermos brasileiros e democratas, tábula rasa, para GB (professor Mário Schenberg); 45.060/GB (arqui-
transformar-nos em colônia soviética, onde eles não teto Vilanova Artigas); 40.976/GB (jornalista Carlos
seriam capazes de manifestar um pensamento sequer Heitor Cony), e 42.560/PE (ex-deputado Francisco
em favor das ideias liberais, para eles, então, haveria Julião Arruda de Paula, líder das Ligas Camponesas e
Sibéria, paredón e outros constrangimentos”. preso há um ano e meio sem condenação). Relatado
10 Trecho do voto do ministro Pedro Chaves. STF. HC pelo min. Luiz Gallotti que negava a ordem, este últi-
n. 40.910/PE, rel. min. Hahnemann Guimarães, J. mo caso, julgado em 27.9.1965, marcou uma divisão
24/08/1964. da Corte. Ver Valério (2010, p. 101).
11 Essa imagem foi inscrita logo no parágrafo inicial 19 Como ficou evidenciado no editorial datado de
do primeiro Ato Institucional, de 09/04/1964: “É 14.4.1964, intitulado “Expurgo no âmbito do Judi-
ciário”.
ENTRE O DEVER DA TOGA E O APOIO À FARDA  17

20 Brasil. Conselho de Segurança Nacional. 45a sessão com aprovação do Senado, como apontam Garoupa e
do Conselho de Segurança Nacional. 16/01/1969. Maldonado (2011, p. 619).
Sessão que precedeu a publicação do decreto de apo- 26 Chacon (1987, p. 201). Há registro de que Sobral
sentadoria dos ministros. também enviou carta a Carlos Medeiros Silva mani-
21 As seis cartas foram doadas por Maria de Lourdes festando a sua reprovação à assunção do cargo. Ver
Kelly ao Arquivo Nacional (Fonte: BR RJANRIO Dulles (2007, p. 131).
TI), em 1993. 27 Até mesmo enviando telegramas ao general Costa e Sil-
22 Apesar de ter se colocado na Liga de Defesa da Legali- va sobre o conflito com Ribeiro da Costa e, em seguida,
dade e manifestado a favor da posse de João Goulart em ao ministro da Justiça, Juracy Magalhães e ao deputado
1961, Sobral Pinto apoiou sem restrições a ascensão dos Adauto Lúcio Cardoso (que logo se tornaria ministro
militares em 1 de abril de 1964, tendo escrevido cartas do STF), afirmando que o ato era uma “ameaça aos
aos comandantes do 1o e 4o Exércitos antes do golpe, inimigos do autoritarismo”. Após a tentativa frustrada
considerando que a “bolchevização do Brasil havia co- de fazer com que o Instituto dos Advogados Brasileiros
meçado”. Ver Goldman e Muaze (2010, p. 25). Contu- denunciasse a inconstitucionalidade do AI-2 e a viola-
do, já em 9 de abril de 1964, o advogado enviou carta a ção à independência judicial, Sobral Pinto renunciou a
Castello Branco criticando o primeiro ato institucional presidência do Instituto. Ver Dulles (2007, p. 127 e ss.)
(Pinto, 1977, p. 65) e apresentou-se como advogado de e Goldman e Muaze (2010, p. 32).
diversos perseguidos e presos políticos que tiveram seus 28 Carta de Prado Kelly a Sobral Pinto, 04/11/1965.
mandatos cassados. Para as correspondências de Sobral Arquivo Nacional (Fonte: BR RJANRIO TI).
Pinto dirigidas a diversas autoridades, incluindo Castello
29 Para uma análise sobre o impacto da EC n. 16/1965
Branco, Costa e Silva, Geisel e Médici em defesa da ad-
para o funcionamento da jurisdição constitucional,
vocacia, dos direitos de presos políticos, além das denún-
ver Carvalho (2012, pp. 124-131) e Costa, Carvalho
cias de tortura e violações aos direitos humanos no país,
e Farias (2016, pp. 160-170).
ver Pinto (1977).
30 O parecer do constituinte Adauto Cardoso destacou a
23 Publicada no Correio da Manhã, em 20/10/1965.
necessidade de equiparação dos vencimentos dos de-
Nela o presidente do STF condenava a intervenção
sembargadores com os dos secretários estaduais, a limi-
do Executivo no Legislativo e Judiciário, criticando
tação da incidência de impostos sobre a remuneração
abertamente o projeto de reforma que tramitava na
dos juízes, além do grande volume de processos no STF.
Câmara para aumentar o número de ministros. Opor-
tunidade em que, só então, denunciou os militares por 31 Tal diagnóstico pareceu claro na dissertação defendida
“fazer ruir o sistema constitucional [...] coisa jamais por Anhaia Mello em concurso para a cátedra de Di-
vista em países civilizados, pois nos regimes democrá- reito Constitucional da USP em 1968, que apontou o
ticos não são os militares os mentores da Nação”. No abandono do modelo difuso articulado por Rui Bar-
que foi apoiado pelo deputado Paulo Coelho em lon- bosa para “entrarmos, decididamente, no campo da
go discurso na Câmara. Ver Vale (1976, pp. 102-118). ação direta”, a ponto de justificar e defender a criação
de uma Corte Constitucional para o país. Ver Mello
24 Costa e Silva apud Gaspari (2002, p. 271). Ver tam-
(1968, p. 199 e 209 e ss.).
bém Dulles (2007, p. 124) e o depoimento de Gustavo
Moraes Rego, tenente-coronel assessor de Geisel, que 32 STF. MS n. 19.873/SP, rel. min. Themístocles Caval-
presenciou o episódio. Ver Rego (1994, pp. 37-72). canti, DJ 20/06/1968.
25 Tradicionalmente chamado de court packing, a medi- 33 “Art. 20. – O provimento inicial dos cargos da Justiça
da interferiu diretamente na composição da cúpula da Federal far-se-á pelo Presidente da República dentre
Suprema Corte com o objetivo de ajustá-la à diretriz brasileiros de saber jurídico e reputação ilibada”.
política governamental. Tal qual ocorreu no plano de 34 Estabelecia a lei n. 5.010/1966: “Art. 19. Os Juízes Fe-
reorganização da Suprema Corte norte-americana por derais serão nomeados pelo Presidente da República,
Roosevelt, após decisões contrárias ao New Deal em dentre os nomes indicados, em lista quíntupla, pelo
1937, ver Kline (1999, pp. 863-954); além do caso da Supremo Tribunal Federal. § 1° O Supremo Tribu-
transição para a democracia na Argentina em 1990, nal Federal, para a organização da lista escolherá: a)
quando Carlos Menem aumentou o número de mi- três dentre nove nomes de Juízes Federais Substitutos
nistros da Suprema Corte de cinco para nove inte- propostos pelo Tribunal Federal de Recursos; b) dois
grantes, promovendo ele próprio as novas nomeações, nomes de bacharéis em Direito, com mais de trinta e
18  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 32 N° 95

menos de sessenta anos de idade, de notório mereci- nenhuma pressão, nos nossos julgamentos”. Ver Gon-
mento e reputação ilibada, e oito (8) anos, no mínimo çalves de Oliveira (1968, p. 68).
de efetivo exercício na advocacia, no Ministério Públi- 42 Sobre as competências do STF, o ato excluiu a apreciação
co, na magistratura ou no magistério superior”. de habeas corpus nos casos relativos a segurança nacional,
35 Nesse sentido, foram as conclusões da Comissão Na- crimes políticos, ordem econômica e economia popular.
cional da Verdade que registrou o modo particular de 43 Atos que escancararam a crise no STF e mostraram a
atuação de magistrados e ministros do STF na legi- ausência de garantias da continuidade do funciona-
timação do regime: “sublinha-se que, em conjunto, mento da Corte. Logo após as aposentadorias, na ses-
as decisões do Poder Judiciário, quando do período são de 05/02/1969, o ministro Luiz Gallotti prestou
ditatorial, refletem, muitas vezes, seu tempo e seus se- homenagem aos colegas. O discurso e as cartas com
nhores; são expressões da ditadura e de seu contexto os pedidos de aposentadoria de Gonçalves de Oliveira
de repressão e violência. Os magistrados que ali esti- e Lafayette de Andrada foram reproduzidos em Pires
veram – ou melhor, que ali permaneceram – frequen- (1979, pp. 71-77). Após o episódio, Aliomar Baleeiro
temente eram parte dessa conjuntura, até mesmo por- e Oswaldo Trigueiro assumiram a presidência e a vice-
que, por meio da ditadura militar, foi-lhes garantido -presidência da Corte, respectivamente.
um assento naqueles tribunais. Quem quer que tenha
44 Nesse sentido, a declaração para a imprensa do minis-
sido nomeado para o STF, por exemplo, durante a di-
tro Thompson Flores ao comentar a extinção do AI-5
tadura, tinha clareza das circunstâncias a que estavam
pela EC n. 11, de 13/11/1978: “Acompanhei desde
jungidos e quais votos eram esperados da sua lavra;
1964, como magistrado de segunda instância, a perda
sabiam da ausência de garantias dos magistrados; co-
dos predicamentos da magistratura, em decorrência da
nheciam as reformas promovidas na composição e
Revolução e das injunções criadas a partir delas. Os ma-
atribuições do tribunal; e, sobretudo, eram cônscios
gistrados brasileiros, principalmente os do Rio Gran-
acerca de quem deveriam servir”.
de do Sul, que eu bem conheci, não se perderam na
36 STF. Representação n. 749, rel. min. Adalício Noguei- sua independência no desempenho de suas atribuições
ra, julgado em 04/12/1968. Íntegra do debate em: STF inerentes ao exercício da função judicante [...]. Nunca
(1976). Representações por Inconstitucionalidade. Tomo soube, durante todo esse tempo, que um só juiz hou-
II (Pará a Sergipe), pp. 207-332. vesse deixado de ser um homem de bem, deixasse de ser
37 STF. Representação n. 746/GB, rel. min. Gonçalves honrado, cedesse à subversão, ou comprometesse por
de Oliveira, julgado em 07/03/1968. O recurso ao outro modo a majestade da toga, pelo fato de estarem
argumento da simetria havia sido utilizado pelo STF suspensas as prerrogativas constitucionais da magistra-
para declarar inconstitucionais dispositivos da Consti- tura. A independência de um magistrado, em verdade,
tuição da Guanabara no julgamento da Representação está na força do seu caráter, da sua formação moral, da
no 751, em 19/10/1967, que concedia ao Conselho sua probidade”. Cf. Pires (1979, p. 66).
de Magistratura estadual competência para fiscaliza- 45 Baleeiro (1968, p. 104). A neutralidade de que falava
ção financeira, poder disciplinar e alterava as regras de Baleeiro foi descrita também por Lins e Silva, porém
nomeação do quinto constitucional para o Tribunal apenas no sentido político-partidário, pois para ele a
de Justiça. neutralidade não impediria “o ministro de pronunciar
38 Ver também MS n. 18.672/DF, ajuizado por José votos políticos. Por quê? Porque o Tribunal é um po-
Carlos da Silva Arouca, e MS n. 19.003, ajuizado por der político da nação. Todos os votos são políticos”.
Carlos Renan Kurtz, que também discutiram a valida- Ver Lins e Silva (1997, p. 387).
de da lista tríplice como critério de nomeação. 46 O número de processos julgados/arquivados por ano
39 Arquivo Nacional. Ata da 49a sessão de 01/07/1969 havia se reduzido de 11.929 para 6.282. “Um fato é
do Conselho de Segurança Nacional, p. 151. Ver tam- certo: a Revolução, que não pode ser sentenciada por
bém: “Novas punições atingem 81 pessoas”, Jornal do paixões, interesses e ressentimentos do presente, quis
Brasil, 02/07/1969, p. 3. manter o Supremo no papel político que inspirou a
40 Brasil. Escola Superior de Guerra, 1969, p. 18. sua criação pelos fundadores da República. Ao invés
de enfraquecê-lo, no meu entender, deu-lhe poderes
41 E completou: “Dou o meu testemunho, não por van-
políticos ainda mais graves e com maiores responsa-
glória ou ostentação de poderio, que é pecado, mas
bilidades, como a competência para declarar, em tese,
para gáudio da verdade e da democracia, por cujos
a inconstitucionalidade de leis federais e não, apenas,
ideais lutaremos sempre, que nunca sofremos aqui
ENTRE O DEVER DA TOGA E O APOIO À FARDA  19

como antes, a das estaduais contrárias ao art. 7o, VII, BALEEIRO, A. (1968), O Supremo Tribunal Fede-
da Carta de 1946”. Ver Baleeiro (1968, p. 134). ral, esse outro desconhecido. Rio de Janeiro, Fo-
47 STF. Reforma do Judiciário: diagnóstico. Ofício n. rense.
142, de 17/06/1975, pp. 17-38. ______. (1972), “A função política do judiciário”.
48 Trecho extraído da edição n. 447 da revista Veja a par- Revista Forense, 68 (238): 5-14.
tir do levantamento feito por Tatiana Senne Chicari- BARBOSA, L. (2012), História Constitucional Bra-
no: A transição e a revista Veja: um estudo sobre política sileira: mudança constitucional, autoritarismo e
e democracia no Brasil. Disponível em: <http://www. democracia no Brasil pós-1964, Brasília, Edições
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reinseridas apenas com a EC n. 11 em outubro de
1978, que revogou o AI-5.
ritarian sources of judicial failure in Chile (1973-
1990) and Argentina (1976-1983)”, in T. Gins-
49 Lei n. 6.339/1976, que restringiu o debate político na
cadeia de rádio de TV ao prever no inciso I do §1º do
burg e T. Moustafa (eds.), Rule by law. The politics
art. 250 do Código Eleitoral que “na propaganda, os par- of Courts in authoritarian regimes, Nova York,
tidos limitar-se-ão a mencionar a legenda, o currículo e Cambridge University Press, pp. 156-179.
o número do registro dos candidatos na Justiça Eleito- BOHOSLAVSKY, J. P. (2015), “Introducción: entre
ral, bem como a divulgar, pela televisão, suas fotografias, cumplicidad militante, complacencia banal y va-
podendo, ainda, anunciar o horário local dos comícios”. liente independencia”, in J. P. Bohoslavsky (ed.)
50 Sobral Pinto destacou que suas críticas se dirigiam aos mi- ¿Usted también, doctor? Complicidad de jueces, fis-
litares que editaram a EC 7/1977 e não ao Supremo, cuja cales y abogados durante la dictadura, Buenos Ai-
autonomia sofria novo ataque. Ver Dulles (2007, p. 188). res, Siglo Veintiuno, pp. 21-41.
51 José Lira apud Koerner (2010, p. 308). No mesmo CARVALHO, A. (2012), Efeito vinculante e concen-
evento, em sentido contrário foi a fala de Miguel Sea- tração da jurisdição constitucional no Brasil. Bra-
bra Fagundes, que destacou a função política do STF sília, Consulex.
com ênfase nos primeiros 30 anos da República e o ______. (2016), Imagens da imparcialidade: entre o
papel da Corte contra os abusos do governo. Ver Fa- discurso constitucional e a prática judicial. Tese de
gundes (1978, pp. 1-10).
doutorado em Direito. Brasília, UnB.
52 “A maior conquista do regime, entre nós, foi a transfor- ______. (2017), “Juscorporativismo: os juízes e o Ju-
mação de uma Corte de Julgamentos Judiciários num
diciário na Assembleia Nacional Constituinte”.
instrumento admirável de Poder Político”. José Lira
apud Koerner (2010, p. 309).
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CHACON, V. (1987), Vida e morte das constitui-
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54 Pécaut (1990, p. 202), que registra o grande aumento
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22  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 32 N° 94

ENTRE O DEVER DA TOGA BETWEEN THE DUTY ENTRE LE DEVOIR DE LA TOGE


E O APOIO À FARDA: OF THE ROBE AND THE ET LE SUPPORT À L’UNIFORME:
INDEPENDÊNCIA JUDICIAL SUPPORT OF FATIGUES: INDÉPENDENCE JUDICIAIRE
E IMPARCIALIDADE NO STF JUDICIAL INDEPENDENCE ET IMPARTIALITÉ DE LA
DURANTE O REGIME MILITAR AND IMPARTIALITY IN THE COUR SUPRÊME BRÉSILIENNE
BRAZILIAN SUPREME COURT PENDANT LE RÉGIME
DURING THE MILITARY REGIME MILITAIRE

Alexandre Douglas Zaidan de Carvalho Alexandre Douglas Zaidan de Carvalho Alexandre Douglas Zaidan de Carvalho

Palavras-chave: Supremo Tribunal Fede- Keywords: Brazilian Supreme Court; Mots-clés: Cour Suprême Brésilienne;
ral; Independência Judicial; Poder Judici- Judicial Independence; Judicial Power; Independence judiciaire; Pouvoir Judi-
ário; Regime Militar. Military Regime. ciaire; Régime Militaire

As disputas discursivas sobre a autonomia Argumentative disputes regarding the au- Les disputes discursives au sujet de l’au-
do Poder Judiciário e seu envolvimento tonomy of the Judicial Power and its en- tonomie du pouvoir judiciaire et son
com as demais instituições políticas mar- gagement with other political institutions implication auprès des autres institutions
cam o sentido de independência judicial mark the notion of judicial independence politiques marquent le sens de l’indépen-
como condição da imparcialidade da juris- as a condition for judicial impartiality. It dance judiciaire en tant que condition
dição. No entanto, a observação da histori- is also important to stress that a histori- de l’impartialité de la juridiction. Néan-
cidade da participação de juristas e juízes, cal inquiry concerning the participation moins, l’observation de l’historicité de la
em particular dos ministros do STF, na of legal experts and judges, in particular participation des juristes et de juges, en
construção do próprio espaço político-ins- Brazilian Supreme Court magistrates, on particulier les magistrats de la Cour Su-
titucional ainda ocupa uma reduzida di- the process of constructing their own po- prême Brésilienne, dans la construction
mensão nas análises de cientistas sociais so- litical-institutional space, unfortunately, de leur propre espace politico-institu-
bre o acesso à justiça no Brasil. Ao procurar still occupies a mitigated importance in tionnel occupe encore une dimension
combinar a análise dos influxos do regime social scientist’s findings when dealing réduite dans l’analyse des chercheurs
ditatorial sobre as funções do Supremo Tri- with the access to justice in Brazil. This en sciences sociales sur l’accès à la jus-
bunal Federal no texto constitucional e as paper seeks to combine the analysis of tice au Brésil. En essayant de combiner
manifestações dos ministros sobre seu pró- the influxes from the dictatorship pe- l’analyse des affluences de la dictature sur
prio papel institucional durante a ditadura, riod, concerning the Supreme Court’s des fonctions de la Cour suprême dans
este texto traça alguns aspectos históricos functions under the Constitutional com- le texte constitutionnel et les manifesta-
relevantes para a compreensão da complexa mands, and the magistrates' declarations tions des magistrats sur leur propre rôle
articulação entre política e direito, na qual about their own institutional role during institutionnel pendant la dictature, cet
foram desenhadas as disputas por autono- the dictatorial regime. It also aims to article trace quelques aspects historiques
mia da Suprema Corte no período da dita- bring some relevant historical aspects to marquants pour comprendre l’articu-
dura civil-militar no país. a better understanding of the complex lation complexe entre la politique et le
relationship between politics and law, in droit, dans laquelle ont été tracées les dis-
which disputes for the Supreme Court’s putes pour l’autonomie de la Cour dans
autonomy were drawn in the period of la période de la dictature civile-militaire
civil-military dictatorship in Brazil. au Brésil.

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